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Nelson de P. Bondioli
1
Rosen, R. Ancient Time across Time. In: Time and Temporality in the Ancient World. Philadelphia:
University of Pennsylvania Museum of Archaeology and Anthropology. 2004. pp. 3-5.
2
Michels, A. The Calendar of uma and the Pre-Julian Calendar. In: Transactions and Proceedings of
the American Philological Association v. 80. (1949). pp. 320-346; Hannah, R. Greek and Roman
Calendars: Constructions of Time in the Classical world .London: Duckworth. 2005.
3
Mikalson, J. The Sacred and Civil Calendar of the Athenian Year. Princeton: Princeton University Press.
1975
4
Duval, P. and Pinault, G. Recueil Des Inscriptions Gauloises. R.I.G. 3. Paris:Centre National de la
Recherche Scientifique. 1986.
5
Hannah, R. op. cit. pp. 116-117
1
(1897) e aquele de Villards D’Héria (1807), embora pouco se saiba sobre este último
devido a pequena quantidade de fragmentos encontrada6.
1 – Calendários na Antiguidade
6
Duval, P. e Pinault, G. op. cit. p. XII
7
Ibid. p. 31
8
Ibid. p. 26
9
Traços e prolongamentos que ocorrem ao fim das hastes de cada letra.
2
letras A, M, , X; A verticalidade da primeira e última haste da letra M (isto é |\/|
Fig.1
3
Fig. 2
Detalhe do segundo mês intercalar do Calendário de Coligny. Imagem retirada de Duval & Pinault 1986.
Propomos,, entretanto,
entretanto, considerar dois elementos que podem indicar uma
datação mais antiga para o calendário. O primeiro elemento trata-se
trata se da tábua Claudiana
(Fig. 3),, uma construção em bronze datada do ano 48 d.C, encontrada em Lyon e que se
refere a um discurso do Imperador Cláudio em favor de conceder aos homens notáveis
da Gália acesso ao Senado Romano. Os próprios Duval e Pinault reconhecem 10 que
quem quer que tenhaa construído o calendário de Coligny pode ter decidido empregar
deliberadamente o mesmo estilo chamado “rústico” utilizado na tábua Claudiana, e
também presente na Lex Vespasini,
Vespasini tábua de bronze do ano 69 d.C. Acreditamos que
seja importante notar que a cidade
cidade de Coligny onde o calendário foi encontrado
localiza-se
se a não mais do que 100 km de distância de Lyon onde tábua Claudiana
Claudi era
mantida e, apesar de não podermos argumentar com certeza onde o calendário foi
construído – sabemos apenas onde ele foi depositado
depo – existe a grande possibilidade que
seu criador tenha tido a oportunidade para estudar a tábua Claudiana por si mesmo.
10
Duval, P. e Pinault, G. op. cit. p. 25
4
Fig. 3
11
Ibid. p. 35
12
Osborne, R. Hoards. Votives, Offerings: The Archaeology of the Dedicated Object. In: World
Archaeology. v. 36 (2004). pp. 4-5
4
5
Fig. 4
13
Duval, P. e Pinault, G. op. cit. p. XII. Traduzido livremente do francês pelo autor: on peut reciter une
epopee de mémoire mais pas un calendrier
6
aponta para o fato que o sistema Lunisolar apresentado no calendário de Coligny
pressupõe um longo estudo e profundo conhecimento do movimento dos corpos
celestiais e a habilidade em traduzi-los em modelos matemáticos, sendo um trabalho
que muito provavelmente tem suas raízes em observações anteriores. De fato, Júlio
César no século I a.C. já atribuía aos druidas “muitas discussões concernentes às
estrelas e seu movimento, o tamanho da do universo e da terra” 15 , sendo uma boa
indicação para a existência desta tradição na criação de calendários.
7
O calendário Juliano para o mesmo período possuía 1826 dias, isto é, uma
diferença de apenas 9 dias para o ano solar – uma façanha difícil de se realizar usando a
Lua como base para se medir a duração do mês e utilizando-se um sistema de
intercalação de meses completos.
16
Duval, P. e Pinault, G. op. cit. pp. 18-20. Uso das palavras em francês <<bom>> e <<mauvaise>> para
traduzir os termos mat/amat.
17
Ibid. pp. 431-432.
8
Fig. 5
Calendário de Coligny: Mês de Samon. Ano 2: Imagem retirada de Duval & Pinault 1986.
9
Fig. 6
10
Existem também inscrições cujo significado tenha sido entendido como o caso
já mencionado do M ao início dos meses ou as palavras MAT/AMAT, D sendo a
primeira letra para o termo utilizado para designar “dia”. Todo o mês de SAMO
também possuía a inscrição TRIO/ TRIOX SAM no segundo dia da segunda
semana, sugerindo provavelmente uma festividade anual. Como pode ser visto, sem
entrar em uma consideração mês-a-mês, o calendário de Coligny é uma construção
complexa que em seu sistema é originalmente Celta, não havendo paralelos na
antiguidade com sua construção, embora como veremos, existem muitas características
nele compartilhadas com os calendários do mundo clássico.
O calendário Republicano de Roma usava o Sol como base de seu sistema: por
volta dos últimos dois séculos a.C. o ano era dividido em doze meses mais um décimo
terceiro intercalar. A única evidência material que possuímos do calendário pré-Juliano
são os fragmentos encontrados em Antium conhecido como Fasti Antiates Maiores18
(Fig. 7). O calendário data do século I a.C., media originalmente 1.16x 2.5m 19 . Os
meses eram separados em treze colunas e consistiam de 29 ou 30 dias (marcados ao fim
de cada mês com XXIX ou XXX), exceto pelo mês intercalar que possuía 27 dias
(XXVII). Disto resultava que o ano possuía 377 dias, avançando assim 12 dias em
relação ao ano solar. Devemos notar que, como mostra A. Samuel20, apesar da duração
dos meses ser próxima aos ciclos da Lua, o ano Romano durante a República tardia
almejava alinhar-se com as estações do ano desconsiderando qualquer paralelo lunar.
18
Samuel, A. Greek and Roman Chronology: Calendars and Years in Classical Antiquity. Munchen:
Beck. 1972. p. 158; Hannah , R. op. cit. pp. 102-103; Haensch, R. Inscriptions as Sources of Knowledge
for Religions and Cults in the Roman World of Imperial Times. In: Rüpke, J. ed. A Companion to Roman
Religion. Oxford: Blackwell Publishing Ltd, pp. 2007. pp. 178-179.
19
Hannah, R. op.cit. p.102
20
Samuel, A. op. cit. pp. 159-160
11
Fig. 7
Reconstrução do Calendário em Antium: Palazzo Massimo alle Terme em Roma. Imagem disponível
online pela Universidade de Chicago.
Fig. 8
21
Haensch, R. Inscriptions as Sources of Knowledge for Religions and Cults in the Roman World of
Imperial Times. In: Rüpke, J. ed. A Companion to Roman Religion. Oxford:
xford: Blackwell Publishing Ltd.
2007. pp. 176-187.
12
Como Robert Hannah aponta22, o ano começava com o mês de Janeiro, ao lado
esquerdo dos dias do mês havia uma seqüência de oito letras que se repetiam
continuamente: A-H, chamadas de nundinais, tomadas por estudiosos como referência
ao ciclo de oito dias de mercado 23 . O calendário apresenta outras inscrições e
abreviaturas como as letras K para marcar kalendae: primeiro dia de cada mês, O
nonae: 5º. ou 7º. dia de cada mês , e também EIDVS para os idus: 13º. Ou 15º dia de
cada mês 24 . Havia diversas outras abreviaturas em determinados dias dos meses
marcando festivais como, por exemplo, as letras: Q. ST. D. F << Quando Stercus(um)
Delatus Fas>> no dia 15 de junho, quando o templo da deusa Vesta era limpo25.
b) O Parapegma grego
22
Hannah, R. op. cit. p. 102
23
Samuel, A. op. cit. p. 154
24
Haensch, R. op. cit. p. 179
25
Hannah, R. op. cit. p. 104
26
Ibid. p. 58
27
Hannah , R. The Star of Iopas and Palinurus. In: The American Journal of Philology. v. 114 (1993). pp.
123-135.
28
Long, C. The Pompeii Calendar Medallions. In: American Journal of Archaeology. v. 96 (1992). pp.
477-501.
13
Fig. 9
29
Samuel, A. op. cit. p.171
14
Original como é em seu sistema, o calendário de Coligny, entretanto, apresenta
diversos aspectos do mundo Clássico, que agora já devem ter se tornado evidentes. Em
primeiro lugar o calendário, embora escrito em língua gaulesa, utilizou-se de caracteres
romanos ao ponto de ser possível analisar os estilos gráficos das suas inscrições no
esforço para datá-lo conforme a evidências epigráficas de Roma e suas províncias.
Tanto o calendário Romano quanto Celta, são artefatos de um tamanho considerável e
por sua natureza objeto de exibição pública, mesmo que somente um pequeno grupo –
como as elites – tenham sido capazes de completamente entendê-los. Considerando as
informações inscritas e exibidas neles, notamos semelhanças de ordem prática como o
uso de abreviações do nome dos meses e notações específicas em algumas datas,
embora exista uma importante diferença: enquanto o calendário Romano enfatizava o
dia da semana, provavelmente em relação ao seu caráter de dia de mercado (A-H), e
apresentava ao final de cada mês o número de dias que este possuía isto é, 29 ou 30. O
calendário de Coligny era visualmente mais claro em apontar o dia numérico dentro da
semana (I-XV) e no caso dos meses com apenas 29 dias isto era indicado ao final pela
palavra DIVORTOMV.
Consideramos que o fato de que boa parte das inscrições do calendário não
possuir um sentido claro até o momento, seja motivo suficiente para não descartar, a
priori, que possam conter outras informações referentes às fases das estrelas, de modo
similar ao parapegma, embora a este momento, seja apenas uma conjectura.
30
Duval, P. e Pinault, G. op. cit. pp. 416-417
15
Fig. 10
Fases da Lua pelos meses do calendário de Coligny nos anos 1, 2 e 3. Imagem retirada de Duval &
Pinault 1986.
16
que basicamente 59% do calendário foi recuperado, e que, portanto 41% do mesmo teve
um destino incerto, teriam sido reciclados? O mesmo pode ser perguntado a respeito da
estátua do deus Marte cujo braço esquerdo não foi encontrado. Ben Croxford31 em sua
análise sobre Iconoclastia na Grã-Bretanha no período Romano sugere que os pedaços
quebrados de estátuas podem ter sido usados como amuletos, tokens ou mesmo
elementos para encantamentos, poderia essa explicação ser adequada para o que
aconteceu com as partes que faltam do calendário e da estátua?
2 – Conclusão
31
Croxford, B. Iconoclasm in Roman Britain? In: Britannia. v. 34 (2003), p. 89.
17
era bem conhecido pelas províncias Romanas ademais, ainda que escrito em sua própria
língua o alfabeto usado é romano. Devemos questionar qual a significação desses
elementos: A recusa pelo sistema Juliano e sua escrita em gaulês seria uma forma de
resistência à dominação Romana sobre a região? Poderia ser considerado como uma
forma de reafirmação de uma identidade Celta, através do apreço demonstrado às
formas locais de medir a passagem do tempo confrontando culturalmente o poder de
Roma? Se por um lado considerarmos a questão neste sentido, é possível que
encontremos de fato sua construção mais próxima a meados do séc. I. d.C., um
momento em que diversas revoltas contra Roma espalhavam-se na Gália, das quais, os
druidas eram tidos como grandes fomentadores, como mostra Tácito a respeito dos
episódios de 69 d.C:
32
TÁCITO. Apud: Webster, J. At the End of the World: Druidic and Other Revitalization Movements in
Post-Conquest Gaul and Britain. In: Britannia. V. 30. (1999). p. 14
33
WOOLF, Greg. Beyond Roman and atives. In: World of Archaeology. V. 28. (1997). p. 347.
18
Independentemente de sua data de construção, entretanto, o calendário de
Coligny é um exemplo indiscutível de uma longa tradição de contatos entre o mundo
Celta e o mundo Clássico; uma tradição que tem raízes num passado distante é que ao
menos no século VI a.C. já era bem visível através dos estudos da cultura material de,
por exemplo, os ricos enterros da cultura Hallstatt34. A estátua de Marte encontrada
junto ao calendário é novamente um exemplo interessante, não apenas trata-se de um
objeto de meados do séc. I d.C, quanto sua construção remete ao estilo utilizado na arte
grega dos séculos c. V-IV a.C.35, além é claro da possível conexão com o parapegma
grego, como já exposto. Este é o terceiro elemento que apresentamos, e talvez um dos
mais importantes: Notar que havia um grande contato entre os diferentes povos da
antiguidade, um contato que longe de ser apenas bélico, proporcionava amplo espaço
para trocas culturais e do qual resultava não uma aculturação ou assimilação
indiscriminada de estilos e idéias, mas sim uma adaptação que gerava um produto
original que correspondia às necessidades e interesses locais daqueles povos. Dentro
desta perspectiva encontramos o calendário de Coligny: identificamos elementos do
mundo Clássico em sua construção sem que com isso haja prejuízo a sua originalidade e
relevância dentro da sociedade celta.
34
Divisão da Idade do Ferro da Europa central marcada c. 750-450 a.C.
35
Duval, P. & Pinault, G. op. cit. p. 35.
19