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SOLA SCRIPTURA (2TM 3.

14-17)1
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

“A Reforma do século XVI foi basea-


da na autoridade da Bíblia e (...) colo-
cou o mundo em chamas” – J. Gresham
Machen, Cristianismo e Liberalismo, São
Paulo: Os Puritanos, 2001, p. 83.

INTRODUÇÃO:

Um dos princípios sustentados pela Reforma Protestante do Século XVI foi a a-


firmação da suficiência das Escrituras (“Sola Scriptura”). Vejamos o significado desta
declaração.

1. TRADIÇÃO & ESCRITURA?!:

A. Novo Eixo Hermenêutico:

“A Reforma Protestante foi em sua ra-


iz um evento do domínio da hermenêu-
tica” – Edward A. Dowey Jr., Documentos
Confessionais como Hermenêutica: in: Do-
nald K. Mckim, ed. Grandes Temas da Teo-
logia Reformada, São Paulo: Pendão Real,
1999, p. 13.

“A Reforma Protestante foi, em mui-


tos sentidos, um movimento hermenêu-
tico” – Augustus Nicodemus Lopes, A Bí-
blia e Seus Intérpretes, São Paulo: Cultura
Cristã, 2004, p. 159.

Na Reforma deu-se uma mudança de quadro de referência. O “eixo hermenêuti-


co” desloca-se da tradição da igreja para a compreensão pessoal (livre exame) da
Palavra. Há aqui uma mudança de critério de verdade que determina toda a diferen-
ça. No entanto, conforme acentua Popkin, Lutero inicialmente confrontou a igreja
dentro da perspectiva da própria tradição da igreja, somente mais tarde é que ele
“deu um passo crítico que foi negar a regra de fé da Igreja, apresentando
um critério de conhecimento religioso totalmente diferente. Foi neste período

1
Palestra ministrada na Quarta Igreja Presbiteriana de São Bernardo do Campo, São Paulo, no dia
24/10/07 como parte das Comemorações do aniversário da Reforma Protestante do Século XVI. E-
vento promovido pelo Presbitério de São Bernardo do Campo, SP.
Sola Scriptura – Rev. Hermisten – 2

que ele deixou de ser apenas mais um reformador atacando os abusos e a


corrupção de uma burocracia decadente, para tornar-se o líder de uma re-
volta intelectual que viria a abalar os próprios fundamentos da civilização o-
2
cidental”.

B. “Sola Scriptura” x Tradição?:

O Sola Scriptura foi considerado pelos reformadores como o princípio formal


que dá substância a tudo o mais. Portanto, tradição nunca foi rejeitada pelo simples
fato de ser tradição. Na própria Escritura encontramos ênfase e crítica à tradição
3
[para/dosij] (2Ts 2.15). A questão básica é: a que tradição estamos nos referin-
do?. Como vimos, “Lutero e os reformadores não queriam dizer por Sola Scrip-
tura que a Bíblia é a única autoridade da igreja. Pelo contrário, queriam dizer
4
que a Bíblia é a única autoridade infalível dentro da Igreja”. A autoridade dos

2
Richard H. Popkin, História do Ceticismo de Erasmo a Spinoza, Rio de Janeiro: Francisco Alves,
2000, p. 26.
3
A tradição oral (para/dosij) [“transmissão”, “entrega”, “tradição”. A palavra é formada de “Para/”
(“junto a”, “ao lado de”) & “Di/dwmi” (Conforme o contexto: “dar”, “trazer”, “conceder”, “causar”, “colo-
car”, etc.] consistia basicamente no que Jesus Cristo, os apóstolos e outros servos de Deus ensina-
vam através de seus sermões, orientações e comportamento(1Co 11.2, 23-25; Gl 1.14; 2Ts 2.15;
3.6/Rm 6.17; 16.17; 1Co 15.1-11; Fp 4.9; 1Ts 2.9, 13; 4.11,12). Nestes textos, evidenciam-se que a
“tradição” recebida e ensinada amparava-se numa certeza quanto à sua origem divina. Portanto, as
“tradições” mencionadas por Paulo distinguem-se daquelas inventadas e transmitidas pelos homens,
as quais são recriminadas por Cristo, visto que estes ensinamentos anulavam a Palavra de Deus (Cf.
Mt 15.2,3,6; Mc 7.3,5,8,9,13). A para/dosij é rejeitada todas as vezes que entra em choque com a
Palavra de Deus (Vd. H.M.F. Büchsel, Para/dosij: In: Gerhard Kittel & G. Friedrich, eds. Theological
Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), Vol. II, p.
172-173; G. Hendriksen, 1 y 2 Tesalonicenses, Grand Rapids, Michigan: Subcomision Literatura Cris-
tiana de la Iglesia Cristiana Reformada, 1980, p. 217 e 230; I.H. Marshall, I e II Tessalonicenses: In-
trodução e Comentário, São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1984, p. 245 e 257; W. Popkes, Pa-
ra/dosij: In: Horst Balz & Gerhard Schneider, eds. Exegetical Dictionary of New Testament, Grand
Rapids, Michigan: Eerdmans, 1978-1980, Vol. III, p. 21). Portanto, “A questão não é se temos tra-
dições, mas se as nossas tradições estão em conflito com o único padrão absoluto nessas
questões: as Escrituras Sagradas” (J.I. Packer, O Conforto do Conservadorismo: In: Michael Horton,
ed. Religião de Poder, São Paulo: Editora Cultura Cristã, p. 234). Ridderbos salienta que o conceito
de tradição no Novo Testamento, não está associado ao pensamento grego antes, é orientado pela
concepção judaica, pela qual “o que confere autoridade à tradição não é o peso dos antepas-
sados ou da escola senão primordialmente o caráter do material dessa tradição....” [Herman
N. Ridderbos, Historia de la Salvación y Santa Escritura, Buenos Aires: Editorial Escaton, (1973), p.
39].
4
R. C. Sproul, Sola Scriptura: Crucial ao Evangelicalismo: In: J.M. Boice, ed. O Alicerce da Autorida-
de Bíblica, São Paulo: Vida Nova, 1982, p. 122. Timothy George coloca a questão nestes termos: “O
sola scriptura não pretendia desprezar completamente o valor da tradição da igreja, mas
sim subordiná-la à primazia das Escrituras Sagradas. Enquanto a Igreja Romana recorria ao
testemunho da igreja a fim de validar a autoridade das Escrituras canônicas, os reformado-
res protestantes insistiam em que a Bíblia era autolegitimadora, isto é, considerada fidedigna
com base em sua própria perspicuidade, comprovada pelo testemunho íntimo do Espírito
Santo” (Timothy George, Teologia dos Reformadores, São Paulo: Vida Nova, 1994, p. 312). A obser-
vação de Packer é pertinente como princípio que deve servir de parâmetro: “Dentro dessa aborda-
gem, e com base na percepção comum de que tanto o Espírito de Deus como também o
pecado humano estão sempre trabalhando dentro da igreja, espera-se que as tradições
Sola Scriptura – Rev. Hermisten – 3

Credos (Apostólico, Nicéia, Calcedônia) era indiscutivelmente considerada pelos re-


formadores – tendo inclusive Lutero [O Catecismo Maior (1529) e O Catecismo Me-
nor (1529)] e Calvino [Catecismo de Genebra (1536/37 e 1541/2) e Confissão Gau-
lesa (1559)] elaborado Catecismos para a Igreja –; contudo, somente as Escrituras
5
são incondicionalmente autoritativas. Os dizeres da Confissão Gaulesa (Capítulo 5)
resumem bem o espírito que orientou a aceitação dos Credos pelos Reformadores:

“Concluímos que nem a antiguidade, nem os costumes, nem a maioria,


nem sabedoria humana, nem julgamentos, nem prisões, nem as leis, nem
decretos, nem os concílios, nem visões, nem milagres podem se opor a es-
ta santa Escritura, mas ao contrário, todas as coisas devem ser examina-
das, regulamentadas e reformadas por ela. Neste espírito, nós reconhe-
cemos os três símbolos, a saber: O Credo dos Apóstolos, de Nicéia, e de
Atanásio, porque eles estão de acordo com a Palavra de Deus” (Desta-
6
ques meus).

2. A SUFICIÊNCIA DAS ESCRITURAS: SUA ORIGEM:

Deus é o Autor das Escrituras. Mesmo a Bíblia sendo registrada por homens, fa-
lando do pecado do homem, descrevendo a desobediência circunstancial de seus
autores secundários, ela é prioritariamente um livro divino.

Paulo diz que “toda Escritura e inspirada por Deus” (2Tm 3.16), indicando a sua
procedência: toda a Escritura Sagrada é soprada, exalada por Deus. Esta Palavra
não foi apenas entregue aos homens, mas, foi preservada por Deus; Deus preservou
quanto ao seu registro e quanto à sua conservação.

B.B. Warfield (1851-1921), comentando o texto de 2Tm 3.16, diz:

"Numa palavra, o que se declara nesta passagem fundamental é, sim-


plesmente, que as Escrituras são um produto divino, sem qualquer indica-
ção da maneira como Deus operou para as produzir. Não se poderia es-
colher nenhuma outra expressão que afirmasse, com maior saliência, a
produção divina das Escrituras, como esta o faz. (...) Paulo (...) afirma com
toda a energia possível, que as Escrituras são o produto de uma operação
7
especificamente divina".

cristãs sejam parcialmente certas e parcialmente erradas” (J.I. Packer, O Conforto do Conser-
vadorismo: In: Michael Horton, ed. Religião de Poder, p. 234).
5
Ver: Alister E. McGrath, Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã,
São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 109-110.
6
Esta Confissão, também conhecida como Confissão de Fé de La Rochelle encontra-se traduzida na
íntegra no site: www.monergismo.com (consulta: 28/07/06). Schaff, (The Creeds of Christendom, 6ª
ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (Revised and Enlarged), 1977, Vol. III, p. 356-382)
traz o Documento em francês e inglês.
7
B.B. Warfield, The Inspiration of the Bible: In: The Works of Benjamin B. Warfield, Grand Rapids,
Michigan: Baker Book House, 1981, Vol. I, p. 79.
Sola Scriptura – Rev. Hermisten – 4

Com isto, estamos dizendo que o Deus que Se revelou, esteve "expirando" os
homens que Ele mesmo separou para registrarem esta revelação. A inspiração bíbli-
ca garante que seja registrado de forma veraz aquilo que a inspiração profética fazia
com respeito à palavra do profeta, para que ela correspondesse literalmente à mente
de Deus; em outras palavras: a Palavra escrita é tão fidedigna quanto a Palavra fa-
lada pelos profetas; ambas foram inspiradas por Deus.

Desse modo cremos que a inspiração foi plenária, dinâmica, verbal e sobrenatu-
ral.

1) Plenária: Porque toda a Escritura é plenamente expirada. De Gênesis ao


Apocalipse, tudo o que foi registrado, o foi pela vontade de Deus (2Tm 3.16; 2Pe
1.20,21).
8
2) Dinâmica: Porque Deus não anulou a personalidade dos escritores, por
isso, inspirados por Deus, eles puderam usar de suas experiências, pesquisas, apti-
dões e manter o seu estilo (2Pe 3.15,16). Deus, na realidade, separou os seus ser-
vos antes de eles nascerem e os preparou para desempenharem essa função (Is
9
49.1,5; Jr 1.5; Gl 1.15,16).

A Bíblia não é um livro qualquer; a sua origem está em Deus que falou através de
homens que Ele mesmo separou para registrar a Sua Palavra. Sabemos que a ques-
tão do caráter humano das Escrituras não é algo acidental ou periférico: os homens
escolhidos por Deus para registrarem as Escrituras eram pessoas de carne e osso
como nós, com personalidades diferentes, que viveram em determinado período his-
tórico – num espaço de aproximadamente 1600 anos –, enfrentando problemas es-
10
pecíficos, dispondo de determinados conhecimentos, etc. Aqui, sabemos, não há
11
lugar para nenhum docetismo: Os autores secundários tiveram um papel ativo e
12
passivo. No entanto, devemos também acentuar, e este é o nosso ponto neste tex-
to, que o Espírito chamou Seus servos, revelou-Se a Si mesmo e a Sua mensagem,
dirigiu, inspirou e preservou os registros feitos por esses homens. “O Espírito Santo
habitou em certos homens, inspirou-os, e assim dirigiu-os que eles, em plena
consciência, expressaram-se na sua singular maneira pessoal. O Espírito ca-
pacitou homens a conhecer e expressar a verdade de Deus. Ele impediu-os

8
A inspiração é também chamada de “orgânica” porque a Escritura pode ser comparada em certo
sentido a um organismo, onde há uma interação harmoniosa de forças. Deus preparou os seus ser-
vos desde à eternidade, tornando-os “órgãos da inspiração” (Ver Homer C. Hoeksema, The Doctrine
of Scripture, Grand Rapids, Michigan: Reformed Free Publishing Association, 1990, p. 78ss).
9
Ver L. Boettner, A Inspiração das Escrituras, Lisboa, Papelaria Fernandes, (s.d.), p. 30; B. B. War-
field, The Inspiration of the Bible: In: The Works of Benjamin B. Warfield, Grand Rapids, Michigan:
Baker Book House, 1981, Vol. I, p. 101.
10
Encontramos uma abordagem útil e esclarecedora deste ponto em: Augustus Nicodemus Lopes, A
Bíblia e Seus Intérpretes, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 23-29.
11
Ver: Robert Laird Harris, Inspiração e Canonicidade da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p.
96.
12
Vejam-se: Gordon R. Lewis, A Autoria Humana da Escritura Inspirada: In: Norman Geisler, org. A
Inerrância Bíblica. São Paulo: Editora Vida, 2003, p. 268-312. (Especialmente, p. 287-312); J. Gre-
sham Machen, Cristianismo e Liberalismo, São Paulo: Os Puritanos, 2001, p. 75-83.
Sola Scriptura – Rev. Hermisten – 5

de incluir qualquer coisa que fosse contrária a essa verdade de Deus. Ele
também impediu-os de escrever coisas que não eram necessárias. Assim,
homens escreveram como homens, mas, ao mesmo tempo, comunicaram a
13
mensagem de Deus, não a do homem”. Esta compreensão que nos advém da
própria Escritura caracteriza distintamente o Cristianismo: Os profetas não falaram
aleatoriamente o que pensavam; antes, “testificaram a verdade de que era a
14
boca do Senhor que falava através deles”.

Ainda que Calvino não tenha detalhado este assunto no que se refere ao proces-
so de inspiração, um conceito fica claro em seus escritos: os autores secundários
das Escrituras não foram simplesmente autômatos; Deus se valeu livre e soberana-
mente de seus conhecimentos e personalidade. Contudo, tudo que foi escrito o foi
conforme a vontade de Deus. Os profetas e apóstolos tiveram em seus corações
“gravada a firme certeza da doutrina, de sorte que fossem persuadidos e
15
compreendessem que procedera de Deus o que haviam aprendido”.

Argumentando em prol do conceito de Calvino concernente à participação huma-


na no registro das Escrituras, Puckett resume:

13
Gerard Van Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento, Campinas, SP.: Luz para o
Caminho, 1995, p. 64-65. Veja-se também: J. Gresham Machen, Cristianismo e Liberalismo, São
Paulo: Os Puritanos, 2001, p. 78-79.
14
João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 3.16), p. 262.
15
João Calvino, As Institutas, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985, I.6.2. Em outro lugar: “Eis
aqui o princípio que distingue nossa religião de todas as demais, ou seja: sabemos que Deus
nos falou e estamos plenamente convencidos de que os profetas não falaram de si próprios,
mas que, como órgãos do Espírito Santo, pronunciaram somente aquilo para o qual foram
do céu comissionados a declarar. Todos quantos desejam beneficiar-se das Escrituras de-
vem antes aceitar isto como um princípio estabelecido, a saber: que a lei e os profetas não
são ensinos passados adiante ao bel-prazer dos homens ou produzidos pelas mentes huma-
nas como uma fonte, senão que foram ditados pelo Espírito Santo” [João Calvino, As Pasto-
rais, (2Tm 3.16), p. 262]. Do mesmo modo: João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Parakle-
tos, 2000, Vol. 1, p. 29; John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book
House Company, 1996 (Reprinted), Vol. 2 (Preface), p. 14; (Ex 3.1), p. 59; Vol. XVII (Jo) (Argument),
p. 22; João Calvino, As Institutas, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1989, IV.8.6). Em outro lugar
Calvino diz que os Apóstolos foram “certos e autênticos amanuenses do Espírito Santo” (As Insti-
tutas, IV.8.9). No entanto, devemos entender que Calvino usa esta expressão não para sustentar o
“ditado” divino, mas sim, para demonstrar que os Apóstolos não criaram de sua própria imaginação a
sua mensagem, antes, a receberam diretamente do Espírito. Ou seja, ele se refere ao resultado do
registro, não ao processo em si. Entendia que Moisés escreveu os cinco livros da Lei “não somente
sob a orientação do Espírito do Deus, mas porque Deus mesmo os tinha sugerido, falando-
lhe com palavras de sua própria boca” [John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Mi-
chigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), Vol. III, (Ex 31.18), p. 328. Vejam-se também:
John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996
(Reprinted), Vol. X (Jr 36.28), p. 352]. Veja-se uma boa exposição sobre este ponto em: B.B. Warfield,
Calvin and Calvinism, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House (The Work’s of Benjamin B. War-
field), 2000 (Reprinted), Vol. V, p. 63ss.; Edward J. Young, Thy Word Is Truth, Grand Rapids, Michi-
gan: Eerdmans, 1957, p. 66-67; Wilson Castro Ferreira, Calvino: Vida, Influência e Teologia, Campi-
nas, SP.: Luz para o Caminho, 1985, p. 356-257; David L. Puckett, John Calvin’s Exegesis of the Old
Testament, Louisville, Kentucky: Westminster John Knox Press (Columbia series Reformed Theologi-
cal), 1995, p. 25ss. Curiosamente, o Concílio de Trento, na sua quarta sessão (08/04/1546), usa esta
expressão para as Escrituras: “Spiritu Sancto dictante” (Ver: P. Schaff, The Creeds of Christendom, 6ª
ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (Revised and Enlarged), 1977, Vol. II, p. 80; Robert
Laird Harris, Inspiração e Canonicidade da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 18 e 306).
Sola Scriptura – Rev. Hermisten – 6

“Os comentários de Calvino, sobre o estilo literário do texto bíblico, refle-


tem sua crença que a mente dos autores humanos permaneciam ativas
na produção da escritura. Ele atribui variações de estilos pelo fato de que
vários escritores são responsáveis por diferentes porções da Bíblia. Ele rejei-
ta a autoria Paulina da epístola de Hebreus porque ele encontra estilos di-
ferentes entre esta e as epístolas que ele crê serem genuinamente Pauli-
16
nas”.
17
Nas Escrituras temos todos os Livros que Deus quis que fossem preservados
para a nossa edificação: “Aquelas [epístolas] que o Senhor quis que fossem in-
dispensáveis à sua Igreja, Ele as consagrou por sua providência para que fos-
sem perenemente lembradas. Saibamos, pois, que o que foi deixado nos é
suficiente, e que sua insignificância não é acidental; senão que o cânon da
Escritura, o qual se encontra em nosso poder, foi mantido sob controle atra-
18
vés do grandioso conselho de Deus”.

3) Verbal: Porque Deus se revelou através de palavras e todas as palavras


dos autógrafos originais são Palavra de Deus (2Sm 23.2; Jr 1.9; Mt 5.18; 1Co 2.13).
Em Gálatas 3.16 é interessante observar que Paulo, depois de analisar a genuína
natureza da aliança de Deus com Abraão, coroa o seu argumento recorrendo a uma
19
só palavra usada no original hebraico. A inspiração se estende aos pensamentos
20
bem como às palavras.

4) Sobrenatural: Por ter sido originada em Deus e produzir efeitos sobrenatu-


rais, mediante a ação do Espírito Santo, em todos aqueles que crêem em Cristo (Jo

16
David L. Puckett, John Calvin’s Exegesis of the Old Testament, Louisville, Kentucky: Westminster
John Knox Press (Columbia series Reformed Theological), 1995, p. 27.
Numa linha semelhante, resume Crampton:
“A visão que Calvino mantinha sobre os autores da Escritura é que o Espírito Santo agiu
neles em um caminho orgânico, em acordo com suas próprias personalidades, caráter,
temperamentos, dons e talentos. Cada autor escreveu em seu próprio estilo, e todos eles fo-
ram movidos pelo Espírito Santo para escreverem a verdade infalível. Realmente cada estilo
de autor foi nele mesmo produzido pela providência de Deus” (W. Gary Crampton, What Calvin
Says, Maryland: The Trinity Foundation, 1992, p. 23).
17
Ver João Calvino, As Institutas, I.8.10-12.
18
João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 3.3), p. 86.
19
Ver L. Boettner, A Inspiração das Escrituras, Lisboa: Papelaria Fernandes, (s.d), p. 11; Edwin A.
Blum, The Apostles´ of Scripture: In: Norman L. Geisler, ed. Inerrancy, Grand Rapids, Michigan: Zon-
dervan Publisching House, 1980, p. 50,51. Ver uma boa discussão sobre o argumento de Paulo in
John Calvin, Commentaries on The Epistles of Paul to the Galatians and Ephesians, (Calvin´s Com-
mentaries) Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996 (Repinted), Vol. XXI, p. 94-96; G. Hen-
driksen, Gálatas, Grand Rapids, Michigan: Subcomision Literatura Cristiana de la Iglesia Cristiana Re-
formada, 1984, p. 142-145.
20
Ver Cornelius Van Til, Na Introduction to Systematic Theology, Phillipsburg, New Jersey: Presbyte-
rian and Reformed Publishing Co., 1974, p. 152.
Sola Scriptura – Rev. Hermisten – 7

17.17; Rm 10.17; Cl 1.3-6; 1Pe 1.23). É através da Palavra que Deus gera os seus
21
filhos espirituais.

3. A SUFICIÊNCIA DO TESTEMUNHO DAS ESCRITURAS:

A Bíblia autentica-se a si mesma como o registro inspirado e inerrante da revela-


ção de Deus. Deus ordenou que a Sua palavra fosse escrita (Ex 17.14), sendo cha-
mado este registro de "Livro do Senhor" (Is 34.16). Analisemos este ponto substan-
ciando-o com alguns dos muitos textos bíblicos que fundamentam a nossa afirma-
ção:

A. Os Profetas:

1) Os profetas são descritos como aqueles através dos quais Deus fala (Ex
7.1; Dt 18.15,18; Jr 1.9; 7.1). O Profeta não criava nem adaptava a mensagem; a ele
competia transmiti-la como havia recebido (Ex 4.30; Dt 4.2,5). O que se exige do
Profeta é fidelidade.

2) Os profetas tinham consciência de que foram chamados por Deus (1Sm 3; Is 6;


Jr 1; Ez 1-3); receberam a mensagem da parte de Deus (Nm 23.5; Dt 18.18; Jr 1.9;
5.14), que era distinta dos seus próprios pensamentos (Nm 16.28; 24.13; 1Rs 12.33;
Ne 6.8). Os falsos profetas eram acusados justamente de proferirem as suas pró-
prias palavras e não as de Deus. (Jr 14.14; 23.16; 29.9; Ez 13.2,3,6).

3) Quando os profetas se dirigiam ao povo, diziam: "Assim diz o Senhor...", "Ouvi


a Palavra do Senhor....” "Veio a Palavra do Senhor" (Cf. Ez 31.1; Os 1.1; Jl 1.1; Am
1.3; 2.1; Ob 1.1; Mq 1.1; Jr 27.1; 30.1,4, etc.); isto indicava a certeza que tinham de
que Deus lhes dera a mensagem e os enviara (Cf. Jr 20.7-9; Ez 3.4ss, 17,22; 37.1;
Am 3.8; Jn 1.2).

4) Um fato importante a favor da sinceridade dos profetas de Deus, é que nem


sempre eles entendiam a mensagem transmitida (Cf. Dn 12.8,9; Zc 1.9; 4.4; 1Pe
1.10,11).

B. Os Apóstolos:

Os escritores do Novo Testamento reconheciam ser o Antigo Testamento a Pa-


lavra de Deus (Hb 1.1; 3.7), sendo a "Escritura" um registro fiel da história e da von-
tade de Deus (Rm 4.3; 9.17; Gl 3.8; 4.30).

Os Apóstolos falavam com a convicção de que estavam pregando e ensinando a


Palavra inspirada de Deus, dirigidos pelo Espírito Santo (Vd. 1Co 2.4-13; 7.10;
14.37; 2Co 13.2-3; Gl 1.6-9; Cl 4.16; 1Ts 2.13; 2Ts 3.14).

21
Ver J. M. Boice, O Pregador e a Palavra de Deus: In: J.M. Boice, ed. O Alicerce da Autoridade Bí-
blica, São Paulo: Vida Nova, 1982, p. 162.
Sola Scriptura – Rev. Hermisten – 8

Paulo e Pedro colocavam os Escritos do Novo Testamento no mesmo nível do


Antigo Testamento (Cf. 1Tm 5.18/Dt 25.4; Lc 10.7; 2Pe 3.16).

Paulo reconheceu os apóstolos e os profetas, no mesmo nível, como os funda-


mentos da Igreja, edificados sobre Jesus Cristo, a pedra angular (Ef. 2.20).

C. Jesus Cristo:

Jesus apelava para o Antigo Testamento, considerando-o como a expressão


fiel do Conselho de Deus, sendo a verdade final e decisória. Deus é o Autor das Es-
crituras! (Mt 4.4,7,10; 11.10; 15.4; 19.4; 21.16,42; 22.29; Mc 10.5-9; 12.10; 12.24; Lc
19.46; 24.25-27, 44-47; Jo 10.34).

D. Afirmações Diretas das Escrituras:

O Novo Testamento declara enfaticamente que toda a Escritura, como Palavra


de Deus, é inspirada, inerrante e infalível. (Vd. Mt 5.18; Lc 16.17,29,31; Jo 10.35; At
1.16; 4.24-26; 28.25; Rm 15.4; 2Tm 3.16; Hb 1.1-2; 3.7-11; 10.15-17; 2Pe 1.20).

A Bíblia fornece argumentos racionais que demonstram a sua inspiração e iner-


rância; todavia, os homens só poderão ter esta convicção mediante o testemunho in-
22
terno do Espírito Santo (Sl 119.18). Os discípulos de Cristo, só entenderam as Es-
crituras, quando o próprio Jesus lhes abriu o entendimento (Lc 24.45). A Escritura
23
autentica-se a si mesma e nós a recebemos pelo Espírito.

A Igreja sustenta a total rendição às reivindicações proféticas, apostólicas e do


próprio Cristo. Diante de um testemunho tão evidente, como poderia eu descartá-lo e
seguir as opiniões fantasiosas de homens? O cristão sincero deve aprender, pelo
Espírito de Deus, a subordinar a sua inteligência à sabedoria de Deus revelada nas
Escrituras e, a guardar no coração a Palavra de Deus (Sl 119.11).

4. A SUFICIÊNCIA DAS ESCRITURAS E A EVANGELIZAÇÃO:

No ato evangelizador da Igreja, ela prega a Palavra de Deus, conforme a ordem


divina expressa nas Escrituras; fala da salvação eterna oferecida por Cristo, confor-
me as Escrituras; proclama as perfeições de Deus, conforme as Escrituras. Ora, se a
Igreja não tem certeza da fidedignidade do que ensina, como então, poderá teste-
munhar de forma honesta?

22
Vd. J. Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 8.16), p. 279.
23
Vd. J. Calvino, As Institutas, I.7.4-5 e I.8.13.
Sola Scriptura – Rev. Hermisten – 9

Uma Igreja que não aceite a inspiração e a inerrância bíblica, não poderá ser uma
24
igreja missionária. Como poderemos pregar a Palavra se não estivermos confian-
tes do sentido exato do que está sendo dito? Como evangelizar se nós mesmos não
temos certeza, se o que falamos procede da Palavra de Deus ou, está embasado
numa falácia?

Billy Graham, em 1974, no Congresso de Lausanne, na Suíça, afirmou correta-


mente: “Se há uma coisa que a história da Igreja nos deveria ensinar, é a im-
25
portância de um evangelismo teológico derivado das Escrituras”.

Neste sentido, encontramos a convicção de Paulo, o grande missionário, de que a


Palavra de Deus é fiel; por isso, ele a ensinava com autoridade (1Tm 1.15; 4.9/2Tm
26
4.6-8).

A grandiosidade da pregação consiste basicamente, não nos recursos de retórica


(os quais certamente devem ser buscados), mas em sua pureza, em sua fidelidade à
27
Palavra. Como bem disse Charles H. Spurgeon (1834-1892), “Se o que prega-
28
rem não for a verdade, Deus não estará aí”. Assim sendo, a pregação grandi-
osa é bíblica. Pois bem, se eu não creio na inspiração e inerrância da Bíblia, certa-
mente, poderei ter consciência da biblicidade da minha pregação (basta que pregue
o que está escrito), contudo, como poderei ter certeza da veracidade daquilo que
prego, visto que neste caso, ser bíblico não é a mesma coisa que ser inerrante e por
isso verdadeiro? Se destruo os fundamentos, cai todo o edifício.

24
Não faço aqui nenhuma distinção entre “missão” e “evangelização” (Vd. R.B. Kuiper, Evangelização
Teocêntrica, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1976, p. 1). Orlando E. Costa, que
diz haver uma confusão entre os termos, assim os distingue: “Missão e evangelismo são, pois, dois
lados da mesma moeda. A moeda é Deus (Sic) e Sua atividade redentora em favor de toda
a humanidade. Evangelismo é o anúncio dessa obra; missão é o mandamento que nos
compele a pôr em ação esse anúncio” (Orlando E. Costas, La Iglesia e Su Mision Evangelizado-
ra, Buenos Aires: La Aurora, 1971, p. 27). O autor acrescenta, de forma acertada, que a distinção e-
quivocada entre “missão” e “evangelização, tem levado a Igreja a ter uma visão unilateral de missão:
ou apenas no exterior, esquecendo-se do seu âmbito local, ou apenas local em detrimento daquela.
(Vd. Ibidem., p. 33ss). Neste sentido, vejam-se as pertinentes observações de Francis A. Schaeffer
(F. A. Schaeffer, Forma e Liberdade na Igreja: In: A Missão da Igreja no Mundo de Hoje, São Pau-
lo/Belo Horizonte, MG.: ABU/Visão Mundial, 1982, p. 222).
25
Billy Graham, Por que Lausanne?: In: A Missão da Igreja no Mundo de Hoje, p. 20.
26
“Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecado-
res, dos quais eu sou o principal” (1Tm 1.15). “Fiel é esta palavra e digna de inteira aceitação” (1Tm
4.9). “Quanto a mim, estou sendo já oferecido por libação, e o tempo da minha partida é chegado.
Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guar-
dada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos
quantos amam a sua vinda” (2Tm 4.6-8).
27
Veja-se: John H. Jowett, O Pregador, Sua Vida e Obra, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana,
1969, p. 97.
28
C.H. Spurgeon, Firmes na Verdade, Lisboa: Edições Peregrino, 1990, p. 85. Alhures, Spurgeon,
nos diz: “O verdadeiro ministro de Cristo sabe que o verdadeiro valor de um sermão está,
não em seu molde ou modo, mas na verdade que ele contém. Nada pode compensar a
ausência de ensino; toda retórica do mundo é apenas o que a palha é para o trigo, em
contraste com o evangelho da nossa salvação. Por mais belo que seja o cesto do semea-
dor, é uma miserável zombaria, se estiver sem sementes” (Lições aos Meus Alunos, São Paulo:
Publicações Evangélicas Selecionadas, 1982, Vol. II, p. 88).
Sola Scriptura – Rev. Hermisten – 10

Creio que Satanás objetivando esmorecer o ímpeto evangelístico da Igreja, tem


usado deste artifício: minar a doutrina da inspiração e inerrância das Escrituras, a fim
de que a Igreja perca a compreensão de sua própria natureza e, assim, substitua a
pregação evangélica por discursos éticos, políticos, sociais, filosóficos e de auto-
29
ajuda. Aliás, a Escritura sempre foi um dos alvos prediletos de Satanás (Vd. Gn
30
3.1-5; Mt 4.3,6,8,9; 2Co 4.3,4). Satanás não diz diretamente algo a nós, mas dá a
entender, induz, sugere uma idéia. Ele nos faz pensar de uma forma equivocada,
dando-nos a impressão de que agora, de fato, descobrimos a verdade, temos a so-
lução autônoma para o nosso problema e para os dos outros.

A Eva, ele diz: “É assim que Deus disse: não comereis de toda árvore do jardim?”
(Gn 3.1). Ora, Deus não tinha dito isto; ao contrário; de toda a árvore o homem po-
deria comer exceto uma: a árvore do conhecimento do bem e do mal. No entanto,
usando palavras semelhantes ele diz coisas bem diferentes. Na insinuação satânica
havia a tentativa de dizer que Deus era mentiroso e que, portanto não deveria ser
obedecido. Eva cedeu; duvidou da Palavra de Deus e consequentemente do Deus
da Palavra.

A Jesus, com fome no deserto, ele usa da mesma estratégia, dizendo: “Se és Fi-
lho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pão” (Mt 4.3).

O seu desejo é fazer com que Jesus duvide da Sua filiação divina ou, que tente
prová-la, sucumbindo assim, à tentação. Aliás este foi um desafio comum a Jesus
Cristo: usar de Seu poder eterno para fazer o que desejasse; no entanto, em tudo
Ele se submeteu ao Pai conforme o pacto eterno (Mt 26.29; Jo 8.28, 29,42; 17.1-6).

Não satisfeito com a resposta de Jesus, Satanás continua: “Se és Filho de Deus,
atira-te abaixo, porque está escrito: Aos seus anjos ordenará a teu respeito; que te
guardem; e: Eles te susterão nas suas mãos, para não tropeçares nalguma pedra”
(Mt 4.6).

Mais tarde, na sua crucificação, o mesmo tipo de tentação é feito ao Senhor Je-
sus: “E foram crucificados com ele dois ladrões, um à sua direita, e outro à sua es-
querda. Os que iam passando blasfemavam dele, meneando a cabeça e dizendo: Ó
tu que destróis o santuário e em três dias o reedificas! Salva-te a ti mesmo, se és Fi-
lho de Deus, e desce da cruz! De igual modo, os principais sacerdotes, com os es-
cribas e anciãos, escarnecendo, diziam: Salvou os outros, a si mesmo não pode sal-
var-se. É rei de Israel! Desça da cruz, e creremos nele. Confiou em Deus; pois ve-
nha livrá-lo agora, se, de fato, lhe quer bem; porque disse: Sou Filho de Deus” (Mt
27.38-43) (Mc 15.30-32).

Na insinuação diabólica há sempre uma tentativa de mostrar que o nosso cami-


nho, a nossa opção é a melhor; a sua proposta sempre se configurará como a mais

29
Vejam-se: D. Martyn Lloyd-Jones, Pregação e Pregadores, São Paulo: Fiel, 1984, p. 9-10; James
M. Boice, O Pregador e a Palavra de Deus: In: J.M. Boice, ed. O Alicerce da Autoridade Bíblica, São
Paulo: Vida Nova, 1982, p. 143-167; J.C. Ryle, A Inspiração das Escrituras, São Paulo: Publicações
Evangélicas Selecionadas, (s.d.), p. 15.
30
Veja-se: Hermisten M. P. Costa, O Pai Nosso, São Paulo: Cultura Cristã, 2001.
Sola Scriptura – Rev. Hermisten – 11

lógica e atraente. A desobediência a Deus de fato é, com freqüência, o caminho que


nos parece mais objetivo e prático, além de encontrarmos uma inclinação natural pa-
ra ele. No entanto, a vontade de Deus para nós é que resistamos a estas tentações
e continuemos crendo em Deus e na Sua Palavra, seguindo a rota proposta; o cami-
nho de vida por Ele traçado para nós.
31
A heresia normalmente surge assim: Satanás, que cita a Palavra de Deus, insi-
nua que há algo mais profundo e rápido do que o árduo estudo das Escrituras; ele
propicia “revelações especiais”, sonhos, “luz interior”. Ele nos diz que através destes
meios podemos chegar a conhecer mais do que todos os homens. Que finalmente
descobrimos o “método” de Deus para o nosso “crescimento espiritual”, para adquirir
uma visão mais abrangente do mundo que nos circunda. Satanás é o grande divul-
32
gador da “auto-ajuda”. Faça você mesmo sem necessidade de Deus e da sua Pa-
lavra; esta é a sua insinuação. “Satanás, furtivamente, se move sobre nós e
gradualmente nos alicia por meio de artifícios secretos, de modo tal que
quando chegamos a extraviar-nos, não nos apercebemos de como o fize-
mos. Escorregamo-nos gradualmente, até finalmente nos precipitarmos na
33
ruína”.

O alvo constante de Satanás é a Palavra de Deus. Ele procura tirá-la de nós, ou,
senão, dar-nos uma visão distorcida do seu teor. Como bem disse Bonhoeffer (1906-
1945): “A fraude, a mentira do diabo consiste na sua tentativa de fazer o
34
homem acreditar que poderia viver sem a Palavra de Deus”.

Com este propósito ele também age através de falsos mestres, dizendo-nos que
pode nos levar à verdade plena... Foi isto que ocorreu na Igreja de Corinto: os falsos
mestres usados por Satanás fizeram muitos crentes acreditarem que o Apóstolo
Paulo era desprezível, portanto, não poderia dar-lhes ensinamento profundo. Nós
sabemos quanto sofrimento isto trouxe à Igreja e a Paulo; quanta dor e desvios dou-
trinários e consequentemente um distanciamento de Deus. Satanás sempre objetiva
nos afastar de Deus e, quando damos crédito às suas insinuações, ele consegue o
seu objetivo.

Entretanto, a Igreja é chamada a proclamar com firmeza o Evangelho, conforme


registrado na Bíblia e preservado pelo Espírito através dos séculos: "Prega a pala-
vra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a lon-
ganimidade e doutrina” (2Tm 4.2).

Calvino orienta-nos:

31
Bonhoeffer, com argúcia, disse que “Também Satanás sabe empregar a Palavra de Deus
como arma na luta” (D. Bonhoeffer, Tentação, Porto Alegre, RS.: Editora Metrópole, 1968, p. 52).
32
Outro mal contemporâneo é aquilo que MacArthur chama de “teologia da auto-estima” e “psi-
cologia da auto-estima” (Ver: John MacArthur Jr., Sociedade sem Pecado, São Paulo: Editora Cul-
tura Cristã, 2002, p. 74ss).
33
João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 6.4), p. 151-152.
34
D. Bonhoeffer, Tentação, p. 60.
Sola Scriptura – Rev. Hermisten – 12

“Visto que Satanás está diariamente fazendo novos assaltos contra nós,
é necessário que recorramos às armas, e é mediante a lei divina que so-
mos munidos com a armadura que nos capacita a resistir. Portanto, quem
quer que deseje perseverar em retidão e integridade de vida, então que
aprenda a exercitar-se diariamente no estudo da Palavra de Deus; pois,
sempre que alguém despreze ou negligencie a instrução, o mesmo cai fa-
cilmente em displicência e estupidez, e todo o temor de Deus se desva-
35
nece em sua mente”.

A Igreja prega o Evangelho, consciente de que Ele é o poder de Deus para a sal-
36
vação dos que crêem (Rm 1.16); por isso, recusar o Evangelho significa rejeitar o
37
próprio Deus que nos fala (1Ts 4.8). Comentando Rm 1.16, Calvino diz que aque-
les que se recusam ouvir “a Palavra proclamada estão premeditadamente re-
jeitando o poder de Deus e repelindo de si a mão divina que pode libertá-
38
los”. A Igreja proclama a Palavra, não as suas opiniões a respeito da Palavra,
consciente que Deus age através das Escrituras, produzindo frutos de vida eterna
39
(Rm 10.8-17; 1Co 1.21; 1Co 15.11; Cl 1.3-6; 1Ts 2.13-14). A Igreja por si só não

35
João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 1, (Sl 18.22), p. 383. “Nada
é mais solicitamente intentado por Satanás do que impregnar nossas mentes, ou com dúvi-
das, ou com menosprezo pelo evangelho” [João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998,
(Ef 1.13), p. 35].
36
“Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele
que crê, primeiro do judeu e também do grego” (Rm 1.16).
37
“Dessarte, quem rejeita estas coisas não rejeita o homem, e sim a Deus, que também vos dá o seu
Espírito Santo” (1Ts 4.8).
38
João Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 1.16), p. 58.
39
“Porém que se diz? A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé
que pregamos. Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que
Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Porque com o coração se crê para justiça e com a
boca se confessa a respeito da salvação. Porquanto a Escritura diz: Todo aquele que nele crê não
será confundido. Pois não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor de to-
dos, rico para com todos os que o invocam. Porque: Todo aquele que invocar o nome do Senhor será
salvo. Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada
ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como
está escrito: Quão formosos são os pés dos que anunciam coisas boas! Mas nem todos obedeceram
ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem acreditou na nossa pregação? E, assim, a fé vem pela
pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm 10.8-17). “Visto como, na sabedoria de Deus, o
mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que crêem pela loucura
da pregação” (1Co 1.21). “Portanto, seja eu ou sejam eles, assim pregamos e assim crestes” (1Co
15.11). “Damos sempre graças a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, quando oramos por vós,
desde que ouvimos da vossa fé em Cristo Jesus e do amor que tendes para com todos os santos; por
causa da esperança que vos está preservada nos céus, da qual antes ouvistes pela palavra da ver-
dade do evangelho, que chegou até vós; como também, em todo o mundo, está produzindo fruto e
crescendo, tal acontece entre vós, desde o dia em que ouvistes e entendestes a graça de Deus na
verdade” (Cl 1.3-6). “Outra razão ainda temos nós para, incessantemente, dar graças a Deus: é que,
tendo vós recebido a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes não como palavra de
homens, e sim como, em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmen-
te em vós, os que credes. Tanto é assim, irmãos, que vos tornastes imitadores das igrejas de Deus
existentes na Judéia em Cristo Jesus; porque também padecestes, da parte dos vossos patrícios, as
mesmas coisas que eles, por sua vez, sofreram dos judeus” (1Ts 2.13-14).
Sola Scriptura – Rev. Hermisten – 13

40
produz vida, todavia ela recebeu a vida em Cristo (Jo 10.10) através da Sua Pala-
vra vivificadora; deste modo, ela ensina a Palavra, para que pelo Espírito de Cristo,
que atua mediante as Escrituras, os homens creiam e recebam vida abundante e e-
terna.

A Igreja anuncia a Palavra crendo na Sua autenticidade, sabendo que Ela é a Pa-
lavra de Deus, poderosa para a salvação de todo aquele que crê. Quando anuncia-
mos o Evangelho podemos ter a certeza de que Deus cumpre a Sua Palavra. Sem
esta convicção não há lugar para a pregação eficaz.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Estamos convencidos de que um dos problemas fundamentais entre os cristãos


do século XX está na aceitação teórica (confessional) e prática (vivencial) da Bíblia
como Palavra autoritativa, inerrante e infalível de Deus. Uma visão relapsa deste
41
ponto determina o fracasso teológico e espiritual da Igreja. “Uma compreensão
certa da inspiração e da revelação é essencial para se distinguir entre a voz
42
de Deus e a voz do homem”, observa corretamente MacArthur.

É justamente devido ao fato de muitos cristãos terem negado de modo confessio-


nal e/ou vivencial a inspiração e a inerrância das Escrituras, que tem havido tantas
heresias em toda a história do Cristianismo. Este desvio teológico, acerca destas
verdades, tem contribuído de forma acentuada, para que os homens não mais dis-
cirnam a Palavra de Deus e, por isso, não possam usufruir da Sua operação eficaz
levada a efeito pelo Espírito.

Paulo dá graças a Deus pelo fato dos tessalonicenses terem recebido com dis-
cernimento a Palavra proclamada, a qual era procedente de Deus: “Outra razão ain-
da temos nós para, incessantemente, dar graças a Deus: é que, tendo vós recebido
(paralamba/nw) a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes
43
44
(de/xomai) não como palavra de homens, e sim como, em verdade é, a palavra de
Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em vós, os que credes” (1Ts

40
“O ladrão vem somente para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em
abundância” (Jo 10.10).
41
Uma das formas sutis de desviar a nossa atenção deste ponto é dizer-nos que este assunto não é
algo realmente sério (Ver Gleason L. Archer, Enciclopédia de Dificuldades Bíblicas, São Paulo: Vida,
1997, p. 30).
42
John F. MacArthur, Os Carismáticos, São Paulo: Fiel, 1981, p. 19. Ver também, J. I. Packer, Con-
frontando os Conceitos dos Nossos Dias Acerca da Escritura: In: J.M. Boice, ed. O Alicerce da Autori-
dade Bíblica, p. 76,77.
43
Tem o sentido pessoal de tomar para si, levar consigo, tomar posse. É o próprio Senhor quem es-
colhe três discípulos para Se revelar (Mt 17.1; 20.17; 26.37/Mc 5.40). Ele mesmo, o Senhor Jesus nos
receberá no céu (Jo 14.3/Mt 24.40).
44
Tem também o sentido de “receber”, “aceitar”, “aprovar”. Estevão sendo apedrejado ora: “.... Se-
nhor Jesus, recebe (de/xomai) o meu espírito!” (At 7.59).
Sola Scriptura – Rev. Hermisten – 14

45
2.13/1Ts 1.6). Os tessalonicenses ativamente “tomaram posse da Palavra” (para-
lamba/nw) que ouviram e, num ato subseqüente, a receberam de forma prazerosa
em seus corações (de/xomai). O receber pode ser um ato ou processo mais imedia-
to; porém, o acolher envolve um processo de assimilação prazerosa, compreensão,
aplicação e obediência.

Devemos observar aqui que os tessalonicenses receberam a pregação de Paulo


reconhecendo na sua mensagem a procedência de Deus. Pelo Espírito eles creram,
"acolheram" a mensagem e, a partir de então, Deus continuou operando eficaz e po-
derosamente em sua vida; notem bem; na vida dos que creram. O ouvir deve ser
acompanhado pela fé; a Palavra não pode ser dissociada da fé. “A Palavra só e-
46 47
xerce o seu poder em nós quando a fé entra em ação”. (Hb 4.2).

Esta Palavra produz frutos naqueles que crêem. O acolhimento da Palavra é o i-


nício do processo de santificação que se dá gradativamente conforme o Evangelho
for preservado em nós. Tiago escreve: “Portanto, despojando-vos de toda impureza
48
e acúmulo de maldade (kaki/a), acolhei (de/xomai), com mansidão, a palavra em
49
vós implantada (e)/mfutoj = “semeada”), a qual é poderosa para salvar a vossa al-
ma” (Tg 1.21).

Quando Satanás tentou a Jesus durante os seus quarenta dias de jejum e oração
no deserto, dizendo: "Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem
em pães" (Mt 4.3), Jesus Cristo, recorrendo ao Livro de Deuteronômio, capítulo 8,
verso 3, respondeu: "Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que pro-
cede de Deus” (Mt 4.4). Notemos que esta afirmação torna-se ainda mais dramática
se considerarmos o fato de que Jesus estava à beira da inanição, sendo induzido a
pensar que caso não comesse imediatamente poderia morrer.

Nestas palavras, não temos um contraste entre o espiritual e o físico, antes; há


uma demonstração categórica, feita por Cristo, de que devemos ter em mente que a
nossa sustentação, em todos os sentidos, provém de Deus: Somos sustentados pela
Palavra de Deus. O mesmo Espírito que nos regenerou através da Palavra (Tg 1.18;
1Pe 1.23), age mediante esta mesma Palavra, para que vivamos, de fato, como no-

45
“Com efeito, vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, tendo recebido (de/xomai) a palavra,
posto que em meio de muita tribulação, com alegria do Espírito Santo” (1Ts 1.6).
46
João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 4.2), p. 101.
47
“Porque também a nós foram anunciadas as boas-novas, como se deu com eles; mas a palavra
que ouviram não lhes aproveitou, visto não ter sido acompanhada pela fé naqueles que a ouviram”
(Hb 4.2).
48
“Mal”, “malícia”, “maldade”, “impiedade”, “depravação”, “vício”, “malignidade”. A palavra em alguns
textos significa uma depravação mental de onde decorrem todos os outros vícios; ela tem de modo
especial um sentido ético. * Mt 6.34; At 8.22; Rm 1.29; 1 Co 5.8; 14.20; Ef 4.31; Cl 3.8; Tt 3.3; Tg
1.21; 1 Pe 2.1,16. Na literatura clássica a palavra tinha o sentido de “vício” e “injustiça” (Vd. Platão, A
República, 444e; Platão, Fedro, 248b; Aristóteles, Arte Retórica, II.12; Aristóteles, Ética à Nicômaco,
VII.1.15; Xenofonte, Ditos e Feitos Memoráveis de Sócrates, II.1.21). Calvino (1509-1564) comentan-
do o uso da palavra em Ef 4.31, diz: “Por esse termo ele quer dizer que a depravação da men-
te, a qual é oposta ao espírito humano e à probidade, e a qual é usualmente chamada ma-
lignidade” (J. Calvino, Efésios, p. 149).
49
Esta palavra só ocorre neste texto em todo o Novo Testamento.
Sola Scriptura – Rev. Hermisten – 15

vas criaturas que somos. A Bíblia é o instrumento eficaz do Espírito, porque ela foi
inspirada pelo Espírito Santo (2Pe 1.21).

Jesus orou ao Pai para que Ele nos santificasse na Verdade, que é a Sua Pala-
vra. Meus irmãos, se quisermos crescer espiritualmente temos de recorrer à Palavra
vivificada de Cristo; somente ela pode nos tornar sábios para a salvação mediante a
fé depositada unicamente em Jesus Cristo (2Tm 3.15). Com este propósito ela foi-
nos concedida (Rm 15.4).

Nós somos herdeiros dos princípios bíblicos da Reforma; para nós, como para os
Reformadores, a Palavra de Deus é a fonte autoritativa de Deus para o nosso pen-
sar, crer, sentir e agir. Portanto, para nós Reformado permanece o Sola Scriptura: a
Bíblia como sendo a única autoridade infalível. A Palavra, concedida e preservada
por Deus, é-nos suficiente para toda e quaisquer de nossas necessidades.

São Paulo, 23 de outubro de 2007.


Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

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