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populações escravizadas pertenciam a centenas de nações diferentes que viviam por
séculos em seus territórios tradicionais no interior do continente africano. A
desqualificação dos africanos escravizados (tanto em sua sabedoria quanto em sua
humanidade em geral) foi, de início, ainda mais dramática que a dos indígenas, visto
que eles tiveram muito menos elementos próprios em que se apoiar para iniciar um
movimento mínimo de resistência contra o horroroso regime a que foram submetidos
contra a sua vontade.
As histórias da colonização desqualificadora e do genocídio físico e simbólico,
de um lado; e da resistência cultural às violências e repressões, de outro lado; e
finalmente, da revalorização dos espaços simbólicos de autonomia próprios, foram
certamente específicas para cada uma das centenas de nações indígenas. E todas elas,
por sua vez, foram diferentes das histórias de dominação e resistência vividas pelos
escravos e ex-escravos africanos nas Américas.
As nações indígenas contavam pelo menos com vários conhecimentos úteis para a
sua sobrevivência diante de uma situação de tamanha adversidade, como os detalhes da
fauna e da flora e a familiaridade com o território em geral, cuja dimensão sagrada
tentaram preservar, apesar da violência simbólica própria da colonização. Já os
africanos escravizados tiveram que refazer quase inteiramente seus saberes e códigos
culturais de origem, desenvolvendo duas estratégias básicas que distinguem as tradições
culturais da Diáspora afro-americana até hoje: ou a fuga do regime escravo, formando
as sociedades quilombolas (modelo que existiu simultaneamente em todos os países
escravistas do Novo Mundo desde o séc. XVI); ou a sobrevivência no interior do regime
escravista, negociando expressões simbólicas com os opressores brancos ocidentais e, a
partir daí, recompondo e recriando saberes próprios que lhes permitiu criar tradições
culturais que distinguem as comunidades afro-americanas até hoje.
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Mesmo sob o signo da resistência, da recriação e da hibridação cultural
constante, nossas sociedades se consolidaram, até muito recentemente, como sociedades
inteiramente eurocêntricas no modo como as elites sociais, econômicas e políticas
projetaram os nossos Estados. Nossas instituições públicas de maior prestígio, tais como
museus, universidades, academias, estão marcadas pela afirmação da cultura ocidental e
pelo recalque das culturas indígenas e africanas. Por outro lado, o que caracteriza o
momento atual, de praticamente todos os países da América do Sul, é o processo de
retomada dos saberes artísticos e científicos próprios dos nossos povos tradicionais.
O horizonte de justificativa moral da colonização e da escravidão foi justamente
repetir incessantemente que os indígenas e os negros eram ignorantes, incapazes,
incultos, embrutecidos. Pior ainda, que desconheciam as formas “superiores” de cultura,
que não tinham arte sofistiocada, que não haviam desenvolvido conhecimento
científico; que eram supersticiosos em lugar de religiosos e que suas formas de
espiritualidade eram inferiores, primitivas, fetichistas, animistas, daí a necessidade de
sua conversão (forçada, claramente) ao catolicismo e a coetânea repressão, que durou
séculos, de suas formas tradicionais de religião e de espiritualidade. As tradições
xamânicas, as bebidas e formas próprias de alteração da consciência e os complexos
rituais indígenas foram perseguidos pelos sacerdotes (perseguição que continua até hoje,
em muitas nações indígenas). E no caso dos afro-descendentes, as religiões de matriz
africana também foram perseguidas, a ponto de que até trinta anos atrás os terreiros de
candomblé, xangô, batuque, mina e demais formas de cultos afro-brasileiros eram
obrigados a retirar um alvará da Delegacia de Jogos e Diversões a cada vez que
realizavam uma festa pública para os deuses africanos e para as entidades dos cultos
sincréticos (como a umbanda, a pajelança, a jurema, etc).
Abolida a escravidão e declarada a República, a natureza dessa desqualificação
cultural e simbólica generalizada continuou sem maiores mudanças até quase a metade
do século XX. Na verdade, pode-se dizer que ao longo de todo o século passado, a elite
brasileira negou os conhecimentos tradicionais de outras populações, em bases
semelhantes. As comunidades quilombolas, os camponeses, os povos da floresta
(ribeirinhos, extrativistas), os ciganos – enfim, todos os grupos detentores de vários
tipos de saberes e artes tradicionais (ou não-acadêmicas) foram “folclorizados” (em um
sentido paternalista e condescendente do termo, sem querer aqui criticar o empenho
sincero e mesmo erudito de muitos pesquisadores que se definem como folcloristas)
segundo entendimento da cultura erudita. Suas práticas culturais e seus saberes
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tradicionais foram definidos como algo que remetia ao nosso “passado”, que nos
reconectava com nossas “raízes”, porém sempre avaliados como distantes e subalternos
em relação à modernização cultural que se impunha (e ainda se impõe até hoje) como
meta para as instituições oficiais do Estado.
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cultural. Dada sua longa história, podemos identificá-lo ainda hoje em muitas políticas
de relação com as comunidades tradicionais em que os seus conhecimentos são
valorizados e erigidos à condição de emblemas ou ícones nacionais muito perto de um
tipo de multiculturalismo unilinear, ou liberal: a diversidade cultural é apresentada pelo
Estado, mas a hierarquia decisória e a hegemonia epistêmica não mudam. É a cultura
ocidental que detém os parâmetros para valorizar a diversidade que inclui o não-
ocidental; todavia, esse movimento é sempre de mão única, não sendo dada às
comunidades detentoras de conhecimentos tradicionais a chance de testar seus
parâmetros próprios para avaliar os conhecimentos ocidentais hegemônicos. Do ponto
de vista conceitual, podemos dizer que a diversidade cultural passa a ser celebrada, mas
a preço de conter e sufocar a diferença. Aceita-se a pluralidade de manifestações
culturais, mantendo porém a exclusividade dos critérios de avaliação da eficácia –
estética, simbólica, científica – dos elementos que compõem essa pluralidade.
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perfil de diversidade cultural do Brasil. Movimentos análogos, alguns mais amplos,
outros mais restritos, vêm ocorrendo paralelamente em outros países sul-americanos,
como na Bolívia, no Equador e na Venezuela No momento em que o processo de
incorporação passa a ser dialógico, o modelo de multiculturalismo conservador dá lugar
a um paradigma de multiculturalismo crítico, em que os conhecimentos tradicionais
deixam de ser apenas objetos de estudo, ou produtos artísticos ou simbólicos para ser
promovidos e passam a funcionar também como epistemologias alternativas às
epistemologias ocidentais.
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no candomblé, no xangô, no batuque e no tambor de mina; e o kicongo, presente no
Candombe e no Congado. Também, o patuá falado na fronteira do Amapá com a
Guiana Francesa.
b) As 180 línguas indígenas.
c) A “língua geral”, ou ñeengatu, falada desde a colônia e preservada no Alto Rio
Negro.
d) As línguas internacionais, como o guarani, o tukano, o desana e outras
fronteiriças, como o espanhol, o inglês, o francês.
d) A língua Rom dos ciganos.
e) As línguas asiáticas, como o japonês, o chinês, o coreano, o vietnamita.
3. Saberes sobre a flora - Aqui não se trata apenas de realizar um catálogo das
plantas conhecidas pelos povos tradicionais e dos seus usos medicinais ou
produtivos, mas também de trocar idéias e concepções sobre o sentido e as
maneiras de classificar e estabelecer diferenças entre as espécies.
4. Saberes sobre a saúde – Conectado com o tema anterior, é preciso ir além de
apenas coletar os usos medicinais das plantas, tais como o entendem os povos
tradicionais. Há que discutir também as próprias concepções de saúde, de
equilíbrio do ser humano, da validade relativa da distinção mente-corpo, dos
estados alterados de consciência, dos mecanismos (benéficos ou maléficos) da
somatização de emoções, afetos e de mais experiências subjetivas.
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8. Organologia – Técnicas e concepções de construção dos instrumentos musicais:
percussivos, flautas, rabecas, violas, arcos, etc.