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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Reitor Carlos Alexandre Netto Vice-Reitor © r6-Reitor de Coordenago Academica Rui Vicente Oppermann a EDITORA DA UFRGS Diretora ‘Sara Viola Rodrigues ‘Conselho Editorial ‘Ana Ligia Lia de Paula Ramos (Cassilda Golin Costa ‘Cornelia Eckert Flivio A. de O. Camargo tara Conceicao Bitencourt Neves José Roberto Iglesias uicia 54 Rebello Monica Zielinsky Naki Farenzena Silvia Regina Ferraz Petersen ‘Tania Mara Galli Fonseca Sara Viola Rodtigues, presidente petra ds UFRGS Ramiro Barclos, 2500 ~ Santa Celia owto Alegre, RS ~ 90035-0083 Powe (51) 3308.568 seamccitoraats br pvt br < COORDENADORA DA COLEGAO: “Tenia Mare Galli Fonseca CONSELHO EDITORIAL: Ceca Bou Coimbra, Dense Bernuzzi Saat’Aana, José Misio Avila Neves, Jost ‘Nano Gil, Petr Pal Peat, Svely Roll Jusamara Sova ¢ Las Gomes Grupo: a afirmagio de um simulacro Regina Benevides de Barros vites EDITORA Editora Sulina (© Regina Benevides de Bares, 2007 Capa: (Care Laat CCoordenadors da Cleo: ‘Tonia Mara Gal Poms Projto gritos Cola Lissct Ecditoraso: [Niura Fernanda Seca Revisio: Gabriela Koza Impresio e seabament: ‘Merle Indra rfc Lta Edit Las Gomer aero de Cato m Pig (CT) ii Repo Pola Pp de Li CRB 11229 Bencvides de Bares, - 2* ed. ~ Porto Alegre: Sana’ alors da UPRCS, 28 - (Cale Caropsaa) asia social. 2. Comportamento socal 1 loot conmporiamesta. 1 Tie, coo. 15890104 “Tvlos os drcits desta eio so reservdos pars: Editora da UFRGS e Editors Meridional Lada, ‘Aw, Osvaldo Aranha, 440 6,101 ~ Bom Fim ep: 90035-190 - Porto Aleyee - RS Fone: Oex51) 931.4082 Fax: Oxx51) 2364.4194 -worwceditorailina.combe eal: sulina@esditoraslin com br absi/2009 Era uma vex um menino que se chamava Luiz. Ele vivia muito triste porgue quando safa nas ruas via tudo poluido, sujo, todos tristes, a natureza acabada, Uma vex, quanda ia para a escola encontreu um lépis no chao. Era diferente: brilbante, muito bonito. Pegou-o... comesou a desenbar... ¢, de repente, VUPT, o lapis saiu da felba era magico. Luiz; teve a ideia de sir pela rua colorindo e dando vida a tudo... desenbou ua natureza sem poluigio, pessoas felizes...Voltou para cass. Luiz: contou tudo para sua mae... ela ndo acreditou, falou que estava ‘doids”. Ele pegou o lapis e costurou a boca da mae! O Lapis Migico Juliana Benevides de Barros, 1990. Nossa histéria comesa quando Mr. Kid encontra a abgbora marcada onde esta presa sua namorada Wender Gir... quando ele entra na absbora, seus primeiros obsta- cules sto 05 carogos guerreiros... Ble foi tentar se balangar pelos fiapos da absbora, mas um fiapo arrebentou e ele caiu. Pensou assim: vou experimentar este fiapo. descobriu, entdo, que 0 fiapo fazia a gente ficar forte Mr Kid e 0 segredo da abdbora gigante Rafael Benevides de Barros, 1990. Estes textos foram escritos por meus dois filhos, JULIANA e RAFAEL, em 1990, quando tinham 10 e 9 anos, respectivamente. Neste ano, eu comecei meu curso de doutorado. Iniciou para nés também um periodo em que tivemos que inventar outra relagio mie-filhos. Foram muitos aprendizados nestes anos de viagens Rio/Sio Paulo/Rio, nestes anos de auséncias em momentos que, certamente, gostariamos de ter estado mais perto. Com eles aprendi, como no texto de Juliana, a inventar outras linhas ou, como no texto de Rafael, de que podemos nos fortalecer nos bons encontros, que fazemos. Com eles aprendi que vale a pena sair dos lugares “ja destinados” para “construis” outros mundos. No curso deste trabalho, entretanto, outro acontecimento veio ao meu encontro. Um acontecer de dor e intensidade ainda nao experimentado que me fer, entrar em contato com a finitude da prépria vida ~ a morte de meu querido irmao Jorge. Em sua luta final apostou na dignidade da vida e me mostrou a forga da amizade e da solidariedade. Bf para cles que dedico este livro. Por querer com eles compartilhar os sonhos ¢ as utopias e para thes dizer que vale insistir na vida, Apresentagio Preficio .. Varias entradas Entrada 1: Por que grupos? A proveniéncia do “objeto” grupo Século XVILE: o individuo como modo ée subjetivagio ‘A passagem feudalismo-capitalismo (Cs ina lo Gers od ane teats ‘As priticas: produgoes cotidianas de modos de subjetivagio .... Século XIX: as massas se movimentam Esboso genealdgico sobre os movimentos de massa Da produgio A produgio de consumo... AA instituigio do silencio... ‘As massas em seus movimentos A opinitio publica O que sto as massas? Século XX: 0 grupo como “intermedisrio” entre o individuo e a sociedade Linhas e composiges da instituigao grupo: a montagem das cartografias grupais Linha M. Linha K.. Linha TA Linha E. Linha T Linha B Linha P . Linha A. Linha G E, afinal... para que groj Entrada 2: a instituigo-grupo: diagramas de constituiga0 .. Diagrama do “todo do grupo”/a conscientizagi como estratégia . Diagrama do insconsciente gropal:o grupo como objeto-aspirante & psicanilis .. A linha do imaginério grupal da interfantasmatizagi Diagrama da epistomologia convergente . e Cruzamento dos diagramas Entrada 3: dicotomias ou a légica do terceiro excluido/o plano de consisténcia ou a légica do terceiro incluido Enigma 1 Enigma 2 Plano de organizasio x plano de consisténcia... Pesquisa-actio/pesquisa-intervengio .. Da nogio de sujeito/objeto a de processos de subjetivagio/objetivago nn Entrada 4: rachando 0 grupo analisador 68: marcas de um coletivo-em-n6: ‘As redes das priticas grupais e o movimento do institucionalismo francés . Diagrama da psicossociologia francesa Diagrama do institucionalismo... 1a da psicoterapia institucional ~ primeira fase/ Primeira linha. Linha da psicoterapia institucional ~ segunda fase/ Segunha linha ... Linha da pedagogia institucional. Linha socioandlise A demanda por grupos e sua desvalorizagio.. Grupo: intermedisio de que’ O contexto politico se imanentiza em texto Grupo-entre:rizomar, Grupo: a arte de percorrer as superficies Grupo: experimentagi Grupo: plano de transferéncia Grupo: do organismo ao corpo sem drys Afinal, hi o tio procurado “plus grupal’> ‘Aiinda cabe falar de trabalho grupal?... Entrada 5: entrada grupal: uma escolha ético-estético-politica ‘Acescolha que se faz. Processos de subjetivagio e grupo . O paradigma ético-estético-politico © grupo «. Notas. Bibliografia consultada Colegio Cartografia Grenada 3 Dicotomias ou a logica do terceiro excluido/o plano de consisténcia ou a légica do terceiro incluido Ossujeito é um objeto desqualificade, O meu olho éo cadéver da luz, da cor. O meu nariz: é tudo o que resta dos odores quando a sua irrealidade fica demonstrada, Masa minha mac refuta a coisa tida, Logo, o problema do conbecimento nasce de um anacronismo, Implica a simultaneidade do sujeito « do objeto, cujas misteriosas harmonias desejaria iluminar. Ora, 0 sujeito e 0 objeto néo podem coexistir porgue sito a mesma coisa, a principio integrada no mundo real, depois langada 0 escéria, Tiras x. Sintra Soci Sexta-feira ou os limbos do Pacifico Disgrace go ‘Michel ‘Tournier Diageama do inconsciene gruel. ‘Linha do imaginltio grupal lags da epitesoga-—— Grenada 3 Dicotomias ow a légica do terceiro excluido/o plano de consisténcia ou a l6gica do terceiro incluido © que veio primeiro: 0 ovo ou a galinha? O problema, & primeira vista insolivel, traz pelo menos dois enigmas com 05 quais os homens se debatem ha muitos séculos. Enigma 1: A questio da origem de um ser. Enigma 2: Como este sex, quando j4 constituido, conhece 0 mundo que 0 cerca. ENIGMA Georges Simondon (1964) tem demonstrado que as explicagses sobre 0 processo de constitui¢a0 de um individu costumam supor que... existe um prine(pio de individuagéo anterior a propria individuagio, capaz de explicé-la, de produzi-la, de conduzi-la, A partir do individuo constituido ¢ dado, esforga-se por remontar is condigées de sua existéncia (p.9). ‘No caso do ovo e da galinha, esta seria explicada pelo ovo que :.originou, Mas, como bem sabemos, a pergunta retorna, pois como seria explicado o ovo sem uma galinha que o tivesse gerado? A resposta, por tanto tempo procurada, s6 se tornou possivel quando se conseguitt escapar as teorias causalistas ¢ unidirecionadas, isto 181 6 aquelas que buscam origens e diregdes de mio tinica na relagio causa-efcito, Nesta linha, Simondon supe que a individuagio nao produz apenas o individuo. Entio 0 individuo seria apreendido como realidade relativa, determinada fase do ser que supde uma realidade pré-individual anterior quel, e que, mesmo depois da individuagéo, no existe completamente sozinha, pois a indivi- duagdo nao esgota de uma s6 vez os potenciais da realidade pré-individual; por outro lado, o que a individuagio faz. aparecer nfo 6 s6 0 individuo, ‘mas o par individuo-meio (ibidem, p.11). Antes do ovo e da galinha existe, portanto, 0 “vivo”, o devir do ser, um germe que quer se expandir, efetuar sua poténcia (de vida), Vivo que quer ganhar forma singular, diferente de outras formas € até diferente de si mesma, pois seré, a cada momento de sua cefetuagio, uma outra: A oposigao do ser e do devir s6 pode ser vilida no interior de certa doutrina que supée que 0 proprio modelo do ser é a substincia. Todavia, também é possivel supor que o devir € uma dimensao do ser, corresponde a uma capacidade que este tem de se defasar em relagio a si proprio, de resolver-se defasando-se: 0 ser pré= individual € o ser em que nio existe fase; 0 ser no seio do qual se efetua uma individuacao, € aquele em que uma resolucéo aparece pela sua reparticio cm fases, o que é devir; o devir nao €um quadro no qual o ser existe; ele é dimenséo do ser, modo de resolusio de uma incompa- 12 tibilidade inicial, rica em potenciais (ibidem, p.ll). O ser concebido como sistema tensionado faz aparecer individuo e meio por supersaturasio, transbordamento de conexoes, ultrapassagem das unidades que se opdem. Mas toda esta discussao, certamente intrigante aos olhos de muitos, poderia, igualmente, ser vista como sem importiincia por aqueles que alegam que tanto faz ter sido primeiro 0 ovo ou a galinha, visto que o importante é 0 fato de ambos servirem para comer. Deixadas de lado as discusses que neste caso poderiam advir a respeito, por exemplo, da relasio que © homem estabelece com os animais, passemos a0 segundo enigma. ENIGMA 2 Como o individuo conhece 0 mundo que o cerca? Como estabelece relagées com os objetos? Em um aposento obscurecido, uma vela levada de um lado para outro ilumina certos objetos, deixando outros no escuro, Emergem das trevas, iluminados por um momento e, logo de novo se fandem com a noite. Ora, 0 fato de serem ou no iluminados nfo altera nada, nem da sua existéncia nem da sua natureza. O que eram antes de ter passado por eles 0 raio luminoso assim continuam durante e apés a passagem. (...) Tal é a imagem que sempre mais ou menos fazemos do ato de conhecimento ~ represen- tando a vela o sujeito que conhece, ¢ todo 0 co- nhecido sendo representado pelos objetos iluminados (Tournier, M., 1985, p.84). 183 O percurso das relagdes entre o sujeito que conhece e os objetos a serem conhecidos ¢ longo e vou deliberadamente fiver um recorte em Kant. Por que Kant? Porque houve, a partir dele, um centra- mento € uma interiorizasio da atividade cognoscente no sujeito, vigente até hoje: A ideia fundamental do que Kant chama a sua “revolugio copernicana” consiste no seguinte: substituira ideia de uma harmonia entre o sujeito € 0 objeto (acordo final) pelo principio de uma submissio necesséria do objeto ao sujeito. A descoberta essencial ¢ que a faculdade de co- nhecer € Iegisladora ou, mais precisamente, que hi alguma coisa de legislador na faculdade de conhecer (assim como qualquer coisa de legislador na faculdade de desejar). Dessa forma, © ser racional descobre em si novas poténcias. A. primeira coisa que a revoluya0 copernicana nos ensina € que somos nés que comandamos (Deleuze, G., 1976, p.27/28). _ Ao recusar a harmonia preestabelecida entre sujeito ¢ objeto, Kant a substitui pelo principio de uma submissio necessaria do objeto ao sujeito. As faculdades mentais conver- giriam, entio, para o conhecimento/econhecimento de um objeto. Pretende-se, portanto, “substituir uma metafisica do transcendente por uma critica transcendental que se ocupa menos dos objetos do que de nossos conceitos a priori dos objetos” (Machado, R.1990, p.144). A separagao entre dois polos ~ sujeito e objeto — fala de um fancionamento de maquinas binéias que dualizam e dicotomizam: de um lado, o ser-substincia (sujeito); de outro, os objetos. O sujeito €continente a priori de todas as modalidades possiveis de existéncia, 184 Tal primazia do sujeito sobre 0 objeto supe: + aunidade de cada um dos termos; + uma hierarquia entre eles; + centramento da atividade do conhecerem torno de um deles. Se 0 sujeito é o que age sobre o objeto para conhecé-lo, ele 0 faz segundo a crenga de que é um ser-em-si, pronto para entrar em contato com outros seres, também seres-em-si. A relagio se estabelece entre dois termos, ficando claro quem agiu sobre quem ‘© a quem cabe fazer as sinteses que organizario 0 conhecimento. ‘Quando se admite a primazia do sujeito sobre o objeto, o que se esti privilegiando sio sistemas hierarquizados, cujos canais de transmissio estio preeestabelecidos. As mensagens sempre remetem a um centro (o sujeito/a raz) que thes di significado, Essa distribuigio de valores a partir do centro estabelece lugares ¢ modos de significagio bem marcados. Remete a algo fora da relagio, que organiza e dé sentido & experiéncia (Deus em Descartes, a Razao em Kant). Para Descartes, por exemplo, servindo a linguagem para falar das coisas do mundo, dever-se-ia buscar a adequagio da mesma com o mundo. O ser racional seria aquele que conseguisse encontrar esta adequasio. Utilizando-se do método -edutivo da diivida, 0 fil6sofo chega a maxima: “Penso, logo existo”. Isso provaria, em primeiro lugar, a existéncia do sujeito, depois a de Deus, para chegar, finalmente, & existéncia do mundo. O discurso comes, portanto, no sujeito. O eu penso cartesiano é repleto de contetidos: é pelo ato de pensar que ele tera certeza da existéncia de si; através do contetido do ato, chegard a prova da existéncia de Deus, que passa a ser sua garantia ontol6gica. Jéiem Kant, 0s significados dizem respeito a significantes e no coisas do mundo, O mundo se apresenta ao psiquismo de acordo com este, com seus a priori. Na verdade, 6 0 psiquismo que constitui © mundo: o dentro é condigio de possibilidade para o conhecimento. Assim € que se, até Kant, 0 tempo era ongarizado por algo de fora 185 deia, Deus), a partir dele o tempo migra para dentro. O tempo passa a ser uma estratégia de organizacao das sensibilidades. " O homem kantiano é dotado de trés faculdades: conhe- cimento, desejo € sentimento. Ao receber a matéria do mundo (através do eu sensivel), a ela aplicaria sua faculdade de conhe- cimento, criando, para si, representages, O conhecimento superior se datia quando ele usasse suas estruturas légicas nesta onganizagio. ‘Também na faculdade do desejo haveria um conhecimento inferior € um superior, No primeiro, 0 desejo é prisioneiro de uma representasio do objeto; no segundo, o deseo se liga a Lei Logo, o verdadeiro homem seria aquele que abandonasse as representagies do objeto, passando a set determinado pelas leis. Sujeito © objeto sio dois termos de uma relagéo onde o primeito precede o segundo e este 86 ganha sentido quando conhecido pelo Primeiro. Sendo assim, o conhecer seria uma espécie de libertagio quanto a0 préprio objeto. Essas oposigdes entre esséncias pretensamente universais so apreendidas segundo a légica molar dos conjuntos organizados. O penso, logo existo” de Descartes fundou uma concepgio de subjetividade centrada na consciéncia, que garante a existéncia do sujeito por um exercicio do pensamento separado do mundo. Cria 4 possibilidade de “recortar nao somente os objetos e os problemas, mas também o saber sobre estes... (Lévy, P, 1993, p.97). J Jia operagio kantiana, ao fazer migra a instancia organizadora seers toe, ctiou um sujeito conformado (no sentido le ter uma forma a priori ¢ de ser conforme, submisso, a determinada forma de conhecet), que se imporia a qualquer ee weil 8 qualquer objeto. O problema do conhecimento passa a girar em tomo do sujeito. Ele, ser ativo, é centro organizador das coisas do mundo, Sujeito-razio: € dai que se origina a possibilidade do conhecimento. Os objets sio dados a serem conhecidos pelo sueito, 8 serem apreendidos pela razdo que, neste processo, avalia o gra de vetacidade e atribui legtimidade ao préprio conhecimento adquirido, 186 Hi, portanto, uma logica que subjaz a esta forma de conhecer. Como ela funciona? Em primeiro lugar, processa-se uma desctigio do objeto para que, a seguir, ele seja inserido em uma determinada categoria definida a priori. O conjunto de caracteristicas ou de elementos que constitui uma categoria se assenta em critérios que Ihe asseguram identidade, algo que permanece, que garante a cexisténcia daquela categoria e, consequentemeate do préprio objeto. Inserido em uma categoria, o objeto est registrado, conhecido. ‘Mas para que permaneca nesta categoria, para que no perca sua identidade, ou seja, para que seja reconhecide quando se apresenta 20 sujeito, é necessirio que outra operasio seja feita: a da exclusio. ‘Assim, tudo que aparece como diferente deve ser retirado ou tratado para que 0 objeto se enquadre na categoria. O sistema de conhecimento que se monta é, por conseguinte, bindrio: a cada categoria corresponde outra, oposta. Em cada situagio de conhecimento, 0 objeto é submetido a pares de categorias para que possa ser incluido em uma, ou em outra. E como se houvesse uma centenga a ser proferida sobre 0 objeto: ow ele € isto ou é aquilo. Caso 0 objeto no possa ser categorizado em uma das duas opgoes, seri exclufdo e ficaré & ‘margem, esperando que outra dualidade seja estabelecidla para que, novamente, possa ser submetido prova de identidade garantida pelas categorias. Ede se notar que, neste proceso, os objetos sio submetidos sistematicamente a categorias que se definem pela oposisio. Um bom exemplo € 0 caso dos géneros: ou se é homem ou se é mulher, Se o ser nao puder ser incluido em uma ou em outra categoria é um caso anormal, que foge norma, ficando excluido até que uma outra categoria se estabeleca; por exemplo, a de hermafrodita. Esta nova categoria € estabelecida por derivagio do par anterior, de modo que, mesmo sendo apresentada como outra categoria, é produto da dualidade anterior. O que sobra, 0 que no consegue ser inclufdo em um primeiro momento, recebe a etiqueta w87 de marginalizado, & espera de uma outra (etiqueta) que seja mais especifica para suas caracteristicas. E por isso que dizemos que esta logica ¢ a do terceito exclufdo: seu fancionamento é baseado no ou, dualidade que divide o mando em partes opostas que lutam pelo dominio de uma sobre a outra e que, neste processo, excluem. uum terceiro, (ou quarto), modo de existéncia. Os objetos sio, neste caso, naturais. Eo homem quem possui a faculdade particular da razio, isto é aquele atributo essencial e imutavel que repousa sobre os objetos (naturais) do mundo, dando- the possibilidades de acesso 4 Verdade, 20 Bem, a Lei... Esta forma de conhecer supée, portanto, um cu definido c assimilado a um outro ser. Ao se por o homem no centro do proceso do conhecer, cada objeto s6 ¢ qualificado na apreensio que dele é feita pelo homem. Estariamos condenados a conhecer 0 mundo desta tinica maneira? Mesmo nos colocando do ponto de vista da légica kantiana, se somos sujeitos-da-razao ela s6 nos serviria de um tinico modo? Nossa razio seria apenas uma faculdade abstrata que estabelece conceitos ou regras de uma vez por todas c fora de qualquer proceso? O pensamento estaria reduzido ao calculo, as demonstragies e as dedugSes reguladas? Nao seria esta uma imagem racionalista da razio? Seria a consciéncia aquela que regularia as ages que definem nosso ser, dando o contorno da existéncia? Se em Kant, € certo, o par sujeito-objeto esta previamente dado, a primazia do sujeito define o lugar dos objetos como sendo por ele (por sua razio) egislados. Nao conhecemos os objetos como em-si; eles néo sio, portanto, naturais, mas sua legislagio é universal, Kant nao seria uma naturalista, mas um construtivista. Seu construtivismo, entretanto, obedece A consciéncia, & razo, conce~ bidas como a prioris universais, ‘Tentando escapar do racionalismo da razio, outra Wégica se constr6i ~ a da processualidade. Nela os objetos nio estio dados, nao sio naturais, portanto, mas tampouco so legislados por transcendentais. Eles se engendram, configuram-se em planos de 188 basta imanéncia, Guattari (1990, p.17/18) nos alerta que “ pensar para ser, j que existem outras maneiras de existir fora da consciéncia’. Paul Veyne diz. ser 0 estabelecimento dos fatos humanos como ratidade, a itengio inicial de Foucault, indicando que 0s fatos humanos sio arbitriios e no Sbvios. Esse estranhamento das certezas veio arejar a armadura da razdio como tinica (ou privileginda) forma de conhecimento. Talvez, entio, nao exista um eu sensivel, cuja fungdo predominante seria a receptividade dos estimulos, das sensagdes dos objetos ¢ um eu transcendente, da razio, que efetuaria a sintese das operagbes. Talvez © pensamento nao se restrinja a um conjunto de operagies identificado a uma faculdade abstrata. Talvez 0 pensamento seja composto de multiplicidades, discordincias. Talvez no importem 6 termos, mas as relagées. Talvez os proprios objetos no sejam naturais... Foucault, quando esteve em 1974 no Rio de Janeiro proferindo conferéncias, discutiu a nogio de pritica, Dizia, entio: Meu objetivo sera mostrar-lhes como as pritticas sociais podem chegar a engendrar dominios de saber que nfo somente fazem aparecer novos ‘objetos, novos conceitos, novas técnicas, mas também fazem nascer formas totalmente novas de sujeitos e de sujeitos do conhecimento. O préprio sujeito do conhecimento tem uma historia... (Foucault, M., 1974, p.6). Ainda no mesmo trabalho, referindo-se a Nietzsche afirmava que, para este, no haveria ser-em-si, tampouco conhecimento- cem-si, O conhecimento seria efeito, “resultado hist6rico ¢ pontual de condigdes que nao so da ordem do conhecimento” (ibidem, p.18). : ‘A referéncia nao € fortuita. Em Sobre a verdade ea mentira no sentido extramoral, texto de 1873, Nietzsche examina a argu- 189 mentagio de que o intelecto ¢ meio para a conservagio do individuo de que a linguagem é, na maioria das vezes, usada como tentative de expressio adequada de todas as realidades. Pensa, ao contritio, Aue a verdade ndo é uma adequasio do intelecto a realidade e que © conceito nasce da igualagéo do nao-igual. Em sua perspectiva extramoral, Nietzsche busca a articul do conhecimento com 0 nivel politico-social que 0 produz, ‘mostrando que a oposisio entre ofilso eo verdadero tem origem na moral. Nao se trataria, portanto, de tentar adequasdes do intelecto & realidade, ou da palavra 2o objeto, como se dai adviesse averdade, A verdide nfo vem destas adequayées, nem de um sujito transcendental possuidor de razo, nem de um Deus, transcendente a todos os homens. A verdade nio existe como dado; ela é construsio. Nao ha, pois, objetos dados e sujeitos construidos Priori, verdades a serem conhecidas ou falsidades a serem reveladas, O que existe ¢ interpretacao de fatos que, como tal, estari a favor da conservacio dos valores (Forgas reativas), quando estiver afirmando algum tipo de transcendéncia e no a favor da expansio da vida (forgas ativas). Scarlett Marton (1984) fiz, interessante mapeamento sobre os temas da linguagem e da consciéncia na obra de Nietzsche, Mostra que desde os primeiros escritos do flésofo aparece uma critica 2 Finguagem enquanto expressio adequada da realidade e, Portanto, como possibilidade de aceder a0 verdadeiro. Indica-nos ainda que, mais tarde, Nietasche faré uma ligusio da linguagem com a consciéncia, mostrando que esta passou a ser tomada como ctitério supremo de valor. A consequéncia desta alianga foi a de ter imprimido A vida dos homens, primordialmente, seu cariter de conservagio, A consciéncia, portanto, ao invés de estar a servigo da vida, de sua efetuagio, estaria comprometida com seu julgamento, Seria movida pela vontade de verdade e nfo pela vontade de poténcia, Em A genealogia da moral (Nietesche, 1987), recuperar-se-4 a nogio de bom como afirmacio, como atividade, contrapondo-se as categorias essencialistas de Bem ¢ Mal, buscadas pela consciéncia, Esta, cooptada pela moral judaioo-cista teria invertido os valores éticos ao colocar como bons os miseriveis, pobres e necessitados. Esta incitaglo a resignagio e passvidade, do ponto de vista de Nietzsche, seria a propria negagio da vida. Niilismo que expressaria o triunfo das forcas reativas, a vontade de nada vencendo a vontade de viver. Y Para denunciar este niilismo, ele nos propée uma posisio extramoral, perspectiva para além de Bem e Mal. Aoinvés de tomar a consciéncia como critério de julgamento da vida, aquela que buscaria na profundidade o Bem ¢ Mal, propde-nos tomar a vida como critério de avaliagio. O que a vida quer € se exercer, se expandir, ¢ niio se conservar. le ‘Trata-se de invertera profiandidade, entender que ela nao passa de um jogo de superficie. Nao ha sentido original, Bem a ser alcangado, Moral a ser acatada. Como ele proprio diz, “é preciso aniquilar a moral para libertara vida’ (Nietzsche, F. apud Machado, 1985, p.83). 4 a a verdade, vontade de moral, sio vontades de morte, negagio da vida Para superar este nilismo temos que suspeitar do valor dos valores, instituir sistematicamente genealogias ¢ nio esquecimento, temos que tomar a vida como vontade de poténcia Anda em A genealgia da moral, no aforisma 12 da terceira parte, Niewsche valoria a diversidade de perspectvas com as quais nosso pensamento deveria se confrontar. Chama atencio para 0 cuidado que deveria ser tomado neste processo de conhecer que, por muito tempo, nto inclu as interpetagtes nascidas dos afetos, Fala-nos de um perspectivismo que pde em questio a equivaléncia conhecimento = acesso a vercade, termos tomados, por grande parte da filsofia ocidental como inextricavelmente interligados. Ao tomar esta equivaléncia em andlise, Nietzsche a 19 desmancharé, desmontando os lagos naturalizados e ahisto- ricizados que durante séculos a sustentaram, ‘Trazendo A cena o argumento de que nio existe instinto de conhecimento, nenhum érgio para conhecer a verdade do mundo, Nietzsche esta concebendo a filosofia como ctiagio de valores ¢ no como teoria do conhecimento, Para ele, qualquer processo de conhecimento esta impregnado das verdades de quem conhece. Logo, sempre traduz avaliagdes e, por isso mesmo, tem que ser avaliado, Mais importante do que afirmar ou negar a possibilidade de conhecimento do mundo é 0 questionamento do valor das diferentes atitudes dos fildsofos em relagio a este conhecimento. © perspectivismo também aponta para 0 conhecimento enquanto relacio, apropriagio. E 0 corpo que conhece. Ao dizer isto, Nietasche se coloca contrério as explicagdes dadas pelas faculdades do espirito, Rejeita, asim, a dicotomia corpo/espitito (mente) ¢ todo poder transcendente na explicasto do que é conhecer, dado que ele ¢ resultante das interagées, Nietzsche utilizar afisiologia ea histéria para falar do conheccn, Criticaré 0 racionalismo por ignorar a fsiologia e o empirismo por

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