Вы находитесь на странице: 1из 13

http://dx.doi.org/10.5007/2175-8026.

2015v68n1p47

INGLÊS SEM FRONTEIRAS: UMA MIRADA AO CONTEXTO DE PRÁTICA PELO PRISMA DA


FORMAÇÃO DE PROFESSORES

ENGLISH WITHOUT BORDERS: A GLANCE AT THE CONTEXT OF PRACTICE THROUGH THE


PRISM OF TEACHER DEVELOPMENT

Simone Sarmento*
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Porto Alegre, RS, BR

William Kirsch**
Universidade de Rio Grande
Rio Grande, RS, BR

Resumo
O Programa Inglês sem Fronteiras (agora Idiomas sem Fronteiras - IsF) é uma política pública que foi primeira-
mente pensada para oferecer cursos de inglês de modo a capacitar os estudantes elegíveis ao Ciência sem Fron-
teiras a estudarem em universidades estrangeiras. Entretanto, na prática, há um número de outras implicações,
ou efeitos, que são visíveis para todos os seus participantes, sendo a formação de professores de língua inglesa
umas das principais, pois grande parte dos professores bolsistas do Programa são alunos de licenciatura em Le-
tras. Neste artigo, enfocamos o Núcleo de Língua Inglesa (NucLi) do IsF-UFRGS, do qual 12 professores foram
submetidos a um questionário online feito através do Google Forms. Os dados, embora preliminares, mostram
que o IsF apresenta-se como um palco para o desenvolvimento de professores com o potencial de integrar rele-
xão teórica e prática a partir de experiências concretas vivenciadas no trabalho docente.
Palavras chave: Inglês sem Fronteiras; Formação de Professores

Abstract
he English without Borders Program (now Languages without Borders) is a public policy irst thought to ofer
English courses in order to enable Science without Borders eligible students to study in universities abroad.
However, in practice, there are a number of other implications or efects, which are visible to all participants,
being teachers’ development one of them, since most of the teachers are undergraduate students pursuing a
teaching degree in English. In this paper, we focus on the Language Center at the Federal University of Rio
Grande do Sul, where 12 teachers underwent an online survey through Google Forms. he data, albeit integral to
a preliminary study, show that the ISF can be regarded as an important stage for teachers’ education integrating
theory and practice based on concrete experiences.
Keywords: English without Borders; Teacher Development

*
Simone Sarmento has a Ph.D (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, BR) and two MAs (Lancaster University, UK and Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, BR ) in Language Studies. She is a professor in the Department of Modern Languages at Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Her research interests
include Teacher Education, Educational Policies and Corpus Linguistics. E-mail: simone.sarmento@ufrgs.br
William Kirsch has an MA (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, BR) and is currently pursuing a Ph.D (Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
**

BR) in Applied Linguistics. He is a professor at the Institute of Language and Arts at Universidade Federal do Rio Grande. His research interests include Teacher
Education, Educational Policies and Internationalization of Higher Education Institutions. E-mail: william_kirsch@yahoo.com.br
48 Simone Sarmento and William Kirsch, Inglês sem Fronteiras: uma mirada ao contexto de prática...

1. Introdução atuação desses núcleos: a formação de professores de


inglês como língua adicional (SARMENTO e KIRSCH,
Um fotógrafo-artista me disse outra vez: veja que pingo 2014a; SARMENTO e KIRSCH, 2014B; AUGUSTO-
de sol no couro do lagarto é para nós mais importante -NAVARRO e GATTOLIN, 2014; WELP, SARMEN-
do que o sol inteiro no corpo do mar. Falou mais: que a
TO e KIRSCH 2014; KUERTEN-DELLAGNELO,
importância de uma coisa não se mede com ita mé-
trica nem com balanças nem com barômetros etc. Que 2014). Pode-se dizer, inclusive, que essa dimensão de
a importância de uma coisa há que ser medida pelo formação de professores passou a integrar o discurso
encantamento que a coisa produza em nós. Assim um oicial sobre o IsF (cf. ABREU E LIMA, 2014). Des-
passarinho nas mãos de uma criança é mais importante se modo, entendemos o título desta edição como um
para ela do que a cordilheira dos Andes. Que o osso é
convite irrecusável para unirmos dois universos que se
mais importante para o cachorro do que uma pedra de
diamante. E um dente de macaco da era terciária é mais intersectam nas suas dimensões complexas, multiface-
importante para os arqueólogos do que a Torre Eifel. tadas e – por que não?— caóticas: as políticas públicas
(Manoel de Barros) educacionais e a formação de professores.
Assim sendo, este texto visa a relatar um recorte
Como nos ensina o sociólogo da educação Stephen das ações que estão ocorrendo no Núcleo de Ensino de
Ball e seus colaboradores (BALL, 1994; BOWE, BALL e Inglês da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
GOLD, 1992), as políticas públicas voltadas à educação (doravante NucLi-UFRGS), focando na formação de
ganham vida nas práticas sociais dos sujeitos que as vi- professores. Com esse recorte e os dados que temos,
vem no seu cotidiano, e não no campo dos grandes Dis- podemos adiantar que o IsF tem propiciado aos profes-
cursos (nacionais e internacionais) que as instanciam e sores (1) um desenvolvimento proissional por dentro
suportam, nem nas esferas públicas de decisão política da proissão (NÓVOA, 2009); (2) a partir do trabalho
(infelizmente, ainda, geralmente, muito distantes do ci- docente e da relexão sobre esse trabalho (SCHON,
dadão), tampouco nos textos políticos que as materiali- 2000); e (3) por meio da participação em comunidades
zam (leis, portarias, editais, entre tantos outros). Dito de de prática (WENGER, 2000) que propiciam um desen-
modo direto: o epicentro de uma política pública são os volvimento proissional conjunto a partir do cotidiano
ininitos cenários da vida cotidiana em que as pessoas nela vivenciados (COSTA, 2013).
conjuntamente constroem o(s) mundo(s) em que vivem Para tanto, nosso texto seguirá o seguinte percurso:
e a(s) história(s). Na vida cotidiana, os sujeitos recons- (2) delinearemos o universo teórico-conceitual em que
troem as políticas públicas a partir de suas leituras dos estão ancoradas nossas relexões, a saber, as relexões
documentos políticos, que um dia foram grandes dis- de Nóvoa (2009) sobre a formação docente para o tra-
cursos e debates nas nossas diversas instituições oiciais, balho2 e o Ciclo de Políticas de Stephen Ball e colabo-
ainda que esse trabalho cotidiano costume ser pouco radores (BALL, 1994; BOWE, BALL e GOLD, 1992);
descrito e, talvez por isso, pouco visto. Ou seja, o cam- (3) apresentaremos o NucLi de modo a situar o leitor
po mais importante de uma política é paradoxalmente o em nosso setting; (4) apresentaremos os métodos pe-
menos visto: a miudeza do dia a dia, o que valora a esco- los quais os dados foram gerados; (5) analisaremos, de
lha de iniciarmos este texto pela singela epígrafe acima modo sucinto, os dados gerados ; e (6) faremos breves
e revela a lente que usaremos para tratar da formação de considerações sobre alguns dos impactos que pudemos
professores no Inglês sem Fronteiras (IsF)!1 veriicar que o IsF, no âmbito do NucLi-UFRGS, tem
O programa, inicialmente, tinha por foco prepa- tido no tocante à formação de professores.
rar os alunos para embarcarem no Ciência sem Fron-
teiras (CsF), através do estabelecimento de Núcleos 2. Mosaico teórico-conceitual
de Ensino de Língua Inglesa (os NucLi). No entanto,
recentes trabalhos produzidos por pessoas vinculadas É interessante notar que nosso mosaico teórico e
aos NucLis vêm apontando um potencial riquíssimo na conceitual para a investigação de que deriva este tex-
Ilha do Desterro v. 68, nº1, p. 047-059, Florianópolis, jan/abr 2015 49

to foi construído a partir das demandas propostas pelo constituído pelas arenas em que os discursos políticos
próprio objeto investigado: a formação de professo- são construídos e onde diversos grupos de interesse
res no NucLi-UFRGS. Nossa vivência do NucLi e pe- disputam os regimes de verdade que guiarão as ina-
quenas investigações pontuais para apresentações em lidades da educação. É nesse contexto que atuam “as
congressos recentes (SARMENTO e KIRSCH, 2014; redes sociais dentro e em torno de partidos políticos,
SARMENTO, KIRSCH e WELP, 2014; WELP, SAR- do governo de processo legislativo” (MAINARDES,
MENTO e KIRSCH, 2014) nos izeram atentar para al- 2006, p. 51). É principalmente nessa arena que os dis-
gumas questões interessantes. Em primeiro lugar, cada cursos que circulam internacionalmente pelas agen-
NucLi tem suas idiossincrasias, embora pertençam à das globais encontram espaço nas agendas locais, isto
mesma política. Em segundo lugar, o NucLi-UFRGS é, o global e o local se interpenetram e se fortalecem
tem mapeado efeitos de sua atividade que não estavam mutuamente (GIDDENS, 1991, p. 76). Um exemplo
previstos na proposta inicial do IsF. Em terceiro lugar, claro desse fenômeno é o discurso acerca da impor-
uma dessas questões, a formação de professores, está tância da língua inglesa como a língua das sociedades
diretamente vinculada ao trabalho docente3 e à vivên- globalizadas, da cultura pop, da educação e – acima de
cia desses professores-bolsistas em uma comunidade de tudo – da ciência, pois é um discurso que simultanea-
prática voltada a quefazeres relativos a nossa proissão mente instancia políticas em prol da popularização do
e a sua formação.4 ensino e aprendizagem de língua inglesa e se coloca
como pano de fundo a leis antiestrangeirismo. Nes-
2.1 Ciclo de políticas de Ball e colaboradores sa linha, Gimenez (2013, p. 201) resume dois tipos de
disseminação de inluências: “1) a direta, pelo luxo
A abordagem do Ciclo de Políticas (do inglês de ideias em redes sociais e políticas e 2) o patrocínio
Policy Cycle Approach; doravante, ACP) foi formulada ou imposição de soluções por agendas multilaterais,
pelo sociólogo inglês Stephen Ball e seus colaboradores como o Banco Mundial”, ao que Mainardes (2006, p.
(BOWE; BALL; GOLD, 1992; BALL, 1994) e tem se 51-2) acrescenta um terceiro: “os grupos e indivíduos
popularizado em vários trabalhos ao redor do mundo que ‘vendem’ suas soluções no mercado político e aca-
(MAINARDES, 2006, p. 48), e em trabalhos da área de dêmico por meio de periódicos, livros, conferências e
Linguística Aplicada (LA) no Brasil. A ACP tem ‘performances’ de acadêmicos que viajam para vários
lugares para expor suas ideias etc.”
um referencial analítico útil para a análise O segundo contexto – de produção do texto políti-
de programas e políticas educacionais e [...] co – consiste na textualização dos discursos que instan-
permite a análise crítica da trajetória de pro-
ciam as políticas em manifestações concretas: os textos
gramas e políticas educacionais desde sua for-
mulação inicial até a sua implementação no políticos. Os textos produzidos frequentemente são de
contexto da prática e seus efeitos (MAINAR- diferentes gêneros do discurso – textos legais e oiciais,
DES, 2006, p. 48) comentários formais ou informais sobre os textos oi-
ciais, vídeos etc. (MAINARDES, 2006, p. 52). Esses
A ACP apresenta cinco contextos (ou arenas) textos não são necessariamente coerentes e coesos, e
contínuos, não lineares, não sequenciais e sem dimen- de modo algum representam a inalização da política,
são estritamente temporal, em permanente inluência pois são textos feitos para serem lidos, (re)criados e (re)
mútua no decorrer da “vida” de uma política: (1) o conigurados na prática social dos sujeitos endereçados
contexto de inluência, (2) o contexto de produção do pela política. A ideia
texto político, (3) o contexto de prática e (4) o contex-
to de resultados (efeitos) e o (5) contexto da inluên- de que as políticas não são simplesmente im-
cia política.5 Entretanto, para este trabalho, focare- plantadas como foram propostas torna explíci-
ta a existência de práticas de apropriação e/ou
mos nos quatro primeiros. O contexto de inluência é
50 Simone Sarmento and William Kirsch, Inglês sem Fronteiras: uma mirada ao contexto de prática...

resistência que produzem efeitos que podem


representar mudanças e transformações signi- sujeitos a que foram endereçadas e (2) ao conjunto da
icativas na política original. No nível da práti- sociedade, assim como ao conjunto global dos discur-
ca, a abordagem do ciclo de políticas assume que sos (presentes em todo o ciclo, mas mais evidentes no
os proissionais que atuam nas escolas exercem contexto de inluência e de produção do texto político)
um papel ativo no processo de interpretação e re-
interpretação das políticas (PAULILO, 2010, p. que instanciam e decorrem da política em questão.
491, grifos nossos). Pode-se airmar, a partir dessa perspectiva, que a
política não deixa de ser discurso que se materializa
O contexto de prática é ao que se referem os grifos supericialmente nas formas de textos, apesar de não
da citação acima, pois é nele que a política está sujei- se subsumir a isso; como tal, os leitores leem os textos
ta à interpretação e recriação, e no qual produz efeitos políticos (e interpretam as políticas) de modo situado
e consequências que podem representar mudanças e singular, a partir de suas perspectivas históricas e
e transformações signiicativas na proposta original, sociais, de seus desígnios e planos pessoais, que se
conforme formulada pelo(s) discurso(s) e texto(s) po- materializam em atitudes responsivas aos textos e
líticos. Para os autores referência da ACP, portanto, os discursos (BAKHTIN, 2010, p. 271-272). Portanto, do
proissionais que atuam no contexto de prática mesmo modo que não se pode airmar que o autor de
um texto é dono de seus sentidos, uma vez que estes
não enfrentam os textos políticos como leito- serão construídos com o leitor, não se pode airmar
res ingênuos, eles vêm com suas histórias, ex- que os resultados de uma política são necessariamente
periências, valores e propósitos (...). Políticas
aqueles planejados por quem as pensou, na medida em
serão interpretadas diferentemente uma vez
que histórias, experiências, valores, propósitos que os sujeitos que as vão reconstruir na prática social
e interesses são diversos. A questão é que os au- o farão a partir da interpretação que izerem de leituras
tores dos textos políticos não podem controlar dos textos políticos.
os signiicados de seus textos. Partes podem
ser rejeitadas, selecionadas, ignoradas, deli- Desse modo, como já dito, o IsF é uma política
beradamente mal entendidas, réplicas podem pública que foi primeiramente pensada para oferecer
ser supericiais etc. Além disso, interpretação cursos de inglês de modo a capacitar os estudantes
é uma questão de disputa. Interpretações dife- elegíveis ao CsF para viajarem ao exterior. Entretanto,
rentes serão contestadas, uma vez que se rela-
cionam com interesses diversos, uma ou outra na prática, há um número de outras implicações, ou
interpretação predominará, embora desvios ou efeitos, que são visíveis para todos os seus participan-
interpretações minoritárias possam ser impor- tes, sendo a formação de professores, na perspectiva
tantes. (BOWE et al., 1992, p. 22 apud MAI-
delineada e defendida na subseção seguinte, a mais
NARDES, 2006, p. 53)
cara para nós.

Desse modo, investigar as políticas em sua integrali- 2.2 Formação de professores


dade implica pesquisar sujeitos sociais que atuam no
aqui-e-agora de seus contextos, a partir de sentidos lo- Nossa década vem marcando uma profusão de ini-
cais conjuntamente construídos e contingentes a suas ciativas relacionadas à formação inicial e continuada de
práticas, com limitações e interesses que inluenciam professores, como podemos constatar a partir de uma
diretamente as políticas. simples incursão no site do Ministério da Educação.6
Por im, há o contexto de resultados. Esses resulta- Para citar alguns exemplos, há o Programa Institucio-
dos são divididos em duas categorias: gerais e especí- nal de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), o Pacto
icos, e relacionam-se diretamente com o impacto das Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, o Pacto
políticas formuladas, textualizadas e (re)contextuali- Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, e os
zadas na prática social em duas instâncias: (1) nos ce- mestrados proissionais para os professores da educa-
nários em que foram implementadas e em relação aos ção básica (como o PROFLETRAS e o PROFMAT).7
Ilha do Desterro v. 68, nº1, p. 047-059, Florianópolis, jan/abr 2015 51

A existência simultânea de todos esses mecanismos de um olhar atento ao que ocorre no dia a dia dos profes-
formação de professores, quer inicial ou continuada, sores participantes de sua pesquisa: uma formação prá-
aponta para uma realidade já captada pelo radar atento xica,9 por meio da participação em uma comunidade de
de Antônio Nóvoa (2009, p. 28), quando airma que os prática. Dito de outro modo, os professores, nas suas in-
anos 2000 parecem ter marcado a volta do olhar ao pro- terações diárias nos mais diversos espaços do instituto,
fessor como forma de melhorar a educação, após déca- debatem problemas situados e contingentes que, muitas
das em que as pautas principais da educação estiveram vezes, são conjuntamente pensados a partir do recurso
relacionadas com questões técnico-metodológicas de à teoria e ao conceito. Ou seja, não há separação entre
gestão do espaço escolar e institucional. teoria e prática; há, sim, uma prática da qual emergem
Entretanto, essa volta ao professor e à sua formação situações contingentes que demandam relexões de vá-
nos coloca uma questão que não podemos ignorar: o rias ordens, inclusive teóricas e conceituais, que, por
que é ser um bom professor? E a resposta a essa questão um lado, não são generalizáveis, no sentido positivista
nos remete a uma nova pergunta, dela derivada: como do termo, mas, por outro, não caem num buraco negro
formaremos esse bom professor? Evidentemente, as res- histórico e nem são esquecidas, pois servem como base
postas a essas perguntas não são simples nem isentas para situações futuras.
de posicionamentos éticos, políticos, ideológicos e/ou Nesse sentido, os achados etnográicos de Costa
teóricos. Ou seja, as possíveis respostas fatalmente têm (2013) incidem na direção do que tem sido amplamen-
de emergir de um comprometimento a um modo de se te defendido por Nóvoa (2009, p. 28), quando este ano-
entender a história e a História, as relações sociais, a ta que a formação de professores deve passar por dentro
função do professor na sociedade (a que temos e, não da proissão. Nas palavras do autor:
menos importante, a que queremos), as complexas re-
lações entre conhecimento e construção da cidadania, e A formação de professores deve assumir uma
a adesão a certas concepções de ensino e aprendizagem. forte componente práxica, centrada na apren-
dizagem dos alunos e no estudo de casos con-
A recente literatura em formação de professores
cretos, tendo como referência o trabalho es-
tem apontado duas possíveis tendências na resposta colar... Não se trata de adoptar uma qualquer
a essas perguntas: uma privilegia a relexão sobre co- deriva praticista e, muito menos, de acolher
nhecimentos técnicos e outra sobre conhecimentos as tendências anti-intelectuais na formação
de professores (Nóvoa, 2008). Trata-se, sim,
práticos. A primeira tendência entende que o professor de abandonar a ideia que a proissão docente
necessita de conhecimentos técnicos e cientíicos gene- se deine, primordialmente, pela capacidade
ralizáveis, de modo a serem aplicáveis a uma diversi- de transmitir um determinado saber. É esta
dade de contextos (PÉREZ GÓMEZ, 1995) por gene- concepção que tem levado às intermináveis
discussões entre “republicanos”, que apenas
ralização, como recomenda o paradigma positivista de se interessariam pelos conteúdos cientíicos,
ciência. A segunda propõe a necessidade de formarmos e “pedagogos”, que colocariam os métodos de
professores de modo eminentemente prático, isto é, a ensino acima de tudo o resto (adopta-se aqui
a divisão entre “republicanos” e “pedagogos”
partir da vivência do trabalho docente nas comunida-
habitual nas polémicas educativas em França
des de prática em que ele ocorre e em constante con- – ver a tese de doutoramento de Alain Trou-
tato com pares (NÓVOA, 2009; SCHÖN, 2000); desse vé, 2006). Não. O que caracteriza a proissão
modo, o professor em formação pode construir um re- docente é um lugar outro, um terceiro lugar,
no qual as práticas são investidas do ponto de
pertório de casos concretos, situados e particulares, que vista teórico e metodológico, dando origem à
podem servir de referência para a tomada de decisões construção de um conhecimento proissional
futuras em casos similares ou mesmo distintos.8 docente. (NÓVOA, 2009, p. 32)
Em recente e notável trabalho, Costa (2013), a par-
tir de um olhar etnográico para um Instituto Cultural
Brasileiro na capital de um país sul-americano, propõe
52 Simone Sarmento and William Kirsch, Inglês sem Fronteiras: uma mirada ao contexto de prática...

O referencial teórico aqui adotado, de certo modo, TABELA 1: Turmas ofertadas IsF-UFRGS em 2014
foi proposto pelos próprios dados que vimos obtendo Resumo Turmas Turmas Alunos
e em nossas observações ao longo dos últimos meses, das ofertas ofertadas conirmadas conirmados
visto que passamos a entender que o que tínhamos em Oferta 1 60 23 321
mão era uma formação de professores a partir do tra- Oferta 2 40 38 519
balho docente e da relexão teórico-prática sobre este.
Oferta 3 10 10 186
Essa percepção surgiu ao notarmos que a formação de
Oferta 4 10 10 194
professores emergiu como um efeito positivo do pro-
grama, posto que não esteja diretamente explícito nos Oferta 5 22 21 363
objetivos centrais do IsF e deu as tintas com as quais Oferta 6 52 33 548
viríamos a construir nosso mosaico teórico. Oferta 7 27 23 399
Por im, podemos resumir a questão de formação
TOTAL 221 158 2.530
de professores, sob nossa ótica, com as seguintes asser-
ções: (1) acontece a partir do trabalho docente e em Números de turmas e alunos. Fonte: Comitê Gestor IsF/
contato com pares; (2) não é um conhecimento técnico MEC-SESU

no sentido positivista do termo, pois as aprendizagens


que ocorrem, em geral, não podem ser generalizadas Uma questão que tem se demonstrado peculiar em
(removidas de um contexto e empregadas em outro), relação à nossa expectativa é que os cursos preparató-
pois são contingentes e contextuais; (3) porém, essas rios para exames de proiciência tiveram uma procu-
aprendizagens, em seu conjunto, ajudam a construir ra muito baixa, enquanto os cursos de língua de níveis
um repertório que pode servir de base para a tomada mais básicos11 constituíram-se a preferência do maior
de decisão futura, no sentido de (re)produção e (re) número de alunos. Entretanto, os dois mapeamentos do
criação de soluções de modo relexivo e sensível a no- nível de proiciência de nosso público, o nivelamento
vos contextos; (4) nesse sentido, a consciência sobre os no curso online MEO e o resultado dos 5.300 exames
processos de relexão-na-ação propiciados pelo traba- TOEFL ITP aplicados no primeiro semestre de 2014,
lho docente e interação com pares são importantes para apontam que a maioria está entre B1 e B212(de acordo
que se gere inteligibilidade sobre a prática, de modo a com o Quadro Comum Europeu). O quadro abaixo re-
subsidiar ação futura. sume a situação dos alunos da UFRGS no MEO:

3. Cenário de pesquisa: o NucLi-UFRGS TABELA 2: Alunos UFRGS ativos no MEO


Alunos Alunos Alu- Alunos
O NucLi-UFRGS é, no momento da redação deste matriculados nível nos ainda
texto (janeiro/2015), o maior do Brasil. Tem capacidade 2-5 nível 1 inativos

de atender a até 1.100 alunos simultaneamente, e con- Dezembro 7484 4.563 1.204 1.717
2013
ta com o trabalho de 20 professores, cinco auxiliares
administrativos e quatro English Teaching Assistants Outubro 13.362 8.129 1.792 3.441
(ETAs).10 O quadro sinóptico abaixo resume os núme- 2014
ros dos primeiros sete ciclos, todos em 2014, com os
Fonte: Comitê Gestor IsF/MEC-SESU
números de turmas ofertadas, turmas conirmadas e
alunos efetivamente atendidos.
O gráico abaixo resume, de modo mais especíico,
os resultados dos alunos e seus respectivos níveis atri-
buídos:
Ilha do Desterro v. 68, nº1, p. 047-059, Florianópolis, jan/abr 2015 53

vidades que realizam enquanto docentes do programa,


(2) analisar quais atividades esses professores-bolsistas
consideram mais relevantes para seu processo de for-
mação, (3) especiicar a natureza dessas atividades e (4)
relacionar nosso percurso teórico-conceitual no tocan-
te à formação de professores aos entendimentos formu-
lados pelos professores-bolsistas.
Para os ins deste texto, 12 professores do NucLi
UFRGS foram submetidos a um questionário online
feito através do Google Forms e respondido por eles du-
Figura 1: peril de proiciência linguística dos alunos UFRGS rante uma das reuniões semanais. O questionário con-
tinha as seguintes perguntas:
Como o gráico aponta, há mais de 70 por cento de
predominância de alunos de nível B1 e B2. Além dis- 1. Quais atividades você já realizou como professor
so, há uma fatia considerável de alunos do nível máxi- do IsF?
mo avaliado pelo exame, C1, e nenhum aluno no nível
mais básico. Importante ressaltar que se trata de uma 2. Dentre essas, quais você ressaltaria como as que
amostra tendenciosa, pois os participantes não foram mais lhe propiciaram aprendizagens?
escolhidos aleatoriamente seguindo princípios sociais
pré-estabelecidos. Além disso, o exame não se propõe a 3. No âmbito das aprendizagens elencadas acima,
medir o nível C2 e é pouco eicaz para diagnosticar alu- quais você destacaria como mais relevantes para sua
nos de nível A1.13 De modo geral, ainda que o nível dos formação como professor/a de inglês? Por quê?14
alunos do NucLi-UFRGS não seja central para a nossa
análise, pareceu-nos interessante explicitar o peril lin- Os professores não precisavam se identificar, de
guístico dos alunos desses professores-bolsistas que são modo que pudessem se sentir mais confortáveis para
alvo de nossa investigação. responder sem o receio de que seriam avaliados por
Em suma, o NucLi-UFRGS, no momento de re- suas coordenadoras. O número de linhas para a res-
dação deste texto, era o maior do país, o que signiica posta era livre e eles tiveram aproximadamente 30
que os professores-bolsistas que nos serviram de par- minutos para responderem às três questões. As res-
ticipantes de pesquisa tinham um grande número de postas foram numeradas e editadas de modo a cor-
alunos e de pares com quem interagir, diferentemente rigir pequenos erros de digitação e linguagem, que
do que acontece em diversos outros cenários em que o creditamos à rapidez da digitação e ao pouco tem-
professor de inglês encontra-se isolado de seus pares. po que os participantes tiveram para responder ao
Além disso, o fato de uma grande parcela dos alunos do questionário. Por fim, as respostas foram tratadas e
NucLi-UFRGS serem de nível intermediário ou inter- categorizadas de modo a serem de mais fácil apre-
mediário-superior (B1 e B2) implica, além do desaio sentação para o leitor a partir de critérios específicos
pedagógico, um desaio linguístico. estabelecidos a posterióri, que serão explicitados na
análise. As respostas cujas formulações creditamos
4. Metodologia como muito similares foram agrupadas em torno
de apenas uma resposta, a que julgamos mais repre-
Este trabalho está inserido na tradição de pesquisa sentativa da mediana das demais e, por conseguinte,
qualitativa de cunho interpretativo (MASON, 1996) e mais prototípica da formulação.15
tem como objetivos: (1) identiicar, conforme a percep-
ção dos professores-bolsistas do NucLi-UFRGS, as ati-
54 Simone Sarmento and William Kirsch, Inglês sem Fronteiras: uma mirada ao contexto de prática...

5. “Na prática temos que lidar com questões que aprendido. O quadro abaixo resume as respostas, tam-
nem mesmo a mais completa preparação teórica bém evitando repetições.
nos responde e temos a possibilidade de ensinar e
aprender”, ou breve análise dos dados • Dentre essas, quais você ressaltaria como as que
mais lhe propiciaram aprendizagens?
Analisando o conjunto de respostas à primeira
pergunta, podemos notar que as respostas são bastante 1. Participar das reuniões pedagógicas
parecidas, sendo muito comum respostas idênticas. O 2. Dar aulas
quadro abaixo mostra um resumo das atividades men- 3. Planejar aulas
cionadas pelos professores: 4. Planejar oicinas/palestras
5. Planejar aulas em grupo
• Quais atividades você já realizou como professor 6. Discutir textos nas reuniões pedagógicas
do IsF?16
Novamente os professores selecionaram ativida-
1. Dar aulas des diretamente vinculadas ou ao menos relacionadas
2. Preparar aulas à proissão de professor: como planejar (resposta 3) e
3. Preparar palestras lecionar aulas oicinas e palestras (respostas 3 e 4), bem
4. Ministrar palestras como atividades colaborativas relacionadas à relexão
5. Participar de reuniões sobre as aulas, tanto de modo mais voltado à prática pe-
6. Preparação de oicinas sobre aprendizagem de in- dagógica, como é o caso da resposta número 5, como à
glês (reading, listening, movies, music, etc.) relexão sobre essa prática, realizado em conjunto pelo
7. Escrita de material para a página do Facebook grupo, como é o caso das respostas de números 1 e 6.
8. Escrita de relatórios Isso se alinha às asserções com que resumimos a seção
9. Atendimento de alunos MEO que delineia nossas adesões teórico-conceituais acerca
10. Elaboração de material didático da formação docente: aprende-se a ser professor a par-
11. Orientação aos alunos na escrita do Statement of tir da prática docente e da relexão sobre essa prática.
Purpose (SCHÖN, 2000)Nesse sentido, pode-se airmar que os
participantes de pesquisa, em suas respostas, parecem
Poderíamos categorizar as atividades em três partilhar desse entendimento que usamos para nortear
grupos: (1) diretamente vinculadas ao trabalho do- nossa compreensão sobre formação docente.
cente; (2) relacionadas ao trabalho docente; (3) não Todos os 12 participantes mencionaram as Reu-
relacionadas ao trabalho docente; as repostas 1, 2, 3, niões Pedagógicas. Podemos especular que essa esco-
4, 6 e 10 estariam na primeira categoria; as respos- lha deva-se a uma peculiaridade: é o momento em que
tas 5, 8, 9 e 11 na segunda; e a resposta 7 na terceira. as questões emergentes da prática dos professores po-
Do conjunto de respostas, podemos ver que a maioria dem ser discutidas em grande grupo, com a mediação
dos participantes salientaram atividades diretamente de pares muito mais experientes: as coordenadoras do
vinculadas ou ao menos relacionadas ao trabalho do- IsF-UFRGS. Isto é, a reunião também é um momento
cente. Isso não é em nada surpreendente, posto que de recurso à teoria, à literatura da área e ao conceito,
estão inseridos em um programa no qual devem efeti- pois nas reuniões ocorrem discussões sobre textos es-
vamente atuar como professores, acarretando, assim, colhidos pelas coordenadoras para servirem de sub-
as funções inerentes ao ofício. sídio tanto nas discussões de grande grupo, como nas
A segunda pergunta solicita que os professores, preparações de aula em pequenos grupos e individual-
desde sua perspectiva, elenquem as atividades que mente, e na atuação de cada um na sala de aula. Desse
tenham considerado aquelas com que mais tenham modo, a menção às reuniões pode ser correlacionada à
Ilha do Desterro v. 68, nº1, p. 047-059, Florianópolis, jan/abr 2015 55

geração conjunta de inteligibilidades sobre problemas 5. As reuniões, pois conseguimos discutir questões
especíicos de sala de aula, ao recurso ao conceito e à relevantes para o ensino de inglês dentro do con-
teoria para iluminar esses problemas, o que é sugerido texto em que estamos inseridos.
em várias das respostas.
Na última pergunta, os professores puderam expli- 6. A experiência em sala de aula e conhecimento teó-
citar os motivos pelos quais escolheram determinadas rico (reuniões pedagógicas). Também acho impor-
atividades em detrimento de outras, relacionando as tante a troca de atividades entre os colegas.
atividades com entendimentos acerca de sua formação
que parecem estar articuladas com o enfoque teórico- 7. Nas palestras informativas e sobre o IELTS e agora
-conceitual que optamos para dar conta desses dados. como professora em sala de aula, aprendo muito
Todas as repostas sugerem que os três eixos do que sobre preparação de material didático, mesmo que
chamamos de trabalho docente sejam percebidos pelos eu use um livro didático no curso que ministro,
professores-bolsistas como relevantes para sua forma- tenho que preparar a aula pensando nas possíveis
ção como docentes: (1) prática docente, (2) relexão dúvidas, pensando em materiais extra que possam
sobre a prática e (3) produção de inteligibilidade para ajudar os alunos, qual “approach” devo fazer para
subsidiar prática futura. cada exercício. Nas palestras, também tive que pes-
quisar bastante e me apropriar daquilo que eu de-
• No âmbito das aprendizagens elencadas acima, via apresentar, o que fez eu aprender também.
quais dessas você destacaria como mais relevan-
tes para sua formação como professor/a de inglês? 8. Acho que participar da elaboração de uma súmu-
Por quê?17 la de disciplina como izemos para o TOEFL iBT
foi bem proveitoso, pois foi uma experiência nova
1. As reuniões pedagógicas, quando possuem foco num ambiente novo. Sendo que considero este tipo
pedagógico, pois possibilitam pensar nas ativida- de curso uma nova tendência de mercado o que
des docentes. Ministrar aulas, pois possibilitam nos valoriza como proissionais. Poderia citar tam-
colocar em prática uma série de aprendizados ad- bém a experiência como aplicador TOEFL.
quiridos no decorrer da graduação.
9. O planejamento das aulas e ministrá-las poste-
2. A preparação de palestras/ oicinas, pelo fato de riormente. É uma aprendizagem fundamental, e já
termos que selecionar material, adequá-lo às ne- noto que de aula em aula as coisas vão melhoran-
cessidades do público-alvo e apresentar o conteú- do, em decorrência da prática e das experiências
do de forma didática e atraente. prévias.

3. Ambas (preparar e ministrar aulas). Tanto o pla- 10. Realmente, o que parece ser mais relevante no meu
nejamento de aulas, pois é o momento em que me desenvolvimento com professor de inglês, e prin-
preparo, quanto dar aula, pois muitas vezes me de- cipalmente como professor, é ter que lidar com o
paro com situações que fogem do que foi planejado. contexto de ensino. Não posso ser um bom pro-
fessor se não sei enfrentar adequadamente as di-
4. As reuniões porque aprendi coisas relacionadas à iculdades impostas pelo contexto de cada aula e,
burocracia do programa e preparar aulas porque também, ser capaz de elaborar soluções para cada
pude discutir atividades com meus colegas e trocar problema que surgir.
experiências sobre dar aula e coisas que funcionam
ou não em sala de aula. 11. As monitorias e as aulas presenciais são as que
trazem maior conhecimento. Na prática temos que
56 Simone Sarmento and William Kirsch, Inglês sem Fronteiras: uma mirada ao contexto de prática...

lidar com questões que nem mesmo a mais com- e os cenários da vida cotidiana que dão vida às políticas
pleta preparação teórica nos responde e temos a públicas (BALL, 1994), revelam o potencial do progra-
possibilidade de ensinar e aprender, com os alunos. ma IsF para a formação de professores. Esse resultado,
Depois disso são as aulas palestras e as reuniões em ainda que preliminar, evidencia a riqueza desse contex-
si. Mas sem dúvida a maior fonte de aprendizagem to e sugere que trabalhos com formação docente devem
são as aulas. partir da vivência do trabalho docente nas comunidades
de prática em que ele ocorre e em constante contato com
12. A prática da sala de aula certamente é a atividade pares (NÓVOA, 2009; SCHÖN, 2000).
que mais contribui para a formação docente, estar
envolvido com os alunos, no processo de ensino Considerações inais
e aprendizagem. As reuniões e acompanhamento
das coordenadoras são essenciais porque através A partir do que os dados expõem, de modo ainda
destes podemos garantir a qualidade das aulas. preliminar, acreditamos que os processos de formação
de professores no NucLi-UFRGS vêm se aproximando,
As respostas 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9 e 11 estão dire- de certo modo, à proposta que Nóvoa (2009, p. 34) faz
tamente relacionadas ora a aspectos de preparação de a partir da observação de alunos de medicina em uma
aulas, elaboração de materiais didáticos e preparação de escola hospital. Nas palavras do autor:
palestras, ora a seu ensino e apresentação a alunos (quer
seja dos cursos, quer das palestras). Ou seja, aspectos tive a oportunidade, recentemente, de acom-
da prática docente, como preparar e ministrar aulas e panhar um grupo de estudantes e professores
de Medicina num hospital universitário. Do
palestras, são indicados pelos participantes como fon-
que pude observar, quero chamar a atenção
tes de aprendizagem e formação. para quatro aspectos: i) o modo como forma-
Nas respostas 1, 5 e 12, aspectos vinculados à re- ção se realiza a partir da observação, do estudo
lexão sobre aspectos inerentes à prática docente são e da análise de cada caso; ii) a identiicação de
aspectos a necessitarem de aprofundamentos
salientados. As reuniões pedagógicas, como não é de teóricos, designadamente quanto à possibi-
se espantar, parecem ser o momento institucionalizado lidade de distintas abordagens de uma mes-
para essa relexão sobre questões teórico-conceituais e ma situação; iii) a existência de uma relexão
também para a qualiicação da compreensão de ques- conjunta, sem confundir os papéis de cada um
(chefe da equipa, médicos, internos, estagiá-
tões emergentes da prática e a ela inerentes. rios, etc.), mas procurando mobilizar um co-
Gostaríamos de salientar, contudo, as respostas 2, nhecimento pertinente; iv) a preocupação com
3, 9 e 10, pois elas parecem ser reveladoras da relação questões relacionadas com o funcionamento
dos serviços hospitalares e a necessidade de in-
relexiva com a prática que entendemos intrínseca à
troduzir melhorias de diversa ordem. Estamos
participação em um programa como os IsF. Nessas res- perante um modelo que pode servir de inspira-
postas, pode-se argumentar, os professores articulam ção para a formação de professores. Os quatro
suas experiências ao aprimoramento em sua compe- aspectos acima mencionados encerram quatro
lições importantes. Em primeiro lugar, a refe-
tências de adequar o material ao público alvo, resolver rência sistemática a casos concretos, e o desejo
questões não antevistas no planejamento, melhorar prá- de encontrar soluções que permitam resolvê-
ticas futuras a partir das experiências, elaborar soluções -los. Estes casos são “práticos”, mas só podem
a cada problema que surgir e lidar adequadamente com ser resolvidos através de uma análise que, par-
tindo deles, mobiliza conhecimentos teóricos.
questões práticas que nem a mais completa preparação A formação de professores ganharia muito se
teórica dê conta. Ora, o que não são essas competências se organizasse, preferentemente, em torno de
se não aquelas que esperamos de professores relexivos? situações concretas, de insucesso escolar, de
problemas escolares ou de programas de acção
Portanto, os dados relativos aos professores, em con-
educativa. (NÓVOA , 2009, p. 34)
vergência com a compreensão de que são a prática social
Ilha do Desterro v. 68, nº1, p. 047-059, Florianópolis, jan/abr 2015 57

Nos dados, podemos notar que as respostas dos fontes de dados e, sobretudo, com dados etnográicos
professores-alunos estão eminentemente vinculadas gerados diretamente no setting, que façam descrição
a sua atuação em sala de aula. Todos eles, de modo densa e análise das atividades que constroem a prática
mais ou menos direto, citam a atuação em sala de aula do NucLi-UFRGS do qual o questionário apenas repre-
como sua maior fonte de aprendizagem. Além disso, senta a ponta do iceberg. Entendemos, entretanto, que a
muitos deles citam a preparação de aulas, palestras e riqueza deste texto está no destacamento do tema para
ementas de curso como uma das atividades centrais o cenário da formação docente. Talvez a boa nova é que
no seu processo de desenvolvimento como docente. esta pesquisa já está em curso, e poderemos, em breve,
Vários outros também mencionam a discussão dos retomar esta conversa uma oitava acima.
textos escolhidos para as reuniões pedagógicas, que
Notas
tratam de problemas relacionados ao tipo de aula que
dão. Isso, acreditamos, coaduna-se, de certo modo, 1. Em 14 de novembro de 2014, através da Portaria N-
973 publicada no DOU (p.11, seção 1), foi instituído o
com o compromisso de se trazer a proissão e o traba-
Programa Idiomas sem Fronteiras, que amplia o Inglês
lho docente para dentro da formação de professores, sem Fronteiras tanto no número de línguas a serem
e desterritorializa a já gasta dicotomia teoria-prática, oferecidas quanto na sua atuação, que busca agora, além
como apontado por Nóvoa, para um fazer em que teo- de outros aspectos, “fortalecer o ensino de idiomas no
país, incluindo o da língua portuguesa, e, no exterior, o
ria e prática se integram a partir de experiências con- da língua portuguesa e da cultura brasileira.”
cretas vivenciadas desde dentro do trabalho docente.
2. E não necessariamente para o mercado de trabalho.
Nesse sentido, pois, há o recurso ao conceito, ao texto O termo “Trabalho” aqui está mais aliado a um
e à prática, instanciados pelos casos concretos viven- entendimento marxista da atividade de intervir no
ciados no cotidiano do trabalho docente. mundo em que vivemos do que na venda da nossa
força produtiva.
Assim, acreditamos que o IsF possa ser um lugar
promissor de formação inicial ou da continuada; um 3. Termo utilizado por Nóvoa (2009, p. 29).
terreno fértil para a formação do professor relexivo e 4. O grupo de professores bolsistas conta com uma aluna
de pós-graduação (doutorado) e dezenove graduandos
crítico; um contexto de aprendizagens sobre os que-
e graduandas de diversas etapas, sendo que a maioria
fazeres da nossa proissão; um contexto a mais para deles entre o meio e o im do curso de graduação em
os cursos de licenciatura nas universidades formarem letras inglês (ou inglês- português). Ou seja, é possível
futuros proissionais mais conscientes de seus fazeres; airmar que na maioria dos casos trata-se de formação
inicial de professores.
um contexto a mais para os professores aprenderem
a ensinar a partir e dentro de seu contexto de prática. 5. Embora Ball (1994) formule também o contexto de
inluência política, este não será foco do presente
Nesse sentido, nossa relexão vai ao encontro do que trabalho e, portanto, não será descrito de modo mais
tem proposto o educador António Nóvoa, propondo pormenorizado.
que o IsF pode ser uma das tantas possíveis vias para 6. http://www.mec.gov.br/
que a formação teórica e conceitual do professor faça
7. Quando da redação deste texto, em março de 2015.
sentido para além do conceito, como ocorre na forma-
8. Neste caso, o foco não é na possibilidade de se
ção dos médicos. generalizar técnicas abstratas, mas, sim, de construir
Este estudo, ao mesmo tempo em que contribui a capacidade de se (re)criar e (re)produzir soluções
para o redimensionamento de uma política pública anteriores, com sensibilidade, criatividade e
relexividades.
brasileira na medida em que revela o potencial do pro-
grama IsF para a área de formação de professores, apre- 9. Termos propostos por nós a partir da leitura do
trabalho sob a lente da terminologia proposta por
senta limitações em razão de sua característica explo-
Nóvoa (2009). Signiica basicamente que, nos dados
ratória. Os dados, advindos de uma única fonte, quer do pesquisador, há uma aparente superação do
seja, um questionário, demonstram certa fragilidade. falacioso binômio teoria x prática, na medida em
Reconhecemos a necessidade de um estudo com mais que, na atuação dos professores e em suas interações
58 Simone Sarmento and William Kirsch, Inglês sem Fronteiras: uma mirada ao contexto de prática...

cotidianas no instituto, problemas de ordem prática processos de Internacionalização no programa Inglês


ganham contornos relexivos práticos ou teórico- sem Fronteiras. ABRAPUI, IV, Maceió-AL, 2014
técnicos, dependendo da contingência sendo tratada. (conferência em mesa-redonda).
10. O Programa English Teaching Assistants (ETAs), ou BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo
programa de Professores Assistentes de Língua Inglesa Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010 .
é uma parceria CAPES/ Fulbright que seleciona e BALL, S. J. Education reform: a critical and post
patrocina bolsistas para atuarem em universidades structural approach. Buckingham: Open University
brasileiras com o intuito de atuar nos programas deno Press, 1994.
desenvolvimento da proiciência em língua inglesa do BOWE, R.; BALL, S.; GOLD, A. Reforming education
público academico. & changing schools: case studies in policy sociology.
London: Routledge, 1992.
11. Voltados ao MEO 2 e 3. http://www.myenglishonline.
com.br/. É a plataforma online e gratuita escolhida COSTA, E. C. Práticas de formação de professores de
pelo MEC para o nivelamento dos estudantes e como Português Língua Adicional em um instituto cultural
mecanismo de autoestudo, para estudantes de IES brasileiro no exterior. Porto Alegre: PPGLET UFRGS,
públicas e estudantes de IES privadas que tenham Dissertação de Mestrado, 2013.
atingido 600 pontos no ENEM. O MEO é dividido em DELLAGNELO, A. Aprendizagem e desenvolvimento de
5 níveis, sendo nível 1 iniciante e nível 5 avançado. docentes: a percepção de dois professores iniciantes. In:
12. O quadro comum europeu é dividido em A1 e A2 Formação de professores, ensino de inglês e processos de
(iniciante e básico), B1 e B2 (intermediário e usuário Internacionalização no programa Inglês sem Fronteiras.
independente), e C1 e C2 (proiciência operativa eicaz ABRAPUI, IV, Maceió-AL, 2014 (conferência em
e domínio pleno), conforme http://www.coe.int/t/dg4/ mesa-redonda).
linguistic/source/framework_en.pdf. GIDDENS, A. As consequências da modernidade. São
13. Isso tem saltado ao olhos, na medida em que o Paulo: Editora Unesp, 1991.
número de alunos classiicados como A1 pelo exame GIMENEZ, T. A ausência de políticas para o ensino
é proporcionalmente menor do que pelo teste de de língua inglesa nos anos iniciais no Brasil. In
nivelamento do MEO. O fato de não haver mais turmas NICOLAIDES, C. ET AL. (orgs.). Política e Políticas
de nível A1 na maioria dos NucLi após os TOEFL Linguísticas. Campinas: Pontes, 2013, 199-218.
ITP ter substituído o MEO como mecanismo de
nivelamento e porta de entrada aos cursos presenciais MAINARDES, J. Abordagem do ciclo de políticas: uma
do IsF parece ratiicar esse entendimento contribuição para a análise de políticas educacionais.
Educação e Sociedade, Campinas, v. 27, n. 94, 47-69,
14. As perguntas podem ser visualizadas em https://docs. 2006.
google.com/forms/d/1jwj2PXP8hFko8fHczR4qxtjyye
FJ8LkridzWm_OlkmA/edit MASON, J. (1996). Qualitative Researching. Londres: Sage.
15. As respostas podem ser visualizadas acessando NÓVOA, A. Professores: imagens do futuro presente.
https://docs.google.com/spreadsheet/ Lisboa: Educa, 2009. (PDF)
ccc?key=0AuSjOg48RG_-dGNnN2pHV2hlNFNUQz PAULILO, A. L. A pesquisa em políticas públicas de
NUdjljOXNZbnc&usp=drive_web#gid=0 educação numa perspectiva histórica. In: Revista
16. Respostas apresentadas da mais frequente para a Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 91, n. 229,
menos frequente. set./dez. 2010, 481-510.
17. Respostas apresentadas na ordem em que estão na PERÉZ GOMEZ, O Pensamento prático do professor: a
tabela do Google Forms. formação do professor como um proissional relexivo.
In. NÓVOA, A. (org.). Os professores e sua formação. 2
ed. Lisboa: Dom Quixote, 1995, 93-114.
Referências
SARMENTO, S; KIRSCH, W. Inglês sem Fronteiras
ABREU E LIMA, D. O programa Inglês sem Fronteiras e na UFRGS. In Encontro Nacional do Projeto Novos
a inserção das línguas nas políticas institucionais. In: Letramentos, 5a Edição. São Paulo, SP: USP, 2014a.
Public policies in the teaching of languages in Brazil. SARMENTO, S.; KIRSCH, W. O Contexto de Prática do
ABRAPUI, IV, Maceió-AL, 2014 (conferência em NucLi UFRGS: eventos de formação de professores. In:
mesa-redonda). Formação de professores, ensino de inglês e processos de
AUGUSTO-NAVARRO, E. H.; GATTOLIN, S. R. B. Internacionalização no programa Inglês sem Fronteiras.
Transpondo fronteiras na formação de professores de ABRAPUI, IV, Maceió-AL, 2014b (conferência em
inglês. In: Formação de professores, ensino de inglês e mesa-redonda).
Ilha do Desterro v. 68, nº1, p. 047-059, Florianópolis, jan/abr 2015 59

SCHÖN, D. Educando o proissional relexivo: um novo


design para o ensino e aprendizagem. Porto Alegre:
ARTMED, 2000.
WELP, A. K. S.; SARMENTO, S.; KIRSCH, W. A
construção da identidade do professor no Programa
Inglês sem Fronteiras. In: Public policies in the teaching
of languages in Brazil. ABRAPUI, IV, Maceió-AL, 2014
(conferência em mesa-redonda).
WENGER. E. Communities of Practice: Learning, Meaning,
and Identity. Cambridge, UK: Cambridge University
Press, 2000.
Recebido em: 03/01/2015
Aceito em: 22/02/2015

Вам также может понравиться