Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Resumo: Nesta breve reflexão pretende-se discutir (ou adentrar) os espaços entre, as
fissuras geradas a partir dos debates sobre os universos da perfomance art e do teatro
realizados durante o último semestre na disciplina "Entre o Ator e o Performer",
ministrada pelo Prof. Matteo Bonfitto, dentro do Programa de Pós- Graduação em Artes da
Cena – UNICAMP.
Incluem-se nestas questões, as noções de presentação e representação,
teatralidade e performatividade e de treinamento sugeridas por Matteo Bonfitto e
Cassiano Quilici, ainda que outros autores colaborem para a elaboração deste discurso.
Para tal, partiremos de uma experiência vivida com o espetáculo Curra –
temperos sobre Medéia, do Teatro Contadores de Mentiras.
Introdução:
Gostaria de iniciar esta reflexão descrevendo a experiência com o espetáculo
Curra – temperos sobre Medéia para, logo, tecer fios e questionamentos baseados nesta
vivência.
Iniciarei a minha exposição pelo nome do espetáculo, que causa uma sensação
paradoxal. Curra significa ato violento de cunho sexual cometida por mais de um agente
sobre um outro. Complementando o enunciado, segue-se: temperos sobre Medéia, que
remete imediatamente a aromas e sabores de especiarias, que geralmente, são
agradáveis.
Ao adentrar no lugar onde acontece a ação, nos deparamos com um espaço não
convencional, um corredor, com cadeiras e almofadas dispostas aos lados e entrada.
Somente uma parede fica sem lugar para que o observador se sente. Uma cozinha está
montada e funcionando a todo a todo vapor. Uma Ialorixá (mãe de santo) prepara alguns
alimentos. Um ebó – oferenda feita no candomblé onde se utilizam recipientes
específicos chamados de alguidars - foi preparado e está colocado na entrada do espaço.
Ao lado da cozinha, congas são tocadas incessantemente. Um belo e grande
negro vestido com roupas amarelas, uma bela mulata vestida com roupas vermelhas, um
charmoso rapaz vestido de branco, duas belas moças com roupas marrons, dançam
freneticamente ao som dos tambores. Não se relacionam enquanto dançam. Dançam e
giram para si. Em alguns momentos, o charmoso rapaz de branco, saúda o público que
entra.
A música para. As personas da história vão aparecendo, pouco a pouco. Alguns
dos atores agiram somente como uma persona, como no caso do belo negro de amarelo,
vestido como Oxum, que representa Gleice a amante de Jasão. A bela mulata de
vermelho, vestida como Iansã, representará Medéia. O charmoso homem de branco, ora
será Jasão, ora será narrador, ora assumirá também a cozinha ao lado da Ialorixá. Será o
anfitrião, oferecendo água ardente aos convidados daquela festa de terreiro. Ele, durante
o espetáculo, beberá várias vezes água ardente. Sobre as moças de marrom, ora serão
crianças, inocentes, que comem com olhos fechados, numa brincadeira de Cosme e
Damião, ora assumirão outras funções na organização da cena ou atuarão como o amo
do terreiro, Creonte.
Toda a trama é narrada através dos corpos dos atores, que se utilizam também de
projeções de sombras na parede. O texto é sucinto, limitando-se ao extremamente
necessário.
Os aromas provenientes da cozinha embalam a narrativa, assim como o som das
panelas e das congas, enquanto Iansã/Medéia prepara seu golpe triunfal, o prato
principal.
Em um determinado momento, é montado um banquete. Algumas pessoas do
público são convidadas a participar da comilança. Todos se sentam em volta de uma
luxuosa mesa para comer o Ipeté de Oxum, comida que é feita nas festas de Oxum e,
neste caso, oferecida a Gleice/Oxum e ao Babalorixá Creonte por Iansã/ Medéia. Todos
comem, ainda que não muito a vontade, pois sabem que aquela comida é a vingança
arquitetada por Medéia.
As questões que borbulham em minha mente agora são: quais são os elementos
teatrais e/ou performativos presente em Curra?
Em que momentos observamos as ações como presentações ou como
representações?
Que papel ocupa os corpos dos atores (ou atores/performers?) dentro da ação?
Quais as relações que são estabelecidas a partir destes corpos?
De que forma o compartilhar esta ação toca o observador, transformando-se em
experiência (ou não)?
Estas questões serão pensadas em segmentos, uma de cada vez, para que eu
possa com clareza olhar para as fendas que esta reflexão trás a tona.
Presentações / representações
―O teatro jamais foi feito para nos descrever o homem e o que ele faz... E o
teatro é esse mamulengo desengonçado que — música de troncos por farpas
metálicas de arames farpados — nos mantém em pé de guerra contra o
homem que nos espartilhava...‖ (ARTAUD apud DERRIDA, 1995, p. 151).
Treinamento/ cuidado de si
Ao pensar sobre o treinamento do ator, acredito ser importante deixar claro a que
tipo de treinamento me refiro.
Há aqueles utilitários, diretamente vinculados a uma criação específica e há
aqueles que vão além da criação artística.
Nesta reflexão, acolho o segundo deles, aquele que entende o treinamento como
um ‗trabalho sobre si‘.
―As técnicas não serão mais voltadas para a criação de um mundo ficcional
a ser observado por um espectador. Trata-se de pensar a situação teatral
como um lugar de confrontação e contaminação do público. A preparação
para tal extrapola o âmbito da aprendizagem de uma profissão, devendo
colocar em jogo a existência do artista como um todo.‖ (QUILICI, 2008,
p.2).
classifica-os ainda em dois tipos: treinamento como práxis e treinamento como poiesis.
Segundo o autor, o treinamento como práxis estaria mais próximo do fazer intencional
determinados. Já o treinamento como poiesis seria aquele que leva o ator a gerar ações
tendo como principal meta fazer com que materiais emirjam sem que tenham sido antes
elaborados.
Neste sentido, acredito que Bonfitto se aproxima de Quilici, ao que ele
Considerações finais
―A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca.‖ (Jorge
Larrosa Bondía).
Pensar os entroncamentos, encontros, diálogos entre a performance art e o
teatro. Encontrar seus lugares comuns, adentrar em suas imbricações, parece-me um
caminho prazeroso. Abrem-se portas e possibilidades para que eu pense e perceba de
forma diferenciada as experiências que vivo, na vida e na arte.
Perceber ainda, este encontro no outro, fascina-me, provoca-me, eleva-me a
experienciar momentos únicos, onde o meu diálogo com o mundo e com o outro, por
vezes, ganha novas vozes, tons, cores e texturas.
Apreciar o momento em que a ficção e o real se confundem, permitindo, por
exemplo, que o pensamento de algumas pessoas do público presente naquele banquete
oferecido durante o espetáculo Curra – temperos sobre Medéia seja transparente ‗estará
realmente amaldiçoada a comida ou ainda é parte de um jogo narrativo?‘, faz-me refletir
que, apesar e respeitando as diferenças, tanto o que é chamado de performance art e
quanto o que é denominado teatro, nos levam a desvendar cada vez mais profundamente
o complexo e admirável universo das relações humanas.
Podem, ambos, aportar experiências transformadoras e necessárias para que
sejamos capazes de conhecer, perceber, desvendar e descobrir, a nós mesmos e aos
outros, cada vez mais e com maior profundidade.
Bibliografia: