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Resumo
Palavras-chave
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 1, p. 203-2015, jan./mar. 2015. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022015011682 203
Knowledge, art, and education in Plato’s Republic
Abstract
Keywords
204 http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022015011682 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 1, p. 203-2015, jan./mar. 2015.
Introdução 1997; JEAGER, 1989; NOËL, 1996), mesmo que os
sujeitos entregues à sensibilidade não consigam
Interrogamos qual o tipo de relação que perceber tal legalidade.
se pode estabelecer entre conhecimento, arte e Para a problemática acima configurada,
formação no pensamento platônico presente na o conceito de ideia, central na República, será
República. Amparamo-nos, ainda, para o des- o fio condutor da discussão. Ressalte-se que
velamento do problema, nas obras Íon e Hípias forma é a palavra portuguesa que melhor
Maior, assim como nos comentadores Giovanni traduz o eidos grego, especialmente no sentido
Reale (1997), Werner Jaeger (1989), Ross (1976), platônico (BRISSON; PRADEAU, 2010). Eidos
Detienne (1988), entre outros. A partir desse é, originariamente, usado para definir os
questionamento, procura-se compreender tam- aspectos exteriores dos objetos sensíveis. Só
bém que sentido pode ter, na República, uma posteriormente adquire, em Plantão, o sentido
estética como reflexão a respeito da beleza, que metafísico de essência inteligível (REALE, 1997).
é um conceito fundamental para se entender em Daí porque o sentido de formação
profundidade o ideal de formação em Platão. contido na paideia platônica, na República, não
Com base na leitura e interpretação dos pode se circunscrever a uma ação de reprodução
textos mencionados, objetivamos explicitar de de um ethos existente, mas remete sempre a um
que modo se conectam, na República, arte e dever-ser, a uma espécie de ideal regulador que
educação, com a mediação da gnosiologia e da se constitui em horizonte das ações educativas.
correspondente metafísica do belo. Pode-se dizer, A educação como um tipo de ato humano
desde já, que a Filosofia do belo não se confundi- e humanizante só pode ser pensada, na tradição
ria com uma possível Filosofia da arte, entendida democrática, em espaços de liberdade. Por isso,
como um saber filosófico a respeito da arte. é eminentemente política. Em Platão, tanto o
Deve-se destacar que a abordagem do nos- formativo quanto o ético-político pressupõem
so questionamento é fortemente epistemológica, a atividade teórica da filosofia, da qual deriva
pois defendemos que a compreensão da posição um saber superior, epistêmico, que se sobrepõe
platônica dos fenômenos estéticos, especialmente à opinião e aos conhecimentos técnicos.
dos poéticos, em sua relação com a educação, só No livro VI da República (509a-511e),
pode ser desvelada a partir da sua teoria do conhe- Platão (1988) apresenta os pares de conceito
cimento especialmente desenvolvida na República. episteme e eide, em contraposição à doxa
No enquadramento teórico do objeto de e aistheta. Cada membro do par admite
investigação, reconhece-se que a preocupação subdivisão, de modo que habitam o mundo
da filosofia platônica com a estética só ganha inteligível tanto os objetos matemáticos quanto
sentido quando entendida como parte de uma as ideias. Por consequência, tem-se, na esfera
reflexão a respeito das faculdades cognoscentes cognoscente, o conhecimento matemático e a
em conexão com os seus objetos. Enquanto dialética. No entanto, o modelo de conhecimento
forma de conhecimento ou saber, a estética teria capaz de fundamentar a verdadeira política é o
de ser definida como um saber superficial por se epistêmico dialético.
debruçar sobre o aspecto aparente, circunstancial, O segundo par de conceitos subordina-
contingente e acidental da realidade. -se ao primeiro, podendo-se subdividir os entes
No caso de se admitir que há beleza nos que habitam o mundo sensível em sombras e
entes sensíveis – a exemplo das construções objetos sensíveis, aos quais correspondem duas
arquitetônicas, esculturais, vasos, pinturas e formas sensíveis de conhecimento, conjectura e
mesmo da natureza –, faz-se necessário reconhecer, intuição sensível.
também, que há um cânon, uma forma, uma regra A tecne, como conhecimento produtivo,
racional organizando-lhes a estrutura (REALE, também não se afasta da esfera do sensível, não
206 Damião Bezerra OLIVEIRA; Waldir Ferreira de ABREU. Conhecimento, arte e formação na República de Platão
representada por um tipo de atividade artesã: desde muito cedo, uma filosofia ou mesmo
a ação do oleiro sobre a argila a fim de lhe uma metafísica do belo. A preocupação do
conferir uma forma de perfeição antecipada pensamento filosófico inclui, essencialmente,
no intelecto. Pode-se entender a profunda a dimensão antropológica e educacional, que
correlação entre os conceitos de educação e de aponta para a negação/superação da estética,
beleza na expressão grega kalos kagathos (kalos ou menos radicalmente, para o reconhecimento
kai agathos – ), que se poderia dos limites das formas meramente sensíveis
traduzir como belo e bom (JAEGER, 1989; na apreensão/constituição da verdade, da vida
BRISSON; PRADEAU, 2010). ética e do ideal de perfeição existencial.
Formação, de modo mais eminente, é Pode-se dizer, pois, que há uma relação
uma atividade que começa e atinge a sua finali- essencial entre os conceitos constitutivos do
dade no próprio homem, independentemente de ideal de beleza e o dever-ser formativo, que se
fins ulteriores e exteriores (MONDOLFO, S.D.). corporifica em um ethos, em um tipo de atitude
Não é um treinamento ou habilidade que se de cuidado desinteressado próprio ao filósofo
adquire como instrumento para a realização de (ARENDT, 1988) e que, portanto, só adquire
uma tarefa técnica ou prática, por mais impor- sentido pleno na sua atividade, que passa a ser
tantes e necessários que sejam esses domínios modelar para a educação, como veremos a seguir.
para a existência.
Formar não seria reproduzir as formas Conhecimento, poesia (poiésis) e
empíricas e particulares de humanidade, de formação na República
acordo com os costumes e hábitos imediatos,
mas, antes, a tentativa de atingimento de um Ninguém duvidou nem duvida da
alto ideal de humanidade cuja essência é a busca importância cultural e educacional da
da perfeição a partir da conexão e integração existência mitopoética e das suas produções
do verdadeiro, do belo e do bom (ROSS, 1976). no cenário filosófico originário; a filosofia,
Daí porque a noção de antropoplastia inclusive, como pensamento instituinte, ocupa-
grega, vista enquanto uma espécie de mentalidade -se, em grande parte, da crítica a essa tradição
comum que funda a educação, a cultura e o ideal nas suas pretensões educacionais. É nesse
de belo, não exclui os campos do não humano. contexto que as reflexões de Platão em diálogos
Pelo contrário, há uma correlação simétrica como Íon, Hípias Maior e República ressaltam,
entre microcosmo e macrocosmo, antropoplastia entre outros temas, a excelência da educação
e cosmoplastia. Contudo, só se compreende a filosófica (PLATÃO, 1980a; 1980b; 1988). O
antropoplastia contida na paideia e na Bildung filósofo reivindica para si o papel de mestre
quando se toma o componente humano na sua da verdade, que anteriormente era atribuído ao
emblematicidade (JAEGER, 1989). poeta (DETIENNE, 1988) e, consequentemente,
Pode-se asseverar, portanto, que a contesta o estatuto de formador do poeta e
compreensão originária de formação liga- toma para si a tarefa de formar adequadamente
-se, essencialmente, ao ideal de beleza, pois a os entes humanos.
possibilidade de educar implica um ir além de Muito embora as obras platônicas
objetivos meramente empíricos e pragmáticos mencionadas não convirjam em diversos
e aponta, assim, para a necessidade imperativa aspectos a respeito dos quais não nos
de alcançar a formação segundo uma regra de deteremos, em todas elas, a preocupação de
um tipo humano desejável, um dever ser. fundo é, primordialmente, gnosiológica. Ganha
Assim, se a filosofia é incompatível ou centralidade a capacidade de revelar a verdade
não pode se identificar com a estética, não como primeiro passo para se alcançar o belo, o
haveria nenhum contrassenso em se admitir, bom e o justo. Em função disso é que se mostram
208 Damião Bezerra OLIVEIRA; Waldir Ferreira de ABREU. Conhecimento, arte e formação na República de Platão
que compõem a bela educação cujo coroamen- desgraciosidade. A falta de graça, de ritmo
to ocorre com a filosofia. ou de harmonia é parente próxima da
A respeito de como pensa a relação linguagem viciosa e dos maus costumes,
desses componentes formativos, Platão é assim como os seus contrários o são das
bastante explícito: qualidades opostas: a ponderação e a
retidão de conduta; irmãs e cópias fiéis.
E foi provavelmente visando a esses dois (PLATÃO, 1988, p. 159).
princípios, segundo penso, que alguma
divindade deu aos homens as artes da A República é, sem qualquer dúvida, uma
Música e da Ginástica, para o alimento obra essencialmente imbuída de preocupações
da coragem e a sede do saber, não para políticas – reflete-se sobre o conceito de justiça, de
a alma e o corpo, a não ser apenas como polis justa – mas não se pode deixar de considerar
acessórios, mas tendo em vista aqueles que a educação política para constituir a cidade
dois princípios, a fim de se harmonizarem é o tema correlativo e igualmente importante.
reciprocamente, por meio da tensão e do A polis, a sua educação, a arte, a poesia, todos
relaxamento, conforme as circunstâncias esses elementos só podem ser compreendidos e
(PLATÃO, 1988, p. 174-5). integrados a partir da compreensão ontológica
e gnosiológica do platonismo cuja base é a já
Há clara hierarquização na relação da conhecida teoria das ideias.
alma com o corpo, na qual este se subordina É no segundo livro da República que
àquela, embora haja, simultaneamente, mútua Platão, pela primeira vez, refere-se claramente
dependência, ainda que desigual, por conta da ao lugar dos artistas e poetas, em uma polis
própria diferenciação presente na relação de não sadia. Eles agrupam-se por uma espécie de
subordinação. O domínio do anímico – lugar semelhança de família a uma série de outros
da sabedoria e da coragem – é o princípio que personagens que compõem uma cidade cuja
rege a ideia de harmonização na busca de uma formação está danificada. Revela-se aqui, a
educação verdadeira, boa, justa e bela. contrário, a crítica do filósofo ao estado de coisas
O ideal de beleza da educação aparece no existente, pela desarmonia e desproporção dos
diálogo entre Glauco e Sócrates, quando o último componentes da cidade:
indaga retoricamente o seu interlocutor: “E agora,
perguntei, não te parece que chegamos ao fim Neste caso, seremos forçados a aumentar
de nossa exposição sobre a Música? Pelo menos consideravelmente a cidade; a primeira,
terminou onde deveria terminar, pois a Música a sadia, já se nos revelou insuficiente;
deve acabar no amor ao belo” (PLATÃO, 1988, p. teremos que sobrecarregá-la com o lastro
162). Antes, afirmara, a respeito da finalidade de de pessoas cuja presença não é exigida por
diversas atividades poiéticas da polis, assim como nenhuma necessidade, como toda classe de
da constituição da própria natureza, que deveriam caçadores e de imitadores, muitos dos quais
ser apreciadas tomando-se o belo, expressão da se ocupam com figuras e cores, muitos,
proporção e harmonia, como critério: também, com música: são os poetas e seus
servidores: rapsodos, atores, dançarinos,
[…] cheia delas está a pintura e todos os empresários e também os fabricantes de
trabalhos dessa natureza, a arte do tecelão, artigos de toda espécie, principalmente de
a do bordador e a do arquiteto, bem uso feminino […]. (PLATÃO, 1988, p. 116).
como a manufatura de objetos em geral,
a estrutura dos corpos e o conjunto das Recusa-se o estatuto do poeta existente,
plantas: em tudo se nota a proporção ou porque ele só seria adequado à cidade não sadia.
210 Damião Bezerra OLIVEIRA; Waldir Ferreira de ABREU. Conhecimento, arte e formação na República de Platão
se possa discernir entre verdade e falsidade, tragédia e na comédia, conforme disseste, ou
aparência e realidade, como é o caso das apenas da exposição do poeta. Os melhores
crianças que serão devidamente educadas para exemplos desse tipo de composição
a nova polis. encontrarás nos ditirambos; há uma terceira
Em última e decisiva instância, o filósofo modalidade, em que se dá a combinação
é o único a discernir, rigorosamente, entre apa- dos dois processos: é o que se verifica
rência sensível e essência inteligível. Daí porque na epopéia e em muitas outras formas de
está habilitado a censurar a falsidade poética e poesia […]. (PLATÃO, 1988, p. 148).
selecionar os elementos que sejam portadores de
verdade, de acordo com o estágio educacional de Observa-se, pois, a resistência maior do
cada membro da polis. Quanto aos demais cida- filósofo ao gênero dramático, no qual se produz
dãos, por lhes faltar o discernimento filosófico, personagens, falas, gestos, ambientes, sem
serão poupados do perigoso contato com a sedu- sinais de que há uma voz fabuladora e ficcional.
tora falsidade poética, sob pena de sucumbirem Portanto, o efeito de realidade é mais intenso
aos seus encantos e se deixarem invadir por ela e, consequentemente, o poder formativo nos
e, uma vez assim formados, dificilmente terão o espectadores.
seu ethos alterado em direção ao bem. Nos seus diálogos, Platão representa as
Produções poéticas e artísticas já personagens e reproduz diretamente as suas
existentes, passadas, serão censuradas e falas; descreve os espaços em que ocorrem as
selecionadas. As que vierem a se constituir, na ações e, por vezes, narra indiretamente umas
cidade imaginada por Platão, já se enquadrarão poucas ações dialógicas. A própria República
nos princípios de verdade da nova política. enquadra-se no gênero narrativo, pois nela
Certamente faltaria autonomia à Platão conta, em dez livros, a história do
atividade poética, liberdade de criação, na encontro de Sócrates, Polemarco, Céfalo,
medida em que se defende a subordinação Glauco, Adimanto e Trasímaco.
da poesia aos determinantes éticos, morais, Platão estaria imitando a ação e os
políticos e educacionais. Isso soa estranho aos caracteres dos personagens, o aspecto dos
contemporâneos, para quem a arte é atividade espaços culturais e dos ambientes naturais?
livre, singular e insubordinada a quaisquer As suas obras filosóficas, ao se organizarem
valores que não sejam estritamente estéticos. em diálogos, com personagens, poderiam
No entanto, para Platão, na República, a legitimamente ser consideradas poéticas? É
arte é imitação na qual a realidade engendrada possível negar o talento criativo da escrita
jamais pode se apresentar como inocente, platônica, a beleza das imagens criadas em suas
indiferente ou simples exercício de imaginação obras, a sedução das suas metáforas?
que convidaria os receptores a experimentar Ao que parece, o filósofo não considera
formas de vida possíveis, tirando-os da rotina o diálogo uma imitação ficcional, mas o relato
cotidiana e lhes ampliando os horizontes. de um acontecimento. O mais importante, no
Com relação à poesia, a noção de imita- entanto, não é a descrição de uma narrativa
ção relaciona-se ao de narrativa. Quanto menos particular como tal, mas os problemas postos ao
aparece o autor real, assumindo como próprias pensamento na sua universalidade, os conceitos
as representações, maior é o poder de dissimu- e as definições. Certamente, a experiência de
lação da aparência criada. A respeito da classi- pensar não pode ser reproduzida e plenamente
ficação das narrativas, Platão assim se expressa: compreendida pelo diálogo, que é apenas
uma imagem, imitação. Daí porque a filosofia
[…] a poesia e a mitologia podem constar escrita se junta à falada, à dita e vivenciada
inteiramente de imitação, tal como se dá na nos encontros reais de Platão com os seus
212 Damião Bezerra OLIVEIRA; Waldir Ferreira de ABREU. Conhecimento, arte e formação na República de Platão
que pertencem aos diversos domínios de Esse é mais um argumento, de ordem
profissionais que comporão a polis. Igualmente factual, apresentado na justificativa da recusa
,não podem se ocupar da totalidade e da unidade da tradição poética e trágica na educação da
que só se mostram na intuição das essências, polis. Daí porque se mostrava decorrência
porque só lidam com intuições particulares e necessária, passível de consenso até mesmo
aparências sensíveis. com os poetas, a incompatibilidade da poesia
Platão fala a propósito das artes e das com a polis imaginada por Platão.
belas-artes – dos belos sensíveis –, como Ele concluiu, pois, que essa cultura
lugares da aparência, da diversidade e da política da poesia e o seu agente, o poeta como
multiplicidade, no plano ontológico, e da tal existente, não educado, evidentemente, na
opinião, no gnosiológico. Contrapõe a eles o ser República, não será recebido nesta. Referindo-se
e a episteme, preocupação da filosofia, a única a tais poetas trágicos, dirá:
a ocupar-se com o belo em si (PLATÃO, 1988).
É em nome da filosofia e do espaço que […] o fato, segundo creio, é que vão de cidade
a ela se reserva na vida política a instaurar – em cidade, atraem o povo, alugam vozes
mediante uma forma de educação rigorosamente fortes e insinuantes e de belo timbre, e, com
planejada – que a filosofia platônica se apresen- isso arrastam as cidades para a tirania e a
ta como uma crítica ao lugar concedido à arte e à democracia. (PLATÃO, 1988, p. 395).
poesia pela tradição grega vigente à época.
Ao final do livro VIII da República, O livro X, o último da República, ocupa-
concluindo a discussão das formas de -se, em grande parte, da poesia em geral, poetas
governo em suas relações com alma e as trágicos, cômicos, e destaca o ícone maior desse
virtudes, Platão, falando por meio de Sócrates, setor da cultura e da educação grega, Homero.
identifica a tragédia, ironicamente, com escola O argumento sustenta-se na recusa à mímeses
de sabedoria – citando Eurípides enquanto (à poesia imitativa), por sua ambiguidade, por
autor emblemático –, mas que, na verdade, ser um pharmacon: pode passar de remédio
contribuiria na elevação da tirania e, por via da alma a veneno, dependendo do grau de
de consequência, da democracia como contíguo conhecimento global do apreciador e sua
oposto e originário daquela. capacidade de discernir essência de aparência,
Ainda falando de uma perspectiva da paradigma e cópia.
opinião comum com a qual não concordam Compara-se, aqui, o supremo artífice
nem Platão nem Sócrates, lê-se no diálogo do (demiurgo) que teria criado os paradigmas
último com Adimanto: universais da coisa, com o filósofo que as intui
como são, num primeiro nível de reflexão; em
Não é sem base dizer-se que na tragédia se seguida, vem o artífice ordinário que fabrica as
contém toda a sabedoria, sobressaindo-se coisas particulares de acordo com os paradigmas
Eurípedes como o maior dos trágicos. […] universais, como uma cama ou mesa, num
Por haver enunciado um pensamento pro- segundo nível de imitação e, por fim, o pintor
fundo na seguinte máxima: a convivên- que imita a cama ou mesa particular e sensível,
cia com os sábios deixa sábios os tiranos. num terceiro nível de reflexão (imitação da
É claro que considerava sábios os tipos de imitação). O trabalho do artista imitativo pode
que os tiranos se cercam. Ele também, ser comparado ao reflexo passivo e inerte
acrescentou, além de considerar a tirania produzido por um espelho ao repetir, como
algo divino, diz muito mais coisas des- ilusão, a imagem das coisas sensíveis.
se mesmo teor; ele e os demais poetas. Antes de qualquer qualidade formal
(PLATÃO, 1988, p. 395). inerente à obra poética, à sua estrutura
214 Damião Bezerra OLIVEIRA; Waldir Ferreira de ABREU. Conhecimento, arte e formação na República de Platão
Tudo isso conduz à convicção de que sensibilidade e às paixões sensíveis. A verdade
a única forma de superar as negatividades da da poesia, enquanto sensibilidade, só pode ser
poesia como um todo não consistiria, pois, atingida na filosofia. Não é só o rei que precisa
em engendrar uma forma superior de poetar, se transformar em filósofo na República, mas
pois esse fazer é essencialmente limitado à também o poeta.
Referências
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Tradução de Mauro W. Barbosa de Almeida. São Paulo: Perspectiva, 1988.
BRISSON, Luc; PRADEAU, Jean-François. Vocabulário de Platão. Tradução de Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
DETIENNE, Marcel. Os mestres da verdade na Grécia Arcaica. Tradução de Andréa Daher. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. Tradução de Artur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
NOËL, Émile (Org.). As ciências das formas hoje. Tradução de Cid Knipel Moreira. Campinas: Papirus, 1996.
OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. A filosofia na crise da modernidade. São Paulo: Loyola, 1989.
PIEPER, Irene (Ed.). Texte, littérature et “Bildung”. Strasbourg: Language Policy Division: Council of Europe, 2007. Disponível em:
<https://www.coe.int/t/dg4/.../Prague07_LS_EN.doc>. Acesso em: 20 out. 2014.
PLATÃO. Ião. 2. ed. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: Edufpa, 1980a.
PLATÃO. Hípias maior. 2. ed. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: Edufpa, 1980b.
PLATÃO. República. 2. ed. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: Edufpa, 1988.
REALE, Giovanni. Para uma nova interpretação de Platão. Tradução de Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1997.
Damião Bezerra Oliveira é bacharel e licenciado em Filosofia; especialista, mestre e doutor em Educação, professor de
Filosofia da Educação e Epistemologia da pesquisa educacional na Universidade Federal do Pará.
Waldir Ferreira de Abreu é pós-doutor em Ciências da Educação pela UPE - Espanha, doutor em Ciências Humanas e
Educação pela PUC-RIO, mestre em Educação e Políticas Públicas pela Universidade Federal do Pará, e professor adjunto II
da Universidade Federal do Pará.