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Salvador
2009
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Iuri Falcão
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RESUMO
ABREVIATURAS E SIGLAS
CC Código Civil
CF Constituição Federal
CJF Conselho da Justiça Federal
CPC Código de Processo Civil
FEHIS Fundo Estadual de Habitação de Interesse Social
FMH Fundo Municipal de Habitação de Salvador
FNHIS Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
HIS Habitação de Interesse Social
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ONU Organização das Nações Unidas
PDDU Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
PHEIS Política Estadual de Habitação de Interesse Social
RMS Região Metropolitana de Salvador
SEDUR Secretária de Desenvolvimento Urbano
SNHIS Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social
SSA Cidade de Salvador
STF Supremo Tribunal Federal
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
ZEIS Zona Especial de Interesse Social
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SUMÁRIO
1. - INTRODUÇÃO ....................................................................................... 6
5. - CONCLUSÕES....................................................................................... 89
6. - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................... 93
1. INTRODUÇÃO
“O estoque especulativo de terras no Brasil não é delito. Delito, num direito que envelheceu, é
ocupá-la para plantio”[e para moradia] (MARQUES, 1988, p. 11).
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“Definição da ONU do que é um assentamento precário: trata-se de um assentamento contíguo,
caracterizado por condições inadequadas de habitação e/ou serviços básicos. Um assentamento
precário é freqüentemente não reconhecido/considerado pelo Poder Público como parte integrante da
cidade. Cinco componentes refletem as condições que caracterizam os assentamentos precários: 1.
status residencial inseguro; 2. acesso inadequado à água potável; 3. acesso inadequado a
saneamento e infra-estrutura em geral; 4. baixa qualidade estrutural dos domicílios e 5. adensamento
excessivo. Em um assentamento precário, os domicílios devem atender pelo menos a uma das cinco
condições acima.” (ROLNIK, 2008, p. 23)
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Para se ter uma noção da enormidade e importância da discussão, basta fazer um simples cálculo:
Institutos de Pesquisa e órgão do Estado utilizam o número de 4 pessoas por família como referência
para o cálculo populacional. Neste caso, com 8 milhões de unidades habitacionais (famílias), teríamos
32 milhões de pessoas sem moradia e 12 milhões de unidades no déficit quantitativo são 48 milhões
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Em Salvador, viadutos na Av. Tancredo Neves, no final da Av. Luiz Viana Filho, próximo ao
aeroporto, obras na Av. Centenário entre outras, que são apresentadas como obras viárias, na
realidade são muito mais imobiliárias, apontado para o mercado os espaços de valorização e
expansão urbana.
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implementada, ele deixa de ser interessante para os setores que controlam a cidade
e já não é mais cumprido (MARICATO, 2000, p. 139).
É frente a esta situação estrutural de cidade como “propriedade
privada” do mercado imobiliário (e não como locus da cidadania), sob as bênçãos do
Estado, e da conjuntura de globalização excludente que o direito deve produzir
respostas para os conflitos sociais envolvendo famílias que ocupam terras urbanas,
de forma a dar efetividade a Justiça.
5
A exemplo dos Manuais: “Direitos Reais” do prof. Orlando Gomes, “Direitos Reais”, dos professores
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald e “Direito Civil: direitos reais” do prof. Silvio de Salvo
Venosa.
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direito: a propriedade.
Em tal sistemática jurídica, o conflito entre posseiros e proprietários,
quando chegavam aos Tribunais, eram resolvidos, em geral, a favor do proprietário,
mesmo não sendo o domínio a relação jurídica discutida em juízo. Mas isto ocorria
apenas quando o conflito chegava ao Judiciário. Na grande maioria das vezes, o
latifundiário expulsava diretamente os posseiros, tirando-lhes a vida quando exibiam
alguma oposição, tudo isto “apoiado” pelos valores sociais e jurídicos de então, de
absolutização da propriedade.
Entretanto, os avanços das relações sociais, a organização e
politização dos trabalhadores rurais e urbanos, e mesmo as exigências de
produtividade de um capitalismo “modernizado”, impulsionaram sensíveis mudanças
na interpretação e na positivação da propriedade, da posse e do conflito entre eles.
Para iniciar a discussão, é preciso uma compreensão ética e
econômica da terra, objeto de posse ou propriedade. É preciso afirmar que a terra
não é um bem reprodutível e é fundamental para a existência humana, pois é dela
que vem o alimento e sobre ela que estruturamos nossas relações sociais. “É pela
utilização da terra que o homem logrará atender necessidades vitais”, assim como é
“fonte de vida e cultura de cada povo e, desta forma, garante a segurança alimentar
e a felicidade dos trabalhadores” (MARÉS, 2003, p. 89). Assim ao lidarmos com este
bem tão preciso e fundamental, é preciso ter em vista sua essencialidade para todos
os serem humanos, e com base neste valor a visão jurídica sobre ele deve ser
trabalhada. Até porque “a terra não pede títulos e documentos para entregar seus
frutos, basta plantar ou coletar” [ou ainda construir, numa visão urbana não abarcada
pelo autor] (MARÉS, 2003, p. 72).
Seguindo a mesma linha, Jaques Távora Alfonsin afirma:
Tourinho, Luiz Edson Fachin, Gustavo Tepedino, Lênio Streck, entre outros.6
Objeções variadas são feitas a estas interpretações, como a de que se
estaria suprimindo a própria garantia do direito de propriedade e a vedação do
confisco do art. 150, IV da CF/88 e mesmo o fato de doutrina e jurisprudência mais
conservadora não aceitarem a aplicação das normas constitucionais às relações
privadas, como se o texto constitucional fosse voltado apenas para os legisladores
(BECKER, 2009). Entretanto, não é aceitável que se invoque a própria lei que não foi
cumprida (a CF) para se defender um ato ilícito nela tipificado. Não teria direito à
proteção o proprietário enquanto não cumpre a função prevista na Carta Magna.
(MARÉS, 2003, p. 117). Além disto, cada vez mais se discute a eficácia horizontal e
vertical da Constituição e dos direitos fundamentais, fazendo-a incidir, também, nas
relações privadas.
Desta forma:
6
Em seu livro, Marcos Alcindo de Azevedo Torres (2007, p. 264/272) cita 22 autores de renome que
defendem estas teses.
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interesse social, que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo,
da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”.
Logo, as ações e omissões da propriedade urbana podem também ser consideradas
como uso nocivo da propriedade. Tais normas significam a implementação concreta
do princípio da função social da propriedade em nosso ordenamento jurídico.
Há ainda que se relembrar a lição de Fábio Konder Comparato, que
afirma que nem toda propriedade pode ser considerada direito fundamental. É
preciso avaliar isto em concreto, vez que “seria evidente contra-senso que essa
qualificação fosse estendida ao domínio de um latifúndio improdutivo, ou de uma
gleba urbana não utilizada ou subutilizada, em cidades com sérios problemas de
moradia popular”. Afirma ainda o ilustre professor que é preciso, enfim, reconhecer
que a propriedade-poder, sobre não ter a natureza de direito humano, pode ser uma
fonte de deveres fundamentais, ou seja, o lado passivo de direitos humanos alheios.
O descumprimento destes deveres fundamentais implica em lesão ao direito
fundamental de acesso a propriedade por todos. (2000, p. 140/145).
De tudo que foi dito, conclui-se que, para que a propriedade seja
garantida judicialmente, é preciso que ela esteja cumprindo sua função social, o que,
em geral, não acontece nos locais ocupados nos conflitos urbanos.
não, de algum dos poderes inerente à propriedade. Neste sentido, andou mal o
Código ao manter a posse definida a partir da propriedade. Na realidade, a posse
ganhou contornos constitucionais próprios e melhor seria defini-la como um estatuto
específico.
De acordo com o entendimento do Prof. Cristiano Chaves de Farias e
Nelson Rosevald:
posse dos ocupantes, de forma a não autorizar a sua aquisição, nos termos do art.
1.208 do Código Civil. Em geral, as ocupações urbanas são feitas em terrenos ou
imóveis vazios, abandonados pelos seus proprietários, à espera da valorização
especulativa da terra, o que claramente configura um ato ilícito. Não há violência na
ocupação, quando se penetra em imóvel abandonado, pois não há contra quem a
eventual violência se realizar. Deve se ressaltar que a violência se interpreta
restritivamente, não configurando-a em relação a cercas e cadeados. Não se pode
falar em clandestinidade, pois clandestino é o que se adquire às ocultas. A posse dos
ocupantes, em geral, é pública e contínua, sendo conhecida de todos os moradores
ao redor da região do imóvel ocupado e muitas vezes publicizada pela mídia. Logo,
realizada a ocupação, estamos diante do plena situação de posse dos ocupantes,
sendo esta justa e de boa-fé, diga-se, pois não há qualquer dos vícios apontados
pelos arts. 1.200 e 1.201 do CC.
A existência dos conflitos fundiários, com o exercício da posse por
grupos que buscam seu mínimo existencial, faz nascer a nova categoria para a
posse: posse necessidade (além da justa/injusta; velha/nova; de boa ou má-fé). Esta
nova categoria:
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O Brasil ratificou também o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos em 1992.
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Discute-se se esta Lei foi ou não revogada, tendo em vista que o Código Civil, nos artigos 1.331 a
1.358 dispõe sobre a matéria.
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Já se encontra na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei - PL 3.057/2000 e 20/2007 para alterar a
lei do parcelamento do solo, e adequá-la aos novos ventos democráticos do direito urbanístico, tendo
sido o PL aprovado na Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara.
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habitacionais10.
A Lei 11.977, de 07 de julho de 2009, que criou o Programa Minha
Casa, Minha Vida, e que tratou também da regularização fundiária em áreas
urbanas, é outro instrumento jurídico que traz importantes legislações urbanística.
Por um lado, foram aportados mais de 2,5 bilhões de reais para subvencionar a
moradia de quem tem menor renda (art. 4º), tendo o Judiciário mais segurança para
exigir do Executivo a indenização pela desapropriação ao proprietário do imóvel
onde ocorre o conflito fundiário.
Entretanto, a lei traz importantes normas para garantia do direito à
moradia e o direito à cidade, com novos instrumentos jurídicos que devem ser
valorizados pelo Judiciário. A regularização fundiária é definida como um conjunto de
medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de
assentamentos urbanos e a titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito
social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade
urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 46).
A norma elenca princípios norteadores da regularização fundiária tais
como ampliação do acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, com
prioridade para sua permanência na área ocupada, assegurados o nível adequado
de habitabilidade e a melhoria das condições de sustentabilidade urbanística, social
e ambiental; a articulação com as políticas setoriais de habitação, de meio ambiente,
de saneamento básico e de mobilidade urbana, nos diferentes níveis de governo e
com as iniciativas públicas e privadas, voltadas à integração social e à geração de
emprego e renda; e o estímulo à resolução extrajudicial de conflitos (art. 48, I, II e
IV). Vê-se que a busca pela resolução extrajudicial, com a permanência dos
ocupantes na área já é um comando legal obrigatório em todo país, vinculando o
próprio Judiciário.
A lei traz ainda dois novos instrumentos jurídicos, a demarcação
urbanística, que é um procedimento administrativo para demarcar imóvel de domínio
privado, definindo seus limites, área, localização e confinantes, a fim de identificar
seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses (art. 47,
III), e a legitimação da posse, que significa o ato do Poder Público destinado a
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O autor é advogado do Movimento Sem Teto da Bahia e vivencia uma situação como esta. O
Movimento ocupou em 2007 um terreno da extinta Rede Ferroviária Federal e sofreu ação de
reintegração de posse por parte da União. A Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Governo do
Estado demonstrou interesse no imóvel e o processo está suspenso, a pedido da Gerência do
Patrimônio da União, até que sejam finalizadas as tratativas entre a União e o Governo do Estado.
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Neste caso, como já afirmado na apresentação, por ter a atuação jurídica em Salvador, o autor se
limita à análise de legislações do Estado da Bahia e do Município de Salvador, sabendo-se que, desta
forma, localiza a validade dos argumentos jurídicos aqui levantados apenas para esta cidade.
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Esta lei, em seu art. 2º define o que significa para o Estado da Bahia o que seria a moradia digna e
a regularização fundiária:
IV - Moradia Digna: aquela que ofereça condições de salubridade, segurança e conforto aos seus
habitantes, acesso aos serviços básicos, e que esteja livre de qualquer discriminação no que se refere
à habitação ou à garantia legal da posse;
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V - Regularização Fundiária: intervenção pública que envolve aspectos jurídico, urbanístico, físico e
social, promovida em colaboração pelos três entes federativos com a efetiva participação da
sociedade civil, que busca o reconhecimento de direitos e situações consolidadas das populações de
baixa renda, com objetivo de promover a segurança da posse e a integração sócio-espacial,
articulando-se com as políticas públicas de desenvolvimento urbano.
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Constituição e nas normas Federais e Estaduais apontadas. Neste caso, uma vez
ocorrendo a ocupação popular, com apossamento da área, não poderá o proprietário
descumpridor da Constituição, das Leis Federais, das Leis Estaduais, das Leis
Municipais, invocar proteção possessória. Ao revés, é a posse das famílias de baixa
renda que vem sendo valorizada pelas legislações urbanísticas, pois é uma posse
que cumpre uma função, pois promove a habitação de interesse social (art. 7, I do
PDDU-SSA), devendo o Estado, incluindo o Judiciário, buscar fórmulas que venham
a dar solução adequada ao conflito social.
Além deste artigo específico, o PDDU de Salvador traz um Título inteiro
destinado à habitação e, em especial à Habitação de Interesse Social – HIS. Nele
está prevista a moradia digna como um direito social, vetor de inclusão, e cujo
equacionamento do problema habitacional deve ser efetivado à luz das funções
sociais da cidade e da propriedade, tendo o poder público papel fundamental em
assegurar o acesso à habitação com população com renda insuficiente para adquirir
a moradia digna (art. 58, I, II e §1º).
Neste sentido, há a responsabilização do Poder Público Municipal em
viabilizar o acesso à terra urbanizada, à moradia digna e sua posse, aos serviços
públicos essenciais e aos equipamentos sociais básicos à população de menor
renda (art. 59, I), com a Política de Habitação de Interesse Social do município tendo
o papel de produzir unidades habitacionais, urbanizar áreas ocupadas precariamente
e requalificar edificações ocupadas por cortiços e moradia coletivas, realizando a
regularização fundiária destas áreas e melhorando as condições de habitabilidade
(art. 65, I, II, II, IV e V).
Deve ainda o Governo Municipal utilizar as Zonas de Especial Interesse
Social para incentivar a utilização de imóveis não utilizados e subutilizados para
programa habitacionais de interesse social (art. 79, III).
É relevante trazer à discussão o Decreto Municipal nº 17.105 de 22 de
dezembro de 2006, que regulamenta o Fundo Municipal de Habitação - FMH,
instituído pelo art. 5º da Lei Municipal n° 6.099 de 20 de fevereiro de 2002. No art. 3º,
I do Decreto, fica estabelecido que o FMH tem por objetivo centralizar recursos
destinados à PHIS para contribuir com a redução do déficit habitacional e melhoria
das condições habitacionais de assentamento populacionais de baixa renda, através
do custeio da produção e comercialização de unidades habitacionais, lotes
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Ou ainda:
E mais adiante.
Processo Civil. Mesmo com todas suas reformas e com o advento da CF/88, a sua
origem, o berço do CPC é datado dos momentos de maior repressão do período da
ditadura militar brasileira, em 1973, absorvendo, obviamente, elementos deste
contexto. Temos, portanto, um código processual com a marca da repressão, sendo
que esta situação deve ser levada em conta quando da interpretação no momento
atual, do Estado Democrático de Direito, pelo menos no papel.
Partindo deste pressuposto, pode-se afirmar que o individualismo, o
autoritarismo e o patrimonialismo, marcas indeléveis daquele momento histórico,
foram transplantados também para os procedimentos possessórios. Daí porque,
como veremos adiante, estes não tem a mínima estruturação para abarcar conflitos
de cunho coletivo, com respeito aos direitos constitucionais e urbanísticos dos
envolvidos. Em uma fria análise das ações possessórias, percebe-se sua vocação
para resolução do conflito entre “A”, proprietário, em face de “B”, também
proprietário.
A rigor, o procedimento possessório é de rito ordinário em sua maior
parte. A especialidade desta demanda encontra-se na sumariedade do procedimento
inicial, com a aceleração da cognição nos primeiros momentos da causa, tendo seu
auge na concessão ou não da liminar inaudita alteras pars, uma vez comprovado os
requisitos do art. 927 do CPC ou, caso não comprovado, a realização de audiência
de justificação de posse, com o objetivo de o autor fazer prova dos requisitos do
citado artigo (NERY JÚNIOR e NERY, 2006, p. 991). A partir disto, segue-se o rito
ordinário.
As ações possessórias, conhecidas como interditos, são tipificadas:
Reintegração de posse, utilizada quando o possuidor foi esbulhado do imóvel,
“injustamente desapossado da coisa por terceiro”; manutenção de posse, sempre
que o possuidor tiver sua posse turbada, “qualquer ato de terceiro que embarace o
livre exercício de sua posse” e, por fim, o interdito proibitório, quando houver fundado
receio de molestação da posse, ou seja, “sempre que se queira impedir a
concretização da turbação ou do esbulho” (MARCATO, 2005, p. 152). Todos os três
interditos são freqüentemente manejados pelos proprietários nos conflitos fundiários
urbanos, daí a necessidade de estudá-los neste trabalho.
A tutela possessória possui algumas características importantes, que as
diferem de outros procedimentos. Nos termos do art. 920 do CPC, os interditos são
fungíveis entre si. Por exemplo, o ingresso de interdito proibitório, quando se teme a
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violação da posse, não obsta a análise do pleito, caso haja efetiva turbação da posse
ou mesmo seu completo esbulho. Neste caso, o provimento judicial deve ser aquele
efetivo para o momento concreto, real, em que se encontra ao tempo da decisão, e
não ao tempo do ingresso da demanda. Para tanto, não obstante, é preciso que o
autor comunique tal situação ao juízo, provando a prática efetiva da turbação ou
esbulho. Segundo Antônio Carlos Marcato, “o que importa, pois, para a concessão
da tutela adequada a que alude o art. 920 do CPC” é que “a causa de pedir seja,
genericamente, a ofensa ao direito de posse do autor, e, ainda, que este tenha
postulado a concessão da tutela possessória” (2005, p.152).
Outro elemento distintivo da demanda possessória é a cumulação de
pedidos limitada à cognição da demanda, segundo o art. 921 do CPC. Além da tutela
da posse, é lícito ao autor cumular pedido de condenação em perdas e danos,
cominação de pena para nova turbação ou esbulho, e desfazimento de construção
ou plantação feita em detrimento da posse. Outras solicitações devem ser realizadas
através de ação autônoma, que não os interditos.
Por outro lado, as possessórias são marcadas por sua natureza
dúplice. O réu, sentindo-se também ofendido em sua posse pelo autor, pode deduzir
pedido de tutela possessória contra o requerente, nos termos do art. 922 do CPC,
sendo desnecessário ingressar com reconvenção em autos apartados. Entretanto,
tais pedidos também estão limitados à margem cognitiva do art. 921. Havendo
pretensão que extrapole os limites do referido artigo, deverá o réu valer-se da
reconvenção (MARCATO, 2005, p. 154).
As ações possessórias mantêm sua especialidade, em termos de
procedimento, apenas quando intentadas no prazo de ano e dia da efetiva ocorrência
da turbação ou esbulho. Esta é considerada a ação de força nova. Ao revés, quando
intentadas após este prazo, há a presunção de passividade do autor e sedimentação
da posse do réu, devendo-se processar de acordo com as normas do procedimento
comum. Estas regras estão previstas no art. 924 do CPC. O termo a quo para a
contagem deste prazo é a data da ocupação, sendo o termo final o do ajuizamento
da lesão (ALVIM, 2007, p. 403).
O art. 925 é a marca do individualismo e patrimonialismo presente na
demanda possessória. Segundo ele:
14
Tal expediente é muito observado na rotina forense do autor da presente monografia, bem como
pode ser vista em relatos de autores sobre as ações possessórias, a exemplo de Misael Montenegro
Filho, pág 26.
15
Súmula 487 do STF: “Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base
neste for ela disputada”.
50
“Os despejos são realizados em sua grande maioria baseados em decisões judiciais, em
ações de reintegração de posse ou reivindicatórias de propriedade, que desconsideram a legislação
internacional e constitucional que garantem o direito à moradia e os direitos humanos. Essas
decisões, em geral baseadas no Código Civil e no Código de Processo Civil, não reconhecem a
natureza coletiva dos conflitos e o estado de necessidade social das comunidades e perpetuam a
visão do direito de propriedade absoluta sem a contraposição aos direitos (moradia adequada,
alimentação, trabalho, saúde, crianças e idosos) das comunidades a serem despejadas”.
(Plataforma Brasileira para Prevenção de Despejos)
“Não basta ao autor provar que tem direito à posse, como mero
reflexo do seu título aquisitivo do domínio ou mesmo da posse, mas,
imperiosa e necessariamente, que a exercia de fato sobre a área certa e
determinada da qual veio a ser despojado. Não tem direito subjetivo material
55
do CPC.
Com relação à data do esbulho ou turbação (art. 927, II), muitos
proprietários utilizam imagens da ocupação veiculadas pela imprensa, mas que
demonstram apenas a ocorrência do fato e não precisaram exatamente quando o
fato ocorreu. Pior, são registrados boletins de ocorrência como forma de provar a
data do fato. Como ensina Misael Montenegro Filho:
16
HC - CONSTITUCIONAL - HABEAS CORPUS - LIMINAR - FIANÇA - REFORMA AGRÁRIA -
MOVIMENTO SEM TERRA - Habeas corpus é ação constitucionalizada para preservar o direito de
locomoção contra atual, ou iminente ilegalidade, ou abuso de poder (Const. , art. 5o, LXVTID.
Admissível a concessão de liminar. A provisional visa a atacar, com a possível presteza, conduta
ilícita, a fim de resguardar o direito de liberdade. Fiança concedida pelo Superior Tribunal de Justiça
não pode ser cassada por Juiz de Direito, ao fundamento de o Paciente haver praticado conduta
incompatível com a situação jurídica a que estava submetido. Como executor do acórdão, deverá
comunicar o fato ao Tribunal para os efeitos legais. Não o fazendo, preferindo expedir mandado de
prisão, comete ilegalidade. Despacho do Relator, no Tribunal de Justiça, não fazendo cessar essa
coação, por omissão, a ratifica. Caso de concessão de medida liminar. Movimento popular visando a
implantar a reforma agrária não caracteriza crime contra o Patrimônio. Configura direito coletivo,
expressão da cidadania, visando a implantar programa constante da Constituição da República. A
pressão popular é própria do Estado de Direito Democrático. Grifos Nossos. (STJ, 6ª Turma, HC
5.574/SP, Rel. Min. Juiz Vicente Cernicchiaro – grifo nosso).
57
não apenas a sua posse, mas, principalmente, que a mesma cumpria a sua função
social.
Mesmo que se considere que a apresentação do título de propriedade
induziria a posse, sendo tal presunção utilizada como elemento que autorizaria a
expedição de mandado liminar, é preciso que o autor da possessória demonstre que
cumpria, ao tempo da ocupação, a função social desta suposta posse. Estamos
diante do que a doutrina progressistas vem considerando como o inciso V do art. 927
do CPC, trazido pelos comandos constitucionais e pelas normas urbanísticas.
Nas palavras do jurista Laércio Alexandre Becker:
“...o art. 5º, no qual está inserido o inciso XXIII (o da função social da
propriedade), apresenta um §1º no qual se lê claramente que ‘as normas
definidoras de garantias e direitos fundamentais têm aplicação imediata’.
Ora, o inciso XXIII afirma categoricamente que ‘a propriedade
atenderá a sua função social’. Em tese, portanto, isso seria o suficiente para
sua exigência como um verdadeiro inciso V no art. 927 do CPC” (2009).
O art. 1.275, III do Código Civil elenca o abandono do imóvel como uma
das formas de perda da propriedade. O caput do art. 1.276 e o seu § 2.º detalham o
procedimento para perda da propriedade por abandono, colocando os requisitos para
tal, sendo que a intenção de não mais conservar o imóvel em seu patrimônio é
presumível de forma absoluta quando o proprietário deixar de satisfazer os ônus
fiscais. Neste caso, ele pode ser arrecadado pelo Município e, três anos depois,
passar à propriedade da municipalidade. Além da forma absoluta prevista em lei, o
abandono da coisa em área urbana, sem cuidados com a estrutura física, proteção,
limpeza etc do imóvel, pode indicar, de forma relativa, a intenção de abandonar,
cabendo a intervenção judicial neste caso.
De toda sorte, como já dito e repetido, as ocupações urbanas ocorrem
em imóveis com o perfil trazido pelo art. 1.276. Terrenos ou prédios vazios,
abandonados, com mato alto ou estrutura deteriorada e que em geral possui anos de
débito fiscal com o Município. Ainda assim, estando o imóvel em flagrante ilegalidade
com as normas urbanísticas e tendo o proprietário, inclusive, já perdido o imóvel para
a municipalidade, a medida liminar muitas vezes é concedida.
Este artigo do Código Civil, ao ver de muitos doutrinadores, criou um
inciso VI para o art. 927 do CPC. Para comprovar que ter direito a liminar
possessória deve comprovar os requisitos de I a IV prescritos no citado artigo, a
função social da posse, inciso V implícito previsto na CF, bem como a regularidade
fiscal do imóvel, o que seria um primeiro indício de que o imóvel tem alguma utilidade
para a sociedade, sendo este o inciso VI.
Tal proposta se harmoniza com as normas urbanísticas relatadas, que
impendem a constituição de espaços de especulação imobiliária na zona urbana17.
Ressalta-se que o abandono de bens imóveis dentro da cidade causa inúmeros
transtornos à comunidade que o cerca. Uma vez abandonado o imóvel por um longo
período de tempo, o local passa a ser utilizado como ponto de venda de
17
O Estatuto da Cidade, norma geral de execução da política urbana (art. 1.º), condena
expressamente este tipo de utilização do solo em seu art. 2.º, VI, e, bem como a Lei 11.124/2005, art.
4, I ,d, como já apontado.
62
Ora, o próprio Código Civil, em seu art. 1.210, § 2°18 proíbe a exceção
de domínio em juízo possessório. Segundo o Prof. Misael Montenegro, o teor do
citado artigo encerra qualquer possibilidade de discussão petitória na tutela da
posse, derrogando, segundo ele, a Súmula 487 do STF (2004, p. 149).
A vedação da exceção de domínio é uníssona na doutrina, apesar de
aplicada sub-repticiamente na jurisprudência, em especial do primeiro grau.
18
Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de
esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§ 2o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro
direito sobre a coisa.
19
Art. 923. Na pendência do processo possessório, é defeso, assim ao autor como ao réu, intentar a
ação de reconhecimento do domínio.
64
I. A segunda parte do art. 505 do antigo Código Civil foi derrogada pelo art.
923 do CPC, na redação a ele dada pela Lei n. 6.820/1980. Precedentes do
STJ.
II. “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação
do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.” (Súmula n.
83/STJ)
III. Agravo improvido.” (AgRg no RESP 265156 / SP, AGRAVO REGIMENTAL
NO RECURSO ESPECIAL 2000/0064212-6. Relator Ministro ALDIR
PASSARINHO JUNIOR)
20
As palavras do Prof. Laércio A. Bercker, corroboram tal percepção: “a função social da propriedade
urbana, porque prevista na Constituição, recebeu inúmeros ensaios e elogios da doutrina. Entretanto,
não passam de retórica. Nem a doutrina nem a jurisprudência tem se lembrado desses dispositivos
constitucionais no momento de teorizar sobre as condições de concessão da tutela reivindicatória e
possessória. (2009)
66
21
Muitas vezes, as ocupações em litígio são em áreas contíguas de ocupações anteriores, e os
proprietários utilizam a “carta branca” dada pelo Judiciário para retirarem toda e qualquer pessoa que
lhes interesse, tomando posse, inclusive, de terreno alheio, por meio deste expediente.
68
22
Um relatório domais detalhado deste processo de negociação pode ser acessado em:
http://www.sedur.ba.gov.br/pdf/termo.acordo.tubarao.pdf
71
deram uma função social ao bem. A realização destas obras e serviços concretos e a
sua valoração de acordo com o interesse social e econômico formam os critérios
para um conceito legal de função social da propriedade, que se somam aos previstos
no referido pelo § 1°. Visto por outro lado, quando um proprietário não cumpre estes
mesmos requisitos, pode dar margem além da referida desapropriação, à perda da
proteção possessória conforme exposto acima.
Régis Fernandes de Oliveira, então Desembargador do Tribunal de
Justiça de São Paulo, em entrevista concedia ao Jornal Folha de São Paulo em
1991, se posicionou pelo reconhecimento das situações fáticas de interesse social
pelo Judiciário, com a provocação do decreto de desapropriação pelo Executivo.
Caso este poder não o desaproprie, o desembargador já admitia a desapropriação
indireta, realizada pelo Judiciário, com fundamento na Constituição, que foi
positivada pelo art. 1.228 do CC, acima visto.
direito à subsistência no pólo passivo da ação, mesmo que a inicial seja guarnecida
com prova da posse ou propriedade, não cabe a liminar, pois a mesma frustraria a
argüição da exceção “exceptio vitae sustiendae”, que, como toda exceção, não
fulminaria o direito do autor, mas lhe tiraria a eficácia e, uma vez reconhecida tal
exceção, é dever do Estado indenizar o proprietário e garantir o bem para os
ocupantes. Tal exceção, segundo o autor, deve se processar nos mesmos autos da
possessória. (2000, p. 273).
As liminares possessórias possuem natureza satisfativa, e, segundo o
Prof. José Albuquerque Rocha, citado por Laércio A. Becker (2009), pode ser visto
como inconstitucional neste tipo de caso, por ferirem os princípios do contraditório e
do devido processo legal, previstos no texto constitucional como garantias
fundamentais da pessoa humana. Desta forma, este tipo de cognição sumária deve
ter como referência os princípios da probabilidade (sacrifício do improvável em
proveito do provável), como também da proporcionalidade (avaliação dos interesses
em jogo). Ora, em conflitos fundiários urbanos, envolvendo grande número de
famílias, o cumprimento da função social da propriedade e da posse deve ser
utilizado como mais um critério objetivo a ser utilizado para balizar o princípio da
proporcionalidade (BECKER, 2009), o que dificulta o deferimento do pedido liminar.
Demais disso, a concessão de medida liminar inaudita altera pars é
considerada na doutrina jurídica como uma medida excepcional no processo, dado a
possibilidade maior de se violar princípios gerais do direito, consagrados na
Constituição de 88: o devido processo legal; ampla defesa e contraditório. E tal
incongruência com os direitos fundamentais se amplia quando estamos lidando com
dezenas ou centenas de famílias na parte ré, em geral, mais de mil pessoas
envolvidas.
De qualquer sorte, a decisão do magistrado é baseada em seu livre
convencimento, que tem como norte as provas produzidas pelas partes. É preciso
verificar os incisos implícitos afirmados neste trabalho, bem como a conjuntura social
e os reflexos negativos que podem gerar a concessão da liminar em processo com
grande quantidade de pessoas envolvidas. Aqui cabe a prudência do art. 5° da LICC.
A melhor solução, em todo caso, é a realização de audiência de justificação da
posse, como forma de dar oportunidade para aprofundamento das provas dos
requisitos da liminar, compreensão melhor do conflito e a buscar soluções
alternativas para a melhor preservação dos direitos envolvidos.
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inserido o fato concreto pode ensejar à não concessão da liminar e, ao menos, dar
vazão à realização de audiência de justificação da posse, oportunidade que, além de
aprofundar as provas dos requisitos da liminar, poderá compreender melhor o conflito
e buscar soluções alternativas para a melhor preservação dos direitos envolvidos.
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE
POSSE – NÃO COMPROVAÇÃO DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS À
CONCESSÃO DA MEDIDA POSSESSÓRIA – A decisão liminar é precária e
a sua concessão depende, basicamente, da formação do convencimento do
julgador responsável pela colheita da prova documental ou em sede de
audiência de justificação, inserindo-se a decisão, ainda que indiretamente,
no poder geral de cautela do Magistrado. A concessão ou denegação da
liminar fica ao prudente arbítrio do juiz, só podendo ser reformada, pelo
tribunal, em caso de evidente ilegalidade. (TAMG – AI 0337722-4 – Passos –
3ª C. Cív – Relª Juíza Teresa Cristina da Cunha Peixoto – J. 31.10.2001).
Neste sentido,
23
A existência de ordem liminar, a prática tem indicado, é usada como “trunfo” pelos proprietários no
processo de negociação da área. A ordem judicial serve como uma “faca no pescoço” dos moradores
e mesmo do Estado quando este quer indenizar a terra, pois é obrigado a pagar o valor que o
proprietário quer para área, em geral, muito maior que o valor real da terra. Quando o Estado tenta
negociar, os proprietários fazem chantagem e ameaçam pedir o cumprimento da liminar... O Judiciário
aqui (e esta tem sido a regra nos conflitos fundiários, quando há negociação), não só protege a
especulação imobiliária, como sua ordem liminar “valoriza” o terreno vazio. Aparentemente, não é este
o papel constitucional e legal do Poder Judiciário.
24
Em conflitos agrários, é comum áreas que passaram de geração em geração entre pequenos
agricultores ter decretada medida liminar contra si, como se posse nova fosse, dada as afirmações
proferidas pelos capatazes dos autores, e a ausência do réu ou de suas testemunhas na audiência de
justificação.
84
na causa. Isto porque seus postos de trabalho dependem diretamente do que eles
articularem no testemunho, uma vez que a subordinação é condição estruturante da
relação de emprego. Para evitar situações como estas, é fundamental que o
magistrado ouça as testemunhas dos réus e mitigue o valor da testemunha
empregada do autor, nos termos do a art. 405, § 3°, IV do CPC.
Se o autor não tem como comprovar sua posse, sua função social,
mantém o imóvel abandonado para fins de especulação, ao arrepio da lei, não tem
direito ao desforço imediato previsto no CC, art. 1.210, §1º.
Segundo o Prof. Fernando da Costa Tourinho Neto, o então direito
absoluto da propriedade deve ser interpretado restritivamente, com o advento da
Constituição Federal. Desta forma, uma vez não cumprindo a função social, não teria
direito ao desforço imediato. “A reação, mediante desforço in continenti (CC, art. 502)
do proprietário, que, na verdade, posse da terra não tem, pois como disse, não tem
proteção da norma constitucional, é ilegítima e ilegal” (TOURINHO NETO, 2000, p.
193).
Eventual ação do proprietário neste sentido constitui crime de formação
de quadrilha e dano, entre outros, tendo em vista que reação imediata sequer se
qualifica como pretensão legítima.
“Posse justa é aquela cuja aquisição não repugna ao direito. Para ter
essa qualidade o que importa é a forma de aquisição. (...) Em termos mais
concretos, a posse é justa quando isenta de vícios originais. Os vícios
objetivos que maculam a posse são: a violência, a clandestinidade e a
precariedade”.
processo, devem ser deferidos todos os direitos garantidos aos possuidores de boa-
fé, como direito aos frutos percebidos, a não responsabilização pela perda ou
deterioração da coisa a que não derem causa, indenização às benfeitorias
necessárias e úteis, fazendo valer seu direito de retenção, devendo o autor pagar o
valor atual da mesma, nos termos dos arts. 1.214, 1.217, 1.219 e 1.222 do CC.
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5. CONCLUSÕES
garantida a permanência no bem, por ser a posse com função social quem melhor
cumpre o comando do art. 5º, XXIII da CF, não levado em conta pelo proprietário.
Além disto, é a proteção à posse que, neste caso, dá maior densidade ao princípio
da dignidade da pessoa humana, ao cumprimento dos direitos humanos
fundamentais, sendo a melhor solução para a convivência social.
7. O atual procedimento possessório é individualista, patrimonialista e
autoritário, não tendo a mínima estruturação para abarcar conflitos de cunho coletivo,
com respeito aos direitos constitucionais e urbanísticos dos envolvidos. Em uma fria
análise das ações possessórias, percebe-se sua vocação para resolução do conflito
entre “A”, proprietário, em face de “B”, também proprietário. Não foi estruturado para
interpretar o conflito entre “A”, proprietário desidioso contra 1.000 “B”s, que deram
uma função social ao local ocupado e estão exercendo seus direitos fundamentais, e
não meramente patrimoniais.
8. A prática forense relacionada às ações possessórias em conflitos
fundiários urbanos mostra um arraigado preconceito dos magistrados com as
ocupações populares, bem como a invisibilidade dos direitos dos ocupantes no
processo, privilegiando-se quase sempre e apenas o direito de propriedade do autor,
que é legalmente irrelevante para este tipo de processo. A existência de Grupos de
Trabalho de Mediação de Conflitos fundiários tem realizado o papel do Judiciário em
buscar soluções para o conflito, sendo que este Poder geralmente é o maior entrave
para a resolução pacífica do problema, algumas vezes mais intransigente que o
proprietário.
9. Para a realização de um procedimento possessório conforme a
Constituição e as legislações urbanísticas, é preciso que o Judiciário, quando for
chamado à exercer a Jurisdição em casos de conflitos fundiários, tome algumas
posturas:
a- Percepção de se trata de um conflito coletivo, envolvendo direitos
fundamentais e imediatos daquele grupo de pessoas;
b- Aferição de todos os requisitos do art. 927 do CPC para a concessão da
liminar, acrescido do inciso V, relativo à função social da propriedade e da posse
e inciso VI, que diz respeito ao cumprimento das obrigações fiscais do imóvel,
não aceitando a exceção de domínio como prova no processo;
c – Citação de todos réus ocupantes, inclusive os cônjuges para atuarem no
processo, bem intimação da Defensoria Pública dos Estados ou da União para
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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 3. ed. São Paulo: Atlas,
2003.
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ANEXO 1:
composição definitiva para o caso, aí sim, como último ato restará a desocupação,
que, no entanto, será realizada com critério, estratégia e segurança para todos os
envolvidos, com a cientificação prévia de todos os moradores, para que não haja um
só ferido e jamais a perda de uma vida.
Com esse intuito, lastreando-me nas disposições dos arts. 125, IV, 130, 131,
assinalo o dia 17 de setembro de 2007, às 14:00 horas, para realização de audiência
pública na 7ª. Vara Cível da comarca de São Bernardo do Campo, visando iniciar o
diálogo entre os contendores, órgãos Públicos e representantes da Sociedade, a fim
de se alcançar uma solução justa e adequada a esse difícil conflito, que coloca em
cheque direitos constitucionalmente garantidos.
Além das partes e seus advogados, uma Comissão de Moradores formada
por cinco integrantes e a Central de Atendimento aos Moradores e Mutuários do
Estado de São Paulo – CAMMESP, ficam convidados a participar do ato: Ministério
Público do Estado de São Paulo, especialmente os Promotores de Justiça dos
Direitos Constitucionais dos Cidadãos e do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo,
Secretaria de Habitação e Meio Ambiente (SHAMA) de São Bernardo do Campo,
Secretaria Estadual de Habitação e Meio Ambiente e Ministério das Cidades,
Câmara Municipal de São Bernardo do Campo, Ordem dos Advogados do Brasil –
OAB, Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, Câmara Federal e Senado
Federal.
Oficie-se a esses órgãos, cientificando-os da data e da providência adotada,
convidando os respectivos representantes para participarem da audiência, a fim de
que possam oferecer subsídios, alternativas, sugestões e contribuir para a busca de
solução que atenda plenamente aos interesses dos litigantes, da comunidade e do
meio ambiente.
Por enquanto então fica SUSPENSA A REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
Concedo aos autores o prazo de 15 (quinze) dias para manifestarem-se
sobre a petição e documentos de fls. 363/632.
As fotografias depois de reveladas poderão ser juntadas aos autos.
Int.
SBC, 17.08.07.
GERSINO DONIZETE DO PRADO
Juiz de Direito”