Artigo Científico
Resumo
Neste artigo, apresenta-se uma pesquisa através da qual se investiga se os tipos combinatórios
([tópicos] + [veículos]) de sentenças metafóricas apresentam regularidade interpretativa.
Examinam-se relações paradigmáticas e relações sintagmáticas de ocorrências metafóricas com
verbos de mudança de estado. Realizou-se uma descrição dessas relações baseada na análise de
100 exemplos reais de metáforas verbais retirados da web, porém neste artigo serão
apresentados apenas 19 exemplos. Os resultados preliminares sugerem que a interpretação de
uma metáfora ocorre por meio de dois níveis: 1º nível – identificação do tipo de metáfora, 2º
nível – identificação da relação sintagmática relevante. Este trabalho confirma a hipótese de
que a regularidade que pode ser encontrada no uso das metáforas com verbos de mudança de
estado está baseada no resultado da ação verbal e que o conhecimento semântico que organiza
classes de palavras, como a classe dos verbos de mudança de estado, é fundamental para a
interpretação de metáforas. Este estudo que se apresenta neste artigo é uma pesquisa em
andamento para a dissertação de mestrado em Lingüística, portanto os resultados obtidos ainda
não são conclusivos. © Cien. Cogn. 2008; Vol. 13 (3): 187-198.
Abstract
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Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3): 187-198 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição
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1. Introdução
Através deste artigo, de acordo com a perspectiva apresentada por Moura (2005,
2007), tenta-se defender que o uso metafórico é guiado por certos padrões lingüísticos. Aqui,
propõe-se descrever uma metodologia de análise de metáforas com verbos de mudança de
estado. Nesta proposta, a metáfora será enquadrada como tipo, isto quer dizer que se defende
que a interpretação de uma metáfora não acontece casualmente, mas resulta da introdução de
uma ocorrência num dado tipo. Desta forma, sustenta-se que uma ocorrência metafórica pode
estar associada a um tipo que pode definir não completamente, mas em parte a interpretação
de uma metáfora. Os padrões lingüísticos que definem os tipos de metáforas envolvem
relações paradigmáticas e sintagmáticas. Para descrever como um falante interpreta uma
sentença metafórica é necessário analisar com cuidado o contexto lingüístico e tentar
encontrar os paradigmas dos itens lexicais envolvidos e os sintagmas em que eles se agrupam,
sempre tomando por base a estrutura léxico-conceptual da linguagem, tal como defende
Moura (2007). Até agora, realizou-se uma descrição preliminar desses padrões analisando 100
exemplos reais, retirados da web, de metáforas com verbos de mudança de estudo. Neste
artigo será apresentada uma descrição desses padrões a partir de 19 metáforas que apresentam
os verbos congelar e engessar.
O objetivo desta proposta é investigar a partir de relações paradigmáticas e
sintagmáticas se os tipos combinatórios de metáforas com verbos de mudança de estado
apresentam regularidade interpretativa e, a partir daí, tentar propor um tipo combinatório de
metáforas com verbos de mudança de estado. A hipótese de trabalho é que a regularidade que
pode ser encontrada no uso das sentenças metafóricas com verbos de mudança de estado pode
estar baseada no resultado da ação verbal e não na forma ou no aspecto dessa ação. Essa
hipótese está fundamentada na perspectiva de Moura e será analisada através da metodologia
adotada.
O artigo está organizado da seguinte forma: na seção 2, apresenta-se a metáfora
enquadrada como tipo; na seção 3, descreve-se a metodologia a ser seguida na análise do
corpus e é apresentada a descrição dos dados das metáforas com verbos de mudança de
estado; na seção 4, identificam-se padrões regulares de interpretação e na seção 5, discutem-se
alguns resultados e conclusões parciais, pois este artigo está embasado na dissertação de
mestrado “Metáforas com verbos de mudança de estado” que está em andamento.
Um dos modelos mais famosos e conhecidos que estuda a metáfora a partir de tipos é
a teoria conceptual (Lakoff e Johnson, 2002). Essa teoria sustenta que a metáfora não é um
recurso da linguagem, mas do pensamento. Nesse modelo a sistematicidade da metáfora é
buscada no plano da representação cognitiva, portanto é uma sistematicidade externa que se
situa na mente do falante.
Nesta pesquisa, estuda-se o uso metafórico a partir de tipos de metáforas, mas de
maneira diferente da teoria conceptual. Busca-se investigar a sistematicidade da metáfora no
plano lingüístico e não no plano de representação mental. Isso quer dizer, tal como defendem
Moura (2005, 2007) e Veale (2003), que neste caso se está assumindo uma perspectiva interna
da sistematicidade da metáfora, a qual analisa quais são os fatores internos da estrutura léxico-
conceptual de uma sentença metafórica que levam à interpretação. Segundo Moura (2007), a
sistematicidade interna contribui para que se possa realizar uma descrição minuciosa dos tipos
de metáforas e mostrar, detalhadamente, a interação entre o tópico e o veículo de uma
sentença metafórica.
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Como o objetivo deste estudo é propor um tipo combinatório de metáforas com verbos
de mudança de estado, realizam-se estudos de relações paradigmáticas e estudos de relações
sintagmáticas de sentenças metafóricas. Essas relações podem ser compreendidas como um
meio de analisar de maneira minuciosa como as metáforas funcionam. Nesta pesquisa, duas
questões postulam a análise que virá a seguir:
Juntamente com Moura, elaborou-se uma metodologia centrada nas duas questões
acima citadas, para que se pudesse realizar e desenvolver uma investigação segura. Essa
metodologia de análise de dados segue os seguintes passos:
1º Passo: Definir uma categoria semântica (nominal ou verbal) que ocorra na posição de
veículo das metáforas a serem investigadas.
2º Passo: Definir uma lista de itens lexicais pertencentes à categoria semântica escolhida
(construção da relação paradigmática).
3º Passo: Pesquisar na web ocorrências de metáforas com esses itens lexicais na posição de
veículo (Fellbaum, 2005).
4º Passo: Identificar, na análise de dados, classes de interpretação (conjuntos de paráfrases)
que possam ser inferidas a partir dos dados, para cada item lexical analisado.
5º Passo: Identificar possíveis correlações entre classes de interpretação e relações
sintagmáticas (construção das relações sintagmáticas).
6º Passo: Comparar as relações sintagmáticas dos diferentes itens lexicais, obtidas no 5º
passo, e identificar padrões de interpretação. Se padrões de interpretação forem
encontrados, postular um tipo de metáfora.
1º Passo: Deve-se selecionar uma categoria semântica para investigação. Essa categoria
deve ocupar o lugar de veículo da metáfora e pode ser uma categoria verbal ou
nominal. Como nesta pesquisa o foco é estudar metáforas verbais e não nominais,
a categoria semântica selecionada para estudo é a dos verbos de mudança de
estado.
2º Passo: Almeja-se ressaltar que um paradigma (categoria semântica) como a dos verbos é
bastante vasta, grande e variada.
3º Passo: Usam-se mecanismos de busca na web (como o Google), mecanismo de análise de
dados que já foi testado na literatura (Fellbaum, 2005). Por meio deste método de
pesquisa, coletam-se exemplos de sentenças metafóricas reais e contextualizados.
Admite-se que os resultados que se obtiver nesta pesquisa não serão exaustivos e
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(2) “Para sair do banho, por exemplo, Luciana precisava congelar um pensamento bom na
mente.”
(Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://scotty.ffclrp.usp.br/periodicos/veja/
Mentes%20que%20aprisionam.htm).
(5) “Congelaria a emoção de amar com toda intensidade ... ... Aliás, não congelaria não ...
Quero é manter bem aquecido ...”
(Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://www.blogtematico.blogger.com.br/
2005_08_28_archive.html).
(6) “Modelos, atrizes e alunas fazem parte das fotografias de Silveira, que abusou de sua
capacidade de preparar atores – como Ana Paula Arósio, Déborah Secco, Fábio Assunção e
Marisa Orth – para fotografar e congelar eternamente a emoção do momento.”
(Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://www.geleiageral.com.br/gratis/
beto_silveira.htm).
(9) “Não mais desperdiçar minhas lágrimas. Não mais achar me perdido. No fundo eu fui um
idiota. Não mais acreditar no nada. Não mais congelar o medo.”
(Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://gloria.letras.terra.com.br/
letras/206417).
Paráfrase (a): Tornar imóvel, paralisar. Exemplos: (1), (3), (4), (5), (8), (10).
Paráfrase (b): Guardar, registrar. Exemplos: (6), (7).
Paráfrase (c): Armazenar, ter. Exemplos: (2), (9).
5º Passo
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Paráfrase (a): Tornar imóvel, paralisar. Exemplos: (1), (3), (4), (5), (8), (10).
Tópicos: Espiritismo, momento, momento, emoção, tudo, tempo.
Classe semântica (Hiperonímia):
● Religião: Espiritismo.
● Período de tempo: momento, momento de descoberta, tempo.
● Sensação: emoção.
● Indefinição: tudo.
Dimensão relevante do tópico: Duração.
Relação sintagmática (a): [Tópico (Religião, Período de tempo, Sensação, Indefinição) +
Veículo (congelar)].
3º Passo - Foram coletadas, na web, nove ocorrências de metáforas com o verbo engessar:
(1) “Para Carrion, nenhuma forma de gestão pode engessar a luta social e popular e nem
desresponsabilizar o governo ...”
(Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://www.ongcidade.org/site/
noticias_completa.php?).
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(4) “A idéia do planejamento não é engessar sua vida, muito pelo contrário, dar liberdade.”
(Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://chat04.terra.com.br:9781/
henriqueflory.htm).
(7) “Ainda não existe súmula vinculante sobre o tema, capaz de engessar o poder de
interpretação do juiz.”
(Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://www.amab.com.br/marcosbandeira/
sentencas.php?cod=56).
(8) “Não defendo a reserva de mercado da língua portuguesa, pois tentar engessar um idioma
é o mesmo que condená-lo à morte.”
(Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://www.teclasap.com.br/boletim/
ed_anteriores/infotainment262.shtml).
(9) “Dessa forma cria-se um impasse, porque o Estado não teria condições de fazer os seus
registros, o que iria engessar as ações, explicou a assessoria de imprensa.”
(Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://www.mp.mt.gov.br/noticias.php?
IDCanal=OTE=&IDSubCanal=Mjk=&view=MjE5NQ).
5º Passo
Paráfrase (b): Impedir de prosperar, de evoluir. Exemplos: (2), (3), (4), (6), (8).
Tópicos: Futuro da nação, idéias, vida, Amazônia, idioma.
Classe semântica (Hiperonímia):
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No quadro 1 pode-se verificar que os tópicos e as paráfrases são bem variados, mesmo
ocorrendo repetições, resultado já apresentado por Moura (2007). O que parece certo é que as
ocorrências de metáforas com um mesmo item lexical na posição de veículo (por exemplo, o
verbo congelar e/ou engessar) se encaixam em uma das relações sintagmáticas possíveis.
Sobre as paráfrases, a princípio, conclui-se que parecem ser dependentes do conteúdo
lexical do verbo. Por exemplo, “retenção”, é um traço que se destaca nas paráfrases das
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metáforas com o verbo arquivar. E essa “retenção” parece ser interpretada de modo diferente,
isto é, de acordo com o tópico da metáfora. Observe as seguintes construções:
No quadro 2 Moura (2007: 447) mostra que “o subscrito v indica que esse estado é
relativo ao conteúdo semântico de cada verbo. A própria natureza semântica do verbo de
mudança de estado ressalta esse estado resultativo”. De acordo com Pustejovsky (1995) e
Chierchia (2003), os verbos de mudança de estado são também conhecidos como verbos
télicos, pelo fato desses verbos acarretarem um ponto auge da ação verbal. A partir do verbo
“congelar”, tenta-se explicar a relação dos verbos de mudança de estado (verbos télicos) com
as metáforas. (Moura realizou essa explicação a partir do verbo arquivar). Nesse caso,
percebeu-se que se alguém pensar no sentido literal do verbo congelar, isto é, na ação de
congelar notará que esse item lexical envolverá:
● um agente;
● um período de tempo;
● um modo de agir;
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● um resultado.
Nesse caso, uma sentença metafórica com a presença desse verbo poderia explorar
qualquer uma dessas dimensões do evento de congelar. Mas, ao se analisar as paráfrases do
quadro (1) e ao se considerar o(s) sentido(s) metafórico(s) desse tipo de ocorrência, percebeu-
se que a única dimensão relevante é o resultado da ação de congelar, as outras dimensões do
evento de congelar não se destacam. O que importa é somente o resultado, isto é, que o
paciente, o objeto da ação verbal → está congelado. E estar congelado pode gerar diferentes
analogias, dependendo do tópico ao qual se aplica a metáfora do congelar. Por exemplo:
Diante dos fatos examinados e estudados até aqui, pode-se concluir, assim como
Moura que o estado resultativo é a única dimensão relevante do processo verbal. Esta
conclusão é válida para os todos os verbos analisados neste trabalho. No momento, o tipo de
metáfora com verbo de mudança de estado pode ser postulado com base em Moura (2007:
447):
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“O efeito cognitivo da metáfora deriva dos padrões de ligação entre conceitos que ela
cria [...]. O que pensamos ao dizer uma metáfora é idéia ou apresentação de como as
coisas são. Para isso, usamos a linguagem, e as correlações de categorias que ela
permite. Se a linguagem se baseia em padrões de interpretação, é natural que o
pensamento reflita esses padrões.” (Moura, 2007: 448)
Por meio desta pesquisa que desenvolveu uma análise descritiva de um corpus de 100
metáforas com verbos de mudança de estado, sendo apresentadas, neste artigo, somente 19
ocorrências metafóricas desse corpus examinado, chegou-se a algumas conclusões parciais
que já foram apresentadas por Moura ao desenvolver seus estudos. Dentre essas conclusões,
deduziu-se que o uso da metáfora busca correlações na linguagem com o objetivo de exprimir
pensamentos, dessa maneira, é possível perceber que o uso da metáfora não depende só do
pensamento, nem só da linguagem; mas, sim, está relacionada tanto à linguagem como ao
pensamento.
5. Agradecimentos
6. Referências bibliográficas
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