Apresentação Ciência Política - Cidadania no Brasil – José Murilo de Carvalho.
Capítulo II – Marcha Acelerada (1930 1964)
4 – Confronto e fim da democracia O período de 1930 a 1937 representa um primeiro ensaio de participação popular na política nacional. Os principais movimentos populares: Aliança Nacional Libertadora – ANL (movimento político da esquerda – Luís Carlos Prestes) e Ação Integralista Brasileira – AIB (movimento político da direita – Plínio Salgado). Esses movimentos não eram favoráveis à democracia representativa, o objetivo era de conquistar o Estado com ou sem o apoio popular. Após 1945 a democracia representativa volta a ser favorável, isso refletiu na Constituição de 1946, onde ampliou o voto para todos os cidadãos, homens e mulheres com mais de 18 anos, sendo ele obrigatório e secreto. Excluía os analfabetos que eram 57% da população e de trabalhadores da zona rural, além deles, os soldados das forças armadas. A Constituição constituiu um Tribunal Superior Eleitoral na capital Federal e tribunais regionais nas capitais dos estados. Sua competência era: a organização dos partidos políticos; alistamentos; votação e reconhecimento dos eleitores, mas isso não eliminava a fraude. Duas decisões que foram tomadas representaram o retrocesso democrático: 1ª – Em 1947, o Partido Comunista foi cassado e proibido de funcionar de acordo com um dispositivo constitucional que proibia a organização de partidos ou associações que contrariassem o regime democrático. 2ª – Em 1963, o Tribunal Superior Eleitoral declarou que suboficiais e sargentos não podiam ser eleitos. Isso foi motivo para a revolta dos sargentos. Mesmo com as limitações, a partir de 1945, cresceu a participação do povo na política tanto nas eleições, na ação política organizada em: partidos, sindicatos, ligas camponesas e outras associações. Em números: Em 1930, os votantes eram 5,6% da população; Eleição presidencial em 1945, os votantes chegaram a 13,4%; Em 1950 os votantes foram 15,9%; Em 1960 os votantes foram 18%; Eram 1,8 milhões em 1930 para 12,5 milhões em 1960; Nas eleições legislativas de 1962, votaram 14,7 milhões e o número de eleitores inscritos eram 20% acima dos votantes, devido a abstenção e apesar do voto ser obrigatório, nesse período o eleitorado era de 18,5 milhões correspondente a 26% da população total. Mesmo com a justiça especializada a fraude era facilitada por não haver cédula oficial para votar, os candidatos distribuíam suas cédulas, o eleitor com menos preparo poderia ser facilmente enganado com a troca ou anulação de cédulas por cabos eleitorais, os coronéis mantinham a compra do voto através da coerção, os eleitores eram levados para a sede do município e mantidos em “currais” sob vigilância até o momento do voto. Os cabos eleitorais entregavam aos eleitores envelopes fechados com as cédulas de seus candidatos para evitar trocas. O pagamento podia ser em dinheiro, bens ou favores. Em dinheiro, entregava metade da cédula antes e a outra metade depois do voto, assim era com os sapatos. Vargas (1950), e seus sucessores exibiam como crédito a legislação trabalhista e social, o aumento de salários, a relação populista era dinâmica, Kubitschek (1955), Goulart (1960). O populismo em alguns aspectos pode ser considerado: manipulação política, pois seus líderes pertenciam às elites tradicionais e sem vínculo com as causas populares. O autor considera que houve um amadurecimento democrático, houve partidos nacionais de massa, diferentes dos partidos nacionais do império e dos movimentos nacionais não partidários da década de 30. Nessa configuração das forças dominantes locais, os principais partidos criados no período Vargas foram PSD e o PTB, reuniu a estrutura sindical corporativa, a oposição, a UDN, reuniu a oposição liberal socialista. Nesses núcleos vários políticos se moviam nos partidos que duraram quase 20 anos, tanto à direita quanto a esquerda, alguns com práticas estadualistas como o Partido Republicano (PR), outros populistas como o Partido Socialista Brasileiro (PSB), outros reformistas como o Partido Democrático Cristão (PDC). Houve um processo de nacionalização que favoreceu os pequenos partidos: PSD, UDN, PTB, PR e PSP detinham 10,1% das cadeiras na Câmara dos Deputados em 1945; em 1962 chegaram em 48,7%. Houve o enfraquecimento dos partidos conservadores o PSD; a UDN e o PR, detinham 82,1% das cadeiras em 1945 e apenas 34,4% em 1962. Os partidos populistas como o PTB e o PSP saltaram de 7,6% para 16,7% no mesmo período. Pesquisas de opinião pública feita pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) em 1964, por Antônio Lavareda, revelaram que 64% da população tinham preferência partidária, ou seja, a maioria acreditava no sistema partidário, e aceitava como instrumento de representação política. Em preferência estava o PTB com 29%, depois UDN com 14% e o PSD com 7%. A pesquisa confirma a linha política mais indicada para o governo, 45% preferiram o centro, com Kubitscheck, contra 23% a direita com Carlos Lacerda e 19% à esquerda com Miguel Arrais. Diante da evolução dos partidos questiona-se: Porque a democracia foi a pique em 1964, se havia condições tão favoráveis a sua consolidação? A resposta pode ser a falta de convicção democrática das elites, tanto da esquerda como de direita, pois os dois lados lutavam pelo controle do governo e deixava de lado a democracia representativa e preparavam um golpe nas instituições. À direita para impedir as reformas defendidas pela esquerda e para evitar um golpe comunista. À esquerda com Leonel Brizola, para eliminar os obstáculos das reformas e neutralizar o golpe de direita. O povo representado pela prática populista e sindicalista era considerado massa de manobra de políticos corruptos e demagogos e de comunistas liberticidas e perturbava o funcionamento da democracia dos liberais, pois não assimilavam a entrada do povo na política. Para eles o governo do país não podia sair do controle de suas elites esclarecidas. Para a esquerda sua parte democrática era reduzida, constituída pelo Partido Comunista, desprezava a democracia liberal, era vista como instrumento de dominação burguesa. O lado nacionalista da esquerda, herdado por Vargas e representantes Goulart e Brizola não morriam de amores pela democracia, aceitava-a na medida em que servisse a seus propósitos reformistas. Para direita ou esquerda, a democracia era apenas um meio que podia e devia ser descartado desde o momento que não tivesse mais utilidade. Desde o final do Estado Novo, os técnicos da previdência buscavam, com o apoio de Vargas, unificar o sistema e expandi-lo para abranger toda a população trabalhadora. Mas era grande a resistência, pois cada instituto tinham leis e burocracias próprias, como os bancários, os ferroviários se opunham a unificação. Só em 1960, no governo de Goulart, foi aprovada a Lei Orgânica da Previdência Social, a Lei era um compromisso, uniformizava, mas não unificava o sistema, pois permaneciam os vários institutos. O ponto positivo foi à ampliação da cobertura previdenciária, que passou a incluir os profissionais liberais. Outra tentativa de ampliar o sistema foi o Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963, que se estendeu ao campo a legislação trabalhista, mas essa lei permaneceu letra morta, não foram previstos recursos para implantação o financiamento dos benefícios, permaneciam excluídos os trabalhadores rurais, os autônomos e as empregadas domésticas. O país entraria em nova fase de supressão das liberdades, em novo regime ditatorial, sob o controle direto dos militares. Capítulo III – Passo atrás, passo adiante (1964 – 1985) Os governos militares podem ser divididos em três fases: A primeira vai de 1964 a 1968, governo do general Castelo Branco, caracteriza-se pela intensa atividade repressiva seguida de sinais de abrandamento. Na economia foi um período de combate a inflação, queda do salário mínimo e pequeno crescimento. A segunda fase vai de 1968 a 1974, governo do Médici, período sombrio, domínio militar truculento, combinou a repressão política, crescimento econômico em contraste o salário mínimo continuou a decrescer. A terceira fase vai de 1974 com a posse de Geisel e termina em 1985 com a eleição indireta de Tancredo Neves. Caracteriza-se pela tentativa de liberar o sistema, contra a oposição dos órgãos de repressão, e continua com J. Figueiredo (1979 – 1985). As leis de repressão vão sendo revogadas aos poucos, na economia, a crise do petróleo de 1973 reduz os índices de crescimento, que no inicio dos anos 80 chegam a ser negativos. Passo atrás: Nova ditadura (1964 – 1974) Goulart é derrubado, por decisão dos militares, Castelo Branco é imposto como presidente. A repressão política foi a mais extensa e mais violenta do que a do Estado Novo com a perda dos direitos civis e políticos, porém se concentrou em dois períodos: entre 1964 e 1965, e entre 1968 e 1974. Os instrumentos legais de repressão editados pelos presidentes militares foram os Atos Institucionais. O primeiro introduzido em 9 de abril de 1964 pelo Castelo Branco. Foram cassados os direitos políticos por dez anos dos líderes políticos, sindicais e intelectuais e de militares. Além disso, foram usados outros mecanismos, como aposentadoria forçada de funcionários públicos civis e militares. Muitos sindicatos foram fechados e órgãos de cúpula do movimento operário como o Comando Geral de Trabalhadores (CGT) e o Pacto de União e Ação (PUA), União Nacional dos Estudantes (UNE) e o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Comissões de Inquéritos Policiais Militares (IPMs), dirigida por coronéis do Exercito, para apurar crimes de corrupção e subversão, que perseguiram, prenderam e condenaram em nome do perigo comunista. Isso podia custar o emprego, os direitos políticos, a liberdade, a vida executada sob o pretexto de motivação política. (p. 160). O Ato Institucional nº 2, de outubro de 1965, aboliu a eleição direta para presidente da República, dissolveu os partidos políticos criados a partir de 1945 e estabeleceu um sistema de dois partidos. O AI -2 aumentou os poderes do presidente, permitindo autonomia para dissolver o parlamento, intervir nos estados, decretar estado de sítio, demitir funcionários civis e militares. Reformou o judiciário, aumentando o numero de juízes de tribunais superiores para poder nomear partidários do governo. O direito de opinião foi restringido, juízes militares passaram a julgar civis em causas relativas à segurança nacional. Em 1968, voltaram a mobilizar-se contra o governo alguns setores da sociedade, operários e os estudantes. Os estudantes saíram em grande marcha pela democratização, onde Edson Luís foi morto, a Câmara dos Deputados se nega processar um dos seus membros, pois considera o discurso ofensivo às forças armadas. (p. 161). E nesse período o governo editou o Ato Institucional nº 5 em dezembro, os direitos políticos e civis foram atingidos. O congresso foi fechado, o general Costa e Silva governa ditatorialmente. Foi suspenso o habeas corpus para crimes contra a segurança nacional, todos foram colocados fora de apreciação judicial. Em 1969, o presidente enfartou. Os militares impediram que o vice-presidente Pedro Aleixo, um civil da extinta UDN, assumisse o governo, de acordo com a lei. Uma junta militar assumiu, escolheu um sucessor e reabre o Congresso. Em outubro de 1969 Médici toma posse em seguida é promulgada nova Constituição, que incorporava os atos institucionais. A nova lei inclui a pena de morte por fuzilamento, em 1970, foi introduzida a censura prévia em jornais, livros e outros meios de comunicação como programa de rádio, jornais e televisão eram submetidos aos censores do governo. Em resposta, grupos de esquerda começaram a agir na clandestinidade e adotar táticas militares de guerrilha urbana e rural. Em setembro de 1969, houve o sequestro do embaixador norte americano. Até o final do governo Médici, em 1974, forças de repressão e da guerrilha se enfrentaram em batalha inglória e desigual com prisões arbitrárias, tortura sistemática de presos, assassinatos. (p. 162). A máquina da repressão, órgãos de inteligência nacionais como a Polícia Federal e o Serviço Nacional de Informações (SNI), passaram a atuar nos serviços de inteligência do Exercito, Marinha e da Aeronáutica e das polícias militares e estaduais; e as delegacias de ordem social e política dos estados. Dentro de cada Ministério, empresa estatal, o Exercito criou agencias especiais de representação chamadas de Destacamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa Interna, conhecidas pelas siglas DOI-CODI. A censura eliminou a liberdade de opinião: não havia liberdade de reunião; os partidos eram controlados pelo governo; os sindicatos eram ameaçados de intervenção; era proibido fazer greve; o direito de defesa era cerceado pelas prisões arbitrarias; a justiça militar julgava crimes civis; eram violados o lar, as correspondências, a integridade física pela tortura, o direito a vida era desrespeitado. (p. 163 a 164). Crescimento econômico – Milagre brasileiro A complexidade do período militar, em pleno governo Médici, foi à época em que se falou no “milagre” econômico brasileiro, onde houve um crescimento rápido, mas que beneficiaram de maneira desigual, em consequência, as desigualdades cresceram ao invés de diminuir. POBRES RICOS Em 1960, os 20% mais pobres da população ativa Em 1960 os 10% mais ricos ganhavam 39,6% da renda. ganhavam 3,9% da renda nacional. Em 1980, sua participação subira para 50,9% Em 1980, sua participação caíra para 2,8%. O 1% mais rico ganhava 11,9% da renda total em 1960. Em 1980 sua participação era de 16,9%. Em 1977, o crescimento começou a cair, chegando ao ponto mais baixo em 1983, com -3,2%, subindo para 5% em 1984, último ano completo de governo militar. Foi o momento em que o Brasil conquistou o tricampeonato mundial de futebol no México, momento de exaltação patriótica, onda de nacionalismo xenófobo e reacionário, faixas exibiam “Brasil: ame-o ou deixe-o”, uma crítica à oposição armada. A expansão da economia trouxe grandes transformações na demografia e na oferta de emprego, pois houve deslocamento de população do campo para as cidades. Em 1960 a população urbana era 44,7% do total, o país era majoritariamente rural. Em 1980, em apenas 20 anos, saltou para 67,6%, ou seja, aumentou em cerca de 50 milhões de pessoas. Os efeitos desse crescimento aparecem mais tarde, pois a urbanização significava um progresso, maior acesso a tecnologia como à televisão e eletrodomésticos. Crescimento da população empregada que passou de 22,7 milhões em 1960 para 42,3 milhões em 1980. Aumentou em 184% o número de mulheres no mercado de trabalho, enquanto o número de homens aumentou em 67%. Houve mudança nos tipos de emprego, no setor primário da economia (agricultura, pecuária, mineração) caiu de 54% do total em 1960 para 30% em 1980. A ocupação no secundário (indústria) cresceu de 13% para 24% no mesmo período, o terciário (transporte, serviços administração) cresceu de 33% para 46%. Com isso além da migração, houve o deslocamento de pessoas do setor primário para secundário e para o terciário. Novamente os direitos sociais Ao mesmo tempo em que cortavam os direitos políticos e civis, os governos militares investiam na expansão dos direitos sociais. O primeiro ministro do Trabalho dos governos militares colocou interventores nos institutos e preparou um plano de reforma que em 1966 culminou com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que acabava com os IAPs e unificava o sistema, exceto o do funcionalismo público, civil e militar, pois tinham seus próprios institutos. As contribuições ficaram em 8% do salário descontados em folha de pagamento, os benefícios como aposentadoria, pensão, assistência médica, foram uniformizados. Os sindicatos perderam a influencia sobre a previdência que passou a ser controlada pela burocracia estatal. Em 1967 o INPS tomou das empresas privadas o seguro de acidentes de trabalho. Em 1971, no governo Médici, foi criado o Fundo de Assistência Rural (Funrural), que efetivamente incluía os trabalhadores rurais na previdência, e tinha financiamento e administração separados do INPS. Seus recursos vinham do imposto sobre produtos rurais pagos pelos consumidores, e de um imposto sobre as folhas de pagamento de empresas urbanas. (p. 171). As empregadas domésticas e trabalhadores autônomos foram incorporados em 1972 e 1973, ficaram de fora os que não tinham relação formal de emprego. O governo militar atendendo exigências dos empresários acabara com a estabilidade no emprego. Para compensar foi criado em 1966, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) que era pago aos trabalhadores em caso de demissão. Criou-se também um Banco Nacional de Habitação (BNH) com a finalidade da compra da casa própria aos trabalhadores de menor renda. Como coroamento das políticas sociais, foi criado em 1974 o Ministério de Previdência e Assistência Social. A avaliação dos governos militares, sob o ponto de vista da cidadania, tem que levar em conta a manutenção do voto combinada com o esvaziamento de seu sentido e a expansão dos direitos sociais em momento de restrição de direitos civis e políticos. (p. 172 a 173). Passo adiante: voltam os direitos civis e políticos (1974 – 1985) A iniciativa do governo A abertura política começou em 1974, quando o general presidente diminuiu as restrições à propaganda eleitoral, em 1978 revogou o AI-5, o fim da censura e a volta dos primeiros exilados políticos. E se questionavam porque Geisel e aliados iniciavam o desmonte do sistema autoritário? Uma das razões seria o fato do general pertencer ao grupo de oficiais ligado ao general Castelo Branco, pois não pretendia prolongar o controle militar do governo. Sua convicção política era liberal conservadora, embora não democrática. Em 1973 acontecia o primeiro choque do petróleo, o aumento no preço, promovido pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). A triplicação do preço atingiu o Brasil, pois 80% do petróleo consumido eram importados. Os anos de “milagre” estavam contados, nessa conjuntura, seria melhor para governo e militares promover a redemocratização enquanto houvesse prosperidade econômica do que deixar para época de crise. O outro argumento, é que a ditadura tirou os militares de suas atividades profissionais para atuar na administração pública e privada. A ambição do poder e do lucro passara a dominar a moral do oficialato. Além disso, a montagem dos aparelhos de repressão criou dentro das forças armadas um grupo que ameaçava a hierarquia, pois se envolvera em repressão e tortura, jogando sobre os militares o estigma de torturadores. Em 1974, Geisel permitiu propaganda eleitoral mais livre para as eleições legislativas, a oposição teve acesso à televisão. O governo foi derrotado nas eleições para o Senado. Havia 22 cadeiras em disputa, o MDB ganhou 16. Na Câmara, o MDB não conseguiu maioria, mas aumentou sua bancada de 87 para 165 deputados; a Arena caiu de 223 para 199. Com a derrota Geisel, suspendeu o Congresso por 15 dias e decretou mudanças salvadoras tais como: a eleição indireta para governadores em 1978, a eleição indireta de um terço dos senadores, a limitação da propaganda eleitoral na televisão, a eliminação da exigência de dois terços dos votos para a aprovação de reformas constitucionais. Em 1978, o congresso votou o fim do AI-5, o fim da censura previa no rádio e televisão, e o estabelecimento do habeas corpus para crimes políticos. (p. 175). Em 1979, no governo J. B. Figueiredo, o congresso votou uma lei de anistia, que se estendia aos dois lados, aos acusados de crime contra a segurança nacional e aos agentes de segurança que tinham prendido, torturado e matado muitos dos acusados. Ela devolveu os direitos políticos aos que os tinham perdido e ajudou a renovar a luta política. (p. 176). Outra medida liberalizante permitiu eleições diretas para governadores de estados em 1982, junto com as eleições para o Congresso. A oposição ganhou nove dos 22 estados, em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro e conseguiu maioria na Câmara dos Deputados. (p. 177). Renascem os movimentos de oposição Inovação na criação do PT e no movimento sindical que veio dos operários de setores novos da economia que se expandiram durante o “milagre”, e de bens de consumo duráveis e de bens de capital. Em 1977 começou uma campanha por recuperação salarial. Em 1978, cerca de 300 mil operários entraram em greve; em 1979, acima de 3 milhões abrangendo outras categorias e trabalhadores rurais. Eram as primeiras greves desde 1968. Novo movimento distinguia-se do sindicalismo, organizado de baixo para cima, ênfase às comissões de fábrica e aos delegados sindicais dentro das fábricas. As decisões eram tomadas em grandes assembleias que reuniam até 150 mil operários, os novos líderes com grande carisma como Luís Inácio da Silva, Lula, tornou-se um dos principais nomes da vida política nacional. (p. 180). Consolidou-se com a formação de organizações sindicais nacionais. Reuniu-se em 1981, a primeira Conferencia Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat) para criar uma entidade nacional. Os trabalhadores se dividiam em duas tendências: os ligados a Lula, e os ligados ao Partido Comunista. Na reunião não houve acordo, foram dois anos de debates, o movimento dividiu- se em duas organizações nacionais, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), os vinculados ao PT, e a Coordenação Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), ligados ao PMDB e ao Partido Comunista. A Conclat tinha influência de sindicatos menores e tradicionais. Transformou-se em 1986 em Central Geral dos Trabalhadores (CGT) referencia à organização criada no início dos anos 60. Outro aspecto era a busca de negociação direta com os empregados por meio de contratos coletivos, fugindo da justiça do trabalho. No início, houve reação do governo, intervenção nos sindicatos, brutalidade policial, prisão de líderes, como a do Lula. (p. 181). A segunda metade dos anos 70, acompanhando a abertura do governo Geisel, houve enorme expansão dos movimentos sociais urbanos típicos das cidades, entre eles estavam os movimentos dos favelados, se juntaram as associações de moradores de classe média que se multiplicaram, no início dos anos 80, já havia mais de 8 mil delas no país. Esses dois tipos de organização se caracterizavam por estarem voltados para problemas concretos da vida cotidiana. O que os movimentos pediam eram medidas elementares, como asfalto, rede de água e esgoto, energia elétrica, transporte público, segurança, serviços de saúde. Os movimentos de favelados reclamavam a legalização da posse de seus lotes. A tática era o contato direto com as administrações municipais. Esses movimentos representaram o despertar da consciência de direitos e serviram para o treinamento de lideranças políticas. (p. 184). Houve grande expansão de associações de profissionais de classe média, como professores, médicos, engenheiros, funcionários públicos. As associações de classe média, juntamente com os sindicatos, tornaram-se focos de mobilização profissional e política. Além do MDB e da Igreja Católica, duas outras organizações se afirmaram como ponto de resistência ao governo militar. A primeira foi a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), criada em 1930, sofreu oposição da maioria dos advogados, com organização própria. O Instituto dos Advogados do Brasil criado em 1843, dentro do espírito corporativo, a OAB significava para eles perda da liberdade e de autonomia. Mas aos poucos foi atraindo advogados influentes e se firma como representante da classe. Em relação ao movimento de 1964, foi ambivalente, dividiu seus membros entre o apoio e a oposição que evolui de forma tímida. A partir de 1973 assumiu oposição aberta. Muitos juristas, advogados continuaram a prestar serviços ao governo, redigindo os atos de exceção, defendendo-o e ocuparam o Ministério da Justiça. A OAB, em parte por convicção ou por interesse profissional caminhou por oposição oposta. O interesse profissional estava na medida em que o estado de exceção reduzia o campo de atividade dos advogados. As intervenções no Poder Judiciário desmobilizavam a justiça como um todo. Os juízes eram atingidos diretamente e os advogados eram prejudicados, muitos membros da OAB agiam em função de uma crença na importância dos direitos humanos. Em 1974, houve V Conferencia Anual da Ordem, dedicada aos direitos humanos. A partir dai tornou-se uma das trincheiras de defesa da legalidade constitucional e civil. Como represália o governo tentou retirar sua autonomia, vinculando-a ao Ministério do Trabalho, mas sem êxito. A OAB atingiu o prestígio político em 1979, quando seu presidente Raimundo Faoro, foi cogitado como candidato da oposição a presidência da República. Em 1980 seu presidente foi alvo do atentado, em que perdeu a vida uma secretária. A outra instituição foi a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o interesse corporativo era inegável. A profissão de jornalista exige liberdade de imprensa e de informação. O Estado de São Paulo, um dos mais sólidos e tradicionais do país, foi o que mais resistiu à censura. Nos piores momentos denunciava noticias censuradas ou publicava poemas de Camões ou receitas culinárias. A ABI ajudou a reconstruir a democracia. Seu presidente Barbosa Lima Sobrinho foi candidato a vice-presidente da República da oposição em 1984. (p. 186 a 187). A terceira instituição foi a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), fundada em 1948, se dedicava a assuntos profissionais relacionados a pesquisa científica. Participavam pesquisadores das áreas do conhecimento das ciências exatas e humanas, e uma vez por ano promovia uma grande reunião para debates de temas científicos. E que durante os governos militares adquiriram crescente conotação política de oposição. Em 1977, o governo tentou impedir a reunião anual, suspendendo o apoio financeiro, mas a reunião foi realizada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em clima emocional de confronto político. O número de participantes das reuniões atingiu 6 mil. Participaram artistas, intelectuais, compositores e músicos foram eficazes graças a sua popularidade. Chico Buarque de Holanda, canções que foram hinos oposicionistas, suas letras eram claras. Atores, humoristas, intelectuais contribuíram com a luta pela redemocratização, pagando a preço da prisão ou de exílio. (p. 187 a 188). O auge da mobilização popular foi a campanha pelas diretas, em 1984. O objetivo era a aprovação da emenda a Constituição por dois terços dos votos que permitisse a eleição direta. Reuniu 5 mil pessoas em Goiânia, 500 mil pessoas no Rio de Janeiro e mais de 1 milhão em São Paulo. Teve ampla cobertura da imprensa. Os comícios tiveram grandes participações como: líderes de oposição, presidentes de associações como ABI e a OAB, populares, jogadores de futebol, cantores, artistas. Mas faltaram 22 votos para a maioria de dois terços em favor da emenda. Apesar disso a oposição lançou Tancredo Neves que ganhou 480 votos do colégio eleitoral, contra 180 ao candidato do governo. Terminava o ciclo dos governos militares. Um balanço do período militar 21 anos de governo militar sob o ponto de vista da cidadania? Houve retrocessos e avanços claros. Os militares repetiam a tática do Estado Novo: ampliaram os direitos sociais, ao mesmo tempo em que restringiam os direitos políticos. Entende-se que o autoritarismo brasileiro pós 30 sempre procurou compensar a falta de liberdade política com o paternalismo social, essa tática teve grande êxito conforme a popularidade do varguismo e sua longa vida na política nacional. O corporativismo sindical e a visão do Poder Executivo ao dispensar benefícios sociais. (p. 190). Outra razão é que um dos aspectos da política social dos governos militares são a uniformização e unificação do sistema previdenciário, feria os interesses corporativos da máquina sindical montada durante o Estado Novo. Essa máquina controlava os institutos de aposentadoria e pensões de varias categorias profissionais, mas como a cúpula sindical se politizara nos anos 60, a racionalização significou uma perda política e um custo para o governo. O “milagre” econômico deixara a classe média satisfeita, disposta a fechar os olhos para a perda dos direitos políticos. (p. 191). Os trabalhadores rurais sentiam-se pela primeira vez objeto de atenção do governo. Os operários urbanos não perderam seus direitos sociais e ganharam novos. Enquanto durou o crescimento, tinham empregos e salários baixos. Se o apoio ao governo Médici revelou baixa convicção democrática, o rápido abandono do regime mostrou maior independência política da população. Que mostrou ser capaz de revalorizar a representação e usá-la contra o governo. A queda dos governos militares teve maior participação popular do que a queda do Estado Novo, quando o povo estava, de fato ao lado de Vargas. Os avanços dos direitos sociais e a retomada de direitos políticos não houve avanços dos direitos civis. O habeas corpus suspenso, a privacidade do lar, o segredo de correspondência, prisões feitas sem mandato judicial, os presos ficavam isolados, incomunicáveis, sem direito a defesa, eram torturados até a morte. A liberdade de pensamento era cerceada pela censura. O poder judiciário foi humilhado, ministros foram aposentados e tiveram direitos políticos cassados. A legislação de exceção, como o AI-5, suspendeu a revisão judicial dos atos do governo, impedindo os recursos aos tribunais. Como consequência da abertura, esses direitos foram restituídos, mas beneficiaram apenas os mais ricos e educados. A forte urbanização favoreceu os direitos políticos, mas formou grandes metrópoles com concentração de populações marginalizadas sem serviços urbanos, serviços de segurança e de justiça. Reivindicavam através de associações de moradores, obtinham êxito quando se tratavam de serviços urbanos. As policias militares estavam sob o comando do Exercito, foram usadas para combater a guerrilhas rurais e urbanas, tornaram-se um inimigo a ser temido em vez de um aliado a ser respeitado, pois viam o cidadão como um inimigo a combater. A precariedade dos direitos civis era ameaçadora sobre o futuro da cidadania, que parecia risonho ao final dos governos militares. (p. 194 a 195).