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Os espaços entre: uma reflexão a partir de interseções

Ana Paula Ibañez

Resumo: Nesta breve reflexão pretende-se discutir (ou adentrar) os espaços entre, as
fissuras geradas a partir dos debates sobre os universos da perfomance art e do teatro
realizados durante o último semestre na disciplina "Entre o Ator e o Performer",
ministrada pelo Prof. Matteo Bonfitto, dentro do Programa de Pós- Graduação em Artes da
Cena – UNICAMP.
Incluem-se nestas questões, as noções de presentação e representação,
teatralidade e performatividade e de treinamento sugeridas por Matteo Bonfitto e
Cassiano Quilici, ainda que outros autores colaborem para a elaboração deste discurso.
Para tal, partiremos de uma experiência vivida com o espetáculo Curra –
temperos sobre Medéia, do Teatro Contadores de Mentiras.

Palavras chave: teatro, performance art, artes da cena.

Introdução:
Gostaria de iniciar esta reflexão descrevendo a experiência com o espetáculo
Curra – temperos sobre Medéia para, logo, tecer fios e questionamentos baseados nesta
vivência.
Iniciarei a minha exposição pelo nome do espetáculo, que causa uma sensação
paradoxal. Curra significa ato violento de cunho sexual cometida por mais de um agente
sobre um outro. Complementando o enunciado, segue-se: temperos sobre Medéia, que
remete imediatamente a aromas e sabores de especiarias, que geralmente, são
agradáveis.
Ao adentrar no lugar onde acontece a ação, nos deparamos com um espaço não
convencional, um corredor, com cadeiras e almofadas dispostas aos lados e entrada.
Somente uma parede fica sem lugar para que o observador se sente. Uma cozinha está
montada e funcionando a todo a todo vapor. Uma Ialorixá (mãe de santo) prepara alguns
alimentos. Um ebó – oferenda feita no candomblé onde se utilizam recipientes
específicos chamados de alguidars - foi preparado e está colocado na entrada do espaço.
Ao lado da cozinha, congas são tocadas incessantemente. Um belo e grande
negro vestido com roupas amarelas, uma bela mulata vestida com roupas vermelhas, um
charmoso rapaz vestido de branco, duas belas moças com roupas marrons, dançam
freneticamente ao som dos tambores. Não se relacionam enquanto dançam. Dançam e
giram para si. Em alguns momentos, o charmoso rapaz de branco, saúda o público que
entra.
A música para. As personas da história vão aparecendo, pouco a pouco. Alguns
dos atores agiram somente como uma persona, como no caso do belo negro de amarelo,
vestido como Oxum, que representa Gleice a amante de Jasão. A bela mulata de
vermelho, vestida como Iansã, representará Medéia. O charmoso homem de branco, ora
será Jasão, ora será narrador, ora assumirá também a cozinha ao lado da Ialorixá. Será o
anfitrião, oferecendo água ardente aos convidados daquela festa de terreiro. Ele, durante
o espetáculo, beberá várias vezes água ardente. Sobre as moças de marrom, ora serão
crianças, inocentes, que comem com olhos fechados, numa brincadeira de Cosme e
Damião, ora assumirão outras funções na organização da cena ou atuarão como o amo
do terreiro, Creonte.
Toda a trama é narrada através dos corpos dos atores, que se utilizam também de
projeções de sombras na parede. O texto é sucinto, limitando-se ao extremamente
necessário.
Os aromas provenientes da cozinha embalam a narrativa, assim como o som das
panelas e das congas, enquanto Iansã/Medéia prepara seu golpe triunfal, o prato
principal.
Em um determinado momento, é montado um banquete. Algumas pessoas do
público são convidadas a participar da comilança. Todos se sentam em volta de uma
luxuosa mesa para comer o Ipeté de Oxum, comida que é feita nas festas de Oxum e,
neste caso, oferecida a Gleice/Oxum e ao Babalorixá Creonte por Iansã/ Medéia. Todos
comem, ainda que não muito a vontade, pois sabem que aquela comida é a vingança
arquitetada por Medéia.
As questões que borbulham em minha mente agora são: quais são os elementos
teatrais e/ou performativos presente em Curra?
Em que momentos observamos as ações como presentações ou como
representações?
Que papel ocupa os corpos dos atores (ou atores/performers?) dentro da ação?
Quais as relações que são estabelecidas a partir destes corpos?
De que forma o compartilhar esta ação toca o observador, transformando-se em
experiência (ou não)?
Estas questões serão pensadas em segmentos, uma de cada vez, para que eu
possa com clareza olhar para as fendas que esta reflexão trás a tona.

Presentações / representações

Se pensarmos representação como algo já conhecido que é simplesmente


reproduzido, a ação parece tornar-se vazia.
Por outro lado, se pensarmos em representificação, no sentido de presentificar
novamente, a ação teatral ganha uma outra dimensão, tornando-se catalisadora de
possibilidades para uma experiência transformadora.

―O teatro jamais foi feito para nos descrever o homem e o que ele faz... E o
teatro é esse mamulengo desengonçado que — música de troncos por farpas
metálicas de arames farpados — nos mantém em pé de guerra contra o
homem que nos espartilhava...‖ (ARTAUD apud DERRIDA, 1995, p. 151).

Neste sentido, a arte, e mais especificamente o teatro, não deveria, segundo


Derrida, ser lugar para imitar a vida, mas sim um lugar de transcendência, gatilho para o
desvendamento de novos códigos e percepções de si, como homem, e da realidade.
Por outro lado, ainda que se pense em representação, no sentido mais clássico
desta palavra de ‗ser uma imagem de algo, ainda que não se é este algo‘ não poderia
esta estar, também, repleta de representificações? O fato de apresentar um código já
conhecido é garantia de falta de possibilidades para experienciar algo novo?
Penso que aqui temos um lugar onde valeria à pena mergulhar.
Ainda que haja a opção de trabalhar com códigos conhecidos, há também a
possibilidade de surpreender-se ao verticalizarmos nestes códigos.
Neste sentido, o espetáculo citado parece submergir e deixar-se levar (e levar-
nos) a deriva por essas novas e desconhecidas paragens que uma imagem conhecida
potencialmente pode gerar.
Ao representar Gleice/Oxum, o belo negro não deixa de ser ele mesmo, mas
amplia-se e desvenda-se diante de nossos olhos, sem artificialidade, representificando,
ou seja presentificando uma e outra vez, novas possibilidades de percepção e criando ―
situações que tornem possível a eclosão de uma verdade, de uma revelação (alethéia)
que a existência mediana tenderia sempre a encobrir‖ ( QUILICI, 2008, p.2).
Ver, através do corpo forte de um homem, a sensualidade e a sedução feminina
que destroem Medéia, é uma representificação da feminilidade.
Perceber o efeito do álcool relaxando e tornando, por um lado, o público mais
brando para adentrar em imagens e sensações desconhecidas, e por outro,
potencializando a força daquele anfitrião que conduz o barco ao desconhecido, parece-
me também uma forma de representificação das relações ‗socialmente aceitáveis‘.
Sentar-se a mesa, comer, beber e ser cúmplice de um assassinato coloca-nos no
limiar entre a ficção e o que, talvez, pudesse ser real.

Treinamento/ cuidado de si

Ao pensar sobre o treinamento do ator, acredito ser importante deixar claro a que
tipo de treinamento me refiro.
Há aqueles utilitários, diretamente vinculados a uma criação específica e há
aqueles que vão além da criação artística.
Nesta reflexão, acolho o segundo deles, aquele que entende o treinamento como
um ‗trabalho sobre si‘.

―As técnicas não serão mais voltadas para a criação de um mundo ficcional
a ser observado por um espectador. Trata-se de pensar a situação teatral
como um lugar de confrontação e contaminação do público. A preparação
para tal extrapola o âmbito da aprendizagem de uma profissão, devendo
colocar em jogo a existência do artista como um todo.‖ (QUILICI, 2008,
p.2).

Bonfitto, na mesma perspectiva de treinamento como trabalho sobre si,

classifica-os ainda em dois tipos: treinamento como práxis e treinamento como poiesis.

Segundo o autor, o treinamento como práxis estaria mais próximo do fazer intencional

para alcançar um objetivo já estabelecido, como parte de estruturas e procedimentos

determinados. Já o treinamento como poiesis seria aquele que leva o ator a gerar ações

sem finalidades pré-concebidas, não vinculadas a objetivos pré-determinados, mas

tendo como principal meta fazer com que materiais emirjam sem que tenham sido antes

elaborados.
Neste sentido, acredito que Bonfitto se aproxima de Quilici, ao que ele

denomina de ‗a experiência da não – forma‘.

―A desmontagem do corpo cotidiano significa, no limite, tornar acessível a


experiência da ‗não-forma‘. O corpo informe se mantém no fluxo contínuo
de sensações, afetos, percepções, que aparecem e se dissolvem
incessantemente, sem querer agarrá-las ou rejeitá-las [...] é dessa
familiaridade paradoxal com o informe e com a impermanência vivida no
próprio corpo e nas relações, que poderá surgir uma nova qualidade de
‗ação‘ e ‗presença‘ [...] a experiência da não-forma é também uma ‗ não-
ação‘. Ela exige o desapego de qualquer noção de projeto, qualquer
expectativa de resultados.‖ ( QUILICI, 2006, p. 3-4).

Dentro destas propostas de treinamento como práxis e poiesis e a experiência da


não-forma, encontramos a ruptura entre arte e vida, ou o que também é chamado de ‗
trabalho sobre si‘. Aqui as transformações não acontecem somente com o atuante, mas
também nas relações que ele estabelece, com o outro e com o mundo. O corpo passa a
ser reconhecido como um mecanismo de relação que é capaz de afetar e ser afetado,
como diz Eleonora Fabião.
Ao refletir sobre o discurso dos autores citados, pergunto-me se as noções de
treinamento como práxis e como poiesis e a experiência da não-forma não podem estar
intrinsecamente ligadas, formando uma rede de possibilidades por onde o intérprete
transita.
Não é possível que a partir de um treinamento estruturado e com objetivos, a
priori estabelecidos, o ator atinja um outro lugar, onde as ações passam a ser percebidas
mais por suas qualidades manifestas do que por suas utilidades?
Penso que sim e acredito que esse trânsito se dê no espetáculo citado.
Tive a oportunidade de acompanhar parte do processo criativo que o grupo
desenvolve e, no que ao treinamento concerne, parece-me claro o trânsito entre uma
forma determinada e o fluxo de ações transformando organicamente seus corpos.
Não se trata de repetir uma forma ou uma estrutura, mas sim partir do encontro
com determinado código estabelecido para saltar no abismo de si.
Esta relação com a fluidez de formas e ações que surgem e se esvaem
incessantemente em seus corpos quando dançam, por exemplo, é condutora para outros
lugares, tanto para eles quanto para nós, que somos levados pelas mãos a mergulhar
naquilo que desconhecemos.
Teatral /Performativo

De acordo as discussões que aconteceram durante este semestre, e das leituras


realizadas, pudemos estabelecer alguns elementos que podem ser constituintes do que
chamamos de teatral/teatralidade e performativo/performatividade.
Ainda que estes conceitos, ao meu ver, se entrelacem e formem espaços comuns,
reconheço que existem particularidades de um e de outro. Aqui, o objetivo é olhar para
os espaços comuns ocupados por estes conceitos dentro de um mesmo espetáculo.
Pensemos, inicialmente, sobre o conceito de teatral e de teatralidade. Dentre os
inúmeros autores consultados, escolho as elaborações de alguns pensadores/artistas.
Artaud aponta para a ―necessidade de exploração de intensidades que
ressignifiquem e ampliem os sentidos‖ (BONFITTO, 2013, p.167).
Já para Josette Ferral, ―a teatralidade parece estar de certa forma
irremediavelmente ligada à representação, e, portanto aos processos de organização
simbólica, assim como à narratividade‖ (op.cit. p. 168). Ainda assim, ela também
acredita que a teatralidade está vinculada ao olhar daquele que observa que ao
experienciar um determinado processo, cria um espaço outro propício à ficção. Ferrál
afirma ainda que o ator não é uma condição sine qua non para a teatralidade, uma vez
que esta não esta vinculada somente ao fenômeno teatral, mas que a percepção de
signos em um determinado ambiente já é o suficiente para que esta se instaure e sejam
construídas expectativas por parte do observador. Percebemos, assim, que o olhar ativo
do observador pode ser gerador de teatralidades.
Ainda que a presença do ator não seja necessária para a presença da teatralidade,
segundo Ferrál, quando se trata de uma ação cênica, este passa a ser de suma
importância, uma vez que ele se torna produtor e lugar onde ela se manifesta e é
percebida.
Já em relação ao conceito de performativo, Marvin Carlson nos diz:

―O termo performativo pode ser visto como um daqueles que operam,


mais do que em termos descritivos, em termos metafóricos, que
portanto tem a capacidade de gerar reflexões e discussões em áreas
distantes daquelas que os geram [...] Desse modo, o performativo é
gerador, dentre outros processos, de uma maior complexidade
relacionada com as noções de real e ficcional [...] para chegar a uma
noção ampliada de realidade.‖ ( CARLSON apud BONFITTO, 2013,
p.177).
Schechner nos aporta ainda uma outra visão de ação em relação à performance,
segundo seu conceito de comportamento restaurado:

―A noção de comportamento restaurado [...] contribui


significantemente para o ampliamento da noção de ação na medida em
que envolve um deslocar do sujeito, que passa assim a ser reconhecido
não como executor de ações intencionais que reforçam a estaticidade
de sua identidade, mas de ações que colocam o sujeito como ‗ser em
constante processo‘, como catalisador dinâmico de processos
subjetivos sociais e culturais.‖ (BONFITTO, 2013, p. 179).

A partir dos conceitos citados, olharemos agora para o espetáculo Curra,


tentando identificar, ou não, a presença dos elementos teatrais e /ou performativos.
A meu ver, o espetáculo citado possui tanto elementos de um como de outro,
ubicando-se talvez, no que Bonfitto chama de ―fita de Moebius‖. Ou seja, ainda que se
trate de um espetáculo teatral, a noção de performativo, no sentido de esta ser uma
camada necessária para a representação, está presente durante toda a ação.
Considerando as afirmações de Ferrál, sim, trata-se de uma narrativa e de uma
organização simbólica ligada à noção de representação, mas que também amplia e
ressignifica os sentidos (tanto daquele que age como daquele que observa) como propõe
Artaud em seu discurso sobre a teatralidade.
Ao deslocar a ação de Medéia para um terreiro de Candomblé, na presença de
elementos intrinsecamente ligados à esta cultura (corporais, sonoros, degustativos,
aromáticos e visuais), Curra – temperos sobre Medéia assume seu lugar como ato teatral
que representifica uma história, embebendo-se também de outros signos e significados
que coloca em cheque não somente as questões primeiras levantadas pelo texto grego,
mas também outras de cunho social e cultural.
Neste sentido, a ação proposta pelo espetáculo teatral desloca tanto o ator como
o observador para outros lugares e provoca novas sensações e percepções de si,
encontrando–se no espaço entre, na interseção, do que é reconhecido como teatral com
alguns dos elementos constituintes da perfomance art.

Considerações finais

―A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca.‖ (Jorge
Larrosa Bondía).
Pensar os entroncamentos, encontros, diálogos entre a performance art e o
teatro. Encontrar seus lugares comuns, adentrar em suas imbricações, parece-me um
caminho prazeroso. Abrem-se portas e possibilidades para que eu pense e perceba de
forma diferenciada as experiências que vivo, na vida e na arte.
Perceber ainda, este encontro no outro, fascina-me, provoca-me, eleva-me a
experienciar momentos únicos, onde o meu diálogo com o mundo e com o outro, por
vezes, ganha novas vozes, tons, cores e texturas.
Apreciar o momento em que a ficção e o real se confundem, permitindo, por
exemplo, que o pensamento de algumas pessoas do público presente naquele banquete
oferecido durante o espetáculo Curra – temperos sobre Medéia seja transparente ‗estará
realmente amaldiçoada a comida ou ainda é parte de um jogo narrativo?‘, faz-me refletir
que, apesar e respeitando as diferenças, tanto o que é chamado de performance art e
quanto o que é denominado teatro, nos levam a desvendar cada vez mais profundamente
o complexo e admirável universo das relações humanas.
Podem, ambos, aportar experiências transformadoras e necessárias para que
sejamos capazes de conhecer, perceber, desvendar e descobrir, a nós mesmos e aos
outros, cada vez mais e com maior profundidade.

Bibliografia:

BONFITTO, Matteo. Entre o ator e o performer. 1ª ED. – São Paulo: Perspectiva:


Fapesp, 2013.
DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. 2ª Ed. São Paulo: Perpectiva, 1995.
QUILICI, Cassiano Sydow. O Treinamento do Ator/Performer e a Inquietude de Si.
In: Portal Abrace, V Congresso. 2008. Disponível em:
http://www.portalabrace.org/vcongresso/textos/territorios/Cassiano%20Sydow%20Quilici%20-
%20O%20treinamento%20do%20ator-performer%20e%20a%20inquietude%20de%20si.pdf.
Ùltimo acesso em 25/04/2015.
________________________. A Experiência da Não-Forma e o trabalho do ator. In:
TFC. Edição 01, ano 03, 2006 (revista eletrônica). Disponível em:
http://kinokaos.net/tfc/geral20061/pdf/cquilici.pdf. Último acesso em 14/05/2015.

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