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Entrevistas
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, Michael Löwy comenta a influência do
pensamento marxista weberiano na formação dos intelectuais brasileiros, especialmente por conta do
desenvolvimento do “catolicismo de esquerda” na América Latina, e assegura que “o Brasil é
talvez o país do mundo onde as ideias marxistas, na sua pluralidade e diversidade conflitiva, têm tido
o maior desenvolvimento no campo da filosofia e das ciências sociais (sociologia, ciência política,
história, etc.). Esta presença de Marx e dos marxistas se manifesta não só nas universidades, mas de
forma mais ampla em partidos de esquerda, sindicatos combativos, movimentos sociais urbanos ou
rurais, comunidades de base cristãs, etc.”.
Löwy é Cientista Social e leciona na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, da Universidade
de Paris. Entre sua vasta obra, destacamos Ideologias e Ciência Social. Elementos para uma análise
marxista (São Paulo: Cortez, 1985), As aventuras de Karl Marx contra o Barão de
Münchhausen (São Paulo: Cortez, 1998), A estrela da manhã. Surrealismo e marxismo (Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002), Walter Benjamin: Aviso de Incêndio. Uma leitura das
teses “Sobre o conceito de história” (São Paulo: Boitempo, 2005) e Lucien Goldmann, ou a
dialética da totalidade (São Paulo: Boitempo, 2005).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o senhor entende o conceito de afinidade eletiva para explicar a relação
entre a ética protestante e o espírito do capitalismo?
Michael Löwy - Weber usa este conceito, Wahlverwandtschaft — que tem sua origem na alquimia,
antes de ser reformulado por Goethe, em sua novela As afinidades eletivas —, para designar uma
relação de causalidade mútua, reforço recíproco ou mesmo osmose, entre uma ética religiosa, o
protestantismo ascético, e o espírito do capitalismo. Quanto mais o indivíduo, no século 18-19, era um
calvinista fervoroso, mais chances teria de se tornar um capitalista, e vice-versa. É um dos aspectos
metodológicos mais importantes da sociologia de Weber.
IHU On-Line - Por quais razões entende que Weber não se referiu a uma ética católica e
tampouco seus estudos tratam do catolicismo em alguma dimensão, tendo em vista que o
catolicismo é uma das bases fundamentais da racionalidade ocidental?
Michael Löwy - Boa pergunta! Não estou seguro de ter a reposta. É realmente paradoxal que Weber,
que dedicou estudos aprofundados ao confucionismo e ao hinduísmo, praticamente ignorou uma das
principais religiões da Alemanha. Seria a tradicional hostilidade da cultura protestante ao
catolicismo? Ou talvez a dificuldade de encaixar o catolicismo em seu esquema sobre as origens
ocidentais da racionalidade moderna? É um tema para pesquisas futuras.
IHU On-Line - Alguns intelectuais têm tratado o capitalismo na contemporaneidade como sendo
a nova religião. O que o senhor entende por capitalismo como religião?
Michael Löwy - Walter Benjamin escreveu em 1921 um fragmento intitulado “O capitalismo como
religião”; se trataria de uma religião cujas divindades — como o dinheiro — são objeto de um culto
fervoroso, que torna todos os indivíduos endividados e culpados, levando o planeta Humanidade à
“Casa do Desespero”. Na América Latina, teólogos da libertação, como Hugo Assmann e Jung
Mó Sung, têm analisado o capitalismo como “idolatria do mercado” e religião mortífera exigindo
sacrifícios humanos. Parece-me muito sugestiva esta reflexão.
IHU On-Line - Que aproximações evidencia no pensamento de Max Weber e Karl Marx em
relação ao capitalismo?
Michael Löwy - Os dois percebem que no capitalismo existe uma inversão perversa entre fins e
meios. A acumulação de dinheiro e de capital não é um meio para satisfazer necessidades sociais ou
para a felicidade dos indivíduos, mas um fim em si. Os dois também observam que no capitalismo os
indivíduos são dominados por abstrações reificadas. O diagnóstico de ambos tem vários pontos em
comum, a grande diferença é que Weber é um fatalista resignado — “o capitalismo é nosso destino”
—, enquanto Marx aposta numa alternativa emancipadora ao capitalismo.
Michael Löwy - Marxistas weberianos são os pensadores que, partindo de uma análise marxista e de
um compromisso político socialista, buscam integrar em sua reflexão conceitos e argumentos de Max
Weber. É o caso de Geórg Lukács, da Escola de Frankfurt, de Merleau-Ponty e alguns outros. O
termo foi cunhado por Maurice Merleau-Ponty, em seu livro Les aventures de la dialectique
(1955).
Michael Löwy - Na obra de 1955 que mencionamos, Merleau-Ponty se identifica com o marxismo
weberiano, mas o único exemplo que ele dá é Geórg Lukács. Graças a Weber, argumenta M-Ponty,
o marxismo pode se libertar do peso da visão determinista da história. Mas em seus escritos
posteriores desaparece esta definição.
Michael Löwy - Habermas vai se formar no marxismo weberiano da Escola de Frankfurt, mas
pouco a pouco seus escritos vão se afastar desta matriz. Desenvolvendo uma crítica radical tanto de
Marx como de Weber, Habermas rompe com esta problemática para desenvolver uma visão liberal
da racionalidade comunicativa como solução dos conflitos sociais.
IHU On-Line - Qual a influência fundamental do marxismo weberiano nas Ciências Humanas?
Michael Löwy - Os pensadores desta sensibilidade vão estar entre os críticos mais radicais da
civilização capitalista, no campo da filosofia e das ciências humanas. Conceitos como
reificação (Lukács) ou racionalidade instrumental (os Frankfurtianos) são exemplos desta
negatividade crítica.
Michael Löwy - O Brasil é talvez o país do mundo onde as ideias marxistas, na sua pluralidade e
diversidade conflitiva, têm tido o maior desenvolvimento no campo da filosofia e das ciências sociais
(sociologia, ciência política, história, etc). Esta presença de Marx e dos marxistas se manifesta não só
nas universidades, mas de forma mais ampla em partidos de esquerda, sindicatos combativos,
movimentos sociais urbanos ou rurais, comunidades de base cristãs, etc. Como o ilustram os exemplos
acima mencionados, o marxismo weberiano é uma das múltiplas expressões destas ideias no campo
intelectual brasileiro.