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ALBIN LESKY

HISTORIA DA
LITERATURA GREGA

Tradução de
Manuel Losa

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN I LISBOA

Lisboa - 1995
Sófoeles 301

42 - K. LATTE, em Phil., 97, 1948, 47 ~ Kl. Schr., 477, atribui Ox. Papo 18, 1941, nQ 2164 (fr. 355 M.) a esta obra.
43 - Cfr. K. DEICHGRÁBER, Derlistensinnende Trug des Gottes, Gott., 1952, 108 (~ GGN, 1940).
44 - Fundamentais para a reconstrução, PFEIFFER e SIEGMANN (v. infra),
45 - Sobre o texto, R. STARK, Rhein. Mus., 102, 1959, 3.
46 - Cfr. o trabalho de HILTBRUNNER, na pág. 300, nota 28.
47 - A. DE PROPRIS, Eschilo nella critica dei Greci, Torino, 1941.
48 - Cfr. R. STARK, Annales Univ. Saraviensis, Pbilos-Letters, 8, 1959, 35.

2. Sofocies

As notícias dos Antigos colocam os três grandes poetas trágicos numa relação parti-
cular com a batalha decisiva das guerras contra os Persas: Ésquilo participou na luta,
Sófocles, na beleza nua de efebo, dirigiu a dança triunfal, e Eurípides nasceu precisa-
mente no dia da vitória de Salamina. Só podemos dar crédito aos dois primeiros factos,
mas tudo ganha um sentido profundo se tomamos a relação de cada um dos três como
símbolo do que foram, para cada um destes poetas, os dias em que Atenas ardeu e a li-
berdade foi conquistada. Para Ésquilo, foram o grande testemunho da justiça divina,
sobre a vida de Sófocles lançaram um brilho esplendoroso, e Eurípides só teve conheci-
mento deles através dos homens de uma outra geração.
Podemos fazer outras reflexões semelhantes acerca desta tradição, mas o certo é
que surgiu do absurdo prurido dos antigos historiadores da literatura de criar a maior
quantidade possível de sincronismos sugestivos. Não tinham escrúpulos em adaptar ou
inventar datas para servir a esse propósito. Entre as datas cuja autenticidade pomos seri-
amente em dúvida por causa deste procedimento, encontra-se o ano de nascimento de
Sófoclest"). Entre as diversas indicações, a mais provável é a da crónica de Paros, que
menciona os anos 497/96.
Em compensação, podemos precisar com exactidão a data da sua morte. Não há
motivo para duvidar do belo relato da Vida de Eurípides, segundo o qual, ao ter notícia
da morte do seu rival, Sófocles apresentou o Coro e os actores em vestimentas de luto e
sem coroas no Proagon das Dionísias do ano 406. Mas quando, em 405, Aristófanes re-
presentou As Rãs, nas Leneias, Sófocles já tinha morrido.
Nesta comédia literária revela-se a oposição entre Ésquilo e Eurípides, que encarna
a oposição entre duas épocas. Ali não havia lugar para Sófocles, mas Aristófanes fez da
necessidade virtude, e na disputa no Além confere-lhe uma característica que é um belo
monumento ao carácter conciliador do poeta. Assim o conheceram os Atenienses,
quando ainda se encontrava entre eles, e a sua biografia que se conserva nalguns ma-
nuscritos, e possivelmente data da época do Helenismo tardio, testemunha o encanto da
sua pessoa, com que ganhava todos os corações. Este poeta que, como nenhum outro,
sabia da trágica miséria da existência e de todos os recônditos do sofrimento humano,
seguiu o caminho da sua vida exterior alimentado por uma luz serena e era considerado
pelos seus concidadã os como um homem feliz.
302 o Apogeu da Pólis Grega

Seu pai foi Sófilo, que devia a sua riqueza ao trabalho manual dos seus escravos. A
sua família pertencia às mais distintas de Atenas. A Vita realça a educação do jovem na
ginástica e em música, e isso concorda com o honroso encargo que recebeu de celebrar
a vitória de Salamina. Se o seu mestre de música efectivamente foi Lampro, a sua educa-
ção neste campo era de boa tradição. No escrito sobre a música, que lemos sob o nome
de Plutarco, esse homem aparece ao lado de Píndaro e Pratinas (1142 b).
Na Vita afirma-se que, por amor a Atenas (cpLÀcx6TjvCXLÓ"CCXWÇ), Sófocles rejeitou os
convites de cortes reais. Pode haver parte de verdade nisto; de qualquer modo, quanto
sabemos, Sófocles só abandonou a cidade para actuar ao seu serviço. Mostra, pois, certa
divergência com os outros dois, pelo facto de participar na vida da pólis, desempe-
nhando altas funções. Causou sensação a sua actuação, juntamente com Péricles, na
qualidade de estratego, na guerra de Samos (441/40). A "hipótese" de Antígona refere
que foi eleito para esta função como recompensa por esta tragédia. Na Atenas daquela
época pode-se imaginar uma decisão desta índole. Seja como for, no ano em que de-
sempenhou as suas funções no colégio de estrategos composto por elementos cuja alma
era naturalmente Péricles, não foi verdadeiro homem de armas. Em Ateneut-), lemos
uma notícia contemporânea das Epidemias de Íon de Quios que fala da permanência do
poeta nesta ilha. Enquanto Péricles partia contra os habitantes de Sarnas com o exército
principal, Sófocles foi enviado ali e a Lesbos, em busca de auxilio. O ateniense Próxeno
de Quios acolheu o hóspede distinto, que com a bebida dava curso ao seu talento e à
sua cultura, amavelmente. E quando conseguiu roubar um beijo a um belo jovem co-
peiro, achou que o seu ofício de estratego não era tão mau como Péricles afirmava. Esta
crítica, a que ele deu pasto com a sua fina ironia, concorda com o juízo de Íon de que,
nos assuntos de Estado, Sófocles não tinha demonstrado nem particular perspicácia nem
energia, mas tinha sido como qualquer honrado Ateniense médio. Todos os testemunhos
coincidem: as profundidades de onde surgia a poesia do abandono e da dor do homem
sofocliano repousavam sob uma superfície aberta a uma luz serena e marcada por uma
graciosa leveza.
Notícias pouco dignas de crédito(3) permitem supor que Sófocles foi investido na
função de estratego uma segunda vez. Mais importante que a sua função militar parece
ter sido a sua actividade na Comissão encarregada das finanças do Estado. Dado que a
lista de tributos para o ano 443/42 o nomeia só a ele como helenotamias deve ter ocu-
pado um lugar especial nesta corporaçào, talvez o de presidentert), Dado que esta indi-
cação aparece aqui pela primeira vez, isso parece indicar o significado particular deste
ano administrativo, em que os helenotamiai tiveram que efectuar importantes reformas
no regime tributário da Liga marítima ática.
O equilíbrio que mostrava exteriormente o carácter deste homem foi decerto o mo-
tivo pelo qual, em 413, e sendo já muito velho, foi eleito membro da probule que, de-
pois da catástrofe siciliana, deve ter promovido as aspirações oligárquicas a um regime
mais rígido. Aristóteles, que o testifica, em Ret. 1419 a 26, também relata que, referindo-
-se ao golpe de Estado do ano 411, Sófocles teria dito a Pisandro que não o aprovava,
mas que na altura não havia melhor solução.
Sófoeles 303

o que sabemos acerca dos diversos cargos de Sófocles é secundário para a com-
preensão do poeta, e só interessa porque completa a sua imagem com traços que não
têm relação com as esferas mais profundas do seu ser. Tem mais importância o que sa-
bemos da sua actividade no culto. Sobre ela só recentemente WALTERnos conseguiu es-
clarecert '). Quando, no ano 420, os Atenienses adoptararn o culto de Asclépio - o
grande deus da medicina, de Epidauro - Sófocles participou no acto. Um péan que com-
pôs para o deus ainda se cantava no tempo de Filóstrato (Vita Apoll. Tyan. 3, 17), e res-
tos dele encontram-se em fragmentos de inscriçôes da época do Império (cfr. D. Ath.
Lyr. Suppl., 4 e 56). Por tais méritos, o próprio Sófocles, na qualidade de Déxion, rece-
beu honras de herói depois da sua morte. A sua íntima relação com Asclépio explica-se
pelo que nos diz a Vita, segundo a qual foi sacerdote de um herói da saúde chamado
Hálon. Quando as escavações na encosta ocidental da Acrópole puseram a descoberto o
santuário de Aminos, um deus da saúde, que remontava ao século VI, e trouxeram à luz
inscrições onde se nomeava Asclépio e Déxion, pensou-se que se devia substituir o
nome transmitido na Vila pelo de Aminos. No entanto, O. WALTERdemonstrou que as
duas inscrições IG. 2/32, 1252 s. aludem univocamente a dois santuários, um de Aminos
e Asclépio e outro de Déxion. Com isto, fica suprimido o motivo para introduzir a cor-
recção sugerida por A. KÓRTE, e, atendo-nos à Vita, relacionamos Sófocles com Hálon,
sem poder precisar com mais pormenor a natureza deste deus da saúde que deve ter es-
tado com Asclépio junto a Quíron.
Em marcada oposição a Eurípides, Sófocles ganhou rapidamente o seu público e
conseguiu manter sempre constante o favor deste. Seguindo um antigo costume, tam-
bém ele representou, na sua juventude. Das suas participações na cena ficaram na me-
mória dos Atenienses a sua habilidade para tocar citara no papel de Tâmiris e o seu jogo
da pelota, na Nausica. Depois abandonou a actuação, coisa que na Vita se atribui à de-
bilidade da sua voz. O começo da carreira de Sófocles coincide aproximadamente com a
época em que cessou a actividade dos poetas como actores. A explicação que a Vita dá
é possivelmente uma invenção etiológica, e na realidade foram as exigências crescentes
à arte do actor que obrigaram a esta separação.
Sófocles realizou a sua primeira apresentação em 468. Lemos em Címon, de
Plutarco, que, naquela altura, o dirigente do partido dos nobres e os seus nove colegas
estrategos adoptaram as funções de árbitros, instados pelo arconte que dirigia as repre-
sentações, concedendo o prémio a Sófocles. Já Lessing deduziu da nato hist. 18, 65, de
Plínio, que a tetralogia vencedora provavelmente continha o Triptólemo. A história do
herói eleusino que levou pelo mundo, no seu carro alado, os dons de Deméter e com
eles os benefícios da cultura, devia ser um tema do agrado dos Atenienses.
A lista epigráfica dos triunfadores nas Dionísias (IG 2/32, 2325) regista dezoito tri-
unfos de Sófocles. O facto de na Suda se mencionarem vinte e quatro e na Vita vinte,
deve-se ao facto de a primeira incluir os triunfos nas Leneiasô'). Segundo outros dados
importantes da Vita, Sófocles nunca foi relegado para o terceiro lugar no agon, e
Aristófanes de Bizâncio possuía em Alexandria cento e trinta obras, entre as quais havia
sete(7) que foram declaradas inautênticas. O facto de os Alexandrinos terem eliminado
.•

304 o Apogeu da Pólis Grega

tal quantidade - e certamente que teriam razões para o fazer - deveria dar que pensar
àqueles que querem eliminar o problema da autenticidade de dramas conservados,
como o Reso, afirmando que é muito improvável que se tivessem introduzido obras fal-
sas no Corpus dos diversos poetas trágicos.
Segundo a Suda, Sófocles também escreveu peanes e elegias. Já mencionámos um
péan ao falar de Asclépio, quanto a uma Ode a Herodoto (O. Anth. Lyr. fase. I, pág. 79)
que, segundo sua própria declaraçào, o poeta escreveu aos cinquenta e cinco anos, con-
servamos num fragmento o seu próprio testemunho. A mesma Suda surpreende-nos
com a menção de um escrito em prosa, Sobre o Coro, onde parece que Sófocles polemi-
zava com Téspis e Quérilo. De qualquer modo, sabemos que, naquela altura, homens
como Ictino, o arquitecto do Pártenon, e o escultor Policleto discutiam, em escritos espe-
cializados, problemas respeitantes à sua arte; pode-se imaginar, pois, que Sófocles se
ocupasse, de forma análoga, de problemas que diziam respeito ao Coro. O número de
coreutas deve ter tido a sua importância nestas controvérsias. Na Vita e na Suda está
bem testemunhado que Sófocles aumentou o número de coreutas de doze para quinze.
Esta inovação ou é posterior à Oresteia de Ésquilo, ou então não foi adoptada por ele. O
caso é diferente no que se refere ao terceiro actor, que Ésquilo introduziu à imitação do
poeta mais jovemtê). No capítulo IV da Poética, diz-se que Sófocles introduziu a ceno-
grafia, se bem que os nossos limitados conhecimentos da decoração cénica antiga não
nos permitam incorporar esta inovação no processo de desenvolvimento. Pelo contrário,
é-nos explicável uma inovação que foi de grande importância para a estrutura da tragé-
dia. Sófocles voltou a dividir a trilogia em peças isoladas e independentes, no que se re-
fere ao conteúdo. Com isso, renunciou a uma grandiosa forma estrutural, que foi criação
pessoal de Ésquilo, mas esta perda compensa-se com um maior rigor da construção na
obra isolada. Em última análise, neste desenvolvimento torna-se manifesto até que ponto
na tragédia de Sófocles a personagem isolada se transformou cada vez mais no tema
central. Além disso, a ruptura da unidade que constitui a trilogia não foi para Sófocles
uma regra sem excepção. A inscrição didascálica de Exonast") menciona uma Teléfia
(TT}ÀÉq>ELCX), que possivelmente devemos considerar como trilogia acerca do destino de
Télefo, o filho de Héracles que posteriormente foi rei da Mísia.
Devido à nossa transmissão fragmentária, vemos as grandes personagens clássicas
num isolamento que nos faz esquecer como deve ter sido intensa a sua relação com os
movimentos culturais da sua época. Devemos ter isto presente, ao ajuizarmos da notícia
que a Vita traz, difícil para nós, que Sófocles tinha formado com um grupo de homens
cultos um thiasos dedicado às Musas. Um thiasos às Musas também é mencionado nas
Mulheres que celebram as Tesmofôrias de Aristófanes (v. 41) e, no caso de Sófocles, po-
demos pensar num círculo que cultivava uma vida de sociedade cheia de espiritualí-
dade. O citado diálogo em Quios pode dar-nos uma ideia do tom que reinava neste
thiasos. A dedicação a um culto era coisa natural nesta época.
A nossa transmissão biográfica inclui muito material anedótico, de modo que, em
muitas ocasiões, se torna difícil separar a fábula das notícias históricas. Assim, foi e será
diferentemente julgada a notícia sobre as desavenças familiares que teriam ensombrado
Sófoeles 305

os últimos anos de Sófocles. Iofonte, filho do poeta e de Nicóstrata, teria tentado um


processo junto dos phratores contra seu pai, porque este sentia preferência, contra todo
o direito, por um neto do ramo colateral. Este tinha o nome do avô e descendia de
Aríston, filho de Sófocles e de Teóris de Sícion. É certo que Sófocles teve um filho cha-
mado Aríston, que por sua vez teve descendênciat l!'), mas pomos em dúvida a veraci-
dade da história do processo por incapacidade - que, aliás, nunca pode ter sido apre-
sentado perante os phratores - tanto mais que, na Vita, aparece relacionado com o
nome de Sátiro. Haveremos de apreciar as qualidades deste homem, quando nos referir-
mos a Eurípides.
Um ponto preferido pelas anedotas é, na biografia antiga, a indicação da causa da
sua morte. Damos aqui um exemplo, tomado da Vita, para caracterizar um aspecto deste
tipo de literatura: Sófocles morre sufocado com um bago de uva, ou morre em conse-
quência do esforço excessivo realizado na leitura de uma longa passagem da Antígona
(de resto, uma prova de que se lia em voz alta), ou morreu de alegria por um triunfo!
Mas entre as invenções dos biógrafos há-as tão bonitas como o relato que diz que, obe-
decendo à dupla advertência que Dioniso lhe fizera em sonhos, Lisandro, que sitiava
Atenas, tinha deixado passagem livre a Sófocles na sua última viagem para o túmulo de
família, na estrada para Deceleia.
Entre os retratos do poetatU), o mais conhecido é a estátua de Latrão, Mas deve-se
ter em conta que a sua cabeça é o resultado duma reelaboração classicista realizada por
Tenerani. Anterior a esta é uma réplica em gesso, na Villa Mediei; apresenta um aspecto
em que se reflecte a florescente plenitude da sua vida, bem como a sua seriedade mortal.
Sobre a cronologia dos dramas de Sófocles, não estamos mal informados, contanto
que não exijamos dados demasiado precisos. Só dispomos de duas datas exactas referi-
das à última época do poeta. a seu Filoctetes foi representado em 409; o Édipo em
Colono, depois da sua morte, em 401. Com menor certeza, situamos a Antígona no ano
442. Mas se a "hipótese" desta obra afirma que, para a premiar, os Atenienses elegeram
Sófocles estratego na guerra de Sarnas, o mais provável é que um post hoc se tenha
transformado num propter hoc, e não se poderá situar a Antígona muito antes do cargo
militar de Sófocles.
Assim, pois, possuímos vários dados seguros, à volta dos quais podemos ordenar
os restantes com certa verosimilhança. Segundo uma opinião difundida, que se baseia
nos traços arcaicos da linguagem e da composição, o Ájax é a mais antiga das obras que
se conservam, e possivelmentte remonta aos anos cinquenta.
a começo desta obra constitui a única cena, nos dramas conservados, em que apa-
rece uma das grandes divindades do Olimpo, Invisível a Ulisses (mas não ao especta-
dor), Atena veio seguindo o seu protegido na sua estranha missão de espiar. No juízo
das armas, celebrado para adjudicar a armadura de Aquiles, Ájax tinha sido derrotado
por Ulisses. Aquele sai de noite para se vingar do adversário com a espada; mas a deusa
obnubilou-lhe a mente, ele arremeteu contra o gado dos Gregos, provocando uma carni-
ficina. Isto chega confusamente aos ouvidos de Ulisses, que se põe a caminho para a
tenda de Ájax, para se informar do sucedido. É a deusa quem lho conta, e conta-lhe
306 o Apogeu da Pólis Grega

também que Ájax se encontra na tenda, presa do delírio, torturando animais que toma
por Gregos. Esta Atena tem uma face dupla e estranha. Aparece, primeiramente, como a
divindade homérica que concede favores aos seus predilectos segundo o seu capricho,
e, assim, faz sair Ájax da tenda, para dar a Ulisses o que ela considera o maior prazer: a
possibilidade de se rir do inimigo derrotado. Mas, numa antítese de grande beleza, o
poeta prepara aqui o Ulisses da última parte. dando-lhe traços dum humanismo com
que a sua poesia, também por outras razóesí l-), transcende o seu tempo. Este Ulisses
não se quer entregar ao riso que Arena lhe reserva, resiste ao espectáculo que o
aguarda, e, não o podendo evitar, prorrompe em palavras de profunda compaixão. Mais
ainda: este Ulisses reconhece no destino do inimigo o seu próprio destino humano e,
com profunda compreensão pela tenebrosa existência dos mortais, transforma-se no es-
pectador paradigmático da tragédia de Sófocles.
Mas, no final do Prólogo, esta Atena que se diverte cruelmente com o transtornado
Ájax, ergue-se como séria admoestadora em nome da moralidade. Os deuses amam o
respeito e a moderação no homem e castigam severamente a arrogância. Quem fala é
Atena, mas o que expõe é a doutrina do seu irmão délfico.
Depois d;l cena do Prólogo, em que já está traçada toda a problemática desta obra,
entra o Coro de Marinheiros de Salamina. Tecmessa, a mulher que Ájax obtivera como
despojo de guerra, conta-lhe os sinistros acontecimentos da noite anterior; depois abre a
tenda, e vemos Ájax que despertou da sua loucura, no meio dos animais massacrados.
Este Ájax tinha-se sentido ofendido na sua honra pelo juízo das armas; agora reconhece
que acabou por a perder completamente, com estes actos da sua loucura. Com sublime
decisão, toma o propósito que lhe prescreve a sua natureza: viver com honra ou morrer
com honra é próprio do homem nobre (479). Sem atender aos rogos da mulher e do
Coro, despede-se do filhinho, no caminho para a morte, o único que ainda lhe fica por
andar; há um entreacto que deu lugar a interpretações falsas muito variadas(13). Depois
de uma longa e lúgubre ode coral, Ájax volta a sair da tenda, declarando que chegou a
compreender que existe um ordenamento do mundo fundado na eterna mudança e que
exige que o próprio Ájax a ele se submeta. Por isso, deseja purificar-se com um banho
de mar, enterrar a espada fatal que outrora Heitor lhe oferecera, e fazer as pazes com os
Atridas. Pensou-se que não era possível que Ájax mentisse e tomou-se o discurso como
expressão da sua verdadeira intenção. Outros entenderam correctamente as palavras fi-
nais sobre o caminho que devia percorrer e a salvação que esperava encontrar em
breve, mas atribuíam um sentido especial ao discurso: que Ájax se continua a encontrar
no caminho para a morte, mas que agora percorre esse caminho como um homem
transformado com a compreensão de uma ordem que ele, incorrendo em culpa, tinha
abandonado. Face a esta interpretação, é preciso afirmar simplesmente que este discurso
enganador tem sobretudo a indispensável função dramática de afastar Ájax da protecção
dos seus e de lhe deixar caminho livre para a morte. Com isto, não fica ainda tudo dito.
A ênfase com que Ájax fala sobre a mudança e o equilíbrio como lei do ser tem o seu
sentido particular. Mas o que Ájax reconhece aqui não é que ele tenha incorrido em
falta, mas sim apenas isto: que o seu próprio ser não tem lugar num mundo deste tipo.
Sófoeles 307

Tomado neste sentido, o episódio revela, no seu aspecto mais profundot !"), a força trá-
gica desta obra.
Também sob um outro aspecto o discurso simulado é significativo para a estrutura
dramática. O Coro acredita nas palavras e fá-Ias seguir de uma ode cheia de alívio jubi-
loso. O mesmo sucede antes da catástrofe, na Antígona e no Rei Édípo. Esta caracterís-
tica da técnica de Sófocles era tão familiar aos antigos, que falavam, utilizando uma ex-
pressão específica, de "amplificação do trágico"(15). Mas este expediente não se deve
considerar meramente no seu aspecto técnico, como um recurso para que a queda imi-
nente seja tanto mais profunda; contribui para dar maior relevo à fragilidade das ilusões
humanas, característica essencial da tragédia de Sófocles.
Não tarda a extinguir-se o júbilo do Coro, quando o Mensageiro anuncia a estranha
advertência do adivinho Calcas, de que vigiem cuidadosamente Ájax neste dia, pois a ira
de Atena ameaça levá-Io à perdição. Se sobreviver a este dia, poderá salvar-se. O Coro e
Tecmessa, profundamente inquietos, partem à busca do protagonista que corre perigo.
Muda o cenário, e encontramos Ájax na praia. A mudança de cena podia efectuar-se
facilmente de modo a que a cena da morte de Ájax fosse representada em frente de um
dos parascénios do cenário. Ali, os arbustos permitiam que Ájax se lançasse sobre a es-
pada, assim como a saída do actor, que devia aparecer nas cenas seguintes noutro papel.
um monólogo que precede a sua morte, Ájax dá uma vez mais livre curso ao seu ódio
contra os Atridas; depois, com um olhar profundamente comovido, abarca o mundo que
abandona, a luz do dia, as planícies da sua pátria e as águas da paisagem troiana.
O monólogo da morte de Ájax situa-se no drama pouco depois do meio; à repre-
sentação da morte do herói sucede-se a luta pelas suas honras fúnebres. O Coro e
Tecmessa encontram o cadáver eao grupo dos que se lamentam não tarda a juntar-se
Teucro, meio-irmão do morto. Nas cenas que se seguem, discute com Menelau e
Agamémnon que, com uma indigna sede de vingança, querem deixar o cadáver de Ájax
abandonado às aves e aos cães. Teucro acabaria por ser vencido na luta se não encon-
trasse em Ulisses um aliado que proporciona ao morto uma honrosa sepultura.
Esta segunda parte do Ájax preludia de forma notável a Antigona. Em ambas as
obras o conflito surge em consequência da proibição de dar sepultura; em arnbas, o sen-
timento da humanidade levanta a sua voz contra a vontade de vingança duma autori-
dade que desconhece a moderação. No Âjax, escutamo-Ia da boca do mesmo Ulisses
que, no Prólogo, apenas viu em Ájax o sofrimento. Cego por um ódio que vai para além
da morte, Agamémnon não consegue compreender Ulisses. Também Ulisses conhece o
ódio ao inimigo, mas conhece também os limites deste poder destruidor (347) e o di-
reito do morto, direito esse que nenhuma arbitrariedade pode ofender. E quando Ulisses
diz a Teucro (376) que quer ser seu amigo na mesma medida em que foi seu inimigo e
se oferece para contribuir ele mesmo para que se dê honrosa sepultura a um homem
que foi seu acérrimo adversário, passa-se do estreito domínio do ódio àquele amor que
caracteriza a personagem mais nobre do poeta.
Já a crítica antiga (escól. 1123) censurou a estrutura da obra, e críticos mais recen-
tes censuraram que, à morte do herói se seguisse uma segunda parte, pouco mais breve.
308 o Apogeu da Pólis Grega

Mas, está realmente decidido o destino de Ájax quando este se lança sobre a espada? O
destino do seu cadáver não é, segundo os conceitos antigos, uma parte da sua história,
como as obras e os padecimentos do ser vivo? A unidade interior do drama é indiscutí-
vel, e manifesta-se objectivamente por meio do cadáver na cena, junto ao qual está ajoe-
lhado o pequeno Eurísaces. Por outro lado, seria um erro negar que ainda não se alcan-
çou aquela maravilhosa unidade de composição que caracteriza as obras do apogeu
clássico, como o Edipo. Falou-se, com razão, duma forma díptica que podemos compro-
var também nos dramas seguintes.
Para resolver o difícil problema da interpretação desta obra, devemos perguntar até
que ponto a catástrofe de Ájax é consequência da sua culpa. Uma vez mais se costuma
buscar a solução do problema na simples equação que equilibra a dor e a hybris do
herói. Acaso não fala Atena, no final da cena do Prólogo, da ira dos deuses que atinge o
homem arrogante, e porventura Calcas não alude, na sua profecia, ao facto de Ájax ter
ofendido duas vezes a deusa com palavras de insubordinação? Mas desconfiamost-v) de
um cálculo tão simples da culpabilidade moral na tragédia antiga e em especial na de
Sófocles: o Ájax tem características que ainda fazem aumentar mais as nossas suspeitas.
Não se pode negar a hybris de Ájax, mas de que maneira tão singular se mantém à mar-
gem este motivo! A admoestação de Atena no final da cena do Prólogo parece de carác-
ter geral, e só nas advertências de Calcas (761) se enche de um conteúdo determinado.
Mas com curiosa restrição, ao declarar que só nesse dia a ira de Atena ameaça o herói;
que se o conseguirem proteger durante esse dia, poderá salvar-se. Neste contexto, é im-
portante o facto demonstrado por FRANZ DIRLMEYER(17),que a arrogância de Ájax já
tinha chegado ao poeta como um motivo da tradição épica. Sófocles adoptou-o e incor-
porou-o no seu Ájax. Mas este não é simplesmente um drama de culpa e expiação, mas
sim a tragédia de um grande homem que, na sua força excessiva, atrai sobre si o raio e
recebe o fogo mortal com dignidade. FRIEDRICH GOTILIEB WELCKER(18) apreciou-o
melhor que muitos intérpretes mais recentes: Parece-me que Ájax enche o drama muito
mais por aquilo que é do que por aquilo em que errou.
Também se pode admitir a interpretação que o Sófocles dos anos cinquenta, que
adopta o motivo da culpa sem lhe atribuir uma posição central, se tinha libertado em
grande medida, ainda que não totalmente, da influência de Ésquilo. Esta hipótese coin-
cide com uma frase do poeta que chegou até nós por transmissão fidedígnat 'P): para al-
cançar a perfeição teve primeiramente que ultrapassar o estilo sobrecarregado de Esqui-
10, e depois a aspereza e o artifícialismo da sua própria natureza.
Com as reservas que se deverão fazer ao analisar As Traquínias, podemos supor
que a Antígona é a segunda em antiguidade das obras conservadasf-"). já se falou sobre
a incerteza de ter sido composta em 442.
Em nenhuma outra das obras conservadas exprimiu Sófocles tão claramente os pensa-
mentos fundamentais e, no entanto, não houve outra que fosse desconhecida durante tanto
tempo e com tanta persistência. A causa foi a autoridade de Hegel que, na sua Estética (Il,
2, 1) uniu ao elogio mais entusiasta a interpretação que em Creonte e Antígona se enfren-
tam o Estado e a família como dois domínios com iguais direitos, cujos representantes ne-
Sófoeles 309

cessariamente devem sucumbir neste conflito. Hegel assinalou assim uma importante
possibilidade do trágico, que se desenvolveu extensamente na teoria de Schopenhauer e
na poesia de Hebbel, e que desde então tem importância para o tratamento moderno da
tragédia. Mas transferida para a Antígona, a teoria dos valores igualmente legítimos que
chocam entre si é uma interpretação errónea.
Polinices provocou a campanha dos Sete contra Tebas, sua pátria, e morre como
traidor, em frente das muralhas. De acordo com os conceitos do direito grego, era lícito
negar-lhe sepultura na sua terra natal, embora pudesse ser sepultado em qualquer parte
para além das suas fronteiras. Mas este Creonte, que assumira a chefia de Tebas depois
do duplo homicídio dos irmãos, vai muito mais longe. Coloca guardas junto ao cadáver,
com a intenção de eles velarem para que os cães e as aves o despedacem e que os
despojos apodreçam ao Sol. Os Atenienses que escutavam este Creonte tiveram que
pensar na maldição que um sacerdote da estirpe de Búziges tinha proferido contra todos
aqueles que deixassem um morto sem sepultura. Este Creonte não é a voz do Estado
que conhece os seus direitos mas também os seus limites. Impele-o a ímoderação que
ignora tudo o que não seja ela própria, pois se apresenta com pretensões de autoridade.
A Antigona não é um drama de tese, mas, através da acção e do sofrimento destas per-
sonagens, manifesta-se com suficiente clareza o problema de o Estado poder aspirar a
ter a última palavra ou também ele dever respeitar leis que não tiveram a sua origem
nele e que, portanto, permanecem sempre subtraídas à sua intervenção.
o seu decurso, a obra pode entender-se como o drama da resistência a Creonte e
como o evoluir progressivo da sua rejeição. A resistência é assumida por Antígona, e o
poeta fá-Ia empreender duas vezes o seu acto. A primeira vez, consegue, sem ser vista,
cobrir seu irmão morto com uma camada de pó, mas quando os guardas põem nova-
mente a descoberto o cadáver em decomposição, Antígona regressa e é aprisionada na
sua segunda tentativa de dar sepultura simbólica ao irmão. O gesto repetido corresponde
sobretudo à intenção de mostrar o golpe assestado contra Creonte como um golpe tão
forte quanto o permitem as difíceis circunstâncias deste enterro. Também nos permite ver
Antígona vitoriosa por um momento, antes de partilharmos a dor da sua ruína.
Mal Creonte pronuncia a condenação à morte de Antígona, inicia-se também o cami-
nho que conduz ao seu derrube. Seu filho Hémon, noivo de Antígona, é o primeiro a
rejeitá-Io. Depois de um longo debate que, partindo de um pedido de humildade filial, vai
aumentando até se transformar num grito de desespero, Hémon abandona seu pai. É tam-
bém através dele (592. 733) que Creonte fica a saber que a cidade condena unanimemente a
sua sentença. Mas ainda se mantém firme naquilo que considera ser o seu direito, o direito
do Estado. É que este Creonte não é meramente o malvado que, conscientemente, quer a in-
justiça. Está tão irremediavelmente obstinado na crença no poder sem limites do Estado e no
seu próprio - que considera idênticos (738) - que a sua caminhada para o abismo através da
hybris não é apenas um exemplo moral, mas também um trecho de autêntica tragédia.
Também os deuses rejeitam Creonte. Fazem-no primeiramente através do adivinho
Tirésias, que fala dos sinais atrozes que indicam a contaminação da cidade por causa do
cadáver corrompido. Também agora Creonte se enche de suposições absurdas; ele,
310 o Apogeu da Pôlis Grega

homem perseguido pelos deuses, suspeita que subornaram o adivinho e, numa última
exaltação da sua arrogância, exclama que não se dará sepultura ao morto mesmo que as
águias de Zeus levem ao trono do deus supremo pedaços do cadáver. Mas, quando
Tirésias se retira, após ter pronunciado a terrível maldição de que Creonte pagará com a
sua própria carne o ultraje aos direitos do morto, subitamente dissipam-se a obcecação,
o orgulho e a loucura, e Creonte quer salvar o que ainda pode ser salvo.
Mas os deuses já não aceitam a sua vontade de expiação. Na câmara subterrânea,
donde quer libertar Antígona, encontra-a enforca da e, junto ao seu cadáver, Hémon sui-
cida-se, após um arrebatamento de ódio desenfreado contra o pai. Um Mensageiro relata
o acontecido a Eurídice, mulher de Creonte, que regressa ao palácio sem dizer palavra,
para morrer ali com uma maldição contra o marido. Só e derrotado fica Creonte, pou-
pado para o reconhecimento tardio do seu erro.
A obra é um drama de duas pessoas, e, sem que seja possível pormos o acento em
nenhuma das duas, temos que reconhecer uma tragédia de Creonte e uma de Antígona.
Também a esta personagem se tentou atribuir, sob a influência de Hegel, algo como
uma culpabilidade trágica. O excelente livro de VICTOREHRENBERGé o mais apropri-
ado para rectificar, de uma vez por todas, esta interpretação errónea. a sua grandiosa
disputa com Creonte, Antígona diz com suficiente clareza aquilo a favor de que luta: as
leis eternas e imutáveis dos deuses, que nenhum acto de autoridade humana pode con-
fundir. Pelo carácter ético do passo, adivinhamos que Antígona exprime a íntima convic-
ção do poeta; além disso, demonstra-o claramente uma programática intervenção do
Coro do primeiro Édipo (865). Aí, Sófocles exalta a lei nas alturas do éter, que procede
da esfera do divino e que não tem a sua origem na natureza do homem.
EHRENBERGmostrou como a opinião corrente, que concebe Sófocles e Péricles
como expoentes duma época de apogeu clássico de carácter unitário, oculta na realidade
uma oposição muito significativa. Embora o poeta e o estadista não se achassem em con-
flito aberto como representantes duma concepção teónoma e antropónoma do mundo,
certamente que estavam numa tensão que preludiava a gigantomaquia (Plat. 50! 2460)
que, num período posterior, se estabeleceu em torno do ser e do homem. Sófocles viveu
com profunda inquietude a turbulenta evolução da sua época. Na vida política, esta ma-
nifestava-se no começo do aparecimento de um império sob a chefia ática, na vida cultu-
ral, nas ideias da Sofística que deitavam por terra os valores tradicionais. Precisamente a
época em que surgiu a A ntígona parecia querer arremeter contra todas as barreiras e foi
nessa altura que o poeta compôs a ode que constitui o primeiro Estásimo do nosso
drama e que, como nenhum outro, atravessando os séculos, ainda ecoa nos nossos dias.
Grande e poderoso, mas também terrível e inquietante (arnbas as ideias estão contidas
em ÔELVÓÇ), é o Homem, que quer subordinar à sua vontade a natureza em todos os seus
domínios, e está disposto às maiores ousadias para o conseguir. Mas o decisivo é sempre
que reconheça o absoluto que os deuses colocaram acima dele, ou se arraste a si mesmo
e à comunidade para a destruição, por desprezar a ordem eterna.
Num belo passo da primeira redacção do Empédocles, Hôlderlín põe Reia a contar
que as donzelas atenienses perguntam qual delas teria inspirado Sófocles quando ele
Sófoeles 311

criou a sua Antígona, a terna e séria heroína. Aqui captou-se esta personagem, desfigu-
rada até ao grotesco nalgumas interpretações modemasr-l), em toda a plenitude humana
que o poeta lhe infundiu. Esta plenitude também se desprende deste verso (523): Não
nasci para odiar, mas para amar. Fez-se todo o possível para negar importância a esta
expressão primordial de humanismo ocidental e excluir um conceito de amor que
Sófocles, segundo esta opinião, não podia possuirt-ê). Também se considerou surpreen-
dente o facto de, no caminho para a morte, Antígona lamentar e chorar pela sua vida
perdida. E, no entanto, este drama conserva o seu valor intemporal, precisamente por-
que esta Antígona não é uma heroína de dimensões sobre-humanas, mas sim uma pes-
soa como nós, com os mesmos desejos e esperanças que nós, mas ao mesmo tempo
com a grande coragem de prestar ouvidos, acima de todas as outras vozes, à grande lei
divina. Mas, corno todas as grandes figuras do poeta, ela, cheia de amor, deve percorrer
este caminho na mais absoluta solidão. Ao princípio da obra, pede a ajuda de sua irmã
Ismene. Em vão, pois, com um artifício que se repetirá na obra do poeta, encontramos,
junto à alma sublime, inacessível ao temor e à sedução, a figura acomodatícia (Ismene)
que ilude os rigores da exigência ética extrema.
Mas também o Coro dos Anciãos Tebanos não se coloca ao lado de Antígona, e
quis-se ver nisso uma condenação do seu comportamento. Mas se se continua a leitura e
se reflecte acerca da forma como o Coro condena Creonte, depois da cena com Tirésias
até às palavras finais, não se tardará a reconhecer que o poeta pretendia, na primeira
parte, o isolamento total de Antígona, mediante a reserva dos anciãos. O temor face a
Creonte oferecia ao Coro uma motivação fácil e suficiente.
Uma única vez nos surpreende, a nós hodiernos, esta Antígona, como surpreendeu
Goethe(23). É no passo do seu último discurso (905) em que ela justifica o seu acto, di-
zendo que teria podido encontrar um substituto para um marido ou um filho, mas nunca
para o seu único irmão, desde o momento em que tinham morrido seus pais.
Manifesta-se aqui um traço fundamental da mentalidade grega: o de buscar um justifica-
tivo no âmbito da razão, mesmo para o que nos dita o coração. Por outro lado, o passo é
um testemunho interessante - não o único - da afinidade do poeta com Heródoto, que
introduziu este motivo em lugar adequado na história da mulher de Intafernes (3, 119).
Depois destas explicações, não parece necessário defender a unidade interna da obra
contra os que encontram, no último terço, uma tragédia de Creonte demasiado autónoma.
Com isto não se contesta que a unidade da composição não seja - poderíamos dizer
"ainda não seja" - comparável com a que Sófocles alcança nos seus dramas mais perfeitos.
Também a forma de As Traquínias é díptíca, por outro lado, não tardaremos a de-
monstrar a sua afinidade com o motivo do primeiro Édipo. Por isso a situamos entre esta
obra e a Antígona. Isto concorda com o facto de REINHARDT assinalar, em As Traqui-
nias, traços comuns com dramas anteriores: o isolamento da única personagem cujo
"pathos" resulta da reacção frente ao seu destino, e a forma cénica ainda estática, se a
comparamos com a dinâmica posterior. Mas não coincidimos com o seu empenho em si-
tuar a obra antes da Antígona. Com toda a reserva que requer a comparação de cenas
afins, não se pode imaginar que se tivessem originado independentemente o relato da
312 o Apogeu da Pólis Grega

despedida de Dejanira do leito nupcial (920) e a mesma despedida de Alceste, em


Eurípides. Mas dado que o contexto e a estruturação falam a favor da prioridade de
Eurípides, que representou a sua Alceste em 438, conseguiu-ser-s) um terminus post
quem com a probabilidade que é possível alcançar em tais casos.
Enquanto as obras de Sófocles que comentámos até agora se iniciam com um diálogo,
esta começa com um prólogo monologado de Dejanira, no qual se desenvolvem pressu-
postos essenciais para a obra. Isto recorda-nos o costume que em Eurípides chega ao ma-
neirismo. Também se quis reconhecer nesta obra outros elementos típicos de Eurípides,
principalmente nos motivos eróticos no comportamento de Dejanira. Não se pode excluir a
possibilidade de Sófocles estar debaixo do influxo do seu rival mais jovem, e isto poderá
valer para o emprego do Prólogo, se bem que também aqui Sófocles conserve o seu pró-
prio estilo. Aliás, exagerou-se a influência da arte de Eurípides nesta obra. Não há uma
linha que leve do silencioso amor da esposa de Héracles aos arrebatamentos aniquiladores
da paixão feminina como a apresenta o teatro de Eurípides, e o motivo básico que deu
forma às Traquínias é totalmente diferente e sofocliano no seu verdadeiro sentido.
Com o seu filho Hilo, Dejanira aguarda em Tráquis o regresso do marido, a quem as
aventuras da sua vida agitada levaram a países remotos. Finalmente, juntamente com o re-
cado da sua próxima chegada, entra-lhe em casa a jovem e bela princesa Íole. Como, por
consideração, o arauto Licas lhe encobre a verdade, e só mais tarde um Mensageiro destrói
a mentira piedosa, Dejanira fica a saber, de uma forma cruel, o motivo pelo qual esta es-
trangeira se acha sob o seu tecto: o coração de Héracles ja não lhe quer, e envia-lhe para
casa a concubina. Esta Dejanira não se inflama de ódio e indignação; o poeta criou com a
máxima delicad~za a personagem desta mulher que vai envelhecendo e teme perder o co-
ração do marido. Lembra-se dum feitiço de amor que guarda em sua casa. Ao morrer, o
centauro Nesso tinha-lhe dado um pouco do seu sangue, sangue que a qualquer momento
lhe poderia fazer recuperar o amor de Héracles. Para a compreensão da peça é essencial
que não introduzamos nela um motivo de culpa, contra a vontade do poeta, ao julgar
Dejanira. O feitiço de amor poderia apreciar-se de diversas formas entre os Gregos, mas a
esta mulher, que crê nas palavras do centauro moribundo, o poeta deu-lhe a inocência dum
coração que ama. O seu único desejo é o de recuperar a fidelidade do marido, e o meio
para o conseguir está para ela fora de suspeita. Assim, ensopa com o sangue do centauro a
veste festiva que envia a Héracles para o solene sacrifício de acção de graças pelo seu re-
gresso. Mas a seta de Héracles que feriu de morte Nesso estava impregnada do veneno da
hidra e, com horror, Dejanira vê como a lã que tinha usado para untar a vestimenta não
tarda a consumir-se e desintegrar-se à luz. Pouco depois chega Hilo e relata como seu pai,
que durante o sacrifício ostentava a vestimenta fatal, tinha sido assaltado por dores atrozes,
tinha enlouquecido e gritava, e agora, já moribundo, era trazido para Tráquis. Do mesmo
modo que Eurídice, na Antígona, também Dejanira abandona a cena sem uma palavra. A
ama descreve a sua miserável morte, e as suas últimas palavras, dirigidas ao leito por causa
do qual sofreu e tentou a sorte, e por causa do qual agora se condena a si mesma.
Depois da notícia da sua morte - como sempre, as cenas estão separadas por uma
ode coral - Héracles é trazido à cena. Adormeceu depois de atrozes sofrimentos, mas
Sófoeles 313

não tarda a acordar para continuar a sofrer. A sua dor, os seus lamentos e a sua última
vontade ocupam a peça até ao final. Novamente deparamos com o destino de duas per-
sonagens unidas fatalmente, destino esse que progride por diferentes caminhos até ao
final, e reconhecemos nisto a composição bipartida das tragédias anteriores.
Ao despertar, Héracles prorrompe em lamentos selvagens; é o mesmo Héracles que,
no solene sacrifício, despedaça contra um rochedo o homem que lhe trouxe a vestimenta
mortífera. Mas, quando ouve falar do veneno de Nesso, resigna-se ao seu destino. Sabe
que se estão a cumprir velhas profecias e que a sua morte estava prevista. Dá indicações
a seu filho para que lhe prepare a pira funerária no cimo do monte Eta e que tome Íole
por esposa; depois, a comitiva que acompanha o herói para a morte abandona a cena.
Nesta obra, os oráculos desempenham um papel especial - e já este facto lhe con-
fere uma certa proximidade com Êdipo. Nas profecias, que são obscuras e ambíguas,
mas que levam sempre, no fundo, a certeza de que se cumprirá o seu sentido verda-
deiro, manifestam-se ao homem os poderes divinos. Mas estes apenas insinuam, dei-
xando uma ampla margem para os projectos e ilusões dos mortais. Dentro desta margem
se desenvolve a acção nas Traquínias e no Edipo. O homem não é vítima passiva do
seu destino, intervém nos acontecimentos, mas os deuses dispuseram-no de tal modo
que cada passo, com que se crê afastar da sua fatalidade, o aproxima mais dela. Uma
mulher que, na inocência do seu coração, quer reconquistar o amor do marido,
precipita-o, assim, na dor e na morte. O herói que livrou terras dos seus tormentos,
morre desamparado no meio de terríveis suplícios. E nenhuma sentença à maneira do
aprender pela dor, de Ésquilo, nos ajuda a explicar estes acontecimentos. De distâncias
inacessíveis e através duma vontade eternamente misteriosa, e não de outra forma, actua
sobre o mundo o divino. O final desta obra é o testemunho mais contundente da grande
devoção com que Sófocles venera aquele elemento divino, mesmo em ocasiões em que
manifesta o seu poder da forma mais impiedosa. Nas últimas palavras de Hilo (1264) - e
pela única vez nas obras conservadas - o homem eleva a sua mão acusadora contra o
céu: assim esquecem os deuses aqueles que eles próprios geraram. É vergonhoso para
eles permitirem estas desgraças. Mas estas palavras descomedidas não tardam a ficar
anuladas pelo verso final do Coro. Ao concluir o drama, escutamos as palavras que po-
deriam presidir a toda a obra de Sófocles: nada há em tudo isto que não seja Zeus.
Uma passagem do Rei Édipo aparece parodiada nos Acarnanos de Aristófanes (v. 27),
de modo que a obra deve ter sido representada antes de 425. :\ão se pode afirmar com
certeza que na descrição da peste que desencadeia o decurso dos acontecimentos mas
que carece de significado para o resto da obra, tenham influído recordações da peste do
ano 429. Não se trata da descrição duma peste, mas sim da ruína de homens, animais e
colheitas, semelhante à ameaça das Erínias contra a Ática. na parte final da Oresteia. Se há,
pois, algum nexo com aquele ano de terror, não é um nexo estreito. De qualquer maneira,
deve-se ter em conta a primeira parte dos anos vinte como possível período em que foi re-
presentado o drama.
Começamos por examinar a forma, para comprovarmos que nos encontramos aqui
perante uma força e unidade de composição que as obras anteriores não possuem.
314 o Apogeu da Pólis Grega

Édipo ocupa o centro desta tragédia e não só como motivo; exceptuando o relato do
Mensageiro e passos introdutórios de pouca importância, não há cena que ele não deter-
mine com a sua presença. Na Electra, veremos algo de semelhante. Em ambas as obras,
o significado da personagem central para o tema encontra a sua correspondência abso-
luta na posição que ocupa na estrutura do todo. Incluímos a perfeição de tal concordân-
cia entre as caracerísticas essenciais do clássico.
O Édipo foi qualificado como uma tragédia analítica, porque os acontecimentos de-
cisivos são anteriores à obra, e a rede da fatalidade já se estendeu sobre Édipo. Mas a
forma como, para sair da rede, o homem se enreda cada vez mais nas suas malhas, pro-
vocando finalmente a ruína de tudo, é apresentada nesta obra com uma mestria de con-
cisão e de rigor que não tem paralelo na literatura dramática. No fundo, os processos
empregados pelo poeta para produzir tal efeito são simples. Outrora, assustado por um
oráculo, Laio, rei de Tebas, tinha ordenado que se expusesse no monte Citéron o seu
filho recém-nascido. O escravo encarregado de cumprir o encargo entregou o menino a
um pastor de Corinto, que o levou a Pólibo, rei desta cidade. No decorrer da acção, as
duas figuras, o pastor e o escravo, devem cumprir outras funções importantes, e é preci-
samente esta coordenação que permite a extraordinária unidade da arquitectura dramá-
tica. O escravo que devia abandonar o menino é o único que se salvará, mais tarde, da
luta fatal na encruzilhada da Fócida. Ali, fugindo do oráculo do deus délfico que lhe va-
ticinava o parricídio e o casamento com sua mãe, Édipo dá a morte ao velho Laio, de-
pois duma furiosa rixa. Por seu lado, o pastor de Corinto reaparece na obra como o
Mensageiro que, num momento significativo, traz a notícia da morte de Pólibo.
É direito e dever da análise fazer realçar estes recursos do poeta. O livro de
TYCHO v. WILAMOWITZsobre Sófocles fez larga utilização desse método, mostrando,
nos dramas, diversas motivações que aparecem se fazemos o exame racional da obra.
Isto pode ensinar-nos muitas coisas, mas nunca se deverá dar um valor absoluto a esta
consideração e disputar à obra dramática o seu direito de empregar leis próprias.
Com fatal consequêncía, o caminho de Édipo conduz às trevas da sua desgraça.
Com palavras cheias de bondade e solicitude tinha respondido ao lamento da cidade, no
começo do drama. Espera-se Creonte, que deverá interrogar Delfos sobre a causa da
peste devastadora. Volta com o oráculo do deus, que reclama expiação pelo assassínio
de Laio. Com grande zelo, Édipo empreende o cumprimento do encargo de Delfos, que
vai dirigido contra ele mesmo. Manda chamar Tirésias, o adivinho cego, mas este nega-
-se a falar. E como Êdipo o enfurece gravemente com falsas suspeitas, grita ao rei - o
cego ao aparentemente clarividente - que ele próprio é o assassino e que vive em exe-
crável matrimónio. Esta revelação é tão brusca, tão oposta a todas as aparências, que
ninguém a toma a sério, e menos ainda Édipo. O seu raciocínio precipitado segue uma
pista falsa. Suspeita duma conspiração de Creonte para se apoderar do poder em Tebas.
Já está a ponto de pronunciar a sentença de morte, e jocasra tem de intervir para evitar
uma tragédia. Depois, tranquiliza o marido: nada significam a arte divinatória e os orácu-
los! Acaso não vaticinou Apolo que Laio morreria às mãos de seu filho? Mas o menino
pereceu no monte Citéron e Laio foi assassinado por salteadores numa encruzilhada!
Sófocles 315

Cada tentativa de apaziguamento, nesta obra, é, ao mesmo tempo, um passo para a ca-
tástrofe. Com mortal terror, Édipo recorda a sua acção brusca na encruzilhada fócia. Mas
Jocasta falou de salteadores, de vários culpados! Isso devolve-lhe a esperança, e aquele
servo que foi o único a salvar-se naquela ocasião e que vive no campo deverá dar-lhe a
certeza. Entretanto chega o Mensageiro de Corinto, que anuncia a morte de Pólibo.
Édipo ainda o considera seu pai, e uma vez mais Jocasta crê poder rir-se das profecias
de Apolo. Também Édipo se sente livre da fatalidade de se tornar o assassino de seu
pai. O certo é que a profecia tem uma segunda parte que declara que ele tomará por es-
posa sua mãe, e sua mãe ainda vive em Corinto. Repete-se a tentativa funesta de arredar
os temores. O Mensageiro revela o que sabe acerca da origem de Édipo. Era, na ver-
dade, filho adoptivo dos reis de Corinto, um menino achado no monte Citéron, onde um
escravo de Laio o entregou ao coríntio. De repente, Jocasta compreende e quer impedir
que Édipo prossiga as suas averiguações; em vão tenta deter a roda do destino e corre
desesperada para o palácio. Novamente o espírito precipitado do homem segue uma
pista errada. Talvez Jocasta tema que ele seja de humilde condição, mas ele proclama-se
orgulhosamente - é o cúmulo da monstruosa ironia! - um filho da Fortuna. Com isto,
dá-se o motivo para que o Coro entoe o seu canto que, uma vez mais, soa jubiloso antes
da catástrofe. Quantos deuses percorrem o alto das montanhas! Algum deles terá gerado
o amado rei. Mas, logo a seguir, chega o Servo que tinha conseguido escapar na encru-
zilhada, o mesmo que tinha recebido o encargo de expor o menino. É difícil fazer com
que ele fale, mas depois, tudo aparece com terrível claridade, perante Édipo. Precipita-se
para dentro do palácio, encontra Jocasta enforcada e ele perfura os olhos com a fíbula
da mãe, cegando para sempre a fonte da visão. Já cego, aparece cambaleante na cena,
despede-se de forma comovedora das filhas e prepara-se para o desterro.
Para compreender esta obra grandiosa, deve-se esclarecer antes de mais um pro-
blema que hoje já quase não o é. Estará Édipo a expiar uma culpa? Na Poética (13.
1453 aIO), Aristóteles atribui a sua queda a um erro CcXfJ.CXpÚCX nç), mas como antes
excluiu expressamente a perversidade moral CXCXxl.CX xcei fJ.OXeTJpl.cx), deveria ser claro
que em Édipo o facto de errar o justo caminho não tem a ver com a moral. Assim se
condenam as reprováveis tentativas de buscar nesta tragédia um equilíbrio de culpa e
expiação e de reduzir a sua inaudita força trágica a um exemplo moral. Mesmo o suce-
dido na encruzilhada, onde, na sua violenta cólera, Édipo mata um velho que não co-
nhece, também não pode ser um delito de tanta gravidade, ao menos para a mentali-
dade grega. Por outro lado, o raciocínio precipitado de Édipo, que erra com tanta
facilidade, não é de maneira nenhuma culpável, e só ganha significado através do con-
traste com a terrível superioridade do divino, que, acima de todas estas esperanças e
pensamentos ilusórios, segue inexoravelmente o seu caminho. Esta superioridade é tão
grande e faz em pedaços a felicidade humana com segurança tão fatal, que muitas
vezes não se quis ver mais além e, por conseguinte, se considerou a obra como drama
do destino. Muitos foram mais longe e pensaram poder definir assim a tragédia grega
na sua totalidade. Não é oportuno falar aqui de tais abusos, mas, mesmo para o próprio
Édipo, só é meia verdade semelhante apreciação. Este rei não é só um sofredor, um
316 o Apogeu da Pólis Grega
I 1

homem que aguarda passivamente o seu destino. Com altivez, vai ao seu encontro e
apodera-se dele numa busca tão ansiosa da verdade e com uma capacidade de sofri-
mento tão veemente que o convertem numa das figuras maiores da cena trágica. O es-
cravo constrange-se perante a última revelação funesta: Ai de mim, tenho horror de o
dizer. Édipo responde: E eu de o ouvir. Mas é preciso que o ouça! Nestas palavras está
tanto o seu destino como a sua têmpera magnânima. TYCHO VON WILAMOWITZe
outros depois dele negaram que Sófoc1es tenha criado caracteres unitários. Ora bem,
devemos distinguir entre a maneira como o poeta nos mostra as suas personagens e os
caracteres individuais da dramaturgia moderna, e, ao fazê-lo, devemos deixar de lado a
questão de saber se o predomínio do elemento psicológico significa uma vantagem
para este tipo de arte. Também não negaremos que há casos isolados em que, para o
poeta antigo, o jogo cénico tinha primazia sobre a constância na caracterização das per-
sonagens isoladas. Mas, mais importante que tudo isto, é a observação de que, partindo
do tema primitivo do mito, Sófocles criou personagens que, sem serem caracteres no
sentido da psicologia moderna, sào grandes personagens, criadas solidamente à volta
dum núcleo central. Livres de todo o fortuito e meramente individual, apresen-
tam-se-nos com os seus grandes traços essenciais e constituem uma herança perpétua.
Édipo também está entre elas.
Do mesmo modo que noutros dramas, Sófoc1es dá mais relevo ao homem nobre,
de vontade inflexível, opondo-lhe a personagem que, adaptando-se à vida, está disposta
a evitar o risco e a pactuar. O lema de jocasta: o melhor é viver ao acaso (979) marca a
oposição mais extrema que se possa imaginar ao rumo seguido por Édipo.
Precisamente o Rei Édipo está repleto do elemento divino. Mas que deuses são
esses que levam o homem às maiores desgraças, sem que saibamos porque é que acon-
tece tudo isto? Pretende-se acaso que tomemos conhecimento da existência de deuses
cruéis que fazem do homem um joguete? No seu Édipo e a esfinge, Hofmannstahl conti-
nuou o tema segundo esta concepção, mas isso nào tem nada a ver com Sófoc1es.
Devemos considerar que, na mesma obra que nos mostra o mais atroz, sem oferecer
uma interpretação como a de Ésquilo, está contida a ode coral (864) sobre as eternas
leis divinas que tiveram a sua origem nos céus. Também, no final desta obra, se poderia
dizer: aqui nada há que não seja Zeus. Inacessíveis ao pensamento humano, os poderes
divinos exercem o seu governo de maneira terrível, mas sempre legítima e digna de ve-
neração. Quando Sófocles escreveu este drama, já há muito que a Sofística dirigia um
pleno ataque a tudo o que a tradição santificava. Sófoc1es exprimiu a sua repulsa a tudo
o que era novo e revolucionário, na ode que pouco atrás citámos do Édipo, com a
mesma clareza com que o fizera no primeiro estásimo da Antígona.
O Édipo não só exprime, com a máxima pureza, o trágico dentro da literatura oci-
dental, mas deixa-nos entrever, duma maneira particular, o fenómeno do prazer trágico,
que Holderlin caracterizou no seu famoso epigrama a Sófoc1es:

Muitos tentaram, em vão, dizer o mais alegre, alegremente.


Aqui, por fim, ele se me expressa, aqui se expressa na dor.
Sófoeles 317

É sumamente difícil explicar o indubitável fenómeno que consiste no facto de, duma
representação do Édipo, sairmos com um sentimento de elevação. e até mesmo de ale-
gria. Mas poderia depender, em certa medida, do facto de o poeta. apesar do horror dos
acontecimentos, nem por um momento nos encobrir a visão duma grande ordem que
tem valor perdurável para além da mudança das coisas e dos sofrimentos do indivíduo.
A Electra encontra-se, sem lugar para dúvida. entre os dramas tardios do poeta,
sem que possamos estabelecer, com maior precisào. a época em que foi escrita. A obra
leva o seu título justificadamente, já que a personagem que. nas Coéforas de Ésquilo, de-
saparece depois da cena do reconhecimento e do leom 11I os. domina aqui desde o Párodo
até ao final. Como esta peça, ao contrário das Coéforas. nào é um drama de Orestes, a
problemática ética do matricídio passa para segundo plano: 2~ I. Graças ao seu retrato de
Clitemnestra, Sófocles torna suportável para nós a exposição do delito de maneira tão
pouco problemática, com excepção duma única alusão (v. 1425). Ela encarna a perversi-
dade absoluta, mas sem a grandeza demónica que Ésquilo lhe conferiu. Em Sófocles,
está fora da ligação fatal à maldição da estirpe: é uma mulher depravada cujo extermí-
nio consideramos justo. Não devemos perguntar qual a atitude do filho perante a mãe,
nesta circunstância. Por isso, nesta peça, Clitemnestra cai antes de Egisto, em cuja morte
o poeta colocou o acento principal da cena final.
Segundo o mito antigo, Electra tinha salvado Orestes ainda criança e prestado a sua
ajuda ao jovem quando este regressou. Partindo daqui, Sófocles construiu a personagem
que ficou como sua criação puramente pessoal. Na cena do Prólogo, que tem o carácter
de prelúdio ao drama de Electra, Orestes chega ao palácio dos Atridas em Micenas, com
o seu velho preceptor e prepara o ardil que há-de tornar possível a vingança. Durante o
seu discurso, ouvem-se os lamentos que Electra profere de dentro de casa. Orestes apro-
xima-se do túmulo do pai e ela aparece em cena dando livre curso ã sua dor, primeiro
numa monódia, depois em intervenção lírica onde alterna com o Coro de Mulheres de
Micenas: seu pai, vítima de infame assassínio; seu irmão, longe dali; ela própria, tratada
como a última das escravas. Mas o que mais aflige Electra é a injustiça que reina em sua
casa. Teria que renunciar a si mesma, se quisesse adaptar-se a ela como faz sua irmã
Crisótemis, que está a seu lado como Ismene ao lado de Antígona. Despertando de um
pesadelo ameaçador, Clitemnestra enviou a sua filha dócil ã sepultura de Agamémnon,
mas Electra convence a irmã a que, ao fazer a oferenda, não reze por sua mãe mas sim
por seu irmão e peJo destino da casa.
O sonho ameaçador de Clitemnestra remonta, através das Coéforas, à Oresteia
lírico-coral de Estesícoro, mas aqui emprega-se de forma diferente. O motivo da árvore
que cresce do ceptro de Agamémnon e lança a sua sombra sobre o país é mais um tes-
temunho da afinidade do poeta com Heródoto, pois provém do sonho de Astíages antes
do nascimento de Ciro (I, 108).
A parte central da tragédia é formada por duas cenas que abrangem a auto-afirma-
ção de Electra e a sua queda na dor mais profunda. Numa extensa cena agónica, arranca
a máscara de hipocrisia do rosto da mãe e, apesar da sua mísera condição, defende o
lugar da justiça neste mundo. Os pensamentos das duas mulheres giram em torno de
318 o Apogeu da Pólis Grega

Orestes. Electra coloca todas as suas esperanças na sua chegada, ao passo que, velada-
mente, no final desta cena, Clitemnestra roga a Apoio que a proteja da vingança. Chega
então o velho Preceptor de Orestes e informa que este morreu numa corrida de carros
em Delfos. É tão natural este relato, no qual a arte do poeta demonstra que a sua mes-
tria épica nas informações dos mensageiros em nada é inferior à de Eurípides, que nós
próprios, quase enganados como as personagens, partilhamos dos sentimentos das duas
mulheres: o profundo alívio de Clitemnestra e a queda, para Electra, da última espe-
rança, numa aflição que parece não ter remédio.
Ao kommos, em que ressoa o eco da notícia da morte, segue-se uma cena que cor-
responde à primeira entre as irmàs e forma com esta um marco em torno do par de
cenas do bloco central. Crisótemis regressa do túmulo do pai, alegre e emocionada.
Encontrou nele flores e um anel de cabelo, bem como os vestígios de alguém que fez li-
bações: só pode ser Orestes que regressou e que ofereceu um sacrifício e rezou no tú-
mulo do pai. Agora, Electra encontra-se entre a aparência e a realidade; a sua trágica si-
tuação faz com que, ao princípio, erre o verdadeiro caminho. O que Crisótemis lhe
anuncia, que é a verdade, significaria para ela a realização dos seus desejos. Mas apo-
dera-se dela o desencanto, não pode reconhecer a verdade e refuta a credulidade de sua
irmã que agora partilha com ela a sua perplexidade. Electra responde à situação tal
como ela se lhe apresenta com a decisão resoluta de agir. Ela própria quer levar a cabo
a justa vingança; Crisótemis deverá ajudá-Ia. Com isto, exige de Crisótemis o que não
pode exigir de sua débil e evasiva irmã. Se, na primeira cena com Crisótemis, as duas
irmãs se mostram tão diferentes, aqui os seus caracteres divergem num contraste fortís-
simo. Agora, Electra está tão só como Antígona no seu caminho para a morte. Nesse mo-
mento chega Orestes com a urna que, segundo ele, contém as suas próprias cinzas. Não
conhece a sua irmã, ela acredita no engano, toma a urna e tem um colóquio comovedor
com a única coisa que lhe resta do irmão. Orestes compreende quem é a que se está a
lamentar diante dele (deveremos dizer que isto sucede demasiado tarde?) e dá-se a co-
nhecer. O júbilo de Electra, que não conhece limites, substitui as lamentações das suas
primeiras cenas. As cenas mais distantes acham-se numa última e ampla corres-
pondência nesta obra magistralmente estruturada. Por um lado, está o jovem que re-
gressa do estrangeiro à casa dos seus antepassados, para fazer justiça; por outro, a exe-
cução da vingança que o restitui aos seus direitos.
A Eleetra manifesta o estilo próprio da idade avançada de Sófocles, cujos traços es-
senciais KARLREINHARDT,principalmente, nos salientou. Em lugar do isolamento da
personagem solitária nos dramas mais antigos e da sua "forma estática de pathos", dá-se
uma nova relação entre as personagens. Isto cria um jogo cénico de maior profundidade
psicológica e mais rico de movimentos, um diálogo novo, animado por tensões e transi-
ções vivas.
Os fenómenos que acabamos de mencionar podem entender-se como sintomas
dum processo sumamente significativo. Resumindo ao máximo, pode-se dizer que, em
dramas como Eleetra e Filoetetes, o homem ocupa o centro da obra duma maneira não
conhecida antes. Mas isto não implica uma secularização da tragédia vinculada ao culto,
Sófoeles 319

como sucede em Eurípides até nas obras em que os deuses entram em cena. Não há o
menor motivo para supormos que se produziu alguma mudança na concepção do
mundo, profundamente religosa, de Sófocles. Trata-se de uma deslocação dos acentos
que teve as suas consequências. São os mesmos deuses que governam os homens, mas
retiraram-se por completo para um segundo plano da obra. Em tragédias como Ájax,
Antígona, Êdipo, o homem está em constante colóquio com a divindade, e até que
ponto isso sucede no Rei Edipo torna-se-nos claro na última das tragédias conservadas,
que traz o magnífico eco final desse diálogo. Em todas as obras, a voz dos deuses ir-
rompe poderosamente na acção por meio dos oráculos ou pela boca dos adivinhos. Em
comparação com isso, o mandato de vingança de Apolo a Orestes fica totalmente à mar-
gem da obra, que se concentra inteiramente na figura de Electra, nos seus sofrimentos,
na sua esperança e na sua luta corajosa. Na nova luz em que se projecta o homem nes-
tes dramas de Sófocles, também se torna visível uma nova riqueza psicológica. Quando
Electra fala à urna que, segundo crê, contém as cinzas de seu irmão, encontra tons da
maior delicadeza e ternura, tons que é difícil achar no teatro ático. A mesma Electra está
possuída pelo ódio mais encarniçado contra a mãe, e enquanto Orestes comete o crime
dentro de casa, ouvimos aquelas palavras quase insuportáveis (1415): Fere duas vezes, se
podes! Electra tem a força resoluta e incondicional de Antígona, mas precisamente a
comparação das duas põe em evidência até que ponto se enriqueceu a caracterização
humana em Sófocles.
O tema da Eleetra já não é, como nas Traquínias ou no Édipo, o contraste inconciliá-
vel entre os desígnios humanos e o governo divino, e esta obra nào é uma tragédia no
mesmo sentido que os dramas anteriores. Aqui, o poeta já nào dá testemunho duma grande
ordem do mundo, impenetrável para o homem, que se manifesta na destruição do indiví-
duo. Vemos a alma de um homem no sofrimento superado com coragem, e no júbilo da li-
bertação. Voltamos ao que já dissemos anteriormente ao afirmarmos que, se é certo que a
Eleetra apresenta situações trágicas de grande força e profundidade, não é em geral a ex-
pressão duma concepção trágica do mundo, como o é, por exemplo, o primeiro Édipo.
Muito do que acabamos de dizer vale igualmente para o Fi/oetetes, que Sófocles re-
presentou em 409. O antigo mito épico, tratado nos Cantos Cíprieos e na Pequena
llíada, relatava que, na sua expedição troiana, os Gregos tinham abandonado Filoctetes
na ilha de Lemnos. A sua ferida incurável, supurante e nauseabunda, causada pela mor-
dedura duma serpente, tinha-o tornado insuportável para os outros. Quando faltava
pouco para acabar a campanha, tiveram que ir buscá-Io, pois um oráculo afirmava que
Tróia não poderia ser conquistada a não ser que Filoctetes participasse na luta com o
seu arco maravilhoso, que outrora tinha sido arma de Héracles. Segundo um escólio a
Píndaro (a Pít. 1, 100), Baquílides compôs um ditirambo que tinha por conteúdo o des-
tino de Filoctetes. Píndaro referiu-se a ele no primeiro epinício pítico. Os três grandes
trágicos áticos trataram este tema, e devemos ao dicurso 52 de Díon de Prusa um juízo
comparativo das suas obras, por certo muito incompleto e em estilo retórico. ão conse-
guimos descobrir que meios Ulisses utilizou no Filoetetes de Ésquilo para convencer o
herói, outrora abandonado, a acompanhá-lo agora. O fragmento de uma "hipótese" a
320 o Apogeu da Pólis Grega

este drama (Ox. Papo 20, 1952, nº 2250 fr. 5) contém os nomes de Neoptólemo,
Filoctetes e Ulisses. Parecia justificado supor-se que se tratava de personagens da obra
de Ésquilo, mas ST.G. KOSSYPHOPCLC(Hellenika, 14, 1965/6, 449) demonstrou a pos-
sibilidade de um acrescento que permite relacionar os nomes com a tragédia de
Sófocles. A tragédia de Eurípides representou-se em 431, juntamente com a Medeia.
Nela, o tema transformou-se em veículo duma problemática helénica nacional. Tanto os
embaixadores dos Troianos como os dos Gregos (Ulisses e Diomedes) disputam a ajuda
do portador da arma prodigiosa: Filoctetes, por seu lado, vacila entre a amargura e o seu
sentimento helénico. que acaba por triunfar.
Os dois predecessores que Sófocles teve na elaboração do tema formaram o Coro
com os habitantes de Lemnos. Para a obra de Sófocles é de grande significado a sua ino-
vação ao fazer de Lemnos uma ilha desabitada. O seu Filoctetes não só está excluído da
comunidade dos Gregos: é o homem resignado máxima miséria, o doente que definha
ã

e que, em terrível solidão, arrasta a sua triste existência, sustentando-se com as presas
que a sua arma lhe proporciona. Que profunda deve ser a amargura que se foi deposi-
tando neste coração grande e altivo, e com que confiança tão comovedora se abre ao
jovem que ele reconhece como um dos seus e lhe promete o regresso! O urdidor da in-
triga é Ulisses, e não se poderá dizer que esta personagem tenha traços de humanismo
sofocliano. Se julgamos unilateralmente, do ponto de vista de Neoptólemo, este drama
que, duma maneira incomparável, une num jogo intrincado três homens de idades e ca-
racteres totalmente diversos, Ulisses aparece, sem dúvida, como um sedutor. E, no en-
tanto, seria equivocado ver nele simplesmente o protótipo do vilão e querer atribuir-lhe
traços mefistofélicos. Ulisses actua como mandatário da assembleia militar e é o respon-
sável pelo bom êxito do plano, de que depende o resultado da campanha.
Observou-se, com razão, que não obtemos uma clareza absoluta sobre o encargo
dado a Ulisses. Deverá levar para diante das portas de Tróia Filoctetes com o seu arco,
ou somente a arma? Isto fica sem se esclarecer numa série de passos e noutros o acento
recai sobre uma das duas possíbílídadesf-õ). Partindo deste facto, tentou-se uma inter-
pretação deste dramat-") que o aproximaria do Rei Bdipo. o oráculo dos deuses, se-
gundo o qual Filoctetes deveria ser conduzido a Tróia pela persuasão, é mal interpre-
tado por Ulisses, que procede com astúcia e quer exclusivamente apoderar-se do arco.
Assim, o seu plano está destinado ao fracasso completo. Se fosse esta a ideia inspiradora
da obra, teríamos que censurar o poeta, pois parece que a teria ocultado de propósito.
Será melhor não atribuir excessiva importância às discrepâncias assinaladas que, no fim
de contas, só o crítico, no seu escritório, encontra. É útil certamente examinar os proces-
sos com que o poeta torna possível o desenvolvimento desta tragédia de intenso movi-
mento, mas o único aspecto importante continuam a ser os impulsos dramáticos e as
ressonâncias anímicas que consegue com eles.
Quando, no decurso da sua intriga, Ulisses entra em violenta oposição a Neoptóle-
mo, repete-se o contraste com que a llíada o mostra frente a Aquiles, pai de Neoptóle-
mo. Este diz aos embaixadores, no canto nono (312) que tão odioso como as portas do
Hades lhe é aquele que fala palavras diferentes das que guarda no pensamento.
Sófoeles 321

Também seu filho odeia a mentira e, ao transformar-se em instrumento dela, todo o seu
ser se desconcerta perigosamente.
Ulisses convenceu-o, não sem dificuldade, a ganhar a confiança de Filoctetes com
relatos mentirosos. Desde o começo, Neoptólemo está sob a impressão que lhe causa a
terrível desgraça do homem a quem deve enganar. Mas obedece ã autoridade de um
homem mais velho e mais experimentado que ele. Assiste então à alegria jubilosa do
infeliz, que volta a ver um homem, a escutar sons em língua grega, e que confia que
tanto ele como o Coro de marinheiros têm a intenção de o levar para a Hélade, sua pá-
tria. Quando já se preparam para partir, Filoctetes sofre um atroz acesso da sua doença,
na sua forma mais cruel: as lastimosas e comovedoras tentativas de ocultar as dores, a
sua explosão selvagem e a sua queda no sono libertador. O doente tinha-lhe dado
antes a maior prova de confiança, o arco que lhe permitia conservar a vida - que vida!
- na ilha solitária. O drama desta época não tem recursos suficientes para apresentar o
processo psicológico em cada uma das suas fases, mas precisamente aqui se descobrem
os seus começos. Di-lo o próprio Neoptólemo, que ao princípio tinha sido tão elo-
quente no cumprimento da sua missão, e depois se torna cada vez mais silencioso pe-
rante a pena que sente pelo outro (806); di-lo pessoalmente: há muito que sofro com a
tua dor. Esta compaixão fá-Io decidir reparar o seu engano, e mantém esta decisão ape-
sar de todas as dificuldades que lhe cria a resistência de Ulisses e a desconfiança e a
teimosia de Filoctetes. O primeiro passo é confessar a mentira; o segundo, restituir o
arco, que provoca as mais furiosas ameaças de Ulisses, e quando, apesar de toda a per-
suasão, Filoctetes se nega a acompanhá-Ios a Tróia, às boas, também está decidido a ir
até às últimas consequências: a promessa de levar o doente incurável à Grécia, que
antes apenas tinha sido um astuto engano, haverá de se converter em realidade. Já não
conta a sedutora glória de Tróia, e de alguma maneira deverá fazer frente à vingança
que os Gregos ameaçam executar. Apoiado em Neoptólemo, Filoctetes encaminha-se,
vacilante, para o barco.
Na realidade, a obra acaba aqui, mas não é possível que termine assim. Pois, ainda
que o poeta trágico possa tomar certas liberdades quanto à tradição mítica e possa se-
guir o seu próprio caminho, particularmente na motivação psíquica dos acontecimentos,
não pode modificar o desenvolvimento em determinados pontos estabelecidos. O mito
afirma que Filoctetes esteve em Tróia e que, com o seu arco, contribuiu de forma deci-
siva para a sua queda. A aparição de Héracles detém, pois, os dois no seu trajecto para
o barco. Quando Héracles, que fora elevado ao Olimpo, põe termo à resistência de
Filoctetes e dirige a acção pelo caminho prescrito, está a realizar algo semelhante ao
deus ex machina de Eurípides. Mas, diferentemente daquele, está ligado(28) mais estrei-
tamente à estrutura geral do drama. O facto de Filoctetes estar na posse do arco de
Héracles desde a morte deste no Eta é uma circunstância externa; mais essencial é o
facto de Héracles induzir o antigo a ceder, não com um acto de autoridade, mas alu-
dindo ao seu próprio caminho, que, através de grandes sofrimentos, o conduziu às altu-
ras. Na advertência de Héracles para que os deuses sejam venerados, fala-nos o próprio
poeta, que durante toda a vida conservou sempre a mesma fé religiosa.
322 o Apogeu da Polis Grega

A unidade da obra de arte de Sófocles exclui a possibilidade de inserir nela as refe-


rências à actualidade como, por vezes, sucede em Eurípides. Mas percebe-se claramente,
sobretudo através da Antigona, que a Sofística. que na época da sua maturidade empre-
endeu a transformação radical dos valores tradicionais, se repercutiu profundamente
nele. No campo da educação, formaram-se diferentes tendências. Alguns conservavam a
antiga concepção nobiliária de que a disposição natural (4)ÚCRÇ) determina o carácter e a
maneira de agir do homem: os inovadores, pelo contrário, apoiavam o sofista Antifonte,
que dizia (DK: 87 B 60): Creio que. entre as coisas humanas, a primeira é a educação.
Não podemos deter-nos aqui neste animado debate(29). em que também Eurípides parti-
cipou à sua maneira. Mas o Fi/octetes é a declaração expressa de Sófocles a favor da
convicção helénica antiga que surge com particular expressividade em Pindaro: Pela no-
breza inata da alma vale-se muito. Mas quem só possui o que aprendeu é um homem
obscuro (Nem. 3, 40). Outra frase de Píndaro poderia servir de introdução ao Filoctetes:
A natureza ingénita não a muda nem a raposa de fulvos reflexos nem os leões que rugem
(aI. 11, 19). Isto coloca Neoptólemo numa situação extremamente trágica, pelo facto de
ele violentar a sua própria natureza ao serviço de Ulisses e se submeter a uma missão
que só é capaz de realizar destruindo o seu valor interior. Ele próprio o diz (902): Tudo
é abominável quando se abandona a própria natureza (cpúor.ç) e se age contra ela. E
quando devolve a arma a Filoctetes, este diz (1310): Revelaste a índole natural em que te
criaste, meu filho. Como toda a grande obra de arte, também o Filoctetes pode ser estu-
dado de diversos pontos de vista. Um dos modos possíveis de o considerar consiste em
entendê-I o como o drama da natureza (4)ÚOLÇ) indestrutível.
Uma característica importante de Sófocles parece manifestar-se precisamente nesta
obra. Quando Filoctetes se vê defraudado da maneira mais cruel por Neoptólemo, o seu
grito lastimoso (936) dirige-se às baías, aos escolhos e aos animais que com ele habitam
na ilha. E quando os abandona, depois da feliz reviravolta na sua vida, saúda uma vez
mais, com ternura, a morada das suas dores, com o seu ruído do mar, o eco dos seus
montes e as nascentes que saciavam a sua sede. Recordamos o último adeus de Ájax e
sentimos aqui, com particular força, como o poeta nos apresenta as suas criaturas aspi-
rando a superar as fronteiras da solidão a que as condena o seu destino e a sua grandeza.
Em idade muito avançada, Sófocles escreveu o seu segundo drama de Édipo. Só em
401, depois da sua morte, o seu neto, que tinha o mesmo nome que ele, o fez representar.
Provavelmente seria difícil encontrar um caso comparável a este, em que, depois de
duas décadas, um poeta dá a uma das suas obras mais importantes uma continuação que
se agrega a uma sua primeira criação, formando uma unidade de tipo próprio e novo. Em
Rei Édipo vemos o homem tragicamente atingido, a quem a divindade lança na miséria
mais profunda que se possa imaginar. Em Édipo em Colono, percebemos um grandioso pa-
radoxo: o mesmo homem, a quem os deuses castigaram tão duramente, é ao mesmo
tempo um eleito. Ao tomá-lo como exemplo, os deuses fazem da sua queda também algo
de edificante. Por isso, ao concluir a sua atormentada peregrinação, chamam-no para a ex-
celsa existência do herói que exerce o seu poder a partir da sua sepultura e como espírito
protector do seu país se torna merecedor que lhe ofereçam sacrificiosw), Numa passagem
Sôfoctes 323

importante (565), o Coro diz expressamente que se trata duma exaltação do homem que
sofreu, e também se fala da justiça da divindade. No entanto, devemos precaver-nos de in-
troduzir precipitadamente categorias duma esfera cristã neste drama e de falar duma re-
denção de Édipo que se deveria entender como a recompensa por ter suportado os seus
sofrimentos com firmeza. Em geral, toda a tentativa de análise racional julgará erronea-
mente a relação que se representa entre a divindade e o homem nas tragédias de Édipo.
Quando, na parte final de Édipo em Colono, ouvimos as palavras (627) com que os deu-
ses chamam Édipo como alguém que lhes pertence, como alguém a quem esperam desde
há muito, no meio de todos os horrores, percebemos um tom de profunda ínrímídadetôl).
No Empédocles de Hôlderlin, Panthea fala uma vez de uma disputa de amantes, ao referir-
-se aos deuses e aos homens. Talvez esta afirmação explique o sentido que o poeta deu à
grande síntese destes dois dramas.
Quando Sófocles escreveu esta história da morte do ancião, ele próprio estava pró-
ximo do escuro portal que Édipo atravessa: também ele estava destinado a transformar-
-se, depois da morte, num herói do seu povo. A proximidade da morte, consciente ao
poeta, proximidade essa que se reflecte em vários versos, e particularmente na ode
sobre o peso da velhice e sobre a morte libertadora, dá à obra um tom comovedor de
suave melancolia.
Que Édipo encontrou a paz no bosque das Euménides de Colono Hípio, na colina de
Posídon, perto de Atenas, fazia já parte de uma lenda local da Ática. Eurípides menciona-o
em versos das Fenícias (703), cuja autoria não está, aliás, absolutamente segura.
No começo da obra, Édipo, mendigo cego, pelos caminhos da desdita, penetra no
bosque das deusas ao mesmo tempo sinistras e veneráveis. Quando um habitante da re-
gião o quer expulsar do lugar sagrado, reconhece onde está e recorda o oráculo délfico
que lhe tinha vaticinado que ali acharia a paz depois de tantas desventuras. O Coro de
Anciãos Áticos fica a saber, cheio de horror, quem é o estrangeiro que ali chega. Mas al-
guém vai em busca de Teseu, que deverá resolver o difícil caso. Entretanto, respondendo
ao conselho do Coro, Édipo aplaca as excelsas divindades em cujo domínio penetrou.
Como o cego não pode fazer a oferenda por sua própria mão, envia Ismene, que se reu-
niu a Antígona e a ele para compartilhar a miséria e as desventuras do pai e de sua irmã.
Neste contexto se expressam os versos (498 s.) sobre a possibilidade do sacrifício ofere-
cido em representação de alguém, versos em que a devoção piedosa do poeta parece
anunciar, de maneira estranha, a concepção cristã: É suficiente, creio eu, que uma só alma
se aproxime com o coração puro, para que se torne possível a expiação de milhares.
Chega Teseu, rei do país. É a figura predilecta da lenda ática, a quem o orgulho
desta terra rodeou duma auréola de grandes proezas, para o colocarem ao lado de
Héracles. A tragédia ática deu-lhe fama de grande piedade e fez precisamente desta fi-
gura um monumento de humanismo ático. Eurípides dar-nos-á disso testemunho em As
Suplicantes e em Héracles. O Teseu destes dramas é nobre, superior, mas também um
pouco magistral como o próprio Eurípides. Irradia a sedução do espírito ático que nos
maravilha nos vasos da época, nas figuras do friso do Pártenon e nos relevos sepulcrais,
e que dá encanto às personagens de Menandro, por mais que estas tenham perdido a
324 o Apogeu da Pólis Grega

nobreza do período clássico. O poeta faz preceder a entrada de Teseu duma estranha
cena cantada entre o Coro e Édipo, um kommos. Com brutal curiosidade, o Coro insiste
em averiguar os obscuros segredos que envolvem Édipo, e arranca-lhe, aos bocados, o
doloroso relato do seu passado. Este passo e outros dois (266. 960 ss.) têm a função de
nos mostrar a inocência subjectiva de Édipo e a certeza dela, mas não é este o único sig-
nificado. Por meio desta cena, Sófocles dá realce a uma outra em que Teseu se encon-
trará com o mendigo cego. Não lhe faz perguntas sobre a sua desgraça; pensando nos
seus próprios males e na fragilidade de tudo o que é humano, inclina-se perante a misé-
ria do outro para ser seu protector e seu sustentáculo. Deste modo se mantém nas vicis-
situdes por que Édipo haverá de passar e, assim, na última parte do drama, é o único
que o pode acompanhar no caminho para a morte misteriosa. Pelo relato dum mensa-
geiro, que não tem paralelo na poesia, o poeta faz-nos participar, a certa distância, do
mistério desta morte, que significa o ingresso numa existência superior. Teseu, junta-
mente com as filhas do morto, que ele consola e a quem promete ajuda, formam o
grupo que se nos apresenta no final da tragédia.
O drama descreve o caminho de Édipo para a sepultura heróica, na sua primeira e
última parte. Entre uma e outra, encontra-se um grupo de cenas doutra índole e de mo-
vimento mais enérgico. À sua chegada, Ismene relata que entre os filhos de Édipo tinha
surgido a discórdia, que se anunciava a luta pelo poder em Tebas e que, de acordo com
um oráculo, o triunfo seria dos que soubessem assegurar para si a posse do ancião. E é
assim que as personagens vão chegando: em primeiro lugar, Creonte, que defende
Tebas com Etéocles. Este Creonte nada tem da medida e dignidade que o caracterizam
no primeiro drama de Édipo, e à brutal vontade de poder do déspota da Antígona junta-
-se aqui um novo traço, o da hipocrisia calculista. Vendo que esta não resulta, toma
como reféns as duas jovens. Mas Teseu intervém com a sua palavra e autoridade em
favor do direito e devolve as jovens raptadas ao pai. A cena de Polinices forma um con-
traste de grande efeito com a atitude prepotente de Creonte. Aquele, que do estrangeiro
conduz um exército contra a sua cidade natal e já parece levar na fronte o sinal de
Caim, fica profundamente comovido ao ver o pai, a quem outrora ele mesmo deixou
partir para o desterro. Com a consciência da sua culpa, acossa o ancião com súplicas
para que lhe assegure, por meio da sua ajuda, a salvação e o poder. O ancião perma-
nece mudo durante longo tempo; depois, num arrebatamento de cólera repentina - a
mesma que o levou ao homicídio na encruzilhada fócia - envia o filho para a ruína com
a seguinte maldição: tornando-se ele próprio fratricida, morra por sua vez, às mãos de
seu irmão. Polinices abandona a cena completamente vencido; a sepultura e as honras
fúnebres - nesta passagem os Atenienses recordavam a Antígona - é a última coisa que
pede às duas irmãs. Depois desta cena, ouve-se o ribombar dum trovão que anuncia a
Édipo que deve iniciar o seu último caminho.
Novamente se põe o problema da unidade da obra. Aqui não se pode falar duma
estrutura díptica, mas temos de perguntar em que relação está a parte central, com as
cenas de Creonte e Polinices que analisámos, e a parte enquadrante, constituída pelo ca-
minho de Édipo para a sua paz. Uma geração anterior de filólogos, habituada à análise
Sófoeles 325

homérica, quis encontrar aqui diferentes estratos. WIlAMOWITZ, no livro de seu filho
ITCHO sobre Sófocles, explica a parte central como uma interpolação posterior, com o
fim de incorporar na obra cenas de movimento dramático. Com fundamento, a hipótese
não foi bem aceite; parecia mais plausível interpretar a arquitectura da obra dizendo que
o poeta quis introduzir desde o princípio, no relato pouco dramático da morte de Êdipo,
cenas que dessem maior movimento dramático ao conjunto. Naturalmente, esta perspec-
tiva renuncia em grande medida à unidade do drama. Também aqui cremos apreciar
melhor a arte do poeta, na actualidade. Dum ponto de vista externo, a unidade da tragé-
dia está perfeitamente assegurada pelo facto de Édipo dominar a cena desde o princípio,
incluindo o relato do Mensageiro e o lamento de suas filhas, no final. Mas a estrutura in-
terna do drama pode interpretar-se dizendo que, antes de entrar na paz, o ancião que
sobreviveu a tantas dores se deve subtrair a todos os poderes que uma vez mais tentam
apresá-lo para amargurar ainda a sua existência. Mas ele já não os enfrenta como vítima,
antes com o poder para amaldiçoar e abençoar com que actuará a partir da sua sepul-
tura de herói. Também noutro sentido, a parte central está em sugestivo contraste com
os passos que a rodeiam: nas personagens das duas filhas do herói, o poeta apresenta
quadros inesquecíveis de intenso amor filial; nas cenas com Creonte e Polinices percebe-
se um ódio selvagem. A maldição que lança sobre o filho e a despedida de suas filhas
com uma última palavra de amor, fazem ressaltar particularmente este contraste, graças à
proximidade de ambos os motivos.
Tudo o que se disse se deverá ter em conta na apreciação desta tragédia, a última
das conservadas. Mas, com isto, não negamos que a união das diferentes partes não ma-
nifesta a mesma solidez que nas obras do apogeu e que também a continuidade e ligei-
reza do desenvolvimento dramático não é a mesma que naquelas. Com o carácter lírico
manifestado por esta obra da velhice no seu todo tem relação o facto de ela conter pé-
rolas da poesia coral sofocliana. O canto de louvor à sua pátria, Colono, é o canto de
cisne do grande ateniense à beleza e à grandeza da sua pátria. Foi um dom benigno dos
deuses ao piedoso cantor da sua grandeza, o ele não ter tido que assistir, em vida, à
queda da cidade.
Para além das sete tragédias de Sófocles que conservamos, podemos verífícariô-) a
existência de outras cento e vinte e três. Isto significa que temos notícia de quase todas as
tragédias que os Alexandrinos possuíam. Os fragmentos destas obras perdidas que chega-
ram até nós são, pelo contrário, muito escassos e também os papiros não nos forneceram
grande coisa. Há uma excepção de incalculável valor: no ano de 1912, HUNT e WIlAMO-
WITZ puderam publicar, no nono volume dos Ox. Pap., partes extensas duma peça satí-
rica de Sófocles, intitulada Os Icneutas. Não se pôde determinar a sua data com segurança,
mas é muito provável que pertença aos primeiros tempos de criação de Sófocles. Foi com-
pletada com pequenos fragmentos que apareceram em Ox. Papo 17, 1927 (nº 1153 P.).
Antes deste achado, tínhamos o Ciclope de Eurípides como exemplo duma peça sa-
tírica ática. Hoje, que podemos comparar Sófocles e ultimamente também Ésquilo, des-
frutamos da frescura incomparavelmente maior que possuem as peças satíricas destes
dois poetas, comparadas com as de Eurípides. Estes sátiros são divindades da natureza
326 o Apogeu da Pólis Grega

nas quais encarna o apetite genésico e a força vegetativa, e tanto nos Dictiulcos como
nos Jcneutas, a natureza destes sátiros ou diabinhos da floresta, tão desavergonhados e
lascivos, totalmente ignorantes dos conceitos morais e, no entanto, simpáticos, é captada
com maravilhosa naturalidade. Na obra de Sófocles e na de Ésquilo, a alegria e afabili-
dade destas composições encontram-se ao lado de tragédias em que o sofrimento trá-
gico dos seres humanos acha uma expressão de validade intemporal.
Entre os hinos homéricos, fizemos referência ao hino a Hermes, que relata a infân-
cia do deus dos ladrões com vigoroso humor. Sófocles tomou como tema da sua obra o
roubo dos bois de Apoio e a invenção da lira, mas, ao fazê-Io, provavelmente inverteu a
ordem das duas acções de Hermes tal como apareciam no hino. Apoio convida à busca
dos bois roubados, e os sátiros, sob a direcção de seu pai, Sileno, desempenham as fun-
ções de cães de busca na floresta da montanha de Cilene para obterem o prémio prome-
tido. A situação torna-se crítica quando, da gruta onde Maia guarda o seu prodigioso
menino, começa a ouvir-se um som suspeito, nunca antes escutado, o primeiro som da
lira nesta Terra! Assistimos ainda a um diálogo encantador entre os sátiros cobardes e ao
mesmo tempo curiosos, e a ninfa Cilene que, lá dentro, cuida do menino Hermes. O fi-
nal, que não se conserva, continha a reconciliação dos irmãos e a recompensa dos Sáti-
ros: ouro e a liberdade. Parece que a dependência desta animada gentinha era motivo
constante das peças satíricas. É difícil determinar, através dos restos, quem era neste
caso o senhor dos sátiros. SIEGMANNpensou em Pã: PAGE, na sua edição (Lit. pap.) ,
em Dioniso, o que suporia uma lacuna depois do verso 171.
Setenta e oito versos muito deteriorados sobre cartonagens de múmias (Tebt. Papo
3/1, 1933, nº 692) provavelmente pertencem a outra obra satírica, ao Ínaco. R. PFEIF-
FER(33)identificou uma cena em que os cobardes sátiros enfrentam Hermes, que chega
protegido com o barrete de Hades para matar Argos. Agora acrescentou-se-lhe o frag-
mento de Ox. Papo 23, 1956, 2369, em que se pode reconhecer uma fala de Ínaco. Este
descreve nele a transformação de 10 por um misterioso hóspede que só pode ser Zeus.
Juntamente com os Jcneutas, acharam-se os restos duma tragédia chamada Eurípilo
(n? 1472 P.). Eurípilo era filho de Astíoque, irmã de Príamo. Subornada por este, a mãe
envia-o a Tróia, onde morreu às mãos de Neoptólemo. Conserva-se um fragmento do re-
lato do Mensageiro sobre o lamento de Príamo.
Também se acharam restos de trímetros trágicos num papiro (nº 1478), que R.
PFEIFFER(34)conseguiu atribuir aos Skyrioi. Pode-se supor que esta obra tratasse da
busca de Neoptólemo por Ulisses e da resistência da sua mãe Deidamia.
Pelo contrário, os novos achados e investigações demonstraram ser falsa a atribui-
ção do Papo Berol. 9908 à Assembleia dos Aqueus CAXCXLW'J aÚÀÀoyoç). O fragmento
deve atribuir-se antes ao Télefo de Eurípides.
Gostaríamos de possuir notícias mais seguras sobre a Pedra de Sófocles, em que ele
dramatizou um dos motivos eróticos, à maneira de Eurípides. É verosímil que tenha feito
esta tragédia como confrontação ao primeiro Hipólito, o Kalyptomenos, daquele. Num
fragmento (619 N.), que certamente procede duma fala de Fedra, chama-se ao amor so-
frimento enviado por Zeus.
Sófoeles 327

Pela influência que exerceu, citamos ainda o Tereu. Nele se dramatizava o mito si-
nistro de Procne, que mata seu filho íris para se vingar do marido Tereu, pela violação
da sua irmã Filomela. Podemos aventar a hipótesetô''), sem a podermos provar, de na
sua Medeia, Eurípides ter sido influenciado por esta tragédia.
Ao referirmo-nos ao Âjax, já mencionámos as palavras de Sófocles, segundo as
quais ele próprio teria considerado que a evolução do seu estilo se produziu em três
etapas. Também dissemos repetidas vezes que as obras mais antigas se distinguem con-
sideravelmente, tanto na sua estrutura como na configuração do diálogo e na condução
das cenas, da forma alcançada no primeiro Édipo, na Electra e no Filoctetes. É natural
perguntarmos se também se pode falar duma evolução na linguagem de Sófocles, na
medida em que nos é conhecida. Com efeito, as obras mais antigas, sobretudo o Ájax,
manifestam traços que depois se tornam menos perceptíveis, como uma maior seme-
lhança com Homero e com os líricos, algumas expressões esquilianas ou que poderiam
ser típicas de Êsquilo, a ocasional superabundância de trímetros compostos por palavras
grandiloquentes (cfr. Ájax, 17). O mesmo se pode dizer da abundância de adjectívos
compostos, que aparecem no verso falado. Esta linguagem evolui no sentido duma
maior simplicidade, o que não significa de maneira nenhuma que desça da sua elevação
e se aproxime da linguagem quotidiana, como sucede com frequência em Eurípides.
Esta ampla renúncia à pompa da linguagem de Êsquilo, a restrição no emprego de metá-
foras, a configuração especial do discurso, que envolve o pensamento como uma vesti-
menta ajustada, mas que, por outro lado, consegue produzir uma tensão particular gra-
ças ao emprego de numerosas interrupções e frequentes antíteses na estrutura da frase,
tudo isto aponta noutro sentido. A língua de Sófocles, com a sua reserva e sentido da
medida, que, observada mais detidamente, revela uma abundância de rico movimento e
vida intensa, é a expressão do apogeu clássico ático na mesma medida que as esculturas
do Pártenon, onde as figuras de uma arte exaltada e a realidade da vida se combinam
formando uma unidade sem paralelo.

A transmissão dos dramas de Sófocles verificou-se nas mesmas circunstâncias que a dos dramas de
Ésquilo. Também aqui foi decisivo o trabalho crítico dos Alexandrinos, em especial de Aristófanes de
Bizâncio. As explicações que se encontram nos nossos escólios conservaram-se graças à diligência de
Dídimo. Ocasionalmente, ainda podemos seguir a sua polémica contra comentários anteriores. Também no
caso de Sófocles, as exigências da escola levaram, por volta do séc. II d.e.. a uma selecção de sete obras.
Quanto à datação, deve-se fazer uma comparação com o que se disse sobre a transmissão de Ésquilo. Um
Salústio, de quem provêm "hipóteses" à Antígona, ao Édipo em Colono e talvez a outras obras, reelaborou a
edição destas tragédias, nos finais do séc. IV. Também se supôs que estas obras se conservaram em Bizâncio,
num único manuscrito, ao longo dos séculos obscuros até ã época do renascimento dos estudos. Contra as
dúvidas suscitadas nos últimos tempos, A. TURYN, o melhor conhecedor da transmissão das obras de
Sófocles, defendeu, na mais recente das obras que iremos já citar. a hipótese de uma transmissão de proce-
dência única. A apreciação e o aproveitamento dos manuscritos entrou numa nova fase graças a trabalhos,
dentre os quais destacamos: A. TURYN, Tbe Manuscripts of Sophokles. Traditio, 2, New York, 1944; "The
Sophocles Recension of Manuel Moschopulus", Trans. Am. Phil. Ass., 80, 1949, 94; Studies in lhe Manuscript
Tradition of tbe Tragedies of Sopbocles. Illinois Studies, 36/1-2, Urbana, 1952; além disso, P. MAAS, Gnom., 25,
1953,441. v. DE MARCO, "Intorno ai testo di Edipo a Colono in un manoscrito Romano", Rendiconti Accad.
Napoli, 26, 1951 (1952), 260. R. AUBRETO , Démétrius Triclinius et les recensions médiéuales de Sopbocle,
328 o Apogeu da Pólis Grega

Paris, 1949. Sobre a transmissão de Sófocles, também A. TURYN, The Byz. Manuscript Tradition of the Trag.
of Euripides, Urbana, 1957, 34, O.H.P. DIETZ, Thomas Magistros'Recension of lhe Sopb. Plays Oed. Col.,
Tracb., Phil., tese de doutoramento, Univ. of Illinois, 1965 (microfilrne),
O principal resultado destes estudos consistiu no facto de se poder delimitar a participação que se deve
atribuir ao trabalho dos eruditos bizantinos, em particular a Planudes, Moscópulo, Tomás Magister e Tric1ínio,
nas variantes que possuímos. No entanto, a decisão não é sempre segura; aquilo que vamos anotar sobre o
Parisinus 2712 vai mostrar que, em não poucos casos. as opiniões divergem bastante sobre o que é autêntica
transmissão e o que é conjectura dos Bizantinos. O objectivo destes esforços é aliviar os nossos aparatos críti-
cos de tudo o que se pode considerar secundário e. assim, determinar melhor o que deve ser considerado
transmissão antiga. A posição mais elevada ocupa-a o mesmo Mediceus que considerá mos como o mais vali-
oso para Ésquilo. Para o texto de Sófocles. que provém do séc. XI e posteriormente foi reunido com o de
Ésquilo e Apolónio. acostumá mo-nos a falar do Laurentianus 32, 9. Este manuscrito assemelha-se muito ao
palimpsesto de Leiden 60 A. mas que oferece escasso material (T. IRlGOIN, Rev. Et. Gr., 64, 1951, 443). Até
agora considerava-se como o segundo pilar principal da transmissão o Parisinus 2712 (séc. XIII!XIV), mas, na
sua tentativa de demonstrar que a maior parte das suas variantes na tríade Ájax, Electra, Rei Édipo são conjec-
turas bizantinas, TURYN abalou consideravelmente o seu prestígio. Ainda não se chegou a uma certeza sobre
este ponto.TC. KAMERBEEK, "De Soph. rnemoria", Mnem., S.4, 11, 1958, 25, apoia, com material que menci-
ona, a sua opinião de que o Parisinus 2712, também na tríade que acabámos de mencionar, oferece lições
antigas e não depende na sua totalidade de Manuel Moscópulo. Devemos citar também P.E. EASTERLlNG,
"The Manuscript A of Soph. and its Relation to the Moschopulean Recension", Class. Quart. N.S. 10, 1960,
51(36). Por outro lado, no seguimento de DE MARCO, TURYN quer atribuir uma posição especial a uma
"Rornan family" que compreende os seguintes manuscritos: Laur. Conv. Sopp. 152; Par. suppi. Gr. 109; Vat.
2291; Moden. a T. 9. 4. Mostram-se cépticos na apreciação deste grupo P. MAAS, Gnom., 25, 1953, 441 e H.
LLOYD-]O ES, Gnom., 31, 1959, 478. Numerosos outros manuscritos compreendem apenas a tríade compi-
lada pelos Bizantinos: Ájax, Electra, Rei Édipo.
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QUERAY, Coll. des Univ. de Fr., 2ª ed., 1929; agora, A DAIN-P. MAZON, 3 tomos, ibid., 1955-62. Uma edição
espanhola bilingue na Colección Hispânica de autores Griegos y Latinos, por r. ERRANDONEA, S.]., iniciada
em Barcelona, 1959, com um primeiro tomo que contém os dois dramas de Édipo. Para o texto, continuam a
ser importantes duas edições mais antigas, com comentário: R. )EBB, Cambr., 1883-1896 (nova edição inalte-
rada, 1902-1908; agora, 1962); só o texto, Cambr., 1897, e, além disso, três volumes com os fragmentos de
AC. PEARSON, Cambr., 1917. SCHI\TElDEWIN-NAUCK,na refundição de E. BRUHN (Oid. T, 1910; El., 1912;
Anl., 1913) e L. RADERMACHER (Oid. Kol., 1909; Phil., 1911; Ai., 1913; Tracb., 1914). Uma edição bilingue
de W. WILLIGE-K. BAYER, Soph. Tragodien und Fragmente, München, 1966.
Edições com comentário e interpretação das diversas obras: Ájax. Edições: M. UNTERSTEINER, Milano,
1934. V. DE FALCO, 3ª ed., Napoli, 1950. A. COLONNA,2ª ed., Torino, 1951. G. At\1MENDOLA, Torino, 1953.
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Sófoeles 329

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por H. GENTHE, Leipzig, Berlin, 1872; reimpr., Híldesheirn, 1958. - Traduções: material mais antigo, em W.
SCHILDKNECHT, Deutscber Sopb., Bonn, 1953. Traduções completas: H. WEINSTOCK, 3ª ed., Sturtgart, 1957.
E. STAIGER, Zürich, 1944. No mundo anglo-saxónico tiveram grande influência as numerosas traduções de
tragédias de Sófocles e de outros, realizadas por G. MURRAY. Em francês: P. NV\ZON, 2 tomos, Paris, 1950;
agora, na edição de Coll. des Uno de Fr. (v. supra); uma edição especial com excelente introdução de J. DE
ROMILLY, in Cluh du meilleur livre, Paris, 1959. Em italiano: E. BIG:\O:\E, 4 volumes, Firenze, 1937/38.
Obras individuais: E. BUSCHOR, Ant., K. Oid., München, 1954. Ai., Trach .. El., Pbil., 1959. K. REINHARDT,
Ant., Godesberg, 1949; agora, em 3' ed., como volume 116/7, 1961 da pequena série Vandenhoeck. W.
SCHADEWALDT, K. Oed., Frankfurt.M., 1955. Ant., Oid. T, El., in. Griech. Theater, Franefurt, 1964. As sete
tragédias na Fischer Bücherei, Frankfurt, 1963 (STAIGER, REINHARDT, SCHADEWALDT, BUSCHOR). Na Bibl.
d. Alten Welt, Zürich, 1968 (SCHADEWALDT, BUSCHOR). R. SCHOTILAENDER, Berlin e Weimar, 1966. W.
SCHADEWALDT publicou a tradução de HÓLDERLI na Fischer Bücherei, Frankfurt, 1957. W.H. FRIEDRICH
deu um lugar em Tragiei Graeei, München, 1958, à tradução de K.W.F. SOLGER. a colecção americana de
330 o Apogeu da Pólis Grega

traduções, Tbe Complete Greek Tragedies (v. a propósito de Êsquilo), D. GRENc e uma série de outros hele-
nístas traduziram Sófocles. - Linguística: é importante o apêndice (vol. 82) ã edição de Sófocles de SCHNEI-
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CLAY, FR. ]OHANSEN, v. apêndice a Ésquilo, o referente a "Língua", - Monografias: continua a ser necessário
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Funletion des Botenberichtes hei Aisch. und Sopb., tese de doutoramento, Tübingen (dactilografado). A. MAD-
DALENA, Sol, 2ª ed., Torino, 1963. ]. DE ROMILLY, L'éoolution du patbétique d'Eschyle ti Euripide, Paris,
1961. Além disso, os capítulos de HARSH, POHLENZ, KITTO e D.W. LUCAS, Greek Tragic Poets, 2' ed.,
London, 1959. Três dissertações tentam focar o poeta sob diversos aspectos: W. SCHADEWALDT, Sopb. und
das Leid, 4ª ed., Potsdam, 1948; agora, Hellas und Hesperien, Zürich, 1960, 231. H. DILLER, Gôttlicbes und
menscbl. Wissen bei Sopb., Kiel, 1950. A. LESKY, "Soph. und das Humane", Alman. OSI. Akad., 1951 (1952),
222. As três dissertações, reunidas em Gottbeit und Menscb in der Tragôdie des Soph., Darmstadt, 1963. W.N.
BATES, Sopbocles. Poet and Dramatist, London, 1964. B.M.W. KNOX, The Heroic Temper. Studies in
Sopboclean Tragedy, Sather Class. Lect., 35, Berkeley, 1964. ]. TRENCSÉNYI-WALDAPFEL, Sophoklés,
Budapest, 1964. H. DILLER, Sophokles, Wege der Forschung, 95 (22 ensaios de diversos autores, com introdu-
ção e bibliografia para o tempo após 1960, de H.D.), Darmstadt, 1967. CH.A. UHSADEL, Der Cbor ais Gestalt.
Seine Teilnahme am Geschehen sopboeleiscber Stücke, tese de doutoramento, Tübingen, 1969

1 - F. ]ACOBY, F Gr Hist sobre 239 Marm. Par. ep. 56 e 64 e sobre 244 Apolodoro F 35.
2- 13, 603 e = Ionfr. 8 BLUMENTHAL. F. SCHACHERMEYR, 'Sophokles und die perikleische Polítík", Wien.
Stud., 79, 1966, 45.
3 - Vita 9. Plut., Nícias, 15, 2. Cfr. EHRENBERG (v. infra) 117, r. H.D. WESTLAKE, "Soph. and Nicias", Herm.,
84, 1956, 110.
4 - EHRENBERG, (v. infra) , 120.
5 - O. WALTER, "Das Priestertum des Soph.", Festschr. Keramopullos, Atenas, 1953, 459. Recepção de
Asclépio: WILAMOWITZ, Glaube der Hell., 2, 1932, 224. ].H. OLIVER, Hesperia, 5, 1936, 91.
6 - Cfr. C.F. RUSSO, Mus. Helv., 17, 1960, 166, 2. Sobre as datas da representação, H. HOFFMA N,
Chronologie der att. Tragõdie, tese de doutoramento, Hamburg, 1951 (inédito).
7 - A Vita nomeia 17, mas a modificação proposta por TH. BERGK apresenta um número mais provável, que
também coincide com a indicação da Suda (123 peças). Segundo a indicação em DAIN, Sopbocle, I, LXVI, o
número 7 também aparece em G.
8 - A transmissão, em PICKARD-CAMBRIDGE, Dramatic Festivais, 2" ed., Oxf., 1968, 130.
9 - PICKARD-CAMBRIDGE, op, cit., 54. Sobre o conteúdo de cada uma das peças: Aléades, Mísios e
Sófoeles 331

Assembleia dos Aqueus (?), A. SZANTYR, "Die Telephostril. des Soph.", Phil., 93, 1938, 287. ST. SREBRNY,
Studia scaenica, Wroclaw, 1960.
10 - Cfr. a árvore genealógica, RE, 3, A 1927, 1042.
11 - Sobre os retratos de autores antigos, em geral: L. LAURENZI, Ritratti Greci, Firenze, 1941. A. HEKLER,
Bildnisse berühmter Griechen, 3ª ed., Berlin, 1962. K. SCHEFOLD, Die Bildnisse der antiken Dichter, Redner
und Denker, Basel, 1943; Griechische Dichterbildnisse, Zürich, 1965. G.M.A. RICHTER, The Portraits 01 the
Greeks, London, 1965. A cabeça de Sófocles, em W. SCHADEWALDT, Soph. und das Leid, Potsdam, 1948;
agora, em Hellas und Hesperien, Zürich, 1960, quadro 3.
12 - Cfr. a conferência mencionada abaixo, Soph. und das Humane.
13 - Uma selecção, ampliada por ele mesmo, dá-a R. EBELING, "Missvcrstãndnisse um den Aias des Soph.",
Herm., 76, 1941, 283.
14 - A Quílon de Esparta, corifeu de variada sabedoria gnómica, atribui-se a expressão OÜtWç cj>LÀELV W<!;
[lLcrlÍcrOV1:o.: de Favorino em Ilepi. cj>uyijç, 18. Isto é sabedoria universal, com a qual Ájax tem consciência de
estar em incessante oposição. Ulisses, pelo contrário, conserva um [lLcrElV wç cj>LÀlÍcrOV'o.:.
15 - Donato, sobre Terêncio, Ad. 297: haec omnis l1o.:pÉX,o.:crLÇ (Coni. R. STEPAHNUS, llEpLcr,o.:crLÇ trad.) tra-
gica est: gaudiorum introductio ante funestissimum nuntium.
16 - K.v. FRITZ, "Tragische Schuld und poetische Gerechtigkeit in der griech. Trag.", Studium Generale, 8,
1955, 194 e 219; agora, em Antike und moderne Tragôdie, Berlin, 1962, I.
17 - (v. infra), 308.
18 - Rhein. Mus., 3, 1829, 68.
19 - Plut. de prof. in virt., 7, 79 b. Além disso, CM. BOWER, "Soph. on his own Development", Am. journ.
Phil., 61, 1940, 385.
20 - Sobre a pré-história da matéria, que parece remontar à epopeia, H. LLOYD-]ONES, Class. Quart., 53, 1959,96.
21 - Profundamente sinistra, assolada por daimones: G. NEBEL, Weltangst und G6tterzorn, Stuttgart, 1951, 192.
22 - Cfr. A. LESKY, Herm., 80, 1052,95.
23 - Conversa com Eckermann, 28 de Março de 1827.
24 - Não ignoramos que, em juízos comparativos deste tipo, há sempre algo de subjectivo. Defende a priori-
dade de As Traquínias E.R. SCHWINGE: Die Stellung der Trach. im Werk des Sopb . Hypomnemata, I,
Gottingen, 1962, 63.
25 - Muitos intérpretes o negam. A. WASSERSTEIN, Gnom., 32, 1960, 178 tem certamente razão, quando se
pronuncia contra a concepção que Sófocles não condena moralmente o matricídio. O que interessava era que
não estava na intenção do poeta fazer deste problema o núcleo da sua tragédia. Pensa de modo diferente
H.F. ]OHANSEN no estudo mencionado na parte da bibliografia.
26 - Os passos: 68. 77. 101. 112. 612. 839. 1055.
27 - BOWRA (v. ínfra), 261.
28 - Trata bem a técnica deste "deus ex machina" de Sófocles, A. SPIRA, Untersuchungen zum deus ex ma-
china bei Sopb . und Eur., tese de doutoramento, Frankf., Kallmünz, 1960.
29 - W. HAEDICKE, Die Gedanken der Griechen über Familienbereunft und Vererbung, tese de doutora-
mento, Halle, 1936. A. LESKY, "Erbe und Erziehung im griech. Denken des 5. jh.s", Njahrb, 1939, 361.
30 - Goethe, Nachlese zu Aristoteles'Poetie, ]ub.-Ausg., 38, 83.
31 - Sobre o assunto, A. LESKY, Rbein. Mus., 103, 1960, 376, onde se cita também o magnífico estudo crítico
da passagem, feito por REINHARDT
32 - Assim, segundo a lista de A. BLUMENTHAL, RE, 3 A, 1927, 1051, que naturalmente contém dados pro-
blemáticos.
33 -Sitzb. Akad. Müncb . Pbil=bist. Kl, 1938/2, 23. Sobre o novo papiro. ibid., 1958/6. Sobre o novo
papiro,ibid., JTH. KAKRIDIS, no Wiss. jahrbuch der Philos. Fak. Thessalonike, 101. Ambos os autores, base-
ando-se nos fragmentos, concluem, com alta probabilidade, que se trata de um drama satírico. Na sua tenta-
tiva de reconstrução, pensa numa tragédia W.M. CALDER III, "Thc Dramaturgy of Soph.'Inachus", Greek and
Byz. Stud., 1, 1958, 137.
34 - Phil., 88, 1933, 1.
35 - W. BUCHWALD, Stud. z. Chronologie der att. Trag. 455 bis 431; tese de doutoramento, Konigsb., 1939,
35 (com estudo dos fragmentos).
36 - Espera-se que, num dos próximos volumes dos Wien. Stud., seja publicado o estudo de H. DIETZ, que
apresenta motivos apreciáveis para o reconhecimento do valor do Par. 2712, devido às lições no texto de
Édipo em Colono.

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