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NATAL/RN
2016
MARIANO PAGANINI LAURIA
NATAL/RN
2016
Catalogação da Publicação na Fonte
UFRN/Biblioteca Setorial do CCSA
Presidente: ________________________________________________
Membro: ________________________________________________
Membro: ________________________________________________
Despite the scientific denial of human classification into biological races, racial
discrimination is perceived as a social issue. Thanks to the belief of a racial democracy,
racism was, for many years in Brazil, a widespread practice that resulted from the
multicultural background of the Brazilian people (which is a mixture of native indians, the
Portuguese European and African slaves). As a result, anti-discriminatory policies ended up
being pushed out of the government’s agenda. Nonetheless, sociological studies have shown,
inexorably the opposite; discrimination by “race”/skin color is a social virus that widely
spread through Brazilian society and as such, the black population became subordinate and
alienated from social achievements. For this reason, seeking to effectively safeguard the right
to equality through banning racial discrimination, the 1988 Brazilian Federal Constitution
broke new grounds, criminalizing racial discrimination, as an ultimate State responsibility
enforced by the legislator. Criminal laws then emerged, proscribing discriminatory behavior.
Nevertheless, despite the undeniable relevance of such legal mechanisms, criminal laws were
not sufficient to prevent this multifaceted and complex social phenomenon (racism) and for
this reason, the main goal became to analyze the evolution of the dogmatic process of
constitutional realization of the right to equality, in the context of racial non-discrimination, to
find theoretical paths able to provide improvement on this matter. It has been noted, through
this research, the need for improvement of public policies that provide both economic
redistribution of wealth, as well as the recognition to the status, values and culture of black
people, to allow and promote the emancipation of this part of the population (now already
majority) and to leave behind once and for all, the shadow of slavery..
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................ 11
2 CONTORNOS ESTRUTURAIS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A MULTIFUNCIONALIDADE
............................................................................................................................................................................... 15
2.1 DESTINATÁRIOS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: A QUESTÃO DA EFICÁCIA HORIZONTAL
.......................................................................................................................................................................... 16
2.1.1 No direito comparado: o tratamento na Alemanha e nos Estados Unidos da eficácia horizontal ..... 17
2.1.2. A experiência brasileira acerca da teoria horizontal dos direitos fundamentais ............................... 20
2.2 O DUPLO CARÁTER DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIMENSÕES SUBJETIVA E OBJETIVA 25
2.2.1 O dever estatal de tutela aos direitos fundamentais ............................................................................ 27
2.2.2 A proibição de insuficiência e as dificuldades metodológicas de estabelecimento de seus parâmetros
...................................................................................................................................................................... 29
3 O DIREITO À IGUALDADE NO PARADIGMA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
COMO FUNDAMENTO DA ANTIDISCRIMINAÇÃO ................................................................................. 32
3.1 CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA POLÍTICA AO TEMA DA IGUALDADE ..................................... 34
3.2. O DIREITO DA ANTIDISCRIMINAÇÃO ............................................................................................... 38
3.2.1 Discriminação e preconceito: conceituação jurídica de discriminação, definição e abordagem
psicológica de preconceito, conceitos correlatos (estereótipo e estigma) .................................................... 43
3.2.2 Antidiferenciação e anti-subordinação, discriminação direta e indireta (teoria da discriminação por
impacto desproporcional): conceitos-chave do direito da antidiscriminação ............................................. 47
4 O MANDADO EXPRESSO DE CRIMINALIZAÇÃO DO RACISMO: A CONSTITUIÇÃO PENAL . 51
4.1 APONTAMENTOS SOBRE TEORIA GERAL DOS DEVERES FUNDAMENTAIS .............................. 53
4.1.1 Deveres de criminalização................................................................................................................... 57
4.1.2 O mandado expresso de criminalização previsto no artigo 5º, inciso XLII da Constituição Federal 60
5 RACISMO COMO FENÔMENO SOCIAL E SEU TRATAMENTO JURÍDICO-PENAL: A
METAMORFOSE DA QUESTÃO RACIAL NO BRASIL ............................................................................ 65
5.1.1 O racismo biológico ............................................................................................................................ 66
5.1.2 A miscigenação supostamente redentora: o surgimento da democracia racial .................................. 68
5.1.3. Desconstruindo o mito: o racismo à brasileira .................................................................................. 70
5.1.4. As contribuições teóricas de Antônio Sérgio Alfredo Guimarães: redefinição do conceito de
“classe”, o preconceito de “cor” e o resgate da “raça” como termo construído socialmente ................... 73
5.2 A DOGMÁTICA JURÍDICA DO RACISMO NO BRASIL ....................................................................... 76
5.2.1 Análise da concretização infraconstitucional do mandado de criminalização inserido no artigo 5º,
inciso XLII, da Constituição Federal de 1988 .............................................................................................. 78
5.2.2 A injúria racial ................................................................................................................................... 80
5.2.3 Considerações sobre a tutela penal ao crime de racismo ................................................................... 82
5.2.4 O caso Ellwanger como paradigma no tratamento jurisprudencial do tema ...................................... 84
6 PARA ALÉM DO MANDADO EXPRESSO DE CRIMINALIZAÇÃO DO RACISMO: PROPOSTAS
TEÓRICAS DE ENFRENTAMENTO DA PROBLEMÁTICA ..................................................................... 89
6.1 AXEL HONNETH E A LUTA POR RECONHECIMENTO ...................................................................... 89
6.2 CONCEPÇÃO BIDIMENSIONAL DA JUSTIÇA SOCIAL: REDISTRIBUIÇÃO E
RECONHECIMENTO...................................................................................................................................... 93
6.3 DEVERES FUNDAMENTAIS DOS PARTICULARES E JUSTIÇA BIDIMENSIONAL: UMA
CONEXÃO NECESSÁRIA .............................................................................................................................. 99
7 CONCLUSÃO ................................................................................................................................................ 105
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................................ 109
11
1 INTRODUÇÃO
1
Pela primeira vez na história do Brasil, o censo indicou que a população negra e parda é a maioria no país:
50,7% de um total de 190.732.694 pessoas. O Censo 2010 revelou que a maior parte da população negra
concentra-se no Norte e Nordeste do país e sofre a maior taxa de analfabetismo na faixa etária acima dos 15 anos
(entre 24,7% e 27,1%). Censo demográfico 2010. Características gerais da população. Rio de Janeiro: IBGE,
2012. Disponível em: <https://pt.globalvoicesonline.org/2011/11/24/brasil-censo-populacao-negra/>. Acesso em:
07 maio 2014.
12
reflexão teórica, posto que não há igualdade fática sem liberdade e distribuição igualitária de
recursos e oportunidades, abordando, ainda, o direito da antidiscriminação (e seus conceitos
derivados) que maneja suporte dogmático ao fito de impedir as práticas tidas como racistas.
Em seguida, analisaremos a relação fundamentadora entre a Constituição Federal e o
Direito Penal, além de desenvolvermos uma breve teoria geral dos deveres fundamentais,
categoria essa – na qual estão inseridos os mandados de criminalização – tão fascinante
quanto esquecida pelos manuais e obras que se dedicam ao estudo do Direito Constitucional.
Após, abordaremos a fisionomia dogmática do mandado expresso de criminalização do
racismo e sua conformação jusfundamental.
Ato contínuo, procederemos a uma investigação sociológica do racismo no afã de
demonstrar que tal fenômeno passou por uma metamorfose de tratamento no Brasil, iniciando
por uma fase “científica”, passando por um otimismo ufanista e findando em estudos mais
críticos e realistas, conectados à verdade dos fatos socialmente demonstráveis. Além disso,
faz-se imperiosa a análise jurídico-dogmática do tratamento legislativo infraconstitucional
afeto ao racismo, notadamente a fim de verificar a suficiência (ou não) do direito penal como
principal política estatal de combate à discriminação racial.
Por derradeiro, será apresentada mais uma proposta teórica à luz da filosofia social e
política crítica, notadamente a partir dos aportes de autores contemporâneos (Axel Honneth e
Nancy Fraser) identificados com as chamadas “teorias do reconhecimento”, pois entendemos
que estas podem pavimentar importantes alternativas emancipatórias à adoção de mecanismos
aptos à diminuição do problema racial, para, então, finalizar articulando algumas
considerações finais - em estilo de síntese – do quanto constatado no decorrer da presente
pesquisa.
Outrossim, cumpre deixar vincado que – logicamente - o presente trabalho não tem a
pretensão de trazer soluções definitivas a um problema tão complexo quanto o racismo no
Brasil, mas sim de contribuir à reflexão e ao debate de alternativas hábeis ao processo de
retração da discriminação por preconceito de cor. Começando pelo coro à desconstrução da
falaciosa democracia racial e terminando pelos aportes filosóficos conectados às
contemporâneas “teorias do reconhecimento”, haja vista a imprescindibilidade de criação de
mecanismos que agreguem tanto redistribuição material, no afã de mitigar as desigualdades
econômicas da população negra, quanto, na mesma medida, reconhecimento intersubjetivo a
14
2
MORAIS, Luis Bolzan de; STRECK, Lenio Luiz. Ciência Política e Teoria do Estado. 8. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2014, p. 45-46.
3
Importa destacar que tal orientação não é unânime na doutrina constitucionalista, haja vista que alguns autores
apontam origens muito mais remotas dos direitos fundamentais, como, por exemplo, a Grécia antiga ou Roma.
Não obstante, tal posicionamento não se coaduna com o conceito e característica de não historicidade por nós
adotada na presente dissertação, consoante será demonstrado adiante.
4
SCHENK, Marcelo Duque. Curso de Direitos Fundamentais: teoria e prática. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 55.
5
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Livraria
Almedina. 1998, p. 359.
16
consequência, um direito será fundamental se for garantido mediante normas que tenham a
força jurídica própria da supremacia constitucional6, tendo como função precípua a limitação
do poder estatal em favor da liberdade individual.
Nega-se a característica de historicidade recorrentemente imputada aos direitos
fundamentais, posto que dogmaticamente injustificável. Não é correto afirmar uma pré-
estatalidade destes, oriunda de pactos, declarações internacionais e do Direito Natural, pois
caso não recepcionados com status de norma constitucional, direitos fundamentais não são.
Logo, direitos fundamentais são normas produzidas pelo Estado a fim de limitar a si
próprio. Este é, portanto, o caráter reflexivo de tais normas. O ente estatal é o criador e o
destinatário da norma7 e ainda que os particulares possam eventualmente se sujeitar aos seus
efeitos (eficácia horizontal, que será abordada a seguir de forma mais detalhada), o certo é que
há esta curiosa identidade reflexiva.
6
DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas,
2014, p. 41.
7
Ibid., p. 142.
8
“§1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. BRASIL.
Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
17
9
“Os direitos fundamentais, discriminados a seguir, constituem direitos diretamente aplicáveis e vinculam os
poderes legislativo, executivo e judiciário”. ALEMANHA. Constituição Federal (1949). Lei Fundamental da
República Federal da Alemanha. Disponível em: <https://www.btg-bestellservice.de/pdf/80208000.pdf> Acesso
em: 07 dez. 2015.
10
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010,
p. 188.
18
Tribunal Constitucional Federal – cunhadas a partir do precursor aporte teórico de Hans Carl
Nipperdey –, dentre as quais se destaca o caso Lüth (1958).
O cidadão alemão Erich Lüth, à época crítico de cinema e diretor do Clube da
Imprensa da Cidade Livre e Portuária de Hamburgo, conclamou todos os distribuidores da
indústria cinematográfica e o público em geral a boicotarem o filme lançado por Veit Harlan,
um ícone do cinema nazista. Harlan e seus parceiros comerciais ajuizaram uma ação
cominatória em desfavor de Lüth, com base no §826 do Código Civil alemão (BGB). Tal
norma obriga a todo aquele que praticar uma ação ilícita, causando dano a outrem, uma
prestação negativa (deixar de fazer), sob pena de pagar uma indenização pecuniária. Tal ação
foi julgada procedente pelo Tribunal Estadual de Hamburgo, sendo que contra ela foi
interposta uma apelação ao Tribunal Superior de Hamburgo e uma Reclamação
Constitucional, alegando violação do direito fundamental à liberdade de expressão do
pensamento, prevista no artigo 5, I, 1, da Grundegestz11.
O Tribunal Constitucional Federal alemão ao julgar procedente a Reclamação
Constitucional de Lüth adotou decisão paradigmática acerca da eficácia horizontal dos
direitos fundamentais, deixando assentado que tais normas superiores, são em primeira linha,
direitos de resistência do cidadão contra o Estado. Todavia, representam um ordenamento
axiológico objetivo, que vale para todas as áreas do Direito, sendo que no Direito Civil, o
conteúdo jurídico dos direitos fundamentais se desenvolve de modo mediato, por intermédio
das normas de Direito Privado, sobretudo via cláusulas gerais. O juiz da vara cível pode, por
intermédio de sua decisão, violar direitos fundamentais ao ignorar a influência destes sobre o
Direito Civil12.
Portanto, coube ao pensamento alemão desenvolver o nominado efeito de irradiação
dos direitos fundamentais, a partir de sua dimensão objetiva, identificada com os valores
supremos cristalizados nas normas constitucionais, sendo que tais valores se irradiam por todo
ordenamento, incluindo às relações entre atores privados13.
Podemos então asseverar que a partir do paradigmático caso Lüth, a jurisprudência
alemã adotou expressamente a eficácia externa em relação a terceiros (Drittwirkung) ou
horizontal, mediata (ou indireta) dos direitos fundamentais às relações privadas.
11
O presente caso Lüth (BverfGE 7, 198) foi apresentado com riqueza de detalhes em: DIMOULIS, Dimitri.
MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 259-274.
12
Ibid., p. 259.
13
SAMPAIO, José Adércio Leite. Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey,
2013, p. 655.
19
14
Exemplo disso é o julgado BverfGE 81, 242. SAMPAIO, José Adércio Leite. Teoria da Constituição e
Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2013, p. 669.
15
CANARIS, Claus-Wilhelm. A influência dos direitos fundamentais sobre o direito privado na Alemanha. In:
SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2010. p. 214.
16
Ibid., p. 216.
20
17
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010,
p. 189-190.
21
particulares, sem deixar de reconhecer que o modo como se opera tal aplicação direta não é
uniforme18.
Portanto, o referido doutrinador, não advoga uma aplicação imediata dos direitos
fundamentais a todas as hipóteses de conflitos privados, todavia, insiste em que diante da
dogmática dos direitos fundamentais, é possível sustentar a aplicação direta (imediata),
independentemente da falta de regulação legal nesse sentido, a depender do caso concreto,
adotando-se o princípio da máxima efetividade das normas fundamentais, como um mandado
de otimização (não estando sujeita à lógica do tudo ou nada), notadamente em casos de
desequilíbrios entre as partes envolvidas, aliás, sustenta, ainda, uma razão prática para tal tese,
qual seja, a limitação do poder como resposta às persistentes desigualdades sociais, culturais e
econômicas, mormente acentuadas em sociedades periféricas como o Brasil19.
De outro lado, podemos demonstrar a corrente contrária com base nos ensinamentos
de Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, que sustentam a tese da eficácia indireta (mediata)
baseada no parágrafo primeiro do artigo quinto da Constituição Federal, o qual aponta a
obrigação do Estado de fazer respeitar os direitos fundamentais contra uma agressão
promovida por um particular. Para os referidos autores, sempre estaremos diante de uma
relação triangularizada, citando a seguinte ilustração: o direito do particular A foi
desrespeitado pelo particular B e, na falta de uma norma infraconstitucional taxativamente
aplicável para repelir a injusta agressão, o Estado, por meio do Poder Judiciário, aplica uma
determinada norma de direito constitucional para preservar o direito de A. Ainda que no caso
em comento possa ter ocorrido uma aplicação direta da Constituição, as relações entre
particulares só ficam submetidas ao direito fundamental mediante atuação (decisão) do
próprio ente estatal, de tal sorte que apenas o Estado-Juiz está diretamente vinculado ao
direito jusfundamental, já o particular, por seu turno, está vinculado ao direito privado e
penal, do qual é o destinatário primordial. A aplicação é sempre indireta, necessitando da
intermediação das cláusulas gerais infraconstitucionais sobre as quais incidem o efeito de
irradiação20.
18
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 382/383.
19
SARLET, Ingo Wolfgang. Neoconstitucionalismo e influência dos direitos fundamentais no direito privado:
algumas notas sobre a evolução brasileira. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos
Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 214. p. 28/35.
20
DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas,
2014, p. 110-111.
22
21
SCHENK, Marcelo Duque. Curso de Direitos Fundamentais: teoria e prática. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 66-67.
22
Nesse particular, pode-se afirmar que a teoria (e metódica) estruturante de Müller iniciou por repelir a sempre
decantada dicotomia existente entre Direito e realidade – o que corresponde hermeneuticamente à (equivocada)
equiparação entre norma e texto da norma, tratando-se, em verdade, da arraigada influência neokantiana adotada
pelo positivismo do dualismo entre o “ser” (realidade/faticidade) e “dever ser” (norma jurídica) -, que alicerçava
a separação entre teoria e prática jurídicas, ou entre interpretação e aplicação. Assim, o pilar central da teoria
estruturante de Müller é justamente a distinção (não identificação) entre norma jurídica e texto da norma, sendo
que a primeira é mais que o último, já que composta também por elementos da realidade (elementos materiais).
A norma não estaria pronta para a sua aplicação, devendo ser concretizada. MIOZZO, Pablo Castro.
Interpretação jurídica e criação judicial do direito: de Savigny a Friedrich Müller. Juruá: Curitiba, 2014, p. 214-
230.
23
reforço argumentativo (ou simples retórica), sendo que, em verdade, a decisão já está esteada
com base na própria legislação jusprivatista23.
Citemos um exemplo elucidativo: a Constituição prevê o direito fundamental de
proteção do consumidor24. Ao invalidar um hipotético contrato prejudicial a este, envolvendo
fornecedor que não informou devidamente os riscos do produto ao seu cliente, o magistrado
poderá fazê-lo com base no direito de informação já previsto na Lei Federal nº 8.078/90
(Código de Defesa do Consumidor), como um dos direitos básicos do consumidor (artigo 6º,
III25), motivo pelo qual não se faz necessário recorrer a uma norma fundamental para
solucionar o impasse.
Não obstante, o Supremo Tribunal Federal tem se inclinado pela adoção da eficácia
horizontal direta e imediata dos direitos fundamentais às relações privadas. Nesse sentido, os
dois primeiros casos paradigmáticos – apesar de não ter sido sequer ventilada expressamente
nos acórdãos a posição acerca do entendimento do Tribunal sobre a eficácia horizontal
imediata – são o Recurso Extraordinário nº 158215-4/RS26, de relatoria do Ministro Marco
Aurélio e o Recurso Extraordinário nº 161-243-6/DF27, em que foi Relator o Ministro Carlos
Mário Velloso, ambos julgados pela 2ª Turma.
O primeiro versa sobre a exclusão punitiva de um associado de determinada
cooperativa (Cooperativa Mista São Luiz Ltda.), que irresignado interpôs recurso
extraordinário alegando a violação direta de seu direito fundamental à ampla defesa (artigo
5.º, LV, da Constituição Federal). O Tribunal deu provimento ao extraordinário
fundamentando a aplicação do dispositivo constitucional violado aos processos (lato sensu)
em geral. Assentou, no brevíssimo acórdão, que: “A exaltação de ânimos não é de molde a
afastar a incidência do preceito constitucional assegurador da plenitude de defesa nos
processos em geral.28”.
23
De certa forma este entendimento também é adotado por: SAMPAIO, José Adércio Leite. Teoria da
Constituição e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2013, p. 664-665.
24
“XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. BRASIL. Constituição Federal
(1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
25
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] III – a informação adequada e clara sobre os diferentes
produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos
incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”. Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
26
Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 158215-4/RS. 2ª Turma, Relator: Ministro Marco
Aurélio. Data da Publicação: DJ 07/06/1996.
27
Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 161.243-6/DF. 2ª Turma, Relator: Ministro Carlos
Mário Velloso. Data da Publicação: DJ: 19/12/1997.
28
Ibid.
24
O segundo caso, por seu turno, trata acerca de uma controvérsia envolvendo um
trabalhador brasileiro (exercendo atividade laboral no Brasil), empregado da empresa
multinacional Air France, que pretendia o reconhecimento dos mesmos direitos trabalhistas
assegurados no estatuto da referida empresa, estes que inicialmente só beneficiavam aos
trabalhadores franceses. O Supremo Tribunal Federal deu provimento ao recurso
extraordinário e determinou que seria aplicável ao caso os artigos 153, §1º da Constituição
Federal de 1967 e 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, ou seja, determinou a aplicação
direta à controvérsia da norma constitucional que prevê o direito à isonomia, assentando que a
distinção – dos benefícios entre os trabalhadores franceses e brasileiros – baseada em atributo
pessoal, no caso a nacionalidade, não era compatível com o princípio da igualdade.
Outrossim, mais recentemente, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário
nº 20181929, novamente a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, agora por maioria, tendo
como Relator o Ministro Gilmar Mendes (que abriu a divergência, pois a Ministra
originalmente Relatora, Ellen Gracie, votou em sentido contrário), pela primeira vez deixou
vincada expressamente a adoção da teoria da eficácia horizontal direta dos direitos
fundamentais às relações privadas. Trata-se de recurso interposto pela União Brasileira de
Compositores (sociedade civil), que tinha excluído de seus quadros societários determinado
compositor (recorrido), por alegado descumprimento das resoluções sociais, sem que tenha
oportunizado as garantias do contraditório e ampla defesa. Na própria ementa do acórdão
ficou assentado que:
do ECAD, responsável pelo pagamento dos direitos autorais dos compositores, ou seja, exerce
uma função quase pública. Isso fica nítido durante seu voto, in verbis: “Esse caráter público
ou geral da atividade parece decisivo aqui para legitimar a aplicação direta dos direitos
fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa
[…].”31
Portanto, conforme a orientação teórica externada por Ingo Wolfgang Sarlet,
anteriormente apresentada, foi considerada, em verdade, uma eficácia horizontal imediata
prima facie dos direitos fundamentais às relações privadas, considerando as circunstâncias do
caso concreto, notadamente as funções semipúblicas exercidas pela União Brasileira de
Compositores.
Ainda que consideremos a posição teórica preconizada por Dimitri Dimoulis e
Leonardo Martins (também já explanada), de que mesmo nestes casos não se trata de uma
verdadeira eficácia imediata, mas sim uma triangularizada relação entre Estado-particular A
(no caso o compositor excluído)-particular B (União Brasileira de Compositores), posto que
foi o próprio Estado-Juiz que determinou e ficou vinculado à aplicação dos direitos
fundamentais nas relações privadas, o certo é que a doutrina constitucionalista pátria32 vem
afirmando, baseando-se nos julgados anteriormente citados, que o Supremo Tribunal Federal
passou a adotar a eficácia horizontal imediata dos direitos fundamentais às relações privadas.
31
Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 201819/RJ, 2.ª Turma, Relatora Originária: Ministra
Ellen Gracie. Relator para o Acórdão: Ministro Gilmar Mendes. Data da Publicação: DJ 27.10.2006.
32
Expressam tal posicionamento, por exemplo; SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações
Privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010, p. 250-253; LENZA, Pedro. Direito Constitucional
esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 869-870, entre outros.
26
que se coadunam mais ao modelo de Estado Social. Tais posições jurídicas correspondem à
dimensão subjetiva dos direitos fundamentais.
As normas de direitos fundamentais criam posições jurídicas subjetivas, divididas em
três grupos, quais sejam: liberdades, direitos a algo e competências33. Liberdades, havendo aí
um lado negativo correspondente ao dever de abstenção do Estado, assegurado por um direito
de defesa, e positivo, contemplando um fazer ou não fazer pelo titular (tem um direito
consagrado, pode exercê-lo ou não); direitos a algo, que podem ser tanto a ações negativas (de
não eliminação ou afetação do direito, quanto direitos a ações positivas ou prestacionais, tanto
de natureza fática como a criação de determinada estrutura para a prestação de um serviço
público) quanto normativas, aprovação de leis que tragam a previsão de procedimentos para o
exercício; por fim, competências, significando o poder do titular – agregam ao indivíduo uma
capacidade de ação que ele não tinha por natureza - para realizar o objeto do direito
fundamental, podendo ser ilustrado com as garantias instrumentais aos direitos
fundamentais34.
Ainda que a perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais seja sua dimensão mais
saliente, ela convive com uma perspectiva (ou dimensão) objetiva destas normas
jusfundamentais, havendo entre elas uma relação de complementariedade e reciprocidade.
Essa dimensão objetiva resulta do significado dos direitos fundamentais como
princípios básicos da ordem constitucional. Tais direitos participam da própria essência do
Estado Democrático de Direito, operando como limite e diretriz de sua ação. Esse fenômeno
faz com que os direitos fundamentais influam decisivamente sobre todo o ordenamento
jurídico, servindo como norte para a ação dos poderes constituídos35.
A perspectiva objetiva produz notáveis consequências, primeiro porque os direitos
fundamentais não são mais considerados apenas sob uma perspectiva individualista, mas que
os bens jurídicos por eles tutelados possam ser entendidos como valores em si, a serem
preservados e fomentados. Ademais, enseja por parte do Estado um dever de proteção dos
direitos fundamentais contra agressões dos próprios poderes públicos ou de particulares,
33
No mesmo sentido, Robert Alexy já havia igualmente sistematizado as posições jurídicas oriundas da
dimensão subjetiva dos direitos fundamentais, conforme segue: “A base da teoria analítica dos direitos é uma
tríplice divisão de posições que devem ser designadas como “direitos” em (1) direitos a algo, (2) liberdades e (3)
competências”. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São
Paulo: Malheiros, 2015, p. 193.
34
SAMPAIO, José Adércio Leite. Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey,
2013, p. 585.
35
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de
Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 266.
27
devendo o ente estatal adotar até mesmo medidas de ordem penal que protejam efetivamente
os direitos fundamentais36 – sendo este um ponto nodal à presente dissertação, como será
visto mais adiante –, portanto acarreta uma prestação positiva de atuação do Estado37.
Existem quatro aspectos pertencentes à dimensão objetiva dos direitos fundamentais,
a saber: em primeiro lugar, representam objetivamente normas de competência negativa, na
medida em que o quanto foi outorgado ao indivíduo em termos de liberdade, está retirado da
esfera de disposição estatal, independentemente de o particular exigir em juízo o seu respeito,
sobrelevando aqui a importância de tal aspecto ao controle abstrato de constitucionalidade;
em segundo, a dimensão objetiva funciona como critério de interpretação e configuração do
direito constitucional, tendo em vista o difundido efeito de irradiação (inicialmente
desenvolvido no caso Lüth, apresentado anteriormente); em terceiro, uma limitação nos
direitos fundamentais no seu tradicional alcance subjetivo – por isso que se disse acima que as
dimensões têm um caráter recíproco e complementar – mediante uma intervenção do Estado
em prol do seu próprio titular, como a obrigação de usar o cinto de segurança, por exemplo –
apesar de os citados autores entenderem que o Estado não pode assumir essa postura
paternalista, sendo as limitações dos direitos fundamentais medidas muitos onerosas, só se
justificariam em hipóteses de conflitos e não sob o pretexto de tutelar um direito do titular;
por fim, a doutrina alemã vislumbra um quarto desdobramento, denominado dever estatal de
tutela dos direitos fundamentais, o qual, diante de sua relevância aos fins colimados na
presente dissertação, será desenvolvido separadamente, logo adiante38.
36
Neste sentido: “Essa dimensão objetiva dos direitos fundamentais tem reflexo direto no campo do direito
penal, notadamente porque este constitui um dos mais importantes meios pelos quais o Estado realiza a proteção
de direitos fundamentais”. GAVIÃO, Juliana Venturela Nahas. A proibição de proteção deficiente. Porto Alegre:
Revista do Ministério Público do RS, n. 61, maio/out. 2008, p. 96.
37
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de
Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 267.
38
DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas,
2014, p. 119-120.
28
39
FELDENS, Luciano. Direitos Fundamentais e direito penal: a constituição penal. 2. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2012, p. 44.
40
Canaris, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota
Pinto. Coimbra: Almedina, 2012, p. 107.
41
Ibid., p. 58.
42
Ibid., p. 102.
29
vedadas e até criminalizadas (os mandados de criminalização, por exemplo) ou ser uma
decorrência lógica; adiante, é necessário verificar se a conduta efetivamente coloca em perigo
o direito fundamental tutelado, realmente ameaçando aquele bem jurídico-constitucional
protegido e, por fim, a chamada relação de dependência entre as condutas dos particulares. O
critério da dependência da garantia do direito fundamental do titular tendo em vista a relação
com o comportamento do outro sujeito de direito privado (se b praticar tal conduta, a tem seu
direito violado, deve necessariamente existir essa relação de dependência entre os
comportamentos dos particulares)43.
Por outro norte, a segunda indagação (o como) guarda pertinência com a forma de
proteção estatal dada ao direito fundamental. Se o Estado deve tutelar um determinado direito,
é mister que essa proteção seja eficiente, surgindo, nesse ponto, a conhecida proposição
teorética desenvolvida por Canaris acerca da proibição da proteção deficiente, como
decorrência direta do princípio da proporcionalidade, que será abordado a seguir.
43
Ibid., p. 104-112.
44
BverfGE 88, 2003. Nessa decisão o Tribunal entendeu pela constitucionalidade da lei que descriminalizava o
aborto em determinadas circunstâncias e até certo período de gestação (12ª semana), todavia, frisou que o Estado
deveria cumprir o seu dever estatal de tutela (ainda que não sob o viés penal), como, por exemplo, promovendo o
aconselhamento obrigatório da gestante a fim de demovê-la da ideia do aborto e possibilitar (tanto quanto
possível) uma maternidade responsável, dentre outras medidas educativas deste jaez. FELDENS, Luciano.
Direitos Fundamentais e direito penal: a constituição penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p.
164-165.
30
que a função dos direitos fundamentais como proibições de intervenção e a correlata proibição
de excesso, isso ocorre devido ao fato de estarmos diante, em verdade, de uma omissão
estatal, logo, não se pode impor ao Estado um ônus de fundamentação e legitimação igual
àquele que lhe é peculiar em ações tipicamente interventivas45.
Ademais, adverte, ainda, que também não se deve esperar uma proteção estatal
totalmente eficaz, já que isto não é faticamente possível em todas as situações, e mesmo que
fosse, acarretaria aos indivíduos um insuportável estado de sujeição46.
Apesar de ser deveras instigante a construção teórica apresentada por Canaris, o fato
é que não está imune a críticas, pois ao revés da proibição de excesso, que pode ser
objetivamente identificada através dos subcritérios adequação e necessidade47, a proibição de
proteção insuficiente carece metodologicamente de racionalidade na definição de seu
parâmetro48.
Dito por palavras menos congestionadas, o limite mínimo de atuação adequada,
considerando que a teoria em voga pressupõe que a “mais adequada” possível é aquela que
garante “com certeza” o alcance da eficiente proteção, corresponderia, na prática, à atuação
mais intensa possível, rompendo, assim, a baliza superior, ou seja, a proibição de excesso em
face do direito fundamental restringido49, restando efetiva utilidade a tal construção apenas
nos casos de patente omissão de atuação do legislador ordinário, o que é muito pouco,
considerando que geralmente estaremos diante das “zonas cinzentas”.
45
Canaris, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota
Pinto. Coimbra: Almedina, 2012, p. 65.
46
Ibid., p. 66.
47
Aqui faz-se necessário o seguinte esclarecimento: adotamos a proposta apresentada por Dimitri Dimoulis e
Leonardo Martins de estabelecer apenas dois subcritérios (após ficar constatado que há uma licitude do propósito
almejado), quais sejam, a adequação e a necessidade da medida, ao revés da maioria da doutrina nacional, que
incluiu ainda o terceiro subcritério, o da proporcionalidade em stricto sensu. Os mencionados autores, entendem
que o terceiro subcritério seria nada mais do que uma ponderação direta dos direitos em conflito, realizada pelo
próprio aplicador do direito, que avaliaria qual o “peso” no caso concreto de tal ou qual direito. Ocorre que, para
os citados doutrinadores - com os quais concordamos, ainda que cientes de que é posição minoritária - essa
ponderação (balanceamento), oriunda da chamada “teoria axiológica dos direitos fundamentais”, é carente de
legitimação constitucional e justificação jurídico-racional, na medida em que não há qualquer hierarquia
estabelecida aprioristicamente no texto constitucional, possuindo todos (os direitos fundamentais) a mesma
dignidade. DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2014, p. 195-221.
48
Interessante ressaltar que até mesmo em artigo específico sobre o tema, no qual a teoria da proteção
insuficiente é sustentada – a autora tenta através da análise de casos concretos estabelecer a atuação deficiente do
Estado na proteção de direitos fundamentais –, admite-se que não existe, por ora, uma construção dogmática rica
e sedimentada sobre a teoria em voga. GAVIÃO, Juliana Venturela Nahas. A proibição de proteção deficiente.
Porto Alegre: Revista do Ministério Público do RS, n. 61, maio/2008/out/2008 p. 23.
49
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas,
2014, p. 126-128.
31
Portanto, ainda que haja um dever estatal de tutela eficiente, deve-se prestigiar a
liberdade de conformação do legislador ordinário, sendo possível – em termos metodológicos
– proceder, tão somente, a juízo mais acurado de adequação, com o fito de investigar se
determinada atuação legislativa é teoricamente idônea para atingir o desiderato estatal,
diminuindo, assim, a discricionariedade legislativa e aumentando a possibilidade de
controle50.
50
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas,
2014, p. 128.
32
51
MORAIS, Luis Bolzan de; STRECK, Lenio Luiz. Ciência Política e Teoria do Estado. 8. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2014, p. 98.
52
Destacando a importância do princípio da igualdade (como direito-chave) no Estado Democrático de Direito,
Paulo Bonavides assim se posicionou, in verbis: “O centro medular do Estado Social e de todos os direitos de
sua ordem jurídica é indubitavelmente o princípio da igualdade. Com efeito, materializa ele a liberdade da
herança clássica. Com esta compõe um eixo ao redor do qual gira toda a concepção do Estado democrático
contemporâneo. De todos os direitos fundamentais a igualdade é o que mais tem subido de importância no
Direito Constitucional de nossos dias, sendo, como não poderia deixar de ser, o direito-chave, o direito guardião
do Estado Social”. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2010,
p. 376.
53
OMNATI, José Emílio Medauar. A igualdade no paradigma do Estado Democrático de Direito. Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris, 2004, p. 84.
54
LOBO, Bárbara Natália Lages. O direito à igualdade na Constituição brasileira: Comentários ao Estatuto da
Igualdade Racial e a constitucionalidade das ações afirmativas. Belo Horizonte: Fórum. 2013, p. 63.
33
55
RIOS, Roger Raup. O Princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual: a homossexualidade
no direito brasileiro e norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 26.
56
OMNATI, José Emílio Medauar. A igualdade no paradigma do Estado Democrático de Direito. Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris, 2004, p. 128.
57
MEDEIROS, Jorge Luiz Ribeiro. A constitucionalidade do casamento homossexual. São Paulo: Ltr, 2008, p.
31. Apud POTIGUAR, Alex Lobato. Igualdade e Liberdade: a luta pelo reconhecimento da igualdade como
direito à diferença no discurso do ódio. Dissertação de Mestrado. UNB – Brasília/DF. 2009, p. 53.
58
SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional e Igualdade Étnico-Racial. In: PIOVESAN, Flávia; SOUZA,
Douglas de (Coord.). Ordem Jurídica e Igualdade Étnico-Racial. Brasil. Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República. Rio de Janeiro: Lumem Juris. 2008, p. 69.
34
seguintes”59. A Constituição se preocupou com a igualdade formal – ao dizer que todos são
iguais perante a lei –, bem como com a igualdade material, ao prever que são garantidos
direitos básicos, como a vida, liberdade, e a própria igualdade (que teria sido reforçada para
enfatizar o caráter diverso da assertiva inicial de que todos são iguais perante a lei), sendo esta
de cariz distributiva60.
Sobre a conceituação de igualdade formal e material, podemos aduzir que a primeira
(igualdade perante a lei) diz respeito à igual aplicação do Direito sem distinção baseada no
destinatário da norma, sujeito aos efeitos dela decorrentes; já a igualdade material (igualdade
na lei) exige similitude de tratamento dos casos iguais pelo Direito vigente, mas a
diferenciação no regime normativo em face de hipóteses distintas.61 62
De nossa parte, entendemos que – ao largo da infértil discussão entre igualdade
formal e material – no Estado Democrático de Direito a igualdade deve ser fática, efetiva e
emancipatória, respeitando as diferenças, mas promovendo a inclusão através de políticas
públicas tanto de viés distributivo, como também no que tange ao reconhecimento, tema este
que será detalhadamente abordado no capítulo sexto do presente trabalho.
Em que pese a presente dissertação ter sua lente voltada à dogmática jurídica, quando
o assunto é a investigação acerca da igualdade, a filosofia política - que recorrentemente
aborda a temática atinente às teorias de distribuição de justiça e igualdade - pode contribuir ao
debate a fim de apontar alternativas teóricas, mirando o desiderato igualitário em determinada
59
Constituição da República Federativa do Brasil.
60
VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos Fundamentais: uma releitura da jurisprudência do STF. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 287.
61
RIOS, Roger Raup. O Princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual: a homossexualidade
no direito brasileiro e norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 31.
62
Outrossim, Roger Raupp Rios ao analisar o tratamento dado à igualdade no direito norte-americano, refere
uma recente e notável construção jurisprudencial da Suprema Corte americana, conhecida como a doutrina da
igual proteção (tradução livre), que seria uma espécie de fusão entre a igualdade formal e material, adotadas no
Brasil. Com efeito, a equal protection doctrine é vista sob duas perspectivas: como princípio proibitivo de
discriminações e como princípio proibitivo de subjugação de pessoas e grupos (sendo este preponderante) em
face da comunidade a fim de evitar a existência de cidadãos de segunda classe. RIOS, Roger Raup. O Princípio
da igualdade e a discriminação por orientação sexual: a homossexualidade no direito brasileiro e norte-
americano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 66.
35
sociedade (ou pelo menos no afã de reduzir as desigualdades). Para tanto, escolhemos como
pilar teórico a profunda investigação acerca da igualdade elaborada por Ronald Dworkin63.
Logo na parte introdutória, Dworkin – partindo de duas teorias gerais de igualdade
distributiva, a primeira chamada de igualdade de bem-estar e a segunda de igualdade de
recursos (esta preferencial sob a ótica do autor, como será demonstrado a seguir) – afirma que
não se pode dar as costas à igualdade, pois nenhum governo é legítimo a menos que
demonstre igual consideração pelo destino de todos os cidadãos. Por conseguinte, a
consideração igualitária é a virtude soberana da comunidade política64.
A teoria liberal igualitária dworkiniana se esteia em dois princípios básicos do
individualismo ético, quais sejam: o princípio da igual importância, o qual corresponde ao
valor da vida humana; de um ponto de vista objetivo, a vida humana deve ser bem sucedida,
ao invés de ser desperdiçada, isso não quer dizer que todas as pessoas são iguais ou devam se
portar igualmente em relação aos demais (como ao seu filho ou a um estranho, por exemplo),
mas em determinadas circunstâncias disponham da mesma consideração (como os políticos
que devem ter a mesma consideração com todos os indivíduos). Já o segundo, é o princípio da
responsabilidade especial, significando que, muito embora todos reconheçamos a importância
objetiva do êxito de toda vida humana, uma pessoa tem responsabilidade especial e final por
esse sucesso, a pessoa dona de tal vida65.
Nesse ponto Dworkin difere do liberalismo político clássico, o qual prega uma
simples distribuição igualitária dos bens (independente das escolhas, estas que efetivamente
importam na distribuição dos recursos sociais para Dworkin, e nunca as circunstâncias
pessoais), pois entende que a escolha de cada um está imbricada com a sua própria
responsabilidade por tal opção. Logo, e desde que as pessoas tenham a efetiva liberdade (caso
não haja esta liberdade, o Estado deve adotar políticas públicas para tanto, notadamente com a
distribuição de recursos, como será demostrando adiante) para escolher o que vão fazer de
suas vidas, serão as responsáveis por tais escolhas.
63
“Nessa obra, Ronald Dworkin tem um único objetivo, que é aperfeiçoar constitucionalmente o processo de
inclusão comunitária criando um ambiente ético-liberal motivador e atraente aos olhos dos direitos individuais
existencialistas. Desse modo, a inclusão constitucional deve promover a combinação do princípio da igualdade
com o princípio da liberdade, sendo mediados pelo princípio da responsabilidade existencialista, pública e
privada. MONTARROYOS, Heraldo Elias. Observatório constitucional Ronald Dworkin: reconstruindo o
liberalismo do livro “A virtude soberana: a teoria e a práticada igualdade”. Universitas/JUS, v. 24, n. 1, jan./jun.
2013, p. 90.
64
DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e prática da Igualdade. Trad. Jussara Simões. 2. ed. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, p. IX/4-5.
65
Ibid., p XV.
36
66
DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e prática da Igualdade. Trad. Jussara Simões. 2. ed. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, p. 4/10.
67
Ibid., p. 81.
37
como fichas para a aquisição em uma espécie de mercado de todos os recursos disponíveis da
ilha. Cada pessoa pode adquirir os bens que lhe interessar (já que todos têm o mesmo número
de conchas), ofertando os lances à sua aquisição. Interessante frisar que o leilão deve ocorrer
tantas vezes quantas forem necessárias até que todos estejam realmente satisfeitos com suas
aquisições. Ademais, ao final, o leilão tem que passar pelo teste da cobiça, ou seja, se um
determinado participante desejar um recurso de outra pessoa (que não conseguiu adquirir), a
divisão não é tida como justa, e o leilão deve ser refeito, isso para que ninguém se considere
insatisfeito68.
Vale ressaltar que a igualdade de recursos é diferente da igualdade de oportunidades
desenvolvida por John Rawls, vez que a primeira visa a garantir condições igualitárias de
acesso a determinados bens econômicos, sociais e culturais, ao longo do tempo, ao passo que
a segunda criaria uma igualdade apenas no momento inicial, imperando após o laissez-faire e
o livre jogo de mercado. Dworkin discorda que seja possível materializar a igualdade
possibilitando uma situação igualitária apenas no momento de partida69.
Nesse esteio,70 acerca dos objetivos propostos por Dworkin em sua formulação
teórica, conforme segue:
68
DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e prática da Igualdade. Trad. Jussara Simões. 2. ed. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. p. 81-87.
69
LOBO, Bárbara Natália Lages. O direito à igualdade na Constituição brasileira: Comentários ao Estatuto da
Igualdade Racial e a constitucionalidade das ações afirmativas. Belo Horizonte: Fórum. 2013. p. 64.
70
MONTARROYOS, Heraldo Elias. Observatório constitucional Ronald Dworkin: reconstruindo o liberalismo
do livro “A virtude soberana: a teoria e a práticada igualdade”. Universitas/JUS, v. 24, n. 1, jan./jun. 2013. p.
117.
38
Portanto, fica nítido que Dworkin conjuga os valores liberdade e igualdade, para que
uma pessoa tenha liberdade a fim de fazer suas escolhas pessoais, deve ter inicialmente
igualdade, ou seja, ser tratada com igual consideração, tanto no espaço público, quanto no
privado, sendo que este ideário vem ao encontro do paradigma do Estado Democrático de
Direito (a democracia pressupõe a igualdade e liberdade), o qual tem como missão precípua
promover a alteração no panorama do status quo social, marcado por fortes iniquidades,
especialmente quando comparamos a situação entre negros e brancos no Brasil.
71
Constituição da República Federativa do Brasil.
72
A doutrina aponta que historicamente o princípio da igualdade tem desempenhado uma função negativa e uma
função positiva. A primeira (a negativa), de cunho liberal, consiste na vedação de discriminação e privilégios,
limitando basicamente ações geradoras de desigualdades injustas, como, por exemplo, discriminações de raça. Já
a função positiva, de viés social, demanda a atuação do Estado a fim de intervir materialmente nas desigualdades
com o objetivo de minorá-las ou extingui-las. O fato é que, em verdade, essas tradicionais funções apontadas ao
princípio da igualdade pouco acrescentam ao que já foi desenvolvido no que tange aos conceitos de igualdade
formal e material. GUEDES, Jéfferson Carús. Igualdade e Desigualdade: introdução conceitual, normativa e
histórica dos princípios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 222-226.
39
Tal raciocínio é baseado em duas nítidas premissas, quais sejam, a uma, o racismo é
inclusive objeto de mandado expresso de criminalização pela Carta Maior, como será
demonstrado adiante, a duas, na medida em que o racismo “põe em execução práticas de
inferiorização e de exclusão”78 de pessoa ou grupo, não podemos aceitá-lo como sendo algo
que se coaduna com os valores promovidos pela ordem jurídico-constitucional do Estado
Democrático. Logo, possível a afirmação de que existe um direito de não-discriminação ou da
antidiscriminação, decorrente do próprio direito fundamental à igualdade79.
Neste esteio, em reforço, cumpre trazer à baila o posicionamento de Leonardo
Martins80:
Finalmente, a garantia do direito à igualdade não vincula somente os órgãos
estatais, mas tem, em alguns casos específicos, um efeito horizontal direto
consoante a crescente jurisprudência do STF a respeito [9]. É o que decorre,
no sistema constitucional brasileiro, de certos dispositivos do art. 5º que
buscam coibir a discriminação ocorrente na esfera da sociedade (e não pelo
Estado), concretizando a lex generalis do caput, como, por exemplo, a
configuração constitucional da prática do racismo enquanto crime, feita no
inciso XLII [10].
Sobre a temática do racismo no Brasil (que será tema central de um capítulo próprio,
considerando a importância para os objetivos aqui colimados), Flávio Cruz Prates,81 explica
que, especialmente no que tange a discriminação racial das pessoas de cor negra (como vimos
são a maioria no país), a dita “democracia racial” é uma falácia, sendo, em verdade,
constantes as práticas racistas na sociedade desde a abolição da escravatura, gerando um
quadro de profunda desigualdade de direitos, reprodutora de iniquidades sociais:
78
WIEVIORKA, Michel. O racismo, uma introdução. Trad. Fany Kon. São Paulo: Perspectiva, 2007. p. 9.
79
Humberto Ávila, em sua célebre Teoria dos Princípios, adota o entendimento de que a igualdade é um
postulado normativo, sendo que poderia funcionar inclusive como regra, prevendo a proibição de tratamento
discriminatório. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios. 15 ed. São
Paulo: Malheiros, 2014. p. 192.
80
MARTINS, Leonardo. Comentário ao artigo 5º, caput. Direito Fundamental à Igualdade. In: CANOTILHO, J.
J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; CANOTILHO, J. J. Gomes (Coord.). Comentários à
Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 496.
81
PRATES, Flávio Cruz. A igualdade formal e sua aplicabilidade prática: os descaminhos da dignidade
atribuída ao negro brasileiro. Tese de Doutorado. PUCRS – Porto Alegre, 2010, p. 24.
41
82
HASENBALG, Carlos Alfredo. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. 2 ed. Belo Horizonte:
UFMG, 2005. Apud PRATES, Flávio Cruz. A igualdade formal e sua aplicabilidade prática: os descaminhos da
dignidade atribuída ao negro brasileiro. Tese de Doutorado. PUCRS - Porto Alegre, 2010, p. 24.
83
Enaltecendo a relevância da referida obra, notadamente por quebrar paradigmas até então arraigados (tal como
a da “raça” negra ser inferior), Roberta Fragoso Menezes Kaufman, destaca: “Com efeito, a obra de Freyre
possui o mérito de procurar redimir os brasileiros do complexo de terem nascido no País, ao tempo em que
analisa a influência das raças na formação da sociedade como algo positivo e peculiar no Brasil. O texto, na
verdade, é uma apologia à miscigenação e, pela primeira vez, alternou o papel comumente destinado ao negro na
literatura de então, elevando-o à condição de protagonista, e não mero espectador dos acontecimentos.”
KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou mito? Uma análise
histórico-jurídico-comparativa do negro nos Estados Unidos da América e no Brasil. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007, p. 96.
84
SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional e Igualdade Étnico-Racial. In: PIOVESAN, Flávia; SOUZA,
Douglas de (Coord.). Ordem Jurídica e Igualdade Étnico-Racial. Brasil. Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República. Rio de Janeiro: Lumem Juris. 2008, p. 60.
42
completamente o argumento de que no Brasil a discriminação tem corte social e não racial,
tão ao gosto do mainstream brasileiro85.
Nesse esteio, o mencionado doutrinador propõe um perspicaz e revelador raciocínio,
tomando como parâmetro setores do mercado de trabalho nos quais a formação universitária
não tem papel preponderante – a fim de refutar o argumento corrente de que as desigualdades
no Brasil não tem origem racial, mas sim em razão das poucas oportunidades educacionais e
econômicas – assim, sustenta que um breve passeio pelos nossos shoppings centers nos
levaria a impressionante constatação que raríssimos negros trabalham em estabelecimentos
comerciais de produtos de maior sofisticação; já nos restaurantes mais elegantes, nos indicaria
uma quase total ausência de negros em serviços que demandam um contato mais próximo
com o cliente, como maitre ou garçom. Em contrapartida, nesses mesmos espaços, será
abundante a presença de negros em funções que realçam claramente a sua inferioridade, como
manobristas, seguranças, faxineiros, entre outras, transmitindo, ainda que de forma sutil, a
ideia da imprestabilidade do negro para tarefas que exijam um grau maior de civilidade86.
Porém, tal realidade é muitas vezes ignorada pelos mais desavisados, porque a
desigualdade racial já está “naturalizada” na nossa sociedade. De tanto ver esse panorama,
desde a primeira infância, o brasileiro mediano acaba por perder a capacidade crítica acerca
de tamanha iniquidade, chegando até mesmo a internalizar inconscientemente a ideia de que o
“normal” é que o negro ocupe posições subalternas na sociedade87.
Justamente para mitigar o cenário antes explicitado, a partir de inúmeras discussões
teóricas, consolidaram-se iniciativas à discriminação, notadamente no universo acadêmico
estadunidense, surgindo um ramo de conhecimento próprio, lá denominado anti-
discrimination law (e recebido pela doutrina brasileira como direito da antidiscriminação),
descrito por Roger Raupp Rios da seguinte forma: “Trata-se, com efeito, da compreensão do
princípio da igualdade como proibição de discriminação, atenta para as formas pelas quais o
fenômeno discriminatório opera, bem como para a formulação de medidas positivas de sua
superação decorrentes desta consciência”88.
85
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade. O direito como
instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 32-33.
86
Ibidem, p. 33.
87
SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional e Igualdade Étnico-Racial. In: PIOVESAN, Flávia; SOUZA,
Douglas de (Coord.). Ordem Jurídica e Igualdade Étnico-Racial. Brasil. Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República. Rio de Janeiro: Lumem Juris. 2008, p. 61.
88
RIOS, Roger Raupp. Direito da Antidiscrimnação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 14.
43
Ademais, em artigo sobre o tema89, Roger Raupp Rios destaca a tensão existente
entre a igualdade formal burguês, que através de políticas universalistas homogeneizantes –
inicialmente cunhadas a fim de combater os privilégios do clero e da nobreza – acabam por
idealizar um padrão de sujeito social nada abstrato, notadamente masculino, branco, europeu,
cristão, heterossexual, burguês e proprietário; ao passo que em um viés mais substancial da
igualdade, especialmente relacionado com o direito da antidiscriminação, seria defensável a
adoção de políticas mais particularistas, desaguando no reconhecimento de um direito à
diferença, ou seja, desigualando para proteger.
89
RIOS, Roger Raupp. Direito da Antidiscriminação e a tensão entre o direito à diferença e o direito geral de
igualdade. Direitos Fundamentais & Justiça - Ano 6, nº 18, jan./mar. 2012. p. 169-177. Disponível em:
<http://www.dfj.inf.br/Arquivos/PDF_Livre/18_Dout_Nacional%205.pdf > Acesso em: 29 jan. 2016.
90
RIOS, Roger Raupp. Direito da Antidiscrimnação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 19.
91
Ibid., p. 20.
44
92
Decreto nº 65.810, de 8 de dezembro de 1969. Promulga a Convenção Internacional sobre a Eliminação de
todas as Formas de Discriminação Racial.
93
Importa destacar que a própria convenção prevê hipóteses de discriminação (ou diferenciação) benéfica,
conforme segue (artigo I, 4.º): “Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o
único objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que
necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou
exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contando que, tais medidas não conduzam, em
consequência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem
sidos alcançados os seus objetivos” BRASIL. Decreto nº 65.810, de 8 de dezembro de 1969. Promulga a
Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial.
94
Lei Federal nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis nos
7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de
novembro de 2003.
95
RIOS, Roger Raupp. Direito da Antidiscrimnação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 15.
96
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007, p. 265.
45
97
SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional e Igualdade Étnico-Racial. In: PIOVESAN, Flávia; SOUZA,
Douglas de (Coord.). Ordem Jurídica e Igualdade Étnico-Racial. Brasil. Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República. Rio de Janeiro: Lumem Juris. 2008, p. 97.
98
RIOS, Roger Raupp. Direito da Antidiscrimnação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 16.
99
ALMEIDA, Saulo Teles, PEREIRA, Cícero, ROSAS, Ana Raquel Torres. Um Estudo do Preconceito na
Perspectiva das Representações Sociais: Análise da Influência de um Discurso Justificador da Discriminação
no Preconceito Racial. Psicologia: Reflexão e Crítica. v. 16, n. 01, 2003. Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Porto Alegre. p. 96. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/prc/v16n1/16801.pdf>. Acesso em: 29
jan. 2016.
46
bem verdade, irrefletidamente), como, por exemplo, “programa de índio”, “serviço de preto”
“judeu sovina”, entre outros, carregando em seu bojo uma carga depreciativa (re)produtora
dos mecanismos de dominação. Além disso, a partir da mudança da concepção da língua
como representação para a concepção da linguagem como estruturadora dos mundos
objetivos, os estereótipos acarretam um processo de significação de sentido (perpetuando o
valor negativo das desigualdades) de consequências nefastas e duradouras100.
Em arremate, convém tecer algumas considerações acerca do estigma. Afirma-se que
tal nomenclatura era utilizada antigamente para designar a marca de um corte ou queimadura
no corpo e significava algo ruim para a convivência social, tal como uma advertência para que
os outros evitassem o contato com a pessoa estigmatizada. Atualmente representando uma
identidade deteriorada por uma representação social negativa. Com relação a questão racial,
ao negro estigmatizado socialmente pelo branco hegemônico é conferida uma posição de
subordinação, sendo assim, os “normais” (brancos), não estão dispostos (apesar de geralmente
dizerem o contrário) a manter uma relação em “bases iguais”, portanto, o sujeito
estigmatizado é aceito pelo grupo “apenas” se cumprir seu papel, apresentando um
comportamento correspondente às expectativas sociais. Assim, uma das estratégias do
estigmatizado é comportar-se de forma retraída, assimilando o “papel” de coadjuvante a ele
conferido101.
Isso explica um paulatino processo de “embranquecimento”102 percebido na
sociedade brasileira, segundo o qual, o negro não deseja mais ser negro e ao invés de
autoafirmar sua própria identidade, prefere – a fim de se livrar dos estigmas e preconceitos –
se identificar como “moreno escuro” ou “moreno claro” e outras matizes assemelhadas, fato
que levou inclusive ao Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE) a criar a
categoria “pardos” para aqueles não-brancos que também não se declaram negros (no Brasil
as estatísticas são baseadas na autoafirmação da própria pessoa), além de ser comum a
100
SILVA, Kátia Elenise Oliveira da. O papel do Direito Penal no enfrentamento da discriminação. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 94/111-112.
101
SILVA, Luciane Soares da. O cotidiano das relações inter-raciais: o processo de criminalização dos atos
decorrentes de preconceito de raça e de cor no Rio Grande do Sul. Dissertação de Mestrado. UFRGS - Porto
Alegre, 2003. f. 129. p. 25-28.
102
Nesse sentido: “A ideologia do embranquecimento talvez seja uma das mais cruéis expressões do racismo no
Brasil; primeiro, favorece a falta de identidade de uma raça imputando-lhe um outro modo de identificação que
não corresponde a sua essência e, ainda, a ideologia do embranquecimento defende a ideia de ausência de raças e
faz apologia da existência da cordialidade entre brancos e negros, excluindo a possibilidade de conflitos.
Contudo, apenas o branco é sinônimo de valores positivos, desde os valores mais elementares do cotidiano,
como aqueles relacionados ao status social. Se o negro quiser fazer parte do estrato superior deverá abdicar da
sua raiz “inferior” e tornar-se branco.” SILVA, Maria Nilza. O negro no Brasil: um problema de raça ou classe?
Revista Mediações, Londrina, v. 5, jul./dez. 2000, p. 104.
47
estratégia de buscar casamentos com pessoas brancas (que geralmente acarreta em nascimento
de crianças mais claras) como tentativa de aceitação e ascensão social.
103
RIOS, Roger Raupp. Direito da Antidiscrimnação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 16. p. 33.
104
Ibid., p. 33.
105
Op. cit., p. 36.
48
106
RIOS, Roger Raupp. Direito da Antidiscrimnação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 38-39.
107
Para maior aprofundamento no tema referente as ações afirmativas, sugere-: GOMES, Joaquim B. Barbosa.
Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade. O direito como instrumento de transformação social.
A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
49
inteligência”, exigência que supostamente não era necessária para o desempenho das funções,
acarretando um impacto desproporcional nos empregados negros, já que estes, em sua grande
maioria, tinham estudado em escolas segregadas de qualidade inferior de ensino (doutrina dos
separados, mas iguais), impedindo, assim, as pessoas negras de disputarem o acesso aos
cargos em paridade de condições com os brancos. Por conseguinte, uma exigência
aparentemente neutra, operava, na prática, como poderoso mecanismo de perpetuação do
status quo nas funções subalternas exercidas pelos empregados negros112.
A Suprema Corte americana, baseando-se no Civil Rights Act de 1964, decidiu que:
“...as práticas, os procedimentos ou testes, facialmente neutros, não podem ser mantidos se
eles operam no sentido de “congelar” o status quo de práticas empregatícias discriminatórias
do passado113”
Assim, à guisa de fechamento do presente Capítulo, podemos destacar, a partir da
teoria da discriminação por impacto desproporcional, que a igualdade – apenas – perante a lei
é incapaz de promover o reconhecimento dos grupos subordinados e mitigar as desigualdades,
especialmente em um país onde o racismo está introjetado nas representações sociais, ainda
que de forma dissimulada pelo mito da democracia racial. Urge que o Estado brasileiro adote
políticas que ultrapassem a mera neutralidade, seja através do Poder Judiciário ao analisar o
impacto desproporcional de atos – públicos ou privados – na população negra, seja através do
Poder Legislativo, editando normas que tragam uma concretização maior à igualdade fática
desse grupo étnico, seja no Poder Executivo implementando os mecanismos já disponíveis e
articulando políticas públicas com esse desiderato.
112
SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional e Igualdade Étnico-Racial. In: PIOVESAN, Flávia; SOUZA,
Douglas de (Coord.). Ordem Jurídica e Igualdade Étnico-Racial. Brasil. Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República. Rio de Janeiro: Lumem Juris. 2008, p. 73.
113
Ibid., p. 73-74.
51
114
AZEVEDO, André Mauro Lacerda; NETO Orlando Faccini. O Bem Jurídico-Penal: duas visões sobre a
legitimação do direito penal a partir da teoria do bem jurídico. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 82.
115
FELDENS, Luciano. Direitos Fundamentais e direito penal: a constituição penal. 2. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2012, p. 60.
116
Nesse sentido, Rogério Greco pontua que: “O caráter fragmentário do Direito Penal significa, em síntese, que
uma vez escolhidos aqueles bens fundamentais, comprovada a lesividade e a inadequação das condutas que os
ofendem, esses bens passarão a fazer parte de uma pequena parcela que é protegida pelo Direito Penal,
originando-se, assim, a sua fragmentariedade”. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. v. I. 7.
ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 65.
117
AZEVEDO, André Mauro Lacerda; NETO Orlando Faccini. O Bem Jurídico-Penal: duas visõe sobre a
legitimação do direito penal a partir da teoria do bem jurídico. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 17.
52
Por muitas décadas a doutrina tem se debruçado sobre o tema relativo ao bem
jurídico penal, logicamente a minuciosa análise histórica e evolutiva refoge aos objetivos aqui
propostos, todavia, cumpre ressaltar, por oportuno, hodiernamente tem prevalecido a escola
constitucionalista eclética para a definição de seus contornos. Referida teoria constitucional
parte da seguinte premissa: o bem objeto de proteção do direito penal possui fundamento na
Constituição, ou seja, na criminalização de condutas o legislador deve se ater em tipos penais
que ofendam ou coloquem em risco de lesão bens estabelecidos na ordem de valores
constitucionais118.
Assim, a Constituição, notadamente em uma sociedade democrática, há de ser o
ponto jurídico-político de referência no que diz respeito ao injusto penal – reduzido às
margens da estrita necessidade – como afirmação da imprescindível conexão material entre o
bem jurídico (penal) e os valores constitucionais consagrados119.
Logicamente que o mencionado liame não é de total identidade ou de recíproca
cobertura, mas de coerência substancial, esteada numa correspondência de sentido, a permitir
que a ordem de valores jurídico-constitucional funcione como quadro de referência e,
simultaneamente, critério regulativo no âmbito de atuação da atividade punitiva do Estado120.
Esse quadro de referência, dedutível da ordem objetiva de valores, prevista na Lei
Fundamental, tem por prioridade a tutela de direitos fundamentais, sendo estes o epicentro da
relação entre Constituição e direito penal121.
Esta relação axiológica-normativa entre a Constituição e o direito penal se exterioriza
de forma tríplice, na perspectiva de mandados, proibições e discricionariedade na
criminalização de condutas122.
As proibições seriam preceitos negativos de competência criminalizante, a exemplo
de comportamentos protegidos pela área de proteção de algum direito fundamental de
resistência (liberdade de reunião, de pensamento etc). Já a discricionariedade, como é
intuitivo, reporta-se à liberdade de escolha pelo legislador infraconstitucional, que
118
CAVALCANTI, Eduardo Medeiros. Crime e sociedade complexa: uma abordagem interdisciplinar sobre o
processo de criminalização. São Paulo: LZN, 2005, p. 245.
119
PRADO. Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.
106.
120
Ibid., p. 107.
121
FELDENS, Luciano. Direitos Fundamentais e direito penal: a constituição penal. 2. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2012, p. 64.
122
Ibid., p. 64.
53
123
FELDENS, Luciano. Direitos Fundamentais e direito penal: a constituição penal. 2. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2012, 73-74.
124
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Deveres Fundamentais. In: Leite, George Salomão; Sarlet, Ingo
Wolfgang; Carbonell, Miguel. (Org.). Direitos, deveres e garantias fundamentais. 1. ed. Salvador: Jus Podivm,
2011, p. 325-345.
125
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais
na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 226-227.
54
126
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão
constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2012, p. 22.
127
SCHENK, Marcelo Duque. Curso de Direitos Fundamentais: teoria e prática. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 102.
128
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Deveres Fundamentais. In: Leite, George Salomão; Sarlet, Ingo
Wolfgang; Carbonell, Miguel. (Org.). Direitos, deveres e garantias fundamentais. 1. ed. Salvador: Jus Podivm,
2011, p. 325-345.
129
Gregorio Peces-Barba Martinez também elabora interessante conceituação dos deveveres fundamentais,
conforme segue, in verbis: “Com todas estas precisiones podemos estipular el uso do conceito deberes
fundamentais como aquellos deberes jurídicos que se refieren a dimensiones básicas de la vida del hombre en
sociedad, a bienes de primordial importancia, a la satisfacción de necesidades básicas o que afectan a sectores
especialmente importantes para la organización y el funcionamento de las Instituciones públicas, o al ejercicio de
derechos fundamentales, generalmente en el ámbito constitucional. El ejercicio de un deber fundamental no
reporta beneficios exclusivamente al titular del derecho subjetivo correlativo, cuando existe, sino que alcanza
una dimensión de utilidad general, beneficiando al conjunto de los ciudadanos y a su representación juridica, el
Estado”. MARTINEZ, Gregorio Peces-Barba. Los Deberes Fundamentales. Cuadernos de Filosofia del Derecho.
Num. 04. 2012. p. 329-341. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/obra/los-deberes-fundamentales-
0/>. Acesso em: 26 jun. 2016.
55
Deste modo, podemos aduzir que os deveres fundamentais constituem uma categoria
de normas constitucionais próprias (de obrigação), expressão imediata dos valores e interesses
essenciais coletivos erigidos constitucionalmente e, portanto, dotados de uma
fundamentalidade formal.
A primeira divergência que se apresenta com relação ao tema dos deveres
fundamentais é relativa aos seus destinatários. Por um lado, autores como José Casalta
Nabais130 e Marcelo Schenk Duque entendem que estes devem ser distinguidos dos chamados
deveres de proteção, sendo que aqueles (deveres fundamentais) dirigem-se aos cidadãos,
impondo-lhes obrigações diferenciadas, enquanto estes (deveres de proteção) apenas ao
Estado131. De outra parte, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins adotam posicionamento
contrário ao sustentar deveres diretamente direcionados ao ente estatal, como, por exemplo, os
deveres de criminalização132.
Assiste razão aos autores por último referidos, haja vista que não faria sentido algum
se justamente o Estado, destinatário precípuo dos direitos fundamentais, recebesse uma
espécie de autoimunidade na função de criar mecanismos que garantissem a eficácia de alguns
direitos essenciais de destacada importância, pois, como dito, é bastante perceptível a relação
dos deveres com a dimensão objetiva dos direitos, sendo que isto fica particularmente nítido
nos chamados deveres de criminalização.
Logo, é inegável o caráter reflexivo de algumas normas constitucionais disciplinando
deveres fundamentais, apesar destes, na maioria das vezes, efetivamente terem como
destinatário os particulares (como o dever de pagar impostos, prestar serviço militar, direito-
dever de voto, o dever da família com as crianças e adolescentes, o dever difuso de
solidariedade, entre tantos outros previstos na Constituição).
A principal classificação relacionada aos deveres fundamentais é aquela que os
divide em dois grandes grupos, a saber: deveres autônomos (ou genéricos) e deveres
correlatos (ou conexos) aos direitos, sendo que a característica marcante à divisão reside no
fato de estarem ou não os deveres materialmente relacionados a algum direito fundamental133.
130
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão
constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2012, p. 106-111.
131
SCHENK, Marcelo Duque. Curso de Direitos Fundamentais: teoria e prática. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 102.
132
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 5. ed. São Paulo:
Atlas, 2014, p. 62.
133
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais
na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 228.
56
134
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Deveres Fundamentais. In: Leite, George Salomão; Sarlet, Ingo
Wolfgang; Carbonell, Miguel. (Org.). Direitos, deveres e garantias fundamentais. 1. ed. Salvador: Jus Podivm,
2011, p. 325-345.
135
Ibid., p. 325 e ss.
136
Ibid., p. 325-345.
57
137
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Deveres Fundamentais. In: Leite, George Salomão; Sarlet, Ingo
Wolfgang; Carbonell, Miguel. (Org.). Direitos, deveres e garantias fundamentais. 1. ed. Salvador: Jus Podivm,
2011, p. 325-345.
138
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos
termos da lei.
139
XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo
os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.
140
XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a
ordem constitucional e o Estado Democrático.
58
141
Partindo de uma interpretação literal e topológica do dispositivo, percebe-se que a dignidade da pessoa
humana não foi prevista como um direito fundamental, mas sim como um valor fundante da República
Federativa do Brasil.
142
MORO, Sérgio Fernando. Direitos fundamentais contra o crime. In: CLEVE, Clémerson Merlin (Coord.).
Direito Constitucional Brasileiro: Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais. v I. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014. p. 560.
143
BVerfGE 88, 203 (Schwangerschaftsabbruch II) in MARTINS, Leonardo. Tribunal Constitucional Federal
Alemão: decisões anotadas sobre direitos fundamentais [Obra em 5 volumes]. v. 1: Dignidade humana, livre
desenvolvimento da personalidade, direito fundamental à vida e à integridade física, igualdade. Natal, 2016 [no
prelo].
59
146
GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Mandados expressos de criminalização e a proteção de direitos
fundamentais na constituição brasileira de 1988. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 162.
147
Ibid., p. 156.
148
BRASIL. Anais da Assembléia Nacional Constituinte. Publicação eletrônica elaborada pelo Senado Federal.
Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/atividadelegislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-
cidada/publicacoes/anais-da-assembleia-nacional-constituinte> Acesso em: 5 mar. 2016.
61
a participação de notáveis constituintes, dentre os quais convém destacar José Carlos Saboia,
o sociólogo Florestan Fernandes149, que se notabilizou por desenvolver estudos sobre a
questão racial no Brasil e Benedita da Silva, ativista ligada aos movimentos negros e de
favelas. Durante o curso dos trabalhos, restou patente que a mencionada Subcomissão teve
como norte principal a questão referente as desigualdades enfrentadas pela população negra (e
outras minorias que também foram objeto dos trabalhos, como os indígenas, deficientes e
homossexuais).
Por via de consequência, um dos temas mais recorrentes nas discussões temáticas
acabou sendo o racismo, haja vista ter sido identificado como um problema latente na
sociedade brasileira, mascarado pelo mito da democracia racial e (re)produtor de um status
quo de profundas iniquidades à população discriminada. Com efeito, a Subcomissão teve
como meta primordial adotar “mecanismos de resgate que possam colocar o negro numa
situação de igualdade150”, sendo a tônica das discussões ilustradas no seguinte trecho da fala
do constituinte José Carlos Saboia, in verbis:
149
Veja-se, por exemplo, a seguinte fala de Florestan Fernandes defendendo a tomada de posição constitucional
expressa de repúdio ao racismo: “Existem outras questões que são mais profundas e podem exigir amparo legal.
Daí a necessidade de o combate ao preconceito e a discriminação ser estabelecido constitucionalmente e
legalmente. O medo de sanções pode, pelo menos, levar a pessoa a não externar a sua hostilidade. Vão dizer que
essa não é uma grande vitória, mas já é uma vitória parcial. Certos comportamentos, não sendo repetidos
externamente com frequência, criam um elemento favorável ao seu desaparecimento gradativo. É preciso um
processo educativo e repressivo que não atinja só a escola. Tem que atingir todas as instituições-chaves da
sociedade, principalmente os mecanismos pelos quais as pessoas se impõem como um cidadão consciente de
seus direitos e deveres e dos mecanismos legais de que dispõe para se defender etc.” Ibid., p. 27.
150
BRASIL. Anais da Assembléia Nacional Constituinte. Publicação eletrônica elaborada pelo Senado Federal.
Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/atividadelegislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-
cidada/publicacoes/anais-da-assembleia-nacional-constituinte> Acesso em: 5 mar. 2016.
62
Portanto, nota-se que foi adotada uma política constitucional no sentido de combater
o racismo, com escopo de conferir efetividade ao princípio da igualdade, especialmente no
seu viés proibitório de discriminação negativa. Sendo encaminhada no respectivo anteprojeto,
elaborado pela Subcomissão em comento, a seguinte redação ao artigo relacionado ao
racismo, conforme segue: “Art. 3º Constitui crime inafiançável subestimar, esclareotipar ou
degradar grupos étnicos mesmos, por meio de palavras, imagens ou representações, através de
quaisquer meios de comunicações”152.
Outrossim, cumpre ressaltar que houve alteração no dispositivo anteriormente
destacado, tornando-se mais abrangente e genérico a fim de poder ser amplamente
concretizado pelo legislador infraconstitucional153. Todavia a ideia original de criminalizar o
racismo acabou preservada, sendo aprovado pela Assembleia Nacional Constituinte o
151
Disponívelem:<http://www2.camara.leg.br/atividadelegislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituic
ao-cidada/publicacoes/anais-da-assembleia nacional-constituinte> p. 67. Acesso em: 5 mar. 2016.
152
Ibid., p. 179.
153
“Em 12 de janeiro de 1988, o Deputado Carlos Alberto Caó apresentava, perante a Assembleia Nacional
Constituinte, emenda aditiva ao projeto de Constituição, segundo o qual a prática do racismo seria transformada
em crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei, em vista da seguinte
justificação: Passados praticamente cem anos da data da abolição, ainda não se completou a revolução política
deflagrada e iniciada em 1888. Pois impera no País diferentes formas de discriminação racial, velada ou
ostensiva, que afetam mais da metade da população brasileira constituída de negros os descendentes de negros
privados do exercício da cidadania em sua plenitude. Como a prática do racismo equivale à decretação da morte
civil, urge transformá-lo em crime”. SILVEIRA, Fabiano Augusto Martins. Da criminalização do racismo:
aspectos sociocriminológicos. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 66.
63
epigrafado inciso XLII, com a seguinte redação: “a prática do racismo constitui crime
inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”154.
Eis aí o mandado de criminalização do racismo dirigido ao legislador ordinário, por
força de uma clara opção política constitucional (dever fundamental de criminalização), que
inclusive definiu como crime não sujeito à regra geral da prescritibilidade e afiançabilidade,
bem como punido com a espécie de pena privativa de liberdade mais severa do ordenamento
(reclusão), no afã de reforçar a dignidade penal ínsita ao mandamento de tutela em voga.
Comentando o teor e a finalidade protetiva da norma fundamental em lume, José
Afonso da Silva assevera que:
No mesmo sentido, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves afirma que “a proibição do
racismo e a mensagem no sentido de sua criminalização, por igual, versam sobre o direito
fundamental à igualdade e à dignidade da pessoa humana”156.
De nossa parte, parece inquestionável que, a partir do que Canotilho denominou de
“dimensão objetiva do princípio à igualdade”157, a Constituição proclamou um dever
fundamental de criminalização correlato a tal preceito (em seu viés negativo), estabelecendo
uma garantia penal abrangente com o fim colimado de mitigar a discriminação racial
negativa, na medida em que tal prática promove ações de inferiorização prejudiciais ao
indivíduo ou grupo (no caso as pessoas negras), contribuindo sobremaneira para acentuar as
desigualdades e a subordinação social.
Resta-nos, doravante, a missão de investigar o tratamento jurídico dogmático (e
também sociológico, haja vista ser um fenômeno eminentemente de matiz social) perfilhado
ao racismo no Brasil, especialmente através da concretização infraconstitucional produzida a
fim de conferir forma ao mandado de criminalização ora examinado, para, ao final, propor um
154
Constituição da República Federativa do Brasil.
155
SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. 7. ed. São Paulo: Malheiros. 2010, p. 142-143.
156
Ibid., p. 159.
157
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra:
Livraria Almedina, 2003, p. 432.
64
rumo teórico no afã de dar um passo adiante no tema referente ao enfrentamento das
desigualdades vivenciadas pelas pessoas de etnia negra, em resumo, abordar o “para além” ao
dever de criminalização do racismo.
65
158
Veja-se interessante comentário ilustrativo: “Os negros alcançaram a liberdade no Brasil em 1888. Contudo, o
simples fato de ser livre não significa possuir dignidade e poder de usufruir os mesmos direitos dos brancos. A
Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel, só veio pôr fim à escravidão no Brasil, não garantindo qualquer
possibilidade participativa e de respeito dos recém-libertos. […]De um dia para o outro eles foram expulsos das
senzalas e jogados na miséria das cidades brasileiras do final do século XIX e começo do século XX. E, qual foi
a solução do Estado brasileiro para buscar a inclusão dos negros? A saída para tal questão se deu com o racismo
e a exclusão”. RODRIGUES, Eder Bonfim. A Igualdade Racial no Estado Democrático de Direito. Comentários
ao Estatuto da Igualdade Racial. SIMÃO, Calil (Coord.). Leme: J. H. Mizuno, 2011, p. 34-35.
66
tais pesquisas no sentido de que, efetivamente, o racismo é uma chaga aberta na sociedade
brasileira, verdadeira mola propulsora das desigualdades experimentadas pela população
negra, conforme será aprofundado nos tópicos que seguem.
159
GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Racismo e Antirracismo. 3. ed. São Paulo: Editora 34. 2009, p. 23.
160
Conforme destaca Lilia Moritz Schwarcz: “Gobineau, que permaneceu na corte do Rio de Janeiro durante
quinze meses, como enviado fracês, queixava-se: “Trata-se de uma população totalmente mulata, viciada no
sangue e no espírito e assustadoramente feia”. SCHWARCZ, Lilia Moritz. Racismo no Brasil. 2. ed. São Paulo:
Publifolha, 2013, p. 25.
161
SILVEIRA, Fabiano Augusto Martins. Da criminalização do racismo: aspectos sociocriminológicos. Belo
Horizonte: Del Rey, 2006. p. 02.
162
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Racismo no Brasil. 2. ed. São Paulo: Publifolha, 2013, p. 22.
67
1876) um “perfil” genético e físico do homem delinquente, com uma degenerescência atávica
que lhe impulsionava inelutavelmente para o crime – advogava pela necessária existência de
dois códigos penais, um deles para os brancos e outro para os negros, correspondentes aos
diversos níveis de evolução apresentados por esses grandes grupos163 164.
Todavia, uma importante característica da sociedade de nosso país não podia ser
solenemente ignorada pelos “homens de sciencia” da época, qual seja, a miscigenação,
fazendo com que a importação da doutrina racialista europeia, esteada na pureza e
superioridade da raça branca, sofresse uma adaptação à brasileira.
Nesse passo, ainda que o contato interracial fosse visto inicialmente como um
retrocesso, pois o mestiço era também tido como um ser biologicamente inferior, houve um
esforço para reconciliar os conceitos de raça e nação, movimento conhecido como
branqueamento. Assim, supostamente a nacionalidade brasileira estaria salva dentro de três
ou quatro gerações, por intermédio de um inusitado poder eugênico conferido à miscigenação
do mestiço com o branco, rumando, por fim, ao ápice do branqueamento da sociedade. Isso
trouxe reflexos inclusive na própria política de imigração ocorrida no Brasil, pavimentada na
figura central dos europeus (brancos, principalmente italianos e alemães) que aqui aportaram
com grande fluxo entre os idos de 1880 a 1920, tendo como principais incentivos o trabalho
livre e a ocupação territorial pela pequena propriedade, contando com o beneplácito e o
incentivo estatal165.
A expectativa era de que tais imigrantes contribuíssem decisivamente nesse
“redentor” processo de branqueamento da população brasileira, até então desenganadamente
mestiça – acreditava-se, inclusive, em um processo de seleção natural, com prevalência da
raça branca e paulatino desaparecimento dos negros e índios, vistos como imprevidentes,
indolentes, doentes e criminosos –, pois quanto mais próximo do branco, tanto quanto melhor,
163
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Racismo no Brasil. 2. ed. São Paulo: Publifolha, 2013, p. 22.
164
O determinismo racial impregnava o discurso jurídico da época, conclusão que pode ser facilmente percebida
na indagação feita por Nina Rodrigues no texto que segue, in verbis: “Pode-se exigir que todas as raças distintas
respondam por seus actos perante a lei com igual plenitude de responsabilidade penal? Acaso, no célebre
postulado da escola classica e mesmo abstrahindo do livre arbitrio incondicional dos metaphysicos, se pode
admitir que os selvagens americanos e os negros africanos, bem como os seus mestiços, já tenham adquirido o
desenvolvimento phisyco e a somma das faculdades psychicas, suficientes para reconhecer, num caso dado, o
valor legal do seu acto (discernimento) e para se decidir livremente a commettel-o ou não (livre arbitrio)? Por
ventura pode-se conceber que a conciencia do direito e do dever que teem essas raças inferiores, seja a mesma
que possue a raça branca civilisada”. RODRIGUES, Nina. As raças humanas e a responsabilidade penal no
Brasil. Apud SILVEIRA, Fabiano Augusto Martins. Da criminalização do racismo: aspectos
sociocriminológicos. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 11-12.
165
Ibid., p. 10-11.
68
chegando Nina Rodrigues até mesmo a cunhar a categoria de mestiço superior (aquele muito
próximo do branco e, portanto, mais evoluído)166.
É até intuitivo que estas teorias racialistas foram posteriormente totalmente refutadas
pela ciência. Principalmente depois dos horrores perpetrados na Segunda Guerra Mundial
pelo Nazismo, tendo como lamentável desfecho o que ficou mundialmente conhecido como
“Holocausto” – redundando no extermínio em massa de milhões de judeus, levado a cabo
principalmente após a deflagração da “Solução Final” –, considerados pela doutrina do
Partido Nacional Socialista como raça inferior a ariana (tal qual foi apregoado aqui no Brasil
com relação aos negros).
A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO)
promoveu em três oportunidades (1947, 1951 e 1964) grandes reuniões contando com a
participação de biólogos, geneticistas e cientistas sociais para avaliar o estado da arte no
campo dos estudos sobre “raças” e relações raciais, chegando-se a irretorquível conclusão que
as diferenças fenotípicas entre os indivíduos e grupos humanos, tal como as diferenças
intelectuais, morais e culturais, não podem ser atribuídas, diretamente, a distinções biológicas,
sendo meramente decorrentes de construções socioculturais e condicionantes ambientais,
restando afirmado categoricamente o seguinte: a quantidade de genes que proporciona uma
diferenciação física não autoriza biologicamente uma diferenciação de raças humanas167.
166
SILVEIRA, Fabiano Augusto Martins. Da criminalização do racismo: aspectos sociocriminológicos. Belo
Horizonte: Del Rey, 2006, p. 12-17.
167
GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Racismo e Antirracismo. 3. ed. São Paulo: Editora 34. 2009, p. 23-
24.
69
inusitada até então acerca da sociedade multirracial brasileira, invertendo o antigo pessimismo
e oferecendo elementos culturais como indicadores de análise168.
Contudo, Freyre mantinha inalterada em sua obra os conceitos de superioridade e
inferioridade de raças, além de não se furtar a relatar a violência que permeava o período
escravocrata. Porém, inova ao ver com bons olhos a questão relativa ao cruzamento de raças,
constitutiva de um fato singular da nação, fazendo com que o processo de miscigenação
parecesse como sinônimo de tolerância e fraternidade, suavizando a questão racial
subjacente169. O seguinte trecho da obra de Freyre, apto a ilustrar o quanto explicitado:
172
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Racismo no Brasil. 2. ed. São Paulo: Publifolha, 2013, p. 29.
173
Outros importantes autores se alinharam à teoria freyreana, a exemplo de Darcy Ribeiro, chegando este a
hiperbólica afirmação de que o Brasil seria uma nova Roma, e ao contrário do que ocorria em outros países, nos
quais se guardam contingentes claramente opostos à identificação com a macroetnia nacional, aqui, apesar da
multiplicidade de origens raciais e étnicas da população, não se encontram tais contingentes esquivos e dispostos
a se organizar segregados. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo.
Companhia das Letras. 2006. p 406-411.
174
SILVEIRA, Fabiano Augusto Martins. Da criminalização do racismo: aspectos sociocriminológicos. Belo
Horizonte: Del Rey, 2006, p. 24.
175
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Racismo no Brasil. 2. ed. São Paulo: Publifolha, 2013, p. 30.
71
176
SILVEIRA, Fabiano Augusto Martins. Da criminalização do racismo: aspectos sociocriminológicos. Belo
Horizonte: Del Rey, 2006, p. 35.
177
Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/16/opinion/1410894019_400615.html>. Acesso em:
09 abr. 2016.
178
SILVA. Maria Nilza da. O negro no Brasil: um problema de raça ou de classe? Revista Mediações, Londrina.
v. 5, n. 2, jul./dez. 2000, p. 110.
179
AGUIAR, Márcio Mucedula. “Raça” e Desigualdade: as diversas interpretações sobre o papel da raça na
construção da desigualdade social no Brasil. Revista Tempo da Ciência, (15) 29, 1.º semestre de 2008, p. 118.
180
BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Brancos e Negros em São Paulo. São Paulo: Companhia
Editorial Nacional. 1971, p. 71-72.
72
Para o supramencionado autor, existe uma desvantagem inicial dos negros por
consequência do período escravagista, todavia, na sociedade contemporânea, nota-se que a
maioria dos brancos se aproveitam da opressão racial para obter vantagens, redundante no
vigoroso processo de estratificação e pouca mobilidade social, sendo certo que na arena
181
AGUIAR, Márcio Mucedula. “Raça” e Desigualdade: as diversas interpretações sobre o papel da raça na
construção da desigualdade social no Brasil. Revista Tempo da Ciência, (15) 29, 1.º semestre de 2008, p. 119.
182
Ibid., p. 120.
183
HASENBALG, Carlos Alfredo. Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil. Rio de Janeiro: UERJ.
1979. p. 1118.
73
184
AGUIAR, Márcio Mucedula. “Raça” e Desigualdade: as diversas interpretações sobre o papel da raça na
construção da desigualdade social no Brasil. Revista Tempo da Ciência, (15) 29, 1.º semestre de 2008, p. 119.
185
HASENBALG, Carlos. Perspectivas sobre raça e classe no Brasil. In: HASENBALG, Carlos; LIMA, Márcia
e SILVA, Nelson Valle. Cor e Estratificação Social. Rio de Janeiro: Contra Capa Livravia, 1999, p. 28.
186
Nesse sentido: “De outro, no caso brasileiro, a mestiçagem e a aposta no branqueamento da população
geraram um racismo à brasileira, que percebe antes colorações do que raças, que admite a discriminação apenas
na esfera íntima e difunde a universalidade das leis, que impõe a desigualdade nas condições de vida mas é
assimilacionista no plano da cultura”. SCHWARCZ, Lilia Moritz. Racismo no Brasil. 2. ed. São Paulo:
Publifolha, 2013, p. 36.
74
190
GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Classes, Raças e Democracia. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2012. p.
35/42.
191
Ibid., p. 43.
192
Ibid., p. 44.
193
Ibid., p. 47.
194
Ibid., p. 64.
195
Ibid., p. 53-63.
196
Apontando os motivos preponderantes para a ocorrência de tal fenômeno, senão vejamos: “Temos que
reconhecer, primeiro, que o termo não desapareceu de todo, passando mais por uma submersão que um
desaparecimento. Em primeiro lugar, a expressão que passou a definir o nosso ideal de homogeneidade nacional,
nosso hibridismo demográfico e o reconhecimento da importância cultural de todos os povos para a nossa
formação foi o de democracia racial. Em segundo lugar, no uso burocrático e popular, o termo cor substitui o de
raça, mas deixa à mostra todos os elementos das teorias racistas – cor, no Brasil, é mais que cor de pele; na nossa
classificação, a textura do cabelo e o formato do nariz e lábios, além de traços culturais, são importantes
elementos de definição de cor (preto, pardo, amarelo e branco). Terceiro, o termo etnia, cunhado para dar conta
da diversidade cultural humana, passou também a ser usado no cotidiano das sociologias vulgares como
marcador de diferenças quase irredutíveis, ou seja, sinônimo de raça. Suprimia-se o termo raça sem que o
processo social de marcação de diferenças e fronteiras entre grupos humanos perdesse o seu caráter reducionista
e naturalizador”. Ibid., p. 63.
76
Portanto, ainda que possa causar alguma surpresa inicial a tese por nós defendida –
com base no aporte teórico do autor em liça – de se retomar temporariamente o conceito de
“raça” – até o momento em que não existam grupos sociais que se identifiquem a partir de
marcadores direta ou indiretamente derivados da ideia de raça e até quando as discriminações,
desigualdades e as hierarquias sociais não correspondam a tais marcadores197–, como termo
construído socialmente e que serve para manter o status quo discriminatório – apesar de
negarmos veementemente o racialismo –, correspondendo, em verdade, a um efetivo ponto de
partida para uma política antirracista séria e sincera, haja vista que o racismo não desaparece
com a mera negativa da existência de raças (conceito socialmente e dissimuladamente
construído), como se isso (a simples negativa do problema), em um passe de mágica, pudesse,
por si só, debelar a situação do negro estigmatizado no país.
197
Antônio Sérgio Guimarães aponta que tal postura acarretaria três avanços imprescindíveis, a saber: “1)
reconhecer o peso real e efetivo que tem a ideia de raça na sociedade brasileira, em termos de legitimar
desigualdades de tratamento e de oportunidades; 2) reafirmar o caráter fictício de tal construção em termos
físicos e biológicos; e 3) identificar o conteúdo racial das “classes sociais” brasileiras”. GUIMARÃES, Antônio
Sérgio Alfredo. Classes, Raças e Democracia. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2012, p. 56.
198
“Um número significativo de fontes aponta como fato catalisador da elaboração da primeira lei penal
antirracista do Brasil a indignação do então deputado federal mineiro Afonso Arinos de Mello Franco. O
parlamentar mineiro, ao entrar em uma confeitaria no Rio de Janeiro acompanhado de seu chauffeur negro, teve
este seu funcionário barrado em função de sua cor.” FARIAS, Vilson. Racismo à luz do Direito Criminal (com
incursão no Direito Comparado): Aspectos materiais, processuais e sociológicos. Pelotas: Livraria Mundial,
2015, p. 55.
199
Sobre a diferenciação entre crime e contravenção penal: “Por outro lado, se o preceito secundário não
apresentar as palavras “reclusão” ou “detenção”, estará se referindo a uma contravenção penal, uma vez que a lei
a ela comina pena de prisão simples ou de multa, isoladas, alternativa ou cumulativamente. […] Destarte, a
distinção entre crime e contravenção penal é de grau, quantitativa, e não ontológica. […] Cuida-se, em essência,
de espécies do gênero infração penal, diferenciando-se quanto à gravidade da sanção penal, mediante valores
escolhidos pelo legislador.” MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado. Parte Geral. 2. ed. São
Paulo: Método. 2009, p. 158-159.
200
Lei Federal nº 1.390, de 03 de julho de 1951.
77
A partir da alcunhada “Lei Afonso Arinos”, o Brasil recebeu um marco legal que
tipificava como infração penal – apesar de ter preferido a espécie contravenção penal, menos
grave - a prática de discriminações com contornos raciais, o que inegavelmente representou
um avanço legislativo, pois, na prática, tal atitude corresponde ao posicionamento oficial do
Estado brasileiro de que o racismo é um problema real e sistêmico, desafiando ações
concretas (inclusive repressivas), já que até então era totalmente invisível aos olhos da grande
população - muito em razão do mito da democracia racial - e alijado da agenda política
governamental201.
Assim, a Lei Federal nº 1.390/51, no curso de seus nove artigos, disciplinou como
contravenção penal, punido com pena de prisão simples máxima de um ano (cumulada ou não
com multa), em síntese, as seguintes condutas (tendo como pressuposto comum à
configuração de todos os tipos, na qualidade de elemento normativo, a demonstração de que o
agente teria agido motivado por preconceito de raça ou cor, além disso, o elemento subjetivo é
sempre o dolo): a negativa de atendimento em estabelecimento comercial ou de ensino (art.
1º); a recusa de hospedagem em hotéis, pensões e congêneres (art. 2º); a recusa de venda de
mercadorias ou serviços em restaurantes, bares, confeitarias e locais assemelhados, desde que
abertos ao público (art. 3º); a negativa de atendimento em locais de diversões ou esporte,
barbearias ou cabeleireiros (art. 4º); recusa de inscrição de aluno em estabelecimento de
ensino de qualquer curso (art. 5º); óbice de acesso a cargos e empregos públicos ou nas forças
armadas (art. 6º) e, ainda, a negativa de trabalho em autarquias, concessionárias, empresas
públicas e de economia mista, bem como empresas privadas. Já o artigo oitavo previa que nos
casos de reincidência, ocorridos em empresas e estabelecimentos particulares, o juiz poderia
determinar a suspensão das atividades por prazo não superior a três meses. Por fim, o artigo
nono determinava que a lei entraria em vigor quinze dias após a sua publicação.
Ocorre que – além de alguns aspectos gerais de ineficácia comuns às leis antirracistas
brasileiras (estes que serão abordados em item próprio) – percebeu-se que a Lei Afonso
Arinos pecou também pela casuística, limitando as condutas contravencionais à espaços
determinados (como bares, restaurantes, hotéis etc.) ou locais acessíveis ao público em geral
201
Nesse esteio, interessante a justificativa apresentada ao projeto de lei pelo seu autor, o Deputado Afonso
Arinos, senão vejamos: “Por mais que se proclame a inexistência, entre nós, do preconceito de raça, a verdade é
que êle existe, e com perigosa tendência a se ampliar. […] Nada justifica, pois, que continuemos
disfarçadamente a fechar os olhos à prática de atos injustos de discriminação racial que a ciência condena, a
justiça repele, a Constituição proíbe, e que podem conduzir a monstruosidade como os “pogrooms” hitleristas ou
a situações insolúveis como da grande massa negra norte-americana.” SILVEIRA, Fabiano Augusto Martins. Da
criminalização do racismo: aspectos sociocriminológicos. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 63.
78
202
SILVA, Kátia Elenise Oliveira da. O papel do Direito Penal no enfrentamento da discriminação. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 31.
203
Lei Federal 7.716, de 05 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.
79
José Sarney, notadamente os artigos 2º, 15, 17, 19), prevendo sanções com penas máximas de
até cinco anos de reclusão. E, se por um lado, o diploma normativo em comento teve como
grande mérito transformar em crime o que até então era tratado apenas como uma mera
contravenção penal, por outro, em que pese ter ampliado os espaços nos quais as condutas
discriminatórias puníveis poderiam ocorrer, acabou por manter a casuística da Lei Afonso
Arinos204, sendo esta uma das principais falhas em sua redação original.
Após, visando a ampliação do campo de atuação e repressão em âmbito penal do
racismo, foi então editada a Lei Federal nº 8.081, de 21 de setembro de 1990, passando a
estabelecer “os crimes e as penas aplicáveis aos atos discriminatórios ou de preconceito de
raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional, praticados pelos meios de comunicação ou
por publicação de qualquer natureza”205, inserindo no artigo 20 da Lei Caó, a punição de atos
discriminatórios (não mais apenas em razão de raça ou cor, mas agora também por religião,
etnia ou procedência nacional) cometidos através de veículos de comunicação ou publicações
de qualquer natureza.
Consubstanciando-se em importante mecanismo de elastecimento do tipo penal em
voga, o legislador adotou nupérrimo movimento introdutório de outros espaços ao campo de
incidência dos comandos normativos repressivos, refluindo a limitação arquitetônica
verificada até então, mesmo que ainda deixando circunscrito apenas aos meios de
comunicação206.
Posteriormente, verificou-se outra substancial alteração, promovida pela Lei Federal
nº 9.459, de 13 de maio de 1997, ampliando ainda mais o suporte fático do referido artigo 20
do Diploma de combate à discriminação, restando assim delineado, in verbis: “Art. 20.
Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa”207.
Nota-se, pois, que o legislador infraconstitucional inovou ao criar um tipo penal
aberto – tanto para quem pratica (autor propriamente dito), quanto para quem induz ou incita
204
SILVA, Kátia Elenise Oliveira da. O papel do Direito Penal no enfrentamento da discriminação. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 63-64.
205
Lei Federal nº 8.081, de 21 de setembro de 1990. Estabelece os crimes e as penas aplicáveis aos atos
discriminatórios ou de preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional, praticados pelos meios
de comunicação ou por publicação de qualquer natureza.
206
SILVA, Kátia Elenise Oliveira da. O papel do Direito Penal no enfrentamento da discriminação. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 71.
207
Lei Federal 9.459, de 13 de maio de 1997. Altera os arts. 1º e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que
define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, e acrescenta parágrafo ao art. 140 do Decreto-lei
nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
80
A Lei Federal nº 9.459/97 inseriu no Código Penal uma forma qualificada de injúria,
in verbis:
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: [...] § 3.º
Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia,
religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena - reclusão de um a três anos e multa209.
Prima facie podemos imaginar um conflito aparente de normas com o crime inserido
no artigo 20 da Lei Federal nº 7.716/89 (anteriormente citado), especialmente quando a
discriminação injuriosa é motivada por um dos quatro elementos destacados alhures (raça,
cor, etnia ou origem, sendo que os dois últimos, condição de pessoa idosa ou portadora de
deficiência não guardam relação com o tema aqui abordado). Assim, apressadamente, a
doutrina buscou estabelecer critérios para a definição e solução dessa aparente antinomia.
Restando assentado, de forma bastante pacificada até então (mas não imune a
críticas), o seguinte: a injúria racial é a exteriorização de uma ofensa à honra subjetiva da
vítima, atingindo o conceito que esta tem de si própria, já nos crimes raciais, por seu turno, há
uma afronta ao direito do ofendido, a partir de uma concepção de igualdade com outrem210.
Além disso, recorrentemente tem sido destacado que as diferenças (entre um e outro tipo
penal) estão basicamente na afetação de um bem jurídico individualíssimo (honra subjetiva) e
no sujeito passivo determinado ou determinável (na injúria racial), enquanto no crime de
208
Art. 2º: O art. 140 do Código Penal fica acrescido do seguinte parágrafo: Art. 140, §3º Se a injúria consiste na
utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem: Pena: reclusão de um a três anos e multa.
Lei Federal 9.459, de 13 de maio de 1997.
209
Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal.
210
SILVA Amaury; SILVA, Artur Carlos. Crimes de Racismo. Leme: J. H. Mizuno, 2012, p. 110.
81
racismo (do artigo 20, da Lei Federal nº 7.716/89) o agente generaliza no ato discriminatório,
atingindo toda uma coletividade211.
A nós, parece que a diferença é meramente sofística, não servindo para afastar, em
absoluto, a conotação de verdadeiro crime racial (da injúria em exame), em essência, seja
porque a Lei Federal nº 7.716/89 (e suas posteriores alterações) traz inúmeras condutas
cometidas contra apenas uma pessoa ou sujeitos determinados/determináveis (inclusive tal
possibilidade não resta afastada pela interpretação literal do artigo 20). Ademais, por óbvio,
uma das características mais marcantes em crimes desse jaez, é a ofensa à igualdade em seu
viés proibitório de discriminação negativa, constituindo-se esta a marca dos crimes raciais (e
não somente na injúria) a vítima ser atingida em sua autoestima ao sofrer inferiorização
perpetrada pelo discriminador.
Se analisado atentamente, perceberemos que tal raciocínio, ainda que muitas vezes
inconscientemente, não é negado pelos próprios doutrinadores que se esforçam para fazer a
distinção de tais figuras típicas, aceitando (até como forma de legitimar) a opção política
adotada no sentido de excluir a injúria real da legislação antirracista específica, veja-se o
seguinte trecho ilustrativo: “Não há como ignorar que a injúria racial denota uma atitude
profundamente discriminatória, sendo talvez a forma mais corriqueira pela qual o racismo se
deixa descobrir nas situações de conflito interpessoal”212.
Portanto, não resta outra alternativa viável, senão admitir que o legislador ordinário
deixou de incluir a injúria racial no bojo da Lei Federal nº 7.716/89 por mera opção de
política criminal, talvez porque esses casos sejam a grande maioria das situações de conflitos
motivados por discriminação racial que aportam no sistema de justiça, acarretando, assim, na
prática, o afastamento dos rigores constitucionais de inafiançabilidade e imprescritibilidade,
bem como na alteração do tipo de ação penal (no racismo a ação penal é pública
incondicionada, podendo o Ministério Público agir de ofício, todavia, na injúria racial, é
condicionada à representação do ofendido)213, salientando-se que a Constituição Federal não
211
SILVEIRA, Fabiano Augusto Martins. Da criminalização do racismo: aspectos sociocriminológicos. Belo
Horizonte: Del Rey, 2006. p. 236.
212
Ibid., p. 230. Em idêntico sentido: “Ou seja, embora haja nítida demonstração de racismo ou outra forma de
preconceito por parte do autor do delito, o crime em si não é classificado como delito de “racismo”, por não
fazer parte da Lei específica.” SANTOS, Christiano Jorge. Crimes de Preconceito e de Discriminação. 2. ed.
São Paulo: Saraiva. 2010, p. 143.
213
“A injúria qualificada é delito afiançável, prescritível, e de ação penal pública condicionada à representação
do ofendido (CP, art. 145, parágrafo único, com redação dada pela Lei 12.033/2009), enquanto o racismo, de
ação penal pública incondicionada, por mandamento constitucional expresso, constitui-se em crime inafiançável
82
Apesar dos esforços do constituinte e do legislador ordinário que, ao longo dos anos,
tentou ampliar o âmbito de incidência da Lei Federal nº 7.716/89, a verdade é que o Direito
Penal não conseguiu, por si só, refluir os casos de discriminação racial214. Podemos apontar
algumas causas explicativas de tal constatação, senão vejamos.
Talvez a principal delas seja a cultural. No Brasil, o racismo ainda é tratado
cinicamente, graças ao mito – não totalmente desconstruído – da democracia racial, apesar de
estar verdadeiramente disseminado na sociedade. Assim, na medida em que entendemos “o
controle penal intervém sobre os efeitos e não sobre as causas da violência, isto é, sobre
e imprescritível.” MASSON, Cléber Rogério. Direito Penal Esquematizado: parte especial. v. II. 3. ed. São
Paulo: Método, 2011, p. 184.
214
Kátia Elenise Oliveira da Silva, após constatar que não há um número expressivo de casos envolvendo
discriminação racial julgados pelo judiciário brasileiro, propõe a seguinte indagação: “Tal situação sugere duas
questões: ou os brasileiros não apresentam condutas discriminatórias e viveríamos numa sociedade quase ideal;
ou as leis que dispõem sobre os delitos de discriminação não estão sendo eficazes para enfrentar essa matéria,
exatamente pela gravidade dela e por ser uma conduta generalizada na sociedade brasileira, que apresentaria uma
forma de discriminação dissimulada. Como sabemos que “embora a segregação de jure não exista no Brasil, a
segregação de facto é uma realidade (Eccles, 1991, p. 148), é inviável pensarmos que a sociedade brasileira está
isenta de discriminações.” Referida autora conclui da seguinte forma: “Na realidade, o Estado não procurou
enfrentar efetivamente a questão das desigualdades materiais e descarregou toda a carga legislativa no Direito
Penal, cancelando o princípio da subsidiariedade ou da ultima ratio, para valorizar a lei penal antidiscriminatória
como sola ratio ou prima ratio para a solução social dos conflitos resultantes de discriminações.” SILVA, Kátia
Elenise Oliveira da. O papel do Direito Penal no enfrentamento da discriminação. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2001, p. 14-99.
83
215
BARATTA, Alessandro. Direitos Humanos: entre a violência estrutural e a violência penal. Trad. Ana Lúcia
Sabadell. Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 44-61, abr./maio/jun., 1993, p. 50. Apud
SILVA, Kátia Elenise Oliveira da. O papel do Direito Penal no enfrentamento da discriminação. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2001, p. 89.
216
Gustavo Távora Rodrigues elabora crítica semelhante ao referir que o Constituinte acreditou que o poder
originário que detinha poderia, através de uma norma superior, por si só, mudar a realidade ao estabelecer que o
racismo é crime grave, inafiaçável e imprescritível, o que não é possível. Muitos acreditaram cegamente no que
leram. Todavia, quando a norma está separada de sua funcionalidade, não gera efeitos em uma sociedade
potencialmente voltada à prática de tal delito. RODRIGUES, Gustavo Távora. O racismo escondido sob o manto
da lei. Revista de Direito e Práxis, v. 03, n. 05, UERJ – Rio de Janeiro. 2012, p. 71-75.
217
Art. 103, do Código Penal - Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou
de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o
84
acaba muitas vezes não o fazendo, ficando, assim, o órgão ministerial de mãos atadas em
casos tais.
autor do crime, ou, no caso do § 3º do art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento
da denúncia.
218
O julgado foi assim ementado (suprimimos alguns trechos de menor importância dada a extensão desta).
EMENTA: HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME
IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE
EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros “fazendo
apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias” contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na
redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e
imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). 2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os
judeus não são uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção
constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa. 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência.
Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens,
seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pelos ou por quaisquer outras características físicas,
visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na
essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de
conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a
discriminação e o preconceito segregacionista. 5. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo
de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta,
características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e
morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o
estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios
nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de
sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação
estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e
constitucional do País. 6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam
quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências
oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de
um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, “negrofobia”, “islamafobia” e o anti-semitismo. 7. A
Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da
ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a
abjeção da sociedade nacional à sua prática. 8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos
etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-
constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e
85
circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real
sentido e alcance da norma. [...] Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade
jurídica. [...] Ordem denegada. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 82.424/RS. Tribunal
Pleno. Relator Originário: Ministro Moreira Alves. Relator para o Acórdão: Ministro Maurício Corrêa. DJ nº 54
em 19/03/2004. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.aspnumDj=54&dataPublicacaoDj=19/03/2004&inc
idente=2052452&codCapitulo=5&numMateria=7&codMateria=1>. Acesso em: 07 mar 2015.
219
MARTINS, Leonardo. Bioética à luz da liberdade científica: estudo de caso baseado na decisão do STF
sobre a constitucionalidade da Lei de Biossegurança e no direito comparado alemão. São Paulo: Atlas, 2014. p.
212.
220
VIOLANTE, João Luís Mousinho dos Santos Monteiro. O caso Ellwanger e seu impacto no direito
brasileiro. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Dissertação de Mestrado. 2010. f. 130. p.
37.
221
Lei Federal nº 8.081, de 21 de setembro de 1990.
222
VIOLANTE, João Luís Mousinho dos Santos Monteiro. O caso Ellwanger e seu impacto no direito
brasileiro. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Dissertação de Mestrado. 2010. f. 130, p.
37.
86
223
VIOLANTE, João Luís Mousinho dos Santos Monteiro. O caso Ellwanger e seu impacto no direito
brasileiro. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Dissertação de Mestrado. 2010. f. 130. p.
38.
224
POTIGUAR, Alex Lobato. Igualdade e Liberdade: a luta pelo reconhecimento da igualdade como direito à
diferença no discurso do ódio. Universidade de Brasília. UNB – Brasília/DF. 2009. f. 146. p. 92.
225
Em sentido semelhante, mas sob o prisma analítico de análise da proporcionalidade na intervenção estatal no
direito fundamental de liberdade de manifestação e de comunicação social de Ellwanger, Leonardo Martins
apresentou circunstanciado parecer concluindo, em breve síntese, que o STF deveria ter concedido a ordem de
habeas corpus, haja vista que a medida (condenação do impetrante) não preencheria o subcritério da necessidade,
considerando que, mesmo impregnado por um discurso parcial e ideológico, Ellwanger teria tido a intenção de
contribuir, de alguma forma, ao debate da questão histórica, ainda que sob a perspectiva revisionista. Além disso,
havia outros mecanismos menos onerosos a sua liberdade no caso concreto para alcançar os fins estatais
almejados (o combate e a punição do racismo), como, por exemplo, um direito especial de resposta. MARTINS,
87
Leonardo. Bioética à luz da liberdade científica: estudo de caso baseado na decisão do STF sobre a
constitucionalidade da Lei de Biossegurança e no direito comparado alemão. São Paulo: Atlas, 2014, p. 211-238.
226
Nesse sentido, cita-se, de forma ilustrativo, o trecho respectivo da ementa “[...] 13. Liberdade de expressão.
Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não
pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As
liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os
limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de
liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode
constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos
princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas
Corpus n. 82.424/RS. Tribunal Pleno. Relator Originário: Ministro Moreira Alves. Relator para o Acórdão:
Ministro Maurício Corrêa. DJ n. 54 em 19/03/2004. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.aspnumDj=54&dataPublicacaoDj=19/03/2004&inc
idente=2052452&codCapitulo=5&numMateria=7&codMateria=1>. Acesso em: 07 mar 2015.
227
Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 82.424/RS. Tribunal Pleno. Relator Originário: Ministro
Moreira Alves. Relator para o Acórdão: Ministro Maurício Corrêa. DJ n. 54 em 19/03/2004. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=79052&tipo=AC&descricao=Inteiro%20Teor%20HC
%20/%2082424>. Acesso em: 1 maio 2016.
88
228
NETO, José Aldo Camurça de Araújo. A filosofia do reconhecimento: as contribuições de Axel Honneth a
essa categoria. In: Kinesis, v. V, n. 09, julho 2013, p. 53.
90
229
NETO, José Aldo Camurça de Araújo. A filosofia do reconhecimento: as contribuições de Axel Honneth a
essa categoria. In: Kinesis, v. V, n. 09, julho 2013, p. 53-54.
230
Nessa linha: “Portanto, com a inclusão da psicologia social de Mead, a ideia que o jovem Hegel traçou em
seus escritos de Jena com rudimentos geniais pode se tornar o fio condutor de uma teoria social de teor
normativo; seu propósito é esclarecer os processos de mudança social reportando-se às pretensões normativas
estruturalmente inscritas na relação de reconhecimento recíproco. O ponto de partida dessa teoria da sociedade
deve ser constituída pelo princípio no qual o pragmatista Mead coincidira fundamentalmente com o primeiro
Hegel: a reprodução da vida social se efetua sob o imperativo de um reconhecimento recíproco porque os
sujeitos só podem chegar a uma autorrelação prática quando aprendem a se conceber, da perspectiva normativa
de seus parceiros de interação, como destinatários sociais”. HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: a
gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Editora 34. 2009. p. 155
231
HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São
Paulo: Editora 34. 2009, p. 159.
232
Ibid., p. 159-160.
91
Pois bem, para a investigação profunda dessas relações primárias, Honneth volta-se à
psicologia infantil de Donald Winnicott, sublimando a relação entre a mãe e o bebê,
notadamente entendendo o desamparo psíquico do infante como a causa variante de todas as
angústias maduras da vida adulta. O ponto de partida de tal investigação é a fase de simbiose
entre o bebê e a sua genitora, chamada de “dependência absoluta”, as interações são
entendidas como um ciclo único, uma fase de intersubjetividade indiferenciada ou primária
(entre mãe e o bebê). Nada obstante, a partir de certo ponto, a fim de que tenha mais
independência social, a genitora começa a romper estes laços sincréticos absolutos com seu
rebento. Com isso, o bebê começa a perceber que ele e sua mãe são seres autônomos,
principiando o “reconhecimento do objeto como um ser com direito próprio”233.
Com efeito, ingressa o petiz na fase de “dependência relativa” utilizando-se, para
tanto, dois mecanismos psíquicos, a saber: a “destruição” e os “fenômenos transicionais”. O
primeiro consiste na adoção de atos agressivos (como forma de se rebelar contra a experiência
de perda da onipotência) em desfavor de sua mãe (mordidas, empurrões, entre outros),
progressivamente, ao notar a resistência desta, o infante começa a se tornar capaz de amá-la e
reconhecê-la sem fantasias narcisísticas de onipotência. O segundo são objetos como
travesseiros, brinquedos, pontas dos dedos polegares etc, nos quais o bebê deposita uma
relação de posse afetiva exclusiva, como elos de mediação entre a fase de simbiose e de
autonomia. A criança evolui na medida em que fica sozinha com tais objetos transicionais,
desenvolvendo confiança na relação de amor materno (ela mesmo diante de ataques
agressivos não lhe privou de seu amor), bem como desenvolvendo por conta disso uma
autoconfiança, indispensável nos projetos de autorrealização pessoal. Sendo possível, então,
concluir que o amor é uma forma de reconhecimento, o qual surgiu na medida em que a
criança reconheceu a sua mãe (o outro indivíduo) como uma pessoa independente234.
A outra forma ou padrão de reconhecimento é aquela inserida no âmbito das relações
jurídicas. Com base nos ensinamentos de Hegel e Mead, Honneth afirma que: só podemos
chegar a uma compreensão de nós mesmos, na qualidade de portadores de direitos, quando
possuímos, inversamente, um saber (assentindo) sobre quais obrigações temos de observar em
face do respectivo outro, motivo pelo qual o direito é entendido também pelo vezo da
233
HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São
Paulo: Editora 34. 2009, p. 161-168.
234
Op. cit., p. 168-177.
92
235
HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São
Paulo: Editora 34. 2009, p. 179.
236
NETO, José Aldo Camurça de Araújo. A filosofia do reconhecimento: as contribuições de Axel Honneth a
essa categoria. In: Kinesis, v. V, n. 09, julho 2013, p. 56.
237
HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São
Paulo: Editora 34. 2009, p. 198-206.
238
Ibid., p. 199.
93
239
Aqui faz-se necessário um esclarecimento: em que pese não desconhecermos o intenso debate permeado por
acirradas críticas recíprocas entre ambos os autores adotados como referenciais teóricos das “teorias do
reconhecimento”, quais sejam, Axel Honneth e Nancy Fraser, entendemos – ao largo de uma discussão filosófica
mais profunda, tendo em vista que refoge aos objetivos da presente dissertação, eminentemente jurídica - que
seus trabalhos são mais complementares à problemática ora analisada do que excludentes. Ademais, pensamos
que a discussão teórica entre a concepção supostamente monista (reconhecimento) de Honneth e aparentemente
dualista de Fraser (redistribuição e reconhecimento) é um tanto quanto sem sentido, pois, na linha do
pensamento de Nathalie de Almeida Bressiani, o reconhecimento em Honneth não se restringe à cultura, mas sim
a todas as formas de interações sociais, remetendo às expectativas morais de comportamento intersubjetivas, ou
seja, ainda que Honneth não se refira expressamente às questões redistributivas, não as repele. Ademais, a teoria
de Fraser – apesar de socialmente dualista - tem uma fundamentação normativa monista, pois escorada em um
único princípio, qual seja, da paridade de participação, consoante será demonstrado adiante. BRESSIANI,
Nathalie de Almeida. Economia, Cultura e Normatividade. O debate de Nancy Fraser e Axel Honneth sobre
94
redistribuição e reconhecimento. São Paulo. Universidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado. 2010. 151 f.
p. 15-16/31.
240
FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era “pós-socialista”.
Revista Cadernos de Campo. São Paulo, n. 14-15, 2006, p. 232.
241
Ibid., p. 235.
95
legais plenos e proteções igualitárias à população negra. Por tudo isso, a lógica deve ser a de
promover reconhecimento positivo a esse grupo socialmente desvalorizado242.
Nancy Fraser propõe o seu modelo ambivalente de justiça: de modo bifocal, usando
duas lentes diferentes de forma concomitante. Vista por uma das lentes, a justiça é uma
questão de distribuição isonômica, já pela outra, uma questão de reconhecimento recíproco,
cada qual focando um importante aspecto de justiça social, mas nenhuma isoladamente
suficiente. Pelo viés distributivo, a injustiça surge na forma de desigualdades semelhantes às
de classe, baseadas na estrutura econômica da sociedade, de outro bordo, do ponto de vista do
reconhecimento, por contraste, a injustiça surge na forma de subordinação de estatuto,
presente nas hierarquias institucionalizadas de valor cultural, abarcando a dominação, o
desrespeito e o não-reconhecimento243.
Todavia, adverte a autora que não é tarefa fácil mesclar a redistribuição e o
reconhecimento, sem correr o risco de uma esquizofrenia filosófica, sendo que a sua
estratégia, para tanto, consiste em adotar uma concepção um pouco diferenciada daquela
anteriormente apresentada por Honneth no que tange ao reconhecimento (esta distinção
quanto à teoria de Honneth deve ser ressaltada porquanto traz importantes consequências). O
reconhecimento prima facie tem sido relacionado à ética (normalmente vinculada à concepção
de bem, de vida boa), não sendo normalmente atrelado à normas universalmente vinculatórias
(moralidade), ao contrário, exigindo o julgamento sobre o valor de determinadas práticas
culturais e identidades variadas. Entretanto, Fraser, trata a busca por reconhecimento como
reinvidicação por justiça (aquilo que é correto, concepção de justo, inserido no campo da
moralidade), dentro de uma noção ampliada de justiça, tendo como resultado trazê-lo (o
reconhecimento) de volta ao campo da moralidade244.
Para tanto, a mencionada autora rompe com o modelo padrão de reconhecimento,
propondo que este seja adotado como uma questão de status social (e não apenas de
identidade de determinado grupo), o denominado modelo de status, examinando os padrões
institucionalizados de valoração cultural em função de seus efeitos sobre a posição dos atores
sociais. Em consequência disso, o que exige reconhecimento não é a identidade específica de
um grupo, mas a condição dos membros desse grupo como parceiros (não)integrais na
interação social. Logo, o não reconhecimento, deixa de significar uma depreciação ou
242
Op. Cit., p. 235-236.
243
FRASER, Nancy. A justiça social na globalização: redistribuição, reconhecimento e participação. Revista
Crítica de Ciências Sociais. Coimbra. n. 63. Outubro. 2002. p. 10-12.
244
FRASER, Nancy. Reconhecimento sem ética? Revista Lua Nova. São Paulo, 70. 2007, p. 103-106.
96
245
Ibid., p. 107-108.
246
A autora ainda fornece ilustrações concretas de sua proposta, conforme segue: “No modelo de status, então, o
não reconhecimento aparece quando as instituições estruturam a interação de acordo com normas culturais que
impedem a paridade de participação. Exemplos abrangem as leis matrimoniais que excluem a união entre
pessoas do mesmo sexo por serem ilegítimas e perversas, políticas de bem-estar que estigmatizam mães solteiras
como exploradoras sexualmente irresponsáveis e práticas de policiamento tais como a “categorização racial” que
associa pessoas de determinada raça com a criminalidade. Em todos esses casos, a interação é regulada por um
padrão institucionalizado de valoração cultural que constitui algumas categorias de atores sociais como
normativos e outros como deficientes ou inferiores.”. Ibid., p. 108.
247
Ibid., p. 119-120.
97
248
Lei Federal 10.678, de 23 de maio de 2003.
249
Importante destacar que há poucos dias atrás foi editada a Medida Provisória 726, de 12 de maio de 2016,
pelo atual Presidente, em exercício, Michel Temer (tendo em vista o afastamento da Presidente Dilma Rouseff,
em razão da admissibilidade no Senador Federal do processo de impeachment), extinguindo o Ministério das
Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, entre outros e transferindo suas
atribuições para o Ministério da Justiça e Cidadania, o que nos parece um terrível retrocesso. Medida Provisória
726, de 12 de maio de 2016. Altera e revoga dispositivos da Lei no 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe
sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios.
250
Tais atos administrativos chegaram a ser questionados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, através de
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Tendo a Corte Suprema decidido, à unanimidade, pela
constitucionalidade do ato impugnado, por ser efetiva concretização do princípio da igualdade material,
conforme a seguinte ementa do julgamento. “EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE
PRECEITO FUNDAMENTAL. ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM
BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM
INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT, III, 3º,
IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205, 206, CAPUT, I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. I – Não contraria - ao contrário, prestigia
– o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o
Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de
indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais
determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a
permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. II – O modelo
constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de
uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade. III – Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a
constitucionalidade das políticas de ação afirmativa. IV – Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário,
o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem
ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais,
isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés,
ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro. V –
Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou
socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas
pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da
Constituição. VI – Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço
coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados,
muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes. VII – No entanto, as políticas de ação
afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à
persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam
98
converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da
coletividade como um todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o espírito de qualquer Constituição
que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os
fins perseguidos. VIII – Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente”. BRASIL.
Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 186-DF. Plenário. Relator:
Ministro. Ricardo Lewandowski. Julgado em 26 de abril de 2012. DJE 20/10/2014 - ATA Nº 153/2014, nº 205.
Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6984693>. Acesso em: 5
maio 2016.
251
Conselho Nacional de Justiça. Resolução n. 203, dispõe sobre a reserva aos negros, no âmbito do Poder
Judiciário, de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos
efetivos e de ingresso na magistratura. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/9a611858af6527b18086412c07b0d848.pdf>
Acesso em: 5 maio 2016.
252
Lei Federal nº 12.990, de 09 de junho de 2014. Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas
oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da
administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de
economia mista controladas pela União.
99
acabaram sendo extirpadas ou alteradas em prejuízo da causa em voga, como, por exemplo:
previsões vinculativas de financiamentos às políticas públicas, estabelecimento de um amplo
sistema de ações afirmativas de cotas, a saber: reserva de vagas no serviço público (efetivos e
comissionados), incluindo cargos eletivos, incentivos fiscais à iniciativa privada que
mantivesse em seus quadros determinado número de empregados negros, além de
estabelecimento de percentuais para a participação de negros em campanhas publicitárias e
programações das emissoras de televisão, bem como a criação de programas de acesso à
justiça da população negra, entre outras253.
Demonstrado isso, pensamos ser factível afirmar que assistimos ao início de um lento
e imprescindível processo de inclusão das pessoas negras em nosso país – ainda que
atualmente muito longe do ideal, seja em razão do curto espaço de tempo dessa viragem
paradigmática, não madura o suficiente para pôr fim nesse sedimentado histórico de
subordinação, seja porquanto necessário avançar ainda mais na adoção de outras políticas
públicas que permitam a redistribuição e o reconhecimento.
253
Remetemos o leitor ao interessante quadro esquemático apresentado em artigo da lavra do autor do Projeto de
Lei mencionado, à época Deputado Federal (hoje Senador) Paulo Paim, no qual estão demonstrados os
mecanismos da redação original do Estatuto da Igualdade Racial que acabaram sendo alijados ou alterados
posteriormente em decorrência do processo legislativo. PAIM, Paulo. A verdadeira liberdade. In: RIBEIRO,
Matilde (Coord.). As políticas de Igualdade Racial: Reflexões e Perspectivas. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2012, 165-166.
100
254
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010,
p. 307.
255
STEINER, Renata C. Solidariedade e deveres fundamentais. In: CLEVE, Clémerson Merlin (Coord.). Direito
Constitucional Brasileiro: Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais. v. 1. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 290.
256
Ibid., p. 287.
101
257
CONSONI, Cristina Foroni. Democracia e os discursos de ódio religioso: o debate entre Dworkin e Waldron
sobre os limites da tolerância. Ethic@ – Florianópolis, Santa Catarina, v. 14, n. 02, p. 174-197, dez. 2015.
258
Nesse sentido, citamos a título ilustrativo o caso Brandenburg v Ohio ([1969], 395 U.S. 444), no qual a
Suprema Corte americana considerou lícita a manifestação explícita, em rede nacional de televisão, de discursos
discriminatórios contra negros e judeus, proferidos por integrantes da Ku Kux Klan, em tais discursos os
ofensores professavam a superioridade branca, defendendo a expulsão dos negros para a África e dos judeus para
Israel. ÁLVARES, Silvio Carlos; MARCHERI, Pedro Lima. A epistemologia do racismo no Brasil. Revista de
Informação Legislativa. v. 52, n. 208, p. 149-166, out./dez. 2015, p. 1432.
259
CONSONI, Cristina Foroni. Democracia e os discursos de ódio religioso: o debate entre Dworkin e Waldron
sobre os limites da tolerância. Ethic@ – Florianópolis, Santa Catarina, v. 14, n. 02, p. 174-197, dez. 2015.
102
260
CONSONI, Cristina Foroni. Democracia e os discursos de ódio religioso: o debate entre Dworkin e Waldron
sobre os limites da tolerância. Ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, v. 14, n. 02, p. 174-197, dez. 2015.
261
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade
livre, justa e solidária;
262
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação.
263
STEINER, Renata C. Solidariedade e deveres fundamentais. In: CLEVE, Clémerson Merlin (Coord.). Direito
Constitucional Brasileiro: Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais. v. 1. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014. p. 292.
103
264
Ibid., p. 292.
265
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010,
p. 297.
266
Ademais, o referido autor apresenta alguns exemplos de produções legislativas baseadas no princípio da
solidariedade, que impõem certos deveres sociais aos particulares, tais como: a gratuidade nos transportes aos
idosos; regras específicas de reajustes de planos de saúde de pessoas idosas; obrigações dirigidas aos bancos
privados de destinarem parte dos recursos aos programas de financiamentos popular. SARMENTO, Daniel.
Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010, p. 297. São inúmeros
exemplos assim, poderíamos acrescentar a obrigatoriedade de empresas privadas (a depender do porte) de
empregarem menores aprendizes, deficientes; a meia entrada para estudantes e idosos em eventos culturais, entre
outros.
104
Enfim, o fato é que ainda temos um longo caminho pela frente, de modo a
aprofundar a reflexão e voltar a lupa social à causa da população negra, no afã de que
efetivamente tais pessoas abandonem - de uma vez por todas - as amarras da escravidão.
105
7 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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Preconceito na Perspectiva das Representações Sociais: Análise da Influência de um
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______. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 203, dispõe sobre a reserva aos negros,
no âmbito do Poder Judiciário, de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos
públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na magistratura. Disponível em:
110
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c07b0d848.pdf>. Acesso em: 05 maio 2016.
______. Lei Federal nº 1.390, de 03 de julho de 1951. Inclui entre as contravenção penais a
prática de atos resultantes de preconceito de raça ou de cor.
______. Lei Federal nº 12.990, de 09 de junho de 2014. Reserva aos negros 20% (vinte por
cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e
empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações
públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.
______. Lei Federal nº 10.678, de 23 de maio de 2003. Cria a Secretaria Especial de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República, e dá outras providências.
______. Lei Federal nº 9.459, de 13 de maio de 1997. Altera os arts. 1º e 20 da Lei nº 7.716,
de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, e
acrescenta parágrafo ao art. 140 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
______. Medida Provisória 726, de 12 de maio de 2016. Altera e revoga dispositivos da Lei
no 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da
República e dos Ministérios.
______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 82.424/RS. Tribunal Pleno. Relator
Originário: Ministro Moreira Alves. Relator para o Acórdão: Ministro Maurício Corrêa. DJ nº
111
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