Вы находитесь на странице: 1из 21

A procura pelo navio Cäcilia (imigração alemã no RGS)

Ademar Felipe Fey (*)

RESUMO

A história da emigração alemã para o Brasil é bastante abrangente e possui alguns


aspectos ainda não totalmente esclarecidos, principalmente aqueles envolvendo as
viagens transatlânticas entre a Alemanha e o Brasil. Nestas viagens, marcadas em
muitas das vezes pela fatalidade, a documentação é muito incipiente. Ao pesquisar a
origem das famílias Fey que vieram para o Rio Grande do Sul, verificou-se que a
história de um dos navios envolvidos, o chamado navio Cäcilia continha relatos
históricos que suscitavam dúvidas. Dentro deste contexto, desenvolveu-se a pesquisa
bibliográfica envolvendo a viagem do navio citado. Ao longo da exposição deste
trabalho pretende-se revelar alguns aspectos e dados da pesquisa, tendo como objetivo
possibilitar que futuros pesquisadores possam prosseguir na resolução das dúvidas que
ainda restaram sobre a história deste navio, que está enraizada na tradição do município
de Dois Irmãos no Rio Grande do Sul, destino de boa parte dos passageiros que estavam
no suposto navio chamado de Cäcilia.

PALAVRAS-CHAVE: imigração alemã, navios transatlânticos, navio Cäcilia, primeiro


período imigratório da colonização alemã no Brasil, colônia
alemã de São Leopoldo no estado do Rio Grande do Sul.

ABSTRACT

The history of German immigration to Brazil is fairly embracing and has some aspects
not yet fully clarified, especially those involving transatlantic travel between Germany
and Brazil. In these trips, marked in many cases by fatality, the documentation is very
incipient. In investigating the origin of the Fey families that came to Rio Grande do Sul,
it was verified that the history of one of the ships involved, called the ship Cäcilia
contained historical reports that raised doubts. Within this context, the bibliographical
research involving the voyage of the mentioned vessel was developed. The aim of this
work is to reveal some aspects and data of the research, aiming to enable future
researchers to continue to solve the doubts that remain about the history of this ship,
which is rooted in the tradition of the municipality of Dois Irmãos in the Rio Grande do
Sul, destination of a good part of the passengers that were in the supposed ship called
Cäcilia.
2

KEY-WORDS: German immigration, transatlantic ships, Cäcilia ship, the first


immigrant period of German colonization in Brazil, the German
colony of São Leopoldo in the state of Rio Grande do Sul.

1. Introdução

Esta pesquisa foi desenvolvida como uma espécie de tributo aos meus ancestrais
alemães e não tem nenhum vínculo com qualquer instituição de ensino ou de pesquisa.
No início do ano de 2017, após me aposentar da área de ensino, resolvi pesquisar a
origem da família Fey, sem contar com nenhum conhecimento da área de Genealogia e
nem da história da colonização alemã no Rio Grande do Sul e no Brasil.
Nasci na cidade de Caxias do Sul, tradicional cidade de imigração italiana no
Rio Grande do Sul, onde meus pais se encontraram e posteriormente se casaram. Ele de
sobrenome Fey (família alemã imigrada em 1825 para o Rio Grande do Sul), transferiu-
se de Montenegro para Caxias do Sul na década de 1940, nascido em Brochier e ela de
sobrenome Balico (família italiana imigrada provavelmente na década de 1880)20,
nascida em Caxias do Sul. Convivendo com os italianos, desenvolvi um certo grau de
conhecimento do dialeto praticado em minha cidade. Por parte do pai, quase nada era
dito em relação aos ancestrais alemães, seus costumes e idioma.
Dentro deste contexto citado, nesta pesquisa dos ancestrais contei com a ajuda
de diversos componentes de grupos de discussão e comecei a montar uma pequena
biblioteca com livros sobre a imigração e colonização alemã. Visitei a biblioteca da
Unisinos em São Leopoldo, a biblioteca da Universidade de Caxias do Sul (UCS), as
bibliotecas dos municípios de Dois Irmãos, São José do Hortêncio, Nova Petrópolis e,
finalmente, a biblioteca municipal de Caxias do Sul (onde localizei algumas obras sobre
a colonização e imigração alemã).
Além dos livros físicos, as informações dos grupos de discussão e pesquisa livre
na Internet foram muito úteis para buscar uma familiaridade mínima com o tema
pesquisado.
Ao estudar especificamente a família Fey que acabou se instalando no município
de São José do Hortêncio, acabei me deparando com o relato da viagem do navio
Cäcilia em diversos livros, sites e listas de discussão.
Ao analisar com mais detalhes os relatos da viagem do Cäcilia, verifiquei
também que alguns autores consideram a saída do navio Cäcilia a partir de Bremen e
outros a partir de Hamburgo. Alguns consideram a partida no início do ano de 1827 (a
3

maioria dos autores pesquisados, como Amstad10, Hunsche4, Petry6) e outros no início
de 1828 (Oberacker Jr11 e Hüttenberger7).
Chamou a atenção pontos divergentes nos diversos relatos encontrados e,
especialmente, aquele descrito no site de genealogia da família Sander2, onde há um
alerta para uma possível inconsistência nas informações descritas sobre possíveis
passageiros do navio Cäcilia:

Consta até aqui que os Sander foram passageiros do Cäcilie.


Essa informação, a meu ver, é passível de revisão (e a mesma
pode se aplicar a outros imigrantes de Dois Irmãos). Ocorre que
os Sander ainda estavam em terra firme na noite de 7 para 8 de
novembro de 1827, quando deixaram Bedesbach ou Konken
para tentar vida nova no Brasil (cfe. Zink, "Auswanderer aus
dem Kreis Kusel nach Brasilien"). A essa altura do campeonato,
o Cäcilie já se achava fora de combate havia meses. Logo, os
Sander não poderiam ter estado a bordo dessa embarcação.2

O próprio nome do navio não é unanimidade entre os autores, e encontramos a


grafia de Cäcilia, Cäcilie, Cecília, entre outras.
A partir destas divergências iniciei a pesquisa buscando esclarecimentos sobre a
viagem do Cäcilia e de uma possível lista de seus passageiros.

O presente trabalho está dividido da seguinte forma:

Na seção 2 apresentamos um resumo dos relatos sobre os navios Cäcilia, Helena


Maria e James Laing, de vários autores consultados.
Na seção 3 efetuamos uma análise dos dados coletados confrontados com os
resultados da pesquisa.
Na seção 4 apresentamos nossas conclusões e nossas sugestões para
prosseguimento da pesquisa.

2. Referencial Teórico: relatos sobre o navio Cäcilia na bibliografia


encontrada.

2.1 O navio e a viagem do Cäcilia

Nesta seção apresentamos um resumo do que foi escrito sobre o navio Cäcilia
por autores brasileiros, a maioria gaúchos (nascidos no estado do Rio Grande do Sul).
4

Inicialmente, cabe destacar que são mais de quatro dezenas de navios que foram
utilizados para trazer imigrantes alemães para o Brasil, na década de 1820 a 1830. No
link http://ademarfey.com.br/?download=relacao-de-navios-com-imigrantes-alemaes-
para-o-brasil-rgs-1824-1830 temos uma lista atualizada dos navios transatlânticos no
período de 1824 a 1830.
O padre Amstad10 aparentemente foi o primeiro escritor a citar o navio Cäcilia
ao escrever o seu livro em comemoração ao centenário da colonização alemã no Rio
Grande do Sul (1924). Amstad, no entanto, não cita as fontes de suas informações, não
cita a data da saída do navio, nem quem foi o informante dos relatos da viagem do
Cäcilia e nem mesmo se alguém lhe auxiliou na coleta dos dados. Todavia, localizamos
informações de que Arno Philipp foi um grande colaborador de Amstad em seu livro.21
Arno Phillip, alemão radicado em Porto Alegre em 1889, possui uma vasta produção
literária e muito jovem trabalhou no jornal mais antigo da América do Sul, o Deutsche
Zeitung (cujo primeiro exemplar foi publicado em agosto de 1861 e o último em 1917,
após a entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial).
Cabe lembrar também que Amstad chegou ao Brasil em 18856 (50 anos após a
viagem do suposto navio Cäcilia) e trabalhou na região onde muitos dos passageiros
poderiam ainda estar vivos, principalmente os mais novos na época da viagem.
Engelman15 menciona que o navio Cäcília, seria um veleiro holandês de três
mastros, que saiu do porto de Bremen com cerca de 300 colonos Algumas fontes citam
o porto de Hamburgo como de partida. Engelmann cita o relato de Spindler (passageiro
do Cäcilia que escreveu uma carta relatando a viagem) em que este indica como sendo a
partida supostamente em 06/01/1827 e no porto de Bremen.
Hunsche4, talvez um dos maiores escritores do assunto da imigração e
colonização alemã no Rio Grande do Sul, segue inicialmente o livro de Amstad.
Hunsche também cita a partida como sendo na data de 06/01/1827, valendo-se do relato
de Spindler. Ao longo de suas obras ele vai tentando desvendar o mistério acerca do
Cäcilia, mas reconhece em seus últimos textos que existem ainda dúvidas pendentes.
Sobre o capitão do navio, no livro Germanidade no Brasil (Das Deushtum in
Brasilien), Porto Alegre, Sociedade Germânica, 2007, na página 60, a autora Nina
Tubino cita, ao narrar a viagem do Cäcilia, “parece comandado por um capitão
holandês”. Amstad e Hunsche, as duas principais referências bibliográficas utilizadas,
não citam o nome do comandante deste navio.
5

Segundo Carlos Bento Hofmeister Filho18 (autor do livro “O Pote de Geleia”), o


capitão era o holandês “Van der Bild” e o veleiro Cäcilia era um pequeno veleiro
transatlântico. Adiantamos que não se conseguiu localizar qualquer informação sobre
este suposto comandante, nem confirmar esta informação.
Acreditamos que todos os autores brasileiros se basearam no que foi narrado por
Amstad (1924) ao citar o navio Cäcilia. Por sua vez, o padre Amstad e seus auxiliares
na escrita de seu livro se basearam possivelmente em relatos orais de descendentes dos
passageiros do suposto navio Cäcilia.
No site de genealogia sobre Adam Sander2 é citado “O veleiro Cäcilia, que
partiu de Bremen ou Hamburg, foi atingido e avariado por uma tempestade em 12 de
janeiro de 1827 - vale lembrar que janeiro é inverno na Europa (conforme Kerckhoff em
180 Jahre São Leopoldo)”. Portanto, a data de partida de 06/01/1827 parece ser
razoável, pois os imigrantes estariam navegando a uma semana quando enfrentaram a
tempestade na costa inglesa (provavelmente estavam saindo do mar do Norte e entrando
no canal da Mancha). No entanto, constatamos que Spindler não cita a data de partida
explicitamente em sua carta. Hunsche, aparentemente, baseado no relato de Amstad
pressupôs que o ano fosse 1827.
Durante a tempestade dois marinheiros e vinte colonos caíram ao mar e ali
pereceram, os mastros tiveram de ser cortados e a embarcação ficou cerca de duas
semanas à deriva antes de ser encontrada por um barco inglês. O capitão e marinheiros
abandonaram o barco e imigrantes.2
Segundo Amstad10, o emigrante Philipp Schmitz propôs que cortassem os três
mastros do navio. O navio aprumou-se e os passageiros ficaram de 2 a 3 semanas à
deriva em mar aberto. Encontramos na obra de Rosa3 um Phillip Schmitz Junior e
família chegando em 14/05/1829 e um Phillip Schmitz Sênior e família chegando em
22/05/19294. Recentemente, ao elaborarmos a lista do veleiro James Laing (lista
disponível em http://ademarfey.com.br/?download=lista-do-navio-james-laing),
constatou-se que os dois imigrantes citados foram passageiros deste navio, podendo,
portanto, estar a bordo do Cäcilia.
Também segundo Amstad10 um emigrante “de nome Altmayer” propôs que se
todos chegassem salvos no Brasil celebrariam a data da chegada. Almayer não consta da
lista dos imigrantes que chegaram no James Laing (navio que hoje se sabe trouxe os
passageiros citados como estando no Cäcilia para o Brasil). Pesquisando em Rosa3
percebemos que existe o registro de um solteiro Heinrich Jacob Altmayer chegando a
6

São Leopoldo em 16/12/1827. Outro Mathias Altmayer e sua esposa chegaram a São
Leopoldo na mesma data. Constatamos que ambos foram passageiros do veleiro
Epaminondas, não podendo, portanto, estar a bordo do Cäcilia.
Prosseguindo no relato da viagem, o veleiro foi socorrido por um navio inglês e
levado para o porto de Plymouth, segundo Amstad. Algumas fontes citam o porto de
Falmouth, como Spindler (passageiro que deixou uma carta com detalhes da viagem) e
Gauer16.
A história do Cäcilia com algumas pequenas variações e um pouco mais de
detalhes também é contada por Monsenhor Mathias Gansfeith (Os fundadores de
Baumschneis ou Picada Dois Irmãos RS. 2º Simpósio da imigração e colonização
alemã. 1972. P. 191-205, publicado originalmente em 1924) baseando-se em dados
fornecidos por Miguel Schmitz, bisneto de Filipe Schmitz. Hunsche, Quadriênio, vol. I,
página 202, reproduz uma descrição parcial do relato de Monsenhor Matias José
Gansweidt.
O capitão vendeu os destroços do navio e não devolveu o dinheiro aos
imigrantes. Segundo Amstad, o imigrante Hann-Peter Schimidt perdeu toda a sua
fortuna (que teria entregado ao capitão).10
Hunsche4 na página 200 do livro Quadriênio, volume I, reproduz a carta de
Spindler. Nela o passageiro cita “O capitão, simplesmente, vendeu o navio e
desapareceu com o dinheiro e com nossa caução que tivemos que depositar no banco de
Amsterdã.” Neste ponto fica a dúvida, os passageiros do navio partiram do porto de
Bremen ou do porto em Amsterdã? Haveria uma “agência” do Banco de Amsterdã em
Bremen em 1827?
Depois disso os imigrantes ficaram aguardando ajuda para seguir viagem para o
Brasil.
Segundo Amstad, desembarcaram no Brasil (Rio Grande), em 29/09/1829. Esta
data ficou conhecida em Dois Irmãos, segundo Amstad, como Kerb de São Miguel
(feriado municipal17). Das cem famílias que estavam no navio Cäcilia, vinte delas
teriam se estabelecido no município de Dois Irmãos: Altmayer, Becker, Bruxel, Kieling,
Marmit, Sander, Schmidt, Schüler, Wile, Wingert, entre outras.10
Em torno de outras vinte famílias se estabeleceram na picada dos portugueses
(atual município de São José do Hortêncio): Fey, Fritsch (2), Gauer, Hammes,
Hermann, Juchem, Karling, Müller, Nedel, Petry, Reichert, Schmitz, Spindler, Stump,
Weber, Welter, Winter, entre outras.10
7

Como se pode constatar, Amstad cita a família Fey como estando no Cäcília e
indo para a picada dos portugueses (São José do Hortêncio). Posteriormente descobri
que esta família não possui ramificação com os Fey que são meus ascendentes.
A família Bohnemberger estabelece-se na Linha Berghan (Bom Jardim, hoje
Ivoti) e depois em Bohnental (Picada Feijão, distrito de Ivoti).10
O navio que os trouxe para o Brasil foi chamado de “St. Michels-Schift” por
Amstad (pag. 74 e 75). Posteriormente descobrimos que o navio na realidade se
chamava James Laing.
Fica a dúvida de porque a data de 29/09/1829 como a celebração da chegada dos
passageiros no Brasil se o James Laing chegou em fevereiro de 1829,
comprovadamente?
Além dos autores citados, outros relatam a viagem do Cäcilia supostamente
usando outras fontes (muitas destas informações não puderam ser confirmadas), senão
vejamos:
No livro Pote de Geleia o autor Carlos Bento Hofmeister Filho18 usa um
personagem chamado Ludwig que estaria entre os passageiros do Cäcilia. Ele é o
narrador da história sobre o navio Cäcilia no livro. Há uma passagem interessante neste
livro onde o autor cita que alguns passageiros do Cäcilia, que estavam em Plymouth
aguardando ajuda para prosseguir a viagem, teriam vindo para o Brasil a bordo de um
navio que passou por aquela cidade e que estaria vindo para cá. Este grupo de
passageiros (incluindo o Ludwig e um tal de Schmitz, marceneiro de profissão) teria
comprado a passagem e conseguido chegar ao destino antes do grupo principal, que
ainda aguardava ajuda para sair de Plymouth. Assim narra esta passagem Hofmeister
Filho18 (pag. 37)
... Após meses depois da sumanta no capitão fujão, entrou no porto um
outro veleiro transoceânico, bem grande, com emigrantes alemães para
aqui para a província do Rio Grande do Sul. Para o cúmulo da sorte,
eram também de nossa terra natal da Renânia e alguns passageiros até
conheciam uma família das nossas. O tal veleiro chamava-se “Anna
Luise”, era a sua segunda ou terceira viagem para o Rio de Janeiro.
Zarpara também de Hamburgo. Fora mandado escalar em Plymouth
para nos oferecer uma nova oportunidade, por especial interesse da
Imperatriz Amélia de Leuchtenberg...

Temos conhecimento de que no ano de 1828 chegou no Brasil o navio Olbers


com as características citadas por Hofmeister. A lista do veleiro Olbers (provisória) está
disponível no link http://ademarfey.com.br/?download=lista-de-passageiros-provisoria-
8

navio-olbers. No Olbers constam 3 famílias Ludwig e 1 passageiro Schmidt, nenhum


Schmitz. Segundo Hunsche4, o Felipe Schmitz, o grande, carpinteiro, atribuído a ele a
tarefa de cortar o mastro do Cäcilia, chegou com o navio James Laing em fevereiro de
1829 (conforme já relatado). Por outro lado, não localizamos nenhuma viagem do Anna
Louise para o Brasil em 1828.
Todavia, posteriormente confirmamos que pelo menos uma família
(Neumeyer/Niemeyer) dos naufragados teria conseguido embarcar num outro navio
para chegar ao Brasil (navio Goldfinch, 1828). No entanto, esta família
comprovadamente estaria originalmente a bordo de outro navio naufragado chamado
Helena & Maria, o qual iremos abordar na próxima seção (declaração de Carl Neumeyer
solicitando que do Rio de Janeiro a família fosse transportada para São Paulo – ofício
848 de 20/11/1828). A família acabou sendo transportada para São Leopoldo, lá
chegando em 18/03/1829. Não se estabeleceu naquela colônia, segundo Rosa3. Não
sabemos se havia outros passageiros no Goldfinch.
Petry em sua monografia sobre Novo Hamburgo9 cita que sua história sobre o
Cäcilia se baseia num material encontrado em São José do Hortêncio (seria um material
comemorativo referente à imigração alemã naquele município, portanto de 1929).
Assim narra Petry9 (pag. 23)

Encontramos, felizmente, num folheto publicado, em comemoração ao


primeiro centenário da fundação da colónia de São José do Hortêncio
(1929), a narração detalhada de um dos colonos aqui chegado em 1828
e, cujos depoimentos, foram confirmados por outros imigrantes vindos
na mesma época.

Continua Petry9 (pag. 23) falando do navio Olbers e depois do Cäcilia (Cecilia)

Partiu o nosso informante, com outros imigrantes, da Província Renana,


com destino ao pôrto de Bremen, gastando nessa viagem, feita em
carreta, puxada por animais, cerca de três semanas. Ali chegados,
tiveram que esperar outras 14 (quatorze) semanas, até encontrarem um
navio que os trouxesse para o Brasil. Chegou, continua o nosso
informante, enfim, o dia em que nos despedimos, para sempre, da nossa
Pátria. Embarcamos no navio "Olbers", de três mastros, mas já um tanto
velho.

Além do comandante e dos marinheiros, vinham nesse navio, 875


passageiros. A princípio, navegamos nas proximidades da costa inglêsa,
numa zona onde no ano anterior tinha naufragado um transporte de
imigrantes. Trata‐se do navio "Cecília", em que veio a maior parte dos
povoadores de Dois Irmãos.
9

Êstes salvaram‐se, tiveram, porém, que permanecer na cidade de


Plymouth quase um ano, até a chegada de um navio que os levasse;
julgando que o comandante do seu navio provocara o desastre, com o
intuito de os vender posteriormente como escravos, não simpatizavam
muito com êle e, em certa ocasião, ao passar perto de algumas
mulheres, que estavam lavando roupa, estas avançaram e o espancaram
com as peças de roupa molhada, o que produziu enorme hilaridade entre
os ingleses, que assistiram à luta.

Petry em outro livro seu, Carvalhos e Palmeiras20 (publicado entre 1935 a 1940),
dedica um capítulo (pag. 5-16) chamado “Abandonados” ao episódio da viagem do
Cäcilia, citando os passageiros Fellipe Schmitz, o grande (que teria lutado pró Napoleão
e cujo irmão Pedro faleceu na guerra), Fellipe Schmitz, o pequeno (que teria lutado
contra Napoleão), Ludwig, Bonhenberger e Altmayer, entre outros. Segundo Petry, o
Cäcilia saiu de Hamburgo em 1827. Durante a tempestade nasceu João Nikolau
Bonhenberger (Rosa3 cita um Nicolau Bohnenberger nascido em 06/01/1826 (sic?) e
Hunsche cita João Nicolau apenas como nascido em 1828). O capitão e os marinheiros
abandonam o navio numa baleeira. Petry afirma em uma nota ao final do livro que a
narrativa é verdadeira, baseada em declarações de moradores de Dois Irmãos e também
numa crônica de Gansweidt, já anteriormente citado, a qual por sua vez teria sido
baseada em dados fornecidos pelo Schmitz, o grande.
Oberacker Jr11 em seu livro que trata dos navios contratados por Shaeffer para
realizar o transporte dos colonos alemães para o Brasil, apenas cita o navio Cäcilia, sem
entrar em detalhes. Após uma análise dos navios utilizados e sua história, acreditamos
que Oberacker Jr se baseou em Amstad para citar o navio Cäcilia em seu livro. Os
passageiros do Cäcilia provavelmente contrataram o navio por conta própria (assim
como ocorreu com o navio Helena Maria, tratado a seguir), portanto, sem intervenção
de Schaeffer.
Obviamente Hunsche4 também discorre sobre o navio Cäcilia e talvez tenha sido
o historiador brasileiro que mais se dedicou ao assunto. De um modo geral, como já
citado, a sua exposição segue a linha do descrito no livro do Amstad, fora os avanços
que ele fez sobre o assunto. A maioria dos passageiros que Hunsche cita como estando
na Cäcilia, em seu livro Quadriênio (1827 a 1829), foram confirmados no navio James
Laing (abordado em próximas seções). Ao longo de seus livros e artigos Hunsche fez
uma série de “correções históricas” sobre os navios que trouxeram os imigrantes
alemães para o Brasil.
10

2.2 Navio Helena & Maria e a viagem para o Brasil

O veleiro holandês Helena Maria (Helen Marie), sob o comando do capitão


Bartholomew Karstens partiu de Texel/Amsterdã em 6 de janeiro de 1828, com 350
pessoas (informação confirmada no Cornwall Gazzete). Igualmente trazia imigrantes
para o Brasil e foi atingido por uma tempestade alguns dias depois da sua saída (13 de
janeiro de 1828, conforme Hüttenberger7, em "Heimlich nach Brasilien" e Kirchberger8,
em "Aspekte deutsch-britischer Expansion").
O navio perdeu os três mastros e segundo Hüttenberger7 “estava flutuando no
Lizard Point, cerca de 20 milhas ao largo da costa de Cornwall”. O Lizard Point é um
local na costa inglesa próximo a Falmouth (aproximadamente 38 km via terrestre),
conhecido pelos naufrágios ali ocorridos.
Socorridos por um barco postal inglês (paquete Plover, segundo Hüttenberger,
capitão Edward Jennings), o Helena Maria e seus passageiros foram levados para
Falmouth. Um jornal Inglês relata que havia gripe a bordo deixando a cidade em alerta.
Quando o navio foi reparado os passageiros não aceitaram mais viajar no
mesmo. As autoridades inglesas confirmaram que o navio estava sem condições para
viagens transatlânticas.
A ajuda chegou quando o navio James Laing aportou em Falmouth, conforme
relatado na próxima seção.

2.3 Navio James Laing e a viagem dos naufragados ao Brasil

Em 03/12/1828 chegou o navio James Laing ao porto de Falmouth (navio de


bandeira inglesa, sob o comando do Capitão Sughure ou Sufgheu) com incumbência de
levar os imigrantes naufragados para o Brasil14 (notícia do dia 06/12/1828 do Royal
Cornwall Gazzette).
Em 02/01/18297 o navio James Laing segue para o Brasil com ventos favoráveis,
com cerca de 305 pessoas a bordo. Localizamos a chegada do navio James Laing no
porto do Rio de janeiro em 09/02/1829 (Diário do Rio de janeiro de 10/02/1829).
Reconstituímos a lista de passageiros deste navio, constatando que a maioria dos
passageiros citados como tendo viajado no Cäcilia estava no James Laing
11

(http://ademarfey.com.br/?download=lista-do-navio-james-laing), como, aliás, já era do


conhecimento de Hunsche.

2.4 Confrontação dos dados: narração x realidade

A partir dos relatos resumidamente apresentados na seção anterior começamos a


pesquisar dados do navio Cäcilia em diversos lugares. A pesquisa propriamente dita
iniciou em abril de 2017 e terminou em setembro de 2017.
O primeiro lugar pesquisado foi a Biblioteca Nacional, utilizando os recursos de
pesquisa na mídia digital. Apesar do vasto material disponível não se encontrou
nenhuma citação do navio Cäcilia na década de 1820 a 1830.
Em pesquisas livres na Internet as poucas citações encontradas nos levavam de
volta ao relato do Padre Amstad, basicamente.
Neste ínterim, conhecedores do trabalho de Hüttenberger7, começamos a
pesquisar também dados do navio Helena Maria. Cabe destacar que o pesquisador
Hüttenberger desenvolve a ideia de que na realidade os passageiros do Cäcilia estavam
a bordo do Helena Maria e que teriam partido em 1828 e não em 1827.
Para confrontar estas ideias começamos a pesquisar também os naufrágios
acontecidos na costa inglesa em 1827 e 1828. Contamos com a ajuda de uma
pesquisadora inglesa que gentilmente procurou nos arquivos de Plymouth sobre
naufrágios ocorridos em 1827. Constatou-se que na realidade foi em 1828 que
ocorreram violentos temporais na costa inglesa com vários navios naufragados,
inclusive o Helena Maria, rebocado para Falmouth.
Não se chegou a nenhuma evidência de navios naufragados com imigrantes
alemães destinados para o Brasil em 1827, nem em Plymouth e nem em Falmouth.
Importante ressaltar que em 1827 havia um número muito grande de portugueses
retidos em Plymouth em virtude da crise política envolvendo Portugal e Brasil.
Possivelmente a existência de um navio em Plymouth com imigrantes alemães
destinados ao Brasil, teria sido noticiada nos jornais da época, assim como foi o que
ocorreu em relação ao contingente de portugueses retido naquela cidade.
Com nenhum avanço na pesquisa sobre o navio Cäcilia ocorreu-me a ideia de
procurar a lista de passageiros do Cäcilia e posteriormente a do Helena Maria.
A partir desta pesquisa localizamos uma lista parcial com sobrenomes dos
passageiros do Cäcilia no site da Família Gauer16 a qual, na realidade, está baseada na
12

listagem disponível no site da Paróquia Martin Luther.1 Posteriormente, ao contatar o


escritor americano Lee B Croft, autor do livro “George Anton Schaeffer - Shipping
Germans to Brazil”, constatamos que o autor da lista citada é Egídio Weissheimer,
conhecido pesquisador sul-rio-grandense, e foi elaborada em 1999.
Entretanto não havia uma lista de passageiros do veleiro Helena Maria.
Mas já havia evidências fortes de que teria sido o navio James Laing a ter trazido
os náufragos que estavam em Falmouth para o Brasil.
Procuramos então a lista de passageiros do James Laing no site do Instituto
Martins-Staden (http://martiusstaden.org.br). Gentilmente me foi enviada uma lista
parcial, sem autoria definida.
Ao entrar em contato com o pesquisador Hüttenberger (meados de maio de
2017) ele me enviou gentilmente textos de sua autoria relatando suas descobertas e sua
teoria de que na verdade o James Laing teria trazido passageiros do navio Helena Maria.
Ao confrontar os dados da lista de passageiros do James Laing, que eu havia recebido
do Instituto Martius-Staden, Hüttenberger confirmou que ela era da sua autoria.
A partir daí começamos, em conjunto, rever a lista do navio James Laing e
confrontá-la com a nominata dos sobrenomes dos passageiros do Cäcilia disponível no
site da Paróquia Martin Luther.1
A lista dos passageiros do navio James Laing que foi produzida pode ser baixada
no link http://ademarfey.com.br/?download=lista-do-navio-james-laing.
Ao levantarmos dados dos passageiros do James Laing algumas evidências
apareceram de que alguns passageiros do Cäcilia na realidade foram passageiros do
Helena Maria, senão vejamos:

 Na biblioteca publica de Dois Irmãos localizei a obra de Braun5 sobre o


município (Livro São Miguel dos Dois Irmãos, p.151-152). Nele encontrei um
relato interessante. Segundo a autora do relato escrito em 17/05/1955 (Novo
Hamburgo), Juliana Juchun, as informações foram recebidas oralmente de sua
avó por parte da mãe, filha de Heinrich von Helfenstein, chamada Margaretha
von Helfenstein (nascida em Thallichtenberg). Narra que saíram em 10 de
novembro de 1827 e deixaram a terra natal em Helfenstein (sic), na verdade
Thallichtenberg, e embarcaram num navio com viagem lenta e ruim. O tal navio
quebrou no mar (o nome da embarcação não é citada no relato) e uma outra
embarcação inglesa levou-os para Falmouth. Faltava água e das crianças que
13

mamavam só o irmão dela Heinrich sobreviveu. Quatro crianças morreram (de


outras famílias, uma delas Susen ou Sausen e foram enterradas em Falmouth.).
Constatamos que a família Helfenstein esteve a bordo do navio James Laing.
Portanto, em função de estarem em terra no final de 1827, eles só poderiam ter
estado no Helena Maria. Tentamos obter uma cópia da carta original, mas não
obtivemos sucesso. Buscávamos apenas alguns esclarecimentos de pontos
duvidosos na narrativa.

 No site da família Breitenbach13 é citado que um grupo de emigrantes sairam da


Alemanha em 1827 (segundo Hüttenberger, de 07 para 08/11/1827). Seriam seis
famílias, a saber: Peter Keller, Mathias Petry, Valetin Petry, Mathias Feiten,
Antonius Schetter e Mathias Schneider (na lista das famílias retiramos a de um
segundo Valentin e inserimos a de Mathias Feiten, baseado nos dados de
Hüttenberger). Encontramos informações semelhantes num site de genealogia
alemã sobre este grupo de imigrantes. Evidentemente eles não poderiam estar no
navio Cäcilia, pois segundo a maioria dos autores analisados na seção 1 este
navio estaria viajando deste janeiro de 1827.

 Um dos passageiros do James Laing, Friedrich Juchem, tinha como esposa


Elisabeth Weber. Segundo um site alemão de genealogia
(http://www.auswanderer-oldenburg.de), a Elisabeth Weber estava a bordo do
navio Helena Maria “emigração (1ª) em 6 de Janeiro de 1828 , porto de Texel,
Holanda, .... navio Helena Maria.. emigração (2ª) em 10 de Dezembro de 1828,
porto de Falmouth, Cornwall, Inglaterra...” (tradução livre do autor). Esta seria
mais uma família que não poderia estar no navio Cäcilia.

 Johannes Spindler, (de Niederhosenbach, evangélico, viúvo, esposa faleceu ao


chegar a Porto Alegre, segundo Rosa) um dos passageiros do James Laing,
escreveu uma carta relatando a viagem do navio que o levou até Falmouth,
conforme já citado. Segundo Hunsche, o navio teria sido o Cäcilia. Segundo
Hüttenberger seria o Helena Maria.

 Segundo os dados de genealogia de Jacob Sander2, ele e sua família estavam em


terra firme, de 7 para 8 de novembro de 1827, quando deixaram Bedesbach ou
Konken para tentar vida nova no Brasil, conforme já citado na introdução deste
texto. Segundo o autor dos dados genealógicos de Jacob Sander
14

É razoável supor, portanto, que eles foram na realidade quase


náufragos do Helen Marie. As datas confluem - deixaram a terra natal
no final de 1827 e tomaram o navio no início de 1828. Forçados pelas
circunstâncias, ficaram um ano na Inglaterra (e não dois, como os do
Cäcilie), onde em 10.3.1828, em Cornwall, acabaria nascendo Jakob
Sander, f. d. Jakob S. e Kath. Umlauf. Sds Heinz.

Seria, portanto, mais uma família a não estar no Cäcilia.


 Johannes Weber, evangélico, nasceu em Neunkirchen, morou em Bosenbach
(ambos distritos de Kaiserslautern, segundo Hüttenberger) foi outro passageiro
do James Laing. Ele escreveu uma carta relatando sua viagem no Helena Maria
(Hüttenberger gentilmente me enviou a tradução da carta de Weber, para
análise), entre Texel/Amsterdã e Falmouth. Ele serviu de padrinho de batismo
do Jacob Sander Jr em Falmouth, Foi pastor e deixou muitas anotações dos
imigrantes em Dois Irmãos (segundo Husnche no seu livro sobre o Pastor
Hunsche e a igreja evangélica).

3. Referencial Metodológico

Basicamente aqui procura-se descobrir os fatos históricos reais confrontando as


narrações do autores sobre o navio Cäcilia com os dados descobertos na pesquisa. Desta
confrontação espera-se obter subsídios que apontem para o que de fato ocorreu ou então
fundamentar dados que possam ser utilizados por próximos historiadores ou
genealogistas.

4. Análise e interpretação dos dados

Na pesquisa para encontramos informações sobre o navio Cäcilia, contamos com


a ajuda de uma especialista em genealogia na Inglaterra (Sara McMahon), de um
especialista alemão em navios do porto de Bremen (Dr Peter-Michael Pawlik), do
Plymouth City Council (TrishaWhite) e do site especializado em navios holandeses
Marhisdata (Gerry Mulder), a quem agradecemos publicamente.
As pesquisas realizadas de maio a setembro de 2017 não revelaram nenhum
vestígio do navio Cäcilia, tanto no Brasil como em outros países. Por outro lado,
achamos importantes informações do navio Helena Maria que nos levou a algumas
conclusões informadas na próxima seção.
15

Levando em consideração que nenhum registro do navio Cäcilia (e nomes


similares como Cäcilie, Cacilia, Caecilia, Cecilia, etc..) foi encontrado na Brasil e de
que os passageiros cujos sobrenomes são citados por diversos sites genealógicos no
Brasil e inclusive pela obra de Hunsche (Quadriênio) terem chegado ao Brasil, pelo
menos a sua maioria, no navio James Laing, a hipótese de que o navio Cäcilia tenha
chegado a Brasil é rejeitada, definitivamente.
Novamente levando em consideração que em pesquisas em diversos sites
estrangeiros especializados em naufrágios (shipwrecks) no século XIX não localizamos
índicos de naufrágios na costa inglesa em janeiro de 2017, descartamos a data de saída
do suposto navio Cäcilia como sendo no mês e ano citados. Certamente se assim o fosse
teria existido reportagens nos jornais ingleses da época citada.
Por fim, também levando em consideração que em pesquisas nos sites
estrangeiros especializados em navios do século XIX não localizamos indícios da
existência de um navio veleiro de nome Cäcilia, ou de nome similar a este, descartamos
até prova em contrário, a existência de um navio naquela época com tal nome,
principalmente transportando emigrantes alemães para o Brasil.
Além disso, com base nos dados levantados, podemos afirmar que no mínimo
parte dos supostos passageiros do Cäcilia estava no veleiro chamado Helena Maria.
Nos parece aqui que só podemos ter duas hipóteses: a primeira seria de que dois
navios naufragaram trazendo emigrantes alemães para o Brasil e eles foram levados
para Falmouth (hipótese praticamente descartada por não acharmos registro de qualquer
outro navio que se encaixe nesta situação que não o Helena Maria) ou a segunda de que
todos estavam no mesmo navio (Helena Maria). A segunda hipótese é aquela
desenvolvida por Hüttenberger.
A hipótese de que seriam dois navios a naufragar e os passageiros terem sido
levados para Falmouth esbarra também na quantidade de náufragos reportados pelos
jornais ingleses que seriam em torno de 300 pessoas, os quais estariam apenas no
Helena Maria. Dois navios certamente teriam transportado em torno de 600 colonos
alemães. Dentro deste contexto, seriam necessários dois navios a trazê-los para o Brasil,
ou então cerca de 300 passageiros teriam ou desistido da viagem ou terem embarcado
em outro(s) navio(s) com destino ao Brasil, antes da chegada do navio James Laing em
Falmouth. Não encontramos indícios de que isto tenha ocorrido, pelo menos com os
dados disponíveis até o presente momento.
16

Podemos afirmar também, complementando o parágrafo anterior, que os


náufragos que permaneceram em Falmouth por quase um ano poderiam ter tido
oportunidade de ingressar em outro navio que por lá tenha passado com destino ao
Brasil. Este fato é confirmado, pois sabemos pelo menos da existência da família
Niemeyer que veio ao Brasil com o navio Goldfinch. O relato de Hofmeister Filho de
que vários emigrantes náufragos em Plymouth teriam comprado passagem no navio
“Anna Louise” não foi confirmado por nós. Não localizamos informações de viagem do
Anna Louise para o Brasil em 1828. O único navio de grande porte a chegar ao Brasil
em 1828 foi o Olbers. Não temos conhecimento de que o Olbers teria feito uma escala
em Falmouth.

5. Considerações finais

Baseado na análise realizada, referente aos dados coletados, conclui-se que não
há como confirmar a existência do navio Cäcilia, com os dados disponíveis.
Também é possível dizer que caso, ele tenha existido, os supostos passageiros
estavam naufragados em Falmouth, aguardando ajuda para seguirem para o Brasil.
Os passageiros do Helena Maria estavam, de forma comprovada, em Falmouth
aguardando a ajuda para seguirem viajem para seu destino.
Também baseado nos dados coletados a partida do suposto navio naufragado
teria sido em 1828 e não 1827.
Um número considerável de supostos passageiros do Cäcilia estava, de fato, no
Helena Maria.
Uma pergunta que fica: porque Amstad (ou seus colaboradores) teria utilizado o
nome do navio como Cäcilia?
Observa-se que ao analisar os navios que trouxeram imigrantes alemães para o
Rio Grande do Sul no ano de 1829, Padre Amstad afirma claramente que desconhece
um dos nomes dos navios (pag. 76). Aparentemente não teria tido motivos para alterar
ou “inventar” o nome do navio Cäcilia que teria viajado em 1827. Acredita-se que não
se possa especular a respeito do uso do nome Cäcilia sem localizar-se alguma fonte
primária que esclareça os fatos.
Da mesma forma, para esclarecimento final, em relação aos passageiros do navio
James Laing, seriam necessárias fontes primárias que confirmem a hipótese de que
todos estariam em Texel/Amsterdã e que teriam embarcado no Helena Maria.
17

A carta de Weber é clara quanto a sua estada no navio Helena Maria. Clara
também em relação à data de saída, 07/01/1828, e que a saída ocorreu no porto de
Texel/Amsterdã. Quanto à carta de Spindler (o qual não cita a data de saída, nome do
navio, nome do capitão do navio e nem define claramente o porto de saída) deixa
dúvidas que podem originar interpretações distintas.
Hunsche considera que Spindler se refira ao Cäcilia, já Hüttenberger e outros
historiadores interpretam como se referindo ao Helena Maria.
Do meu ponto de vista a carta de Spindler não esclarece totalmente as questões
acima citadas e há discordância em outros pontos cruciais que são relatados nas cartas
de Weber e de Spindler, tais como:

 A partida abrupta do Helena Maria, separando pessoas de mesmas


famílias (Weber). Episódio não citado por Spindler;
 A troca de um navio menor (teria sido o navio Cäcilia?) por um navio
“maior” que seria o Helena Maria (Weber). Episódio não citado por
Spindler;
 As mortes de passageiros e marinheiros (Spindler). Segundo Weber,
todos no navio se salvaram;
 O abandono do navio por parte do capitão e da tripulação (Spindler).
Segundo Weber, o capitão e tripulação permaneceram a bordo até o porto
de Falmouth.

Além das conclusões acima, o que se pode também deduzir é que o naufrágio do
navio Helena Maria foi uma espécie de tragédia anunciada. Explica-se.
Ao sair de sua terra natal, os imigrantes do navio Helena Maria não tinham ideia
e não poderiam supor que o navio em que viajariam estava sendo transformado de um
navio de dois para três mastros. É possível supor que isso foi feito para abrigar um
maior número de passageiros e para obter autorização para viagens transatlânticas, o
que possivelmente acabou colaborando para o naufrágio, pois o navio Helena Maria
saiu do porto sobrecarregado (a carta de Weber já relata isso).
O navio Helena Maria foi construído em 1813 em Maassluis, Holanda,
recebendo o nome de Welbedagt. Era um navio veleiro, com dois mastros e dois decks,
tipo brigue. Em 04/07/1823 foi vendido e recebeu o nome de Thalia. Em 12/12/1827 o
18

navio sofreu a alteração de 2 para 3 mastros e recebeu o nome de Helena Maria, sendo
adquirido por Bartolomeus Karstens, oriundo de Amsterdã. Nesta alteração o navio teve
suas dimensões gerais diminuídas (informações obtidas no site de Marhisdata e da
secretária Gerry Mulder).
O fato é que depois de transformado para um navio de três mastros o navio
Helena Maria não sucumbiu à primeira adversidade sofrida em alto mar. Foi sua
primeira e última viagem com imigrantes. Não causa assombro que, após ser restaurado
em Falmouth, os passageiros do Helena Maria não concordaram em seguir viagem com
o mesmo.
Para concluir acreditamos que fontes primárias no Brasil ou no Exterior
poderiam comprovar as hipóteses levantadas neste trabalho. Não tivemos acesso, mas
sabemos que existiam muitos jornais e almanaques na colônia alemã de São Leopoldo e
em Porto Alegre (almanaques como o Deutscher Kalender de 1854 e jornais como o Der
Kolonist, de 1852, por exemplo12). É possível também que existam documentos e
jornais na Alemanha e Holanda que possam revelar detalhes que elucidem a viagem do
suposto navio Cäcilia.
Estamos cientes das limitações de nossa pesquisa, pois não tivemos acesso a
documentos anteriores ao escrito de Amstad em 1924, mas esperamos ter levantado
algumas hipóteses que possam servir de base para novas pesquisas sobre este episódio
que marcou a imigração alemão para o Rio Grande do Sul na sua primeira fase, de 1824
a 1830.
Para concluir, como uma espécie de homenagem aos primeiros imigrantes
alemães, cabe bem a passagem de Petry onde ele escreveu, na década de 1950

Quem hoje viaja pela zona colonial do nosso município, deleita a vista
com a contemplação dos belos edifícios, dos verdejantes campos,
povoados de fogosos corcéis e bem nutridos bovinos, das plantações
que se estendem de horizonte a horizonte, não se lembra, talvez, dos
trabalhos passados, das dificuldades vencidas, dos obstáculos superados
pelos primeiros imigrantes, que por aqui aportaram (PETRY, 1959, p.
22).

Qual seja o desfecho da história do navio Cäcilia, sempre é bom relembrar a


façanha dos primeiros imigrantes que sofreram dificuldades e fatalidades desde o início
da imigração, primeiramente na viagem terrestre na Alemanha, depois na viagem
transatlântica, prosseguindo depois na viagem costeira no Brasil e, finalmente, na crua
19

realidade de enfrentar uma terra selvagem e um ambiente muitas vezes adverso, tendo
que retirar dali o sustento e o progresso para sua família.

Referências

1. PAROQUIA MARTIN LUTHER. Imigração no RS e no Brasil. Disponível em:


<http://www.mluther.org.br/Imigracao/imigracao.htm>. Acesso em 15/05/2017.
Acesso em: 15/05/2017.
2. GENEALOGIA DE TATI E DICKSON. Adam Sandler. Disponível em:
<http://genealogia.tati.dickson.nom.br/getperson.php?personID=I11764&tree=Tatie
Dickson>. Acesso em: 14/01/2017
3. ROSA, Gilson Justino da. Imigrantes Alemães - 1824-1853 (C-333). EST
Edições, 1ª edição, 2005).
4. HUNSCHE & MARIA ASTOLFI, Carlos H.. O Quadriênio 1827, 1830 da
Imigração e Colonização Alemã no RS. Ed. G&W, Porto Alegre, 2004. Pag 195 a
209.
5. BRAUN, Felipe Kuhn. São Miguel dos Dois Irmãos: 1829-1929: o primeiro
século da história. 1ª edição. São Leopoldo: Oikos, 2014.
6. SCHNEIDER, José Odelso. Uma relevante herança social do Padre Theodor
Amstad. Unisinos. Disponível em:
<http://cooperativismodecredito.coop.br/2014/02/uma-relevante-heranca-social-do-
padre-theodor-amstad-por-jose-odelso-schneider/>. Acesso em: 27/12/2017.
7. HÜTTENBERGER, Friedrich. How the Guilgers came to Brazil - An emigration
in1827 - the rediscovery of a forgotten Palatine emigration. Disponível em:
<http://www.huettenberger.homepage.t-online.de/to%20Brazil2.htm>. Acesso em
15/05/2017.
8. KIRCHBERGER, Ulrike. Aspekte deutsch-britischer Expansion. Stuttgart:
Franz Steiner Verlag, 1999.
9. PETRY, Leopoldo. O município de Novo Hamburgo: monografia. 2a edição.
Casa editora Rotermund & co. São Leopoldo/RS. 1959.
10. AMSTAD, Theodor (Padre). Cem anos de germanidade no Rio Grande do Sul
(1824-1924). Título original “Hundert Jahre Deutschtum im Rio Grande do Sul”.
São Leopoldo: Unisinos, 2005.
20

11. OBERACKER Jr. Carlos H. Jorge Antônio Von Schaeffer: criador da primeira
corrente emigratória alemã para o Brasil. Porto Alegre: Editora Metrópole,
1975.
12. WESCHENFELDER, Greicy. A imprensa alemã no Rio Grande do Sul e o
romance-folhetim. Porto Alegre: PUC, 2010.
13. FAMÍLIA BREITENBACH. 1º Imigrante - Mathias Breitbach. Disponível em:
<http://familiabreitenbach.blogspot.com.br/2010/01/1-imigrante-mathias-
breitbach.html>. Acesso em: 30/04/2017.
14. VIER, Nelcindo José. História da família Welter.
<http://padrefabiofoz.blogspot.com.br/2013/12/historia-da-familia-welter.html>
Acesso em: 17/01/2017
15. ENGELMANN, Erni Guilherme (Org.). A saga dos alemães: do Hunsrück para
Santa Maria do Mundo Novo. 2004. Disponível em:
<http://sagadosalemaes.faccat.br/indexp.htm>. Acesso em: 18/04/2017
16. FAMÍLIA GAUER. História da Imigração. Disponível em:
<http://www.familiagauer.com.br/historia_imigracao.htm>. Acesso em:
30/04/2017.
17. CÂMARA DE VEREADORES DE DOIS IRMÃOS. Historia de Dois Irmãos.
<http://www.doisirmaos.rs.leg.br/historia/historia-de-dois-irmaos/>. Acesso em:
20/05/2017.
18. HOFMEISTER FILHO, Carlos Bento. O pote de geleia. Porto Alegre: EST, 1980.
19. BALICO, Elizabete R. O. Humildade: a espada de um vencedor. Biografia de
Vitorio Sebben Balico. Edição do autor. Gráfica da UCS. Caxias do Sul: 1994?
20. PETRY, Leopoldo. Carvalhos e Palmeiras. Porto Alegre: A Nação, 1935 a 1940.
21. PIAIA, Miquela. Rastros da Literatura Brasileira na História da Colônia
Neuwürttemberg. Frederico Westphalen: setembro de 2009.

* Sobre o autor

Mestre em Educação pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Especialista em Redes


de Computadores em Telecomunicações e em Gestão e Docência no Ensino Superior.
Bacharel em Administração de Empresas. Profissional da área de Telecomunicações e
professor da área de Redes de Computadores aposentado.
21

Mantém um pequeno blog sobre a família FEY no estado do Rio Grande do Sul
(https://wordpress.com/view/familiafeynors.wordpress.com) e outro (em
desenvolvimento) com suas publicações na área de educação e história
(ademarfey.com.br).

Mantém também um blog na área de Tecnologia de Informação (TI) e uma pequena


Loja Virtual com suas publicações e alguns cursos on-line na área de TI
(ademarfey.wordpress.com e lojavirtualdeti.com.br, respectivamente).

Rev06 de 15/01/2018

Вам также может понравиться