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Em Louvor da Linguagem Homenagem a Maria Leonor Carvalhao Buescu ay eI bois Colibri ; D. SEBASTIAO. HISTOR MITO EM PORTUGAL E ESPANH: Maria Leonor Machado de Sousa Universidade Nova de Lisboa Hi anos atrés escrevi um ensaio intitulado “Encoberto sim, mas Dese- 407”. Nele estudei as razSes € a veracidade desses cognomes de D. Sebas- , mitificados por uma nagdo enfraquecida e submetida a um pafs estra- mmias que s6 aceitava a ideia de “Desejado” por no ter alternativa que a ertasse do jugo estrangeiro. Filho de um principe j4 morto e da Infanta D. Joana, irmé de Filipe Tl, SebastiGo foi desejado, talvez mais que nenhum outro principe em Portu- | aclamado com extraordinério jébilo, como garante da independéncia do Jno e do Império. Mas, diz um cronista da época', as felicidades todas que parecia prometer logo se desfizeram: “murchou-se brevemente a flor das ‘suas esperancas, porque tanto o Rei se viu absoluto, nao sonhava mais que nconquistas”. | Se bem que esta tendéncia de vencer 0s infigis e expandir 0 impétio A systa da sua derrota estivesse fortemente enraizada ¢ tenha tido eco inelusi- famente em Cam®es, que, por outro lado, se mostrou pessimista relativa- mente 3 expansio ultramarina, a verdade € que os conselheiros mais velhos assisados o tentaram demover da empresa afticana. Nao estava preparado para ela um pais pequeno como Portugal, a quem o império absorvera as forcas militares, deixando apenas os jovens inexperientes ¢ os idosos demais para tal empreendimento. Mas D. Sebastido no ouviu nenhum conselho que o contrariasse, nem mesmo o do seu inimigo principal, ‘Abd al-milic, que Ihe escreveu sugerin- * ste texto foi apresentado em 1997 no Curso de Férias da Universidade de Oviedo, em Gijon 1 Francisco da Fonseca, Evora Gloriosa, §193, p. 113. Em Louvor da Linguagem ~ Homenagem a M. Leonor Buescu (Lishoa: Edigbes Colibri, 2003), pp. 223-234. Maria Leonor Machado de Sousa do um entendimento com algumas cedéncias de ambos os lados, de modo a evitar as perdas tao grandes que se avizinhavam, Para D. Sebastido, a empresa tinha um significado que ultrapassava a derrota dos mouros ¢ 0 alargamento do Império, que desde o reinado de sea avo, D. Jodo IIL ia perdendo territérios que a sua demasiada extensto nig tinha permitido defender. Nos finais do século XVI, ele sonhava ainda com, Os ideais e as proezas da Cavalaria, no ambiente de religiosidade em que cresceu D. Sebastido concentrou em si os tltimos ecos da cruzada que seu avo, 0 Imperador Carlos V, proclamara em 1535, ao dizer-se “‘cavaleiro de Deu? antes de embarcar para a expedicao contra os infigis de Tunes. Voltando as Costas ao presente, em que as conquistas portuguesas se perdiam, procurou os seus modelos nos tempos gloriosos em que os seus antepassados no feceavam coisa alguma e pareciam invenciveis, Atrafam-no particularmente D. Afonso I, fundador do reino e vencedor de cinco reis mouros numa tnies batalha, © D. Afonso IIL, que expulsara os tltimos infigis de Portugal. Com a cabega cheia de ideais cavalheirescos, numa época em que se pode dizer que i estavam ultrapassados na Europa, levou consigo a espada de D. Afonso 1, mas no chegou a utilizé-la na batalha Desde muito novo pedia a Deus que o fizesse scu “‘capitéo”, Queria a cruzada ¢ a conquista, mas no soube aguardar a ocasiio mais propicia, nem Preparar-se a si e ao seu exército. Empenhou a sua palavra imprudentemen- te, ¢ a honra impunha-The que a cumprisse. Prometeu auxilio 4 um principe ue se apresentou como tendo sido despojado dos seus direitos, sem com. render claramente a situago, que ndo era realmente a da justiga, ¢ quis defendé-la até as dltimas consequéncias. Apenas contaram a sua palavra e uma vontade absoluta. Para ele, prudéncia significava cobardia, no se Punha sequer a hipétese de recuar. Com uma nova bula de cruzada, partiu para Africa, levando consigo os sonhos e as realidades do seu povo. Mas € preciso compreender o que ele representava para a sua época ¢ sum pais que, em nome da cruzada, fora conquistado ¢ aumentado a0 ponto de se tomar 0 maior império do mundo. Era um pafs que esperava tudlo do Stu Tel, que conselheiros, povo e poetas incitavam a guerra santa nacional, Tuma tentativa de retomar as grandes tradigdes. Era um pais que vivia a rea. lidade de uma gléria perdida, mas que persistia em sonhar com uma idade de Ouro que s6 poderia conseguir-se por vitdrias impossiveis, D. Sebastido era um rei doentio, nao podia corresponder ao que se espe- rava dele, Educado por um cavaleito (D. Aleixo de Meneses) ¢ um padre (Frei Lufs Gongalves da Camara), conhecia os mais belos ideais, mes era bem filho de um pais sonhador e irrealista, Um soneto de Lope de Vega Carpio fez um resumo do que significou 0 desfecho da batalha: ato e- re ra D. Sebastiao. Histéria e Mito em Portugal e Espanha 225 O nunca fueras Africa desierta, En medio de los Tropicos fundada, Ni por el fertil Nilo coronada, Te viera el Alva, quando el Sol despierta Nunca tu arena inculta descobierta Se viera de Cristiana planta honrada, Ni abriera en ti la Portuguesa espada, A tantos males tan sangrienta puerta, Perdiose en ti, de la mayor nobleza, De Lusitania, una florida parte, Perdiose su corona, y su riqueza. Pues tu que no miravas su estandarte, Sobre el los pies, levantas la cabega Cefiida en torno de! laurel de Marte, Uma florida parte da maior nobreza da Lusitania, a sua coroa e a sua rigueza, tudo se perdeu em Alc4cer-Quibir. A submissdo 4 Espanha era pra- ticamente inevitavel, porque D. Anténio, Prior do Crato, 0 tinico pretendente portugués, era bastardo nao tinha exército que o apoiasse. Filipe Il, tio do Rei, herdava o trono com legitimidade, depois de ter preparado a opiniao europeia através de um relato da batalha escrito por sua ordem por Frei Luis Nieto traduzido em vérias linguas, e a opiniéo portuguesa com as cinzas trazidas de Fez € sepultadas no Mosteiro dos Jerénimos, como sendo as do Rei. Assim mesmo fica a davida, registada nas palavras no timulo no inicio do século XVIII: “Si vera est fama”. E curioso verificar que os relatos espanhéis descrevem, embora com algumas diferencas, a morte do Rei, cuja garantia era fundamental para a Espanha. Por seu lado, os relatos portugueses contam o seu afastamento, geralmente ao longo do rio, mas néo falam da sua morte. Mais do que um argumento, pouco consistente por falta de provas, esta incerteza favorecia a esperanga e alimentava o tipo de messianismo que em Portugal se chamou “sebastianismo”” O Sebastianismo, alimentado na época pela interpretagio tendenciosa de profecias que vinham de h4 muitos anos, era sobretudo anacrénico por- que desejava um rei que no chegara a ter tempo de se afirmar como um bom rei. Por isso, 0 epiteto “Desejado” recuperava as circunstncias em que viera a0 mundo ¢ era-lhe aplicado porque nao havia outra hipéteses que garantisse a independéncia nacional. O rei dos sebastianistas uma criagao totalmente desligada da realidade do principe que destruiu o seu reino na aventura louca de Alcdcer-Quibir. Uma vez encoberto 0 verdadeiro D. Sebastido, 0 povo desventurado recusou emotivamente a realidade que Maria Leonor Machado de Sousa conhecia e de que era vitima para retomar a atitude de e rodeara 0 nascimento daquele principe tao desejado. A mitologia criada em tomno de um rei desaparecido (mas vivo, embora “encoberto”) ndo é caso tinico na histéria europeia. Para no falar no irteal Rei Artur, temos os casos histéricos de Ricardo Corago-de-Ledo e Fredes Fico Barbarossa, por exemplo. Estas situagGes eram possiveis nos paises que travavam guerras distantes, como foram a Reconquista ibérica e as Cruza. das. A batalha de Alcécer-Quibir foi um acontecimento que tinha todos os elementos necessérios & elaboragao de davidas quanto ao desaparecimento dos cadaveres nao recuperados. Havia sempre a hipétese de que aquele que ndo aparecia fosse um dos muitos cativos dos mouros vitoriosos. Esta pro- blematica dew origem aquele que seré talvez 0 mais perfeito drama trégico portugués, Frei Luts de Sousa, de Almeida Garrett, 1843, O facto de os relatos portugueses nao testemunharem a morte do Rei tem algumas explicagGes, para além de poderem corresponder A realidade, Uma delas, como jé disse, radicava na esperanca, Outra, mais consistente, tinha a ver com os e6digos de honra cavalheirescos. O fidalgo que tivesse visto morrer 0 seu rei podia incorrer na acusacio de cobardia, pois sobrevi- vera sem conseguir defendé-lo. Por outro lado, as declaragdes dos portugueses que foram chamados a teconhecer um cadaver despido como sendo o de D. Sebasti io tém uma razo I6gica: mesmo nfo tendo a certeza de quem se tratava, a declaragio de que era o Rei faria os mouros desistir de o procurar e daria maiores possibi- lidades a que ele se pusesse a salvo, no caso de estar vivo. O mesmo cronista que jé citei, Francisco da Fonseca, definiu bem 0 misto de sentimentos que envolvia esta problemitica: Xpectativa que Os portugueses, que amavam excessivamente a El Rei, ¢ esperavam dele 0 seu remédio, por carinho, por saudade e por afecto sempre o contemplaram vivo e, como 0 conheceram her6i, esperavam-no imortal.? “Por carinho, por saudade ¢ por afecto” — aqui est, dita em termos simples, a verdadeira raiz do mito, Carinho por aquele principe cuja vida fora ansiosamente segnida dia a dia, saudade por um tempo que se imaginara cheio de promessas a realizar num longo reinado de prosperidade, afecto por aquele jovem bem-parecido que seguira até ao sacrificio total os seus ideais ue tinham norteado os construtores da grandeza que todos tinham esperado recuperar. A medida da perda deu-a 0 cronista que disse: 2 Op. Cit, § 197, p. 114. D. Sebastido. Historia e Mito em Portugal e Espanha Se fizeram com universal luto as mais fiinebres exéquias que nunca viu a sen Corte, porque nas outras se chorava a morte do Rei, nestas a do Reino, ada Gléria e a da Baronia, que tudo em Sebastido acabava. Para desgraga tdo definitiva s6 podia buscar-se um conforto sobrenatu- ral, o que se encontrava nas profecias: a promessa de Cristo, que na décima sexta geragio [recordemos que D.Sebastito foi o décimo sexto rei de Portugal] nos tinha profetizado 0 ] | castigo e prometide o remédio? superstigio, tendéncias atavicas propicias & eriagio de mistério, predis- } posigio psicol6gica para resolver num plano sobrenatural as dificuldades de pov realidade desagradével, para uma atitude de esperanga passiva, do Pre- Fargnoia a busca activa de uma solugio, tudo isto poderd ajudar a explicar 0 | Sebastianismo. | Esta espécie de passividade foi registada pelo D’Ablancourt, que esteve em Portugal na segunda meta exprimiu esta opinio sobre 0 povo portugues embaixador francés de do século XVII e Baste € um pats onde todas as coisas se fazem por milagres, € os portuauests ] fomam como certas as coisas que desejam, sem outra garantia para além do | exemplo de uma felicidade semelhante.* pois de Alcdcer-Quibir nio se perdeu o esp- | rito sebastianista, a atitude de esperar que uma personagem superior VicSS® resolver as ctises dos momentos dificeis da nossa histéria. Ainda hoje se nao 1 perdcu a ideia de que haveré sempre alguém predestinado para salvar 0 povo eanacao. Rei nenhum origem a tantos relatos, No decorrer dos séculos de foi assunto de tantas crénicas, nenhum acontecimento dew ‘a tantas justificagées. As crGnicas, praticamente todas | touritas depois da derrota africana, foram movidas pelas emogées excessivas cafomo da figura do Rei, transformando-o no heréi quase perfeito, que mor se imaginava porque estava “encoberto”. Desde uma deserigao fisica | “maior coragem que jamais se ouviu que implicava beleza e majestade até & falar em outro principe” referida pelo espanhol Luis Nieto na Refacion de las Guerras de Berberia, as crénicas falaram da sua religiosidade, do seu brio, dos seus “grandes pensamentos”, das suas excelentes qualidades, de uma alma sem \ qualquer vicio. Estes louvores nfio safram apenas das descrigaes portuguesas. ] srasae ratores espanhiis, como Antonio de San Roman, Juan Batista Morales ¢ Antonio de Buena Parada, tragaram retratos entusidsticos. aise ee ] 3 As duas citagdes, Op. Cit., § 199, p. 115. \ 4 Apud Sarupaio Bruno, O Encoberto, p61 Maria Leonor Machado de Sousa Até as varias baladas espanholas exprimiram desgosto por t40 grande Tragedia, a tragédia que Fernando de Herrera descreveu numa cangao ints lada “Por la Pérdida del Rei D. Sebastian”: Voz de dolor, i canto de gemido, i espirito de miedo, embuelto en ira, hagan principio acerbo a la memoria d’aquel dia fatal aborrecido, que Lusitania misera suspira, desnuda de valor, falta de gloria. Herrera termina o seu poema com uma acusago violenta aos vencedo- es e uma ameaca de alguma forma também sebastianista Tu, infata Libia, en cuya seca arena murio el vencido Reino Lusitano, i s'acabé su generosa gloria, no estés alegre i d’ufania Ilena, Porque tu temerosa i flaca mano, tubo sin esperanga tal vitoria, indina de memoria que si el justo dolor mueve a venganga alguna vez el Espafiol corage, despedacada con aguda langa, compensaris muriendo el hecho ultrage; i Luco amedrentado, al mar immenso pagara d’ Africana sangre el censo. Mas nio foram s6 os historiadores que fizeram um retrato atraente de D. Sebastido. Luis Velez de Guevara, nas primeiras décadas do século XVI, fez uma das suas “comédias famosas” intitulada “Del Rey Don Sebastian, que pode chamar-se uma crénica dramatizada. Nela faz uma descrig&o ent. sidstica do Rei, mas posta na boca de um portugués: : sus afios serén poco mis de veinte. Es de proporcion hermosa, tiene el rostro grave y bello, crespo y aspero el cabello, ancha frente y espaciosa; verdes los ojos y grandes, la nariz, de fuerte y sabio, belfo y partido el un labio, por lo que tiene de Fléndes. Ancho de espalda y de pecho, D. Sebastido. Histéria e Mito em Portugal e Espanha 29 donde el corazon valiente, con estar tan anchamente, parece que vive estr De piés, y piernas, y brazos hermosamente compuesto; € dadivoso, es honesto; si salta, es viento, si corre, al viento ligero admira. + YY para decir quicn es, En estilo mas sucinto, es nieto de Carlos Quinto yen efecto Portugués. Também Maw! bd al-Milik, que aparece neste drama, como na generalidade dos textos, como “Maluco”, faz. um retrato favordvel: Muestra extrafia y fuerte tiene, tiene belleza exquisita y es feroz con la belleza; grande valor pronostica Este retrato me ha dado extraiia melancolia; cbrele y guardale all su ferocidad me admira. © drama segue rigorosamente a Hist6ria, ou aquilo que foi apresentado como Hist6ria, com a passagem do cometa, 0 encontro de D. Sebastido com © eeu tio Filipe I, a vinda do Xarif a Portugal, o envio de Francisco Aldana para acompanhar a empresa, as tentativas dos fidalgos mais experionies St procuram travar os {mpetos do Rei de modo a preparar melhor a batalha contra os drabes: Dicenle todos los suyos viendo el poder del contrario, que suspenda la batalla por algun tiempo & espacio, el Lusitano. Uma mulher reforga este pedido: ( No dés la batalla, Rey, vuélvete al mar, alza el campo, que importa 4 tu vida hacello, y al honor de tus vassallos. Maria Leonor Machado de Sousa Acela responde 0 Rei: srrnetenneeen EXE ARIO Prodigio! En mi vida tuve, sino es hoy temor y espanto, ] Estas son hechicerias destes perros afticanos, Para ponerme temor: su cobarde intento alcanzo, No os valdrén, perros, conmigo Nigroménticos engafios, que soy Portugués, y soy estampa del quinto Carlos, ‘No me amendrentan visiones, no me dan sombras espantos, venganza soy de Rodrigo, ¥ teliquias de Pelayo, A questo das genealogias aparece com frequencia: i Ah mi prior, ah mi tio, ho veis que soy Portugués, Y Carlos fue agiielo mio! {4 em plena batalha, D. Sebastiao ditige-se aos espanh6is, comandados Por Aldana: Mirad que sois Espaiioles Venced contrarias fortunas, } | No eclipse Africa las gloria | de Espafia, mirad que you | soy nieto del qui midié Sus arenas com victorias, 40 fim da batalha, Hamet mistura Portugal ¢ Espanha: Rey de Portugal famoso, invencible y temerario, casi apenas te conozco, i Celebre ef mundo tu fama | desde el uno al outro polo; lore Espafia tu desdicha, rama del ceséreo tronco! D. Sebastido. Histéria e Mito em Portugal ¢ Espanha Para os autores de fora da Peninsula Ibérica, havia um distanciamento desta visio positiva. Para eles a hist6ria deste Rei foi sempre totalmente tré- gica, como homem, como rei, como guerreiro, mesmo como s{mbolo. A constatagdo da forca do mito era apenas uma forma de embelezamento, e, no fundo, a sugestdo de que tao louco era o rei como 0 seu povo. O mito implicava a esperanga de que o Rei no tivesse morrido. Se assim fosse, qual teria sido o seu destino? Uma das hipéteses é 0 encontro ‘com uma princesa na casa de um mouro bondoso que o recolhera ferido. Cutra hip6tese do encontro com a princesa moura é a tradigao de que ela teria vindo a Portugal com seu parente Mawlay Muhammad, a quem muitos autores chamaram simplesmente Xarif, pedir auxilio a D. Sebastido. Em alguns casos, como na tragédia inglesa de 1690, de John Dryden, chega a haver casamento. Mas a tradig&io mais forte e que correu a Europa a partir das obras que dedicados sebastianistas, D. Jodo de Castro e Frei José Teixeira, publicaram em Franca, é a do seu esforgo para expiar os crimes que cometera contra a pitria, primeiro combatendo os infiis no Préximo Oriente, depois acolhen- do-se a um convento no deserto, onde fizera longa peniténcia. Varios impostores apareceram entretanto em Portugal, proclamando-se 6 Rei desaparecido. Todos foram desmascarados e tiveram um fim trégico, As mios da justica. Mas em 1598, vinte anos depois da batalha, apareceut em Veneza um homem que, por dizer que era D. Sebastido, foi preso e julgado, sendo-lhe concedida a liberdade com a condigio de sair da cidade dentro de 24 horas ¢ dos Estados da Senhoria dentro de trés dias. Entretanto, a plausi- bilidade das coisas que contava e o seu grande conhecimento das pessoas e do que se passava em Portugal congregaram em seu redor os fidalgos portu- gueses exilados, que todos reconheceram como sendo o Rei. O Embaixador espanhol em Veneza, D. Francisco de Vera y Aragon, escreveu ao seu Rei em 1601, narrando os factos ¢ © reconhecimento de D. Sebastido pelos nobres portugueses. Tao pormenorizado foi este relato que nao deixa davi- das quanto a existéncia de um traidor entre os portugueses, que se veio a saber ser Nuno da Costa. O resultado das diligéncias do Embaixador foi nova pristio, em Florenca, e a entrega do prisioneiro ao Vice-Rei de Népo- les, 0 espanhol Conde de Lemos, por proposta do Conselho de Estado de Filipe III, que entendeu ainda que ele nao deveria ser condenado a morte, mas a “galeras perpetuas”, vindo depois a Espanha, a fim de que “en todas partes sea visto y com esse se desengafien deste falso rumor”. Toda esta documentagao se encontra no Arquivo de Simaneas. O Conde de Lemos, que conhecera D. Sebastiio em Portugal, néo viu o Rei portugués neste prisio~ neiro, embora tenham corrido noticias de conversas irrefutaveis com ele & sua mulher. A verdade € que 0 “prisioneiro de Veneza”, como ficou conhe- cido na Hist6ria, foi declarado impostor, sendo um calabrés que se fazia passar pelo Rei, Marco Tilio Catizone. Entregue & Espanha, foi julgado ¢ 232 Maria Leonor Machado de Sousa enforcado em San Lucar de Barrameda, em 23 de Setembro de 1603, Pela tottura confessara ser Marco Tullio “dijo que el diablo le engaiio y metia en cabeza a que dissesse muchas cosas y sefiales del Rey de Portugal.” Mas mais uma vez levantou uma dtivida nunca esclarecida. Seria o fomem sentenciado em San Lucar o prisioneiro de Veneza ou alguém que os leais portugueses tinham conseguido trocar por aquele que consideravam seu Rei? Em 1904 foi publicado um texto de Jac-Rémi-Antoine Texier (1813-1859), arqueslogo especialista de arte e monumentos de Limoges, cidade onde nasceu © morreu, que narra a descoberta feita num timule do mosieito agostinho de uma medalha de ouro, representando uma estitua Pedestre em traje de monge, com a inscrigao Sebastianus primus Portuga- lige rex. A medalha foi encontrada junto de uma ossada bem conservada, mas 0 operatio que estava encarregado do trabalho de destruir esses timulo, nio a cedeu a Texier, por querer conseguir o dinheiro que ela valia Texier acha que o esqueleto e a medalha s6 podiam ser de D. Sebastifo. No caso de estar certo, ter-se-ia conseguido cumprir o pedido do prisioneiro de Veneza, de ser levado para um convento em Franca onde terminasse os seus dias em siléncio. Todos os autores que escreveram sobre este episédio, acreditando ou no, deram-Ihe um relevo especial. Isso no nos dé qualquer certeza, mas é curloso verificar como se criaram dividas nunca resolvidas em torno de dois Momentos essenciais na histéria de D. Sebastido: o desaparecimento na | batalha e o seu reaparecimento em Veneza, Baseando-se nas declaragdes do “prisioneiro de Veneza” que D. Jodo de Castro ¢ Frei José Teixeira amplamente divulgaram, um dramaturgo inglés recentemente falecido, Jonathan Griffin, escreveu 0 que € talver 0 mais belo texto sobre D. Sebastiio, a tragédia The Hidden King (O Rei Encoberto). Nela se retrata o Rei imaturo que levara 0 seu exército 4 perdi- sio. Era, ao reaparecer, uma personage que expiara a sua loucura 6 que Seria, apés tantos anos de meditacdo, um homem diferente. Tal situagio pos- € aos fidalgos portugueses que procuravam o caminho certo: Se nao é 0 Rei, é ele um rei? E se € 0 Rei, tornou-se rei? Ha um rei oculto em cada um de nés E somos todos impostores. Que € ele? ' E original e psicologicamente correcta a nota que aqui encontramos ‘ pela primeira vez: tal era a desgraca da pétria que talvez valesse a pena arriscar a aclamago de um impostor, se ele se revelasse a verdadeira ima, \ ‘ gem do Desejado. Que interessava afinal que fosse D. Sebastiio? As brofecias anunciavam um rei salvador, por algum tempo encoberto, capaz de dirigir para a gléria os destinos patrios. D. Sebastido, que talvez nao trvesse . Sebastido. Histéria e Mito em Portugal ¢ Espanha 233 sorsido, era aparentemente a personagem mais légica. Todavia, dada a sua nadequagio as exigéncias do mito, era frégil. (O proprio Rei sabe que € culpado ¢ que 56 so vélidas as suas reinvi- dincagdes porque, depois de ter conhecido todas as misérias, regressa bem diferente do que partiu: E foi entio, S6 entio, Que me tornei rei, sendo homem: Verdadeiramente ungido com 0 santo 6leo Das légrimas comuns e da sede, Feito real pelas provagoes. Nas palavras de um dos portugueses que o rodeavan exprime-se 0 grande dilema: hesitam porque tém esperanga OW ‘medo de que seja de facto ara? Nao seria mais amargo o desfazer da promesse do mito do que man- ter viva a ilusdo? A nagao escrava tinha algo a que se agarrar; provado falso 19 somho, s6 Ihe restava 0 desespero. Tbe destino fatal do homem, que todos criam jd ser o Ret, ressalta a tra- gédia humana de D. Sebastido, de quem, por culpa da sua loucura, mito fez um her6i que de facto nfo era ele. Quanto aos textos que divulgaram este episédio, terme que distinguir 60s histéticos e 0s literdrios. Muitas vezes se confundiram, pois os histéricos ‘nclufram frequentemente elementos de romance Na literatura portuguesa encontramos sobretudo posmts saudosistas, que mitificaram 0 rei e expressaram o desejo de um povo por alguém que 0 vViesse libertar do jugo estrangeiro. Em Espanha, encontramos sobretudo 0 lamento pela morte de um rei, Rey de Portugal famoso, invencible y temerario, como diz, Guevara, ‘Mas fora da Peninsula e sobretudo a partir do Romanisaie D. Sebas- tigo sobreviveu A batalha, chamada a “batatha dos és reis”, € foi herdi de variadas peripécias romanescas, centralizadas principalmente no “prisioneiro va Venena”, Sobre ele pouco se falou em Portugal, talvez porque no século seguinte, época da submissio a Espanha € da Guerra da Restauragio, seria complicado tratar este assunto, $6 em meados do século XIX apareceram come rama e um romance sobre ele, além da tradugso do romance francés que difundiu na Europa o drama do Rei de regresse a patria ‘A literatura portuguesa cantou D. Sebastido, & espanhola lamentou-o, @ Iiteratura europeia romanceou a sua vida antes ou depois de Aledcer-Quibir. Em grande parte julgou-o, ao apresenté-lo sujeito aos remorsos pelo mal que Maria Leonor Machado de Sousa Fizera a sua pétria. Mas vérios autores souberam captar ¢ transmitir © senti- mento nacionalista ¢ heréico que entre nés, reconhecida embora a insensatez da Jomada de Alcécer, nunca deixou de estar associado ao Rei, An ser tr fado em culturas estranhas, D. Sebastiio perdeu a forga dos ideais naciona- listas e religiosos, mas ganhou o valor dos simbolos humanos que poderia ter incamado,

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