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TATA: ATT i SHULD LO EST) TATUM TTI STC Co DEDALUS - Acervo - FFLCH-FIL UER) Restor: Vieeretor Coordenadora do Forum de Citncia ¢ Cultura EDITORA UFR} Diretora Eeitora-asistnte Coordenadora de produsio Consebo Editorial: HL Paulo Alcantara Gomes José Henrique Vilhena de Paiva Myrian Dauclberg Hiloisa Buarque de Hollands Lucia Canedo ‘Ana Carrizo Heloisa Buarque de Hollands (Presidents), Carlos Lessa, Fernando Labo Caznciro, Flora Sussekind, Gilberto Velho € Margarida de Souza Neves A Reducao Sociolégica Guerreiro Ramos ‘SBD-FFLCH-USP wn 226371 Eprrora UFRJ 1996 ee. A STO ZAzSn Copyright by © Clelia Guerreiro Ramos, Eliana Guerseiro Bennett € Alberto Guerteio Ramos Filho representados por AMS Agenciamento Artstco, Cultural e Literério Leda Ficha Catalogrifica claborada pela Diviséo de Pracessamento Técnico - SIBV/UFRJ R175¢ "Ramos, Guero A redugio sociliiea/ Guerreiro Ramos. 3, ed Rio de Jncto:Fatora UFRJ, 1996, 276 pr 14 X 21 em trie Tercera Margem) 1, Sociologia Apiada 2, Brasil - Sociologia 1. Titulo cpp 301.0981 ISBN 85-7108:1549 Capa Viewor Burton Revo Josewe Babo Projeto Grafico ¢ Editoragio Elerinica Alice Brivo Universidade Federal do Rio de Jancico Forum de Cigneia e Cultura Editora UFRJ Sumario Preficio 4 Terceira Edigio Av, Pasteur, 250/sala 106 - Rio de Jancico CEP: 2295-900 Teli: (021) 295 1595 1.124 2 127 Pax: (021) 542 899 (021) 295 1397 Apoio Tes laydo Universciria José Bonificio Clovis Brigagiéo 07 Preficio 4 Segunda Edigio 09 Nota Introdutéria a ‘A Consciéncia Critica da Realidade Nacional 45 Fatores da Conscitncia Critica do Brasil 33 ‘A Mentalidade Colonial em Liquidasio o Definigéo ¢ Deserigéo da Redugio Sociolégica a Duas Hlustragbes da Redugio Sociotégica 1B Antecedentes Filoséficos da Redugio Sociolgica 85 Antecedentes Sociolégicos da Redugio Sociolégica 93 Lei do Comprometimento 105 Lei do Cariter Subsididrio da Produgio Cientifica Estrangeira 13 Lei da Universalidade dos Enunciados Gerais da Ciéncia Let das Fases Critérios de Avaliagio do Desenvolvimento Apéndice I Sirwasito Atual da Sociologia Apéndice II Consideragées sobre a Reducdo Sociolégica Apéadice Ill Correntes Sociolégicas no Brasil Apéndice IV Observagies Gerais sobre a Redusdo Socioligica Apéndice V 0 Papel das Patentes na Transferencia da Tecnologia para Paises Subdesenvolvides Apéndice VI Anilite do Relatério das Nagies Unidas sobre a Situacéo Social do Mundo 123 129 139 159 189 203 229 247 2357 -_ ~ . was Preficio a Terceira Edigao Passadas quase quatro décadas desde que Guerreiro Ramos publicou, em 1958, a primeira edigio de A Redusto sociolégica (Introdugio a0 Estudo da Razdo Sociolégica), sua veeméncia ainda se faz ouvir. Ali, o mestre Guerreiro sustentava teses com alta dose de coragem intelectual, inspiradas no método critico sobre hébitos, racionalizagées e usurpagies tedricas que habita- ‘vam (e ainda habitam) 0 pensar ¢ o fazer sobre os destinos de nossa sociedade, E marca inconfundivel desse clissico da sociologia 0 rasgar das ilusdes que embotavam os fatos sociais, suas consideragées f¢ pressupostos tedricos sobre o desenvolvimento brasileiro. Em A Redugdo, Guerreiro travava, com sucesso, dois embates: a li- quidaco da mentalidade colonial e de todas suas decorréncias no plano das idéias e da politica e a exposigio, com toda a sua inequivoca radicalidade ¢ clarividéncia, das razdes sobre a nova consciéncia critica da realidade, através do exame metédico € filossfico que ele esgrimava sem parcimOnias ¢ gratuidades. A REpUGKO SocioL6cica Seria A Redugdo ainda arual, atuante ¢ explicativa sobre 0 desenvolvimento brasileiro? Embora os fatos consagrados em sua pesquisa ¢ andlise tenham sido transformados 20 longo dessas décadas, suas argutas observagdes de que “a compreensio do Brasil no pode resultar de uma intuigio instantanea, mas do meticuloso exame de suas particularidades” continua sendo instrumental vé- lido e insuperivel da postura critica ¢ criativa das mais originais Jé produzidas em nosso pais. A reedicio pela editora UFR] de A Redugao sociolégica resgata o valor ea témpera de toda sua obra, além de presentear as novas geragdes de socidlogos e intelectuais brasileiros com uma conduta que deve ser adotada em tcdos os domfnios do saber e da ati- vidade humana. Clovis Brigagao Prefiicio & Segunda Edigao ‘al como se encontra exposto neste livro, a redugio sociolé- gica nao representa momento final de um processo de indagacio. E certo que marca o amadurecimento de uma concepgfo que se encontrava fragmentariamente formulada e aplicada em estudos anteriores do autor, notadamente os reunidos em Cartitha bra- sileira do aprendiz. de sociélogo (1954), depois republicada em Introdugdo critica & sociologia brasileira (1957). Desde 1953, 0 autor se empenhara num esforco revisionista, isto é, se colocara cem frontal dissidéncia com as correntes doutrindtias, 0s métodos « processos dominantes no meio dos que, entre nés, se dedicavam. a0 trabalho sociolégico. Negivamos-Ihes nfo somente cardter cientifico, como ainda funcionalidade, em relacdo as exigéncias da sociedade brasileira. No Brasil, diziamos, o trabalho sociolé- gico reflere também deficiéncia da sociedade global, a depen- déncia. No caso, « dependéncia se exprimia sob a forma de alienacio, visto que habicualmence 0 sociélogo utilizava a dusio sociolégica estrangeira, de modo mecinico, se dar-se conta de seus pressupostos histéricos originais, sa A Repucko Socioscien seu senso critico ao prestigio que Ihe granjeava exibir ao ptiblico Icigo 0 conhecimento de conccitos ¢ técnicas importadas. * ciologia enlatada”, “sociologia consular”, era em grande parte a que se fazia aqui. “Nao se tem conseguido, no Brasil — diziamos em 1954 na Cartithe — formar especialistas aptos a fazer uso sociolégico da sociologia”. A despeito da resisténcia cenaz que, por vezes até com feicéo agressiva, se organizou contra essa orientacio renovadora, depres- sa ela empolgou 0 piblico instrufdo que constitui o mercado da producio sociolégica. Os socidlogos de velha feicio, mais capazes, renderam-se & idade da critica ¢, pouco a pouco, adapraram- se a0s novos critérios de trabalho cientifico. Os menos capazes perderam a preeminéncia — de que porventura desfeutavam. B, em 1956, jd escteviamos no preficio de Introdugéio erftica @ so ciologia brasileira: “ercio estar superada a fase polémica da sociologia nacional”. A Redusiéo sociolégica, publicada em 1958, estava implicita em todos os meus estudos anteriores a essa data. Basta examind-los para se ter disto irretorquivel demonstracio. Mas este livro, na forma ¢ no contetido de 1958 , nio esgotara 0 sentido da atitude redutore. que presidia ¢ preside aos nossos estudos. Em 1958, a fundamentacio metodolégica de uma, ciologia nacional nos obsedava. Precisivamos vencer os iiltimos argumentos a que se recorria contra ela habitualmente, por m4 £8, por preconceito, ou por ambas as coisas. Por isso, A Reducdo sociolégica, em sua primeira exposigio, foi sobretudo um método de assimilagao critica do pattiménio sociolégico alienigena. Ao preparar a segunda edigio deste livro, advertimos que ele apenas focalizou aspecto parcial da reducio sociolégica. Esta nao se destina to s6 a habilitar a traxsposicéo de conhecimentos de um contexto social para outro, de modo critico, mas também carac- teriza modalidade superior da existéncia humana, a existéncia culta ¢ transcendente. (A sociologia profissional, sendo na fase éa evolugio histérica em que nos encontramos, em que ainda perduram as barreiras sociais que io & especializagio, oficio -vedam 0 acesso da maioria dos individuos a0 saber. A vocagio 10 PREFACIO A SEGUNDA EDIGKO da sociologia é resgatar 0 homem ao homem, permitir-lhe ingres- so num plano de existéncia autoconsciente. E, no mais auténtico sentido da palavra, romar-se um saber de salvagio. A cedugio sociolégica é a quintesséncia do sociologizar. Quem apenas co- nhece a literatura sociolégica universal, sem se dar conta do que chamo de “reducio sociolégica” — dizfamos em 1956 — nao passa de simples “alfabetizado” em sociologia (Jntrodugé, p. 211). A reducio sociolégica é qualidade superior do ser humano, que Ihe habilita transcender toda sorte de condicionamentos circuns- tanciais. Este aspecto ficou prejudicado neste livro. Este aspecto, sob o nome de atitude parentética, focalizamos, no livro recém- publicado, Mito e verdade da revolugdo brasileira. E. s6 em obra futura pretendemos apresentar, de maneira mais analitica, 0 nosso conceito ampliado de reducao sociolégica, como leicura inteligen- te do real em suas miltiplas expresses Podemos, no entanto, salientar trés sentidos bésicos da redu- ‘so sociolégica. Tais sio: ilagdo critica da produgéo sociol6gica estrangeira. Foi este, como se advertiu anteriormente, 1) redugio como método de a © tema por exceléncia do presente livros 2) redugio como atitude parentetica, isto ¢, como adestramen- to cultural do individuo, que o habilita a teanscender, no limite do possivel, os condicionamentos citcustanciais que conspiram contra a sua expressio livre e auténoma. A cultura, notadamente: a cultura sociolégica, € componente qualitativo da existéncia superior, em contraposic’o a existéncia diminufda dos que, destituidos de treino sistemético, oferecem escassa resistencia & robotizagio da conduta pelas pressdes sociais organizadas. Em nosso livio Mito ¢ verdade da revolugio brasileira, no captculo Homem Organizagio ¢ Homem Parencético, focalizames anali- ticamente este aspecto, que pretendemos reexaminar em outra oportunidade; 3) redusio como superagio da sociologia nos cermos insti- tucionais ¢ universitérios em que se enconcra, A sociologia ¢ cigncia por fazer. Presentemente, € 0 nome de um projeto de mentos estio esbogados, mas elaboragio de novo saber, cujos 1 A Rupucso SocioLocica ainda-nao suficientemente integrados. Reproduzimos em apén- dice um texto escrito em 1958, Sieuagio Atual da Sociologia, em que discutimos esta questio. ‘Apés a publicacéo deste livro, © pensamento redutor fez progressos ¢ tende hoje a generalizar-se para dominios outros além do sociolégico propriamente. Em primeiro lugar, deve-se incluir na relagio dos estudos que se situam no horizonte deste livro, a obra de Geraldo Bastos Silva, Introdugio a critica do ensino secundario (Ministério da Educagio ¢ Cultura, Rio de Janeiro, 1959), que é uma andlise comperente do nosso sistema educacional, 4 luz do procedimento critico- assimilativo que aplicamos em varios trabalhos e que, a partir de 1958, chamamos de “reducio sociolégica”. A obra de Geraldo Bastos Silva é indicada especialmente para aqueles que tém in- teresse pela aplicagio da nossa metodologia no campo da pesquisa O sr. Alvaro Vieira Pinto publicou Consciéncia ¢ realidade nacional (1960). Sobre esta obra ja formulei juizo circunstan- ciado, que nio desejo repetir agora. No entanto, aproveito o ensejo para acrescentar a0 que escrevi em Mito ¢ verdade da revolugao brasileira algumas consideragies. No liveo do st. Alvaro Vieira Pinto hé fragmencos que representam, nio raro, excelente ilustragio da atitude redutora. O autor a aplica, algumas vezes, de modo feliz, na anilise de aspectos sociais. Em seu conjunto, porém, Conciéneia e realidade nacional é lamentavelmente eaforco frustrado em seus objetivos. Podemos resumir as principais falhas dessa obra. Nela se confunde consciéncia critica com pensamento rigoroso. © autor magnifica a consciéncia critica, a0 ponto de elevé-la a um plano de alta elaboracio conceitual, que ainda est Jonge de aleangarf'A consciéncia critica de que se trata em meu livro, A Redugdo sociolégica e, em seguida, por influéncia deste, em Consciéncia e realidade nacional, ¢,a “consciéncia critica da sealidade nacional”. £ fendmeno de psicologia coletiva. Ora, a consciéncia coletiva, como tal, nas condisées prevalescentes hoje, 12 PREFACIO A SEGUNDA EDIGAO no pode ter as qualificaces do pensar rigororo, ceja cociolégico, seja filosdfico. Estio muito longe os dias.em que as massas possam vir a adquirir um grau de ilustragio tao alto. Por isso, tivemos © cuidado, na Redugio, de mostrar que a consciéncia critica emerge de condigées sociais gerais e estruturais, a industrializagio ¢ seus principais efeitos, a urbanizacio ¢ a melhoria dos habitos popu- lares de consumo. A consciéncia critica, no caso, seria, quando muito, um modo subalterno ¢ elementar do nosso livro, nao se confunde consciéncia critica com reducio sociolégica. Mas o st. Alvaro Vieira Pinco confunde consciéncia critica com reducio filoséfica. Neste ponto, comete 0 erro grave de atribuir & “conscigncia critica da realidade nacional” as cate- gorias do pensamento dialético, afirmando que as “induziu” da “realidade brasileira”, 0 que é, no mais rigoroso sentido da palavra, uma infantilidade. Além disso, inclui a nacionalidade, com 0 cariter de maxima proeminéncia, entre as categorias clissicas da dialética. Em conseqiiéncia disso, foi levado o st. Alvaro Vieira Pinto a um fascismo filoséfico, com qual ndo se pode pactuar. Nio tendo assimilado a nocio de comunidade humana universal, o sr. Alvaro Vieira Pinto expos em Consciéncia e realidade nacional © que chamei de deformacio direitista da reducio sociolégica. at rigoroso. Em Uma reflexio sobre 0 estado da ciéncia econdmica nos paises subdesenvolvidos, a luz da idéia reducora, que merece registro, €o estudo do sr. Jilio Barbosa, publicado em niimero da Revista Brasileira de Ciéncias Sociaés (novernbro de 1961), intivulado Contribuiséo 4 Critica da Cigncia Econémica nos Paises Sub- desenvolvidos. No México, Jorge Martinez Rios, em estudo publicado na Revista Mexicana de Sociologia (Ano 22, v. 22, 1. 2, 1960), intitulado La Reduccién Sociolégica como Tarea Merédica — Pritica de los Sociélogos Latinoamericanos, mos- trou as conseqiiéncias do método apresentado neste livro para a ‘América Latina, Ao terminar seu escudo, afirma Martinez Rios estudar a redugio sociolégica a fundo, seguir o menor sinal aque existe dela ¢ impulsions-la ¢ praticia, € nobre tarefa 13 A Repucto SocioLosica para os socidlogoslatino-americanos,sabretudo para aqueles {que se acreditem com dircto a pestencer a0 setor intelectual io colonizado academicamente No mesmo sentido, jé anteriormente, se tinha pronunciado outro socidlogo mexicano, Oscar Uribe Villegas, na introducéo a edicdo espanhola deste livro (vide La Reduccién sociolégica, México, 1959). No dominio estético, importa assinalar as afini- dades entre 0 contetido deste livro ¢ os ensaios doutrindrios de poetas como Haroldo de Campos (vide a pégina inticulada In- vengio, no Correia Paulistano de 27/03/60) ¢ Miri Chamie (vide Literaturas praxis, revista Praxis, Ano 1, n. 1, 1962), Em encre- vista a0 jornal Estado de Minas (13/08/61) afirmava Haroldo de Campos: ‘Como adverte Guerreiro Ramas (A Reda woogie), formate, em dadst ctcunstincss, uma "eonsigneia cri fica", que jf no mais se satisie com a “imporeagio" de bjetasculturais acsbados, max ida de prodisie outos abjers nas formas e com as fungbes adequadas &s novas cxiggocia histércas’, producio que aio € apenas de “cosas, mas rambém de ides. Ese proceso € verifcivel ro campo atic, onde, por exsmplo, a pocsia concecta operou uma verdadeira "redugio estéticn” com relagio 4 contibuigio de decerminados autores que, Fandamental- tmente, daboravam a linguagem do tempo, roalizando-as « transformando-as sob condigées brasileias, no. mesmo sentido em que Guertcico Ramos fla de uma “redusio tecnolégics", na qual = “registra a compreensio eo dominia do proceiso de elaboragso de wim abjeto, que perme uma utlieagio ativa eriadora da experiacia eénica ex trangeia", Dat} exportagio 0 passo & mediate. Lembeese Finalmente, neste contest, a fas-lema de Maiakorsks {1} “Sem forma revolucionaria. \i.arte-revoluciondcia’. — (L1 O poeta Mario Chamie, em seu ensaio doutrinario Literatura- Praxis, referiu-se a0 “mal-entendido reinante em torno da redugio sociolégica”, De fato, ele existe e precisa ser discutido ¢ carac- terizado, para nao incompatibilizar o nosso esforco com os que tém interesse pelo aperfeigoamento cientifico da producio so- ciolégica em nosso pais. Na verdade, a metodologia que preside aos estudos publicados na Cartilha, na Introdugao critica € em 14 PanrAcio A SecuNDA Epicko A Redugao socioldgica foi rapidamente assimilada por aqueles aos quais se destinavam esses livros.:Mas dois mal-entendidos se formaram em torno da questio. A reducio ganhou adeptos exal- tados, que dela fizeram a expresso de um nacionalismo agressivo ¢ intransigente, espécie de revanche, no dominio da cultura e da cigncia, contra 0 pensamento alienigeno. Dessa adesio, 0 repre- sentante mais qualificado € o st. Alvaro Vieira Pinto, que, em Consciéncia ¢ realidade nacional, promove a nagio (e até mesmo nacio brasileira) ao plano das categorias gerais do conheci- ‘mento, a0 lado, por exemplo, da totalidade, da objetividade, da racionalidade. Sobre o sentido revanchista dessa obra ja nos pronunciamos pormenorizadamente em outro livro. Em suma, a principal razzo do “desvio” do sr. Alvaro Vieira Pinto foi nao ter assimilado a nocéo de comunidade humana universal, & luz da qual se concilia perfeitamente 0 comprometimento do cien~ tista com 0 seu contexto histérico,\¢ 0 critério da universalidade, sem o qual nio existe verdadeira ciéncia, Lamentamos ter que desautorizar, como desnaturagio do nosso pensamento, 0 esforco. herciileo do st. Alvaro Vieira Pinto. Mas & adesio insensata corresponde, num pélo oposto, o- combate insensato as nossas idéias e A nossa posi¢io.’ Desde 1954, com a publicacio da Cartilha, surgicam, nos circulos que se dedicam a ciéncia social em moldes convencionais, manifestagbes ‘emotivas de hostilidade, ora brutais, sob a forma de injirias © intimidagées, campanhas difamat6rias, ora disfarcadas em con- sideragdes metodolégicas. Esse tipo de critica exacerbada, por sua. intrinseca invalidade, anula-se por si mesma. Tanto assim que, hhoje, em 1964, j& quase desapareceu, remanescendo, da antiga. truculéncia, uma que ourra expresso de cessentimento, que néo tem como ¢,porque deva ser obviamente levada a séto. E por falat em levar a sério, devemos focalizar a mais qua- lificada critica que um represencante ilustre de nossa sociologia convencional escreveu contra nossa oriencacio: a do sr. Florestan Fernandes, no opiisculo O Padrito de trabalho cientifico dos socié- logos brasleiros(edicio da Revista Brasileira de Etudos Politicos, 1958). Este estudo constitui magnifico contraponto de nossas Is A Repucho SociaLocica idéias, ¢ sua leitura e andlise seria de geande interesse para quem desejar ter um flagrante modelar da faldcia do que chamavamos, em 1953, de “sociologia consular”, ¢ dos becos sem saida a que conduz mesmo personalidades bem-dotadas como o professor paulista, sr. Florestan Fernandes. Preliminarmente resumiremos as principais debilidades cientificas que, a nosso ver, apresenta 6 trabalho do professor paulista: 1) confunde a ciéncia sociolégica em habito com a citncia sociolégita em ato, O autor nao ulteapassou a érea informacional da sociologia, Por isso, o trabalho em pauta reflete uma ideologia de professor de sociologia, ances que atitude cientifica de caréter sociolégico diante da realidade; 2) a erftica em aprego ilustra como algo mais do que a informagio ¢ a erudicao, é necessirio para habilitar ao estudioso a fazer uso sociolégico dos conhecimentos socioldgicos ou, em | outras palavras, para a pritica da redugdo socioldgicas 43) pressupse a referida critica falsa nogio-d: elagées entre tcoria e pritica no dominio do trabalho cientifico, e assim tende a hipostasiar a disciplina sociolégica, rornando-a um conheci- -mento superprivilegiado. Na Cartitha escrevemos: [Na utlizagio da metodologiasocioldgia, os socislogos dlevern ter em vista que a exigincias de pecisio tefina- tmento decortem do nivel do desenvolvimento dat jonas, Porant, nos plies latino tos. or métodose proceios de pesquisa devee coadun “econbmicose de esoal cic, bem omo com o nivel culeuralgenérico de suas populagdes, @19, Contra essa proposicio levantou-se enorme celeuma no cft- culo de 103505 socidtogos convencionais;os quais a proclamaram absurda ¢ errOnea. Afirmou- s m pais subdesenvolvido- devia ter uma sociologia subdesenvolvida © tom altamente emocional da oposigio que suscitamos invo- Juntariamente impediu um debate sereno € objetivo da tese. De fato, se a recomendacio citada fosse incitamento 20 despreparo 16 PREFACIO A SEGUNDA EDICAD A subciéncia, ela cairia por si e, para combaté-la, nio seria necessério gastarem-se tanto papel ¢ tantos esforgos, que no vem ao caso caracterizar, contra a pessoa do autor ¢ suas isso foi vio, como 0 demonstra, além de outras ciscuns © acolhimento que a Cartitha mereceu em duas edigSes esgoradas. O piblico compreendeu o que dizfamos. Alguns socidlogos, no entanto, tiveram e tém dificuldade de entender 0 texto em seu cexato significado, Rebatendo-o, afirma o sr. lorestan Fernandes, com dramética seriedade, que o socidlogo deve realizar as pes- quisas “de acordo_com_os padrées mais rigorosos de trabalho cientifico” (p. 64) © que rnenhum cienista conseguitt pra ctncia a servigo de sa comunidad, sem obscrvae de modo inegeo ¢risoroso, a8 rormas « ot valores que regulam a descobert, a verificasso € a apliagio do conhecimenta cientiico (p. 59). ‘Ninguém contestard o sr. Florestan Fernandes. Mas ¢ lamen- tvel que ele julgue ter apresentado argumento vilido contra nossa proposicio ¢ julgue ainda que o piiblico ledor de obras sociolé- gicas se convenga de que contra nés tenha apresentado porderacio pertinente, Ndo merece afinal respeito quem quer que tenha a audicia de proclamar que 0 socislogo brasileito nao deve “ob- servar, de modo {ntegto e rigoroso, as normas ciencificas”. Em trabalho recente, A Sociologia como Afirmacio, Revista Brasileira de Ciéncias Sociais, n. 1, 1962, ainda escreve: alguns ciotista socsis pensam que devemcr culivae tum padtto de ensino simplificado e esimular somente i veatigaybes sobre sig hnkeia-sil gli, woe 9 fos comperisse acamularexplicagSes comparivet 8s que © conhecimento do seaso comum produrit na Exropa, no petiodo de desintegragio da socedade feudal e de instiuigto da sociedade de classes... Temos de prepara expecta que jam capanss de explorse, normalmente, of madelos de obseragtes, alse © explicagio da realdade, fornecidas pela cincia (9. 12). ado apropriadamente cientista social a bizarza criacura a que se referem-estas-palavras? Ou nio existe tal Poder ser_con A REDUCAO SocioLocica io, © pensamento corda, No que nos diz respeito, © professor paulista.incorre cm inexatidio. Sustentamos, hoje, em toda linha, nossa proposicéo de 1953. Ela nos foi ditada pela experiéncia e nio eflete nenhum culto livresco. Tinhamos, naquele ano, ultimado nossos estudos sobre © problema brasileiro da mortalidade infantil. Verificévamos, em certas repartigdes federais de satide, tendéncia bizantina para adotar no Brasil, ¢ nisso aplicando recursos orgamentitios, téc- nicas refinadas de mediacéo do fendmeno, em voga na Europa. Na Franca, Bourgeois-Pichar distinguia entre mortalidade in- fanil endégena (proveniente de causas anteriores a0 nascimento, ‘ou do préprio traumatismo do nascimento) ¢ mortalidade infantil exdgena (derivada de fatores ambientais). Combatiamos essa ten- déncia. Dizfamos acertadamente que, no Brasil, as causas da mortalidade infantil sio grosseiras e, portanto, a sua medida no precisava e no podia ter a precisio que seria compreensivel nos paises em que os seus fatores sociais externos estivessem ra- zoavelmente controlados. Havers quem se negue a reconhecer a justeza de nosso raciocinio? O sr. Florescan Fernandes, em sew opiisculo, no discute a ilustragio concreta da Cartilha, © se, compraz em consideragdes abstratas; que podem surpreender 0+. leitor desavisado, No caso, tinhamos ou nao tinhamos razio de aconselhar que os métodos de pesquisa devem cingir-se a0 “nivel de desenvolvimento das estruturas nacionais ¢ regionais?” Claro que sim. Por acaso, 0 diagnéstico da mortalidade infantil em nosso pais deixou de ser menos cientifico, porque nao utilizamos 05 refinados modelos de Bourgeois-Pichat? Ao contrério, nao s6 ‘nao conseguirlamos, por falta de condigées sociais adequadas, obter a precisio de um coeficiente de mortalidade infantil endégena, como contribuimos para conjurar imaturidade entio reinante em certos circulos de especialistas. Nao combatiamos a técnica estrangeira, movidos por um nacionalismo revachista, mas 2 consideravamos em seu significado episédico, evitando que 0 seu prestigio nos levasse a ocupar pessoal e a gastos de dinheiro ‘em sua inttil reproducio aqui. Praticamos a redugio sociolégica, 18 PREFACIO A SEGUNDA EDICAO. técnicas_€ fstieox de centros esteangeiros. Um certo provincianismo ainda muito arraigado no Brasil, mesmo entre os nossos mais eruditos sociéloges convencio- nis, os impede de distinguir entre sociologia em hibitoe sociologia em azo. O st. Flotestan Fernandes n'est pas arrivé, como diriam os franceses, ainda permanece no ambito vestibular da ciéncia sociolégica. Para comprovéclo, selecionamos algumas de suas afir- mativas. A de pen: e ajustar as técnicas estrangeiras de pesquisa as nossas condigSes, declara que estas dif abalho sociol ele: Em face de insuficiéncia das dotasier financeiras.. sto restitas as oportunidades de exploragio de téenias de inves- ‘igagio socioldgica empregadas correntemente em centros do exeeioe (Pedra, 21) nmétodo rigs O verdadeiro socidlogo nao idealiza técnicas de pesquisa, ¢ cumpre até 0 dever de desaconselhar dotagies financeiras para o emprego ocioso ou predatério de técnicas estrangeicas tigagdo. Sabe cue as técnicas ¢ os métodos sio consubstan a toda indagacio auténtica. O que os sociélogos convencionais pensam ser um problema de recurso é quasc scmpre um problema de atitude cientifica genutna. Como salentam as principas autoridades na matdta, os elnones ceniicos de investigacto scioldgica ainda no se encontam cstabelecidar de mancirs firme e universal (Pade, p. £2) Eis uma aficmativa nfo sé_provinciana, como confusa, Que séo “cinones Gientifices de investigacéo so a"PySe so métodos © téeaicas, simplesmente, nunca estardo estabelecidos “de maneira firme ¢ universal”. Se séo os principios gerais do raciocinio socielégico tém outros atributos de firmeza e univer- salidade, mas também se encontram sujeitos & historicidade. O cculto indevido aos “cinones” leva & hipercorrecio, a grave engo- do, que vitimam todos os que nao distinguem a ciéncia em hdbito da ciéncia em ato. Temos a imagem viva do hipercorreto naqueles ceruditos brasileiros em gramética ¢ filologia, que julgam que os 19 A Repucto Sociorocica cénones do nosso falar estio em Porcugal, ou nos clissicos por- tugueses do século XVI/A hipercorregio em sociologia € uma contradicio em termos, mas dela nio estio isentas de todo afir- mativas como as seguintes do sr. Florestan Fernandes: “Temos de formar especialistas de real competéncia em seus campos de trabalho, que suportem o confronto com colegas estrangeiros” (4 Sociologia, p. 13); ou, “nas condig6es em Gue Nos achamos, temos, que nos contentar com os conhecimentos importados de outros centros de investigagao sociolégica” (Padtio, p. 79). Ha, nessas afirmativas, muito pouco de sociologia. Muito de consciéncia _mistificada ¢ alienada, © que nos impée aos colegas estrangeiros Tio € 0 conhecimento par coeur de suas produgies, mas o do- minio do raciocinio que implica, ¢ que habilita os socidlogos 2 fazer coisas diferentes em circunstincias diferentes, sem prejutzo da objetividade cientifica. E esdrixulo’ advogar ou condenar a importagio de conheci jentos. Todos os palses so importadores de citncia, O que se trata — no caso — é de como importar. O sentido da Cartilha ¢ de sua metodologia geral, a redugio sociol6gica, nao é a solerte ¢ irtacional hostilidade ao produto cultural estrangeiro. © que preconizamos & a substituigio da aticude hipercorreta em face de tal produto pela atitude crtico- _assimilativa. Por isso escrevemos em A Redusto sociolégica 0 seguinte trecho que, apesar de longo, cranscrevo, por ser muito pertinente: A atitude dos rociélogos que, diante da produsso socioligia importada, se comportam como of cegantes ¢ os snobs em face dos fgurinos das capitas da moda, ambém pode ser explicada pela sociologia da “coqueteria”. Uns ¢ ‘outros, em diferentes graus, ¢ certo, movimentam no Ambico da conscigncia ingéaus. Ora, o socilogo genuino € exatamente, aguele que, por profssis, ¢ portador do iméximo de conscigneia crcica diance dos fendmenos da convivéncia humana. Por conseguinte, em um pals pif Fico, o svanigo do trabalho sociolégico nto se deve aval pela sua produgio de cariter reflexo, mis pela proporgio fem que se fundamen na conscigncia dos fitores infra cstruturais que o influenciam, A capacidade de utilizar sociologicamente 0 conhecimento socioligico ¢ 0 que carac- 20 PREFACIO A SEGUNDA EDIGAo tern oespecilisea de el eaegora. © socdlogo up 1 date por sistema, sendo desprovido desa expacidade, iasra tum caso de dandismo no dominio da socologia. Nos pales prices, a socilogia dea de ser acrasula em que se liberta do" eftio-de-prstiio"s se orient no sen- ido de indazit as suas regres do contexto histrice-social em que se integra. Esc tipo de socilogi exige do secslogo um esforgo muico maior que o de mera aquisigio de ideas « de informacio especalizadas: exige a iniciagio numa dlestreea intelectual, uma instincia inceleetal que pode ser dfinida com a plavra hebirs, na acepeso em que os antgos a empregavam. Com efit, & preciso distinguir sociologin em hibito da socilogia em ata, nas acepges filo- séficar dos crmos. (© que Aristtles chamava hee o excolisticos bits uma aptidio nat, ou adquirda peo tueinamento. A cada ciéncn cortesponde um habin epetico, O feo ¢ menos tama pessoa que tenkalido muitos lias de fica do que alguém aro a reap diane dos Fats, segundo determina tegraserefernciasconcctui. Cosa semclhane edit de Gqalque ono cinssa. Dirse- ambém que o mero alae brio em socologin, por mais exavstva que sj a sua informagio, no éscilogo. Disinguindo a arte om hdbito dh ate em a imag Jacques Maritn, em seu Two Are tt Scalaiqua, um enezgjco aprendi,capma de tabahae {ime hora por dina aqusigio do conhecimentareérico ‘edas regras de uma arte, mas no qual 0 habinus no germina. ce esforg amas fd dele um ante nfo o impairs de permanecer mas infhitmente afutado da arte do que & Erianga ono sevagem portador de um simples dom atu edugioépreciameneoconriri de mpeisi. Aer ene analgia de pte ¢ emia contata a estnca da Jc cientfea, porque perde de vista parcaaridade onsiaiva de coda snag bie Os nossos sociélogos convencionais nao estio em condigdes de opinar ¢ aconselhar acertadamente, no tocante & insttucio- nalizagao do ensino sociolégico, em particular, ¢ do ensino ‘em geral, por se mostrarem manifescamente imperitos na pratica da sociologia. Passamos assim 20 segundo ponto que destacamos no trabalho em exame do professor paulisea. As consideragses do st. Florestan Fernandes sobre a matéria slo, além de ertineas, 21 A Repucto SocioLocica petigosas, O st. Florestan Fernandes faz idéia muito simplificada das razves do atraso da sociologia em nosso pals, Parece ser-lhe estranho 0 imperativo preliminar de teformar a prépria atitude metédica do socidlogo brasileiro em face do patriménio cientifico alienfgena. Descurando disso, supervaloriza aspectos financeiros de nosso trabalho sociolégico, relevantes sem divida, mas subsi- didtios ¢ adjetivos. Diz, raxativamente: “O conhecimento cienti- fico nao possui dois padrées: um adaptivel as sociedades desenvol- vidas, outro acessivel as sociedades subdesenvolvidas’ (A Sociologia, p- 12). Qualquer que seja o sentido de que se entende por padrées, na verdade, o sr. Florestan nhum momento da sinal-de-compreender-que,_num pais subdese logra carter cientifico o trabalho socioldgico, compas com certs regras adjetivas, de natuieaa historico- do raciocinio regras, é dbvio, no afetam os principios ge sociolégico. O professor paulista nao sé se proclama como se orgulha de ser jejuno nesse campo de cogitacées. Por isso néo € espantoso que impute & falta de dotagdes orgamentirias defi- ciéncias cujos determinantes reais the escapem totalmente & percep¢io. De modo obsedante fala da pentiria financeira £ justamence nas Areas do ensino e da pesquisa que sio maiores as oportunidades de inovagio institucional, Hi elementos perturbadres na stuagio em que nos encon ttamos por causa da penta de meios financeitos, peda Bégicos «humans (A Suciologa, p. 10) Toda sociedade subdesenvolvida é definida por um complexo geral de pentiria. Hi pentiria de alimentos, de habicagio, de bens e servigos de toda espécie, pentiria de recursos para as atividades cientificas de todo género. De todos os homens de ciéncia 0 soci6- logo ¢ justamente-quem_deveria particularmente compreender que_a_pentitia, sé podendo ser etradicada pelo est (de prodiica6y,cabe-Ihe subordinar a atividade cientifica as prio- Fidadersociais, 0 qué € possivel sem sacrificio do rigor. Pedi re- cursos orgamentirios para © trabalho sociol6gico, sem conscién- cia sociolégica, critica, do problema social global dos recursos, <0 eoletvo 22 PREFACIO A SEGUNDA EDIGAO é prova inequivoca de um delito contra a sociologia. Na Cartitha escrevemos essa proposicéo, que o st. Florestan Fernandes con=~ dena com veeméncia No estidio atual de desenvolvimento das nagbes lain americanas, em face das suas necessidades cada ver maiores de investimento em bens de produgio, é desaconselhivel aplicar recursos na pritica de pesquisas sobre detalhes da vida social, devendo-teeximlar a Formulagio de interpre tages genéricas dos aspectos global e parcais das estrurras aacionais regionas (p. 10). 4 Nossos socidlogos convencionais sio infinitamente alienados no tratamento destas questées de politica cientifica. Avaliam as necessidades do trabalho sociolégico por critérios abstratos, simé- tticos e analégicos. Na critica do sr. Florestan Fernandes, no ha (© mais leve indicio de que cle tenha idéia de uma politica geral do trabalho sociolégico em nosso pais, induzida da fase arual fem que se encontra 0 seu processo de desenvolvimento. Ele julga que 0 padrao de trabalho cientifico dos sociélogos brasileiros é uma férmula ideal, que nada tem a ver com as particularidades histéricas e sociais do pais. “O padrio de trabalho intelectual, explorado nos diversos ramos da investigasao cientifica — diz cle — € determinado, formalmente (0 grifo € nosso) pelas normas, valores ¢ ideais do saber cientifico” (Padrao, p. 11). Para se ter uma idéia do formalismo em que esta vasada a apreciacio do sr Florestan Fernandes, é preciso ler-se o optisculo em exame. Nao rato torna-se dificil, sen imposstvel, compreendé-lo. Alm de nio ilustear de modo concreto suas consideragées, no precisa, como seria de desejar, 0 sentido de certos termos. So, por exemplo, vagos 08 sgnificados de “padrio", “normas’, “valores”, “idéias”. Na_Gartitha, todas as criticas estio referidas a situa concretas. Q sr. Florestan Fernandes nao as discute. E é provavel que 0 leitor do opiisculo, desprevenido, ignorante do texto da Cartilha, admita que 6s preconizamos um nacionalismo so- ciolégico incomparivel com as regras cientificas do raciocinio. Esperamos da boa fé de quem ler este livro a compreensio exata do nosso pensamento, No plano geral do raciocinio sociol A Repucto SocioLocica histéricas de cada sociedade nacional. No terreno concreto, po- “rém, a utilizagao pratica do saber sociolégico obedece, em cada socicdade nacional, a “normas”, “valores” € “ideais” especificos, que refletem a particularidade histérica de sua situagio. Devem set pesquisados e compreendidos pelo sociolégo ¢ assim torna- rem-se pontos de referéncia de uma politica do trabalho cientifico. Sem essa consciéncia politica, © sociélogo mio esté habilitado a tirar partido, de mode socialmente positivo, dos recursos dispo- niveis, Pode ainda aceitar ajudas financeiras externas para a realizagio de pesquisas ¢ investigagées, cujo sutil propésico € disteair a intelectualidade de varefas criadoras do ponto de vista nacional. Sio justamente 0s socidlogos convencionais os mais ~ bem pagos do Brasil, os preferidos das organizacGes externas financiadoras de investigagdes. Mas todo mundo sabe que é nula | 2 participacio dos socidlogos convencionais no esforso que, em nossos dias, se vem reilizando no Brasil no sentido de formular _uum legitimo pensamento sociolégico nacional. Este pensamento C ssté surgindo, & revelic ¢ contra a resisténcia deles/O sociélogo de um pafs subdesenvolvido, mais do que qualquer outie indi- viduo, tem 0 dever de procurar meios e modos de_transcender palmente de uma alienada atitude realidade nacionaly/ O formalismo induz o sr. Florestan Fernandes a afirmagées de gritante teor inggnuo. Diz ele: Excauando-se a produsio dos socidlogos etrangeiros, que lecionaram entre nds, at primirasrentativas de vulto, ‘a exploraio dealvescentficos defines sistematicamente da investigagi socolégea, fatem-se sentir em conctibuigies posterior 2 1930, de Femando de Azevedo e de Emilio ‘Willems (Padrito, p. 56-57). Essa afirmativa demonstra, como cemos repisado, que pode coincidir, na mesma pessoa, um alto nivel de informagio socio- 24 “sociolégico com a sociolegia em ato, o st. Florestan aye ligico brasileiro, pois, exagero, senia PREFAcIO A SEGUNDA EDIGko ligica com incapacidade critica. Identificando o conhecimento ernandes acredita que no Brasil a sociologia s6 comega com as escolas de_ sociologia. Os autores a que sc refere acima ¢ aos quais atribui “uma importancia extravagante, desproporcional as que realmente representam, sZ0, por assim dizer, socislogos didéticos, escritores escolares. Como tal, tiveram inegével importincia, difundindo ensinamentos titeis. Nunca foram, no so, porém, pro} socidlogos, como o foram, apesar desuas normals deficiéncias, homens como o Visconde de Uruguai,.Silvio. Romero. Eualde da Cunha, Alberco Térres ¢ Oliveira Viana, pocas ssfo momentos Hustres da pensamento_sociolégico brasileiro, siete dae ae ‘como sub- sidios, as contribuig6es escrangeira._ a Todos esses homens tinham o que fazer — tatefas sociolégicas préprias e larga consciéncia de que a medida por exceléncia do trabalho sociolégico é a sua funcionalidade em relacio & realidade nacional, Por isso, 0 ptiblico nao sabe hoje quem sio Fernando de Azevedo e Emilio Willems, mas continua a ler aqueles autores em suas obras encontrando esclatecimentos iiteis & compreen- sao objetiva do passado e do presente. Os crabalhos do sr. Emil ‘Willems sé cém interesse-escolar. Seus estudos sobre aculturagao ‘ assimilagio constituem competences provas de sua atualizacio didética, mas além de no conterem nenhuma contribuigio no campo da teoria pura, nada mais representam que exercicios. Sio_ um _cpisédio da histéria do casino da sociologia no Brasil. Nao contam, porém,,como episédio da histéria do. pensamento soci By afirmar-se ‘que “como atestam as contribuigées pioneitas de Emilio Willems, af se acha a fonte da revolusio empirica e tedrica por que pas- sou a sociologia entre nés, nos tltimos vinte ¢ cinco anos” (A Sociologia, p. 17). Esse mi dor. Florestan | demonstra@ cardter de ideologia de professor que tém as suas consideragdes. Daqui a cinquenta anos — ¢ preciso advertir — nio serio os Emilio Willems de hoje, mas os Silvio Romero de hoje que estario vivos na meméria e na gratidio dos estudiosos. 25 A Repugko SocioLocica Os Silvio Romero de hoje sio até mais atualizados em informagéo sociolégica do que os Emilio Willems de hoje. Apenas, a diferenga deste iiltimos, sabem fazer uso sociolégico da sociologia “~~ O optisculo do st. Florestan Fernandes, O Padrio de trabalho ciensifico dos sociélogos brasileiros é um texto inestimével como documento da ideologia de professor de sociologia no Brasil Entre os tracos salientes dessa ideologia, dois merecem destaque: © provincianismo-e o‘bovarismo. = (© st. Florestan Fernandes paga enorme tributo 20 provin- cianism@-quando se acredita no dever de zelar pela “pureza” da sociologia, e julga se destine a ser levado demasiadamente a sério © ambito do saber academicamente chamado de sociolégico. Por iss0, tipico sociélogo convencional, estranha “os especialistas que defendem uma espécie de deformagao ‘filoséfica’ da natureza do ponto de vista sociolégico”. (Padrae, p. 61). “O perigo de seme- Ihante orientagio — afirma o professor paulista — é evidente: cle faria com que os socislogos optassem deliberadamente, por modelos pré-cientificos de explicacio da realidade social” (Pa drdo, p. 61). Mas as coisas se passam justamente 20 contrario do que imagina o st. Florestan Fernandes/A institucionalizacio da sociologia, ao lado de beneficios, acarreta maleficios, entre os quais o de levar estudiosos de escassa habilitagio critica a pensar que os critérios da cientificidade sejam livzescos ou institucionais. Esses critérios tém de ser procurados na estreita relagio entre teoria ¢ pritica. A sociologia, na forma institucional que assumiu pds a morte de Augusto Comte, nés a consideramos como dis- oreo de um esforso de criacio de uma teoria social cientifica, que se vinha realizando desde © século XVIII. Neste livro, pu- blicamos uri texto, elaborado em 1958, em que discutimos essa tese, Os grandes socidlogos o foram apesar do tucional de sociologia, que o st. Florestan Fernandes idealiza. Se fosse vilida sua argumentagao, a sociologia seria escoteiros, ¢ Comte, Marx, Max Weber, Durkheim, Mannheim ¢ Gurvitch nfo seriam socidlogos, pois todos esses autores 26 PREFACIO A SEGUNDA EDIGKO sofrem da “deformacio filoséfica” vituperada pelo st. Florestan Fernandes. Hoje, mais do que nunca, a disciplina sociolégica se afigura a todo estudioso sério algo por fazer, tao aguda é a crise que abala os seus fundamentos. Constieui formidével desatua- lizagio defender a “pureza” da sociologia, desconhecendo o grande debate que se trava, em nossos dias, sobre a questo da reforma do saber. © solipsisino socioldgico s6 atende a resses extra O bovarismo~é outra faldcia em que incorre o sr. Florestan Fernandes. Consiste em extremar a distincia entre o mundo dos socidlogos e o dos “leigos”, a0 ponto de consideré-los cindidos, © que, obviamente, ¢ falso. © sr. Florestan Fernandes reitera, repisa a distingio entre cientistas ¢ “leigos” parece considers- la como ideal. Considera “o cientista como participante de um cosmos cultural auténomo” (Padréo, p. 15) ¢ afirma que “o sis- tema cientifico pode ser entendido, ontologicamente, como uma subcultura” (Padrdo, p. 16). Nas condigées atuais da cvilizagio existe, de fato, essa distancia que, até certo ponto, & necessria, Mas o saber cientifico, e, em particular, 0 sociolégico, s6 ¢ larga- mente privilégio de cisculos restritos por forca de condicées histéricas que limitam 0 acesso das massas ou dos leigos & cultura. Caminhamos, porém, para uma etapa em que tende a diminuir a forga inibitéria da popularizacao do saber que tem aquelas condigdes. Podemos imaginar uma sociedade-limite, que emer- gir, no futuro, da evolugao histérica, em que a ciéncia e, sobretudo, a sociologia, sera ingrediente da conduta ordindria dos cidadaos, em que a qualidade das relagdes sociais seré tao elevada que o individuo receberd, difusamente, no processo informal da convivéncia, larga parte do conhecimento sistematico, que hoje 88 nas escolas faculdades se adquire. A vocacao da sociologia, aliés, € tornar-se um saber vulgarizado. A sociologia se volatizard no proceso social global. Estas afirmativas-devem escandalizar 0 (Gz Ao”professor paulistay Passemos a oucra ordem de consideragées mals pertinentes. O sr. Florestan Fernandes deveria refletir sobre este fato: ha hoje sociedades avangadas que passam 27 prematura.

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