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''À Filosofia Moral, compete considerar muito mais a amizade que a justiça”.
(Tomás de Aquino)
Preliminares
2. JUSTIÇA E ARGUMENTAÇÃO
Tomemos agora o exemplo do direito humano a não ser torturado, que se tornou
problemático nos últimos anos.
Os juristas do departamento de Estado norte-americano chegaram à conclusão, depois de
examinar cuidadosamente os textos das Convenções de Genebra que especificavam o
conceito de tortura, que a privação de sono e de comida, e a manutenção dos
interrogados em posições estressantes não constitui tortura. O professor de Direito Penal
da Universidade de Harvard, Alan Dershovitz, defendeu que a inserção de agulhas
esterilizadas sob as unhas dos interrogados também não constituiria tortura, pois essa só
se configura com a perda de uma função ou membro.
Neste exemplo, vamos focalizar o término do processo deliberativo, a formulação do juízo
para o caso. A nossa hipótese é a de que o consentimento a um determinado juízo deve
atender a reciprocidade exigida pela amizade.
O raciocínio prático opera a partir de princípios, e o primeiro deles, no campo da
moralidade intersubjetiva é o mandamento do amor ou a regra de ouro , que para Tomás,
é uma regra de amizade: “Se dice en la Ética que los sentimientos de amistad hacia el
prójimo tienen su origen em los sentimientos del hombre hacia sí mismo, porcuanto el
hombre se conduce con los otros como consigo mismo. Y así en el dicho: Todo lo que
quereis que os hagan los hombres, hacedselo vosotros a ellos, se declara certa regla de
amor del prójimo, que implicitamente se contiene también em la sentencia: Amarás al
prójimo como a ti mismo; y así viene a ser una explicación de este precepto.”
A prioridade do dever fundamental de amizade em relação aos deveres específicos de
justiça é explicitada por Tomás nas seguintes passagens: “Aquellos dos preceptos (del
amor de Dios e del amor del prójimo) son los preceptos primeros y universales de la ley
natural, de suyo evidentes a la razón, o por la naturaleza, o por la fé; y así los preceptos
del decálogo se reducen a ellos como conclusiones a sus principios.” O preceito primário
é um preceito de amizade, os preceitos secundários ou derivados são preceitos de justiça:
“Los preceptos de la segunda tabla contienen el orden de la justicia que se debe observar
entre los hombres, a saber, que a ninguno se haga perjuicio y que se dé a cada uno lo
que le es debido.”
A justiça está subordinada, portanto, à amizade. Tomás afirma que “la ley humana mira
principalmente a fomentar la amistad entre los hombres”. A ordem da justiça instituída
pela lei está voltada à realização da amizade. Como só sabe aplicar a lei quem conhece e
quer o fim da lei, conclui-se que somente aquele que se coloca em um horizonte de
amizade é capaz de identificar o caso da lei. Se o primeiro princípio que regula as
relações com outrem exige a reciprocidade da amizade, o juízo de justiça só se torna
perfeito se for orientado por uma atitude volitiva de querer para o outro o bem que se quer
para si: “un hombre es amigo de otro cuando hace al amigo lo mismo que se haría a si
mismo.”
Voltemos ao nosso exemplo. Após a argumentação sobre o conteúdo do dever de justiça
“não torturar”, deve haver o consentimento a uma das possibilidades interpretativas. A
passagem do universal “não torturar” ao singular do caso depende, obviamente, da
argumentação. Inicialmente, discute-se os critérios de inclusão ou exclusão de atos sob o
conceito de tortura. Contudo, ainda que a argumentação seja condição necessária do
juízo, ela não é condição suficiente. A argumentação abre-se ao infinito. Não há
fechamento argumentativo interno à argumentação. Diante das várias possibilidades
dadas pela argumentação, é necessário um ato não-predicativo de consentimento que
encerre a argumentação a partir de fora. Se a amizade é o fim da justiça, a escolha do
melhor argumento deve ser fundado em uma atitude de reciprocidade: o que é tortura
para mim é também tortura para o outro. Não basta a consciência de regra de ouro: é
necessário a virtude que a atualize. Se eu fosse interrogado, consideraria que a inserção
de agulhas esterilizadas sob minhas unhas constituiria um ato de tortura? Toda
classificação presente na argumentação jurídica deve culminar na identificação com o
outro: somente aquele que se faz caso da regra conhece o conteúdo da regra.
No caso da atual doutrina norte-americana sobre tortura, torna-se patente a advertência
de Carl Schmitt, que alertava para a necessidade da justiça ser orientada pela amizade:
“Se o inimigo se torna juiz, o juiz se torna inimigo” .
CONCLUSÃO
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, vol. IV. São Paulo: Loyola, 2005.
____________. Comentário a la Ética a Nicómaco de Aristóteles. (trad. Ana Mallea).
Navarra: Eunsa, 2000.
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KIERKEGAARD, Soren. As obras do amor (trad. Álvaro Valls). Petrópolis: Vozes, 2005.
LAMAS, Felix. La experiência jurídica. Buenos Aires: Instituto Filosófico S. Tomás de
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