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= UNIVERSIDADE DO BSTADO DO RIO DE JANEIRO Xeior Rear Vienlves de Castro View Rei: Palo Roberts Volta Das INSTITUT DEMEDICINASOCIAL Direor: Cid Mens de Mello Viana ‘VieeDiretor Michal Edrd Reehenbcis LABORATORIO DE PESQUISAS SOBRE PRATICAS DE INTEGRALIDADE EMsavpR Coordenalors: Rover Pleo CENTRO DE ESTUDOS, PESQUISA E DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO EMSAUDECOLETIVA esdence Gd Manso de Mello Vine ASSOCIAGAO BRASILEIRA DE PGS.GRADUAGAO FM SAUDE COLETIVA Presence: Gastio Wagner de Souzs Campos Convelho Eicon Aluisio Gomes de Sl Junior (UP) Fipe Dua Asensi(UER)) José Ricardo de CM. Ayres (USP) Kennel Rachel de Camago Je (UER)) Lilian Koitmae (JRE) ‘Mada Therein Le (UF ¢ UFRGS) ‘Maris sith Baro cde Beers (URES Paalo Hensique Noraes Manns de Albuuenqie (UFPE) RoseriFiaeio (UERD Yara Maia de Carvalho (USP) Séie Sade Coletiv,Iasteiges « Sociedade Civil CEPPSC Favors Ealtora do Centro de Estados, Pesquisa eDeseavelvin Av. Boley 28 de Seremby, 389 gala 505 — Vila Isabel (CEP 20551185 -Rio de Jncio- RJ 234.0235 ronal 152 URLiworelipriserghr 1 wwnimsiebleepec Ender elerénico:appiss@imue.be Teenoligicocem Suid Coletiva (© CEPESC £sico cctv do Sindy Naconal das Eee de Lies GNEL) efd & Assoc Bala das Eder Univecsdrins (ABE) Roseni Pinheiro Tatiana Engel Gerhardt Aluisio Gomes da Silva Junior Pablo Francisco Di Leo Marisa Ponce Maria Pia Venturiello Organizadores CULTURA DO CUIDADO E O CUIDADO NA CULTURA: dilemas, desafios e avangos para efetivacgao da integralidade em satide no Mercosul CEPESC « IMS-UERJ + ABRASCO a. Edigaio Rio de Janeiro - 2015 haa is i A. The politic of tevelt: on Besjamin and critique of law, Law and Critique, 22, 2, 2, pe 1OL-IB, 2011, HONWETH, A. Te Sgr Regi trl gmat ol of Cambie: Tc MIT fe 6 VPPOLITE. J. Gt ond Soa Hel Phoned Eason Nenhwn Ut earn Meena i Ml nd Men Sse Cai FANT, E. Dowine ef igh Cant: Un 988 MATE, R. Td deri, Balon:Aatops 201 MOSES, S. The Angel of ilizory - Rosenzweig, Benjamin, Scbulen. Stanford: Stnfod University Press, 2008, ye: Cambridge University Press, 1975 The mesaphysce of morals, Cambridge PINKARD, T. Hegel: Phenomenlogy ~ The Sri nology ~ The Social of Revon. (Cambidge: Cambridge Universicy Press), 1994. i RANCIERE, J. La Méentenr, Galiée: Peis, 1995 ROSENZWEIG, F. Philosophical and Theolegical Writings, Ci ind. Theological, Writing. Cambridge: Hackett Publishing Company, 2000, . —__. The Star of Redenption. Pate One, Book ‘Two: Realty of the Word. ‘Wisconsin: The University of Wisconsin Press, 2005. TAYLOR, C. Hegel. Cambridge: Cambridge University Pres, 1975. WARNKE, G. futice and intrpresation. Cambridge: MIT Press, 1993. 30 ula eccudéora cata A metéfora do bien vivir e sua importancia para 0 avango ‘eitos coletivos na satide! Pauto Henrique Marrins Introdugéo tema dos direitos humanos é muito amplo, mas ao trazé-lo pera a saiide jd podemos delinear um debate mais preciso sobre seus usos nfo somente como producio cultural em gecal, mas como cuidado com o ser social, em particular, Nesta perspectiva mais limitada do centendimento da sate, cemos duas possibilidades de debate: usa, a discussao institucional da save que se volta para temas mais praticos ‘como programas de satide, trabalho profisional, inovagies récnicas, fFinanciamentos, entie outros. A outia discussao tem relago com 0 entendimento teérico © epistemolégico sobre os sentidos da suide © da doenga, sobre 0s cuidados, as emogies humanas € 0 corpo, entre outros, saindo da visio instieucional para se abrir para um entendimento epistémico da vida. (0 caso do Sistema Unico de Satide (SUS), no Brasil é interessante por focalizar as duas possibilidades acima lembradas: por um lado, zuma perspectiva institucionalista, € uma politica publica inovadora que vern sendo construida com grandes desafios; por outro, € ume filosofia de agio ¢ atengio ampliada que incorpora valores complexos e democrsticos sobre a savide € 0 bem-estar. Na perspectiva de politica Testopreparads pro Seino temadonl Go Poet integra sabere epics catidans as ntiges de sae eal ene 17 de Duta de 214na cidade de Sena Aes, renin ‘Mesa eon: Deas laos cla sl ens psn, Gea esCidatoeocitioma oa 3t ul Henge Marts piiblica, 0 SUS tem limites interpretativos produzidos a partir da petspectiva intervencionista que esté presente na iniciativa estatal, sofrendo inflexdes tedrices e priticas produzidas pelas hegemonias de saberes estratégicos — necessirios 2 viabilizagéo do planejamento das ages estatais © piblicas ~ e pelos saberes eécnico-ciemtificos ~ resuktantes da articulago institucional inevitdvel entre ciéncia, tecnologia e polftica na produgio dos discursos oficiais sobre sade € cuidado, Nacuralmente, estas inflexées tedricas geram tensGes entre a aso racional dirigida estatal ¢ as miiltiplas racionalidades (LUZ, 2005) que guiam os atores sociais na vida cotidiana e que liberam, pot sua vez, outros entendimentos sobre satide e vida. Na perspectiva insttucionalista de politica piblica, merece registrar que 0 SUS, no Brasil, €tuma proposta de democratizagao de governo que iio se enquadra hipoteticamente nem na Iégica burocrético-autoricéria que rege tradicionalmente as agGes em suide na repiiblica brasileira, nem na légica mercadolégica voltada para 0 lucro € privatizagao do sistema de sate. Dizemos hipoteticamente pois, na pritica, sabemos que © desenvolvimento do SUS tem sofrido ataques permanentes dos dois lados: ataques do sistema burocritico e hierdrquico, por um lado, edo sistema mercantil, por outro (MARTINS, 2013). Mas 0 fato € que 0 SUS, apesar das reagics burocriticas e liberais, sm. ayango fundamental por reunir as duas possibilidades antes aventadas: busca inovar as politicas piblicas incroduzindo novas premissas como as da universalidade do atendimento, da integralidade dos cuidados ¢ da descentralidade das agées. Assim, por facilitar a otimizagio das ages nos niveis federal, estadual ¢ municipal, e por abrir um amplo campo de participagio popular ¢ de redes sociais na organizagao do sistema piblico de sade, 0 SUS é uma teferéncia nas discussdes sobre reformas de politicas piblicas (PINHEIRO; MARTINS, 2011; PINHEIRO; SILVA JUNIOR, 2011). No entanto, apesar de todos esses métitos do sistema, é consenso que a democratizagéo da satide publica euconera rencias importantes ‘no Brasil ndio somente no nivel das reagSes burocritico-conservadoras ¢ liberais mas, igualmente, da prdpria populagso assistida, que nto tem reagido com a presteza esperada pelos plancjadores ¢ gestores em. iniciativas de empoderamento © autonomizacio na atengio priméria 32 GatuatoCadaioCutadenacutue mtorr ta npn para aang. ‘ena organivagio da satide da familia (MARTINS; BEZERRA, 013). Sobre o tema, vale lembrar que os trabalhos de pesquisa e as publicagSes do LAPPIS cm presto inestimével contsibuigéo para fo entendimento deste proceso, conuibuinda para avaliar os rumos lemas da save publica no Brasil ‘ = texto, comungando com a importéncia de se eprofundar ‘a discussio sobre as perspectivas de democratizagio da satide em sociedades conservadoras como a brasileira, gostarfamos de trazer pata a reflexio a experitncia de giro epistémico que vem conhecendo ‘2 Bolivia no momento presente com a sua metéfora do Bien Vivir ¢ que vem conttibuinde para reconfigurar os direitos coletivos © ppblicos naquele pais. Provavelmente, 0 caso boliviano néo cenha muito a oferecer em termos de sofisticagdo gerencial ¢ financeira de um programa como 0 SUS. Afinal, estamos falando de um pais economicamente pobre ¢ com dependéncia econdmica do Brasil. No encanto, se pensarmos a sate nao como instiucionalidade, mas eomo objeto teérico c epistemol5gico, podemos abservar, como demonstcarei a seguir, que temos muito a aprender com a experiencia boli © caso boliviano nos ajuda a refletir sobre a emergéncia de novos direitos coletives 2 vida enfocando aspectos humanos ¢ inspitados nas pperspectivas de boa vida ¢ dos bens comuns, baseadas na justisa social ¢ igualitarismo, Este ponto de vista coletive demonstra 0 valor das politicas estatais © piblicas destinadas a reconhecet os individuos e grupos a partir de suas particularidades culturais, teligiosas, linguisticas ¢ étnicas, as quais nao podem ser reduzidas lumas s outtas € muito menos ao individualismo. Por outro lado, a luta pelo reconhecimento dos direitos coletivos € comunitarios no interior de sistemas nacionais como este do pais vizinho — que ainda So republicanos ¢ que se Fundam numa carta jurfdica leiga -, abre a discussio sobre as caracterfsticas complexis — afetivas, morais € estéticas — de novos sistemas legais que buscam incorporar o ideal da “construgio simbélica da comunidade” nos dias atuais (COHEN, 1985) © que sugerimos denominar de vertente pés-republicana, Para demonstrar 0 interesse do caso boliviano part 08 avancos da saiide pablica em palses como Brasil e Argentina, gostarfamos de explorar tits aspectos que nos parecem cruciais para os avangos ature doCudebeoCiddomaites 33 Fav emu as da democratizagio na side. O primeio claramente 0 sucesso dos movimentes sociais organizados ¢ as presses dos mesmos para 0 &ico de priticas de democracia participativa na Bolivia, Este ¢ um primeiro onto importante a considerar na medida em que no Brasil se observa apatia ¢ conformismo preocupante em partes expressivas das populagSes das. Isto se explica, em parte, por politicas assistencialistas que ‘fo focalizam suficientemente o tema da solidariedade efvica local, da reciprocidade social da participagio em conselhos e insidincias decisérias nos bairros e comunidades. Explica-se jgualmente pela desmobilizagéo da sociedade civil ao longo do processo de restabelecimento institucional € politico ¢ pela cooptagio de liderangas comunitatias pelo sistema cstatal desde 0 que se chamou problematicamente de periodo da “redemocratizacio”. Na verdade, somente « participagio ativa dos individues ¢ grupos sociais pode transformar agdes descentralizadoras «em ayGes democriticas nas esferas pablicas locas O segundo ponto tem a ver com a nosio de tertitério. No caso boliviano, « ampliagio da definigéo de humano pela incorporagio da natureza viva gerando a metéforn do Bien Vivir permitiu se sair de uma visio positiva de territério, para se liberar uma visio simbélica do espago que resgata as memérias, valores, ritos e afetos, que sio base de uma comunidade ritual solidétia (COHEN, 1985). No Brasil 0 uso de uma nogio positiva, administrativa € geogratica de territério na implementagao do SUS néo contribui para liberar a forca do sentimento cooperative ¢ das priticas de pertencimento a tum grupo social, a uma meméria, a uma histéria. O tereeiro ponto tem a ver com a criagio de um direito ptblica amplo que é mais valorizado que o direito privado, Na Bolivia, isto foi conseguido pelas lutas socias, levando a uma revisio em profundidade do dilema republicano que se estabelece entre os direitos privados € piiblicos. Nas tepitblicas modemnas, esse dilema se resolve pelo predominio do privado sobre o piiblico, No caso boliviano, podemos falar de uu experitncia pés-republicana no sentido de que houve mudangas na concepgio dos dircitos sociais, com a emergencia dos derechos colectives. Tais direitos definem uma nova perspectiva, pela qual o dilema republicano se resolve pelo predominio do pitblico sobre © privado, revertendo as representagées liberais do republicanismo. 34 GltuadocadaoeoCutadonn la ‘net do i hire mgr pra atm. Emergéncia de um movimento social bem-sucedido que feorganiza a politica publica a partir da vida local ; Na Bolivia, « experiéncia da colonizago ensinow a comunidade indigena sobre os efeicos destrutivos da propriedade privada dos recursos naturais e da exploragio abusiva do trabalho produtivo. Por jsso, tal experiéncia deve ser considerada como um aspecto importante para a crtica anticapitalista que vem sendo desemvolvida em virios cconrinentes. Na luta pela superagio de uma meméria de colonialidade ede exploracio para a adogdo de um discurso, ¢ de uma pritica conduzida por um movimenco social étnico inédito, os movimentos indigenas bolivianos romperam com mattizes doutrindrias modetnas, resgatando a forca do simbolismo tradicional para reorganizar a sociedade civil € a organizagio nacional Na Bolivia, a partir de 1970, 0 movimento Katarista, ampliando as conquistas da revolugio de 1952, que sessignificou, entre outtos objetivos, 0 acesso A terra, contribuiu para o surgimento de uma nova _geragio de intelectuais ind{genas que nie se relacionam apenas com ‘0 movimento dos trabalhadores, mas também com os movimentos de juventude (HASHIZUME, 2010). Entre 1980 1990, os atores sociais ampliaram a identificagao de classe para formar novos ‘movimentos sociais organizados a partir de uma identidade étnica € da comunidade. O Estado foi entio obrigado a considerar, de forma progressiva, tanto os direitos indigenas quanto os programas de mulkicultralismo nacional. Algumas pesioas testemunham que as agtes adotadas pelo Estado para resolver essas pressGes tiveram algumas consequéncias inesperadas, ajudando a autorrepresentagio politica das comunidades indigenas. Assim, as organizasées indigenas conseguiram integrar a adminiseragio do Estado ¢ as novas autoridades locais, impondo as telagbes inceré:nicas como uma condigéo objetiva de sistema politico boliviano (GUIMARAES, 2011, p. 337). Esta mudanga no sistema de poder fez surgir importantes direitos coletivos (derechor eolectivas) que registram uma revisio do republicanismo liberal a partie de uma ética descolonial, Ou seja, essas novas reivindicagées diferem dos dircitos tradicionais de cidadania porque, aqui, a prepriedade coletiva e comunitiria passou a ter mais valos politico e culeural que CalredoCudainesCdéatoracts 35 Pao Henig Nort a propriedade privada. A refundagio do Escado Nacional como Estado Plurinacional foi, por consequéncia, o resultado da ruptura com 0 poder oligérquico introduzindo as reages antisist2micas indigenas a favor da antonomia e da diferenciago (RIVERA, 2010). ‘Ao longo das tiltimas décadas, especialmente apés a eleigéo de Evo Morales, em 2002, os movimentos inceréenicos bolivianos avangaram reformas pollticas € institucionais significativas, transformando a autonomia dle fato, obtida pelas luras politicas nas décadas anteriores, cm autonomia juridica. Tais avangos esto consagrados na Constieuigio botiviana de 2009. Hojeem di, por exemplo, quando alguém pergunta ao partidaios de movimentos étnicos o significado de bem-estar (bien vivin, cles respondem que “a Constituigso tem que ser respeitada"? (STEFANONI, 2012, p. 16). Isso significa que disputas epistemolbgicas sobre o significado coletivo de kgalidade ejustiga estéo sendo deslocadas do campo lingufstico para 0 campo politica, cviando um consenso novo que reorganiza 0 Estado € 0 sistema politico. Ixo ¢ uma novidade quando se considera que as luras contra os sistemas nacionais coloniais falharam em diversos pafses antes da Bolivia porque os movimentos sociais no perceberam claramence © papel dos dircitos coletivos em uma nova ordem democestica (STAVENHAGEN, 2000). No caso boliviano, diferentemente, houve avangos que abtem 0 entendimento da vida c da suide coletive para novas possibilidades politicas. Deslocamento de significados e institucionalizagao dos novos direitos coletivos E importante destacar, neste tema das Intas pela reorganizagio de Gireivos coletivos, que a definigio do territério boliviano baseada no antigo significado simbdlico dos lages entre a Sociedade ¢ a Natureza amplia o significado cultural da ideia de Sociedade © de Humano, tema que ver sendo objeto dos estudos antropoldgicos ha alguns anos (DESCOLA, 1986; DESCOLA; PALSSON, 2001; VIVEIROS DE. CASTRO, 2002). Do ponto de vista reérico, esta abordagem amerindia 2 iy que ara Cosmin 36 (ultradocudadecCudotora atu ‘A etifoa eo bene aimgrtin’ pxae aan. ajuda a compreender os dilemas ¢ limites do biocartesianismo que se funda sobre a separagio ontoldgica encre o Humano ¢ a Naturera (MARTINS, 2005). Aqui, vemes que a revalorizasso simbdliea-do Homem como parte da Narureza mais ampla consticui um imagindrio com efeitos imporsantes nas priticas polticas € culturais © tertitério no & apenas geogrifico, mas, sobretudo, simb onftico, ritualistico, histérico © politico. Sua atualiz “yem se realizando pela desconstrugio ¢ reconstrucao de sign territériais produzidos nas lucas contra os processos de colonislidade eurocéncricos, liberando uma nova compreensio do espago que vvaloriza a relacio simbélica dos individuos com os lugares de moradia ede trabalho, com os grupos sociais primirios (Familia, vizinbos ¢ -comunidade), com a memérias ¢ ancesttalidades. Alguns conceitos, como interculturalidade, diversidade, reconhecimento € incluso desenvolvidos pelo pensamento anticolonial cornaram-se centrais para assegurar pluralismo cultural (RIVERO, 2011, p. 372), que ismo tervitorial, A complexidade simbslica S30 emerge na pritica do pl da ideia de territstio favore as lutas dos movimentos bolivianos interéinicos por um pluralismo juridico ecohumano, que a garantia da diversidade de racionalidades ¢ conhecimentos sobre as pessoas, sobre as comunidades e sobre a vida. © mais importante € que essas novas cepresentagdes da vida coletiva nao ficaram limitadas 2s mobilizagdes sociais, mas se insticucionalizaram por direitos coletivos nascidos fora do Estado e que penetraram o sistema politico, favorecendo a democracia participativa mudangas foram ‘nos planos locais, regionais ¢ nacionais. T: “consagradas pel Constituigzo boliviana de 2009, que, entre outras inovagdes, passou a reconhecer a Autonomia Indigena Camponesa Original (AICO) como um dos quatro tipos de auronomia possiveis além de auconomies departamentais, regionais e municipais. nova Carta cem ajudado muito a promover 0 debate no campo da ‘organizaczo indigena (RIVERO, 2011, p. 51). ‘A ccriaggo de um Estado Plurinacional nacional desafiando a identidade nacional homognea, por seu lado, Favoreceu a importincia, da diversidade érnica na descentralizagio ¢ na reorganizagio da CituedoCueipeoCuletonaatua 37 Pal Heiquettate autoridade de poder local. Esia mudanga da relagio entre tertitérig ¢ poder troure dificuldades para a gestio govemamental legal, que chamames de ‘poder central nacional”, que, seguindo os padides da colonialidade, € sempre centralizado, As estruturas de poder «excesssivamente centralizadas constituem um secutso de reprodixgio da dominasao oligarquica ¢ um deservigo & democracia participativa. A uebra deste modelo colonial de reprodugio do poder oligarquico prova © papel de pressées politicas e sociais em favor de uma descentealizagiio necessitia de poder que garante participagio democritica ampliada Essas pressGes em favor de um novo poder local se distanciam de uma representagio arcaica da vida comunitéria, expressando a cemergéncia de motivos casmopolitas e de uma cidadania ampliada Assim, este questionamento dle politicas excessivamente centralizadas ¢ as lutas pela revalorizagio de sistemas de poder locais ¢ pacticipativos ue testemunhamos no casa boliviano é um exemplo que deve inspirar 08 dilemas desenvolvimentistas de outros pafses latino-americanos como o Brasil e a Aggentina. A abordagem politica do pensamento pés-colonial ind{gena andino atualiza memérias histéricas para desafiar scriamente 0 modelo de desenvolvimento neoliberal. Esta abordagem nos convida 8 compreender os limites de um modelo de dominagzo baseado em uuma Idgica republicanistac liberal, legitimando a apropriagio privada da tiqueza material por uma minoria, ¢ a passagem pata outro medelo politico que valoriza os direitos do coletivo. O movimento indigena contribui para ampliar 2 compreensio dos sistemas de direitos, mosirando os limites da visio egoista © colonial da vida Pacha Mama (Mic Terra) langa uma original critice pés-colonial que muda a compreensio rest ita das lutas socizis que valorizam Prioritariamente os ganhos econdmicos, como vemos no sindicalismo do século XX, para liberar outros entendimentos tedricos das lutas sociais, que incorporam fatores culturais, morais ¢ ecolégicos sem cespezar, clato, o fator econémico, E imporcante frisar que este procesto boliviano € tinico, mas isto ‘io pode ser visto como um obstéculo para reflexes compacadas que permitam obscrvar os elementos comuns ¢ diferentes enwvolvendo 38 Gilwadocalidoe Cala mca ‘ntti do ie ir osu rpc pa oan. diferentes sociedades. Trazendo esta reflexio para a discussio sobre fends, 0 importante aqui é embrar que as perspectivas de ampliar a fleia de cuidado e bem-estar para além dos limites institucionais das es estatais em saiide exige incorporar uma sociedade civil ativa, politivada e soliddria, A falta desta mobilizagio na base social - no ‘aso brasileiro, espelhando uma desmobilizagao mais ampla que em ree se explica atualmente pela colonialidade do consumismo ~, ica as dificuldades para se avangar com a democratizagio da saiide publica, Coloca, ainda, importantes questionamentos sobre as saidas que se apresentam tanto na articulagao intersetorial de programas governamentais, como nas ages necesstrias para mobilizar as populagdes locais na gestio dos processos em satide. Wwenta as Pacha Mama é uma metéfora sobre a boa vida quer conexdes temporais entre pasado e presente Pacha Mama (Pacha: Terra; Mama: mie ou Mie-Terra) cot ‘nos a pensar o pés-colonialismo a partir de duas abordagens: uma €simbélica; a outra € politica. A simbélica surgiu a partie de uma “imagem de relagio entre 0 Humano ¢ a Natureza que beneficia a interatividade ritual entre os dois clemencos. Mas, aqui, a representagao areaica ¢ mitica da Natureza foi substiculda por uma nova tepresentagio alter-moderna que enfatiza o papel da politica na definigio de uma “epistemologia plural. Além disso, a representagio indigena de vida “contemporinea manifesta uma importante reflexéo ecoldgica que -eve ser seriamente considerada pelas cigncias sociais para organizar ‘Aeerltica moral ¢ culeural do capitalismo. ‘Pacha Mama" é uma mecéfora que tem muitos significedos: & a meméria viva da tradig4o indigena; é o simbolismo que dé sentido 20 “Movimento coletivos € 0 argumento contra a apropriasio privada de Fecursos comuns; ¢ 0 aceno a um modo de vida coletivo que valoriza iintegralmente a vidas por fim, é mancira que policicamente diferencia Movimentos étnicos de outros movimencos sociais, quando 0 debate ‘Git em tomo da reforma do Estado Nacional. Pacha Mama é, endo, © simbolismo que liga a tradiglo € a modernidade, 0 rural co urbano, Petmitindo a critica da colonialidade de poderes e saberes, tornando- Gina fo(uiddoeocutadmsctua 39 PaloHengue Waris se um clemento-chave que os indigenas acionam para repensar sociedade.* Esta imagem ajuda a esclarecer © papel dos movimentos Einicos na disputa que transformou o Estado boliviano centtalizado em um Estado Plurinacional, validado pela Constituigio de 2009. A metifora Pacha Mama nos leva a repeasar a Natureza niio apenas como um elemento fisico, mas como um simbolismo cheio de tum sentido pluralista cuja ritualizagio € fundamental para garantir a sobrevivéncia da comunidade. Aqui, também poclemos definir a Natureza como condigio pritica e necessdria para assegutat as aliangas ¢ rituais de reciptocidade de dédiva entre famtlias e individuos Pacha Mama aponta uma visio legicimadors do bem coletivo no como uma crenga abstrata, mas como um propésito politico fundade sobre uma experiéncia comuniciria antiuilizarista que nega a redugio da sociedade aos interesses do mercado, Sobre isso, 08 sociélogos bolivianos Farah e Gil afirmam: (© Bem-Viver deve ser pensaéo em um contesto de sociedade de mereado que integra um prinefpio ético estraturando foutra modernidade ¢ apontando a pluralidede éa realidade aprofundando a renovagie do pensamento eeontmico, cultural € politic, ou seja, avargando uma compreensao mais ampla da Vida. (FARAH; GIL, 2012, p, 105) E preferivel compreender Pacha Mama como uma reagio altersistémica ¢ uma inovagao histérica na fronteira do sistema ‘mundial, Este mizo parece muito apropriado \ medida que procedemos 4 uma reflexdo sobre a relagio entre siqueza material e simbdlica, que € cenctal para o surgimento de heterotopia do bem-viver. A imporvancia ancropolégica e simbélica da Pacha Mama se estabelece 5 Foch Hana coal ya ata os dels onheciments ~ 0 comune eo elect — er um ‘novia cto que question also uttarsta do progress enim unad sbe acca Ge mera. Leste ode, ot moimentes als wes Verim pa demic aaelkasconas nacele de desevlvmens merantl e lona nada sre a propa prnade de recurs de vida que gera deigalades permanent crescents usta sos aa axganzr seus miners atest, omorimeno ingens oaseqi ean, apa desesimagatos rade esac, 1 ements Bstas pa una poli stad aren 9 sitematertl hgh. 40 CutundeCuaoeoiddonactira ‘Nnetfomdo en ie npr pra rn sobre 0 impacto da representago social ¢ ecoldgica da Natureza em ppovas formas de mudanga politica e social, quebrando a compreensio spioderna da Nacureza tradicionalmente marcada por uma representagio rmecinica da vida. “Apesir de suas particularidades, Pacha Mama nfo & uma proposta jnmpraticével para os movimentos de esquerda transnacionais. Ao conctitio, a ideia de Bien Vivir tem inspirado muitos criticos antiutiltarisas, E no seio da eritica aymara hd um importance debate sobre a diferenga entre o antiutilitarismo do Bien Vieir do ucilitarismo do Vivir Bien, que remete aos motivos egofstas do controle pessoal de tens materiais e simbélicos. Ao enfatizar a solidariedade antiutilitarista, o Bien Vivir se aproxima de outros movimentos heterotspicos contemporineos como aquele do manifesto convivialista que tem sido -divulgado amplamente em nivel internacional (CAILLE ec al., 20115 MANIFESTE, 2013), Nesta mesma linha de diélogo transnacional, a compreensio ecoldgica da Natureza apontada pelo movimento boliviano atusliza a importincia da nogio de Dédiva, um antigo sistema de troca humana, cbservado por Marcel Mauss, nas sociedades antigas (MAUS, 1999), A Teoria da Dédiva conciibui para mostrar a Natureza como um ser vivo e relacional que uma parte ativa, juntamente com os seres humanos, na construcio simbdlica da comunidade, Aqui, Homem a Natureza devem desempenhar papel siner8nico para preservar, por reciprocidade espontinea, a vida e 0 meio ambiente. Trazendo para 0 caso da sade, podemos dizer que nto basta 0 incentive As mobilizagées populares locais para gerar esferas pablicas participativas em bairros ¢ comunidades. E importante que os individuos ¢ grapos sociais se sintam motivados para viver juntos ¢ fazer politica solidaria em Fungo do bem comunitirio ¢ coletivo. Inelizmente, temos observado no Brasil um perigoso desmanche da solidariedade coletiva por nzbes vétias que merecem ser aprofundadas can outro momento. & isto vem impaciado na democratizaya de sade piiblica. Por isso, discusses sobre o Bien Vivir, assim como sobre a didiva, deveriam ser pontos prioritérios na agenda dos gestores € profissionais de satide, no Brasil na Argentina, CutwadetudaoeoCudidorzaitua 41 Paul ere Mars Importancia da viséo simblica indigena para repensar os fundamentos da vida e docuidado © simbolismo Pacha Mima nio representa uma novidade, porque a ideia da Mae Terta ¢ compartilhada por muitas culuiras antigns, No encanto, a acualizagio cultural e histérica deste simbolismo na Bolivia & particularmente expressiva para apoiat wma critica radical ‘a0 modelo colonial de desenvolvimento assentado no ctescimento ccondmico ilimitado € que tem fvorecido a oligarquizagio da vida politica, como vemos no Brasil. Pacha Mama & também de relevincia politica, pois suas fundagoes vomunitérias questionam 2 apropriagao privada de recursos vitais, como a 4gua, a terra, os minerais, as plantas e outros. Na verdade, 0s bolivianos consideram que os recursos naturais estavam li antes da preseaga humana, antes de indigenas ¢ colonizadotes, antes de corporagbes internacionais e, portanto, esses recursos continuam a ser a base da sobrevivencia coletiva material e espiritual. Aqui, a novidade é a conscigncia étnica bolivians sobre a urgencia de repensar a gestio do tertitério © a reciprocidade entre os seres humanos e a Natureza a partir da prioridade do bem comum (HOUTARD, 2013). O yelho mito ¢ atualizado pela politica e pela culeura pata servir & fundagio de uma experitncia societal diferente pelo menos da cultura depredadora do capitalism moderno. Logo, podemos observar que conscrugées simbélicas ¢ linguisticas, como esta produzida pelos povos andinos, nfo sfo arbitrétias, resultando de uma reagio alter maderna ¢ comunitéria contra estratégias capitalistas de apropriagio € privatizagao das riquezas naturais. Tencamos mostrar que a experiéncia politica da Bollvia nzo representa uma reagio pré-mederna ou antimoderna ao sistema pés-colonial, Em vez disso, essa experitneia € modeina porque os movimentos étnicos nfo negam nem os dircitos republicanos 1 direitos civis ¢ politicos, nem o papel do Estado como agenie de desenvolvimento, A expesiéncia boliviana também € moderna porque revela os movimentos sociais que nasceram a partir de uma renovagio das tradigdes, abtindo-se a um pluralismo de identidades. Mas ela ¢ mais que pés-modema. Hf akeer-moderna quando questiona 42 CulwadoCweterCldatora cara Aneto d i ie import pao arama “os fundamentos juridicos da propricdade presents na visio liberal Cigualments a visio fragmentada do. sujeito humano herded do cartesianismo. ‘A consciéncia boliviana pés-colonial comou progressivamente jg forma de um movimento social e intelectual ditigido a novos ireitos coletivos que legitimam as reformas do Estado e da Nagi. A nnovidede, aqui, ve da decisio politica coletiva de sujeitar os direitos ‘modetnos — liberal e republicano ~ aos direitos humanos originarios “ayida e sobrevivencia, Ou scja, a tarfa ¢ revisar ditttos modernos ponto de vista oferecido pelo simbolismo da Natureza sugerido “pelas tradiges ritualisticas da comunidade que destacam maior ~ compreensio dos dircitos coleiivos, como ¢ ilustrado pela ideia de “bem-viver. Esta reflexao é mais significativa quando entendemos que, por tris da pluralidade de direitos, ha um argumento ecossocial € fambém uma inovacio do diteto piblico fundado no forcalecimento dos lagos entre os Seres Humanos e a Naruteza. Dar prioridade a0 Uzeito 8 vida inova cuando consideramos: a) que os direitos coletivos vida ¢ de aproprizgio dos recursos naturais para a sobrevivencia wana sio universais € devem ser compartilhados por todos; ¢ b) ue os direitos capitalistas de acumulacao e crescimento econémico direitos privados que nao so universais e, portant, imporcante quando consideramos o ambito dos direitos & vida. Direitos ppitaliscas devem ser aplicades para regular empresas e atividades le mercado, mas nao a sociedade em geral. A dualidade entre 9 privado e o publics foi substicuida por um tema legal que privilegia os dircitos coletivos ¢ a participagio social 8 decisdes politicas, em particular o dieito & vida, que inspira outros incites, tais como: reconhecimento étnico, cidadania republican € autogestio, Iss0 tem ajudado as comunidades andinas a forcalecer a tticipagio em alguns niveis de tomadas de decisio no poder politico, csistindo contra as sabotagens das forgas oligérquicas que continusm tivas, dadas suas vinculagées com as corporagées. multinacion Diteitos privados nao sio proibiddes mas seformukdos partir de ‘um imagindtio ancicapitalista, ajustando-se a0 novo regime juridico menos Ciladocuteive Catatonia 43 Fb Here Maths ingpirado por direitos coletivos4 Os direitos privades oxganizados durante a modemidade para possbilitar a apropriagio dos bens canting sto agora obtigados a se sujeitar a direitos comuns. A. desconstrugio, da ideologia do mercado por novos diteitos coletivos fivorcce 5 entendimento de que 0 crescimento econdmico ilimitado gerado pely mercado faz parte de uma cultura utilitarsta simplificada e destrutiv, buscando impor um ideal de tempo linear e de espago fragmentads que reforga a colonialidade inibindo as lutas anti-capitalistas, Assim, as experigncias da Bolivia sio a expressio de uma nova consciéneia descolonial emergente nas fronteiras do sistema mundial, levando 0s movimentos sociais a questionarem politicamente ¢ em profundidade programas de modernizagio fundadas sobre a privatizagio dos recursos coletivas e natutais e sobre a destruigéo de memérias ¢ conhecimentos tradicionais, uma prética que Boaventura Santos corretamente definiu como um “epistemicidio” (SANTOS; MENESES, 2009), O debate tem estrcita relagéo com as lucas que se estabelecem no Brasil entre inceressses privaistas defensores do bem piblico, © que é bem evidente no campo da sade. O caso boliviano nos inspira a desenvolver uma compreensio mais ampla deste embate, na medida em que desloca a discussio sobre a satide para um entendimento complexo da natureza humana, Alguns pontos finais para reflexio Para finalizer, gostariamos de assinalar alguns pontos que sto importantes para se pensar os modes como se vem consttuindo a culture do Bem Viver, em geral, ¢ as politicas da vida e da sade, cm particular. © caso boliviano & interessante para refletir sobre as Perspectivas da side publica ¢ sobre os destinos do SUS a partir “ Orenondointresenawlgdoenre» Se Hamanae anaucea unementeinfuecaa elas. 0 ‘en srdea ajuaintrncar ens da economia par sete de comune aio reatqie Sau antigo papel snl ono inpstat ost para peri ernbicerras nova em wo. Patarto,o table eo sali deve seradpttos a uma dha ttt cpa de got ‘acts inna ar de recusos itl cana a0 bem cm ao eus blog € Ilnralqu si ness pra vida humana. Nesa gk, 0 ntaesesdomercal anima set lnprtantes, masnie€ povdte were un, 44 CuladoCuilades Gideon ora Ametforde bin ie ea npr pra ea x tts phnos que sitamos inicislment: 0 da motilizagso socal feae constiente como fundamento pata se consrui a participacso fic cpliicas soci ¢ de sie adequndas soy retro 0 da organizagio de dspostivossimblicas que funcionem p Be ee onal comaniiads gerando grande poder de fo na vida eotdiana, como é 0 caso do Bien Vixr, €enfim, 0 cegaiaagio de um sisemajurdico coletivo adequao, que reflia palsées de Forgas prestes, apontand para o predominio do co sobre 0 privado, ver que esta €a tnia condikao axologcal ssvel para cstabelecer agbes de reconhecimento, igualtarismo ¢ inagao da vida cori ensando no caso brasileiro da saide, podemos transformar estes ontos em questbes objecivas: I nc: e posted soca unladen de sade num contexio de desmonte dos mecanismos de participagio | politica © democrética? Como resgatar ou criar dispositivos simbdlicos voliados para germinar a soldaciedade coleiva, a reiprocidade dadivosa entre famflias, virinhos ¢ comunidades, © uma conscidncia nals ampla sobre 0 corpo, as emogies ¢ 0 cuidado num contexto em que a ideologia do consumo sancionada pelos governantes cstimula © egoisino, a violéncia e a depredagio dos sistemas vivos humanos? * Como produ direitos coletivos na saide eas classes populates veem suas presencas progresivamente dimuidas no sistema polftco e nas ctmaraslegislacivas federal, estadual e municipal? Consideramos que essas questées esto em aberto ¢ que deveriam objeto de uma reflexio ampla por todos responséveis pela satide Pblica no Brasil. No entanto, para favorecer esta reflexéo, goscarfamos de fixar alguns temas mais precisos, a partir de comparagdes pontuais: 4) O tema ds definigio politica e da institucionalizagao das ages «em saicle piiblica, No Brasil, a sociedade no consegue se definir politicamente a favor da sate piibliea porque esto sendo suprimidos os dispositivas de mobilizacio e partcipasio social. © usutio fica, assim, dependent de programas assistencialstas. (huadotuiadeescudaomatua 45 Fa Hue Matis No caso boliviano, a luta politica e as mobilizegées coletivas explicam 2 emergéncia dos direitos coletivos, ceorganizandy as prioridades entre piiblico ¢ privado e 0 que chamamos tim contrato jurdico pés-republicano. b) O tema das decisoes politicas ¢ téenicas sobre 0 que é sade puiblica ¢ como ela deve ser efetivada. No Brauil, apesar dos avangos consideréveis do movimento sanitarista © do SUS, femos que aceitar o fato de que as lutas por urna satide piblica dependei muito dos embates no interior do sistema politico tradicional e dos Srpgios executivos, como Ministério da Sauce, hhavendo resistencias importantes para se alargar a Filosofia da sade publica para outras politicas setoriais, Na Bolivia, os embates também acontecem no interior do sistema politico, mas hi uma grande discussio que atravessa as comunidades locais que interferem sobre metas ¢ orgamentos. ©) O tema do ser humano e dos direitos humanos, No Brasil, a generalizagio do utilitarismo na vida cotidiana guiado pelo mito do consumismo tora as pessoas incapazes de tefletir sobre seu bem-estar, sobre a sutide corporal e emocional. Na Bolivia, 4 metéfora do Bien Vivir, construida a partir da ampliagio do significado da Natureza Humana, gera um entendimenco ampliado da satide, Isto abre perspectivas originais para um novo olhat sobre a sade piiblica, além de aparecer como ispositivo politico importante para quebrar resistencias comporativas em outros setores como educagao, meio ambiente, saneamento, seguranga e trabalho, Finalmente, para concluir, ¢ importante registrar que a organizagio da satide humana integral nao comega por financiamentos para consumo de atendimentos ¢ medicamentos. Ela se i nnecessariamente, pela consciéncia comum de indivfduos, familias © vizinhos sobre os idesis -do BemViver. Como lembrava J. Dewey, a democracia deve comecar num lugar tangivel, sensivel, onde homens ‘¢ mulheres partilhem concretamente certas experiéncias comuns (DEWEY, 1997). Mas esta democracia direts, ou de vizinhanga, tem 45 CullwadeCutadeeeCudstora cra Ameisfaa do eee myortinayara0 ara safio passa pelo priblico e pelo coletivo. No caso da sate, passa pelo Jodo como os usitétios vivem e partilham solidéria e coletivamente ‘9 modo de organizasio da casa, da rua, e como definem a politica Acluat: Tavis: Maison des Sciences de homme, 1986. PALSSON G. Naturalis y sosiedad: peespectivas antropoldgicas, cco: Siglo XX1, 2001, (J. The public and is problem. Achens: Ohio Univessicy Press, 1997, 1.; GIL, M. Modernidedes alternatives: una discusién desde Bolivia, In (8, P. Hl RODRIGUES, C, (On). Froaterasabertas da América Lavina. ‘EAUFPE, 2012. lesion desde la realidad boliviana, Ia: WANDERLEY, F. (Org). BI derarralla ‘ouotids, Reflexiones desde América Latina, La Pay: CIDES-OXFAM, 2011, ICZUME, M. A emergéncis do Katsrismo, Tenses e combinagses entre e cultura na Belivia conemporines. (n: Simpéi Lata Sociai: na América 4, Londiina. Anzit.. 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De fato, a Antropologia, em suas incursées no tais processos se manifescam. Neste rexto interessa focalizar, no encanto, enfoques ¢ trabalbos io incessante de softimento humano, marginalizagio ¢ exclusio 1 (FARMER, 2005; FASSIN, 2004, 2005; 2006a, 2006! 48 GluradCaldatoeo cud nacre CulradoCuitainesCaiatomcatua 49 leny A Bonin Tag SEN, 2009; KLEINMAN; DAS; LOCK, 1997), Em termos mais especificos, pretende-se privilegiar vertentes ¢ autores cujos trabalhos aliam andlises criticas em tomo das imbricagées entre relagées de podes, exclusio social softimento humano no contexto do capitalismo neoliberal, com a indicagio de possiveis alternativas no plano dos direitos humanos, da justiga sacial e do reconhecimento, Essas petspectivas tém contribuido para renovar 0 debate acerca dos determinantes sociais do. processo satide-doenga-cuidado € refinat os marcos de referéncia neste campo. Por oporcuno, explicita-se a convergéncia com autores que entendem raya enquanto uma construgéo social ¢ que procuram articular dimensdes estruturais e relacionais ao tatar da temdtiea racial (TREITLER, 2013; GUIMARAES, 2009; GILROY, 1987). Reconhece-se também a pertinéncia de se considerar as peculiaridades dla formagio racial no percurso histérico de uma determinada sociedade (OMI; HOWARD, 1994), A discussdo proposta endossa a visio de Didier Fassin (2006a, p. 194) de que ndo podemos seguir considerando “como incompat{vcis 0s dois modelos que funda a justiga: o da desigualdade, que exige a redistribuigio, e 0 da akteridade, que exige o reconhecimento’. Sobre este aspecto, cabe esclarecer que no se pretende aprofundar aqui os embates entre Axel Honnet e Nancy Frases! que, grvsio ‘modo, se diferencia a0 eleger como elemento-chave da teoria sobre justisa social, respectivamente, reconhecimento (e autorrealizacio) € distribuigio de recursos (aliada & capacidade de patticipagio). Considera-se mais oportuno, para efeicos da temética em cutso, apostar nas possibilidades de articulagio ¢ complementaridade entre esses dois enfoques. Neste sentido, na primeira parte do texto, serdo apresentados ¢ dliscutidos alguns indicadores que evidenciam os efeitos da desigualdade social, ou mais precisamente, da inequidede racial no Brasil, com destaque para dados que demonstram 0 contexto de vulnetabilidade "Talent ode ser acrpahato a ated tra de dienes obs. Reomendo yaricuamerte > lw assind por ambos FRASER; HOMNETH, A. Renn er rconton opt peopel exhage Loner Ye, 206. 50 Gla doctadoe ocala muta Jom nga “oe ict oe. ‘social em que se encontra a juventude negra brasileira. Um quadeo jue expoe a persisténcia do racismo institucional no pats (RAIXAO et al, 2011) € que se converte em um exemplo emblemético “de violencia estrutural (FARMER, 2005). ‘A segunda parte do capitulo apresenta ums reflexio acerca das representacBes sobre o jovem ou a juventude na sociedade ocidental contemporines, assinalando o cariter ambivalente ¢ contraditétio ‘daquilo que se apreende do imagindtio coletivo. Considera-se ‘especialmente oportuno colocar em relevo os espagos € processo de -soctalizacao da juventude, com especial acengiio para a Escola. Por fim serio problematizados, de forma breve, limites e desafios no plano da intervengio socal, sinalizando princfpios que possam dorientar a produgdo do cuidado integral dofa) jovem negro{a) no Brasil, reconhecendo a urgéncia de enfrentamento da vulnerabilidade da juvencude negra -“Teje morto!” - indicadores de vulnerabilidade “entre jovens brasileiros e a incidéncia da coriraga Ainda no calor dos acontecimentos em torno da Conferéncia ‘de Durban, 2001 (III Conferéncia Mundial contra o Racismo, Discriminagio Racial, Xenofobia e Incolerinciss Cotrelatas), Alves 102) fez algumas ponderagSes bastante pertinentes acerca das Implicagbes do evento. Chamamos atengio, em particulas, para Ponto concernente a trés condig6es, que ele considerou bisicas, ‘a que as medidas acordadas durante a conferéncia pudessem ser iplementadas. A saber: i) o compromisso ¢ a setiedade dos Estados ‘Signatirios frente As decisdes coletivas ¢ acordos firmadas no encontro; i) a capacidade da sociedade civil de fazer uso dos documentos gerados; ii) uma “conscientizagie generalizada de que someate com A ctiacio de um futuro de condigées mais equanimes, bascado em nessa comum humanidade em toda sua diversidade, a globalizagao poderd ter efeitos antidiscriminatérios”. Sobre esta tiltima, Alves (2002) ressaltou que, embora fosse um imperativo para os avancos almejados, podecia ser considerada “pracicamence impossivel” na conjuncura contemporanea. ‘ta voGidoeocaadonscutun $1 Leay A Bain ad A terceira condigio referida oferece, ademais, uma ponte interessante para introduzir a questio do tema racial no Brasil. Entrecanto, 0 caso brasileiro suscita uma questio que antecede a disposigéo em defender uma sociedade igualitéria, Trata-se de problematizar precisamente a tendéncia negar a existéncia do racismo ¢ da discriminagao racial no Ambito das estruturas ¢ relagies sociais. Conforme destaca Kabengele Munanga (2010), 0 esquecimento proposital ou a negagiio da segregacio racial ota animesidade que marcam hiscoricamente as relagbes raciais no Brasil foram alguns dos ingredientes que contribufeam para legitimar 19 mito da democracia racial no Brasil. Ele ressalta que Lod um importance obstieslo 4 auperngso do racisme ¢ da dlisriminagHo racial no Brasil reside no fato que a grande meioria dos brasileiro enconteadifeuldade pats entender e decoditicar as manifesag6es do nosso racism & brasil brasileiro, ums vox muito Fore que pitas ecoadento de mains io somos racists, 08 racists so os outros, zmericanose sul-aficanos beancos”, Essa vor forte e poderosn € 0 que costumamos chamas “mico le demacracia racial bradleies” (MUNANGA, 2010, p. 170). A propésito do paralela com Estados Unidos ¢ Africa do Sul, Anthony Marx (1998), ressaltou que, diferentemente destes dois paises, zo Brasil nfo existia uma classificagéo racial rigida e, em comparagio, aqui as relagGes raciais eram menos polarizadas e conflituosas. Ambas as caractersticas foram favorecidas pelo alto grau de miscigenagao énico- racial da sociedade brasileira ¢ foram acalentadas historicamente para tender ao interesse do projeto de unidade nacional. Nesse contexto, nfo interessava realear as desigualdades entre os diferentes grupos tacias. Hanchard (1994) aponta que, no Brasil, se conformou uma forma de hegemonia que foi sendo fomentada através de processos de socializagao que, ao mesmo tempo que promovem a discriminagio racial, negam sua existéncia, Assim sendo, salientou 0 autor, a falsa premissa da igualdade racial um contribuldo na reprodugao das desigualdades sociais entre brancos ¢ nfo brancos no Brasil. Paixdo ct al, (2011) também chamam a atengZo para a necessidade de considetar as consequéncias da invisibilidade dos problemas dos grupos discriminados, incluindo a dificuldade sistemética que estes 52 Calodocuassescudalonacitus ore, nego Ye deur cntets de oka. “encontram de expressar seus dilemas na esfera publica. I destacada, este ponto, a tendéncia a naturalizar “as coincidéncias entre as “Tinhas de classe © étnico-raciais”, fato que implica invatiavelmente o jrayamento da situagio de vulnerabilidade dos grupos afetados por tos processor, em especial, os aftodescendentes. ‘A andlise cuidadosa do percurso histérico de lutas no campo cco da satide descortina elementos da sociedade brasileira que “nfo apenas, constituem o cerne das questées éinico-raciais do pats, “como se mesclam 20s componentes dos jogos politico-ideolégicos que rmeiam a elaboragao de politicas sociais no pais (BRASIL; TRAD, 12). Pouco mais de uma década apés 0 encontro de Durban, é vel reconhecer avangos importantes no Brasil em termos de frentamento da inequidade racial, com destaque para a implantacéo E preciso, no entanto, cautela ao discutir a extensio e efetividade ditas politicas. Por certo, nfo é objetivo do texto desenvolver uma iagfo desta natureza, mas eabe chamar a atengio para 0 fato de dos foram superadas, ou mesmo que haja a expectativa de que ‘ocorta em um custo espago de tempo (GUIMARAES, 2009). ‘Vejamos alguns indicadores que evidenciam a persisténcia de dita sigualdade. Conforme dados do tikimo censo (IBGE, 2011), 8,59 Desies, 70,8% sao familias negras. A inequidade racial também persiste ‘hs esfera da saiide publica. O Relitéria anual das desgualdades raciais ‘20 Brasil para periodo 2009-2010 evidenciou que, na comparagio ntre brancos e negros/patdos, estes ikiimos esto em desvantagem em agéo a diferentes indicadores — acesso ¢ qualidade aos ¢ dos servigos mbulatoriais ou hospitalares, qualidade do atendimento ao pré-nacal © 20 patto, seguranga alimentar e nutricional (PAIXAO ct al, 2010). Detendo-se, especificamente, em indicadores relacionados com Vulnerabilidade da juventude negra, 0 Mapa ala Violéncia 2013 (WAISELFISZ, 2013) descreve niimeros ¢ proporyées alarmantes de (uuradetuiadeecCansomentua 53 ery A Bonin Ya ‘mortes violentas incencionais entre jovens pretos e pardos. Registrouse tum total de 660 mil jovens mortos em duas décadas, um aumento de 207% no perfodo de 1980 até 2011. A cada t1és assassinatos cometidos no Brasil, dois sao de jovens negeos de 15 a 24 anos de idade. Considerando periodo entre 2001 a 2010, enquanto a morte de jovens brances no pais cafa 27,19, a de negros crescia 35,9%. Cabe interrogar, certamente, onde viviam ¢ como viviam estes jovens que figuram nas estatisticas da morcalidade por violencia no Brasil. © Mapa da violéncia (WAISELFISZ, 2013) evidencia que estamos falando de jovens do sexo masculino, com baixa etcolaridade ¢ rend, negros e moradores de fivelas e periferias dos centros urbanos. Ressaliase que, neste caso, a desigualdade de género nio favorece 0 universo masculino. Os dados apresentades convergem com as estatisticas da PNAD (IBGE, 2009), que registraram 0 seguinte perfil: 70% dos jovens pobtes sio negros, enquanto os brancos correspondem a 78% dos nito pobres; a taxa de desemprego juvenil é cerca de trés veres superior & registrada entre adultos; 84,8% dos jovens brasileicos residem em zonas urbanes, destes, 72.2% viviam em moradias precérias, estimando-se que dois mithées residem em favelas Encontra-se assim uma combinagio perversa entre segeegacio espacial, pobreza ¢ dificuldades de acesso ao sistema escolar, a0 mercado de trabalho etc, Um quadro que nao se restringe a0 contexto brasileiro, Em toda a América Latina, constata-se uma precéria integragao dos jovens com as estruturas de oportunidades (no imbito da educacio, trabalho, lazer, formacio ética e cultural), sejam clas estatais ou privadas, fato que repercute negativamente em termos de capacidade de formagao, uso e reproducdo dos recursos materiais ¢ simbélicos (AMBROMOVAY et al, 2002). Com relagao & inequidade racial no Ambito da educagio brasileira, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios (IBGE, 2009), « euxa de analfaberismo encre jovens negros (3.4%) era duas vezes maior do que entre os brancos (1,49). A disparidade também era grande entre os alunos de 15 a 17 anos: somente 43,5% dos jovens negros nessa idade frequentavam o Ensino Médio, contra 60,3% dos brancos. 54 Cun deCudato Caldera tara oven ge re de ga contets vk, “Quanto as cautas dos altos indices de mortalidade do jovern negro “po Brasil, elas apontam para duias diregoes principais e, supostamente, Antag6nicas: 0 cnvolvimento com a criminalidede, em consequéncia direta da agio policial. Esta segunda seri objewo de outro trabalho, mas cabe ressaltar que a “desproporgio racial” no contingente populacional das pris6es, sja no Brasil, nos EUA ou na Buropa, bem como a exiscéncia de préticas discriminatérias na abordagem policial, tem contribuldo fortemente para incrementar a marginalizagio social ‘dos jovens negros (Mohammad, 2010; WACQUANT, 2001). Conforme salientou Minayo (2006), os determinantes do Jincremento da inser¢ao de jovens no “mundo do crime” no Brasil se encontram na extrema desigualdade social que marca © pais, aliada “Arnuséncia de reconhecimento da populagio mais jovem pobre: 0 ao subjerino de entrada no ruindo do cite & tecundado © BO comexrudisads por uma sinaed0 de extemas desgualdades, de falea de oportunidide para 0 pretagonizmo, como cdadio, © de toral descrenga nas possibilidades de acest ao censamo, & cultura € 40 recoahecimento socal. Por iso, 0 mereado da voléaca passa 450 configuear como uma escolha vive, numa conjunure de crescent desemprega ¢cxchisio saci culutale moral. (MINAYO, 2005, p. 32) Cabe reconhecer, sobrerudo, que os jovens pobres do Brasil, em “particular os jovens negros, so vitimas da violéncia estrutural. Este mnceito ver sendo difundido por Paul Farmer (2005) para referir- se a situagées que nao expresiam a violencia diteta, fruto da acio {e um individuo ou grupo. Trata-se de uma violéncia de carder ‘institucional, que expressa discriminagao de tipo racial, de género exc “eque é gerada em contextos de relagdes desiguais de poder (politico, “éconémico ¢ institucional), historieamente constraidas. Com base na definigao apcesentada, podemos considerar 0 racismo institucional como uma modalidade de violéncia estrucural, Ele? é definide como uma modalidade de racismo que remece &s formas 7 O temo fi cntade ofgralente gor ato Carica! (167, um ds ders do movment Pte Nes nes stalas Unie, CutsradeCuddeeccusséomeaua $5 Lony tote Tes como as instituigées funcionam, contribuindo para a naturalizagig € reprodugio da desigualdade racial, Ao evoci-lo, pretende-se day visibilidade a processos de discriminagao indireta que ocorrem no seio das instiuigées, resultantes de mecanismos que operam, até certo ponto, 2 revelia dos individuos (LOPEZ, 2012). O racismo institucional nao se expressa necessariamente de forma explicita on declarada; costuma atwar de forma difusa no funcionamento cotidians de insticuigées e organizagdes, implicando distribuicéo diferenciada ‘ou desigual de servicos, beneficios e oportunidades entre os diferentes segmentos raciais (SILVA et al. 2009), Por outro ledo, 20 tratar dos processos de discriminago racial e seus efeitos, é preciso considerar as interfaces entre as dimensées estruiarais culturais, materiais e simbolieas, institucionais ¢ interpessoais, diades que comportam, certamente, certo grau de sobreposicio. A raga funciona como um canal entre cultura e estrutura social, e como tal, significades e valores a ela associados se impcm ¢ sto reforgados nas esferas do Estado, do mercado e das institaigées sociais (GILROY, 1987). Tal imbricago se expressa também nas relagGes inter-raciais cov inas, sendo responsiveis, entre outras coisas, por elevar ot reduzit a autoestima das pessoas. “Juventude em uma sociedade suspeita” ~ produgio de estigmas ¢ contradigées institucionais Numa espécie de transgressio de enunciedos recorrentes: no imaginério social, Henry Giroux (2009) em sua obra Youth in a suspect swciery. Democracy or disposabilit, desenvolve uma andlise primorosa sobre 2 realidade da juventude no bojo das sociedades capitalistas conremporineas, particularmente, nos EUA. Ele salienta que os jovens tm se constituido, simultaneamente, em vitimas € ameagas da e & eserutura social vigente, Paulatinamente, observa o autor, a juventude foi deizando de ser um s{mbolo de esperanga ¢ promessa para s¢ converter em um sinal de problema © ameaga. Mas, ¢ necessirio ressaltar, aqui, que o sentido da ameaga se concentra entre aqueles jovens cujos padrées étnicos, estéticos e/ou comportamentais foge dos padroes hegeménicos, 56 GuituadaGudsdoeaCuséom atu een, es Toa deluga” cnet de lli.. © paradoxo se segue, na medida em que, apenas quando sé0 aitcils cone vos de tsi de magia wit on ge configurando, nos casos mais extremos, em uma patologia social, 4 ee i ovens passam a ser priotzados pelas pollfas publics, pease de grande parte da juventude latino-americana que encontra “pa vinculagao com o fendmeno da violéncia, uma fonte de produgio “de visbilidade sobre sua existéncia (AMBROMOVAY et al., 2002), Giroux (2009) considera que a juventude atual ¢ vitimizada por las modaldades de guerra: sue e dure. A guctra suave combina incapacidade de desenvolver polfticas piiblicas que forneceriam tunidades genuinas, tanto para a realizagio pessoal, quanto para jormagio de uma ética relativa & responsabilidade publica, a qual rnatia 0 jovem competente para se transformar em ator politico. “A guerra dura se expresia através da disseminagio do modelo 6 Finalmente, do. progressive icarceramento, Quanto a este tilimo, o autor corrobora as teses apontam na diregio da criminalizago da pobreza nos EUA ou ‘Europa e enfatiza que dita tendéncia tem atingido brutalmente a Goodman (2011) antecipou parte deste cendirio € de suas nuances ntraditérias na década de 1960, ao apontar o jovem como uma das izagio da escola ¢ na excessiva aglomeracio ania, com forces desigualdades entre Areas centtais ¢ petiféricas. _ A escola foi o foco central do trabalho de Goodman (2011), cujo bievo foi o fendmeno da delinquéncia javenil de entao. E sobre esta, cle se deparou com o seguince dilema: se por um lado, o ambience escolar era ruim © nio contribuia para o pleno desenvolvimento de (altradoCuddoecudstomatua 57 len. Sontin Tad YTUTO BRASILEIRO DE GEOGRARIA E ESTATISTICA, Dados sobre lagto de Bracil, PNAD (Pesquisa Nacional por Am«stia de Domiclios). Rio IN, Aus DAS, Vis LOCK, M. (Eds) Social sufiring. Berkley: University ifomia Pres, 1997. 7, LC. The concept of institucional racism: applications within the healtheare “nterfce ~ Comunie, Sauée, Baye. Borwcsta, ¥. 16, n. 40, p. 121-34, 2012. ALW. Making race nnd nation: « evmparisyn of South Africa the United ane Brazil. Cambridge: Cambridge Univesity Press, 198. WYO, M. C. Violtnciae aside, Rio de Jancivo: Fiocea2, 2006 (Celegio Temas Sake), 2005, p. 147-70 'TLER, V, B. The bnic Project tamfirming racial fiw inte ee ecions ord, CA: Stanford University Press, 2013. Bxtudos Latino-Americano, 2013. CiltradocuiedoeCatetoraatve 63 Trajetos e passagens de Manu: busca ou fuga do cuidado?' AistiaN Dirco pr Assis Manrivtio Suva Introducso A integtalidade no cuidado em saiide e a integragio do sistema ¢ -secvigos de sate sio presctigio constitucional no pais desde a década -de 1980. A substituigio do modelo asilar de assistencia aos portadores de transtorno mental por uma rede de cuidados intersetorial tem base ‘legal desde os anos 2000. No entanto, © atendimento a portadores de tanstorno mental com comorbidades ainda € um desafio para 10s profissionais dessas redes e servigos, pois demandam a elaboragio -de projetos terapéuticos que rompam com o dilema corpo/mente ¢ promovam cuidado numa perspectiva psicessocial ¢ integral, Segundo a Organizagio Mundial da Saude (OMS), comorbidade ‘consiste na presenga de doengas coexistentes ou adicionais com ‘relacio 20 diagnéstico inicial ou com relagio 4 doenca indice que é 0 objetivo do estudo (PAES; MAPTUM; MANTOVANI, 2010). Em Psiquiatria, 0 cermo “comorbidade clinica” ¢ utilizado pata cefetie- se a doengas, diagndsticos problemas mais genéricos presentes em portadores de transtorno mental, constituindo situag6es psicossociais complexas (GOMES, 2012). Orato de pesquisa fi sibretdona Crit de tka em Pesqub Td stat de Mena Soda UE, nie so apna etabaho de campo asorzado. osinereuoe, dominos » TLE, rotclon TO 3.2.0000 520 (EPINS/ERY, cm aecesn® 284.21 en23/6/200, alec ‘spac ab LAPPS/MS pl poor ala apesentaco ta pseu, CuliadoCuladbescafotoraitea 95 en ley de sis Nota Sa E notdvel a oscilagio entre polos orginicos ¢ pslquicos come suposta origem dessa “dicotomia” do cuidado (clinico ou psiquiderico, neurolégico ou mental, fisico ou psiquice). © desafio que se coloca ¢ romper com essa visio linear para.as agdes de suide e ofertar tratamenty digno ¢ respeitoso, com qualidade, acolhimento e vinculo (PINHEIRO eral., 2005), onde o cuidado ao sujeito incorpore vatios “problemas” » serem superados, no qual a pessoa em sofrimento psiquico no poss ser reduzida a um conjunto de sintomas ¢ causas (NASI et al., 2009), Com o objetivo de compreendera busca por cuidado de uma pesson ‘com transtorno mental em sicuacio de comorbidade, apresentaremos a seguir 0 itinersrio terapéutico de uma ususiria da rede de atensio em satide do municipio do Rio de Janciro-RJ. Os padtoes de procura de auxilio ou cara podem ser delineados, reconscruidos ¢ analisados por diferentes tipos de entenclimentos sécio-antropologicamente situados € narrados (ALVES, 1993). Alm disso, encendemos que é 0 ususcio que detém 2 histétia de scu proceso de adoecimenco © busca por cuidado junto aos servigos de satide, Assim, as nattativas, teajetérias © buscas das pessoas trazem diregées pata integralidade do cuidade nna atengao a satide, inclusive quando suas buscas por cuidado se convertem numa fuga do cuidado, Percurso tedrico-metodolégico © estudo de Bich! (2005) pode ser considerado um itinerstio ‘erapéutico de uma pessoa portadora de transtorno mental em sicuagio de comorbidade, jd que sua principal interlocucora durante o trabalho de campo entre es anos de 1997 © 2003 no Estado do Rio Grande do Sul foi internada virias vezes em hospitais psiquidtricos e apresemtava dificuldades de locomagio por conta de uma sindrome degenerativa chamada Machado-Joseph. Embora seu estudo sobre morte social € vida farmacéutica seja muito mais ebraagente do que a investigagéo acerca de cuidado, comorbidade ¢ cidade a partir da qual esse artigo foi excrito (ASSIS, 2014), entre os meses de julho © dezembro de 2013, algumas scmelhangas na metodologia e nos resultados obtidos devem ser ressaltadas, entre elas: em ambos 05 estudos, uma pessoa internada em instituicio asilar ¢ a principal interlocutora, sendo que os profissionais © familiares envolvidos no cuidado também foram 96 CufuradoCulassea ude cate “oles epasages dean bua fe dca? rrevistados, do mesmo modo como nos dois estudos as conversas com esa interlocutora € as descrigées dessas situagées de interagao gaaharum relewo a0 longo do trabalho de campo, prontuétios médicos - ¢ outros registros também tendo sido consultados. ‘Além disso, Bich! (2005) mosiea como sutodesignada Katkina = uma fusio de seu nome préprio com o remédio de que fiz. uso ~ “era considerada “ruim” pela familia, “esquizofrénica” pelos médicos ¢ membro da “sociedade dos corpos” por si prépria em seus escrtos, “endo que Manu — nome ficticio, como todos os demais wtlizados no texto, no sentido de proteger suas identidades — também era consilerads “ind” pelos parcntes «foi diagnosticada com o tanstorno “esquizofrenia parancide” durante uma de suas internagGes, muito bora sua autodesignacio nia tivesse relagio com os firmacos de que fazia uso, e sim com um apelido, uma contragio de seu nome de barismo, o feminino do nome do pai: Manuela, de Manuel, Manu. Como Bich! (2005), reconhecemos a importincia de nao localizar clusivamente no estabelecimento aslar ¢ nas relagées médieo-paciente Jugar ¢ © momento crucial de produgio de vidas marcadas pelo sbandono, como € o caso de Manu, uma pessoa em situagéo de rua “com algumas passagens por hospitais psiquidtsicas e abrigos, vista como “maloqueira” © “bébaea” pelos parentes, temida pelos profissionais no cxatamente por conta do estatuto de periculosidade da pessoa ‘com teanstorno mental, ¢ sim pela potencilidade de contigio de uma *portadora ce Hansen’. Assim, o itinerétio terapéutica de Manu foi “construldo ao longo de seis meses de acompankamento dela dentro + fora de hospitais, casas, polidlinicas ¢ unidades bisicas de saide, ppelas ruas da cidade inclusive, Os itinersios terapéuticos sao desenhos que possbilitam conhecer ¢ reconhecer na trajetéria de vida das pessoas percursos feitos em situagdo ou momentos de adoecimento. Possibilitam a expressio de uma multiplicidade heterogtnea de movimentos, agenciamentos + concepgées acerca da satide, da doenga, da vide © da morte (GERHARDT, 2006). © desenko das buscas por cuidado de Mami, que ajudou na composigio de seu itineririo terapéutico, nos possibilitou problematizar © que seja integralidade do cuidado & pessoa. Ao reconstrui-lo, a attavoCidorocuadonacitin 97 sas eye de Asse Harta a partir do desenho de seus trajecos e passagens (DELEUZE, 1997) pela rede de cuidados, percebemos que, nessa busca por solugio de “problemas” de saiide nfo apenas servigos de satide si acessados, may também so tecidas redes de apoio, formal ou informal, familiar ou de amizades, laica out religiosa, medida que os servigos de saide ofereciam ou nfo respostas a elas. A reconstragio do itinersrio terapéutico visibiliza, segundo Bellaro et al. (2008), a forma come (8 servigos de satde se organizam e produzem efeitos na vida dest pessoas, respondendo ou nfo aos principios da Integialidude © ds Resolutividade da atengéo em satide. Viver e natrar (DALMOLIM, 2006), seguir ¢ acompanhar foram modos cle buscar compreender 0 itinerério cerapéutico de Manu ¢ contar um pouco de sua histéria. Trajetos e passagens de Manu pela rede de cuidados Para descrever e discutir 0 itinerdrio terapéutico dessa mulher, mie ¢ moradora da rua de uma familia cindida pelas adesdes teligiosas, dividimo-lo em dois movimentos: da rua casa, passando por um centro de referéncia especializade ¢ um hospital psiquidetico no centro da cidade; € da casa A rua, teansitando por uma policlinica e uma clinica da familia préxima ao bairro de residéncia na zona norte da cidade. itinerdtio terapéutico de Manu mostra que cla recebeu atendimento em trés esferes de complexidade do SUS. No hospital Psiquitrico, servigo de alta complexidade especializado no atendimento em saiide mental, cla pessou de “caso clinica” a um “caso social” quando nomeada de “abandonada” pela familia. Foi atendida numa policlinica que se configura como um scrvico intermeditrio que oferta atendimentos em varias especialidades profissionais da satide, conde recebew atendimento especializaco em terapia ocupacianal para reabilitagao motora das mos. E na Clinica da Familia (servigo de atengio basica da cidade), onde iniciou o tratamento para a hansentase fj acompanhada pela equipe como um “caso complexo” que envolvia conflitos familiares que convocava um atendimento especializado, 0 Niicleo de Apoio a Satide da Familia (NASF). 98 CaltuadeCudaoocuehderacunra Tees epasogen de Mam bur ou up de dale? ‘Yale lembrar que Silva (2013) considera as contribuigGes das citncias sociais para a compreensio da assisténcia psiquidtrica que icam a passagem de pessoa 2 paciente como crucial na carteica ral do doente mental, bem como de paciente a caso. Assim, entre 05, causos € catisas, portar cranstomnos mentais € to relevante no so da identidace social estigmatizada quanto portar sobrenomes los. Manu pode ser considerada, deste modo, um causo em comunidade de origem que se torna paciente de um hospital eriormente caso em discussio em uma equipe. 0 itinerdrio terapéutico mostra uma interseegio entre dois sistemas de prote¢ao social, o SUS ¢ 0 Sistema Unico de Assisténcia cial (SUAS). Essa ligagio se deu a partir de “parcerias” por meio “quais se forma a “rede” de atendimento a pessoas que habitam 9 profissionais, entre os servigos de saide © assisténcia social. Ja 9s “encaminhamentos” sio documentos que medeiam a referéncia, reco das pessoas no sistema de satide. Estes estio embasados igndsticos médicos que direcionam as pessoas a buscar -dependéncia quimica. Esses tiajetos do itineririo tecapéutico revelam a légica que os uususrios. A clinica da familia, que se configura como servigo tégico para atengio & saiide foi preterida pelos profissionais, io hospital psiquiderico e s6 recebeu 0 “caso” quando a pelielfnica rediteciona a referéncia expressa no “encaminhamento”. Essa sequéncia patece estar na contramio das ordenagdes do sistema, porém revela eocupacio dos profissionais com um “caso” que demanda um Itabilho expecializado que na atengio bisica, na clinica da familia, ‘tudo seria mais dificil”. ‘As passagens que Manu fez ducante os trajetos que seguia revelam alguns compromissos do cuidado na “rede” que a cuidava. Como moradora de rua” e “albergada” ela nfo recebew atendimento no , ee : Respital geral quando passou a uma “emergéncia médica’, Foi GlirafoGiddoeutadsnscituy 99 sae Depa de Asse Matha Sho necessitio que passasse a uma interna do hospital psiquitrico, um “caso clinico” num servigo especializado em saiide mental, para que recebesse os cuidados urgentes & sua suide, Seus trajetos so os meios entre duas pontas: savide-doenga, fisico- moral, mente-corpo, vontade-forga. Entre um ponto ¢ outso, passa-se como numa dialética ilustrada, Da rua 20 hospital a passagem & do recolhimento e da doenga; do hospital & casa a passagem é pela culpa ¢ pela libertagao, © num tiltimo trajeto, a ua reaparece como “liberdacle” © amizade, Essas ambivaléncias pareceram traducit 2 ligagao que hd entre os trajetos de Manu e suas passagens pela rede que the oferecia cuidado. Na internagio psiquiftrica passou de “easo elinico” a um “caso social” quanclo foi nomeada por “sbandonada” pela farnilia, Devido A compulséria necessidade de ser devolvida a familia, Mana passou a um “caso de abandono”, mesmo que suas histérias contavam uma trama parental onde fuga ¢ abandono eam alegorias de um afistamento do parentesco. No hospital psiquitcico, Manu foi psiguiatricada © com esses diagnésticos segue com sua irma em busca de ceatamento para a hanseniase e também as igrejas evangélicas onde poderia scr “libertada’. Diagnosticada com esquizofienia paranoide quando de seu encaminhamento para a rede de azengéo em satide que trataria da hansenfase ¢ do alcoolismo, ou seja, justo no momento em que foi teapresentada aos servigos da rede de saide, De volta 3 casa da familia, seus parentes, filiados a igrejas evangélicas, afirmavam que Manu precisava ser “libertada”, assim 0 alcoolismo nao era considerado uma doenga, mas uma “possessio demonfaca” que teria seu fim com a “conversio”. Para eles, Manu poderia “tornar-se outra pessoa’ liberra e salva de todos os males. A casa eta o lugar onde a familia vivia © onde Manu recebia “tudo” de que precisava. Era de onde partiam para a igreja ¢ também onde realizavam seus tituais rcligiosos; onde compartilhayam as dificuldades dla vida ¢ tentavam numa relage conflieuoso ¢ cheia de regras cuidar de Manu, O cuidado da familia combinava cudo ma imagem da casa: lugar fechado, quente, isolado e apertado. As safdas eram & igreja, no 100 CituadsCudalococitdonaaturs ‘Toes passages de in besa oad cai? ‘emplo 0 cuidsdo contimuava, 36 que atravessado pela “disciplina” e ‘as vontades de Deus”, O itinerdrio terapéutico que Manu seguiu « levou para outro lugar fechado, a casa da familia. Os hordries e regres no eram os mesmas dda interna;o psiquiftrica. Agora a hierarquia e a obediéncia que overia respeitar eram de outra ordem. Combinava religigo e as regras de uma convivéncia familiar, O cuidado que recebia era uma mistura de oragées, idas a igreja, medicamentos ¢ uma constante vigilincia. “Misturava uma constante culpabilizagio © responsabilizagio pelos ‘exros cometidos e também a submissio ao processo de “libertagio”. ‘0 tratamento religioso © 0 cuidsdo da familia se moscravam num ‘tsjeto do icinersrio que Manu recusou mais uma ver, Tal qual na intemagio psiquidtriea, ela falava que nao queria mais esse lugar, queria ir para ruas, “andar livremente”, (© acesso & clinica da familia fo fcilitado quando uma das parentes de Manu mencionou hansenfase & equipe, no mesmo dia em que sinha sido dificultado quando Manu foi considerada “da psiquiateia", ou seja, mais uma ver ser considerado paciente psiquidtrico ea um ‘empecilho para ser recebido nos servigos que formavam a rede de satide © nio exclusivamente de satide mental, Entrecanto, quando © foco era no tratamento da comorbicade © nfo do cranstorno mental, tanto a policlinica quanto a clinica da familia acolheram ¢ acompanharam Manu, embora a intensificagio de conflitos entre a lusidria e seus parentes tenha apontando para problemas que nem mesmo a colaboragéo do NASF veio ajudar. De volta ao hospital psiquidtrico, 0 reencontio entre profissionais, Manu e famili colocou em cena a nogéo de “crise”. Os profissionais pateceram seguir a nogdo biomédica segundo a qual a crise esté ligada a uma emergéncia, um risco eminente para si e para outros. Dessa forma, @ momento em que se da atengio & pessoa em crise pode ser identificado como 0 ponto de maxima simplificagie de ‘uma relagio em que, por um lado, o sujeito que esté por se mostrar fer, progressivamente, uma simplificagio ¢ reduziu a um sintoma 4 complexidade de sua existéncia de softimento; e por outro, 0 setvigo equipou-se de modo especular para perceber ¢ reconhecer, ita iotueaieecCutavomettun 101 sn ig de Asi Martin Siva oferecendo-se como modelo de simplificagio — 0 proprio sintor (DELLACQUA; MEZZINA,1988, s 50. Sem cuar "em ey conforme a avaliacxo dos prfissionais do hospital psiquidtico, Mang simplifica seu pedido: “Quero ser internada!”, uma forma de express sua necessidade de afastamento da famflia que por sua ver também tifo a queria mais na casa, Acolher o pedido de Manu ¢ atender + sua “crise” esteve condicionado a emergéncia de sintomas e isco, py isso ela nfo poderia ser internada ¢ deveria “ter calma e paciénci para continuar convivendo com a familia, Manu voltou is ruas acompanhada dos amigos dias depois do tiltimo encontro. Fugiu do itinersrio terapéutico que seguia © da familia. Mais uma vez desviow-se, passou a outro caminho. Com o: “maloqueiros” seguia para sua “liberdade”, Desde © momento em que fora recolhida das ruas aré aquele fem que desaparece nas mesmas proximidades, Manu seguiu um itineririo terapéutico complexo marcado por buscas, fugas, retornos ¢ afistamentos. O emaranhado de ages e agentes combinados em sistemas de pritica e simbolismo formou uma rede, uma teia, que tentava sustentar 0 cuidado que se julgava necessitio a Manu. As metiforas do cuidado (BONET; ‘TAVARES, 2007) se somavam ov se trocavam nos enconttos ¢ nas tomadas de cleciséo, onde os agentes, inclusive Manu, pactuavam seus acordos ¢ assim seguiam criando ¢ susrentando a rede de cuidados. Consideracées finais Em todos esses trajetos ¢ passagens “seu maior problema” o “vicio de bebidla forte” foi expresso por Manu intimeras vezes. Confessanda a voatade quase incontrolivel que tinha de beber “bebida que embriaga’, cla dizia “softer de maus-tratos”. A tinice ago de satide que focou em “seu maior problema” foi a elaboragio de um “encaminhamento” a uum servigo especializado para o tratamento de dependéncia quimica Esse servigo nunca foi buscado pela familia e por conseguinte também por Manu. A famflia afirmaya que ela precisava ser “liberta", assim © aleoolismo néo era considerado uma docnga, mas uma “possessio demonfaca’ que teria scu fim com a “conversio”. Os profissionais de 102 CubredoCuidneo Calo rata Tats pasagense Var: sao fga do clad? por sus ver, focavam no tratamento da hanseniase, no processo eador e jd nos tltimos trajetos de seu itineririo terapéutico “fuscaram um servico especializado para ajudé-la. Mesmo assim, 3 isia estavam 5 conflitos familiares ¢ 0 possivel afastamento com ‘eu retorno as ruas, Nesse ponto contrastam as palavras de Cecilio (2006, p. 116) “a demanda é o pedido explicito, a tradugio das ‘pecessidades mais complesas do usudrio” com us ages de cuidado ‘arengio A saiide de Manu O “vicio” ¢ 0 “alivio” que expressavam a dupla vinculagio de Manu { bebida aleoslica, que em parte explicam sua opgio pela vida nas ruas ‘também as celagSes de amizade, ndo foram paua dos atendimentos “da policlinica © na clinica da familia. Eles foram expressos, mas foco ert a doenca que amedrontaya e atrofiava suas maos. © acolhimento © 0 acesso aos servigos de satide estiveram condicionados a duas normatizagSes: a comprovagio de enderego, onde se poderia provar que se mora na “érea” de adstrigfo da _policfnica; na elinica da familia a obrigatoriedade do “cadastramento” ‘patecia encerrar a possiilidade do atendimento. Na policlinica, 0 “comprovante de endereco colocou Manu ¢ a familia numa sequéncia "de atendimentos marcados pelo descompromisso, num ajeto interno 40 prédio onde os profissionais passavam de porta a porta até que eguram ao fundo, onde, jé desanimados, foram stendidos. Na linica da familia, o guiché intitulado de “acolhimento” formava 0 “baledo onde os usuétios “cadastzados” eram recebidos. Entre 0 acesso “205 servigos de sade ¢ os balebes de atendimento, o acothimento |S configurou mais como uma postura presa is normatizagies da “regionalizacio” e do “eadlestto” que ao “trazamento digno e respeitoso, “com qualidade, acclhimento ¢ vinculo” (PINHEIRO et al., 2005). (© conccito de rede implica um processo de construgio permanente tanto individual, quanto coletivo. F um sistema aberto, que através do inrercimbin dinimica entre seus integrantes, e de seus integeantes "com outros grupos socials, possbilita a potencializagio dos recursos "que possuem, As redes sociais sao de extrema importincia para todos; clas proporcionam a organizagio da identidade através do olhar das ages de outras pesioas. A rede de relagées que oferece suporte a Coturafocudorocutedsnacitun 103 ‘un igo 6 Asse Martnt Sva uma pessoa na sociedade nao se restringe & familia, mas inclui todos 0s vinculos interpessoais significativos do sujeito: amigos, relagdey de trabalho, na comunidade, na sua inclusive (ELMAN, 2006) A tiltima passagem que Manu faz em diregio & rua, a0 espago que clegeu para viver € reencontrar os amigos, “os maloquitos", parece mostrar daramente a extensio que a rede de cuidados em saide deve buscar. Fugindo da familia e da cast, dos tratamentos, remédios € consultas Manu detenha no mapa de scus trajetos um camino novo onde o cuidado pode scr oferecido numa nova estratégia do sistema, a exemplo dos consultérios de rua, onde as ruas da cidade € as amizades podem ser tomadas como elementos novos e centrais para as priticas de sade, As amizades podem ser, assim, abarcadas ‘no cuidado possivel nas ruas da cidade. Viver © narrr 0 itinerério terapéutico de Manu possbilitow a compreensio de que se pode continuar oferecendo cuidado em outros lugares, em territérios escolhidos para “viver livremente”, Nota-se ue seus trajetos e passagens pela cidade, familia e secvigos de satide repercutiram em scu cotidiano ce forma que sua busca por cuidado se converteur numa fuga do cuidado. Quando iniciamos a pesquisa interessados pelas buscas por cuidado, ‘acabames por nos dleparar com situagées e encontros que constiocm caminhos talvez ainda no considerados: a fuga do cuidado é também tum modo de seguir pela vida, desviando dos caminhos que ago se quer percorrer ¢ fugindo para as relagées que se quer manic, de amizade mais do que de parentesco, do “viver ivzemente” mais que tratamentos médicos ou religiosos. Mesmo desaparecida nas ruas do centro da cidade, Manu segue em suas buscas, &s vezes fugindo, esperamos que encontre o cuidado de que precisa, Referéncias ALVES, P. C. 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Nesse cendtio, pode haver © aumento da possibilidade “do uso, por parte dessa populagao longeva, de cuidados intensivos, _reabilitadores e que visem a melhorias da qualidade de vida quando a5 possibilidades teraptuticas diminufrem. Nesse sentido, os cuidados paliativos (CP), segundo a Organizagio Mundial da Sade (OMS), ‘constituem a abordagem da assistincia no fim da vida que: (1 aprimora a qualidade de vida, dos pacienes e familiss, que ceafientam problemas asociads com doengasamesgadoes de vids, sucavés da prevengho¢ alivio dosotiment, por meio de idenificsg0 precoce, avaliagfo cortets € tratameneo da der « outros problenss de ordem lisca,psicossocil e espixitual (WHO, 2002). Esse tipo de assisténcia exige conhecimentos € priticas espectficas € “uma capacidade de lidar com os pacientes para além de suas doensas, ‘Yoliando-se para 0 individuo complexo cm suas varias dimensées, “com direito & informagio ¢ A auronomia para omada de decisées. E ‘uma abordagem que utiliza equipe multiprofissional, apoio a familia e _atengio ao luto. Segundo a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), o termo € usado para designar: Glade Gidaloeotaladonacitan 139 {} caidas aivos e integra presto « pacerter com doenga Progressiva ieeversived, com poucas chances de resposta a tratamento curative, sendo fundamental « controle di dor de és da prevengio & do alive do sofimento ial € piritual (MACIEL, 2006, p. 12) {sico, prcolégi Maciel (2008) ainda descaca que é um equivoco considerar que os CP somente se aplicam na fase do fim da vida, quando “ago hi mais nada a fazer’, Ao contrétio, o atendimento em CP deveria ser iniciado quando do diagnéstico de doenga incurével ¢ potencialmente ameagadora da vida do sujeito. Portanto, a condigio de incurabilidade da doenga nao significa que nao haja mais 0 que possa ser feito, No que se refere & assistencia, o enfoque da atengio assam a ser as necessidades do binémio sujeito-familia, e nfo mais a0 combate & doenga. Para Oliveira e Silva (2010, p. 213), € uma abordagem cuja “estructura do modelo assistencial estabelece intima relagio com os principios bioécicos considerados na vertente principialista’. Desses principios, no que diz respeito A autonomia, Floriani ¢ Schramm (2008), apesar de questionarem se, em esténcia, estar em cuidados paliacivos ¢ uma decisio aurénoma ou um “corjunto de agées decididas por quem cuida’, afirmam que: [1 quando se consegue oferecer bons cuidados paliatives pode- 86, em muitos casos, ajudar o paciemte @ encontrar sua melhor cipacidade de decidir sobre sua vid, dependenda do tempo que se tem, © das condigbes do pacieate em exercer sua compeitncia decissra (p. 2.128), © exercfcio da competéncia deciséria estd ligado a0 principio da autonomia que, para Beauchamp ¢ Childress (2011, p. 143), €definida como “ages auténomas [que] no devem ser sujeitadas a pressées controladoras de outro”, Esses autores também considerain essencial que # peson esteja “livre tanto de interferéncias controladoras por parte de outros como de limitagdes pessoais que obstem a escolha expressiva da imtengio, tais como a compreensio inadequada”, Set capaz. de compreender a situagio € 0 ponto principal para ser capaz de uma escolha auténoma, Fomecer informagécs ¢ supotte para 140° Gita io Cldatoeouiddonactate A sei opofsinal esatdesole 0 cide, ‘capacitar 0 paciente para que este exerga stia autonomia parece ser fundamental para que se possa produzit um tipo de cuidedo no gual 0 profissional se relaciona com o paciente, sendo este sujcito ¢ gondutor de sua historia © cuidado no modelo hegeménico ¢ focado no diagnéstico, médico-centrado, no qual 0 atendimento tende a se resttingir « procedimentos técnicos, exames complemenares © medicamentos. © processo satide-doenga redur-se ao bioldgico, excluindo qualquer intervengo de componences social ow subjetivo para a produgio ou resoluco desse processo. A subjetividadl, tanto do paciente quanto do profissional, tende a ser desconsiderada e desqualificada. Nesse modelo, a fclacio do profissional é com a doenga e nfo com o doents. O objeto da intervengio é © compo doente © nao a pessoa. Segue a Kigica da fragmentago do homem sem levar em consideragio, muitas vezes, que _essas partes compéem um todo bastante complexo, Sob esta lbgica, as sclagées construidas acabam por levar a uma aproximagfo de outro como um objeto com “defeito” sobre o qual haveré uma intervengio ¢ nfo como um alguém com histéria, vontade e conhecimento. A relagéo passa a ser com a parte doente ¢ no com a pessoa. Se a relagio & com a parte, com a doenga, com 0 sintoma € no com 0 sujeito, talvez pensar nesse contexto em autonomia scja um complicador. Nesse cenéio, © objetivo do cuidado se restringe a identificar @ existéncia de uma enfermidade ¢ propor medidas para tratar, alterar ‘9 modo de viver € restabelecer a funcionalidade. Em oposigio a isso, BofT (2012, p. 37) prope. Cidado se ope a0 descuido eae descaso. Asin, euidae abrange ‘mais que um momento de atengSo, de zelo e de desvelo e, mais que um ato, é uma atieude, Representa uma atitade de ocupugio, de preacapasio, de responsibilidade « de eavolvimento aletivo Esse cuidado surge somente quando 2 existéncia de outra pessoa tem importancia para o individuo que cuida, © qual passa a se dedicar a essa pessoa e a participar de sua vida, buscando estar junto dela thos sucessos € nos softimentos. A importincia do cuidado, segundo Ayres (2004a, p. 86), reveste-se doz Caledocuday encom altura 141 feat Siva Fortes osteo 3, [..] desenvolvimento de atiuides e espagos de genuine encontro intersubjetivo, de exereicio de uma sabedoriapritien para a suid, apoiados na tecnologia, mas sem deixar resumirse a cla a agdo de sade. Esse cuidar é um facilitador para que haja um venladeito encontro, a abertura de um espago relacional muito maior do que aquele no qual um traz 0 sofimento © @ outro, 0 conhecimento. ‘Odque ocorre no campo da snide éo cacontro ente umm profissional de side © um usulrio, o proceso de trabalho em sade core a parti cenrademene, neste enconto, de dos sijkits ponadeces de necesidads,desejos,conhecimenios, imaginéia, Um momento singular n0 qual 0 usultio rar sas necesaces de site, € © profisional tora responder is mess partir de suas erramenes, tecnologis dispntveis (SILVA JUNIOR; PONTES, 2006, p. 65). Neste trabalho, 0 aidado ¢ entendido como uma fotma de nos aproximarmos da Integralidade, pois: (a Jonge de significar um eonjanco de procedimentos og atinides iscladas, © euidado se rerela como um fio condutor de construgio dla ineegralidade na atengio A sade, em seus sentilos mais smplos, ono local de encontro de sujsitos com necessidades €capacidades, onde fluxes de intraso posibilitem oaceso is vias akemativs de solugio de problemas 8 conscrusto de vineulese de responsabildae ‘micuas (SILVA JUNIOR; ALVES; MELLO-ALVES, 2005, p. 78), A integralidade € uma das diretrizes hisicas do Sistema Unico de Satide (SUS), institafda no texto consticucional de 1988. E um termo polissémico que, no entanto, se complementa quando discutido no setor da saide, Mattos (2001, p. 44) sugere que « integralidade pode ser entendida em trés conjuntos de sentides: 0 primeira, como atributo das priticas dos profissionais de satide, nas quais o exercicio da integralidade se dé por meio da compreensio de todo 0 conjunto de secvigus © necessidades que o paciente requer quando procura a atengio profissional. A integralidade, nesse sentido, nao seria apenas uma caracterfstica da boa medicina, mas algo que deve permear as priticas de todos os profissionais de saiide, sojam estas préticas no Ambito pablico, sejam no privade. 2 ature deca eo tide ats | prep > pts de atte be ocuta. ‘Um segundo conjunto de sentido diz respeito as caracteristicas ida organizagio dos servigos, em que ha critica pela dissociagio entre as priticas de satide publica e as préticas assistenciais. Aponta para a ecessidade de haver uma articulagio entre demanda programada ¢ spontinea, além da necessidade de que os servicos sejam organizados ‘do apenas para responder a um tipo de doenga, como também para dar uma acen¢io ampliada as necessidades da populacio. E 0 terceiro conjunto refere-se As respostas governamentais aos problemas de satide da populaio ou As politicas especificamente desenhadas para solucionar os problemas que incidem sobre ddeterminados grupos. A integralidade se apresenta, neste sentido, na “recusa em tratar sujeitos como ebjetos e em fazer recortes tirando tais sujeitos, sobre os quais iré incidir a politica de saiide, de seus ‘contextos. Hé ainda a expressio da integralidade na conviegio de que as respostas do governo devem incoxporar possibilidades de prevengiio ¢ assisténci Mais recentemente, Pineiro, Ferla ¢ Silva Junior (2004) atribuiram novo sentido 4 integralidade, articulando-a de forma inseparivel com a universalidade © a equidde, como uma prética social que medeia ¢ toma adequada a relacéo entre os servigos de saiide e suas ofertas de cuidado; as necessidades dos individuos € populagées em ddeterminados territérios € conjuncuras histéricas. Essa prética social ¢ fundamentada no Direito & Satide como um direito de cidadanin, © & materializada nos conhecimentos e priticas dos profissionais de said, nas priticas de gestéo € nas formas de participacio soci Entendendo que esses sencidos possam estar entrelagadlos, neste trabalho, enfocaremos o primeira conjunto de sentidos, visto que a pritica dos profissionais de satide consiste em dar uma resposta a0 softimento do paciente e num tipo de cuidado no qual este néo sefa, reduzido a um aparelho ou 2 um sistema biol6gi Curar e cuidar sio conceitos intimamente ligados aos profi que operam satide. Para Silva Junior (2006, p. 94), “o constitutive de tadas as profissdes de savide” ¢ tem como caracteristica ser essencialmente relacional. E por meio da relagdo entre sujeitos que pode surgir 0 campo de forgas no qual sexo mobilizadas emogdes ¢ identificagSes que permitam ou impossibilitem a tilizagio dos (alta fotuibdoeculadsmcatua 143 ea Sha Fontes nto ta. conhecimentos do_profissional. Nesse encontro, & preciso inchtie » ‘outto como portador de valores, crengas ¢ saberes, € para tanto, ¢ preciso que os profissionais sejam: ‘Teabalhadores generosos, capazes de firer uma escuta qualificada do que 0 OUTRO, que esi na sua fren, Ihe apresenta; ¢ © que € mais importante, tanto dlsponibilizar o que jf sabe para relhorar a vida desse OUTRO como ser capar ou estar aberto pats a intervengio de novas formas de euidado adequadas a cade sicuagfo singulat. (CECILIO, 2009, p. 553). O cuidado realiza-se na constnucio desse processo tinico, dindmico © que ocorre a cada encontro entre aqueles sujcitos. Ayres (200a, P. 86) comenia que 0 cuidar nas priticas de sade demonstra sua importancia quando propoe “o desenvolvimento de atitudes e espagos de geaulno enconcro intersubjetivo, de excreicio ce uma sabedoria ritica para a saide, apoiados na tecnologia, mas sem deixar resumi se a cla a agio de satide”. Nesse tipo de citidado, & dada énfase a0 espago relacional, aumentando a importéncie das priticas de sutide que possibilitem de forma efetiva 0 surgimento da subjetividad= do outro, como as estratégias de acolhimento, vinculo ¢ responsabilizacio nna organizagio & assisténcia. Essas estratégias relacionais podem ser entendidas como uma forma de comunicagio capaz de responcler de forma adequada ts pessoas que procuram os servicos de satide. Sendo assim, 0 acolhimento que se apresenta néo é apenas sua dimensio fisica — com ambientes “acolhedores” ou salas bonitas — nem sé a simpatia ou educagio de quem recede as pessoas, mas também é uma postura do profissionl Essa postura implica a escuta do usuério em suas queixas, nio bastando fazer 0 outro falar apenas sobre aquilo que o profissional quer ouvir, como um mero recurso para se obter informacées, pois essa escuta € qualificada, uma vez que esté relacionada A forma como 4s coisis sio ditas, ao que é falado, 20 que ¢ silenciado, ans lapsos de meméria ¢ enganos. Fsse tipo de escuta pode ser um importante instrument de trabalho, ¢ néo mera perda de tempo. A postura do profissional implica, ainda, a busca por respostas adequadas a cada demanda, 0 reconhecimento do protagonismo do paciente no processo 144 Gate doCubaine9 so ars pre db psa de ae be cule, ide suide © adoccimento, a responscbilizagéo pela resolugio © os fncaminhamentes. Methy (1997, p. 120) eontribui ponderando que 0 - jcolhimento prope inverter a légica de organizagao ¢ funcionamento do servigo de sade, partindo dos seguintes prinelpios: 1) garantir 0 ‘acesso universal, acolhendo, escutando e dando uma resposta positiva ‘tos problemas do uswirio; 2) reorganizar © processo de trabalho, valorizando a equipe multiprofissional; ¢ 3) qualificar a relagio rabalhados/usudrio por pacimetzos humanitérios de solidariedade e tidadania. Sendo assim, 0 acolhimento permeia toda a terapéutica, mas para que cle seja efetive, & preciso que se construa, por meio da escuta qualificada, 0 vinculo. ‘Vinculo ¢ algo que liga as pessoas, que transforma relagbes, que tia compromissos dos profissionais com o paciente ¢ vice-versa; € resultado de esforgo multiprofissional que envolve a equipe, a insticuiséo ¢ a comunidade, Apoisdos em Silva Junior © Mascarenhas (2004), podemos peasar em vinculo por meio de tés dimensées: como afetividade, como telagio terapéutica ¢ como continuidade. Na ddimensio da afetividade, € preciso que 0 profissional goste do que fax ¢ se interesse pelo bem-estar do paciente, © que permite a ctiagio de um vinculo estivel. Como relagio erapéutica, esté relacionado & possibilidade de considerar a singulacidade de cada atendimento; & tama forma de se relacionar com 0 oatro como um syjeito também decentor de saber. Como continuidade, para que haja fortalecimento do vinculo, € necesséio que haja consinuidade no atendimento, pois permite a criagio de uma reacdo de confianga entre profissional © paciente. O vinculo também implica a responsabilizasao, que consiste 00 profissional se responsabilizar pela resolugao das demandas do paciente de forma niio burocrética nem impessoal. Acclhimento ¢ vinculo si0 decisivos na relacio de cuidado entre © profissional e 0 paciente. E importante salientar que os profissionais, além da sua relagilo como paciente, também podem amar em equipes ¢ que devem produzit 0 cuidado a partir de seu préprio nticko de competéncia. Compreendemos © trabalho em equipe no seatido da ‘complementeridade e interdependéncia, incluindo, concomitantemente, uma auconomia relativa dos diferentes saberes de cada membro. Cohuradocuiadren cudnt ata 145 ‘ea a Fetes Noma eta, Articular os distintos espectos de cada nticleo para construgio de ptojetos terapéuticos de forma interdisciplinar requer um esforgo, continuo dos profissionais de sate para estazem abertos ¢ disponiveis a escutar e tentar compreender 0 discurso do outro. Nesse sentido, [dlevemos fear stents, entio, nese tipo de process> 1 pelo renos duas questbes bisicass 4 de que todo prfisional de sade, independemte do papel que desempenhs, como prodor de aes de sade € sempre um operador do cuidado, ito & sempre ata linicamente, ¢ como tl deveris ser capiciado, pelo menos no terreno expetfico das weenolgias eves, modot de proce scalhimento, espensibilzagio cvineulos 40 ser identifica como 6 responsivel pele “projet terapéutico” cstaré sempre sendo um epetador do cuidado, 2p memo tempo que umn administrador das rlag6es com 06 virias iicleos de sberesprofssonsis que atuam nesta imtervengo, ocupardo tum papel de medindot na gestio des procetsos multiprofisionsise discplinares que peritem agir em side” (MERHY, 1998, p. 129-130 Nesse agir em saiide, cuidar de pacientes fora de possibilidade de cura, ou seja, com uma doenga terminal, exige mais do que conhecimentos técnico-cientificos. E preciso mais do que nunca compieender a individualidade do sujeito, mantenco um relacionamento interpessoal vivo ¢ vibrante. © término dos recursos para cura nfo significe que nao hé mais o que fazer. Nesse momento, ‘outras priticas podem ser oferecidas ao paciente ¢& sua famflia, dentre as quais diminuir o desconforto,aliviar a dor e reconhecer um lugar ativo no qual o didlogo entre todos os envolvidos seja constante, com a explicitago num didlogo aberto sobre as possibilidades dle agio da ‘equipe ¢ 0 que o paciente deseja como conduta para os momentos finais da sua vida. A proposta ¢ de uma atengio que, se no pode ser mais curativa, pode ainda cer 0 objetivo de aphicar o sofrimento € potencializar a qualidade de vida do sujeito. Esse tipo de atengio € um auidar que leva em conta o quanto o paciente pode rer de autonomia, de possibilidades de escolha, ou ainda, de vontade de exercer sua autonomia, Quando € possivel constmuir a percepgao no paciente de que cle € um sujcito € nfo um objeto a ser caidade por outro, scja profissional, seja familiar, isso nfio necessariamente afeta 146 ina acute acutadons cata poco de ptisora de sue abe o bdo autonomia desse sujcito. Esta s6 € afetada quando acontece uma ‘plagio de dependéncia, de sujeigio nas relagées. [uu] ma celagio médico-paciemre (ou nas demais tlagées sociis), defender « autonomia nio € propor « inversfo na relagio de hhegemonia que se tem hoje, mas reconhecer que ambos 0 sujicos devemt ter expago € vor no processo, com respeto as diferengas de alors, expectasivas, demanday, ebjetivos enti eles. A relagao &—e deve permanecer ~ heterogénea, diversa, plural, econhecendo-se, porém, que 0 sujet do. processo ceraptuicn € a pessos docnte (SOARES; CAMARGO JR, 2007, p. 65). (© reconhecimenta que a centralidade da atengao deve estar no paciente parece permitir um tipo de cuidado no qual nao € conhecido apenas os mecanismos que levam a doenga, mas ha também uma busca por aproximar-se do outro numa relagéo de seres humanos. Cuidar € 0 que ha para ser feito nos cuidads paliativos, ¢ esse cuidado & ‘ntenso ¢ potencialmente desgascante para todos os envolvides, quais, sejam: paciente, familia e equipe, Metodologia Este trabalho buscou entender como 0 cuidado & a autonomia dos pacientes em cuidados paliativos sio percebidos pelos profissionais da frea de saiide que na sua prética difria fazem parte de uma equipe de cuidados paliativos. Com esse objetivo, © campo da pesquisa foi uma equipe multiprofissional de um Ambulatécio de Cuidados Paliativos que integra um servigo de atengio oncoldgica de um hospital publico do estado do Rio de Janeiro. Esse niicleo foi cadastrado em 1999 como Centro de Alta Complexidade em Oncologia (CACON 1) € posteriormente, em 2008, passou a condigao ce Unidade de Assisténcia de Alta Complexidade (UNACON), adequando-se a0 escabelecido em dezembro de 2005, pela Portaria n° 741 do Ministério da Satie, nna qual foram revistos os conceitos de UNACON e CACON, e que prevé que essas unidades disponham de todos os recursos humanos € tecnolégicos necessérios & assisténcia integral do paciente com cincer, incluindo desde 0 diagnéstico do caso, passando pot assistencia urate Cdaloroidenacaturs 147 Feta Fontes Wont et ambulstorial © hospitalas, atendimento de emergéncias oncol6gicas, aré ¢ cuidados paliativos, Na UNACON, é oferecido tratamento para os Ancetes mais prevalentes no Brasil e no CACON, tratamento pata todos os tipos de céncer. Ainda para se adequar ao que estabelece a portaria, houve um esforgo em incluir a necessidade de implantagio fou sistematizagio de Unidades de Cuidados Paliativos, 0 que ss se tornou possivel 20 niicleo em questo a partir de 2007, quando houve a contratagio de médicos paliativistas ¢ 0 incentivo de gestio — daquele momento — em qualificar profissionais jé existentes. © Ambulatétio de Cuidados Paliativos éformado por duas médicas, duzs enfermeiras, uma assistente social, uma nutricionista © duas pricdlogas, Excetuando as psiclogas, que prestam servigo voluntétio, todos os demais membros da equipe sio funciondtios do hospital, variando seu tempo de servigo entre cineo 20 anos. Nesta pesquisa, houve a participagio de toda a equipe, menos de uma psicdloga As enfermeiras © a assistente social trabalham 30 horas semanais, a nutricionista, 12 horas e a psicbloga, 16 horas semanais. Quanto &s ‘médicas, uma trabalha 20 horas e a outa, por dividie sua jornada com atclinica da dor, ttabalha seis horas semanais em cuidados paliativos. A equipe vem atuando junca no ambulatério entre quatro ¢ cinco anos O ambulaiério encontra-se no mesmo espago fsico do servigo de atendimento oncoldgico, utilizando 0 mesmo servigo de recepgio € matcago ¢, quando ¢ 0 caso, a mesma sala de quimioterapia. A assistente social, @ nutticionista e a psicdloga tm contato com 0 paciente desde o diagnéstico oncolégico c 0 acompanham em consulas periddicas aré que, se for preciso, ele seja encaminhado aos cuidados paliativos para a continuidade no atendimento. © que efetivamente muda na passagem do cratamento curative para o paliativo, em relagio A equipe, sio as enfermeiras ¢ as médicas. No caso da psicologia, mesmo apés a morte do paciente, hé 0 oferecimento da continuidade do atendimento & familia no trabalho dle claboragéo do Iuto. A procura dos familiares a esse atendimento tem aumentado gradativamente. A psicéloga actedita que isso esta ocorrendo por uma maior ¢ melhor divulgacio do trabalho. Em 2013, houve a criagéo da Roda de Conversa, espago aberto aos familiares © a05 cuidadores, que sio convidados a participar para parcilhar suas 148 Calta Caldtor (ud nacre -Apeceyt doprifsions de te re 0 id, experiéncias, angustias e drividas numa tencativa da equipe de dar vor ¢ apoio a esses cuidadores. Essa Roda ocorre uma ver por semana, om a presenga variada dos membros da equipe. ‘A chegada do paciente 20 arendimento oncolégico muitas vezes corte quando 0 mesmo jf esté com a doenga em estado avangado. {5s0 pode acontecer pelas mais variadas razdes, encre elas a ignorincia, co medo ea dificuldade no acesso A rede de satide priblica. Dependendo do estadiamento da doenga, o paciente pode ser encaminhado diteto 20 ambulatério de cuidades paliativos. Oucras vezes, ele passa do ‘ttatamento curativo para o paliativo, Mas jé comegam a ser observadas solicitagoes para um atendimento concomitante. De forma geral, 0 paciente tem uma sobrevida de no méximo 60 dias apés o encamninhamento ao ambulatério de cuidades paliativos, isso se craduz, na pric, em acé ers consultas. Essas consultas so feitas com todos da equipe que estiverem no horfrio © nio se resttingem apenas ao paciente, sendo também cxtensivas 4 familia efou a0 cuidador principal. Aos membros da familia, € disponibilizado um mimero de telefone, por meio do qual cles podem tirar davidas ou pedir orientagio complementar. O atendimento é exclusivamente ambulatorial, nfo havendo atendimento domiciliar ou emergencial. O paciente muitas yeres nao volta & consulta agendada per absoluta incapacidade de sua condigio fisica para locomocio. Quando é detectada a auséncia do paciente, & feita uma busea por meio do telefone, Nessa busca, pode ocorrer 0 informe do dbito & equipe ou so feiras orientagSes complementares & familia © contetido teérico para a pesquisa tere como base a revisio bibliografica sobre o tema pesquisado nos documentos oficiais, em livros, em artigos e em teses, Recorreu-se as seguiintes bases de dados: Biblioteca Virtual em Saiide (BVS), Literatura Latino-Americana ¢ do Caribe em Ciéncias da Saude (LILACS) © Seientific Electronic Library Online (SCIELO), com 2 utilizagio das seguintes palavras- chave: cuidado, autonomia, cuidado paliativo e terminalidade. A busca foi feita utilizando as palavras de forma individual e combinadas, A selecio dos artigos deu-se, inicialmente, por meio da leitura de seus resumos, numa aproximacio parcial em relagio aos objetivos pretendidos. Assim, foram selecionados 42 cextos para a efetiva leitura. CattadoCaidoeocuedonectua 149 Deficiéncia como um desafio para uma teoria da justiga corporal Francisco Oxrece Os discursos juridicos consttoem 0 corpo como uma coisa separada da pessoa. © sujeito de direitos é distinco do corpo, 0 que permite transagées de mercado e sua regulagao pitblics. O corpo legal corresponde, em nosso tempo, a0 corpo mercantilizado da cultura de consumo, em que qualquer transforms¢o corporal ou dor é subsumicla sob a forma do concrato. Encontrar alterativas para © corpo como propriedade, maquina ou direito de privacidade envolve, segundo Hyde (1997, p. 6), tratar as pessoas como “encarnadas, que niio se cofbem da dos, sexo ou outras experiéncias corporificadas”, e substicuir as metéforas da méquina, propriedade ou dircito de privacidade pela “linguagem da presenga ou do abrago fisico”. Herring © Chau (2007) tém argumentado, nesse sentido, que 6s corpos humanos se encontram em um estado de dependéncia ¢ interligagio com outros corpos desde © momento da existéncia inerauterina até a morte. Os compos esto em interagiio permanente com o meio ambiente; nio sio entidades imutéveis, mas esto em Constante transformagio. Autores como a professora de Gender Studies, Margrit Shildrick (2010), desafiam a ideia de corporeidade como uma entidade padronizada ¢ independente, expressa na nocio Grico-legal da “incegridade fisica”. Experigncias proporcionadas por préteses, transplantes de érgios © outias formas de modificagio corporal desafiam a constituigio de um corpo “natural” e dos limites tue de ldo coClddona cara 227 franca Cts do corpo, bem como a estrutura normativa da corporificagio humana pressuposta no direito de propriedade. © corpo nunca € “completo & limitado contra « alteridade, mas se encontra irredutivelmente preso em uma teia de conexdes constitutivas que perturbam a prépria ideia de ser humano” (SHILDRICK, 2010, p. 13). AS presungoes dos textos juridicos sobre 0 corpo ignoram a interdependéncia ¢ a inter-relagio dos corpos (intercorpoteidade), que impede a identificagao deles, em um sencido simples, como “tos”, Assim, a linguagem da propriedade ou posse € confusa e, acima de tudo, moralmente improdutiva. E um exercicio fiitil identificar a relago que temos com nossos corpes como equivalente ao que temos com os bens materiais. Os procedimentos legais quando se lida com © primeira néo podem ser anilogos a procedimentos encontrados quando se trata de invasto de propriedade ou roubo. Por isso, concordo plenamente com a critica de Alastair Campbell (2005, p. 15) as definigdes jurfdicas do corpo que o cireunscrevem dentro dos direitos ¢ obrigagies decortentes do direito de propriedade: “Parece improvével que uma afitmagio de direitos de propriedade sobre 0 nosso corpo, do tipo que detéim (digamos) um pedago de terra ew uma biblioteca de livros, seja a maneira mais eficaz de nos defender contra as incursées ilegais em nosso espaco pessoal”. AAs narrativas jurfdicas € suas metaforas corporais mais frequentes = 0 corpo camo méquina, propriedade, mercadoria ou dircito de privacidade (HYDE, 1997) ~ reforgam o dualismo mente/corpo tradicional predominante no penstmento filoséfico ocidental, A objetivacio ea mercantilizagéo do corpo ea desvalorizagio resultante da experitncia fisice derivam da relagao de propriedade no legalismo liberal (HALEWOOD, 1996). As construgdes liberais da subjetividade legal tratam © corpo como um objeto separado do sujeito, ¢ no como parte integrante da personalidade. Esta separagio priva os individuos de todas as particulatidades © marcas de corporificacio necessérias para detetminar « igualdade formal dos sujeitos de di tos. Em nossos sistemas juridicos, os elementos racionais ¢ volitivos dominam os corporais e emocionais ¢ a obediéncia & lei deriva da “evidencia da autopresenca das normas juridicas 20 poder da razio 228 CohundoCuacenCdatoracatea enc eeu sao ara ura toa ati carpal do sujeito legal” (CHEAH; GROSZ, 1996, p. 3). Priticas juridicas {que constroem corpo como propriedade promovem a nogio de comporcidade como aliendvel pelos mercados, em vezde uma concepio que privilegia corporificagao ¢ as experiéncias fsieas do sujeito. A fei deve olhar para os modelos reéricos que mostram ¢ endossam 4 intesligagao ¢ interdependéncia dos corpos. Tomar corporificagio ‘como panto de partida implica 0 deslocament do. modelo liberal de propriedade 4 procura de formas alternativas de corporcidade ‘que no se bassiam em relagées de propriedade, No Ambito de uma *tcoria da justiga material” (ibid., p. 25), as diferengas corporais dos sujeitos perante a lei devem ser respeitadas, com narrativas juridicas com base em nossa subjetividade corporificada substicuindo nogées de corporeidade oriundas do discito civil ¢ do dircito de propriedade. ‘Uma compreensio instrumental da corporcidade, expressa nas noses de corpo como maquina, propriedade, mercadoria ou direito privado informa nossas construgées de cidadania © também nossas priticas juridicas (HYDE, 1997). Nesse contexto, € assumiclo que os individuos tém controle sobre seus corpos como cidadéos auténomos, enquanto que aqueles que néo tém esse poder se constituem como cidadfos inferiores. A nogao de “dis-cidadania” (dis-citizensbip) evidencia esta situagéo de cidadania desigual, como é experimentada or pessoas com deficiéncia e outros grupos e minorias exclufdas nas rnossas sociedades contemporineas (DEVLIN; POTHIER, 2006). Cidadania deficiente ou dis-cidadania oferecem o desafio mais radical da cidadania incorporada, visto que pessoas com deficiéncia, entre outros grupos, esto exchufdas da cidadania formal ou substantiva e s6 podem almejar atingir “cidadania em prestagées ¢ de uma maneira pouco confidvel” (PRINCE, 2008, p. 33). Os ideais de eficiéncia & produtividade exigidas ao cidadio consumidor ativo ~ um empresirio de si mesmo, que condur sua vida “como uma espécie de empress, buscando aprimorar capitalizar a prépria existéncia através de atos ¢ inyestimentos dos calculados” (ROSE, 1999, p. 164) — nio pode ser atingido por esses individuos (GOGGIN; NEWELL, 2005). A ideologia da eficitncia e produtividade implicita na cidadania ativa e consumista tem sido criticada como produto de um discurso Caltwado iadoeouiato cin 229 Franco to capacitista (ebleit)," que atribui as pessoas com deficiéncia um starys sociseconémico e politico inferior (DEVLIN; POTHIER, 2006), Nas sociedades liberais, a promogio da justiga c igualdade implica ", aplicagéo dos mesmos principios de avaliagao ¢ distribuigao a today as pessoas, independentemente da sua posigéo ou origem social ou género, ignorando assim as diferengas raciais ¢ sexuiais € as quesibes da deficiéncia” (YOUNG, 2007, p. 79). Na verdade, « “posigio original” da teoria da justiga de John Rawls pressupée individuos entrando no contrato social como “livres, iguais e independentes”, na formulagio de Locke, possuindo aproximadamente as mesmas capacidades fisicas ¢ mentais (RAWLS, 1971). Eles sio todos cientes de que os seus “virios dotes nativos, como forya e inteligencia” residem “dentro da normalidade” (RAWLS, 1993, p. 255 ver também NUSSBAUM, 2006, p. 108). Deficitncies s20 postas de lado, pois eles podem prejuclicar as pessoas de “ser membros cooperantes da sociedade no sentido usual” (RAWLS, 1993, p. 20). 86 0s “cidadios considerados livres, iguais, nocmais € membros plenamente cooperantes da sociedade durante toda a vida” (ibid,) constituem as partes contratantes do contraio social. Apenas eles sio dotados de plena cidadania e tegidos pelos principios politicos bsicos expostos na teoria da justiga. Obviamente, ‘essa situagao iddealizada esté limitada a m 5 poucos individuos e sua ‘gama de acsitasao no contempla pessoas com deficitncias cognitivas ¢ fisicas. A assimetria de poder entre as partes dificulta que as pessoas com deficiéncia sejam incluidas no contrato social como parcsiros de pleno dircito (NUSSBAUM, 2006, 2010). Embora reconhecido como uma “questio pritica urgente”, Rawls adia os interesses das pessoas com deficiéncia a uma fase legislativa posterior, uma vez que nfo sio membros da sociedade ‘plenamente *Otermo “tei” (uaHe bole) & de fel tad, Oadetio “abe” fequenteente taco 7 patos coma “aaz* O abo “vale” & to em ils parse eer pea 90 eye ects soo sedans “apxciso” para tad ngs “teem” pos etm se wads en Pertugus (ver htplthegudecapactisn wordpress camy1012/1/2Hentend-o-qu-« capaci “Capt escew a estuturade per qu como no cato de ex eam, ta un grupo ee sss loess com defen) infos «demas por auto grupo (sides defies A olga dcop ind etigmasodaleopesoconraspesas fae ogtvanente diferentes (casa, F. 200%; UNM, 210; MR, 205) 230 ultwadeCutadeeoCudsiom ata Defic oma un sao pr una to & tia ope “cooperantes”. A deficiéncia é tratada como uma questiio de caridade € ‘nfo de justiga basica (NUSSBAUM, 2006, p. 110, 123). Os individuos com deficigncias ("pessoas distantes de nés, cujo destino desperta piedade e ansiedade’, RAWLS, 1971, p. 84) sto, para o fildsofo norte-americano, objetos de compaixio ¢ podem distrair-nos de fazer julgamentos morais (MALHOTRA, 2006). Além disso, a posigio original requer que as partes contratantes, com os olhos vendados pelo chamado “véu de ignorincia”, sejam privadas de qualquer informagio concreta sobre a prépria (ea dos outros) raga, sexo, classe, status, habilidade, sorte ou inteligencia, I = ye ressupse-se que esses dores naturais residam dentto do. espectro de Tomaldade A igualdade liberal exige, por definigio, que os sujeltos no possuam caracteristicas conctetas, divorciados de todos os ccontextos externos, para que es sejam definidos como moralmente indistinguiveis e formalmente iguais. © legalismo liberal negligencia ‘0 contexta sociocultural e as experiéncias encarnadas dos individuos. Os individuos de Rawls so vontades puras sem corpos ou contexto (HALEWOOD, 1996, p. 1346-1347). O sujeito da filosofia liberal da justiga nia € uma pessea real, um “outro conereto’, mas um “outro generalizado”, membro da abstrata humanidade, A *destrui temporaria e heurfstica de identidade” na posicio original da veoria da justiga transforma “pessoas concretas em sujcitos legais generalizaclos” (DOUZINAS; GEAREY, 2005, p. 127). A pessoa jurfdica ¢ “desencarnada, assexuada, uma pessoa estranhamente mucilada” (ibid), um vaso vazio ou cifra que dificulta © reconhecimento de suas caracteristicas concrctas € originais (DOUZINAS, 2008, p. 41) Tal paradigma cego para a diferenca tem sido severamente ctiticado por movimentos sociais ¢ scholars comprometidos com uma politica de diferenga. Iris Marion Young (2007, p. 80), com razio, ‘argumentou que “a identificegio da igualdade com tratamento igual ignora diferencas materiais profundas na posigao social, « divisio do trabalho, as capacidades socializadas, os padrdes normalizados ¢ modos de vida que continuam a causar desvantagens em membros de grupos historicamente exclufdos’. Além disso, apesar da énfase na justiga, dentro dos parimetios da distibuigéo social atual, na qual as pessoas sfo cratadas como apropriadores e consumidores, todos os ature doCudaoeoCuldso aaitwa 231 Franco Onegs aspectos do Iago social so considerados como mercadorias a setem possuiidas e trocadas (DOUZINAS; GEAREY 2005). Devido a esse padrio moral duplo da teoria de justica, que, por um lado, impede qualquer seconhecimento sério da diferenga ¢ da situagio do “outro concreto”, enquanto que, por outro, valida a atual situagio ceondmiea, € 0 status quo social, qualquer explicacéo da igualdade substancial deve levar em conta a situagiio material das partes contratantes, 4 perspectiva moral do “outro concreto” (BENHABIB, 1992). O “\éu, de ignorancia deve ser perfurado” para permitir 0 conhecimento dlas identidades das partes contratantes, incluindo a existéncia de deficiéncia, Portanto, 0 status de deficiéncia de uma pessoa nao pode ser negligenciado e tem que ser incorporado no desenvolvimento de uma toria da justiga, Essa mudanea concederia as pessoas com deficiéncia um stain de cidadania pleno. Varios autores nos campos dos Critical Legal Studies (CLS),} Critical Race Theory (CRT) ¢ teorias juridicas feministas tém criticado sujeito da filosofia liberal da justiga como desencarnado, sem género nem raga, "ital go Suds), ow sos Cts do tet ae eterna scat esas ue Cita tae Mea (RT) & una dsplin alc fads ra alto da tof ica, una ase ‘lia dh sca edacutua, a curate de raat pode feentmente aad muita as qustespolemias molds nabuscae guldateemtelignaagve eta Omoximents ‘aganentewnfidopardos temas cms Pino, CR propte qua supemacia banca parr sto ants antes de temp, eem patil, qe se pole dsemperharum paplnese process Segue ua oath dh CHT hvestigouapssildae evansomae are etre deta e pet rail, mais mglanerte,peseae um poeta de acana a emancpada ada ea atsierdago {OELGADO; TEAR, 22, 232 Culuadocutaes aldason tra Dec meu deaf rau ear jac cera “cexigiram uma descrigo mais corporificada e contextualizala ca justiga _que subverta 0 legalismo liberal ¢ as nogées abstratas de personalidade (DEVLIN; POTHIER, 2006; DOUZINAS; GEARY, 2005; MOR, 2006). Actedito que a abordagem de estudos da deficiénciat pode ser {iil para minar os idesis de auconomia ¢ auossuficiéncia presentes ‘em construgées juridicas contemporineas da pessoa juridica, Nesse sentido, © dessfio imposto por essi aborcagem pode radicalizar a critica dos critical lgal studies da. personalidade juridica como sujeito descorporificado, A deficiéncia desestabiliza o sujcito desencamado da teoria politica ¢ juridica liberal, subvertendo as nogdes de eficiéncia, produtividade, agéncia racional, autonomia e individualismo que sustentam compreensdcs liberais de justiga ¢ cidadania (POTHIER; DEVLIN 2006). Subversio que ¢ efetuada mediante a disposicao da existéncia conereta, vivida, carnal dos individuos ¢ suas experiéncias vocporificadas no centro das teorias ¢ priticas politicas © legais, desmantelando idefas normalizadoras de comporcidade. ‘Accritica tradicional dos diseites avangada pelos critica! legal studies denunciou que todas as alegacdes de dircitos seriam seconhecidos nna medida em que mantém a integridade politica do corpo polftico. Qualquer aparence vitéria na luta por direitos civis reforea a teoria legal e politica dominante (CHEAH; FRASER; GRBICH, 1996). Autores vinculados & critical race sheory ttm enfatizado a nogio de amp acai dos eu fica baby tl) srg mo mundo ango-sax no fi fos {5 170, cnr cam 0 meiner antic, 9 sarginente do feniisro eget e dos Ionimenss de aga, aa bck power Des sa cons a area dos exude efiitia ‘em efetuido um dsloanero deste um atordagem marist mia na comes ds ana 78, ad 3 ‘edescbetada ra deamon Ui pra yoskdes misrecenes roxas depis-stritulisno ‘de castro soca. tudes d dina lasea-sen chumadomidl socal de dficna™ ‘oda! motel of debi & noida ted fndumeal a tv ete "ee (inpsmeend “deficit Euan a nea rece con tiska da pesoa.a dca zetia 1am winamp yorua scedale robe «ivi com alga re. scant, o node ‘oc a deer songe coo stanaie a nan Legere no inviacom suns no Alay e qe eon ondvve decane camo sel dependent. ike Over oderonina de “rl do tagida pest” Parcs eras domadeb scl, adeeinch ni una racéd pss ‘Fun piensa scal patio, Han este pia al da cata do horton sce qe dsceve ‘om a nunca pe ser refura a0 el Hilt elu paolo. fata ees, exe attbutos Concertos ds indians conslerdo, poles ou desartasos en pr wvers «mum ambiente socal qu conser esesatrbos ano dstanaesos OVER, 1950) CalradoCuadsesCaidaomatea 233 Fane Ong “convergéncia de interesses” para salientar a forma como as pessy, brancas ‘oleram o empoderamento negro, apenas na medida eq que se alinha com os interesses dos individuos brancos (BEL. 1980; MILNER, 2008). Assim, quando os inceresses das pessogy nnegras esto em oposigio com os das brancas, toma-se mais diffe de coneretitat a igualdade racial © 0 combate a0 racismo (LEIGH, 2003). Os individuos no poder podem alavancar politicas © pritica, de antidiscriminagio ¢ fomecer certas acomedagbes, descle que no alterem sew modo de vida ¢ seus privilégios sociosconé micos « politicos, Portanto, a convergéncia de interesses, escrevem Cascagno ¢ Lee (2007, p. 10), “expe 0 egofsmo por trés de muizas das politicay € ptdticas que possam avancar uma maior igualdade”, Autores que trabalham com uma abordagem de estudos crticos da deficiéncia incorporaram a erftica oriunda de CLS e CRT, utilizande a nogio de convergéncia de intecesse para explorat os limites de tolerdincia liberal com a deficiéncia, Esta atitude é Sbvia, por exemplo, ina relagéo entre as atitudes paternalistas, a ideologia do capacitismo € a subordinagao das pessoas com deficiéncia. Ativudes simpéticas para com as pessoas com deficiéncia conviver com sua subordinagio social e econdmica ¢ sta representacio como dependentes, assexuadas © economicamente improdutivas (CAMPBELL, F., 2009). Nesse contexto capacitisia, 0 prejutzo (impairment) € visto como a tnica fonte do problema da deficincia (disability), minimizando as respostas sécio-polfticas a0 primei eas barreiras incapacicantes da sociedade. Num contesto socicecondmico em que 0 apoio e ajudas financeiras fornecidas por sistemas de protego social governamentais para faciltar a plena equalizagéo de oportunidades estio se tornando cada ver mais diffceis, as pessoas com deficiéncia tém de recorter ao sistema judicial para obter reparagées © servigos para atenuar 0 efeito de picjuico (impairment) © garantie uma compensagio econdmica pele sua perda (CAMPBELL, F,, 2009). De maneira andloga ao caso da raga, compensacées por deficiencla ‘io concedidas na medida em que mantém e fortalecem a normalizagio ccapacitista dos corpos. © poder da lei para gerar incapacidade € “legalizar o capacitismo” (MOR, 2006) exige que o litigance deficiente aja de acordo com as normas do capacitismo. Isto implica que le 234 ita octet oueadonacatun Defensa oro un eso par una fea a tia orp fecal ¢ subjetiva de viver com uma deficitneia (disability) as lis poscas pelo prejuizo (impairment). Versbes legais da deficiéncia que denote alegria ou ambivaléncia vis-a-vis a deficiéncialprejuizo no Fprontamente accita pela lei. Restricées legais “tornam impossivel ue essas esi6rias sejam ouvidas ¢ reconhecidas” (ROVNER, cicado fem CAMPBELL, F,, 2009, p. 132) Neste sentido, a estiatégia que pode ser sagerida vai além da entagio € avaliacio das decisoes judiciais e polticas legais em 40 0s direitos das pessoas com deficiéncia, j4 que conscituem penas compensagSes individuais. Traarse-ia de explorar, em vez So, como os pesquisadores ¢ ativistas de CLS e CRT tm insistido, o as hutas ¢ resistencias s40 domesticadas dentro do ambiente legal ndicag6es de justiga na forma de diceitos @ serem reconhecides ou 1ra esses individuos, deixando-os sem opgSes a nao ser a de buscar solugées e servigos para atenuar 0 efeito do prejulzo (impairment) compensagio monctitia no ambiente ineerto e geralmente caro dos ‘tribunais (CAMPBELL, F., 2009). Finalmente, ¢ ainda mais problemético, a justi¢a enquanto teconhecimento de direitos nos tsibunais obscurece o fato de qu ‘0s beneficios e compensagées por incapacidade (disability) 6 sio ‘tesolvidos na medida em que nfo s6 maniém, mas também reforgam & normalizagio capacitista dos corpos, prolongando a estigmatizagio © a exclusio de individuos com deficitncia da inclusdo plena e da Participacio na sociedade. Dai a importncia nio apenas teérica mais sociopalitica ¢ ética de mapear instincias em que a existéncia corpérea dos individuos é incorporada no processo legal, incluindo a construgéo de natrativas CaluredoCullainenCudaloracitua 235 Frac tee Junidicas repletas de suas metaforas corporais de méquina, propricdade, mercadoria, ¢ direitos de privacidade, Essas narrativas sio informady, pelo predominio das relagbes de propriedade dentio de legalismo liber] que resulta na descorporificagio da personalidad jurfdica. A filosofig politica e jurcica liberal considera © corpo como scparado do sijcit, © qual nio seria relevante para descrever a personalidide, prolongande assim o duclismo mente/corpo tradicional predominante no pensamento filossfico © médico ocidental que informa a teotia e a prética juridic, 1ldico, a relago com o préprio corpo tornae compativel com as relagSes que mantemos com os bens materiais na medida em que sio regulamentades através do direito da propriedade, ‘A Glkima consequéncia seria a mercantilizagzo total da personalidade humana, incktindo nossos corpos, promovida pela filosofia do livre mereado (CAMPBELL, F., 2009). Enssus construgies jurfdicas do compo, que desconsideram a naturera corpérea do individuo e suas experiéncias subjetivas incorporadas, incluindo o fato de que os corpes sio dependentes c interligados com utres corpos e com 0 meio ambiente, so incapacitantes c alienantes. Os modelos tedricos que dio primazia 4 natureza encarnada do sujcito de direitos deslocam o parsdigma da propriedade ¢ suas metiforas dualistas, e reconhecem e respeitam plenamente as diferengas corporais dos individuos perante a lei Acredito que os estudos da deficiéncia podem oferecer uma importante contribuiigéo para o desenvolvimento de tal tcoria da justiga corporal ¢ radicalizar ¢ erftica & personalidade desencarnada ¢ abstiata da filosofia liberal da justiga realizada pelo CLS, CRT ¢ os estudos legais feministas. A deficiéncia desconstr6i os ideais de auronomia, eficiéncia, produtividade, agéncia racional ¢ individualismo implicito nas nogéesliberais de justiga e cidadania. Esses prinefpios da liberdade € autonomia no refletem a vivéncia real des pessoas com deficiéncia. Independéncia e autonomia sfo projegSes de uma sociedade capacitista. A ilusio do individuo independente e autSnomo foi desestabilizads pelos estudos da deficiéncia, que se apoiam em conhecimentos desenvolvidos pela literatura feminista da chamada “ética do cuidado” (KITTAY, 1998). Ao expor a interligagio das pessoas ¢ seus corpos 236 12 oC eCaago acta Deas ano un esto pan una en a jstia ep lesafiam a reivindicagiio de antonomia entendica como independéncia ¢ soberania e avangam em direcio as nosées de interdependéncia € elacionalidade. A independéncia ¢ uma ficgio liberal que esconde ‘yoda uma gama de sistemas de apoio e de dependéncia, pois todos ‘n6s somos inceiligados, seres relacionais ¢ dependentes (CAREY, 2009). Nesse sentido, os estudos sobre a deficiéncia deram um passo de maior alcance em teoriar essas questes. Nes circulos académicos pés-modernos ¢ pds-estruturalistas, 2 alegasio da “indignidade de falar pelos outros’, de Gilles Deleuze, continus 2 ser um ideal sedutor do pensamento emancipatstio € uma critica de atitudes paternalistas ¢ condescendentes (BERUBE, 2010, p. 103). Concordo plenamente com Michel Bérubé, segundo 0 qual, para algunas pessoas com deficiéncias cognitivas graves, a forma mais segura de reconhecer seus direitos e dignidade ¢ justamente assumindo sua profunda dependéncia e delegando a seus tutores (guardians) os plenos dirsitos ¢ a responsabilidade de falar por eles. Forte énfase na delegacio (surrogacy) € em uma ética da cutela substitui os ideais de autonomia ¢ autorrepresentagio, Delegagio e cutela (que no devem ser confundidos com atitudes paternalistas) se totnam 0 meio mais seguro de conceder &s pessoas com deficiéncia nfo apenas dircitos sociais e econémicas, bem como igualdade na educagao, mas também direitos politicos e civis na base da plena igualdade. 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