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Combates Urbanos: a cidade como territério de criacao Luis Anténio Baptista! Ee [o fascismo] vé sua salvagio no fato de permitir as massas a expressio de sua natureza, mas certamente no a dos scus direitos. (..) Na época de Homero, a humanidade oferecie-se em expetécilo sos deuses olimpicos; agora, ela se transforma em sspeticulo para si mesma, Sua auto-lienagio atingiu ponto que the permite viver sua propria destruigdo como um prazerestticn ‘ke primeira ordem. Kia esteuzaco da politica, como a praca 0 fascismo. 0 comunismo responde com 7 politizayiy da arte. (Water Renjamim. A obra de arte na era de sua teprodutbilidade twenied) A identidade alemA foi confeccionada como obra de arte: formas espetaculares desenharam 0 espirito da massa nos cstidios esportivos, nas marchas militares, em cangdes Patriéticas. O nés coeso deveria anunciar ao mundo a supremacia dessa identidade. A estética nazista indicou quem cram os alemfcs, 0 que deveriam scr, mas velou a transfiguragéo da alma ariana, O povo vislumbrava o rosto coletivo, reconhecia-se nele, consumia-o, impossibilitado de violar a esséncia lem ou conspirar um outro destino. Arte * Professor titular do Departamento de Psicologia da UFF. Palestra proferida no XT{ Encontro Nacional da ABRAPSO, Porto Alegre, 16/10/03 ¢ politica fizeram a diferenga brithar, mas impediram-na de recusar a estética da sua irremediavel natureza. Alemio so deveria beber cerveja alema. © que a estetizacdo da politica apontada por Walter Benjamim tem a nos dizer sobre a criutividade do capitalismo contemporénco? Pode a cidade ser definida como zona de guerra’, onde a afirmagio da vida se faca aliada? Salvam as cidades as coisas da sua crescente miséria? Mas qual miséria? A criatividade invade 4 cidade em mais um ato dé indignacSo contra a violéncia. Na manbi chuvasa do Rio de Janciro, a passeuta atravessa 2 Avenida Vieira Souto clamando Por par. Homens, mulheres, criangas, politicos, representantes dos movimentos sociais, misturados aos atores da novela das vito, suplivam por uma cidade desarmads, Entre o mar © os prédios gradeddos, a passcata criativa enuncia palavras de ordem nas misicas, nas corcografias das alas, desejando um mundo pacifico e seguro. Todos de branco exigem 0 fim da inseguranga que ameaca os seus lerriérivs vigindos. A Avenida Vieira Souto transforma-se em cenirio da novela de maior audiéncia nacional. O espago piblico converte-sc_cm estidio televisivo de angustias privatizadas, medos comunitirios, inseguranga de pagadorcs dc impostos, gritando basta a violéncia. Os rostos desta multidio Procuram pelas ¢émeras, posam emocionados para as maquinas fotogrificas, ansiosos em reconhecer, nas futuras imagens da midia, dores coloridas, emogdes familiares, em mais um espeticulo urbano onde tudo fenece rapidamente. ? Segundo James Holston “Essa zona de guerra contemporinea compreende ni sé « terror dos esquadrdes da ‘morte e das gangues, mas também o terror das fortalecas corporativas e dos enclaves suburbanos. Os iltimos sto tanibém formas insurgentes do social, subvertendo as proclumadas igualdades ¢ principios universais da ciidadania nacional, (...) Tanto quanto © otimismo pode ser irratiade pelos enovimentos socigis ds cidade. essa ansiedade paira sobre suazona de guerra, esrturando seus possiveis futuros.” TTolston , James. Espagos de cidadania insurgente In > Arantes, A. (org) Kevisia co Patriménin Histérico & Artisticn Nacional No. 24, Rio de Janeiro, 1996. Na manifestagao publica, dissabores singulares diferenciam-se tanto das que sdo tepresentadas pelos atores da novela quanto das expressadas pelos manifestantes temerosos das balas perdidas. Nesta passeata do espetaculo, homens ¢ mulheres exibindo cartazes com nomes ¢ fotos de seus mortos. assassinados pela violéncia do Estado, desprezam as cdmaras, ignoram 0 trajeto rumo a TV, portando cicatrizes que nenhum espeticulo urbano consegue dissipar. S4o cicatrizes narradoras de sofrimentos ndo localizaveis em nés ou eus particulares, marcas da histéria do nosso pais entrelacada a outros lugares, apresentando a forca da meméria como arma combativa, em momentos de perigo que nos enfraquecem como protagonistas do nosso tempo. Essas marcas narradoras de histérias inacabadas sujam as imagens da multidio de branco, que suplica por serenidade em seus condominios gradeados, como se a cidade como zona de guerra inexistisse. Quando as cicatrizes perdem © risco de macular a paisagem, inspiram compaixdo e lagrimas efusivas, que logo se esvaem como um banal acontecimento neutralizado pelo excesso de emogées. Por meio desse excesso, nada aturde, nada interpela pensamento a destruir o sinistro desencanto alheio as urgéncias do agora, indicando 0 que poderia ter sido feito e o que pode estar por vir. Deste excesso banalizador, sé resta o exilio do consumidor solitério, contemplando imagens sem corpo, sem tempo, ou eapanto. As cicatrizes com cheiro e textura dos parentes das vitimas da violéncia do Estado contrastam com a criatividade das ilhas de produgdo cinematogréfica, editando aceleradamente 0 tempo dos acontecimentos a fenecer antes de finalizar 0 re tem a nos dizer. Atravessando a Avenida Vieira Souto, imagens urbanas coloridas, emocionadas, Passam rapidamente sobre as calgadas, apresentando-nos mais um espetéculo a ser consumido durante 0 jantar. A noite, esta cena comovente é exibida aos pedagos, entre 0 comercial do cartio de crédito e do sabaio em pé, sugerindo ao cidadao-telespectador digerir mais um sedutor esquecimento, fixado ao presente eterno, seguindo sempre em frente. Fragmentos velozes, atraentes, tentam apaziguar narragdes nervosas que teimam em ermanecer propondo um outro enredo. Durante o jantar, gros de luzes em movimento na tela desmaterializam a meméria, negando-a corpo ou fria. Podem as cidades salvar as coisas de sua crescente miséria? Na zona sul carioca, no bairro de Laranjeiras, jovens guerreiros correm pelas ruas. Sao militares do Batalhdo de Operagées Especiais, exercitando os misculos € © espirito da corporagiio. O exercicio aerdbico ¢ realizado todas as manhis, de forma criativa, moderna, diferente do uso das tradicionais palavras de ordem usadas por velhos militares enaltecendo a patria. Percorrem as ruas do bairro em movimentos cadenciados, utilizando 0 rap como inspiragao. Na gindstica matinal para 0 fortalecimento dos misculos, do espirito coeso do grupo, cantam com a voz viril, guerreira, o ritmo nascido nas periferias urbanas. Os soldados do Batalhéo de Operagdes Especiais, contudo, desejam a cidade limpa. Da periferia, s6 utilizam o ritmo: os jovens guerreiros desprezam a sujeira da poesia criada nas favelas, onde os poetas fazem da sucata, do lixo, uma arma de combate. Correndo pelas calgadas com garbo e disciplina, jovens militares entoam os seguintes versos: “Bandido favelado no se varre com vassoura ‘Se varre com granada, com fzil, metralhadora ( interrogatério é muito ficit de fazer Pega o favelado ¢ dé porrada até doer E 0 interrogatério é muito ficil de acabar Pega o bandido e dé porrada até matar” Vozes masculas, ritmadas, exibem para 0 Rio de Janeiro a forga militar solicitada pela populagdo que exige seguranga e paz. Jovens guerreiros apresentam-nos todas as manhis 0 espetéculo musical, indicando-nos as origens das mazelas urbanas ¢ 0 modo de ‘combaté-las. Nesta misica, vozes civis de donas de casa, aposentados, profissionais liberais, parlamentares participam de varios cantos estranhos a caserna, compondo 0 coro tunissono capaz, segundo eles, de enfrentar as sombras da cidade. Para esse coro polifénico, 0s males que ameacam 0 Rio de Janeiro congelade em cartio-postal devem ser extirpados pela raiz. A cidade invisivel dos caminhos inusitados, das bifurcagées, encruzilhadas, que descongela 0 pensamento sugerindo-o a escapar de verdades criadas pelo medo e pela forga, é ofuscada pela estética bélica da seguranga pilblica. A paisagem carioca congelada em cartio-postal nao admite qualquer impureza que possa interfenir na sua geogratia, E.a cidade eterna, inevitével, muda, retratada sem nenhuma chance de provocar estranhamento. Jovens mésculos, musculosos, senhoras ¢ senhores civis, utilizam a higiene como arma para a seguranga das suas inseguras existéncias. O horror para eles é apenas um espetaculo. Pode a criag&o gerada dos territérios urbanos salvar as coisas da sua crescente miséria? Mas qual miséria? Qual criagao? ‘A mulher negra de quarenta e poucos anos acorda assustada, procurando 0 cobertor. (Olha para 0 lado ¢ ndo encontra a caixa de papelio com seus pertences. Desesperada, constata pessoas estranhas pressionando-a para entrar no carro. Ela, aténita, no entende a inusitada situagao. Sao seis horas da manha na calgada da rua Visconde de Pirajé, em Ipanema. A moradora de Mesquita, na Baixada Fluminense, vendedora de balas no sinal de transito, que dorme na rua para economizar o dinheiro da passagem, desperta do sono, assustada, ¢ descobre 0 desaparecimento dos seus objetos. Na caixa de papeldio guardava caneca, carteira de identidade, roupas intimas, batom, oragdo de Sdo Jorge, 0 enderego da comadre, casaco para a chuva, fotos dos filhos vivos ¢ mortos embrulhadas no papel do pao. A funciondria da prefeitura, com voz doce, informa que uma vida melhor a espera. O rapaz de voz firme confirma a informagdo, ¢ the diz que ndo precisa mais da caixa; no abrigo, tera roupa lavada, cama, alimentos, e a protegdo da prefeitura. A operagio “Cata ‘Tralha” Jimpa as calgadas, retirando das suas ruas qualquer impureza que possa sujar a paisagem urbana, Consternada, a vendedora de balas constata que a caixa de papellio com objetos da sua histéria, misturada a da cidade, foi para o depésito municipal. Os seus pertences, contando coisas dela entrelagadas a muitas outras, viraram mais uma tralha incémoda ao Rio de Janeiro. No depésito, um siléncio cortante entulha o espaco de nada, A mulher chega a triagem da Secretaria de Desenvolvimento Social do Municipio ainda assustada, ¢ descobre que 0 que Ihe foi prometido inexiste. Toma banho, segue com a mesma roupa, é submetida a uma série de entrevistas, € a noite levam-na para dormir junto 08 outros moradores das ruas. Ao scu ludo, » homem com tuberculose reclama do desaparecimento do seu cachorro. No quarto abafado, dormem criangas, adolescentes, homens sem carteira de identidade, sem cachorro, sem oragdo de Sao Jorge, sem endereso da comadre, sem fotografias dos filhos vivos e mortos, espera da vaga nos abrigos. Pela manhii, ela ¢ dispensada ¢ retoma sem nada a rua. A operago "Cata Tralha" the recomenda nlio se fixar no mesmo posto. Tralhas humanas ou inumanas so proibidas de parar, devem se deslocar, circular pela cidade como imagens em aceleragao, para ndo interferir na paisagem congelada em cartdo-postal. Desmaterializados, mudos, despossuidos dos objetos da meméria, recomegam a nova vida circulando atados ao presente eterno que Ihes oferta somente a sobrevivéncia. O ontem o amanba destas tralhas humanas ocupam o depésito municipal. O tempo virou lixo; a historia deles, ¢ a da cidade invisivel provocando 0 > Nome ut izado pelos técnicos da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, pensamento a se desacomodar, contagiado pelas minisculas asticias do cotidiano, prenunciando uma outra historia, também. No Rio de Janeiro do final dos oitocentos, vagabundos. loucos, criminasos, miseraveis, eram retirados do espago publico ¢ alocados nos devidos Iugares para a corregio dos males entranhados em suas almas. Essas criaturas "perigosas" necessitavam da forga da lei ¢ da ciéncia para a higienizagdo do espago urbano. Nas cidades do mundo do espeticulo do capitalisme fluido, leve, onde tudo fence rapidamente, os abrigos so inoperantes. Nesses lugares, estrategicamente precérios devido a lipoaspiraglio do Estado enxugando gastos, a hegemonia do mercado nao os retém, ¢ sim os expele, ou os acolhe provisoriamente, antes de mais uma incessante circulag&o. Utopias e futuro sio gorduras anacrénicas. Somente nas delegacias, presidios, campos de concentragio, depésitos municipais, desprovidos de qualquer sonho regenerador, tralhas humanas se amontoam cada vez mais, para que a cidade tenha seguranga ¢ serenidade. Podem as cidades salvar as coisas da sua crescente miséria? A cidade como territério de criagdo combate © qué? Qual criagdo? Qual combate? A vendedora de balas, moradora de Mesquita, entra nas Casas Bahia e pede uma caixa de papeldo. A vizinha Ihe dé 0 cobertor puido, usado para passar roupa. Na igreja ela ganha uma outra oragdo de Sao Jorge. Da venda das balas, compra o batom. A irma descobre uma foto antiga do sobrinho assassinado pela policia. Pouco a pouco, a caixa de papeliio ¢ ocupada por novos objetos. Ela repete tudo de novo para nao ser destruida mais uma vez. Ela repete tudo de novo, recusando ser desmaterializada, ou traduzida em eu ou 1nés concentrador de experiéncias irremediavelmente delimitadas e finalizadas. Ela repete tudo de novo indo ao encontro do humano afirmado como transgressio ao que possa impedi-lo de ter ou fazer historia.“ Na caixa, um mundo em frangalhos, puido, & recriado por experiéncias usadas, recompondo em inesgotaveis sentides crénicas do cotidiano supostamente exanridas Fla enfrenta o tempo asséptico do capitalismo contemporaneo, utilizando como arma a fuiria da meméria. Na passeata de Ipanema, manifestantes desatentos as cimaras da TV repetem ha muitos anos 0 nome de scus familiares assassinados pelo Estado. Mulheres argentinas, sistem cm repetir palavras de ordem no espayo piblive, desprivatizando suas dores, tomando-as civis, recusando 0 fardo da autoria. Essa gente andnima se apropria da cidade como zona de guerra. Ao contrério da concepgao dos guerreiros do rap, fundada no medo € no genocidio, esta guerra tem a afirmago da vida como aliada. A cidade como zona de guerra ¢ a ferramenta utilizada para o embate a crescente miséria produzida pelo capitalismo contemporineo. Essa miséria se materializa no desencanto paralisante decretando 0 esgotamento de experiéncias que ficaram na metade do caminho, na espreita de parcerias contempordneas em momentos de perigo; essa miséria se concretiza na impossibilidade de recusarmos aquilo que nos define para todo 0 sempre ¢ sufoca a forca criativa da revolta privatizando-a, tomando-a tola, ressentida. Para o desencanto celebrado pela légica do mercado, s6 nos restam caréncias intermindveis nunca saciadas no mundo espetacularizado, criativo, empurrando-nos para a Avida procura do novo que fenece rapidamente antes de afirmar a fora da sua presenga. E 0 mundo da politica convertido em estética sedutora, do fomento criatividade que nfo leva a lugar + Por meio do gesto dessa mulher, desejamos ilustrar a concepcio de atividade humana presente nos “Manuscritos Filosoficos de 1844. Segundo Vazquez, A., 4 luz da anilise marxiana dos Manuscritos: “Para que 0 homem satisfaga propriamente suas necessidades, ele tem que libertar-se delas superando-as, ou seja, fazendo com que percam seu carter meramente natural, instintivo, e se tormem especificamente humanas. Isso quer dizer que a necessidade propriamente humana tem que ser inventada ou criada. O homem, portanto, nao é apenas um ser de necessidades, mas sim um ser que inventa ou cria as suas proprias necessidades”, ‘Vazquez, A. S. Filosofia da Prixis. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977, p. 142. nenhum, a ndo ser a0 vazio voraz individualismo fincado na incerteza. Da miséria ganhamos 0 desprezo ou a indiferenga a tudo que ultrapasse os territérios gradcados fixando-nos na falta, Da falta ganhamos apenas o irremedidvel destino de um eu solitario em permanente desmanche. Do desmanche permanente, ganhamos a privatizagio do sofrimento ¢ 0 modo de combaté-lo. Da privatizagao de dores ¢ insurgéncias, perdemos a chance de inventarmos um outro mundo possivel. Nas cidades usadas como zona de guerra, nada esté concluido ou perdido definitivamente. A paz nao & bem vinda, porque a alteridade, em sua radicalidade tensa, desacomoda, perturba, 4 semelhanga da politizagao da arte criadora de intensidades inesgotaveis de sentidos, diluindo compactas ¢ irrefutiveis formas de eu € nés. Nas cidades como campo de combate, podemos fazer da insurgéncia um ato criativo, a semelhanga da teimosa caixa de papeldo das Casas Bahia, prenhe de artes da existéncia contando histérias intermindveis. Nessas cidades, a afirmagao da vida’ nao nos da sossego. Nada esté em paz, concluido, definitivamente perdido. No desassossego, virtualidades de resisténcias podem enfrentar 0 mérbido desencanto celebrado pelo capitalism do momento, * Untilizando essa expressio objetivamos nos aproximar da seguinte reflexdo de Marx sobre a vida como criaglo: “Se amas sem despertar amor, isto é, se teu amor, enquanto amor, nko produz amor reciproco, se mediante tua exteriorizacio de vida como homem amante no te convertes em homem amado, teu amor é impotemte, uma desgraca (...1” (Mars, 1974, p.32). Marx, Karl. Terceiro Manuscrito, Sao Paulo: Ed. Abril, 1974,

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