Вы находитесь на странице: 1из 22

http://revista.famma.

br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

SOCIOLOGIA DA LEITURA – UMA ABORDAGEM TEÓRICA


EM BUSCA DO PÚBLICO LEITOR

Maria de Lourdes Bacicheti GONÇALVES*

RESUMO

A história da leitura e da literatura está intimamente ligada à história dos leitores,


uma vez que todo fato literário compreende uma vinculação intrínseca entre
escritores, livros e leitores. Esses fazem parte de um circuito de trocas que engloba
um sistema de transmissão bastante complexo, envolvendo diferentes áreas:
produção, distribuição e consumo. A Sociologia da Leitura preocupa-se em conhecer
como funcionam as relações sociais estabelecidas a partir da tríade interativa do
sistema literário: obra, escritor e leitor, tendo o leitor como elemento determinante do
sistema, juntamente com o livro, objeto de seu interesse. Este artigo tem como
finalidade apresentar um breve panorama dessa teoria, tendo como ponto de partida
sua conceituação, função e objetivo. Procura ainda apresentar a origem dessa
perspectiva teórica, bem como as contribuições das pesquisas nos diferentes
âmbitos que envolvem essa área do conhecimento. Apresenta o seu campo de
atuação, suas limitações e as dificuldades que os estudiosos encontram para um
avanço significativo na área. Concluímos enfatizando a importância dessa teoria
para a compreensão das questões que envolvem a leitura e o fato literário.

Palavras-chave: Sociologia da Leitura. Literatura. Leitura.

INTRODUÇÃO

A literatura é resultado de um ato concreto, denominado leitura. Para sua


realização, é necessária uma mobilização conjunta do autor e do leitor para que
possam dar significação à obra, uma vez que, sem tais elementos, ela não se
realiza. Ler é construir sentidos para o texto. Entender quem lê, o quê lê, por que lê
e como lê, ou seja, compreender todos os elementos e questões envolvidas nesse

*
Mestre em Letras pela Universidade Estadual de Maringá – Maringá (PR). Endereço para
correspondência: Rua Marechal Deodoro, 1167, apto. 601 – CEP: 87030020 – Maringá – PR.
Professora da Faculdade Metropolitana de Maringá.
E-mail: lourdesbaci@gmail.com

68

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

processo se torna fundamental para o entendimento do fato literário, pois, conforme


afirma Escarpit (1974), os leitores e os artistas são indivíduos históricos, por meio
dos quais se instala o contato histórico, mediado pelo livro, também um fenômeno
histórico.
O sistema literário é composto pela tríade: escritor, obra e leitor. Dos três
elementos, segundo Zilberman (2001), durante muito tempo, o leitor foi o que menos
recebeu atenção nos estudos literários, porém, para a Sociologia da Leitura, ele é
fator essencial.
Dessa forma, este artigo tem como finalidade apresentar um breve panorama
da Sociologia da Leitura, partindo da conceituação e objetivos dessa teoria,
procurando apreender suas origens e, a partir daí, as principais contribuições dos
estudos relacionados a ela. Para a compreensão da temática em foco, os estudos
realizados por Zilberman e Candido se constituirão como ponto de partida para o
trabalho que, aqui, será desenvolvido.

CONCEPÇÃO, FUNÇÕES E OBJETIVOS

Estudar os fenômenos que envolvem a leitura e a literatura é uma tarefa


fascinante e, ao mesmo tempo, árdua, uma vez que seu estudo abrange um vasto
campo a ser investigado. De acordo com Candido (1976, p. 74), “a literatura é [...]
um sistema vivo de obras, agindo umas sobre as outras e sobre os leitores; e só vive
na medida em que estes a vivem, decifrando-a, aceitando-a, deformando-a”. Como
um „sistema simbólico de comunicação inter-humana‟, a arte faz parte do interesse e
da investigação dos estudos sociológicos, uma vez que, como um dos componentes
do processo de comunicação, compreende a conjugação de três elementos
indispensáveis nesse processo, base da comunicação artística, um comunicante, o
artista; um comunicado, a obra; um comunicando, o público e, como elemento final,
o efeito que produz no público receptor.
A interação desses elementos inseparáveis proporciona a coerência e a
significação da obra. Estudar o fato literário pressupõe, portanto, o estudo dos

69

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

escritores, dos livros e dos leitores, ou melhor, dos criadores, das obras e do
público. Compreendê-los contribui para a apreensão da constituição e do curso das
obras e do próprio ato criador.
Levar em consideração os três elementos da comunicação artística para
explorar o fato linguístico apresenta-se como uma tarefa difícil. A dificuldade emerge
do fato de que cada um deles pressupõe problemas de ordem diferente, envolvendo,
concomitantemente, a arte, a tecnologia e o comércio, agregadores de uma vasta
abrangência a ser considerada. Entender as influências que exercem entre si, como
se condicionam, as interferências das relações humanas nesse jogo é uma questão
de interesse da Sociologia da Leitura, uma ciência que trata das relações
estabelecidas entre o literário e o social a partir de três elementos ligados entre si:
autor, obra e público, bem como todos os fatores implicados na relação.
Segundo Aguiar (1996, p. 23), como segmento da sociologia da literatura, a
Sociologia da Leitura:

[...] tem como objetivo estudar o público como elemento atuante do


processo literário, considerando que suas mudanças em relação às
obras alteram o curso da produção das mesmas. Nesse sentido,
pesquisam-se as preferências do público, levando em conta os
diversos segmentos sociais que interferem na formação do gosto e
servem de mediadores de leitura, bem como as condições específicas
dos consumidores segundo seu lugar social, cultural, etário, sexual,
profissional, etc.

Diante disso, é necessário compreender que, para que uma obra cumpra sua
função social, ela precisa libertar-se de seu criador e seguir caminhos próprios até
chegar ao seu destino final, o público. A teoria da literatura, ao ampliar seu campo
de ação para além do texto e seu autor, possibilitou investigações que têm como
centro de interesse o leitor, terceiro elemento da comunicação. Este passa então a
ser o foco de atenção. Até então, a maior parte das teorias eram essencialistas e
procuravam reconhecer o artefato artístico, portanto, recaíam sempre em estudos
sobre os textos e nunca sobre os leitores.
A Sociologia da Leitura, desde sua origem, tem como centro de suas
investigações a formação e o comportamento do público leitor, procurando identificar
70

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

os gostos de leituras das diversas classes sociais, assim como o consumo da


literatura de massa. Limita-se a investigar o contexto de circulação e consumo das
obras, bem como a identificar os fatores de seu êxito e permanência. Seus estudos
compreendem também a leitura como uma ciência que ultrapassa sua área de
atuação, uma vez que o leitor passa a ser um agente ativo ao atribuir sentidos ao
texto. Não tem como fim a investigação do valor estético da obra, mas o estudo de
seus aspectos externos.
Para Zilberman (1989), o fato de a sociologia não interpretar texto, e nem
fornecer opiniões sobre o valor estético da obra, limita a contribuição da teoria aos
estudos literários. Não obstante, segundo a autora, tais investigações fornecem o
entendimento do fato literário no cotidiano de sua existência, junto ao público leitor.
Justifica-se assim a importância do papel atribuído ao leitor no processo literário.
Embora com um campo ainda abrangente a investigar, a Sociologia da Leitura
tem apresentado avanços significativos que muito têm contribuído para a
compreensão da leitura e de várias questões relacionadas à distribuição, à
circulação e ao consumo de livros, temas de suas investigações. Mas, para
compreender como esse sistema se encontra interligado, é necessário ter em mente
que o livro, objeto da atenção do leitor, conforme salienta Zilberman (2001), é visto
como uma mercadoria, um produto comercializável, com necessidade de estrutura
própria de distribuição e de circulação e, como tal, participa das leis do mercado que
impulsionam a sociedade capitalista. O escritor, criador do livro, ao colocá-lo no
mercado, passará a concorrer para que seu produto, assim como acontece com os
demais produtos, tenha a aceitação do público.
Em relação ao aspecto mercadológico, Escarpit (1974) afirma que a literatura,
como organização mercantil, engloba uma produção, um mercado e um consumo. O
produtor é o empresário responsável pela colocação do livro no mercado. A obra é o
fruto de diversas seleções realizadas, conforme interesses sociais, econômicos e
culturais. O projeto não tem vida se não for aceito por um editor. A aceitação de uma
obra está condicionada à capacidade de satisfazer as classes dominantes, público-
alvo das editoras.

71

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

O mercado editorial tem suas leis, às quais os escritores acabam tendo de se


sujeitar para que sua obra seja aceita e possa concorrer no mercado. O critério
estabelecido pelos editores é a seleção econômica. Somente é aceita aquela que
apresenta possibilidade de ser absorvida pelo mercado. O livro é uma mercadoria
para ser vendida. Como resultado disso, a edição literária procura convencer seu
público-leitor utilizando-se de outros expedientes não literários. O livro, como
produto e comunicação de massa, transformou a leitura em consumo. A aquisição
de uma obra literária significa status. Com a mercantilização, sua posse começou a
ser considerada símbolo de riqueza cultural. A expansão dos meios de comunicação
de massa fez que a leitura passasse a se inscrever em um consumo cultural. O
núcleo da comunicação cultural disseminada da leitura permanente põe em jogo
todos os sentidos, destacando o livro com uma especificidade particular: é um objeto
que se adquire e se conserva, conforme mostra Zilberman (2007, p. 4).

Uma história da leitura faz parte, portanto, da história da sociedade


capitalista. Mas talvez seja, ela mesma, a história da sociedade
capitalista, encarada desde o prisma econômico até o das
representações. Inclui a história dos livros e das publicações, recorre
à história da literatura, que esclarece que livros, dentre os editados e
em circulação, permaneceram, de preferência ligados à poesia e à
arte. Mas vai mais adiante, porque indica para os próprios leitores,
como eles pensaram, seja enquanto membros da sociedade (matéria
da sociologia da literatura), seja enquanto consumidores de obras
escritas (matéria de uma sociologia da leitura).

Dessa forma, o estudo dos fatores externos ao texto, interposto na produção e


na circulação da obra no meio social, é preocupação da Sociologia da Leitura. Para
Candido (1976, p. 21), à sociologia, “[...] interessa principalmente analisar os tipos
de relações e os fatos estruturais ligados à vida artística como causa e
consequência”. Diante de tal questão, a tarefa que se apresenta é estudar as
interferências concretas causadas pelos fatores socioculturais, especialmente
aqueles ligados à estrutura social, aos valores, às ideologias e às técnicas de
comunicação.
Assim, entender a posição e o papel do artista na sociedade, como a obra
incorpora valores e como se configuram os públicos, torna-se fundamental para
72

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

compreender a relação que a arte estabelece com a sociedade, bem como esta com
a arte, pois a obra requer a existência de um artista criador, identificado aos anseios
e valores de sua época. De acordo com Candido (1976, p. 74, grifos do autor), o
artista, em uma coletividade,

[...] é não apenas o indivíduo capaz de exprimir a sua originalidade,


(que o delimita e especifica entre todos), mas alguém
desempenhando um papel social, ocupando uma posição relativa ao
seu grupo profissional e correspondendo a certas expectativas dos
leitores ou auditores.

O reconhecimento do artista, portanto, não se limita a produzir uma obra e


publicá-la. De acordo com Escarpit (1969, p. 52), ele “[...] apenas se define como
escritor após o momento em que um observador colocado ao nível do público seja
capaz de o sentir como tal. Só se é escritor em relação a alguém e aos olhos de
alguém”.
Da mesma forma, Hauser (1977, p. 591) enfatiza que a obra só se efetiva
esteticamente pela leitura e, até chegar ao leitor, passa por várias pessoas ou
instituições que efetuam “uma função útil ou inútil de mediação”; em outras palavras,
pode trazer fecundas contribuições para a interação com o texto ou dificultar esse
contato.
Há, portanto, uma relação intrínseca entre autor, obra e público. A obra implica
um jogo permanente entre os três elementos. À Sociologia da Leitura cabe estudar
as influências que um exerce sobre o outro e os vários elementos, contextos e
situações que determinam ou demarcam as três instâncias.

ORIGENS

A Sociologia da Leitura tem como marco inicial a publicação do livro „A


sociologia da formação do gosto literário‟, de L. L. Schücking, publicado em 1923, na
Alemanha. Reeditado em 1931, em 1944, foi publicado na Inglaterra. A partir daí,
tornou-se referência para os estudos desenvolvidos nesse país, sobretudo aqueles
relacionados a descobrir o gosto das camadas populares.

73

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

Seu estudo abre caminho para investigações sobre as preferências do leitor,


um sujeito ativo que tem papel relevante na significação do texto. A investigação de
Schücking tem como finalidade principal ressaltar até que ponto o público é fator
decisivo no processo literário, uma vez que as alterações nos critérios de
preferências e gostos provocam interferência na produção, na divulgação, na
circulação e no conceito social atribuído às obras, contribuindo ou não para a
valorização dos textos.
O grande mérito do livro de Schücking é sua publicação (início dos anos de
1920), no momento em que a teoria da literatura procurava encontrar seus próprios
caminhos. Outro grande ponto positivo de seu livro, de acordo com Zilberman (1989,
2001), consiste nas suas contribuições para os estudos sociológicos realizados,
posteriormente, na Inglaterra e na influência em pesquisas que tinham como foco
central as leituras populares e a literatura de massa, como as de Q. D. Leavis,
Richard Hoggart e Robert Altick.
Em seu estudo, Q. D. Leavis reconhece a existência de novas classes sociais,
embora censure suas opções literárias, uma vez que estas optavam por uma
literatura mais descartável; Richard Hoggart revela o crescimento do letramento
entre os grupos sociais populares, mas vê com desconfiança o acesso à
alfabetização por esses grupos, uma vez que tal público se volta para o consumo de
literatura barata e praticamente isenta de valor cultural; Robert Altick contribui para a
amenização do preconceito em relação à leitura das classes populares e para o
surgimento de um conceito inovador da “democracia da imprensa”, mostrando que a
história do público leitor é o reflexo da história da democracia inglesa, observada sob
outro aspecto (ZILBERMAN, 2001).
O trabalho de Altick tem desdobramento com a pesquisa de Louis James, „A
imprensa e o povo‟. Seguindo o mesmo entendimento, este autor mostra o
crescimento do público como resultado da expansão da escolaridade, que ocasionou
reflexos na produção, em vista do barateamento dos preços das obras, fazendo-as
chegar ao público leitor. O acesso a esse universo provocou mudanças significativas
no modo de criação, uma vez que, para atender seus interesses e preferências, os

74

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

textos passaram a incorporar a visão de mundo do grupo visado. Assim, ao mesmo


tempo em que houve a expansão da leitura, aconteceu a conscientização e o
atendimento aos interesses de comunicação de tais grupos, seja por meio de livros
ou de novos formas de divulgação: cartazes e folhetos.
As pesquisas de Schücking contribuíram para pesquisas posteriores sobre o
gosto do público e sua ingerência no processo de produção artística do criador, daí a
relevância de seus estudos. Provocaram o debate sobre a crença da arte como
entidade livre, com normas próprias de funcionamento e alheia aos fatos sociais e
históricos. Suas investigações, embora julgadas limitadas, abriram um campo de
estudos em que o público era levado em consideração como elemento atuante.
Colaboraram para a formação de uma história da literatura que tem como base a
materialização dos fatos sociais.
Na Inglaterra, os estudos de orientação sociológica voltaram-se para a
formação do público leitor, a predileção de leitura das classes populares e a
literatura de massa. Estudiosos da Escola de Bordéus, entre eles Robert Escarpit,
desenvolveram temas resultantes em forte contribuição aos estudos no campo da
Sociologia da Leitura.
A delimitação da perspectiva de Escarpit o distingue dos demais pesquisadores
preocupados com o mesmo tema, como a sociologia da literatura praticada na União
Soviética, que vê a obra como “[...] testemunho político e ideológico”, bem como a
de G. Lukács e seu seguidor, Lucien Goldmann, que “[...] compreendem a ficção
como modo de representar as estruturas sociais” (ZILBERMAN, 1989, p. 18). Seus
estudos restringem-se ao consumo de texto, entendido, aqui, a partir do momento
em que o leitor passa a agir sobre eles.
As investigações de Escarpit sobre leitura estão ligadas à sociologia da
literatura, vista como um segmento da Sociologia da Leitura. O livro „Sociologia da
literatura‟, publicado em 1958, apresenta um panorama da produção, distribuição e
consumo e tem como campo de ação o consumo dos textos, ou seja, a partir do
momento em que se tornam objeto de leitura. Suas pesquisas procuram
compreender o fato literário no contexto social em que está inserido e em interação.

75

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

Estuda, por isso, as questões de produção, identificando os elementos


que interferem na atividade do escritor como homem de seu tempo
com responsabilidade social definida. A seguir, analisa a distribuição
das obras, oferecendo dados e comentando as ingerências para a
publicação e distribuição de livros de modo a determinar o papel de
cada instância social envolvida. Por último, reflete sobre o consumo,
descrevendo os diversos tipos de público, as razões dos êxitos e dos
fracassos das obras e o processo de formação do leitor sob a ótica da
sociologia (AGUIAR, 1996, p. 24).

O consumo de livro, sobretudo o processo de distribuição e circulação do texto


literário, é seu objetivo maior. Tem em conta a posição social do escritor, reconhece
os diversos caminhos percorridos pelos textos e pesquisa os motivos que levam à
divisão em cultura erudita e de massa.
São ainda temas de seus estudos as políticas de divulgação da obra e da
leitura, a intervenção do mercado na produção e divulgação de um livro, o período
de permanência de uma produção artística ou o tempo de influência de um artista.
Conforme ressalta Zilberman (1989, p. 18), nas pesquisas de Escarpit,
predomina a visão empírica, “[...] sendo o patrimônio literário considerado vivo
enquanto efetivamente absorvido por seus virtuais destinatários”. Candido (1976, p.
21), no entanto, apresenta outro ponto de vista. Para ele, “[...] não convém separar a
repercussão da obra da sua feitura, pois, sociologicamente ao menos, ela só está
acabada no momento em que repercute e atua”.
Escarpit não explica o sentido dos textos, nem mesmo julga seus valores. A
atenção do pesquisador não está voltada para encontrar correspondência na
estética, fato que delimita sua contribuição à teoria da literatura. Entretanto, tal forma
de entendimento não diminui o valor atribuído à Sociologia da Leitura; as
investigações possibilitam o entendimento do fato literário tal como se apresenta
cotidianamente, marcado por sua divulgação e uso. Busca compreender o público
leitor no contexto social. O leitor, sob esse prisma, tem uma atribuição primordial no
conjunto de suas ideias.
Os estudos apresentados, embora contenham algumas limitações, abriram
caminhos para novas pesquisas, que trouxeram à Sociologia da Leitura uma nova
dimensão.
76

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES

Durante séculos, segundo Escarpit (1969), a história literária deteve-se à mera


investigação biográfica dos homens e das obras. Mesmo nas obras da história
literária do tipo tradicional, percebe-se a carência de um efetivo panorama
sociológico. A falta de um método preciso e ajustado ao tipo de estudo em foco e de
um conjunto de referências tem dificultado progressos e levado pesquisadores a se
ajustarem ao esquema tradicional: homem e obra. Com isso, há dificuldades de
avançar e as dimensões sociais não são aprofundadas.
Candido (1976) também enfatiza que essa modalidade de estudo tem
apresentado lacunas em razão da ausência de metodologia adequada e de um
conjunto de referências, uma vez que o fenômeno literário acaba sendo explicado
sob a ótica dos pesquisadores. Embora as dificuldades sejam difíceis de superar na
sua totalidade, muitos estudiosos têm realizado pesquisas nas mais variadas
vertentes, visando uma compreensão ampla, e não restrita ou deformada, do
fenômeno literário.
A Sociologia da Leitura passa a ter sustentação no momento em que se dá a
aceitação do leitor como fator decisivo do sistema literário. Zilberman (2001) enfatiza
que ela se preocupa, especialmente, com as obras destinadas à classe
trabalhadora. É uma área do conhecimento que não dispensa a investigação
histórica, buscando informações e fatos do passado. Normalmente, a metodologia
utilizada e os resultados obtidos remetem para o material que não foi objeto de
investigação pela história da literatura.
Na Alemanha, os estudos de Otto Dann e Rolf Engelsing indicam um
reflorescimento do interesse pelos estudos da Sociologia da Leitura, conforme
mostra Zilberman (2001). As investigações dos estudiosos, ligadas aos
acontecimentos culturais do século XVIII, dão mostras de como, na consolidação da
sociedade burguesa e na afirmação de seus ideais de libertação, a leitura exerceu
papel fundamental nesse processo e como ela contribuiu para fazer do sujeito
daquela classe um cidadão distinto.
77

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

A obra de Jacques Leenhardt, „Para uma sociologia da leitura‟, enfatiza a


necessidade de investigar as respostas dos leitores atuais, sem necessidade de
separá-los em grupos sociais, faixas etárias ou espaço onde vivem. Zilberman
(2001) acrescenta que Leenhardt, responsável, na década de 80, por estudo
empírico, investigou como os leitores franceses e húngaros comportavam-se perante
obras escolhidas de escritores de seus próprios países. Para isso, utilizou-se de
quinhentos questionários para investigar pessoas da população local, o que lhe
permitiu ter conhecimento relativo dos sistemas correspondentes de leitura. A
importância do trabalho deriva do fato de que o levantamento permitiu conhecer os
tipos de audiência, a organização socioprofissional das classes e as diferenças
nacionais ou regionais.
Uma importante contribuição para a Sociologia da Leitura vem do estudo
efetivado por Jacques Dubois, no livro „A instituição da literatura‟, de 1978. No
estudo, mostra que as instituições, da mesma forma, exercem um papel fundamental
em relação à leitura. Elas permitem que uma obra literária se eleve à categoria de
cânone. Em sua obra, o autor enfatiza que a mudança, segundo Zilberman (2001), é
provocada pelo trabalho realizado pela escola, pela crítica literária, pela academia e
pela imprensa, uma vez que elas outorgam e tornam legítimo o estatuto de
determinadas obras artísticas em prejuízo de outras.
Essas instituições instituíram e firmaram a concepção de literatura como „belas
letras‟ - fato ocorrido a partir da solidificação da sociedade burguesa e do
capitalismo - assegurando sua continuidade. Foram responsáveis ainda pela fixação
e imposição de regras aos escritores como condição de sua aceitação artística.
As pesquisas empíricas do norte-americano Robert Darnton, ao focalizar a
atenção na investigação de como acontece a divulgação das obras literárias, de um
modo geral, mostram, com mais clareza, como a Sociologia da Leitura vai para a
história das leituras do passado e para uma teoria da literatura. O ponto central de
seus estudos está em determinar o consumo literário nas últimas décadas do século
XVIII na França.

78

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

A Enciclopédie, convertida na corporificação do Iluminismo e considerada um


dos símbolos da Revolução, que levou ao fim do regime de Luís XVI em 1789, é a
obra pela qual Darnton inicia suas investigações. Ao pesquisar sobre a obra,
Darnton (1996a) mostra o trajeto percorrido por ela até se transformar em um best-
seller. O papel dos editores e anunciantes expõe o tratamento dado ao texto e como
este foi apresentado ao público no decorrer de sua reprodução, difusão e como se
espalhou por todo o país. A análise de Darnton sobre os papéis dos editores revela
como era o mundo dos livros, como eles existiam no século XVIII. A partir daí,
Darnton (1989) dá sequência a uma série de investigações com o intuito de
recuperar as obras parisienses daquele período, dando ênfase aos livros proibidos
que circulavam secretamente na clandestinidade na França. Revela como era o
processo de divulgação e circulação dos livros, muitos dos quais a censura não
conseguiu impedir que o público tivesse acesso.
De acordo com Zilberman (2001), muito além de simplesmente verificar o
comportamento dos leitores, o objetivo de Darnton é compreender que a leitura
ultrapassa a ciência da qual faz parte, transpondo suas fronteiras e oferecendo
outras possibilidades. No rol de suas preocupações, deveria figurar uma reflexão
sobre a formação do público, visto como classes sociais diversificadas com
preferências e objetivos distintos.
Ao procurar conhecer o que liam os franceses, no período pré-revolucionário,
no século XVIII, Darnton (1989) concentra suas investigações em um tipo de
literatura surgindo com força total, embora pouco conhecida. Seu foco de atenção
eram os best-sellers proibidos.
Analisando a circulação dos livros proibidos pelo governo absolutista de Luís
XVI, Darnton apresenta um mapeamento dos temas, das formas utilizadas para
distribuição das obras e das práticas empregadas para fazê-las chegar a um público
diversificado, bem como as formas para evitar a apreensão das obras. Revela um
leitor que tem como interesse emoção e conhecimento, tendo em vista a adaptação
à nova forma burguesa de vida, e se alinham à burguesia rural ou urbana. A questão
da leitura se apresenta a Darnton (1996b), ao analisar a importância da obra de

79

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

Rousseau, como capaz de levar seu leitor à tomada de comportamentos e a assumir


opiniões claras e comoventes. É o caso de Ranson, um leitor que, por meio de suas
cartas, revela como, às vésperas da Revolução, o homem comum pensava, como se
apropriava da leitura e como e o que lia na França do século XVIII.
Da mesma forma, Abreu (2005), ao procurar conhecer quem lia, o que se lia e
o porquê da leitura, enfrentando os obstáculos da tarefa, foi buscar, no mundo luso-
brasileiro, uma fonte pouco explorada: os arquivos dos organismos de censura,
detentores dos registros de leitura. Eles revelaram parte da história do livro
impresso, uma vez que os trabalhos da censura formalizaram-se logo após o início
das atividades da imprensa.
A relevância de sua investigação está no fato de que os censores, para dar a
aprovação ou não à publicação de uma obra, precisavam escrever pareceres em
que avaliavam a obra. Diante disso, Abreu (2005, p. 187) tem como proposta:

[...] olhar para os censores [...], recorrendo aos pareceres por eles
elaborados para flagrá-los no papel de leitores. Busco captar em seus
textos o registro das formas como eles leram e interpretaram os livros
que passaram por Portugal e seus domínios, ao longo de séculos. Os
pareceres são uma fonte privilegiada por fornecer grande volume de
registros durante longos períodos, o que atenua uma das dificuldades
encontradas pelos historiadores da leitura: a excepcionalidade dos
registros, que impede a generalização das conclusões obtidas a partir
de seu exame.

Para estudar os leitores das obras censuradas, Abreu se restringiu ao período


compreendido entre 1768 e 1794. Seu estudo mostra que as circunstâncias nas
quais se produziu a leitura dos censores eram bastante especiais. Liam uma ampla
quantidade de livros permitidos e proibidos, os quais requeriam atenção e análise
minuciosa. A eles cabia ainda a tarefa de escrever detalhadamente as impressões
causadas pela leitura, prática que se aproximava do que seria uma crítica literária.
Seu estudo, mais do que compreender como os censores liam, o que liam, e
como interferiram na cultura de seu tempo, contribuiu para a compreensão de que a
leitura opera modificações no indivíduo, pois, conforme afirma Abreu (2005, p. 194),
“[...] os censores são homens que acreditam plenamente no poder da leitura, não

80

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

tendo dúvidas sobre a capacidade dos textos de modificar o comportamento, as


ideias e a moral daqueles que os leem”.
Manguel (1997), ao discutir o vínculo originário entre escritor e leitor, mostra a
ocorrência de uma contradição surpreendente: ao permitir o nascimento do leitor, o
escritor admite também a morte do escritor, porque, uma vez produzido o texto, o
escritor deve se retirar de cena, deixar o texto seguir seu próprio rumo, para que o
leitor possa assumir seu papel. O texto só ganha existência no momento em que o
leitor toma contato com seu conteúdo.
O autor mostra que, desde o início, a leitura é a glorificação da escrita.
Escrever foi reconhecido como uma habilidade extremamente importante e foi por
intermédio das classes da sociedade mesopotâmica que emergiu o escriba.
Segundo Manguel (1997, p. 207), “o escritor era um fazedor de mensagens, criador
de signos, mas esses signos e mensagens precisavam de um mago que os
decifrasse, que reconhecesse seu significado, que lhes desse voz. Escrever exigia
um leitor”. Contudo, apesar de ser fundamental a leitura, a ocupação do escriba
concentrava-se na sua capacidade de registrar. Com o tempo, sua função adquiriu
maior abrangência, passou a leitor-escriba, com as atribuições de copiar um texto,
registrá-lo, comentá-lo, traduzi-lo e modificá-lo.
Dessa forma, por meio de episódios fascinantes, o autor dá a conhecer a
história do poder da leitura. Apresenta a função do escriba naquela sociedade, suas
dificuldades diante das condições de trabalho na época e revela que o poder que a
leitura lhe deu fez com que passasse a fazer parte de uma elite aristocrática. Mostra
ainda o significado da leitura em voz realizada pelo próprio autor, quando este
atuava como mediador para um público específico. Em cada episódio, contado por
meio de passagens históricas, tendo os leitores e os livros como protagonistas, o
autor vai revelando a história do livro sob o ponto de vista do leitor, o fascínio que a
leitura despertava nos homens e nas mulheres e as transformações que neles
operava.
A leitura, o leitor, sociologia da leitura e a sociologia do livro são também temas
desenvolvidos por Peroni (2003), cujo foco de interesse, no momento, é a

81

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

continuação de estudos qualitativos sobre os indivíduos que pouco leem. Segundo o


autor, o enfoque qualitativo resume-se em investigar a distribuição social das
produções culturais, isto é, o livro e os impressos, por meio do nível de escolaridade
e da origem social.
A „pouca leitura‟, para Peroni (2003), parece estar marcada por um modelo
estrutural que interfere em todos os níveis do processo e leva a dois tipos de efeitos:
por um lado, diz respeito ao nível de escolaridade. A „pouca leitura‟ é influenciada
pela fragilidade do grau de escolaridade e pelo fracasso da escolarização.
Necessita, de forma institucionalizada, do capital cultural. Por outro lado, fatores
como a procedência social e as formas de socialização dos leitores se aliam para
negar à leitura um benefício social ou cultural. O panorama da “pouca leitura” cresce
em espaços sociais nos quais a leitura não pode admitir a constituição de um capital
social, uma vez que os baixos níveis de escolarização não possibilitam o acesso às
redes sociais nas quais se „capitaliza‟ lendo.
Um enfoque da leitura em termos de trajetória de leitura se fundamenta numa
reflexão crítica em torno dos usos comuns da „história de vida‟ nas ciências sociais.
Os usos que normalmente não levam em consideração os procedimentos efetivos
da enunciação em seus contextos implicam, de modo implícito, que o locutor
assegure uma relação de autenticidade em seu discurso e que o relato obtido
represente uma totalidade que seria verdadeiramente a história de uma vida e cujo
preceito de ordem seria um indivíduo livre de contradições.
Petit (1999) também volta a atenção para indivíduos com „pouca leitura‟. Suas
investigações estão centradas na análise do papel da leitura na construção e
reconstrução do indivíduo. Para a pesquisadora francesa, a leitura é uma
experiência única. Implica riscos para o leitor e para aqueles com quem convive. O
livro afasta o leitor do mundo, por um determinado tempo, e do convívio com as
pessoas, mas depois o traz de volta à realidade concreta transformado e com uma
visão mais abrangente das coisas, uma vez que a leitura desencadeia novas formas
de entendimento do mundo e de si mesmo.

82

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

Seus estudos têm como foco de investigação sujeitos de meios rurais e de


bairros urbanos que têm pouco contato com a leitura. Mostra, por meio de relatos, a
importância da leitura na vida desses indivíduos para a construção de seu mundo
interior e exterior e o quanto sua ausência dificulta a compreensão de si e do mundo.
Destaca ainda o papel da biblioteca na construção de tal processo.
Ao trabalhar a sociologia do público, Hauser (1977) enfatiza que constituem
objeto de interesse, análise e interpretação da sociologia da arte as classes sociais
visadas pelo artista ao produzir suas obras, o tipo de produção aceita por
determinado público, a manipulação das obras, a manutenção ou alteração da
identidade do artista por meio da influência das obras que oferece.
O autor trata igualmente das questões dos mediadores, como a biblioteca, a
editora, a livraria, a imprensa, o sistema de distribuição, os eventos culturais, a
igreja, a escola, a família, entre outros, fatores fundamentais no destino da literatura
na sociedade por meio da história. Enfatiza que, quanto maior contato tiver com os
mediadores, maior oportunidade terá de se tornar um leitor.
Afirma que uma obra de arte passa por muitas instâncias, em seu percurso, até
chegar do produtor ao consumidor. A sensibilidade e o gosto estético do público
sofrem influência de uma série de intermediários antes de receber uma assinatura
qualitativa e que, sociologicamente, uma obra só está terminada “[...] quando
efetivamente sua recepção se realiza. Por isso, é importante averiguar em que fase
uma ideia começa a ter relação com seu receptor” (HAUSER, 1977, p. 589, tradução
nossa)1. Dessa forma, enfatiza que, junto ao público, a obra se realiza como objeto
artístico. A participação do público só se evidencia após a obra estar acabada e
pronta para a análise dos fatores da recepção. Ao realizar sua produção, o artista se
cala e o receptor, não um simples receptor, ouvinte ou expectador, mas um
interlocutor, continua a história das obras ao tomar a palavra nas formas de
recepção.

1
“[...] cuando se ha efectuado su recepción. Por eso tiene la mayor importancia averiguar em qué
fase empieza una idea a corresponder a su destino receptor (HAUSER, 1977, p. 589).

83

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

As pesquisas de Chartier têm como finalidade verificar as condições possíveis


para uma história das práticas de leitura, tentando ultrapassar as dificuldades
relativas à falta de material e à complexidade de sua interpretação.
Ao pesquisar sobre as leituras e os leitores „populares‟ da Renascença, no
período compreendido entre meados do século XVI e meados do século XVII,
Chartier (1999) acompanha a trajetória da história dos livros. Seu projeto possibilitou
concluir que os leitores „populares‟ são possuidores de obras que foram escritas
visando um outro tipo de leitor. A constatação efetivada pelo autor leva a uma
reavaliação dos leitores dos romances de cavalaria, vistos, até então, como leitura
da classe alta ou nobre, assim como o estudo mostra que leitores de diferentes
classes liam as mesmas obras. As estratégias dos livreiros fizeram com que leitores
“populares” tivessem acesso a textos já conhecidos em forma impressa diferente ou
a textos que tiveram edições diferenciadas, de acordo com o público visado. São os
mesmos textos que circulam e são utilizados por leitores de diferentes condições
sociais. Sua atenção volta-se para as práticas populares dos textos.
Para a definição de uma história das práticas de leitura, utiliza, como apoio, o
método hermenêutico e fenomenológico de Ricoeur. Método que, segundo Chartier
(1999), deve ter em conta a leitura como o ato pelo qual o texto adquire significação
e eficácia. Sem leitor, o texto não tem existência concreta. Assim, a leitura é
analisada em uma dupla dimensão:

Em sua dimensão individual, é passível de uma descrição


fenomenológica que a encara como numa interação dinâmica, uma
resposta às solicitações do texto, um “trabalho” de interpretação. Uma
distância instaura-se, assim, entre o texto e a leitura que, em sua
capacidade inventiva e criativa, nunca está totalmente submetida às
injunções da obra. Em sua dimensão coletiva, a leitura deve ser
caracterizada como uma relação dialógica entre os „sinais textuais‟
emitidos por cada obra particular e o „horizonte de expectativa‟,
coletivamente partilhado, que governa sua recepção. A significação do
texto, ou antes, as significações dependem assim de critérios de
classificação, de corpora de referências e de categorias
interpretativas que são os de seus diferentes públicos, sucessivos ou
contemporâneos (CHARTIER, 1999, p. 123, grifos do autor).

84

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

Embora essa perspectiva seja essencial para a compreensão da leitura,


Chartier mostra que ela apresenta algumas limitações que precisam ser observadas,
uma vez que considera os textos como se existissem em si mesmos, independente
de toda materialidade. Por outro lado, o procedimento fenomenológico e
hermenêutico pressupõe, de forma implícita, inúmeras leituras. O sentido de um
texto muda de acordo com épocas e meios, e a forma como é lido interfere ainda em
sua significação.
Ao se dedicar à história do livro e da leitura, Chartier (2002) desenvolveu vários
estudos, nos quais se debruça sobre o passado para compreender as práticas
culturais da humanidade, em que a escrita tinha como suporte os textos manuscritos
em pergaminho e como estes se transformaram em livros impressos, mas se projeta
igualmente para o presente e o futuro, para entender os efeitos que a comunicação
eletrônica está causando no texto impresso e na leitura. As modificações causadas
pelo mundo digital, segundo o autor, estão longe de causar o fim dos livros e da
leitura, como alguns pressupõem; a tecnologia pode se transformar numa importante
aliada para a preservação da cultura escrita.
De acordo com Zilberman (2001), Chartier não dá ênfase, em suas pesquisas,
à literatura. Seu material de investigação é o texto, todavia também o papel do livro
tem ocupado seus estudos. O leitor é objeto de suas investigações porque, como
sujeito histórico, experimenta sensações e emoções, com isso, transforma-se e se
adapta de acordo com determinantes sociais e tecnológicos. O sujeito expressa o
conhecimento do mundo que se propaga mediado pela escrita. Leitor e público
surgem no último lugar do processo. Ao salientar a qualidade especial do leitor de
manifestar sua visão de mundo, Chartier muda a ordem contínua do processo,

[...] que parte do emissor e chega a ele, o recebedor, por uma


concepção dialética, estabelecendo a paridade entre os parceiros. Ao
destinatário, porém, não se atribui qualquer tipo de poder, nem
qualquer espécie de criatividade. Sujeito atravessado por
condicionantes mais gerais, o leitor fica com a última palavra, que,
contudo, não é sua, e sim da sociedade que o faz falar. Senhor de um
discurso de que não é proprietário, o leitor é sujeito, porque
submetido, restando para segundo plano sua habilidade de

85

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

ultrapassar a fala de que se torna tão-somente o hóspede privilegiado


(ZILBERMAN, 2001, p. 86).

As contribuições, ora apresentadas, constituem uma pequena mostra dos


estudos realizados em relação à Sociologia da Leitura. As investigações dos
pesquisadores vão muito além do que aqui foi apresentado. A leitura e,
consequentemente, o leitor são objetos de preocupação dos estudiosos e isso tem
sua razão de ser. Bourdieu (BOURDIEU; CHARTIER, 1996) enfatiza o valor da
leitura e a importância de ler, uma vez que a falta de leitura mutila as pessoas.
Afirma que o livro é um poder. As investigações dos estudiosos tratados, neste
trabalho, só confirmam como a leitura, ao longo da história, influenciou, provocou
transformações e alterou o mundo social.
Desse panorama, observa-se que, apesar das dificuldades encontradas no que
se refere à coleta e interpretação dos dados, muito já se avançou, mas há ainda um
longo caminho a percorrer.

CONCLUSÃO

A obra de arte é uma via privilegiada para a compreensão da sociedade em


seus variados aspectos. Os estudos literários constituem um campo que tem
experimentado avanços significativos, sobretudo nas últimas décadas. Porém, para
que se possam compreender os fenômenos que os envolvem, pressupõem a
contribuição de outras ciências. Há fenômenos que estão diretamente ligados ao
texto e, para seu entendimento, é preciso recorrer a áreas afins. Os fatos literários
precisam ser apreendidos ainda em relação a outros espaços e práticas de
significação, a fim de que se verifique a interação que se estabelece entre os
campos literário e social.
As tendências sociológicas manifestaram-se, sobretudo, no decorrer do final do
último século, carecendo de métodos adequados para suas investigações. Foi
somente a partir do momento em que o leitor passa a ser levado em consideração
como elemento atuante no processo de comunicação literária, em lugar da atenção

86

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

tradicional concedida ao autor e sua obra, que a Sociologia da Leitura passou a


constituir um campo de estudos.
A arte, como parte do processo de comunicação, engloba a união de três
elementos inseparáveis: o artista, a obra e o público. A obra literária, para que possa
ter existência, precisa da interação dessa tríade. Sua criação está marcada pelos
anseios e valores de sua época. Ao exercer uma função social, o artista não pode
ignorar a preferência do público, uma vez que é por meio deste que o escritor terá
condições de avaliar a aceitação de sua produção.
O leitor constitui objeto de pesquisa porque determina o modelo de público. À
Sociologia da Leitura interessa, assim, investigar as questões ligadas ao contexto da
distribuição, da circulação e do consumo de obras, procurando verificar os motivos e
processos que colaboram para que determinadas obras tenham sucesso e
permanência e se tornem objeto de aceitação popular. Seu foco de atenção centra-
se em pesquisar o papel social do criador, a história dos livros em relação aos
públicos, a cultura popular e erudita e as políticas de leitura. As práticas e as
histórias individuais de leituras contribuem igualmente para a apreensão da forma
como determinado público, em determinada época, lia, o que lia como lia. Esses
estudos contribuíram para a compreensão do fato literário no cotidiano de sua
existência junto ao público-leitor, bem como para a importância atribuída ao leitor no
processo literário.
A Sociologia da Leitura tem ainda um longo trajeto a percorrer para maior
compreensão do fato literário. Atualmente, há estudos valiosos em diferentes áreas
que permitem compreender a história da leitura e do livro em vários países e em
épocas distintas. A tarefa, entretanto, não é fácil. Há falta de materiais, de vestígios
e de métodos adequados que levem, concretamente, ao desvendamento das
questões. Percebe-se, contudo, que há pesquisadores fortemente empenhados na
tarefa, e cada passo constitui um avanço significativo para se traçar a trajetória da
leitura e da literatura.

87

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

SOCIOLOGY OF READING – A THEORETICAL APPROACH IN SEARCH OF A


READING PUBLIC

ABSTRACT

The history of reading and of literature is closely linked to readers‟ history. In fact,
every literary event comprises an intrinsic interrelationship between writers, books
and readers. These factors participate in an exchange circuit comprising a highly
complex transmission system which involves production, distribution and
consumption. The sociology of reading is concerned with the manner social
relationships function as from the interactive three-factor literary system: the text, the
writer and the reader. Readers are actually the determining element of the system,
together with the book which is the object of their interest. Current essay provides a
short summary of the sociology of reading starting with its concept, function and aim.
The origin of the sociology of reading and the contributions of research in the several
fields that involve this area of knowledge are analyzed too. The essay also presents
the activities, limitations and difficulties that specialists register for the sociology of
reading so that a real advance in the field may take place. The theory´s importance is
enhanced for the understanding of issues with regard to reading and the literary
event.

Keywords: Sociology of Reading. Literature. Reading.

REFERÊNCIAS

ABREU, Márcia S. Em busca do leitor: estudo dos registros de leitura dos censores.
In: ABREU, Márcia; SCHAPOCHNIK, Nelson (Org.). Cultura Letrada no Brasil:
objetos e práticas. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2005.

AGUIAR, Vera Teixeira de. O leitor competente à luz da teoria literária. Revista
Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 124, n. 23/34, jan. / mar. 1996.

BOURDIEU, Pierre; CHARTIER, Roger. A leitura: uma prática cultural. In:


CHARTIER, Roger. Práticas de leitura. Tradução: Cristiane Nascimento. São
Paulo: Estação liberdade, 1996. p. 229-259.

CANDIDO. Antonio. Literatura e sociedade. 5. ed. São Paulo: Nacional, 1976.

CHARTIER, Roger. Leituras e leitores “populares” da renascença ao período


clássico. In: CAVALLO, Guglielmo; CHARTIER, Roger. (Org.). História da leitura no
mundo ocidental. São Paulo: Ática, 1999. v. 2. p. 117-134.

88

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013


http://revista.famma.br/unifamma/
ISSN printed: 1677-8308

_______. Os desafios da escrita. São Paulo: Ed. da UNESP, 2002.

DARNTON, Robert. Os best-sellers proibidos. São Paulo: Companhia das Letras,


1989.

_______. O iluminismo como negócio. São Paulo: Companhia das Letras. 1996a.

_______. A leitura rousseauista e um leitor “comum” no século XVIII. In: CHARTIER,


Roger. Práticas de leitura. Tradução: Cristiane Nascimento. São Paulo: Estação
Liberdade. 1996b.

ESCARPIT, Robert. Sociologia da literatura. Lisboa: Arcádia. 1969.

_______.Hacia una sociología del hecho literário. Madrid: Edicusa, 1974.

HAUSER, Arnold. Sociologia del arte. Barcelona: Labor, 1977. v. 4.

MANGUEL. Alberto. Uma história da leitura. Tradução: Pedro Maia Soares. São
Paulo: Companhia das Letras, 1997.

PERONI, Michel. Historias de lectura: trayectorias de vida y de lectura. México:


Fondo de Cultura Económica, 2003.

PETIT, Michèle. Nuevos acercamientos a los jóvenes y la lectura. México: Fondo


de Cultura Econômica, 1999.

ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo:


Ática, 1989.

_______. Fim do livro, fim dos leitores? São Paulo: Senac, 2001.

_______. A leitura no Brasil: sua história e suas instituições. UNICAMP, 2007.


Disponível em: <http://www.unicamp.br/iel/memoria/ensaio/index.htm>. Acesso em:
21 jun. 2013.

89

RevUnifamma, v.12, n.2, p.68-89, dez. 2013

Вам также может понравиться