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A FORMAÇÃO
DA NACIONALIDADE
José Mattoso*
ANTECEDENTES
Ao contrário do que tentaram demonstrar as doutrinas nacionalis-
tas dos anos 30 a 60, baseadas, de resto, em conceitos positivistas e român-
ticos muito anteriores, não é possível encontrar vestígios coerentes de uma
nacionalidade portuguesa antes da fundação do Estado. Aquilo que o pre-
cedeu e que tem alguma coisa a ver com o fenômeno nacional reduz-se a
uma persistente eclosão de pequenas formações políticas tendencialmente
autonômicas na faixa ocidental da Península Ibérica (em paralelo, de res-
to, com formações análogas noutras regiões peninsulares), que se verifica-
ram desde a pré-história até o século XII, mas que se caracterizam também
pelo seu caráter descontínuo e efêmero. As dimensões dos respectivos ter-
ritórios eram normalmente reduzidas, pois não chegavam nunca a abran-
ger áreas equivalentes a nenhuma das antigas províncias romanas. Antes
da dominação romana, o panorama predominante é o da grande fragmen-
tação territorial, ocasionalmente compensada por coligações conjunturais;
durante ela, a organização administrativa (que se deve considerar de tipo
colonial) não chegou a absorver por completo as divisões étnicas, que rea-
pareceram sob a forma de pequenos potentados locais desde que se esbo-
roou o controle municipal, militar e fiscal exercido pelos seus órgãos até o
fim do Império.
Como é evidente, as sucessivas camadas de povos germânicos que
depois ocuparam o ocidente da Península também não chegaram a unifi-
car o território por eles dominado; limitaram-se a fazer reverter para seu
benefício as imposições militares e fiscais que anteriormente eram exigidas
pelas autoridades romanas. Pode-se dizer aproximadamente o mesmo da
ocupação muçulmana, que, de resto, foi muito efêmera a norte do Douro,
e que foi constantemente entrecortada por revoltas regionais e locais, al-
gumas das quais mantiveram certos territórios como independentes du-
rante dezenas de anos. A sua expressão concreta mais evidente foram os
reinos taifas do Ocidente que mantiveram a sua autonomia durante a
maior parte do século XI. Entretanto, a norte do Mondego, entre os sécu-
los VIII e XI, a ocupação asturiana e depois leonesa também estava longe
de conseguir a inteira fidelidade não só dos potentados locais como tam-
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PORTUGAL E A GALIZA
Até 1128 verifica-se uma série de acontecimentos políticos que pa-
recem ligar os destinos de Portugal aos da Galiza. O principal é a formação
de um reino independente com Garcia I (1065-1071), que apesar da sua
posterior apropriação pelo rei de Leão e Castela se manteve nominalmen-
te separado destes enquanto o mesmo rei Garcia esteve preso, até à sua
morte em 1091, e que continuou sob a forma de um condado entregue a
Raimundo até 1096. A participação de alguns membros da aristocracia ga-
lega no combate ao Islã e a sua fixação em território português reforçam
esta aproximação. A separação de Portugal e Galiza, concretizada sob a
forma de dois condados independentes um do outro, com a redução da
autoridade de Raimundo apenas à Galiza e a concessão de Portugal a Hen-
rique, vem criar um hiato nesta política. Este hiato, porém, estava já laten-
te, no plano eclesiástico, por causa da rivalidade entre as sés de Braga e de
Compostela, desde a restauração da primeira em 1070. Verifica-se, assim,
uma situação caracterizada pela presença de dois movimentos contraditó-
rios, um que tende a manter a união com a Galiza, outro que aponta já
para a separação. Note-se que o primeiro admitia duas soluções, conforme
se viesse a resolver por meio da hegemonia da Galiza ou da hegemonia de
Portugal. Note-se também que Henrique combateu pela segunda destas
soluções, pois esperava restaurar em seu favor o antigo reino da Galiza e
de Portugal, como consta do acordo assinado com seu parente Raimundo,
conhecido sob o nome de “pacto sucessório”. A morte de Raimundo em
1107 só podia ter acentuado tais objetivos. É provável que a “rainha” D.
Teresa tivesse mantido a mesma idéia depois da morte de Henrique
(1112), e que isso explique as suas ligações a Pedro Froilaz de Trava e aos
seus filhos, dado o papel daquele como tutor do herdeiro do trono, Afon-
so Raimundes (futuro Afonso VII).
Este propósito, porém, veio a fracassar em virtude da conjugação de
duas séries de acontecimentos convergentes: por um lado, o fato de tanto
D. Urraca como seu filho Afonso VII terem lutado denodadamente pela
manutenção da unidade da monarquia castelhano-leonesa, com o persis-
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tente apoio de Diego Gelmírez, arcebispo de Compostela, que via nessa so-
lução o melhor apoio para as suas ambições de prelado da única sé apos-
tólica do Ocidente além da de Roma, e que pretendia ser a maior autori-
dade espiritual de toda a Península; por outro lado, pelo fato de os barões
portucalenses e o arcebispo de Braga terem percebido que a união de Por-
tugal e da Galiza sob a hegemonia galega os manteria fatalmente numa si-
tuação de inferioridade e de dependência; para estes, portanto, era prefe-
rível manter Portugal como um condado sujeito diretamente ao rei de
Leão e Castela do que restaurar o reino da Galiza e Portugal, ainda que sob
a autoridade de D. Teresa (sobretudo se ela ficasse a dever a sua realeza
efetiva aos Travas). Foi essa a solução que de fato se tornou possível a par-
tir da batalha de S. Mamede (1128), por meio da qual os barões portuca-
lenses, com o apoio do arcebispo de Braga, depois de terem obtido o apoio
ativo de Afonso Henriques, expulsaram do condado Fernão Peres de Tra-
va e a rainha D. Teresa.
Contudo, dada a importância da guerra externa no processo de for-
mação das unidades territoriais nacionais da Península, o que provavel-
mente assegurou a efetiva durabilidade da autonomia portuguesa, reivin-
dicada em S. Mamede, não foi tanto a opção que a nobreza portucalense
tomou em favor de Afonso Henriques, ou melhor, contra o domínio quer
de Gelmírez, quer dos Travas, mas o fato de a essa opção se ter seguido,
numa seqüência irreversível, a necessidade de assumirem o principal pa-
pel da guerra antiislâmica, relegando para segundo plano a atuação da
aristocracia galega. É verdade, porém, que não o fizeram diretamente, sob
a direção e com uma participação intensa das linhagens nortenhas, mas
sob a direção de Afonso Henriques, a partir do momento em que ele, ape-
nas três anos depois de S. Mamede, se fixou em Coimbra e passou a tomar
um papel extremamente ativo na Reconquista.
O ESPAÇO VITAL
Preenchida a condição que permitiu a um grupo social – os barões
portucalenses e o mais importante dos bispos – desempenhar um papel a-
tivo de primeiro plano na política peninsular, mantido o seu protagonismo
devida à guerra externa, nem por isso se podia considerar garantida a in-
dependência de Portugual. É provavel que ela não se tivesse podido man-
ter se não se apoiasse num território dotado de recursos econômicos sufi-
cientes para a suportar. O que, portanto, a assegurou na fase seguinte foi
a apropriação de novos espaços cujos recursos eram complementares dos
do núcleo inicial, e que este teve capacidade para dominar por intermédio
de um quadro humano sujeito aos seus interesses. Ou seja, concreta-
mente, o que, numa segunda fase, consolidou a capacidade autonômica de
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A CENTRALIZAÇÃO POLÍTICA
Como é evidente, esse conjunto de fatos não explica por si só a in-
dependência nacional. Esta não existiria sem um poder político que coor-
denasse os interesses de um determinado grupo regional com o potencial
econômico de uma região suficientemente diversificada, como a que aca-
bei de descrever. Já vimos os antedentes da solução política que acabou
por consolidar a separação entre o Condado Portucalense e a Galiza. Alu-
dimos também ao fato de em 1131 Afonso Henriques se ter fixado em
Coimbra e ter assumido o comando ativo da guerra externa, com o apoio,
embora não necessariamente com a participação ativa direta, dos chefes
das linhagens nortenhas. As necessidades da guerra levaram, porém,
Afonso Henriques a encabeçar também outras forças, as dos concelhos,
que constituíam, por assim dizer, a fonte abastecedora dos efetivos de
massa e a melhor garantia da defesa fonteiriça em caso de invasão. Essas
comunidades não nobres, mas com verdadeira autonomia local, que ti-
nham criado as suas estruturas peculiares numa espécie de “terra de nin-
guém” entre as duas fronteiras, a cristã e a muçulmana, aliando-se ora
com um lado ora com outro, que tinham feito da pilhagem modo de vida,
aceitaram a autoridade régia como forma de garantir uma parte da sua
autonomia face à crescente invasão senhorial dos barões de Entre-Dou-
ro-e-Minho. Cedendo uma parte das suas prerrogativas ao rei nas áreas
militar, da justiça e do fisco, evitavam a submissão aos poderes senhoriais
dos nobres e da Igreja. Podiam negociar com o rei o reconhecimento de
importantes privilégios e prometiam a colaboração dos seus exércitos na
luta antiislâmica. A chefia militar do rei trouxe consigo, portanto, a asso-
ciação dos concelhos e da nobreza senhorial. Essas comunidades, tenden-
cialmente opostas umas às outras, podiam assim manter as suas posições
sob a proteção do rei e evitar lutas estéreis entre si. A formação de uma
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CONSCIÊNCIA NACIONAL
A delimitação política e econômica é um elemento objetivo que dis-
tingue de todas as outras a comunidade humana nela inserida. Para esta co-
munidade constituir uma Nação é ainda preciso que os seus membros ad-
quiram a consciência de formar uma coletividade tal que daí resultem di-
reitos e deveres iguais para todos, e cujos caracteres eles assumam como ex-
pressão da sua própria identidade. Esta consciência forma-se por um pro-
cesso lento, que não envolve simultaneamente todos os sujeitos. Começa
por eclodir em minorias capazes de conceber intelectualmente em que con-
siste propriamente a Nação; depois esta idéia vai se propagando lentamen-
te a outros grupos, até atingir a maioria dos habitantes do País. Em Portu-
gal nota-se primeiro nos membros da chancelaria condal e régia, depois nos
clérigos do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, a seguir noutros membros
da corte e em funcionários da administração que se apresentam como de-
legados do rei em todos os pontos do País, mais tarde nos restantes mem-
bros do clero e das ordens militares e nas oligarquias dos concelhos.
As guerras com Castela e a Revolução de 1383-1385, ao trazerem
tropas estrangeiras a Portugal, evidenciam a diferença entre os Portugueses
e os outros, isto é, aqueles que falavam outra língua, tinham outros costu-
mes e se comportavam como inimigos. Cem anos depois, a expansão ultra-
marina coloca muitos portugueses em face de gente ainda mais estranha
perante a qual eles se apresentam como irmanados pela vassalagem a um
mesmo rei, sejam minhotos, alentejanos ou beirões. A sujeição à Espanha,
no século seguinte, faz refletir sobre o que é ser português e o que é estar
sujeito a uma administração não portuguesa, pela mesma época em que se
pode ler nos Os lusíadas a epopéia mitificada de um povo capaz de chegar
aos confins do mundo. E assim sucessivamente, até às exaltadas manifesta-
ções populares contra a Inglaterra por ocasião do Ultimatum de 1890, às co-
memorações nacionais dos vários centenários que fazem refletir nos feitos
heróicos de outrora, às revoluções cuja vitória se atribui à participação po-
pular, à propaganda ideológica nacionalista dos anos 30 a 60. Tudo isso vai
consolidando e difundindo o conceito de Nação. É preciso não esquecer,
porém, que só os cidadãos capazes de ler podiam conhecer Os lusíadas, e
que só os que tinham feito o ensino primário podiam compreender o que
era a história pátria e saber os direitos dos cidadãos. Ora a população anal-
fabeta só em pleno século XX deixa de constituir mais da metade do povo
português. É preciso, portanto, esperar até uma época bem recente para po-
der admitir uma efetiva difusão da consciência nacional em todas as cama-
das da população, e em todos os pontos do seu território.
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