Вы находитесь на странице: 1из 11
Racionalidade e sistema no Direito Civil brasileiro Francisco Amaral 6 professor de Direito Civil e de Direito Romano da Faculdade de Direito da UFRJ. FRANCISCO AMARAL. SUMARIO 1, Introdugao. 2. RazAo, racionalismo e racio- nalismo juridico. 3. Sistema e pensamento siste- mitico. 4. A idéia de sistema no direito ¢ 0 pro- cesso de codificagao. O Codigo Civil Brasileiro. 5. O direito civil contemporaneo. Constitucionali- zago e descodificagao. 6. Conclusdes. Perspecti- vas do Direito Civil Brasileiro. 1 Introdugdo O que é hoje o direito civil, quem sao ¢ 0 que fazem hoje os civilistas? Quais as pers- pectivas que a esse respeito se apresentam no final deste século? Penso que a resposta a tais indagagoes passa por uma reflexao sobre a experiéncia juridica ocidental, particularmente o direito civil, tomando como ponto de referéncia um de seus condicionantes hist6rico-filos6ficos mais significativos — 0 racionalismo jurfdico =e como suas projegses no direito 0 concei- to de sistema e 0 processo de codificagao, suscitando ainda uma questao da maior atua- lidade, que € a da permanéncia do Codigo Civil como ordenamento global da disciplina juridica da sociedade privada. E sendo 0 C6- ‘digo um dos produtos imediatos desse racio- nalismo, discute-se, em ultima andlise, a conveniéncia de se manterem as formas le- gais da racionalidade herdada do pensamen- to juridico europeu do século XIX e da sua adequagao A experiéncia juridica brasileira contempordnea. Essa reflexao leva em conta o sentimento de angistia gerado pela percepgdo da crise que perpassa pelo direito contemporaneo, conscientizando-se os juristas da necessida- Brasilla a. 31 n. 121 janJmar. 1994 233 de hist6rica de rever as estruturas normativas vigentes, a luz das novas fungées que a vida social impée ao direito, ‘Antes de mais, diga-se que a io apregoa- da crise do direito nada mais ¢ do que um féntil processo de mudangas jurfdicas, impos- tas pelos problemas da sociedade tecnolégi- ca, que tomou extremamente complexo 0 re- lacionamento social ¢ impds crescentes desa- fios as estruturas juridicas herdadas do sécu- lo XIX. A resposta a esses desafios exige dos juristas e, particularmente, dos nossos vilistas um esforgo de reflex3o epistemol6; ca que Ihes permita, a partir do conheci- mento do direito brasileiro, na sua génese e evolugo, elaborar novos modelos que aten- dam as necessidades crescentes da sociedade contemporfinea. ‘Superada essa preliminar, propomo-nos a focalizar um dos mais discutidos temas da metodologia juridica atual, que € 0 predomi- nio do congelto de sistema ¢ do pensamento sistematico’ na ciéncia do direito, como he- ranga da racionalidade que marcou o pensa- ment juridico europeu dos séculos XVII e XIX,” projetando-os na experiéncia histérica | CANARIS, Clais-Withelm. Systemdenten und Sys. sembegriff in der Jurisprudenz, 2 Auflage Bertin: 1983. Dunker und Humbolt, (Tred, port: Pensamentosistemé- tico € conceito de sistema na ciéncia do direito. (nt, € trad, de Menezes Cordeiro. Lisbox: FundacHo Calouste Gulbenkian, 1989, 5. p) 2 Essa heranga, representada pelas concepeaes positivise tas © formalistas do dircito, ¢ expressa no assentava nax seguintes premissas: a) 0 di- reito como sistema de normas criadas pelos orgios do Estado em determinsdo momento histérico; b) conside- racéo da norma juridica como imperative;.com a forma ‘de um juizo légico hipotttico-condicional; ) teoris mo- ‘nista das fontes do direito, sendo a lei uma regm geral, abstrats © universalment obrigatéria; d) consideragio do sistema juridioo como um sistema nonmativo pleno, RO, Zuleta. “Paradigms dogmético y ciencia del dere cho", Madcid: Ed. de Derecho Reunidas, 1981, pp. 155-6; LAMEGO, Jost. Hermenéuticae jurisprudéncis Lisboa: Editorial Pragmentos, 1990, p.29. brasileira ¢ verificando de que modo se apre- sentam no direito civil contemporaneo € se perspectivam para 0 terceiro milénio, Escolhendo esse tema, que se integra no movimento de revisdo critica por que passa 0 direito atual, com a hermenéutica ¢ a praxis superando a concepg3o dogmitico-exegética da ciéncia juridica e a correspondente visio positivo-legalista herdada do século passado, associamo-nos as justas comemoragdes que marcaram em 1992 0 centendrio de Pontes de Miranda, figura exponencial e um dos mais legitimos representantes do pensamen- to sistematico no direito brasileiro, do que so prova os seguintes trechos que me per- mito transcrever do prefacio do seu Tratado de Direito Privado: "Os sistemas jurfdicos sdo sistemas l6gicos, compostos de proposigdes que se referem a situagdes da vida, criadas pelos interesses mais diversos. Essas roposigbes, regras jurfdicas, prevéem (ou véem) que tais situagdes ocorrem, e incidem sobre elas, como se as mar- cassem. parte ger ito € um dos ramos do direito. Todo sistema jurtdi- co sistema ldgico. Cada ramo tam- bém o ¢. Nao é contemplagao, nem doutrina teleologica, Ha de formar sis- tema l6gico; ou, melhor, ha de ser apa- nhado do que € geral ¢ comum no sistema l6gico, ou geral e comum nos sistemas I6gicos de que se trata”. 2. Razdo, racionalismo e racionalismo jurt- dico Problema basico da filosofia e da ciéncia do direito € estabelecer 0 critério mais ade- quado & aquisigao do conhecimento juridico, com a razo ¢ a experiéncia, o racionalismo € 0 empirismo sempre se constituindo em Polos © correntes opostas de pensamento, como procedimentos especificos de aqui: 20 do saber, e como posigdes epistemol6gi- cas contrérias. Particularmente no direito, a 3 PONTES DE MIRANDA, Francisco. Trasado de di- reo privado, U1, Sed. Rio de laneiree Berti, 1970p. IX. Revista de Intormacko Legislative sarfo funciona como sistematizadora do ra- ciocinio € do conhecimento, consis~ ‘éncia a uma ordem normativa.* O raciona- fismo (de ratio) vé no pensamento, na Ta230, a fonte principal do conhecimento humano. Seu modelo é 0 conhecimento matemitico, predominantemente conceitual ¢ dedutivo. No direito, encontra seu maior desenvolvi- mento na filosofia social do seu arquétipo; ¢ 0 direito natural ou jusnaturalismo, Contra- poe-se ao empirismo, para 0 qual a tinica fonte do conhecimento € a experiéncia, Sua Principal expresstio no direito contempora- neo é 0 tealismo juridica. O racionalismo remonta ao pensamento rego, onde se encontram, como caracteristi- ca dos primeiros {ildsofos, as idéias de or- dem e de medida? que governam o mundo (Kosmos) saido da desordem (chaos). Essa ordem eram as leis, 0 logos ou raz0, como principio ative que animava e ordenava a matéria. O logos como racionalidade, quali- dade do que € conforme a razZo. Racionali- dade do mundo e, obviamente, racionalidade do homem, A doutrina que confere 3 razo 0 predo- minio na génese do conhecimento humano ¢, Portanto, o racionalismo, cultivado especial- mente por Locke, Descartes, Spinoza e pela filosofia do Huminismo, movimento culmi- nante da revolugao cultural e intelectual que marcou 0 pensamento europen dos séculos XVII e XVIII. No campo do direito, como ja assinalado, foi cultivada pelos juristas do di- reito natural, um dos componentes funda- mentais da historia do direito privado ¢ ante- cedenye necessério das modemas teorias jurf- dicas,” sob o nome de jus-racionalismo. ‘Qual a contribuigao do jus-racionalismo a ciéncia do dircito? Antes de mais, “uma 4 ARNAUD, André-Jean. Critique de ta raizon juridi- la pines de la racionalidad en Occidende. Bucnos Ai- tes: Cathedra, 1974, , 11. 6 WIEACKER, Franz. Privatrechisgeschichie der New zcit,2.*ed., 1967, (Trad. port: Histdria do direite priva- do moderne, Trad. de Antonio | ed. Lisbos: Fundagdo Calouste Gulbenkian, 1980, p. 298). Sobre as caractersticas do jus-racionalismo, ef. BIGOTTE CHO- RAO, Mitio. Invodupao 00 direito1. O canceito de di ideologizacio da vida publica" no sentido de que toda a atividade social € racionalmente ordenada, permitindo-se a justificaglio racio- nal das posig6es politico-constitucionais da época modema. Como teoria, da ao direito um sistema e um método dogmético especi- fico, a partir de conceitos gerais, abrindo ca- minho, com sua visio de conjunto, para as construgdes sistematicas autonomas. Sua mais importante contribuigdo €, portanto, a idéia de sistema no direito. Como afirma Wieacker, "com 0 sistema do jus-racionalis- mo, a ciéncia juridica positiva adotou tam- bém a sua construcdo conceitual. Numa teo- ria que tinha de se comprovar perante 0 fo- rum da razio através da ex: das suas premissas, o conceito geral adquiriu uma nova dignidade metodolégica. Agora, ele no era j& apenas um apcio t6pico, um aftificio na exegese ¢ harmonizagao dos tex- tos, mas o simbolo central que exprimia a pretensio de ordenagao logica da ciéncia ju- tidica, As Ultimas fases do jus-racionalismo, sobretudo, consideravam que a sua missio consistia numa demonstracdo das normas ju- ridicas que aspirasse a evidéncia l6gica da prova matematica, e que consistisse, portan- to, numa ininterrupta progresso dos concei- tos mais gerais para os mais especiais: uma demonstratio more geometrico, a que corres- ponde, como precisamente se exprime no ti- tulo e na forma expositiva da sua Ethica more geometrico demonstrata, a metafisica de Spinoza. Através dos discipulos juristas de Christian Wolff, estas exigéncias entra- ram a fazer parte para sempre do programa da ciéncia juridica privatfstica, A jurispru- déncia dos conceitos do século XIX € essen- cialmente a herdeira deste processo cogniti- yo galilaico-cartesiano. Da ligagio do jus-racionalismo com 0 iluminismo surge a primeira grande onda de codificagdes modernas, a saber: 0 cédigo prussiano (Preussisches Allgemeines Lan- drecht. ALR, 1974), 0 c6digo civil austriaco (Osterreichisches Allgemeines Biirgerliche Gesetzbuch, ABGB, 1812) € 0 codigo civil francés (Céde Civil, 1804), Grasilla a. 31 7.121 janJmar. 1994 235 cuja caracterizagao formal ¢ material nto cabe aqui referir, com os quais se pretendia a disciplina geral da sociedade por meio de ‘uma reordenagaio sistemética e inovadora da matéria juridica, e do que € melhor exemplo 0 eédigo civil francés, por sua importincia e influ€ncia, Baseados na convicgdo iluminista de que 0 governo racional dos governantes ctiaria uma sociedade melhor, esses c6digos podem considerar-se como verdadeiros atos de transformagao revolucionéria. © racionalismo jurfdico esta, assim, na propria base do Estado modemo. e suas ma- nifestagbes intelectivas, como a constnica0 dos conceitos e dos sistemas, so expresso do predominio de uma nova classe, a bur- guesia racionalista e calculadora,” que vé como possivel uma igualdade material de di- reitos, por meio da generalidade ¢ da abstra- 80 das normas juridicas, generalidade no sentido da indeterminacao dos sujeitos, ¢ abstragdo como universalidade dos casos a que se aplica a lei, atributos esses decorren- tes do princfpio da igualdade formal do mo- delo jurfdico do liberalismo. O racionalismo marca, assim, a ciéncia juridicg modema, cuja nota especifica € a exatidao.” Sua reali, zago maxima slo os c6digos e as constitu ges: razio, direito e politica"? O pensa- mento sistematico invade a ordem juridica. 3. Sistema e pensamento sistemdtico Significativa contribuico do jus-raciona- lismo € a consideragio do direito como siste- ma, abrindo caminho para a construgdo uni- {dria € autnoma que veio a matcar a ciéncia jurfdica da modernidade. Embora sem unanimidade nessa matéria, podemos considerar o sistema corho um con- Junto ordenado de elementos, marcado pela unidade, coeténcia e hierarquia, Unidade, no sentido de aghutinago desses elementos, normas, prinefpios ¢ valores, em tomo de um principio basico, geral e comum; coeréncia, 8 ARBOLEYA, Enrique Gomez. Estudios de teoria de 1a sociedad y del Estado, 2.* ed. Madrid: Centro de Es- iuidios Constitucionales, 1982, p. 424 9 BALLESTEROS, Jestis. Sobre ef sentido del derecho: Introduccion a la fiosofia juridica, 2. ed. Madsid: Tec- ‘nos, $962, p. 20. TO ARBOLEYA, op. cit, p- 468, como ligagdo entre si e auséncia de contradi- ¢40; hierarquia, no sentido de dependéncia dedutibilidade l6gica. O sistema juridico, ou, de modo mais pre- ciso a concepgao do direito como sistema, € tema fundamental da ciéncia jurtdica moder- na, pois 0 julgamento de validade de uma re- gra juridica presgupte a tese da sistematici- dade do direito,'" no sentido de que a regra vale se observar os requisitos legais, isto é, se for conforme o ordenamento juridico. Constitui-se, assim, em pressuposto te6rico de relevo nos estudos de filosofia, de meto- dologia ¢ de teoria juridica. Diga-se porém que, embora correspondendo a uma ambig30 filos6fica do saber total e a uma tendéncia de ver 0 direito como um conjunto de normas estabelecidas de modo coerente, unitério € subordinado, o sistema nada mais ¢ do que um modelo, uma criago intelectual, uma “ficgo controlada pela experiéncia", para atender a uma demanda critica do saber. Nao se deve, por isso, chegar ao ponto de tomar 0 modelo como tealidade, vendo-se no direitg caracterfsticas que na realidade nfo possui. O conceito de sistema € ttil na medida ‘em que possa desempenhar fungao significa- tiva na ciéncia e na prética do direito, faci tando-Ihe a aplicagao dos seus principios, conceitos e regras gerais, assegurando uma certa previsibilidade dos efeitos juridicos garantindo ainda a unidade interior do direi- to, com a interpretagdo sistematica ¢ a ap! cago analogica das normas juridicas, Exis- tem, porém, diversos conceitos de sistema, € nem todos s&o aceitdveis. Devem excluir-se, por improprios, os conceitos que ndo expri- mam a orden ¢ a unidade que Ihes so ca- racter(stica — ordem, no sentido de compati- bilidade logica de seus elementos, e unida- de, no sentido de referéncia a um ponto cen- tral. So impréprios: 0 chamado sistema ex- temo, que se refere apenas a exposi¢ao do material juridico, apresentando o direito como um conjunto de normas; 0 sistema AL SEVE, René, Le systime juridique; Introduction. In: Archives de Philosophie du Droit, 31 Paris: Siey, 1986,p. 1. 12° GRZEGORCZYK, Christophe, Evaluation critique du paradigme systémigue dans la scienoe du droit. In: Archives de Philosophie du Drolt,p.301. 296 Revista de informagio Legislative axiomatico-dedutivo, que defende a possibi- lidade de uma dedugo puramente l6gico- formal das regras juridicas, a pantir de axio- mas ~ proposigdes to evidentes que dispen- sam demonstraedo, aqueles conceitos que exprimam apenas categorias puramente for- mais, como os de Stammler, Kelsen ¢ Na- wiasky, assim como o sistema lggico-formal da junsprudéncia dos conceitos. A idéia de sistema, como modelo hierér- quico e axiomatico, est hoje em crise, prin- cipalmente pelo aspecto excessivamente téc- nico ¢ instrumental que a raz30 tem assumido no campo juridico e nos demais setores da so- ciedade ." A oposigdo mais conhecida ¢ a de Viehweg, que “no s6 condena a dogmatica juridica de natureza I6gico-dedutiva, como nega cienti- ficidade a jurisprudéncia em geral, conside- rando destituida de unidade sistematica".'* Defendendo a concepgtio do direito como problema, ou pensamento problematico, considera 0 direito como conjunto de topoi, juizos normativos elaborados para atender a problemas concretos, sem concess6es a uni- dade sistematica. A discussdo em tomo des- sa dicotomia, o direito como sistema ou pen- samento sistemético, ¢ 0 direito como pro- blema, ou pensamento problematica, tem so- frido, porém, da falta de clareza quanto a0 préprio conceito de sistema, pelo que se cen- sora Viehweg por ter conduzido uma “Juta contra moinhos de vento", j4 que o sistema l6gico por ele qyestionado hd muito nin- guém o defende."® E até os mais adeptos da idéia do direito como sistema sao os primei- ros a reconhecer que no estégio atual da ciéncia juridica, o direito se apresenta como um ordenamento formado nao 36 de normas, mas também de valores € principios jurfdi- cos, produto da relagao dialética entre a 13. CANARIS, op. cit, p.27. 14 HABERNAS, Jirgen. Erkenninis und Interesse Prankfurt am Maine: Sunrkamp Verlag, 1968. (Trad. e5- pan. de Manvel Jiménez, Buenos Aires; Taurus Edicio- res, 1990, p. 9), Theorie und Praxis. Darmstadt: 1963, (Trad. espan. de Salvador Més Torres. Madrid: Teenos, 1980, pp. 296 ss.) 15 VIEWEG. Theodor. Tolpik und Jurisprudenz. Muni- ‘que: (Trad. de Téxcio Samipayo Ferraz. Brasilia: DIN, 1979). 16 DIEDERISCHEN, apud CANARIS, op. cit, p. 17. intengao sistemAtica, exigida pelo postulado da ordem, e a experiéncia problemética, im- posta pela realidade social. sistema passa configurar-se assim como uma “ordem axiolégica ou teol6gica de principio gerais", “uma entidade aberta ¢ dinamica que conti- nuamente se enriquece e constitui"!” Nao mais o "sistema fechado”, representado pela idéia da codificagio, mas “sistema aberto”, incompleto e mével nos seus valores funda: mentais. Verifica-se, portanto, 0 ocaso do modelo de sistema hierarquico ¢ axiomatico no direi- to dos séculos XVIII e XIX. O novo modelo nao se apresenta mais como uma estrytura I6gico-dedutiva, mas como uma rede,’® um entrelagamento de relagdes sob o predominio ou a ofientag2o de prinefpios juridicos que funcionam como pautas abertas de compor- tamento, & espera da necesséria concretiza- yao. O movimento interno do sistema nao & ascendente, mas circular, E enguanio o siste- ma axiomético usava a razo em sentido teo- rético 0 sistema circular usa-a em sentido Pratico, substituindo-se o rigor légico pela Probabilidade dos fatos, Mas, se ainda consi- derarmos 0 sistema no seu sentido wadicio- nal, verificaremos que a sua unidade, carac- teristica basica, da lugar & pluralidade, no sentido de um ordenamento, no caso o de di- seito civil, ndo se configura mais como um sistema unitério mas como um conjunto de microssistemas, miltiplos nicleos com as Carateristicas da sistematicidade. E o polis- sistema, No mesmo sentido, pode-se dizer que o pensamento sistematico d4 lugar a0 Pensamento pragmético, com 0 predominio da razao pratica. O direito assume, desse modo, € cada vez snais, 0 carater de uma pritica social. Coma revalorizacao da praxis ¢ da experiéncia, a sistematicidade entra em crise e desenvolve- se o empirismo na doutrina. 17 CANARIS, op. cit, p. 280; Castanheira Neves. 4 wnidade do sistema jaridico: 0 seu problema € 0 sew sentido, (Estudos ern homenagem ao Prof. Dowtor J. ‘Teixeire Ribeiro, 11), Coimbra: 1979, p. 171. 18 VIOLA, Francisco. If dirito come pratica sociale Milano: Jaca Book, 1990, p.59. Brosilla 9.31 n.121 JanJmar. 1994 237 4, A idéia de sistona no direito e 0 processo de codificaggo. O Cédigo Civil Brasileiro ‘Do Huminismo resultou a convicgio de que o poderia criar uma sociedade melhor, mais livre ¢ igualitéria. E 0 direito seria 0 instcumento adequado a realizagio dessa idéia, com a sistematizagao da matéria Juridica em um corpo jd unitério ¢ homoge- ‘neo, chamadgo cédigo, Disso sto exemplos 05 cOdigos jus-naturalistas supramenciona- dos, sendo a codificagso, portanto, a expres- 80 do racionalismo no direito, € o sistema 0 seu paradigma, O importante era elaborat ‘conceitos © preceitos racionais, no contradi- t6rios, manifestag2o de uma unidade de po- dex ¢ de Tazo, ~ vindo ao encontro dos an- seios ou necessidades de uma burguesia que {wtava pelos valores da liberdade e da igual- dade conquistados na Revolugao de 1789 € consagrados no Codigo Civil francés. A li- berdade perante o Estado, a igualdade dos cidadaos perante a lei, a garantia absoluta do direito de propriedade como atributo da per- sonajidade eram principios revolucionfrios que 0 c6digo civil acothia, assumi ‘sim, um cardtes de obra revolucionéria’ A codificagao apresenta vantagens, como ade simplificar o sistema jurfdico, facilitan- do 0 conhecimento e a aplicayiio no direito, levando ainda ao surgimento dos principios getais do ordenamento, diretrizes ou idéias basicas que presidem a adaptagao do direito & complexidade da vida real. Tudo isso ex- plica o triunfo dos cédigos nos iés Ultimos séoulos. Como inconveniente, afirma-se que ‘a codificagzo impede o desenvolvimento do direito, produto da vida social que n&o pode fitar circunscrito, limitado, aptisionade por estrururas formais e abstratas. © cédigo passou a ser, na esfera do direi- 10 privado, pela possibilidade de previsio 0s efeitos dos atos juridicos, a garantia das Jiberdades civis ¢ do predominio do poder legistativo sobre o judicial, assegurando a attonomia do individuo em face do poder estatal, Como ocorre, no direito pablico, com 8 ARBOLEYA.0p. cit, 9.450. ® NICOLS, Rowatio, Codice civile. in: Enciclopedia del diritte. Milano: Giufiré, 1960, p. 248. as declaragdes de direitos ¢ 3s Constituigdes. to da época, © “individualigno juridico pré- prio do pensamento liberal", que se expri- imia, entre outros aspectos, na divisdo do di- reito em pablico ¢ privado, na garantia da li- berdade dos individuos, e na concepcao da centralidade do direito em face da politica da filosofia, No que diz respeito a0 Brusil, a nossa co- dificagaa civil foi um proceso que comecou em 1822 e terminou em 1916, com a publi- cago do Cédigo Civil Brasileiro. Os traba- thos da codificacao iniciaram-se com Tei- weira de Freitas, em 1855, convidado, i cialmente, para consolidar a legislac30 civil existente no Brasil, "esparsa, desordenada € aumerostssima”. ¢, posteriormente, para re- digit 0 projeto do Cédigo Civil" © produto. desse trabalho s3o suas famosas ¢ importan- tes obras, a Consolidacdo das Leis Civis ¢ 0 Esbogo de Codigo Civil. Nuo 0 Codigo, con- secativamente, Nabyco de Araiijo, Felicio dos Santos ¢ Coelho Rodrigues, Cujos proje- tos, no tendo lograde aceitagao, foram de- saguar na obra de Clévis Bevilaqua. Este eminente jurista, professor da Facu}dade de ‘Direito do Recife, concivia o Prvcessy da codificagao civil brasileira com um projero que, apresentado ¢m 1889, somente logrou aprovagho em 1.° de janeiro de 1916, para ‘entrar em vigor em 1.° de janeiro de 1917, Esse Cédigo é produto de sua época, com formagio eclética ¢ influéncia do direito francés e da técnica do Céxligo alemao. Feito pot homens idensificados com a ideologia dominante, fepresenta o sistema nofmaiivo de um capitalismo colonial no campo das re- lagdes civis. No seu aspecto formal ¢ A semelhanga do Cédigo atem’o (BGB), tem a precedé-lo uma Lei de Introducao, com regras sobre pu- blicagao, vigéncia ¢ aplicacao das leis, com ‘08 critérios para @ solug’o de Conflitos de 21 4 Copssinicta do Tenpécia do Brasil de 25 de mary de 1824, dispunha, no seu art. 179, itent 18: “organizat- 48-4, quanio antes, um Cdigo Civil e um Criminal, fan- dado nas sblidas bases da justica e da eqidade”. Em 16 ‘de dezembea de 1830 publica-se 0 Cédign Criminal do ‘Império, substituido, com 0 advento da Republica, pelo ‘Codigo Penal de 11 de outubro de 1890. 238. Revista de informagto Legislative nomMas NO [emp eNO espara Quanlo 3 es- trutura do Cddigo propriamente dito, com- pot-se de duas partes, uma geral. de 179 ani- oS, reunindd os principios e as regras apli- cavels as pessoas, ans bens ¢ 40s fatos jurtdi- CoS. € auira cspecial, subdividida em quatro livros, o do direite de Famflia, cote 30S acti- £08, 0 00 Siren Nas Evisas, com 378 artigos. 6.0 do direto das cbtigantes. com 709 anti- £08. € O do direite das sucess6es, com 236 artigos, em um total de 1,807. Esta disposi- ‘g80 parte da pessoa Como conceity de maior extenstio e importincia no direito e, portan- to, de maior destaque ¢ eintazie. Logs aes, a famniia, come cinenlo social bisico, ppde a Pessoa nasce € s¢ desenvalve. Em Segnida, 95 bens, tudo aquilo sobre que a pessog exet- c¢ Of seus poderes & gue, dividindege em coisas ¢ aches, iustificam a disciplina dos di- reitos reais ¢ do dircito das obrigagdes, tudo isso @ finalizar no diseito das sucesstes, que com todos se relaciona, Esirnsrada, dese: odo, a matéria do dizeito civid brasieiro, SM OANG € Orn LANGER dag, HOANEQKES Guia mentais do direite privado, a saber, a pessoa, a familia e G patrimGnio, apresenta-se cada wen? delas caste inet vergadete Mictosstste ma jusidica, com sua tealidade propria & seus elementos especificos, normas, princi pios. valores é relagdes, embora ainda for. malmente ligados no comest© unitario do Codigo Civil. No curso da sua existéncla, 9 N0s80 Cédi- £0 tem sido alterago ou cotnplementado por grande ndmero de jei8 egpeciais, de mode a gekder enttentar as quesiges decorenies das mudaneas verificadas na soviedade brasileira durante este século, sendo que j4 fai objeto de irés teniatives Ge reforma, Est 1943, rom o Anteprojeto de Codigo das Obrigages, de Otozimby Nonito, Filadelfo Azevedo ¢ Hah- pemann Guimaries; em 1961, Om 0 Antepro- Jpto de Codiga Civit, de Ortendo Gomes, ¢ de Cédigo das Obrigagtes, de Caio Mario da Stt- va Pereira; ¢ em 1967, corn o Anieprnjeto de. Cédigo Civil, da comissio formada por Mi- guet Reale, Moreira Alves, Arruda Alvim, Syl- vio Marcondes, Ebert Chamoun, Clovis do Comoe Siva e Tongans de Cary, Nephoin, Sof aprovado, sede ate » Gis encontra-se, atualmente no Congresso Naciomal, Brasidle a, 39 7. 127 Jantmnar, 1998 S. O direito civil consempordeo, Constitua Gonalizayao e descodificacdo. A publicagao do Cédigo Civif Brasileira det azo a grande movimenso de floragao doutringria, com obras de grande yalto tanto, nO campo da teoria quanio na da exegese das noTmase institucns do Novo Coilign,” Senda, porém, o Cédigo um conjunto sis- temaizado de cegras juridicas destinado a reper, Com & maicr amMplidag € genetalidade pOssiveis, as relagdes de nawreza Privada, como estatuto fundamental da sociedade ci- vil, cristalizando em suas Aegnas as valor’s © 3 ideologias deminanies no Bev tempo, teve naturalmente de sofrer a influéncia do processo de evolacao Que mascou a Socieda~ dt deasitesca dese E08, Assim & que, publicado o Codigo, tantos otam Og problemas ¢ 05 devafins da Socieda~ dé em mudanga, ¢ tamanha foi a dificuldade 40 Cédigo em se adaptar as novas taipen- cits, que foi necessdrio partir-Se pars a ado~ 80 de leis especiais eM Rung cresceMt. lens tando adeguar os instituog (radicionais da Sociedade Civil (A pESsa, a famMlid, & pro- Diiedade, p conssaro & 4 responsabilidad ci. vil} ds novas contingéncias da sociedade jn- dustrial ¢ tecnolégica que se desenvotvia no, Brasil em subsrituigde do sistema Colonial agtirio da tpoca da Codificasao. Romipia- se. desse modo, 3 unidade ¢ a genctalidade do Codigo Civil, com 4 edigao de nofmas especiais, que, "editadas para a disciplina de certas categorias de relagaes”, passa- tam a ser mais aplicudas do que O pro prio Codigo, desiocado este de sua Dosigho de lei fundamental do sistema de diteico 22 stem das vbras be Clovis Bevilaqua, onde sobreseai meritiris « Teuria Gerad a0 Liveita Civil, desactn-te 38 de Lacerds de Aimeids, Maninko Carcez, Almnuig Dinis, Azcvedo Marques, Lafayote Rexicigues Perea, Ferteire Coelho, Edusrdo Espinola, Bduanio Espinola ‘Fath, Carsatho Sagtox, Patilo Lagerda, Pontes do Mi. ands, Jogo Luis Ajves, Spencer Vaunpré. Adauclo Ber fe mes eceairitat, San Thitg? DNs, Orlando Gomes, Caio Musto da Sifva Fertir’. Antonio Caves, Washinton de fares Memteico, Sbvio Rods. sues, Franzen de Lima, Vicente 30, Serpa Lapes: Ar. molds, Wald, Rubens Linings Pranga, Maria Helena, Diss, ete. Sober a elabormiia a refeame bo Codigo Civil, of, Limongi Frangs, Manual de diréite civil, Sho Paulo: 84, Revinia dos Teibvans, 1971, pp. 12. 239 privado para a condigao de lei supletiva subsidiéria, Surgem assim novos ramos juridicos, es- peciais © aut6nomos, como o direito de tra- balho, para disciplinar a prestago de servi- 08 de determinada natureza, o direito agra- fio, para as relagoes Upicas da atividade agraria, a legislagio da previdéncia social, do inguilinato, da navegacto atrea, da ativi- dade financeira e banc&ria, da prote¢o am- biental e do consumidor, dos novos tipos de propriedade, como a industrial, a intelectual, 4 urbana, Configuram-se novas quesides a exigit do direito adequadas estruturas juridi- cas de resposta, como ocorre com o ambien- te, a procriagao artificial, os transplantes, a engenharia genética, a eutandsia, enfim, pro- blemas do direito & vida que situam nova. mente @ pessoa no centro do ordenamento justdico, reafirmando-se 0 direito civil como sistema de defesa do individuo, do seu ser fi- sico € matural, da sua individualidade ¢ da sua vontade. Toda essa variada gama de regras juridi- cas, destinada a disciplinar novas situagdes e novos conflitos de intercsses, rompe a unida- de do direito civil ¢ contesta a generalidade de suas normas, 0 que levou autores de no- meada a vislymbrar 0 ocaso e 2 agonia do COdigo Civil.’ Com esas modificagdes, configura-se uma crescente intervengao do Estado na eco- nomia e na vida social, o que vem também a marcar, de modo inconfundfvel, o direito ci- vil brasileiro das GJtimas décadas. Deis conseqientes aspectos sto de assi- nalar. a constitucionalizardo dos principios institutos fundamentais do direito privado € a fragmentagdo da matéria privada em ra- mos distintos e autGnomos, passando-se do monossistema das codificagdes do século XIX para o plurissistema dpico da época contempordnea. ‘Essa constitucionalizagio significa que os principios basicos do direito privado emi- gram do Cédigo Civil para a Constituicao, que passa a ocupar uma posigd0 central no 23 GOMES, Orlando. “A agonia do Codigo Civil." Re- vista de Direito Comparado Luso-Brasileiro. Rio de Je- neiro, 1985,n.°7, ordenamento jurfdico, assumindo o lugar até entdo privilegiadamemte ocupado pelo Cédi- go Civil, wransformando-se este num satélite do sistema constitucional. Os valores funda- mentais do direito em geral e do civil em particular, como a justiga, a seguranga, a li- berdade, a igualdade, o direito a vida, a pro- priedade, 0 contrato, 0 direito de heranga ete, saem do seu habitat natural, que era 0 COdigo Civil, e passam ao dom{nio do texto constitucional, que, além de reunir 0s princi- pios bésicos da ordem jurfdica, também esta belece os direitos ¢ deveres do cidadaa ¢ ac- Bahiza a estrutura politico-administraiva do Fixando-se como vértice da piramide nor- mativa, a Constituigao cria o problema da le- galidade constitucional de todas a8 normas que Ihe sio inferiores, pertencentes ao Cédi~ 20 Civil ou & legislagdo aut6noma. Por outro lado, de modo contrério ao Cédigo Civil, que conserva os valores da sociedade liberal do século XIX, a Constituictio "projeta e es- timula a fondagtio de uma nova sociedade" ‘com suas normas programaticas. Conseqtiéncia imediata desse processo é a insergiio da normativa constituciond no cor- po do direito civil, como constante critério de controle. De outra parte, as suas normas Pprogramaticas vo estimular a criagdo de leis especiais que, em matéria civil, reduzem o primado do Codigo e criam uma pluralidade de nicleos legislativos que fragmentam 0 sistema unitério presidido pelo Codigo Civil, caracterizando 0 chamado processo de des- codificagao do direita, termo devido a isi e no Brasil, adotado por Orlando Gomes, Antes demais, a descodificagao represen- ta uma antftese hist6rica. Se a época da codi- ficago, basicamente o século XSX, resulta do racionalismo juridico europeu, como con- vergéncia de tres tendéncias, a do direito na- tural racional, como razSo wt6pica constru- tora da realidade, a do racionalismo bur- gués, como racionalismo afirmador da vida profana, livre e igual, eda razdo de Estado, 24 IRTI, Natslino. L'etd della decodificacione. Milano: Giuffre, 19719: COMES, Orlando. Novos temas de dire 19 civil, Rio de Janeiro, Forense, 1983, pp. 4038, 240 Revista de Informagdo Legistativa como edificador do Estado modero,’® sen- do 0s cédigos momento essencial da razao. juridica modema”® ¢ o simbolo da estabili- dade ¢ da unidade, a ¢poca atual da descodi- ficagdio, iniciada com a maré da legislagio especial extravagante, a partir das primei- ras décadas do século, representa 0 movi- mento ¢ a pluridade no direito, comprovando acrise da unidade sistemética do direito civil herdada da racionalidade juridica dos dois Ultimos séculos. O Codigo Civil nao mais garante a unidade do sistema de direito pri- vado, deixando a posi¢do central que nele ocupava e passando 0 cetro do poder civil a propria Constituigdo, agora o eixo em tomo do qual gravita todo o ordenamento juridico da sociedade brasileira. Nao mais o regime do monossistema, sob a égide do codigo ci- vil unitério da época liberal, que exprimig uma visio compreensiva da sociedade,’ mas © do polissistema, como pluralidade de miicleos juridicos que representam a frag- mentacao dessa unidade, cada um com seus proprios principios ¢ logicas interpretativas. Estado, de espectador que era na época moderna, se faz protagonista, e 0 civilista, que antes se configurava como 0 "estudioso enciclopédico do diteito privado”, surge ago- ra como especialista selorial, como técnicg de microssistemas ou de leis especiais, como personagem secundario, Sua contribui- so € fundamentalmente técnica, inserida no ritmo da sociedade industrial pds-modema, € destituida da importncia politica de antiga- mente, quando foi decisiva ou marcante a sua contribuigdo, nao s6 para a génese da mentalidade como para a propria seguranga da vida privada. Qual o sentido ¢ o significa- do desse proceso? Se a constitucionalizagao da materia civil implica num novo centro do sistema, normativo, a Constituigo, que passa a garantir a unidade do ordenamento juridico, implica também na atribuigao de um papel resi- dual 20 cOdigo civil e na _necessidade de uma reflexto sobre problemas centrais 25 ARBOLEYA, op.cit, p. $09. 28 Idem, p. 452. 27 IRTI. Decodificarione. In: Digesto delle Discipline Privatistiche. Sezione Civile, V-Torina: UTET, 1990, p. 142. 28 Idem, p. 148, da teoria geral do direito, que vao da teoria das fontes ¢ da interpretagiio, aos do metodo € at€ do ensino juridico, o que se junta 4 fragmentacao do c6digo, tudo isso a configu- rar a passagem do monossistema a0 polissts- tema, da unidade a pluralidade, da estatica a Gindmica na realizado do direito. B, se tal corre no campo da sistemdtica, também na doutrina se verifica um movimento a denun- crar a evolugao do saber jurfdico para uma postura menos racional e mais emptrica, a partir de uma concepgao do direito. como prética social. Nao mais 0 tempo das teorias gerais e das grandes construgdes, mas a ¢po- ca de superacio da generalidade e da siste- maticidade fechados. E 0 tempo da ruzdo prética e do sistema aberto, Por sua ve7. 0 direito civil dogmatico, enriquecido pels contribuiges da historia, da filosofia, da so- ciologia, da economia, reconduz. os juristas & exegese dos textos ¢ relativiza a importincia das anttgas partes gerais dos c6digos, tornan- do imperativa Jambérn a revistio dos méio- dos didaticos. 6. Conclusdes. Perspectivas do direito civil brasileiro Revisitado o direito civil no seu processo hist6rico cultural. nele compreendida a expe- rigncia juridica brasileira, a que conclusdes podemos chegar a respeito das mudangas que neste século se tém verificado, por forga dos desafios da sociedade pos-moderna, um verdadeiro rito de passagem para 0 terceiro milénio? Saliente-se que as notas marcantes do di- reito civil sao a historicidade, no sentido de uma formagio ao longo do tempo, ¢ a conti~ nuidade, com referéncia a um processo cons- tante ¢ uniforme de decidir. Como produto desse longo evolver hist6rico, 0 direito civil vem a configurar-se como o direito dos par- ticulares, fundado no prineipio da igualdade, € claborado com base no reconhecimento de uma esfera de soberania individual, cujas, manifestagdes mais evidentes so 0 principio de liberdade com referéncia A pessoa, a pro- Priedade no tocante & relag3o pessow/bens da 29 IRTI, Dirito civile. In: Digesto delle Discipline Pri vasistiche, VI. p. 143. Brasilia a. 31 n.121 JanJmar, 1994 2a vida e no contrato, com refer€ncia a ativida- de livre dos individuos.”° Surge, entto, o di- reito civil como aquele setor da experiéncia Juridica que privilegia a chamada autonomia privada, poder juridico que os particulares tém de dispor de seus interesses ¢ de regular Juridicamente as suas relagdes, nos limites estabelecidos pela ordem piiblica e os bons costumes. Todos esses aspectos tém de ser levados em conta no balanceamento do esta- do atual ¢ das perpectivas que se oferecem 20 direito civil e aos civilistas. Como produto hist6rico e cultural, o di- reito civil acompanhou as vicissitudes da cultura que integrava, sob a influ€ncia de ou- {ros grandes componentes culturais, a filoso- fia grega e 0 cristianismo. Da primeira, her- dou 0s principios e os conceitos fundamen- tais que vieram a orientar os grandes siste- mas de pensamento, entre os quais a raciona- lidade, o pensamente racional; do segundo, 0 humanismo, a importincia e a dignidade da pessoa humana, correntes de pensamento com grande influencia na evalugdio do direi- to da época modema, ‘A corrente racionalista tem infcio com 0 predominio da razdo (Jogos) no pensamento grego, desenvolvendo-se na filosofia medie~ val e consagrando-se no jus-racionalismo uma das filosofias basicas do direito privado ocidental. Do jus-racionalismo surge a idéia do direito como sistema, considerado este, em principio, como um conjunto unitério e coerente de conceitos e proposigées juridi- cas, anticuladas de modo axiomatico e dedu- tivo, que vem por influéncia do Huminismo, a resultar nas grandes codificagdes do direito europeu. O direito civil brasileiro nao fugiu a isso. Sistematizado no Codigo de 1916, foi ecléti- co na sua génese, adotando concepges do Cédigo frangés ¢ a técnica do Codigo ale- mao, Do panto de vista ideolégico, era a ex. press dos interesses da burguesia mercan- til, mais liberal, e da burguesia agréria, mais conservadora, do final do século XIX, vin- do a sofrer, como € dbvio, os desafios do ad- vento da sociedade industrial e tecnoldgi- ca, guardadas as limitagdes decorrentes da 2 NICOLO, op. cit. p, 907, condigao colonial e periférica da economia e da sociedade brasileira, Qual © sentido da evolugao do direito ci. vil brasileiro neste século e como se apresen- ta hoje, as vésperas do terceiro milénio? O que € 0 direito civil, quem sao e 0 que fazem 08 civilistas, quais as perspectivas que se apresentam? Creio que o rapido bosquejo histérico e sociolégico aqui tragado j4 nos permite res- ponder a tais indagag6es € conchuir. A evolugao da ciéncia do direito, mais particularmente do direito civil, € marcada pelo paradigma da racionalidade, principal- mente a partir da revolugao intelectual que se verificou na Europa na época modema, séculos XVII e XVIII, com o advento do ra- cionalismo ¢ do iluminismo. Grande contribuigéo do racionalismo ao direito foi o conceito de sistema, conjunto unitétio e coerente de elementos articulados € estruturados de modo légico-dedutivo, que vem a constituir-se no paradigma dos c6di gos das Constituigses A codificagao do direito brasileiro seguiu © mesmo modelo, por influéncia do direito europeu, principalmente os cédigos civis francés e alemao, sendo que deste adotou a sistemdtica extema, de modo quase igual. As transformagdes da sociedade civil bra- sileira no curso deste século, co-envolta no proceso da revolucio industrial ¢ tecnol6gi- ca, com a interveng2o crescente do Estado ‘no Ambito da autonomia privada, tém causa- do, porém, not6rias modificagées de nature- za formal e material no sistema de direito ci- vil brasileiro. Do ponto de vista material, verifica-se uma critica a racionalidade técnico-intelec- twal do direito da modernidade marcado pelo proceso de racionalizagao que caracterizou © desenvolvimento do capitalismo no século XIX, em que se acentua uma "tendéncia pro gressiva da orientago técnica e instrumental da vida social". Em tltima andlise, ¢ uma critica ao positivismo, que ¢ a principal filo- sofia do dircito da modemidade. Paraletamente a essa critica & racionalida- de instrumental e ao conceito de sistema, principalmente 0 fechado, axiomético-ledu- tivo, verifica-se a desagregacao do sistema 242 Revista de informagio Legistativa unitério do direito civil wadicional, que se fragmenta em microssistemas, cada um com individualidade ¢ especificidade, autonomia ¢ interpretagao préprias. Eo fenémeno da descodificagao, que supera a pretengao tradi cional de totalidade e de generalidade dos c&xligos civis modemos, surgindo, em detri- mento da sua estrutura, novos ramos de di- reito, como 0 do trabalho, o agrario. o previ- dencidrio, 0 imobilidrio, o dos transportes, 0 bancério, o industrial, o notarial, o da res- ponsabilidade civil ete. No campo doutring- rio, 0 jurista perde também a sua pretensdo de totalidade do conhecimento do direito e transforma-se em técnico especializado des- ses novos microssistemas. Do ponto de vista axiol6gico, a seguranga Juridica perde terreno para os valores do bem ‘comum e da justiga social. O pensamento ju- ridico passa a orientar-se mais em fungao dos valores do que dos interesses. recorrendo cada vez mais as cldusulas gerais e aos prin- cipios juridicos. categorias que nao permi- tem maior rigor no trabalho \6gico-dedutivo, ou raciocinio de subsungo, 0 que leva a fa- lar-se, atwalmente, em "perdas de certeza” no pensamento juridico." Constata-se a crise da sistematicidade e revigora-se 0 conflito entre 0 formalismo e 0 31 LAMEGO, José. Hermenéutica ¢ _jurisprudéncia. Lisboa: Editorial Fragments, 1990, p. 80. pragmatismo. Na relagdo entre 0 logos € a vida, que na modemidade tendia para a ab- solutizagao do primeiro, a p6s-modernidade acentua 0 primado da vida, "propondo-se uma reflexio critica sobre 0 dogmatismo metodolégica". O mundo da vida supera 0 mundo da razdo, O direito reafirma-se como uma categoria 6tica e como uma pratica social. E 0 civilista surge como um intelectual critica, empenka- do nao mais na defesa de uma classe. a bur- guesia, mas na da pessoa e dos seus interes- ses inaliendveis. O direito civil brasileiro, a véspera do ter- ceiro milénio, encontra-se dividido, separada a doutrina do Codigo, fragmentado este em microssistemas e superada aquela nas suas pretensdes de racionalidade, generalida- dee sistematicidade. O processo de mudanga 6 fénil, com a proliferagao legistativa, que, se por um lado representa 0 casufsmo juridi- CO, por outro atesta a preocupagio do poltti- co € do jurista com o bem-estar do homem conlemporineo, no © homo ideofogicus que motivou 0 diteito ¢ 0 c6digo ciyil da moder- nidade, mas 0 homo privatus,”* nas suas ca- réncias e nos anseios de ralizagao dos seus valores supremos, a liberdade, a justiga e 0 bem comum. 32 IRTI, op. cit, p. 147.

Вам также может понравиться