Вы находитесь на странице: 1из 16

Revista Brasileira de Direito Municipal ‐ RBDM

Belo Horizonte,  ano 9,  n. 27,  jan. / mar.  2008 

Do modelo municipal alemão aos problemas municipais brasileiros
Thiago Marrara
 

Resumo: O presente artigo descreve o sistema municipal alemão com base na estrutura federativa
estabelecida pela Lei Fundamental de 1949, destacando o conteúdo jurídico do princípio
constitucional da autonomia administrativa municipal. Em seguida, trata dos desafios e pressões
postas aos municípios alemães, entre outras coisas, em razão do processo de integração regional.
Enfim, a partir do modelo alemão o artigo discute problemas do sistema municipal brasileiro,
especialmente a proteção do município frente a políticas estatais de caráter supralocal e a inserção
do município no processo de consolidação do Mercosul.

Palavras­chave: Municípios. Autonomia municipal. Direito municipal alemão. Direito municipal
brasileiro.

Sumário: 1 Introdução ­ 2 Os fundamentos do federalismo alemão ­ 3 O status do município na Lei
Fundamental de 1949 ­ 4 Desafios e pressões para os municípios alemães ­ 5 Do modelo alemão aos
problemas do direito municipal brasileiro ­ 6 Autonomia municipal e políticas supralocais no Brasil ­
7 Desafios para os municípios brasileiros frente ao Mercosul ­ 8 Conclusão ­ Abstract ­ Keywords ­
Referências

1 Introdução

A primeira pergunta que um leitor brasileiro provavelmente levantará ao se deparar com o presente
artigo deve ser: qual a utilidade de se entender o modelo municipal alemão para discutir problemas
municipais brasileiros?

De fato, o direito municipal alemão difere razoavelmente do brasileiro. Isso decorre principalmente
de três fatores. Em primeiro lugar, os municípios alemães não são vistos com uma esfera federativa.
Além disso, as relações entre estados e municípios são muito mais intensas que no direito brasileiro,
tendo em vista que o direito municipal constitui matéria de competência estadual naquele país. Em
terceiro lugar, o próprio conceito de autonomia local nos dois países é distinto. No entanto, apesar
dessas e de outras diferenças, o que motiva o presente estudo é a suposição de que o entendimento
de modelos estrangeiros, nesse caso o alemão, é fundamental para a compreensão de vantagens e
desvantagens, bem como desafios e dificuldades do modelo municipal adotado no Brasil.

Com base nessa premissa, pretende­se descrever as principais características daquele modelo,
destacando­se o conteúdo da autonomia municipal, considerada uma das mais amplas da Europa
ocidental.1 Para tanto, parte­se de considerações iniciais e fundamentais sobre o federalismo
alemão, tal qual estabelecido pela Lei Fundamental de 1949 (doravante LF). Em seguida, trata­se da
autonomia municipal especificamente, apontando­se seu conteúdo e principais garantias. Abordam­
se, ainda, os principais desafios que o direito municipal alemão tem enfrentado nos últimos anos.

A partir daí são elaboradas algumas considerações comparativas sobre os modelos brasileiro e
alemão. Discute­se, de um lado, o problema da proteção da "garantia subjetiva" dos municípios
brasileiros perante atividades estatais de caráter supralocal, tal como o planejamento de infra­
estruturas. Debate­se, enfim, a situação dos municípios brasileiros no processo de consolidação do
Mercosul, tendo­se em vista a problemática que os municípios alemães enfrentam no processo de
integração européia. Com isso, espera­se identificar alguns dos pontos fortes e fracos, bem como dos

Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital
Revista Brasileira de Direito Municipal ‐ RBDM
Belo Horizonte,  ano 9,  n. 27,  jan. / mar.  2008 

desafios do sistema municipal consagrado pela Constituição da República de 1988 (doravante CR).

2 Os fundamentos do federalismo alemão

A Republica Federativa alemã adota um modelo dual, de acordo com o qual os poderes são
principalmente divididos entre duas esferas, a União (Bund) e os estados (Bundesländer). Dentre os
dezesseis estados­membros, treze possuem uma razoável superfície territorial, enquanto três se
restringem a pequenas superfícies, a saber: Berlim, Hamburgo e Bremen. Esses pequenos estados
são conseqüentemente chamados de "cidades­estados" e nem sempre se dividem em municípios.
Pelo fato de concentrarem competências que seriam estaduais e municipais, eles se assemelham
razoavelmente ao Distrito Federal no direito brasileiro.2

Além disso, nesse sistema federativo, as competências legislativas são divididas pela LF entre a
União e os estados. Existem competências exclusivas da União, competências concorrentes entre
União e estados, bem como competências estaduais subsidiárias.3 Ao contrário do que ocorre no
Brasil, não há competências municipais constitucionalmente estabelecidas, já que o município não
constitui um ente federado. Ademais, até setembro de 2006, a LF previa uma competência para
"normas­moldura" (Rahmenvorschriften). Tratava­se de uma competência geral da União para
certos assuntos.4 No entanto, esse tipo foi extinto, espalhando­se as matérias anteriormente
incluídas nas competências gerais pelo rol das exclusivas e das concorrentes.

Com a reforma de 2006, os estados também foram autorizados a aprovar normas divergentes das
normas adotadas no âmbito da União em matérias de legislação concorrente (Abweichungsbefugnis).
Com isso, ampliou­se a autonomia estadual, especialmente em matéria de planejamento territorial e
proteção ambiental.5 Ainda não se sabe, porém, até que ponto as crescentes divergências entre o
direito federal e estadual nessas matérias dificultarão a cooperação federativa e, principalmente, a
coordenação das políticas públicas nos setores indicados.

No tocante à distribuição de atribuições judiciárias, a Alemanha se pauta igualmente por um sistema
dual, dividindo tarefas entre a União e os estados. O Judiciário se compõe por cinco jurisdições. A
jurisdição comum lida basicamente com casos de direito civil e penal. As Justiças especiais, por outro
lado, ocupam­se das áreas de direito administrativo, direito financeiro, direito social e direito
trabalhista. Para cada um das cinco jurisdições existem tribunais superiores e, acima deles, uma
Corte constitucional (Bundesverfassungsgericht). Assim, tal como ocorre no Brasil, o município não
assume nem a organização nem o financiamento de atividades judiciárias.

Na verdade, a descrição do sistema legislativo e judiciário demonstra que, em geral, a organização
municipal praticamente não encontra respaldo na LF, uma vez que este diploma adota um sistema
basicamente dual, privilegiando a União e os estados. Contudo, tal dualidade não se repete no
âmbito administrativo.

A estrutura administrativa alemã apresenta um alto grau de descentralização, especialmente no
nível estadual. O Executivo se divide não em duas, mas basicamente em quatro esferas, a saber: a
União, os estados, as microrregiões (Landkreise) e os municípios (Gemeinden).6 Essa estrutura não
é imutável, porém. Isso porque existem municípios que não participam das microrregiões (Kreisfreie
Städte) e, por isso, assumem as competências locais e microrregionais determinadas pelo direito
estadual. De outro lado, os municípios restantes, geralmente os menores, são obrigatoriamente
membros das microrregiões (Kreisangehörige Gemeinden), dividindo com elas diversas atividades

Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital
Revista Brasileira de Direito Municipal ‐ RBDM
Belo Horizonte,  ano 9,  n. 27,  jan. / mar.  2008 

administrativas de interesse da população local.7

As atividades executivas estão concentradas primariamente no âmbito estadual. Em vista da
supremacia dos estados na execução de tarefas executivas, a Alemanha é considerada um modelo de
federalismo administrativo (Vollzugsföderalismus).8 Isso significa que cabe aos estados a execução
de suas próprias leis e igualmente das leis federais. A execução das leis federais pode ser transferida
aos estados tanto obrigatoriamente, e.g.   n a   á r e a   d e   a d m i n i s t r a ç ã o   d e   e s t r a d a s ,   q u a n t o
facultativamente, por exemplo, no campo da administração de hidrovias. Entretanto, a União
mantém algumas matérias intransferíveis, incluindo a administração da navegação e dos serviços de
relações exteriores.9

Resta saber apenas como é definido o papel dos municípios dentro dessa estrutura federativa.

No tocante à execução de tarefas administrativas, os municípios exercem papel bastante relevante.
Apesar de não serem considerados uma terceira esfera federal ou um ente constitutivo do sistema
federativo, senão um mero ente da administração indireta dos estados­membros, resultado de um
processo obrigatório de descentralização administrativa, os municípios prestam diversos tipos de
serviços públicos e gozam de ampla autonomia administrativa. De fato, a compreensão desse modelo
depende grandemente da idéia e do conteúdo da autonomia administrativa conforme determinada
pela LF.

3 O status do município na Lei Fundamental de 1949

A escassez de normas constitucionais sobre os municípios na LF se deve à natureza jurídica desses
entes. Como os municípios alemães não são verdadeiros entes federativos, mas meras entidades da
administração indireta, compete primariamente ao legislador estadual decidir sobre a matéria
municipal. As fronteiras municipais, atividades administrativas que devem ser executadas no nível
local e diversos assuntos a respeito de finanças municipais são definidos, por conseqüência, no nível
estadual.

De fato, não faria sentido dentro de um sistema federalista dual inserir inúmeras normas sobre
organização municipal na Constituição federal. Pelo fato de o direito municipal constituir matéria
estadual, exclui­se a priori qualquer influência direta da União sobre os municípios sob pena de
inconstitucionalidade. Aliás, tal vedação foi expressamente declarada na LF após a reforma federal
de 2006. Em nenhuma hipótese pode a União transferir matérias administrativas de sua
competência executiva própria ou mesmo matérias administrativas transferíveis aos estados
diretamente para os municípios.10 As tarefas administrativas podem ser tão­somente delegadas aos
estados, os quais decidirão posteriormente se as executarão em nível estadual ou as transferirão
para os entes administrativos menores, a saber, para as microrregiões e os municípios.

Um dos pouquíssimos dispositivos constitucionais referentes à organização municipal alemã, mas
certamente o mais importante, é o art. 28 I e II da LF. Tal dispositivo reconhece expressamente a
existência de municípios e sua autonomia administrativa (Selbstverwaltung). Ele ainda assegura o
direito de a população eleger representantes políticos municipais com base em normas estabelecidas
para a composição do Legislativo federal. Entretanto, tal dispositivo não contém normas acerca da
organização do Poder Executivo local, assunto que recai no âmbito de competência do legislador
estadual.11

Apesar de breve, a consagração textual dos municípios na LF é vista geralmente como uma garantia

Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital
Revista Brasileira de Direito Municipal ‐ RBDM
Belo Horizonte,  ano 9,  n. 27,  jan. / mar.  2008 

da descentralização obrigatória das atividades administrativas dentro dos estados. Tal garantia visa
aumentar a eficácia e eficiência da administração pública local. De outro lado, a autonomia se
relaciona com a divisão vertical de poderes, especialmente no âmbito do Executivo, com a
democratização do Estado por meio da autodeterminação político­administrativa das comunidades
locais, bem como com a necessidade de se ampliar o controle popular dos partidos políticos a partir
de um modelo de eleições municipais.12

No que diz respeito ao conteúdo da autonomia municipal, extraem­se geralmente três garantias
fundamentais do art. 28 da LF.13 A primeira, denominada "garantia jurídico­subjetiva", impõe o
dever de o Estado14 garantir a existência do município como pessoa jurídica de direito público,
portadora de direito e obrigações, dentro de um território demarcado e com um corpo de
representantes eleitos diretamente pela população local.15  T r a t a ­ s e   d e   u m   d e v e r   d e
descentralização da administração estadual que somente pode ser afastado pelas cidades­estados,
tendo em vista a inutilidade de se dividir seus pequenos territórios em municípios. Ademais, a
garantia subjetiva protege o nome dos municípios contra possíveis alterações determinadas pelos
estados.

Desse preceito constitucional não decorre, contudo, uma vedação de fusão ou de extinção de alguns
municípios por ato dos estados. No entanto, parte da doutrina defende que tal poder seja
restringido, ou melhor, condicionado à existência de um interesse público comprovado e ao
consentimento da população local. Seguindo o mesmo posicionamento, a Corte Constitucional alemã
já chegou a anular diversas medidas do gênero, seja por falta da oitiva dos municípios, seja pela
ausência de um interesse público preponderante àqueles favoráveis à manutenção do ente local.

Ao lado da garantia subjetiva resulta do art. 28 da LF uma "garantia jurídico­institucional". Essa
protege a auto­administração municipal, ou seja, a execução primária de certas tarefas
administrativas por conta e risco, bem como de acordo com os interesses administrativos do
município. Garante­se ao município a execução primária dos assuntos de interesse da comunidade
local (Angelegenheiten der örtlichen Gemeinschaft),16 independentemente de sua capacidade
financeira ou administrativa.17 Importante mesmo é a relação da atividade com o interesse de
grande parte da comunidade local. Assim, assuntos de defesa externa e guerra, claramente de
competência federal, podem­se transformar, por vezes, em questões municipais. Isso ocorre, por
exemplo, quando se discute a instalação de serviços e prédios militares no território local.

De acordo com o princípio da universalidade caberão primariamente ao município alemão todas as
atividades de interesse local, a não ser que haja disposição de direito estadual em contrário. No
tocante às atividades de competência municipal, o ente local decidirá ainda se, quando e como as
executará (Eigenverantwortlichkeit). Resta saber quais são estas atividades em concreto.

Como a LF não traz um rol de competências municipais, tal como faz a CR no Brasil, a autonomia
municipal alemã acaba sendo determinada pelo legislador federal e estadual em cada caso. Apesar
dessa ampla liberdade, a garantia institucional que decorre do art. 28 da LF exige que sejam
atribuídos alguns campos específicos da administração aos entes locais (Gemeindehoheiten).18

Esse mínimo de competências é considerado irrenunciável e inatacável. Dentro dele inclui­se,
primeiramente, o planejamento, seja ele territorial ou de qualquer outra atividade administrativa
sob responsabilidade do município. Além disso, os entes locais devem receber poderes de
administração dos servidores locais, especialmente no tocante ao transporte, planos de carreira e de

Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital
Revista Brasileira de Direito Municipal ‐ RBDM
Belo Horizonte,  ano 9,  n. 27,  jan. / mar.  2008 

remuneração, seleção e demissão de pessoal etc. Sob o aspecto organizacional, cabe­lhes o direito
de constituição dos próprios órgãos de execução, divisões administrativas internas e outras
instituições municipais, bem como o direito de coordenar, regulamentar e harmonizar suas decisões
e atividades administrativas.

Os municípios alemães dispõem, ainda, de certa autonomia financeira e orçamentária, mas os
limites e o conteúdo dessa autonomia dependem novamente do legislador estadual.19 Por tal razão,
afirma­se que o art. 28 II 3 da LF se direciona ao legislador estadual, não gerando um direito
imediato a fontes financeiras. Em geral, as receitas municipais decorrem de impostos (sobre
atividades comerciais, por exemplo), taxas, participação em tributos dos entes políticos (imposto de
renda, e.g.), bem como de receitas originárias pela exploração do patrimônio municipal ou pelo
exercício de atividades econômicas, créditos e outras transferências financeiras. Essas receitas
deverão ser suficientes para a execução de suas atividades administrativas. Caso não o sejam,
caberá ao Estado repassar aos municípios as complementações financeiras necessárias para a
execução local das leis estaduais ou federais.

Vale notar que o conteúdo material da autonomia municipal fica sempre sujeito a certos
ajustamentos. No entanto, tais restrições, determinadas principalmente pelo legislador estadual,
devem respeitar o princípio da legalidade, especialmente a existência de reservas constitucionais e
legais. Ao formular restrições, o legislador deve respeitar igualmente o princípio da razoabilidade20
e o núcleo material da autonomia municipal (Kernbereich). A propósito, não apenas em caso de
fusão ou extinção de municípios, mas frente a qualquer restrição da autonomia municipal deve
haver uma ponderação de interesses públicos e uma prova de razoabilidade, ou seja, uma análise
acerca da adequação, necessidade e proporcionalidade da medida estadual que poderá afetar a
existência do município e a execução de suas competências primárias.

Além da garantia jurídica pessoal e institucional, o texto da LF também concede um direito à
proteção do "status jurídico" do Município perante os tribunais. Em caso de afronta à autonomia
municipal, os municípios dispõem de um tipo de ação própria, a reclamação constitucional
(Verfassungsbeschwerde) perante a Corte Constitucional dos estados ou da União.21

Enfim, além dessas três garantias, a consagração constitucional da autonomia municipal gera um
dever de consideração e respeito dos interesses municipais por outros entes da federação,
independentemente da distribuição de competências. Havendo interesse municipal, em qualquer
assunto, deve­se levar em conta a posição do município no processo de tomada de decisão
(Beteiligungsrecht).

Autonomia municipal = 1. Garantia jurídico­subjetiva

2. Garantia
jurídico­
institucional

3. Proteção
jurídica

4. Direito
de
participação

Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital
Revista Brasileira de Direito Municipal ‐ RBDM
Belo Horizonte,  ano 9,  n. 27,  jan. / mar.  2008 

4 Desafios e pressões para os municípios alemães

O modelo de autonomia municipal alemão tem sofrido pressões em virtude de três fatores
principais.22 De um lado, a autonomia municipal tem sido ameaçada pela consolidação do direito
europeu e pelas políticas de liberalização da União Européia, segundo as quais diversos serviços
públicos municipais, como saneamento básico, água, energia se distanciam de certo modo de sua
função primariamente local. Em segundo lugar, os municípios têm sido cada vez mais influenciados
pelo movimento da Nova Administração Pública,23 do qual resultam pressões não apenas em direção
a uma crescente racionalização e, eventualmente, privatização das atividades administrativas
municipais, como também em direção à instituição de mecanismos de controle financeiro e
responsabilidade setorial conforme os padrões de administração de entes privados.24 Enfim, a
manutenção da autonomia municipal tem sido desafiada por pressões financeiras, ou melhor, pela
diminuição dos recursos necessários à manutenção ou expansão de diversos tipos de serviços de
interesse local.

O processo de regionalização ou europeização tem criado dificuldades para os municípios,
principalmente porque sua administração, seus territórios e suas populações passaram a se
submeter a mais uma instância decisória, sem, por outro lado, ter recebido o mínimo de poder para
influenciar as políticas públicas elaboradas no âmbito da União Européia, especialmente na área de
serviços de interesse públicos, proteção ambiental e infra­estruturas.

Os tratados de constituição européia não protegem a autonomia municipal. Mesmo a Carta Européia
sobre auto­administração municipal de 1985, que entrou em vigor em 1988, não foi suficiente para
suprir essa lacuna, principalmente pelo fato de não ter força vinculante e não constituir direito
comunitário europeu.25 Tampouco os princípios da boa­fé, da subsidiariedade e da razoabilidade,
contidos respectivamente no art. 10 e 5 do Tratado de Roma, parecem capazes de proteger a
autonomia municipal, mesmo indiretamente.26

Apenas o art. 263 do Tratado de Roma, alterado pelo Tratado de Nice, menciona os entes locais,
determinando sua participação em um Comitê de Regiões. Entretanto, tal Comitê exerce um papel
bastante fraco em virtude de seu caráter meramente consultivo, não obstante permita que os
municípios participem do processo de integração regional. Destarte, do posicionamento dos
municípios não decorrem implicações jurídicas relevantes no processo de tomada de decisões dos
principais órgãos da União Européia. A superação desse problema exigiria, portanto, um mínimo de
força vinculante para as decisões do Comitê de Regiões,27 o que não se verifica no presente
momento. Tudo isso evidencia que o direito primário e secundário europeu não garante a devida
proteção à autonomia municipal.

Note­se, ainda, que a ausência de mecanismos de participação não exclui ou impede a influência das
políticas européias sobre a autonomia municipal. Um exemplo de restrição à autonomia municipal
pelo direito europeu ocorre, por exemplo, no campo da elaboração dos planos locais de ordenação do
território (Bauleitpläne), ou seja, os "planos diretores" do direito alemão. Por força do direito
europeu, a expedição desses planos urbanísticos passou a depender do cumprimento de diversos
requisitos ambientais determinados em três diretrizes européias,28 as quais foram inseridas no
ordenamento jurídico alemão através da Lei Federal de Proteção da Natureza
(Bundesnaturschutzgesetz). Conforme tais diretrizes, planos espaciais ou urbanísticos que levem à
deterioração de áreas de proteção ambiental não serão autorizados a princípio. Na prática, isso tem

Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital
Revista Brasileira de Direito Municipal ‐ RBDM
Belo Horizonte,  ano 9,  n. 27,  jan. / mar.  2008 

gerado diversos custos financeiros e administrativos para as municipalidades, bem como impedido
projetos urbanos, principalmente quando não se encontra outra solução espacial, 29 por exemplo,
para a construção de grandes infra­estruturas, como estradas de rodagem e de ferro.

Outro exemplo de incompatibilidade entre o direito europeu e o direito municipal aparece no âmbito
do fornecimento de serviços de interesse público e suas respectivas infra­estruturas. O fornecimento
de energia, por exemplo, sempre fez parte da economia municipal, gerando recursos para subsidiar
outros serviços municipais. No entanto, por força do direito europeu e das respectivas alterações na
Lei de Economia Energética alemã de abril de 1998, inseriu­se a concorrência no setor de
fornecimento. Impôs­se, assim, a abertura de acesso a redes municipais. Isso teria acarretado a
redução dos preços das tarifas e a queda das receitas de diversas empresas municipais.30

Esse mesmo movimento ocorreu com a liberalização de serviços de telecomunicações a partir de
1996 e com a regionalização do transporte local de passageiros a partir de 1993.31 Em diversas
áreas, portanto, a política de liberalização de serviços adotada no direito europeu suscitou diversas
alterações e dificuldades para os tradicionais monopólios locais, ocasionando conflitos freqüentes
entre o direito administrativo alemão e o direito concorrencial europeu. A atividade econômica dos
Municípios na Alemanha acabou, desse modo, restringindo­se cada vez mais aos assuntos de estrito
interesse local e, em todo caso, sempre sujeitos aos preceitos de direito concorrencial alemão e
europeu.

De outro lado e devido parcialmente ao contexto econômico regional, muitos municípios alemães
têm perdido recursos financeiros, sendo forçados a buscar novas fontes de renda ou diminuir a
qualidade dos serviços prestados principalmente na área social e cultural, as quais dependem de
subsídios cruzados. Estudos mostram que as atividades dos municípios nos últimos 30 anos
cresceram, mas que as transferências financeiras provenientes dos estados foram reduzidas e,
conseqüentemente, o número de servidores municipais caiu,32 colocando em risco a qualidade de
diversos serviços. Em vista desse movimento, alguns municípios têm buscado novas fontes de
receitas. Isso vem gerando novas discussões acerca dos limites de atuação econômica dos entes
locais.33

Tais fatores aliados ao crescente movimento de racionalização da atividade administrativa fazem
surgir diversas tensões no âmbito da execução das tarefas municipais. O movimento da Nova
Administração Pública professa a racionalização dos serviços públicos e, por conseguinte, uma maior
descentralização administrativa. Ao mesmo tempo, exige um aumento da proximidade entre Estado
e cidadão. A observação dessa teoria deveria levar a um aumento dos serviços prestados no nível
local. No entanto, o processo de integração européia ocasiona diversas restrições às finanças
municipais e à liberdade de atuação dos municípios, principalmente na esfera econômica.34  A
redução de receitas municipais demonstra­se, assim, contrária à ampliação dos serviços municipais,
razão pela qual ficam comprometidos os ideais de aproximação entre Estado e cidadão, bem como a
qualidade de muitos serviços prestados.

Em suma, tais incongruências ilustram algumas das diversas implicações causadas por tendências
jurídicas, administrativas, políticas e econômicas35 no espaço europeu, a saber: a criação de blocos
regionais; as dificuldades de coordenação entre estruturas municipais nacionais e políticas
comunitárias; a liberalização de mercados anteriormente dominados por monopólios municipais; a
racionalização e privatização de serviços, determinadas em parte pela expansão de uma nova
doutrina administrativa; e a conseqüente redução de fontes e receitas municipais, comprometendo,

Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital
Revista Brasileira de Direito Municipal ‐ RBDM
Belo Horizonte,  ano 9,  n. 27,  jan. / mar.  2008 

entre outras coisas, os subsídios necessários para custear serviços públicos municipais deficitários,
principalmente nas áreas cultural e social.

5 Do modelo alemão aos problemas do direito municipal brasileiro

A descrição do modelo municipal alemão e dos desafios por ele enfrentados atualmente serve de
estímulo à reflexão acerca de diversos problemas e lacunas do direito municipal brasileiro atual.
Aqui serão abordados dois desses problemas. O primeiro deles se relaciona com o conteúdo jurídico
da autonomia municipal, especialmente com a existência de uma "garantia jurídico­subjetiva"36 do
município e sua compatibilização com políticas públicas supralocais. O segundo envolve a
compatibilização da autonomia municipal com o processo de consolidação de blocos regionais.

6 Autonomia municipal e políticas supralocais no Brasil

Assim como no direito alemão, não há como se negar que a autonomia municipal nos termos da
Constituição de 1988 consagra pelo menos duas garantias: uma subjetiva e outra institucional. De
acordo com a garantia jurídico­subjetiva, o Estado brasileiro não pode suprimir a existência dos
entes locais, nem lhes negar a natureza de pessoas jurídicas de direito público interno.37 A favor
dessa garantia, a CR prevê, entre outras coisas, a intervenção da União nos Estados­membros nos
termos do art. 34 VII "c".38 De outro lado, aos municípios deve ser assegurado um mínimo de
atividades administrativas e legislativas seguindo igualmente o princípio da universalidade e da
preponderância, tal como determina o art. 30 da CR. Isso significa que todas as atividades (princípio
da universalidade) de interesse preponderantemente local (princípio da preponderância) competem
primariamente ao município.

Não se deve olvidar, porém, que a concretização dessas garantias também depende da atuação das
demais esferas da federação. Assim, é preciso saber identificar as hipóteses em que políticas
supralocais afrontam tais garantias. Um bom exemplo para discussão desses limites surge no âmbito
das políticas e projetos de infra­estruturas. Pode­se questionar se e até que ponto o governo federal
ou estadual está autorizado a restringir os territórios municipais, inclusive de forma a impor a
transferência de cidades e populações inteiras para construir ou instalar grandes infra­estruturas,
como hidrelétricas ou hidrovias. Nesses casos surge necessariamente um conflito entre autonomia
municipal e planejamento supralocal; conflito que se tem manifestado, por exemplo, nos processos
de planejamento das usinas hidrelétricas do "complexo madeira", especialmente as usinas de Santo
Antônio e Jirau, obras previstas tanto no "Plano de Aceleração de Crescimento" (PAC) do governo
federal, quanto na "Iniciativa de Integração de Infra­Estrutura Regional Sul­Americana" (IIRSA).

Em relação a este tipo de caso o ordenamento brasileiro apresenta inúmeras lacunas e está longe de
apresentar soluções claras e diretas, ou melhor, soluções capazes de compatibilizar a autonomia
municipal a projetos estaduais e federais de elevado impacto territorial.

O problema do direito brasileiro decorre, em primeiro lugar, da ausência de uma hierarquia jurídica
dos interesses públicos nacionais a partir da interpretação literal dos diplomas legais, especialmente
da CR. Assim, de acordo com o texto constitucional, não se pode afirmar qual a hierarquia de
interesses públicos para todos os setores econômicos e sociais em que o Estado atua.

A possibilidade de se inserir uma hierarquia entre os interesses dos entes políticos é, além disso,
questionável pela própria igualdade dos entes federados; igualdade que resulta da consagração de
um federalismo tripartite e, teoricamente, não hierárquico. Tal arranjo federativo decorre

Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital
Revista Brasileira de Direito Municipal ‐ RBDM
Belo Horizonte,  ano 9,  n. 27,  jan. / mar.  2008 

diretamente dos arts. 1º e 18 da CR, os quais não são apenas irrevogáveis, mas também superiores
a outros dispositivos constitucionais em razão da natureza "pétrea" que lhes confere o art. 60 §4º I
da CR. Daí decorre o status jurídico do município no sistema federativo brasileiro, em relação ao
qual a CR prevê uma única abertura, a saber, o art. 30 I. Tal abertura é resultado da utilização de
um conceito jurídico indeterminado, "interesse local", como critério de demarcação da competência
legislativa municipal no texto do referido dispositivo.

Especificamente no caso do planejamento territorial e de infra­estruturas a situação é ainda mais
complicada, porque o Poder Legislativo federal não fez uso de sua competência para estabelecer
normas de cooperação territorial ou aprovar planos nacionais de ordenação do território nos termos
do art. 3º II e V do Estatuto da Cidade. Ademais, esse diploma não apresenta qualquer norma de
coordenação para casos de planejamento territorial envolvendo entes locais e outras esferas
federativas, deixando de oferecer soluções para conflitos que possam colocar em jogo a garantia
jurídico­subjetiva reconhecida pela CR. Sob esse ponto de vista, sua redação é bastante
insatisfatória, especialmente se comparada com diplomas semelhantes do direito estrangeiro.

No direito alemão, por exemplo, a solução de possíveis conflitos entre a garantia dos municípios
frente ao planejamento supralocal de infra­estruturas foi, no nível infraconstitucional, equacionada
pela Lei Federal de Ordenamento Territorial (Raumordnungsgesetz) e pelo Código de Construção
(Baugesetzbuch). O §7 desse último diploma determina que todos os tipos de planejamento
supralocal vinculem­se aos planos locais de organização do território. De outro lado, impõe
restrições ao município, determinando a superioridade das normas que tratem de planejamento de
infra­estruturas de interesse supralocal nos termos do §38. Além disso, em favor da coordenação de
planos locais e supralocais, a Lei de Processo Administrativo Federal alemã
(Verwaltungsverfahrensgesetz) determina que os municípios necessariamente participem e opinem
nos processos de aprovação de planos de infra­estrutura estaduais e nacionais. Assim, a Lei de
Processo Administrativo, a Lei de Ordenamento Territorial e o Código de Construção garantem a
compatibilização da garantia jurídico­subjetiva dos municípios com interesses estaduais e nacionais,
especialmente no campo de grandes projetos territoriais e de infra­estrutura.

O exemplo alemão demonstra que o mero reconhecimento da autonomia municipal por um diploma
constitucional é insuficiente para resolver conflitos entre interesses municipais e supramunicipais. A
garantia jurídico­subjetiva dos municípios depende essencialmente de um marco normativo acerca
da cooperação entre os entes federativos, especialmente em questões territoriais. A necessidade de
diplomas normativos sobre cooperação federativa em políticas territoriais e de infra­estruturas se
mostra ainda mais importante no Brasil, especialmente pelo importante status jurídico dos
municípios brasileiros. Em suma, isso deixa claro que a inércia do legislador brasileiro em relação à
positivação de normas sobre cooperação federativa acarreta, entre diversas implicações, sérios
riscos à concretização e à proteção da autonomia municipal, bem como à verdadeira consagração
dos municípios como entes federados e não­inferiores aos estados ou à União.

7 Desafios para os municípios brasileiros frente ao Mercosul

É preciso questionar se e como a autonomia municipal, que já resistiu ao centralismo da revolução
francesa e a absolutismos de Westminster, 39 resistirá aos processos de integração regional. A
descrição do modelo alemão e, especificamente, dos desafios dos municípios alemães frente ao
processo de integração européia contribui, nesse ponto, para que se possa discutir o papel e o status
dos municípios brasileiros no processo de consolidação do Mercosul.

Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital
Revista Brasileira de Direito Municipal ‐ RBDM
Belo Horizonte,  ano 9,  n. 27,  jan. / mar.  2008 

Tal discussão não pode obviamente ignorar as diferenças entre as duas experiências de integração
mencionada. A União Européia foi fundada para obter a paz duradoura em território europeu através
da cooperação econômica entre as principais potências, França e Alemanha, inicialmente nos setores
de carvão e aço. Hoje a União envolve 27 Estados­membros, formando um gigantesco mercado
único e uma união monetária, que se estende por quase todo seu território. Outra importante
característica da União se refere ao pilar comunitário, o qual inclui competências que foram
destacadas dos Estados­membros.40 Nesse âmbito desenvolvem­se políticas verdadeiramente
européias, ou melhor, um direito comunitário europeu autônomo e superior aos direitos nacionais.
Ele se estende, entre outras coisas, sobre as políticas de concorrência e de serviços públicos de
interesse geral, por exemplo, telecomunicações, bem como sobre o meio ambiente e as infra­
estruturas transeuropéias. Aliás, por meio dessas duas últimas competências, bem como pelo uso de
mecanismos de financiamento, a União Européia tem influenciado significativamente diversas áreas
sob competência municipal, principalmente o planejamento urbano.

No Mercosul, de outra parte, ainda não surgiu um direito comunitário, pois tal bloco funciona de
maneira intergovernamental. De certo modo, essa característica exige que as deliberações no
âmbito do processo de integração sejam necessariamente transformadas em direito nacional. Isso
não exclui, porém, preocupações com a inserção e a proteção dos municípios e da autonomia
municipal no processo de integração. Tais preocupações decorrem em certa medida das
competências do Mercosul nas áreas de transportes, serviços, indústria e questões agrícolas. Daí a
necessidade de ser levar em conta algumas lições tiradas da apresentação do modelo alemão frente
ao processo de integração europeu.

A análise do referido modelo demonstra que é necessário elaborar formas institucionais de
participação efetiva dos entes municipais na elaboração de políticas públicas regionais. No nível
regional deve­se, portanto, prever um conjunto de mecanismos de participação dos municípios,
conferindo a algumas ou todas as suas decisões mais que um mero efeito indicativo, pois, como se
anotou, um dos pontos fracos do atual Comitê das Regiões europeu é seu papel decorativo. No nível
nacional, é preciso traçar normas de cooperação entre os entes federados no tocante ao
desenvolvimento de políticas regionais. Ademais, em relação às políticas regionais que tenham
efeitos diretos sobre a autonomia municipal, devem ser previstos mecanismos de participação ativa
dos municípios. A despeito do grau de desenvolvimento do Mercosul, é certo que as experiências
européias não podem ser ignoradas, principalmente no tocante à pouca efetividade de um Comitê de
Regiões cujas decisões não são vinculantes e, portanto, não são capazes de proteger os entes locais
e sua autonomia.

A propósito dessa discussão, vale notar que já existem algumas iniciativas brasileiras buscando
inserir os municípios de modo mais efetivo no processo de integração regional, ainda que essas
careçam de um caráter nacional. Entre outras iniciativas, destaque­se a Rede de Municípios de
fronteira com países do Mercosul, criada pela Lei Complementar nº 12.281/2005 do Rio Grande do
Sul.

Tal rede objetiva estimular a integração dos municípios gaúchos no Mercosul e promover a qualidade
de vida da população local. A fim de atingir tais objetivos, sua lei de criação determina uma série de
medidas. De um lado, deverão ser elaborados estudos e projetos de políticas regionais e setoriais
integradas entre os municípios que a compõem, bem como estudos e projetos buscando, entre
outras coisas, a melhoria das interconexões físicas entre os municípios­membros e suas fronteiras.

Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital
Revista Brasileira de Direito Municipal ‐ RBDM
Belo Horizonte,  ano 9,  n. 27,  jan. / mar.  2008 

De outro lado, determina­se que a Rede invista na melhoria do sistema viário regional, tendo em
vista sua importância para o desenvolvimento econômico e a integração dos municípios­membros
com os países do Mercosul, que os circundam. Cabe à Rede, ainda, executar programas de
integração e intercâmbio com esses países. Enfim, todas essas medidas deverão ser discutidas,
coordenadas e fiscalizadas pelos municípios­membros no âmbito de um Fórum Permanente.

A experiência gaúcha constitui uma estratégia clara para a melhor inserção dos municípios
brasileiros no Mercosul, buscando, entre outras coisas, extrair benefícios econômicos e sociais do
projeto de integração. Faltam­lhe, no entanto, previsões mais específicas sobre mecanismos de
cooperação com os municípios dos países vizinhos. Seria bastante adequado que a lei previsse, por
exemplo, a oitiva dos municípios estrangeiros em zona de fronteira nos processos de elaboração do
planejamento urbano, especialmente na presença de recursos comuns ou territórios conurbados.
Isso não obstante, a experiência gaúcha é exemplar.

8 Conclusão

O presente artigo pretendeu descrever o sistema municipal alemão e, enfim, discutir dois problemas
do direito municipal brasileiro.

Em relação ao sistema alemão, mostrou­se que o município aparece como ente da administração
indireta estadual, de modo que sua autonomia, embora consagrada constitucionalmente, sujeita­se a
inúmeras restrições, determinadas sobretudo pelo legislador estadual. A esse despeito, a autonomia
municipal é suficientemente forte para garantir a existência dos municípios (garantia jurídico­
subjetiva) e assegurar­lhes um conjunto mínimo de atividades administrativas (garantia jurídico­
institucional). Além disso, permite­se que os municípios defendam­se judicialmente contra possíveis
ataques a tais garantias (garantia do status jurídico) e que sejam ouvidos por outros entes da
federação quando seus interesses estiverem em jogo.

De outro lado, demonstrou­se que esse sistema municipal tem enfrentado múltiplos desafios. Eles
decorrem primeiramente do processo de integração européia, em virtude do qual muitos serviços
municipais têm sido influenciados por políticas de liberalização de mercados e pelo direito europeu
em geral. De outra parte, a posição e o papel dos municípios têm­se alterado em razão de uma nova
concepção de administração pública e por diversas restrições financeiras. Juntos, esses três fatores
acarretam diversas dificuldades para o modelo municipal alemão, causando, entre outras coisas,
riscos para a manutenção da qualidade de diversos serviços municipais.

Em vista da descrição do modelo alemão e seus desafios, partiu­se para a discussão de dois
problemas do sistema municipal brasileiro. De um lado, afirmou­se que, apesar de seu status
federativo, a garantia jurídico­subjetiva e institucional dos municípios brasileiros ainda parece
bastante frágil, pois faltam normas que disciplinem a cooperação federativa entre os diversos entes
políticos. A fragilidade dos municípios fica evidente quando se analisam, por exemplo, casos de
construção de grandes infra­estruturas, como usinas hidrelétricas.

Enfim, abordaram­se brevemente questões a respeito da inserção dos municípios no processo de
consolidação do Mercosul, tomando­se como base a problemática dos municípios alemães no projeto
de integração européia. Nesse aspecto, viu­se que a inserção dos municípios brasileiros nas
instâncias decisórias do e sobre o Mercosul deve ser estimulada nos mais diversos níveis. Tal medida
não deve servir apenas para se extrair vantagens socioeconômicas do processo de integração, mas

Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital
Revista Brasileira de Direito Municipal ‐ RBDM
Belo Horizonte,  ano 9,  n. 27,  jan. / mar.  2008 

sobretudo para prevenir ataques contra a autonomia municipal que decorram de políticas regionais.

Abstract: This essay describes the municipal organization in Germany under the framework
established by the Basic Law from 1949. Thereby it stresses the constitutional principle of
administrative self­rule, granted to the municipalities. Besides that, it treats the challenges and
pressures that the German municipalities have faced, for instance, as a consequence of the
integration process in Europe. Finally, taking into account the German problematic, the article
focuses on some problems of the Brazilian municipal structure. It discusses then the protection of
the Brazilian municipalities before supralocal public policies and also the insertion of these
municipalities in the process of consolidation of the Mercosur.

Keywords: Municipalities. Local self­government. German municipal law. Brazilian municipal law.

Referências

BADURA, Peter. Wirtschaftliche Betätigung der Gemeinde zur Erledigung von Angelegenheiten der
örtlichen Gemeinschaft im Rahmen der Gesetze. DÖV, p. 818­823, 1998.

EHLERS, Dirk. Die verfassungsrechtliche Garantie der kommunalen Selbstverwaltung. 
DVBl,   p .
1301­1310, 2000.

ELLWEIN, Thomas. Perspektiven der kommunalen Selbstverwaltung in Deutschland. AfK I­1997, p.
1­21.

FLEINER, Thomas. L'autonomie communale a­t­elle un avenir? In: L 'avenir de l'autonomie
communale à l'aube du troisième millénaire. Suíça: Institut du Fédéralisme Fribourg, 1992. p. 1­8.

FLEINER, Thomas. Rechtsvergleichung: Chancen und Lehren für den Föderalismus. In: HUFEN, F.;
DREIER, H.; BERLIT, U. 
Verfassung _ Zwischen Recht und Politik. Heidelberg: Nomos, 2007. p. 239­
254.

HOBE, Stephan; BIEHL, Dirk; SCHROETER, Nicolai. Der Einfluss des Rechts der Europäischen
Gemeinschaften/Europäischen Union auf die Struktur der kommunalen Selbstverwaltung. DÖV, p.
803­812, 2003.

HOOD, Christopher. A public management for all seasons? Public Administratition, v. 69, p. 3­19,
1991.

KÖNIG, Klaus. Verwaltungsmodernisierung im internationalen Vergleich _ Acht Thesen. DÖV, p.
265­268, 1997.

LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Pressupostos materiais e formais da intervenção federal no Brasil.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

MAURER, Hartmut. Verfassungsrechtliche Grundlagen der kommunalen Selbstverwaltung. DÖV, p.
1037­1046, 1995.

MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Martins; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. 
Curso de direito
constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

PIRES, Maria Coeli Simões. Autonomia municipal no Estado brasileiro. 
Revista de Informação

Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital
Revista Brasileira de Direito Municipal ‐ RBDM
Belo Horizonte,  ano 9,  n. 27,  jan. / mar.  2008 

Legislativa, n. 142, p. 143­166, 1999.

PÜTTNER, Günter. Zur Lage der Gemeinden in Deutschland. AfK II­1999, p. 175­186.

SCHMAHL, Stefanie. Europäisierung der kommunalen Selbstverwaltung. DÖV, p. 852­861, 1999.

SCHMIDT­AßMANN, Eberhard. Kommunalrecht. In: SCHMIDT­AßMANN, Eberhard. 
Besonderes
Verwaltungsrecht. 12. ed. Berlin: De Gruyter, 2003. p. 1­109.

WOLFF, Heinrich Amadeus. Ungeschriebenes Verfassungsrecht. Tübingen: Mohr Siebeck, 2005.

WOLLMANN, Hellmut. Die traditionelle deutsche kommunale Selbstverwaltung _ ein,
"Auslaufmodell"? DfK I­2002, p. 24­51.

ZACHARIAS, Diana. Die Entwicklung der kommunalen Aufgaben seit 1975. DÖV, p. 56­63, 2000.

* <marrara@email.com>.

1 Os tipos de autonomia municipal da Europa ocidental podem ser divididos em três grupos. No
grupo alemão­escandinavo, os municípios detêm grande autonomia, enquanto no grupo francês e no
grupo britânico verifica­se um grau mais baixo de autonomia municipal, o que se justifica pela
própria natureza unitária desses Estados. (Cf. Wollmann. Die traditionelle deutsche kommunale
Selbstverwaltung _ ein "Auslaufmodell"?, DfK I­2002, p. 31­32). Um panorama do modelo alemão
pode ser encontrado em português em Pires (Autonomia municipal no Estado brasileiro. RIL, n. 142,
p. 143 e seguintes, 1999).

2 Acerca do distrito federal, cf. entre outros: Mendes; Coelho; Branco. Curso de direito
constitucional, 2007, p. 770 e seguintes.

3 Os arts. 72 e 74 disciplinam as competências concorrentes, enquanto o art. 73 enumera as
matérias de competências exclusiva da União. A União dispõe de outras competências legislativas
não­escritas, a saber: as competências anexas, as competências em razão da matéria e as
acessórias (Cf. Wolff. Ungeschriebenes Verfassungsrecht, 2005, p. 205).

4 A competência­moldura ou geral da União estava prevista no art. 75 da LF, revogado em setembro
de 2006.

5 Conferir a nova redação do art. 72 III da LF.

6 Maurer.Verfassungsrechtliche Grundlagen der kommunalen Selbstverwaltung. DÖV, p. 1040,
1995.

7 O art. 28 da LF concede à população local o direito de eleger representantes para os Kreise.
Ademais, a LF garante autonomia administrativa a estes entes; autonomia cujo conteúdo deve ser
definido no nível estadual.

8 Fleiner. Rechtsvergleichung: Chancen und Lehren für den Föderalismus. In: HUFEN; DREIER;
BERLIT. Verfassung _ Zwischen Recht und Politik. 2007, p. 245.

9 Cf. os arts. 30, 83­91 da LF.

10 Cf. as alterações na redação dos arts. 84 I e 85 I da LF após a reforma de setembro de 2006.

Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital
Revista Brasileira de Direito Municipal ‐ RBDM
Belo Horizonte,  ano 9,  n. 27,  jan. / mar.  2008 

11 Os direitos estaduais se assemelham em muitos aspectos referentes à organização do Poder
Executivo municipal. Atualmente, por exemplo, o chefe do Executivo municipal é eleito em todos os
estados alemães.

12 Nesse sentido, Maurer. Verfassungsrechtliche Grundlagen der kommunalen Selbstverwaltung.
DÖV, p. 1040, 1995; e Schmidt­Aßmann. Kommunalrecht. In: Schmidt­Aßmann. Besonderes
Verwaltungsrecht, 2003, p. 12.

13 Cf. Schmidt­Aßmann. Kommunalrecht. In: Schmidt­Aßmann. Besonderes Verwaltungsrecht,
2003, p. 15 e seguintes. V., ainda: Ehlers. Die verfassungsrechtliche Garantie der kommunalen
Selbstverwaltung. DVBl, p. 1304 e seguintes, 2000.

14 Note­se que o uso do termo "Estado", no direito alemão, refere­se tão­somente aos estados e à
União, ou seja, aos entes que compõem a federação. Os municípios, pela natureza jurídica que
possuem, não estão incluídos na expressão em sentido estrito, ao contrário do que ocorre no Brasil.

15 Por força do direito europeu, o art. 28 I da LF também garante expressamente os direitos
eleitorais ativo (votar) e passivo (ser votado) de todos os cidadãos europeus habitantes de
municípios alemães.

16 Segundo a Corte Constitucional (BVerfGE 79, 127), tais atividades surgem na presença de
necessidades e interesses que se enraízam na comunidade local ou com ela guardam uma relação
específica e comum a todos os habitantes locais pelo fato de se relacionarem à sua convivência e co­
habitação.

17 Caso os municípios sejam administrativa ou financeiramente incapazes de assumir uma ou outra
atividade de interesse local, entende­se que a eles caberá um direito de participação ou
manifestação acerca da administração dessas atividades por outros entes. Esse direito de
manifestação também existe, por exemplo, em relação a atividades de planejamento de outros entes
federados que tenham efeitos locais. Nesse sentido, cf. a decisão da Corte Administrativa: BVerwGE
77, 132, bem como Maurer. Verfassungsrechtliche Grundlagen der kommunalen Selbstverwaltung.
DÖV, p. 1043, 1995.

18 Ver Schmidt­Aßmann. Kommunalrecht. In: Schmidt­Aßmann. Besonderes Verwaltungsrecht,
2003, p. 21 e seguinte. Acerca da influência do direito europeu sobre cada uma dessas atividades,
cf.: Schmahl. Europäisierung der kommunalen Selbstverwaltung. DÖV, p. 852 e seguintes, 1999.

19 Nos termos do art. 105 da LF, a legislação tributária cabe apenas aos estados e à União.

20 Nesse caso, o princípio da razoabilidade restringe a atividade legislativa, constituindo uma
"limitação à limitação" da autonomia municipal. Cf. Ehlers. Die verfassungsrechtliche Garantie der
kommunalen Selbstverwaltung. DVBl, p. 1308, 2000.

21 Cf. o art. 93 I 4b da LF.

22 Cf. Wollmann. Die traditionelle deutsche kommunale Selbstverwaltung _ ein "Auslaufmodell"?
DfK I­2002, p. 24.

23 Sobre o referido movimento, cf.: Hood. A public management for all seasons? Public

Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital
Revista Brasileira de Direito Municipal ‐ RBDM
Belo Horizonte,  ano 9,  n. 27,  jan. / mar.  2008 

Administratition,   v .   6 9 ,   p .   3   e   s e g u i n t e s ,   1 9 9 1 ;   e   K ö n i g .   V e r w a l t u n g s m o d e r n i s i e r u n g   i m
internationalen Vergleich _ Acht Thesen. DÖV, p. 265 e seguintes, 1997.

24 Badura. Wirtschaftliche Betätigung der Gemeinde zur Erledigung von Angelegenheiten der
örtlichen Gemeinschaft im Rahmen der Gesetze. DÖV, p. 819, 1998.

25 A Carta não constitui direito europeu, senão um tratado internacional de natureza
intergovernamental, ou seja, assinado pelos países no âmbito do Conselho da Europa, mas não da
União Européia propriamente dita.

26 Schmahl. Europäisierung der kommunalen Selbstverwaltung. DÖV, p. 859, 1999. No mesmo
sentido: Hobe; Biehl; Schroeter. Der Einfluss des Rechts der Europäischen
Gemeinschaften/Europäischen Union auf die Struktur der kommunalen Selbstverwaltung. DÖV, p.
805­806, 2003.

27 Hobe; Biehl; Schroeter. Der Einfluss des Rechts der Europäischen Gemeinschaften/Europäischen
Union auf die Struktur der kommunalen Selbstverwaltung. DÖV, p. 805, 2003.

28 Ver a Diretriz 92/43/CEE, sobre a preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora
selvagens; a Diretriz 79/409/CEE, relativa à conversação das aves selvagens; e a Diretriz
85/337/CEE, sobre a avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no meio
ambiente.

29 Cf. Hobe; Biehl; Schroeter. Der Einfluss des Rechts der Europäischen
Gemeinschaften/Europäischen Union auf die Struktur der kommunalen Selbstverwaltung. DÖV, p.
804, 2003.

30 Hobe; Biehl; Schroeter. Der Einfluss des Rechts der Europäischen Gemeinschaften/Europäischen
Union auf die Struktur der kommunalen Selbstverwaltung. DÖV, p. 804, 2003.

31 Cf., ainda: Püttner. Zur Lage der Gemeinden in Deutschland. AfK II­1999, p. 179­180.

32 Zacharias. Die Entwicklung der kommunalen Aufgaben seit 1975. DÖV, p. 60, 2000; e Püttner.
Zur Lage der Gemeinden in Deutschland. AfK II­1999, p. 176.

33 Cf. Hörsch. Öffentlicher Zweck und wirtschaftlicher Betätigung von Kommunen. DÖV, p. 393,
2000; Badura. Wirtschaftliche Betätigung der Gemeinde zur Erledigung von Angelegenheiten der
örtlichen Gemeinschaft im Rahmen der Gesetze. DÖV, p. 819, 1998.

34 Badura. Wirtschaftliche Betätigung der Gemeinde zur Erledigung von Angelegenheiten der
örtlichen Gemeinschaft im Rahmen der Gesetze. DÖV, p. 819, 1998.

35 Ellwein nota, ainda, outras tendências que se refletem negativamente no âmbito municipal, quais
sejam: as alterações demográficas em termos qualitativos e quantitativos, o individualismo e a
redução do controle social, bem como a expansão da pobreza, da criminalidade e dos problemas de
integração (Cf. Perspektiven der kommunalen Selbstverwaltung, AfK I­1997, p. 7).

36 Sobre o conceito de garantia jurídica subjetiva, cf. item 3 acima.

37 O reconhecimento dos municípios como pessoa jurídica de direito público interno consta do art.
41 III do Código Civil.

Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital
Revista Brasileira de Direito Municipal ‐ RBDM
Belo Horizonte,  ano 9,  n. 27,  jan. / mar.  2008 

38 A propósito, cf.: Lewandowski. Pressupostos materiais e formais da intervenção federal no Brasil,
1994, p. 113.

39 Fleiner. L'autonomie communale a­t­elle un avenir? In: L'avenir de l´autonomie communale à
l'aube du troisième millénaire, 1992, p. 2.

40 Os outros dois pilares envolvem assuntos que são decididos de modo intergovernamental, tal
como no Mercosul. Sob os pilares intergovernamentais inserem­se as políticas externa e de
segurança, bem como a cooperação interna em assuntos criminais.

Como citar este conteúdo na versão digital:

Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto
científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:

Do modelo municipal alemão aos problemas municipais brasileiros . Revista Brasileira de Direito
Municipal ­ RBDM  B e l o   H o r i z o n t e ,   n .   2 7 ,   a n o   9   J a n e i r o   /   M a r ç o   2 0 0 8   D i s p o n í v e l   e m :
<http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=52549>. Acesso em: 16 ago. 2016.

Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital

Вам также может понравиться