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Dislexia do desenvolvimento
StMONE APARECIDA CAPELLIW
RENATA MOUSINHO
De acordo com Lyon, Shaywitz e Shaywitz sensoriais sutis, apresentam poucas evi-
(2003), a dislexia do desenvolvimento é dências como fatores causais no transtor-
uma dificuldade específica de linguagem, no específico de leitura (Vellutino, Fletcher,
de origem constitucional, caracterizada Snowling, Sc Scanlon, 2004).
por prejuízo na decodificarão de palavras Estudos relataram não haver um pa-
isoladas, em geral refletindo insuficiência drão único de manifestação que afeta os
do processamento fonológico. Os autores indivíduos com dislexia (Germano & Ca-
ainda destacam as dificuldades inespera- pelíini, 2013; Rathore et ai, 2010). Desse
das na decodificação de palavras isoladas, modo, atribuir suas manifestações cogniti-
ao se comparar com a idade e com outras vo-linguísticas a urna única teoria constitui
habilidades cognitivas-e académicas, des- uma visão reducionista, que não favorece a
cartando deficiência sensória! ou intelec- compreensão da variedade de manifesta-
tual como origem, A dislexia manifesta- ções de cada subtípo da dislexia.
-se por dificuldades linguísticas variadas, No Manual diagnóstico e estatístico
incluindo, com frequência, para além das de transtornos mentais 5a edição (DSM-5)
alterações de leitura, um problema com a (American Psychiatric Association [APA],
aquisição da proficiência da escrita e da so- 2013), o termo "dislexia" aparece nas no-
letração. tas finais dos "transtornos específicos da
A natureza dos déficits da dislexia aprendizagem", como um termo alternati-
vem sendo amplamente estudada, com os vo, "usado para se referir a um padrão de
déficits no processamento fonológico co- dificuldades de aprendizado, caracterizado
mo as prováveis causas dessa condição, na por problemas com a precisão ou a fluên-
maioria das vezes. Assim, alterações de or- cia para reconhecer palavras, pobreza nas
dem visual, semântica ou sintética não es- habilidades de decodificação e de soletra-
tariam na origem, apesar de dificuldades de ção". Não fica evidente uma preocupação
leitura em algumas crianças poderem es- em ampliar seu quadro quanto às manifes-
tar associadas a déficits gerais de lingua- tações e às características de cada uma das
gem. Do mesmo modo, distúrbios nas ha- dislexias.
bilidades de aprendizagem em geral, tais Dessa maneira, existe uma real neces-
como atenção, associação, compreensão, sidade de um diagnóstico preciso, capaz de
transferência entre modalidades e déficits auxiliar diretamente a forma de intervenção
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a ser realizada com os escolares com disle- textual, desempenho grafomotor (legibi-
xia. Considerando as diferentes manifesta- lidade + velocidade de escrita) - e do de-
ções cognitivo-línguísticas da dislexia, não sempenho nas habilidades académicas em
há um teste único e específico suficiente pa- situação de sala de aula. 9
ra identificá-la com precisão. As propostas Dada a necessidade de considerar- 9
de avaliações na área serão didaticamente mos as diretrizes internacionais para a rea- 9
expostas e discutidaSj uma a uma, à luz de lização do diagnóstico preciso e fidedigno 9
evidências científicas (Fig. 14,1), para a dislexia, desenvolvemos, neste ca-
Por se tratar de um diagnóstico de pítulo, os aspectos que devem ser incluí-
origem primária, deve ser realizada a ex- dos em uma avaliação diagnostica, confor-
clusão de alterações sensoriais, cognitivas me apresentados na Figura 14.2, a partir
e motoras relacionadas a lesões do sistema das diretrizes propostas pela International
nervoso periférico e central. A partir dis- Dyslexía Association (The International
so, é fundamental a análise da história do Dyslexia Association [IDAJ ) 2009). 9
indivíduo, de seu funcionamento intelec-
tual global, do processamento cognitivo,
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do processamento fonológico (memória HISTÓRIA MÉDICA, CQMPQRTAMENTAL,
operacional fonológíca, habilidade rneta- ACADÉMICA E FAMILIAR
fonoíógica e velocidade de acesso ao léxi- 9
co mental), do processamento das habilida- Â anamnese é essencial em qualquer pro-
cesso de avaliação diagnostica. São indis-
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des linguísticas orais relacionadas à leitura
e à escrita - leitura e decodincação de pa- pensáveis os dados relativos à saúde (desde 9
lavras isoladas, fluência da leitura de pa- a gestação até a idade atual), ao desenvol-
lavras e pseudopalavras (precisão + velo- vimento (linguístico, psicomotor, compor-
cidade) e da compreensão leitora no nível tarnental), à rotina, aos hábitos e aos trata- 9
da palavra e do texto, ortografia, produção mentos já realizados. No entanto, podemos
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História 9
pessoal
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Processamento
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cognitivo 9
N Observação
educacional
que implicam atenção seletiva> atenção sus- Processos básicos de leitura, como o
tentada, abstraçâo, planejamento, flexibili- reconhecimento de palavras e a obtenção
dade, autocontrole e memória operacional. do significado das palavras impressas, são
Todas essas habilidades são extremamente muito importantes, ainda que insuficientes
* importantes para que os escolares apren- para uma compreensão textual bem-suce-
* dam sem dificuldades. Por conta disso, são
numerosos os estudos que demostram as-
dida. Sendo assim» é necessário que o leitor
realize processos cognitivos de alto nível,
sociação díreta entre escolares com trans- como capacidade de realizar inferências,
tornos da aprendizagem e déficits nas fun- acesso ao léxico mental, ampliação do vo-
ções executivas (Corso, Sperbe, Jou, & cabulário e leitura fluente (Cunha, Olivei-
* Salles320i3). ra, & Capellini, 2010).
* Também devemos avaliar a capacidade
de resolução de problemas de escolares
São consideradas habilidades de alto
nível de leitura, além da realização de in-
com queixa de dificuldades de aprendiza- ferências, o controle ou o rnonitoramento
gem, considerando-se que o raciocínio abs- do que está sendo compreendido (Sánchez,
trato está intimamente ligado a outros do- 2008). Essas habilidades se desenvolvem
mínios, tais como raciocínio, resolução de antes da aprendizagem formal da leitura e
problemas e tornada de decisões. Entretan- continuam a se aprimorar com a exposição
to, essas capacidades são descritas em um e a experiência com a leitura. Daí a neces-
capítulo específico deste livro. sidade de avaliar a linguagem desde a mo-
dalidade oral.
HABILIDADES LINGUÍSTICAS
ORAIS RELACIONADAS À LEITURA TESTES QUE ENVOLVEM HABILIDADES
E À ESCRITA, INCLUINDO DE LEITURA E ESCRITA
PROCESSAMENTO FONOLÓGICO
Leitura e decodifica cão de palavras
A leitura e a compreensão da leitura de- isoladas e pseudopaíavras
pendem da inter-relaçao entre vários pro-
* cessos cognitivos e linguisticos. A associa-
ção entre as habilidades de processamento
A leitura envolve dois componentes básicos,
o reconhecimento de palavras e as habilida-
* fonológíco - leitura e escrita - deve ser in- des de compreensão da leitura. O processo
vestigada no processo de avaliação. A cons- de decodificação implica as habilidades de
ciência fonológica evolui de uma atividade reconhecimento da palavra escrita, referin-
* inconsciente e desprovida de atenção pa- do-se à capacidade que permite transfor-
mar os signos ortográficos em linguagem,
* ra uma reflexão intencional e com atenção
dirigida. Tal evolução parte do desenvolvi- enquanto a compreensão é definida co-
mento conjunto i n te r-relaciona do do as- mo o processo pelo qual palavras, senten-
pecto cognitivo e da linguagem, por meio ças ou textos são interpretados (Cunha et
da construção de memórias lexicais e fo- ai., 2010).
nológicas, havendo, também, outros meca- Na perspectiva da leitura por dupla ro-
nismos do processamento e da organização ta, a leitura oral pode envolver, pelo menos,
da linguagem, como a memória fonológi- duas vias: a fonológica e a lexical. A análise
ca e o acesso ao léxico mental, que atuam da leitura de palavras isoladas pode se mos-
de forma subjacente ao desenvolvimento trar útil, no intuito de verificar a rota prefe-
da consciência fonológica (Swanson et ai., rencial que estásendo utilizada. As variáveis
2010). envolvidas nas listas de palavras isoladas
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costumara ser a extensão, a frequência e a nessas medidas que os escolares com dísle-
regularidade das palavras. Quanto à regula- xia apresentam suas maiores dificuldades. *
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ridade da palavras, associam-se mais dire-
tamente ao uso da rota fonológica. As pseu- »
dopalavras exigem ainda mais dessa rota, Compreensão da leitura
uma vez que não há como recorrer a uma *
imagem lexical delas. Em contrapartida, as A compreensão da leitura depende de vá- *
palavras irregu]ares estão diretamente rela- rios fatoreSj os quais, juntos, contribuem
cionadas ao acesso lexical díreto, que pres- para que ela seja concretizada. Desse modo,
supõe o uso da rota lexical (Saíles Sc Paren- aspectos como eficiência de decodíncação,
te, 2002). domínio do conhecimento, vocabulário, 9
capacidade de fazer inferências e fatores so- 9
ciais» bem como a memória operacional, 9
Fluência de leitura conduzem o leitor ao sentido da mensagem 9
escrita. São também importantes a integra-
Um dos aspectos a serem observados a res- ção do texto, o processo inferencial, a inter-
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peito da fluência da leitura deve ser a pre- pretação da estrutura do texto e o moníto- 9
cisão/ exatídão ao ler uma palavra. Leitores ramento da compreensão (Sánchez, 2008). 9
fluentes precisam ser capazes de identifi- Assim, apesar do reconhecimento de pala- 9
car os sons representados pelas letras ou vras e das habilidades de compreensão es- 9
pelas suas combinações, combinar fone- tarem relacionados, eles são sustentados
mas, ler palavras de alta frequência, de mo- por habilidades distintas, as quais predizem 9
do que não consumam tanto a memória a variação no desempenho de tarefas de 9
operacional em processos de atenção à de- compreensão, ou seja, a capacidade de inte- 9
codificação, alérn de utilizar pistas grafofo- grar informações do texto, o conhecimen- 9
nêmícas e de significado para determinar to sobre a sua estrutura, o monitoramen- 9
exatamente a pronúncia e o significado da to metacognitívo e a memória operacional
palavra que está no texto (Hudson» Lane, & (Cunha et ai, 2010; Kida et ai, 2010). 9
Putlen.2005).
Considerando a complexidade da 9
compreensão da leitura e sua relação com Soletração 9
a fluência de leitura, é possível pensar que,
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quanto mais proficiente se torna o leitor, Entre as estratégias de avaliação, o docu-
mais automáticos são esses processos fun- mento da EDA (2009) destaca a soíetra- 9
damentais de decodíficação e reconheci- ção, que ainda é um recurso pouco usado 9
mento da palavra, mais rápida e precisa se no Brasil. No entanto, ela pressupõe que 9
torna sua leitura (portanto» mais fluente), o escolar acesse e recupere as palavras em 9
mais disponível ficam sua atenção e me- seu léxico ou que se baseie em sua oralida-
mória para processos de alto nível e, por- de para transformar os sons em letras. Es-
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tanto, melhor o nível de sua compreensão ses processos de nível básico na escrita fa- 9
(Kida, Chiar i, & Ávila, 2010). Assim, en~, zem parte do desenvolvimento ortográfico, 9
tre os procedimentos de avaliação da lei- que envolve habilidades fonológicas, essen- 9
tura, devem ser considerados aqueles que ciais ao processo, associadas às habilidades 9
oferecem medidas de fluência, velocidade morfossintáticas e à consciência ortográfi-
de leitura (medida em palavras por minu- ca, bem como a experiência baseada na ex-
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to) e precísão/acurácia de le"itura (Oliveira posição ao material gráfico (Nation, AngeíJ, 9
& Capellini, 2013), visto que é exatamente & CastleSj 2007). Portanto, a avaliação da 9
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Neuropsícoiogla hoje • 157
ortografia deve envolver a observação dos A aquisição da escrita exige uma com-
erros que decorrem da alteração do princí- binação de coordenação de habilidades vi-
pio alfabético, que afetam a ortografia na- suomotoras e auditivas com o planeja-
tural, e dos erros nas convenções ortográ- mento motor, cognitivo e com habilidades
ficas, independentes desse princípio, que perceptivas (tátil-anestésicas, organização
afetam a ortografia arbitrária (Capellini et no espaço e no tempo) (Germano & Ca-
ai., 2011)T os quais podem se mostrar mais pellini, 2013). Dessa forma, avaliar a escri-
numerosos e persistentes. ta requer dos profissionais de saúde e de
educação o conhecimento do desempenho
perceptovisuomotor de escolares com dis-
Expressão escrita íexia, bem como do desenvolvimento or-
tográfico, já que muitas das alterações na
A expressão escrita textual impõe alta exi- escrita, seja qual for sua natureza, podem
gência cognitiva. Garcia (1998) propôs mó- parecer similares, à primeira vista.
dulos; os de planejamento da mensagem,
os sintáticos (que englobam a construção
da estrutura gramatical em suas mais di- OBSERVAÇÃO EDUCACIONAL
versas complexidades), os lexicais (no nível
das palavras isoladas) e, por fim, os moto- Além da avaliação formal, Composta por
res (que envolvem a recuperação da írna- provas, baterias e testes para a verificação
gern visual e dos padrões motores das le- do funcionamento das habilidades de lin-
tras). Dessa forma, a produção de texto, guagem e aprendizagem, é fundamental
eliciada ou não por figuras, temas ou histó- que informações sejam obtidas a partir da
rias em sequência, deve ser introduzida na observação dos professores sobre a fluên-
avaliação para verificara existência de mar- cia, a velocidade e a compreensão de leitu-
cadores textuais e a presença da rnacroes- ra, além da observação dos trabalhos aca-
trutura textual. O tempo de elaboração da démicos dos escolares para a obtenção de
produção textual pode ser uma variável re- uma análise detalhada do desempenho do
levante para a avaliação (Capellini et ai., escolar. Em relação à escrita, é importan-
2011; Capellini et ai., 2012). te observá-la em diferentes propostas e
momentos escolares. Como exemplos, po-
demos citar o ditado sem correção e auto-
Desempenho grafomotor corrígidOj a escrita de textos longos e cur-
tos, o ditado de pseudopalavras, a cópia, o
O ato grafomotor é, fundamentalmen- ditado de letrasj a escrita de palavras a par-
te, o ato linguístico de produzir os símbo- tir de figuras e o ditado de frases e palavras
los do alfabeto, por meio do canal motor de {Capellini et ai., 2012).
output. Nessa perspectiva, o desempenho
grafomotor não é apenas uma habilida-
de motora. Escolares com dislexia podem CONSIDERAÇÕES FINAIS
apresentar um problema no automatismo
da escrita de letras, que, por sua vez, po- Uma vez descritas as áreas de avaliação em
de estar relacionado a défkits de inibição e caso de suspeita de dislexia, optamos por
de fluência verbal. Esse conjunto pode ex- discutir qual seria um perfil clássico, ain-
plicar os problemas de ortografia (Bernin- da que passível de variações, como de-
ger, Nielsen, Abbott, Wijsman, & Raskind, fendido desde o início deste capítulo, de
2008). um escolar corn transtorno específico da
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