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DIREITO COMPARADO

PROFESSOR DOUTOR DÁRIO MOURA VICENTE


Dr.ª CATARINA GRANADEIRO

A culpa in contrahendo nos Direitos


inglês, alemão e português

TRABALHO REALIZADO POR:

BERNARDO TRAVESSAS – n.28281


TURMA B – SUBTURMA 16
Índice

1. Introdução
1. 2 Matriz Problemática

2. Análise Comparativa
2. 1 Origem do instituto da culpa in contrahendo
2.2 Surgimento no Direito Português
2.3 Surgimento no Direito Alemão
2.4 A culpa in contrahendo e o Direito Inglês

2.5 O regime da culpa in contrahendo no Direito


Português
2.6 O regime da culpa in contrahendo no Direito Alemão

2.7 A jurisprudência Portuguesa


2.8 A jurisprudência Alemã
2.9 A jurisprudência Inglesa

3. Síntese comparativa

4. Grelha comparativa

5. Bibliografia e jurisprudência

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1. Introdução

O presente trabalho trata da receção do instituto de que goza a culpa in contrahendo,


partindo de uma perspetiva comparatista, nos sistemas jurídicos português, alemão
e inglês.

Para tal começarei por expor em breves linhas o problema que a culpa in contrahendo
pretende resolver.

De seguida, na análise comparativa, começarei por explicar a origem histórica deste


instituto e de que forma é que o seu surgimento influenciou outros ordenamentos
jurídicos nas cercanias dos sob judice, partindo depois para averiguar se e quando
este surge nos ordenamentos jurídicos em apreço. Após esta análise, pretendo
analisar se e de que forma ocorreu a positivação da culpa in contrahendo e como é
que a jurisprudência desses ordenamentos reagiu.

De seguida apresentarei uma grelha comparativa com algumas questões relativas


aos princípios chave da culpa in contrahendo, passando de seguida para uma síntese
comparativa onde pretendo distinguir de forma esquemática as principais
semelhanças ou diferenças que surgiram na análise.

Com este trabalho não se pretende aprofundar a querela doutrinária relativa ao tipo
de responsabilidade civil em que deve ser enquadrada a culpa na formação dos
contratos ou outras querelas que no que a este preceito diz respeito têm surgido.
Pretende-se sim analisar o acolhimento que os ordenamentos jurídicos dos países em
causa oferecem a este instituto.

1. Matriz Problemática

Comecemos por analisar a problemática subjacente à culpa in contrahendo, termo


latino que, no ordenamento jurídico português, foi acolhido com a designação de
culpa na formação dos contratos.

Para tal, penso ser mais útil partir para a análise com um caso prático. Consideremos
o seguinte exemplo:

i) Suponhamos A, um empresário de Famalicão, e B, uma empresa sediada


no Porto.

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A é proprietário e gestor de uma empresa de manufatura de condutas de
ar-condicionado. B é uma empresa que pretende contratar com A para a
instalação desse tipo de condutas na sua sede.
Para tal, A, a suas expensas, desloca-se várias vezes à sede da empresa
B, efetua uma memória descritiva e um projeto de pormenor, tendo
inclusive contratado pessoas para o auxiliarem na feitura do projeto.
No decorrer das negociações, B anuncia subitamente a A que não pretende
contratar com ele, pois já contratou com um terceiro para o mesmo efeito.
Pergunta-se:
 Pode A, o empresário de Famalicão, exigir de B, empresa do Porto, o
reembolso das despesas que fez tendo em vista a conclusão do referido
contrato?
 E pode, além disso, reclamar uma indemnização por ter perdido a
oportunidade de celebrar o mesmo contrato com um terceiro?
 E se, em vez desta questão se ter colocado em Portugal, fosse colocada
na Alemanha e com alemães? E no Reino Unido e com ingleses?

São situações como estas que suscitam o problema da culpa na formação dos
contratos.

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2. Análise Comparativa
2.1 Origem do instituto da culpa in contrahendo

Os princípios basilares da culpa in contrahendo foram formulados em 1861 por


RUDOLF VON JHERING, na obra Culpa in contrahendo oder Schadensersatz bei
nichtigen oder nicht zur Perfection gelangten Verträgen 1.

À data da publicação desta obra, ainda estava em vigor na Alemanha o Direito das
Pandectas, Direito romano, como fonte do Direito Civil. Atendendo ao ordenamento
jurídico que o rodeava, JHERING propõe-se a preencher uma lacuna que tinha
detetado no Direito romano. Este deteta e isola, na compra e venda romana, uma
situação em que um contrato concluído que fosse nulo devido a uma falha do
vendedor, falha essa que o comprador desconheceria, não originava uma ação
contratual de indemnização2. Analisando os princípios do direito romano, entendeu
que nem a actio doli, nem a actio legis Aquiliae poderiam sustentar a pretensão do
lesado. A primeira implicava uma atuação dolosa inexistente nos exemplos a que
referiu e a segunda, uma lesão à pessoa ou ao património. Por conseguinte, a parte
culpada saia livre, a inocente era vítima da culpa alheia. Interroga JHERING: “Quem
não sente que é aqui necessária uma ação de indemnização?”3.

JHERING demonstra que, na presença de contratos nulos por anomalias ocorridas na


sua formação, podem ocorrer danos cujo não-ressarcimento seja injusto. O dano
imputa-se ao vendedor não por o contrato ser nulo, mas porque, devendo ter
conhecimento da nulidade, não curou de o evitar, causando, com isso, um dano à
contraparte4.

Perante tal situação, o responsável, por via das regras gerais sobre danos e culpa,
deveria indemnizar pelo interesse contratual negativo, colocando o prejudicado na
situação em que ele se encontraria se nunca tivesse havido negociações e contrato
nulo5.

Esta construção da culpa in contrahendo difere da que atualmente vigora nos


ordenamentos jurídicos português e alemão. JHERING parece basear este instituto

1
Afirma ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO que a imputação a JHERING de criador de
um invento totalmente novo é unânime, apresentando a posição de vasta doutrina
alemã, com destaque para, entre outros, LARENZ. In: Cordeiro, António Menezes
(1999) p.501
2
JHERING (1861) pp.10-15, in: Cordeiro, António Menezes (1999) p.500
3
Diamvutu , Lino (2010/2011) pp.17-18
4
Idem p.17, in: idem p.503
5
Cordeiro, António Menezes (março de 1999) p. 331

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na nulidade de um contrato concluído. Contudo, e no dizer de MENEZES CORDEIRO,
esta obra deve ser entendida atendendo ao seu espírito. JHERING procurou chamar
a atenção para a necessidade de complementação da área da formação dos
contratos, oferecendo um pré-entendimento que ainda hoje se mantém 6.

A culpa in contrahendo saída dos trabalhos de JHERING conheceu o seu


desenvolvimento e aproximação com a noção atual graças ao trabalho desenvolvido
pela doutrina nos anos subsequentes. No entanto, seria a jurisprudência alemã do
século XX a desenvolver extensivamente este preceito, com decisões que serão
aflorados mais adiante no presente trabalho.

A culpa in contrahendo surge no seio da família romano-germânica, na Alemanha,


influenciando os sistemas jurídicos da mesma família que estavam em seu redor.
Este instituto encontra nesta família jurídica terreno fértil para crescer, pois o Direito
civil destas é favorável e permeável à ideia de boa fé nos preliminares e na formação
dos contratos.

Na França, a culpa in contrahendo não conheceu um desenvolvimento apreciável7. O


regime da culpa na formação dos contratos enquadrar-se-ia no artigo 1382 do Código
de Napoleão, que disciplina a responsabilité du fait personnel, e que afirma que tout
fait quelconque de l'homme, qui cause autrui un dommage, oblige celui par la faute
duquel il est arrive à le réparer. Assim, se um contrato é concluído, mas os danos
originados na fase da sua formação surgirem, há lugar a responsabilidade contratual.
Já uma quebra súbita e inesperada nas pourparlers (negociações) dá lugar a
responsabilidade aquiliana (extracontratual). Conclui-se que impera o princípio da
liberdade contratual, ao passo que a aceitação de dano pré-contratual é muito rara.
Surge assim a conhecida afirmação de Carbonnier, que sumariza o panorama
francês: pas de contrat vaut mieux qu'un mauvais contrat (nenhum acordo é melhor
do que um mau contrato)8.

O caso da Itália merece menção, pois também positivou a culpa in contrahendo. Este
instituto teve alguma divulgação doutrinária neste país devido a influência alemã9. O
Código Civil de 1942 acolheu expressamente o preceito, apesar de falta de tradições
práticas, no seu artigo 1337.º. Este preceito não foi tanto o fruto de uma elaboração

6
Cordeiro, António Menezes (1999) p.506
7
Cordeiro, António Menezes (março de 1999) p. 332
8
CARBONNIER, J., 4 DROIT CIVIL - THEORIE DES OBLIGATIONS (1963) p.104 in:
Monsalve-Caballero (2013)
9
Nesse sentido conferir: Cordeiro, António Menezes (março de 1999) p. 333

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prévia do instituto, que faltou10, mas sim do produto da receção do pensamento
jurídico alemão da terceira sistemática11. A jurisprudência tem feito uma aplicação
tímida do novo texto legal12.

Afirma DÁRIO MOURA VICENTE13, que se reflete nesta orientação comum aos Direitos
alemão, italiano e português a permeabilidade destes ordenamentos jurídicos a
exigências de ordem ética e social, traduzida na consagração legal de certos limites
à autonomia privada, a qual os marcou sobretudo a partir do primeiro quartel do
século pregresso: o contrato postulado pelos sistemas que consagram o princípio da
boa fé nos respetivos preliminares e na sua formação não é apenas o contrato querido
pelos contraentes, mas antes o contrato socialmente aceitável.

2.2 Surgimento no Direito português

Afirma MENEZES CORDEIRO14 que a primeira referência, de forma autónoma, na


doutrina portuguesa à culpa in contrahendo surge na primeira edição das Instituições
do Direito Civil Português, de 1911, de GUILHERME MOREIRA, a propósito das
obrigações contratuais, expondo a teoria de JHERING. Vigorava à data o Código de
Seabra, que não possuía disposições a este respeito. Assim, este autor admitia a
culpa in contrahendo para as hipóteses de celebração de contratos nulos,
especialmente no caso da venda de coisa alheia de má fé, excluindo, no entanto, a
sua aplicação nos casos em que uma das partes contra a boa fé rompe as
negociações15. Mas já JOSÉ TAVARES veio expressamente defender a sua aplicação
também no caso da rutura injustificada das negociações16.

GUILHERME MOREIRA, ponderando a aplicação da culpa in contrahendo em Portugal,


à face do Código de Seabra, delimita, dela, os casos de responsabilidade
consagrados, de modo expresso, na lei. Fora deles acaba por admitir a culpa in
contrahendo quando haja uma garantia legal ou contratual que implique a

10
Loi, Maria L./ Tessitore, Branca, Buona fede e responsabilità precontrattualle
(1975), p.7 in: Cordeiro, António Menezes (março de 1999) p. 333
11
Cordeiro, António Menezes (março de 1999) p. 333
12
Cordeiro, António Menezes (1999)
13
Vicente, Dário Moura (2013)
14
Cordeiro, António Menezes (1999) p.570
15
Moreira, Guilherme, Instituições do Direito Civil Português II (1911) pp.664 e ss.
16
Tavares, José, Princípios I, pp. 492 e ss., in: Leitão, Luís Menezes, Direito das
Obrigações Vol. I p. 358

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«indemnização por perdas e danos» por vício da coisa ou pela «culpa ou negligência»
na verificação dos requisitos da validade do contrato17.

Apesar da existência de uma forte corrente doutrinária favorável à culpa in


contrahendo que incluía nomes como BELESA DOS SANTOS 18 e CUNHA
GONÇALVES19, também existiam autores que se oponham. Tal é o caso de JAIME DE
GOUVEIA20 que vem afirmar que a doutrina da culpa in contrahendo é ilógica e
arbitrária.

O Código Civil de 1966 trouxe novidades no domínio da culpa in contrahendo. O


artigo 227.º do Código Civil, apoiado na proposta de Vaz Serra, positivava este
preceito, nomeando-o como culpa na formação dos contratos.

2.3 Surgimento no Direito alemão

A culpa in contrahendo surge na Alemanha como uma construção doutrinária,


proposta por JHERING. Esta, após discussão e aperfeiçoamento pela pandectístita
subsequente, torna-se num preceito semelhante ao que ainda é hoje aplicado em
alguns ordenamentos jurídicos dos países da família romano-germânica. Este será
aplicado pela jurisprudência alemã por forma a colmatar a lacuna legislativa que
existia.

Efetivamente, a culpa in contrahendo foi consagrada pela jurisprudência do Tribunal


Federal alemão que, ao longo do século XX, conferiu a este preceito uma
extraordinária amplitude21. Para tal contribuíram, essencialmente, duas ordens de
fatores, conforme identifica DÁRIO MOURA VICENTE22:

- Por um lado, a conceção restritiva da responsabilidade extracontratual que triunfou


com o Código Civil alemão de 1900 e que recusa a indemnização ao abrigo das regras
que regulam esta modalidade de responsabilidade civil, de danos patrimoniais
causados negligentemente, dos quais não resultem a lesão de certos bens jurídicos
fundamentais (como a vida, integridade física ou propriedade) ou de regras legais de
proteção; conceção esta que também exclui a responsabilidade objetiva do agente

17
Idem pp. 664-675 in: Cordeiro, António Menezes (1999) p.571
18
Cfr. Santos, José Belesa dos, A simulação, p. 10 e ss.
19
Cfr. Gonçalves, Cunha, Tratado de Direito Civil, p. 293-294
20
Cfr. Gouveia, Jaime de, Da responsabilidade contratual (1932), p.293-294
21
Vicente, Dário Moura (2013) p.56
22
Idem

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por atos prejudiciais dos seus auxiliares sempre que não haja culpa in eligendo ou in
vigilando da sua parte;

- Por outro, o ethos social que impregna o Direito alemão desde Bismarck e que se
revelaria particularmente favorável à ampliação do âmbito das situações geradoras
de responsabilidade obrigacional na jurisprudência tanto do Tribunal do Império,
como do Tribunal Federal alemão.

Assim os tribunais fundamentavam a culpa in contrahendo recorrendo a uma clausula


de boa fé, consagrada no §242 BGB23. Este preceito só encontraria a sua plena
consagração no Código Civil Alemão no momento da reforma do Direitos das
Obrigações, efetuada pela Schuldrechtsmodernisierunggsgesetz empreendida em
2002, quando se aditou o §31124.

2.4 A culpa in contrahendo e o Direito inglês

Estando o Reino Unido inserido na família de common law, a abordagem à culpa in


contrahendo é bastante diferente da que ocorre nos países pertencentes à família
romano-germânica. Não se tendo operado em Inglaterra uma receção do Direito
Romano, como nos sistemas jurídicos continentais, não fez sentir neste o influxo da
bona fides romana25.

Conforme afirma MENEZES LEITÃO26, os sistemas de common law estão


tradicionalmente ancorados no dogma da freedom of contract, pelo que este princípio
tem sido mais dificilmente recebido. Efetivamente, a solução tradicional da common
law é a de que, ou as partes estão vinculadas por um contrato, ou a nada se
encontram vinculadas (all or nothing), tendo o princípio da liberdade contratual uma
componente negativa, que consiste na exclusão de qualquer responsabilidade que
não resulte de uma vinculação assumida em contrato válido. Esta posição é
naturalmente adversa à admissão de um dever de boa fé durante as negociações.

Conclui DÁRIO MOURA VICENTE que é natural que um sistema como o inglês, que
entende o Direito como nada mais do que a expressão normativa das necessidades
do tráfico jurídico, tal como os tribunais as interpretam, olhe com desconfiança para

23
Vicente, Dário Moura (fevereiro de 2001) p.249
24
Leitão, Luís Menezes (outubro de 2007) p. 355
25
Cordeiro, António Menezes (1999) p. 54
26
Leitão, Luís Menezes (2001) p. 69

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a consagração de um princípio de boa fé nos preliminares e na formação dos
contratos27.

Anota ainda que a doutrina da culpa in contrahendo não logrou penetrar nos sistemas
de common law. Tradicionalmente, não impendiam aí sobre as partes, durante o
período das negociações preparatórias e da formação dos contratos, os deveres
recíprocos de esclarecimentos e informação que a doutrina e a jurisprudência dos
países continentais extraem da boa fé28.

Historicamente, o ponto de partida da disciplina da formação do contrato seria antes


a máxima caveat emptor. Segundo esta, na ausência de fraude, e desde que os bens
objeto de venda fossem suscetíveis de inspeção, não podia o comprador reclamar
por defeitos no bem adquirido, pois que lhe seria sempre possível proteger-se contra
os mesmos exigindo ao vendedor uma garantia expressa de qualidade29.

Assim, o rompimento das negociações, ainda que arbitrário, era tido por
perfeitamente lícito. Isto significa que a qualquer das partes assistia o direito de
romper as negociações30.

Vigorava uma visão aleatória das negociações31, que constituía um corolário dos
princípios da liberdade contratual e da liberdade de negociar, e era vista como uma
exigência da eficiência do sistema económico: qualquer outra solução subverteria
aqueles princípios e poderia desencorajar as partes de entabular negociações em
vista da celebração de um contrato, traduzindo-se num prejuízo para a economia em
geral32.

Contudo, e atendendo à necessidade de criação de mecanismos que permitissem,


pelo menos, atenuar condutas que manifestamente contrariam exigências de justiça
material33, foram criados mecanismos como o da misrepresentation. Este é uma
declaração inexata, desconforme à verdade dos factos, proferida antes ou aquando
da celebração de um contrato, que induziu o declaratário à celebração do mesmo 34/35.

27
Vicente, Dário Moura (fevereiro de 2001) p. 352
28
Idem, p. 274
29
Cheshire-Fifoot-Furmston, Law of Contract p.136 in: idem
30
Idem p. 275
31
Allen, England in Precontractual Liability. Reports to the XIIIth International
Academy of Comparative Law, Montreal, Canadá, 18-24 agosto de 1990 pp. 125 ss.
in Idem
32
Vicente, Dário Moura (fevereiro de 2001) p. 275
33
Idem p.276
34
Idem
35
Existem três espécies de misrepresentation: fraudulent, negligent e a innocent. A
primeira consiste na declaração conscientemente falsa, a segunda numa declaração
feita descuidadamente ou sem que houvesse fundamento razoável para o

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Afirma DÁRIO MOURA VICENTE36 que a misrepresentation é uma manifestação do
acolhimento que o Direito inglês deu a princípios de responsabilidade pré-contratual.

2.5 O regime da culpa in contrahendo no Direito


português

No artigo 227.º, n.º 1, do Código Civil acolhe-se expressamente o princípio conforme


o qual:

«Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos
preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena
de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.»

Pode, assim, afirmar-se que o Código consagrou a figura da culpa na formação dos
contratos. Há, por força deste preceito, uma relação obrigacional nascida nos
preliminares do contrato e integrada por deveres de conduta fundados na boa fé,
cuja violação faz incorrer o infrator na obrigação de indemnizar os danos desse modo
causados a outrem37.

Estabelecem-se ainda certos corolários desse princípio em preceitos esparsos do


Código (os artigos 229.º, n.º 1, 245.º, n.º 2, 246.º e 898.º).

DÁRIO MOURA VICENTE38 salienta que as categorias de situações típicas suscetíveis


de originarem o dever de indemnizar previsto neste preceito não se cingem, como
preconizou JHERING, às hipóteses de invalidade do contrato por vício imputável a
facto culposo de uma das partes (v.g. a incapacidade que uma das partes tenha
ocultado à outra, a falta ou vícios da vontade, a falta ou abuso de poderes de
representação, a impossibilidade ou ilicitude do objeto, etc.), antes compreendem a
celebração de um contrato válido com violação de deveres de conduta decorrentes
da boa fé. Também não se exige, como sustentou JHERING, a efetiva conclusão do
contrato para que uma das partes possa responder por danos causados à outra na
fase negociatória. O rompimento de negociações pode, assim, dar lugar à obrigação
de indemnizar os prejuízos advenientes desse facto para uma das partes.

declarante crer na sua veracidade, e a terceira numa qualquer declaração inexata


feita sem dolo nem negligência. Para mais cfr. Idem.
36
Idem p. 280
37
Vicente, Dário Moura (11 de setembro de 2010) p.2
38
Idem (2007) p. 267

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Em contrapartida, não parece suscetível de ser reconduzido ao artigo 227.º o
incumprimento de obrigações voluntariamente assumidas pelas partes quanto aos
preliminares e à conclusão dos contratos, por exemplo através de acordos de
negociação ou de princípio, pelos quais as partes se vinculam a iniciar ou a prosseguir
negociações com vista à conclusão futura de um contrato, ou ainda de acordos de
confidencialidade, mediante os quais uma ou ambas se obrigam a não divulgar
informações obtidas no decurso das negociações. O incumprimento de tais acordos
– que têm encontrado acolhimento sobretudo na contratação internacional – dá lugar
a uma forma de responsabilidade cujos pressupostos e conteúdo são em ampla
medida determinados pela vontade das partes; razão por que a mesma não se
confunde com a responsabilidade por violação de deveres legais de que se ocupa o
artigo 227.º39.

Outro aspeto saliente deste preceito prende-se com a sanção nele consignada para
os comportamentos pré-contratuais ofensivos da boa fé, a qual consiste unicamente
na obrigação de indemnizar40.

Também, no n.º 2 do artigo 227.º, é indicado o prazo de prescrição a que o direito


de indemnização fica sujeito, o qual é, por força da remissão feita para o artigo 498.º
do Código, de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento desse
direito.

Com esta construção da culpa in contrahendo, fica excluída a execução específica de


um contrato projetado quando as negociações tendentes à sua celebração se hajam
malogrado. Conforme discutido em sede de aula prática, a propósito do caso em que
o construtor de um empreendimento na Foz do rio Douro, no Porto, altera os preços
dos imóveis de forma súbita e significativa, a execução específica é uma solução
jurídica com uma aplicação muito restrita no ordenamento jurídico português,
disciplinada nos artigos 827.º do C.C. e seguintes. Esta é limitada aos contratos
promessa de compra e venda sem sinal (artigo 830.º do C.C.). Assim, não é possível
à parte lesada pedir ao tribunal que se substituía à outra parte, por forma a
concretizar esse negócio.

MENEZES CORDEIRO41 argui que a culpa in contrahendo portuguesa constitui um


campo normativo vasto que permite aos tribunais a prossecução dos fins jurídicos,
com uma latitude grande de movimentos. Tal é evidenciado pelas três áreas pelas
quais, em termos históricos, se espraiou a figura: a dos deveres de proteção, a dos

39
Idem p.267-268
40
Idem p.268
41
Cordeiro, António Menezes (março 1999) pp. 338 - 339

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deveres de informação e a dos deveres de lealdade. Os deveres de proteção obrigam
a que, sob pretexto de negociações preliminares, não se inflijam danos à contraparte.
Os deveres de informação adstringem as partes à prestação de todos os
esclarecimentos necessários à conclusão honesta do contrato. Os deveres de lealdade
vinculam os negociadores a não assumir comportamentos que se desviem de uma
negociação correta e honesta.

Afirma ainda que a culpa in contrahendo funciona quando a violação dos deveres de
proteção, de informação e de lealdade conduzam à frustração da confiança criada na
contraparte pela atividade anterior do violador ou quando essa mesma violação retire
às negociações o seu sentido substancial profundo de busca de um consenso na
formação de um contrato válido, apto a prosseguir o escopo que, em termos de
normalidade, as partes lhe atribuam42.

A jurisprudência portuguesa, na sua dimensão, tem, efetivamente, concretizado a


culpa in contrahendo, fazendo-o com especial acuidade, no domínio dos deveres de
lealdade pré-negociais, e no do dever, também pré-negocial, duma completa e exata
informação43. Foi também a jurisprudência, por via do Supremo Tribunal de Justiça,
que forneceu os requisitos da responsabilidade in contrahendo44, que mais adiante
exploraremos.

Assim, o Supremo Tribunal de Justiça formulou os requisitos45, cumulativos, para a


sua aplicação:

- Um facto voluntário, positivo ou omissivo do agente, ilícito. A fim de surpreender


a ilicitude, afirma a mesma instância, há que apurar se existe um dever jurídico de
atuação pelo agente e se ele foi violado sem justificação46.
- A culpa do agente. A apreciação da culpa na formação dos contratos deve fazer-se
nos termos aplicáveis à responsabilidade civil em geral. Na falta de outro critério
legal, pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias do caso
(artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil)47/48;

42
Idem p. 340
43
Idem p. 343
44
Vicente, Dário Moura (11 de setembro de 2010) p.6
45
Neste sentido, conferir: acórdão de 24 de outubro de 1995, BMJ, n.450 (1995)
pp.443 e ss.
46
Vicente, Dário Moura (2007) pp.268-269
47
Admite-se na jurisprudência portuguesa a concorrência de culpa do lesado,
traduzida, por exemplo, na omissão dos cuidados, precauções e cautelas usuais no
tráfico jurídico. Neste caso, pode a indemnização ser excluída.
48
Vicente, Dário Moura (2007) pp.207-271

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- Um dano. De acordo com certo entendimento - acolhido na maioria49 dos arestos
dos tribunais superiores - a obrigação de indemnizar consagrada no artigo 227.º do
Código Civil visa essencialmente o ressarcimento do interesse negativo ou de
confiança. Neste inclui-se tanto o dano emergente (as despesas efetuadas por causa
das negociações) como o lucro cessante (os benefícios que o lesado teria auferido
em virtude de oportunidades negociais falhadas se não se tivessem iniciado as
negociações) resultantes da imperfeição ou ineficácia do contrato50;

- Nexo de causalidade. Esse nexo deve ser aferido nos termos da doutrina da
causalidade adequada51.

2.6 O regime da culpa in contrahendo no Direito


alemão

Com a reforma de 2002 do Direito das Obrigações do BGB, surge a sec.2 do §311,
que positiva a culpa in contrahendo, com o seguinte conteúdo:

“Ein Schuldverhaltnis mit Pflichten nach. 241 abs. 2 entsteht auch durch [...], 2. die
Andahnung eines Vertrags, bei welcher der eine Teil im Hinblick auf eine etwaige
rechtsgeschaftliche Beziehung dem anderen Teil die Moglichkeit zur Einwirking auf
seine Rechte, Rechtsguter und Interessen gewahrt oder ihm diese anvertraut, oder
3. ahnliche geschaftliche kontakte”52

A sec. 2 vem afirmar que surge uma obrigação que acarta deveres com o começo de
um contrato onde uma parte, com vista a uma potencial relação contratual, oferece
à outra parte a possibilidade de afetar os seus direitos, interesses legais e outros
interesses, ou confia-lhe estes. De acordo com a secção 2 do §311, a culpa in
contrahendo inclui casos em que a relação jurídica que surgem na fase de negociação

49
Em sentido oposto, uma corrente jurisprudencial minoritária admite a
indemnização, nos termos gerais, de todos os danos causados pelo ilícito pré-
contratual, incluindo, por conseguinte, o interesse positivo ou de cumprimento.
50
Vicente, Dário Moura (2007) pp.271-273
51
Idem pp-274
52
Tradução para inglês: An obligation with duties under section 241 (2) also comes
into existence by […] 2. the initiation of a contract where one party, with regard to
a potential contractual relationship, gives the other party the possibility of affecting
his rights, legal interests and other interests, or entrusts these to him, or 3. similar
business contacts. In: https://www.gesetze-im-
internet.de/englisch_bgb/englisch_bgb.html#p1008

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é presente, isto é, na preparação do contrato, com o potencial de negociação e outros
contratos de negociação semelhantes53.

No primeiro momento – a preparação de um contrato/ preocupação do conteúdo – o


contrato pode, ou não, ser concluído. No segundo momento – o potencial de
negociação/ fase decisória -, prevê um mero convite para entrar numa relação
contratual. Todos os outros eventos não previstos na última parte da sec. 2 do §311
são possíveis na medida em que contacto criem uma relação obrigacional54.

CANARIS55, contudo, mantém que o termo interesses na sec.2 do §311 foi incluído
por sua inicativa e com o objetivo de relacionar a liberdade de decisão com o espetro
da culpa in contrahendo.

Vale a pena sublinhar a inclusão da culpa in contrahendo de um terceiro, na sec. 3


do §311. A provisão reconhece que um terceiro pode ser responsável se usar da sua
confiança para influenciar alguém a realizar um contrato56.

A norma é tão ampla que permite que permite uma interpretação mais extensiva,
incluindo, deveres acessórios de conduta, que serão aflorados adiante, por parte da
jurisprudência e doutrina.

Existem, contudo, requisitos para a sua aplicação, conforme indica DÁRIO MOURA
VICENTE57, nomeadamente:

- O dano sofrido in contrahendo tem de resultar, a fim de ser indemnizável,


da infração de algum dever jurídico.

No Direito alemão tem-se por constituída, através da entrada em negociações, ou


tão-só do estabelecimento de um «contacto negocial», uma relação obrigacional de
fonte legal, por alguns dita de preparação do contrato (Rechtsverhältnis der
Vertragsanbahnung), integrada por deveres de conduta cuja violação obriga, em
determinadas circunstâncias, a indemnizar a contraparte.

Alem de deveres de lealdade (de informação, esclarecimento e sigilo), incluem-se


nessa relação nessa relação deveres de proteção e cuidado quanto à pessoa e aos
bens do parceiro de negociações.

53
Monsalve-Caballero, Vladimir (2013) p.136
54
Idem
55
Canaris, Claus-Wilhelm, DIE REFORM DES RECHTS DER LEISTUNGSSTÖRUNGEN
519 (2001).
56
Monsalve-Caballero, Vladimir (2013) p.136
57
Vicente, Dário Moura (fevereiro de 2001) p.307

Página 15 de 25
- A culpa é requisito de imputação ao lesante dos danos produzidos na
formação do contrato, resultantes da violação de veres de conduta integrados na
relação jurídica de negociações58.

Nos casos em que seja exigível, a culpa é apreciada por referência à conduta exigível
ao homem médio59.

- A ocorrência de uma diminuição patrimonial, sendo que se discute em que


medida é que é ressarcível.

A restrição da indemnização por culpa in contrahendo ao interesse contratual


negativo, também designado, impropriamente60, por interesse ou dano de confiança
(Vertrauesinteresse), isto é, o dano que o lesado não teria sofrido se o contrato não

houvesse sido celebrado, foi a solução preconizada por JHERING. Este autor
sustentou que a pretensão ressarcitória do credor não podia dirigir-se à satisfação
do seu interesse positivo ou de cumprimento, antes devia cingir-se ao interesse
negativo61.

Esta doutrina obteve consagração nos §§122, 179 (2), 307 e 309 do BGB pelo que
respeita às hipóteses de invalidade da declaração negocial ou do contrato. Aí se
prescreve a obrigação de o declarante a quem pertencer o direito de anulação da
declaração negocial aquando do contrato tinha ou devia ter conhecimento da
impossibilidade da prestação ou de que o contrato violava proibição legal,
indemnizarem o dano sofrido pela contraparte em virtude de esta ter confiado na
validade da declaração, do poder de representação ou do contrato. A indemnização
tem como limite o valor do interesse que o lesado teria na validade do contrato.

O disposto no §249 do BGB estatui que se visa reconstituir a situação que existiria
se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. Assim, ocorrendo
violação dos deveres de proteção e cuidado nos preliminares dos contratos há lugar
à indemnização do «interesse de conservação» (Erhaltungsinteresse) ou «de
integridade» (Integritätsinteresse), ou seja, ao ressarcimento de todos os danos
sofridos62.

58
Nirk, Culpa in contrahendo – eine richterliche Rechtsfortbildung – in der
Rechtsprechung des Bundesgerichtshofes (1965) pp. 384 e ss. in Vicente, Dário
Moura (fevereiro de 2001) p.311
59
Vicente, Dário Moura (fevereiro de 2001) pp.311 e ss.
60
Idem p.18
61
Jhering (1861) pp. 16 e ss. in: Idem
62
Larenz, Schuldrecht I, Allgemeiner Teil p.112 in: Vicente, Dário Moura (fevereiro
de 2001) p.319

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A indemnização do interesse negativo (negatives Interesse) consiste nas despesas
inutilmente feitas pelo lesado com vista à conclusão do contrato 63 ou nas despesas a
mais que aquele incorreu para a aquisição do respetivo objeto. LARENZ64 defende
que a indemnização teria como limite o interesse contratual positivo
(Erfüllungsinteresse), visto que não seria admissível colocar o lesado em melhor
posição do que a que ocuparia se o contrato houvesse sido celebrado sem vício.

2.7 A jurisprudência portuguesa

Defende DÁRIO MOURA VICENTE65 que após uma utilização controvertida do instituto
da culpa in contrahendo66, durante os anos 90, este conheceu uma assinalável
expansão da sua aplicação.

MENEZES CORDEIO67 afirma que a jurisprudência portuguesa tem concretizado a


culpa in contrahendo, fazendo-o no domínio dos deveres de lealdade pré-negociais,
e no dever, também pré-negocial, duma completa e exata informação, identificando
três correntes de atuação da jurisprudência nacional: a que aplica o instituto,
maioritária; a que o refere; e a que nega a sua aplicação.

Um caso que evidencia a aplicação do instituto é o 828/00 de 27/03/2001, do


Supremo Tribunal da Justiça, analisado em sede de aula prática.

Este caso opunha duas partes, a autora era uma cooperativa de produtores de pesca
que também se dedicava a trabalhos de construção e reparação naval, o réu era um
armador que entrou em contacto com a autora no sentido desta lhe construir uma
embarcação de pesca. Para tal, a autora procedeu à elaboração de estudos, pareceres
e projetos, tendo efetuado deslocações e contratado pessoal para auxiliar naquela
empreitada, à sua custa. As negociações foram ocorrendo dentro da normalidade,
sem que nunca o réu tivesse dado a indicação de que a qualquer momento estas
pudessem cessar. Ocorreu que, de facto, o réu cessou as negociações, alegando que
tinha uma melhor proposta para a construção de um outro construtor. Ora, discute-
se neste caso se os preliminares do negócio configuravam um caso passível de
indemnização por culpa in contrahendo. Vieram os juízes afirmar que, atenta a

63
Idem
64
Larenz, FS Ballerstedt p.419 in: Vicente, Dário Moura (fevereiro de 2001) p.319
65
Conforme posição defendia em sede de aula teórica da disciplina de Direito das
Obrigações
66
Neste mesmo sentido, cfr. Cordeiro, António Menzes (1999), p.576
67
Cordeiro, António Menzes (março de 1999), p.343

Página 17 de 25
matéria de facto, impõe-se concluir que existiram negociações entre o réu e a autora
e que elas permitiram à autora formar uma razoável base de confiança na celebração
do contrato de construção da embarcação. Dizem ainda que o réu deveria ter
prevenido a autora para a existência de conversações paralelas, por forma a
prevenir-lhe esforço, que talvez de outra forma não teria sido empreendido.

Caso que evidencia a mera referência ao instituto, diz MENEZES CORDEIRO 68 que
estes se tratam de um fenómeno importante que recorda a estrutura decisiona que
sempre apresenta a aplicação do Direito e a natureza de argumento assumida pelos
atores jurídico-legais que orientavam a vontade humana. A inclusão, nos modelos de
decisão, do tópico da culpa in contrahendo contribuirá, por certo, para a sua radiação
na cultura jurídica.

Os casos que é negada a sua aplicação envolvem certas peculiaridades, não se


vislumbrando neles qualquer posição de princípio contrária ao alargamento da figura,
cuja aplicação dependerá, antes de mais, do correspondente pedido formulado pelas
partes.

2.8 A jurisprudência alemã

Com efeito, é a jurisprudência alemã que efetua os mais importantes


contributos para o desenvolvimento da culpa in contrahendo.

MENEZES CORDEIRO69 identifica os destaca os seguintes casos:

- RG 7-dez-1911: uma senhora, depois de realizar algumas compras num


estabelecimento comercial, dirige-se, com uma criança, ao setor dos linóleos;
aí, por negligência do empregado que as atendia, amabas foram colhidas por
dois rolos de linóleo que caíram; o dono do estabelecimento foi condenado
por violação dos deveres pré-contratuais de segurança.

Nesta hipótese, considera MENEZES CORDEIRO70 estarem em jogo deveres


de segurança: as partes devem providencias para que, nas negociações,
ninguém sofra danos, seja na sua saúde ou integridade física, seja no seu
património.

68
Idem pp.342-343
69
Cordeiro, António Menzes (março de 1999), p.337
70
Idem

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- BGH 20-fev-1967: um instituto de crédito financia, junto de um particular,
a aquisição de um automóvel; este, apesar de pago, é retido por, entretanto,
ter ocorrido a falência do vendedor; o instituto em causa pretende reaver, do
comprador frustrado, a importância mutuada: é condenado por não ter
esclarecido suficientemente o mutuário dos riscos por ele corridos.

Nesta hipótese, MENEZES CORDEIRO71 diz poder-se falar na existência de


deveres de informação pré-contratuais.

- BGH 8-jun-1978: uma comuna é condenada: verifica-se que negociara a


venda, a um particular, de certo terreno; dera-lhe, porém, informações
inexatas sobre o plano de construção e, depois, veio modifica-lo.

Nesta hipótese, MENEZES CORDEIRO72 afirma tratar-se de veres de lealdade,


pois as partes não podem, in contrahendo, adotar comportamentos que se
desviem da procura, ainda que eventual, de um contrato, nem assumir
atitudes que induzam em erro ou provoquem danos injustificados. Os deveres
de lealdade distinguir-se-iam dos de informação na medida em que nos
primeiros não há a questão da comunicação, antes se joga com um problema
de atuação.

A amostragem jurisprudencial realizada indicia que, no período pré-


contratual, têm sido colocadas questões que ultrapassam, com clareza o
âmbito de uma negociação regular. Não está em causa um mero problema
de salvaguarda da autonomia privada, que possa ser resolvido, seja através
de um reafirmar, também na fase preliminar, da eficácia jurídica da liberdade
negocial, seja de um salvaguardar, mediante uma compartimentação dos
deveres das partes, dessa mesma liberdade73.

2.9 A jurisprudência inglesa

No que concerne à jurisprudência inglesa, destaca-se o caso Walford v. Miles,


discutido em sede de aula prática. Neste, a 12 de março de 1987, os réus haviam

71
Idem p. 338
72
Idem p. 339
73
Cordeiro, António Menzes (1999) p.505

Página 19 de 25
acordado em vender aos autores pelo preço de dois milhões de libras o seu negócio
de fotografias. A 17 de março de 1987, as partes convencionaram que se os autores
obtivessem de um banco, até 20 do mesmo mês, uma «carta de conforto»
confirmando a concessão de um empréstimo em vista da referida aquisição, os réus
poriam termo a quaisquer negociações entabuladas para o mesmo fim com terceiros
e não tomariam em consideração qualquer proposta concorrente. A «carta de
conforto» foi apresentada pelos autores no prazo estipulado e as partes celebraram
em 25 de março de 1987 um acordo subject to contract (acordo que está sujeito a
contrato), nos termos do qual os réus manifestavam a sua vontade de vender a
empresa as condições já acordadas (entre as quais o preço referido) e nas demais
que viessem a sê-lo. Em 30 de março, porém, os réus venderam a empresa a um
terceiro.

Os autores demandaram os réus por violação do acordo lock-out de 17 de março,


por força do qual, no seu entender, os réus se haviam comprometido a não negociar
ou considerar ofertas de terceiros em contrapartida da apresentação pelos autores
da dita «carta de conforto». Alegaram também que as promessas dos réus
constituíam misrepresentation, sendo esta quantia o valor correspondente às
despesas realizadas pelos autores em vista da celebração do contrato de compra e
venda.

Em sede de recurso a discussão centrou-se na eficácia do colateral agreement


invocado pelos autores e no seu conteúdo, mormente na questão de saber se o
mesmo integrava um implied term segundo o qual os réus se obrigavam a negociar
de boa fé com os autores enquanto mantivessem a intenção de vender a empresa.
O Court of Appeal qualificou esse acordo como um contract to negotiate, que julgou
ineficaz (unenforceable), dando assim provimento ao recurso interposto pelos réus.

Desta decisão recorreram para a Câmara dos Lordes, alegando que o acordo em
questão incluía a dita estipulação implícita por força da qual enquanto os réus
mantivessem a intenção de vender a empresa se obrigavam a negociar de boa fé
com os autores. O tribunal rejeitou o recurso por unanimidade.

Na decisão, proferida em 1992, a Câmara dos Lordes rejeitou de modo expresso a


existência no Direito inglês de um dever de negociar de boa fé e afirmou a liberdade
de as partes romperem as negociações a todo o tempo e por qualquer motivo, sem
ficarem por isso sujeitas a qualquer dever de indemnizar.

Para tanto, sustentou LORD ACKNER: ―the concept of duty to carry on negotiations
in good faith is inherently repugnant to the adversarial position of the parties when

Página 20 de 25
involved in negotiations. Each party to the negotiations is entitled to pursue his (or
her) own interest, so long as he avoids making misrepresentations.

Inexiste, assim, no Direito inglês vigente, conclui DÁRIO MOURA VICENTE que existe
um dever geral de atuação segundo a boa fé, a cargo das partes nos preliminares e
na formação dos contratos. Encontra-se, decerto, no Direito inglês consagrações da
boa fé subjetiva e objetiva na regulamentação de situações específicas: a
interpretação e integração dos contratos segundo os standards do homem médio; o
dever de não enganar a contraparte, sancionado pelo instituto da
misrepresentation . 74

74
Vicente, Dário Moura (2007) p. 293

Página 21 de 25
3. Grelha comparativa

Portugal Alemanha Inglaterra

Existe um Não, caso Smith v. Hughes, de


dever geral Sim Sim 1871, em que o juiz Blackburn
de atuação afirmava there is no legal
segundo a obligation on the vendor to inform
boa fé? the purchaser that he is under a
mistake, not induced by na act of
the vendor75.

Existe, nos
sistemas Sim, o instituto Sim, o instituto Não, caso Walford v. Miles, de
jurídicos em da culpa in da culpa in 1992, em que o Lord Ackner
apreço, um contrahendo contrahendo afirmou que the concept of duty to
dever de encontra-se encontra-se carry on negotiations in good faith
reparar os positivado no positivado no is inherently repugnant to the
referidos artigo 227.º do parágrafo 331 do adversarial position of the parties
danos? Código Civil. BGB. when involved in negotiations76.

1. facto 1.Dano; 2.O


E, se existe, voluntário; 2. dano sofrido in
culpa do contrahendo tem
quais os seus
agente; 3. de resultar, a fim
pressupostos? Dano; 4. Nexo de ser
de causalidade indemnizável, da
infração de
algum dever
jurídico; 3. A
ocorrência de
uma diminuição
patrimonial

75
Traduz-se para: não há uma obrigação legal do vendedor informar o comprador que ele está induzido
em erro, excluindo quantos aos atos reportáveis ao vendedor.
76
Traduz-se para: o conceito de dever de conduzir as negociações em boa fé é inerentemente
repugnante à posição adversa das partes quando envolvidas em negociações

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4. Síntese comparativa

Na esteira de DÁRIO MOURA VICENTE77, posso concluir que todos os sistemas


jurídicos em apreço tutelam os negociadores através da consagração do dever de
indemnizar os danos surgidos das negociações preparatórias e da formação dos
contratos. A comparação efetuada permite, todavia, distinguir nesta matéria três
ordens de soluções:

a) A presente no Direito alemão. Este admite a existência de específicos deveres


de conduta no processo formativo dos contratos, os quais integram uma
relação obrigacional constituída com a entrada em negociações cuja violação
determina o dever de indemnizar os danos causados segundo as normas da
responsabilidade contratual;
b) A presente no Direito inglês. Este rejeita por princípio a existência de um
vínculo obrigacional entre quem negoceia com vista à conclusão de um
contrato e apenas admitem a imputação de danos causados in contrahendo
nos termos da responsabilidade extracontratual;
c) A presente no Direito português. Este admite a existência de deveres pré-
contratuais de conduta fundados na boa fé, mas sujeitam o dever de
indemnizar inerente ao seu incumprimento às normas dos diferentes tipos de
responsabilidade consoante a natureza do facto lesivo e da questão sub
judice.

Apesar deste afastamento entre os ordenamentos jurídicos em análise, e tendo em


conta o discutido em sede de aula prática, vislumbrar-se-ia uma aproximação destes
no domínio da culpa in contrahendo por virtude dos Princípios de Unidroit. No artigo
1.7, n.1 consagra-se expressamente que as partes devem proceder segundo as
regras da boa fé no comércio internacional. Contudo, este preceito não corresponde
a Direito vigente nos países da Common Law. Além disso, anota DÁRIO MOURA
VICENTE78 que estes princípios apenas sancionam de modo expresso o rompimento
de negociações, através da imposição de responsabilidade pré-contratual, nas
situações em que uma parte iniciou ou prosseguiu negociações sem intenção real de
chegar a acordo com a outra79.

77
Vicente, Dário Moura (fevereiro de 2001) pp. 348 e ss.
78
Vicente, Dário Moura (2007) .p282
79
Princípios Unidroit, artigo 2.15

Página 23 de 25
5. Bibliografia

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Cordeiro, António Menezes, Da Boa fé no Direito Civil, Almedina, 1999

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Leitão, Luís Menezes82, Negociações e responsabilidade pré-contratual nos contratos


comerciais internacionais in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Manuel
Duarte Gomes da Silva, Coimbra Editora (2001)

Leitão, Luís Menezes, Direito das Obrigações I, 6.ª edi. Almedina (outubro 2007)

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Vicente, Dário Moura, Direito Comparado, Vol. I, Almedina, 2008

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Vicente, Dário Moura, Da responsabilidade pré-contratual em Direito Internacional


Privado, Almedina, fevereiro de 2001

80
Professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
81
Professor na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto
82
Professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
83
Professor of Law, School of Law - Universidad del Norte (Colombia). Ph.D.
Universidad de Salamanca (Spain), M.A. Universidad de Salamanca (Spain), J.D.
Universidad Santo Tomas (Colombia)
84
Professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Página 24 de 25
Jurisprudência

Portuguesa:

- Acórdão de 24 de outubro de 1995, BMJ, n.450 (1995);

- Acórdão 828/00, de 27 de março de 2001, Supremo Tribunal da


Justiça.

Alemã:

- RG 7-dez-1911, RGZ 78 (1912), 239-241 (240);

- BGH 20-fev-1967, BGHZ 47 (1967), 207-217 (208-209 e 210-213);

- BGH 8-jun-1978, LM n.º51 § 276 (Fa) BGH=NJW 1978.

Inglesa:

- Smith v. Hughes, de 1871;

- Walford v. Miles, de 1992I.

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