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BIBLIOGRAFIA
3) Ao longo do curso serão indicadas nas aulas outras obras ou artigos a propósito
das diversas matérias.
DIOGO CASQUEIRO 1
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PROGRAMA
1. Aspectos gerais
2. Invalidade do cumprimento
3. Quem pode fazer a prestação e a quem pode ser feita a prestação
4. Lugar e tempo da prestação
5. Imputação do cumprimento
Capítulo III – Classificações das obrigações quanto ao sujeito. Obrigações conjuntas e solidárias
1. Aspectos gerais
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2. Cessão de créditos
3. Sub-rogação
4. Transmissão singular de dívidas
5. Cessão da posição contratual
1. Aspectos gerais
2. Declaração de nulidade
3. Sub-rogação do credor ao devedor
4. Impugnação pauliana
5. Arresto
1. Aspectos gerais
2. Prestação de caução
3. Fiança
4. Consignação de rendimentos
5. Penhor
6. Hipoteca
7. Privilégios creditórios
8. Direito de retenção
1. Aspectos gerais
1.1. Noção de não cumprimento
1.2. Modalidades do não cumprimento quanto à causa
1.3. Modalidades do não cumprimento quanto aos efeitos
2. Impossibilidade do cumprimento e mora não imputáveis ao devedor
2.1. Impossibilidade objectiva e impossibilidade subjectiva
2.2. Impossibilidade temporária
2.3. Impossibilidade parcial
2.4. Frustração do fim da prestação [leccionação apenas nas Aulas Práticas]
2.5. Efeitos da impossibilidade
3. Incumprimento definitivo e mora imputáveis ao devedor. Responsabilidade civil
obrigacional
3.1. Aspectos gerais
3.2. Pressupostos da responsabilidade civil obrigacional
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3.3. Responsabilidade do devedor por actos dos auxiliares
3.4. Mora do devedor
3.5. Efeitos da mora do devedor
A) Reparação dos danos
B) Inversão do risco de perda ou deterioração da coisa
C) Transformação da mora em incumprimento definitivo
3.6. Incumprimento definitivo. Impossibilidade da prestação
A) Obrigação de indemnização
B) Direito de resolução do contrato
C)“Commodum” de representação
4. Cumprimento defeituoso
4.1. Delimitação [leccionação apenas nas Aulas Teóricas]
4.2. Regime [leccionação apenas nas Aulas Teóricas]
4.3. “Venda de bens de consumo” (breve referência ao regime do Decreto-Lei nº 67/2003, de
8 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de Maio) [leccionação apenas nas Aulas Práticas]
[J. CALVÃO DA SILVA, Venda de Bens de Consumo – Comentário, 3ª ed., Almedina, 2006]
5. Sanção pecuniária compulsória
6. Realização coactiva da prestação
7. Mora do credor
7.1. Requisitos
7.2. Efeitos
7.3. Extinção da mora do credor
8. Fixação contratual dos direitos do credor
8.1. Convenções disciplinadoras da responsabilidade civil
8.2. Cláusula penal
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Capítulo I – Cumprimento das obrigações
1. Aspectos gerais1
Princípios Gerais
Vem o princípio consagrado, no que toca à matéria do cumprimento, no art. 762º/2 e importa
duas notas:
1. Deduz-se do preceito legal que nem sempre bastará uma realização formal da
prestação, para que a obrigação se considere cumprida;
2. Alem dos deveres de prestação principal ou secundária, o cumprimento pode envolver
a necessidade de observância de múltiplos deveres acessórios de conduta. A sua inobservância pode dar
lugar a um cumprimento defeituoso (art. 762º/2), obrigando o devedor a reparar os danos (art. 817º).
O princípio da boa fé deve considerar-se extensivo através do art. 10º/3, a todos os outros
domínios onde exista uma relação especial de vinculação entre duas ou mais pessoas.
Nas relações de crédito o princípio tanto se aplica ao devedor como ao credor. Interessa é a
colaboração leal na satisfação da necessidade a que a obrigação se encontra adstrita.
1ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 7 e ss;
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 141 a 145; PIRES DE
LIMA E A. VARELA, Cód. Civil. anot., comentário aos arts. 762º e ss.
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Assim se explica que mesmo quando a prestação seja indeterminada e a determinação caiba ao
devedor, a escolha tenha de ser feita em termos de equidade (art. 400º/1). E também assim se compreende
que o mandatário se possa e deva afastar das instruções recebidas quando seja de supor que o mandante
aceitaria as mudanças, tivesse tido consciência da alteração das circunstâncias (art. 1162º). Também o
credor não deve dificultar a actuação do devedor, realizando os actos ou removendo as dificuldades de
harmonia com as circunstâncias de cada caso.
Do que se trata aqui é de apurar os critérios objectivos decorrentes do dever de leal de
cooperação entre as partes para realizar o interesse do credor, com o menor encargo possível para o
solvens.
Traduz-se então numa enorme panóplia de deveres acessórios de conduta.
Princípio da Pontualidade
A regra da pontualidade vem firmada no art. 406º/1. Para além do entendimento temporal,
devemos entender como significando que o contrato deve ser cumprido ponto por ponto. E deve entender-
se extensivo a todas as obrigações de cariz não contratual.
Podemos dela extrair alguns corolários: (1) o obrigado não se pode desonerar, sem
consentimento do credor, mediante prestação diversa da que é devida, ainda que de valor equivalente ou
superior; (2) resulta a irrelevância da situação económica do devedor para a alteração da prestação a
realizar, não sendo fundamento para a sua redução. Não é admitido o beneficium competentiae. Não pode
exigir a redução da prestação estipulada, com fundamento na precária situação económica em que o
cumprimento o deixaria. Nem pode o tribunal facilitar as condições de cumprimento da prestação. A
regra dos art. 601º e 604º é a de que o património do devedor continua a responder integralmente, apenas
se excluindo da penhora certos bens que se destinam à satisfação de necessidades imprescindíveis (art.
822º, 823º, 824º e 824º-A C.P.C.). Apenas em certas obrigações periódicas se admite que a alteração da
sua condição económica possa ser relevante: obrigações de alimentos (art. 2004º e 2012º) e a
indemnização em renda (art. 567º).
Princípio da Integralidade
O princípio aqui referido é o terceiro corolário que se pode extrair do princípio da pontualidade,
estabelecido no art. 406º/1. De acordo com ele, a prestação debitória deve ser realizada integralmente e
não por partes, não podendo o credor ser forçado a aceitar o cumprimento parcial. O princípio vem
estatuído no art. 763º, embora a título supletivo, pois admite que outra seja a solução consagrada por lei 2,
usos3 ou convenção.
Tem como resultado que, pretendendo o devedor cumprir parcialmente e recusando-se o credor
a recebê-la, incorre o devedor em mora, relativamente a toda a prestação (art. 804º). O credor pode, no
entanto, receber apenas parte da prestação, se quiser, e pode mesmo exigi-lo (art. 763º/2). A aceitação
2 Casos de cumprimento parcial impostos por lei são os dos art. 784º/2, 649º e 847º/2.
3 Casos em que a recusa do cumprimento parcial violaria o art. 762º/2.
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do credor não impede que o devedor incorra em mora quanto ao resto da prestação. Da mesma forma
que pode o devedor ter interesse em se desonerar da obrigação de uma vez, reconhecendo-se-lhe a
faculdade de oferecer a prestação por inteiro (art. 763º/2, in fine), colocando o credor em mora quanto a
toda a prestação, se recusar recebê-la nos termos em que esta é oferecida.
Princípio da Concretização
É este princípio referido complementarmente por MENEZES LEITÃO, ob. cit. Significa que a
vinculação do devedor deve ser concretizada numa conduta real e efectiva, implicando assim o
cumprimento a transposição do plano deontológico da vinculação do devedor para o plano ontológico de
um comportamento efectivamente realizado. Essa transposição vem a ser juridicamente regulada,
exigindo certos pressupostos para o cumprimento das partes (invalidade do cumprimento), mas também
através da disciplina da sua forma de realização (lugar e tempo do cumprimento) ou da determinação dos
seus efeitos concretos (imputação do cumprimento). Para que o cumprimento da obrigação possa
efectivamente ocorrer haverá que respeitar toda a disciplina específica que realiza o seu modo de
realização.
2. Invalidade do cumprimento4
Para que haja cumprimento válido, não basta a coincidência entre a prestação devida e a
prestação efectuada pelo devedor ou por terceiro.
O primeiro requisito é o da capacidade de exercício do devedor. A regra que aqui impera é a do
art. 764º, segundo a qual não se exige a capacidade do devedor, a menos que a própria prestação consista
num acto de disposição. Diz-se acto de disposição aquele que, incidindo directamente sobre um direito
existente, se destina a transmiti-lo, revogá-lo ou alterar de qualquer modo o seu conteúdo.
Assim, tendo sido validamente celebrado o negócio, a prestação poderá normalmente ser
realizada pelo devedor incapaz. Encontra-se ao alcance dos incapazes a realização de prestações de coisa,
quando a propriedade sobre ela já se tenha transmitido, de prestações de facto material (pintar uma
parede) ou de prestações de facto negativo.
É no entanto exigida quando o cumprimento implica a prática de um acto de disposição, como
ocorre com a celebração de um novo negócio jurídico (como no contrato-promessa) ou dele resulta
directamente a alienação ou oneração do património do devedor (escolha da prestação em obrigações
genéricas).
No caso da prestação ser efectuada por terceiro, ela consistirá sempre num acto de disposição,
uma vez que este não se encontra vinculado à sua realização por um negócio anterior. A capacidade do
4 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 19 e ss;
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 146 e ss; PIRES DE LIMA
E A. VARELA, Cód. Civil. anot., comentário aos arts. 764º e ss.
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terceiro será sempre exigida.
Nestes casos, portanto, deverá a prestação ser realizada pelo representante legal do incapaz.
Quando o incapaz a realize pessoalmente, poderá o credor recusar a prestação, já que poderá ficar sujeito
a um pedido de anulação do cumprimento, nos termos gerais dos art. 125º e 139º. O credor pode, também,
paralisar esse pedido de anulação, através de uma exceptio doli, demonstrando que o devedor não teve
prejuízo com o cumprimento (art. 764º/1), por ter afinal de entregar-lhe tudo quanto tivesse recebido em
virtude da anulação.
Exige-se também que seja capaz o credor a quem seja efectuada a prestação (art. 764º/2). Se for
incapaz e o cumprimento for anulado a requerimento do representante ou do próprio incapaz, terá o
devedor que efectuar nova prestação ao representante do credor. Mas isto também pode levar a situações
injustas. Se a prestação foi feita ao credor e este a aproveitou em termos necessários ou que enriqueceram
o seu património, foi bem recebida a prestação. A realização de nova prestação levaria a um
locupletamento do incapaz.
Pode então o devedor opor-se à anulação da prestação, alegando que ela chegou ao poder do
representante ou que enriqueceu o património do incapaz (excepção de enriquecimento sem causa),
valendo a prestação como causa de desoneração do devedor (art. 764º/2).
O devedor deve poder dispor da coisa que prestou. A falta do poder de disposição pode derivar
de uma de três causas: (1) de ser alheia a coisa prestada; (2) de não ter o devedor capacidade para dispor
da coisa prestada; (3) de carecer apenas de legitimidade para o fazer (cumprimento por um cônjuge de
coisa comum ao casal).
E qualquer dos casos, o devedor, quer de boa ou má fé, não pode impugnar o cumprimento,
salvo se ao mesmo tempo oferecer nova prestação (art. 765º/2).
O credor é que pode ter justificado interesse em não ficar exposto aos ataques de terceiros contra
o cumprimento. E, por isso, tem a faculdade de, estando de boa fé, impugnar o cumprimento e exigir
nova prestação do devedor, acrescida da indemnização dos danos sofridos. Se estiver de má fé, não
poderá impugnar o cumprimento.
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Se o cumprimento se fundar na extinção de uma dívida que, afinal, não existia, haverá direito à
repetição do indevido – art. 476º/1 – independentemente de haver ou não erro de quem pagou ou do dolo
de quem recebeu a prestação. Igual regime se consagra para o cumprimento de obrigação existente, mas
feita a credor que não o verdadeiro – art. 476º/2.
Fora destes casos e dos casos de cumprimento por terceiro (art. 477º e 478º) poderá ainda assim
o cumprimento ser nulo ou anulável por causas que lhe sejam próprias (erro, dolo, coacção, simulação,
erro na declaração, reserva mental conhecida...5). Aqui, se a causa da invalidade não for imputável ao
credor e, destruído retroactivamente o cumprimento, renasce a obrigação e as suas garantias. Sendo
imputável ao credor, renasce a obrigação, mas já sem as garantias. Estas só surgirão se o terceiro, na
altura do cumprimento, tiver conhecimento do vício (art. 766º), porque então não há expectativa séria
que a lei deva tutelar.
que está previsto na procuração (art. 264º/4), mandato (art. 1165º) e depósito (art. 1198º). Se o cumprimento
constituir a realização de novo negócio jurídico pode ainda ser praticado por um representante do devedor – art.
258º.
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Sendo a representação legal (incapacidade do credor), parece claro que só poderá ser realizada ao
representante (art. 764º/2). Tratando-se de representação voluntária, a lei diz que o devedor não tem que
a efectuar ao representante (art. 771º), o que parece criticável, dado o devedor poder recusar a prestação
ao representante, determinando a cobrança por este da dívida.
Se a prestação for realizada a terceiro, a obrigação não se extingue (proémio art. 770º), podendo
o autor pedir a repetição do indevido (art. 476º/2). Mas pode extinguir a obrigação nas seguintes situações
do art. 770º:
1. Se tal tiver sido estipulado ou consentido pelo credor (a)): o terceiro possui
originariamente legitimidade para a recepção da prestação, tendo havido um verdadeiro cumprimento da
obrigação (762º/1). Exemplo é a delegação;
2. Se o terceiro vier a adquirir legitimidade superveniente para a recepção, o que
acontece nos casos de ratificação (b)). Em virtude da eficácia retroactiva da ratificação (art. 268º/2), a
situação torna-se equivalente à de cumprimento;
3. Se vier a ocorrer a junção na mesma pessoa das qualidades de credor da
prestação e de devedor da restituição, tendo o terceiro adquirido o crédito (c)) ou o credor for herdeiro
de quem recebeu a prestação, por cujas obrigações responde (e));
4. Se o credor não tiver interesse em novo cumprimento da obrigação, o que
acontece se ele vier a aproveitar-se do cumprimento (d)). O credor vem posteriormente a aproveitar-se
do cumprimento assim feito. Sucede se o accipiens entregar ao credor a prestação ou a colocar à sua
disposição. Já não sucederá se o devedor pagar ao credor do seu credor, já que a verdade é que
corresponde ao interesse do credor como aplicar a prestação recebida, interesse posto em causa se o
devedor decide em seu lugar;
5. Se a lei considerar, por outro motivo, liberatória a prestação feita a terceiro
(f)). Estão aqui compreendidos a insolvência do devedor (art. 81º/4 CIRCE), a constituição do penhor
(art. 685º) ou de penhora sobre o crédito (art. 860º/1 CPC), acção sub-rogatória indirecta (art. 606º) ou
directa (1182º/2). A lei ainda prevê a possibilidade de eficácia em certos casos em que o terceiro se
apresenta como credor aparente do devedor, como na ignorância por este da cessão de créditos (art.
583º/2) ou do pagamento feito pelo fiador (art. 645º/1) e ainda no contrato de agência. Quer isto dizer
que, nos demais casos de credor aparente, a prestação efectuada a terceiro não goza de eficácia
liberatória. O solvens pode repetir a prestação (art. 476º/2) e terá de cumprir bem de novo.
8 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 36 e ss;
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 156 e ss; PIRES DE LIMA
E A. VARELA, Cód. Civil. anot., comentário aos arts. 772º e ss.
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4.1. Lugar da prestação
A regra é a de que a prestação deve ser feita no local estipulado pelas partes ou fixado pela lei
para o cumprimento.
Como não há exigências especiais de forma, a convenção relativa ao lugar do cumprimento
pode resultar de declaração expressa, mas também tácita (art. 219º e 217º).
Entre as disposições especiais a que a lei manda atender e que prevalecem sobre as normas
supletivas dos art. 772º e ss, figuram os art. 885º/1 (pagamento do preço na compra e venda, só se
aplicando o 774º se o prazo das duas obrigações for diferente), 1039º (pagamento da renda ou aluguer
no domicílio do locatário à data do vencimento), 1195º (restituição da coisa móvel depositada no lugar
onde esta deve ser guardada), 2270º (cumprimento do legado).
Nos dois primeiros casos, o lugar da prestação coincide com o lugar do resultado. No terceiro
caso é diferente o lugar da prestação e do resultado.
As regras supletivas
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cumprida no domicilio que o credor tiver ao tempo do cumprimento – art. 774º - obrigações de entrega.
Tendo as partes fixado um lugar para o cumprimento, pode ser ou tornar-se impossível realizar
ali a prestação.
Em grande parte dos casos, o local aparece como essencial à prestação, pelo que a
impossibilidade de a realizar ali equivale à impossibilidade da sua realização em absoluto. Se ela já
existia no momento da conclusão do negócio, considera-se este como nulo (art. 401º e 280º/1). Sendo
esta superveniente, determina a extinção da obrigação (art. 790º), com perda da contraprestação (art.
795º/1).
Pode suceder, porém, que o lugar não seja essencial, podendo ser realizada noutro local (art.
776º).
A determinação desse lugar pode ser feita com recurso à integração de lacunas do negócio (art.
239º); ou através de regras supletivas do art. 772º e ss.
O art. 776º fez a opção pela segunda alternativa. Mas esta solução não cobre todas as hipóteses,
como a da impossibilidade ser precisamente no local determinado por essas regras supletivas. Para esses
casos permanece o caminho do art. 239º.
A doutrina costuma, a este propósito, estabelecer uma distinção entre dois momentos distintos:
o momento em que o devedor pode cumprir a obrigação, forçando o credor a receber a prestação, sob
pena de o credor entrar em mora; e o momento em que o credor pode exigir do devedor a prestação, sob
pena do devedor entrar em mora. É a diferença entre pagabilidade e exigibilidade ou vencimento do
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débito, respectivamente.
O regime do prazo encontra-se regulado a título supletivo nos art. 777º e ss., onde se determina
tanto a pagabilidade como a exigibilidade ou vencimento da dívida. O regime centra-se na distinção entre
obrigações puras e obrigações em prazo. As primeiras são aquelas cujo cumprimento pode ser
realizado como exigido a todo o tempo. As segundas são aquelas em que a exigibilidade do cumprimento
ou a possibilidade da sua realização é diferida para momento posterior, ainda que a sua constituição já
se tenha verificado, ao invés do que sucede com as obrigações condicionais.
A regra geral é a de as obrigações não terem prazo certo estipulado, sendo puras. Nesse caso, o
credor tem o direito a exigir a prestação a todo o tempo, assim como o devedor pode a todo o tempo
solvê-la (art. 777º/1). O devedor apenas pode entrar em mora com a exigência de cumprimento pelo
credor (interpelação), nos termos do art. 805º/1.
Pode, porém, suceder que as partes ou a lei tenham estabelecido um prazo de cumprimento (art.
777º/1, proémio). Estaremos, então, perante obrigações com prazo certo, as quais se caracterizam por o
decurso do prazo constituir o devedor em mora, conforme determina o art. 805º/2, a).
Em certos casos, nem as partes nem a lei fixam um prazo de cumprimento, mas a obrigação não
se pode considerar pura, uma vez que se torna necessário um prazo, quer pela própria natureza da
prestação, quer pelas circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos. Nesse caso, as partes
devem entender-se quanto à determinação do prazo, cabendo a sua fixação ao tribunal, na falta de acordo
(art. 777º/2 e art. 1456º e 1457º CPC).
Benefício do prazo
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A possibilidade de a prestação ser realizada ou exigida em momento posterior é um benefício.
Uma das questões relaciona-se com a determinação da parte a quem compete o benefício do prazo, que
pode ser ao devedor, ao credor, ou a ambos.
A regra é a de que o prazo corre em benefício do devedor – art. 779º. Em certos casos, como no
depósito, corre em benefício do credor (art. 1194º). Noutros, como no mútuo oneroso, corre em benefício
de ambos (art. 1147º).
A parte a quem é atribuído o benefício do prazo pode renunciar a ele pelo que, no caso de o
benefício ser atribuído ao devedor, nada o impede de realizar a prestação antes do fim do prazo, ou no
caso de ser atribuído ao credor, exigir a prestação a todo o tempo. Exige-se, contudo, que essa renúncia
seja efectiva, que a prestação não seja antecipadamente realizada por erro desculpável, caso em que o
devedor teria direito a que o credor lhe restituísse o seu enriquecimento (art. 476º/3). No caso de o
benefício do prazo ser estabelecido em favor de ambas as partes, em princípio nenhuma delas poderia
antecipar o cumprimento, mas no caso do mútuo oneroso o legislador admite que o mutuário possa
antecipar o cumprimento desde que ofereça os juros por inteiro (art. 1147º).
É esta a regra geral (art. 779º), o que significa que o credor não pode exigir a prestação antes de
findo o prazo, mas que o devedor tem o direito de proceder à sua realização a todo o tempo, renunciando
ao benefício. Já ocorre, portanto, a pagabilidade, mas não a exigibilidade ou vencimento. O devedor
pode, por isso, decidir cumprir antecipadamente, sem que o credor se possa opor, sob pena de incorrer
em mora (art. 813º).
É possível que as partes estipulem o que o prazo corra em beneficio do credor – fica este com a
faculdade de exigir a prestação a todo o tempo, mas o devedor só tem a possibilidade de cumprir no fim
do prazo. A dívida é exigível, mas ainda não é pagável. Exemplo é o depósito – art. 1194º.
Na hipótese de o prazo ser estabelecido em benefício de ambas as partes, nenhuma delas terá a
faculdade de determinar a antecipação do cumprimento. O decurso do prazo funcionará assim tanto para
determinar a pagabilidade como a exigibilidade. É a situação que se presume ocorrer no mútuo oneroso
(art. 1147º): ambos têm interesse no prazo. O devedor, para efeitos de utilização do capital durante todo
esse tempo e o credor para receber os juros correspondentes ao prazo estipulado. A lei permite ao devedor
a antecipação do prazo, desde que pague os juros por inteiro – interusurium.
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Em caso de atribuição do benefício ao devedor, este pode perder esse benefício, caso a sua
situação patrimonial se altere ou pratique algum acto considerado incompatível com a confiança do
credor.
O art. 780º estabelece, por isso, que, não obstante a estipulação do prazo a favor do devedor, o
credor pode exigir o cumprimento imediato da obrigação, se o devedor se tornar insolvente, ainda que a
insolvência não tenha sido judicialmente declarada ou se por causa imputável ao devedor diminuírem as
garantias do crédito ou não forem prestadas as garantias prometidas 9. Outro caso é a não realização de
uma prestação nas dívidas a prestações – art. 781º.
A perda do benefício ocorre sempre porque a estipulação do prazo tem por pressuposto a
confiança do credor na solvabilidade do devedor, cessando os seus efeitos logo que essa confiança
desaparece.
A perda do benefício é pessoal, pelo que não se estende aos co-obrigados do devedor, nem aos
terceiros que garantiram o cumprimento (art. 782º).
A insolvência do devedor
Ainda que não judicialmente declarada, a insolvência é a primeira causa de perda do benefício
(art. 780º). É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de
cumprir as suas obrigações vencidas, considerando-se as pessoas colectivas e os patrimónios autónomos
em situação de insolvência quando o passivo seja manifestamente superior ao passivo. Não faz sentido
a manutenção do prazo, pelo que se justifica a sua imediata exigibilidade.
A lei exige a verificação de uma efectiva situação de insolvência, não bastando o justo receio
da mesma (embora este já releve para o credor exigir o arresto dos bens do devedor – art. 619º C.C. e
406º do C.P.C.). não se exige, porém, que a insolvência seja judicialmente declarada. Se houver sentença
declarativa de insolvência, após esta, não ocorre apenas a perda do benefício do prazo, verificando-se
antes o vencimento antecipado de todas as obrigações do insolvente, não subordinadas a uma condição
suspensiva, independente de interpelação. É esta a posição unânime na doutrina, não acontecendo mesmo
no caso do art. 781º.
9Trata-se, neste último caso, de diminuição das garantias especiais (penhor, hipoteca, fiança...), uma vez que a
garantia geral se encontra contemplada na referencia à insolvência do devedor. O credor poderá optar, no entanto,
pela substituição ou reforço das garantias – art. 780º/2.
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contratual. Esse comportamento prejudica a já pouca confiança que o nele credor tinha o que o legitima
a solicitar o cumprimento imediato da obrigação. É necessário que a redução das garantias apresente um
mínimo de relevância, sem o que a exigência pelo credor do cumprimento imediato da obrigação será
contraria à boa fé (art. 762º/2).
Deve salientar-se que por vezes a lei também impõe que o devedor reforce as garantias quando
estas perecem casualmente, sob pena de o credor poder exigir de imediato o cumprimento: caso da fiança
(art. 633º/2 e 3), hipoteca (art. 701º), consignação de rendimentos (art. 665º) e penhor (art. 670º, c)). O
regime aplicável é substancialmente diferente, já que, para alem de se exigir uma diminuição
considerável da garantia, a perda do benefício do prazo aparece como solução subsidiária, a aplicar
apenas quando o devedor não proceda à substituição ou reforço das garantias 10.
Caso o perecimento destas garantias se dê por facto imputável ao devedor, será aplicável o
regime do art. 780º, em lugar destas disposições.
Nas dívidas a prestações, caso o devedor falte ao pagamento de uma das prestações, admite-se
que o credor possa exigir antecipadamente as prestações que ainda não se venceram (art. 781º).
Esta disposição apenas se aplica em relação às prestações instantâneas fraccionadas, e não às
periódicas.
Sendo fraccionadas, a não realização de uma das prestações permite ao credor exigir logo a
totalidade da dívida. Apesar de a lei descrever a situação como de vencimento antecipado, parece tratar-
se antes da perda do benefício do prazo, já que, se o credor não exigir as prestações restantes, não parece
que fique logo constituído em mora pela totalidade da obrigação. Confronto entre antecipação da
exigibilidade e antecipação do vencimento. No sentido defendido, na esteira de MENEZES LEITÃO e
de ALMEIDA COSTA, defende-se que a falta de pagamento de uma das prestações importa a perda de
benefício do prazo: este traduz-se no poder do credor exigir do devedor o pagamento antecipado de todas
as prestações vincendas, sem que este incorra, no entanto, em mora quanto a todas estas, mas apenas
quanto àquela que não pagou a tempo. Em sentido contrário, defendendo a antecipação do vencimento,
se pronunciaram ANTUNES VARELA e GALVÃO TELLES.
É, no entanto, necessário salientar que na venda a prestações esta solução é restringida pelo art.
934º, determinando-se que a perda do benefício do prazo apenas ocorra quando o devedor falte ao
pagamento de uma prestação que exceda um oitavo do preço ou a duas prestações, independentemente
do seu montante.
Resulta do art. 782º que a perda do benefício tem carácter pessoal: em caso de perda do benefício
10No caso de a garantia ter sido prestada por terceiro, sem intervenção do devedor, nem sequer esta solução se
aplicará. O credor terá que solicitar ao terceiro a substituição ou reforço das garantias, podendo, caso ela não se
verifique, exigir dele o cumprimento imediato da obrigação, em lugar do devedor – art. 701º/2, 665º e 670º, c).
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do prazo, o credor apenas poderá exigir ao devedor o cumprimento imediato, mas terá que respeitar o
seu vencimento normal para exigir o cumprimento aos condevedores ou a terceiros garantes da
obrigação.
Esta exclusão sofre, contudo, algumas limitações: (1) em relação aos condevedores, sendo a
obrigação solidária, pode dar-se o caso de a insolvência ou a responsabilidade pela diminuição das
garantias se verificar em mais de um devedor, o que legitimará o credor a exigir desde logo o
cumprimento aos outros condevedores em relação aos quais também se verifiquem essas circunstâncias;
(2) quanto aos terceiros garantes, pode acontecer que, sendo o devedor estranho à constituição de
garantia, a dminuição desta seja devida a culpa do terceiro. Assim, o credor poderá exigir dele a
substituição ou reforço da garantia ou, não sucedendo isto, o cumprimento imediato da obrigação (art.
701º/2, 2ª parte e art. 678º).
5. Imputação do cumprimento11
1. O devedor não pode imputar o cumprimento, contra a vontade do credor, numa dívida ainda
não vencida, se o prazo estiver estabelecido a favor do credor – art. 783º/2. O mesmo acontecerá no caso
de o prazo ter sido estabelecido a favor de ambas as partes, com excepção do caso do mútuo oneroso
(art. 1147º);
2. O devedor não pode imputar o cumprimento contra a vontade do credor, numa dívida de
montante superior à prestação efectuada, sempre que o credor tenha a faculdade de recusar o
cumprimento parcial (art. 783º/2), já que vigora no cumprimento o princípio da integralidade (art. 763º).
Apenas no caso de o pagamento em prestações corresponder ao regime imposto ou convencionado;
3. O devedor não pode imputar, contra a vontade do credor, o cumprimento numa dívida de capital,
enquanto estiver obrigado a pagar também despesas, indemnização moratória ou juros (art. 785º/2). Essa
solução justificação em virtude de a imputação no capital implicar uma redução ou extinção de juros
futuros, o que não acontece com o pagamento de despesas, juros ou indemnização moratória.
Caso o devedor não efectue a designação, o credor não é livre de efectuar ele mesmo a
11
ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 56 e ss;
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 170 e ss;
DIOGO CASQUEIRO 18
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imputação, havendo que aplicar as regras supletivas do art. 784º:
Numa hipótese de verificação difícil, a lei vem ainda prever a hipótese de não serem aplicáveis
estas regras referidas supra, prevendo que nesse caso a prestação é realizada por conta de todas as dívidas
rateadamente, sem que o credor possa recusar o pagamento parcial (art. 784º/2).
A lei regula a forma supletiva de se realizar a imputação nas dívidas de capital, quando haja
despesas, juros e indemnização moratória. Art. 785º/2: há uma ordem que só com acordo do credor pode
ser invertida – despesas, indemnização, juros e capital (art. 785º/1).
Noção
12 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 170 e
ss; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 181 e ss;
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1) Que haja uma prestação diferente da que é devida;
2) Que essa prestação tenha por fim extinguir imediatamente a obrigação.
DIOGO CASQUEIRO 20
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Se for possível provar ou licito presumir que a assunção da divida ou a cessão do crédito foi
feita também no interesse do devedor, o credor só poderá recorrer à obrigação primitiva, no caso de
falhar o recurso à nova via do seu crédito.
Na dação, é a actuação do devedor que vem a provocar a extinção da obrigação, enquanto na
dação pró solvendo essa extinção é desencadeada por actuação do credor, em cumprimento de um
encargo que lhe é conferido pelo devedor. A dação em função do cumprimento pode ser por isso
comparada a um mandato conferido ao credor para liquidar a prestação realizada, pagando-se por essa
via, mandato esse que, conferido no interesse de ambos, não poderá ser revogado pelo devedor, salvo
ocorrendo justa causa, art. 1170º/2. Se a dação tem por objecto uma cessão de crédito ou uma assunção
de divida presume-se igualmente feita pró solvendo, art. 840º/2. Por maioria de razão, será igualmente
qualificada a entrega de um cheque.
Diferente da dação em cumprimento, é o caso da obrigação com facultas alternativa. Neste
caso, o obrigado também realiza uma prestação diferente da devida. Fá-lo, porém, por sua iniciativa
individual, no exercício de uma faculdade que lhe estava reservada.
Na dação em cumprimento, o devedor não goza desse poder de modificação unilateral da
prestação. Por isso mesmo, só mediante acordo das partes a dação é legalmente viável. Na prática, torna-
se algumas vezes particularmente difícil saber se em determinada convenção social há uma novação,
uma dação em cumprimento ou uma dação pro solvendo.
Só podem resultar das hesitações relativas à vontade real ou presumível dos contraentes. Trata-
se de problemas de interpretação ou de integração das declarações dos outorgantes e não de questões
especificas do direito das obrigações.
Regime
DIOGO CASQUEIRO 21
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Para que haja, porém, uma pura dação em cumprimento, é essencial que, a despeito da diferença
de valor subjectivo eventualmente existente entre as prestações, estas tenham sido queridas pelas partes
como equivalente ou correspectivo uma da outra.
De contrário, haverá uma doação mista, tendo por base de apoio uma dação em cumprimento.
Se a obrigação que as partes visavam extinguir com a dação em cumprimento não existir, o
solvens terá o direito de exigir a repetição do indevido (art. 476º).
Poderiam levantar-se duvidas sobre o seu regime, no caso de a coisa ou o direito transmitido
padecer de vícios que afectem a sua substancia ou o seu valor.
Sendo a dação uma forma de extinção da obrigação, os defeitos ou os ónus essenciais da coisa
ou do direito transmitido deveriam provocar, em principio, a anulação da operação e, consequentemente,
o renascimento da obrigação primitiva.
Art. 838º - concede ao credor, no caso de dação em cumprimento, a mesma protecção que os
arts. 905º e ss dispensam ao comprador, quando a coisa ou o direito transmitido apresentem vícios.
Atribui-lhe ainda outra faculdade: como o credor não comprou, de facto, ser-lhe-á desde logo permitido,
no caso de a coisa ou o direito estar sujeito a qualquer ónus ou limitação ou padecer de qualquer dos
vícios previstos nos art. 905º e ss, optar pela prestação primitiva, acrescida da indemnização
correspondente aos danos que haja sofrido.
O credor poderá exigir a reparação ou a substituição da coisa (art. 914º) ou reclamar a redução
do valor que lhe foi atribuído (art. 911º), mas pode optar antes pela entrega da coisa, acrescida dos juros
correspondentes, a partir do momento em que a prestação deveria ter sido efectuada.
A opção do credor pela prestação primitiva terá como efeito o renascimento da obrigação, com
todas as suas garantias e acessórios, salvo se a nulidade ou a anulação da dação tiver tido origem em
causa imputável ao credor (argumento a contrario – exemplo: art. 839º).
Pode também suceder que seja alheia a coisa dada em cumprimento ou que pertença a terceiro
o direito transmitido pelo devedor ao credor.
Desde que desaparece a causa extintiva da obrigação, a consequência natural do
desaparecimento é o renascimento da obrigação – com todas as garantias e os acessórios.
Se, porém, a nulidade ou a anulabilidade da dação procede de um facto imputável ao credor,
pode compreender-se que, após a extinção da dação, a obrigação primitiva renasça; mas já não se
compreenderia que renascessem também as garantias prestadas por terceiros. Dai a doutrina do art. 839º.
Natureza jurídica
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Noção
A cessão de bens aos credores, arts. 831º e ss, constitui uma outra forma de satisfação dos
direitos de crédito.
A cessão de bens aos credores, é a entrega feita pelo devedor, a todos os credores ou a alguns
deles apenas, de todos os bens ou parte deles, para a liquidação e pagamento das dividas.
Tem a grande vantagem de evitar as despesas, os incómodos, o gasto do tempo que
necessariamente envolve o recurso judicial. Consiste numa entrega espontânea, e compreende um
mandato conferido aos credores para, no seu próprio interesse, promoverem a venda dos bens e o
pagamento dos seus créditos.
São os credores quem age para o efeito e não o tribunal.
Por outro lado, a cessão pode aproveitar apenas a alguns dos credores e, não necessariamente a
14 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 155 e
ss; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 321 e ss;
DIOGO CASQUEIRO 23
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todos, como sucede nos processos consensuais da falência e da insolvência. E também pode abranger
apenas alguns dos bens escolhidos pelo devedor, ao passo que, na execução forçada e estendem, em
principio, a todos os bens ou a todos aqueles cuja alienação se mostre necessária.
Não há, na realidade dos factos, nenhuma cessão dos bens aos credores, em sentido técnico. É
o devedor quem continua titular dos bens.
Regime
Quanto aos credores que participaram na cessão, é que, compreensivelmente, a lei lhes não
permite que executem os bens abrangidos na cessão. Permitir que eles executassem os bens que o devedor
lhes cedeu para, à custa do produto da sua alienação, satisfazerem os seus créditos, é que a lei não pode
fazer, porque isso equivaleria à aprovação legal de uma autêntico venire contra factum proprium.
A mesma limitação é imposta quanto aos credores posteriores porque estes não podem
legitimamente contar, como objecto da garantia patrimonial dos seus créditos, com bens que já foram
entregues a credores anteriores, para a satisfação dos seus créditos.
A cessão de bens aos credores visa satisfazer os direitos dos cessionários, embora por uma via
inteiramente distinta da realização coactiva da prestação e do próprio cumprimento.
A finalidade solutória da cessão espelha-se num dos traços mais característicos do seu regime,
que é precisamente o fixado no art. 835º, segundo o qual o devedor só fica liberado em face dos credores
a partir do recebimento da parte que a estes compete no produto da liquidação.
Relativamente à parte que compete a cada credor no produto da liquidação, será a parte
proporcional ao credito de cada um deles, desde que os interessados não convencionem outro critério de
repartição.
Desistência da cessão
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Faculdade de Direito da UCP
A lei permite – mas só ao devedor – que se desista da cessão.
Os credores não podem desistir do acto, resolver o contrato, se o devedor deixar definitivamente
de cumprir qualquer das obrigações asseguradas pela cessão.
A desistência do devedor não é livre. Ela só é eficaz, na medida em que, prévia ou
simultaneamente, o devedor oferecer o cumprimento das obrigações asseguradas pela cessão.
Art. 836º/2 – a desistência não tem efeito retroactivo.
A recusa de eficácia retroactiva do acto significa que a desistência não prejudica as alienações
dos bens cedidos já realizadas, tal como não anula os pagamentos já efectuados aos credores. E nem
sequer anula ou torna ineficazes os actos de administração praticados pelos cessionários, no regular
exercício do seu mandato, sem prejuízo do disposto no art. 1051º, c).
Natureza jurídica
Alguns autores pretenderam atribuir-lhe natureza processual. Para outros, a cessão de bens aos
credores constituiria um caso particular de dação pró solvendo ou dação em cumprimento (GALVÃO
TELLES e PESSOA JORGE). Para outros, estar-se-ia perante um contrato real, em que se verificaria a
transmissão para os cessionários das faculdades de administração e disposição dos bens (MENEZES
CORDEIRO). Para outros, como MENEZES LEITÃO, consiste num caso particular de mandato sem
representação.
3. Consignação em depósito15
Generalidades
15 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 185 e
ss; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 191 e ss;
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Pressupostos da consignação em depósito
1. Ter a obrigação por objecto uma prestação de coisa, podendo ser uma quantia
pecuniária, ou uma coisa de qualquer outra natureza (art. 1024º CPC)
Resulta da própria natureza das coisas, já que as prestações de facto positivo são insusceptíveis
de depósito e em relação às prestações de facto negativo, ocorre o cumprimento da obrigação
independentemente da cooperação do devedor.
2. Não ser possível ao devedor realizar a prestação por um motivo relativo ao credor
(art. 841º/1 C.C.)16
Este requisito discrimina duas situações: (1) a impossibilidade não imputável ao devedor de ele
realizar a prestação ou de a fazer com segurança, por qualquer motivo relacionado com a pessoa do
credor. Exemplo desta situação é a ignorância do paradeiro do credor; (2) mora do credor, ou seja, a
recusa do credor em receber a prestação ou praticar os actos necessários ao cumprimento (art. 813º).
exemplo é o credor recusar receber a prestação ou passar quitação da dívida (art. 787º/2).
Regime
O processo judicial da consignação inicia-se com uma petição inicial, onde o devedor tem de
mencionar o motivo pelo qual requer o depósito (art. 1024º/1 CPC). É realizado na CGD, salvo se a coisa
não puder ser aí depositada, nomeando o juiz nesse caso o depositário (art. 1024º/2 e 839º e ss. CPC).
O credor é citado para contestar (1025º CPC), levando a falta de contestação a que o tribunal
julgue extinta a obrigação (art. 1026º/1 CPC).
O depósito só pode ser impugnado por três fundamentos (art. 1027º CPC): (a) ser inexacto o
motivo invocado; (b) ser maior ou diversa a quantia ou a coisa devida; (c) ter o credor qualquer outro
fundamento legítimo para recusar o cumprimento.
No caso de o fundamento improceder, é declarada extinta a obrigação com o depósito. No caso
de a impugnação proceder, o depósito é declarado ineficaz para a extinção da obrigação e, se o
depositante for o devedor, é condenado a cumprir.
Na primeira situação, o credor tem de deduzir em reconvenção o seu pedido, levando a
16A sua inclusão no âmbito do art. 841º, a) é expressamente defendida por ANTUNES VARELA. Já não parece,
porém, poder legitimar a consignação em depósito a dúvida sobre a própria existência da obrigação, uma vez que
esta não constitui um motivo relativo ao credor.
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procedência deste à condenação do devedor em completar o depósito no caso de a prestação devida ser
de maior quantidade, ou à ineficácia do depósito, se a prestação for diversa, condenando-se o devedor
no cumprimento da obrigação (art. 1029º/2 CPC). Pode, porém, seguir-se logo a respectiva execução,
caso o credor disponha de título executivo (art. 1029º/3 CPC).
Na segunda situação, apesar de o devedor ser condenado ao cumprimento e a pagar as custas
do processo, o pagamento ao credor será efectuada pelas forças do depósito, correndo, porém, por conta
do devedor as despesas que o credor tenha que suportar com o levantamento (art. 1028º/2)
Esta relação tem grandes semelhanças com o contrato a favor de terceiro, uma vez que através
dela o credor adquire imediatamente um direito à entrega da coisa por parte do consignatário (art. 844º).
Temos exactamente: a) uma relação de cobertura entre consignante e consignatário; b) uma relação de
atribuição, consistente na obrigação que o consignante visa satisfazer; c) uma relação de execução,
através da qual o credor recebe o direito sobre o consignatário.
A lei estende a legitimidade para a consignação a qualquer terceiro a quem seja lícito efectuar
a prestação (art. 842º).
O credor adquire imediatamente o direito de exigir a prestação do consignatário,
independentemente da aceitação (art. 844º), podendo, no entanto, o devedor, sempre que tenha a
faculdade de não cumprir senão contra uma prestação do credor, exigir que a coisa consignada não seja
entregue ao credor, enquanto este não efectuar aquela prestação (art. 845º).
O consignante pode revogar a consignação mediante declaração feita no processo e pedir a
restituição da coisa consignada (art. 845º/1), apenas se extinguindo o seu direito de revogação se o credor,
por declaração feita no processo aceitar a consignação ou esta for declarada válida por sentença transitada
em julgado (art. 845º/2).
ANTUNES VARELA e MENEZES LEITÃO não consideram que este direito de revogação da
consignação possa ser exercido pelos credores do devedor através da sub-rogação, uma vez que se trata
de um direito pessoal do devedor (art. 606º), devendo ainda a consignação ser equiparada ao
cumprimento para efeitos de impugnação pauliana.
Durante o decurso do processo, a obrigação persiste, recaindo sobre o credor o risco da perda
ou deterioração da coisa, e deixando a dívida de vencer juros. No caso contrario, a consignação não será
eficaz, pelo que não deverá alterar as regras relativas à distribuição do risco.
A pendência do processo atribui ao devedor uma excepção ao devedor, permitindo-lhe recusar
a prestação enquanto não for julgada definitivamente a acção.
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Sendo a consignação aceite pelo credor, declarada válida por decisão judicial, libera o devedor,
como se ele tivesse realizado a prestação na data do depósito (art. 846º).
O credor vê assim extinto o seu direito de crédito, adquirindo, porém, outro crédito à entrega da
coisa por parte do depositário.
4. Compensação17
A lei admite, no art. 847º a compensação, segundo a qual, quando duas pessoas estejam
reciprocamente obrigados a entregar coisas fungíveis da mesma natureza, é admissível que as respectivas
obrigações sejam extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas de realizar as suas prestações
ou pela dedução a uma das prestações da prestação devida pela outra parte.
Tem uma dupla vantagem: (1) produz a extinção das obrigações dispensando a efectiva
realização das prestações – facilitação de pagamentos; (2) a compensação permite ao declarante extinguir
a sua obrigação, mesmo que não tenha qualquer possibilidade de receber o seu próprio crédito por
insolvência do seu devedor – garantia dos créditos.
17 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 195 e
ss; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 199 e ss;
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Pressupostos
Por outro lado, para afastar da compensação os créditos de terceiro sobre o notificado, diz-se
no art. 851º/2 que o devedor só pode livrar-se da obrigação utilizando créditos seus e não de terceiro.
Assim o fiador não pode livrar-se da sua obrigação, por meio de crédito que o devedor principal tenha
sobre o credor18. Tal como ao devedor solidário não é lícito livrar-se por invocação do crédito de um seu
condevedor sobre o credor, nem ao sócio invocando um crédito da sociedade, nem ao co-herdeiro
fundando-se num crédito da herança.
Não é justificada a intromissão de quem quer que seja na disponibilidade do crédito alheio.
Mas ainda que assim não seja, por não estarem dispostos a consentir na utilização do crédito
para efeito de compensação com a dívida do declarante (crédito principal), não parece razoável que ao
18O fiador pode, no entanto, recusar sempre o cumprimento, enquanto o direito do credor puder ser satisfeito por
compensação com um crédito do devedor, ou enquanto este tiver a possibilidade de ser valer da compensação com
uma dívida do credor: art. 642º.
DIOGO CASQUEIRO 29
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notificado possa ser imposta a extinção do seu crédito em semelhantes condições.
Diz-se, por fim, no art. 851º/2 que só procedem para o efeito da compensação, créditos do
declarante contra o seu credor.
Mas já será possível, face ao art. 532º, que o devedor de vários credores solidários invoque a
compensação dessa obrigação solidária com base no crédito de que disponha sobre qualquer um dos
credores.
É necessário que o crédito do compensante seja judicialmente exigível, e que o devedor não lhe
possa opor qualquer excepção, peremptória ou dilatória, de direito material (art. 847º/1, a)). Só podem,
assim, ser compensados os créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a
realização coactiva da prestação.
Logo, não podem ser compensados créditos de obrigações naturais com dívidas respeitantes a
uma obrigação civil. também não pode ser efectuada a compensação se o crédito ainda não estiver
vencido (art. 849º), ou a outra parte puder recusar o cumprimento: como a invocação da excepção de
não cumprimento (art. 428º), da prescrição (art. 300º), nulidade e anulabilidade... Em relação a esta
última exige-se, porém, que ela tenha ocorrido antes do momento em que se verificou a
compensabilidade dos créditos (art. 850º).
A nossa lei não restringiu a compensação às dívidas em dinheiro, admitindo-a ainda em relação
a prestações de coisa fungíveis (art. 207º) do mesmo género e qualidade. Naturalmente que não será
possível a compensação relativamente a prestações de facto, ainda que a actividade seja a mesma.
Cabendo a uma das partes determinar o objecto da prestação só se poderá recorrer à
compensação se a escolha implicar prestações de coisas fungíveis homogéneas para ambos os créditos.
O requisito da homogeneidade é corolário do princípio de que ninguém pode receber uma coisa diversa
da devida.
Mas já não é necessário que a quantidade das coisas objecto das prestações seja idêntica. O facto
de as dívidas não serem de igual montante determina apenas que a compensação seja parcial em relação
à dívida de montante superior (art. 847º/2). É principalmente para a hipótese de desigualdade do
montante, e de ser maior o crédito invocado pelo compensante, que ainda hoje aponta o art. 274ºº/2, b)
CPC, ao declarar admissível a reconvenção, quando o réu se propõe obter a compensação.
Por outro lado, o facto de ainda não estar determinada a quantidade devida não impede que se
opere imediatamente a compensação (art. 847º/3), averiguando-se posteriormente o montante em que ela
ocorreu.
A lei refere ainda que a diversidade de lugares do cumprimento não constitui, em regra,
obstáculo à compensação, ainda que o declarante seja obrigado a reparar os danos sofridos pela outra
DIOGO CASQUEIRO 30
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parte, em consequência de esta não receber o seu crédito ou não cumprir a sua obrigação no lugar
determinado – art. 852º.
Também o declaratário tem que ser titular de um crédito válido, sem o que o compensante nunca
poderia operar, já que o declarante nem sequer seria devedor. Esse crédito do declaratário tem que estar
na situação de poder ser cumprido pelo devedor. Não pode assim o declarante pretender compensar uma
dívida sua ainda não vencida, se o prazo tiver sido estabelecida em beneficio do credor.
Já não constitui pressuposto da compensação que o declaratário esteja em condições de poder
exigir judicialmente o cumprimento, pelo que nada impede o declarante de compensar dívidas ainda não
vencidas, se o prazo correr em seu benefício. Pode igualmente o declarante utilizar a compensação para
extinguir dívidas naturais suas com créditos civis que tenha sobre o declaratário, uma vez que em relação
a elas se verifica a possibilidade de cumprimento, ao qual a lei atribui causa jurídica quando
espontaneamente realizado (art. 403º).
Resulta de a lei reprimir este tipo de comportamentos e retirar os benefícios que deles poderiam
resultar. No entanto, nada impede que o lesado venha invocar a compensação para extinguir a sua dívida.
Se ambos os créditos respeitarem a factos ilícitos culposos, nenhum dos titulares poderá invocar a
compensação.
Tal situação justifica-se por situações humanitárias. Se um crédito não pode ser penhorado,
como o crédito de alimentos, tal deve-se à especial importância que a sua prestação tem para o credor
para efeitos da sua própria subsistência.
A razão para esta solução reside essencialmente nas dificuldades que a compensação poderia
provocar na contabilidade pública.
DIOGO CASQUEIRO 31
Faculdade de Direito da UCP
Não pode neste caso efectuar-se a compensação com prejuízo dos direitos de terceiro,
constituídos antes dos créditos se tornarem compensáveis – art. 853º/2. Se o crédito tiver sido arrestado,
penhorado..., a compensação lesaria o terceiro que tinha adquirido aquele direito sobre o crédito. A
mesma solução vigora em caso de insolvência do devedor, caso em que a compensação só pode ser
decretada se os seus pressuposto legais se tiverem preenchido antes da declaração de insolvência (art.
99º/4 CIRE), sendo ainda vedada se: a) a dívida à massa se tiver constituído após a declaração de
insolvência; b) o credor da insolvência tiver adquirido o seu crédito de outrem, após a data da declaração
de insolvência; c) respeitar a dívidas do insolvente, pelas quais a massa não seja responsável; d) entre
dívidas à massa e créditos subordinados sobre a insolvência (art. 99º/4 CIRE).
A renúncia, que pode ser expressa ou tácita (art. 217º), impede igualmente a possibilidade de
ela ser declarada. No âmbito das ccg’s, é, no entanto, proibida a exclusão da faculdade de compensação,
quando legalmente admitida – art. 18º, h) LCCG.
Regime da compensação
DIOGO CASQUEIRO 32
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855º/1 –, vigorando na ausência de escolha as regras relativas à imputação do cumprimento dos art. 784º
e 785º (art. 855º/2). A outra parte não terá assim a possibilidade de manifestar oposição à escolha, salvo
se esta se referir a uma dívida de capital, quando ainda existam juros, despesas ou indemnização, uma
vez que a norma do art. 785º/2, que determina que, neste caso, a imputação só se pode realizar com o
consentimento do credor, deve ser igualmente extensiva à compensação.
O art. 855º reconhece o direito de escolha ao compensante, por analogia com o regime do art.
783º, para o lugar paralelo do cumprimento. Mas já não atribui o direito de oposição à contraparte por
não haver razões suficientemente fortes para tolher a liberdade de iniciativa do compensante.
Convenção contratual
Tem vindo a ser admitida, com base no princípio da liberdade contratual, a compensação
convencional. Consiste esta na compensação que, em lugar de ocorrer através de uma declaração
unilateral, resulta de um acordo celebrado entre as partes. Assim, as partes já não estarão sujeitas à maior
parte dos pressupostos e limites estabelecidos para a compensação legal.
Apenas se exigirá que ambas as partes disponham de créditos que pretendam extinguir através
do contrato. Também se admite a compensação convencional, mesmo que se trate de factos ilícitos
culposos, do Estado e demais pessoas colectivas públicas, ou créditos em que tenha havido renúncia à
compensação. Já não se admitirá, porém, a compensação de créditos impenhoráveis (art. 853º, b)) ou de
créditos cuja compensação envolva prejuízo para direitos de terceiros.
5. Novação19
Noção
Consiste na convenção pela qual as partes extinguem uma obrigação, mediante a criação de uma
nova, em lugar dela.
A substituição pode dar-se entre os mesmos sujeitos ou envolver uma alteração dos mesmos.
Na primeira variante (novação objectiva: art. 857º), tanto pode haver uma substituição do objecto
(dinheiro em vez de um carro), como uma simples mudança da causa ou fonte da mesma prestação.
A segunda variante (novação subjectiva: art. 858º), tanto pode envolver, por seu turno, a
vinculação do devedor perante um novo credor, como traduzir-se na substituição do obrigado, exonerado
pelo credor, por um novo devedor.
Essencial em qualquer dos casos é que os interessados queiram expressamente extingui a
obrigação primitiva por meio da contracção de uma nova obrigação. Se a ideia das partes é a de manter
a obrigação, alterando apenas um ou uns dos seus elementos, não há novação, mas simples modificação
ou alteração da obrigação.
19 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 229 e
ss; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 211 e ss;
DIOGO CASQUEIRO 33
Faculdade de Direito da UCP
Figuras próximas
A novação não se confunde com a dação em cumprimento. Nesta, a obrigação extingue-se por
virtude da prestação diferente da devida, sem que haja contracção de uma nova obrigação.
Quando a prestação diferente da devida, que o obrigado efectuou com o assentimento do credor,
consista na contracção de uma nova obrigação, há sim dação pro solvendo. E esta não se confunde com
a novação porque não envolve a extinção da obrigação, mas apenas a criação de um novo titulo ao lado
dela, destinado a facilitar a satisfação do crédito.
Quando, porém, a tal prestação diferente realizada pelo devedor consista na atribuição de um
novo crédito ao credor e essa atribuição vise extingui a primitiva haverá simultaneamente novação e
datio in solutum.
Mais difícil de distinguir da novação é a simples modificação da obrigação, e para o efeito
releva a vontade das partes, pois a substituição da obrigação importa a eliminação das garantias e
acessórios, enquanto que a simples modificação as mantém.
Se a alteração resultante da convenção se reflecte apenas em elementos acessórios nenhumas
duvidas se levantarão acerca da persistência da obrigação e da manutenção dos elementos não alterados.
Já quando a alteração atinja os elementos essenciais (objecto, causa e sujeitos), estaremos perante uma
novação, em principio.
Mas pode suceder que a alteração do próprio objecto não traduza a intenção de substituir a
obrigação (se a sociedade de investimentos turísticos, que prometeu vender dois apartamentos no 3º
andar, direito, ao cliente, acordar com este na substituição deles por dois iguais no 2º andar ou no 3º
esquerdo não haverá intenção de novar).
Mas, se o objecto de alteração introduzida pelas partes não constitui um índice seguro da
intenção de novar, como fazer a distinção? VAZ SERRA considera que será licito presumir que houve
intenção de novar, quando a relação obrigacional se apresente economicamente como uma relação por
completo diferente da que existia.
ANTUNES VARELA, considerando este um critério impreciso prefere aquele que procura
directamente o aliquid novi da vontade dos contraentes. O que importa saber é se as partes quiseram ou
não extinguir a obrigação, designadamente as suas garantias ou acessórios. E é nesse sentido que os arts.
859º e 840º encaminham a resolução das dúvidas que as várias espécies concretas possam suscitar ao
intérprete.
Interesse legislativo
Hoje em dia, trata-se designadamente das questões de saber: 1) em que termos pode ser feita a
prova da intenção de substituir a obrigação; 2) se a novação funciona como um negocio causal ou
abstracto; 3) que efeitos tem sobre a antiga obrigação, garantias e acessórios, a invalidade da nova
obrigação; 4) se podem ser mantidas com a novação as garantias do antigo crédito; 5) em que termos são
oponíveis à nova obrigação os meios de defesa que procediam contra a antiga. A estas questões procuram
dar resposta os artigos 859º e ss.
Regime
DIOGO CASQUEIRO 34
Faculdade de Direito da UCP
O art. 859º estipula que a vontade de contrair a nova obrigação deve ser expressamente
manifestada. A exigência reporta-se menos à vontade de contrair a obrigação do que à ideia de que esta
substitui a antiga. É sobretudo a vontade de substituir a antiga obrigação que há de resultar de declaração
expressa.
A opção deliberada pela fórmula do artigo revela que só haverá novação quando as partes
tenham directamente manifestado a vontade de substituir a antiga obrigação pela criação de uma outra
em seu lugar (art. 217º/1). Não bastam os simples factos concludentes em que as declarações tácitas se
apoiam.
Neste caso, renasce naturalmente a obrigação primitiva (art. 860º/2), visto caducar a causa da
sua extinção. O renascimento da obrigação pode afectar interesses de terceiros que, garantindo o
cumprimento, houvessem contado com a extinção das garantias.
Daí que, sendo a causa de invalidade imputável ao credor, não renasçam as garantias prestadas
por terceiro, salvo se este conhecesse o vicio na altura em que se operou a novação.
Tendo a constituição de novo vinculo por fim a extinção da primitiva, com esta caducarão as
20E se a obrigação primitiva for uma obrigação natural, poderá ser validamente substituída por uma civil? Não pode
porque repugna qualquer forma de coerção sobre o devedor.
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garantias de terceiro ou do devedor21 ou resultantes da própria lei (art. 861º).
Quanto a terceiros não pode aceitar-se que a garantia se transfira para a nova divida sem o
consentimento de quem a prestou.
Quanto às que o devedor prestou não se presume a sua manutenção, desde que assente a intenção
de novar. As garantias legais estão ligadas à natureza da primitiva; extinta tal obrigação com ela caducam.
Pode excepcionalmente suceder as partes pretenderem manter as garantias anteriores desde que
subordinem essa possibilidade à observância de dois requisitos: a) a de ser expressa a reserva das
garantias; b) haver consentimento de terceiro, sempre que afectado.
A necessidade de reserva expressa aplica-se tanto às garantias prestadas pelo antigo ou novo
devedor, como às constituídas por outra pessoa, não bastando o simples consentimento desta.
Nada impede que a reserva seja feita logo no documento constitutivo da primitiva obrigação ou
da própria garantia. Essencial, como resulta dos arts. 861º/1 e 2, é que haja reserva expressa.
A novação convencionada com um dos devedores solidários libera todos os outros devedores
(art. 523º), tal como acontece em relação aos demais credores quando a solidariedade seja activa (art.
532º).
O art. 862º estipula que o novo crédito determina a extinção dos meios de defesa da primitiva,
excepto convenção em contrário.
6. Remissão22
Noção
A principal questão que houve necessidade de examinar foi a de saber se a remissão devia ser
tratada como um contrato ou como um negocio unilateral.
VAZ SERRA, propôs uma solução híbrida, segundo a qual a remissão poderia ser feita por
contrato, e também (quando fosse gratuita) mediante declaração unilateral do credor, embora o efeito
extintivo da renúncia pudesse ser destruído nesse caso pela declaração de recusa do devedor.
A partir da 2ª revisão ministerial, outra foi a tese que prevaleceu e veio a ser consagrada na
redacção definitiva do art. 863º.
Aceitou-se a ideia básica de que, constituindo a renúncia do credor uma forma de
enriquecimento patrimonial do devedor, que se liberta da obrigação que onerava o seu património, ela
não pode ser imposta ao titular passivo da relação creditória.
21 Idêntica solução se consagrou para os arts. 766º (cumprimento), 839º (dação), 856º/3 (remissão) e 873º/2
(confusão).
22 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 242 e
ss; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 219 e ss;
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Em lugar de se dar expressão a esta ideia através da possibilidade de recusa do beneficio,
julgou-se mais conveniente construir com ela o principio da contratualidade.
A remissão necessita de revestir a forma de contrato.
Não basta a declaração abdicativa ou renunciativa do credor. Esse efeito só resulta do acordo
entre os dois titulares da relação creditícia, ainda que a lei seja especialmente aberta à prova da aceitação
do devedor (art. 234º).
É na ideia de que oobrigado não deve ser beneficiado se não o quiser que se funda a solução da
essencialidade do consentimento do devedor para o enriquecimento imediatamente criado no seu
património com a liberação do débito.
Não se pode omitir nem subestimar a possibilidade de o real ou aparente devedor pretender
afirmar a inexistência da divida e obter a declaração judicial do facto.
Art. 863º - a lei pretendeu afastar as duvidas que forçosamente levantaria a determinação do
prazo razoável dentro do qual a recusa do devedor poderia neutralizar a renuncia do credor e pretendeu
evitar a incerteza que durante esse período poderia recair sobre a eficácia definitiva da abdicação do
direito.
O preceito excepcional da contratualidade da remissão assenta sobre um postulado ético-
jurídico em tudo semelhante ao que enforma o disposto no art. 762º/2.
Como titular dum direito subjectivo, o credor pode exigir ou não a realização da prestação
debitória, pode reclama-la na totalidade ou apenas em parte, art.762º/3.
Porém, a obrigação é mais do que um direito de crédito. A obrigação é uma relação complexa.
A extinção do vinculo obrigacional por meio da remissão não envolve apenas uma perda definitiva do
poder de exigir, implica do mesmo modo um enriquecimento do devedor, traduzido na supressão de um
elemento negativo.
E não deve colocar-se a produção desse efeito na exclusiva dependência da vontade soberana
do credor.
Não se coadunaria, portanto, com a moderna concepção de relação obrigacional a tese da
unilateralidade da remissão.
O facto de a remissão ter de ser considerada como um negocio bilateral, não impede que se
reconheça o papel preponderante do credor, no caso da remissão a titulo gratuito.
Nesse aspecto, pode dizer-se que a remissão é, no seu cerne, uma renúncia ao direito do crédito.
Diferentemente de ANTUNES VARELA, MENEZES LEITÃO e JOÃO TIAGO ANTUNES,
consideram que a regra geral é os direitos extinguirem-se por acto unilateral e, se no caso do direito de
crédito se justifica tomar em consideração a posição do devedor, até por força do invito beneficium non
datur, não se vê, porém, razão para a exigência do contrato, bastando atribuir-lhe a possibilidade de
rejeitar o beneficio, à semelhança do que sucede no contrato a favor de terceiro (art. 447º/1). Na grande
maioria dos casos o credor não espera resposta à declaração de perdão da divida, nem o devedor vê
necessidade de a ela responder, o que pode tornar problemática a verificação do contrato, exigido pelo
art. 863º/1.
Figuras próximas
DIOGO CASQUEIRO 37
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Efeitos da remissão
A remissão tem como efeito imediato a perda definitiva do crédito e a liberação do débito.
Uma vez extinta a obrigação, com ela se extinguem os acessórios e garantias, pessoais ou reais,
sem necessidade da intervenção de terceiros que as tenham prestado.
É nesse sentido que cumpre interpretar o texto do nº1 do art. 866º.
A divida extinguir-se-á também por completo quando, sendo a obrigação solidária ou
indivisível, e sendo vários os devedores ou credores, houver remissão de todos os credores, com a
participação de todos os devedores.
No caso das obrigações plurais não conjuntas ou parciárias, quando a remissão tenha sido
pactuada apenas com um ou alguns dos devedores ou dos credores e, na hipótese de a remissão se referir
directamente apenas à obrigação acessória de um ou de alguns fiadores.
Quando sejam vários os obrigados principais, numa obrigação solidária (art.864º/1 e 2) ou numa
obrigação indivisível (art. 865º/1), e a remissão se não refira a toda a divida, mas apenas a um dos
DIOGO CASQUEIRO 38
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devedores, os seus efeitos só aproveitarão ao beneficiário.
Dir-se-á que a remissão concedida ao devedor solidário faz que ele fique liberado perante o
credor.
Os outros condevedores ficarão desonerados apenas na parte relativa ao devedor exonerado. Se,
porém, o credor se reservar o direito de os demandar pela totalidade da prestação, também eles, nessa
altura, conservarão o seu direito de regresso contra o devedor desonerado.
No caso de solidariedade activa, diz-se no nº3 do art. 864º, que “a remissão concedida por um
dos credores solidários exonera o devedor para com os restantes credores, mas somente na parte que
respeita ao credor remitente”.
No caso da fiança, os reflexos da remissão assumem um aspecto diferente. Da remissão da
divida acessória ou de qualquer outra garantia não pode concluir-se a intenção de remitir a divida
principal.
Sendo um só o fiador, a remissão que lhe for concedida pelo credor não aproveita, em principio,
ao devedor.
Art. 867º - amplia esta doutrina a todas as garantias
No caso de haver mais que um devedor e tendo sido a remissão concedida a um deles apenas,
este ficará completamente desonerado, enquanto aos outros a remissão aproveita apenas na parte
correspondente ao fiador desonerado. Na hipótese de a remissão ser feita a um só, mas com o
assentimento de todos os restantes, estes responderão, em principio, pela totalidade da divida.
Quando a remissão sofrer de vícios que importem a sua nulidade ou anulação, a consequência
normal de uma ou outra será o renascimento do crédito, com todos os acessórios e garatrntias que
asseguravam o seu cumprimento.
Só assim não sucederá, quando a nulidade ou a anulação proceda de facto imputável ao credor.
Neste caso, operar-se-á do mesmo modo o renascimento do débito. O que ja não renasce são as garantias
prestadas por terceiro.
O regime da nulidade e da anulação implicitamente consagrados no art. 866º/3, conjugado com
o art. 863º/2, mostra que a remissão é tratada como um negocio causal.
Integrando a remissão feita animo donandi, na figura da doação, e sujeitando-a ao regime desta,
a lei considera a validade dela dependente dos vícios que afectem a sua causa.
Se a remissão for feita, por espírito de liberalidade, a uma pessoa inábil para receber por doação
(953º), a remissão renascerá por inteiro e não apenas nos limites mitigados do enriquecimento sem causa.
7. Confusão23
23 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 258 e
ss; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 225 e ss;
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Pressupostos da confusão
Previsto no art. 871º/1. A confusão justifica-se por não haver necessidade jurídica de manter a
obrigação, como instrumento de colaboração inter-subjectiva, a partir do momento em que se verifica a
reunião das posições do credor e do devedor na mesma pessoa. Porém, se o vínculo obrigacional se
encontrar igualmente a funcionar em benefício do terceiro (como na hipótese da existência de usufruto
ou penhor sobre o crédito), esse vínculo subsiste, na justa medida em que o justifique o interesse do
usufrutuário ou do credor pignoratício (art. 871º/2).
Resulta assim, da análise conjunta dos três requisitos, que, quanto à eficácia extintiva da
confusão, podemos ter por assente:
Que não é uma necessidade absoluta – negaria a própria confusão; e a obrigação pode-se manter;
Que não se limita a paralisar a acção que serve de tutela ao direito do credor – art. 868º –,
extinguindo de facto a relação creditória;
Que também não é causa necessária de extinção do crédito – não explica o art. 872º;
Que a sua explicação assenta de a confusão tornar o vínculo obrigacional descabido; mas apenas
em princípio, cabendo a análise das situações à lei e não a uma teoria geral da figura extintiva;
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Regime
A confusão vem a produzir a extinção da obrigação, uma vez que não se justifica manter a
adstrição à realização da prestação a partir do momento em que as qualidades de credor e devedor
consistem na mesma pessoa. A extinção da obrigação por confusão vem extinguir todos os acessórios do
crédito (sinal, cláusula penal...), bem como de todas as garantias que asseguravam o seu cumprimento,
designadamente a fiança (art. 651º), a consignação de rendimentos (art. 664º), o penhor (art. 677º), a
hipoteca (art. 730º, a)), o privilégio (art. 752º) e o direito de retenção (art. 761º), quer tenham sido
prestadas pelo devedor, quer por terceiro.
A lei admite, contudo, a hipótese de a confusão se desfazer, determinando que neste caso
renasce a obrigação com os seus acessórios, mesmo em relação a terceiros, quando o facto que a destrói
seja anterior à própria confusão (art. 873º/1)24. Relativamente às garantias prestadas por terceiros, no
entanto, e por razões de tutela da confiança destes, a extinção destas mantém-se no caso da confusão se
desfizer por causa imputável ao credor, salvo se o a garante conhecia o vício à data do conhecimento da
confusão (art. 873º/2). Se a causa da cessação da confusão é posterior ao momento em que esta se
verificou (venda da herança, por exemplo), a obrigação extinta não renasce, em princípio. E não
renascem, sobretudo, as garantias de terceiros.
Pluralidade de partes
24 Se o facto não fosse anterior a ela, não haveria confusão. O que sucede é que um facto posterior à confusão pode
ter eficácia retroactiva como sucede com a nulidade do negócio (289º), fazendo renascer a obrigação.
25 Se A, B e C deviam solidariamente 900€ a D, e este assume a dívida de C, estando os devedores obrigados em
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àquele credor (art. 870º/2 e 865º/2).
Confusão imprópria
Diferentes da confusão são os casos de reunião na mesma pessoa, por facto superveniente, das
qualidades de garante e sujeito da obrigação, casos que se denominam de confusão imprópria. Duas
dessas situações estão tipificadas no art. 871º/3 e 4.
A primeira é a de na mesma pessoa se reuniram as qualidades de devedor e fiador: faltando uma
pessoa para assegurar o cumprimento, e não sendo um caso de confusão, a consequência é a extinção da
fiança (art. 871º/3). Mas há casos em que, anulada a obrigação principal, se mantém a fiança (art. 632º/2).
Quando assim seja, o credor poderá ter interesse na subsistência da fiança, se o fiador suceder na posição
do principal obrigado (art. 871º/3, in fine).
Na segunda hipótese, a junção das qualidades de credor e de dono da coisa hipotecada ou
empenhada terá como efeito normal a extinção da garantia real. O dono da coisa dera-a como garantia
ao crédito de terceiro. Se este crédito lhe vier a ser cedido, a garantia deixa de ter qualquer interesse para
ele e, por isso, extinguir-se-á. Pode suceder que sobre o prédio objecto da garantia recaia mais de uma
hipoteca, que o crédito cedido ao dono do prédio esteja graduado à frente de outros créditos e que ele
tenha, por conseguinte, um interesse na manutenção da garantia para poder negociar o crédito. Como a
manutenção da garantia não prejudica, em tais situações, nenhuma expectativa legítima dos outros
credores, o art. 871º/4 não se opõe à pretensão do dono do negócio.
Obrigações conjuntas
Dizem-se conjuntas as obrigações plurais cuja prestação é fixada globalmente, mas em que a
cada um dos sujeitos compete apenas uma parte do débito ou crédito comum.
As prestações dos devedores ou dos credores conjuntos resultam ao fraccionamento ou
parcelamento da prestação global, na qual tendem a integrar-se de novo, logo que cesse a causa da sua
divisão.
26 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2008, pp. 748 e
ss; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. I, 7ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 166 e ss; ALMEIDA
COSTA, Direito das Obrigações, 11ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2008, pp. 661 e ss.
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A conjunção tanto pode ser originária como superveniente; e pode cessar, quer num, quer noutro
caso, mediante a reunião na titularidade da mesma pessoa dos vínculos em que a obrigação se
desmembrou.
Sendo a obrigação plural, a conjunção constitui o regime regra, visto a solidariedade, passiva e
activa, só existir quando determinada por lei ou convenção dos interessados (art. 513º).
Regime
Obrigações solidárias
O nexo existente entre as obrigações solidárias não procede apenas da fixação global da
prestação; estende-se ao próprio nexo que liga os vínculos obrigacionais.
A obrigação diz-se solidária, pelo lado passivo, quando o credor pode exigir a prestação
integral de qualquer dos devedores e a prestação efectuada por um destes os libera a todos perante o
credor (art. 512º/1). Sobressaem duas notas típicas: (1) o dever de prestação integral, que recai sobre
cada um dos devedores; (2) o efeito extintivo recíproco da satisfação dada por qualquer deles ao direito
do credor.
Se algum dos devedores for insolvente, quem sofre no caso o prejuízo daí resultante não é o
credor, mas os restantes devedores, de cada um dos quais aquele continua a poder exigir a prestação
integral.
Na solidariedade activa, qualquer dos credores tem a faculdade de exigir do devedor a
prestação por inteiro, e a prestação efectuada pelo devedor a qualquer deles libera-o em face de todos
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os credores. Também duas notas típicas se apontam: (1) o direito à prestação integral, por qualquer
credor; (2) o efeito extintivo, comum a todos os credores, da satisfação dada ao direito de qualquer deles.
Os aspectos focados retratam o regime nas relações externas. No plano das relações internas,
cada um dos obrigados deve apenas a quota ou a parte da prestação que lhe compete, mas este é já um
traço secundário, já que as partes podem não ser iguais ou que toda a prestação deva recair sobre um só
(art. 516º).
Quando, sendo vários os devedores, a lei ou as partes quiserem, não só facilitar a exigência do
27
crédito , mas acautelar sobretudo o credor contra o risco da insolvência de um dos devedores, o meio
naturalmente indicado é a solidariedade passiva. É o que a lei faz, por exemplo, na responsabilidade
extracontratual – arts. 497º e 507º.
Nas obrigações comerciais, onde a solidariedade passiva constitui o regime regra, pode ainda
dizer-se que, enquanto aumenta a segurança do credor, a solidariedade pode beneficiar os próprios
devedores, a quem facilita a obtenção do crédito
São menos nítidas as vantagens da solidariedade activa, que inclusivamente lança sobre os
vários credores o risco proveniente da insolvência do que receba a prestação. Facilita, no entanto, aos
credores a exigência da prestação, diminuindo o risco de a obrigação prescrever por falta de interpelação
do credor ao devedor; e pode aproveitar ao próprio devedor, a quem faculta a escolha do credor, junto
do qual a realização se torne mais vantajosa. É pouco frequente na prática, a solidariedade activa, a não
ser em certas operações bancárias, onde, aliás, não tem o banco a faculdade de cumprir junto do credor
que lhe aprouver, mas se impõe o dever de cumprir àquele que exigir a prestação. O regime concebe-se
útil nos casos em que, havendo confiança mútua entre os credores, se preveja a dificuldade em obter a
intervenção de todos eles para obter a prestação. Porém, mesmo nestes casos, o meio que mais vezes
ocorrerá aos interessados será o da procuração a um dos concredores, a qual é livremente revogável.
2. Pressupostos da solidariedade
27 Nas obrigações conjuntas, o credor terá de interpelar todos os devedores para evitar que alguma parte do seu
crédito, pelo menos, possa vir a prescrever; na obrigação solidária, enquanto a obrigação não prescrever em relação
a todos os devedores, o credor poderá sempre exigi-la, na íntegra, de um ou todos eles.
Quando se trate de exigir judicialmente o cumprimento da obrigação, também o credor pode demandar apenas um
ou alguns dos devedores solidários, embora possa, por vezes, ter interesse em demandá-los a todos.
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A solidariedade pressupõe o direito de exigir toda a prestação de qualquer dos devedores
(solidariedade passiva) ou o direito a toda a prestação por qualquer dos credores (solidariedade activa).
Não basta (art. 512º) o dever da prestação integral ou o direito à prestação integral para que haja
solidariedade. E isto porque é necessário o efeito extintivo recíproco ou comum. Quando o cumprimento
por parte de um dos devedores não libera os demais, as obrigações são cumulativas.
Estes dois pressupostos são indiscutíveis. Todos os demais são objectos de dúvidas, até porque
não são precisos os limites do domínio das obrigações solidárias.
A própria lei (art. 512º) define a obrigação solidária por referência aos dois pressupostos
enunciados, aceitando, pois, uma noção ampla de solidariedade. Mas o regime que consta das disposições
subsequentes (arts. 524º, 526, 533º, 864º...) apenas se adapta, na íntegra, aos casos a que a doutrina chama
de solidariedade perfeita. Ao lado destes, outros casos há (de solidariedade imperfeita) que, embora
caibam no amplo perímetro definido no art. 512º, têm um regime diferente daquele prescrito pela lei.
Mas saber se o conceito de solidariedade deve ser o amplo do art. 512º, ou o restrito, é questão
secundária. Essencial é não ignorar o regime das várias situações possíveis, saltando sobre os desvios
que deve sofrer cada um dos casos de solidariedade imperfeita, face ao recorte normal.
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No entanto, em qualquer destes casos só há verdadeira solidariedade em relação à parte comum
da responsabilidade. Só essa parte comum corresponde à prestação integral por que responde cada um
dos condevedores, nos termos do nº 1 do art. 512º 28.
Neste sentido, pode realmente considerar-se requisito essencial da solidariedade a identidade da
prestação, visto só haver a obrigação solidária relativamente à prestação, por que responde qualquer um
dos devedores ou que qualquer dos credores pode exigir por si só.
Em sentido diferente, VAZ SERRA, secundado por ALMEIDA COSTA, segundo o qual há
obrigação solidária, quando A fica a dever um objecto e B outro diferente, de modo que o credor tenha
direito àquele ou a este, extinguindo-se a obrigação de um dos devedores com a prestação do outro.
Esta qualificação, porém, no entender do Prof. ANTUNES VARELA, que aqui secundamos, não
corresponde à noção de solidariedade dada no art. 512º/1. Trata-se de obrigações alternativas, tanto
subjectiva como objectivamente, a cujo regime só por analogia poderão ser aplicáveis os preceitos
próprios da solidariedade. Tão pouco parece aceitável entre nós a tese dos autores alemães que
consideram apenas essencial à solidariedade, a identidade do interesse da prestação para o credor: seriam
assim solidárias a obrigação do empreiteiro de reparar o defeito da obra e a obrigação do arquitecto de
indemnizar o dano causado pelo mesmo defeito de que ele seja co-responsável.
28 No plano das relações internas já nada obsta a que seja diferente a prestação a que cada um dos
condevedores se encontra obrigado: que um responda, v.g., por um sexto, outro por dois sextos e o terceiro por
metade da prestação integral. E nada impede mesmo que nesse domínio toda a prestação recaia sobre um só dos
devedores ou aproveite a um dos credores apenas.
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Alguns dos autores que afastam a identidade da prestação e a identidade da causa, consideram
a comunhão de fins das várias prestações como um sinal característico da obrigação solidária.
Há, na verdade, entre as obrigações que têm por objecto a mesma prestação, muitos casos que
não correspondem ao sentido normal da solidariedade, apesar de, tal como sucede nas obrigações
solidárias, o credor ter a faculdade de exigir de qualquer dos devedores a prestação integral. A questão
tem sido debatida principalmente à volta de situações do tipo seguinte: um operário é atropelado em
serviço, podendo exigir a indemnização pelos danos que sofreu, quer ao condutor do veiculo, quer à
entidade patronal a título de acidente de trabalho.
Em alguns destes casos não haveria solidariedade, no entender de alguns autores, por não existir
comunhão de fins entre as obrigações reunidas na titularidade do mesmo individuo.
O que a moderna doutrina alemã vem afirmar é que à solidariedade não basta a comunhão de
fim das obrigações, embora ela seja necessária; a essa comunhão há-de ainda acrescer o facto de os
devedores, no sentido de acordo ou da regulamentação legal, estarem obrigados no mesmo grau, por
forma que a prestação de um aproveite a dos outros em face do credor.
A razão está do lado da mais recente doutrina.
Haverá coincidência de fins, mas não comunhão de fins. Quando, exista a comunhão de fins a
unir as obrigações, ou seja, colaboração dos devedores ao serviço do mesmo interesse do credor, há
solidariedade; quando, pelo contrário, não há comunhão de fim, mas simples coincidência de fins das
prestações, assente numa disjunção ou num escalonamento sucessivo das obrigações, falta a
solidariedade, embora alguns preceitos das obrigações solidárias possam ser aplicados, por analogia, ao
tratamento jurídico de tais situações.
3. Fontes da solidariedade
Art. 513º – a solidariedade entre devedores ou entre credores constitui um regime excepcional,
apenas podendo resultar directamente da lei (solidariedade legal) ou da vontade das partes
(solidariedade convencional). Para a estipulação dela, na falta de forma especial, rege o princípio do
consensualismo (art. 217º e 219º).
Tem a solidariedade um vasto campo de actuação: responsabilidade civil (art. 497º/1 e 507º/1 e
2), pluralidade de gestores (art. 467º), pluralidade de fiadores (art. 649º/1), responsabilidade dos sócios
das sociedades civis pelas dívidas sociais (art. 997º), dos comodatários (art. 1139º e 1135º), dos
mandantes (art. 1169º), dos cônjuges (art. 1695º).
I) Direito do credor
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O credor tem o direito de exigir toda a prestação de qualquer dos devedores, podendo fazê-lo
judicial ou extrajudicialmente. Como, porém, se trata de uma faculdade estabelecida no seu interesse, o
credor pode, prescindindo do benefício, exigir de qualquer dos obrigados uma parte apenas da prestação.
Assim, se o credor tiver demandado apenas um dos devedores e tiver obtido sentença favorável,
terá de seguir com a execução, antes de se poder dirigir aos condevedores; poderá, porém, demandar
estes, pelo que tiver exigido ao primeiro, se houver insolvência ou risco desta.
Embora o credor, prescindindo da faculdade de reclamar de um dos devedores a prestação
integral, possa exigir de um dos devedores uma parte apenas, o interpelado pode, querendo, realizar a
prestação por inteiro (art. 763º/2), incorrendo o credor em mora se a não aceitar (art. 841º/1 e 813º),
sendo que esta aproveita a todos os devedores (art. 523º).
Sendo demandado por toda a prestação, o devedor tem a faculdade de chamar todos os outros à
demanda, para com ele se defenderem e para se munir do título executivo, capaz de lhe assegurar e
facilitar a realização do direito de regresso contra os condevedores.
Qualquer deles pode cumprir, desde que o faça por inteiro. Se algum, por erro, o fizer depois de
outro já ter cumprido, poderá exigir do credor a repetição do indevido; se ambos o fizerem na mesma
data, a solução mais criteriosa será a de conceder a cada um deles o direito de repetição quanto a metade.
O devedor que cumprir deve, porém, de acordo com a boa fé (art. 762º/2), avisar os outros.
Os direitos do credor valem para o credor inicial como para o credor que tenha sido sub-rogado
nos seus direitos (art. 589º e ss): fiador ou terceiro garante.
O ponto de partida é dado pelo art. 514º, segundo o qual o devedor solidário demandado pode
defender-se por todos os meios que pessoalmente lhe competem ou aqueles que são comuns a todos os
condevedores. Os comuns podem referir-se à fonte da obrigação, ao funcionamento ou a outro facto que,
pela sua natureza, respeita todos os devedores: nulidade (arts. 220º e 280º), anulabilidade por usúria (art.
292º), excepção de não-cumprimento (art. 428º), resolução, não verificação do termo ou da condição, a
satisfação do crédito, a mora credendi, a impossibilidade da prestação superveniente, incapacidade do
credor...
Os meios pessoais são os factos que se referem só a um dos devedores, só por ele podendo ser
invocados. Estes meios pessoais variam:
a. Uns só podem ser opostos pelo devedor a quem se referem mas aproveitam a todos os
devedores: compensação (art. 848º/1), que é oponível ao credor por todos os devedores (art. 523º);
b. Outros, invocados só por ele, só aproveitam a ele e prejudicam os outros condevedores:
incapacidade do devedor, anulabilidade, não verificação da condição ou termo de um só devedor;
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c. Outros só podem ser invocados pelo devedor a quem respeitam, mas não prejudicam
os outros condevedores, embora também não lhes aproveitem: podem exercer o direito de regresso:
prescrição (art. 521º) e remissão.
O crédito pode ser satisfeito por qualquer forma já estudada (cumprimento, dação,
compensação, novação...), extinguindo-se a obrigação em relação a todos os condevedores – art. 523º.
Satisfeito o interesse do credor, deixam de ter razão de ser as várias pretensões simples em que
ela se desdobra.
Quanto à compensação há que conjugar a lição do art. 523º com o disposto do art. 848º. Na falta
de declaração do credor, só o devedor que disponha dum crédito seu contra este poderá declarar a
compensação.
Quanto aos casos especiais da confusão e remissão, para as respectivas matérias se remete, pois
foi aí tratado este assunto.
Relativamente à prescrição, o regime do art. 521º estabelece que a prescrição corre
autonomamente para cada devedor. Se prescrever em relação a todos, cada um pode invocá-la em seu
proveito; se algum cumprir, não pode gozar do direito de regresso contra os outros.
Mas se só tiver prescrito em relação a um ou alguns, e os outros cumprirem, gozarão de direito
de regresso contra aquele cuja obrigação já prescreveu.
A renúncia à solidariedade é outro meio pessoal de defesa (art. 527º). Só não relevará se um
condevedor estiver insolvente.
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Sinal. Por um só devedor, aproveita aos outros, que poderão opor-se ao pedido de indemnização
(art. 442º/3); mas não lhes é oponível.
Direito de regresso. O devedor solidário que houver satisfeito o direito do credor, alem da parte
que lhe competia no débito comum, goza do direito de regresso contra cada um dos condevedores pela
quota rspectiva.
As quotas presumem-se iguais (art. 497º/2, 500º/3 e 507º/2). O direito de regresso vale mesmo
contra aqueles cuja obrigação prescreveu face ao credor e ainda contra aqueles a quem o credor tenha
liberado mediante remissão, mas reservado o seu direito quanto aos outros.
Se algum dos demandos em direito de regresso estiver insolvente a sua quota é repartida por
todos sem excluir o autor do pedido de direito de regresso (art. 526º).
Meios de defesa dos condevedores. Pelo facto de um deles ter cumprido, os outros não perdem
a faculdade de invocar contra ele os meios de defesa que poderiam opor ao credor. Podem assim invocar
os meios de defesa pessoais e os meios comuns, tirando o remissão e a prescrição – art. 525º/1. Não pode
é invocar os meios de defesa pessoais que o titular do direito de regresso tivesse contra o credor.
I) Escolha do credor
Qualquer dos credores pode exigir por si só, toda a prestação devida; e a prestação efectuada a
um deles libera o devedor em face dos demais.
O devedor tem assim a liberdade de escolher o credor a quem há-de fazer a prestação; e mantém-
na, mesmo que a prestação lhe tenha sido extrajudicialmente exigida por algum deles.
Essa liberdade de escolha cessa, contudo, quando o devedor tiver sido accionado por qualquer
dos credores, desde que o direito deste se tenha já vencido (art. 528º/1). A partir do momento da citação
judicial o devedor só pode, em regra, cumprir em face do demandante: princípio da prevenção,
afloramento do brocado prior tempore potior iure.
O critério da prioridade cronológica tem, no entanto, um alcance diferente, consoante a
solidariedade foi ou não estabelecida no interesse do devedor (art. 528º/2). No primeiro caso, ele fica
apenas impedido de entregar aos outros credores a quota que, nas relações internas, competia ao
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demandante; mas conserva a liberdade de efectuar a parte restante da prestação ao outro ou outros
credores. No outro caso, o devedor terá de efectuar toda a prestação ao demandante.
Se, não obstante ter sido citado para a acção, o devedor cumprir perante outro ou outros
credores, não poderá dizer-se que pagou o indevido, e que, com esse fundamento, tenha direito a repetir
a prestação. Mas a prestação efectuada é ineficaz. Por isso, se o demandante, sancionando a atitude do
devedor, prosseguir na acção que instaurou, o mais que o devedor poderá fazer é chamar o accipiens à
autoria, se ainda estiver em tempo de fazê-lo. De contrário, o devedor terá de cumprir perante o
demandante, e exigir, em acção separada, a restituição da prestação efectuada, alegando a falta de
legitimidade do credor para recebê-la.
O princípio da prevenção, para a escolha do credor, vale ainda quanto à escolha que a lei faculte
ao credor entre a exigência da indemnização devida pelo obrigado ou a resolução do contrato bilateral
em que a obrigação solidária se integre (art. 801º/2).
Em lugar de se limitarem à conclusão da acção instaurada por um dos credores contra o devedor,
os outros credores podem ter interesse em intervir, desde logo na causa, recorrendo aos incidentes da
assistência, da oposição ou da intervenção principal, consoante pretendam: a) auxiliá-lo apenas na causa,
por terem interesse jurídico em que a decisão lhe seja favorável; b) opor-se à pretensão do autor, para
impugnarem a sua qualidade de credor ou de credor solidário; c) fazer valer o seu direito, paralelo ao do
autor.
Nestes casos, a decisão proferida fica tendo força de caso julgado em relação a todos os
intervenientes no processo.
Nada impede que, renunciando ao benefício, um dos credores exija só a quota que lhe
corresponda e que o devedor se não possa opor, a não ser que a solidariedade tenha sido estabelecida
também no interesse deste. Os outros credores podem vir a sofrer prejuízo com a liquidação parcial, se
o devedor se tornar entretanto insolvente.
Nem por isso têm direito a qualquer indemnização contra o credor que se cobrou só em parte,
pois que reclamar toda a prestação é um direito mas não um dever deste.
O cumprimento parcial vale em relação aos outros, que já só poderão exigir do solvens a parte
restante.
Também na solidariedade activa são oponíveis a cada um dos credores não só os meios de defesa
comuns, como os que pessoalmente lhe respeitem (art. 514º/2).
Entre os meios comuns contam-se a nulidade do negócio jurídico, a excepção de não
cumprimento, o cumprimento, a dação, a novação, a consignação em depósito ou a compensação.
Entre os meios de defesa pessoais figuram o termo ou a condição relativa a um dos credores, a
incapacidade do credor para receber a prestação, o vício da vontade que atinja só um dos credores.
Mas, na solidariedade activa, se os meios pessoais tiverem já sido invocados contra o credor a
quem respeitam, podem ser opostos aos restantes quanto à quota daquele; e são mesmo oponíveis
directamente as esses credores. De outra forma, haveria um locupletamento dos credores.
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Prescrição
Impossibilidade da prestação
Direito de regresso
O credor cujo direito foi satisfeito tem de satisfazer aos outros a parte que lhes cabe nesse crédito
art. 533º. Cada um dos concredores tem apenas direito de regresso quanto à parte que, por seu turno,
lhe compete nas relações internas.
As partes dos vários credores presumem-se iguais (art. 516º), mas podem não o ser. Ou até pode
apenas um ter direito ao benefício do crédito. Neste caso, pode o credor que recebeu a prestação ter de
entregá-la ao outro, ou fazê-la sua, na totalidade.
as opiniões dos autores divergem bastante quando se trata de precisar o fundamento do direito
de regresso. A posição de cada um deles varia em regra, consoante a ideia que têm da natureza jurídica
da solidariedade.
Assim é que, para justificar o direito de regresso, se tem feito um apelo à relação de mandato, à
gestão de negócios, à fiança, à relação de sociedade e ao enriquecimento sem causa. Algumas destas
concepções não têm, contudo, o menor apoio nas relações consagradas pelo direito positivo.
Assim sucede com a relação de sociedade, visto não haver na solidariedade nenhuma associação
para o exercício comum de qualquer actividade económica; e o mesmo ocorre com a relação de fiança,
a não ser nos casos excepcionais em que, de facto, algum dos devedores se tenha obrigado só com a
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intenção de afiançar o cumprimento dos outros devedores. Fora desses caos, a posição do fiador, como
titular de uma obrigação acessória, mesmo que não goze do benefício da excussão, difere da situação do
devedor solidário.
Uma das teses mais divulgadas é a que filia a solidariedade convencional na relação de mandato,
e a solidariedade legal na gestão de negócios.
A solidariedade criaria entre os devedores um vínculo de mútua representação; quando um deles
efectua a prestação integral, fá-lo-ia como representante dos demais na parte que excede a sua quota e,
por isso, tal como o procurador ou o representante, pode voltar-se contra o seu constituinte para que este
o indemnize. Quando, como na solidariedade legal, se não possa aceitar a tese do mandato tácito e
recíproco dos devedores, teria de considerar-se que o devedor actua com gestor de negócios dos outros,
podendo de seguida exigir deles a sua quota, tal como o gestor se indemniza à custa do dominus negotii.
Mas, na verdade, nenhum dos institutos retrata fielmente a solidariedade.
A leia afastou-se deliberadamente que qualquer ideia preconcebida acerca da solidariedade. São
assim vários os factos que relativos a um dos devedores, cuja eficácia nele se esgota, em lugar de se
estender a todos os demais, como sucede na representação.
Por outro lado, se é certo que o devedor solidário não actua com o animus aliena negocia
gerendi, também é líquido que os efeitos da solidariedade não dependem da circunstância de os actos
praticados pelo devedor corresponderem ou não ao interesse e à vontade (real ou presumível) do dono
do negócio, ao contrário do que sucede na gestão.
Muitos defendem que o direito de regresso teria como fundamento a sub-rogação do devedor,
que cumpre para alem da sua quota, nos direitos do credor; seria assim um terceiro interessado no
cumprimento. Porém, a sub-rogação dar-se-ia apenas na medida da quota de cada unidos devedores, para
prevenir as sucessivas acções de regresso a que de outro modo haveria lugar.
Mas este fundamento também não é correcto: em primeiro, não é exacto que os condevedores
devam ser considerados como terceiros com interesse directo no cumprimento, com o fundamento de
que nem sequer respondem pela mora dos outros devedores nem pela impossibilidade da prestação a que
estes seja imputável. Por outro lado, são devedores e não terceiros; por outro ainda, o seu interesse estará,
quanto muito, em cumprir a quota que compete a cada um.
Em segundo lugar, importa reconhecer que a sub-rogação e direito de regresso são figuras
diferentes. A primeira é uma forma de transmissão do crédito, enquanto o segundo é um crédito novo,
que nem tem o mesmo objecto do direito extinto.
O direito de regresso é, assim, um verdadeiro direito de compensação concedido ex lege ai
condevedor que satisfaz o direito do credor.
As suas raízes provêm do momento da constituição da obrigação solidária.
Embora cada um dos condevedores, em face do credor, para tutela especial dos interesses deste,
fique obrigado ao cumprimento de toda a prestação, também é certo que cada um deles, em regra, se
obriga a concorre com a sua quota parte para a totalidade da prestação.
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Assim se explica que, cumprindo na totalidade, o devedor possa demandar os restantes, e q os
demandados lhe possam opor os meios de defesa que lhes seria lícito oporem ao credor.
Tem sido também bastante controvertida a questão da natureza jurídica da obrigação solidária.
Uns consideravam-na uma só obrigação, com pluralidade de sujeitos, enquanto outros viam nela
uma pluralidade de obrigações, ligadas entre si por certo nexo, nexo esse assente na identidade da
prestação ou na comunhão de fim.
Parece que a segunda tese se adapta melhor que a primeira a certos dados do sistema: a
possibilidade de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias e de ser
diferente o conteúdo das suas prestações.
Esses vínculos estão, contudo, ligados entre si através de um nexo procedente da identidade da
prestação e da comunhão de fim das várias obrigações.
Através do nexo, pretendem os autores explicar a responsabilidade de cada um dos devedores
pela prestação integral, o facto de a prestação efectuada por um deles exonerar todos, a persistência do
direito de regresso contra o devedor cuja dívida havia prescrito ou tinha sido remitida (art. 864º/2) ...
Para justificar os restantes efeitos da solidariedade, recorre-se muitas vezes à ideia do vínculo
de mútua representação ou da fiança mútua entre os vários devedores, enquanto que outros recorrem à
pluralidade de débitos, cada um dos quais reforçado por várias responsabilidades.
Já se referiu o mérito destas teorias.
A primeira modalidade analisa-se na entrega de uma ou varias coisas, tanto móveis como
imóveis. E pode ter o tríplice sentido de um dar, um prestar ou um restituir.
As prestações de dar ou restituir manifestam a característica comum de a coisa ser entregue ao
credor para que esta a retenha como sua.
29 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2008, pp. 801 e
ss e 72 e ss; ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 11ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2008, pp. 681 e ss.
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As obrigações de prestação de coisa podem ter implícitos certos deveres acessórios ou laterais.
Correspondem-lhes prestações de facto e apresentam evidente carácter de instrumentalidade quanto à
prestação debitória principal e ao inteiro desenvolvimento da relação.
A prestação de facto pode ser positiva, ou de facto positivo, e negativa, ou de facto negativo: a
primeira redunda numa actividade ou acção de devedor (“facere”), enquanto a segunda se traduz numa
sua abstenção ou omissão (“non facere”, “pati”).
Também nas obrigações de prestação de facto se revela a existência de deveres secundários ou
laterais. Deste modo se impõe ao obrigado, acessoriamente, a abstenção de tudo o que seja incompatível
com o facto principal ou possa impedi-lo.
Nas prestações de facto, a conduta do devedor pode ter um mero carácter material (ex. a
construção do edifício a que o empreiteiro se obrigou) ou consistir num acto jurídico (ex. a prática pelo
mandatário de um ou mais actos ou negócios jurídicos).
A prestação obrigacional diz-se fungível quando pode ser realizada tanto pelo devedor como por
outra pessoa, sem prejuízo para o credor; e não fungível quando tenha de ser necessariamente cumprida
pelo devedor. A infungibilidade da prestação resulta ou da sua própria natureza ou da vontade das portas
(art. 767º/2). Sempre que, de acordo com os usos da vida, o facto a prestar seja não fungível, deve
presumir-se que se quis tratá-lo como tal.
É possível observar ainda um grau intermédio de fungibilidade: prestações relativamente
infungíveis – ocorrem quando apenas outra ou algumas pessoas, além do devedor, sejam capazes de
cumprir a prestação a contento do credor.
Se a obrigação é não fungível, o credor tem apenas o direito de exigir uma indemnização dos
danos para ele resultantes do não cumprimento. Tratando-se de uma obrigação fungível, cabe-lhe “a
faculdade de requerer, em execução, que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor” (art. 828º).
Também só a certas obrigações de prestação de facto infungível positivo ou negativo, se podem
aplicar sanções pecuniárias compulsórias (art. 829º-A)
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O interesse da distinção manifesta-se, ainda, quanto à determinação das situações de
impossibilidade subjectiva do cumprimento. Se a prestação é fungível, a impossibilidade respeitante à
pessoa do devedor não o exonera, visto que pode fazer-se substituir por terceiro. Ao invés, a
impossibilidade subjectiva, na hipótese de prestação infungível, tem como consequência extinguir-se a
obrigação (art. 791º).
As prestações debitórias também podem ser consideradas quanto à maneira da sua realização
temporal.
Diz-se instantânea ou transeunte a prestação a executar num só momento, extinguindo-se a
correspondente obrigação com esse único acto isolado de satisfação do interesse do credor (ex. a entrega
de determinada quantia ou coisa).
Em todos os restantes casos, quando não se circunscreva a uma actividade ou inactividade
momentânea do devedor, antes se trate de um comportamento positivo ou negativo, que se distenda no
tempo, a prestação qualifica-se de duradoura. Neste conceito cabem duas variantes fundamentais: as
prestações divididas e as continuativas.
Se o cumprimento se efectua por partes, em momentos temporais diferentes, a prestação diz-se
dividida, fraccionada ou repartida (ex. o preço pago a prestações).
Considera-se continuativa, continua ou de execução continuada a prestação que consiste numa
actividade ou prestação que se prolonga ininterruptamente durante um período mais ou menos longo (ex.
a maioria das prestações de facto negativo, designadamente a obrigação do senhorio de assegurar ao
inquilino, durante o prazo estabelecido, o uso e fruição do prédio arrendado).
Quando, todavia, em vez de uma única prestação a realizar por partes (prestação fraccionada),
existam diversas prestações (isto é, prestações repetidas) a satisfazer regularmente (ex. a obrigação do
inquilino de pagar a renda mensal ou anual) ou sem regularidade exacta (ex. a obrigação de fazer
reparações em determinada coisa, à medida que sejam necessárias), teremos as chamadas prestações
reiteradas, repetidas, com trato sucessivo ou periódicas.
Alguns autores subdividem as prestações reiteradas em periódicas e não periódicas, consoante
existam ou não prazos regulares para o seu cumprimento.
Tratando-se de prestações periódicas, pode prescrever uma delas pelo decurso do prazo de 5
anos e manter-se a obrigação geral, pois a prescrição do direito unitário do credor está sujeita aos prazos
normais e corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga (art. 307º).
A distinção tem ainda interesse no domínio processual, em que se admitem sentenças de trato
sucessivo. Estando em causa prestações periódicas, consente a lei que o credor peça em juízo a
condenação do devedor, se este deixar de pagar, tanto nas prestações já vencidas como nas que se vençam
enquanto subsistir a obrigação (art. 472º CPC). O devedor fica, desde logo, condenado em todas as
prestações futuras à medida que elas se forem vencendo.
Requisitos da prestação
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A) Possibilidade e licitude
Um dos requisitos da prestação debitória é o de que esta se mostre física e legalmente possível
(art. 280º/1).
A impossibilidade da prestação pode ser originária ou superveniente, conforme exista na altura
da constituição do vínculo obrigacional ou sobrevenha depois. A primeira impede que a obrigação se
constitua validamente, ao passo que a segunda extingue-a, quando não imputável ao devedor, ou então
transforma-a em relação de responsabilidade civil (arts. 790º e ss).
A impossibilidade originária produz a nulidade do correspondente negócio jurídico (art. 401º/1).
Atende-se, para o efeito, à data em que a obrigação se constitui, sendo indiferente que se trate de uma
impossibilidade definitiva da prestação ou de uma possibilidade susceptível de desaparecer mais tarde.
Admite-se, excepcionalmente, a validade do negócio, se a obrigação for assumida para o caso
da prestação se tornar possível; ou se, ficando o negócio dependente de condição suspensiva ou de termo
inicial, a prestação se tornar possível até à verificação da condição ou vencimento do termo, e inclusive
na mesma altura (art. 401º/2).
Repare-se, também, que a prestação pode ser impossível para todas as pessoas (impossibilidade
objectiva) ou apenas para o devedor (impossibilidade subjectiva). “Só se considera impossível a
prestação que o seja relativamente ao objecto, e não apenas em relação à pessoa do devedor” (art. 401º/3).
Apenas a impossibilidade objectiva invalida a obrigação, pois nem o devedor nem qualquer
outra pessoa a poderia cumprir; enquanto a mera impossibilidade subjectiva não impede que a obrigação
se constitua validamente, fazendo-se o devedor substituir no cumprimento de outrem.
A doutrina costuma ainda distinguir entre impossibilidade absoluta e relativa. A primeira
consiste numa impossibilidade propriamente dirá e a segunda na simples dificuldade ou onerosidade
excessiva da prestação.
A impossibilidade diz-se física, quando resulta da própria natureza das coisas e, legal ou
jurídica, se deriva da lei.
A exigência da possibilidade física da prestação não exclui a validade de contratos que tenham
por objecto a prestação de coisas futuras. Segundo o art. 399º, “é admitida a prestação de coisa futura
sempre que a lei não a proíba”.
Existirá ilicitude quando a prestação devida consista num comportamento que viole uma
proibição legal. Saliente-se, porém, que a ilicitude do conteúdo negocial pode resultar da ofensa dos
princípios de ordem pública ou dos bons costumes (art. 280º/2).
Cabe observar que, embora a prestação em si mesma se mostre possível e lícita, ainda assim a
obrigação será nula, desde que ambas as partes prossigam com o negócio jurídico um fim contrário à lei
ou à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes (art. 281º). Exemplo: A vende a B uma espingarda,
sabendo os dois que esta se destina a assassinar C.
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B) Determinação ou determinabilidade
Traduz-se em que o respectivo conteúdo deve ficar inicialmente determinado, ou, quando
menos, deve ser determinável em momento posterior, através de um critério fixado pelas partes ou pela
própria lei (art. 280º/1 e 400º).
Prevê a lei que a determinação do conteúdo da prestação possa ficar a cargo de uma das partes
ou de terceiro, devendo, em qualquer dos casos, ser efectuada segundo juízos de equidade, quando outros
não tenham sido estabelecidos (art. 400º/1). Ainda como princípio geral, estatui-se que, “se a
determinação não puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo devido, sê-lo-á pelo tribunal, sem
prejuízo do disposto acerca das obrigações genéricas e alternativas” (art. 400º/2).
A nossa lei:
Mas quando poderá dizer-se que um interesse económico merece protecção legal?
Em vez da fixação de uma directriz rígida, pareceu aconselhável “deixar ao juiz o apreciar se o
interesse é digno de protecção jurídica, não devendo ele, contudo, afastar-se das ideias ou das orientações
gerais da legislação” – VAZ SERRA.
Devem afastar-se os puros caprichos ou excentricidades (não ir à janela ao domingo), quer as
vinculações que, embora perfeitamente legitimas e fundadas em face de outros ordenamentos, se
encontram excluídas dos fins específicos visados pelo direito (cumprimentar os vizinhos) – ANTUNES
VARELA.
A) Noção e modalidades
30ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2008, pp. 806 e
ss; ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 11ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2008, pp. 715 e ss.
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A obrigação classifica-se de divisível quando a prestação comporte fraccionamento sem prejuízo
da sua substancia ou do seu valor económico, isto é, se pode realizar-se por partes cujo conteúdo se
matem qualitativamente idêntico ao todo. Na hipótese inversa, a obrigação diz-se inversa. A
indivisibilidade pode resultar da própria natureza da prestação, de acordo das partes ou mesmo da lei.
A distinção entre obrigações divisíveis e indivisíveis aplica-se tanto às prestações de coisa como
de facto, mas assume maior importância relativamente às primeiras.
A divisibilidade ou indivisibilidade determina-se com base num critério económico-jurídico. A
indivisibilidade reflecte o pressuposto de que as fracções ou actos em que poderia decompor-se a
prestação não equivalem proporcional e homogeneamente ao todo.
A distinção entre obrigações divisíveis e indivisíveis só manifesta verdadeiro interesse prático
a propósito das obrigações plurais não solidárias.
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A preocupação de evitar conluios entre o devedor da prestação indivisível e um dos concredores,
ou quaisquer diversas formas de prejuízo aos demais, explica o art. 538º/1. O sistema envolve uma
razoável protecção contra esses actos lesivos.
A lei distingue entre o cumprimento por via judicial e o cumprimento voluntario ou outro modo
de extinção da obrigação indivisível. No primeiro caso, basta a intervenção de um dos credores; ao passo
que, no segundo caso, se torna necessária a intervenção de todos.
Art. 538º/2 – “o caso julgado favorável a um dos credores aproveita aos outros, se o devedor
não tiver, contra estes, meios especiais de defesa”.
A) Noção
B) Determinação da prestação
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obrigação só possui eficácia desde que se verifique acordo do credor, não bastando que ele a conheça
fortuitamente ou que lhe seja mesmo declarada (arts. 540º e 541º).
Se a escolha compete ao credor ou a terceiro, importa distinguir se existe ou não prazo fixado.
Não o havendo, poderá fazer-se a escolha em qualquer momento. Exige-se, porém, que seja declarada
ao devedor, ou a ambas as partes, conforme o caso (art. 542º/1).
A lei consagra o princípio da irrevogabilidade da escolha. Embora o art. 542º/1 se refira apenas
à escolha feita pelo credor ou por terceiro, não se encontra razão para que o mesmo regime não vigore
quando a escolha cabe ao devedor.
Se a escolha não é realizada no tempo devido:
1. Se a escolha pertence ao devedor ou a terceiro e não possa ser ou não haja sido feita por aquele
a quem competia, sê-lo-á pelo tribunal (art.400º/2);
2. Se a escolha pertence ao credor e ele a não efectua dentro do prazo convencionado ou do que
para tanto o devedor razoavelmente lhe fixa, é a este que a mesma caberá (art.542º/2). A solução
encontra-se ressalvada pelo art.400º/2.
C) Concentração da obrigação
1. Quando haja acordo das partes a esse respeito, mormente por iniciativa do devedor a quem a
faculdade de escolha pertença;
2. Sempre que o género se extinga “a ponto de restar apenas uma das coisas nele compreendidas”,
ou, mais explicitamente, se resta uma quantidade igual ou inferior à devida;
3. Existindo mora creditória, isto é, tem-se a obrigação por concentrada se o credor, sem motivo
justificado não colabora no cumprimento, de que constituem exemplos a recusa de receber (arts.813º e
ss);
4. Mediante a entrega da prestação ao transportador ou expedidor ou à pessoa indicada para
execução do envio, tratando-se de obrigações em que o devedor se vincula a remeter a coisa para local
diverso do lugar do cumprimento (art. 797º) – obrigações de envio.
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conhecimento de ambas as partes, de acordo com o art. 408º/2, que exceptua o regime das obrigações
genéricas.
O regime especial das obrigações genéricas traduz-se, desde logo, na ineficácia da escolha – e
consequente não transferência do direito de propriedade – que o devedor realize antes do cumprimento,
sem o acordo do credor, embora ele a conheça ou lhe seja até declarada.
Quanto à concentração antes do cumprimento (art. 541º), afigura-se que esta envolve, apenas
por si, a transmissão da propriedade e do risco, não só havendo acordo das partes, mas também se existe
mora creditória ou se ocorre a entrega própria das dívidas de envio. Nenhum interesse do credor digno
de protecção fica a descoberto: no primeiro caso, o credor dá o seu assentimento à concentração; no
segundo, a solução está de acordo com os efeitos gerais da mora creditória, designadamente em matéria
de risco (art. 815º); e, no último caso, que se alicerça numa convenção entre as partes, existe ainda um
razoável dispositivo expresso sobre a transferência do risco (art. 797º).
Outro tanto não sucede verificando-se a concentração natural. Neste caso, a transferência da
propriedade e do risco para o adquirente só se opera quando ele conheça o facto da concentração. Vigora
a regra geral do art.408º/2.
A) Noção
Art. 543º/1 – “é alternativa a obrigação que compreende duas ou mais prestações, mas em que o
devedor se exonera efectuando aquela que, por escolha, vier a ser designada”.
A lei salienta que a determinação do objecto a prestar há-de realizar-se através de uma operação
de escolha.
Enquanto as prestações genéricas incidem sobre todos os objectos que integram um género, as
várias prestações alternativas tanto podem ser do mesmo tipo, como de tipo diferente.
A doutrina distingue entre obrigações alternativas ou disjuntivas e obrigações cumulativas ou
conjuntivas. Tanto umas como outras se dizem obrigações compostas e não obrigações simples, visto
que o seu objecto é múltiplo e não uno. Porém, nas obrigações alternativas, o devedor está adstrito a
prestar apenas algum ou alguns dos objectos sobre que a obrigação versa e não todos eles, como acontece
nas obrigações cumulativas.
Ao lado das obrigações alternativas, existe a figura significativamente diversa das obrigações
como faculdade alternativa, por vezes chamadas obrigações facultativas. O seu objecto é constituído
por uma só prestação, embora o devedor possa exonerar-se mediante a realização de uma outra prestação,
sem necessidade do consentimento do credor.
O regime das obrigações com faculdade alternativa não coincide com o das obrigações
alternativas.
B) Escolha da prestação
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Caso a impossibilidade seja imputável ao devedor, o terceiro pode optar por uma das prestações
possíveis ou pela indemnização dos danos resultantes do não cumprimento da prestação que se tornou
impossível (art. 546º).
Se a impossibilidade é imputável ao credor, considera-se cumprida a obrigação. Ressalva-se a
faculdade de o terceiro optar pela prestação possível, com indemnização dos danos que o devedor tenha
sofrido (art. 547º).
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1. Aspectos gerais31
São conhecidas as fases do ciclo vital da relação creditória, desde os factos que servem de fonte
à obrigação aos que põem termo à sua existência mas importa ainda estudar um fenómeno que apesar de
acidental não deixa de ser muitíssimo frequente na prática. Trata-se da transmissão dos créditos, das
dívidas e da posição de qualquer dos contraentes, fenómenos com importância prática no domínio das
transacções comerciais. É o caso das letras, livranças, cheques. Ao lado destes títulos cambiários como
meios de pagamento, há no direito comercial títulos de crédito que representam uma parcela
importantíssima da riqueza nacional e que correspondem às necessidades específicas de rapidez e
segurança no giro comercial.
A transmissão das obrigações no direito civil e a sua importância teórica. O crédito como elemento
do património do credor
Fora do giro comercial é menor a importância prática do fenómeno jurídico da transmissão das
obrigações. É sabido que as formas clássicas da transmissão das obrigações, reguladas na lei civil, são
também usadas pelos comerciantes contudo a sua importância não deriva apenas do seu campo de
aplicação mas também da sua função subsidiária (art. 3º C.C.).
A transmissão constitui uma das formas, porventura a mais expressiva do poder de disposição
inerente à titularidade dos próprios direitos de crédito. O crédito é um valor patrimonial realizável pelo
interessado antes mesmo de atingir o seu vencimento.
Em função apenas da simples expectativa da futura realização da prestação debitória. Esse
mesmo lado ou aspecto das obrigações, que irmana-as com os direitos reais na categoria genérica de
direitos patrimoniais.
O vocábulo transmissão aplicado aos direitos de crédito, como aparece na epígrafe do capítulo
que principia no art. 577º, emoldura uma imagem: a de que os direitos de crédito não obstante serem
puras criações do espírito, deslocam-se como coisas materiais que fossem, de uma pessoa para outra.
Outro tanto se diga, no caso de um terceiro cumprir em lugar do devedor e a lei o considerar sub-rogado
na posição do credor.
Não se trata de nova obrigação pois se assim fosse haveria novação e não transmissão de
obrigações (art. 577º e segs). A ideia de que a cessão e a sub-rogação e fenómenos afins mantêm a
individualidade do crédito quer significar para além da pura coincidência de objectos outros traços de
identidade substancial.
Havendo transmissão, com o crédito transitarão os acessórios e garantias que asseguravam o
seu cumprimento (arts. 582º e 594º) e reconhecer-se-á ao obrigado o direito de lhes opor os mesmos
31 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 258 e
ss
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meios de defesa que poderia invocar contra o primitivo devedor (art. 585º). Havendo intenção de novar,
isso envolverá a extinção das garantias bem como a oponibilidade dos meios de defesa contra ela
invocáveis (art. 862º). A nota da permanência é tradicionalmente usada para designar a transmissão
mortis causa. No trajecto próprio da transmissão a obrigação ainda pode modificar a sua fisionomia
embora em traços não essenciais. Em contrapartida, na sucessão mortis causa não há alteração da
essência.
A acção creditória constitui um elemento essencial da obrigação. Se o cumprimento depende da
vontade de cumprir, a acção creditória está estreitamente associada às condições de liquidez do
património do responsável. Não é indiferente para o credor que a divida possa ser exigida a A ou B. No
direito sucessório, o art. 2070º estabelece prevalência dos credores da herança.
Neste sentido se pode afirmar que a identidade da obrigação é mais rigorosa no domínio da
sucessão que no da transmissão singular de dívidas entre vivos.
A obrigação é susceptível de transmissão por não poder considerar-se inseparável das pessoas
e dos seus originários titulares, é hoje correntemente aceite pelas leis e autores em geral.
A transmissão, como modificação subjectiva da relação creditória nem sempre atinge o mesmo
elemento da obrigação. Umas vezes refere-se às obrigações simples outras à relação obrigacional
complexa. No primeiro caso, a transmissão tanto pode ter por objecto a titularidade activa da obrigação
como o lado passivo; no segundo caso pode abranger a posição global de qualquer dos contraentes.
Dentro da transmissão de créditos temos a cessão de créditos e a sub-rogação. No domínio da
transmissão singular de dívidas temos a assunção de dívidas, umas vezes atendendo à causa da
assunção e outras reportando-se à latitude desta.
2. Cessão de créditos32
A emprestou 5000 euros a B pelo prazo de 3 anos tendo a divida sido afiançada por C. passado
um ano o mutuante tem inesperadamente necessidade de dinheiro e vende o crédito por 4200 a D.
H deve 2000 euros a I e decide, com o assentimento do credor, transmitir-lhe o crédito de igual
montante que tem sobre J, para que I se considere imediatamente pago ou para que ele se possa pagar à
medida que J for cumprindo.
Há um fenómeno comum que é a transmissão do direito de crédito.
32
ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 295 e
ss.
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A cessão de créditos pode assim ser definida como o contrato pelo qual o credor transmite a
terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito (art.
577º).
Ao credor que adquire o crédito dá-se o nome de cedente, o sucessor é o cessionário e ao devedor
do crédito transmitido é usual chamar-se o devedor cedido.
No caso de cessão parcial pode não ser de todo indiferente para o devedor ter de efectuar dois
actos de cumprimento ou ter que desdobrar o cumprimento em vários actos. Se a lei prescinde ainda
assim do consentimento do devedor é porque quis deliberadamente sacrificar este eventual incómodo do
obrigado às vantagens que a livre disposição do crédito proporciona.
Através dos exemplos podemos ver que a transmissão do crédito se integra na venda, na doação,
na dação em cumprimento, na dação pró solvendo ou na constituição de garantia em beneficio doutro
crédito. A cessão tem, por conseguinte a sua causa variável de caso para caso que o art. 577º
intencionalmente omite ao definir a figura com recurso a notas comuns a todas as espécies geradoras do
fenómeno da transmissão do direito de crédito.
Será a cessão um negócio abstracto? É abstracto o negócio cuja validade não é prejudicada pelas
faltas ou defeitos inerentes à relação jurídica fundamental que lhe serve de base. Na fixação do seu regime
jurídico abstrai-se a causa.
Nenhuma razão existe, em face do sistema jurídico português para se considerar a cessão de
créditos como um negócio abstracto. Diz-se no art. 578º que os efeitos da cessão entre as partes se
definem em função do tipo de negócio que lhe serve de base. Consequentemente, se a transmissão tiver
por base uma venda do crédito (art. 874º) e a venda for nula ou for anulada a transmissão é directamente
atingida pela nulidade ou anulação, e os efeitos da invalidade repercutem-se na esfera jurídica de terceiros
de harmonia com os arts. 289º e 291º.
O devedor pode opor todos os meios de defesa que lhe seria licito invocar contra o cedente
(585º). Tem-se dito, no entanto, que são irrelevantes para o devedor os vícios do contrato de cessão: se
for notificado da cessão ou dela tiver conhecimento por outra via e pagar a dívida conservará a sua
validade e eficácia ainda que a cessão venha posteriormente a ser declarada nula ou anulada. Não é o
simples facto de o crédito ter sido cedido a terceiro que isenta que isenta o devedor do dever do nº 2 do
art. 762º. No cumprimento desse dever incumbe-lhe averiguar a existência e validade da cessão.
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Se, depois de se ter devidamente esclarecido junto do cedente acerca da existência e validade
da cessão, o devedor cumprir junto do cessionário o pagamento não perderá, na verdade, a sua validade
e eficácia. A conclusão lógica a extrair da apreciação global, quanto ao regime do pagamento feito ao
cedente antes da notificação é que se trata apenas de proteger o pagamento ao credor aparente e não se
considerar a cessão como um negócio abstracto.
Sendo a cessão um negócio causal é estranho não vir no livro das obrigações ao lado dos
contratos em especial. A regra estabelecida no nº 1 do art. 578º é a de remeter para os lugares
correspondentes à causa de cada uma dessas espécies a determinação da parte restante do seu regime.
Podemos considerar a cessão como um contrato policausal. A autonomia da cessão procede exactamente
da variabilidade da causa e do carácter especifico do fenómeno da transmissão do crédito.
Regime
Se o invólucro causal da transmissão do crédito for uma compra e venda às regras válidas para
o comum dos negócios haverá que aditar as regras específicas da compra e venda relativamente à
capacidade, poder de disposição.
I) Cedibilidade do crédito
Também a lei proíbe a cessão em casos de ligação à ideia de satisfação directa das necessidades
pessoais do credor. São exemplos o direito a alimentos (art. 2008º), prestações de serviços e contratos de
trabalho.
Apesar de tudo, os créditos que não sejam transmissíveis podem ser objecto de penhora.
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II) Carácter não litigioso do direito, quanto a determinadas pessoas (art. 579º)
A regra da livre cedibilidade dos créditos sofre uma séria limitação no tocante aos direitos que
tenham sido contestados em juízo contencioso.
O alargamento do círculo das pessoas abrangidas pela interdição teve por fim eliminar todas as
cessões que possam tornar suspeita, por falta aparente de imparcialidade, a decisão judicial sobre o
crédito contestado, em obediência ao velho brocardo de que não basta a mulher de César ser séria. A
sanção cominada é a nulidade da operação. Trata-se de uma nulidade mista: de acordo com o nº 2 do art.
580º, não é invocável pelo cessionário e não dispensa este da obrigação de reparar os danos que tenha
causado.
As excepções abertas à proibição vêm referidas no art. 581º
III) Notificação ou aceitação da cessão, ou conhecimento dela por parte do debitor cessus. O
problema do momento da perfeição do contrato
É ponto assente que vale para a cessão de créditos o princípio da liberdade de forma mas tem
sido controvertida entre os autores a questão de saber se a notificação da cessão ao devedor constitui ou
não requisito de perfeição do contrato.
Equipara-se a aceitação da cessão por parte do devedor à notificação dela além de se admitir
que esta seja feita judicial e extrajudicialmente (art. 583º/1). Dá-se ao cessionário a possibilidade de
impugnar o pagamento feito pelo devedor ao cedente desde que prove que o devedor tinha, ao tempo,
conhecimento da cessão.
Por último, prevendo especialmente a hipótese de o credor transmitir o mesmo crédito,
sucessivamente a duas ou mais pessoas, o art. 584º concede prevalência sobre as demais à cessão que
primeiro for notificada ao devedor.
Alguns autores defenderam que a eficácia translativa da cessão só se verifica, quer em relação
ao devedor e a terceiros, quer em relação às próprias partes, a partir do momento em que a cessão é
notificada ao devedor ou por ele aceite, ou em que este tem conhecimento dela.
Seria um contra-senso admitir a eficácia translativa imediata da cessão nas relações entre
cedente e cessionário.
A prova de que, mesmo após a celebração do contrato, quem continua a ser titular do crédito é
o cedente e não o cessionário procede, não da validade do pagamento que lhe faça o devedor mas ainda
da plena disponibilidade que o cedente conserva do seu direito.
Para o Prof. ANTUNES VARELA, nenhuma razão existe para que na cessão não vigore o princípio
da eficácia imediata das convenções negociais. Não há motivo pelo qual o cedente não deva considerar-
se desde logo obrigado, por exemplo, a cumprir o dever a que se refere o art. 586º. Em segundo lugar,
tem de considerar também os aspectos da cessão provenientes da sua causa concreta que são
indirectamente abrangidos pela norma remissiva contida no art. 578º.
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Nenhum fundamento válido existe para que o contrato de cessão não produza os seus efeitos no
momento em que se completa o acordo entre os contraentes. O facto de se considerar oponível ao
cessionário o pagamento feito ao cedente pelo devedor, que não foi notificado da cessão não significa
forçosamente que seja o cedente quem continua na titularidade do crédito e na plena disponibilidade
dele. A eficácia exoneratória explica-se pela tutela que os diferentes sistemas legislativos concedem ao
pagamento feito ao credor aparente.
Parece mais fácil de conciliar com a disciplina global do contrato de cessão a tese tradicional
que sustenta a eficácia translativa imediata do negócio.
IV) A efectiva constituição ou aquisição do crédito na cessão de créditos futuros
A cessão pode ter por objecto, não só os créditos já existentes como os ainda não existentes ou
créditos existentes mas a que o cedente ainda não tem direito. Ou seja, pode ter por objecto créditos
futuros (art. 211º). Desde que em princípio, se admite a prestação de coisa futura (art. 399º), nenhuma
razão subsiste para que não se permita a cessão de créditos futuros contanto lhes não falte o necessário
requisito da determinabilidade.
C) Efeitos
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notificação nem aceitação, o devedor tiver conhecimento da cessão por qualquer via idónea, esse
conhecimento tem efeitos muito próximos dos da notificação.
Com efeito, se o devedor ignorando a cessão pagar ao cedente o pagamento não deixará de ser
válido. Se em idênticas condições, o cedente efectuar qualquer negócio de disposição do crédito, esse
negócio será válido, apesar de realizado por quem não já é credor, em homenagem À boa fé do credor –
art. 583º/2; mas o cedente responderá pelos danos que tiver causado ao cessionário, dispondo ilicitamente
do direito dele – art. 483º/1.
Apenas sucede que o cedente será obrigado a restituir ao cessionário aquilo que indevidamente
recebeu nos termos e com as limitações próprias do enriquecimento sem causa (art. 476º e ss.). Se o
primitivo credor ceder sucessivamente o mesmo direito prevalece a cessão que primeiro tiver sido
notificada ou aceite. O devedor, se tiver pago a credor diferente do que preferem, segundo o critério do
art. 584º, pode ser coagido a efectuar novo pagamento.
Se, porém, o devedor pagar ao cedente depois de a cessão ter sido notificada o pagamento já
não extinguirá a obrigação (art. 770º) tendo o solvens de efectuar novo pagamento ao verdadeiro credor
(cessionário).
Diz-se no art. 577º/1 que o credor pode ceder a terceiro, tanto a totalidade do crédito como uma
parte dele apenas: em qualquer dos casos não necessita de consentimento do devedor. Dentro das amplas
possibilidades, várias hipóteses ou tipos de cessão parcial se podem verificar: cessão de uma parte
aliquota do crédito, cessão de parte fixa num crédito de montante superior mas incerto.
O facto de a lei não estabelecer nenhum critério de preferência mostra que o Código quis
consagrar a doutrina geralmente aceite de que os vários créditos, na falta de convenção em contrário,
gozam de igual grau de preferência.
A cessão visa transferir juntamente com o direito de que era titular o cedente a prestação
debitória e as garantias e outros acessórios do crédito (art. 582º). Entre as garantias que acompanham o
crédito destacam-se a hipoteca, o penhor e a fiança. A cessão do crédito hipotecário está sujeita à forma
prescrita no nº 2 do art. 578º.
O direito de garantia que pode, fundamentalmente, levantar algumas hesitações é o direito de
retenção (art. 754º e segs) manifestamente ligado à qualidade da pessoa do cedente. O art. 760º mostra
que não se impede que as partes transmitam o crédito que o direito de retenção garante. Se porém o
credor se limitar a ceder o seu crédito, sem nada dizer, este não deve considerar-se transmitido. Entre os
acessórios contam-se a estipulação de juros, a cláusula penal e o compromisso arbitral. Há, no entanto,
uma reserva muito importante que os autores costumam formular a propósito dos direitos potestativos
com perfeito cabimento. Ora, há direitos potestativos que estão ligados ao crédito e há outros que estão
ligados à relação contratual donde o crédito emerge.
Os primeiros transmitem-se ao cessionário e os outros não se desprendem da titularidade do
cedente. Transmitem-se para o cessionário o direito potestativo de interpelar o devedor (art. 805º/1) de
o demandar se ele não cumprir, de executar o seu património se ele não acatar a sentença de condenação
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(art. 817º), de escolher a prestação se esta for alternativa ou genérica e a escolha pertencer ao credor
(arts. 542º e 549º). Já não se transmite para o cessionário o poder de resolver o contrato ou o direito de
anulação.
A inseparabilidade mede-se pelo fundamento ou razão de ser do acessório.
O crédito em que o cessionário fica investido é o mesmo que pertencia ao cedente por isso se
não transmitem para aquele apenas os acessórios e as garantias mas também as vicissitudes da relação
creditória. Porque nem sequer é exigido o seu consentimento, o devedor não pode ser colocado numa
situação inferior àquela em que se encontrava diante do cedente.
O devedor pode impugnar a existência do crédito ou invocar as mesmas excepções a que lhe
era licito recorrer contra o cedente. Têm-se levantado algumas dúvidas a propósito da possibilidade de
se opor ao crédito cedido a compensação com o crédito de que o devedor seja titular contra o cedente.
O art. 585º não deixa dúvidas. Desde que o crédito invocado pelo devedor seja anterior ao
conhecimento da cessão, a compensação procede contra o cessionário. Se for posterior já não pode servir
de base à compensação.
O art. 587º vem dizer que o cedente garante a existência e a exigibilidade do crédito e por outro
lado, acentua que a garantia varia, consoante a natureza gratuita ou onerosa do negócio em que a cessão
se integra. Assim, se a transmissão se tiver operado por compra do crédito, o cedente responderá pela
existência e exigibilidade do direito nos termos do art. 892º. Se o crédito tiver sido doado a sua
responsabilidade define-se nos termos dos arts. 956º e 957º.
O cedente não responde depois pela realização efectiva da prestação. Não garante o
cumprimento da obrigação salvo se, por declaração expressa (art. 217º/1) tiver garantido a solvência do
devedor. A função de garantia é mais satisfatória do que restitutória.
Nenhuma analogia existe entre a situação do cedente que garante a solvência do devedor e a do
devedor solidário, ou a do assuntor da dívida de outrem, de quem o credor pode exigir, em primeira mão,
o cumprimento integral da obrigação.
O art. 588º alarga o campo de aplicação da cessão de créditos numa dupla direcção. Por um
lado, diz que essas regras são extensivas à cessão de outros direitos e em segundo lugar diz que as normas
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reguladoras da transmissão convencional são consideradas aplicáveis aos casos de transferência legal ou
judicial de créditos.
O primeiro alargamento não visa os direitos familiares nem os reais, mas os de autor e os de
domínio sobre bens imateriais (art. 1303º) e ainda os direitos potestativos. Os dois primeiros núcleos de
relações suscitam problemas muito semelhantes aos que levanta a transmissão de créditos.
Quanto aos direitos potestativos, sabe-se que se trata de direitos dependentes, cuja transmissão
opera com a do direito principal, em torno do qual eles gravitam.
Mas existem direitos potestativos autónomos, susceptíveis de transmissão isolada, como a
preferência (art. 420º) e o direito de resolução na venda a retro (art. 927º). E cabem no art. 588º.
3. Sub-rogação33
Exemplos. Noção
Paredes meias com a cessão de créditos, que assenta no negócio de disposição celebrado entre
credor e terceiro há outra modalidade de transmissão de crédito baseada no cumprimento da obrigação a
que se dá o nome de sub-rogação (art. 589º e segs).
A pediu 5000 contos emprestados a B, tendo um terceiro afiançado o cumprimento da dívida.
Como o devedor, na altura própria, se recusou a pagar ou não pôde fazê-lo pagou o garante da obrigação.
Agindo assim, o fiador ficou, no dizer do art. 644º, sub-rogado nos direitos do credor.
33 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 334 e
ss.
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adquirente pela existência e exigibilidade do direito ao tempo da cessão. Igual responsabilidade não lança
sobre o credor no caso da sub-rogação, por ser ao terceiro que incumbe averiguar da existência e
exigibilidade do crédito. A doutrina proclamada para o cumprimento efectuado pelo terceiro procede de
igual modo para outras formas de satisfação do crédito como sejam a dação em cumprimento, a dação
pró solvendo.
A sub-rogação tem utilidade prática garantindo o seu lugar de sol entre as modificações
subjectivas. O terceiro que paga é de algum modo favorecido nas medida em que adquire com o
cumprimento os direitos do credor e realizando as mais das vezes um interesse próprio; o credor também
é beneficiado e beneficiado pode ser ainda o devedor por se libertar da obrigação de cumprir num
momento que pode não ser oportuno para ele.
A sub-rogação do credor não se confunde com a sub-rogação real e também se não identifica
com a sub-rogação do credor ao devedor (art. 606º e ss.) que é a faculdade concedida ao credor de se
substituir ao seu devedor no exercício de determinados direitos de conteúdo patrimonial contra terceiro.
A sub-rogação por vontade real do credor corresponde, na prática, a interesse legítimos das
partes. De facto, permite ao devedor, privado de fundos, evitar a execução no vencimento, mas permite
também ao credor, desejoso de liquidez, não esperar o vencimento.
O art. 589º procurou acautelar em termos convenientes através dos requisitos da forma e do
limite de tempo estabelecidos para a declaração do sub-rogante, os interesses dos restantes credores do
devedor, bem como dos garantes do direito transmitido. O Código contém nos arts. 590º e 591º a segunda
variante de sub-rogação voluntária, a fundada na vontade do devedor.
O devedor pode ter legítimo interesse em conseguir o cumprimento de terceiro, embora
continuando adstrito ao mesmo dever de prestar. O preço da intervenção de terceiro não acarreta nenhum
prejuízo injusto visto o solvens adquirir um direito que já existia e a aquisição se efectuar no preciso
momento em que o primitivo credor perde a sua titularidade.
A sub-rogação legal (art. 592º) generalizou-se a todos os casos em que o terceiro, que cumpre
em lugar do devedor, garantiu o cumprimento.
O art. 589º mantém a exigência relativa à forma da declaração de vontade do credor porém no
que toca à data fixa apenas uma data limite: a sub-rogação tem de ser feita até ao momento do
cumprimento da obrigação. O requisito da declaração expressa (art. 217º) compreende-se por uma
questão de prova e pelo compreensível interesse de forçar o credor a ser preciso na atribuição do
tratamento excepcional que envolve a sub-rogação.
DIOGO CASQUEIRO 73
Faculdade de Direito da UCP
O art. 590º não se satisfaz com o consentimento, expresso ou tácito dado pelo devedor à
actuação do solvens. Exige a declaração expressa da intenção de sub-rogar e para a emissão dessa
declaração fixa-se o momento do cumprimento da obrigação como data limite.
Quanto ao caso especial de o cumprimento ser efectuado pelo devedor, com meios facultados
por terceiro, o art. 591º não exige documento autêntico. Mas exige sim (art. 591º/2, in fine) a declaração
expressa de que o mutuante fica sub-rogado nos direitos do credor.
Embora haja certa afinidade substancial nas suas raízes a sub-rogação e o direito de regresso
constituem realidades jurídicas distintas.
A sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na
titularidade do mesmo direito de crédito. O direito de regresso é um direito nascido ex novo. A sub-
rogação envolve um benefício concedido a quem, sendo terceiro, cumpre.
O direito de regresso, no caso da solidariedade passiva é uma espécie de direito de reintegração.
A natureza das situações donde emerge o direito de regresso para explicar o facto de ao respectivo titular
se não transmitirem nem as garantias nem os acessórios.
Efeitos da sub-rogação
DIOGO CASQUEIRO 74
Faculdade de Direito da UCP
A) transmissão do crédito. Sub-rogação total e parcial
Juntamente com o direito á prestação transmitem-se para o sub-rogado quer as garantias quer
os acessórios do crédito. É a doutrina válida para a cessão de créditos e que o art. 594º torna extensiva à
sub-rogação.
Tanto no caso da sub-rogação levada a cabo pelo credor como na sub-rogação legal é possível
que o terceiro cumpra a obrigação e seja sub-rogado nos direitos do credor sem que o devedor tenha
conhecimento do facto.
Tanto o sub-rogado como o primitivo credor podem e devem notificar o devedor produzindo
todos os seus efeitos em relação a todos os interessados (art. 594º). Com efeito, se a notificação se não
fizer e, na ignorância da sub-rogação o devedor pagar ao antigo credor ou efectuar ele qualquer negócio
relativo ao crédito são oponíveis ao sub-rogado.
De igual modo, se o credor sub-rogar duas ou mais pessoas a sub-rogação que prevalece não
será a primeira efectuada ou a primeira a ser reconhecida pelo devedor mas a que primeiro lhe for
notificada – art. 594º, cuja remissão abrange também o art. 584º.
DIOGO CASQUEIRO 75
Faculdade de Direito da UCP
Também não encontra cabimento nos domínios da sub-rogação a proibição da cessão de direitos
litigiosos a determinadas pessoas. Tão pouco se manda aplicar à sub-rogação o preceito que, na cessão
de créditos define os meios de defesa oponíveis pelo devedor ao cessionário. Podendo a sub-rogação ser
efectuada pelo devedor, mal se compreenderia que, pelo menos nesse caso, lhe fosse concedida igual
liberdade de ataque contra a posição do credor.
O princípio da boa fé (art. 227º e 762º/2) actua neste caso como um filtro no qual ficarão retidos
alguns dos meios de defesa abrangidos pelo art. 585º como sejam a compensação com créditos do
devedor, a excepção de não cumprimento etc.
A exclusão do art. 586º justifica-se pela desnecessidade do preceito que regula a prova do
cumprimento (arts. 786º e 787º) e a restituição do título da dívida após o cumprimento (arts. 788º e 789º).
A omissão intencional do art. 587º tem uma justificação pois não é justo impor ao credor a
responsabilidade consignada naquela disposição. Se vier a averiguar-se a inexistência da divida o solvens
tem direito a repetir a prestação efectuada.
ANTUNES VARELA defende que há doutrinas que devem ser postas de lado como a teoria da
cessão fictícia e a operação da face dupla. A presunção da vontade de ceder o crédito, por parte do credor
não corresponde à realidade tal como não é exacta a equiparação entre o regime da cessão e o da sub-
rogação. O tratamento especial concedido ao pagamento da dívida, efectuado por terceiro, em
determinadas circunstâncias não é uma ficção mas uma realidade. Está longe de ser defensável a teoria
que concebe a sub-rogação como um direito de indemnização.
Por um lado, há aspectos essenciais da sub-rogação como sejam a transmissão das garantias e
dos acessórios do crédito, que não encontram a menor ressonância no regime dum direito nascido ex
novo. Considerar a sub-rogação um fenómeno de novação objectiva equivale a negar, contra a letra
expressa da lei, os traços característicos da posição do solvens.
DIOGO CASQUEIRO 76
Faculdade de Direito da UCP
a) O cumprimento por terceiro não envolve forçosamente a extinção do dever de prestar a cargo
do devedor;
b) O cumprimento por terceiro, dano plena satisfação ao interesse do credor provoca
necessariamente a perda do crédito;
c) Quando haja razões para manter o dever de prestar a cargo do devedor e para conservar o crédito
na titularidade do solvens e não na do primitivo credor o conceito que melhor exprime esta dupla
realidade é o da transmissão do crédito.
3. Assunção de dívida34
Noção
Art. 595º – consiste na transmissão singular de uma dívida através de negócio jurídico celebrado
com terceiro.
Modalidades
34 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 358 e
ss; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 51 e ss;
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cumprimento, vinculando-se assim o assuntor perante o primitivo devedor a liquidar a dívida deste (art.
444º/3). Caso o credor não conceda ou negue a ratificação, na dúvida o assuntor continua obrigado
perante o devedor a satisfazer a prestação dentro do prazo. Esta solução tem sido defendida entre nós
com base na vontade presumível ou conjectural das partes, por referência aos arts. 239º e 293º.
A ratificação terá eficácia retroativa.
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA vêm no entanto sustentar que essa retroactividade não
implicará a inutilização dos actos conservatórios do crédito, praticados no período que medeia entre a
ratificação e o contrato de assunção de dívida. Assim, se o credor nesse período interpelasse o antigo
devedor para o cumprimento da obrigação, a interpelação realizada deveria considerar-se eficaz perante
o novo devedor. RIBEIRO DE FARIA adopta uma posição diferente. Na assunção liberatória o efeito
retroactivo deve ser considerado como pleno, considerando-se ineficazes os actos conservatórios
praticados pelo credor em face do devedor primitivo. Na assunção cumulativa o que se passa é que o
assuntor responde pela obrigação com o conteúdo que esta tinha no momento do contrato e, logo, não
responde pelos danos moratórios imputáveis ao primeiro devedor, sendo a mora posterior à assunção.
MENEZES LEITÃO considera que a razão está com RIBEIRO DE FARIA. De facto, sendo a assunção
liberatória, é manifesto que a retroactividade atribuída à ratificação tem que ser plena, sendo assim
ineficazes os actos conservatórios do crédito, uma vez que não foram dirigidos ao verdadeiro devedor.
Relativamente à assunção cumulativa, a lei estabelece uma solidariedade imperfeita entre o antigo
devedor e novo obrigado (art. 595º/2), pelo que a interpelação realizada pelo credor ao primitivo devedor
terá os efeitos previstos no art. 519º, não sendo o novo devedor responsável naturalmente pelos danos
moratórios imputáveis ao primitivo devedor.
Na assunção externa a transmissão da dívida resulta apenas de um único negócio jurídico: o
contrato entre o novo devedor e credor, ao qual o antigo devedor pode ou não dar o seu consentimento.
O consentimento do devedor é assim irrelevante. Tem sido, porém, questionado se, em virtude do
princípio do contrato, poderá ser determinada a liberação da obrigação do primitivo devedor, sem que
ele dê o seu acordo. Uma solução deste tipo apresenta-se como contrária ao princípio invitio beneficium
non datur. Não parece ser de tutelar a oposição do devedor à sua liberação na assunção externa, já que,
se o credor pode aceitar a prestação de terceiro (art. 767º), que determina necessariamente essa liberação,
naturalmente que poderá celebrar com ele uma assunção externa, independentemente da oposição do
devedor (art. 595º/1, b)).
Esta distinção baseia-se no art. 595º/2. Distingue-se, assim, consoante falte ou ocorra a
exoneração pelo credor, entre assunção cumulativa de dívida, em que o antigo devedor não é liberado da
sua obrigação, mantendo-se solidariamente obrigado perante o credor; e assunção liberatória de dívida,
em que se verifica a extinção da obrigação do antigo devedor, ficando exclusivamente obrigado o novo
devedor.
Ao verificar-se a transmissão da dívida, o novo devedor pode vir a substituir integralmente o
antigo devedor, que fica assim exonerado (assunção liberatória), ou pelo contrário, ficar vinculado por
DIOGO CASQUEIRO 78
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essa obrigação exactamente nos mesmos termos e em simultâneo com o primitivo devedor, sem que a
vinculação deste seja afectada (assunção cumulativa). A diferença entre estas duas situações depende
apenas da declaração de exoneração do primitivo obrigado, que compete ao credor, e que a lei exige que
resulte de declaração expressa – art. 217º/1. A exoneração pelo credor é assim essencial para que o antigo
devedor fique liberado perante ele. Sem essa declaração, o novo devedor responderá solidariamente para
com o antigo obrigado.
Conforme o art. 595º/2, a declaração expressa do credor a exonerar o primitivo devedor é
exigível tanto na assunção externa como na interna. Por esse motivo, em relação a esta última, a
exoneração não se confunde com a ratificação nem resulta automaticamente desta. Sem prejuízo, porém,
desta poder renascer em caso de ser declarada inválida a transmissão (art. 597º), ou o credor haver
ressalvado a responsabilidade do primitivo devedor para o caso de insolvência do novo devedor (art.
600º).
A) O Consentimento do credor
A lei exige que a transmissão decorra de um contrato transmissivo da obrigação que exista e
que não seja nulo ou anulável. Parece não existirem obstáculos legais à transmissão de dívidas futuras,
desde que esteja preenchido o requisito da determinabilidade (art. 280º), quer estas resultem de negócio
já celebrado quer de negócio a celebrar. Neste caso, naturalmente que a assunção apenas produzirá efeitos
com a constituição efectiva da obrigação.
DIOGO CASQUEIRO 79
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É igualmente discutido na doutrina se, na assunção de dívidas futuras, deve adoptar-se a teoria
da imediação, segundo a qual a dívida surge depois directamente na esfera do assuntor, ou antes a teoria
da transmissão, segundo a qual a dívida ainda vem a passar primariamente pelo património do
transmitente, só após ocorrendo a mudança do devedor. Menezes Leitão concorda com Mota Pinto
quando este refere que a doutrina da transmissão é o único enquadramento para o fenómeno representado
pela circunstância de os pressupostos de constituição da dívida terem de ocorrer na pessoa do devedor
originário.
Caso o contrato de transmissão não venha a ser celebrado, seja nulo ou anulado a lei determina
que renasce a obrigação anterior, mesmo que o credor tenha exonerado o primitivo obrigado. Apenas
ficam extintas as garantias prestadas por terceiro, excepto se conheciam o vício na altura em que
conheceram a transmissão (art. 597º).
A oposição da invalidade do contrato de transmissão ao credor pode, porém, ser questionada
perante a disposição do art. 598º, que determina que o novo devedor não tem o direito de opor ao credor
as excepções derivadas das relações entre ele e o primitivo devedor.
MOTA PINTO vem sustentar que na assunção externa e interna, há uma proposta ao credor, que
depende de quem é o proponente. Assim sendo, a assunção interna consistiria num contrato trilateral, o
que legitimaria a não extensão automática em relação ao credor dos motivos da invalidade ocorridos
entre o antigo e o novo devedor, estendendo-se, em relação ao credor, a protecção do declaratário no
comum dos negócios jurídicos.
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outro lado, não se vê razão para estabelecer a este propósito, uma distinção entre as alíneas do art. 595º,
uma vez que é manifesto que o art. 597º se aplica a ambas as situações. Defende, por isso, a teoria
contratual.
Regime
Na assunção cumulativa é necessário estabelecer uma distinção entre os seus efeitos na relação
interna entre o antigo e o novo devedor e na relação externa entre os devedores e o credor. Na relação
interna entre os devedores parece claro que se verifica a transmissão da dívida do antigo para o novo
devedor, uma vez que este é o objecto do negócio celebrado, o qual não depende da exoneração
concedida pelo credor (art. 595º/2). Entre o antigo e o novo devedor verifica-se pois o fenómeno de
transmissão da dívida.
Já na relação externa para com o credor, a lei determina que, na ausência de exoneração, ambos
os devedores respondem solidariamente, o que se destina a permitir que o credor possa exigir o
cumprimento da obrigação indistintamente a qualquer um dos devedores. A solidariedade aqui
consagrada não é a perfeita que vem consagrada no art. 512º.
Começa por se referir que, uma vez que nas relações internas apenas o novo devedor será
efectivamente devedor da obrigação, o direito de regresso só se poderá realizar num sentido. Se o novo
devedor efectuar ao credor o pagamento, não lhe assistirá qualquer direito de regresso sobre o antigo
devedor. Se, porém, for o antigo devedor a efectuar esse pagamento terá direito de regresso. As relações
internas entre ambos são definidas pelo contrato que serve de base à assunção, não lhe sendo por isso
aplicável a presunção do art. 516º.
A obrigação do novo devedor decorre de uma transmissão por parte do antigo, o que permite
que o novo devedor possa aproveitar dos meios de defesa dessa obrigação, em termos mais amplos do
que aqueles que goza o devedor solidário.
Na obrigação solidária, se o credor for impedido de exigir a prestação de um dos devedores, por
ele lhe opor um meio de defesa pessoal, não fica inibido de exigir a prestação dos restantes – art. 519º/2.
Na assunção cumulativa, se o antigo devedor invocar contra o credor um meio de defesa pessoal, parece
claro que esse meio de defesa aproveitará ao novo devedor.
Uma vez que o direito de regresso se exerce num só sentido, não seria admissível que, prescrita
a obrigação do primitivo devedor, o segundo gozasse contra ele do direito de regresso a que se refere o
art. 521º.
O caso julgado obtido pelo credor contra o primitivo obrigado é naturalmente extensível ao
segundo, a contrário do que dispõe o art. 522º.
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Específico da assunção liberatória é o facto de, com a exoneração do primeiro devedor, o novo
se tornar agora o exclusivo devedor. O novo devedor permanece vinculado à mesma prestação que era
devida pelo antigo devedor, uma vez que o conteúdo da obrigação não se altera em virtude da sua
transmissão. O crédito permanece, por isso, o mesmo, não se alterando o seu conteúdo, mas apenas a sua
direcção.
O primitivo devedor deixará de poder ser demandado, caso se verifique a insolvência do
assuntor, quer como devedor, quer como garante da obrigação – art. 600º. Essa solução aplica-se quer a
insolvência ocorra posteriormente à assunção de dívida, quer já se verificasse naquele momento. Pelo
motivo de o credor ter tido em conta o património do assuntor, mesmo que a assunção de dívida resulte
contrato entre o antigo e o novo devedor (art. 595º/1, a)), este não pode ser responsabilizado pela
insolvência do primitivo obrigado.
Admite-se, porém, a possibilidade de o credor ressalvar expresasam4ente a responsabilidade do
primitivo obrigado aquando da exoneração (art. 600º, in fine). Nesse caso, a exoneração não produzirá a
extinção da responsabilidade do primitivo devedor, mas torná-la-á subsidiária.
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O art. 598º vem referir quais os meios de defesa a que pode recorrer o novo devedor.
O novo devedor não pode opor ao credor quaisquer meios de defesa que resultem da relação
entre o antigo e o novo devedor. Pode dizer-se que a assunção de dívidas é um acto abstracto, dado que
dela resulta a protecção do credor contra quaisquer excepções derivadas da relação causal entre o antigo
e o novo devedor.
Não há qualquer dúvida que o novo devedor pode opor ao credor os meios de defesa derivados
da relação entre ele próprio e o credor.
Relativamente aos meios de defesa que existem na relação entre o antigo devedor e o credor,
estes poderão, em princípio, ser opostos pelo novo devedor, uma vez que ao assumir a dívida ele passa a
responder nos mesmos termos em que respondia o antigo devedor. Há uma restrição: o fundamento
dessas excepções tem que ser anterior à assunção de dívida e não podem constituir meios de defesa
pessoais do antigo devedor.
b) teoria da cessão
Defende que na assunção de dívida o que existe é um contrato a favor de terceiro, já que por
força do negócio celebrado entre o antigo e o novo devedor, o credor adquire um direito novo contra o
assuntor.
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e) teoria da disposição
Para esta tese, o devedor, ao negociar a assunção interna de dívidas, dispõe de um direito que
não lhe pertence, actuando de forma análoga à daquele que cede um crédito de que não é credor. O
negócio de assunção de dívidas seria assim um acto de disposição de um direito de terceiro. Os actos de
disposição de direitos alheios tornam-se eficazes quando este os vem a ratificar. Seria assim a ratificação
que tornaria eficaz a assunção de dívida e fá-lo-ia com eficácia retroactiva.
Para esta teoria, a assunção corresponderia a uma delegação, que actualmente se faria através
de um contrato envolvendo três pessoas, o delegante que pretenderia que a sua obrigação passasse para
o delegado, este último, e o credor delegatário, que aceitaria essa transmissão. Fariam assim uma oferta
conjunta ao credor, propondo a substituição do delegante pelo delegado no vínculo obrigacional, a qual
seria aceite pelo credor. a assunção de dívidas teria assim a sua fonte num contrato trilateral.
MENEZES LEITÃO afasta desde logo a tese da substituição nos direitos de crédito, porque mais
não se pode negar a assunção. Já a tese da cessão não parece proceder. Quanto à primeira modalidade,
alem do absurdo lógico de distinguir, como se fossem três realidades distintas, a obrigação, o crédito e a
dívida, a consideração da dívida em si como um valor susceptível de tradição nos mesmos moldes que a
cessão de créditos não tem base, pois sendo a dívida um valor passivo, naturalmente que os interesses
que necessitam de ser acautelados na assunção de dívidas tornam os requisitos desta completamente
diferentes dos da cessão de créditos.
Quanto à tese do contrato a favor de terceiro, também não procede, já que este implica a
constituição de uma nova obrigação em benefício do terceiro.
A tese de disposição, também é igualmente criticável: se o credor tem, para se poder operar uma
assunção liberatória de dívida, não apenas que ratificar, mas também que exonerar o primitivo obrigado,
não se vê como se poderá defender que, com a mera celebração do contrato de transmissão, o antigo
devedor e o assuntor efectuaram uma ingerência nos direitos do credor.
Por estes motivos dá o Autor aderência à tese contratual ou teoria da oferta.
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4. A cessão da posição contratual35
Generalidades
A cessão da posição contratual corresponde à transmissão por via negocial da situação jurídica
complexa de que era titular o cedente em virtude de um contrato celebrado com outrem.
O subcontrato
Ocorre uma situação de subcontrato sempre que alguém celebra determinado contrato com base
na posição jurídica que lhe advém de outro contrato do mesmo tipo, já previamente celebrado com
outrem. O subcontrato depende assim da existência de um contrato anterior do mesmo tipo, em relação
ao qual se apresenta em situação de dependência.
A lei refere várias hipóteses de subcontrato, como a sublocação (arts. 1060º e ss. e 1088º e ss.),
a subempreitada (art. 1213º) ou o submandato (arts. 1165º e 264º). É, no entanto, clara a relação de
dependência do subcontrato em relação ao contrato principal, expressa, por exemplo, na circunstância
de a extinção deste provocar a extinção daquele (art. 1089º).
Esta situação distingue-se da cessão, uma vez que nesta se verifica a transmissão da posição
adveniente de um contrato de um sujeito para outro, sendo assim alterados os sujeitos. No subcontrato,
pelo contrario, a primitiva relação permanece inalterável.
A adesão ao contrato
Distingue-se da cessão a adesão ao contrato. Nesta, o que se verifica é que um terceiro vem a
constituir-se como parte numa relação contratual existente entre duas pessoas, participando da posição
jurídica já atribuída a uma delas sem que esta perca, por sua vez, a titularidade dessa mesma posição.
Uma vez que não é indiferente para a outra parte ter um ou mais parceiros contratuais,
designadamente em relações contratuais duradouras, como a sociedade ou o arrendamento, entende-se
que a adesão tem de resultar de um negócios trilateral ou, pelo menos, que o outro contraente, antes ou
depois, dê o seu consentimento à adesão.
A adesão apenas se distingue da cessão em virtude de esta implicar que o cedente deixe de ser
parte do contrato, em virtude da sua transmissão para outrem, enquanto que na adesão não ocorre
qualquer transmissão, mas apenas a agregação.
35 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 383 e
ss; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 75 e ss;
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A sub-rogação legal forçada ou sub-rogação ex lege na posição contratual
A cessão encontra-se prevista no art. 424º. O contrato de cessão tem, assim, os seguintes
requisitos:
Para que da cessão da posição contratual se possa falar, o referido negócio terá que ser um
negócio unitário, tendo por objecto a transmissão da posição contratual em globo, não sendo assim um
mero somatório de cessões de créditos ou de assunções de dívida.
Pode esse contrato consistir numa compra e venda (art. 874º), numa doação (art. 940º), numa
sociedade (art. 984º, c)), numa dação em cumprimento (art. 837º) ou pro solvendo (art. 840º) ou num
acto de constituição de garantia. Qualquer destes negócios que serve de base à cessão da posição
contratual tem necessariamente carácter causal, não constituindo assim a cessão da posição um negócio
abstracto.
A cessão apresenta-se como um efeito desse mesmo negócio, no qual se integra. Daí que a lei
determine expressamente que a forma da transmissão, a capacidade de dispor e de receber, a falta e vícios
da vontade e as relações entre as partes se definem em função do tipo de negócio que lhe serve de base
– art. 425º, nos termos do qual se estabelece ainda a garantia quanto à existência da posição contratual
transmitida – art. 426º.
A cessão não é, porém, admissível sem o consentimento do outro contraente, prestado antes ou
depois da celebração do contrato. Todos eles vêem a sua situação jurídica afectada pela cessão da posição
contratual pelo que todos terão que consentir na transmissão. Em relação às primitivas partes no contrato,
a cessão resulta de um negócio de disposição sobre a relação obrigacional complexa. Normalmente o
negócio da cessão é celebrado primeiro entre cedente e cessionário, ficando depois a sua eficácia
dependente da ratificação do credor, mas este pode dar o seu consentimento previamente a toda e
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qualquer cessão da posição. Neste último caso, o contrato entre o cedente e o cessionário não produzirá
efeitos logo que celebrado, mas apenas coma notificação ou reconhecimento da transmissão da posição
contratual pela outra parte no contrato (art. 424º/2).
Se o outro contraente não der o seu acordo à transmissão, o negócio não pode valer como
assunção de cumprimento das obrigações do cedente. Tem sido, porém, questionado na doutrina se,
perante a recusa do contraente cedido, o negócio não poderá converter-se, ao abrigo do 293º, num
contrato misto de cessão de créditos sobre o cedido e assunção cumulativa de dívida do cedente, numa
adesão ao contrato. A resposta tem sido maioritariamente negativa, dado que, para alem do facto de entre
nós nem a assunção cumulativa se pode fazer sem o consentimento do credor (art. 595º/1, a)), não faria
sentido admitir uma transmissão de créditos do cedente para o cessionário sem que aquele fosse
simultaneamente liberado das suas obrigações e que, sendo a cessão da posição contratual um contrato
trilateral, a recusa do consentimento do cedido implica que não se tenha formado o negócio, que não
chega assim a produzir quaisquer efeitos.
O art. 424º parece restringir a cessão da posição contratual aos contratos com prestações
recíprocas, ou seja, aos contratos bilaterais ou sinalagmáticos. Tal corresponde à posição maioritária da
doutrina, incluindo-se os nomes de GALVÃO TELLES, VAZ SERRA, ANTUNES VARELA, ALMEIDA COSTA
e RIBEIRO DE FARIA. Defendem assim que se pode transmitir a posição contratual do comprador ou
arrendatário, mas já não do doador ou do mutuário, já que as posições resultantes dos contratos unilaterais
apenas se poderiam transmitir através do instituto da cessão de créditos ou da assunção de dívidas. Tem-
se defendido igualmente a exclusão da aplicação da cessão da posição contratual aos contratos bilaterais
em que uma das prestações já tenha sido executada, dado que nesse caso se estaria perante um contrato
bilateral tornado unilateral. ANTUNES VARELA usa ainda o argumento sistemático da localização da
cessão apenas quatro artigos antes da excepção de não cumprimento que, como se sabe, é privativa dos
contratos sinalagmáticos (arts. 424º e 428º, respectivamente).
Não nos parece a nós poder aceitar esta tese. Muito mais razoável nos parece ser a doutrina
seguida por MENEZES CORDEIRO, MOTA PINTO e MENEZES LEITÃO. Para estes autores a orientação
anterior só pode ser compreendida no âmbito de uma concepção que considere a posição contratual como
um simples somatório de créditos e dívidas, sem tomar em consideração a situação jurídica que ela
representa, e que inclui ainda situações de outras ordens como os direitos potestativos e os deveres
acessórios. MENEZES LEITÃO continua, dizendo que, por exemplo, um contrato de compra e venda
executado apenas pelo vendedor, atribui a este, não apenas um direito de crédito ao preço, mas também,
e entre outros efeitos, a resolução eventual do contrato por incumprimento – art. 886º. Ora este conjunto
de situações não pode ser transmitido por cessão de créditos. A mesma coisa vale, mutatis mutandis, para
os contratos unilaterais como o mútuo ou a doação, já que uma mera assunção de dívida em relação à
obrigação do mutuário ou do doador impediria, no primeiro caso, o assuntor de exigir a responsabilidade
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do mutuante por vícios da coisa (art. 1151º), e, no segundo, de recorrer à revogação por ingratidão do
donatário – art. 970º.
Estaria, ainda, sempre aberta a sua aplicação por via da interpretação analógica, ao abrigo do
art. 10º.
Convém estabelecer, no exame dos seus efeitos, uma distinção entre a relação entre cedente e
cessionário, a relação entre o cessionário e o contraente cedido e a relação entre o cedente e o contraente
cedido.
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estabelecida no especial interesse daquele que viu a sua declaração negocial viciada, sendo inseparável
da pessoa do cedente. Não faria sentido que o cessionário pudesse exercer essa faculdade, já que em
relação a ele não se verifica o vício que determina a sua atribuição.
Se o cedente celebrou a que se refere a posição transmitida por erro, dolo ou coacção, e não
requereu a sua anulação, essa faculdade não se transmite para o cessionário, já que em relação a ele não
se verificaria nenhum fundamento de anulabilidade. O cedente pode, mesmo após a cessão, solicitar a
anulação do negócio, caso em que a cessão da posição contratual se tornará nula por impossibilidade do
objecto – art. 280º/1. Admite-se que o cedente se possa constituir em responsabilidade civil, ou por ter
tido culpa na celebração do contrato de cessão que veio a ser invalidado – art. 227º, ou por abuso de
direito – art. 334º –, no caso em que o seu interesse na anulação do negócio seja de muito menor
importância do que o prejuízo causado ao cessionário.
Quanto ao segundo requisito, o art. 426º/1 vem determinar que o cedente garante ao cessionário,
no momento da cessão, a existência da posição contratual transmitida nos termos aplicáveis ao negócio,
gratuito ou oneroso, em que a cessão se integra. A garantia do cumprimento das obrigações é que só
existe se for expressamente convencionada, nos termos gerais – art. 426º/2.
Do nº 1 resulta que a lei assegura ao cessionário uma garantia legal, relativa à existência da
posição contratual transmitida. Se essa posição contratual não existe ou se encontra na titularidade de
outrem que não o cedente, este torna-se responsável perante o cessionário. Essa garantia varia consoante
o negócio que serve de base à cessão da posição contratual seja uma compra e venda ou uma doação. No
primeiro caso, o incumprimento da garantia dá lugar à aplicação do regime dos arts. 892º e ss., enquanto
no segundo a situação é regulada pelos arts. 956º e 957º.
No caso de se estar perante uma compra e venda, o cedente terá de restituir ao cessionário o
preço da posição transmitida – art. 894º – e responde objectivamente pelos danos emergentes (art. 899º),
podendo ainda incorrer em responsabilidade pelo incumprimento da obrigação de convalidação – art.
900º/1. Havendo, porém, dolo da sua parte, o cedente responderá por lucros cessantes, que podem ter por
base o interesse contratual negativo (art. 898º) ou o incumprimento da obrigação de convalidação, no
caso de o lesado pretender optar por essa opção – art. 900º/2. No caso de doação, o cedente responde,
mas apenas se se tiver expressamente responsabilizado ou houver actuado com dolo – arts. 956º e 957º.
O cedente apenas responde pela existência e titularidade da posição contratual transmitida, pelo
que não poderá ser responsabilizado se o contraente cedido deixa de cumprir as suas obrigações
contratuais perante o cessionário, ou se torna insolvente, uma vez que este assume o risco desse
incumprimento ou insolvência. Pode, porém, ser estipulada uma garantia relativa ao cumprimento das
obrigações pelo contraente cedido – art. 426º/2.
DIOGO CASQUEIRO 89
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obrigações ao cedente, esse cumprimento não terá efeito liberatório, a menos que, tendo o contraente
cedido dado o seu consentimento antes da transmissão, não tenha ainda ocorrido a sua notificação ou
reconhecimento – art. 424º/2.
A posição do cessionário perante o contraente cedido pode, porém, não coincidir integralmente
com a posição que anteriormente teve o cedente, uma vez que a cessão da posição contratual pode não
abranger todos os direitos e obrigações que foram originados por aquele contrato. Se esta tem lugar após
ter sido cumprida alguma das obrigações dele resultantes, é manifesto que o direito que por essa via se
extinguiu não pode já ser transmitido, mesmo que as partes pretendam atribuir eficácia ex tunc à cessão.
Nas relações duradouras, a cessão da posição contratual apenas abrangerá, em princípio, as
situações jurídicas posteriores à transmissão, presumindo-se, por isso, salvo estipulação em contrário,
que os créditos e obrigações, já vencidos mas ainda não satisfeitos, se mantêm na titularidade do cedente,
não assumindo o cessionário qualquer responsabilidade pelo seu cumprimento.
Integram-se na posição contratual transmitida os poderes potestativos e as correspondentes
sujeições. Assim, poderá o cessionário invocar a excepção de não cumprimento ou o direito de retenção
e resolver o contrato com base em incumprimento ou em alteração das circunstâncias. O cessionário
poderá invocar como fundamento do exercício desses poderes potestativos, situações que ocorreram
anteriormente à cessão da posição contratual? No caso da resolução do contrato, se estiver em causa o
incumprimento de obrigações pelo cedente não poderá o contraente cedido exercer esses direitos perante
o cessionário, não só porque estas obrigações não se transmitem normalmente para ele, mas também
porque a ameaça da resolução não produzirá qualquer efeito de coerção ao cumprimento. Se se tratar do
incumprimento de uma obrigação duradoura, que persista após a cessão, naturalmente que o contraente
cedido poderá exercer perante o cessionário os direitos correspondentes, mesmo que o seu fundamento
tenha ocorrido em data anterior à cessão.
Relativamente às garantias das obrigações de que o contraente cedido é titular, parece que se
deverá aplicar analogicamente o regime do art. 599º, relativo à assunção de dívida. Parece que as
garantias se manterão se tiverem sido prestadas pelo cedente ou pelo cessionário, salvo se o contraente
cedido consentir na sua extinção. Em relação ao cessionário, não deve a cessão da posição contratual
implicar automaticamente a extinção das garantias que ele tinha constituído quando a obrigação lhe era
alheia e, em relação ao cedente, ele tem de consentir na cessão, pelo que se verifica necessariamente a
manutenção das garantias determinadas pelo art. 599º/2. Se a garantia tiver sido prestada por terceiro, a
regra será a da sua extinção, salvo se o terceiro tiver dado o seu acordo à transmissão da posição
contratual – art. 599º/2.
Quanto às excepções, rege o art. 427º, do qual resulta que a cessão da posição contratual não
implica que a outra parte conserve integralmente as excepções que possuía contra o cedente (por
exemplo, a compensação), apenas passando a poder invocar contra o cessionário as excepções que
resultam da própria relação contratual. Admite-se, porém, que o contraente cedido possa reservar outros
meios de defesa de que disponha como condição para consentir na cessão, caso em que o cessionário já
saberá de antemão que terá que contar com o exercício dessas excepções. Também o cessionário poderá
eventualmente reservar excepções resultantes de outras relações com o cedente.
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Não havendo essa reserva, o cessionário poderá opor ao contraente cedido excepções resultantes
do próprio contrato que determinou a cessão da posição contratual? A resposta deverá ser negativa: o art.
427º não exclui o próprio contrato de cessão da posição contratual do que denomina “outras relações
com o cedente”; e o art. 598º, cuja doutrina se deve aplicar à cessão da posição contratual, determina
expressamente a inoponibilidade à outra parte das excepções resultantes do contrato que determinou a
aquisição das obrigações.
Poderá, porém, o cessionário opor ao contraente cedido a invalidade do próprio contrato de
cessão, como, por exemplo, no caso de ter havido erro da sua parte, dolo do cedente, incapacidade
acidental ou simulação?
MOTA PINTO defende que, sendo o contrato de cessão um contrato trilateral, haverá que aplicar
ao contraente cedido as regras relativas à protecção do declaratário, que exigem para a procedência do
pedido de invalidade determinados estados subjectivos na sua pessoa. O cessionário só poderá invocar o
erro na formação da vontade ou na declaração, se o contraente cedido conhecesse ou não devesse ignorar
a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro; só pode invocar o dolo se o
cedido o conhecia ou deveria conhecer; e só pode invocar a incapacidade acidental, no caso de esta ser
conhecida ou cognoscível pelo cedido. Quanto à simulação, se esta se referir ao acordo entre cedente e
cessionário, funcionará perante o cedido como simples reserva mental irrelevante. Apenas quando a lei
tutelasse a posição do declaratário (ausência de capacidade pelo declarante e ainda coacção física) é que
se deveria considerar que a invalidade do contrato de cessão poderia ser oposta ao contraente cedido.
ANTUNES VARELA veio opor-se a esta situação. Quer resolver a questão com base na especial
posição que o contraente cedido tem em relação ao contrato de cessão, uma vez que não estipula com o
cedente ou cessionário as condições do contrato, mas se limita a autorizar ou ratificar a sua celebração.
O autor defende então que os requisitos subjectivos na pessoa do declaratário legalmente exigidos para
poder proceder a anulação do negócio nem sempre se aplicarão ao contraente cedido. Aplicar-se-á o
regime da exigência do conhecimento da reserva mental, pois não faria sentido que o negócio pudesse
ser anulado quando o contraente cedido desconhecesse essa reserva, mas já não se aplicarão os requisitos
do conhecimento da essencialidade no erro sobre a declaração ou no erro-vício, nem os requisitos de que
o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar o dolo de terceiro, uma vez que esses requisitos só se
compreendem em relação a quem participou na negociação e não a quem se limitou a autorizar ou a
ratificar o negócio. Esta posição foi posteriormente aceite por RIBEIRO DE FARIA.
MENEZES LEITÃO dá razão a MOTA PINTO. Diz o Autor que é manifesto que, se o contraente
cedido tem que consentir na cessão para que ela tenha lugar, não se vê como podem deixar de lhe ser
aplicadas as disposições relativas à protecção do declaratário, quer nos casos de reserva mental, quer nos
casos de anulação do contrato por erro ou dolo. Não deve, assim, admitir-se que possa proceder a
anulação da cessão da posição contratual, sem que se verifiquem em relação ao cedido os requisitos
subjectivos exigidos para protecção da confiança do declaratário.
Relações entre o cedente e o contraente cedido
A transmissão da posição contratual do cedente para o cessionário, nos termos do art. 424º,
libertará aquele de todas as obrigações, deveres acessórios e sujeições emergentes do contrato. Mas há
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excepções: se o cedente já tiver causado danos à outra parte no contrato em virtude do incumprimento
da obrigação principal ou de deveres acessórios dele emergentes, naturalmente que a obrigação de
indemnização por esses danos se mantém na sua titularidade.
Podem, porém, as partes estipular que a cessão da posição contratual se fará sem que o cedente
seja liberado das suas obrigações. Esta regra deve considerar-se admitida entre nós ao abrigo da
autonomia privada – art. 405º. E isto poderá implicar que ele responda como fiador, como principal
pagador ou como devedor solidário. Na dúvida entre estas, presume-se principal pagador.
O regime de solidariedade do art. 595º/2 apresentar-se-ia como inadequado à situação do
cedente não liberado, parecendo o regime da fiança sem beneficio de excussão bem melhor.
MENEZES LEITÃO, na esteira de MOTA PINTO, afirma que o cedente não exonerado deve
responder pelas consequências legais e contratuais da mora ou culpa do cessionário – art. 634º; o cedente
poderá fazer valer contra o cedido as excepções pertencentes ao cessionário – art. 637º; pode ainda
recorrer a outros meios de defesa próprios do cessionário, tais como invocar a compensação com um
crédito do cessionário sobre o cedido, e suscitar a impugnabilidade pelo cessionário do negócio donde
provém a sua obrigação (art. 642º); no caso de o cessionário transmitir a um terceiro a sua posição
contratual ou a sua dívida, o cedente deve poder invocar a extinção da sua garantia (art. 599º/2, por
analogia). A solidariedade passiva não se encaixa com estas soluções.
A natureza da cessão foi alvo de debate doutrinal, do qual surgiram algumas doutrinas, que vale
a pena agora expor:
É apenas explicável em virtude da rejeição da transmissão a título singular de dívidas. Esta tese
perdeu utilidade no direito actual.
O que ocorre aqui é a reprodução no confronto com outra pessoa de um dado mecanismo
contratual preexistente. A relação contratual não se transmite, mas antes se extingue, sendo que o outro
contraente vem a reproduzir em face do cessionário a mesma declaração negocial que tinha a celebrar
perante o cedente, o que leva à constituição de uma relação negocial de conteúdo idêntico, mas com fonte
distinta.
Foi defendida entre nós por Galvão Telles e por Vaz Serra, que qualificam a cessão como um
contrato misto de transmissão de créditos e de assunção de dívidas.
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Foi defendida por CARLOS MOTA PINTO, ANTUNES VARELA, MENEZES CORDEIRO, RIBEIRO DE
FARIA e MENEZES LEITÃO.
O crédito e a dívida não surgem isoladamente no âmbito da posição contratual, mas antes esta
constitui uma situação jurídica complexa cuja transmissão constitui precisamente o objecto do negócio
de cessão da posição contratual.
A posição contratual é algo mais do que a soma dos direitos e vinculações das partes,
abrangendo toda uma outra série de situações jurídicas a eles ligados que integram o conteúdo da relação
obrigacional complexa. Uma situação desse tipo não se deixa transmitir por negócios isolados de cessão
de créditos e de transmissão de dívidas, exigindo a celebração de negócio unitário que transmita a posição
contratual em globo.
1. Aspectos gerais36
O cumprimento das obrigações é assegurado pelos bens que integram o património do devedor
– constitui assim a garantia geral das obrigações. Geral porque a cobertura tutelar dos bens penhoráveis
do devedor abrange a generalidade das obrigações do respectivo tutelar.
Ao lado da garantia geral pode haver garantias especiais do crédito, quer sobre bens de terceiros,
quer sobre bens do próprio devedor, que assegurem de modo particular a satisfação do crédito do titular
da garantia.
A garantia geral acompanha a obrigação desde o seu nascimento.
Art. 601º – pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis
de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de
patrimónios.
Nem todos os bens do devedor integram a garantia da obrigação. Só a garantem os bens que
possam ser penhoráveis (cfr. art. 821º CPC).
Há, com efeito, bens que a lei processual, por motivos de ordem moral, religiosa, social,
económica e até de humanidade, considera impenhoráveis. É sacrificado o interesse do credor ao
36 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 419 e
ss.
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interesse do devedor em manter a coisa na sua posse ou o direito na sua titularidade. A impenhorabilidade
pode revestir uma dupla modalidade: os bens discriminados no art. 822º CPC são bens absolutamente
impenhoráveis; os bens mencionados nos arts. 823º e 824º são, por sua vez, bens relativa ou
parcialmente impenhoráveis.
A segunda nota focada no art. 601º é a da ressalva dos regimes especialmente estabelecidos em
consequência da separação de patrimónios.
Há vários casos em que a lei, dentro da massa geral de bens pertencentes a determinada pessoa,
singular ou colectiva, segrega uma parte deles para os afectar especialmente. Dá-se a este conjunto de
bens o nome de património autónomo e a sua afectação especial a determinado fim consiste em esse
conjunto de bens responder apenas pelas dividas relacionadas com essa finalidade. Exemplos são a
herança (art. 2070º e 2071º) e os bens do casal (art. 1695º).
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Cláusulas de irresponsabilização de determinados bens
Mais longe que o art. 602º, vai a disposição do art. 603º – o autor da liberalidade pode excluir
a responsabilidade dos bens deixados ou doados por algumas das dividas do beneficiário.
A lei foi criteriosa na concessão dessa faculdade, conciliando a liberdade negocial que deve
reconhecer-se ao autor da liberalidade com a legitima expectativa dos credores.
Reconheceu-se a validade e oponibilidade da cláusula aos titulares de créditos anteriores à
liberalidade.
Mas já não deve admitir-se que o autor da liberalidade goze do poder de fixar o estatuto da
responsabilidade dos bens do devedor face aos futuros credores. Não parece justo que o credor não possa
contar com a execução dos bens que nessa data integram o património do devedor.
Recaindo a doação ou a deixa sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, o art. 603º/1 não
permite a oponibilidade da cláusula aos próprios credores anteriores, se estes tiverem registado a penhora
antes do registo da cláusula.
Diz-se, com base no art. 601º, que o património do devedor é a garantia comum, alem de geral,
dos credores no sentido de que os credores, que não gozem de nenhum direito de preferência sobre os
demais, são pagos em pé de igualdade uns com os outros (regra par conditio creditorum).
O art. 604º distingue quanto à garantia do cumprimento, duas categorias de créditos: os dotados
de qualquer direito de preferência e os comuns.
Quanto aos últimos a lei não atende nem à sua proveniência nem à data da sua constituição para
estabelecer qualquer ordem de pagamento. Assim, se o devedor não cumprir voluntariamente no
momento próprio, de duas uma:
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a. Ou os bens do devedor chegam para a integral satisfação dos seus débitos e nenhum
problema de prioridade se levanta;
b. Ou os bens do obrigado não bastam. Nesse caso, o art. 604º/1 manda dividir o preço
dos bens do devedor por todos, proporcionalmente ao valor dos créditos, sem nenhuma distinção baseada.
São assim, os credores tratados em plena igualdade.
2. Declaração de nulidade37
A lei não se limita a conceder ao credor o direito de promover a execução forçada da prestação
e de se ressarcir à custa do património do obrigado, se a realização coactiva da prestação não for possível.
Concede-lhe ainda os meios necessários para o credor defender a sua posição contra os actos
praticados pelo devedor, capazes de prejudicarem a garantia patrimonial da obrigação.
É precisamente dos meios de conservação da garantia patrimonial do credor que tratam os arts.
605º e seguintes: declaração de nulidade, sub-rogação do credor ao devedor, impugnação pauliana e
arresto.
A possibilidade facultada ao credor pelo art. 605º de impugnarem os actos nulos praticados pelo
devedor, não obstante a sua qualidade de terceiro em relação a esses actos, reconhece-lhe sobretudo
legitimidade para atacarem os actos simulados realizados em seu prejuízo.
37 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 433 e
ss;
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A disposição é, em si, “inútil”, já que o seu efeito seria alcançado pelo art. 286º - a nulidade do
negócio pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado na nulidade.
Tem, no entanto, interesse em três aspectos:
38 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 436 e
ss;
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A lei procurou respeitar a liberdade de acção do devedor dentro dos limites considerados
razoáveis.
A lei (art. 2067º) previu e regulou expressamente um caso especial de sub-rogação: o da sub-
rogação do credor ao devedor que, em prejuízo dele, repudia a herança a que foi chamado. Para este caso,
o tratamento especial assenta nas seguintes razões:
1) A primeira restrição provém logo do facto de ela se cingir aos direitos que competem
ao credor – a substituição ao devedor só pode dar-se em relação a direitos já existentes ou constituídos e
não em relação a meras expectativas de aquisição de um direito;
2) O art. 606º/1 ressalva os direitos de carácter pessoal – os direitos que, por sua natureza
ou disposição legal, só possam ser exercidos pelo respectivo titular. Tais são, diz o Código Civil Anotado,
as acções relativas ao estado das pessoas ou à revogação duma doação por ingratidão do donatário,
mesmo que elas possam ter uma importante repercussão no património do devedor;
3) Exige-se ainda, para a procedência da sub-rogação, que a operação seja essencial à
satisfação ou garantia do direito do credor – art. 606º/2. A lei foi mais severa aqui do que para a
declaração de nulidade. Na sub-rogação, para que o credor possa recorrer-lhe, é indispensável que a
realização do acto seja essencial à satisfação ou à garantia do direito do credor 39. Quer isto dizer que,
para o seu exercício, terá o credor de alegar e provar uma de duas coisas:
39 Na acção de nulidade há a reacção contra um acto que enferma, em si mesmo, de um vício grave. Na sub-rogação,
trata-se de uma omissão que, de per se, é perfeitamente legítima.
40 VAZ SERRA afirmou assim que se o devedor está manifestamente solvente, a acção deve ser rejeitada.
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ii. Ou que da omissão resultou a impossibilidade de satisfação do
direito do credor, como sucede quando a inacção do devedor provoque a privação, para o seu
património, da coisa não fungível essencial à realização da prestação devida.
Rege neste ponto o art. 608º: não é essencial ao exercício da acção o recurso à acção judicial.
Se o credor se quiser substituir ao devedor na cobrança de um crédito deste contra terceiro, prestes a
prescrever, não é necessário recorre à acção de condenação, podendo utilizar para o efeito a simples
interpelação extrajudicial.
Por outro lado, impõe a citação do devedor, ao lado da pessoa contra quem o direito é exercido
pelo credor, na acção judicial a que este recorra para exercer a sub-rogação – litisconsórcio necessário
(art. 28º CPC), cuja violação determina a ilegalidade das partes.
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Quanto aos efeitos, a nota mais saliente é a de que os bens por ela atingidos regressam ao
património do devedor ou ingressam nele, em proveito de todos os credores e do próprio devedor – a
sub-rogação aproveita a todos os credores.
Entendeu-se, na esteira de VAZ SERRA, não ser justo que o autor da sub-rogação, “só pelo facto
de o ser, se utilize do beneficio da acção, com exclusão dos outros credores, quando ele se limitou a usar
um meio que o devedor também poderia ter utilizado, cujos benefícios, nesse caso, reverteriam sem
dúvida para todos os credores”.
Outra consequência importante, tirada do facto de o credor exercer um direito que não é
propriamente seu, é a de que o terceiro (contra quem o direito é exercido) só pode opor ao credor os
meios de defesa que poderia deduzir contra o devedor, e não os que pessoalmente lhe competissem contra
o credor.
4. Impugnação pauliana41
A lei prevê nos arts. 610º e ss a impugnação pauliana pelo credor dos actos do devedor que o
passam prejudicar. Surge, assim, como meio de conservação da garantia geral, destinada a permitir aos
credores reagir contra os actos do devedor que se apresentem como lesivos dessa garantia.
Essa reacção é admissível quer em relação à primeira alienação pelo devedor (arts. 610º e ss.),
quer e relação a alienações subsequentes efectuadas pelo adquirente dos bens (art. 613º).
1. A realização pelo devedor de um acto que diminua a garantia patrimonial do crédito e não seja
de natureza pessoal;
2. Que o crédito seja anterior ao acto, ou sendo posterior, ter sido ele dolosamente praticado com
o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
3. Que o acto seja de natureza gratuita, ou sendo oneroso, ocorra má fé tanto do alienante como
do adquirente;
4. Que resulte do acto a impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do crédito ou
agravamento dessa impossibilidade.
Analisemos sucessivamente cada um destes requisitos.
1) Realização pelo devedor de um acto que diminua a garantia patrimonial do crédito e não seja
de natureza pessoal
41 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 445 e
ss; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 301 e ss;
A primeira diz respeito aos actos nulos, como por exemplo os negócios simulados (art. 240º),
uma vez que acarretando a nulidade a não produção de efeitos, poderia questionar-se se dele resultaria
efectivamente a diminuição da garantia patrimonial do crédito.
A lei expressamente admite o instituto em relação a esses actos (art. 615º/1) – uma vez
conhecidas as dificuldades de prova de certos fundamentos da nulidade, como na simulação, seria
incorrecto sujeitar o credor aos riscos da improcedência de uma declaração de nulidade.
Outra situação respeita ao cumprimento das obrigações vencidas, que a lei considera estarem
excluídas da impugnação, sendo, porém, admissível em relação ao cumprimento de obrigações ainda não
exigíveis, como em relação ao cumprimento de obrigações naturais (art. 615º). Encontrando-se o devedor
numa situação patrimonial deficitária, não há duvida que o facto de ele efectuar o pagamento a apenas
um deles implica o beneficio desse em relação aos demais, o que atentório do princípio do art. 604º/1. A
verdade é que, contudo, encontrando-se o devedor na iminência da insolvência, cabe-lhe a faculdade de
gerir livremente o seu património, o que pode passar por dar prioridade a alguns credores, cuja reacção
ao não cumprimento lhe poderia acarretar mais prejuízos. Por outro lado, o credor recebe aquilo a que
tem direito, pelo que não se vê como obrigá-lo à restituição da prestação que lhe era efectivamente devida
e exigível.
Esta exclusão da impugnação ao cumprimento não é, porém, extensível ao cumprimento de
obrigações ainda não vencidas, nem ao cumprimento de obrigações naturais (art. 615º/2). Ao satisfazer
créditos ainda não exigíveis, o devedor beneficia indiscutivelmente o titular desse crédito. Da mesma
forma, não pode satisfazer créditos naturais em detrimento de créditos civis.
Se o devedor vier a extinguir o crédito por outra forma que não o cumprimento, naturalmente
que os credores podem recorrer à impugnação pauliana.
2) Anterioridade do crédito relativamente ao acto, ou sendo posterior, ter sido ele dolosamente
praticado com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor
3) Natureza gratuita do acto, ou sendo oneroso, ocorra má fé tanto do alienante como do adquirente
Quanto aos actos gratuitos, a impugnação procede, ainda que o devedor e o adquirente estejam
de boa fé. Entre os actos gratuitos incluem-se obviamente as doações modais.
Quando a alienação é onerosa, a impugnação só procederá estando o alienante e o adquirente de
má fé. Esta é considerada pela lei como a consciência do prejuízo que o acto causa ao devedor (art.
612º/2).
Como deve ser definida a má fé na impugnação pauliana? Para GUILHERME MOREIRA, exigia-
se a consciência do prejuízo causado ao credor, a qual não teria de corresponder a uma intenção de
prejudicar. VAZ SERRA e MENEZES CORDEIRO defenderam que se deveria incluir na má fé a ignorância
por negligência do prejuízo causado ao credor. A posição que parece de seguir, no entanto, é a defendida
por ANTUNES VARELA, ALMEIDA COSTA e MENEZES LEITÃO: abrangidos estão os casos de dolo e de
negligência consciente; a negligência inconsciente não poderia estar incluída. Quanto ao prejuízo em
questão, deve ser entendido como a impossibilidade prática de satisfação do crédito, admitindo-se assim
a existência de má fé, sempre que haja intenção ou consciência dessa impossibilidade.
Quer a má fé do alienante, quer a do adquirente, terão de ser provadas pelo credor.
A lei exige apenas a mera impossibilidade de satisfação do crédito – abrange, não apenas os
casos em que o acto implique a colocação do devedor em insolvência ou agrave essa situação, mas
também os casos em que, embora, não ocorrendo essa insolvência, o acto produza ou agrave a
impossibilidade fáctica de o credor obter a execução judicial do crédito.
O art. 613º/1 exige, para admitir a impugnação nestes casos, os seguintes requisitos:
Resulta que uma vez verificada a impugnabilidade da primeira transmissão, fica facilitada a
impugnação de posteriores transmissões, uma vez que a lei basta-se nesse caso com a demonstração de
má fé do alienante e do posterior adquirente, se a transmissão for a título oneroso. Se for a título gratuito,
nem este requisito se exige.
O art. 613º/2 acrescenta que a solução é ainda aplicável à constituição de direitos sobre os bens
transmitidos, em benefício de terceiro.
Controvertido na doutrina é se, no caso de a impugnação respeitar a bens sujeitos a registo, se
poderá efectuar o correspondente registo da acção, em ordem a permitir que o direito do credor
impugnante prevaleça sobre quaisquer transmissões posteriores. Parece-nos, contudo, que sendo a
impugnação pauliana uma acção pessoal, não se inclui entre as acções sujeitas a registo pelo art. 3º/1, a)
do C. Reg. Pred. Em sentido contrário a esta orientação se pronunciou CARVALHO FERNANDES.
Vêm referidos no art. 616º – aproveitam apenas ao credor impugnante (nº 4), o que quer dizer
que, contrariamente ao que sucede na sub-rogação, os bens não voltam ao património do devedor.
Julgada procedente, o nº 2 determina que o credor que dela beneficia tem direito à restituição
dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e
praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei. O seu direito tem, no entanto,
um conteúdo distinto consoante o adquirente esteja de boa ou má fé. No primeiro caso, responde só na
medida do seu enriquecimento (nº 3); no segundo caso é responsável pelo valor dos bens que tenha
alienado, bem como dos que tenham perecido ou deteriorado por caso fortuito, salvo se provar que a
Rege o art. 617º: mantém-se válido o acto celebrado entre eles, ocorrendo apenas uma situação
de responsabilidade do devedor perante o terceiro, em virtude de o credor ter adquirido sobre o terceiro
um direito à restituição.
Nº 1: se o acto for gratuito, o devedor só é responsável nos termos das doações (art. 957º), isto
se o devedor se tiver expressamente responsabilizado ou houver procedido com dolo; se o acto for
oneroso, o terceiro tem direito a exigir do devedor aquilo com que este se enriqueceu. É um
enriquecimento por pagamento de dívidas alheias, uma categoria do enriquecimento por despesas.
Nº 2: os direitos que o terceiro adquira contra o devedor não prejudicam a satisfação dos direitos
do credor contra aquele. A responsabilidade do devedor perante o terceiro não pode ser invocada como
excepção para não satisfazer os direitos do credor.
Se vem a ocorrer a satisfação do crédito, por cumprimento ou outra causa de extinção, quer
resulte do devedor, quer de terceiro, o credor perde o direito à impugnação. Também o perderá se o
devedor vier a adquirir novos bens, suficientes para assegurar a garantia patrimonial do crédito, uma vez
que neste caso qualquer dos réus estará em condições de efectuar a prova a que se refere o art. 611º.
Art. 618º – estabelece um prazo de caducidade de cinco anos, contados da data do ano
impugnável. É um prazo relativamente longo, justificado uma vez que o seu inicio é fixado na data do
acto impugnável (e não do seu conhecimento pelo credor) e, sendo, o actual prazo de caducidade, em
princípio não se suspende nem interrompe (art. 328º).
O arresto (arts. 619º e ss.) consiste na apreensão judicial de bens do devedor, quando haja justo
receio de que este os inutilize ou os venha a ocultar.
Os bens arrestados ficam a garantir o cumprimento da obrigação, ainda que sejam transmitidos
a terceiro, desde que o registo da transmissão seja posterior ao registo do arresto.
O requerimento do arresto tem como principal fundamento o justo receio de o credor perder a
garantia patrimonial.
Esta fórmula muito ampla e genérica quer cobrir, nomeadamente, a fuga do devedor, o receio
de subtracção de bens ou o risco de perda das garantias do crédito. Mas cobre outras causas análogas.
Embora a lei substantiva o não diga, explicitamente, é necessário alegar e provar que a
apreensão judicial dos bens é a providência capaz de prevenir o receio invocado para a sua concessão.
É uma questão que tem de ser analisada à luz de cada caso concreto (art. 407º CPC).
Efeitos do arresto
42 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 463 e
ss;
O arrestante continua a ter preferência em relação aos demais credores (art. 822º) e, logo que
convertido em penhora, poderá prosseguir com a execução sobre os bens arrestados.
A equiparação à penhora estende-se ainda aos outros efeitos (art. 622º/2). Entre esses destaca-
se a cessação da preferência baseada na penhora, logo que seja decretada a falência.
1. Aspectos gerais43
Garantias especiais são os meios que reforçam, em beneficio de um credor, a garantia comum
dos credores, dada a todos eles, em pé de plena igualdade, pelo património do obrigado. Algumas, como
a fiança, o aval e a garantia autónoma são prestadas por terceiros. Outras, como os privilégios creditórios
e o direito de retenção, incidem geralmente sobre bens do próprio devedor. Outras (penhor, hipoteca,
caução e consignação de rendimentos) podem recair sobre os bens dos dois.
2. Prestação de caução44
A caução designa a entrega feita por uma das partes à outra de certa quantidade de coisas móveis
para garantia da cobertura do dano proveniente do não cumprimento de determinada obrigação.
Tem um objecto mais amplo, pois abrange também (art. 623º/1 e 2), tanto a hipoteca como a
própria fiança, seja bancária ou não bancária. Neste sentido, é sinonimo de segurança ou de garantia
especial das obrigações e serve para abranger genericamente todos os casos em que a lei ou estipulação
das partes exige a prestação de qualquer garantia especial ao credor.
A caução compreende o depósito de dinheiro, papéis de crédito, pedras ou metais preciosos...
43 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 471.
44 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 471 e
ss;
Por serem múltiplos os meios pelos quais a necessidade de caucionar o crédito pode ser
preenchida, distingue a lei (arts. 623º e 624º) entre as formas como a caução deve ser prestada, quando
a sua prestação resulta de uma imposição ou autorização legal, e as formas como pode ser satisfeita,
quando a sua prestação corresponda a uma obrigação ou autorização proveniente de negócio jurídico ou
imposição do tribunal.
Como exemplos de caução exigida por lei temos os arts. 47º/3, 819º/1 e 818º/1 CPC. Temos
ainda os casos previstos nos arts. 614º/2 CC e em qualquer das situações do art. 648º 45.
Em todos estes casos, sempre que a lei não indique a espécie de garantia exigida ou autorizada,
limita-se compreensivelmente o circulo de meios de caução considerados idóneos.
Exige-se (art. 623º) que a caução seja prestada por meio de depósito de dinheiro, de títulos de
crédito, de pedras ou metais preciosos ou então por penhor, hipoteca ou fiança bancária.
A limitação relativa à fiança explica-se pelas possíveis oscilações da situação patrimonial do
fiador, menor quando a fiança seja prestada por instituição bancária.
Quando se mostre inviável a prestação de caução por um dos meios do art. 623º, permite-se a
sua realização através de qualquer outro tipo de fiança, contando que o fiador renuncia ao beneficio de
excussão, a fim de poupar o credor garantido aos incómodos e dificuldades da própria excussão dos bens
do devedor.
Não contente com a selecção do objecto da caução, a lei (art. 623º/3) confia ao tribunal o poder
de decidir sobre a idoneidade da caução, sempre que não haja acordo dos interessados.
De comum aos dois núcleos há o facto de ser ao juiz que compete decidir sobre a idoneidade da
caução.
Por uma questão de razoabilidade, apesar de na base da providencia se encontrar um acto ilícito
do devedor, limita-se a constituição de garantia aos bens suficientes para assegurar o direito do credor
(art. 625º/2).
Como causa de sanção especial fixada na lei (art. 625º) pode mencionar-se o do art. 1470º –
usufrutuário que não presta a caução devida – e o do art. 2238º/2 – herdeiro ou legatário sob condição
ou termo, ou sucessor onerado com a prestação do legado condicional, que não presta a caução devida.
3. Fiança46
A fiança é o vinculo jurídico pelo qual um terceiro (fiador) se obriga pessoalmente perante o
credor, garantido com o seu património a satisfação do direito de crédito deste sobre o devedor (art.
627º).
O fiador obriga-se pessoalmente perante o credor, o que significa que é o seu património quem
garante o realização da prestação debitória.
Objecto mediato da garantia é assim todo o património do terceiro e não apenas determinados
bens, como ocorre nas garantias reais.
Por outro lado, na medida em que não incide sobre bens determinados, com a eficácia absoluta
própria dos direitos reais de garantia, mas sobre todo o património do devedor a fiança sofre todas as
oscilações, para mais ou menos, deste património. E aí reside a sua fraqueza e se explica o lugar
relativamente secundário e cheio de cautelas para que o art. 623º/1 e 2 relega a fiança.
46
ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 477 e
ss;
Distinta da fiança é o aval, garantia bastante utilizada nos títulos cambiários. Nestes títulos o
avalista garante também o cumprimento da obrigação cambiária subscrita pelo avalizado: “o dador de
aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. A sua obrigação mantém-se, mesmo
no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma”.
Transparece a ideia de que perante o credor, a obrigação do avalista é mais uma obrigação paralela do
que uma obrigação substituta, como na fiança.
E desta ideia básica têm a doutrina e a jurisprudência retirado a conclusão de que o avalista não
goza do beneficio da excussão.
Características
A declaração de fiança necessita de revestir a forma exigida para a obrigação principal. Não
vigora, pois o princípio da liberdade de forma (art. 219º) mas o da equiparação à obrigação principal.
A dívida contraída pelo fiador tem, em regra, o mesmo conteúdo que a dívida principal.
1. Ela não pode existir, se não for válida a obrigação principal que é chamada a cobrir
(art. 632º);
2. Não pode exceder a dívida principal, nem ser contraída em condições mais onerosas
(art. 631º);
3. A sua forma é determinada pelo princípio da equiparação à obrigação principal (art.
628º);
4. A extinção da obrigação principal importa a extinção da fiança (art. 651º);
5. O fiador pode, em princípio, opor ao credor os meios de defesa que competem ao
devedor (art. 637º).
Negócio de risco
Subsidiariedade (eventual):
A relação fidejussória é necessariamente uma relação contratual e, por isso, só deve considerar-
se constituída, nos termos do art. 232º, quando houver mútuo consenso (do credor e do fiador: art. 628º/2;
ou do fiador e do devedor: art. 443), ou pode ela nascer da declaração unilateral do fiador, funcionando
nesse caso como um verdadeiro negócio unilateral?
VAZ SERRA admitia abertamente a possibilidade da constituição unilateral da fiança. Nessa
hipótese, o fiador obriga-se, por declaração unilateral, para com o credor, e este pode não ser determinado
na data em que o fiador se obriga.
O Código português não afirma directamente a natureza contratual da fiança, mas sublinha
categoricamente no art. 457º, o carácter excepcional dos negócios unilaterais. Em contrapartida, a lei
civil portuguesa não exige, para a validade da fiança a forma escrita da declaração do fiador. Resulta
assim que:
1. A fiança deve resultar sempre de um acordo, seja entre o fiador e o credor, seja entre
o fiador e o devedor;
2. Esse acordo pode ser puramente verbal, salvo se a lei exigir a observância de forma
especial para a obrigação principal;
3. Nos casos em que a lei não exija forma especial para a obrigação principal, pode
provar-se por qualquer meio a existência de acordo verbal entre as partes, mesmo que a declaração de
fiança conste de documento escrito apenas assinado pelo fiador; a promessa de prestação constante do
escrito terá o valor probatório resultante do disposto no art. 458º/1 e 2;
4. Necessitando a obrigação principal de constar de documento escrito assinado por
ambas as partes, igual forma deve revestir o contrato de fiança, sob pena de nulidade: nulidade que
persiste, mesmo havendo declaração escrita assinada pelo fiador, por não haver, aos olhos da lei, prova
bastante de o fiador haver transitado da simples fase do projecto contratual para a conclusão firme do
contrato.
A) Benefício da excussão
Nas relações entre o credor e o fiador, o direito que mais avulta e melhor espelha o reforça da
garantia patrimonial trazido pela fiança é o que confere ao credor o poder de exigir a prestação, caso o
devedor a não tenha cumprido.
Pode ainda acontecer que os bens onerados pelas garantias reais que concorrem com a fiança
na protecção da mesma dívida garantam ao mesmo tempo outros créditos do mesmo credor.
Neste caso, se os bens onerados com as garantias reais não chegarem para cobrir todos os
créditos, não se pode conceder ao fiador o beneficio da execução prévia relativamente à dívida afiançada.
Perguntar-se-á se o autor da garantia real que, face ao art. 639º/1, for executada para se não
tocar na fiança, fica ou não sub-rogado, após o pagamento, nos direitos do credor contra o fiador. Não
fica. Presumindo-se que o fiador só assegurou o cumprimento da obrigação principal por contar com o
valor das garantias reais que asseguravam a realização da prestação, é evidente que os autores destas
garantias não se podem sub-rogar nos direitos do credor contra o fiador.
Há casos em que isto sucede; desde logo no caso do art. 640º, quando o fiador houver renunciado
a esse beneficio, nomeadamente quando houver assumido a posição de principal pagador. Nenhuma
razão há para se negar a validade à renúncia do fiador a esse benefício, contanto que não se desfigure a
essência da relação fidejussória, que reside na sua acessoriedade, dependência e subalterneidade. É o que
sucede no já acima estudado caso do art. 641º/2.
A segunda causa de exclusão da excussão provém da circunstância de: (1) o devedor ou dono
dos bens onerados com a garantia real não poderem ser demandados no território português; (2) e essa
impossibilidade de facto ser posterior à constituição à fiança (art. 640º, b)). São os requisitos
cumulativos. Se essa impossibilidade era posterior ou contemporânea da fiança, já o credor não podia
contar com essas garantias e por isso, não pode impor o encargo ao fiador.
Temos dois núcleos de meios de defesa que o art. 637º/1 vem distinguir: há que contar em
primeiro com os meios de defesa próprios do fiador – inerentes ao negócio de fiança (vícios do negócio,
haver lugar à compensação, caducidade...). Mas há também os meios de defesa relativos à obrigação
principal, fundados na relação entre o devedor e o credor, que todos os pode usar o fiador.
Assim, se esta for nula, prescreve ou se extinguiu, tudo isto aproveita ao fiador, com excepção
da anulabilidade, onde cabe ao devedor fazer a opção entre convalidação e a anulação.
Exceptuam-se os que sejam incompatíveis com a obrigação do fiador, onde cabem os casos em
que a obrigação principal tenha sido anulada por falta ou vício da vontade do devedor, conhecendo o
fiador a causa da anulabilidade (art. 632º/2). Em obediência à boa fé, o art. 637º/2 estatui que a renúncia
aos meios de defesa pelo devedor não prejudicam o fiador.
Caso julgado
Art. 635º – o caso julgado entre o credor e o devedor não é oponível ao fiador, porque este não
teve oportunidade de se defender na acção contra a pretensão do credor e porque a solução oposta se
prestaria a fáceis conluios entre as partes.
Mas o fiador pode aproveitar-se dele porque, sendo desfavorável ao credor, não há o perigo de
conluio entre as partes nem o de negligencia do devedor na conclusão da sua defesa. Há que naturalmente
ressalvar a hipótese de a decisão desfavorável ao credor ter assentado em razões pessoais do devedor que
não aproveitem ao fiador.
Paralelamente se passam as coisas com o caso julgado enter credor e fiador.
Prescrição
O princípio aceite neste ponto é o da relativa independência das duas obrigações. Nem a sua
interrupção ou suspensão têm efeitos quanto ao fiador e vice-versa (art. 636º/1 e 2).
A renúncia à prescrição por um deles também não prejudica o outro (art. 636º/3).
Mas há uma excepção: no caso de a prescrição ser interrompida quanto ao devedor, bastará para
que ela seja também interrompida quanto ao fiador a comunicação do facto ao fiador pelo credor,
contando-se da data da comunicação a interrupção relativa ao garante.
O facto de a prescrição ter sido interrompida em relação ao fiador, não havendo interrupção em
face do devedor, pouco adiantará ao credor, porque uma vez extinta a dívida principal se extingue
também a do fiador.
Invocando o devedor a prescrição e pagando o fiador a dívida, fica este apenas com um direito
natural para com o devedor.
Art. 644º – o fiador que cumpre a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor. o
cumprimento do fiador gera uma verdadeira transmissão do crédito para o fiador.
A diferença entre a concessão de um direito novo de regresso e a transmissão do crédito anterior
exprime-se num duplo aspecto:
Ainda em virtude da sub-rogação, o devedor pode invocar contra o fiador todos os meios de
defesa que podia invocar contra o credor.
Ressalvam-se apenas (art. 647º), os meios de defesa de que o devedor não deu, mas devia ter
dado conhecimento ao fiador, ao consentir no cumprimento deste ou ao ser avisado de que este ia
cumprir.
Caso de o devedor afiançado cair em falência: agora, se for aprovada concordata, o fiador pode
continuar responsável pelo cumprimento integral da dívida e não apenas pela parte do débito mantida
através da concordata.
Ligado à sub-rogação do fiador anda o dever acessório de conduta imposto a esse fiador no art.
645º/1 – deve avisar o devedor do cumprimento, sob pena de perder o seu direito no caso de este efectuar
de novo a prestação por erro. À conduta imposta, ou melhor, à falta da sua observação, faz a lei
corresponder a validade excepcional do cumprimento realizado pelo devedor ao credor aparente. E o nº
2 impõe ao fiador, credor sub-rogado, que compete exigir do credor a restituição do indevido.
Se, apesar de não avisado pelo fiador, o devedor já tinha conhecimento do pagamento, não pode
falar-se em erro: será ao devedor a quem incumbe exigir a repetição do indevido.
Pluralidade de fiadores
O problema é o de saber como responde cada um deles face ao credor e, como se processam as
relações internas depois de um deles ter cumprido.
Quanto ao primeiro problema temos duas situações: (1) os fiadores terem intervindo
isoladamente; (2) terem agido conjuntamente, relacionando-se uns com os outros.
No primeiro caso presume-se que cada um quer responder por toda a dívida: e o regime que
melhor se adapta é o da solidariedade entre eles. Clarão que esta presunção cessa se tiver sido acordado
o beneficio da divisão.
Na segunda situação, não é necessária a cláusula da divisão, para que dela beneficiem. O simples
facto de os confiadores terem agido concertadamente, basta para se presumir que quiseram
responsabilizar-se, proporcionalmente ao seu número pelo cumprimento da dívida. Assim, cada um deles
responderá proporcionalmente (art. 649º/2), pela quota do confiador que se mostrar insolvente. E com a
agravante de serem equiparados ao confiador insolvente aqueles que, para os efeitos do art. 640º, b), não
puderem ser demandados no território nacional.
Como consequência, se não invocar o benefício da divisão quando for demandado, ainda que
por erro, não poderá o confiador exigir do credor a repetição do que haja pago alem da sua quota.
Extinção da fiança
Foi considerado justo não deixar desprotegido o fiador de obrigação que não seja a prazo.
Também a este, desde que não privado da excussão, se concedeu o direito de exigir do credor a
interpelação do devedor, sempre que deste acto dependa o vencimento da obrigação e haja decorrido
mais de um ano sobre a data da assunção da fiança (art. 652º/2).
Outra causa de extinção da fiança é a fundada no facto de, por facto imputável ao credor, o
fiador não poder ficar sub-rogado nos direitos que a este competiam (art. 653º). A soluça resultante da
lei neste caso é a da redução e não a integral caducidade da fiança.
Especial delicadeza reveste para o fiador a fiança de obrigação futura, cuja validade a lei (art.
628º/2) expressamente reconhece.
O fiador corre aí um duplo risco especial: por um lado, o montante da obrigação prevista pode
avolumar-se; por outro, a situação patrimonial do devedor pode deteriorar-se.
Por esta razão se concede ao garante da obrigação futura a dupla possibilidade de pôr termo à
garantia.
Formulação do problema
A "fiança geral", ou "fiança omnibus", criada pela prática bancária, surgiu com a finalidade de
garantir, através de um terceiro, o fiador, o reembolso dos financiamentos e outros movimentos de capital
feitos pelas instituições bancárias em benefício dos seus clientes.
Tal modalidade de fiança possui assim por objecto os direitos de crédito que visa garantir – nos
termos do artigo 628º do CC. –, tanto se podendo referir a obrigações já constituídas como a obrigações
futuras, e caracteriza-se por apresentar um conteúdo genérico, muito amplo, com um grau de
determinabilidade variável.
Quando tal fiança, mesmo a prestada no âmbito de financiamentos ou outras operações
bancárias, é posterior ou contemporânea do negócio jurídico que se pretende garantir, normalmente
estará afastado o problema da determinação do objecto, salvas eventuais excepções, na medida em que
o crédito a que se reporta é imediatamente referenciado, com relativa precisão, designadamente quanto
à sua origem, prazo, valores máximos, relações intersubjectivas, etc.
Nesta última hipótese não é de se considerar nula tal fiança por indeterminabilidade do
respectivo objecto, nos termos e para os efeitos do artigo 280º/1.
No domínio das obrigações futuras é que se questiona com particular acuidade a validade desse
tipo de fiança, mormente quando, face ao grau de abstracção da garantia, se torne impossível ao fiador
(mesmo com recurso aos critérios do artigo 400º) conhecer ,ab initio, os contornos e limites máximos da
sua obrigação ("tecto" ou "plafond"), ou pelo menos os critérios objectivos que lhe facultem tal
conhecimento, em ordem a proteger o obrigado contra a sua própria leviandade ou excesso de
voluntarismo na assunção de responsabilidades.
Prevista nos arts. 656º a 665º, consiste na estipulação pela qual o cumprimento da obrigação é
assegurado mediante a atribuição ao credor dos rendimentos de certos móveis sujeitos a registo ou
imóveis, pertencentes ao devedor ou a terceiro.
O art. 656º não só refere a função garantística da consignação, como salienta em termos de
visivelmente pôr nela o acento tónico da convenção.
Ficou bem assente que, não passando de uma garantia da obrigação, a consignação não constitui
uma novação, assim como também não se consubstancia numa dação em cumprimento.
O que há de verdadeiramente típico na consignação é o facto de a garantia consistir na satisfação
gradual e assegurado do crédito à custa dos frutos de certos bens – funciona independentemente no não-
cumprimento da obrigação.
Modalidades
Quanto aos bens cujos rendimento são afectados, cumpre distinguir entre os bens imóveis e os
móveis sujeitos a registo (art. 656º/1). Relativamente ao crédito garantido, distingue a lei entre as
consignações destinadas a garantir o pagamento do capital e dos juros, ou só do capital, ou só dos juros
(art. 656º/2). No que toca à sua fonte, pode ser voluntária ou judicial – art. 658º.
Já quanto à sua duração, pode ser por determinado número de anos ou ser até ao pagamento
da dívida. Por fim, com base na situação dos bens cujos rendimentos são consignados, diz o art. 661º
que as modalidades são: (1) consignação em que os bens continuam em poder do concedente; (2)
consignação em que os bens passam para o poder do credor; (3) consignação em que os bens transitam
para o poder de terceiro, a título de locação ou outro.
Regime
47 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 517 e
ss;
Interessa ainda ao regime da consignação a remissão do art. 665º para o regime da hipoteca
(arts. 692º, 694º a 696º, 701º e 702º).
Quanto ao art. 692º, interessa dizer que o credor não fica com nenhum direito de preferência,
mas com a possibilidade de se fazer pagar à custa dos rendimentos dos bens, o que exclui pela sua
natureza os outros credores.
Quanto à substituição ou reforça da hipoteca (art. 701º) e quanto ao seguro dos bens hipotecados
(art. 702º), há que ver que a consignação tem por objecto os rendimentos dos bens e não os bens onerados.
Extinção
As duas primeiras causas são: (1) o decurso do prazo estabelecido para a duração da garantia
(arts. 664º e 659º/1); (2) a satisfação integral do crédito, mercê das sucessivas entregas de rendimentos
feitas ao credor ou das receitas periódicas por ele cobradas.
O art. 664º manda ainda aplicar à extinção da consignação as causas de cessação da hipoteca,
excepção feita à indicada na alínea b) do art. 730º.
A primeira dessas causas é dada pela extinção da obrigação a que a hipoteca dá garantia.
5. O Penhor48
Art. 666º – direito conferido ao credor de se pagar do seu crédito, com preferência sobre os
demais credores, pelo valor de certa coisa móvel.
Embora se trate de uma garantia real duas diferenças fundamentais o separam da consignação.
Enquanto que aquela incide apenas sobre os frutos, o penhor abrange toda a coisa, constituindo
assim uma garantia real plena, no duplo aspecto em que a garantia se desdobra: no direito de exigir a
venda da coisa empenhada, na falta de cumprimento da obrigação garantida; e no direito de se pagar
sobre o preço (de venda) dela, com prioridade dobre os demais credores.
O penhor é uma garantia que desemboca num direito de preferência enquanto que a consignação
se traduz numa via satisfativa privilegiada do crédito.
48 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 526 e
ss;
Penhor de coisas
Como incide sobre coisas móveis e a lei parte do princípio de que as coisas móveis são menos
valiosas que as coisas imóveis, a constituição do penhor está sujeita ao princípio da liberdade de forma
(art. 219º).
É, no entanto necessária a formalidade prevista no art. 669º, que é a da entrega da coisa
empenhada.
O nº 2 do preceito acrescenta que a entrega pode consistir na simples atribuição da composse
ao credor.
A razão da exigência da traditio prende-se com o penhor ser um direito real de garantia, carecido
como tal de publicidade. Não sujeito a registo, porque incide sobre coisas móveis não sujeitas, a única
publicidade que lhe pode ser conferida é a espontânea, adveniente da transmissão da posse para o credor
pignoratício.
O nº 1 admite, no entanto, por força da flexibilização do comercio jurídico, que em vez da
entrega da coisa, seja entregue antes um documento que confira a exclusiva disponibilidade dela, ao
credor ou a terceiro.
O primeiro desses direitos é o art. 670º. Por um lado, da atribuição especial, que na alínea a) se
faz ao credor pignoratício, do direito de usar das acções possessórias (art. 1276º e ss.), depreende-se que
a lei o não considera como possuidor, mas como mero detentor. Por outro lado, não deixa de atribuir ao
credor pignoratício os instrumentos jurídicos essenciais à defesa da sua detenção.
Quanto à acção de reivindicação só poderá usar dela em relação aos frutos da coisa empenhada,
se estes lhe pertencerem, de acordo com o disposto no art. 672º
O segundo dos direitos refere-se ao regime das benfeitorias por ele realizadas. Quanto às
necessárias e quanto às úteis, não obstante a sua má fé, concede-se ao credor o direito a indemnização.
Quanto às úteis, o direito ao seu levantamento só existe se puder ser efectuado sem detrimento da coisa
(art. 670º, b) e 1273º). Não sendo possível, o credor só terá direito a indemnização nos termos mitigados
do enriquecimento sem causa.
O crédito por benfeitorias não está incluído na garantia do penhor, conforme logo se depreende
da definição deste dada no art. 666º. Mas pode perfeitamente ser abrangido pela preferência resultante
O terceiro direito conferido ao credor refere-se à hipótese de a coisa empenhada ter percebido
ou se ter tornado insuficiente para a segurança da dívida (art. 67º, c)). Dá-se ao credor a faculdade de
exigir a substituição ou o reforço da garantia, sob pena de lhe ser lícito, exigir mesmo o cumprimento
imediato na obrigação – solução que resulta da remissão do art. 670º, c) para o art. 701º.
O segundo dever é o de não usar da coisa, sem consentimento do autor do penhor, salvo se o
uso for indispensável à conservação da coisa (art. 671º, b)).
Trata-se de um regime supletivo: nenhuma razão de interesse e ordem pública obsta a que as
partes acordem em cláusulas diferentes.
O terceiro e último dever é o de restituir a coisa logo que a obrigação se extinga. Se a obrigação
principal se extingue mas a dívida de juros persiste, também persiste o penhor, em virtude da sua
indivisibilidade – art. 666º. É o que resulta do art. 696º aplicável ao penhor por força da remissão do art.
678º.
Logo que a obrigação se vença e o devedor não cumpra, tem o credor o direito de, nos termos
do artigo 675º, promover a execução para pagamento da dívida, na qual se poderá satisfazer do seu
crédito pelo valor da coisa empenhada, com preferência as restantes credores.
Sucede por vezes que a coisa empenhada ameaça de repente deteriorar-se ou perecer de tal
modo que, quer o credor, quer o autor do penhor têm interesse em vendê-la o quanto antes. Para o caso
concede o art. 674º, tanto a um como a outro, o direito de procederem à venda antecipada da coisa,
mediante prévia autorização judicial.
O preço da alienação não é naturalmente entregue ao credor pignoratício. Poderá ficar nas mãos
do credor como penhor, podendo o tribunal ordenar que seja depositado – art. 674º/2.
Dada a natureza puramente preventiva ou cautelar da venda, concede a lei (art. 674º/3) ao autor
do penhor a possibilidade de impedi-la, mediante oferta de garantia real idónea.
a. Só é transmissível o penhor que não for inseparável da pessoa do devedor (art. 727º/1);
b. A transmissão do penhor, independentemente da cessão do crédito garantido, só é
possível a favor de outro credor do mesmo devedor (art. 727º/1);
c. Se o penhor tiver sido constituído por terceiro, não pode a transmissão autónoma ou
isolada ser efectuada sem o consentimento do autor (art. 727º/1);
d. O penhor cedido só pode garantir o novo crédito por ele coberto nos limites do crédito
originariamente garantido (art. 727º/2);
e. Se o penhor recair sobre as várias coisas só pode ser transmitido na totalidade e a favor
da mesma pessoa (art. 728º/1).
Penhor de direitos
Quanto à forma e publicidade: (1) quanto à forma, a regra é a que transporta para a constituição
do penhor de direitos as mesmas exigências que a lei formula para a transmissão do direito empenhado;
(2) quanto à publicidade, a regra é a de que a eficácia do penhor de créditos fica dependente da notificação
ou aceitação do devedor, que é, como adiante se verá, a personagem fundamental do fenómeno do penhor
de direitos.
Duas excepções abre a lei a esta regra de eficácia: a primeira é a que se refere aos casos em que
o penhor está sujeito a registo. Como o elemento de publicidade do penhor reside nestes casos no registo,
é a partir do acto do registo que a lei (art. 681º/2) manda desencadear os efeitos. Exemplos serão os do
penhor de créditos hipotecários e o penhor de créditos garantidos por consignação de rendimentos sobre
bens imóveis.
A segunda excepção (art. 681º/3) tem por base a disposição contida no art. 583º/2, que se refere
directamente à cessão de créditos. Se o devedor, antes da notificação ou aceitação, pagar à pessoa que
constituiu o penhor ou realizar com ele qualquer negócio jurídico relativo ao crédito empenhado, nem o
pagamento nem o negócio serão oponíveis ao credor pignoratício, se este alegar e provar que o devedor
tinha ainda conhecimento da existência do penhor.
Embora não se possa rigorosamente afirmar que o credor tem o dever de cobrar o seu crédito
logo que se torne exigível, não será ousado afirmar, como faz a lei (art. 685º/1), que o credor tem o dever
de cobrar o crédito empenhado, logo que este se vença, porque ele não tem o direito de sujeitar o autor
do penhor aos riscos graves que envolve a interpelação retardada do devedor.
Cobrado o crédito empenhado, não se dá evidentemente a satisfação imediata do crédito
garantido, que pode, inclusivamente, não se ter vencido ainda. O penhor, diz o art. 685º/1, passa a incidir
sobre a coisa prestada em satisfação do crédito.
Esta sub-rogação real a que conduz a cobrança do crédito empenhado corresponde à solução
natural da situação e nenhum prejuízo causa a qualquer das partes.
Prevê-se no art. 685º/3 a hipótese de sobre o mesmo crédito recaírem vários penhores. Como o
penhor é fonte de preferência só ao credor cujo direito prefira a todos os demais se reconhece
legitimidade para cobrar. Não estando porém, sujeito a registo, a determinação da prioridade vai buscar-
se ao art. 681º/2. Prioritário será o credor cujo direito foi primeiramente notificado ao devedor ou foi por
este primeiramente aceite.
Tratando-se de penhores de créditos sujeito a registo, a prioridade é conhecida pela data do
registo.
Os não preferentes podem compelir o devedor a cumprir ao preferente (art. 685º/3) para que,
satisfeito o crédito daquele, eles ainda possam aproveitar alguma coisa do saldo da garantia.
Prescreve o art. 685º/4 que o titular do crédito empenhado só o pode cobrar, recebendo a
prestação devida, com o consentimento do titular do penhor (credor pignoratício).
Nesse caso, porém, como o titular do penhor se deixa voluntariamente desapossar do objecto
da garantia, esta perde o seu principal instrumento de eficácia.
E, por isso mesmo, se considera nesse caso logicamente extinto o penhor (art. 685º/4, in fine).
6. Hipoteca49
49 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 549 e
ss;
A hipoteca é a garantia especial que confere ao credor o direito de se pagar do seu crédito,
com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certas coisas imóveis ou a elas equiparadas,
pertencentes ao devedor ou a terceiros – art. 686º/1.
É a natureza do seu objecto que a caracteriza. E justifica ainda a solução excepcional da sua
eficácia depender do seu registo, mesmo em relação às partes (art. 687º).
Embora seja um direito acessório, que só existe em função da obrigação cujo cumprimento
assegura, a hipoteca pode garantir uma obrigação futura ou uma obrigação condicional (art. 686º/2). São
as obrigações futuras que as hipotecas legais visam, regra geral, proteger.
Também não é a acessoriedade da hipoteca que impede a transmissão dela para a cobertura de
um outro crédito do mesmo devedor ou para outro credor com garantia hipotecária sobre os mesmos bens
(art. 727º a 729º).
A hipoteca, diz o art. 686º, sendo em regra constituída sobre bens do devedor, também pode
recair sobre bens de terceiros.
Não há processo especial para a venda de coisa hipotecada. Há, sim, duas disposições especiais
na lei. A primeira, quanto à legitimidade das partes, é o art. 56º do CPC, da qual resulta que encontrando-
se os bens hipotecados na posse de terceiro, o possuidor tem legitimidade passiva para ser executado na
execução hipotecária, apesar de não ser devedor do exequente. E se os bens hipotecados não chegarem
para satisfazer o crédito na íntegra, pode a execução prosseguir contra o património do devedor, se o
exequente tiver chamado este logo na proposição da acção.
No art. 835º CPC acrescenta-se que tratando-se de dívidas com garantia real, que onere os bens
pertencentes ao devedor, a penhora começará, independentemente de nomeação, pelos bens sobre que
incida a garantia, só podendo recair sobre outros, quando se reconheça a insuficiência deles para
conseguir o fim da execução.
A preferência resultante da hipoteca cede perante os privilégios creditórios imobiliários, mesmo
o que posteriormente constituídos (art. 751º).
E de idêntica prioridade gozará o titular do direito de retenção sobre coisa imóvel (art. 759º/2).
Características
Objecto
A lei – art. 688º – concretiza os bens que podem ser objecto de hipoteca. Assim, os prédios
rústicos e urbanos estão abrangidos (art. 204º/2). Podem ser hipotecados na totalidade (com limites na
vertical – art. 1344º) ou apenas em parte. A lei até permite (art. 688º/2) que a hipoteca recaia sobre as
partes do prédio que possam ser objecto de propriedade autónoma.
Pode assim constitui-se uma hipoteca sobre uma quota ideal do prédio. Se sobre o imóvel recair
um direito de usufruto, também o nu-proprietário ou proprietário de raiz pode hipotecar o seu direito. E
o mesmo para o direitos de superfície – arts. 1540º e 1541º.
Mas já não se poderá hipotecar as partes integrantes do prédio, visto serem coisas que,
separadas, serão móveis.
Admite-se a hipoteca do direito de superfície (art. 688º/1, c)), com as repercussões previstas no
art. 1539º/2 e 1541º.
Relativamente ao usufruto só o usufrutuário o poderá hipotecar.
São ainda hipotecáveis as coisas móveis que a lei, para o efeito da constituição da garantia
hipotecária, equipara aos imóveis – art. 688º/1, f): navios, aeronaves e automóveis.
As razões que se prendem com a proibição do pacto comissório são as mesmas que valem para
o penhor e que já foram estudadas em Teoria Geral do Negócio Jurídico: de facto, a propriedade constitui
a garantia mais forte que pode ser atribuída. Simplesmente não pode ser transmitida por força do não
cumprimento, pois é necessário, quando aquele se verifica, a promoção da venda judicial dos bens
garantes. Evitar isto seria beneficiar injustificadamente esse credor face aos outros.
O fundamento da proibição prende-se com a ratio da norma que pune a usura (art. 1146), mas
ainda com o pensamento subjacente à condenação dos negócios usurários em geral (art. 282º).
A proibição só atinge a cláusula anterior ao vencimento da obrigação ou abrange de igual modo
a convenção posterior a esse momento?
O interprete não pode deixar de estender o campo de aplicação da proibição às próprias
cláusulas subsequentes ao vencimento, que permitissem ao credor extorquir o consentimento do devedor
para uma operação prejudicial a este, com a ameaça de recurso às vias judiciais para execução da dívida.
O credor pode só ter concedido a dilação do prazo pedido pelo devedor mediante a inserção do
pacto comissório posterior ao vencimento da obrigação. E só essa possibilidade repugna ao espírito da
lei.
O princípio da indivisibilidade – art. 696º – não é um preceito imperativo da lei: pode ser
afastado pela convenção das partes. O princípio desdobra-se em dois aspectos:
A aplicação do princípio é alvo de algumas reservas: coloca-se nas mãos do credor hipotecário
o poder de prejudicar arbitrariamente os segundos credores hipotecários de um ou de outro dos imóveis
onerados.
Apesar dessa possibilidade tem-se entendido que a orientação supletiva da lei deve ser mantida,
pela vantagem que se concede ao credor de se libertar do risco de perda ou desvalorização de uma das
coisas hipotecadas u de uma ou outra parte do prédio posteriormente dividido.
Não pode esquecer-se a possibilidade de os segundos credores hipotecários se sub-rogarem na
posição jurídica dos primeiros credores.
A relação dos credores com direito a hipoteca legal – art. 705º – tem manifestamente por base
a necessidade especial de assegurar o cumprimento de certos créditos, em atenção à qualidade dos
credores (Estado), à posição do credor em face do devedor (art. 705º, c)) ou à natureza da dívida.
A hipoteca judicial – art. 710º – é a que nasce da sentença que condene o devedor à realização
de uma prestação em dinheiro ou outra coisa fungível. É com base na sentença, junto da certidão
respectiva, que o autor há-de promover, através do registo requerido ao conservador, a constituição da
hipoteca. E há-de obviamente especificar os bens do devedor condenado, identificados, sobre os quais a
hipoteca deve recair.
No entanto, ao requerente não é permitido obter hipotecas que excedam manifestamente o valor
do seu crédito. Se o fizer, pode ser requerida pelo devedor ou outros credores, a redução da hipoteca –
art. 720º.
Esta hipoteca não tem a mesma força que as outras duas: decretada a falência, a hipoteca
judicial, não é atendida na graduação das prioridades dos créditos concorrentes à massa falida.
A) Redução da hipoteca
B) Expurgação da hipoteca
A lei considera esta ressalva satisfeita por uma de duas vias: (1) ou pagando o adquirente dos
bens todas as dívidas dos credores hipotecários, que oneram os bens adquiridos; (2) ou prontificando-se
a entregar aos credores, para satisfação dos seus créditos, até à garantia pela qual obteve os seus bens
(quando a aquisição tenha sido a título oneroso), ou até à quantia em que os avalia, quando os tenha
adquirido a título gratuito ou não tenha havido fixação de preço (apesar do carácter oneroso da aquisição).
No primeiro caso, porque os credores não obtêm prejuízo, a operação da expurgação é muito
simples – arts. 998º a 1000º CPC.
Mais difícil é o segundo caso porque o preço de aquisição pode ser inferior ao valor real dos
bens hipotecados, quer porque pode ser também inferior a este valor a estimativa feita pelo novo
proprietário.
Neste caso tem de conceder-se aos credores hipotecários a oportunidade de impugnarem o preço
da aquisição ou o valor oferecido pelo requerente da expurgação, desde que a quantia declarada por este
seja inferior ao montante dos créditos hipotecários registados.
Havendo impugnação, terão os bens que ser postos em hasta pública para serem arrematados
pelo maior lanço.
Não havendo na praça oferta superior ao valor declarado pelo adquirente, será essa indicação
boa.
O risco do novo proprietário, requerente da expurgação é, assim, ver decretada a venda judicial
dos bens por ele adquiridos e de os bens se lhe escaparem das mãos através da arrematação em hasta
pública.
C) Transmissão da hipoteca
São duas as formas de transmissão da hipoteca: uma feita pelo credor hipotecário a favor do
credor comum do mesmo devedor, que abrange toda a garantia; outra realizada pelo credor hipotecário
a favor de outro credor hipotecário, que no fundo se limita a uma simples cessão do grau da hipoteca.
Extinção da hipoteca
7. Privilégios creditórios50
50 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 571 e
ss;
Privilégio creditório é o direito conferido a certos credores de serem pagos com preferência
sobre os demais, em atenção à natureza dos seus créditos, independentemente de registo (art. 733º).
Todo o privilégio tem fonte na lei, não sendo a sua constituição por negócio admissível.
E a lei soluciona os privilegiados em atenção à fonte/origem dos seus créditos – art. 736º e ss.
Não é fácil, no entanto, definir a natureza jurídica dos privilégios, porque nem sempre o seu
regime obedece ao mesmo perfil.
Não tendo um mínimo de publicidade a assinalar a sua presença, eles constituem um perigo
grave para a navegação comum do comércio jurídico, podendo atingir seriamente os terceiros que
contratam com o devedor.
Assim se explica a orientação vincada no Código, de declarada reacção contra a proliferação de
privilégios da legislação anterior, em benefício sobretudo do Estado e das autarquias.
Classes de privilégios
Concorrência de privilégios
No domínio da prioridade relativa dos diferentes privilégios – arts. 746º a 748º – há três regras
a ter em linha de conta.
A primeira é a da prioridade absoluta a dar aos créditos provenientes das despesas de justiça.
Gozam de preferência sobre todos os demais – art. 746º. E isto justifica-se em face da delimitação dessas
despesas traçada no art. 738º/1 – são no interesse comum dos credores.
A segunda regra que importa é a da escala de prioridade traçada no art. 747º/, quanto aos
mobiliários, e no art. 748º, quanto aos imobiliários. A alínea f) do art. 747º dá prioridade aos privilégios
mobiliários especiais sobre os gerais.
A terceira regra limita-se à hipótese da concorrência entre créditos igualmente privilegiados. A
solução é a de proceder ao rateio entre os diferentes credores, na proporção dos respectivos montantes,
e a que melhor reflecte a igualdade da colocação dos credores na escala de prioridade dos privilégios.
Quanto à relação dos privilégios creditórios com outras garantias reais, regem os art. 749º a
751º
Regime e extinção
O art. 753º manda aplicar aos privilégios o disposto nos arts. 692º e 694º a 699º.
Quanto às causas de extinção, o art. 752º, manda aplicar o regime da hipoteca – art. 730º.
Semelhanças
1. Base legal;
2. Garantia atribuída em atenção à causa do crédito.
Diferenças
1. Registo;
2. Bens abrangidos;
3. Força da garantia (cfr. art. 751º).
8. Direito de retenção51
Noção
O direito de retenção é o direito conferido ao credor, que se encontra na posse de certa coisa
pertencente ao devedor de, não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também,
de executar a coisa e de se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores.
A esta noção se chegou por, em primeiro, análise dos arts. 758º, que equipara o titular do direito
de retenção sobre coisas moveis ao credor pignoratício; e 759º que equipara o titular do direito de
retenção sobre imóveis ao credor hipotecário e dá-lhe a faculdade executar a coisa para pagamento do
seu crédito; e em segundo, através das coordenadas dos arts. 754º e 755º.
As duas primeiras disposições deixara bem claro que o direito de retenção tem uma função
dupla: a função de meio de coerção (função coercitiva) e a função de pretender, não, ser um verdadeiro
direito real de garantia (função garantística).
51 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 577 e
ss;
O direito de retenção não se confunde com a exceptio non adimpleti contractus. A excepção de
não cumprimento permite ao excipiente não realizar a prestação devida enquanto a outra parte não
efectuar a contraprestação que lhe corresponde, dentro dos contratos bilaterais ou sinalagmáticos que a
ambos engloba – art. 428º.
No direito de retenção, a obrigação que recai sobre o retentor é sempre uma obrigação de
prestação de coisa; e entre essa obrigação e a obrigação que recai sobre a outra parte não existe um nexo
sinalagmático, embora haja uma outra relação de conexão funcional – expressa em termos gerais no art.
754º e traduzida concretamente nos casos elencados no art. 755º
Só através da diferença essencial que separa a exceptio do direito de retenção, que é apenas a
garantia do crédito do retentor, se compreende que a exceptio não possa ser afastada mediante a prestação
de garantias (art. 428º/2), ao passo que o direito de retenção pode, em princípio, ser afastado mediante a
prestação de caução suficiente – art. 756º, d).
1. Aspectos gerais52
Sucede frequentes vezes que a obrigação não é cumprida. Fala-se em não cumprimento para
significar que a prestação debitoria não foi realizada, e que, além disso, a obrigação não se extinguiu por
nenhuma das outras causas de satisfação alem do cumprimento. Assim, é a situação objectiva de não
realização da prestação debitória e de insatisfação do interesse do credor, independentemente da
causa de onde a falta procede.
Na grande massa dos casos, o não cumprimento da obrigação assenta na falta de acção
9 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 60 e ss.
Cabem dentro do não cumprimento situações muito diferentes. Entre as distinções teoricamente
possíveis, focaremos a atenção em duas: (1) a distinção entre o não cumprimento definitivo e a simples
mora; (2) a distinção entre o não cumprimento imputável ao devedor e o não cumprimento inimputável
ao devedor.
Note-se que, como sabemos já, o cumprimento e o não cumprimento não esgotam as situações
de extinção da obrigação, pelo que, mais correctamente, podemos definir o não cumprimento como a
não realização da prestação debitória, sem que entretanto se tenha verificado qualquer das causas de
extinção típicas da relação obrigacional.
Umas vezes o não cumprimento procede de facto imputável ao devedor. Outras vezes, o não
cumprimento procede de facto de terceiro, de circunstância fortuita ou de força maior, da própria lei ou
até do credor (facto não imputável).
A própria sistematização do Código sobre a matéria reflecte o interesse primordial deste factor,
enquanto se agrupam na 1ª subsecção (arts. 790º a 797º) os casos de impossibilidade do cumprimento e
mora não imputáveis ao devedor, e se agrupam na 2ª (arts. 798º a 812º) a falta de cumprimento e a mora
imputáveis.
Só nos casos de imputabilidade se pode rigorosamente falar em falta de cumprimento.
Dentro do núcleo da inimputabilidade interessa destacar os casos em que a falta de cumprimento
procede de causa imputável ao credor.
Por uma lado estes casos (a mora do credor) estão sujeitos a um regime próprio (arts. 813º e ss).
por outro, também no art. 795º/2 se fixa um importante desvio ao princípio estabelecido no nº 1, para o
caso de a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor.
Há casos em que:
a prestação, não tendo sido efectuada, já não é realizável no contexto da obrigação, porque
se tornou impossível;
o credor perdeu o direito à realização da prestação;
sendo ainda materialmente possível, perdeu o interesse para o credor.
A estes tipos de casos, a lei chama de impossibilidade da prestação ou, mais amplamente, não
cumprimento definitivo.
O não cumprimento definitivo da obrigação pode provir: (1) da impossibilidade da prestação
(fortuita, imputável ao devedor ou imputável ao credor); (2) ou da falta irreversível de cumprimento,
em alguns casos equiparada por lei à impossibilidade (art. 808º/1).
Ao lado destes casos, há situações de mero retardamento ou demora da prestação: não é
executada no momento próprio, mas ainda é possível, porque ainda corresponde ao interesse do credor.
a este tipo de situações dão a lei e a doutrina o nome de mora: atraso ou retardamento no cumprimento
da obrigação (art. 804º/2). A mora pode, contudo, provir de facto imputável ao credor (art. 813º). E pode
ainda resultar de factos inimputáveis nem ao devedor nem ao credor, como sucede em certos casos de
impossibilidade transitória ou temporária (art. 792º).
Há ainda a referir um terceiro núcleo: o cumprimento defeituoso, do qual o CC não cura
especificamente, embora lhe faça alusão no art. 799º. E o seu regime pode ser determinado tendo em
vista as normas reguladoras, quer do não cumprimento, quer de alguns contratos em especial, como a
compra e venda.
Afirma o art. 790º que a obrigação se extingue, quando a prestação se torna impossível 54. É uma
solução completamente distinta da fixada pelo art. 401º para a impossibilidade originária, que é a da
nulidade. Embora desonere o devedor do dever de prestar, a impossibilidade superveniente já não o libera
do commudum de representação (art. 794º).
O CC usa uma fórmula de recorte negativo, abrangendo assim a imputabilidade a terceiros ou
à lei.
53
ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 65 e ss;
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 117 e ss;
54 A própria letra do preceito mostra que ele se aplica à impossibilidade superveniente e não à originária.
A impossibilidade estender-se-á, as mais das vezes a toda a prestação. Mas pode atingir uma
parte apenas da prestação, se a destruição afectou só uma parte da coisa (divisível) ou algumas das várias
coisas cumulativamente devidas. Quando assim seja, uma de duas: (1) o credor pode ter ainda interesse
na realização da parte possível; (2) o cumprimento parcial não reveste interesse para ele. O regime será
diferente.
Para que a obrigação se extinga, é necessário que a prestação se tenha tornado verdadeiramente
impossível. Não basta, pois, que se tenha tornado extraordinariamente onerosa ou excessivamente difícil
para o devedor. Só a primeira é causa de extinção da obrigação (impossibilidade absoluta) e não a simples
difficultas praestandi ou impossibilidade relativa.
Parte da doutrina alemã defendia que a relativa também seria liberatória: o dever de prestar não
se podia impor cegamente, tendo como limite o sacrifício razoavelmente exigível, à luz da boa fé, para
satisfazer o interesse do credor.
Tudo quanto excedesse esse limite devia ser equiparado à impossibilidade. A doutrina do limite
do sacrifício não é aceite entre nós, pela perigosa incerteza e inevitáveis arbítrios a que daria lugar a sua
aplicação prática. E também pode considerar-se afastada pela lei portuguesa, que apenas alude, no art.
790º, à impossibilidade da prestação como liberatória.
Todavia, há que ter em conta os arts. 437º, 566º, 762º, 812º e 334º. A circunstância de se impor
ao credor que aja de boa fé tem como efeito que, embora não extinga a obrigação, a impossibilidade
relativa obrigará o credor a indemnizar o devedor, sempre que a dificuldade da prestação resulte de facto
imputável ao credor.
Se a dificuldade for imputável a factos fortuitos, terá o devedor de suportá-los, mesmo que a
Como já se aflorou, a impossibilidade parcial é aquela que atinge apenas parte da prestação
devida, por destruir parte da coisa ou algumas das coisas cumulativamente devidas. Vem prevista e
regulado no art. 793º.
Neste caso, e à semelhança do que prescreve o art. 292º (nulidade parcial), o devedor ficará
exonerado mediante prestação da parte possível. Quanto à parte restante, destruída, a impossibilidade,
desde que inimputável, é causa extintiva da obrigação.
Mas a obrigação pode inserir-se num contrato oneroso, no qual à prestação corresponda uma
contraprestação. Neste caso, seria injusto que se mantivesse a contraprestação, tal como estipulada. Nesse
sentido, manda o art. 793º/1, in fine que, no caso de ser cumprida apenas parte da prestação devida, por
virtude da impossibilidade da restante, se reduza proporcionalmente a contraprestação a que a outra parte
estiver vinculada. Sempre que se trate de contrato oneroso de alienação de bens, a redução da
Problema análogo ao dos casos de frustração do fim da prestação suscitam as hipóteses em que
o fim da prestação é obtido por outra via que não o cumprimento da obrigação (realização do interesse
do credor por outra via).
Por exemplo, o barco encalhado e que devia ser safado, desencalhou inesperadamente por acção
das águas. O doente que devia ser operado, curou-se antes da intervenção cirúrgica.
Enquanto nos casos normais de impossibilidade, o interesse do credor fica por satisfazer, nas
hipóteses que acabam de ser descritas o interesse do credor fica plenamente satisfeito. Só que foi
preenchido por outra via que não o cumprimento, tornando por esse facto igualmente impossível a
prestação a que o devedor se encontrava adstrito.
Pelo que, na opinião deste Autor, todas as situações examinadas conduzem ao mesmo resultado
prático: a impossibilidade da prestação.
Distintos dos que acabam de ser referidos são os casos de não exercício definitivo do direito à
prestação que BAPTISTA MACHADO coloca à cabeça do largo espectro de situações que se propôs
examinar.
A reserva uma passagem num cruzeiro turístico, mas, a caminho do barco, sofre um acidente
que o impossibilitou de partir; B reservou um bilhete para certo espectáculo e impossibilitou-se de assistir
por ter sido acometido de doença súbita.
Em nenhuma das hipóteses se pode falar verdadeiramente de impossibilidade da prestação.
A prestação não era só possível, como foi inclusivamente realizada. O que houve foi o não
exercício do direito à prestação no momento próprio. E porque de prestações com termo absolutamente
A questão é a de determinar qual o regime a aplicar às situações em que é ainda possível realizar
a prestação a que o devedor está vinculado, mas já não é possível através desta a satisfação do interesse
do credor, uma vez que ou a prestação se tornou inidónea para esse fim, ou o interesse do credor já se
encontra satisfeito por outra via (o paciente curou-se ou morreu antes de ser feita a cirurgia).
Nestes casos, a conduta a que o devedor se comprometeu ainda é possível, mas, uma vez que
dela não pode resultar qualquer utilidade para o credor, na faria sentido que o devedor a realizasse.
Na Alemanha, a doutrina considerou que, para a resolução destes casos, se deveria considerar
o conceito de prestação latamente, aplicável no âmbito do direito da impossibilidade, que abrangeria
tanto a acção de prestar como o próprio resultado da prestação – a satisfação do interesse do credor.
outros autores consideraram que aqui o que estava em causa era o desaparecimento da base do negócio.
A doutrina portuguesa tem hesitado na resolução do problema: VAZ SERRA considera que são
casos enquadráveis no âmbito da alteração das circunstancias. ANTUNES VARELA, embora sustente que
o conceito de prestação não pode abranger o interesse do credor, defende que a prestação pode ser
igualmente aferida em relação a condicionalismos externos à conduta do devedor, cuja falta geraria uma
verdadeira situação de impossibilidade. Também RIBEIRO DE FARIA defende que os casos de frustração
do fim de prestação e de obtenção do interesse do credor por outra via significam sempre, ou trazem em
si contida, a impossibilidade da prestação – art. 790º. MENEZES LEITÃO acha que os casos não se
reconduzirão a hipóteses de impossibilidade de prestação, uma vez que a acção abstracta de prestar se
mantém como possível. No entanto, o facto de o credor não vir a retirar qualquer beneficio da acção do
devedor torna disfuncional a realização da prestação, que deve corresponder necessariamente a um
interesse do credor – art. 398º/2. Justifica-se por isso, na sua opinião, plenamente a equiparação dessas
situações à impossibilidade para efeitos de exoneração do devedor.
Há especialidades no caso dos contratos bilaterais, uma vez que o princípio da interdependência
das prestações, que está na base do sinalagma funcional, impede que uma prestação possa ser realizada
sem que a outra o seja, o que implica uma distribuição do risco em termos diferentes do que aqueles que
resultariam da simples atribuição ao credor do respectivo risco do perecimento da prestação que lhe era
devida. A impossibilidade da prestação vai afectar não apenas o seu credor, mas ambas as partes – art.
O problema da frustração do fim da prestação ou da realização do interesse do credor por outra via
Também nestes contratos pode ocorrer a impossibilidade de obtenção do fim visado com a
prestação, ou a satisfação do interesse do credor por outra via, como na hipótese de o credor contratar
um pintor para pintar a sua casa, e esta vier a ruir, ou um reboque para transportar o seu carro avariado,
que de repente começa a funcionar. Há na verdade uma lacuna na lei: enquanto que o regime do
incumprimento pelo devedor, imutável ou não, está previsto, a impossibilidade por parte do credor só
está prevista quando por facto que lhe seja imputável. Ficam de fora os casos em que a impossibilidade
não lhe é imputável, mas os factos exteriores a ele se encontram mais perto da sua esfera do que da do
devedor.
A doutrina alemã tem discutido se, nestes casos, independentemente da exoneração do devedor,
se deve ou não admitir que o credor fique totalmente desonerado da contraprestação, já que o devedor
neste caso se desloca efectivamente perante ele a oferecer-lhe a prestação, que só por um facto externo
à sua conduta não vem a ser realizada. A solução propugnada neste ordenamento tem sido restringir a
previsão da exoneração simultânea do credor em caso de impossibilidade da prestação, a partir dos
contratos de locação, prestação de serviços e empreitada que admitem que, quando a prestação não se
realize por factos relativos à esfera do credor, mesmo que não lhe sejam imputáveis, o devedor continue
com a possibilidade de exigir a contraprestação, ou, pelo menos uma compensação pelo que já realizou.
A doutrina nacional tem-se dividido sobre o assunto: ANTUNES VARELA sustentou que
repugnaria ao espírito do art. 795º a solução de obrigar o credor a realizar a contraprestação, mas que
Nos contratos reais, é igualmente estabelecida uma distribuição do risco distinta do que a que
resultaria da aplicação do regime da impossibilidade da prestação, ou mesmo do regime dos contratos
sinalagmáticos. Não está aqui em causa apenas a distribuição do risco pela impossibilidade das
prestações, mas igualmente o risco pelo perecimento ou deterioração da coisa que é objecto de
transmissão. Ora, a regra geral é a de que o risco pelo perecimento ou deterioração da coisa cabe ao que
for proprietário dela. Dai que, se já houve transmissão da propriedade sobre a coisa objecto da obrigação
de entrega, o seu perecimento não possa importar a extinção do direito à contraprestação, já que,
conforme resulta do art. 796º/1, o risco corre por conta do adquirente. O devedor fica assim exonerado
da sua obrigação, mas o credor, uma vez que suporta o risco, continua onerado com a sua contraprestação.
Este regime explica-se em virtude de, após a alienação da propriedade, e mesmo que não ocorra
logo a entrega da coisa, a posição do devedor em relação à coisa se alterar, já que ele passa a funcionar
como mero depositário da coisa, não retirando qualquer benefício pela sua guarda, pelo que não seria
correcto que suportasse o risco pela sua perda ou deterioração. Efectivamente, o risco pelo perecimento
ou deterioração da coisa é legalmente associado ao proveito que dela se retira, o qual compete, em
princípio, ao proprietário, que após a transmissão passa a poder exigir do devedor a sua entrega.
A transferência da propriedade acarreta, assim, a transferência do risco pela perda ou
deterioração da coisa. Conforme se salientou, em relação a coisas determinadas, a transferência da
propriedade ocorre no momento da celebração do contrato (art. 408º/1).
Se respeitar a coisas futuras, indeterminadas, frutos naturais... a transferência dá-se em
momento posterior (art. 408º/2).
A lei regula, no art. 796º/ 2 e 3 e ainda 797º, regras especiais de distribuição do risco, que não
deixam de corresponder ao princípio previsto no art. 796º/1.
Commudum de Representação
Se, porém, em virtude do facto que determinou a impossibilidade, o devedor adquirir algum
direito sobre certa coisa ou contra terceiro (pessoa que destruiu a coisa devida), já se não justificaria que
tal direito não aproveitasse ao credor.
Esta a razão de ser do art. 794º, que consagra o chamado commudum de representação em
benefício do credor, sem necessidade do beneficiário provar qualquer prejuízo correspondente.
Tendo a obrigação por objecto a prestação de coisa determinada, normalmente só haveria lugar
ao commudum, substituição ou sub-rogação, se o domínio se não tiver ainda transferido para o credor,
no momento em que a prestação se tiver tornado impossível. Se, nesse momento, a coisa já pertence ao
credor, o direito contra o terceiro que culposamente houver destruído, ou contra a companhia de seguros
que a tiver segurado, nascerá directamente no património do credor.
Haverá também lugar ao commudum de sub-rogação nos casos de alienação de coisa
indeterminada ou de alienação feita com reserva de propriedade, se o credor não for ainda titular de um
direito real, quando a prestação se impossibilita.
Alguns autores entendem que também há lugar ao commudum, não só nos casos em que o direito
adquirido pelo devedor se destina a substituir a coisa desaparecida ou inutilizada (commudum ex re), mas
também naqueles casos em que o facto gerador da impossibilidade da prestação, não envolvendo a perda
ou a inutilização da coisa, causa o seu afastamento da disponibilidade do devedor (commudum ex
A lei admite que se o devedor adquirir, em circunstância do facto que tornou impossível a
prestação, um direito sobre certa coisa ou contra terceiro em substituição do objecto da prestação, o
credor possa exigir a prestação dessa coisa, ou substituir-se ao devedor na titularidade do direito que este
tiver adquirido contra o terceiro (art. 794º/1): commodum de representação.
A prestação cuja realização se tornou impossível pode fazer parte de um contrato bilateral. O
devedor fica desonerado da sua obrigação, desde que a causa da impossibilidade lhe não seja imputável.
Mas será o credor cliente da prestação obrigado à contraprestação? E se já tiver cumprido, pode exigir o
restituição a sua prestação?
A resposta depende, nos termos do art. 795º/1 e 2, de a impossibilidade ser imputável ou não ao
credor.
Na primeira hipótese, o credor terá que efectuar a contraprestação, embora possa descontar nela
(art. 795º/2) o valor do beneficio que o devedor eventualmente tiver com a exoneração.
Na segunda hipótese, diz o art. 795º/1 que fica o credor desobrigado da contraprestação. Se já
a tiver realizado, terá o direito a exigir a sua restituição; atendendo, porém, à falta de culpa do devedor,
a restituição far-se-á segundo os termos do enriquecimento sem causa.
É a consequência normal do sinalagma próprio do contrato bilateral. O devedor fica desonerado
da obrigação, mercê da impossibilidade da prestação, e o credor da contraprestação, porque são
correspectivas.
O credor pode preferir o commudum de representação ou de sub-rogação, se a ele houver lugar,
visto que o art. 794º também se aplica às obrigações provenientes de contratos bilaterais. O credor não
pode é cumulá-las, embora possa reduzir a sua contraprestação na medida em que a vantagem por ele
subsidiariamente adquirida não equivalha à prestação.
Ao lado destes casos, há, como se referiu supra (2.4.), as hipóteses em que a impossibilidade
da prestação procede de uma causa ligada à pessoa ou aos bens do credor, embora não imputável a este.
É o que sucede nos casos de frustração do fim da prestação ou satisfação do interesse do credor
A questão do risco
As regras examinadas nos números precedentes podem ser perturbadas pelos princípios que,
dentro do sistema, regulam o risco do perecimento ou deterioração da coisa. A perturbação está, porém,
circunscrita aos contratos comutativos, dado que o problema do risco, é um problema do risco da
contraprestação.
A primeira regra a reter é do art. 796º/1: num contrato com efeitos reais, o risco corre por conta
do adquirente. É consequência lógica do art. 408º/1. O credor não gozará nestes casos dos direitos
conferidos pelo art. 795º/1, tendo que entregar o preço devido, se ainda não o tiver pago, ou podendo o
vendedor retê-lo, caso já o tenha feito.
Esta regra sofre, contudo, desvios.
A vendeu um carro a B, mas obrigou-se a entregá-lo passados quinze dias após a celebração,
para o poder utilizar mais um pouco. Se, entretanto, o automóvel perecer por caso fortuito, o risco corre
por conta do alienante – art. 796º/2.
Outra adaptação é a do nº 3: contratos sob condição. Sendo resolutiva, o risco do perecimento
corre pelo credor, desde que a coisa lhe tenha sido entregue. Se a condição for suspensiva, o risco durante
a pendência corre pelo alienante; verificada a condição, corre pelo adquirente.
No caso das obrigações alternativas ou genéricas, a questão soluciona-se de acordo com o
momento da transferência do domínio sobre o objecto da prestação para o credor.
O art. 797º refere-se ao caso especial de a coisa, por acordo, dever ser enviada para local
diferente do lugar de cumprimento. Nestes casos, o domínio transfere-se com a entrega ao transportador.
Interessa nestes casos identificar o lugar do cumprimento.
As regras destes dois artigos têm carácter supletivo, podendo ser afastadas por convenção das
partes.
55
ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 91 e ss;
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 231 e ss;
As mais das vezes, o não cumprimento da obrigação provirá de causa imputável ao devedor.
A violação do dever de prestar, por causa imputável ao devedor, pode revestir uma de três
formas: (1) simples mora; (2) impossibilidade da prestação; (3) não cumprimento definitivo ou falta de
cumprimento (inadimplemento ou inadimplência).
Da mora curar-se-á mais à frente.
Os casos de impossibilidade são aqueles em que o devedor não cumpre, tornando mesmo
impossível o cumprimento da obrigação: caso de, por culpa sua, perecer ou deteriorar-se a coisa devida.
O seu regime consta dos arts. 801º a 803º.
Outras vezes, a prestação devida, não tendo sido efectuada no momento próprio, seria ainda
possível, mas perdeu, com a demora, todo o interesse que tinha para o credor. também há os casos em
que, depois de ter incorrido em mora, o devedor não presta dentro do prazo suplementar que
razoavelmente foi fixado pelo credor – art. 808º/1. Este segundo núcleo, para ANTUNES VARELA, engloba
ainda os casos em que, sendo a prestação ainda possível com interesse para o credor, o devedor declara
não querer cumprir. Este último grupo de casos são os de declaração antecipada de incumprimento, cujo
tema será tratado mais a fundo, adiante, a propósito da mora, onde, achamos, a figura se deve enquadrar.
Mas, para este Autor (e para nós, com ressalva dos casos de declaração antecipada), em todos estes casos
se pode genericamente falar em falta de cumprimento.
Aos casos de não cumprimento definitivo, em que a prestação conserva ainda o interesse para
o credor, corresponde a sanção específica da realização coactiva da prestação, prevista e regulada nos
arts. 817º e ss.
Não cumprimento é a não realização da prestação devida por causa imputável ao devedor, sem
que se verifique qualquer causa de extinção da obrigação. Esta definição abrange as situações em que o
devedor culposamente falta ao cumprimento da obrigação (arts. 798º e ss.) e as situações em que ele
impossibilita culposamente a prestação (arts. 801º e ss). Em ambas as situações se verifica a não
realização da prestação por causa imputável ao devedor, sendo que no incumprimento a realização da
prestação ainda é possível no momento do cumprimento, mas esta não vem a ocorrer por culpa do
devedor, enquanto na impossibilidade culposa já não é possível realizar a prestação no momento do
cumprimento, sendo que tal se deve a culpa do devedor.
O não cumprimento pode ainda ocorrer em termos definitivos ou temporários. No primeiro caso,
já não é concebível a realização da prestação, ou porque ela se impossibilitou (impossibilidade de
cumprimento), ou porque o credor perdeu o interesse nela (incumprimento definitivo). O credor vê, por
isso, frustrado o seu direito à prestação, apenas podendo pedir indemnização por incumprimento. No
segundo caso, a prestação não foi realizada no momento devido, mas ainda é possível a sua realização,
A Ilicitude
Para que recaia sobre o devedor a obrigação de indemnizar o prejuízo causado ao credor, é
Porém, também aqui pode o não cumprimento, excepcionalmente, constituir um acto lícito,
sempre que proceda do exercício de um direito ou do cumprimento de um dever.
Se o crédito tiver sido dado em penhor, o obrigado pode e deve recusar o cumprimento ao
credor, visto que a prestação há-de ser realizada ao credor pignoratício (arts. 684º e 685º).
Entre os casos de não cumprimento da obrigação, legitimados pelo seu exercício enquanto
direito, destacam-se a excepção de não cumprimento e o direito de retenção.
1. Exceptio non adimplenti contractus – este caso está circunscrito aos contratos
bilaterais ou sinalagmáticos (art. 428º), e resulta do facto de se reconhecer ao devedor a faculdade de
recusar legitimamente a prestação a que se encontra adstrito, enquanto o outro contraente não cumprir
ou não oferecer o cumprimento simultâneo da prestação que lhe incumbe. A excepção funciona a favor
do devedor, mesmo no caso de o credor ter requerido a realização coactiva da prestação através do
processo executivo (art. 804º/1 CPC);
A Culpa
É preciso ainda que o devedor tenha agido com culpa, tal como resulta da letra do art. 798º.
Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do devedor ser pessoalmente censurável
ou reprovável. E esse juízo de reprovação da conduta do solvens só se pode apoiar no reconhecimento,
perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de
outro modo.
Só a título excepcional o devedor responde sem culpa, a título de responsabilidade objectiva
ou pelo risco.
Regra o devedor só pode ser responsabilizado se tiver agido reprovável ou censuravelmente
na falta do cumprimento.
Neste domínio, a culpa pode revestir duas modalidades, tal como na responsabilidade delitual:
o dolo e a negligência ou mera culpa.
No primeiro há uma adesão da vontade ao comportamento ilícito, que é a falta de cumprimento.
O devedor tem conhecimento do efeito da sua conduta, sabe que ela é ilícita e, apesar disso, quer ou
aceita esse resultado. E também aqui reveste as três modalidades já conhecidas: dolo directo, dolo
necessário e dolo eventual.
Na segunda, a censura do devedor funda-se em apenas ele não ter agido com a diligência ou
com o discernimento exigíveis para ter evitado a falta de cumprimento, ou para a ter previsto e evitado,
quando porventura dela nem sequer se tenha apercebido. Pelo que resulta claro a admissão das duas
modalidades de mera culpa em sede de responsabilidade obrigacional: negligência consciente e
negligência inconsciente.
Tal como na responsabilidade extracontratual e como, desde logo, acontece no entender da
maioria da doutrina penalista, o dolo e a mera culpa, ou graus da culpa, relevam a dois títulos: (1) como
elementos da ilicitude, na medida em que se reportam à adesão ou à falta de deveres de cuidado exigíveis
para que a conduta não fosse contrária à conduta assumida pelo devedor; (2) como elementos do juízo
de censura, na medida em que essa adesão ou omissão de deveres de cuidado permitiu que o devedor
auferisse determinado ganho.
O não cumprimento doloso exprime uma relação mais forte entre o comportamento ilícito e a
vontade do devedor. E por isso, merece maior reprovação. A negligência traduz uma ligação menos forte
entre a vontade e a falta de cumprimento. Umas vezes, traduz-se em o devedor, apesar de ter previsto a
falta de cumprimento como efeito possível da sua conduta, ter aceitado precipitada ou levianamente que
poderia cumprir, i.e., não se conforma com o resultado em que se desdobra o não cumprimento.
Outras vezes, a negligência consistirá em o devedor, censuravelmente, não se ter apercebido
sequer da possibilidade da falta de cumprimento como efeito da sua conduta.
Presunção de Culpa
Já quanto à prova da culpa, ao ónus probatório, as coisas correm de modo diferente do que
sucede na responsabilidade delitual: nesta, é ao lesado, na falta de presunções especiais de culpa, que
cabe fazer a prova da culpa do lesante, tal como de todos os outros pressupostos da obrigação de
indemnizar (art. 487º/1) – probatio diabolica; nesta, nas palavras do art. 799º/1, é ao devedor que
incumbe provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua.
É que neste caso, o dever jurídico violado está de tal forma personalizado no devedor, que se
justifica que seja este a pessoa onerada com a alegação e a prova das razoes justificativas do não
cumprimento.
É, contudo, ao credor que incumbe a prova do facto ilícito. Se houver cumprimento defeituoso,
ao credor compete fazer prova do defeito, como elemento constitutivo do seu direito de indemnização.
Nas obrigações de meios, não bastará a prova da não obtenção do resultado previsto, para que
se prove o não cumprimento. É necessário provar que o esforço exigível necessário a produzir o resultado
previsto não foi realizado.
Também este requisito aparece exigido, uma vez que para que o devedor se constitua em
responsabilidade, a sua falta de cumprimento tem que ser culposa (art. 798º), ainda que, conforme adiante
se desenvolverá, a culpa do devedor se presuma (art. 799º/1). Caberá, pois, ao devedor demonstrar que
não teve culpa na violação do vínculo obrigacional, que não lhe possa ser pessoalmente censurável o
facto de não ter adoptado o comportamento devido, o que sucederá sempre que esse não cumprimento
seja devido a facto do credor, de terceiro, ou a caso fortuito ou de força maior.
A culpa revestirá igualmente as modalidades de dolo (directo, necessário e eventual) ou
negligência (consciente e inconsciente).
Ambas as modalidades são, regra geral, susceptíveis de gerar responsabilidade do devedor. Mas
em certos casos a lei limita a responsabilidade do devedor ao dolo, como sucede na hipótese de ocorrência
de mora do credor (art. 814º e 815º), ou no âmbito dos contratos gratuitos (responsabilidade do doador –
art. 956º e 957º –, do comodante – art. 1134º – ou do mutuante a título gratuito – art. 1151º).
A lei vem impor na responsabilidade obrigacional a apreciação da culpa segundo a diligência
do bom pai de família (remissão do art. 799º/2 para o art. 487º/2).
A falta de cumprimento só dá lugar à obrigação de indemnizar se o credor sofrer com ela algum
prejuízo. Sem dano (patrimonial ou não) não existe responsabilidade civil.
Nos danos indemnizáveis cabe, não só o dano emergente (a que se refere o art. 564º), como o
lucro cessante, constituído pelos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
Tudo quanto foi dito a propósito da classificação dos danos e da limitação dos danos
sobrevindos ao lesado para efeito da fixação e do cálculo da indemnização para a responsabilidade
delitual56 tem plena aplicação nesta sede.
Para ANTUNES VARELA, as únicas diferenças a registar são as que resultam da inaplicabilidade
do disposto no art. 494º ao domínio da responsabilidade contratual e da não ressarcibilidade dos danos
morais ou não patrimoniais sofridos pelo credor. em sentido diverso, admitindo a aplicação do art. 494º,
VAZ SERRA e MENEZES LEITÃO. Por um lado, afirma aquele A., não se admite que a indemnização fique
aquém do montante do dano sofrido pelo credor, atentas as expectativas criadas pela constituição do
vínculo obrigacional. E, como, por essa razão, se não concebe, mesmo no caso de mera culpa, uma
indemnização de valor inferior ao montante do dano, de algum modo se compreende também que ele
não possa exigir indemnização pelos danos morais que haja suportado com a falta de cumprimento. Até
porque, de outra forma, se introduziria no capitulo da responsabilidade contratual um factor de séria
perturbação da certeza e segurança no comércio jurídico.
Pela nossa parte, o A., e ressalvado o respeito, tem razão, mas só em parte. Vejamos: o ponto
de partida não poderá deixar de ser a análise da finalidade da responsabilidade civil: sabemos já do
capítulo da responsabilidade civil delitual que é ela a compensação de quem sofre um dano, por esses
mesmos danos. Ora, aqui a finalidade de cada modalidade de responsabilidade é diversa. Na
responsabilidade extra-obrigacional, estamos perante uma situação em que uma pessoa é titular de um
direito (que não de crédito) absoluto. E um terceiro, ao violar um dever, que não é especificamente seu,
mas generalmente de todos, deve ressarci-lo desse dano. Mas se o violou com negligência, e porque o
dever de cuidado não recaía pessoalmente sobre si, então não se poderia impôr o mesmo nível de cuidado
a essa pessoa que a uma adstrita pessoal ou especificamente a determinada obrigação jurídica. E, por
56 Vide, por todos, DIOGO CASQUEIRO, Direito das Obrigações, pp. 113 e ss. e 125 e ss.
Afirma a doutrina que é aplicável inteiramente, nesta sede, o art. 563º, no que concerne ao nexo
de causalidade entre o facto e o dano. Assim, para o estabelecimento desse nexo, surgiram as seguintes
teorias-critério:
Igualmente denominada teoria da conditio sine qua non, considera causa de um evento toda e
qualquer condição que tenha ocorrido para a sua produção, em termos tais que a sua não ocorrência
implicaria que o evento deixasse de se verificar.
Aplicada ao Direito, esta teoria produz resultados absurdos. Ao se afirmar a relevância de todas
as condições para o processo causal, já que por si nenhuma teria força suficiente para afastar a outra, o
resultado é abdicar-se de efectuar uma selecção de condições relevantes juridicamente. A teoria da
conditio sine qua non não fornece uma exacta definição de causalidade, mas antes uma regra geral
descritiva.
57 ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, Almedina, 11ª edição, Coimbra, 2008, pp. 603 e ss.
Esta teoria só considera como causa do evento a última condição que se verificou antes de este
ocorrer e que, portanto, o precede directamente. Apenas admite a indemnização de um dano quando ele
seja consequência directa e imediata da inexecução.
A teoria não, porém, aceitável, já que a acção não tem que produzir directamente o dano,
podendo produzi-lo apenas indirectamente e nem sequer há obstáculos a que decorra um lapso de tempo
considerável entre o facto ilícito e o dano – art. 564º/2. Seria injusto colocar toda a relevância do processo
causal na última condição, que muitas vezes é provocada por uma condição antecedente.
Pretende esta teoria que, para descobrir a causa do dano, terá que se efectuar uma avaliação
quantitativa da eficiência das diversas condições do processo causal, para averiguar qual a que se
apresenta mais relevante em termos causais. Mas escolher a condição mais eficiente em termos causais
apenas é possível remetendo para o ponto de vista do julgador, o que acaba por redundar num
subjectivismo integral.
O dano
Se o devedor incumpriu o comando obrigacional, mas tal incumprimento não provocou danos
ao credor, não fica sujeito a responsabilidade. Em virtude do regime unitário da obrigação de
indemnização (art. 562º e ss), onde se encontra a forma prevista para o cálculo dos danos, verifica-se que
também as responsabilidade obrigacional se deve efectuar primariamente a reconstituição natural (art.
562º), apenas se realizando a indemnização em dinheiro quando a reconstituição natural não seja
possível, não repare inteiramente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (art. 566º).
Para alem disso, no âmbito dos danos compreender-se-ão tanto os danos emergentes como os lucros
cessantes (art. 564º/1), bem como os danos futuros, se forem previsíveis, devendo o tribunal remeter a
fixação da indemnização para decisão ulterior sempre que não sejam determináveis (art. 564º/2).
Diferentemente em relação à responsabilidade delitual, na obrigacional, a indemnização abrange o
chamado interesse contratual positivo ou de cumprimento (as utilidades que se frustraram se virtude da
não realização da prestação, devendo a indemnização colocar o credor na situação em que estaria se a
obrigação tivesse sido voluntariamente cumprida).
Tem-se discutido se serão igualmente extensíveis à responsabilidade contratual disposições
referentes ao cálculo dos danos colocadas em sede da responsabilidade delitual, como a limitação da
indemnização em caso de mera culpa (art. 494º) ou a ressarcibilidade dos danos morais (art. 496º).
Quanto à primeira, a maioria da doutrina tem considerado que esta não deve ser transposta para
a obrigacional. Apenas PESSOA JORGE se pronunciou no outro sentido. MENEZES LEITÃO vem afirmar
que são raros os casos de aplicação da disposição, mas não há dúvida que a possibilidade de a ela recorrer
deve ocorrer igualmente no âmbito da responsabilidade contratual.
Relativamente à segunda, têm-se pronunciado contra ela PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA,
com o argumento de que ela introduziria no âmbito da responsabilidade contratual um factor de incerteza
e insegurança no comércio jurídico, levando à tentativa de converter em dinheiro muitos prejuízos
relativamente insignificantes, o que redundaria num aumento inglório da litigiosidade nos tribunais. A
O nexo de causalidade
O art. 798º vem exigir um nexo de causalidade entre o facto e o dano na responsabilidade
obrigacional, ao referir que o devedor só responde pelos danos que causa ao credor. as regras para o
estabelecimento do nexo de causalidade são exactamente as mesmas que vigoram no âmbito da
responsabilidade delitual, uma vez que o art. 563º é igualmente aplicável nesta sede.
Em princípio, a responsabilidade do devedor cessa sempre que este demonstrar que o facto é
imputável a terceiro, uma vez que nesse caso não se pode considerar que ele tenha actuado com culpa na
violação da sua obrigação (art. 799º/1). Não seria, no entanto, correcto que essa regra se aplicasse sempre
que um terceiro fosse representante legal do devedor ou alguém por este utilizado para o cumprimento
da obrigação, uma vez que nestes casos a actuação do terceiro se exerce em benefício ou debaixo do
controle do devedor, podendo aquele ser visto como uma longa manus deste. Justamente por esse motivo,
o art. 800º/1 estabelece uma situação de responsabilidade objectiva do devedor que assenta numa
equiparação da conduta do auxiliar ou representante legal à conduta do próprio devedor, por forma a
evitar que este se pudesse exonerar da sua responsabilidade, imputando àqueles o comportamento que
conduziu à violação da obrigação. O risco resultante da actuação dos representantes legais ou dos
auxiliares do cumprimento é assim atribuído ao próprio devedor.
Apesar da equiparação efectuada no art. 800º, a doutrina não tem deixado de distinguir a
situação do representante legal em relação à do auxiliar do cumprimento, em relação à justificação da
atribuição da responsabilidade pelo risco. Efectivamente, a representação legal é estabelecida em função
da incapacidade do devedor, e apenas abrange actividades lícitas, como o exercício dos direitos e o
cumprimento das obrigações, não ocorrendo a representação legal em relação a actuações ilícitas como
Os pressupostos de aplicação do art. 800º são diversos dos do art. 500º. Não se exige uma
relação de comissão entre o devedor e o representante legal ou auxiliar, bastando o próprio vínculo da
representação legal ou a mera utilização do terceiro para a realização da prestação.
Exige-se, por outro lado, que a actuação do representante legal ou auxiliar represente uma
violação do vínculo obrigacional58, tendo a doutrina discutido se nesta sede se abrange apenas a violação
do dever principal ou todos os deveres acessórios de conduta. Uma vez que a tutela destes deveres
acessórios de conduta pode ser enquadrada na terceira via da responsabilidade e, dado que, entre nós, o
art. 500º, ao contrário do que sucede no direito alemão, permite igualmente estabelecer uma
responsabilidade objectiva por facto de terceiro, parece preferível considerar estar-se perante uma lacuna
a integrar caso a caso.
A nossa lei vem admitir no art. 800º/2 que a responsabilidade do devedor por actos dos seus
representantes legais ou auxiliares possa ser convencionalmente limitada ou excluída mediante acordo
prévio entre as partes, desde que a exclusão ou limitação não compreenda actos que representem a
violação de deveres impostos por normas de ordem pública. Esta exclusão, que se estende a qualquer
comportamento do auxiliar, mesmo que doloso, é admissível uma vez que não confere ao devedor a
irresponsabilidade por factos próprios seus (excluída pelo art. 809º). No entanto, a exclusão da
responsabilidade por actos dos auxiliares não pode representar a violação de normas de ordem pública,
58Estão excluídos da responsabilidade os casos em que ocorra quanto ao representante ou auxiliar causas de exclusão
obrigacional da ilicitude. Assim, PESSOA JORGE e CUNHA E SÁ.
Requisitos
Para que haja mora, alem da culpa do devedor, considera os autores que é necessário que a
prestação seja, ou se tenha tornado, certa, exigível e líquida.
O acerto destes requisitos mede-se, no entanto, pela sua inclusão nos pressupostos essenciais da
mora, que são a ilicitude e a culpa.
Se a prestação não é certa, porque, cabendo a sua determinação ao credor ou a terceiro, estes
ainda não efectuaram a escolha, não haverá mora do devedor, porque o retardamento no cumprimento
procede de causa que lhe não é imputável.
Mas, se a incerteza da prestação provém apenas de o devedor não ter efectuado ainda a escolha
que lhe incumbe fazer, há mora.
Neste ponto, é fundamental saber qual a natureza da obrigação, quanto ao tempo do vencimento
(art. 805º).
Se é pura, só há mora após a interpelação de cumprimento (art. 805º/1). A mora (ex persona)
está nesse caso dependente da interpelação, que pode ser judicial ou extrajudicial.
Tendo a obrigação prazo certo, não é necessário que haja interpelação para haver mora. Por
força do art. 805º/2, a), há mora desde que se vença o prazo e o devedor não cumpra culposamente.
Quando o prazo seja incerto, vale o nº 1. Há que efectuar uma precisão: esta mora ex re, desencadeada
pelo mero vencimento da obrigação, dá-se quando mais nenhuma actividade do credor ou de terceiro se
torna necessária para que o obrigado possa e deva efectuar a prestação.
E assim sucede nas obrigações em que o devedor, obrigado a realizar a prestação no domicilio
do credor, omite esse comportamento, i.e., nas obrigações de entrega. Mas já não nas obrigações de
colocação: nesse caso, findo o prazo, é necessário que o credor procure a prestação e o devedor a não
realize, para que haja mora.
Outros dois casos há em que se prescinde de interpelação: o primeiro é o da interpelação ter
sido impedida pelo próprio devedor. Neste caso o devedor considera-se interpelado desde a data em que,
processando-se as coisas com regularidade, o teria sido.
O segundo caso é o de a obrigação provir de facto ilícito extracontratual (art. 805º/2, b)). A
mora conta-se aí a partir da prática do facto ilícito. Assim se explica, aliás que o art. 566º/2, no cálculo
da indemnização a pagar em dinheiro ao lesado, mande tomar em linha de conta todos os danos por ele
sofridos desde a prática do facto ilícito até à data mais recente a que o tribunal puder atender, sem
exclusão dos danos futuros.
Art. 804º/1 – a mora do devedor consiste na situação em que a prestação, embora ainda possível,
não foi realizada no tempo devido, por facto imputável ao devedor. É, pois exigível que: (1) que a
prestação ainda seja possível, senão teríamos antes impossibilidade definitiva do cumprimento (art. 790º
ou 801º) ou incumprimento definitivo (art. 798º); (2) que a não realização da prestação seja imputável
ao devedor, caso contrário a hipótese é antes de impossibilidade temporária (art. 792º).
É necessário que ainda seja possível realizar a prestação em data futura. Por esse motivo, em
certo tipo de obrigações não se admite a ocorrência de mora. Estão nesta situação as obrigações de
conteúdo negativo e as obrigações em relação às quais seja estipulado um prazo essencial de
cumprimento, que não possa ser ultrapassado sem perda do interesse do credor (obrigações com prazo
absolutamente fixo). Nestes casos, a não realização da prestação no tempo devido torna-a inútil para o
credor e acarreta, pois, o incumprimento definitivo da obrigação (art. 808º).
A mora depende, por outro lado, de a prestação não ser realizada em tempo devido. É necessário,
assim, recorrer às regras de determinação do tempo do cumprimento para averiguar se o devedor está ou
não em situação de mora – arts. 777º e ss.
A regra é a de que as obrigações são puras. Neste tipo de obrigações, o devedor só está em mora
depois de interpelado pelo credor a cumprir – art. 805º/1. E pode ser feita judicial ou extrajudicialmente.
Há, porém, casos em que a mora do devedor depende apenas de factores objectivos (mora ex
re), tornando-se irrelevante a existência ou não de interpelação pelo credor (art. 805º/2):
1. A obrigação ter prazo certo – a interpelação torna-se desnecessária, uma vez que,
nos termos do art. 805º/2, a), o decurso do prazo acarreta, por si, o vencimento da obrigação. Mesmo
nestes casos, em obrigações de colocação, o simples decurso desse prazo não basta para constituir o
devedor em mora, na medida em que o cumprimento pressupõe uma actividade do credor. Apenas assim
nas obrigações de entrega isto se verifica;
2. A obrigação provier de facto ilícito, uma vez que se o devedor tiver praticado um
facto ilícito a regra é a de que deve imediatamente proceder à reparação das suas consequências,
independentemente da interpelação, contando-se a mora a partir do momento em que tem de indemnizar
(art. 805º/2, b));
3. O devedor impedir a interpelação, evitando, por exemplo receber a comunicação
que o credor lhe dirigir. Para evitar que o devedor beneficie com o seu comportamento incorrecto, o art.
805º/2, c) determina que o devedor se considera interpelado na data em que normalmente o teria sido;
4. O devedor declarar que não tenciona cumprir a obrigação. Declara MENEZES
LEITÃO que se deve acrescentar aos casos do art. 805º/2 o da situação de o comportamento do devedor
Em qualquer das situações atrás previstas, o art. 805º/3 exige, no entanto, para que ocorra mora,
que a obrigação seja líquida, ou seja, que o seu quantitativo já se encontre determinado, uma vez que,
enquanto tal não suceder, a mora não se verifica. E isto só assim não é em duas situações:
1. A falta de liquidez ser imputável ao devedor, caso em que não deixa de se considerar
verificada a mora para evitar que o devedor beneficie de uma situação pela qual ele próprio é responsável;
2. Tratar-se de uma situação de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, caso em
que, apesar da iliquidez, se considera ocorrer mora a partir da citação para a acção de responsabilidade,
a menos que já ocorra mora com base na situação anterior. A propósito desta ressalva, uma importante
nota deve ser feita: a redacção desta norma, tal como foi dada pelo DL nº 262/83, levanta algumas
questões. A primeira é a de que o art. 566º/2 manda calcular a situação patrimonial do lesado com base
na data mais recente que possa ser considerada pelo Tribunal, o que implica considerar também os
prejuízos causados ao lesado com o atraso na liquidação da indemnização (eventuais juros
compensatórios). Cumulando-se essa solução com a contagem de juros de mora a partir da citação ocorre
uma duplicação, o que redunda num enriquecimento do lesado, dificilmente justificável. A maioria da
jurisprudência veio defender a insusceptibilidade de cumulação da actualização monetária da
indemnização com o pagamento de juros de mora, com o argumento de que tal constituiria um
enriquecimento sem causa para o lesado e, em consequência, limita a contagem de juros de mora à data
da prolação da sentença de 1ª instância. Mas outra orientação veio afirmar que a cumulação das duas
situações não envolveria enriquecimento sem causa, uma vez que a indemnização moratória visaria
compensar um prejuízo distinto do que é compensado com a actualização monetária da indemnização.
A mora tem dois efeitos fundamentais: obriga o devedor a reparar os danos que causa ao credor
e lança sobre o devedor o risco da impossibilidade da prestação. O facto de a prestação ser ainda possível,
por não se extinguir o interesse do credor, não impede que a mora possa causar a este prejuízos, mais ou
menos extensos.
São todos esses prejuízos, determinados nos termos dos arts. 562º e segs, que o art. 804º/1
manda reparar. Entre os danos moratórios avultam as despesas que o credor seja forçado a realizar para
satisfazer entretanto, o interesse a que se achava adstrita a prestação em falta e os benefícios ou lucros
que ele deixou de obter em virtude da falta do devedor.
Se o credor se recusar, legitimamente, a receber a prestação parcial que o devedor pretendia
efectuar, a mora e os respectivos danos reportar-se-ão a toda a prestação, e não apenas à parte que o
devedor não ofereceu ao credor. A resolução do contrato, quando a obrigação do faltoso se integre num
contrato bilateral, não é efeito da mora, só nascendo quando a mora se converta em não cumprimento
definitivo.
Tratando-se de obrigações pecuniárias, a lei presume inilidivelmente que há sempre danos
causados pela mora e fixa, em regra, desde logo, o montante desses danos.
Por um lado, garante-se uma indemnização efectiva ao credor a partir do dia da constituição em
mora (art. 806º/1). Por outro, identifica-se a indemnização com os juros legais da soma devida, salvo
convenção de juros mais altos ou diferentes.
O segundo efeito típico da mora, retratado no art. 807º, é o de que o devedor se torna responsável
pelo prejuízo que o credor tiver em consequência da perda ou deterioração daquilo que deveria entregar,
mesmo que esses factos lhe não sejam imputáveis.
Ressalva-se, entretanto, a possibilidade do devedor de alegar e provar que a perda ou
deterioração da coisa se teria igualmente verificado, na hipótese de a obrigação ter sido oportunamente
cumprida. E nesse caso, e apenas nesse, a causa fortuita que impossibilitou a realização da prestação
recobrirá a sua eficácia liberatória normal.
A perda da coisa, por causa não imputável ao obrigado, deveria arrastar normalmente consigo a
extinção da obrigação. Esta mantém-se devido ao facto da mora, a qual, neste sentido, perpetua a
obrigação.
Pelos próprios termos da lei, facilmente se conclui que a sanção se refere, de modo especial, às
obrigações de prestação de coisa, e que todo o seu interesse está nos casos em que, tendo havido
transferência do domínio ou de outro direito sobre a coisa, ela se traduz numa inversão do risco.
A doutrina tem referido propriamente que estes casos excedem os limites da causalidade
adequada, abrangendo os casos em que o perecimento da coisa não pode ser apontado como um efeito
adequado da mora.
A ratio do preceito está na presunção, posta a correr contra o devedor faltoso, de que coisa não
teria sido atingida se oportunamente entregue.
A) Obrigação de indemnização
O argumento a favor desta solução reside em que, destruído retroactivamente o contrato, não
faria sentido em termos lógicos que a indemnização pudesse continuar a abranger os danos resultantes
da não realização da prestação, sendo que por outro lado os arts. 809º e 908º estabelecem, no âmbito do
cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda, uma clara distinção entre a indemnização
referida ao interesse contratual positivo e a indemnização referida ao interesse contratual negativo.
MENEZES LEITÃO acrescenta alguns pontos: a tese que sustenta que a indemnização abrange o
interesse contratual positivo efectua uma certa quebra no regime da resolução do contrato por
incumprimento, cuja função principal é precisamente libertar o credor do dever de efectuar a sua
contraprestação ou permitir-lhe obter a sua restituição. Nesse enquadramento, a resolução implicaria uma
desequilíbrio na estrutura sinalagmática do contrato, já que o contraente fiel obteria a exoneração da sua
obrigação ou a restituição da prestação anteriormente realizada, enquanto o contraente faltoso continuaria
a responder integralmente pelo interesse de cumprimento da outra parte. É claro que a tese referida
permite o desconto da contraprestação na indemnização pelo interesse contratual positivo, mas essa
solução não deixa de representar um desequilíbrio na estrutura sinalagmática do contrato.
Nesse enquadramento, a resolução por incumprimento praticamente transformaria o contrato
sinalagmático em unilateral, uma vez que determinaria uma sua liquidação num só sentido. Ora, parece
que não é seguramente essa a solução do nosso direito, que estabelece o carácter retroactivo da resolução
(art. 433º, 289º e 434º), determinando a existência de duas prestações recíprocas de restituição no caso
de esta ocorrer no âmbito de um contrato sinalagmático (art. 433º e 290º). Assim, sendo, parece seguro
que a indemnização terá que ser limitada ao interesse contratual negativo, na medida em que não pode
abranger os danos resultantes da frustração das utilidades proporcionadas pela própria prestação. Tal não
significa, porém, que não possa ocorrer uma indemnização por lucros cessantes, bastando ao credor
demonstrar que a celebração daquele contrato o impediu de celebrar outro que lhe teria proporcionado
benefícios que assim deixou de obter (art. 564º/1).
Contra esta posição colocaram-se VAZ SERRA, BAPTISTA MACHADO, ANA PRATA e RIBEIRO DE
FARIA. A posição destes autores assenta na ideia de que, se a resolução do contrato libera o seu autor do
dever de efectuar a prestação, não pode, porém, prejudicá-lo em termos de indemnização, pelo que ela
deve continuar a abranger o interesse contratual positivo. Por essa razão, estes autores acabam por
Impossibilidade parcial
Também a impossibilidade imputável ora atinge toda a prestação, ora parte dela apenas. O
regime aplicável à impossibilidade parcial, neste caso, corresponde ao fixado para a impossibilidade
parcial não imputável ao devedor, com a principal diferença de se obrigar agora o devedor a indemnizar
o credor do prejuízo causado.
O credor pode optar pela resolução do negócio ou pelo cumprimento da parte possível da
prestação, com a consequente redução proporcional da sua contraprestação.
Contudo a diferença entre estas duas variantes de impossibilidade não assenta apenas no direito
de indemnização. Também no que toca à opção pela resolução do contrato, há a sua diferença de regime
entre um e outro caso. Se a impossibilidade parcial não é imputável ao devedor, o credor só pode resolver
o contrato quando, justificadamente, não tiver interesse no cumprimento parcial da obrigação; sendo a
impossibilidade parcial imputável ao devedor, o credor pode sempre, regra geral, resolver o contrato, e
Admite-se que a impossibilidade da prestação possa apenas ser parcial, o que acontecerá, por
exemplo, na hipótese de alguém se obrigar a entregar as duas peças de porcelana raras que possui e,
culposamente, partir uma delas. Nesse caso, o art. 802º/1 determina que ao credor cabe a faculdade entre
resolver o negócio ou exigir o cumprimento do que for possível, com redução da sua contraprestação, se
for devida. Em qualquer das situações o credor manterá direito à indemnização, mas a opção pela
resolução do negócio não poderá ser exercida se o não cumprimento parcial, atendendo ao interesse do
credor, tiver escassa importância (art. 802º/2).
A impossibilidade parcial determina uma extinção parcial do direito à prestação, não sendo
assim a prestação integralmente substituída por uma indemnização. Caso o contrato seja sinalagmático,
o nexo de reciprocidade entre as prestações implicará que a extinção parcial de uma das prestações
acarrete a correspondente redução da outra, sem que o credor perca o direito à indemnização que
abrangerá o interesse contratual positivo, ou seja, todos os benefícios que o credor obteria caso a
prestação fosse integralmente realizada com o desconto correspondente à redução proporcional da sua
própria prestação.
O credor pode optar pela não realização de qualquer parte da sua própria prestação, para o que
tem que recorrer à resolução do contrato: ambas as partes ficam liberadas de qualquer prestação, ficando
apenas o credor com o direito de exigir indemnização pelo interesse contratual negativo. Esta opção não
será, no entanto, permitida, caso o não cumprimento parcial, atendendo ao interesse do credor, tiver
escassa importância, caso em que será antes tutelado o interesse do devedor em realizar a parte não
impossibilitada da prestação.
C)“Commodum” de representação
Também no caso de impossibilidade da prestação, imputável ao devedor, pode suceder que este,
em virtude do facto gerador da impossibilidade, adquira algum direito sobre certa coisa ou contra
terceiro, em substituição do objecto da prestação. Se assim for, terá o credor o direito de (prescindindo
da resolução do contrato) exigir a prestação dessa coisa ou de substituir-se ao devedor na titularidade do
direito que ele adquiriu.
É natural que credor opte pela sub-rogação, se o direito que o devedor adquire por virtude da
impossibilidade for de valor aproximadamente igual ou superior ao da prestação por ele efectuada ou
prometida.
A impossibilidade da prestação por facto imputável ao devedor pode implicar igualmente que
o devedor venha a obter um direito sobre certa coisa ou contra terceiro em substituição do objecto da
prestação. Daí que o art. 803º/2 venha igualmente a determinar que o credor pode também nesses casos
exercer o commodum de representação, i.e., exigir a prestação da coisa ou do direito que o devedor
adquiriu contra terceiro em substituição do objecto da prestação.
Caso o credor venha a exercer o direito ao commodum de representação terá igualmente que
manter a sua própria contraprestação, uma vez que a opção pelo commodum é incompatível com a
extinção da mesma. Conforme se viu, a impossibilidade culposa permite ao credor exigir do devedor a
indemnização pelo interesse contratual positivo que, em virtude dessa manutenção se exercerá de acordo
com a teoria da sub-rogação. É manifesto que não seria possível ao credor cumular esses dois direitos,
já que tal geraria um verdadeiro enriquecimento seu à custa do devedor. Daí que a solução legal tenha
sido o permitir ao credor a opção pelo commodum da representação, mas que, caso ele venha exercer
essa opção, a indemnização será reduzida na medida correspondente ao valor do commodum (art. 803º/2).
4. Cumprimento defeituoso59
59 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 126 e
ss; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 274 e ss;
Os efeitos específicos do cumprimento defeituoso não vêm definidos no título das obrigações
em geral, a não ser, porventura, no que toca à escolha da prestação nos casos em que ela é indeterminada
– art. 400º/1.
A consequência mais importante do cumprimento defeituoso é a obrigação de ressarcimento
dos danos causados ao credor e o direito, em certos casos conferido ao credor, de exigir a reparação ou
substituição da coisa (art. 914º) ou a eliminação dos defeitos, quando esta seja material e
economicamente viável (art. 1221º) e ainda o direito de redução da contraprestação – art. 911º.
Trata-se principalmente de coisas que, mercê do seu defeito, se tornam perigosas para a saúde
e até para a vida do consumidor ou podem causar danos sérios no património do adquirente.
O vendedor desconhece na generalidade dos casos o defeito do produto, acondicionado pelo
fabricante e, por isso, falha a protecção que as normas clássicas do direito privado pretendem conferir.
Estes casos de venda de coisa defeituosa, quando o vendedor não seja o produtor dela, não se
integram em nenhuma das normas que estendem a terceiros o direito à reparação do dano sofrido e que
nem sequer há verdadeira analogia entre os dois grupos de situações.
Esta matéria é regulada pelo DL 383/89. No art. 1º se prevê que o produtor é responsável
independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação.
Apesar disso concede-se ao produtor uma série de causas de exclusão da responsabilidade.
No entanto, uma importante nota há que ressalvar: esta matéria foi subsequentemente alvo de
intervenções legislativas, das quais se dá conta na resolução das respectivas hipóteses práticas: para aí se
remete.
Nos casos em que não é possível o recurso à execução específica, a lei admite ainda a
possibilidade de coagir o devedor ao cumprimento, através da sanção pecuniária compulsória. Como
afirma ALMEIDA COSTA, no direito moderno, muito por influencia da prática jurisprudencial francesa,
desenvolveu-se esse sistema de meios de constrangimento indirecto, embora de predominante índole
pecuniária (astreintes). São providencias tomadas após a violação de uma norma e que se destinam a
evitar que a mesma se prolongue, cessando, pois, logo que ela termina. É intermédia entre a prevenção e
a repressão. Para o caso de falta do devedor ao cumprimento no prazo fixado pelo tribunal, pode este,
oficiosamente, condená-lo a satisfazer determinada soma, correspondente a cada dia de atraso ou por
cada infracção. Alem do carácter não repressivo, outros dois traços avultam: (1) o seu alcance não é
reparar o dano que resulta do incumprimento; (2) ainda que atinjam o património, procuram é agir sobre
a pessoa do devedor, obrigando-o a cumprir. Em face do Direito Francês, temos duas modalidades: (1) a
provisória – verifica-se sempre que o juiz reserva a possibilidade de modificá-la, para mais ou menos,
atendendo à conduta do devedor; (2) a definitiva – o tribunal renuncia a essa faculdade de modificação.
Prevista no art. 829º-A, a sanção pecuniária compulsória é permitida em relação às prestações
de facto infungível, de facto positivo ou negativo, salvo nas que exigem qualidades especiais científicas
ou artísticas do obrigado. Nesses casos, a requerimento do credor pode o tribunal condenar o devedor no
pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção,
conforme for mais adequado às circunstâncias do caso (art. 829º-A/1). O legislador permite a sanção em
termos limitados, já que esta não pode ser decretada oficiosamente pelo tribunal, exigindo-se o
requerimento do credor, e só é permitida em relação a obrigações de facto infungível.
60 MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 283 e ss;
Qualquer credor tem uma garantia judiciária da obrigação, consistente na possibilidade de exigir
judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor (art. 817º).
Esta efectua-se normalmente através da acção de condenação onde se exige a prestação de uma
coisa ou de um facto (art. 4º/2, b) CPC).
Caso a condenação não seja por este observada, a realização efectiva do direito do credor exige
a instauração de uma acção executiva (art. 4º/3 CPC): tem como pressuposto um título executivo, através
do qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (art. 45º/1 CPC). Um dos títulos é a sentença
condenatória (art. 46º, a) CPC).
Existem títulos executivos de cariz extrajudicial: vêm enumerados nas alíneas b) a d) do mesmo
preceito.
A acção executiva pode ter três fins distintos: o pagamento de quantia certa (arts. 821º e ss.
CPC), a entrega de coisa certa (arts. 930º e ss.) e a prestação de facto (art. 933º e ss.) – art. 45º/2 CPC.
Pode suceder que o credor venha a obter a satisfação, por via judicial, do seu crédito de forma
originária, através da produção do mesmo resultado que lhe proporcionaria o cumprimento voluntário da
obrigação. Fala-se então em execução específica.
O seu pressuposto é a manutenção, na esfera do credor, do seu direito à prestação original. É,
pois, a simples mora (art. 804º).
Vem prevista nos arts. 827º e ss. do C.C.
61 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 149 e
ss; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 279 e ss;
7. Mora do credor62
7.1. Requisitos
O cumprimento da obrigação pode falhar por uma causa imputável ao credor que, em certos
casos, é causador da impossibilidade da prestação; e pode ser também o causador do retardamento do
cumprimento.
A realização da prestação, embora seja dever que recai sobre o sujeito passivo da relação
obrigacional, necessita em regra da colaboração do credor, mais que não seja, para a receber ou entregar
documento de quitação.
Mas nem sempre a colaboração do credor se fica por aí: há casos – dettes quérables (dívidas de
colocação) – em que ao credor incumbe procurar ou mandar buscar a prestação ao domicilio do devedor.
Outros há em que a prestação de uma das partes está ou pode estar dependente do fornecimento de certos
meios ou de instruções a cargo da contraparte.
Em qualquer destes casos a prestação pode não se realizar por causa apenas imputável ao credor:
seja porque se recuso a receber a prestação ou porque não praticou os actos necessários ao cumprimento
Ora, diz-se que há mora do credor sempre que a obrigação não foi cumprida no momento
próprio porque o credor, sem causa justificativa, recusou a prestação que lhe foi regularmente oferecida
ou não realizou os actos de cooperação, de sua parte necessários ao cumprimento.
Distinguem-se da mora os casos em que o devedor cumpre a obrigação, embora o credor não
chegue a tirar dele a satisfação do seu interesse.
Não basta para haver mora credendi que o credor se recuse a receber a prestação oferecida ou
omita os actos que deveria praticar. Pode a recusa ser justificada. Em compensação, não se exige a culpa
do credor. A exigência de culpa faria pressupor que o credor estaria obrigado a aceitar a prestação, o que
não é exacto. Daí que, como requisito da mora credendi, se tenha antes incluído a falta de motivo
justificado.
Figuras próximas da mora credendi: a perda do direito pelo não exercício dele ou por virtude do risco
a cargo do credor
62 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 160 e
ss; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 243 e ss;
Não se confundem os casos de mora credendi com as situações em que a falta da colaboração
necessária do credor produz a desoneração definitiva do devedor, porque este se obrigou, por exemplo,
a oferecer a prestação em determinado momento (prazo absolutamente fixo) e a ofereceu no momento
oportuno, sendo o credor, por facto a ele respeitante, quem não a recebeu.
É o caso do individuo que adquire o bilhete para assistir à representação teatral e falta ao
espectáculo. Não são casos de impossibilidade da prestação, porque a possibilidade dela, em si mesma
objectivamente considerada, as mais das vezes se mantém. O que há é a perda do direito pelo seu não
exercício no tempo oportuno ou por virtude de facto compreendido na zona de risco imputável ao credor.
Apesar disso, não se pode duvidar da aplicabilidade, por analogia, a estes casos, do art. 795º/2
e 815º/2 e ainda do art. 1227º.
A lei estabelece no art. 813º que o credor incorre em mora sempre que, sem motivo justificado,
não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao
cumprimento da obrigação.
Tem os seguintes pressupostos ou requisitos: (1) recusa ou não realização pelo credor da
colaboração necessária para o cumprimento; (2) ausência de motivo justificado para essa recusa ou
omissão.
Deve salientar-se que pode ser desnecessária uma intervenção do credor para a verificação do
cumprimento da obrigação (prestações de facto negativo e algumas de facto positivo). Na maioria dos
casos, porém, a realização da prestação não é possível sem que ocorra uma colaboração do credor. assim,
nas prestações de coisa, o credor tem sempre que aceitar a coisa, podendo mesmo ter que ir ou mandar
recebê-la. em certos casos de prestações de facto positivo, o credor pode ter que fornecer ao devedor os
meios necessários para que o devedor possa cumprir. Noutras situações, pode-lhe ser atribuída a
faculdade de determinar a prestação (art. 400º). Se o devedor assim entender, é obrigado a prestar
quitação no momento da recepção da prestação (art. 787º/2). Ora, nessas situações em que o cumprimento
da obrigação pressupõe a colaboração do credor, a não realização dessa colaboração por parte dele
importa a sua constituição em mora, já que a falta não pode ser imputada ao devedor.
A mora do credor pressupõe, no entanto, que a recusa da colaboração devida ocorra sem motivo
justificado. Em certos casos o credor pode ter motivo justificado para recusar a prestação, como sucede
quando esta não coincida plenamente com a obrigação a que o devedor se vinculou. Assim, por exemplo,
nos casos de prestação parcial ou de prestação defeituosa, o credor pode recusar a prestação sem incorrer
em mora. Igualmente nos casos em que o credor se oponha ao cumprimento por terceiro não directamente
interessado no cumprimento, o credor pode recusar a prestação sem incorrer em mora. Sempre que falte,
porém, motivo justificado, a recusa da colaboração do credor importa a sua constituição em mora.
7.2. Efeitos
Desde o momento em que o credor incorre em mora, o devedor passa a responder apenas quanto
à guarda e conservação da coisa, pelos danos provenientes do seu dolo; quanto aos demais, cessa
imediatamente a sua responsabilidade. Quanto aos frutos da coisa, o devedor terá futuramente que
A mora credendi agrava ainda, de modo apreciável, a posição do credor em matéria de risco
pela impossibilidade superveniente da prestação, quer esta provenha de causa acidental quer de facto de
terceiro.
O risco passa a correr por conta do credor, não apenas no sentido de ele ter de indemnizar as
despesas infrutíferas que o devedor tenha efectuado com os preparativos da prestação, mas também no
sentido de que não ficará desonerado da contraprestação, mesmo que se perca, parcial ou totalmente, o
seu crédito por impossibilidade superveniente da prestação.
Assim, se, após a mora do credor, o devedor de prestação de facto não fungível se impossibilitar
de cumprir, por causa que lhe não seja imputável, não perderá o direito á respectiva contraprestação, no
caso de se tratar de contrato bilateral.
Há, porém, duas limitações: (1) se o devedor obtiver alguma vantagem o benefício será
descontado no valor da contraprestação a que o credor continua vinculado (art. 815º/2); (2) se a prestação
impossibilitada for divisível, a contraprestação a que o credor fica adstrito terá apenas o valor
correspondente a parte dessa prestação, cuja impossibilidade esteja ainda causalmente ligada à mora
credendi.
O credor fica, por último, obrigado a indemnizar o devedor das maiores despesas que este fez
com o oferecimento infrutífero da prestação e com a guarda e conservação do respectivo objecto.
É um dever de indemnização que tem perfeita justificação na ideia de que a prestação do
devedor não deve tornar-se mais gravosa por facto imputável à contraparte.
Entre as despesas a cargo do credor podem figurar os prémios de seguro, pagos sobre a coisa
durante o período da mora, o sustento dos animais, etc.
Muito intencionalmente, o art. 816º concretiza o circulo dos danos provocados pela falta de
cooperação do credor, que este é obrigado a compensar, excluindo implicitamente outros danos que o
devedor haja sofrido.
Dentro do mesmo hão-de caber as despesas a mais que o devedor tenha feito, não apenas com
o oferecimento infrutífero da prestação, como com o oferecimento da prestação em tempo oportuno,
quando esta se tenha tornado mais dispendiosa para o devedor por falta da colaboração adequada do
credor.
Apesar de não ser, em rigor um caso de mora, o art. 816º autoriza a que, por analogia, se obrigue
o credor a indemnizar o acréscimo de encargos que o devedor teve de suportar com a prestação.
A mora credendi obriga a indemnizar o devedor das maiores despesas que este seja obrigado a
fazer com o oferecimento infrutífero da prestação e a guarda e conservação do respectivo objecto (art.
816º). Uma vez que não se pode considerar que o credor tenha o dever de aceitar a prestação 63 , a
obrigação de indemnizar surge tendo por fonte uma responsabilidade pelo sacrifício ou por acto lícito, já
que ao entrar em mora, o credor provoca a lesão de interesses do devedor e ele deve, por isso, ser
indemnizado.
63 A colaboração do credor é um ónus – este é o entendimento maioritário da doutrina, defendido também por
MENEZES LEITÃO. Pode ainda impor-se é como dever acessório resultante da boa fé – art. 762º. Esta é a posição
defendida por GALVÃO TELLES, ANTUNES VARELA, PESSOA JORGE, RIBEIRO DE FARIA e CALVÃO DA SILVA.
FERNANDO CUNHA E SÁ considera-o, no entanto, como verdadeiro dever: o interesse do devedor na realização e as
consequências desfavoráveis que lhe advêm de não prestar são os argumentos que usa. Em sentido, próximo o
mesmo defendeu MENEZES CORDEIRO que, embora não o considere um dever, afirma que se o credor não colaborar,
age ilicitamente.
64 A disposição entra em conflito com o número 1 do artigo. Os juros são frutos civis (art. 212º), pelo que, aceitando-
se que a mora do credor implique que a dívida deixe de vencer juros, se o devedor perceber efectivamente os juros,
deve entregá-los ao credor, ao abrigo do art. 814º/1. Isto é o que defende MENEZES LEITÃO. ANTUNES VARELA
argumenta em sentido diverso: “dificuldades que muitas vezes suscitará entre a soma com que o devedor pagaria o
débito e as somas restantes que ele tenha ou possa colocar a render”.
No direito civil vigora o princípio geral da liberdade contratual mas de igual liberdade não goza
o capítulo nevrálgico do não-cumprimento das obrigações, quer se trate de falta definitiva do
cumprimento quer esteja em causa a mora do devedor ou o cumprimento defeituoso da obrigação. Nesse
caso, enquanto as obrigações se mantiverem, a lei não permite que o credor renuncie antecipadamente a
qualquer dos direitos de que ele dispõe contra o devedor que não cumpre.
É nula a cláusula penal nos termos dos arts. 809º e 200º/2. O credor não pode exercer nenhum
desses direitos e pode inclusivamente renunciar depois do não cumprimento se verificar o que não pode
é renunciar antecipadamente a eles. Esses direitos constituem a armadura irredutível do direito de crédito.
A proibição da renúncia antecipada tanto vale para os casos em que a violação do direito do
credor procede de dolo do devedor como para as situações em que a falta de cumprimento assenta na
mera negligência do obrigado.
65
ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., rev. e act., Edições Almedina, 2007, pp. 135 e
ss; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 285 e ss;
A única fresta que o art. 809º rasga na proibição da cláusula de exclusão da responsabilidade do
devedor refere-se aos actos dos representantes legais ou auxiliares do devedor. Sendo o acto do
cumprimento realizado em nome ou interesse do devedor não seria justo que a falta da prestação
prejudicasse o credor e não o obrigado. Há neste caso uma espécie de responsabilidade objectiva para o
devedor, em quem o comportamento irregular do solvens se reflecte mesmo que nenhuma culpa lhe possa
ser imputada e ainda que nenhuma culpa possa ser assacada ao auxiliar ou representante. É para estas
situações que a lei (art. 800º/2) excepcionalmente permite a exclusão ou limitação da responsabilidade.
O art. 809º vem proibir a sua estipulação. Não pode, assim, o credor renunciar antecipadamente
à indemnização resultante do não cumprimento imputável ao devedor, podendo apenas (art. 800º/2) ser
afastada a responsabilidade objectiva do devedor pelos actos dos seus auxiliares.
A renúncia antecipada à indemnização por incumprimento apresentar-se-ia como contrária à
própria natureza da obrigação.
Tem vindo a ser defendido na doutrina, por ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, uma interpretação
restritiva do art. 809º, restringindo a sua aplicação aos casos de exclusão da responsabilidade por dolo
ou culpa grave, admitindo-as quanto à responsabilidade por culpa leve, posição a que aderiram MOTA
PINTO e ALMEIDA COSTA. Sustenta que a celebração de convenções de exclusão de responsabilidade com
base na culpa leve corresponde a um interesse legítimo, não se justificando a sua exclusão, invocando
ainda o argumento de que estas cláusulas não são proibidas pelo art. 18, c) LCCG.
A esta doutrina se opuseram ANTUNES VARELA, RIBEIRO DE FARIA e MENEZES LEITÃO. A
função do art. 809º é limitar a autonomia privada, por forma a evitar a renúncia prévia aos direitos do
credor. Se se admitisse tal convenção, a posição do credor ficaria gravemente debilitada, ao mesmo
tempo que se permitiria ao devedor actuar com incúria no cumprimento das suas obrigações. Essa
situação apresentar-se-ia como contraditória com o fim que preside ao vínculo obrigacional. Por outro
lado, o art. 18º, c) LCCG não pode servir de argumento, uma vez que sendo essa norma especial das
cláusulas contratuais gerais, não faz sentido que pudesse permitir nessa sede o que é proibido nos
contratos singulares.
Assim, a única ressalva quanto ao art. 809º é a do art. 800º/2.
Cumpre agora, no entanto, expor a tese dos Prof. ALMEIDA COSTA e GRAÇA TRIGO quanto à
interpretação do art. 800º/266. Como se sabe, a tese que ALMEIDA COSTA defende é a de que o art. 809º
permite a exclusão de responsabilidade em casos de culpa leve. O nº 2 do art. 800º, expressamente
ressalvado no art. 809º, só estabeleceu o limite que decorre de deveres resultantes de normas de ordem
pública, a respeito da exclusão ou limitação da responsabilidade do devedor por actos dos seus
representantes legais ou auxiliares. Parece, contudo, que, tratando-se de auxiliares dependentes
(empregado ou operário), o devedor apenas poderá exonerar-se ou limitar a sua responsabilidade pelos
actos destes nos precisos termos em que poderia fazê-lo se fosse ele próprio a cumprir; portanto, só no
66 ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 11ª ed., Edições Almedina, 2008, pp. 792 e 793.
Será admitida a sua estipulação, ao abrigo do art. 405º, e por argumento a contrario do art. 809º.
Consiste numa cláusula que desempenha funções relevantes para efeitos de segurança na contratação. A
lei admite, aliás, no art. 602º, uma hipótese específica, referente à limitação convencional da
responsabilidade do devedor a alguns dos seus bens.
Se não se permite que o credor elimine ou enfraqueça os meios de reacção predispostos na lei
contra a mora e o inadimplemento, como instrumentos que assinalam a ilicitude da conduta do devedor,
já nada impede que as partes reforcem ou assegurem antecipadamente a reacção legal contra o não
cumprimento, concretizando inclusivamente os efeitos práticos da sua aplicação. É este o sentido da
disposição contida no art. 810º.
A cláusula penal é a estipulação pela qual as partes fixam o objecto da indemnização exigível
do devedor que não cumpre, como sanção contra a falta de cumprimento. A cláusula penal é normalmente
chamada a exercer uma dupla função, por um lado constitui um reforço da indemnização devida pelo
obrigado para estimular o devedor ao cumprimento. É nestes casos um plus em relação à indemnização
normal. A cláusula penal extravasa assim o pensamento prosaico da reparação ou retribuição e só assim
se explica o apelativo especial da cláusula. Por outro lado, a cláusula penal visa amiudadas vezes facilitar
ao mesmo tempo o cálculo da indemnização exigível.
Distingue-se do sinal embora com ele tenha algumas afinidades funcionais. O sinal consiste
sempre na entrega de uma coisa por uma das partes á outra, ao passo que a cláusula penal constitui uma
simples convenção acessória da constituição da obrigação. Por outro lado, o sinal tem uma função
essencialmente distinta. Se é confirmatório, o sinal visa garantir a conclusão e a firmeza do contrato. Se
penitencial pode consistir numa entrega de dinheiro como na entrega de outra coisa fungível ou não
fungível.
A cláusula penal tem por via de regra por objecto uma quantia em dinheiro.
A nova redacção da lei tem a vantagem de tornar um pouco mais clara a parte fundamental da
nova disposição, embora continue a pecar pelo facto de, sem nenhuma razão, fulminar de nulidade a
cláusula pela qual as partes fixem por acordo o montante da indemnização exigível do devedor, no caso
de o credor ter que recorrer à realização coactiva da prestação.
Prof. ANTUNES VARELA: entende que a lei é incongruente por um lado o credor nunca pode
exigir uma indemnização de valor superior ao dano efectivamente sofrido com a falta de cumprimento
ainda que credor e devedor tenham convencionado indemnização de valor mais alto (art. 811º/3) mas se
a cláusula penal for manifestamente excessiva o devedor pode requerer e obter uma redução dela até um
valor situado abaixo do dano que efectivamente causou ao credor.
As cláusulas de fixação de responsabilidade são amplamente admitidas pelo art. 810º: “as partes
podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal”.
A expressão “porém” indica que esta permissão funciona como limitação à proibição do art. 809º, não
sendo por isso possível fixar cláusulas penais de montante meramente simbólico.
Tem que ser estipulada num determinado montante pecuniário. Caso este não se encontre
fixado, a cláusula será nula por indeterminabilidade do objecto (art. 280º/1), sendo igualmente nula por
contrariedade as bons costumes a cláusula penal em que a determinação do seu montante ficasse na
disponibilidade de alguma das partes (art. 280º/2).
A estipulação do montante destina-se a determinar as consequências do incumprimento ou da
mora no cumprimento de determinada obrigação. Daí que a cláusula penal pressuponha a existência de
uma obrigação principal, sendo acessória: tem que seguir a forma estabelecida para a obrigação principal
e é nula, se nula for essa obrigação (art. 810º/2). A cláusula penal é transmissível para o adquirente do
crédito ou da dívida principal (arts. 582º, 594º e 599º) e extinguir-se-á se ocorrer a extinção da obrigação
principal.
Admitem-se dois tipos de cláusula penal: uma que se destina a estabelecer uma penalização por
incumprimento, visando assim incentivar o devedor a cumprir (penalty clause) e outra, que visa apenas
liquidar antecipadamente os danos exigíveis em caso de incumprimento (liquidated damages clause). A
Américo vendeu a Benedito, maior, um tractor com reboque pelo preço de 10.000 €. Américo
comprometeu-se a entregar o tractor e o reboque, mediante o pagamento simultâneo do preço acordado,
no dia 31 de Agosto de 2006.
Resolução:
2) Se Benedito fosse interdito por anomalia psíquica, a quem é que Américo estaria
obrigado a entregar o tractor e o reboque?
Resolução:
Se o contrato de compra e venda também tivesse sido celebrado pelo interdito, o contrato era
anulável por incapacidade de exercício e, assim, mesmo que a coisa fosse entregue ao representante, o
cumprimento estava padecido de um vício. Podia-se exigir a repetição do indevido.
Resolução:
A prestação efectuada ao pai teria sido bem efectuada admitindo que B era interdito (art. 769º).
Se o B fosse maior e fosse capaz poderia o seu devedor ter cumprido a prestação junto do seu
pai se ele tivesse morrido no acidente da viação? Matéria da prestação feita a terceiros (art. 770º). Em
princípio quem cumpre junto de terceiro, cumpre mal. Quem paga mal, paga duas vezes. Mas há
excepções que são os casos do art. 770º. Dentro deste artigo, não se aplicam as alíneas a), b), d), f) (caso
da alínea f) é a sub-rogação do art. 606º). Dentro desta hipótese apenas se considera a alínea c) ou a e).
Não se aplica a alínea e) porque quem morre aqui é o credor. A alínea e) aplica-se quando é o terceiro a
morrer. Aplica-se a alínea c): adquiriu o crédito mortis causa.
Se B não tivesse morrido: podia aplicar-se o 770º, a), se tivesse sido consentido pelo credor que
efectuasse ao pai, as alínea b) e d).
4) Imagine, agora, que, depois de ter concluído o contrato com Benedito, Américo se
lembrou que o tractor e o reboque lhe faziam falta para as vindimas. Na data estipulada
para o cumprimento do contrato, Américo entregou a Benedito uma furgoneta, avaliada
em 12.500 €. Quid iuris?
Resolução:
Estamos aqui perante uma das formas de extinção das obrigações, diferentes do cumprimento.
De facto, nelas a prestação não é ou espontaneamente feita ou não é realizada pelo devedor. Estamos, a
meu ver, perante a dação em cumprimento: art. 837º. Como resulta do art. 838º, pode a dação abranger
a prestação de uma coisa. Essencial é que se realize uma prestação diversa da devida, e com o intuito de
extinguir de imediato a obrigação. Poderiam restar dúvidas se estaríamos, pois, perante uma datio in
II
Resolução:
D, mutuante, credor, pode pagar o prémio de seguro em atraso? Diogo é terceiro – art. 767º. A
prestação pode ser efectuada por terceiro? Pode, pelo nº 2. Mas quando se aplica o nº2? Quando a coisa
é fungível. Um terceiro pode, interessado ou não, realizar a prestação. Porquê? Porque o que interessa é
satisfazer o interesse do credor. O devedor também não fica prejudicado, porque o devedor vai ter de
passar a dever ao terceiro. Há uma mudança quanto à pessoa do credor. Problema é só quanto às
prestações infungíveis.
2) Caso Eduardo se oponha a que Diogo pague o prémio de seguro, pode a Seguradora
Sinceridade, S.A. recusar-se a receber o pagamento do prémio?
Resolução:
Art. 768º/1: se o credor recusar a prestação efectuada por terceiro (art. 767º/1 – prestações
fungíveis), incorre em mora credendi (art. 813º, 814º e 815º). Não, não pode. Art. 768º/2, que remete
para o 592º. O art. 768º/2 estabelece dois requisitos cumulativos para o credor recusar a prestação. O
requisito de o devedor se opor está verificado. Mas o terceiro pode ficar sub-rogado nos termos do art.
592º. Por isso voltamos para o art. 768º/1. Está interessado no crédito porque tem um direito real de
garantia (anotação ao art. 768º PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA – interesse de terceiro – ocorre
quando o terceiro seja titular de direitos reais sobre a coisa objecto da obrigação. Também se pode aplicar
o art. quando a coisa possa vir a ser executada e o terceiro tem um direito real de garantia ou de aquisição.
Ver ainda regime da hipoteca – art. 692º/1 – tem todo o interesse em garantir o cumprimento. Interesse
haverá sempre que haja prejuízo patrimonial para o terceiro com o incumprimento, independentemente
do devedor). Dizer só ainda que nestas hipóteses coloca-se sempre o problema de saber os direitos que a
lei atribui ao terceiro que cumpre.
Pode, porque há aqui um caso de sub-rogação legal, nos termos do art. 592º. Efeitos da sub-
rogação: art. 593º. Há uma transmissão do crédito. Mas poderá dar-se o caso de não estarmos perante um
caso de sub-rogação (art. 591º e 599º). O terceiro tem direito contra o devedor liberado. Que direitos tem
o terceiro que cumpre e que não está sub-rogado? Depende da relação interna entre o terceiro e o devedor.
Pode ter actuado como gestor de negócios (art. 464º a 472º). Pode ter actuado como mandatário. Pode
estar a efectuar uma liberalidade (doação). E pode haver lugar ao enriquecimento sem causa.
III
Fernando e Guilherme venderam a Helena um carro por 5.000 €. No contrato foi estipulado que
Helena só teria de pagar o preço no dia 1 de Janeiro de 2009. O pagamento da quantia em dívida foi
Resolução:
Isabel – fiadora. Art. 779º - presunção de que o prazo corre por conta do devedor. No depósito
o prazo corre por conta do credor. Quando o prazo corre por conta dos dois – no mútuo oneroso. Porque
se o devedor pagar antes do prazo, tem de pagar o inter usúrio. Pagabilidade vs exigibilidade.
O benefício pode ser perdido – art. 780º. Antecipação da exigibilidade (sempre), o que significa
que não há juros de mora a não ser os da interpelação que não cumpre. O 780º só se aplica por diminuição
das garantias por culpa do devedor. Tem-se discutido se, na hipótese de a divida ser de 100 e a garantia
de uma hipoteca vale 200. O devedor causa uma diminuição e a casa passa a valer 120, acima da divida.
Mas há perda do benefício porque acaba-se com a confiança do devedor.
Articular o art. 780º com normas 633º/1 e 2, 701º e 702º, 688º e 670º, c). As garantias prestadas
podem ter diminuído, mas não por culpa do devedor. E neste caso aplicam-se as normas especiais. O
780º aplica-se quando há culpa do devedor. As demais normas aplica-se quando a diminuição das
garantias for por causa imputável nem ao credor ou ao devedor: causas fortuitas ou de força maior.
Nesta hipótese com um fiador. O que acontece à fiança? Se o devedor não pagar podemos ir já
ao fiador? A perda do beneficio afecta logo o fiador? Art. 782º - cáracter pessoal da perda do benefício
do prazo.
IV
Em Maio de 2005, António, residente no Porto, vendeu a Bernardo, residente em Coimbra, uma
mota de água, que se encontrava depositada num armazém, propriedade de Carlos, em Sines. O contrato
foi formalizado em Leiria, tendo as partes acordado (i) que o preço de 20.000 € seria pago em quatro
prestações mensais de igual valor, que se venceriam no primeiro dia útil de cada mês e, bem assim, (ii)
que a 1.ª prestação seria paga no dia 1 de Junho de 2005, data em que o bem seria entregue.
Mais tarde, em Agosto de 2005, Bernardo vendeu a António, por escritura pública lavrada num
Cartório Notarial da cidade de Coimbra, um imóvel de que aquele era proprietário nessa cidade, pelo
preço de 200.000 €, tendo ficando António devedor de metade do preço. Daniel, amigo de António,
constituiu uma hipoteca sobre um andar de que era dono para garantir a dívida de António.
Pergunta-se:
1) Em 1 de Junho de 2005, Bernardo quer pagar 5.000 €. Qual o local apropriado para o fazer?
Onde deve, por seu turno, António entregar a mota de água?
Resolução:
JT: regem os art. 772º e ss. a regra vigente é a de saber se as partes estabeleceram algum regime
ou não para o cumprimento, já que o dos art. 772º e ss. é supletivo, aplicando-se por convenção expressa
ou tácita (art. 217º).
Quanto à entrega da coisa rege o art. 773º - a coisa deve ser entregue no local onde estava no
momento da celebração do negócio (SINES).
Quanto ao pagamento do preço, temos a regra especial – art. 885º. O artigo estabelece as regras
do nº1 e do nº2. O nº1 diz que o preço deve ser pago no momento e lugar da coisa vendida. O nº2 manda
aplicar o regime idêntico do que resultaria do 774º.
Quanto ao pagamento em prestações, temos de diferenciar as prestações, para guardar a razão
de existência do nº1: poder o credor socorrer-se da excepção de não cumprimento.
A primeira prestação deve ser paga em Sines (nº1). As demais pagas no Porto (nº2).
Resolução:
Resolução:
Art. 769º. Passamos para o 770º. Podia-se aplicar o 770º, d) se o depósito fosse oneroso e C
fosse credor de A. No entanto, é entendimento corrente na doutrina de que a prestação realizada ao credor
do credor não cumpre a obrigação, porque o credor tem a opção de dispor do seu crédito como lhe
aprouver.
Aplica-se sim a alínea f), cujo âmbito inclui os casos em que o terceiro se apresenta como credor
aparente do devedor, como na hipótese de ignorância por este da cessão de créditos (art. 583º/2).
Tese do pagamento a credor aparente: VAZ SERRA defendeu que devia estabelecer-se um
princípio geral de que o pagamento feito a alguém que aparenta ser credor é válido.
Dois casos: feita ao cedente antes de ter conhecimento do cessão (art. 583º); e art. 645º, apenas
dentro do código civil.
Art. 583º - a cessão de créditos não precisa do consentimento do devedor. Mas é necessário para
a simples tomada de conhecimentos. A cessão pode acontecer sem que seja notificado o devedor, caso
em que paga ao cedente em vez de pagar ao novo credor. Se o devedor pagar ao cedente, se o cessionário
não provar que o devedor sabia, o cumprimento é válido.
O outro caso é o do art. 645º: depois de o fiador pague ao credor, tem direito de regresso contra
o devedor. Mas este tem de saber que houve cumprimento, sob pena de perder o direito de regresso no
caso de o devedor efectuar de novo a prestação. Depois tem o fiador direito à repetição do indevido, com
base no enriquecimento sem causa (art. 645º/2).
Art. 770º, a): A vende a B um conjunto de acções da PT. A c/v é celebrada sob condição de se
verificar daqui por seis meses um determinado resultado positivo. Fica condicionado a, numa
determinada data se verificar um pressuposto de facto. Como o contrato é celebrado sob condição, o
preço é devido ou não? porque as partes podem não se conhecer ou não terem confiança uma na outra:
só há uma forma de resolver isto: por prestação a terceiro em quem tenham confiança. As partes vão ter
com C. B entrega-lhe o dinheiro e A as acções. Contrato misto: contrato de depósito e mandato (art.
1173º) – depósito fiduciário. C é o agente fiduciário. Nem sempre a alínea a) se pode aplicar a este caso:
designadamente, na hipótese em que no momento em que B deposita junto de C esta ainda não era
exigível, pois era feita sob condição suspensiva. JT: 595º - assunção de dívida. C assume a dívida e fá-
lo por contrato celebrado entre o antigo credor e o devedor. A fica com dois credores: como é necessária
declaração expressa para a assunção da dívida, A pode sempre agir contra B.
Resolução:
Novação objectiva. Questão da validade da nova obrigação. Houve extinção por força de uma
novação objectiva? E por força desta novação estavam ou não extintas as garantias do crédito? Ambas
as partes declararam expressamente que estava extinta a dívida primitiva.
Quanto à questão das garantias: art. 861º. Se houvesse apenas a alteração de um dos elementos
da relação jurídica, havia a permanência das garantias.
Em 10 de Janeiro de 2006, António celebrou com Bento um contrato de compra e venda de um iate
pertencente a este último, sujeito às condições seguintes:
(i) O preço era de 200.000 €, a pagar em 10 prestações mensais e iguais,
vencendo-se a primeira no dia 1 de Fevereiro de 2006, contra a entrega do
iate, e as seguintes no primeiro dia de cada um dos meses subsequentes;
(ii) Para assegurar o cumprimento, António constituiu uma hipoteca a favor de
Bento, sobre uma vivenda que possuía no Algarve e que estava avaliada em
250.000 €.
Pergunta-se:
1) Se as partes nada tiverem estipulado a esse respeito, onde deverá ser entregue o iate? E
onde devem ser pagas as prestações do preço?
Resolução:
2) Caso Bento fosse menor e o contrato tivesse sido celebrado pelo seu representante
legal, seria válida a entrega do barco feita por Bento, na data aprazada?
Resolução:
Art. 764º/1 – não se exige a capacidade do devedor a menos que a própria prestação consista
num acto de disposição.
Por acto de disposição entende-se: aquele que incindindo directamente sobre um direito
existente, se destina a transmiti-lo, revoga-lo ou alterar de qualquer modo o seu conteúdo.
Assim tendo sido validamente celebrado o negocio jurídico a prestação poderá normalmente ser
realizada pelo devedor incapaz (porque estamos perante um acto material e não de disposição)- a
transferência ocorreu no momento da celebração do contrato – 408º nº1, pelo que não há qualquer
problema de a entrega do iate ter sido feita pelo menor em cumprimento de uma obrigação emergente
de um contrato de compra e venda
3) Se, após terem sido pagas as duas primeiras prestações do preço, António causar
inadvertidamente um incêndio na vivenda que hipotecou, provocando uma
diminuição do seu valor em 30.000 € poderá Bento fazer alguma coisa? E se o
incêndio tiver sido intencionalmente causado por Cardoso, conhecido piromaníaco
que fugira do hospital psiquiátrico onde se encontrava internado?
Resolução:
1a parte
No caso sub júdice deparamo-nos com uma diminuição das garantias imputável a um acto
próprio e culposo do devedor.
O fundamento subjacente ao regime do art. 779º é a ideia de confiança do credor no devedor e
essa ideia preclude-se a partir do momento em que o devedor pratica um acto que diminui as suas
garantias pois atenta contra a confiança que o credor nele depositou, ainda que as garantias diminuídas
continuem ainda assim a ser suficientes – há a antecipação da exigibilidade
Violação do contrato – perda da confiança – art. 780º/1 e 2 – pode obter o cumprimento imediato
ou o reforço das garantias prestadas.
Quando se fala em perda de benefício do prazo e admitindo que credor vai pedir cumprimento
antecipado o que se aplica? Antecipação da exigibilidade ou antecipação do vencimento? Antecipação
da exigibilidade - pedir as restantes prestações e se não forem pagas no prazo pedido, então ai sim é que
irão haver juros de mora.
2a parte
Como não se tornou insolvente e nem foi por culpa dele que a diminuição das garantias ocorreu
não podemos aplicar o art. 780º - não há perda do beneficio do prazo.
Então que artigo aplicamos?
Casos em que a diminuição das garantias não é imputável ao devedor mas sim a terceiro ou a
caso de força maior ou fortuito.
O art. 701º exige neste regime especial de perda do beneficio do prazo que a diminuição das
garantias seja de tal forma grave que ameace o cumprimento da obrigação – não dá duas opções: no art.
701º não pode optar – o credor só pode exigir que as garantias sejam reforçadas (enquanto no art. 780º/2
pode exigir logo o cumprimento ou o reforço das garantias).
O art. 701º em tese aplicar-se-ia mas como diminuiu apenas 30000 € as garantia não se tornou
insuficiente.
Art. 692º - se a coisa hipotecada for destruída – diminuir de valor e o dono tiver sido
indemnizado – o credor continua a ter preferência sobre todos os credores – temos de descobrir
então a que titulo vai ser indemnizado?
Responsabilidade civil por factos ilícitos – arts. 489º e 491º- princípio geral de que há obrigação
de indemnizar se os incapazes causarem prejuízos a terceiros. Quem iria suportar seria o hospital
(presume-se que o hospital incumpriu o dever de vigilância), a menos que de acordo com o art. 489º por
qualquer motivo o hospital não garantisse o pagamento da obrigação e aí sim seria o incapaz a suportar
a indemnização
Assim abrangendo o direito do credor hipotecário a indemnização devida por terceiro (a qual
ocupa por sub-rogação o lugar da coisa hipotecada) deve entender-se que ao credor é legitimo agir
directamente contra o devedor da indemnização.
O credor vai manter a garantia e não há perda do benefício do prazo, há a manutenção da
garantia através de sub-rogação real.
Notas:
Art. 780º
imputável ao devedor
estabelece regime mais favorável ao credor pois pode livremente optar entre a consequência
que prefere
parte do pressuposto da confiança e quebra de confiança que justifica maior severidade.
Art. 701º
4) Imagine agora que Bento reservou a propriedade do iate até ao pagamento integral
do preço e que, após ter liquidado as primeiras oito prestações, António falha o
pagamento da nona (vencida em 1 de Outubro de 2006). Em consequência disso,
Bento enviou a António uma carta a resolver o contrato, exigindo a imediata
restituição do iate. Quid iuris?
Resolução:
Resolução:
Temos de saber se houve ou não consignação em depósito nesta hipotese? Sim, havia mora do
credor – 813º mas não podemos esquecer que a consignação pressupõe um processo em tribunal.
O devedor entregou as prestações em causa a um banco ficou ou não liberado? Depende se o
credor aceitou ou não a consignação, não obstante todas as consequências jurídicas que ocorrem da mora
do credor – o risco corre por conta do credor
VI
Resolução:
Resolução:
A deve a um B. Cede um crédito que tinha sobre C e este vem a morrer. C era pai de B.
Confusão (art. 868º): Benedita seria credora e devedora.
Caso de dação em função do cumprimento conjugado com confusão. A cessão de um crédito
constitui quase sempre um caso de dação pró solvendo (presunção do art. 842º). B herda a cessão. Na
mesma pessoa (B) reúnem-se as qualidades de credor e de devedor da mesa obrigação. Com a confusão
extingue-se a obrigação, em princípio. O problema é que para operar, são necessários determinados
requisitos, embora de natureza negativa (os positivos estão no art. 868º), e a lei diz que a confusão só
opera se não se verificarem determinados requisitos – art. 871º e 872º. O problema não é a de a confusão
prejudicar ou não terceiros (art. 871º). O problema é do art. 872º: patrimónios separados. A separação de
patrimónios tem como caso paradigmático o caso de sucessão por morte, dado que o património da
herança e o património do herdeiro são distintos – art. 2074º.
A obrigação ainda é existente, em termos de ficção legal, pelo menos. B conserva em relação à
herança todos os direitos e obrigações em relação a A, mas durante quanto tempo? Essa autonomia dura
até à liquidação, enquanto a herança estiver jacente. Em rigor, o art. 872º e o art. 2074º (aplicação do
princípio geral do art. 872º. Outra aplicação do 872º está no art. 1649º, 1697º). Mas há um pressuposto:
a ideia de que a herança não tenha sido partilhada e liquidada: mas isto também pressupõe que haja mais
que um herdeiro. O 2074º não se aplica se houver só um herdeiro, porque não há autonomia patrimonial
neste caso. (NOTA: o 2074º tem de se conjugar com o 2070º - durante cinco anos há um conjunto de
preferências. A herança é sempre um património autónomo para assegurar essas preferências. Pode durar
mais porque findo esse tempo pode a herança não ter sido ainda partilhada).
A dívida por cessão de créditos extingue-se quando B tem interesse na extinção. Se a herança
de C fosse deficitária, o B como herdeiro iria pagar? Não. se a herança não tem bens, não iria pagar. Não
tem interesse em considerar que a se extinguiu por um crédito que não se extingue. Pode acontecer que
com a confusão não se extingue a dívida, jogando as regras da confusão com a da dação pro solvendo.
Se não existir confusão, a divida de A mantém-se para com B. Havendo confusão, e sendo a
herança de C cujo activo é superior ao passivo. A divida de A para B é extinta: B tem interesse nisso
porque escusa de pagar o que devia, como herdeiro de C, ao A. Havendo confusão e sendo a herança
deficitária a divida de A para com B não se extingue. O B como herdeiro de C não iria pagar nada ao A,
tendo interesse em cobrar o dinheiro ao A.
3) Suponha, agora, que em Novembro de 2002, Benedita escreve a Amílcar lembrando-o de que a
obrigação de pagamento (dos 1.000 €) se vencera em 31 de Outubro de 2002, e que, nessa
medida, iria avançar com uma acção em tribunal a reclamar o pagamento da dita quantia,
Resolução:
4) Suponha, ainda, que a obrigação de Amílcar para com Benedita resultava de um contrato de
compra e venda de um computador portátil, estava garantida com um penhor de uma jóia
pertencente a Cardoso. Suponha, ainda, que em 31 de Outubro de 2002, data em que Amílcar
deveria proceder ao pagamento do preço, este “pediu a dita soma emprestada a Benedita, que
aceitou, passando, assim, aquele a detê-la a título de mutuário”, tendo ficado acordado entre
as partes que a referida soma deveria ser entregue, o mais tardar, até ao dia 31 de Outubro de
2003. Nessa mesma data, Amílcar falha o pagamento, tendo, nessa medida, Benedita interpelado
Cardoso, na sua qualidade de garante, para o fazer. Cardoso, contudo, recusa-se a fazê-lo,
alegando, em síntese, que “a dívida garantida se extinguira com o novo acordo celebrado em
31 de Outubro de 2002” e que “ainda que assim não se entendesse, nada devia a Benedita, pois
esta estava, por sua vez, obrigado a devolver-lhe 1.500 € na semana seguinte, em virtude de
um contrato de mútuo celebrado entre ambos”. Quid iuris?
Resolução:
Duas questões: (1) questão de saber se a divida primitiva se extinguiu pela novação (objectiva,
por alteração da causa). Há novação? Há apenas modificação do conteúdo da obrigação – art. 859º. Não
houve manifestação expressa de que se contraía nova obrigação para se extinguir a antiga. A garantia de
C subsiste, pela rota da novação; (2) B, credora do devedor que C garante, está-me a dever. Problema da
compensação: dois problemas – reciprocidade de créditos e da exigibilidade. O crédito não é exigível
porque ainda está vincendo. Quanto à reciprocidade de créditos: art. 851º/1. Declarante é o terceiro:
estaria a invocar um crédito de terceiro (devedor do devedor). Mas a segunda parte permite porque tem
um penhor. Só não pode exigir porque o crédito ainda não é exigível.
Resolução:
Há ou não remissão? Havendo, quais as consequências dela para o C, que havia assumido a
dívida do devedor primitivo. Quanto à primeira questão: no direito positivo o art. 863º não dá grande
espaço para dúvidas: a remissão reveste sempre o carácter de contrato. VAZ SERRA: duas modalidades.
Se a remissão for feita com o intuito a remissão não tem de ser um contrato, pode ser uma declaração
unilateral receptícia. Se fizesse sem ser em beneficio da contraparte, disse que era contrato. ANTUNES
VARELA: em qualquer das situações os art. 863º diz que a remissão tem de ser um contrato. É necessário
que a declaração do credor seja aceite pelo devedor. É necessária a aceitação. JT: esta solução é
demasiado formalista que não tem em conta as razões que podem levar à remissão. AV dizia que a
ninguém pode ser imposto um beneficio. Mas há o exemplo do contrato a favor de terceiro. Há um prazo
dentro do qual ele pode aceitar ou rejeitar. Temos de exigir um contrato porque, há luz deste princípio o
devedor teria a possibilidade de aceitar ou rejeitar. AV tenta depois invocar o regime doas art. 808º e
834º: o devedor também não tem que o fazer (aceitar) – art. 218º. O art. 234º para funcionar, não se basta
com o silêncio. A contraparte tem de mostrar interesse na proposta. O silêncio do devedor, por si só, não
basta para a remissão. Era preciso um facto concludente. Em princípio não haverá, por opção legislativa
consagrada no direito positivo, reforçada pela história da norma. Mesmo seguindo a posição de
ANTUNES VARELA, dos art. 218º e 234º, é preciso mais do que o silêncio.
Não há renúncia ao direito de crédito, nesta matéria. As renúncias não se aplicam as formas de
extinção das garantias. A renúncia não é admitida como forma de extinção das obrigações.
A segunda questão: se não houve remissão, continuam os dois obrigados. Quer o B, quer o C,
estão obrigados. Admitindo que haveria remissão, o que acontecia ao C? Se a remissão era in rem ou in
personam. Se era concedida a todos os devedores ou a apenas um dos devedores. A remissão in rem
traduz-se no facto de o credor renunciar ao poder de exigir a prestação a qualquer um dos devedores.
Beneficiava o B e também o C. Se a remissão fosse in personam, aplicava-se o regime do art. 864º: o C
assumira a dívida como devedor solidário: assunção cumulativa (art. 595º/2). Aplica-se o art. 864º.
Nº1:se a remissão é in personam, a regra é a de que a remissão exonera o devedor apenas na sua quota
parte. Nº2: a remissão apenas produz efeitos nas relações externas: o credor exige os 1000€ a C e este
depois exerce o direito de regresso contra B.
6) A tem B, C, D, E e F como credores. Acorda com B: dá-lhe mandato para que pegue no seu
património e o reparta pelos seus credores. B, C, D e E. F quer reagir.
Resolução:
Cessão de bens aos credores: art. 831º: é espontânea e apenas abrange os bens. Porque não é
uma dação pró solvendo? Porque aqui está em causa todo o património ou parte dele. Na dação está em
causa um bem determinado. Na cessão não podem estar especificados os bens. A cessão opera na base
de um contrato e nessa medida, distingue-se da realização coactiva da prestação (art. 817º). Não tem de
envolver necessariamente todos os credores. Então o que acontece ao credor F? Art. 833º: F pode
executar os bens do devedor, a não ser que o crédito de F seja posterior ao contrato de cessão. A cessão
7) F está também contemplado. Não se aplica então o 833º e sim o art. 835º. É diferente da dação
pro solvendo. A cessão tem eficácia liberatória mediata. Não extingue.
VII
Abel, Bernardo e Carlos celebraram com Duarte um contrato de compra e venda em virtude do
qual ficaram solidariamente obrigados a pagar a Duarte 900 €.
Supondo que Bernardo detém um crédito de 300 € sobre Duarte e que Carlos se encontra insolvente,
pergunta-se:
a) A quem pode Duarte dirigir-se para obter o cumprimento da prestação devida?
Resolução:
Obrigações solidárias: art. 512º e ss. São modalidades de obrigações plurais. São singulares se
têm um credor e um devedor. Ou podem ser plurais, se quer o lado activo ou o lado passivo tiver mais
que um titular. Dentro das plurais: conjuntas e solidárias. A regra é que as obrigações plurais se
presumem conjuntas: a solidariedade só existe quando resulta da lei ou de acordo: caso não seja,
presumem-se conjuntas. Nas obrigações comerciais, presume-se a solidariedade: art. 100º C. Com.
519º: a lei é clara e distingue o modo como a interpelação é feita. Se for judicial o beneficio de
o credor é mitigado, uma vez que exigida a totalidade da prestação o credor fica impedido de exigir a
outro dos devedores, a menos que verificados os requisitos da lei: insolvência do C ou quando existir
dificuldade por outra causa em obter dele a prestação.
A solidariedade passiva é uma garantia atípica e o credor pode renunciar à garantia. Assim
sendo, o credor não está obrigado a interpelar um deles na totalidade. Ele pode exigir toda a prestação
ou parte dela (art. 519º). Art. 527º - renúncia à solidariedade: não se confunde com a situação da remissão
concedida ao devedor solidária. Na renúncia à solidariedade quanto ao A, renuncio quanto a ti que
pagasses tudo: não significa que remita a dívida: pode ainda demandá-lo quanto à sua quota.
Resolução:
Se o credor interpelar um dos devedores para que cumpra em tudo, o devedor solidário não goza
do direito de apenas cumprir a sua parte – art. 518º (exclusão do direito da divisão). A segunda parte –
mesmo que o demandado chame os co-devedores, nem por isso na acção em tribunal pode cumprir na
sua parte apenas. Quer chamar os outros para haver defesa comum, e fica com o título executivo de que
os outros são também devedores. Se o credor intentar uma acção em tribunal, eu posso (art. 330º C.P.C.)
chamar os outros devedores ao processo, para: (1) defesa comum pode ser articulada; (2) A paga 900€
tem direito de regresso. Se ele for condenado sozinho, para exercer este direito de regresso sobre B e C,
ele tem de voltar a discutir isto em tribunal. A sentença proferida na acção de D abrange também B e C
e isso tem o interesse de agilizar o exercício do direito de regresso.
Resolução:
Mora de um dos devedores solidários. A fica obrigado a cumprir tudo, e ainda juros de mora
(pelos quais só responde A – art. 520º, com interpretação de AV).
O art. 520º: todos são solidariamente responsáveis, mas só o devedor imputado responde pelos
danos. Norma oposta para as normas indivisíveis – art. 537º.
O 520º aplica-se aos casos em que a prestação se torna impossível em termos absolutos
(responsabilidade contratual). Vem a norma dizer que A, B e C são solidariamente responsáveis pela
indemnização. Mas a verdade é que apenas os causadores da impossibilidade têm que responder pelos
prejuízos que excederem esse valor. Se A se recusa a pagar não há impossibilidade definitiva (obrigação
pecuniária – a impossibilidade absoluta só ocorre nos casos da transformação da mora em incumprimento
definitivo). AV diz que o princípio também se deve aplicar aos casos de simples mora. Aplicando esse
art. isto faz com que o D passa a credor de 900€ e dos juros de mora. E significa que A, B e C continuam
solidariamente obrigados quanto aos 900€. Quanto as juros de mora, fica A obrigado.
Resolução:
Art. 526º/1 – a quota parte do insolvente é repartida pelos demais. Significa que se C for
insolvente e se D pedir ao C para pagar, D terá de exigir ao B ou ao A. Exigindo a prestação a um outro
se o devedor pagar a totalidade surgem: (1) o interesse do credor satisfaz-se e a obrigação extingue-se
em relação a todos; (2) o devedor que paga fica com direito de regresso (art. 524º (e 516º - presume-se
que são credores em partes iguais) + 526º). B fica credor de A e B em 600€. Como C está insolvente, a
lei diz que no regime das obrigações solidárias o risco da insolvência é repartida por todos, incluindo o
d) Suponha, agora, que Duarte acciona Bernardo. Poderá este invocar algum meio de defesa?
Resolução:
Há meios de defesa pessoais e isso pode ter diferentes consequências. Quanto à resolução da
hipótese, se o D exigir do B a totalidade, B pode invocar em defesa o crédito que tem de 300 sobre o D,
pagando só 600€. Tendo o D recebido os 600€ fica o seu interesse satisfeito. B tendo pago 600€ e
compensado 300€, goza de direito de regresso no valor de 600€, 300€ de cada um deles. A compensação
é um meio de defesa pessoal de um devedor solidário, que só podendo ser invocado por aquele a que
respeita, aproveita a todos os devedores no plano das relações externas – art. 523º.
AC – há os meios de defesa puramente pessoais: aqueles apenas invocáveis pelo devedor a que
respeitam e que apenas aproveitam a esse mesmo devedor, não beneficiando o restante grupo de
devedores. D invoca o seu direito de exigir tudo a A e este invoca o facto de ser menor quando celebrou
o contrato de onde surgiu a obrigação. Só este o pode invocar e só este aproveita dele.
Podemos falar ainda de um grupo para as hipóteses de meios de defesa que apenas podem ser
invocados pelo devedor a que respeitam, que beneficiam esse devedor, mas que nenhum efeito prático
VIII
1) António padece de uma grave alergia a animais. Bento, seu vizinho, compromete-se perante
António a não ter no seu apartamento gatos. António pode exigir que Bento cumpra a sua palavra?
Resolução:
Prestação: conduta que é devida pelo devedor e que pode ser um facere ou um non facere,
destinada a tutelar o interesse do credor. Há na doutrina uma questão sobre a prestação: há quem entenda
que a prestação apenas consiste no comportamento do devedor, mas há quem diga que se deve incluir o
efeito prático da prestação. Para este conceito amplo, quando se fala em prestação há dois elementos: a
conduta e a efectivação do interesse do credor. Isto é muito discutível. Tomar partido nesta questão é
essencial para a matéria da impossibilidade. O médico é contratado para operar um doente e este morre
antes da cirurgia. Um professor de música contratado para dar aulas e o aluno perde a audição antes das
aulas. A conduta é possível, mas já não há interesse do credor em que seja efectuada. Se tivermos em
conta um conceito amplo de obrigação, nestes casos terei de concluir que há um caso de incumprimento.
Mas será assim?
Art. 795º - o credor fica desobrigado e tem o direito de exigir a restituição. Nº2: o aluno que
ficou surdo tem de pagar as aulas? E pode exigir a restituição se já tiver pago algumas? Depende de saber
se a prestação era impossível ou não e isso depende de saber qual a posição que adoptamos quanto ao
conceito de obrigação.
A prestação tem de ter três requisitos. A prestação tem conteúdo digno de protecção jurídica?
A obrigação é válida? JT diz que sim: não é exigido que a prestação seja ou consista na realização de
uma conduta avaliável em dinheiro, nem que o interesse do credor seja avaliável em dinheiro. O essencial
é que o devedor ao assumir o compromisso tenha assumido um compromisso jurídico. E é necessário
que este interesse que o credor visa realizar não corresponda a um capricho, o que não parece ser o caso,
dado o credor ter uma alergia a gatos. Incumprida, gera responsabilidade obrigacional. E não cumprida,
pode o credor lançar mão das providências cautelares não especificadas.
2) Carlos, artista, promete a Daniel vender-lhe o próximo quadro que vier a pintar. Este negócio
é válido?
O problema é saber se a prestação é possível. Coisa futura – art. 280º - não há impossibilidade.
Art. 399º - prestação de coisas absolutamente futuras. Art. 211º - coisas futuras. Relativos: ainda não está
no poder do disponente. Absolutos: ainda não existe ao tempo do contrato.
3) Ernesto arrenda a Felício um apartamento que este pretende utilizar para vender droga. Este
negócio é válido?
Resolução:
Art. 281º - depende de saber se o fim é comum às duas partes. O arrendamento é válido. A
questão é saber se apesar de válido, se a prestação não é nula por este art. O contrato será válido se quem
arrendou não sabia. O discutível é saber o que acontece quando que dá em arrendamento sabe, mas não
compartilha do mesmo fim. O contrato é válido diz JT.
4) Gilberto, produtor de vinho, obriga-se a fornecer a Helder certa quantidade de vinho que
produzirá, sabendo que a quantidade convencionada excede a sua capacidade de produção.
Este negócio é válido?
Resolução:
Art. 401º - a impossibilidade originária tem de ser objectiva. E tem de ser absoluta e não relativa.
A absoluta diz respeito diz respeito à generalidade das pessoas. A subjectiva tem que ver com a
demasiada onerosidade da prestação. E só releva a absoluta.
O problema é de incumprimento eventual.
IX
António e Berta, que vivem em economia comum numa casa de que são comproprietários,
contrataram com Carlos e David a pintura da sua casa, em data do mês de Agosto a fixar pelos
proprietários e com as cores por estes escolhidas.
1) Durante o mês de Agosto, António e Berta exigem a pintura da casa a Carlos e a David.
Carlos comunica-lhes que David se ausentou para férias, pelo que a casa só poderá ser pintada em
Setembro. António e Berta pretendem que Carlos lhes pinte a casa, sozinho.
Resolução:
b) Se Carlos aceitar, voluntariamente, pintar a casa sozinho, que direitos lhe assistem em face
de David?
Resolução:
Carlos fica com um direito de crédito perante David. O credor pode sub-rogar o devedor que
cumpriu nos direitos sobre o que incumpriu. Mas isto é irrelevante. Se o devedor que cumpre, cumpre
c) Se Carlos aceitar, voluntariamente, pintar a casa sozinho, pode exigir o pagamento integral
do preço convencionado a António e Berta?
Resolução:
Resolução:
Art. 538º - modo de interpelação. Se for judicial, estão garantidos perante o outro credor e têm
de cumprir. Se for extrajudicial, então não estão obrigados a cumprir. Não se aplica o art. 535º: não se
pede a um devedor para cumprir sem o outro devedor.
Se fosse um credor a pedir a um devedor para cumprir, teríamos que fazer a conjugação dos
dois preceitos
António e Bernardo estavam obrigados a entregar a Carlos e Daniel cinco toneladas de bananas que
estes lhes tinham comprado no dia 7 de Agosto. As bananas foram colhidas na propriedade de António
1) Por via de uma ruptura no navio de Eduardo, ocorrida durante uma tempestade na viagem, as
bananas ficaram inundadas e estragaram-se. Carlos e Daniel têm de pagar o preço acordado a
António e Bernardo?
Resolução:
c/v – dia 7.
Colheita – dia 10.
Peso – dia 11.
Carregadas – dia 12.
Entrega – dia 21.
NOTA: GRAÇA TRIGO – 408º/1, 408º/2, 541º e 796º. ALMEIDA COSTA levanta um problema:
tema de saber se o art. 541º não deve ser interpretado em consonância com o art. 408º/2. A regra do art.
541º não impõe a regra de que a causa de concentração antes do cumprimento pode ocorrer sem
2) António e Bernardo são credores de Carlos e Daniel da quantia de 62.500 €. Quanto é que o
credor António pode exigir ao devedor Carlos?
Resolução:
1. obrigação divisível (a obrigação de pagamento) e conjunta (regra se não houver convenção das
partes 513º)
2. cada credor pode exigir a cada um dos devedores ¼ desse valor = 15625€.
3. contrato comercial ou não?
Tem de ser comercial quer para os compradores, quer para os vendedores então o regime era o
do 100º do C. Comercial, ou seja estávamos perante uma obrigação solidária.
Se fosse comercial só para o lado de quem vendia – acto misto 99º C. Comercial – ainda assim
o regime era o da solidariedade. Em rigor o contrato não é um contrato comercial mas o regime jurídico
que se aplica é o regime comercial.
Notas:
Regime do 1691º
pessoa casada
pessoa casada e comerciante
contrato comercial
3) Distinga uma prestação de coisa fungível de uma prestação fungível, dando exemplos com base
nos elementos constantes da hipótese.
Resolução:
A prestação de coisa fungível – prestação que tem por objecto uma coisa que pode ser
substituída por outra da mesma espécie sem causar qualquer prejuízo ao credor (207º - podem ser
substituídas por outras do mesmo género e quantidade) ex. venda das bananas
XI
António reservou no hotel “Serra Natura Spa” uma das duas suites com vista de montanha
existentes no estabelecimento.
A) Chegado ao hotel, António fica descontente por lhe ter sido destinada a suite do último andar,
invocando ter medo de “alturas”. Exige ficar na suite do primeiro andar, que está ocupada.
1) Pode fazê-lo?
1. Estamos perante uma obrigação composta uma vez que o seu conteúdo é múltiplo e não uno.
2. No caso em análise deparamo-nos com uma subcategoria das obrigações compostas as
obrigações alternativas - 543º - o hotel obrigou-se a hospedar António numa das suites com
vista para a montanha: na suite do ultimo andar ou na suite de um andar mais baixo
3. Como se dá a determinação das obrigações alternativas?
A determinação do objecto há-de sempre depender de uma escolha feita pelo devedor,
pelo credor ou por terceiro
A escolha é o acto de opção ou selecção por meio do qual se opera em regra a
concentração da obrigação. Numa das prestações em alternativa a que o devedor se encontra
adstrito, é posto assim termo à indeterminação.
4. A quem cabe a escolha?
Na falta de convenção ou disposição legal em contrario é ao devedor que cabe a escolha
– 543º nº2 – ou seja é ao hotel que cabe decidir em qual das suites com vista para a montanha o
António fica, e se este se recusar a aceitar a prestação incorre em mora – 813º e ss
A escolha traduzindo um dever é também um poder visto constituir em regra uma ponte de
passagem indispensável para o cumprimento da obrigação.
A escolha do devedor será muitas vezes feita de modo tácito mediante oferta real, a remessa
pelo correio, comboio .. nada impede porem que seja efectuada por meio de declaração expressa anterior
à entrega ou remessa da coisa ou à oferta real, visto que o poder de escolha visando beneficiar o devedor
se não deve converter numa fonte especial de risco para ele – se o devedor não pudesse efectuar a escolha
antes da entrega o risco de perecimento da coisa por caso fortuito ou de força maior correria
inelutavelmente por conta dele até esse acto salvo convenção em contrário
As partes devem no caso das obrigações alternativas contar com todas as prestações possíveis
compreendidas no vinculo obrigacional, não é aplicável à escolha seja qual for o seu autor o principio
de que ela deve obedecer às regras da equidade
2) A sua resposta seria a mesma se António, após a reserva, tivesse recebido um fax do hotel a
comunicar que ficaria instalado na suite do 1.º andar?
Tema: A escolha que seja feita pelo devedor antes do cumprimento da obrigação torna-se ou não
irrevogável?
Ou seja se o hotel tiver escolhido antecipadamente que o credor fica na suite do 1º andar, pode,
posteriormente revogar essa escolha?
O 549º fala apenas na escolha do credor e do terceiro.
AV – considera que nos caso em que a escolha pertencer ao devedor não se pode aplicar logo
directamente - 549º porém existe a remissão para o 542º pelo que também acabamos por aplicar ao
devedor o 549º. E neste caso se o hotel quiser oferecer outra suite o credor já pode recusar sem entrar em
mora, pois existe causa justificativa.
B) Admita que ocorreu um incêndio numa das duas suites com vista de montanha.
2) Se tivesse sido acordado que caberia a António escolher em que suite ficaria alojado, a sua
resposta à alínea anterior seria a mesma, caso o incêndio fosse imputável ao hotel?
Se a impossibilidade fosse imputável ao devedor (hotel) – há que distinguir se a escolha lhe pertencia
ou não- 546º:
- Se a escolha pertencesse ao hotel ele deve efectuar uma das prestações possíveis.
- Se a escolha couber ao credor – este poderá exigir uma das prestações possíveis ou pedir a
indemnização pelos danos provenientes de não ter sido efectuada a prestação que se tornou
impossível ou resolver o contrato nos termos gerais (interesse contratual negativo)
3) E se tivesse sido acordado que caberia a Beatriz, noiva de António, escolher entre uma das
duas suites?
Se a escolha pertence a terceiro (deve ser comunicada às partes e torna-se irrevogável) tornando-
se uma ou algumas das prestações impossíveis por facto imputável às partes – não existem normas
expressas, mas os profs AC e AV encontram uma solução (se não for imputável a nenhuma das partes
aplica-se o 545º):
se a impossibilidade é imputável ao devedor o terceiro pode optar por uma das prestações
possíveis ou pela indemnização dos danos resultantes do não cumprimento da prestação que se
tornou impossível – 546º. Afigura-se que a opção pela resolução do contrato em virtude do seu
carácter pessoal compete apenas ao credor
se a impossibilidade é imputável ao credor considera-se cumprida a obrigação. Ressalva-se
todavia a faculdade de o terceiro optar pela prestação possível com indemnização dos danos que
o devedor tenha sofrido – 547º
C) Suponha que António marcou no hotel uma suite com vista de montanha, mas o hotel
reservou a faculdade de o alojar numa suite com vista de piscina.
2) Suponha agora que houve um incêndio nas duas suites com vista de montanha. António exige
ficar alojado em uma das suites com vista de piscina e o hotel recusa, invocando estarem ocupadas.
Quid iuris?
Se a prestação devida for originariamente impossível ou ilícita todo o negocio será nulo, de
nada valendo para o efeito a possibilidade e a licitude da segunda prestação, sendo esta a prestação
impossível ou ilícita em nada será afectada a validade da obrigação, pois apenas caduca a possibilidade
de substituição do seu objecto.
XII
1. António, credor de Berta por 10.000 €, cedeu o seu crédito a Carla. Berta, que não foi notificada
da cessão, pagou a António o referido montante. Que direitos assistem a Carla?
Resolução:
2. Suponha, agora, que quando Carla exige de Berta o pagamento dos 10.000 €, esta não paga em
virtude da sua situação de insolvência. Poderá Carla exigir a António o pagamento do referido
montante?
Resolução:
Art. 587º
3. António, que tinha um crédito de 10.000 € sobre Berta, cedeu parcialmente esse crédito, no
valor de 7.000 € a Carla e sub-rogou Dário no montante restante.
Se Berta apenas possuir 5.000 € para cumprimento da dívida, como se opera a satisfação dos
créditos?
Resolução:
Art. 593º/2 – cessão de créditos parcial e sub-rogação parcial. Havendo confronto entre o
cessionário e o credor sub-rogado, quem prevalece? Não havendo acordo em contrario, quem recebe os
5000€ é o cessionário (credor).
XIII
António e Benilde Santos devem 200.000 € ao Banco X e 100.000 € ao Banco Y. Em face das
dificuldades económicas sentidas no último ano, António e Benilde decidiram vender o único imóvel de
que eram proprietários ao seu filho Carlos, residente em Madrid.
Uma vez que, para garantir o cumprimento da dívida contraída junto do Banco Y, tinham
constituído uma hipoteca sobre o referido imóvel e do contrato constava uma cláusula de acordo com a
qual, em caso de incumprimento, o Banco se tornaria proprietário da fracção autónoma, António e
Benilde decidiram pagar os 100.000 €, na data de vencimento da obrigação.
Resolução:
Resolução:
O que prejudica? Dois actos: a venda do imóvel e o pagamento ao banco Y. Direitos do banco
X. Questão da venda: os devedores, decidiram alienar o imóvel par a um filho. Além da impugnação
pauliana, pode ser um negócio nulo por simulação: pedir a nulidade dos actos praticados em prejuízo da
sua garantia (art. 605º). Em relação a esta venda, e porque há limitações de prova em simulação, a lei diz
que a circunstância de um acto ser nulo, não impede que o credor pode impugnar – art. 615º/1. Verificar
os requsitos: acto que envolva diminuição da garantia patrimonial; o crédito tem de ser anterior do acto,
ou não sendo, que o acto tenha sido praticado com dolo com o objectivo de satisfazer o crédito; do acto
resulte (art. 610º, b)) a impossibilidade para o credor de satisfazer o seu crédito, ou o agravamento dessa
impossibilidade. A prova recai sobre (art. 611º) o credor para as dividas e o devedor. E isto porquê? É
mais fácil provar que há bens do que o credor provar que não há bens. Diferente do art. 342º. AV e AC:
justifica-se face aos interesses a acautelar.
Art. 616º - procedente: o credor tem direito à restituição dos bens e art. 616º/4 – os efeitos
aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido. Garantia patrimonial puramente pessoal.
Prazo: cinco anos (art. 618º).
Resta dizer: (1) impugnação de uma venda – acto oneroso – provar a má fé do alienante e do
adquirente (art. 612º/2). AV: só há que provar que as partes, tinham de ter consciência que o negócio
podia causar prejuízo. Não se exige um comportamento doloso.
3) A resposta anterior seria a mesma se, em vez de terem vendido o imóvel ao seu filho
Carlos, António e Benilde tivessem prometido vender-lhe o referido andar, através
de um contrato-promessa ao qual tivessem atribuído eficácia real, e constasse da
escritura pública que o preço tinha sido integralmente pago nesse momento?
Resolução:
Pode ou não haver impugnação pauliana de um contrato promessa com eficácia real (413º) em
que já houve pagamento integral do preço?
XIV
No dia 20 de Janeiro de 2004, Carlos celebrou com Daniel um contrato de compra e venda de
um apartamento, propriedade de Carlos, pelo preço de 250.000 €. Daniel, que não dispunha do referido
montante, contraiu um empréstimo junto do seu amigo Edgar. As partes acordaram que Daniel deveria
restituir a quantia mutuada no dia 30 de Outubro de 2004.
Para garantir a restituição da quantia mutuada, Edgar celebrou com Joel um contrato de fiança.
Na data acordada, Daniel não restituiu a quantia mutuada.
1) Qual o valor da garantia prestada por Joel, se o contrato de mútuo tivesse sido
celebrado por documento escrito assinado pelo Daniel,?
Garantia especial pessoal - A fiança é o vinculo jurídico pelo qual um terceiro (fiador) se
obriga pessoalmente perante o credor, garantindo com o seu património a satisfação do direito de crédito
deste sobre o devedor. O fiador responde pela obrigação do devedor – obriga-se pessoalmente perante o
credor.
O objecto mediato da garantia é todo o património do terceiro e não apenas determinados bens
(como ocorre nas garantias reais) – vem reforçar a confiança do credor
O fiador ao contrario do que sucede com o terceiro que constitui uma hipoteca a favor do credor
é o verdadeiro devedor do credor.
Notas:
Será a fiança uma causa legitima de preferência? Art. 604º a fiança não é porque é uma garantia
pessoal – para o credor é melhor ter uma causa legitima de preferência 604º nº2
Há uma causa atípica de preferência – compensação – porque o credor compensante ao não ter que pagar
a sua divida e podendo exonerar-se dela não tem que suportar a concorrência dos outros credores
Aval – garantia não só concedida pelo estado e outros entes públicos principalmente para a
realização de certas operações de crédito externo . nestes títulos o avalista garante também (com o seu
património) o cumprimento da obrigação cambiária subscrita pelo avalizado.
Artigo 32º - o avalista ao contrário do fiador não goza do beneficio da excussão – não tem a
característica da acessoriedade – tão forte como a fiança e não é subsidiário – tem de cumprir a divida
ainda que não seja válida a divida – não pode exigir que seja executado primeiramente o património do
devedor
2) Suponha que Edgar se dirige a Joel e que este não paga, alegando que Daniel ainda
tem bens que podem responder pela dívida. Quid iuris?
Notas:
Art. 641º nº1 – tem um ónus de chamar também o devedor à demanda – se ele não chamar o
fiador está a renunciar ao beneficio excussão
4) Uma vez que o Edgar devia, por sua vez, 250.000 € a Daniel, quando aquele
interpelar Joel para cumprir a obrigação em dívida, poderá este invocar a
compensação entre o crédito do Edgar e o seu débito, para extinguir a sua
obrigação?
Para poder haver compensação é preciso que estejam verificados os requisitos do 847º
De acordo com o – 642º – é permitido ao fiador recusar o cumprimento enquanto o direito do
credor puder ser satisfeito por compensação com um crédito do devedor ou este tiver a possibilidade de
se valer da compensação com uma divida do credor, para além disso é ainda licito ao fiador recusar o
cumprimento enquanto o devedor tiver a possibilidade de impugnar o negócio.
O 637º dispõe ainda que o fiador pode exercer perante o credor alem dos meios de defesa que
lhe são próprios as excepções que competem ao devedor salvo se forem incompatíveis com a sua
obrigação. O fiador pode assim utilizar perante o credor tanto as excepções respeitantes à relação de
fiança como as excepções relativas à própria obrigação do devedor , não produzindo a renuncia deste a
essas excepções qualquer efeito em relação ao fiador
O tema jurídico é saber se o fiador chamado a cumprir a obrigação pelo credor, se pode invocar
a compensação com da sua obrigação de fiador com um credito que o seu devedor tenha para com o
credor – temos o problema do 651º nº2 pois estabelece-se que na compensação o compensante só pode
utilizar créditos seus, o compensante aqui é o fiador e está a utilizar créditos de uma terceira pessoa,
designadamente créditos do devedor afiançado para com o credor.
AV –em principio pelo 637º poderia haver compensação mas o 851º vem impedir que assim
seja. O 851º abrange as garantias reais mas não abrange a fiança. O 637º é uma norma que vem dizer que
nas relações entre credor e fiador que o fiador pode exercer contra o credor todos os meios de defesa que
Notas:
Fiança omnibus – alguém assume perante outrem a obrigação de pagara a dividas eventuais que
venham a surgir numa relação jurídica que não está determinada quanto ao seu montante no tempo
Problema – 280º e 400º (embora fosse sempre possível determinar o objecto da fiança) VS o
400º deve-se aplicar em concordância com o 280º - nulo
XV
Tema: Fiança omnibus a doutrina que saiu deste Acórdão é a de que a fiança omnibus,
relativamente às obrigações futuras, são nulas, por indeterminabilidade do seu objecto.
XVI
Resolução:
No caso proposto para resolução temos 3 credores Estado, promitentes compradores 755º f) e o
banco que são titulares de garantias reais próprias, temos de descobrir como ser harmoniza a repartição
património pelos vários credores.
1. Privilégio;
2. Direito de Retenção;
3. Hipoteca.
Cenário actual:
XVII
XVIII
António, proprietário de uma garagem que se dedica à compra e venda e reparação de automóveis,
vendeu a Bento uma carrinha usada por 7.500 €. As partes convencionaram que o preço seria pago em
10 prestações de 750 € cada, mas que a carrinha seria entregue quando tivessem sido cumpridas as duas
primeiras prestações.
Direito de retenção: é um direito real de garantia que se caracteriza por se poder reter a coisa
que é devida enquanto o seu credor não cumprir, por sua vez, a obrigação a que ele está adstrito, que se
traduz em pagar despesas que o obrigado a entregar a coisa teve com essa mesma coisa (art. 754º) –
pressupõe uma conexão material: despesas feitas por causa da coisa.
Bento é o credor. O crédito que A tem sobre B advém-lhe do contrato de prestação de serviços.
Há duas relações contratuais: c/v em que A é credor de B pelo preço e um contrato de prestação de
serviços em que A é credor pelo pagamento do próprio serviço sobre B. Estão reunidos os requisitos do
art. 754º: o devedor que retem a coisa é A, que teve de suportar despesas sobre a própria coisa. Tem o
direito de reter enquanto a coisa não vier a ser paga.
Pode invocar a excepção de não-cumprimento? Não pode. A diferença da excepção do direito
de retenção é que se reportam a momentos diferentes. O direito de retenção pressupõe que o devedor
esteja adstrito a uma prestação de entrega de uma coisa. A excepção tanto se aplica a estas como a
obrigações de facere. A segunda diferença é a que a excepção pressupõe um sinalagma entre as
obrigações. Já no direito de retenção é dispensada essa ligação (só é necessária a ligação do art. 754º e
do art. 755º). Por isso é que se consegue perceber o regime do art. 428/2 comparado com o do art. 756º,
d): a excepção não pode ser afastada se a contraparte prestar garantias; já o direito de retenção pode ser
afastado se forem prestadas cauções.
Hipótese de a venda ser feita com reserva de propriedade. Pagas as cinco primeiras prestações,
o óleo é revisto. Quem reviu o óleo pode ou não invocar o direito de retenção? Muda que aqui ele seria
proprietário. Tem que ver com as duas funções do direito de retenção: garantia (natureza jurídica da
figura – se há um crédito e não for pago, garante-se assim o respectivo credor e promover a sua venda,
fazendo-se pagar) e cumprimento – função compulsória: compele o devedor a cumprir, e enquanto não
o fizer não tem direito à coisa. Assim sendo, não fazendo sentido na perspectiva da garantia no caso de
o proprietário ser quem retém (a garantia máxima é a propriedade), mas já terá interesse na sua segunda
função. Texto de JÚLIO GOMES – também pode funcionar no caso de o proprietário ser quem retém a
coisa.
Resolução:
Não pode haver direito de retenção – não há conexão material entre a entrega da coisa e
pagamento do preço. Poderia haver excepção: não é possível. A própria entrega da coisa, ao abrigo da
Resolução:
JÚLIO GOMES: nestas hipóteses, tem muitas duvidas que possa funcionar, sobretudo quando não
foi o terceiro proprietário da coisa retida que deu origem a dívida. Portanto, seria de rejeitar. Interpreta o
756º, a) de modo a não incluir estas hipóteses.
XIX
Francisco contratou Michael, famoso tenista estrangeiro, para lhe dar uma aula de ténis.
Michael adoeceu gravemente ficando, assim, impossibilitado de dar a aula a Francisco.
Resolução:
Não cumprimento: a primeira coisa a fazer é: o não cumprimento é imputável ou não imputável.
Das duas uma: ou é imputável ao devedor e então aplica-se o regime da impossibilidade imputável (art.
798º e ss.) ou é não imputável, sendo ao credor, a terceiro, ou a caso fortuito ou de força maior (aqui
todos com o mesmo sentido): arts. 790 e ss.
O segundo passo é: se o não cumprimento é definitivo, sé é temporário (arts. 793º e 804º a 808º,
consoante imputável ou não) ou se estamos perante um cumprimento defeituoso (incumprimento que,
em rigor, não pode ser qualificado como mora ou como definitivo. Sabemos que estamos perante esta
modalidade quando causa danos ao credor que não se reconduzem nos danos típicos da mora ou do não
cumprimento definitivo. Há uma situação de incumprimento que gera a impossibilidade da realização do
credor, resultando para ele danos que são distintos dos danos da mora e do incumprimento definitivo.
Exemplo: contratar para instalar gás, que é feita a horas, mas sem segurança. Há uma explosão, com
morte do credor, de um familiar, ou apenas com danos patrimoniais. Não há mora, não há incumprimento
definitivo, mas cumprimento defeituoso. Convém ter presente a destrinça entre danos na própria coisa –
quirca rem – e entre danos causados fora da própria coisa – extra rem).
2) Suponha, agora, que Michael não pôde dar a aula devido a um temporal que ocasionou um corte
de luz durante todo o período em que o famoso professor esteve em Portugal. Terá Francisco
de pagar o preço acordado?
Resolução:
3) Imagine que é Francisco quem adoece faltando, por isso, à aula de ténis. Sabendo que Michael
já se encontrava em Portugal, para onde se deslocou, excepcionalmente, a fim de dar a referida
aula, terá Francisco de pagar a Michael o preço correspondente à aula de ténis?
Resolução:
Este caso não é para JT de frustração do fim da prestação. Temos que distinguir três situações,
com problemas que podem ser idênticos: (1) frustração do fim da prestação; (2) realização da prestação
por outra via que não a realização da prestação devida; (3) não exercício pelo credor do direito a uma
prestação com prazo absolutamente fixo. Os dois primeiros são diferentes do terceiro: naqueles, temos
situações que se podem ilustrar com o seguinte exemplo: a cirurgia – pode acontecer que antes da
operação temos o doente que morre e há perturbação do fim da prestação; pode acontecer que o doente
se cure antes da realização da prestação – realização do interesse do credor por outra via que não a
realização da prestação devida.
Neste caso F contrata um serviço que pode ser prestado, só que o interesse que tem com esse
serviço não satisfeito por um motivo atinente à sua própria pessoa. Não é de frustração, porque esses
casos têm em comum o interesse do credor que não é satisfeito, independentemente da realização da
prestação. E não há realização do interesse do credor por outra via. Dois problemas com estas situações:
problema teórica – saber se estamos, em rigor, perante casos de impossibilidade da prestação. Problema
prático: qual o regime aplicável? Quem suporta o risco da contraprestação?
Quanto ao problema teórico, parte-se de uma questão prévia. O que é em rigor o nosso conceito
de prestação. Saber se inclui ou não o interesse do credor. Quem entende que se inclui, não terá duvidas
em considerar que estes casos são ainda casos de impossibilidade, não obstante o facto de a prestação ser
ainda possível. Não há é interesse. Outros autores, como AV, entendem que não se inclui o interesse do
credor dentro do conceito da prestação: esta é a conduta devida pelo devedor. Porém, AV, que entende
que o interesse do credor não está incluído, vem dizer que estes caos de frustração e de realização do
interesse do credor por outra via são casos que se devem equiparar à impossibilidade. Embora seja
verdade que a prestação seja teoricamente possível, a verdade é que a prestação pressupõe a colaboração
do credor que já não se afigura viável, tanto num caso como noutro.
JT: este é um caso de impossibilidade da prestação, mas concorda com AV, a prestação é
independente do interesse do devedor.
AV: arts. 790º e 795º. Mas qual das normas do 795º. Embora nestes casos não se possa dizer
que o credor tenha tido culpa, há uma gravitação maior em redor da própria pessoa do credor. O regime
aplicável não será o 795º/1 nem o 795º/2. Aplica o art. 468º a meio caminho: como a impossibilidade se
aproxima do credor, faz sentido que se aplica o art. 795º/2 corrigido pelo art. 468º - pode reduzir na
Nesta hipótese, estamos perante a matéria mais difícil. Casos fronteira de terra de ninguém.
Fronteira entre a impossibilidade não imputável e mora do credor. Ele está doente, não morreu. A
impossibilidade não é imputável, mas não deu a aula de ténis porque não houve colaboração pelo credor.
Inicialmente tendeu-se a considerar que estes eram casos de impossibilidade não imputável: art.
795º/1: o devedor não tem culpa e o credor não tem culpa. É injusto dizer que a aula tem de ser paga.
Surge depois a solução da mora do credor, porque esta pressupõe uma situação em que não
recebe a prestação ou não colabora, e não tem motivo justificado para o fazer – art. 813º.
AV: não é mora do credor nem de impossibilidade não imputável. Temos uma prestação com
prazo absolutamente fixo. O que há é que o credor, que não aceita a prestação oferecida dentro daquele
prazo: não exercício do credor do direito à prestação com prazo absolutamente fixo. Estes casos não são
de impossibilidade: porque não só a prestação que o devedor assumiu é possível, e mais, é possível,
mesmo sem colaboração do devedor; como na maior parte dos casos, foi inclusivamente realizada. Não
é frustração do fim da prestação. BAPTISTA MACHADO: não é mora do credor porque a mora pressupõe
uma conduta injustificada. Se o credor está doente, não se diz em rigor, que não há causa justificativa. É
preciso distinguir o risco da prestação, do risco da utilização da prestação. E este, nas prestações com
prazo absolutamente fixo, corre sempre por conta do credor. Conclui que nestes casos, deve ser aplicado
o regime da empreitada: art. 1227º - aplica-se o disposto do art. 790º. Havendo inicio da execução,
indemniza-se as despesas.
AV: nestes casos eu aplico o regime do art. 795º/2, 815º e 1227º: incidem o risco mais junto da
pessoa do credor.
Mais recentemente surgiu uma senhora, MARIA DE LURDES PEREIRA: estes casos de fronteira
são casos de mora do credor: interpreta o art. 813º: o art. diz o quê? O credor está em mora quando sem
motivo justificado, não aceita a prestação oferecida nos termos legais ou quando não pratica os actos
necessários para a sua realização. O art. 813º estabelece duas coisas: o credor está em mora quando a não
aceita; e está em mora quando não pratica os actos... interpretação restritiva da lei. O problema é “motivo
justificado” só e relação à primeira parte: a ideia de existência de motivo justificado para a mora do
credor só faz sentido quando o credor não aceita a prestação. Se não a aceita porque está doente, esses
casos não são de mora do credor. Quando não pratica os actos necessários..., é irrelevante se tem ou não
motivo justificado.
4) Caso Michael não fosse estrangeiro e a aula de ténis pudesse ter lugar num dia diferente do
acordado, poderia o professor recusar-se a dar aula num dia diferente e simultaneamente receber
o preço convencionado com Francisco?
Resolução:
XX
António vendeu a Joaquim toda a sua produção de laranjas, por 5.000 €. Ficou acordado que as
laranjas seriam colhidas no mês seguinte. Quinze dias depois e antes das laranjas serem colhidas, a
poluição provocada por uma unidade fabril provocou o apodrecimento de metade da fruta. Joaquim já
tinha pago os 5.000 €.
1) Quem era o proprietário das laranjas, quando a poluição provocada pela unidade
fabril provocou o apodrecimento de metade da fruta?
Resolução:
Transmissão do direito de propriedade – art. 408º/1 é a regra – por mero efeito do contrato. Aqui
aplica-se o 408º/2 – frutos – a propriedade só se transmite com a colheita. O vendedor é proprietário.
2) Com que fundamento é que Joaquim pode pedir a antecipação do que havia pago
a mais?
Resolução:
Se parte da prestação se tornou impossível, por causa imputável a terceiro, o comprador já tinha
entregue a sua prestação e temos que o risco não corre pelo comprador, isto significa que o comprador
tem direito a receber parte daquilo que já entregara. Aplica-se assim, o regime do 793º/1. Esta solução
está em consonância com o regime do 796º. Mas se não estivesse prevalecia o art. 796º.
Resolução:
O credor pode resolver o contrato se não tivesse interesse em metade da prestação – art. 793º/2.
Avaliar o interesse objectivamente.
4) Se António tiver direito a receber 2.700 € pelos danos causados pela unidade fabril,
que poderá fazer Joaquim?
Resolução:
XXI
No dia 10 de Março de 2006, António vendeu a Bento uma cómoda D. Maria de pau-santo por
5.000 €. As partes convencionaram que António deveria entregar a referida cómoda na casa de Bento, no
dia 15 desse mesmo mês, contra o pagamento do respectivo preço. A cómoda ficou destruída por um
incêndio fortuito ocorrido no armazém de António.
Para responder a cada uma das alíneas só deverá ter em conta em conta o corpo da hipótese.
Resolução:
Prestação que se torna impossível – a entrega da cómoda. É imputável ou não? Não imputável.
É devida a caso fortuito. É definitiva? Sim, e objectiva: art. 790º/1 – fica desonerado. Quem suporta o
risco da contraprestação: art. 795º/1 – a cómoda fica destruída por causa não imputável ao credor. Ambas
as partes ficam desoneradas. Porém, nos casos em que se aplica o art. 796º, este prevalece sobre o 795º.
Nos casos em que o contrato é obrigacional, não se plica o 796º. Quando se aplica é já quando o contrato
tem efeitos reais. Nesta hipótese, a solução do art. 795º é afastada por via do art. 796º/1: quem suportaria
o risco seria o comprador. Por via deste art. o comprador tem de pagar o preço. Prevalece o art. 796º.
Resolução:
Art. 409º: se entendermos que é uma condição suspensiva, o risco corre por conta do alienante.
Se entendermos que é condição resolutiva. Se a clausula protege o vendedor, deve o risco correr por
conta dele. AV. Não faz sentido dizer que o vendedor esta acautelado e, além disso, o risco corre por
conta do comprador. Porém, se a coisa tiver sido entregue ao comprador, o problema é o mesmo? Não:
há uma lacuna – enquanto na condição resolutiva a propriedade só se transfere quando a coisa se entrega,
aqui não se diz isto. Como se interpreta a norma quando a coisa foi entregue? Há quem diga que a
condição seria resolutiva (ML) e é uma ideia de relacionar o art. 886º, em derrogação do art. 801º. Se se
entender que é condição resolutiva, o risco corre por conta do adquirente na pendência da condição, se a
coisa lhe tiver sido entregue.
3) Terá Bento de pagar o preço da cómoda, caso esta só pudesse ser entregue no dia
15, porque António precisava dela até esse momento?
No caso sub Júdice estamos perante um compra e venda, em que a coisa não é entregue e fica
na posse do alienante durante certo período de tempo, período esse em que ocorreu um incêndio não
imputável a nenhuma das partes.
Por conta de quem corre o risco? 796º nº2 (excepção ao regime previsto no nº1 do mesmo
artigo), o risco corre por conta de A (porque o termo foi constituído a seu favor), o risco só se transfere
com o vencimento do termo ou no momento da entrega logo B não tem que pagar, A fica sem a coisa e
sem o dinheiro.
Se B entrasse em mora havia inversão do risco (815º nº1).
4) Imagine que o incêndio ocorreu no dia 16 de Março e que António não tinha
procedido ainda à entrega da cómoda, porque se esqueceu que tinha combinado
com Bento entregar a cómoda no dia 15. Terá Bento de pagar o respectivo preço?
Estamos perante um caso em que houve mora do devedor, uma vez que a entrega da cómoda
devia ter sido até ao dia 15 e não foi - 798º, 801º e 804º, no entanto ainda podia ter sido entregue
posteriormente 804º e 805º nº2 a). Esta mora do devedor foi seguida de impossibilidade definitiva não
imputável a nenhum das partes ( o incêndio presume-se fortuito). Assim a consequência prática da
impossibilidade, objectiva, definitiva, não imputável a nenhuma das partes e posterior à mora do devedor
vem prevista no 807º nº1 (excepção ao regime do 790º) a mora perpetua a obrigação, ou seja:
- o devedor incumpriu e tem de indemnizar os prejuízos causados com o não cumprimento
- o risco da contraprestação corre inteiramente pelo devedor em mora, pelo que o credor não
tem que contraprestar – 795º nº1
807º nº2, relevância negativa da causa virtual - Se A provasse que nem que ele tivesse cumprido
a obrigação a tempo, o incêndio a teria queimado na mesma – serve para atenuar o regime gravoso do
807º nº1.
5) Suponha, agora, que não foi António quem se esqueceu de entregar a cómoda, mas
foi Bento que não recebeu a cómoda, por ter decidido aproveitar os primeiros dias
soalheiros de 2006 e ir para Vila Nova de Mil Fontes. Terá Bento de pagar o preço
da cómoda? A resposta seria a mesma se o incêndio se devesse a uma imprudência
indesculpável de António?
1a parte da hipótese
mora do credor - 813º há mora de B pois não há causa justificativa, simplesmente não aceita a
prestação.
De acordo com o 815º nº1 o risco corre por conta do credor B que, apesar do incêndio, tem de
pagar
815º nº2 1a parte – o credor está na mesma obrigado a contraprestar
2a parte – se o devedor tiver algum beneficio com a extinção o valor desse beneficio deve ser
descontado na contraprestação
2a parte da hipótese
6) Se Bento não tivesse recebido a cómoda, porque se encontrava hospitalizado por ter
sofrido um ataque cardíaco, continuaria obrigado a pagar os 5.000 € acordados?
Resolução:
No presente caso não há mora do credor porque há causa justificativa – situação de difícil
fronteira de impossibilidade por causa não imputável a nenhuma das partes e impossibilidade por causa
imputável ao credor.
Assim sendo temos uma impossibilidade não imputável, definitiva – 790º, pelo que o devedor
fica desonerado, e temporária – 792º, pelo que o devedor não vai responder pela mora.
Quem suportava o risco? Nos termos do 408º nº1 a propriedade transferiu-se para B com o
contrato, consequentemente de acordo com o previsto no 796º nº1 o risco corre por B.
B fica sem a cómoda e tem de pagar o preço.
Aplica-se o 796º nº1 e não o 815º nº1 porque é mais favorável ao B uma vez que não tem que
suportar a negligência.
A regra, nos termos dos 408º e 796º é de que a transferência do risco se dá com o contrato, ou seja,
o risco corre por conta de B independentemente da entrega da coisa. Contudo, no caso em análise, há
uma cláusula de reserva de propriedade - 409º, pelo que, não estão ainda verificados todos os efeitos da
compra e venda - 879º:
1. Transferência da propriedade - não
2. Entrega da coisa - sim
3. Pagamento do preço - não
Assim como resolvemos o problema do risco nos casos em que houve compra e venda com
reserva de propriedade e em que houve a traditio? depende da opção que tomarmos quanto à natureza da
cláusula.
1. Condição resolutiva - permite ao credor resolver o contrato com base na falta de pagamento do
preço - Risco corre pelo adquirente - B fica sem a cómoda e tem de pagar o preço
2. Condição suspensiva – risco corre por conta do alienante A – contudo temos de atender à justiça
do caso, fará sentido que B tendo a coisa e tendo o incêndio ocorrido em casa dele não tenha
que pagar? Não.
Neste caso de compra e venda com reserva de propriedade e em que há a traditio, que não está
previsto no 796º, podemos concluir pela existência de uma lacuna.
8) Por último, suponha que, na data acordada, António se recusa a entregar a cómoda,
alegando que Bento ainda não lhe pagou o preço de um relógio antigo que António
lhe vendeu, em Janeiro desse mesmo ano, pelo preço de 8.000 €. Quid iuris?
XXII
Notas:
O 805º nº3 2a parte tem levantado alguns problemas na jurisprudência, porque tendo em conta
o 566º nº2 havia uma duplicidade de ganhos por parte do lesado uma vez que na produção da sentença o
tribunal tinha logo em conta o 566º nº2 – no entanto em 2002 houve um acórdão de uniformização de
jurisprudência 4/2002 de 9 de Maio – em que se veio estabelecer que os juros de mora só se contam a
partir da sentença até ao pagamento da indemnização.
3) No caso de lhe ser devolvido o relógio, se pode pedir uma indemnização a António
decorrente do facto de, depois de lhe ter vendido o relógio, ter aparecido no seu antiquário
outro coleccionador que estava disposto a pagar 5.000 € por aquele relógio, mas que
entretanto morreu?
Notas:
XXIII
António obrigou-se, por escrito particular, a vender a Bernardo uma fracção autónoma de um
edifício situado no concelho de Cascais. A título de sinal e de princípio de pagamento, Bernardo entregou
a António 100.000 €. Ficou, igualmente, acordado que a escritura pública seria feita até ao final do ano
de 2006. No dia 4 de Outubro, António telefonou a Bernardo, para lhe comunicar que já não estava
interessado em vender-lhe o andar. Em face deste comportamento, Bernardo considera que tem direito a
receber imediatamente 200.000 €.
Mesmo que se defenda que é um caso de simples mora é possível resolver o contrato e pedir a
restituição do sinal em dobro? 442º
Ver as várias teses na resolução dos casos de obrigações sobre o contrato promessa.
XXIV
1) Poderá Ana recusar-se a entregar o piano e exigir que Benedita lhe entregue 1.000
€?
No caso sub Júdice estamos perante um incumprimento definitivo imputável ao devedor. Posto isto,
A pretende não entregar o piano ou seja resolver o contrato e ainda receber uma indemnização de 1000€.
Que direitos têm os credores nestas situações? Pode o pedido de resolução ser cumulado com o
pedido de uma indemnização pelo interesse contratual positivo?
AV – tese clássica - A resolução opera-se por meio de declaração unilateral recíproca do credor –
436º - que se torna irrevogável logo que chega ao poder do devedor ou dele é conhecida - 224º nº1 e
230º.
Mesmo nos casos de resolução há direito à indemnização pelo prejuízo que o credor teve com o
facto de se celebrar o contrato, do prejuízo que ele não sofreria se ele não tivesse celebrado o contrato,
visa-se assim repor a situação de origem, como se o contrato não tivesse sido celebrado – 908º - interesse
contratual negativo. O que ele pretende é a exoneração da obrigação que assumiu e a reposição do seu
património no estado em que se encontraria se não tivesse sido celebrado o contrato. Assim de acordo
com a tese do prof AV pode:
- resolver o contrato para reaver o piano, mas não fica com os 1000€ ou;
- optar pela manutenção do contrato (não resolve) exigindo a indemnização correspondente
ao valor do vaso – 6000 – abrindo mão definitivamente do vaso – interesse contratual
positivo
Argumentos invocados para a indemnização por interesse contratual negativo em caso de resolução?
Resolução tem os mesmos efeitos que a anulabilidade/ nulidade do negócio
BM
contesta o efeito retroactivo da resolução – nem sempre a resolução conduz a efeitos retroactivos
434º nº1
força a interpretação do 908º
Verificando-se o incumprimento definitivo resolutivo o credor pode optar entre a grande
indemnização do 801º nº1, mas além desta há uma pequena indemnização - 801º nº2. Como
funciona? o credor pede o valor da prestação da outra parte mas tem de abater a essa mesma
prestação o valor da sua própria prestação que deixa de efectuar
a lei não distingue no 801º o tipo de indemnização – pelo que pode perfeitamente ser
interpretada de maneira a conceber esta indemnização como indemnização pelo interesse
contratual positivo, ou seja, colocar o credor na situação em que se encontraria se o contrato
tivesse sido pontualmente cumprido
802º - num regime da impossibilidade parcial a lei diz que o credor pode resolver o contrato ou
optar por manter em qualquer um dos casos ele conserva um direito a uma indemnização – pelo
que estaríamos a tutelar o mais o credor numa hipótese de impossibilidade parcial do que numa
impossibilidade total
ML – tese intermédia – concorda com o AV – não é possível pedir uma indemnização pelo ICP se a
prestação já tiver sido efectuada – se ele já entregou o piano – se ele quiser resolver o contrato e pedir de
volta o piano não pode.
Mas numa hipótese em que o credor cujo crédito ficou desfeito em termos finais e absolutos
quer resolver o contrato para não ter de prestar – concorda com o BM – ou seja pode haver indemnização
pelo interesse contratual positivo quando a prestação se torna impossível e o credor dessa prestação
ainda não a cumpriu. O prof ML apoia-se em duas teorias:
- Teoria da subrogação – tem que entregar a coisa para receber a indemnização – a prestação
impossível passa a ser substituída pelo seu valor expresso em dinheiro - para receber o
valor do vaso tens de entregar o piano
- Teoria da diferença – não precisas de entregar o piano tens é de fazer o abatimento - ainda
não entregou o piano - tinha um crédito entrega de um vaso ele foi destruído passa a ter um
credito à indemnização
2) Caso não tivesse celebrado o contrato com Benedita, Ana teria vendido o piano a
Carolina por 5.900 €. Por este motivo, poderá Ana exigir que Benedita a indemnize
pelos prejuízos sofridos?
3) Suponha, agora, que Ana e Benedita tinham acordado trocar dois pianos por dois
vasos e que Benedita só partiu um dos vasos. Que direitos assistem a Ana?
Impossibilidade imputável parcial 802º nº1 – quais os direitos que assistem a A?
- resolver + indemnização ICN (prejuízos)– não entrega nenhum dos pianos
- manter o contrato - entregar o piano (redução da contraprestação)– receber um vaso +
indemnização pelo ICP - nesta hipótese da impossibilidade parcial que optando pela
manutenção se possa pedir uma indemnização pelo ICP, terá que ser pelo ICN.
XXV
António, pastor, vendeu a Bernardino, 10 ovelhas. Na data e lugar acordados, António entregou
a Bernardino as ovelhas. Por não terem sido feitas as vacinas impostas por lei, as 10 ovelhas adoeceram
e contagiaram o resto do rebanho de Bernardino.
Que direitos assistem a Bernardino?
XXVI
A sociedade Auto China, Ch, sociedade de direito chinês, é fabricante de veículos motorizados de
quatro rodas e celebrou com a sociedade Carros Chineses, - Comércio e Distribuição de Veículos
Automóveis, SA, em Janeiro de 2005, por prazo indeterminado, um contrato de distribuição, no território
nacional, dos veículos que produz sob a marca China Speed.
Resolução:
Sendo coisa móvel temos um prazo de dois anos. Os direitos só podem ser exercidos se o defeito
tiver sido detectado dentro destes dois anos, a contar da entrega. Mais: a partir do momento em que se
detecta o defeito, a lei impõe o ónus de denunciar o defeito ao comprador e essa denúncia deve ser feita
dentro de dois meses. Se não o fizer, o direito caduca, ainda que se esteja dentro do prazo de dois anos.
O defeito pode só ser detectado no último dia dos dois anos. Neste caso, o ónus de denuncia devia ser
feito no último dia dos dois anos? Não. ainda tem dois meses na mesma.
Pode até acontecer que todos estes prazos sejam cumpridos. Só que o vendedor nada fez. Não
reconheceu o defeito e não respondeu ao consumidor. Até quando pode o comprador exercer
judicialmente estes direitos: art. 5º-A/3 – o consumidor tem, a partir do momento da denúncia, a
possibilidade de exercer os direitos no prazo de dois anos. Para o caso de coisa imóvel – três anos. Esta
norma é paralela ao art. 917º C.C., que remete para o art. 287º . Toda a jurisprudência entende que o art.
917º deve aplicar-se aos demais direitos que a lei confere nestes casos.
Temos estes três prazos que há que respeitar.
Na hipótese, se o automóvel foi entregue em Julho de 2005 (que corresponde à data da venda).
O prazo termina em Julho de 2007. A denúncia foi feita em Novembro de 2007. Só na hipótese de a
2) Caso a sociedade vendedora houvesse prometido a António “total garantia” por 3 anos António
teria de custear a reparação?
Resolução:
Art. 1º/1, g) – garantia voluntária. Art. 9º - regula como esta garantia deve ser prestada. Se foi
afirmada, deve ser prestada.
3) Suponha que António havia adquirido o seu carro em Janeiro de 2007 e reclamado junto da
vendedora em Outubro de 2007, nos seguintes termos: “o carro, desde o dia em que saiu do
stand que não trava, pelo que exijo a integral e gratuita reparação do mesmo”. A sua resposta
seria a mesma?
Resolução:
Garantia legal e seu exercício dentro do prazo. Adquiriu em Janeiro de 2007 e faz a denúncia
entre Outubro: dentro do primeiro prazo. Já havia um problema quando saiu do stand. O problema é que
detectou logo o problema e, desde aí, tinha dois meses: a denúncia devia ter sido feita até Março. Desde
Janeiro que há conhecimento, e já passaram nove meses. Já caducaram todos os direitos. A partir daí, é
uma questão de cortesia comercial.
4) Imagine agora que a mesma sociedade vendeu a Bernardo, no passado mês de Agosto, um carro
com idêntico problema. A sociedade vendedora oferece a reparação gratuita do defeito de
fabrico. Bernardo exige, todavia, a devolução do seu dinheiro ou, pelo menos, um carro novo,
uma vez que já não tem “qualquer confiança” naquele carro. Quid iuris?
Resolução:
Há ou não há uma precedência lógica no exercício destes direitos, como no art. 914º C.C.? A
questão é saber se, tal como na c/v de coisa defeituosa, há uma sequencia lógica dos direitos, após
detectado o defeito? A lei em causa tem a norma do art. 4º/5 – pode exercer qualquer um dos direitos: o
diploma tutela mais o comprador que o art. 914º. Porém, a mesma lei diz: esses direitos não podem ser
exercidos se for impossível ou se for abuso de direito. Perante caso concreto, embora o comprado tivesse
5) Prefigure ainda que Carlos havia adquirido um outro carro em Setembro de 2005, o qual
apresentava um problema na suspensão. Carlos reclama e a vendedora oferece a reparação
gratuita em Março de 2007. Reparada a avaria, Carlos vem a ter um acidente em Outubro de
2007, em resultado do qual fica paraplégico. Vem a descobrir-se que o acidente foi devido a um
defeito na suspensão entretanto substituída. Quid iuris?
Resolução:
Art. 5º/6 – havendo substituição há prazo de dois anos de garantia. A partir do momento da
substituição há dois anos em que há garantia e titularidade dos direitos do art. 4º.
Quanto ao dano causado no automóvel ele poderia exercer os direitos que a lei confere. Alem
do dano causado À coisa, houve dano para a pessoa: art. 12º/1 e 2 da lei de defesa do consumidor: tem
direito à indemnização por responsabilidade subjectiva. O produtor é responsabilizado
independentemente de culpa: há responsabilidade objectiva pelo risco proveito. Responsabilidade do
produtor: diploma DL 383/89 – art. 1º. E também o art. 8º: danos ressarcíveis ao abrigo deste princípio
– são ressarcíveis os danos da morte, ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso,
destinada ao uso ou consumo privado (danos extra rem).
Quanto à peça substitutiva conta o prazo de dois anos a partir da reparação dentro do qual o
comprador pode exercer os direitos conferidos por lei.
Ao abrigo do art. 12º/1 da LDC – danos não patrimoniais sofridos pelo lesado é ressarcido pelo
vendedor. Como falamos de uma hipótese em que o produto é produzido por alguém, há responsabilidade
do produtor, independentemente de culpa, por danos patrimoniais extra rem e danos pessoais – exercido
dentro de três anos.
6) Na sequência do seu acidente, Carlos vem a constatar que a vendedora “fechou as portas”, pelo
que pretende exigir do fabricante, a sociedade Auto China, Ch, a devolução do preço pago bem
como de uma indemnização pelos “danos irreparáveis”que sofreu. Pode fazê-lo?
Resolução:
Responsabilidade directa do produtor – art. 6º: desde 2008 é que se permitiu ao comprador
demandar directamente o produtor. O único caso antes que era permitido eram os casos de
responsabilidade objectiva do produtor. Até 2008 o consumidor demandava o fabricante quando morrera,
quando sofrera lesão pessoal ou danos patrimoniais extra rem.
O que não se podia fazer era ter um problema no automóvel que não cabia nestes casos, pedia-
se a resolução do contrato ou redução do preço, não se pode demandar directamente o fabricante. Em
XXVII
Bento, que vende papel de parede, acorda com António, interessado em que aquele se encarregue
de aplicar o papel em sua casa, não se responsabilizar por quaisquer prejuízos causados durante a
aplicação ou por uma deficiente aplicação do mesmo, ainda que em caso de dolo ou culpa grave do
aplicador.
1) Sabendo que, durante a aplicação do papel, Bento destruiu, por descuido, uma jarra
de António no valor de 100 €, diga que direitos assistem a António.
Resolução:
Interpretação do art. 809º. Saber se será nula cláusula que exclui a culpa leve: doutrina de
Coimbra – são válidas – argumento por maioria de razão das CCG. AV: são nulas porque estaríamos a
aceitar uma obrigação e transformá-la numa obrigação natural.
Este ainda pode ser considerado um problema de incumprimento? Dentro da lógica da relação
obrigacional complexa – deveres acessórios de conduta. Tendo destruído a jarra, incorre em
responsabilidade obrigacional: terceira via da responsabilidade civil.
Em que medida esta clausula é válida ou não: art. 809º: a cláusula é nula, salvaguardando o art.
800º/2 (actos de auxiliares). Art. 18º, c) das CCG: pode-se excluir a responsabilidade em casos de culpa
leve. MOTA PINTO – nos casos de culpa leve exclui-se a nulidade da cláusula. Seguido por Pinto
Monteiro e Almeida Costa. Menezes Leitão e Antunes Varela: aplica-se a norma em todos os casos. Se
a clãusula fosse válida, transformaríamos uma obrigação civil numa obrigação natural. O art. 809º não
proíbe a cláusula penal estrita ou clássica (importante quanto à interpretação do art. 811º) nem a limitação
da responsabilidade.
2) A resposta seria a mesma se, em vez de Bento, tivesse sido Carlos, que prestava
serviços de aplicação de papel para vários estabelecimentos, a destruir a jarra? E se
Carlos fosse empregado de Bento?
Resolução:
XXVIII
Resolução:
Função indemnizatória, com aplicação do regime do art. 811º, para ambas as doutrinas.
Problema do âmbito de aplicação do nº 3. AV: o credor não poderia exigir os 2000 mas apenas 500 –
valor dos danos sofridos. Para a tese que aplica a proibição do nº3 apenas a clausula de fixação antecipada
da indemnização, não tendo havido essa convenção, não era aplicável a norma e o credor poderia exigir
os 2000, fixados na cláusula penal. O credor poderia invocar o art. 812º - redução equitativa da cláusula
penal.
2) A empresa de informática falta ao cumprimento das suas obrigações, mas uma vez que os
danos de Alfredo foram avaliados em 3.500 €, agora é este último que pretende exigir da
devedora uma indemnização neste montante. Quid iuris?
Resolução:
Valor superior ao fixado na cláusula penal. Não tendo havido convenção em contrário, não
podia o credor exigir mais do que o fixado na cláusula penal. O credor não tem direito ao aumento
equitativo da cláusula penal.