Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Semiótica
Clebson Luiz de Brito
Letícia de Souza Peixe
Clebson Luiz de Brito
Letícia de Souza Peixe
Língua Portuguesa
Semiótica
2012
Proibida a reprodução total ou parcial.
Os infratores serão processados na forma da lei.
EDITORA UNIMONTES
Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro
s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG)
Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089
Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214
Ministro da Educação Chefe do Departamento de Ciências Sociais
Aloizio Mercadante Maria da Luz Alves Ferreira
Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Chefe do Departamento de Estágios e Práticas Escolares
Nárcio Rodrigues Rosana Cassia Rodrigues Andrade
Diretora do Centro de Ciências Biológicas da Saúde - CCBS Coordenadora do Curso a Distância de Letras/Inglês
Maria das Mercês Borem Correa Machado Hejaine de Oliveira Fonseca
Diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CCSA Coordenadora do Curso a Distância de Letras/Português
Paulo Cesar Mendes Barbosa Ana Cristina Santos Peixoto
Unidade 1
Primeiras noções e nível fundamental
1.1 introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Unidade 2
Nível narrativo
2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Unidade 3
Nível discursivo, a realização do sentido
3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
Atividades de aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
Apresentação
Prezado acadêmico, nesta disciplina você as coisas vão se encaixando. É assim que as
terá contato com a Semiótica, uma teoria ex- coisas acontecem mesmo!
tremamente produtiva no que diz respeito à Nas unidades deste caderno, você estu-
abordagem do texto e à análise do discurso dará as diferentes categorias de análise dessa
que este contém. Como você notará, trata-se teoria, de modo que possa conhecê-la satis-
de estudar não aspectos da língua, mas do sen- fatoriamente e aplicá-la na interpretação de
tido produzido textualmente. Com efeito, você diferentes textos, elegendo, como analista, as
verá que a produção dos textos/discursos obe- mais apropriadas para cada análise específi-
dece a determinadas regras e envolve determi- ca. Para chegar a esse ponto, porém, é preciso
nados mecanismos geradores do sentido. Esse que você tenha sempre em mente o todo pro-
sentido, por isso, pode ser apreendido pelo posto pela teoria, que é o percurso gerativo de
estudo desses mecanismos que o constituem. sentido, noção fundamental na Semiótica.
Há uma crença comum segundo a qual Para adiantar-lhe essa proposta geral,
entender um texto, interpretá-lo requer sen- nesta disciplina você verá que o sentido parte
sibilidade ou perseverança – seria preciso lê- de uma forma mais simples e abstrata e vai se
-lo várias vezes. Embora essa ideia não seja enriquecendo até atingir o grau de complexi-
de todo equivocada, é preciso considerar ou- dade e concretude com o qual o leitor se con-
tros elementos envolvidos nesse processo, e fronta quando está diante de uma produção
você, nesta disciplina, é convidado a fazer jus- textual efetiva. Veja, a ideia é de um percurso
tamente isso. Você verá que, para se chegar mesmo, uma trajetória, um caminho que o
ao(s) sentido(s) de um texto, para se atingir o sentido perfaz até encontrar-se em estado, por
seu discurso, é preciso lançar mão de estra- assim dizer, comunicável.
tégias mais ou menos objetivas. Na disciplina Para cada nível desse processo de com-
de Semiótica, você terá a oportunidade de co- plexificação ou enriquecimento ou para cada
nhecer justamente categorias de análise que nível/patamar do percurso gerativo do sen-
tornam possível, por assim dizer, um roteiro tido, a Semiótica propõe categorias que per-
de abordagem do texto e de apreensão do(s) mitem apreender o sentido tal como ele se
sentido(s), o que certamente potencializa o apresenta ali. São essas diferentes ferramentas
processo interpretativo. Essas categorias, in- que permitem o exame de diferentes níveis de
clusive, não se restringem aos textos verbais, apresentação do sentido que você, prezado
mas permitem também o estudo e a inter- acadêmico, conhecerá nesta disciplina.
pretação de textos ditos não verbais (visuais, Inicialmente você terá algumas informa-
sonoros, gustativos etc.) e sincréticos, ou seja, ções gerais sobre o lugar da teoria Semiótica
textos que utilizam mais de uma linguagem em relação a outras teorias. Além disso, terá
na produção do seu sentido. E você já notou acesso a uma visão geral do percurso gerativo
como essa habilidade é cada vez mais exigida de sentido para poder relacioná-lo às partes
na vida contemporânea? Os textos que circulam que você estudará à frente em maiores deta-
na sociedade atualmente, não raro, exploram lhes. Com isso, poderá compreender como
diferentes linguagens na produção do senti- cada nível e suas categorias se articulam nessa
do ou apelam à linguagem visual, fazendo jus à proposta geral de descrever a geração do sen-
máxima de que “uma imagem vale mais que mil tido. Nesse momento inicial, você conhecerá
palavras”. Conhecer e utilizar as categorias pro- ainda algumas noções chaves para a compre-
postas pela Semiótica, portanto, pode ser útil ensão da teoria, como o que é texto, discurso,
no desenvolvimento de habilidades de leitura textualização, linguagem etc.
e interpretação de diferentes gêneros textuais Nas demais seções você poderá conhe-
com os quais se confronta atualmente. cer mais detalhadamente cada patamar do
A Semiótica não é uma teoria fácil, sobre- percurso gerativo de sentido: os níveis fun-
tudo porque, para entender as partes dela, damental, narrativo e discursivo, observan-
é preciso entender o seu todo, a sua propos- do as diferentes categorias e sua aplicação
ta geral; ao mesmo tempo, esse todo ou essa a diferentes textos. Por fim, você conhecerá
proposta geral apenas se torna evidente quan- as possibilidades de aplicação da Semiótica
do se tem acesso às partes de forma orientada a diferentes objetos, alguns desdobramentos
e paciente. Não se desanime com as dificulda- recentes dessa teoria e sua relação com outras
des iniciais! Tenha paciência, que aos poucos disciplinas e áreas.
9
UAB/Unimontes - 8º Período
Dito isso, espera-se que, ao final, você conheça os conceitos fundamentais e categorias de
análise da Semiótica, consiga aplicar essas categorias na análise de textos verbais, não verbais e
sincréticos, dominando os mecanismos que constroem textualmente o (s) sentido (s). Mais que
isso, deseja-se que o seu percurso nesta disciplina, prezado acadêmico, seja produtivo e que o
conhecimento de Semiótica seja significativamente proveitoso na sua formação.
Os autores
10
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
Unidade 1
Primeiras noções e nível
fundamental Clebson Luiz de Brito
1.1 introdução
Prezado acadêmico, começa aqui, efetivamente, a sua caminhada pelo terreno da Semiótica.
Você terá nesta unidade acesso a uma visão geral da teoria, indispensável para a compreensão
das partes que a compõem, partes essas abordadas no transcorrer do curso.
Essa visão geral, como já lhe foi adiantado na apresentação deste material, relaciona-se à
compreensão do chamado percurso gerativo, simulacro teórico-metodológico da teoria para
descrever a geração do sentido. Compreender essa proposta geral leva a uma melhor compre-
ensão dos diferentes níveis do percurso gerativo, pois, em cada nível, o sentido se apresenta sob
uma forma, uma configuração suscetível de ser descrita pelas categorias propostas pela teoria
para aquele nível.
Uma vez conhecida a visão geral da teoria, você começará a conhecer de perto os diferentes
trechos do percurso gerativo. Você começará conhecendo e examinado o nível fundamental: pa-
tamar que apresenta o sentido sob sua forma mais elementar e abstrata.
Antes de mais nada, porém, você precisa saber de que teoria semiótica este caderno trata e
em que ela se diferencia de outras. Por isso, inicialmente você terá acesso a informações que aju-
darão a contextualizar a teoria, seus conceitos fundamentais e suas propostas.
11
UAB/Unimontes - 8º Período
Por essa razão, no âmbito geral dos estudos do discurso, a Semiótica difere das teorias que
tomam o texto primordialmente como objeto histórico e que se preocupam, sobretudo, com a
formação ideológica de que o texto é expressão, com as relações polêmicas que, numa socieda-
de dividida em classes, estão na base da constituição das diferentes formações discursivas. Vale
lembrar-lhe, porém, que a Semiótica não ignora essa dimensão do texto. Com efeito, ela procura
apenas contemplá-lo, primordialmente, como um todo de sentido dotado de uma organização
específica, privilegiando, em seu escopo, o exame dos procedimentos e mecanismos que o estru-
turam, que o tecem como uma totalidade de sentido (FIORIN, 1995).
12
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
discursivo, como você pode notar, é aquele discursiva, isto é, termos capazes de criar um Glossário
em que se preenchem, quando da enunciação, simulacro do mundo natural, como é o caso Enunciação: o ato de
estruturas narrativas abstratas e regulares com do gênero romance, gerando efeito de sentido produção do enun-
elementos mais concretos que constroem o de realidade (ou de irrealidade, se for o caso); ou ciado. Em semiótica,
discurso propriamente dito. se limitar a produzir o discurso com temas, se o esse processo implica a
Isso não é tudo. Como o discurso (enun- objetivo é discutir, explicar de forma abstrata o conversão das estru-
turas abstratas dos
ciado) é o produto de uma enunciação, você mundo, como é o caso dos discursos filosóficos. níveis fundamental e
deve levar em consideração que esta dei- Há até mesmo uma série de outras esco- narrativo em estruturas
xa marcas no enunciado que geram efeitos lhas que, assim como as anteriores, são por- discursivas.
de sentido. A instância da enunciação pode tadoras de sentido; por isso, como você pode
projetar, no discurso, a terceira pessoa (ele), ver, longe de aleatórias (pelo menos para al- Sincrético: tem a
ver com sincretismo,
criando um efeito de sentido de objetividade, guém proficiente em relação ao discurso), são que é uma junção de
uma das características do discurso jornalísti- operações destinadas, em última instância, a elementos distintos. Em
co, por exemplo; ou a primeira pessoa (eu), o levar o enunciatário a aceitar como verdadeiro semiótica, sua aplica-
que gera efeito de sentido de subjetividade. o discurso produzido. Você examinará ao lon- ção ao texto designa a
Ele pode, ainda, disseminar figuras pela cadeia go do curso essas possibilidades. existência de mais de
um plano de expressão
veiculando o sentido.
13
UAB/Unimontes - 8º Período
Glossário Dito isso, é hora de você, prezado acadêmico, conhecer de perto os diferentes níveis do
chamado percurso gerativo de sentido e o seu funcionamento. Lembre-se de que, em cada um
Sintáxico: é em- desses níveis, há um componente sintáxico e um componente semântico: respectivamente, um
pregado para tratar
de mecanismos conjunto de mecanismos que ordenam os conteúdos e os conteúdos que se investem nos arran-
que operam com jos sintáxicos (FIORIN, 2006). Há, portanto, sintaxe e semântica fundamentais, narrativas e discur-
arranjos. É equiva- sivas. Nesta unidade, você passa agora ao estudo do nível fundamental, o mais abstrato e sim-
lente a sintático, que ples do percurso gerativo.
também é usado em
Semiótica, mas que
foi preterido aqui,
a exemplo de Tatit
(2002), para evitar
confusão com a
1.5 Nível fundamental
acepção de sintaxe
da gramática norma-
tiva. A Semiótica postula a existência de uma forma elementar e abstrata como o ponto de par-
tida na geração do sentido e como base do discurso. Essa configuração do sentido é examinada
no chamado nível fundamental, que você passa agora a conhecer.
No componente semântico desse primeiro patamar, você vai observar que, subjacentes a
todo discurso, há determinadas estruturas elementares da significação (Fiorin, 2006). Já no
componente sintáxico, vai conhecer as operações abstratas que permitem apreender o discurso
na sua sucessividade.
Dicas
Nem sempre é fácil
1.5.1 Semântica fundamental: o sentido nas oposições
determinar a oposi-
ção que dá sentido No nível fundamental, a forma elementar do sentido se apresenta como uma oposição se-
ao texto, organi-
zando-o semanti- mântica: um discurso fala de /vida/ versus /morte/, /liberdade/ versus /opressão/, /identidade/
camente. Por isso, versus /alteridade/, /totalidade/ versus /parcialidade/ e assim por diante. Para examinar um texto
não fique aflito caso por esse primeiro nível do percurso gerativo, você deve, portanto, realizar um processo de abs-
pareça difícil precisar tração que permita identificar uma forma elementar do seu sentido geral.
a categoria semân- A título de exemplo, observe algumas palavras do célebre discurso sobre “A origem da desi-
tica de base numa
dada análise. Caso gualdade entre os homens”, de Rousseau:
haja dificuldade em
examinar o nível fun- A extrema desigualdade na maneira de viver, o excesso de ociosidade de al-
damental, pode ser guns, o excesso de trabalho de outros, [...] os alimentos muito requintados dos
que, para a análise ricos [...], a má alimentação do pobre [...], aí estão os funestos fiadores de que
do texto em questão, a maior parte dos nossos males são nossa própria obra e de que poderíamos
esse nível não seja evitá-los quase todos, conservando a maneira de viver simples, uniforme e soli-
tão produtivo quanto tária que nos foi prescrita pela natureza.
os demais. Aos pou- [...] Cremos que se faria com facilidade a história das doenças humanas seguin-
cos você aprenderá a do a história das sociedades civis.[...] Com tão poucas fontes de males, o ho-
eleger as categorias mem no estado natural não tem, pois, necessidade de remédios, menos ainda
mais apropriadas de médicos.
para cada caso. O primeiro que, cercando um terreno, se lembrou de dizer: “isto é meu” e en-
controu pessoas bastante simples para acreditar, foi o verdadeiro fundador da
sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassinatos, misérias e horrores não
teriam sido poupados ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas
ou tapando o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: não escutem esse im-
postor! Vocês estarão perdidos se esquecerem que os frutos são de todos e a
que a terra não é de ninguém (ROUSSEAU, s.d, p. 35).
O discurso de Rousseau se constrói tendo, por base, a categoria /natureza/ versus /civiliza-
ção/, que o resume como um todo. A tese defendida pelo filósofo suíço é a de que as desigual-
dades entre os homens derivam do próprio processo civilizatório que afastou o homem de sua
condição natural de igualdade. Você pode notar que Rousseau defende que a organização do
homem em sociedade, sobretudo pela instituição da sociedade civil, é o que o levou a uma série
de mazelas, uma vez que altera o modo de ser natural do homem.
A categoria semântica do nível fundamental, como você pode ver, apresenta uma contrarie-
dade tal, que os termos se pressupõem de forma recíproca. O sentido de /liberdade/, por exem-
plo, poderia existir sem a noção de /opressão/ ou o contrário? Lógico que não! O mesmo se dá
com oposições como /vida/ e /morte/, /liberdade/ e /opressão/, /sacralidade/ e /profanidade/, /
totalidade/ e /parcialidade/, entre outras. Ambos os termos se constituem, portanto, na relação
14
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
de contrariedade que mantêm entre si. Ao mesmo tempo, essa relação de contrariedade pressu-
põe um nexo entre os termos. Faz sentido opor /sensibilidade/ a /horizontalidade/? Não, porque
nada há em comum entre esses termos. /Masculinidade/, porém, se opõe a /feminilidade/, por-
que ambos pertencem ao domínio da sexualidade (FIORIN, 2006, p. 22).
No componente semântico do nível fun- (2011), que observou que era regular, na base
damental, além de apreender a categoria se- dos discursos analisados, a mesma categoria
mântica que está na base do discurso em aná- semântica observada no discurso de Rousse-
lise, é preciso que você observe o sistema de au: /natureza/ versus /civilização/. Neles, po-
valores em que ela se inscreve. Em todos os rém, o traço eufórico repousa sobre o termo /
discursos, um dos termos da oposição é mar- civilização/, que remete à coletividade, à nor-
cado, grosso modo, com um traço de positivi- malidade, às coerções morais que garantem a
dade e o outro, com um traço de negativida- vida dos grupos, em oposição à /natureza/, to-
de. O traço de positividade recebe o nome de mada como um negativo domínio do individu-
euforia, e o termo por ele marcado é definido alismo, da singularidade, do que é estranho e
como eufórico; o traço de negatividade, por nocivo ao “eu-tribo” (BRITO, 2011, p. 107).
sua vez, recebe o nome de disforia, e o termo Outro lembrete importante: o sistema de
por ele marcado é definido como disfórico valores estabelecido graças às marcas euforia/
(GREIMAS; COURTÉS, 2008). disforia sobre a oposição semântica de base
No fragmento do discurso de Rousseau, não pode ser confundido com a manifestação
você consegue perceber qual dos termos é da ideologia. Esta, como visão de mundo, tem
positivo e qual é negativo na categoria semân- seu espaço de manifestação privilegiado no
tica de base do texto: /natureza/ versus /civili- nível discursivo, sobretudo no seu componen-
zação/? Não é difícil ver que o primeiro termo, te semântico, pois é ali que se apreendem os
/natureza/, é tomado como eufórico (positivo) temas e as figuras que o sujeito da enunciação
e o segundo, /civilização/, como disfórico (ne- utiliza para concretizar, no seu discurso, os ele-
gativo). Como você viu, o filósofo defende que mentos abstratos do nível fundamental (FIO-
as mazelas sociais aumentam à proporção que RIN, 2006).
o homem se afasta do seu estado natural e /Liberdade/ e /dominação (opressão ou
avança no processo civilizatório. Nesse trágico coerção)/, por exemplo, podem ser concre-
progresso, a instituição da sociedade civil é um tizados pelo tema do consumo, em que o
marco negativo cujo reflexo são crimes, guerras, primeiro termo seria positivo e implicaria a
assassinatos, misérias e horrores. Ao estado de propriedade sobre um carro potente, capaz
natureza, por sua vez, o autor relaciona saúde, de levar o proprietário a todos os lugares aos
liberdade, simplicidade e igualdade. quais desejasse ir; ou podem ser concretizados
Atividades
Acerca das marcas de positividade (eufo- ainda, respectivamente, como governo demo-
ria) e negatividade (disforia), lembre-se de que crático e governo totalitário. A /liberdade/, por Exercite agora sua ca-
elas não são dadas a priori, mas se inscrevem outro lado, em discursos que valorizam a ação pacidade de abstração
e apreensão das opo-
nos discursos individuais, sob pena de erro de de governos conservadores, pode remeter à sições semânticas que
avaliação. Não se deve, por exemplo, supor bagunça, desordem, confusão, em oposição organizam os textos.
que /vida/ seja sempre um termo eufórico, po- a uma /dominação/ positiva (eufórica), enten- Segue uma sugestão:
sitivo. Como explica Fiorin (2006, p. 23), /mor- dida como ordem, regra, como explica Barros você já assistiu ao filme
te/, em um discurso que prega o valor do mar- (2003, p. 190). “Narradores de Javé”,
dirigido por Eliane Ca-
tírio – como o de muitos fundamentalistas –, A organização do nível elementar, por- ffé? Assista a esse filme
receberá o traço positivo e /vida/, o negativo. tanto, apresenta um sistema abstrato de valo- (ou veja-o de novo se
Em muitos discursos que valorizam o res; a ideologia se manifesta no nível mais su- for o caso) e procure
progresso humano, diferentemente do que perficial e concreto do percurso gerativo, pois identificar as oposições
ocorre com o discurso de Rousseau, analisa- é ali que o sujeito da enunciação concretiza os semânticas fundamen-
tais que estão na base
do anteriormente, é o termo /natureza/ que é níveis mais abstratos com temas e figuras que da história, bem como
disfórico, associado, não raro, à barbárie. Ou- expressam uma dada visão de mundo. Você o que permite identifi-
tro exemplo pode ser visto no exame de nar- verá isso na unidade 3, que tratará do nível cá-las no filme.
rativas míticas indígenas elaborado por Brito discursivo.
15
UAB/Unimontes - 8º Período
Você verá agora que toda a organização fundamental dos discursos é suscetível de uma re-
presentação lógica e abstrata no chamado quadrado semiótico. O quadrado semiótico, por isso,
é uma forma econômica, lógica e abstrata de representação do sentido.
Veja o caso do discurso de Rousseau, que apresenta a oposição semântica /natureza/ versus
/civilização/, como você já viu. Cada um desses termos pode projetar, por meio de uma operação
de negação, um outro termo que lhe é contraditório (BARROS, 2001). Isso faz com que, de /natu-
reza/, se chegue à /não natureza/ e de /civilização/ se chegue à /não civilização/, o que leva a um
total de quatro termos. Além disso, você observou que, na sucessividade do discurso de Rousse-
16 au, há uma transição de um termo a outro.
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
◄ Figura 1: Esquema
de representação do
quadrado semiótico do
discurso de Rousseau
Fonte: Elaboração própria
Soldados
Nossas meninas estão longe daqui
Não temos com quem chorar e nem pra onde ir
Se lembra quando era só brincadeira
Fingir de ser soldado a tarde inteira?
Mas agora a coragem que temos no coração
Parece medo da morte mas não era então.
Tenho medo de lhe dizer o que eu quero tanto
Tenho medo e eu sei por quê:
Estamos esperando
Quem é o inimigo?
Quem é você?
Nos defendemos tanto tanto sem saber
Por que lutar
Nossas meninas estão longe daqui
E de repente eu vi você cair
Não sei armar o que eu senti
Não sei dizer que vi você ali
Quem vai saber o que você sentiu?
Quem vai saber o que você pensou?
Quem vai dizer agora o que eu não fiz
Como explicar pra você o que eu quis
Somos soldados
Pedimos esmola
E a gente não queria lutar
E a gente não queria lutar
E a gente não queria lutar
E a gente não queria lutar
(Legião Urbana, 1985)
17
UAB/Unimontes - 8º Período
Na letra da banda de Brasília, pode-se observar a oposição /liberdade/ versus /opressão (co-
erção ou dominação)/. O primeiro termo da categoria semântica é que recebe a marca da eufo-
ria, ao passo que o segundo recebe a da disforia. Observe que a /opressão/ se revela a partir do
contexto de combate, de guerra, em que os soldados lutam sem saber por que e são submetidos
a uma realidade cruel em que a morte está constantemente presente; revela-se, porém, de forma
mais explícita na reiteração de que não se queria lutar (“E a gente não queria lutar”). Em oposição
a essa dolorosa opressão, a /liberdade/, termo eufórico, se manifesta, sobretudo, pelo que falta
aos soldados: as meninas (que estão longe), que remetem ao prazer do namoro/sexo.
Quanto às operações elementares da sintaxe fundamental, pode-se observar, novamente,
um percurso disforizante. Veja que há uma anterior e pressuposta afirmação da /liberdade/, pois,
no texto, há uma referência a um tempo em que ser soldado era só brincadeira, um agradável
fingimento de criança. Com a imposição dos soldados aos horrores de uma guerra de que eles
não queriam participar, há a negação da /liberdade/ e a afirmação da /opressão/. Representando
tudo isso no quadrado semiótico, veja como ficaria:
Figura 2: Esquema ►
de representação do
quadrado semiótico da
letra de Soldados
Fonte: Elaboração própria.
18
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
O discurso expresso, nesse texto, por um plano de expressão predominantemente visual se Atividades
organiza a partir da categoria semântica de base: /identidade/ versus /alteridade/. O texto, em Para praticar o exame
que as cores são determinantes para o sentido, expressa o termo /alteridade/, sobretudo, como do nível fundamental,
diferenças raciais. Esse termo é, por isso, o termo disfórico, pois o discurso apela ao sentimento vá ao endereço eletrô-
de unidade nacional, tomando, como positivo, o termo /identidade/. nico: <http://www.se-
Como se observa isso? Inicialmente, considere que a questão racial poderia levar muitos nado.gov.br/atividade/
pronunciamento/Deta-
americanos, de maioria branca, a não se verem representados pelo então candidato democra- lhes.asp?d=388285> e
ta, um homem negro. Você pode pressupor, por isso, uma afirmação da /alteridade/, entendida leia o texto disponível.
como diferenças raciais. Aí entra a força do texto em questão. O discurso contido na figura nega Trata-se de um discurso
(no sentido da operação sintáxica de negação, apenas) a /alteridade/ e promove a posterior afir- do Senador pelo
mação da /identidade/ quando pinta o negro Obama com as cores da bandeira norte-americana. Espírito Santo, Magno
Malta. Após ler o texto,
Veja que Obama é, assim, legitimado como representante da sociedade norte-americana como procure responder: O
um todo, pois as diferenças raciais são, no discurso analisado, suplantadas pela identidade na- que ele tem de comum
cional. Essa é a organização fundamental que está na base desse poderoso e persuasivo discurso e diferente com a
em favor do sentimento de unidade americana em torno de Obama. imagem de Obama?
Explore o máximo de
elementos observado
nesta unidade.
Referências
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. 3. ed. São Paulo:
Humanitas; FFLCH/USP, 2001.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Estudos do discurso. In: FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à Lin-
güística – II. Princípios de análise. São Paulo: Contexto, 2003, p. 187-219.
BERTRAND, Denis. Caminhos da Semiótica literária. Trad. Grupo Casa. Bauru: EDUSC, 2003.
BRITO, Clebson Luiz de. Outras harmonias insuspeitas: um estudo da (in)variabilidade discursi-
va em mitos indígenas à luz da Semiótica francesa. 2011. 116f. Dissertação (Mestrado em Linguís-
tica do Texto e do Discurso) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Letras, Belo
Horizonte, 2011.
FIORIN, José Luiz. A noção de texto em Semiótica. Organon, Porto Alegre, v. 9, n. 23, p. 163-173,
1995.
FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2006.
FIORIN, José Luiz. Enunciação e Semiótica. Santa Maria: Letras (Santa Maria), v. 33, 2007a, p. 69-
97. Disponível em <http://w3.ufsm.br/revistaletras/artigos_r33/revista33_6.pdf> Acesso em 20
ago. 2011.
FIORIN, José Luiz. A Semiótica Discursiva. In: LARA, Glaucia M. P.; MACHADO, Ida Lucia; EMEDIA-
TO, Wander (orgs.). Análises do Discurso Hoje. v. 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, p. 121-
144.
GREIMAS, Algirdas Julien; COURTÉS, Joseph. Dicionário de Semiótica. São Paulo: Contexto,
2008.
LEGIÃO URBANA. Soldados. In: Idem. Legião urbana. Rio de Janeiro: EMI Music do Brasil, 1985.
TATIT, Luiz. A abordagem do texto. In: FIORIN, José Luiz (org.). Introdução à Linguística I: Obje-
tos teóricos. São Paulo: Contexto, 2002. p. 187-209.
TITÃS. Comida. In: Idem. Jesus não tem dentes no país dos banguelas. Rio de Janeiro: WEA,
1987.
19
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
Unidade 2
Nível narrativo Letícia de Souza Peixe
2.1 Introdução
Você começa agora a estudar o nível narrativo do percurso gerativo de sentido, o qual,
como vale lembrar, consiste em uma sucessão de níveis, que vão do mais simples e abstrato ao
mais complexo e concreto, passando-se por um “processo de enriquecimento semântico” (FIO-
RIN, 1995, p. 164), no qual o primeiro nível é concretizado pelo segundo, que, por sua vez, é con-
cretizado pelo terceiro e último.
No nível narrativo, ocorre a concretização das categorias semânticas do nível fundamental,
que você estudou na Unidade 1. Ou seja, os valores abstratos e virtuais desse nível são atuali-
zados, assumidos por um sujeito na sua relação com um dado objeto (que se torna, assim, um
objeto-valor ou Ov). Constrói-se, dessa forma, um simulacro da ação do homem no mundo.
Nessa passagem, as operações lógicas fundamentais convertem-se em transformações nar-
rativas operadas por um sujeito; as categorias semânticas de base tornam-se valores do sujeito
inscritos nos objetos com os quais ele se relaciona; e as determinações do sistema abstrato de valores
do nível fundamental (traços de euforia e disforia) convertem-se em modalizações que modificam as
ações e os modos de existência do sujeito e suas relações com os valores (BARROS, 2003).
21
didos se esquecerem que os frutos são de todos e a que a terra não é de ninguém
(ROUSSEAU, s. d, p. 35, grifo nosso).
UAB/Unimontes - 8º Período
Como exemplo, observe a parte final do discurso. Nela, o sujeito “homem”, especificamente
o primeiro a se autointitular dono de um terreno, obteve o objeto “propriedade”, enquanto as
demais pessoas, que também desempenham papel subjetivo, passam, simultaneamente, a não
dispor do objeto “propriedade”.
Perceba, prezado acadêmico, que os termos /natureza/ e /civilização/ são, assim, atualiza-
dos: o primeiro, na relação das demais pessoas que não possuem propriedades, estado, segundo
Rousseau, natural do ser humano; o segundo, na relação do “verdadeiro fundador da sociedade
civil”, que se apossou de uma propriedade, dando início à civilização.
Como cada nível é composto por uma semântica e uma sintaxe, em que a semântica é en-
tendida como os conteúdos investidos nos arranjos sintáxicos, e a sintaxe, como um conjunto de
mecanismos que ordena os conteúdos, você passa agora ao estudo da semântica narrativa e da
sintaxe narrativa, como fez no exame do nível fundamental.
S¹ (homem) U Ov (propriedade)
U = disjunção
O sujeito “homem”, entretanto, transforma seu estado, operando ele mesmo a transforma-
ção ao, cercando um terreno, se lembrar de dizer: “isto é meu”. Note que, com isso, ele passa a
atuar como sujeito de fazer, alterando a junção do sujeito de estado, ele próprio, com os valores
expressos pelo objeto, por meio da apropriação:
PN = F (apropriação)
[S¹ (homem) → (S² (homem) ∩ Ov (propriedade))]
F = função
→ = transformação
∩ = conjunção
Glossário É importante salientar que só com a transformação operada pelo S¹ (homem) é que efeti-
vamente constitui-se o objeto “propriedade”. Note que, de acordo com Rousseau, foi a partir do
Programa narrativo
(PN): sintagma elemen- momento em que o “verdadeiro fundador da sociedade civil” apropriou-se de um terreno e afir-
tar da sintaxe narrativa mou ser ele seu que se estabeleceu a propriedade, até então inexistente, pela oposição do direi-
que ocorre quando to de um frente ao dever dos outros de não o afrontar.
um enunciado de fazer No exemplo dado, tem-se um programa narrativo – ou PN –já que, nesse caso, o enuncia-
rege um enunciado de do de fazer é um enunciado modal, aquele que rege ou “modaliza” um enunciado descritivo, que,
estado.
em um programa narrativo, é o enunciado de estado.
22
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
Uma sequência de PNs, por sua vez, caracteriza o percurso narrativo. Os actantes sintáxi-
cos, sujeito de estado, sujeito de fazer e objeto, presentes no PN, são redefinidos como papéis
actanciais no âmbito do percurso narrativo, transformando-se, no último nível da hierarquia das
unidades sintáxicas – o esquema narrativo –, em actantes funcionais, como você pode observar
no quadro abaixo:
QUADRO 1
Esquema Narrativo
Note que uma narrativa centra-se, portanto, na transformação de estado entre sujeito e ob-
jeto, tendo, como unidade operatória básica, o PN (LARA, 2004). O esquema narrativo canônico
compreende quatro fases ou quatro PNs (organizados em três percursos – o da manipulação, o
da ação e o da sanção) que se encadeiam, podendo alguma(s) dessas fases estar pressuposta(s).
O que caracteriza cada um desses PNs apontados?
O primeiro PN é o de manipulação (o fazer-fazer). Nele, um sujeito leva outro a /querer/ e/
ou a /dever/ praticar uma ação, constituindo-se, dessa forma, no percurso do destinador-mani-
pulador. São quatro os tipos de manipulação mais recorrentes:
Talvez um dos exemplos mais claros que ilustram os tipos de manipulação em língua por-
tuguesa e, provavelmente, o mais trabalhado é aquele que retrata uma mãe tentando fazer com
que seu filho coma, empregando, para tanto, as diversas formas de manipulação:
23
UAB/Unimontes - 8º Período
Nela, você pode notar que o Rato está inicialmente em conjunção como o objeto-valor
“medo”, do qual quer se ver em disjunção. Tem-se, portanto, um enunciado de estado que pode
ser assim representado:
S¹ (Rato) ∩ Ov (medo)
Todavia, um Mágico que o Rato conhece oferece-se para ajudá-lo, realizando, para tanto,
um PN de competência, em que dota o Rato de um valor modal /poder/, quando “transformou-o
exatamente naquilo que ele mais temia e achava mais poderoso sobre a terra – um Gato”, para
que o mesmo entre em disjunção com o objeto-valor “medo”.
Ov = Objeto-valor
Note que ocorre, desse modo, uma doação, em que um sujeito de fazer (S¹) confere, a um
sujeito de estado (S²), um objeto-valor; transformação essa realizada por atores diferentes, no
caso, o Mágico e o Rato.
Além da doação, o programa de aquisição pode se dar também por meio de renúncia, na
qual o sujeito de fazer (S¹) possibilita que o sujeito de estado (S²) entre em disjunção com um
objeto-valor, sendo o sujeito de fazer e o sujeito de estado realizados pelo mesmo ator.
A espoliação, por sua vez, ocorre quando o sujeito de fazer (S¹), realizado por ator diferente do
sujeito de estado, faz com que o sujeito de estado (S²) entre em disjunção com um objeto-valor.
Na apropriação, o sujeito de fazer (S¹), representado pelo mesmo ator do sujeito de estado
(S²), torna possível sua conjunção com o objeto-valor.
24
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
Quanto à fábula de Millôr Fernandes, perceba que, apesar de o Rato ter entrado em con-
junção com o valor modal /poder-fazer/, por meio da transformação perpetrada pelo Mágico, o
mesmo não aconteceu com o valor modal /saber-fazer/. Mesmo transformando o Rato nos ani-
mais que mais temia, o Mágico não lhe forneceu um /saber-fazer/ que o possibilitasse empregar
o objeto-valor modal que lhe foi doado, /poder-fazer/, com o objetivo de entrar em disjunção
com o objeto-valor “medo”.
A descrição que você observou é a de um programa narrativo complexo, formado por um
programa narrativo de base, a transformação do estado inicial do Rato de conjunção com o
objeto-valor “medo” para o estado de disjunção; e por um programa de uso, pressuposto ne-
cessário para que isso ocorra, na fábula, o auxílio do Mágico, que transformaria o Rato em um
animal temível.
Já a última fase do esquema narrativo consiste no PN de sanção (o ser-ser), em que se tem o
percurso do destinador-julgador. A sanção implica duas operações: uma cognitiva e outra prag-
mática. O que as diferencia e como elas funcionam?
A primeira operação, a cognitiva, é a constatação da ocorrência (ou não) da ação, conforme
o acordo estabelecido com o destinador-manipulador, culminando, portanto, no reconhecimen-
to do “herói” ou no desmascaramento do “vilão”.
Nela, “o destinador interpreta os estados resultantes do fazer do sujeito, definindo-os como
verdadeiros (que parecem e são), falsos (que não parecem e não são), mentirosos (que parecem
e não são) ou secretos (que não parecem e são)” (BARROS, 2001, p. 40). Para entender melhor,
releia apenas este fragmento do mesmo texto de Millôr Fernandes e observe a análise posterior:
Mas o nosso ratinho, guindado assim a letra O da classe animal, passou, porém,
a recear quando ouvia passos de Caçador. Então o Mágico chegou, transfor-
mou-o de novo num Rato e disse, alto e bom som:
Moral: Meu filho, quem tem coração de rato, não adianta ser leão.
Na história, o sujeito Rato sofre sanção cognitiva, já que o Mágico constata que a verdadei-
ra transformação, o programa de base no qual o Rato entraria em disjunção com o objeto-valor
“medo”, não ocorreu. Interpreta, portanto, o estado a que o sujeito Rato chegou, a conjunção
com o objeto-valor modal /poder-fazer/ e a disjunção com o /saber-fazer/, e o define como men-
tiroso, pois, apesar de parecer, o Rato não é um leão, o qual não teme ninguém.
A segunda forma de sanção, a pragmática, implica a retribuição; seja ela positiva, a premia-
ção, ou negativa, o castigo.
Voltando ao texto usado como exemplo, você pode perceber que o Rato é também sancio-
nado de forma pragmática pelo Mágico ao ser transformado novamente em Rato, função inter-
pretada de maneira negativa de acordo com a ideologia veiculada pela narrativa, a qual depende
do sentido do percurso narrativo realizado (BARROS, 2005). Você verá melhor essa questão da
ideologia no nível discursivo, na Unidade 3.
No quadro a seguir, você visualizará sinteticamente o esquema narrativo canônico descrito,
constituído dos três percursos – o da manipulação, o da ação e o da sanção – e dos PNs que os
constituem:
QUADRO 2
Esquema narrativo canônico
25
UAB/Unimontes - 8º Período
Cabe lembrar-se, prezado acadêmico, que muitas fases podem ficar ocultas e devem ser,
portanto, pressupostas em uma narrativa. Além disso, muitas delas não se realizam completa-
mente, enquanto outras podem, ainda, relatar, preferencialmente, somente uma das fases (FIO-
RIN, 2006).
A sintaxe, que você estudou anteriormente, é mais autônoma do que a semântica, já que a
relação sintáxica pode receber diversos investimentos semânticos.
O componente semântico do nível narrativo, dessa maneira, ocupa-se da modalização, que
pode ser de dois tipos: a modalização pelo /ser/ e a modalização pelo /fazer/, que se referem,
respectivamente, ao sujeito de estado (na sua relação com o objeto-valor) e ao sujeito de fazer
(conforme viu-se acima, na descrição dos PNs). Observe o quadro 3:
QUADRO 3
Modalizações de /ser/ e /fazer/
Assim, o sujeito manipulado, ou seja, aquele que detém um /querer/ e/ou um /dever-fazer/
é um sujeito virtual (ou virtualizado); o que adquire um /saber/ e um /poder-fazer/, referentes à
competência, é um sujeito atualizado. Porém, apenas depois de realizada a performance, é que o
sujeito se torna realizado. Você pode visualizar isso no quadro 4.
26
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
QUADRO 4
Modalizações do sujeito
◄ Figura 4: Modalizações
veridictórias
Fonte: BARROS, 2001, p. 55
Para compreender melhor a modalização veridictória, tome como exemplo o livro “Harry
Potter e a pedra filosofal”, de J.K. Rowling. Nele, o menino Harry Potter, então com onze anos,
descobre-se bruxo ao ser informado disso por Hagrid, um meio-gigante que trabalha na esco-
la de bruxaria de Hogwarts, na qual Harry é convidado a ingressar. A seguinte passagem ilustra
uma fala de Hagrid ao ser confrontado com a descrença do menino frente à revelação. Veja:
27
UAB/Unimontes - 8º Período
- Não é bruxo, hein? Nunca fez nada acontecer quando estava apavorado ou
zangado?
Harry olhou para o fogo. Pensando bem... cada coisa estranha que deixara os
seus tios furiosos tinha acontecido quando ele, Harry estava perturbado ou
com raiva... perseguido pela turma de Duda, pusera-se de repente fora do seu
alcance, receoso de ir para a escola com aquele corte ridículo, conseguira fazer
os cabelos crescerem de novo, e da última vez que Duda batera nele, não fora à
forra sem perceber que estava fazendo isto? Não mandara uma cobra atacá-lo?
Harry olhou para Hagrid, sorrindo, e viu que ele ria abertamente para ele (RO-
WLING, 2000, p. 54).
Analisando esse trecho pelo viés da modalização veridictória, você pode perceber que Har-
ry, por não se saber bruxo, passa do segredo (pois é, mas não parece bruxo) à verdade (é e pa-
rece bruxo), a partir do momento em que se descobre como tal. É essa busca pela verdade que
dá o tom a toda a primeira parte da narrativa, pois nela Harry Potter mostra-se desconfortável
e deslocado no mundo onde vive. Descobre-se posteriormente que a razão dessa inadequação
é justamente o segredo que os tios de Harry, com os quais o garoto, por ser órfão, mora, escon-
dem: sua origem mágica. Com essa revelação, o menino pode, enfim, reconhecer-se como bruxo
(manifestação/parecer), algo que, na verdade, sempre fez parte da sua natureza (imanência/ser)
(PEIXE, 2009, p. 44).
Sobredeterminando a modalização pelo /ser/ e pelo /parecer/, tem-se a modalidade do /
crer/. Assim sendo, o enunciado de estado é certamente verdadeiro quando se articulam /crer-
-ser/ e /parecer/; é provavelmente verdadeiro quando conjuga /não-crer-não-ser/ e /não-crer-
-não-parecer/; certamente falso quando coordena /crer-não-ser/ e /não-parecer/, bem como o
falso incerto conjuga /não-crer-ser/ e /crer-não-parecer/ (BARROS, 2001, p. 57). Você pode ver as
relações de certeza, impossibilidade/exclusão, probabilidade e incerteza representadas a seguir:
Figura 5: Modalidades ►
do /crer/
Fonte: BARROS, 2001, p. 57
28
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
Você deve ter imaginado, nesse caso, que a amizade de alguém que se diz importante se-
ria um valor desejável para o protagonista da história, já que todo novo aluno quer ser aceito,
no meio escolar, por seus semelhantes. O que explica, então, sua negativa? Harry, no seu fazer
interpretativo, toma Malfoy como certamente falso (/crer-não-ser/ e /não-parecer/) ou como pro-
vavelmente falso (/não-crer-não-ser/ e /não-parecer/), não se deixando manipular e, consequen-
temente, renegando o contrato de amizade proposto. Não realiza, assim, a performance que Mal-
foy dele espera: apertar sua mão (o que indicaria aceitá-lo como amigo), pois Harry não apenas /
quer/, mas /sabe/ e /pode/ (competência) decidir por si só quem é ou não confiável e, portanto,
digno de amizade (o que ele fará durante sua estadia em Hogwarts).
Já a modalização pelo /querer/, /dever/, /poder/ e /saber/ ser “incide especificamente sobre
os valores investidos nos objetos” (LARA, 2004, p. 72), tornando-os desejáveis, proibidos, necessá-
rios etc e gerando, dessa forma, efeitos passionais no/sobre o sujeito (de estado).
Note que uma espada é necessária ou desejável, por exemplo, para um príncipe de um con-
to de fadas, já que modalizada pelo /poder/ matar o dragão e, com isso, resgatar a princesa. O
mesmo ocorre em uma caça ao tesouro, na qual o mapa representa a modalização do /saber/,
tornando-se, assim, necessário à descoberta do tesouro.
O que o estudo dessa modalização significou? A partir da modalização do ser surgiu a Se-
miótica das Paixões, segundo a qual as paixões são “efeitos de sentido de qualificações modais,
que, na narrativa, modificam a relação do sujeito com os valores” (BARROS, 2005, p. 88).
As paixões simples ou paixões de objeto resultam de um arranjo modal da relação sujei-
to-objeto, na qual o sujeito está em conjunção ou disjunção com o objeto, resultando da modali-
zação pelo /querer-ser/. Veja alguns exemplos de paixões simples:
QUADRO 6
Paixões simples
29
UAB/Unimontes - 8º Período
Observe que, nessa passagem, está retratada a primeira paixão simples da narrativa, a curio-
sidade (querer-saber), sem a qual os sujeitos não teriam obtido as informações necessárias para
descobrir o mistério que envolvia a Pedra Filosofal e salvá-la do mal. Essa é uma característica
marcante das crianças, recorrente em muitos contos de fadas, cujos protagonistas são jovens,
por exemplo, em “João e Maria”, em que duas crianças, por curiosidade, embrenham-se na flores-
ta e ficam perdidas:
Era uma vez um menino chamado João e sua irmã Maria, que moravam em
uma casa perto da floresta.
Um dia, sua mãe pediu que fossem buscar galhos secos para acender o fogo.
Não precisavam trazer muitos, apenas o bastante para acender a lareira.
- Não vão muito longe. Os galhos que temos aqui perto já servem, não vão se
perder por aí...
- Pode deixar, mamãe, vamos voltar logo!
E lá se foram os dois procurar gravetos secos por ali, entre várias brincadeiras.
Não queriam ir longe, mas estavam tão curiosos com a floresta que resolveram
arriscar só um pouquinho.
Maria teve uma idéia genial: foi marcando todo o caminho, para saber por
onde voltar: assim não iriam se perder. E brincaram à vontade.
Já estava querendo escurecer quando resolveram voltar. Maria foi logo procu-
rando os pedacinhos de pão que deviam estar marcando o caminho, mas...
Os passarinhos que moravam ali estavam achando ótimo aquele lanchinho, e
não deixaram nem um miolinho de pão sobrar. Não havia como achar o cami-
nho de volta para casa. A idéia de marcar o caminho tinha sido ótima, mas não
com pedacinhos de pão.
Fonte: <http://feijo.com/~flavia/joaoemaria.html>. Acesso em 23 set. 2011.
Outra paixão que você pode observar na trama é a ambição ou cobiça, que move Lord Vol-
demort na busca, incansável e desmedida, pela Pedra Filosofal. Enquanto, em “Harry Potter e a
Pedra Filosofal”, a curiosidade recebe uma conotação positiva (nem sempre é assim nos contos
de fadas, como é o caso de “João e Maria”), a ambição ou cobiça é desvalorizada.
Veja a seguir uma conversa entre Harry Potter e o centauro Firenze, criatura mágica que vive
na floresta próxima a Hogwarts; nela se esclarecem as intenções de Lord Voldemort, e, conse-
quentemente, a paixão que perpassa seu percurso, a ambição, também chamada de cobiça:
30
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
- É - concordou Firenze -, a não ser que ela precise se manter viva o tempo sufi- Para saber mais
ciente para beber outra coisa, algo que vai lhe devolver a força e o poder totais,
algo que significa que jamais poderá morrer. Sr. Potter, o senhor sabe o que é Você pode aprofundar
que está escondido na sua escola neste momento? na análise das mo-
- A Pedra Filosofal! É claro, o elixir da vida! Mas não percebo quem... dalizações e estados
- Não consegue pensar em ninguém que tenha esperado muitos anos para re- passionais por meio de
tomar o poder, que se apegou à vida, esperando uma chance? uma obra importantís-
Foi como se uma mão de ferro de repente apertasse o coração de Harry. Aci- sima: “Semiótica das
ma do farfalhar das árvores, ele parecia ouvir mais uma vez o que Hagrid lhe paixões”, de Algirdas
contara na noite que se conheceram: “Uns dizem que ele morreu. Bobagem, Julien Greimais e
na minha opinião. Não sei se ele ainda teria bastante humanidade para morrer” Jacques Fontanille. O
(ROWLING, 2000, p. 222-223). estudioso da área não
pode deixar de lê-la.
Você viu, nos exemplos anteriores, casos de paixões simples ou paixões de objeto. O ou-
tro grupo de paixões apontado anteriormente, como você deve lembrar, caracteriza-se por
envolver um percurso.
O estado inicial das paixões complexas é a espera, que pode ser simples ou fiduciária. Na Atividades
espera simples, o sujeito deseja estar em conjunção ou em disjunção com um objeto-valor, mas não Utilizando o que você
quer ser o sujeito de fazer responsável pela transformação. A espera fiduciária, por sua vez, baseia-se aprendeu nesta uni-
na confiança, já que “o sujeito do estado pensa poder contar o sujeito do fazer para realizar suas espe- dade, analise o poema
“O pato”, de Vinícius de
ranças ou direitos, ou seja, atribui ao sujeito do fazer um /dever-fazer/” (BARROS, 2001, p. 64). Moraes, disponível em
Uma vez que você conheceu o nível narrativo, bastante complexo e cheio de categorias, <http://www.vagalume.
lembre-se, prezado acadêmico, do que lhe foi dito anteriormente: ao estudar um texto, você não com.br/vinicius-de-
precisa se ater a todos os níveis e componentes do percurso gerativo de sentido com igual in- -moraes/o-pato-pateta.
teresse e profundidade; deve, ao contrário, aprofundar-se no nível e/ou no componente que se html>, e descreva os
percursos narrativos
mostra mais proeminente, de acordo com a particularidade desse texto específico. nele contemplados. Em
seguida, elabore um
esquema e envie-o para
Referências
seu tutor.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. 3. ed. São Paulo:
Humanitas; FFLCH/USP, 2001.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Estudos do discurso. In: FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à Lin-
güística – II. Princípios de análise. São Paulo: Contexto, 2003, p. 187-219.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria Semiótica do texto. 4. ed. São Paulo: Ática, 2005.
FERNANDES, Millôr. Fábulas fabulosas – O Rato que tinha medo (A maneira dos … Marroqui-
nos)? Disponível em: <http://umaraposanaestrada.blogspot.com/2011/08/fabulas-fabulosas.
html> Acesso em 23 set. 2011.
FIORIN, José Luiz. A noção de texto em Semiótica. Organon, Porto Alegre, v. 9, n. 23, p. 163-173,
1995.
FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2006.
LARA, Glaucia M. P. O que dizem da língua os que ensinam a língua: uma análise Semiótica do
discurso do professor de português. Campo Grande: Ed. UFMS, 2004.
PEIXE, Letícia de Souza. Harry Potter e a pedra da narrativa. 2009. Dissertação (Mestrado em
Linguística do Texto e do Discurso) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Letras,
Belo Horizonte, 2009.
ROWLING, J. K. Harry Potter e a pedra filosofal. Tradução Lia Wyler. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
31
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
Unidade 3
Nível discursivo, a realização do
sentido
Clebson Luiz de Brito
3.1 Introdução
O nível discursivo do percurso gerativo de sentido é o patamar que abriga as estruturas mais
próximas da superfície do texto. Estas nada mais são do que o resultado da conversão, em discur-
so, das estruturas Semióticas mais abstratas, como você já sabe. Você se lembra de que o sentido
parte de uma forma elementar e mais abstrata no nível fundamental e em seguida configura-
-se como uma organização narrativa abstrata no nível das estruturas narrativas. Esses dois níveis
você já estudou. Agora você estudará o nível em que o sentido apresenta sua face mais concreta
e complexa.
Como nos níveis anteriores do percurso gerativo, o nível das estruturas discursivas apresen-
ta uma gramática autônoma por meio da qual se pode apreender o sentido, agora em sua feição
mais concreta, superficial e complexa. Há, assim, vale lembrar, tanto uma sintaxe quanto uma se-
mântica discursiva, a exemplo dos patamares já estudados. Primeiro você estudará o componen-
te sintáxico do discurso e, em seguida, o componente semântico.
É importante você ter isso em mente porque alguns efeitos de sentido derivam das relações
de aproximação/distanciamento do enunciado com a instância da enunciação, o que se obtém
pelos mecanismos de debreagem e embreagem.
As debreagens enunciativas de pessoa, espaço e tempo são aquelas que projetam, no enun-
ciado, o eu/aqui/agora da enunciação. Com elas o enunciado simula a enunciação propriamente
dita, que você viu que é sempre pressuposta em relação ao enunciado. Que efeitos isso gera?
Sobretudo, efeitos de sentido de subjetividade. Trata-se do que, em Semiótica, chama-se enun-
ciação-enunciada. A esta se opõe o que se denomina enunciado-enunciado, que se obtém pela
projeção no discurso de um ele/lá/então. Essa projeção é resultado da debreagem enunciva de
pessoa, espaço e tempo. Veja que, nesse caso, cria-se um distanciamento da enunciação que
gera efeitos de sentido de objetividade.
Veja agora, prezado acadêmico, um exemplo de análise das projeções da enunciação no
fragmento de um discurso do Senador Magno Malta, do PR do Espírito Santo.
Note que esse fragmento é um exemplo de unidade discursiva criada com o mecanismo da
debreagem enunciativa. Trata-se de um discurso em que o parlamentar, como enunciador, colo-
ca-se contra algumas estratégias e materiais que seriam empregados nas escolas brasileiras com
o objetivo de promover a tolerância em relação à diversidade sexual. Ele projeta um eu/aqui/
agora da enunciação no enunciado que leva a um efeito de sentido de subjetividade. É com esse
recurso que o parlamentar procura convencer o auditório a aceitar o seu discurso como fruto de
uma avaliação pessoal e crítica.
Perceba, prezado acadêmico, que a enunciação-enunciada é um recurso do enunciador na
sua intenção de persuadir o outro, o enunciatário. A subjetividade, por isso, é um efeito de senti-
do das debreagens enunciativas, em vez de um fato propriamente dito.
Lara (2004) oferece um exemplo didático a esse respeito, que vale a pena você conhecer. A
autora analisou, por meio de um questionário, o discurso dos professores de português sobre o
ensino de Língua Portuguesa e sobre a própria língua. Ela observou, em perguntas que pediam
uma visão pessoal e crítica acerca do assunto, a predominância da enunciação-enunciada, que
gera, como você já viu, efeito de sentido de subjetividade. Essa subjetividade, entretanto, encon-
trava-se apenas no nível da aparência, já que, de maneira geral, o conteúdo básico dos textos
era praticamente o mesmo. Isso porque a autora percebeu que o discurso dos professores estava
impregnado de um discurso tradicionalista, que toma a língua a partir, predominantemente, da
questão da correção (/certo/ versus /errado/), e do discurso do senso comum, que, por exemplo,
toma a Língua Portuguesa como difícil, complexa (LARA, 2004).
Depois de ver um caso de enunciação-enunciada, veja agora um texto que representa um
caso de enunciado-enunciado, resultado de debreagens enuncivas.
34
zoológico”.
Folha.com 01/06/2010
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
Figura 6: Níveis ►
enunciativos
Fonte: BARROS, 2001, p. 75
Barros (2001) utiliza o termo desembreagem em lugar de debreagem, como você pode ver
no esquema apresentado. O conceito, no entanto, é o mesmo. Você continuará a ver, neste traba-
lho, o uso de debreagem, pelo fato de ser o termo mais usual na literatura semiótica.
Por fim, vale ressaltar que, no discurso indireto, não ocorre a debreagem interna, pois a fala
dos atores é incorporada à do narrador. Em relação a essa unidade discursiva, Fiorin (2006, p. 67 e
68) propõe que se distingam duas possibilidades: uma em que se procura enfatizar o conteúdo, o
dito, de forma “objetiva”, chamada variante analisadora do conteúdo, e outra em que se ressaltam
elementos da expressão de modo a caracterizar o autor do discurso que se recria, chamada va-
riante analisadora da expressão.
36
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
Você deve considerar ainda a questão aspectual, que envolve os tempos verbais e que torna
o seu sentido ainda mais rico conforme o contexto. Note que o presente do indicativo pode re-
vestir-se de um valor aspectual de pontualidade, quando o acontecimento expresso pelo verbo
não se prolonga, como em “um raio risca o céu”. Esse tempo pode, do mesmo modo, indicar tam-
bém um acontecimento que se prolonga, isto é, um acontecimento marcado pela duratividade,
como o enunciado 1. Ele pode expressar ainda uma iteratividade (repetição), como em “vou ao
cinema aos domingos”, quando o acontecimento se repete ou é habitual. O mesmo presente do
indicativo pode indicar ainda atemporalidade – sendo chamado presente gnômico ou omnitem-
poral –, quando ajuda a expressar uma ideia que se quer ter como verdade, independentemente
do tempo e do lugar; esse é o caso do presente nos provérbios e nas máximas científicas. Repare:
“a terra gira em torno do sol”; “quem tudo quer nada tem”.
Já os tempos enuncivos ancorados em marcos referenciais do passado são quatro. Os que
expressam concomitância em relação ao MR são o pretérito perfeito 2 e o pretérito imperfeito.
Repare, nos exemplos 4 e 5, que ambos se distinguem apenas pelo valor aspectual: pontual, aca-
bado, no caso do primeiro; durativo, inacabado, no caso do segundo. A anterioridade em relação
ao MR é marcada, por sua vez, pelo mais-que-perfeito: tanto na sua forma simples, hoje mais li-
terária, quanto na forma composta. Veja isso no exemplo 6. Por fim, a posterioridade em relação
ao MR é marcada pelo futuro do pretérito simples e composto, conforme você pode observar no
exemplo 7 (FIORIN, 2006, p. 61).
O que esse sistema apresenta de especial? Observe que o sistema do pretérito, descrito nas
linhas anteriores, é, por excelência, o conjunto de tempos da narração, pois a história, via de re-
gra, precede o ato de narrar, como explica Fiorin (2006). O autor lembra que o narrador pode
até simular a concomitância da história com o ato de narrar. Esse é o caso de, por exemplo, uma
narração de futebol (“Vágner Love vai levando a bola, passa por um, passa por dois [...]”). Isso,
porém, tem a ver com a embreagem, recurso que, como você verá à frente, neutraliza as diferen-
ças entre os tempos, pessoas e espaços enunciativos e enuncivos. Há ainda o caso das narrativas
proféticas, em que os acontecimentos narrados são vistos como posteriores à narração ( FIORIN,
2006, p. 63-64). Como você pode notar, são casos especiais, pois o sistema do pretérito é o con-
junto de tempos condizentes com a narração.
Outra questão que merece ser realçada é que, como você pode observar nas explicações e
exemplos apresentados, o tempo classificado pelas gramáticas tradicionais como pretérito per-
feito é, na verdade, uma forma que compreende dois tempos, um enunciativo e um enuncivo.
Você deve ter reparado o uso de números para distingui-los, o mesmo que faz Fiorin (2006, p. 61-
62). Observe bem a diferença: o pretérito perfeito 1 é aquele que indica uma anterioridade (não
concomitância) em relação ao MR, que coincide com o próprio presente da enunciação (ME). Se
37
UAB/Unimontes - 8º Período
você afirma: “estudei como um louco”, dá a entender que o ato de estudar ocorre em algum pon-
to anterior ao momento da enunciação. Por isso, esse tempo é enunciativo. Se por outro lado
você comenta: “em 2002, o Brasil conquistou o penta campeonato de futebol”, você usa um MR
inscrito no enunciado: 2002, e a conquista da seleção é concomitante com esse marco tempo-
ral ou com esse MR. Nesse caso, você deve considerar a forma verbal “conquistou”, no enunciado
apresentado, como um caso de tempo enuncivo, um exemplo do pretérito perfeito 2.
Você sabia que no francês, por exemplo, isso é diferente? Essa língua dispõe de formas dis-
tintas para expressar esses dois tempos: o tempo enunciativo é expresso pelo passé composé, en-
quanto o enuncivo, pelo passé simple.
Considere agora os tempos enuncivos do sistema do futuro, isto é, os tempos que usam
um MR futuro. Esse sistema é mais complicado de apreender a princípio porque não apresenta,
no português, formas específicas, precisando ser distinguidos no contexto. Como os nomes dos
tempos não apresentam correspondências com a gramática tradicional, observe atentamente as
relações explicadas a seguir para compreendê-las.
O presente do futuro, que você pode observar no exemplo 8, é o tempo da concomitância
do fato em relação ao MR; a realização da reunião ocorre no dia usado como marco de referência
futuro, 30 de março. Futuro do futuro e o futuro anterior são os nomes dados aos tempos da não
concomitância. O primeiro expressa uma posterioridade em relação ao MR; veja que, no exemplo
9, o ato de enviar é posterior ao recebimento, que serve como marco temporal futuro. O segun-
do, por sua vez, expressa uma anterioridade em relação ao MR; note que, no exemplo 10, o termi-
no do trabalho é futuro, mas ele ocorre antes do termino do ano, marco temporal futuro usado
como referência.
Como você deve ter notado, Todos esses tempos são expressos pela forma denominada, nas
gramáticas tradicionais, como futuro do presente simples, sendo o futuro anterior expresso pela
forma composta.
Encerrando o exame da categoria de tempo, o que se pode falar dos advérbios temporais?
Estes também indicam relações de aproximação/afastamento com a enunciação, sendo, portan-
to, enunciativos ou enuncivos.
Veja que, no caso dos enunciativos, enquadram-se advérbios e locuções adverbiais como
“hoje”, “amanhã”, “ontem”, “há duas semanas”, “daqui a três meses”. É possível compreendê-los
sem confrontá-los com o próprio instante da enunciação? Você pode notar que não. “Amanhã”
é sempre o dia seguinte ao momento da enunciação. Não é possível dizer, no caso do exemplo
11, quando as lojas estarão fechadas a não ser tomando-se o dia da enunciação como referência.
“Daqui a três semanas” é sempre daqui a três semanas do instante da enunciação. O retorno, no
caso do exemplo 12, só pode ser determinado considerando-se três semanas a partir do dia da
enunciação. E assim por diante.
Compare agora os casos acima com os advérbios e locuções adverbiais enuncivos. Neles,
enquadram-se, por exemplo: “então” e “nesse dia”, indicando concomitância em relação a marcos
temporais inscritos no enunciado; “no dia anterior” e “na véspera”, indicando não concomitância (an-
terioridade); “no dia/mês/ano seguinte”, indicando não concomitância (posterioridade), entre outros.
Observe que “a véspera” é sempre o dia anterior a um dia especificado no enunciado; no
exemplo 13, trata-se do dia anterior ao 11 de setembro. “Nesse dia” é sempre a indicação de con-
comitância em relação a um marco temporal já enunciado; no exemplo 14, nesse dia refere-se ao
próprio dia 11 de setembro, apresentado no período anterior.
38
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
13. “No dia 11 de setembro os Estados Unidos sofreram o pior ataque terrorista já visto. Atividades
Até a véspera ninguém poderia suporum ataque tão considerável”. Exercite o que você
A véspera é entendida como o dia anterior a 11 de setembro, que é um marco temporal ins- acabou de estudar,
crito no enunciado. examinando os tempos
14. “O 11 de setembro ficou marcado na história. Nesse dia os Estados Unidos sofreram o empregados na notícia
pior ataque terrorista já visto”. da Folha.com sobre
a condenação de um
Esse dia é entendido como 11 de setembro, marco temporal inscrito no enunciado. jogador por ato racista.
Volte ao texto, releia-o
e procure explicar quais
3.2.3 Categoria de espaço: as coordenadas espaciais do discurso as diferenças entre
o emprego de “con-
denou”, no primeiro
período, e “chamou”,
Você observou, na seção anterior, que o tempo linguístico organiza-se em torno do “agora” no segundo e último
da enunciação. Da mesma forma, o espaço linguístico organiza-se a partir do lugar do “eu” da período. Procure exerci-
enunciação: o “aqui”. Atente-se inicialmente, no que diz respeito à categoria de espaço, para o tar inclusive o uso dos
uso dos pronomes demonstrativos e em seguida para o dos advérbios. termos da semiótica na
No discurso, os pronomes demonstrativos podem, em função dêitica, organizar os espaços sua análise.
enunciativos. Como se dá isso? Veja que “este” indica tudo o que está no espaço do “eu” que pro-
duz o discurso: este livro, esta escola e este país, por exemplo, são respectivamente o livro próxi-
mo do “eu”, a escola e o país em que o “eu” está. Já “esse” indica tudo o que está no espaço do “tu”
a quem o “eu” se dirige, e “aquele”, tudo o que está no espaço do “ele” de quem se fala.
Os demonstrativos podem também, em função anafórica, recuperar elementos anteriores.
Você provavelmente já estudou sobre esses recursos que funcionam como mecanismo de co-
esão textual. “Esse” e “aquele” fazem remissão, respectivamente, a um elemento mais imediato,
mais recente na cadeia discursiva e a um elemento mais afastado, dito mais atrás no discurso
(anáforas). “Este”, por sua vez, aponta para o que se dirá à frente (catáfora).
Do mesmo modo que você viu a atuação dos advérbios temporais na organização do tem-
po linguístico, os advérbios de lugar também demarcam o espaço linguístico. O par “aqui/cá” e o
“aí” organizam a cena enunciativa, demarcando, respectivamente o lugar do “eu” e do “tu”. O “lá”
e o “ali”, por outro lado, apontam para um espaço fora da cena enunciativa, o primeiro indicando
um distanciamento maior que o segundo. Há ainda a possibilidade de se referir a um outro espa-
ço fora da cena da enunciação com o “acolá”.
Como exemplo de exploração dessa organização espacial pelos advérbios, lembre-se da
célebre “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias. Nela, o narrador compara dois espaços definidos
apenas em relação ao espaço do enunciador: um “aqui” e um “lá”. O “aqui” é o país estrangeiro,
de onde o narrador fala, ao passo que o “lá”, fora da cena enunciativa, refere-se à terra natal, local
de onde o narrador está afastado. O confronto feito no poema, que revela a saudade do país de
origem e de sua superior beleza, se dá sem que seja necessário explicitar e definir os lugares, pois
os advérbios de lugar observados ordenam o espaço linguístico-discursivo a partir daquele que
constrói o seu discurso.
39
UAB/Unimontes - 8º Período
Para saber mais Você, provavelmente, conhece o chamado presente histórico. Esse é um exemplo de embre-
Os conceitos que você agem enunciativa de tempo – enunciativa porque o tempo substituinte é o presente, do sistema
viu aqui podem ser enunciativo. Quando um enunciador afirma que “em 2002, o Brasil conquista o penta campeona-
mais bem examinados to”, deixando de usar o pretérito perfeito 2, do sistema enuncivo, em favor do presente do indica-
e estudados em um im- tivo (do sistema enunciativo), promove uma suspensão das oposições entre as formas de tempo
portante livro de José
Luiz Fiorin: “As astúcias enunciativas e as enuncivas.
da enunciação”. Nele, o Já a embreagem de espaço, mais rara, pode se dar, por exemplo, se alguém diz ao outro:
autor demonstra como “Você, lá, explique o que está fazendo no meu quintal”. O “aí”, espaço do “tu/você”, é preterido
os procedimentos em favor do “lá”, espaço do “ele”. Mais uma vez, a enunciação promove uma suspensão da oposi-
ligados à instância da ção entre os espaços do “tu/você” e do “ele”.
enunciação geram efei-
tos de sentido diversos Por que observar o uso da embreagem é importante para a análise? Em todos os casos apre-
tanto pelo recurso da sentados, você pode perceber que a embreagem dá relevo aos elementos projetados no discur-
debreagem quanto da so por promover efeitos de sentido, seja de distanciamento (nos exemplo de Pelé e do invasor do
embreagem. quintal), seja de aproximação (no caso do presente histórico) em relação à enunciação.
40
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
Você pode ver outro exemplo no texto a seguir. Ele demonstra que, não fosse a constatação de
que não existem discursos necessariamente verdadeiros ou falsos, seria preciso aceitar como verda-
deiro todo discurso que criasse efeito de sentido de realidade e de verdade pelo uso de expedien-
tes típicos das matérias jornalísticas (como os que você viu na notícia da Folha.com). Isso incluiria até
mesmo aqueles que se valem disso para brincar, noticiando fatos absurdos. A notícia a seguir, que é
encontrada em um site que apresenta ainda uma mulher branca segurando uma criança negra, é um
caso que evidencia que os discursos se valem de efeitos de sentido de verdade ou falsidade.
Um casal branco americano teve um bebê negro e a mulher diz que engravi-
dou assistindo a um filme pornô 3D. O pai da criança, o soldado Erick Jhonson,
estava há um ano servindo numa base militar no Iraque e, quando voltou para
casa encontrou um bebê negro. Sua mulher, Jennifer Stweart, de 38 anos, disse
a ele que a criança foi concebida enquanto ela assistia a um filme pornô em
três dimensões.
“Não vejo por que desconfiar dela. Os filmes em 3D são muito reais. Com a tec-
nologia de hoje tudo é possível”, disse Erick, que registrou a criança.
Jennifer afirmou que foi a um cinema pornô com as amigas em Nova York. Ela
conta que não costuma assistir a filmes pornôs e que só foi dessa vez para ver
como ficavam os efeitos em 3D. A criança, segundo ela, se parece com o ator
negro do filme. “Um mês depois de ver o filme eu comecei a sentir enjôos e o
resultado está aí. Vou processar o cinema e os produtores. Ainda bem que meu
marido acreditou em mim. Meu casamento podia estar em risco. Mas ele sabe
que eu sou fiel”, disse.
Disponível em:
http://www.uhull.com.br/05/05/mulher-engravida-vendo-filme-porno-em-3d/.
Acesso em 19 ago. 2011.
Entre as figuras retóricas que podem ser examinadas pela sintaxe discursiva como dispositi-
vos argumentativos, destacam-se a ironia, a lítotes, a preterição, a reticência, o eufemismo e a hi-
pérbole. O funcionamento dessas figuras retóricas é explicado por Fiorin (2006), de forma extre-
mamente didática, a partir de diferentes relações de oposição estabelecidas entre enunciado e
enunciação. Você não terá dificuldade de entendê-las. As quatro primeiras expressam oposições
categóricas, em que há afirmação e negação propriamente ditas, enquanto as duas últimas apre-
sentam oposições graduais, em que entram em jogo operações de atenuação e intensificação.
A ironia é definida geralmente como o ato de dizer o contrário do que se pensa. Veja
que, relacionando essa definição às relações de oposição entre enunciado e enunciação,
você pode notar que ela ocorre “quando se afirma no enunciado e se nega na enunciação”
(FIORIN, 2006, p. 79). Essa definição parece mais precisa pelo fato de ampliar as possibili-
dades de ocorrência da ironia, pois não é verdade que ela pode ser gerada a despeito do que
pensa o produtor do discurso?
Como exemplo de ironia, observe o texto de Drummond a seguir. No nível do enunciado,
você pode notar uma apreciação positiva em relação à cidade de Montes Claros, o que, no entan-
to, é negado pela enunciação. A oposição entre o enunciado e a enunciação se dá pelo fato de o
narrador, ao reconhecer o desenvolvimento industrial e urbano da cidade, apontar as consequ-
ências sociais negativas do processo: na ocasião, cinco favelas.
41
UAB/Unimontes - 8º Período
A preterição, por sua vez, expressa a mesma relação de oposição entre enunciado e enun-
ciação observada na ironia. Qual é diferença entre elas? Nesta (na ironia) a negação do enuncia-
do pela enunciação é feita de forma implícita, enquanto naquela isso ocorre de forma explícita.
Na preterição, o “enunciador afirma textualmente que não pretende dizer o que disse, simula não
querer dizer o que, contudo, disse claramente” (FIORIN, 2006, p. 82).
Outras figuras retóricas que expressam oposições categóricas entre enunciado e enunciação são
a lítotes e a reticência. A primeira ocorre quando se nega no enunciado e se afirma na enunciação
para se obter, como efeito, a atenuação de uma dada ideia (Fiorin, 2006). Você, provavelmente, já
viu alguém dizer de outro que este “não é nada bobo” em lugar de “é esperto”; que ele “não é nada
modesto” em vez de “que é presunçoso”. Estes são casos de lítotes. A segunda, de sua parte, expressa
a suspensão do enunciado em favor da enunciação, que diz o que se omitiu textualmente.
Há ainda o caso das figuras que derivam de oposições entre o enunciado e a enunciação no
que diz respeito a um jogo entre atenuação e intensificação: o eufemismo e a hipérbole. Observe
que aquele ocorre quando se atenua no enunciado e se intensifica na enunciação; esta, quan-
do se intensifica no enunciado e se atenua na enunciação. Tome como exemplo de eufemismo
a definição de Quintana (2003, p. 88) para canibalismo: “maneira exagerada de apreciar o seu se-
melhante”. Veja que, no nível do enunciado, a ideia é mais atenuada, por assim dizer, em relação
àquilo que, na prática, a enunciação afirma.
Além das figuras retóricas abordadas, há o recurso da ilustração, que consiste em dar
exemplo(s) que valide(m) uma afirmação geral (FIORIN, 2006, p. 75). Você pode observar um
exemplo singular do uso desse artifício no “Sermão da Primeira Dominga da Quaresma ou o Ser-
mão das Tentações”, de Padre Vieira. Nesse sermão, o jesuíta barroco busca, pela reflexão em tor-
no das tentações de Cristo, convencer os colonos do Maranhão a aceitar, para não perder a alma,
a libertação dos índios cativos determinada por Portugal e a buscarem, respeitando tal determi-
nação, uma forma de manter os índios ainda como mão de obra local. Para mostrar que os colo-
nos não deviam perder a alma por um preço tão baixo – a manutenção da servidão dos índios
– Vieira recorre ao exemplo do demônio, que ofereceu a Cristo todos os reinos do mundo por um
ato de adoração. Veja como o Padre explora de forma persuasiva o inusitado exemplo:
[...] o demônio, como é espírito, e a nossa alma também espírito, conhece mui-
to bem o que ela é; e como a conhece, estima-a, e estima-a tanto, que do pri-
meiro lanço oferece por uma alma o mundo todo; porque vale mais uma alma,
que todo o mundo. Vede se tentações do demônio que nos servem de ruína,
podem nos servir de exemplo. Aprendamos sequer do demônio a avaliar e a
estimar nossas almas. Fique-nos, cristãos, que vale mais uma alma que todo o
mundo. É tão manifesta verdade esta, que até o demônio, inimigo capital das
almas, a não pôde negar (VIEIRA, 2007, p. 27).
O recurso da ilustração é usado por Vieira ainda outras vezes no mesmo sermão. Mais à fren-
te no discurso, o Padre Jesuíta, para mostrar o risco de se recusar a libertar os índios escravizados
por apego aos privilégios e mordomias que eles proporcionam, apresenta vários exemplos que
sustentam a ideia de que o contrário é que é correto aos olhos de Deus. Observe:
A samaritana ia com um cântaro buscar água à fonte, e foi tão santa como sa-
bemos. Jesabel era mulher de el-rei Achab, rainha de Israel, e foi comida de
cães, e sepultada no inferno, porque tomou a Nabot uma vinha, que não lhe
chegou a tomar a liberdade. [...] Melhor que nós era Adão. E tinha ofendido a
Deus com menos pecados, e devia ao trabalho de suas mãos o bocado de pão
que metia na boca. Filho de Deus era Cristo, e ganhava com um instrumento
42 mecânico, o com que sustentava a vida, que depois havia de dar por nós (VIEI-
RA, 2007, p. 36).
3.3.3 Outros recursos argumentativos
as figuras e as isotopias
argumentação. Trata-se
de uma obra densa,
difícil e extensa, mas o
esforço de estudá-lo a
fundo certamente vale
a pena. No componente semântico do nível discursivo, “examinam-se os temas, as figuras e as iso-
topias, elementos que concretizam as estruturas do nível anterior (o narrativo)” (LARA; MATTE,
2009, p. 69). O que quer dizer cada um desses conceitos? As isotopias serão examinadas mais à
frente. Com os dois primeiros termos você já deve estar familiarizado.
Temas são investimentos semânticos que não remetem ao mundo natural, mas auxiliam, em
razão de sua natureza puramente conceptual, na interpretação da realidade; figuras, por outro
lado, remetem a elementos do mundo natural – ou de um mundo construído como tal (FIORIN,
2006, p. 91).
Levando em consideração os recursos dos temas e das figuras, você pode inferir que há, no
nível discursivo, duas possibilidades de concretização do sentido: a tematização e a figurativi-
Glossário zação. Elas se ligam, por sua vez, a dois diferentes tipos de textos que refletem duas formas de
Isotopia: é um termo abordar/construir a realidade: 1) os temáticos, que procuram explicar, justificar a realidade; e 2)
emprestado da Física os figurativos, que criam um simulacro do mundo, produzindo, dessa forma, efeitos de realidade
que designa em semi- ou de referência, como explica Fiorin (2006, p. 91).
ótica a recorrência de Veja os exemplos a seguir, nos quais você pode observar sentidos comuns, apesar das dife-
certos traços de sentido
que garantem a coe-
renças evidentes entre os textos. Eles podem ajudá-lo a entender a particularidade de cada uma
rência semântica de um dessas duas formas de construir o texto.
texto ou de parte dele.
A isotopia é aquilo, por O bicho
isso, que assegura um Vi ontem um bicho
plano de leitura para os Na imundície do pátio
textos. Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
(BANDEIRA, 1993, p. 201-202)
44
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
como “vi”, “gato”, “cão”, “rato”; o tato; com “catando comida”; o paladar, com “engolia”; o olfato, com
“cheirava”. Note que esses recursos fazem com que elementos do mundo natural sejam reconhe-
cidos, dando uma impressão de realidade ou, ainda, criando um simulacro do real.
O poema de Bandeira, portanto, ao abordar a questão da pobreza, o faz de forma predo-
minantemente figurativa. Usando da impressão de realidade que as figuras discursivas criam, o
enunciador toma a pobreza como algo que leva o homem a uma condição de animalidade, con-
dição esta em que o instinto e a necessidade mais elementar se sobrepõem à razão e a preocu-
pações com a higiene e manutenção da saúde.
Enquanto o poema põe o leitor diante de um quadro de pobreza, o que ocorre no segundo
texto? Ideias similares são apresentadas, mas note que a abordagem da questão é feita de forma
abstrata, sendo o texto, por isso, predominantemente temático. Nele, se explica um conceito abs-
trato com recursos conceituais; a pobreza é compreendida, sobretudo, como carência de bens,
de serviços, de cuidados. Como você vê, tudo o que é explicado pelo texto da enciclopédia é “vis-
to” na cena descrita pelo narrador de “O bicho”.
Passional
O samba rolava solto pelas tantas da manhã,
Eu posava de passista, e ela minha cortesã.
Eis que chega o sambista de uma escola campeã,
Ela me deixou na pista pra bancar a anfitriã.
Rolavam Noel, Cartola, Paulinho da Viola e coisa e tal,
Mas ela pôs um balde de água fria no meu carnaval.
Girando feito donzela, nos passos do meu rival,
Eu que não sou de balela, fiz um samba passional.
Olha a folga dessa nega; o que ela faz comigo
Pra sorte dela sou de paz, não crio caso, não brigo
Senão eu rodava a baiana
Punha ponto final
E um de nós dois ia parar no hospital
Ô, nega
Isso não se faz, ô Nega,
Também sou sambista de valor.
Mas agora, pra mim chega
Juro por Deus, Nosso Senhor.
Na Avenida da Paixão
Meu peito não desfila mais,
Tu serás porta-bandeira
Que eu vou pra Minas Gerais.
(Vander Lee, 1999, s/p).
45
UAB/Unimontes - 8º Período
“nega”, sujeito esse que realiza um fazer contrário aos interesses do destinador-manipulador, que
coincide com o narrador. Por isso, ela é julgada de forma negativa na etapa posterior: a sanção.
No nível discursivo, como você pode ver, o percurso da performance é tematizado como trai-
ção amorosa, o que justifica e explica figuras como “me deixou na pista”/“bancar a anfitriã”/“pôs
um balde de água fria no meu carnaval”/“Girando feito donzela, nos passos do meu rival”. Já o
percurso da sanção é tematizado como o rompimento, tema esse que é expresso, sobretudo,
pela figura “vou pra Minas Gerais”. Note que os percursos narrativos se convertem em percursos
temáticos, que podem ser convertidos ainda em percursos figurativos, processos observados na
letra estudada.
Veja agora outro caso, o texto “Noturno”, de Mário Quintana.
Apenas, aqui e ali, uma janelinha de arranha-céu ... Perdida ... Enquanto, do
fundo do único terreno baldio, um grilo insiste em transmitir, na sua frágil Mor-
se de vidro, não se sabe que misteriosa mensagem às estrelas ausentes (QUIN-
TANA, 2003, p. 9).
Você notou como no texto duas figuras destoam da paisagem urbana construída em torno
da figura do arranha-céu? Essas figuras destoantes são o único terreno baldio e o insistente grilo.
Nesse cenário, há ainda figuras como estrelas ausentes e as esparsas janelas nos arranha-céus
que dão a ideia de isolamento, além de figuras que remetem à ausência de comunicação/diá-
logo: transmitir misteriosa mensagem/Morse. A que remetem todas essas figuras? Elas concreti-
zam, na forma de um percurso temático-figurativo, a solidão nas metrópoles. Entendeu, prezado
acadêmico, a necessidade de depreender, em textos figurativos, os temas subjacentes aos per-
cursos criados pelas figuras? É por isso que Fiorin (2006, p. 97 ) diz que “ler um percurso figurati-
vo é descobrir o tema que subjaz a ele”.
Observe ainda que o relevante não são as figuras isoladas, mas as relações que elas apresen-
tam, o encadeamento delas em percursos figurativos. As figuras arroladas nas análises anteriores
apenas passam a ter sentido quando relacionadas ao tema que elas concretizam: a traição e o
rompimento, na letra de Vander Lee, a solidão nas metrópoles, no texto de Quintana.
Neste momento do trabalho, é oportuno lembrar-lhe, prezado acadêmico, o que se disse
anteriormente acerca da ideologia. Como lhe foi adiantado na unidade 1, esta se manifesta de
forma privilegiada no nível dos temas e figuras (na semântica do discurso), investimentos semân-
ticos que concretizam as estruturas Semióticas mais abstratas (FIORIN, 2006, p. 106-107). Agora
que você entende os conceitos de tema e figura, fica mais fácil entender o que foi dito naquela
unidade.
Quantas diferentes visões de mundo ou ideologias podem ser veiculadas por, por exemplo,
uma oposição como /liberdade/ versus /dominação (opressão ou coerção)/? Essa categoria do ní-
vel fundamental pode ser concretizada pelo tema do consumo, construído por figuras que deem
a ver a propriedade sobre um carro potente, capaz de levar o proprietário a todos os lugares aos
quais desejasse ir. Pode ser concretizada como amplos direitos civis e políticos em um governo
democrático, em oposição a governos autoritários. Pode ainda referir-se à questão econômica;
a liberdade no discurso burguês representa a não interferência (/dominação/) do Estado, a livre-
-iniciativa, a liberdade para produzir, comprar, vender.
Note, por fim, que a ideologia de uma determinada classe ou de um determinado tempo,
portanto, determina, em grande medida, os temas e as figuras que concretizam, em um dado
discurso, as estruturas Semióticas mais abstratas.
3.4.2 A isotopia
Abordados os temas e as figuras, você passa agora a conhecer a isotopia, nome dado à reite-
ração, redundância, repetição, recorrência de traços semânticos que garantem a coerência de um
texto (BARROS, 2001, p. 124).
Considere novamente o poema de Bandeira, “O bicho”, apresentado anteriormente. Ali há
uma recorrência de traços sêmicos da animalidade, como “bicho”, “gato”, “cão”, “rato”, “engolia com
voracidade” (esta por remeter à forma como os animais se alimentam). Note que a figura “ho-
mem”, da isotopia da humanidade, inclusive destoa da isotopia predominante (a da animalida-
de), o que gera sentido por levar o leitor a perceber o ponto de vista do narrador, segundo o qual
a pobreza animaliza os homens que dela padecem.
46
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
Você pode tirar duas conclusões do exemplo acima: a coerência semântica é estabelecida Glossário
pela isotopia; por outro lado, uma dada isotopia pode ser quebrada ou a ela pode(m) opor-se ou Traços sêmicos: de-
aliar-se outra(s) de modo que se produzam efeitos de sentido diversos: de crítica, de humor, de signam elementos com-
estranhamento etc. posicionais do sentido.
Observe isso no exemplo a seguir. Quando alguém diz que “a Igreja vem perdendo seus fi- Os traços sêmicos de
éis”, seu discurso apresenta uma reiteração de traços sêmicos da isotopia religiosa: “Igreja” e “fi- homem, por exemplo, é
/animado humano/; de
éis”, o que dá a esse enunciado uma coerência semântica. “Quebrar” a isotopia religiosa nesse animal /animado não
caso representa quebrar a coerência semântica, o que pode resultar em algo incoerente ou gerar humano/; de objeto
determinados efeitos de sentido. O que aconteceria se alguém dissesse: “a Igreja vem perdendo /não animado não
seus clientes”, como anotado em coleções das chamadas pérolas do vestibular? Note que haveria humano/ e assim por
a introdução de um termo da isotopia econômica, o que pode ser interpretado como uma crítica diante.
ao interesse da Igreja por dinheiro (quer tenha sido esta a intenção do produtor do texto ou não).
A noção de isotopia ajuda muito a entender o funcionamento de gêneros humorísticos,
como as piadas, já que elas operam com efeitos de sentido relacionados, em geral, à existência
de duas isotopias concorrentes. Veja, por exemplo, a piada a seguir.
Nessa piada, observa-se uma reiteração de traços sêmicos que remetem à isotopia alimen- Atividades
tar: “vomita” e “comida”. Essa isotopia leva a uma leitura inicial que é interrompida pela fala da
mãe, que inicia um outro plano de leitura construído por outra isotopia, a sexual. Essa isotopia é Volte ao texto “Passio-
nal”, de Vander Lee, que
observada a partir da figura “casar”, mas já estava prevista na figura “foi comida”, que permite tan- você leu anteriormente
to uma interpretação do ponto de vista alimentar (trata-se comida/alimento que fez mal), como nesta Unidade. Você
pelo viés sexual, por poder indicar a prática de relação sexual. deve ter notado que
Além das piadas, o discurso publicitário costuma explorar bastante a articulação de mais de o texto é marcado por
uma isotopia. Tome como exemplo o slogan do Shopping Oiapoque, um centro de vendas popu- um efeito de sentido de
humor. Sua tarefa agora
lar criado para abrigar antigos vendedores ambulantes de Belo Horizonte: “Shopping Oiapoque, é explicar a geração
cada vez mais legal”. Note a ambiguidade do termo “legal”. Esse vocábulo se permite ler, em be- desse efeito de sentido
nefício do discurso construído, em duas isotopias diferentes: pode qualificar o shopping como de humor a partir da
bom, ótimo, sem alterar a isotopia inicial – a econômica (a figura do shopping contém traços sê- noção de isotopia.
micos dessa isotopia) –, e/ou pode legitimá-lo em uma isotopia da legalidade. O slogan, graças à
articulação dos dois planos isotópicos, apresenta o shopping como um espaço legítimo, dentro
da lei, onde se podem comprar os desejados produtos de consumo.
Você já viu em exemplos anteriores, com os termos “comida” e “legal”, que um elemento se-
mântico pode figurar em mais de uma isotopia em um dado discurso. O nome que esses termos
recebem em semiótica é o de conector de isotopias. Como explica Fiorin (2006, p. 115), trata-se
de um termo polissêmico, que possui dois ou mais significados e permite a pluri-isotopia ou os
diferentes planos de leitura. À frente, você retomará essa noção, quando for estudar algumas fi-
guras retóricas que podem ser compreendidas a partir da semântica discursiva.
Além do conector de isotopias, há outro recurso semântico que permite diferentes leituras
de um dado texto: o desencadeador de isotopia. Qual é a particularidade desse dispositivo? Ele é
observado quando, numa dada leitura, observa-se uma quebra isotópica que nos obriga a reler o
que já tinha sido lido, adotando-se um novo plano isotópico (BARROS, 2001, p. 126). Você se lem-
bra dos exemplos dados anteriormente a esse respeito, certamente. Além daqueles enunciados,
veja o poema a seguir e como ele explora os desencadeadores de isotopia.
Desejo
Carne maturada.
Espete-a em sua lança,
Asse-a com o braseiro
Do inferno de sua existência.
47
UAB/Unimontes - 8º Período
Deguste a carne,
Sorva o néctar,
Mamilos de sua amada.
Aplaque o furor
Dos touros
Do seu ímpeto.
Eleve a taça
À altura de seus olhos.
Beba o vinho
Ele não é o seu sangue.
Acautele-se:
Quem a jogou?
O gozo
Não é o nascer das galáxias,
É o nascer do primeiro suspiro,
E o apagar da última estrela.
(SILVA, 2011)
Você deve ter notado que o poema apresenta uma estrutura que se assemelha à do gêne-
ro receita. Há, por exemplo, a predominância da tipologia textual injuntiva, com marcas de in-
terlocução e uso de formas do modo imperativo. Além disso, observam-se figuras como “carne
maturada”/“asse-a”/“deguste a carne”/ “eleve a taça”/“beba o vinho”. Que isotopia ou plano de
leitura esses elementos indicam à primeira vista? Uma resposta coerente seria: a isotopia alimen-
Atividades tar. Observe, porém, que nesse plano de leitura mais aparente não fazem sentido alguns termos,
como: “mamilos” e “gozo”. Esses termos são considerados desencadeadores de isotopia porque
Pratique o que você
aprendeu. Procure o obrigam o leitor a reler o poema a partir de uma nova isotopia, a isotopia sexual. Eles levam o
poema “O ferrageiro leitor a ressignificar todo o texto a partir da nova leitura (isotopia) apresentada, fazendo emergir
de Carmona”, do Poeta um forte erotismo no poema.
João Cabral de Melo
Neto. Esse poema é
metalinguístico, pois
fala do próprio fazer 3.4.4 As figuras retóricas e os elementos da semântica discursiva
poético, o que não é
muito evidente à pri-
meira vista. Após lê-lo, No estudo da sintaxe discursiva, você estudou os procedimentos de argumentação e conhe-
procure explicar como ceu ou reviu algumas das chamadas figuras retóricas que, como bem observou Fiorin (2006), es-
as noções que você tão na dependência de relações estabelecidas entre a enunciação e o enunciado. Outras, embora
aprendeu anteriormen-
te explicitam a metalin-
sejam recursos argumentativos, têm a ver com os diferentes modos de operar no discurso com
guagem no poema. temas, figuras e isotopias, elementos da semântica discursiva.
Agora que você se apropriou conceitualmente desses dispositivos, é hora de estudar essas
figuras retóricas que ficaram guardadas para este momento, por se ligarem ao componente se-
mântico do discurso.
48
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
A metáfora e a metonímia são geralmen- causa do traço semântico /pureza/, pode ser
te definidas, respectivamente, como uma homologada à brancura da página ainda livre
comparação abreviada e como o uso da parte dos “abusos” da escrita.
pelo todo (ABREU, 2008, p. 112). Em que elas O mesmo Quintana oferece outro exem-
diferem? No primeiro caso, há uma troca de plo de metáfora que explora a polissemia de
palavras regida por uma relação de similarida- uma figura da isotopia sexual. Veja: “O suspen-
de, enquanto, no segundo caso, há uma troca se requer suspensão do tempo, emoção em
regida por uma relação de contiguidade. câmera lenta. O suspense é o striptease do hor-
Fiorin (2006, p. 118), no entanto, observa ror.” (QUINTANA, 2003, p. 1). O termo striptease
que essas explicações são insuficientes para pertence à isotopia sexual, mas é usado como
dar conta da metáfora e da metonímia; para o conector de isotopias por ser lida numa isoto-
autor essas duas figuras retóricas são procedi- pia cinematográfica.
mentos discursivos em que “o narrador rompe, Se você consultar o dicionário Aurélio,
de maneira calculada, as regras de combina- verá que a definição de striptease é “ato de se
tória das figuras, criando uma impertinência despir lentamente em público, em espetácu-
semântica, que produz novos sentidos” (FIO- lo, ao som de música e com dança e/ou mo-
RIN, 2006, p. 118). Veja que o autor afirma vimentos eróticos”. Note que a intersecção
que essas figuras retóricas são conectores entre as isotopias no texto de Quintana (2003)
de isotopias, pois são recursos discursivos é possível graças ao traço semântico /exposi-
que exploram a polissemia, promovendo ção gradativa/, que integra tanto o sentido do
uma transição de uma isotopia a uma outra termo suspense, quanto o do termo striptea-
num texto pluri-isotópico. se. O suspense não se baseia numa exposição
Tome como exemplo um texto de Quinta- das informações em determinadas doses, de
na (2003, p. 41) para entender melhor a relação modo que cria expectativa e prende a atenção
entre isotopias que a metáfora cria. Trata-se de do espectador? Os filmes que recorrem a esse
“Branca de neve e os tarados” (título já suges- recurso não recebem a classificação de gêne-
tivo), que diz: “Uma página em branco é a vir- ro com o mesmo nome? Já o striptease é uma
gindade mais desamparada que existe. Só por exposição gradativa do corpo, já que as peças
isso é que abusam tanto dela, que fazem tudo do vestuário são retiradas uma a uma, como
com ela...”. Observe que, no texto de Quintana, explica a definição do dicionário.
há uma impertinência semântica pela inclu- Veja outro exemplo, uma pérola de Quin-
são de figuras que não correspondem à iso- tana, agora para que você examine o recurso
topia inicial. As figuras da “Branca de neve e da metonímia: “O mais feroz dos animais do-
página em branco” pertencem à isotopia da mésticos é o relógio de parede: conheço um
linguagem. Figuras como “tarados”, “virgin- que já devorou três gerações da minha famí-
dade” e “abusar”, por sua vez, pertencem à lia” (QUINTANA, 2003, p. 174). Esse pequeno
isotopia sexual. texto apresenta uma notável riqueza de recur-
O poeta pode fazer essas relações da for- sos expressivos, entre os quais a metonímia,
ma que quiser? Não. Note que o uso da pala- que é o que você deve observar aqui. Note
vra “virgindade” no texto de Quintana não é que o relógio de parede é tomado como aqui-
gratuito, mas se baseia numa relação de simi- lo que ele marca: a passagem do tempo, que
laridade. O que permite a comparação entre a metaforicamente devora geração após gera-
figura da página em branco e a virgindade é o ção. Lembra-se da relação de contiguidade
traço sêmico /pureza/. Como você pode ver, há que marca a metonímia? O relógio de parede,
uma espécie de cruzamento entre duas isoto- portanto, é um conector de isotopia, que, per-
pias a partir de um termo polissêmico ou um tencente à isotopia objetal (relativa a objetos),
conector de isotopias, a “virgindade”, que, por é incluído na isotopia da temporalidade.
Você pode também compreender agora a analogia a partir da noção de isotopia. Observe
basicamente que, nesse recurso argumentativo, uma dada isotopia é convocada para que se pos-
sa entender/validar uma situação relativa a uma outra.
Lembra-se do sermão em que Vieira explica sua obrigação de expor o estado de pecado em
que os colonos do Maranhão viviam por fazer dos índios escravos contra a decisão de Portugal?
49
UAB/Unimontes - 8º Período
Ali o Padre Jesuíta usa da analogia nas perguntas retóricas já vistas por você por ocasião do es-
tudo da sintaxe discursiva: “qual é melhor amigo: aquele que vos avisa do perigo ou aquele que
por vos não dar pena, vos deixa perecer nele? Qual o médico mais cristão: aquele que vos avisa
da morte ou aquele que por vos não magoar, vos deixa morrer sem Sacramentos?” (VIEIRA, 2007,
p. 32). Nesse exemplo, a isotopia das relações interpessoais e a isotopia médica são convocadas
para sustentar algo relativo à isotopia religiosa: de que o orador tem a obrigação de expor os
pecados da plateia.
Há ainda outros recursos retóricos resultantes da combinação, em um elemento, de traços
opostos àqueles que são típicos de suas qualificações ou funções.
Tome novamente o texto “Relógio”, abordado anteriormente. Observe que há uma animali-
zação do relógio de parede e, consequentemente, do tempo, que é quem efetivamente “devora”
uma geração após a outra. Isso se dá pelo fato de a figura “relógio de parede”, pertencente à iso-
topia objetal, ganhar um traço semântico que não possui: /animado/.
Você pode ver outro exemplo retornando ao poema “O bicho”, de Manuel Bandeira, apre-
Atividades sentado anteriormente. Nele, o traço /humano/ é retirado do homem que procura alimento no
Para praticar o que lixo, o que se percebe nos versos: “Quando achava alguma coisa”/“Não examinava nem cheirava”.
você acaba de estudar, Os traços /animado não humano/ são combinados no indivíduo, animalizando-o, como se vê no
volte ao texto de Millôr verso: “engolia com voracidade”. Como você viu anteriormente, o poema denuncia, de forma fi-
Fernandes “O Rato que
tinha medo (A maneira
gurativa, a condição de animalidade a que a pobreza e a exclusão podem levar o homem.
dos … Marroquinos?)”, A prosopopeia (ou personificação) se baseia no mesmo processo, como você pode notar em
na Unidade 2. Procure “antes de escrever, eu olho, assustado, para a página branca de susto” (quintana, 2003, p. 159).
identificar na narrativa Ora, uma página pode empalidecer de susto? Pode pela combinação, na figura “página”, de tra-
o recurso semântico ços opostos àqueles que lhe são típicos. Como pertence à isotopia objetal, ela apresenta o traço
que caracteriza o texto
como fábula e explicá-
/não animado não humano/, mas o narrador a dota de um traço /humano/, já que, assim como
-lo a partir das noções ele próprio, ela pode se assustar.
aprendidas aqui. Outra figura retórica cuja operação você pode examinar por meio dos elementos relativos à
semântica discursiva é a antítese, que se instaura no texto por meio de oposições figurativas ou
temáticas (FIORIN, 2006, p. 120). Veja, a título de exemplo, um fragmento de “Navio negreiro”, de
Castro Alves.
Dicas Observe que, no fragmento, há uma oposição entre um ontem de liberdade e um agora de
cativeiro para os negros, oposição essa que geram outras antíteses. Estas, de tão comoventes,
Leia (ou releia se for o tornam forte o apelo abolicionista do poeta dos escravos, por mostrar a que estes ficaram sujei-
caso) a obra de Castro
Alves, que é rica nas tos e o que lhes foi tirado. Observe com atenção.
antíteses que revelam Note que, do ponto de vista de uma isotopia espacial, a oposição figurativa se dá entre o
duas realidades: uma espaço extenso (“A Serra Leoa”/“as tendas d’ amplidão”) e o espaço concentrado (“porão negro,
marcada pela liberdade fundo, apertado”), respectivamente o espaço da liberdade e o espaço da servidão. Além disso,
e outra, pela servidão. note que o ontem de liberdade apresenta-se, tematicamente, como robusteza física e saúde, que
Esse recurso de explici-
tação de contraste aju- se concretizam com figuras como guerra e caça aos leões; em contrapartida, o hoje da servidão
da a revelar a crueldade é, tematicamente, o tempo da debilidade e da insalubridade, o que se percebe pelas figuras:
da escravidão. É uma “porão infecto, imundo” e “ter a peste por jaguar”. Observe ainda uma oposição, de certa forma
boa forma de observar ligada à saúde, quanto ao estado psicológico dos negros cativos: enquanto antes se tinha a tran-
a operação com recur- quilidade para dormir à toa, o agora é marcado pelo “sono sempre cortado”/“Pelo arranco de um
sos semânticos.
finado”/“E o baque de um corpo ao mar...”.
A última figura retórica que você vai examinar aqui sob o ponto de vista dos elementos da
semântica discursiva é o oximoro (paradoxo). Essa figura retórica opera igualmente com oposi-
ções entre elementos semânticos contrários ou contraditórios, com a diferença de que ela reúne
tais elementos numa unidade de sentido, que se define, por isso, como uma unidade contraditó-
ria em si (FIORIN, 2006, p. 122).
50
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
Veja como exemplo mais uma das muitas definições expressivas de Quintana: “decifrar pa- Dicas
lavras cruzadas é uma forma tranquila de desespero” (QUINTANA, 2003, p. 13). A figura “decifrar Vale a pena conhecer
palavras cruzadas” é definida de forma contraditória, por incluir elementos que são contrários um duas revistas que se
ao outro. dedicam exclusivamen-
Tomara que o estudo dos elementos do nível discursivo tenha ajudado você a entender me- te à teoria que você
lhor o funcionamento de recursos que, mobilizados no discurso, são geradores de sentido! estudou em linhas
gerais aqui: a “Estudos
Semióticos” e “Casa,
Caderno de Semiótica
gerativo
que reflitam teorica-
mente sobre a Semióti-
ca ou que a utilizem em
aplicações e análises.
Você pode acessá-las,
Letícia de Souza Peixe respectivamente, pelos
Até aqui você conheceu a proposta da Semiótica para o exame do plano de conteúdo dos links: www.seer.fclar.
unesp.br/casa e www.
textos. Teve a oportunidade de examinar, na perspectiva gerativa, os diferentes níveis de apre- fflch.usp.br/dl/semio-
ensão do sentido e os mecanismos intradiscursivos de produção desse sentido. Você conhecerá tica/es.
agora, finalizando este caderno, o que está para além do percurso gerativo de sentido.
Você não poderia deixar de conhecer a proposta de apreensão do sentido na articulação en-
tre categorias do plano de expressão com categorias do plano de conteúdo, o que em Semiótica
denomina-se semissimbolismo. Você verá que se trata de uma alternativa extremamente produ-
tiva para o exame de textos com finalidade estética, isto é, textos em que o plano de expressão
concorre para a significação ou enriquece as possibilidades significativas do texto. Além disso,
você se familiarizará com alguns desdobramentos mais recentes da Semiótica e as relações pro-
dutivas dessa teoria com diferentes disciplinas.
3.5.1 Semissimbolismo
Neste caderno, você já viu que a teoria Semiótica compreende o texto, sobretudo, como um
objeto de significação, que ressalta, em seu estudo, os mecanismos intradiscursivos que o com- Glossário
põem. Lembre-se de que você estudou, nas seções anteriores desta disciplina, que a Semiótica Semissimbolismo:
toma o texto como a junção de um plano de conteúdo e um plano de expressão, sendo que o relação entre expres-
plano de conteúdo é o lugar dos conceitos e o de expressão, o da exteriorização desses concei- são e conteúdo que
tos (DANTAS; PEIXE, 2006, p. 20). não é convencional ou
imotivada, uma vez
Note que, sendo o texto tomado primordialmente como um objeto de significação, é exa- que a concretização
tamente a significação, o sentido, que é o objeto da Semiótica, cuja principal preocupação é “ex- dos temas abstratos
plicitar, sob a forma de uma construção conceitual, as condições da apreensão e da produção estabelece uma “nova
do sentido” (BERTRAND, 2003, p. 16). Para a análise da significação textual, a Semiótica dispõe de perspectiva de visão e
um “modelo” que procura apreender a significação e suas estruturas. Você estudou este modelo: de entendimento do
mundo” (BARROS, 2005,
trata-se do percurso gerativo de sentido, que consiste em uma sucessão de níveis, que vão do p. 89).
mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto. Nessa sucessão, ocorre um “processo de
enriquecimento semântico” (FIORIN, 1995, p. 164), em que o primeiro nível é concretizado pelo
segundo, que, por sua vez, é concretizado pelo terceiro e último.
Não é difícil perceber, prezado acadêmico, que a Semiótica, dessa forma, a princípio, man-
teve-se mais preocupada com o percurso gerativo de sentido, não se ocupando do estudo do
plano de expressão (BARROS, 2005, p. 41). Note, entretanto, que há textos cuja expressão “pro-
duz” sentido, o que levou a Semiótica num segundo momento a examiná-lo. Que textos são es-
ses? São aqueles em que o plano de expressão não só expressa o conteúdo, mas também com-
põe as chamadas organizações secundárias da expressão, “figuras da expressão” que investem
e concretizam percursos temáticos abstratos, manifestando-se por meio de traços reiterados da
expressão (BARROS, 2001, p. 153).
Uma categoria da expressão, e não apenas um elemento, se correlaciona com uma catego-
ria do conteúdo, estabelecendo-se, assim, uma relação semissimbólica.
Se você observar bem, verá que, na poesia, e especialmente na poesia concreta, o semissim-
bolismo é continuamente empregado, como você pode notar no seguinte poema de Ronaldo
Azeredo:
51
UAB/Unimontes - 8º Período
Veja que, nele, não só o plano de conteúdo contribui para a produção de sentido, mas tam-
bém, e com igual importância, o plano da expressão. Note que se reproduz a ideia de velocidade
com a repetição da consoante “v”, como se tentássemos acompanhar a palavra “velocidade” cuja
totalidade, primeiramente, por passar tão rapidamente por nós, não conseguíssemos apreender,
observando, inicialmente, somente sua primeira letra.
Tome como exemplo agora a Figura 3 usada na Unidade 1: o pôster de Barack Obama (volte
no texto caso não lembre muito bem). Esse texto, que retrata o então candidato a Presidente dos
Estados Unidos da América, permite que você observe a força do semissimbolismo na produção
de sentido de alguns textos. Lembre-se de que, no plano da expressão, o texto é predominante-
mente não verbal, apresentando somente a palavra “hope”, “esperança”, em inglês, como compo-
nente verbal.
A oposição semântica /identidade/ versus /alteridade/, presente no plano do conteúdo, ex-
terioriza-se pela representação do presidente negro, cujas características típicas da raça são re-
tratadas pela cor preta, tais como cabelo crespo e lábios proeminentes, em oposição ao tom mais
claro que perpassa seu rosto, reafirmando a diferença de raças, /alteridade/, superada, entretan-
to, pela unidade nacional, retratada pelas cores da bandeira americana, azul, vermelho e branco,
que revestem a figura, /identidade/.
Ora, o discurso enunciado pela criação de Shepard Fairey prega a esperança (“hope”) de
uma nação governada por um presidente que se elegeu com a promessa de mudanças. Inicial-
mente, Barack Obama, por ser negro, poderia ser tomado como o representante de uma mino-
52
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
ria, mas, assim como sua campanha procurava pregar, propunha-se como representante de toda
uma nação, estando nela inclusas não só as minorias, mas todos os norte-americanos.
Note que a produção de sentido se valeu de organizações secundárias, os traços, no caso,
as cores representativas do país e os tons claro e escuro, para concretizar o percurso temático
abstrato, a oposição semântica /identidade/ versus /alteridade/.
Sendo assim, você pode perceber que, para a análise da significação desse texto, assim
como em diversos textos, a Semiótica não poderia se furtar à apreciação da relação semissimbó-
lica estabelecida entre plano da expressão e plano do conteúdo, essencial para a apreensão de
sua maneira de produção de sentido.
Já lhe foi dito que o conceito de texto para a teoria Semiótica é muito importante e mais
amplo do que o proposto por grande parte das teorias do discurso existentes. Você deve lembrar
que ele (o texto) consiste na junção de um plano de conteúdo e um plano de expressão, sendo
que o plano de conteúdo é o lugar dos conceitos e o plano de expressão, o lugar da exterioriza-
ção desses conceitos (DANTAS; PEIXE, 2006, p. 20).
É por meio do percurso gerativo de sentido, você já sabe, que a Semiótica analisa o texto
minuciosamente em busca da compreensão não só do que ele diz, mas também de como ele
diz o que diz. Sendo assim, como afirma Dennis Bertrand (2003, p. 11), o discurso literário é um
dos campos de exercício privilegiado da Semiótica, ponto de vista corroborado pelo professor da
Universidade de São Paulo (USP), José Luiz Fiorin, para quem “dizer que a narratologia formulada
pela Semiótica é uma ‘camisa de força’ ou que não se aplica a textos da literatura mais moderna é
desconhecer os princípios dessa teoria narrativa” (FIORIN, 1995, p. 169).
Mas a aplicabilidade da Semiótica, prezado acadêmico, vai além da literatura. Sua análise
tem alcançado os mais diversos textos. Desenvolvida por Luiz Tatit, também professor da USP, a
Semiótica da Canção trata da
Abarca, portanto, como você pode notar, não só a letra, componente linguístico, muitas ve-
zes narrativo, analisado em vários exemplos nesta disciplina, mas também sua junção com a me-
Para saber mais
lodia musical e seus consequentes efeitos. Luiz Tatit possui uma
As artes plásticas, por sua vez, são também muito favorecidas pelo emprego da teoria Semi- bibliografia extensa
acerca da Semiótica da
ótica como método de análise, utilizando, para tanto, inclusive, o conceito de semissimbolismo, Canção. Caso queira
que você conheceu anteriormente, já que, reiteradamente, valem-se de relações entre categorias conhecer melhor sua
do plano do conteúdo e do plano da expressão na produção de sentido. proposta, você pode
Já o cinema, por ser “uma linguagem sincrética muito abrangente: imagens, palavras, vozes, consultar os livros
roupas, cenários, música, movimento, principalmente são as linguagens que concorrem para a “Semiótica da Canção:
Melodia e Letra” e “Aná-
construção do sentido final” (MATTE, 2005, p. 78), é um prato cheio para a Semiótica. lise semiótica através
Nos níveis narrativo e discursivo do percurso gerativo de sentido, levando em consideração, das letras”.
principalmente, a construção imagética do texto, e, consequentemente, suas possibilidades se-
missimbólicas, os filmes, enquanto linguagem, são objetos semióticos de primeira ordem.
Não apenas esses, mas, inclusive, outros sistemas semióticos menos óbvios são passíveis de
abordagem. A dança é um deles, com seu sincretismo de canção e coreografia, em que se percebe,
Veja que dança precisaria, assim, de uma fundamentação teórico-metodológica flexível, que
possibilitasse abarcar sua complexa coordenação de elementos para a produção de sentidos,
possível com a teoria Semiótica.
53
UAB/Unimontes - 8º Período
Ainda mais um texto passível de aprofundamento, o futebol, seja observado pelo viés da
Para saber mais
locução esportiva (CARMO JÚNIOR, 2005) ou pelo da análise de jogadas isoladas, é também um
Diversos objetos inu- sistema semiótico a ser observado. Quer ver?
sitados são analisados
Tome como exemplo o “gol” que marcou história (DANTAS; PEIXE, 2006), ocorrido na Copa
em pequenos artigos
reunidos na obra do Mundo de Futebol de 1970, no México, durante o jogo entre Brasil e Uruguai. Nessa jogada,
“Semiótica: objetos e Pelé, recebe, próximo ao gol, o passe de um companheiro e, sem tocar na bola, faz com que o
práticas”, organizada goleiro Mazurkiewicz se confunda e saia da jogada, para posteriormente chutar e errar o chute. A
por Ivã Carlos Lopes e seguinte imagem retrata o momento do drible:
Nilton Hernandes. Se
quiser saber mais sobre
as possíveis aplicações
da teoria, vale a pena
conferir.
Figura 7: Drible ►
Disponível em: <http://
futarte50.blogspot.
com/2010/11/craques.
html>. Acesso em 22
set. 2011.
Apesar de tal frustração, esse lance foi considerado um dos mais belos da Copa e é lembra-
do até hoje. Entretanto, o reconhecimento desse “não gol” só pode ser entendido a partir do ima-
ginário cultural brasileiro.
Veja que o nível fundamental constitui-se da oposição semântica de base, /sucesso/ versus /
fracasso/. Nesse caso, o /sucesso/ é um termo eufórico, enquanto o /fracasso/ é disfórico, já que o
objetivo final de todo jogo é a conjunção com a vitória (que “concretiza” o sucesso).
No nível narrativo, observe que há dois tipos de programa, o de base e o de uso. O primeiro,
no caso analisado, é a vitória da seleção brasileira, enquanto o segundo, que são as pequenas
ações com vistas ao cumprimento do programa de base, é a realização do gol, dos passes, dos
dribles, entre outros. Um sujeito está sempre em busca de sua conjunção com um objeto-valor:
o gol e, mais amplamente, a vitória.
O que impulsiona o sujeito é a manipulação, que o dota de um /querer/ ou /dever/ fazer.
Pelé é o destinatário da manipulação dele mesmo, que deseja glória, dinheiro e fama; e da socie-
dade, que deseja a vitória. Esses tipos de manipulação se configuram como sedução, já que Pelé
almeja manter sua imagem de craque; e como tentação, pois, se o destinatário cumprir o contra-
to, terá acesso aos objetos-valor /dinheiro/ e /fama/, dentre outros.
O sujeito Pelé utiliza a bola, objeto modal, como um instrumento da realização da ação a
que foi manipulado a fazer, o gol. Mazurkiewicz, o goleiro da seleção uruguaia, é o antissujeito
dessa ação, pois seu objetivo é impedir que a bola entre no gol. Os defensores uruguaios atuam
como antiadjuvantes ao ajudarem o antissujeito a evitar a ação de Pelé. Ao receber o passe de
um companheiro (um adjuvante, nos termos semióticos) na entrada da grande área, o jogador
brasileiro não domina a bola, porém, ao mantê-la ao alcance de seu controle, sua relação com
este objeto passa de uma disjunção – quando este estava com outro jogador – para uma não-
-conjunção. Este movimento deixa tanto o goleiro perdido, sem saber para onde foi a bola, como
54
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
o público, que se surpreende com a quebra do que seria o procedimento mais óbvio de um joga-
dor, o de dominar – entrar em conjunção - plenamente a bola para chutar.
Um jogador normalmente é sancionado positivamente ao realizar sua função previamente
estabelecida; os sujeitos actanciais que desempenham o papel de atacante, por exemplo, devem
fazer gols. No lance de Pelé, a finalização, por não se efetivar, é sancionada negativamente por
uma plateia, que, apesar de reconhecer a genialidade do drible, frustra-se com o não gol. A joga-
da, entretanto, é sancionada positivamente pelos espectadores, impressionados com a inteligên-
cia e técnica do craque, sendo reconhecida até hoje pela sua singularidade.
Normalmente, o futebol se apresenta como um sistema simbólico, em que há conformida-
de plena entre os planos de expressão e de conteúdo; “bola na rede”, por exemplo, significa um
programa narrativo realizado. No lance entre Pelé e Mazurkiewicz, no entanto, há uma relação
semissimbólica, na qual os planos não estão em conformidade. No plano da expressão, quando
Pelé deixa que a bola passe por ele sem dominá-la, movimento que significaria, no plano de con-
teúdo, entrar em disjunção com o objeto-valor, significa, no entanto, conjunção.
Espera-se que você tenha podido perceber como o conceito de texto na teoria Semiótica é
amplo e como seu arcabouço metodológico pode ser consistente para os pesquisadores, forne-
cendo, a quem quer estudá-la, fundamentos e materiais para analisar a infinita multiplicidade de
textos que se desdobram à nossa frente no mundo contemporâneo.
Chegado o fim deste caderno, espera-se que esta disciplina tenha atingido o seu propósito:
tornar você não só conhecedor dos conceitos fundamentais e das categorias de análise da Semi-
ótica, mas, principalmente, analista capaz de aplicar essas categorias na análise de textos os mais
diversos. Sobretudo, espera-se que, ao final, você, prezado acadêmico, tenha se sensibilizado no
que diz respeito ao desafio de investigar o sentido constituído textualmente e que a teoria estu-
dada ao longo da disciplina possa ter enriquecido a sua formação.
Referências
ABREU, Antônio Suárez. A arte de argumentar: gerenciando razão e emoção. Cotia, PR: Ateliê
Editorial, 2008.
ALVES, Castro. Navio Negreiro: canto V. In: FIGUEIREDO, Carlos (org.). Cem poemas essenciais da
língua portuguesa. Belo Horizonte: Leitura, 2004.
ANDRADE, Carlos Drummond de. O corpo: novos poemas. Rio de Janeiro: Record, 1985.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. 3. ed. São Paulo:
Humanitas; FFLCH/USP, 2001.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. 4. ed. São Paulo: Ática, 2005.
BENVENISTE, Emile. Problemas da linguística geral. São Paulo: Nacional; Edusp, 1976.
BERTRAND, Denis. Caminhos da semiótica literária. Trad. Grupo Casa. Bauru, SP: EDUSC, 2003.
CARMO JÚNIOR, José Roberto do. Semiótica e futebol. In: LOPES, Ivã Carlos; HERNANDES, Nilton
(org.). Semiótica: objetos e práticas. São Paulo: Contexto, 2005. p. 143-154.
COELHO, Márcio. Já sei namorar: tribalismo e semiótica. In: LOPES, Ivã Carlos; HERNANDES, Nilton
(org.). Semiótica: objetos e práticas. São Paulo: Contexto, 2005. p. 77-94.
DANTAS, Gabriel Schünemann; PEIXE; Letícia de Souza. Futebol como texto: Pelé contra Ma-
zurkiewicz. Rabiscos de primeira (UFMS), v. 6, p. 20-21, 2006.
FIORIN, José Luiz. A noção de texto em Semiótica. Organon, Porto Alegre, v. 9, n. 23, p. 163-173,
1995.
55
UAB/Unimontes - 8º Período
FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2006.
HERNANDES, Nilton; TROTTA, Mariana de Rosa. Me conta agora como hei de partir: análise do
fragmento Eu te amo do espetáculo De repente, não mais que de repente, do balé Cidade de São
Paulo. In: LOPES, Ivã Carlos; HERNANDES, Nilton (org.). Semiótica: objetos e práticas. São Paulo:
Contexto, 2005. p. 109-124.
LARA, Glaucia. M. P. O que dizem da língua os que ensinam a língua: uma análise semiótica do
discurso do professor de português. Campo Grande: Ed. UFMS, 2004.
LARA, Glaucia M. P.; MATTE, Ana Cristina F. Ensaios de semiótica: aprendendo com o texto. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira; Lucerna, 2009.
MATTE, Ana Cristina Fricke. A enunciação da História sem fim. In: LOPES, Ivã Carlos; HERNANDES,
Nilton (org.). Semiótica: objetos e práticas. São Paulo: Contexto, 2005. p. 11-26.
STRIPTEASE. In: FERREIRA, Aurélio B.H. Dicionário Aurélio Eletrônico: Século XXI. Lexikon Informá-
tica Ltda. Versão integral de FERREIRA, Aurélio B.H. Dicionário Aurélio: Século XXI. Rio de Janei-
ro: Nova Fronteira, 1999.
VANDER LEE. Passional. In: Idem. No balanço do balaio. Rio de Janeiro: Selo Kuarup, 1999.
56
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
Resumo
Unidade 1: Primeiras noções e nível fundamental
57
UAB/Unimontes - 8º Período
58
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
Referências
Básicas
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria Semiótica do texto. 2. ed. São Paulo: Ática, 1990.
FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2006.
FIORIN, José Luiz. A noção de texto em Semiótica. Organon, Porto Alegre, v. 9, n. 23, p. 163-173, 1995.
Complementares
ABREU, Antônio Suárez. A arte de argumentar: gerenciando razão e emoção. Cotia, PR: Ateliê
Editorial, 2008.
ALVES, Castro. Navio Negreiro: Canto V. In: FIGUEIREDO, Carlos (org.). Cem poemas essenciais da
língua portuguesa. Belo Horizonte: Leitura, 2004.
ANDRADE, Carlos Drummond de. O corpo: novos poemas. Rio de Janeiro: Record, 1985.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. 3. ed. São Paulo:
Humanitas; FFLCH/USP, 2001.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Estudos do discurso. In: FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à Lin-
güística – II. Princípios de análise. São Paulo: Contexto, 2003, p. 187-219.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. 4. ed. São Paulo: Ática, 2005.
BENVENISTE, Emile. Problemas da linguística geral. São Paulo: Nacional; Edusp, 1976.
BERTRAND, Denis. Caminhos da semiótica literária. Trad. Grupo Casa. Bauru: EDUSC, 2003.
BRITO, Clebson Luiz de. Outras harmonias insuspeitas: um estudo da (in)variabilidade discursi-
va em mitos indígenas à luz da semiótica francesa. 2011. 116f. Dissertação (Mestrado em Linguís-
tica do Texto e do Discurso) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Letras, Belo
Horizonte, 2011.
CARMO JÚNIOR, José Roberto do. Semiótica e futebol. In: LOPES, Ivã Carlos; HERNANDES, Nilton
(org.). Semiótica: objetos e práticas. São Paulo: Contexto, 2005. p. 143-154.
COELHO, Márcio. Já sei namorar: tribalismo e semiótica. In: LOPES, Ivã Carlos; HERNANDES, Nilton
(org.). Semiótica: objetos e práticas. São Paulo: Contexto, 2005. p. 77-94.
DANTAS, Gabriel Schünemann; PEIXE; Letícia de Souza. Futebol como texto: Pelé contra Ma-
zurkiewicz. Rabiscos de primeira (UFMS), v. 6, p. 20-21, 2006.
DJAVAN. Faltando um pedaço. In: Idem. Djavan ao vivo. Volume 2. Sony Music, 1999.
FERNANDES, Millôr. Fábulas fabulosas – O Rato que tinha medo (A maneira dos … Marroqui-
nos)? Disponível em: <http://umaraposanaestrada.blogspot.com/2011/08/fabulas-fabulosas.
html> Acesso em 23 set. 2011.
59
UAB/Unimontes - 8º Período
FIORIN, José Luiz. A noção de texto em Semiótica. Organon, Porto Alegre, v. 9, n. 23, p. 163-173, 1995.
FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2006.
FIORIN, José Luiz. Enunciação e semiótica. Santa Maria: Letras (Santa Maria), v. 33, 2007a, p. 69-97. Dis-
ponível em <http://w3.ufsm.br/revistaletras/artigos_r33/revista33_6.pdf> Acesso em 20 ago. 2011.
FIORIN, José Luiz. A Semiótica Discursiva. In: LARA, Glaucia M. P.; MACHADO, Ida Lucia; EMEDIATO,
Wander (orgs.). Análises do Discurso Hoje. v. 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, p. 121-144.
Folha.com. Jogador é condenado a indenizar arbitro após ofensas racistas no RS. Dispo-
nível em: <http://www1.folha.uol.com.br/esporte/743642-jogador-e-condenado-a-indenizar-ar-
bitro-apos-ofensas-racistas-no-rs.shtml>. Acesso em 1 jun. 2010.
GREIMAS, Algirdas Julien; COURTÉS, Joseph. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2008.
HERNANDES, Nilton; TROTTA, Mariana de Rosa. Me conta agora como hei de partir: análise do
fragmento Eu te amo do espetáculo De repente, não mais que de repente, do balé Cidade de São
Paulo. In: LOPES, Ivã Carlos; HERNANDES, Nilton (org.). Semiótica: objetos e práticas. São Paulo:
Contexto, 2005. p. 109-124.
LARA, Glaucia. M. P. O que dizem da língua os que ensinam a língua: uma análise semiótica do
discurso do professor de português. Campo Grande: Ed. UFMS, 2004.
LARA, Glaucia M. P.; MATTE, Ana Cristina F. Ensaios de semiótica: aprendendo com o texto. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira; Lucerna, 2009.
LEGIÃO URBANA. Soldados. In: Idem. Legião urbana. Rio de Janeiro: EMI Music do Brasil, 1985.
MATTE, Ana Cristina Fricke. A enunciação da História sem fim. In: LOPES, Ivã Carlos; HERNANDES,
Nilton (org.). Semiótica: objetos e práticas. São Paulo: Contexto, 2005. p. 11-26.
MATOS, Gregório de. Antologia poética. Seleção de Walmir Ayala. Rio de Janeiro: Ediouro; São
Paulo: Publifolha, 1997.
PEIXE, Letícia de Souza. Harry Potter e a pedra da narrativa. 2009. Dissertação (Mestrado em
Linguística do Texto e do Discurso) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Letras,
Belo Horizonte, 2009.
RAMOS, José Júlio da Silva. Apólogo dos dois escudos. Apud FIORIN, José Luiz. Elementos de
análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2006.
ROCHA, Luiuz Carlos de Assis. Boletim UFMG nº 1353 - Ano 28 - 13.06.2002, Belo horizonte - MG.
Entrevista a Juliano Paiva.
60
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
ROWLING, J. K. Harry Potter e a pedra filosofal. Tradução Lia Wyler. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
SÁ, Luiz Fernando (Ed.). O vírus que salva. Revista Isto É. ed. 2155. 25 fev. 2011.
STRIPTEASE. In: FERREIRA, Aurélio B.H. Dicionário Aurélio Eletrônico: Século XXI. Lexikon Infor-
mática Ltda. Versão integral de FERREIRA, Aurélio B.H. Dicionário Aurélio: Século XXI. Rio de Ja-
neiro: Nova Fronteira, 1999.
TATIT, Luiz. A abordagem do texto. In: FIORIN, José Luiz (org.). Introdução à Linguística I: Obje-
tos teóricos. São Paulo: Contexto, 2002. p. 187-209.
TITÃS. Comida. In: Idem. Jesus não tem dentes no país dos banguelas. Rio de Janeiro: WEA, 1987.
VANDER LEE. Passional. In: Idem. No balanço do balaio. Rio de Janeiro: Selo Kuarup, 1999.
VERÍSSIMO, Luís Fernando. A verdade. In: Idem. As mentiras que os homens contam. Rio de Ja-
neiro: Objetiva, 2000.
suplementares
COURTÉS, Joseph. Introdução à semiótica narrativa e discursiva. Trad. Norma Backes Tasca.
Coimbra: Almedina, 1979.
FONTANILLE, Jacques; ZILBERBERG, Claude. Tensão e significação. Trad. Ivã Carlos Lopes, Luiz
Tatit e Waldir Beividas. São Paulo: Discurso Editorial; Humanitas; FFLCH/USP, 2001.
FONTANILLE, Jacques. Semiótica do discurso. Trad. Jean Cristtus Portela. São Paulo: Contexto, 2007.
GREIMAS, Algirdas Julien. Da Imperfeição. Trad. Ana Claudia de Oliveira. São Paulo: Hacker Edi-
tores, 2002.
GREIMAS, A. J.; FONTANILLE, J. Semiótica das paixões. São Paulo: Ática, 1993.
LOPES, Ivã Carlos; HERNANDES, Nilton (Org.) Semiótica: objetos e práticas. São Paulo: Contexto, 2005.
PIETROFORTE, Antônio Vicente. Semiótica Visual. Os percursos do olhar. São Paulo: Contexto, 2004.
TATIT, Luiz. Semiótica da Canção: Melodia e Letra. São Paulo: Escuta, 2007.
TATIT, Luiz. Análise semiótica através das letras. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
ZILBERBERG, Claude. Razão e poética do sentido. Trad. Ivã Carlos Lopes, Luiz Tatit e Waldir Bei-
vidas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
61
UAB/Unimontes - 8º Período
62
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
Atividades de
aprendizagem - AA
1) Como você já viu, a concepção de texto em Semiótica é ampla, significando a junção de uma
plano de expressão e um plano de conteúdo. Por isso, responda:
◄ Figura 8
Fonte: http://reocities.
com/SunsetStrip/pal-
ms/6237/1994.html. Acesso
em 30 set. 2011.
Comida
A gente não quer só comida,
A gente quer comida, diversão e arte
A gente não quer só comida,
A gente quer saída para qualquer parte
A gente não quer só comida,
A gente quer bebida, diversão, balé
A gente não quer só comida,
A gente quer a vida como a vida quer
(...)
A gente não quer só comer,
A gente quer comer e quer fazer amor
A gente não quer só comer,
A gente quer prazer pra aliviar a dor
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer dinheiro e felicidade
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer inteiro e não pela metade
(TITÃS, 1987)
3) O texto a seguir, “Apólogo dos dois escudos”, é superficialmente bastante diferente da letra
da canção “Comida”, dos Titãs, vista no exercício anterior. Leia o texto e, pensando no que você
estudou sobre o nível fundamental, procure explicar o que ambos têm em comum?
63
UAB/Unimontes - 8º Período
[...] As razões que me trazem a esta tribuna são algumas considerações ab-
solutamente importantes para o Brasil. Penso que o homem é a sua crença,
o homem é aquilo que acredita, o homem é aquilo que ele decide ser. Todos
nós temos uma missão para cumprir. Eu recebi do meu Estado, aliás, da minha
própria consciência, uma missão para cumprir com o Brasil. Ao longo da minha
vida, tenho lutado pela causa dos menores. [...] Agora, presidindo a Frente Par-
lamentar da Família, penso que vivemos um momento absolutamente sofrido,
porque uma minoria barulhenta tenta se sobrepor a uma maioria absoluta des-
te País, uma maioria de famílias que acreditam em princípios de família como
Deus assim a constituiu, macho e fêmea, homem e mulher, pai e mãe, aliás,
viemos do útero de uma mulher, não há qualquer anomalia que possa trazer
alguém à luz fora disso. [...] Eu estou olhando para o Brasil para afirmar o se-
guinte, Senador Ivo Cassol: esse kit homossexual nas escolas fará das escolas
do Brasil verdadeiras academias de homossexuais (MALTA, 2001, s/p).
64
Letras/Português - Língua portuguesa Semiótica
a) Quais os actantes que são percebidos no texto e que atores discursivos os concretizam?
b) Quais os PNs são destacados na notícia e como isso é determinante para o sentido da
notícia?
6) Leia o texto abaixo e procure examiná-lo a partir das modalidades veridictórias, que você
estudou na semântica narrativa. Explique como essas modalidades contribuem com as reviravol-
tas observadas no texto.
A Verdade
Uma donzela estava um dia sentada à beira de um riacho, deixando a água do
riacho passar por entre os seus dedos muito brancos, quando sentiu o seu anel
de diamante ser levado pelas águas. Temendo o castigo do pai, a donzela con-
tou em casa que fora assaltada por um homem no bosque e que ele arrancara
o anel de diamante do seu dedo e a deixara desfalecida sobre um canteiro de
margarida. O pai e os irmãos da donzela foram atrás do assaltante e encontra-
ram um homem dormindo no bosque, e o mataram, mas não encontraram o
anel de diamante. E a donzela disse:
- Agora me lembro, não era um homem, eram dois.
E o pai e os irmãos da donzela saíram atrás do segundo homem, e o encontra-
ram, e o mataram, mas ele também não tinha o anel. E a donzela disse:
- Então está com o terceiro!
Pois se lembrara que havia um terceiro assaltante. E o pai e os irmãos da don-
zela saíram no encalço do terceiro assaltante, e o encontraram no bosque. Mas
não o mataram, pois estavam fartos de sangue. E trouxeram o homem para a
aldeia, e o revistaram, e encontraram no seu bolso o anel de diamante da don-
zela, para espanto dela.
- Foi ele que assaltou a donzela, e arrancou o anel de seu dedo, e a deixou des-
falecida - gritaram os aldeões. - Matem-no!
- Esperem! - gritou o homem, no momento em que passavam a corda da forca
pelo seu pescoço. - Eu não roubei o anel. Foi ela quem me deu!
E apontou para a donzela, diante do escândalo de todos.
O homem contou que estava sentado à beira do riacho, pescando, quando a
donzela se aproximou dele e pediu um beijo. Ele deu o beijo. Depois a donzela
tirara a roupa e pedira que ele a possuísse, pois queria saber o que era o amor.
Mas como era um homem honrado, ele resistira, e dissera que a donzela devia
ter paciência, pois conheceria o amor do marido no seu leito de núpcias. Então
a donzela lhe oferecera o anel, dizendo “Já que meus encantos não o seduzem,
este anel comprará o seu amor”. E ele sucumbira, pois era pobre, e a necessida-
de é o algoz da honra.
Todos se viraram contra a donzela e gritaram: “Rameira! Impura! Diaba!” e exigiram
seu sacrifício. E o próprio pai da donzela passou a forca para o seu pescoço.
Antes de morrer, a donzela disse para o pescador:
-A sua mentira era maior que a minha. Eles mataram pela minha mentira e vão
matar pela sua. Onde está, afinal, a verdade?
O pescador deu de ombros e disse:
- A verdade é que eu achei o anel na barriga de um peixe. Mas quem acreditaria
nisso? O pessoal quer violência e sexo, não histórias de pescador (VERÍSSIMO, 2000).
Texto 1
Faltando um pedaço (fragmento)
O amor é um grande laço
um passo pr’uma armadilha,
um lobo correndo em círculo
pra alimentar a matilha.
(...)
O amor é como um raio
galopando em desafio
abre fendas, cobre vales
revolta as águas dos rios (...).
(DJAVAN, 1999)
65
UAB/Unimontes - 8º Período
Texto 2
Definição do amor (Fragmento)
O amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve tremor de artérias.
Uma confusão de bocas,
uma batalha de veias,
um reboliço de ancas,
quem diz outra coisa, é besta.
(MATOS, 1997, p. 106-107)
8) Leia o texto a seguir e explique:
a. Explique como o texto explora recursos discursivos que mobilizam elementos semânticos.
b. Explique como a noção de isotopia e de conector de isotopias pode ajudar a entender o
texto.
10) Examine o texto a seguir levando em consideração a noção de semissimbolismo, que, como
você estudou, ocorre quando, num dado texto, uma categoria da expressão pode ser homologa-
da a uma categoria do conteúdo.
◄ Figura 8
Fonte: http://reocities.
com/SunsetStrip/pal-
ms/6237/1994.html. Acesso
em 30 set. 2011.
66