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OS DESAFIOS DA MEDICINA VETERINÁRIA NO TERCEIRO MILÊNIO

Por Luiz Filipi Damé Schuch

“ A doutrina de que os seres humanos são produtos da circunstâncias e da


educação, (de que) seres humanos transformados são, portanto, produtos de
outras circunstâncias e de uma educação mudada, esquece que as
circunstâncias são transformadas precisamente pelos seres humanos e que o
educador tem ele próprio de ser educado” ( Karl Marx)

INTRODUÇÃO
Neste artigo, buscar-se-á efetivar uma breve revisão do contexto em que
surgiram e se desenvolveram dois campos de inserção da MV – A extensão
rural e a saúde pública – e as novas perspectivas que se apresentam para o
século XXI. A contextualização histórica busca permitir uma visão ampla do
nexo e das contradições que determinaram a evolução destes campos do
saber. Longe de buscar o esgotamento do assunto, tentar-se-á dispor um texto
com diversos pontos críticos deste processo, objetivando suscitar a discussão
no médio acadêmico e na sociedade. Com este fim utilizaremos um número
limitado de referências que delimitem um marco teórico ao redor do qual,
entendemos, deva desenvolver-se esta discussão.
Inicia-se com uma breve história da saúde da Medicina Veterinária nas
sociedades ocidentais localizando os paradigmas que determinaram o seu
espectro de atuação. Em seguida, em dois capítulos, discorre-se sobre a
história da extensão rural no Brasil e a inserção da Medicina Veterinária no
novo rural. No mesmo sentido, a seguir localiza-se a saúde pública na história
do Brasil no século XX e a inserção da Medicina Veterinária no novo campo do
saber denominado saúde coletiva e nas práticas contemporâneas de saúde,
vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Por fim, conecta-se a discussão
prévia, à discussão prévia a prática e o ensino em Veterinária, encerrando-se
com algumas conclusões e propostas de discussão para o futuro.
A HISTÓRIA DA SAÚDE E O SURGIMENTO DA MEDICINA VETERINÁRIA

A percepção de saúde/doença tem-se modificado na história humana.


Na história moderna ocidental, a partir da visão reducionista da filosofia de
Descartes, observa-se o domínio do domínio biomédico que percebe o corpo
humano como uma máquina composta por várias peças e a doença é
entendida como a avaria ou o mau funcionamento de uma das partes e a cura
a reparação externa e uma dessas peças defeituosas.
Essa perspectiva tem por referência mais antiga a filosofia grega, a partir
da escola hipocrática. Segundo a mitologia grega, o deus Asclépio possuía
duas filhas Panacéia e Higéia. Panacéia era a deusa das práticas terapêuticas,
responsáveis pela intervenção em indivíduos doentes através de
encantamentos, preces e usos de substâncias chamadas pharmakon,
enquanto Higéia “origem da palavra higiene” era responsável pela saúde
originada do equilíbrio do homem e do ambiente e buscava promove-la pelas
ações preventivas que mantivessem a estabilidade das relações dos elementos
terra, fogo, água e ar (Rouquayrol & Almeida F°, 1999). Embora os textos de
Hipócrates mantivessem uma clara referência pela saúde representada por
Higéia, os seus seguidores, difusores da escola hipocrática, impulsionados pela
necessidade de manutenção de um mercado que lhes dava privilégios, criados
pela dependência da figura do curador, optaram por reforçar a importância por
Panacéia e a prática individual e externa. Essa lógica prevaleceu na cultura
grega.
Desse ponto de partida, esta prática alcançou o estado Romano através
de escravos gregos “médicos” que praticavam rituais de cura e receitavam
fármacos, sendo o mais deles Galeno, que viveu em Roma entre os anos de
201-130 aC. Então, difundiu-se até os tempos modernos com a manutenção da
figura central do processo de cura – o médico – e, impulsionados pela lógica
reducionista de Descartes, buscou-se o aprimoramento em especialidades
cada vez mais delimitadas como vemos nas práticas médicas modernas.
Outras visões mais sistêmicas de saúde apareceram em diferentes
civilizações. Cabe ressaltar o modelo da Ásia Oriental que resiste na atualidade
e percebe a saúde como um equilíbrio entre o indivíduo e o seu ambiente, dá
ênfase a prevenção e entende a cura como um processo que se inicia no
indivíduo e é facilitado pelo terapeuta (Capra, 1982).
Dentro destes paradigmas, aparece a Medicina Veterinária como área
de atuação. Origina-se na atuação sistemática do homem como reparador da
saúde de animais domésticos, em especial do cavalo utilizado desde a
Antiguidade como força motriz no trabalho e na guerra. Remonta ao Egito 4000
anos antes de Cristo. Papiros escritos em 1800 aC referem-se a arte de curar
animais, indicando procedimentos de diagnósticos, prognóstico, sintomas e
tratamento. Existem registros de que Imotep (2980 – 2950 aC), atingiu fama
como médico de animais na Grécia, sendo comparado Asclépio. Num grupo de
leis escritas na Babilônia, dezoito séculos antes de Cristo, conhecidas como
Código de Hamurabi, são descritas como práticas veterinárias exercidas por
homens do povo, com referência a custos, direitos e deveres dos trabalhadores
em Medicina Veterinária (CFMV, 2003).
A ligação com a produção agrícola só aparece durante o curso da
Revolução Industrial. Enquanto a criação era feita em campos comunais e o
desfrute feito pelas necessidades locais, a produtividade não era algo para
discussão. Em virtude da migração rumo a cidades das massas de
trabalhadores em busca de trabalho, a produção de alimento modifica-se para
atender a esta demanda emergente. Então, tecnologias de produção e
beneficiamento em escala industrial começam a ser aplicadas, demandando
técnicos apropriados para lidar com os problemas da criação.
A profissão do Médico Veterinário aparece para dar conta dos problemas
de saúde oriundos das práticas de criação mais intensivas, numa lógica
tipicamente cartesiana de especialização das atividades. A primeira Faculdade
de Veterinária é fundada em Lyon, na França no ano 1762 e logo aparece em
outros países (CFMV, 2003).
Conforme se desenvolvem os centros urbanos, a necessidade de
preservação de alimentos de origem animal e os riscos que estes impõe aos
moradores das cidades, abre novas necessidades de saberes que apóiem a
melhoria da qualidade e no controle sanitário destes alimentos. Mercado este,
que passa a ser ocupado pela Medicina Veterinária.
Nessa matriz histórica ocidental, identifica-se a Medicina Veterinária,
como área do saber inicialmente voltado ao tratamento de doenças animais,
sofrendo o mesmo processo histórico que a Medicina. Com o passar do tempo
ela acumula papeia em todas as áreas do saber ligada aos animais domésticos
e, mais recentemente, silvestres, e as interações destes com o homem.
Apesar de constituída sob uma ótica antropocêntrica, ela se demora a
compreender a necessidade que possui o profissional veterinário em perceber
o ser humano por trás ou além do animal.

HISTÓRIA DA EXTENSÃO RURAL NO BRASIL DO SÉCULO XX

O pensamento científico convencional definiu como progresso para o


meio rural a sua homogeneização sócio-cultural, com a invasão cultural dos
espaços tradicionais, através de pautas econômicas, culturais, sociais e
ideológicas, operadas através da chamada extensão rural (Sevilla-Gúzman,
2001).
Segundo Caporal (2003), a extensão rural no Brasil teve início em 1948,
através do apoio de Instituições Públicas e Privadas dos Estados Unidos. Ele
não se origina com uma base teórica apropriada a realidade brasileira, mas nas
mesmas bases em que era executada nos EUA. A sua raiz foi a crise
econômica após a guerra civil norte americana, em resposta as demandas
capitalistas daquela época, associada às necessidades de apoio
governamental aos agricultores, devido as conseqüências da evolução do
capitalismo no meio rural, especialmente o alto custo dos novos insumos e
dificuldade de preços para venda dos produtos. Nesse aspecto, expressa-se a
importância da lógica da sociologia rural estado-unidense no contexto, através
dos chamados estudos de comunidade, necessários para a transformação
mais eficaz da agricultura que precisava dar suporte ao desenvolvimento
urbano-industrial que estava por vir.
Assim, era necessário aos países centrais compreender as causas do
nosso atraso em desenvolver-nos, para estabelecerem mecanismos que nos
permitissem superar esse atraso e servir de base na produção de alimentos.
Em 1948, é criada a ACAR, financiada em parte por dinheiro externo, em
especial pela Fundação Rockfeller, inicialmente em Minas Gerais e, logo em
seguida, difundindo-se pelas demais Unidades da Federação. O modelo
extencionista apresentou enfoques diferenciados durante o tempo.
Nos primeiros momentos, a atividade fundamentou-se na assistência
familiar, as questões de bem-estar e saúde detinham a mesma atenção dos
extencionistas que as questões da produção agrícola. Pressupunha-se que no
momento que melhora-se a produção e a produtividade, naturalmente se
melhoraria a renda e o bem-estar das famílias.
A partir de 1960, inicia o período do difusionismo ou produtivismo onde
era exigido da atividade de extensão o aumento da produção e da
produtividade nas unidades agrícolas, especialmente de produtos destinados
para a exportação. A introdução de técnicas e a inserção da produção nas
cadeias agro-industriais, acompanhadas do financiamento estatal para médios
e grandes agricultores de culturas destinadas à exportação, marcaram este
período. A atuação do extensionista passou a ser por linha de produção
deixando de lado a família rural. Neste período, aplicou-se a chamada
modernização conservadora, mudou-se a base técnica sem interferir na
estrutura agrária.
Na metade da década de 70, durante o Regime Militar, é criada a
EMBRATER com o objetivo de articular a atividade de extensão no país. A
conexão desta com uma empresa de pesquisa (EMBRAPA), buscava
adaptação técnica dos pacotes tecnológicos e a melhoria da eficácia de sua
implementação. Neste época, inicia-se a preocupação com a ecologia e
através do financiamento do Banco Mundial, ocorrem iniciativas neste sentido
com pouco sucesso devido ao enfoque difusionista no qual estão inseridas.
O ano de 1985 marca uma mudança de rumos na extensão rural. A
partir da crítica de vários segmentos da sociedade, em especial a Igreja e de
algumas ONGs e baseado nos textos de Paulo Freire, introduz-se no discurso
da EMBRATER a participação dos agricultores no processo, voltando a
extensão rural para uma lógica do mercado interno e da subsistência, criando
bases para o que se propunha ser um novo paradigma de extensão. Nos anos
90, instaura-se a crise na extensão rural, proporcionada pela lógica neoliberal
de redução do Estado, ocorre a desativação da EMBRATER e a desarticulação
da extensão no país. Os governos estaduais introduzem modificações no
sistema de extensão, muito mais de forma do que de método, levando em
muitas Unidades Federativas a união da empresa de extensão às de pesquisa
agrícola, enquanto em outras a extensão subsiste de forma precária.
O final do século XX trouxe novos desafios ao setor. Os impactos
ambientes das tecnologias, a exclusão do mercado dos agricultores familiares
assim como a luta pela Reforma Agrária e os Assentamentos, indicam uma
rediscussão da práxis da extensão no país. Os mecanismos de resistência
desenvolvidos pelas comunidades para sobreviver à dominação sócio-cultural
se constituem em mecanismos de resposta dessas comunidades a agressão
sofrida e são a base para a rediscussão de paradigmas (Sevilla-Gúzman,
2001).
Ao mesmo tempo, a construção por parte das ciências sociais agrárias,
revigoradas em novas bases teóricas, de diferentes perspectivas para a
ruralidade, abre um campo de atuação aos profissionais da área agrária com
habilidades que ultrapassam a simples aplicação de pacotes tecnológicos,
numa nova perspectiva de desenvolvimento. A lógica “malthusiana” que prega
que o crescimento populacional cresce em progressão geométrica e o alimento
em aritmética não mais se aplica sendo superadas pela percepção da finitude
do ambiente em que vivemos e pela valorização qualitativa da vida.

A “NOVA EXTENSÃO RURAL” E A MEDICINA VETERINÁRIA

O resgate da conceituação de mural estabelecido pela sociologia rural


contemporânea nos direciona a revisão de diversos parâmetros utilizados no
exercício da Veterinária. Durante o desenvolvimento do capitalismo, o campo
foi visto como local do atraso, útil apenas como produtor de alimentos para a
hegemonia industrial/urbana dos países mais desenvolvidos. A agricultura
familiar condenada à extinção.
Ao rever seu significado de rural as suas inter-relações sócio-culturais e,
mesmo sob uma visão funcionalista, a sua importância como produtor de
alimento e de estabilidade social, entende-se que o enfoque da atuação
profissional necessita mudar de rumos. A propagação de tecnologias deixa de
ser o centro da ação. Passa-se a compreender a ruralidade (meio social rural)
como uma categoria de pensamentos do mundo social, com singularidades de
modos de vida e sociabilidades. Essa postura se contrapõe àquelas que
pressupõe que o rural é dependente do urbano (Karam,2002). A
sustentabilidade do ponto de vista econômico, ecológico e cultural torna-se a
mola mestra. O desenvolvimento é entendido como a realização de
potencialidades sociais, culturais e econômicas de uma sociedade, em perfeita
sintonia com seu entorno ambiental e seus valores políticos e éticos (Caporal &
Costabeber, 2002).
A simples troca de conceito de rural altera índices que constantemente
são utilizados para justificar a lógica do pensamento hegemônico. Somente
como exemplo, a população brasileira que reside na “zona rural” segundo o
Censo do IBGE de 2001, está abaixo de 20%. Nesse caso, “zona rural”
entendida como área determinada administrativamente pelos Municípios que a
estabelecem por interesses fiscais. Nessa conceituação, o Município de Porto
Alegre não possui área rural.
Essa tendência deu origem a um novo conceito de extensão, a chamada
a nova extensão rural ou extensão rural agro-ecológica. A extensão rural agro-
ecológica pode ser definida como

“um processo de intervenção de caráter educativo e transfor-


mador, baseado em metodologias de investigação-ação par-
ticipante que permitam o desenvolvimento de uma prática so-
cial mediante a qual os sujeitos do processo buscam a constru-
cão e sistematização do conhecimento que lhe permita incidir
conscientemente sobre a realidade, com o objetivo de alcançar
um modelo de desenvolvimento socialmente eqüitativo e am-
bientalmente sustentável, dotando os princípios teóricos da
agroecologia como critério para o desenvolvimento e seleção
das soluções mais adequadas e compatíveis com as condições
específicas de cada agroecossistema e do sistema cultural das
pessoas implicadas em seu manejo.” (Caporal, ...)

Essa prática recupera a importância do agricultor como agente da


transformação, portanto sujeito no processo. Ressalta a importância da cultura
no desenvolvimento, dando ênfase à geração da tecnologia no próprio local
onde ela é aplicada, através de uma experiência de acertos e erros. Ainda,
oportuniza igualdade de acesso, revalorizando o agricultor familiar não mais
chamado como pequeno ou atrasado. É necessário compreender que a
agricultura familiar é ao mesmo tempo unidade de produção, de consumo,
reprodução e criação.
A extensão rural agro-ecológica re-introduz a discussão sobre o
significado de sustentabilidade. Neste sentido, Sevilla-Gúzman (2001) afirma
que a sustentabilidade agro-ecológica baseia-se num conjunto de conextos que
“ devem ser construídos a partir de ações que tenham
em conta, entre outros, os seguintes elementos: a rup-
tura das formas de dependência que ponham em peri-
go os mecanismos de reprodução, sejam de natureza
ecológica, sócio-cultural ou política; utilização de recur-
sos que permitam que os ciclos materiais e de energia
existentes no agroecossistema sejam o mais fechados
possíveis; a valorização, recuperação e/ou criação de
conhecimentos locais.

O técnico (veterinário), neste contexto atua como potencializador dos


anseios dos agricultores respeitando os saberes existentes no âmbito social em
que estes estão inseridos. As habilidades necessárias para desenvolver tal
trabalho passam por uma visão ampla da realidade, através de saberes
sociológicos e antropológicos, assim como a capacidade de intervir de forma
educadora e integral no âmbito do grupo familiar e social, não exclusivamente
em linhas de produção ou especialidades médico-veterinárias.
É necessária a construção de saberes ecológicos, culturais,
sociais, técnicos e econômicos que comportem a reprodução social da
agricultura familiar, em níveis toleráveis de exploração da natureza (Caporal,
2003).
Segundo Sevilla-Gúzman, (2002) “a agroecologia tem uma
natureza social, uma vez que se apóia na natureza e na ação social coletiva de
determinados setores da sociedade civil vinculados ao manejo dos recursos
naturais”. Esse autor ressalta a existência de três níveis de conhecimentos
envolvidos nesta construção – o chamado distributivo que passa dentro do
próprio espaço de produção, o nível estrutural como estratégia participativa de
desenvolvimento rural e o dialético que busca romper com a perspectiva
tradicional de poder trazendo a participação equânime dos setores envolvidos
quebrando a lógica de que aos agricultores só resta aplicar o que foi produzido
nos laboratórios. Como enfoque científico, a agroecologia se propõe a subsidiar
a intervenção da nova extensão rural, buscando o desenvolvimento
sustentável.
HISTÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL DO SÉCULO XX

As práticas médicas são construídas dentro das realidades


concretas, modificando-se de forma dinâmica conforme a correlação de forças
entre o pensamento hegemônico e as demais correntes de pensamento da
sociedade e os interesses do Estado (Mendes,1996).
Rouquayrol & Almeida F° (1999) conceitua saúde pública como:

“A ciência e a arte de evitar doenças, prolongar a vida e


desenvolver a saúde física, mental e a eficiência,
através de esforços organizados da comunidade, para
o saneamento do meio ambiente, o controle de infec-
ções na comunidade, a organização dos serviços mé-
dicos e paramédicos para diagnóstico precoce e o
tratamento preventivo de doença, e o aperfeiçoamen-
to da máquina social que irá assegurar a cada indiví-
duo, dentro da comunidade, um padrão de vida ade-
quado a manutenção da saúde.”

Historicamente, vários enfoques foram dados a saúde pública. A atividade


médica passou a incorporar práticas sistemáticas de prevenção e promoção da
saúde na Europa Ocidental da segunda metade do século XVIII, sob a égide
das grandes epidemias rapidamente disseminadas pela melhoria dos meios de
transporte e o aumento das populações urbanas. Inicialmente, como
normatizações e práticas de higiene a serem aplicados individualmente que
referem ao âmbito moral a boa saúde e pela política (polícia) médica que
estabelece a responsabilidade do Estado como definidor de políticas, leis e
regulamentos referentes à saúde, remetendo a saúde a uma instância político-
jurídica (ROSEN, 1980).
O impacto na saúde causado pela urbanização mobilizou as classes
trabalhadoras a introduzirem nas suas reivindicações melhorias na saúde,
tendo como marco referencial os trabalhos de Engels (As condições da classe
trabalhadora na Inglaterra em 1844) e outros (Rouquayrol & Almeida F°, 1999).
Em resposta, o Estado assume a resposta a essa demanda, motivado pela
necessidade da otimização da mão-de-obra e pelos custos gerados pelo baixo
rendimento de trabalhadores em más condições de saúde, originando na
metade do século XIX o chamado sanitarismo inglês. Essa prática tem
desdobramentos nos demais países industrializados, apoiados nas mesmas
bases, mas com características próprias na França e na Alemanha (Sobrinho,
1995).
O rápido progresso científico da segunda metade do século XIX e início do
século XX, trouxe a luz conhecimentos em biologia e microbiologia que logo
revolucionaram as práticas médicas, não só curativas, mas também na
prevenção de enfermidades contagiosas. Ainda, cada vez mais se necessitava
produzir mais em menos tempo e a ciência médica é chamada a responder a
esta demanda.
Assim, delineia-se a medicina científica objetivando o máximo rendimento do
corpo humano na sua atividade produtiva. A ênfase é dada na aplicação de
tecnologias que priorizavam a restauração da saúde e a minimização das
conseqüências da doença. Esse processo é alavancado pela publicação do
Relatório Flexner, publicado em 1910, e economicamente apoiados pelas
fundações estado-unidenses, em especial a Fundação Rockfeller (Paim &
Almeida F°, 1998).
Após a Segunda Guerra, a ineficiência e a ineficácia do modelo científico, eleva
o custo de todo aparato tecnológico, sem os resultados esperados na saúde da
população, tornando-se insuportável ao Estado. Nos EUA, estuda-se a
possibilidade da instituição de um sistema nacional de saúde. Criam-se
departamentos de medicina preventiva nas escolas. Através da Organização
Mundial de Saúde (OMS) e da Organização Pan-americana de Saúde (OPS),
são desenvolvidos congressos para discussão e difusão do modelo. O Estado
percebe a redução de capital invertido na prática de uma saúde preventiva
frente aos custos da medicina curativa. Essa prática baseava-se no
assistencialismo, adquirindo o nome de medicina preventiva. No entanto, os
resultados positivos deste movimento só podem ser evidenciados no seu País
de origem, os Estados Unidos. Segundo Arouca (1976) apud Sobrinho (1995),
tal movimento estava fadado ao fracasso já que não incorporava prática teórica
compatível e nem uma prática política que enfrentasse a contradição entre as
atitudes sociais e educacionais da proposta preventiva e as práticas médicas
privadas.
A intensa atividade social dos anos sessenta traz a discussão e a superação da
medicina preventiva, através do movimento conhecido como medicina
comunitária, baseado na implantação de centros comunitários de saúde,
destinados a prestar ações preventivas e cuidados básicos com a saúde (Paim
& Almeida F°, 1998). A OMS responsabiliza-se mais uma vez de difundir esta
prática a partir da experiência estado-unidense, dando ênfase à atenção
simplificada à saúde. Ela é introduzida buscando aliviar as tensões sociais
derivadas da incapacidade da medicina científica alcançar todas as camadas
da população, definindo um modelo dual de assistência e incorporando as
diferenças de classes sociais no modelo, por isso é dita a medicina dos
marginalizados urbanos e rurais (Sobrinho, 1995). Segundo Donnangelo
(1996), a medicina comunitária é um movimento que somente modifica
parcialmente a prática médica, determinada pelas necessidades de manter a
estrutura social vigente e de responder ao problema da relação da demanda e
custo.
O processo de superação dos regimes militares na América Latina faz surgir
novas problematizações no campo da saúde, incorporando conceitos do
materialismo histórico e ações sociais na busca de novos paradigmas, dando a
origem a chamada medicina coletiva. Como marco referencial deste movimento
está a Conferência Internacional sobre Atenção Primária em Saúde, promovido
pela OMS em Alma-Ata (Declaração de Alma-Ata, 1997) que reafirma a saúde
como direito do homem e sob a responsabilidade política dos governos.

SAÚDE COLETIVA, SUS E A MV

A saúde coletiva é um movimento contra-hegemônico, baseado em três


áreas de conhecimento – epidemiologia, administração em saúde e as ciências
sociais – e que busca incorporar as relações sociais na tomada de decisões em
saúde (Paim & Almeida F°, 1998). Possui como características o caráter
dinâmico das ações em saúde, integra um grupo de áreas de conhecimento,
possuindo assim um caráter inter e transdisciplinar. A sua prática tem como
objeto as necessidades sociais de saúde, através dos grupos sociais
organizados, na discussão e no controle das ações em saúde, retirando do
Governo a posição superior nas tomadas de decisão.
Granda (1994; apud Paim & Almeida F°, 1998) diz que “é necessário
pensar que para poder estudar o processo saúde/enfermidade se requer
considerar os sujeitos sãos e enfermos não unicamente para explica-los, mas
sim, para compreende-los e conjuntamente construir potencialidades de ação.”
A saúde coletiva toma vulto no Brasil com a criação da ABRASCO
(Associação Brasileira de Saúde Coletiva) em 1979. Na promulgação da
Constituição Brasileira de 1988, vários conceitos deste movimento são
incorporados ao modelo de assistência a saúde no país, resgatando o conceito
de equidade de acesso – “a saúde é um direito de todos e um dever do
Estado”. Sob este marco teórico, cria-se o Sistema Único de Saúde (SUS).
O SUS busca equidade, universalidade e integralidade na atenção a
saúde, entendendo como atividades em saúde não só a recuperação, mas
também e principalmente, a promoção e proteção da saúde, tendo a saúde, “...
como fatores determinantes a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o
meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o
acesso a bens e serviços essenciais: os níveis de saúde da população
expressam o desenvolvimento social e econômico de um País” (Artigo 3° da Lei
8080/90 que dispõe sobre as condições para promoção, proteção e
recuperação da saúde).
Ele se estrutura a partir de um sistema de tomada de decisão que
envolve a participação dos profissionais de saúde, gestores e da comunidade,
por intermédio dos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacionais de Saúde na
gestão da saúde e dos Congressos, também nas três esferas administrativas,
na orientação de linhas gerais de ação e priorização.
O Conselho Nacional de Saúde, órgão que define as linhas mestras das
ações em saúde no País, na sua resolução 287/98, define as várias áreas do
saber que compõe o espectro de atuação em saúde, incluindo-se entre elas a
Medicina VeterináriPor outro lado, o Decreto 64.704, de 17 de Junho de 1969,
que regulamenta o exercício da profissão, documento base para o exercício da
profissão no país, apresenta uma profunda limitação na inserção do veterinário
na área de saúde. Alcançam tão somente as áreas de Inspeção de produtos de
origem animal e as doenças transmissíveis ao homem pelos animais.
A inserção do médico veterinário pode e deve ser muito mais ampla. Ele
contribui sob o ponto de vista de segurança alimentar, na produção,
transformação e consumo de alimentos de origem animal. A conservação dos
ecossistemas naturais é outro campo de atuação profissional, atuando no
tratamento de dejetos da produção animal, industrial e dos domicílios. No
âmbito da saúde mental e da saúde do trabalhador, em especial, do
trabalhador rural, o médico veterinário tem espaço para participação. A
inserção profissional se dará conforme a capacidade de inserção em equipes
de saúde multidisciplinares e interdisciplinares e a construção de saberes
capazes de interagir com os demais campos da saúde.

O PROCESSO HISTÓRICO E O DEVER DA MV

As relações históricas permitem entender a conexão do indivíduo e os


seus grupos na sociedade como um todo, quebrando a lógica das relações
estritamente corporativas. Identifica-se nesta rápida abordagem, que o
processo histórico não se dá por acaso, mas ele é estratégico e inter-
relacionado. Tão diferentes áreas de atuação, encontram-se intimamente
relacionadas. Pode-se perceber as contradições geradas no último século na
sociedade ocidental, em especial brasileira, aprofundadas pelo processo de
globalização.
Observa-se que esse processo histórico baseia-se no desenvolvimento
centrado no acúmulo de capital, concentrado na lógica urbano/industrial, e de
subserviência dos países periféricos, ditos subdesenvolvidos, aos países
centrais, sob a forma de políticas institucionalizadas.
A extensão rural e a saúde pública experimentam alternativas contra-
hegemônicas, historicamente relacionadas a partir de paradigmas
semelhantes, algumas vezes ainda contraditórias, pois veja-se que o alcance
das diferentes “saúdes públicas” no ambiente rural é recente e muito limitado.
O debate sobre a inserção da medicina veterinária nessas e em outras
áreas é, ainda, muito restrito. Tem sido centrado na defesa dos seus nichos de
atuação, corporativamente, sem aprofundar as concepções sobre os processos
por que passa o mundo. Alguns profissionais participam destas discussões de
forma individual, mas não se identifica um movimento coletivo da profissão, no
sentido de repensar paradigmas.
É interessante observar que na área de saúde animal, onde o médico
veterinário prepondera na discussão, não se observa semelhante discussão
sobre novos paradigmas. Os programas e regulamentações continuam
baseados em determinações do Estado, na sua própria lógica e os envolvidos,
profissionais veterinários e produtores, são meros executores das ações. Em
geral, todos eles são voltados à tecnificação, mercado externo e tendem a
conseqüente exclusão da agricultura familiar do processo produtivo. Mais
interessante notar que ao se buscar uma discussão mais profunda dos vários
aspectos da profissão, encontra-se apoio em atividades dos estudantes de
medicina veterinária e muito pouco entre profissionais.
Parece que a medicina veterinária carece de identidade como profissão.
Os próprios “curricula” das escola de veterinária centram-se na prática clínica e
técnica, abrindo mão da formação social e humana dos seus discentes ( e
docentes) e limitando assim a sua capacidade de intervenção na sociedade em
transformação. A veterinária ainda nega a sua inter-relação com as ciências
sociais e humanas.
Cavallet (2002) ao tratar da educação profissional identifica que “ ao
homem deve ser permitida a condição de construção de um projeto de vida, de
buscar uma profissionalidade; portanto, uma capacidade de se inserir, de
compreender o mundo e transforma-lo, para conceber novos processos e
paradigmas, com a visão de desenvolvimento social.”
Como vimos, vários segmentos da sociedade tem se permitido pensar o
mundo e recriá-lo. O crescimento teórico e metodológico das ciências sociais
no século XX, emaranhando-se por entre as ciências ditas técnicas, nos dá
uma perspectiva da realidade qualificada, trazendo para a discussão todos os
atores sociais nela envolvidos e demonstrando a multi (inter, trans)
disciplinaridades em ação.

CONCLUSÕES

Ao analisar-se o desenvolvimento histórico no Brasil das áreas de saber


discutidas, percebe-se que a história de tão distintas áreas da medicina
veterinária passou por processos semelhantes de evolução, não por acaso,
mas indicando uma estratégia bem delineada. As suas “funções” e estratégias
foram alinhadas com as necessidades dos países centrais com influência direta
nas políticas nacionais.
É essencial que se desenvolva uma ampla visão do todo, mos
permitindo sustentar em uma mesma lógica extensão rural e saúde pública.
Rosene (2000) ressalta que “sob um ponto de vista amplo, sustentabilidade
tem tudo a ver com saúde pública. O estado do ambiente afeta diretamente a
saúde humana por meio do ar, a água, o solo e a comida que consumimos. O
“ambiente construído” – a infraestrutura criada pelos humanos – também
repercute na saúde”.
A percepção clara desta realidade conduz no final do século XX, ao
desenvolvimento de um movimento contra – hegemônico que tenta e, em
alguns casos, consegue trazer a luz novas formas de atuação. A clara
consonância teórica destes movimentos, caracterizando-se por termos chaves
comuns como construção coletiva, interdisciplinaridade nas ações e respeito às
características sócio-culturais de cada e de todos os sujeitos. O profissional
atuante neste novo modelo precisa desenvolver as suas habilidades muito
além da base técnica. Esses conceitos precisam ser tratados com
profundidade, na ótica da teoria e da prática veterinária.
Já tarda o momento da medicina veterinária compreender a enfrentar
esse processo, em todos os seus âmbitos de inserção profissional.
Todo movimento contra-hegemônico se desenvolve num lento processo
de avanço e retração. Tem na dificuldade de ruptura da proteção corporativa
das profissões, um dos seus limitantes. Somente pode-se originar a partir da
mudança de paradigmas na educação desses profissionais. O que, de acordo
com o prólogo deste texto, é precedido pela educação dos educadores. E essa
educação só pode ocorrer dentro de um estado de liberdade de pensamento e
da práxis criativas.

BIBLIOGRAFIA

CAPORAL, F.R. A extensão rural no Rio Grande do Sul: da tradição “ Made in USA” ao
paradigma agroecológico. www.jornadaecologica.com.br/textos/agroeco030701.pdf. Obtido em
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