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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA –
MESTRADO E DOUTORADO

Memorial de composição

JARDIM DOS CAMINHOS QUE SE BIFURCAM:


PROCESSOS COMPOSICIONAIS

por
James Corrêa Soares

Porto Alegre
2003
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA –
MESTRADO E DOUTORADO

Memorial de composição

JARDIM DOS CAMINHOS QUE SE BIFURCAM:


PROCESSOS COMPOSICIONAIS

por
James Corrêa Soares

Memorial submetido como


requisito parcial para obtenção do
grau de Mestre em Música; área de
concentração: Composição.

Orientador
Prof.Dr. Antônio Carlos Borges Cunha
Porto Alegre
2003
AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Prof.Dr. Antônio Carlos Borges Cunha.

À Profª.Drª. Jusamara Souza, pelos valiosos ensinamentos e pelo prazer

envolvente com que ensina.

Aos amigos Fernando Mattos e Maria Helena Bernardes, pelas longas

conversas sobre arte e as seções “terapêuticas” nos momentos mais difíceis.

À Ana Maria Pinheiro, pelas valiosas revisões e sugestões.

Aos músicos que interpretaram com dedicação e seriedade minhas obras no

recital: Luciane Cuervo, Catarina Domenici, Antônio Carlos Borges Cunha, Diego

Grandene, Samir Hatem, Rodrigo Bustamante e Angela Melo.

Ao Prof.Dr. Eloi Fritsch, coordenador do Centro de Música Eletrônica do

Instituto de Artes da UFRGS, pela cedência das caixas de som JBL para a realização

do concerto.

À minha família, Catarina Domenici e Mikael Domenici Correa, pela

paciência, apoio incondicional e amor, pessoas imprescindíveis, às quais esse trabalho

é dedicado.

À CAPES, pela concessão da bolsa de estudos que possibilitou a realização

deste trabalho.
Resumo

Este trabalho apresenta a descrição do processo composicional das

composições O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, para violão e sons eletrônicos;

Spells, para flauta-doce soprano, contralto, baixo (um executante) e computador;

Danças & Intermezzi, para piano e sons eletrônicos; Figurações Percusmáticas, para

sons eletrônicos com difusão em estéreo; e Ets Chayim, para clarinete, percussão,

piano, violino e violoncelo. As peças são descritas de acordo com o modelo de

processo composicional sistematizado pelo autor, tendo como referencial os modelos

propostos por Mikhail Malt e Robert Morris. São feitas considerações sobre a

formação do pensamento estético que permeia o corpo de composições deste projeto:

a utilização do computador como ferramenta de auxílio à composição, síntese sonora

e instrumento de performance; o uso de elementos de diferentes culturas musicais

como fonte conceitual e/ou criativa para a composição; a influência estética dos

compositores György Ligeti e Kaija Saariaho.

Palavras-chave: processo composicional, sons eletrônicos, computação musical,

composição assistida por computador.


Abstract

The purpose of this memorial is to describe the compositional process of the

pieces O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam ( The Garden of the Forked Paths),

for guitar and electronics; Spells for soprano, alto and bass recorders (one player) and

live electronics; Dances & Intermezzi, for piano and electronics; Figurações

Percusmáticas for electronics (in stereo sound diffusion) and Ets Chayim (The Tree-

of-Life), for Bb clarinet, percussion, piano, violin and cello. The description of the

pieces follows the model of the compositional process systematized by the author

based on the models proposed by Mikhail Malt and Robert Morris. This memorial

also presents some considerations on the aesthetic thoughts that influenced the

composition of the pieces, such as: the computer as a tool for composition, sound

design and performance; the use of elements from other music cultures as source

material to new works; and the influence of the composers György Ligeti and Kaija

Saariaho.

Keywords:compositional model, electronic sounds, computer music, computer

assisted composition.
“Nevertheless I used to be very much against

certain aspects of ‘paper music’ or ‘music

intellectual’, and I have always said that my music

is made for the ear and not to be read.”

Kaija Saariaho
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................................................. 1

1- CONSIDERAÇÕES ESTÉTICAS E MODELO DE PROCESSO COMPOSICIONAL……….…………………………4

1.1 – CONSIDERAÇÕES ESTÉTICAS .....................................................................................................................4


1.2 – PROCESSO COMPOSICIONAL .....................................................................................................................8
1.3 - MODELO DE PROCESSO COMPOSICIONAL ................................................................................................11
2 - O JARDIM DOS CAMINHOS QUE SE BIFURCAM........................................................................................................................... 14

2.1- IMPULSO GERADOR ...................................................................................................................................14


2.2 - ESTRUTURAÇÃO FORMAL ........................................................................................................................16
2.3 – DELIMITAÇÃO DO ESPAÇO COMPOSICIONAL..........................................................................................16
2.4 - MODELAGEM DO ESPAÇO COMPOSICIONAL.............................................................................................18
3 - SPELLS ....................................................................................................................................................................................................... 29

3.1- IMPULSO GERADOR ...................................................................................................................................29


3.2 - ESTRUTURAÇÃO FORMAL .......................................................................................................................30
3.3 – DELIMITAÇÃO DO ESPAÇO COMPOSICIONAL..........................................................................................32
3.4 - MODELAGEM DO ESPAÇO COMPOSICIONAL.............................................................................................35
4 - DANÇAS & INTERMEZZI....................................................................................................................................................................... 47

4.1- IMPULSO GERADOR ...................................................................................................................................47


4.2 – META-FUNK..............................................................................................................................................49
4.3 – INTERMEZZO I: ESPELHO DE AREIA..........................................................................................................52
4.4 – DANÇA DE INVERNO .................................................................................................................................55
4.5 – INTERMEZZO II: ESPELHO DE GRANITO ...................................................................................................57
4.6 – CÍRCULOS DE FOGO .................................................................................................................................61
5 - FIGURAÇÕES PERCUSMÁTICAS ........................................................................................................................................................ 67

5.1- IMPULSO GERADOR ...................................................................................................................................67


5.2 - ESTRUTURAÇÃO FORMAL ........................................................................................................................68
5.3 – DELIMITAÇÃO E MODELAGEM DO ESPAÇO COMPOSICIONAL ................................................................68
6- ETS CHAYIM .............................................................................................................................................................................................. 71

6.1- IMPULSO GERADOR ...................................................................................................................................71


6.2 - ORGANIZAÇÃO GLOBAL DA OBRA ...........................................................................................................73
6.3 – ESTRUTURAÇÃO FORMAL, DELIMITAÇÃO E MODELAGEM DO ESPAÇO COMPOSICIONAL DE CADA
MOVIMENTO ......................................................................................................................................................74

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................................................................................... 100

BIBLIOGRAFIA........................................................................................................................................................................................... 103

DISCOGRAFIA ............................................................................................................................................................................................ 107

ANEXO........................................................................................................................................................................................................... 109
INTRODUÇÃO

Este memorial apresenta a descrição do processo composicional das obras O

Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, Spells, Danças & Intermezzi, Figurações

Percusmáticas e Ets Chaiym. As composições foram realizadas no período de fevereiro

de 2001 a agosto de 2002, durante o Curso de Mestrado em Composição do Programa de

Pós-Graduação do Departamento de Música da Universidade Federal do Rio Grande do

Sul.

O memorial está organizado em seis capítulos, sendo acompanhado de um

segundo volume contendo as partituras das composições O Jardim dos Caminhos que se

Bifurcam, Spells, Danças & Intermezzi e Ets Chaiym, e de um disco compacto com o

registro fonográfico de todas as peças.

O primeiro capítulo refere-se às considerações estéticas que guiaram a concepção

das obras, às referências teóricas que apoiaram o desenvolvimento do modelo de processo

composicional e à apresentação do mesmo. Primeiramente relato os elementos que

nortearam a formação da minha concepção estética e a influência do pensamento

composicional dos compositores György Ligeti e Kaija Saariaho. Na seção seguinte,

exponho os modelos de processo composicional desenvolvidos por Mikhail Malt e

Robert Morris, os quais, ao lado da observação de minha forma cotidiana de compor,

contribuíram para a sistematização das quatro etapas do meu modelo de processo


composicional: impulso gerador, organização da estrutura formal, delimitação do espaço

composicional e modelagem do espaço composicional. Os capítulos subseqüentes

seguem a estrutura do modelo de processo composicional para a descrição das peças,

seguindo a ordem cronológica de composição. Apesar de a descrição de todas as peças

utilizar a mesma estrutura, o seccionamento dos capítulos ocorre de modo diferenciado,

obedecendo às necessidades de cada uma delas.

Nos capítulos dois e três, referentes às peças O Jardim dos Caminhos que se

Bifurcam e Spells, a descrição de cada fase do processo composicional é feita em seções

separadas. No quarto capítulo, que descreve o processo composicional de Danças &

Intermezzi, a primeira seção trata do Impulso Gerador da peça como um todo; as outras

descrevem as três fases restantes separadamente para cada movimento: 4.2 – Meta-funk;

4.3 – Intermezzi I: Espelho de Areia; 4.4 – Dança de Inverno; 4.5 – Intermezzi II:

Espelho de Granito; 4.6 – Círculos de Fogo. No quinto capítulo, que trata da peça

Figurações Percusmáticas, as fases Impulso Gerador e Organização da Estrutura Formal

foram descritas em seções separadas, e as duas últimas fases, aglutinadas em uma única.

O último capítulo, que descreve a composição de Ets Chayim, está organizado em três

seções. As duas primeiras tratam do Impulso Gerador e da organização da estrutura de

toda a peça, enquanto a última seção descreve a organização formal, a delimitação e a

modelagem do espaço composicional de cada um dos dez movimentos em separado.

2
Para finalizar esta introdução, duas considerações fazem-se necessárias. No

decorrer desse trabalho são citados alguns algoritmos desenvolvidos pelo autor e

utilizados na composição das peças deste projeto. Esses algoritmos foram programados

em linguagem LISP, sendo parte da biblioteca de funções de auxílio a composição OM-

Modeling a qual desenvolvo desde 1998. OM-Modeling está sendo implementada como

uma biblioteca de extensão nos Ambientes de Composição Assistida por Computador

OpenMusic e Common Music. Como o foco desse memorial é a descrição do processo

composicional das peças realizadas durante o Curso de Mestrado em Composição, não

será discutido o desenvolvimento e a implementação dos referidos algoritmos. Durante a

descrição dos processos composicionais, foi utilizado para descrever a organização das

alturas o sistema de notação da Teoria de Conjuntos Classes de Notas (Pitch Class Set

Theory) desenvolvida por Allen Forte. Por não fazer parte do objetivo desse trabalho,

essa teoria não será apresentada. O leitor não familiarizado com a Teoria de Conjuntos

Classes de Notas poderá consultar os autores Forte, The structure of atonal music, e

Morris, Composition with pitch classes: A theory of compositional design.

3
1 - CONSIDERAÇÕES ESTÉTICAS E MODELO DE PROCESSO

COMPOSICIONAL

1.1 – Considerações estéticas

Meu direcionamento estético está ligado à necessidade pessoal de buscar

constantemente novos procedimentos, idéias, novas músicas e sons, no contexto do meu

trabalho, não necessariamente inéditos no cenário musical. Esse interesse por diferentes

estímulos me leva a integrar diferentes meios, linguagens e elementos de diversas

culturas musicais no meu cotidiano composicional. Nas composições deste portfólio, essa

integração ocorre principalmente de dois modos: na utilização do computador como

ferramenta de auxílio à composição, na síntese sonora e como instrumento de

performance; e no uso de elementos de diferentes músicas como fonte conceitual e/ou

criativa para a criação de uma composição.

O uso do computador como ferramenta de auxílio à composição é uma constante

no meu trabalho composicional desde 1997. Não enfatizo procedimentos de composição

automática, meu interesse é pelo uso do computador como ferramenta para gerar e/ou

manipular materiais musicais que são integrados ao trabalho manual de composição. O

computador é utilizado como auxiliar no processo composicional de todas as peças

descritas neste trabalho, em especial nas obras O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam,

4
Spells, os dois Intermezzi de Danças & Intermezzi e no sexto movimento de Ets Chayim,

Geburah. Como ferramenta de síntese sonora, o computador pessoal, hoje, torna possível

para o compositor o desenvolvimento, ou “renderização”, de composições inteiras com

sons eletrônicos com qualidade profissional, até poucos anos encontrada apenas em

grandes centros de música eletroacústica. O acesso a essas ferramentas é também

fundamental para meu direcionamento estético atual. O uso de sons eletrônicos ao lado de

instrumentos acústicos, que é o principal uso dessa tecnologia nas composições desse

projeto, permite explorar novas sonoridades, ampliando a paleta de timbres e texturas

musicais. Além disso, a integração desses meios instigou a concepção de idéias novas no

contexto da minha trajetória composicional. Um exemplo disso é a peça Spells para

flautas-doces e computador. Nessa composição a concepção da parte eletrônica como

discurso meta-lingüístico em tempo real, sobre o que é interpretado pela flautista, foi

possível pela utilização do computador para transformar e expandir as possibilidades

sonoras da flauta-doce. Penso que o uso em música de conceitos e teorias vindos de

outras disciplinas possibilita a expansão do pensamento musical, tanto no que diz respeito

à geração de materiais ou técnicas composicionais, quanto como impulso para a

formulação de idéias geradoras de novas composições. Dessa forma, acredito, a

computação musical possibilitou a busca de novas soluções composicionais que

influenciaram de forma direta minha estética.

5
Ao longo de minha trajetória musical experienciei, como intérprete, compositor e

consumidor, diferentes “músicas”, tais como, a música popular brasileira, o jazz e o rock.

Nas composições deste projeto procuro integrar elementos dessas culturas musicais ao

meu trabalho como compositor, não como citações ou imitações estilísticas, mas com a

intenção de criar uma forma de expressão musical pessoal. Essa integração ocorre de

várias maneiras em todas as composições, desde o uso do tapping, em O Jardim dos

Caminhos que se Bifurcam, uma técnica de execução característica do rock, até o mais

conceitual, como na composição Danças & Intemezzi, em que foram usadas como fontes

geradoras de cada uma das Danças, três diferentes músicas.

Além desses elementos, as posturas estéticas e as reflexões sobre a posição do

compositor na sociedade atual de György Ligeti e Kaija Saariaho são referências para

mim. Duas declarações de Ligeti definem a influência do compositor na formação do

pensamento musical: “ Eu sou inclinado a não ter uma opinião muito alta sobre artistas

que desenvolvem um único procedimento e depois produzem o mesmo tipo de coisa o

resto de suas vidas. No meu próprio trabalho eu prefiro estar constantemente retestando

procedimentos, modificando-os, e eventualmente colocando-os de lado e os substituindo

com outros procedimentos.” “ Eu não tenho uma idéia fixada para onde tudo isso está

levando. Eu não tenho uma visão definitiva do futuro, nem um plano geral; de um

trabalho para o próximo, eu vou tateando em várias direções, como um cego em um

labirinto. Assim que um passo à frente tenha acontecido, ele já está no passado, e depois,

6
há um sem número de concebíveis ramificações para o próximo passo” (TOOP, apud

LIGETI, 1999, pg. 141 e 179). A posição de estar sempre buscando novas maneiras de se

expressar, evitando repetir-se, é principal referência de Ligeti para mim.

Vou sintetizar a influência da compositora finlandesa Kaija Saariaho no meu

modo de pensar a música, pela citação de um excerto de uma entrevista recente: “ Um

artista não pode rejeitar a sociedade completamente, até porque ele vive nela…Com a

tecnologia de hoje, qualquer um, mesmo nas mais remotas partes da Lapônia, pode, por

exemplo, assistir ao mesmo seriado norte-americano. Essa globalização está nos

transformando de uma nova maneira. Nos impondo suas imagens e sons, as mídias

influenciam nossa maneira de ser e pensar…” (SAARIAHO, 1999).

Acredito que o compositor deve estar em constante intercâmbio com a sociedade

que o cerca, a cada dia mais global, buscando transpor as fronteiras entre meios,

linguagens e tradições, no intuito de expressar em música, de forma plena, suas idéias e

sentimentos. Para mim, esse intercâmbio passa pelo interesse em outras áreas de

conhecimento, como a física, a informática, as artes visuais e a literatura, bem como, pela

colaboração com diferentes artistas. Duas composições desse projeto são resultantes da

colaboração com diferentes intérpretes: Spells, com a flautista Luciane Cuervo e Danças

& Intermezzi, com a pianista Catarina Domenici. O processo de composição dessas peças

foi de constante intercâmbio entre compositor e intérprete, tornando o resultado final um

7
amálgama entre a concepção estética do autor e as características expressivas de cada

intérprete.

1.2 – Processo Composicional

Defino processo composicional como o trajeto entre o impulso que gera a

necessidade de compor uma obra e o seu registro em partitura, significando aqui todo e

qualquer registro representativo realizado com a intenção de possibilitar a reprodução

sonora de uma composição. Para o desenvolvimento de um modelo de processo

composicional, parti da observação e análise empírica do desenvolvimento do meu ato de

compor e de dois modelos teóricos de processo composicional. O primeiro é proposto por

Mikhail Malt, em seu artigo Reflexiones sobre el acto de componer (MALT, 1999); e o

segundo, proposto por Robert Morris, em artigo intitulado Compositional spaces and

other territories (MORRIS,1995).

Mikhail Malt divide o processo composicional em duas fases principais: fase

conceitual e fase de escritura. Para Malt, “a fase conceitual é o momento quando se

elabora em linhas gerais a composição, se põem em jogo os conceitos, as idéias de

fundo e também se elabora uma espécie de teoria que conduzirá a obra. (…) A segunda

fase é descritiva, é o momento em que os conceitos tomam forma para compor a obra.

8
Esta fase será de materialização das idéias, de escrita e realização” (MALT, 1999). Para

estabelecer uma transição entre a fase conceitual e a de realização, Malt propõe uma

terceira, chamada de fase de formalização ou modelagem. “Esta é a fase em que o

compositor estabelece os modelos que lhe permitem adaptar e materializar musicalmente

seus conceitos abstratos, musicais ou extra-musicais. A fase de modelagem pode dividir-

se em duas subfases principais. A primeira é o momento de formalização de um modelo;

a segunda, a extrapolação ou desvio desse mesmo modelo”. De acordo com o modelo

proposto por Malt, “o ato de compor é um processo dialético permanente entre o mundo

abstrato dos conceitos e o mundo da realidade sonora, onde a composição finalizada é o

ponto de convergência, a síntese entre estes dois mundos”.

Robert Morris propõe um modelo de processo composicional dividido em seis

etapas definidas por ele como:

- Idéias/conhecimento/teoria: segundo Morris, esta etapa revela pouco sobre o

resultado final da peça, contudo, é a que inicia a seqüência de estágios do

processo;

- Espaço Composicional: “…é um conjunto de objetos musicais relacionados e ou

conectados de alguma forma, mas não interpretados temporalmente”(MORRIS,

1995);

9
- Design Composicional/ improvisação livre: a primeira etapa de organização

temporal de espaços composicionais; segundo Morris, “…eles definem classes de

seqüências temporais e polifônicas, bem como alinhamentos de pitch class sets”;

- Esboços (drafts): Versões preliminares da partitura final;

- Partitura: O registro final da composição;

- Performance: A interpretação da composição. Morris inclui a execução como

parte de seu modelo, não apenas por considerar este o objetivo do compositor,

mas, segundo ele, “porque possui um grande impacto em futuras mudanças nos

outros estágios”.

Ao refletir sobre como se desenvolvia minha forma de compor, percebi que, de

modo intuitivo, dividia o processo em fases. Primeiramente, defini o meu processo

composicional em três etapas: formulação da idéia geradora, definição do material

musical e organização da estrutura formal. Após o estudo dos artigos de Malt e Morris,

cheguei à formatação de um modelo, apresentado a seguir, que define o processo

composicional das peças deste projeto.

10
1.3 - Modelo de processo composicional

Neste modelo sistematizei quatro etapas: Impulso Gerador, Organização da

Estrutura Formal, Delimitação do Espaço Composicional e Modelagem do Espaço

Composicional.

Impulso Gerador

Engloba as idéias, as imagens ou os conceitos que instigam a elaboração de uma

nova composição. A escolha do seu título é feita nesta fase. Durante o processo de

composição das obras deste memorial, observei que a ausência de um título resulta de

uma falta de clareza na definição do impulso gerador, o que impede o desenvolvimento

do processo composicional como um todo. Dessa forma, a escolha do título representa o

primeiro estágio na materialização de uma composição.

Estruturação Formal

É a etapa em que são definidos os diferentes níveis de organização formal, tais

como duração e número de seções e/ou movimentos, podendo também englobar a

definição de outros parâmetros, como instrumentação e caráter de cada seção.

11
Delimitação do Espaço Composicional

Partindo do conceito de Espaço Composicional dado por Morris, “…espaço

composicional é o conjunto de objetos musicais relacionados e/ou conectados de algum

modo e que possui como principal característica não ser organizado temporalmente”

(MORRIS, 1995), defino a Delimitação do Espaço Composicional como a etapa de

seleção dos materiais musicais a serem utilizados na composição de uma peça. Esses

materiais, ou objetos musicais, como são denominados por Morris, definem a linguagem

musical da peça a ser composta. Em algumas composições deste projeto, os elementos do

espaço composicinal, apesar de não estarem definidos em uma escala temporal, aparecem

freqüentemente ordenados de forma seqüencial ou mesmo hierarquizada.

Modelagem do Espaço Composicional

A modelagem do espaço composicional é a etapa de escrita da partitura, a

organização temporal do espaço composicional dentro da moldura e dos pilares

estabelecidos na estruturação formal. Nesta etapa, são utilizados diversos procedimentos,

algorítmicos ou não, para a manipulação e transformação dos materiais. A escolha dos

procedimentos, as decisões, são tomadas de acordo com as necessidades expressivas e

pela intuição musical. Por vezes, essas decisões desencadeiam desvios no que já foi

planejado, tanto na estrutura formal como no espaço composicional, tornando o modelo

interativo e flexível, figura 1.1. Desse modo, o processo composicional integra de forma

12
orgânica o trabalho detalhado, pré-estruturado das etapas de estruturação formal e de

delimitação do espaço composicional com os desvios que surgem no desenvolvimento

das idéias musicais.

A estruturação desse modelo permitiu maior controle sobre o desenvolvimento do

processo composicional das peças sem, contudo, restringir o trabalho intuitivo e empírico

característicos do processo criativo. A decisão de delimitar etapas para o processo de

composição, e não definir estratégias composicionais, possibilitou a combinação de

diversos estilos e técnicas composicionais em uma mesma obra.

Fig.1.1: Modelo de Espaço Composicional

No âmbito desse trabalho, o modelo apresentado foi utilizado como moldura para

a descrição do processo composicional das obras nos capítulos subseqüentes.

13
2 - O JARDIM DOS CAMINHOS QUE SE BIFURCAM

2.1- Impulso gerador

O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, para violão e sons eletrônicos, foi

composta entre os meses de fevereiro e abril de 2001, sendo o primeiro trabalho

composicional realizado durante o programa de mestrado. Foi inicialmente concebida

como parte de um ciclo de nove peças para violão, chamado Memorial para J.L.Borges,

iniciado em 1996, nos Estados Unidos, sendo o título retirado de um conto homônimo de

Borges. Das três peças já concluídas, apenas O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam faz

parte do portfólio de composições realizado durante o programa de mestrado1.

O impulso para a concepção formal e para realizar a interação entre o violão e os

sons eletrônicos partiu da leitura do romance The Eight, da escritora norte-americana

Katherine Neville. O livro é uma ficção sobre o mítico serviço2 de xadrez de Carlos

Magno. A história se passa no século dezoito e no século vinte, com os personagens e a

trama misturando-se a personagens e fatos históricos. A narrativa é feita em forma de um

oito em posição horizontal, representação simbólica do infinito. Os fatos e os

personagens são tratados no romance como peças e jogadas de uma partida de xadrez. A

estrutura em forma de oito inspirou a organização formal, e a interação entre os

1
As outras duas peças, A Biblioteca de Babel e Shifting Mirrors, foram compostas nos anos de 1996 e
1999, respectivamente.

14
personagens serviu de metáfora para a interação entre o violão e a parte eletrônica, figura

2.1. O violão e os sons eletrônicos interagem na primeira parte da peça em uma constante

disputa pela hegemonia do discurso musical. Essa relação vai tornando-se tensa à medida

que se aproxima o ápice da peça. Na segunda parte o violão e os sons eletrônicos fundem-

se, chegando ao final como um único instrumento.

Fig. 2.1: Estrutura da narrativa do romance The Eight e sua projeção na organização de O Jardim dos
Caminhos que se Bifurcam

2
Serviço é como se chama o conjunto de peças mais o tabuleiro do jogo de Xadrez.

15
2.2 - Estruturação formal

A estrutura formal da peça foi organizada através da definição de um espaço

temporal de oito minutos dividido em duas partes, de acordo com as proporções da Seção

Áurea. As duas partes foram subdividas em nove seções: a parte A engloba as seções 1,

2, 3, 4, 5 e 6a; a parte B contém as seções 6b, 7, 8 e 9. As durações das seções, definidas

em segundos, foram organizadas partindo da série de Fibonacci 15, 15, 30, 45, 75,120.

Na parte A a série de Fibonacci foi utilizada de forma reversa, resultando em uma

seqüência de durações decrescentes. Para a parte B a série foi utilizada parcialmente e de

modo ascendente, sendo retirados o primeiro e o últmo elemento da seqüência numérica.

A Seção Áurea encontra-se no centro da seção seis. Neste ponto localiza-se o ápice

dramático da peça.

Figura 2.2: Gráfico da organização temporal das seções de O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam.

2.3 – Delimitação do Espaço Composicional

A delimitação do espaço composicional partiu da análise do espectro da gravação

da nota “Mi 2” executada no violão. A lista de freqüências resultante da análise passou

16
por um processo de filtragem, sendo selecionados apenas os parciais3 com maior

amplitude. Esse grupo de oito parciais, após ser adaptado à escala temperada, serviu de

matriz geradora para o espaço composicional da parte do violão, formado pelos conjuntos

(Pitch Class Sets): PcA[8,2,9,4,6], PcB[4,1,6], PcC[9,10,2,6], PcD[8,6,10,11],

PcE[4,10,3,7,1], PcF[11,3,10,0,5], PcG[11,6,3], PcH[9,11,3,2], PcI[1,2,11,5],

PcJ[6,0,10,2], PcK[4,9,3].

Fig.2.3a: Nota Mi 2 utilizada na análise espectral e o conjunto de parciais resultantes do processo de


filtragem e temperamento

Fig.2.3b: Coleções de notas e intervalos que formam o Espaço Composicional da peça

O espaço composicional da parte eletrônica consiste em um grupo de arquivos de

áudio gerados a partir de trechos da parte do violão. Esses excertos foram executados e

gravados direto no computador; após o registro sonoro, os arquivos foram processados

digitalmente. Três modelos de transformações foram utilizados sobre esses excertos:

filtros espectrais que modificam os parciais de cada som, de acordo com parâmetros

3
Parciais são o grupo de freqüências harmônicas e não harmônicas presentes em um som. O número de
freqüências parciais e o comportamento de suas amplitudes durante o tempo são os principais fatores de

17
especificados pelo compositor; alterações temporais e freqüenciais, como aceleração,

transposição e reverso; e duas técnicas de ressíntese: granulação e síntese cruzada4.

Utilizando a parte do violão como material gerador, foi possível criar sonoridades que,

mesmo distantes timbristicamente de sua origem, mantêm uma relação de proximidade

harmônica com a parte do violão.

2.4 - Modelagem do espaço composicional

Organização das alturas

Para a composição da primeira seção, foram utilizados os seguintes conjuntos:

PcA[8,2,9,4,6], PcB[4,1,6], PcC[9,10,2,6], que foram transpostos, reordenados e

invertidos, utilizando um tipo de transposição com índice variado, aqui chamado de

transposição por seqüência numérica. Esta foi realizada somando ao conjunto a ser

transposto uma seqüência numérica, ao invés de um único índice. Um exemplo desse tipo

de transposição encontra-se no compasso 14 (página 1, segundo sistema). O conjunto

PcA foi transposto pela seqüência PT[2,7,-7,2,-2], resultando no conjunto

PcR[10,9,2,6,4].

definição do timbre de cada instrumento.


4
São englobadas aqui as variantes conhecidas como cross sinthesis, convolution e morphing.

18
Fig.2.4: Transposição por seqüência numérica

Fig.2.5: Abertura de O Jardim…com os principais conjuntos marcados na partitura

As seções 2 a 4 utilizam os conjuntos PcF[11,3,10,0,5], PcG[11,6,3],

PcH[9,11,3,2], PcI[1,2,11,5], PcJ[6,0,10,2] e PcK[4,9,3]. A composição dessas seções foi

realizada de maneira similar à da primeira, utilizando as coleções sem uma ordenação

preestabelecida, além de permutações e transposições.

19
Para a composição das seções 5 e 6a, foram selecionadas as coleções

PcD[8,6,10,11] e PcE[4,10,3,7,1]. A partir destas foi gerado um conjunto de acordes,

utilizado como reservatório de possibilidades. A seleção e ordenação dos acordes foi

realizada por um algoritmo probabilístico, sendo as seqüências de acordes resultantes

adaptadas às seqüências rítmicas previamente compostas. A seção 6b foi composta com

um pequeno número de acordes derivados da coleção PcD[8,6,10,11]. Essa seção tem a

função de transição entre a primeira parte da peça, na qual a escrita é fixa, e a segunda

parte, em que o violão interage com os sons eletrônicos de modo mais flexível. A notação

proporcional foi utilizada para que o intérprete possa reagir com certa espontaneidade aos

eventos da parte eletrônica sem uma definição métrica precisa, preparando assim as

seções 7 e 8. Nestas seções o intérprete deve improvisar, utilizando como material

harmônico/melódico um fragmento derivado da seção 5, figura 2.10. Para a última seção

foram compostos dois fragmentos melódicos a serem executados o mais rápido possível e

repetidos continuamente, criando um amálgama com a parte eletrônica ao final da peça.

Organização Rítmica

A organização do ritmo para o violão foi realizada de modo diferente para as

partes A e B. A estrutura rítmica da parte A faz referência à organização geral da peça.

Tendo a colcheia como unidade de tempo e partindo da série de Fibonacci 1, 2, 3, 5, 8,

mais o seu retrógrado incompleto 5, 3, 2, foi gerada uma primeira seqüência de

20
compassos, os quais foram preenchidos por impulsos definidos pela seqüência numérica:

3, 2, 1, 1, 2, 3, 3, 2. Esse processo resultou nas proporções 3:1, 2:2, 1:3, 1:5, 2:8, 3:2, 3:3,

2:2. A figura 2.6 mostra o resultado em notação musical.

Fig. 2.6: Seqüência rítmica gerada pelas proporções 3:1, 2:2, 1:3, 1:5, 2:8, 3:2, 3:3, 2:2

Partindo dessa seqüência rítmica, foram derivadas 25 novas seqüências, utilizando

diferentes grupos de subdivisões e permutações dos impulsos. Desse grupo foram

selecionadas sete para a realização final da composição. A figura 2.7 mostra duas das

seqüências rítmicas resultantes do processo de derivação.

21
Fig.2.7: Seqüências rítmicas derivadas da seqüência original

As seções 5 e 6a tiveram como origem uma seqüência rítmica gerada pela

proporção 7:5, ou seja, um compasso em 5/8 dividido em sete impulsos. Esta foi

subdividida utilizando diversas séries numéricas, resultando nas seqüências rítmicas

mostradas na figura 2.9, as quais, inicialmente, foram utilizadas em sua forma original na

composição.

Fig.2.8: Seqüência utilizada para as derivações das seções 5 e 6a

22
Fig.2.9: Seqüências rítmicas das seções 5 e 6a

Para melhor enfatizar o desenho melódico, as seqüências rítmicas sofreram

adaptações não previstas no planejamento inicial. Na primeira revisão as seqüências

rítmicas sofreram pequenas modificações nos impulsos, sendo que, na revisão final,

foram retiradas as quiálteras de 7:5 e a indicação de compasso. A figura 2.10 exemplifica

esse processo de adaptação, mostrando primeiro a seqüência rítmica original, seguida do

resultado final das alterações.

23
Fig.2.10a-b: (a) Seqüência original; (b) seqüência rítmica após alterações

A parte B possui uma concepção e organização rítmica diferente da parte A. O

violão realiza intervenções sobre a textura contínua gerada eletronicamente. Essas

intervenções foram organizadas de três formas: passagens escritas com notação

proporcional; momentos de improvisação utilizando o material proposto na partitura; e

figuras repetidas continuamente durante um espaço temporal estabelecido. Na seção 6b,

início da parte B, o violão responde, de forma proporcional, aos gestos musicais da parte

eletrônica com acordes e fragmentos notados na partitura, figura 2.11.

Fig.2.11: Notação proporcional na seção 6b

24
Nas seções 7 e 8 foi utilizado um fragmento musical que o intérprete deve utilizar como

material harmônico/melódico para improvisar um contraponto com a parte eletrônica,

figura 2.12. Na última seção da peça foram utilizadas figuras repetidas continuamente,

compostas para serem executadas em grande velocidade, utilizando uma técnica de

execução desenvolvida por guitarristas de rock, denominada Finger tapping5. Essa técnica

consiste em percurtir as notas com as duas mãos no braço do violão. Dessa maneira, é

possível atingir uma grande velocidade de execução, mesmo alternando notas percussivas

com pequenos glissandos e legatos. A figura 2.13 mostra as duas seqüências compostas

para a seção 9, sendo que as notas executadas pela mão direita possuem as hastes

voltadas para cima; e as da mão esquerda, para baixo.

Fig.2.12: Material melódico/harmônico para improviso nas seções 7 e 8

5
Esta técnica de execução foi muito difundida nos anos oitenta, graças ao virtuosismo alcançado pelo
guitarrista de jazz americano Stanley Jordan. Apesar de ser creditado a ele o desenvolvimento desta técnica,
ela vem sendo usada por guitarristas de rock desde os anos sessenta. Atualmente é também utilizada por
violonistas e compositores na música de concerto.

25
Fig.2.13: As duas seqüências de finger tapping que compõem a seção 9

Parte eletrônica
A parte eletrônica foi composta de duas maneiras, seguindo a divisão formal da

peça (parte A e parte B). Na parte A foram sintetizados diversos fragmentos musicais, por

meio das técnicas descritas anteriormente na seção 2.4 – Delimitação do Espaço

Composicional. Os fragmentos foram organizados temporalmente ajustando-se à parte já

composta do violão. A parte B foi composta como uma textura granular contínua, criada

pela granulação6 de um trecho da parte do violão, tornando difícil, pela escuta, ao final da

peça, distinguir a parte executada pelo violonista da realizada eletronicamente.

No processo da composição da parte do violão foram definidos os momentos em

que haveria participação dos sons eletrônicos, as durações de cada intervenção e suas

características expressivas. A parte eletrônica foi notada graficamente, sendo

26
representados na partitura apenas os eventos importantes para o sincronismo entre as

partes. Assim, a notação dos sons eletrônicos teve como função criar um guia de auxílio

para o intérprete e, não, uma representação acurada de todos os eventos eletrônicos.

O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, foi a primeira composição em que

utilizei o conceito de espaço composicional de Morris. A delimitação prévia do material a

ser utilizado permitiu, ao mesmo tempo, coerência e flexibilidade no desenvolvimento

harmônico da peça. Denominei esta etapa primeiramente de definição do material

musical, com o uso nas outras peças do conceito de Morris, passei a chama-la de

Definição do Espaço Composicional.

A composição dessa peça também é significativa na minha trajetória

composicional por ser a primeira vez que trabalho com a interação entre um instrumento

acústico, violão, e sons eletrônicos. O resultado satisfatório dessa primeira experiência

estabelece uma nova fase no meu desenvolvimento como compositor, marcada pela

integração de meios eletrônicos e instrumentos acústicos.

6
Granulação refere-se aqui ao uso da técnica de síntese granular, tendo por material um arquivo sonoro e,
não, um ciclo de onda senóide.

27
O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam foi estreada em maio de 2001, em

concerto do grupo de compositores Sons Transgênicos, e publicada no CD Plural –

James Correa & Eduardo Miranda, em ambas interpretações, com o compositor ao

violão.

28
3 - SPELLS

3.1- Impulso gerador

Spells, para flautas-doces e computador, explora as diferentes qualidades

timbrísticas, os diferentes modos de articulação e as características expressivas dos três

modelos de flauta-doce escolhidos - soprano, contralto e baixo – evitando, contudo, o

referencial da literatura renascentista e barroca para o instrumento. Do ponto de vista

conceitual, a exploração dessas possibilidades sonoras, timbrísticas e expressivas foi

realizada de dois modos. Primeiramente, de forma direta no discurso musical da parte da

flauta, pela exploração de diversos modos de articulação, multifônicos e de três

instrumentos com tessituras diferentes. A parte do computador desenvolve um meta-

discurso através da utilização de sons da flauta, gravados e manipulados previamente, e

da transformação em tempo real do que é interpretado pelo flautista, fazendo da parte

eletrônica uma extensão da flauta.

Spells foi comissionada pela flautista Luciane Cuervo para fazer parte do seu CD,

Sonetos de amor e morte, lançado em outubro de 2002.

29
3.2 - Estruturação formal

A peça foi planejada em vinte e uma seções, organizadas em três grupos

denominados A, B e C. O grupo A constitui-se de sete seções dispostas em uma ordem

crescente de durações. As seções dos grupos B e C foram concebidas como variações das

do grupo A, obedecendo aos mesmos critérios temporais e expressivos. A tabela abaixo

mostra a organização linear dos grupos de seções, de acordo com as durações em

segundos:

Duração 5” 6” 11” 17” 28” 45” 60”

Grupo A 1A 2A 3A 4A 5A 6A 7A

Grupo B 1B 2B 3B 4B 5B 6B 7B

Grupo C 1C 2C 3C 4C 5C 6C 7C

As seções foram compostas individualmente e ordenadas temporalmente de modo

não-linear. Utilizando as seções 7A e 7B como pilares estruturais, ordenei as seções

restantes, evitando a proximidade de passagens com materiais e qualidades expressivas

semelhantes. Na finalização da estrutura formal, houve a substituição da seção 7C por

outra derivação da seção 1A, denominada de 1D, e a exclusão da seção 6C , resultando

assim em um total de 20 seções.

30
Fig.3.1: Ordem final das seções, divididas por instrumento utilizado

Em Spells, o intérprete realiza várias trocas de instrumento, alternando-se na

execução das flautas soprano, contralto e baixo. Para evitar a quebra no fluxo musical, a

parte do computador foi composta também com a função estrutural de preencher os

silêncios provocados pelas trocas de instrumentos. O computador realiza as transições

utilizando o processamento do som em tempo real e pela execução de arquivos de áudio

pré-gravados:

4A -> 5B : Troca de contralto para soprano. Transição com processamento do som


em tempo real;
1C -> 7A: Soprano para baixo. Transição com processamento do som em tempo
real;
7A -> 1D: Baixo para contralto. Transição realizada com arquivo de áudio pré-
gravado;
4B -> 2C: Contralto para soprano. Transição realizada com arquivo de áudio pré-
gravado;
6A -> 7B: Soprano para baixo; Transição realizada com arquivo de áudio pré-
gravado;
7B -> 5C: Baixo para contralto. Transição realizada com arquivo de áudio pré-
gravado.

31
3.3 – Delimitação do Espaço Composicional

A flauta-doce possui uma tessitura pequena (aproximadamente, duas oitavas e

meia) que se mostrou insatisfatória para o desenvolvimento da peça como estava

planejada. A necessidade de expandir a tessitura disponível levou ao uso alternado das

três flautas-doces, possibilitando, assim, o trabalho com um conjunto de alturas mais

amplo.


œ
?
œ &

Fig.3.2: Tessitura disponível com o uso dos três modelos de flautas

Para a definição do espaço composicional, foram determinadas três coleções de

notas partindo de dó e ré sustenido. Essas coleções tornaram-se pivôs para o processo de

interpolação linear, que resultou em vinte e um conjuntos de notas, formando, ao lado do

grupo de multifônicos utilizados nas seções 1, 2 e 3, o espaço composicional de toda a

peça.

A primeira coleção contém a nota dó e os parciais harmônicos

4,5,7,8,10,11,13,14. O segundo conjunto é formado pela nota ré sustenido e os parciais

harmônicos 2,3,6,9,12,15,16,19,29. Este conjunto passa por um processo de modificação

chamado de frequence shift, em que é aplicado um índice de distorção às freqüências,

32
resultando em um conjunto de parciais não-harmônicos7. A terceira coleção resulta da

intersecção entre os dois primeiros conjuntos, ou seja, é formada pelas notas comuns aos

dois conjuntos anteriores. Denominei a primeira coleção de conjunto I; a segunda, de

conjunto II; e a terceira de conjunto III. As figuras 3.3a, 3.3b e 3.3c mostram em notação

musical as três coleções:

Fig.3.3a: Coleção formada pela nota dó e parciais 4,5,7,8,10,11,13,14

Fig.3.3b: Coleção formada pela nota ré sustenido e parciais 2,3,6,9,12,15,16,19,29, após frequence shift

Fig.3.3c: Coleção resultante da intersecção entre os dois primeiros conjuntos

7
Parciais que não estão relacionados com a fundamental por uma razão de números inteiros.

33
Após a definição dessas coleções, foram realizados dois processos de

interpolação linear8, que resultaram no total de vinte e uma coleções de notas. É

importante notar que durante a fase de modelagem do espaço composicional algumas

coleções foram descartadas por apresentarem materiais muito semelhantes. A primeira

interpolação foi feita entre o conjunto I e o conjunto III, resultando em uma filtragem

gradual no número de notas de cada coleção. A segunda interpolação, realizada entre os

conjuntos III e II, reverte o processo anterior de filtragem, causando uma adição gradual

de notas. A figura 4.6 mostra o conjunto resultante do processo de interpolações com as

coleções pivôs circuladas; o conjunto III apresenta a repetição da nota lá sustenido apenas

para facilitar o cálculo das interpolações.

Fig.3.4: Conjunto resultante do processo de interpolações

8
Essas operações foram realizadas utilizando a biblioteca de funções Profile, do programa de auxílio à
composição OpenMusic.

34
Além desses conjuntos de notas, foi utilizado um pequeno grupo de multifônicos,

tendo como fundamentais as notas fá, lá e si bemol. Esses multifônicos foram articulados

de diversas maneiras produzindo sonoridades complexas e dinâmicas. Os multifônicos

representam um “mergulho” dentro do som do instrumento, como se fosse possível, por

meio de um “microscópio sonoro”, tornar audível o som latente da flauta, presente no

corpo do instrumento antes de o intérprete iniciar a sua execução.

3.4 - Modelagem do espaço composicional

A composição de cada uma das sete seções do grupo denominado A foi realizada

de modo independente; cada seção foi composta como uma pequena peça isolada. Para

cada uma das seções foram selecionados diferentes materiais musicais e características

expressivas. As seções de curta duração, de números 1, 2 e 3, utilizam diferentes modos

de articulação de multifônicos. O grupo de seções 4 consiste em uma seqüência de notas

executada continuamente e o mais rápido possível, resultando em um efeito

caleidoscópico. As seções 5 possuem como características o uso de trinados e figuras

ornamentadas. Nas seções 6, são alternados pequenos fragmentos melódicos separados

por pausas, seqüências de notas repetidas e arpejos ascendentes e/ou descendentes. As

seções 7 são compostas de frases longas e melancólicas, interrompidas por figuras curtas

e muito rápidas no registro superagudo da flauta baixo.

35
As seções 1A, 2A e 3A foram compostas utilizando o conjunto de multifônicos e

interferências de movimentos escalares quasi-glissando. Essas interferências quasi-

glissando foram notadas na partitura fazendo uso das notas da escala de dó maior, por ser

esse o conjunto de posições mais simples, possibilitando, assim, a execução de

movimentos escalares muito rápidos em que o contorno melódico é percebido quasse

como um glissando. Em função de suas durações serem curtas, essas seções foram

aglutinadas em uma única. Das seções utilizadas na abertura, foram derivadas as

seguintes: 1C, 1D, 2C, 3C e as seções 3B, 2B, 1B, que foram agrupadas para a criação da

parte final da peça. Nessas sete seções foram utilizados os mesmos multifônicos das

denominadas 1A, 2A e 3A, explorando diferentes modos de articulação.

Seção 1A

Seção 1C

36
Seção 1D

Fig.3.6: Seção 1A e as derivações, 1C e 1D

A seção 4A foi composta utilizando as notas dó sustenido, sol, mi, sol sustenido,

si e ré, sendo esse grupo de alturas parte do décimo nono conjunto resultante do processo

de interpolação, mostrado na figura 3.4. A organização seqüencial de permutações

randômicas das notas, somada à intervenção do computador multiplicando a parte flauta

por meio de delays com diferentes tempos de espera, criou uma textura polifônica densa

da qual emergem figurações rítmicas complexas, como mostra a figura 3.7.

Fig.3.7: Parte executada pelo intérprete e duas possibilidades de padrões rítmicos (início do segundo
sistema, pág.4)

As seções derivadas de 4A - 4B e 4C foram compostas usando o mesmo

procedimento de permutação randômica. Na seção 4B o grupo de alturas utilizado nas

permutações foi o décimo quarto conjunto de notas – fá, lá, si, ré e fá sustenido – , sendo

37
as notas lá e fá sustenido substituídas pelas notas lá sustenido e sol, respectivamente. A

substituição dessas notas deu-se por sugestão da flautista Luciane Cuervo, tornando a

escrita mais idiomática para o instrumento. Nesta seção há um movimento de

adensamento da textura, da flauta-solo em pianíssimo à flauta em fortíssimo com o

computador, como na seção A4. A 4C foi composta em três módulos: o primeiro é uma

repetição do início da seção 4B; o segundo módulo foi composto utilizando a

transposição de uma segunda maior acima do conjunto de notas da seção 4B; o terceiro

foi composto fazendo uso de um conjunto de alturas derivado dos usados nos módulos

anteriores. Esse conjunto foi formado por duas notas - si e ré -, do usado no primeiro

módulo; e três do segundo módulo – dó sustenido (ré bemol), mi e sol. A textura da seção

4C é a mais densa de Spells, em que o computador ativa os cinco dispositivos de

transformação, simultaneamente à execução em fortíssimo da parte da flauta.

O grupo de seções 5A, 5B e 5C foram compostos tendo como elementos

estruturais três tipos de gestos musicais: trinados, trêmolos e apogiaturas. Esses gestos

foram utilizados individualmente e combinados. Os trêmolos, além de seu uso tradicional

(frulato), foram usados como transição entre nota e ruído. Esse gesto de transição foi

construído pela repetição de uma mesma nota em uma pequena seqüência de semi-fusas

em um crescendo súbito de dinâmica, acompanhado de um aumento de pressão do ar na

embocadura da flauta, figura 3.8. As apogiaturas foram modelo para a criação de

desenhos melódicos rápidos com ritmos de curta duração, figura 3.9.

38
Fig.3.8: Gesto de transição entre nota e ruído. Terceiro compasso da seção 5A, página 6

Fig3.9: Desenho melódico rápido derivado da apogiatura

As seções 6A e 6B foram compostas com um algorítimo desenvolvido pelo

compositor, denominado Granulus29. Esse algoritmo utiliza um procedimento semelhante

ao usado pela técnica de síntese granular, para derivar seqüências musicais a partir de um

excerto musical selecionado previamente. A figura 3.9 ilustra o funcionamento de

Granulus2.

9
Esse algoritimo faz parte da biblioteca de funções de auxílio à composição OM-Modeling, que vem sendo
desenvolvida e programada em linguagem LISP pelo compositor. OM-Modeling está sendo implementada
como uma biblioteca de extensão nos ambientes de Composição Assistida por Computador OpenMusic e
Common Music.

39
Fig.3.9: Processo de trabalho do algoritmo Granulus2

O material gerador utilizado foi extraído das seções 5A e 5C, sendo o algoritmo

empregado cinco vezes para cada seção. O resultado foi impresso e revisado

manualmente, tornando as seqüências “frias”, construídas pelo algoritmo, em frases

musicais expressivas. A figura 3.10 mostra o primeiro compasso da seção 6B, gerado por

granulus2, e a versão final, primeira página na partitura, último compasso.

40
Fig.3.10a: Compasso gerado por Granulus2

Fig.3.10b: Versão final, como consta na partitura de Spells

As seções 7A e B, para flauta baixo, foram compostas como uma única seção e,

após estar concluída, foi dividida em duas. Nessas seções o discurso musical da flauta foi

dividido em dois níveis de atividades. O primeiro é a melodia lenta e tranqüila executada

no registro grave-médio da flauta baixo. Para a construção rítmica do primeiro nível foi

estabelecido um grupo de sete compassos organizados na seguinte ordem: 6/8 6/8 7/8 7/8 6/8

7 4
/8 /8. Estes foram preenchidos por grupos de impulsos assimétricos obedecendo à

mesma ordenação númerica dos pulsos de cada compasso, resultando nas figurações

rítmicas mostradas na figura 3.11a. A segunda parte da estrutura rítmica, referente à

seção 7B, foi composta com uma permutação dos compassos da primeira parte, figura

3.11b. As alturas derivam do décimo primeiro e décimo segundo conjunto do espaço

composicional, figura 3.4, previlegiando os movimentos cromáticos.

41
Fig.3.11a: Figurações rítmicas referentes à seção 7A

Fig.3.11b: Figurações rítmicas referentes à seção 7B

O segundo nível de atividade é formado pelas intervenções na região superaguda.

Essas intervenções são fragmentos melódicos, executados o mais rápido possível, que

têm como função criar interrupções, ou “ruídos”, desestabilizando gradualmente o

discurso musical lento e estável das seções 7A e 7B. Fazendo uso dos conjuntos oito e

nove do espaço composicional e evitando a repetição de intervalos entre as notas,

construí uma seqüência melódica contendo quarenta notas, distribuídas em grupos, de

acordo com a série numérica 3,5,7,5,5,7,5,3. Os grupos foram organizados

42
temporalmente, de modo a criar um acúmulo gradual de interrupções na melodia

realizada no registro grave. A figura 3.12 mostra a seqüência melódica já dividida em

grupos.

Fig.3.12: Seqüência melódica dividida em grupos, de acordo com a série numérica 3,5,7,5,5,7,5,3

Utilização do computador

Em Spells, o computador é tratado como um instrumento musical, sendo exigido

do operador uma interação camerística com o flautista. Considerando o computador como

instrumento de interpretação musical, foi criado e desenvolvido o aplicativo Wizard-DSP.

Esse software é constituído de uma série de cinco dispositivos de transformação do som

da flauta e um “disparador” de seqüências de áudio pré-gravadas. Esses dispositivos

possuem parâmetros com valores a serem definidos pelo intérprete, permitindo inclusive

a variação dinâmica dos valores durante a performance da peça. Assim, com o controle

desses parâmetros deixado a cargo do intérprete, a partitura indica apenas quando deve

ser iniciado e terminado cada dispositivo de transformação. Desse modo, Wizard-DSP

possibilita ao intérprete um controle dinâmico do computador como instrumento de

realização e expressão musical. Os dispositivos de transformação, denominados EFX-01,

EFX-02, EFX-03,EFX-04 e EFX-05, foram desenhados da seguinte forma:

43
EFX-01: Conjunto de cinco unidades de Delay, com tempos variados entre 200 e
2000 milissegundos;
EFX-02: Conjunto de dez unidades de Delay, com tempos variados entre 500 e
7000 milissegundos;
EFX-03: Conjunto de duas unidades de flanger, com freqüência e profundidade
variadas (freqüência entre 3 e 10 Hz e profundidade entre 0.3 e 1.0) e uma unidade de
reverberação;
EFX-04: Conjunto de uma unidade de modulação em anel (ring modulation) e
uma unidade de pitch shift;
EFX-05: Conjunto de três unidades de delay, com tempos variados entre 250 e
1000 ms.; mais uma unidade de flanger, uma de phaser e um filtro (low pass).

Além dos dispositivos de transformação em tempo real, foram usadas também

quatro seqüências de áudio pré-gravadas, identificadas na partitura como sound-01,

sound-02, sound-03 e sound-final. Para a composição dessas passagens, alguns excertos

da parte da flauta10 foram gravados direto no computador e transformados digitalmente,

utilizando-se técnicas variadas de filtragem espectral e de síntese granular. Os arquivos

sonoros gerados, sound-01, sound-02 e sound-03 foram utilizados nas transições entre as

seções 7A -> 1D, 4B -> 2C, 6A -> 7B, 7B -> 5C. O arquivo sound-final foi utilizado na

parte final da peça, levando-a à sua conclusão.

Os dispositivos de transformação em tempo real e o “disparo” dos arquivos de

áudio pré-gravados são controlados por uma interface gráfica, desenhada para ser operada

pelo do uso de um mouse ou de teclado alfa-numérico. Wizard-DSP foi criado para a

10
Foram registradas, tendo Luciane Cuervo como intérprete, as seções 1A, 2A, 3A, 6B, 3B, 2B, 1B.

44
peça Spells, mas, como qualquer instrumento musical, pode ser utilizado em futuras

composições, bem como por outros compositores interessados.

Em Spells busquei ir além da experiência de O Jardim dos Caminhos que se

Bifurcam levando o uso dos meios eletrônicos para a performance, utilizando o

computador como um instrumento musical que possibilita realizar a parte eletrônica

durante a execução da peça. Esse modo de realização possui um ponto positivo

importante que é possibilitar uma interação camerística entre o intérprete e os meios

eletrônicos, na qual, a performance não está constrita pela rigidez cronométrica. Por outro

lado, a dependência de uma tecnologia em constante processo de mutação dificulta, por

vezes, a manutenção da peça no repertório dos intérpretes, considerando que ainda é mais

comum encontrarmos CD players do que computadores nas salas de concerto.

Durante a composição de Spells adaptei a etapa que Malt chama de fase de

modelagem, denominado-a de modelagem do espaço composicional. Malt considera esta

a fase em que são definidos modelos que permitem adaptar os conceitos abstratos à

realidade musical. Diferente de Malt, denomino esta etapa de modelagem do espaço

composicional por ser esta a fase, na qual, manipulando o material delimitado como

espaço composicional, são compostas as seções da peça.

45
Spells foi publicada em CD, tendo por intérpretes Luciane Cuervo nas flautas-

doces e o compositor no computador. A estréia ocorreu no concerto de lançamento do CD

Sonetos de Amor e Morte, nos dias 19 e 20 de outubro de 2002, no Salão Mourisco da

Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul, e foi reapresentada no recital de

mestrado realizado dia 12 de dezembro do mesmo ano. Ambas as apresentações foram

realizadas por Luciane Cuervo e o compositor.

46
4 - DANÇAS & INTERMEZZI

4.1- Impulso gerador

O impulso gerador de Danças & Intermezzi surgiu com a solicitação da pianista

Catarina Domenici de uma peça para piano e sons eletrônicos, baseada em uma dança

contemporânea. Motivado pelas possibilidades expressivas surgidas no planejamento da

peça, optei pela expansão do projeto, concebendo assim um ciclo de três danças

compostas para piano e sons eletrônicos, intercaladas por dois intermezzi para piano-solo.

As peças para piano e sons eletrônicos Meta-funk, Dança de Inverno e Círculos de Fogo

foram compostas a partir de duas danças e de uma canção oriundas de diferentes culturas

musicais.

A influência das fontes originais no resultado de cada uma das três peças dá-se em

diferentes níveis do discurso musical. Em Meta-funk, o espaço composicional foi

derivado de um excerto da gravação do funk Get it Together, realizada pelo grupo norte-

americano Jackson Five. Para a Dança de Inverno, o acompanhamento rítmico da

baguala, tipo de canção pertencente ao folclore do norte da Argentina, serviu de

referência para a criação da figuração rítmica utilizada na parte eletrônica. Na peça

Círculos de fogo, o padrão rítmico cíclico do Ponto de Iansã, dança ritual de religiões

47
afro-brasileiras, além de seu uso literal em alguns momentos, também guiou a intenção

expressiva da peça.

A relação do piano com a parte eletrônica ocorre de modo diferenciado em cada

uma das danças. Na primeira, o piano e os sons eletrônicos disputam a liderança do

discurso musical. Essa disputa dá-se pela alternância entre momentos que o piano conduz

o discurso musical e partes conduzidas pelos sons eletrônicos, terminando ambos em

igualdade de importância. Na segunda, Dança de Inverno, a escrita do piano consiste em

um contraponto a duas vozes, ritmicamente independentes e sobrepostas ao padrão

rítmico derivado da baguala, utilizado na parte eletrônica. Essas três linhas rítmicas,

apesar de independentes, possuem pontos de convergência, criando, assim, movimentos

cíclicos de aproximação e afastamento e desenvolvendo uma relação de

tensão/relaxamento entre as duas vozes do piano e a parte eletrônica. Na última dança,

Círculos de Fogo, o piano e a parte eletrônica foram compostos separadamente, obtendo-

se, desse modo, dois discursos simultâneos. A justaposição da estrutura cíclica da parte

do piano às densas seções da parte eletrônica criam um acúmulo de tensão que determina

o caráter expressivo extático da peça. O caráter expressivo alude à tensão hipnótica

gerada pelos cantos e acompanhamento rítmico característicos do momento que antecede

o êxtase do médium nos rituais afro-brasileiros.

Os intermezzi para piano-solo foram compostos como comentários poéticos sobre

as danças que os antecedem, bem como preparação para a que vem depois. A concepção

48
estrutural dos Intermezzi foi motivada pelas múltiplas possibilidades de reflexão de

espelhos. As imagens refletidas se formam com diferentes graus de distorção,

dependendo da textura da superfíce do espelho, de sua forma e do ângulo de projeção do

objeto. As múltiplas possibilidades de criação de novas imagens pelos diferentes reflexos

de um objeto serviram como metáfora para a composição dos Intermezzi.

Danças & Intermezzi foi concebida para ser executada integralmente. No entanto,

as danças podem ser apresentadas como peças independentes, e os intermezzi, se

apresentados fora do ciclo, devem ser interpretados conjuntamente.

4.2 – Meta-funk

Estruturação formal

Meta-Funk foi organizada em oito pequenas seções caracterizadas por diferentes

interações entre o piano e a parte eletrônica. Foram definidas quatro possibilidades de

interação entre piano e sons eletrônicos: sons eletrônicos com intervenções do piano;

piano e parte eletrônica em igualdade hierárquica; piano-solo; e sons eletrônicos-solo.

Para cada uma das seções foi estabelecido um único modo de interação entre a parte

eletrônica e a do piano. A estrutura formal de Meta-funk ficou organizada do seguinte

modo:

49
Seções Compassos Modo de interação
1 1-6 Eletrônicos/interv.piano
2 7-16 Piano-solo
3 17 Sons eletrônicos-solo
4 18-24 Piano = sons eletrônicos
5 25 Sons eletrônicos-solo
6 26-29 Piano-solo
7 30-34 Eletrônicos/interv.piano
8 35-49 Piano = sons eletrônicos

Delimitação e Modelagem do Espaço Composicional

A delimitação do espaço composicional de Meta-funk partiu da análise espectral

de um excerto da gravação do funk Get it Together, realizada pelo grupo Jackson Five.

O resultado da análise espectral foi transcrito para a notação musical tradicional com o

auxílio do programa OpenMusic. Como a quantidade de parciais era excessiva, foi feita a

opção pelo uso dos parciais graves, chegando por fim à seqüência de notas mi bemol, dó,

ré bemol, ré natural. Essa seqüência serviu de reservatório de notas e intervalos com o

qual foi composta a parte do piano.

Fig.4.1: Espaço Composicional da parte do piano, resultante da análise espectral

50
O espaço composicional da parte eletrônica se resume ao próprio sample,

utilizado como fonte geradora para o conjunto de notas da parte do piano. Para os sons

eletrônicos, essa amostra serviu de matriz, sendo submetida a diversas transformações

digitais durante a modelagem do espaço composicional.

A modelagem do espaço composicional foi realizada primeiramente pela criação e

organização temporal dos trechos eletrônicos. Tendo a parte eletrônica como estrutura

fundamental, a do piano foi composta sem um planejamento detalhado, de forma quase

improvisada.

Utilizando as notas definidas no espaço composicional, primeiramente foi criada

uma figura melódica sincopada, tendo como referência a linha de acompanhamento do

contrabaixo elétrico nos grupos de funk, figura 4.2. Dessa figura melódica foram

derivadas seqüências de acordes e figurações rítmicas utilizadas para compor as seções 2

e 6. A seção 4 foi composta como um grande arpejo do acorde [ré bemol, lá bemol, si, e

sol] por vários registros do piano. Esse acorde foi construído sobre o ré bemol, utilizando

notas que não pertenciam ao espaço composicional, criando, dessa forma, um contraste

harmônico maior com as outras seções. A peça termina com o piano executando

constantemente a figura melódica da figura 4.2.

51
Fig.4.2: Figura melódica alusiva ao acompanhamento do contrabaixo elétrico dos grupos de funk

4.3 – Intermezzo I: Espelho de Areia

Estruturação formal

Intermezzo I: Espelho de Areia foi dividida em quatro seções: seção 1, compassos

1-12; seção 2, comp.13-24; seção 3, comp.25-35; e seção 4, comp.36-48, organizadas de

modo semelhante à forma Tema e Variação. A primeira seção foi a matriz geradora, ou

“tema”, da qual as seções subseqüentes foram derivadas.

Delimitação e Modelagem do Espaço Composicional

O espaço composicional delimitado teve como conjunto inicial a coleção de notas

PcA[5,4,0,7,8,2,1,3]. Esta serviu como um reservatório de notas e intervalos para a

52
composição da primeira seção. As seções 2-5 foram derivadas da primeira pelo uso de

transformações aqui denominadas de “reflexos distorcidos”11.

œ œ
&œ œ bœ œ bœ bœ
Fig.4.3:Coleção de notas que formam o espaço composicional de Espelho de Areia

A primeira seção de Intermezzo I: Espelho de Areia foi composta sem

planejamento pré-composicional. O primeiro compasso apresenta em sua forma original a

coleção de notas, definida como espaço composicional. Os compassos seguintes [2-12]

foram compostos priorizando os intervalos inerentes ao espaço composicional.

Após sua conclusão, a primeira seção foi “refletida” três vezes, gerando assim as

seções 2-4. As reflexões foram projetadas temporalmente, segundo o modelo seguinte,

onde “A” é a linha melódica superior; “B”, a linha inferior; e “R”, o retrógrado.

Fig.4.4: Esquema para projeção temporal das reflexões da primeira seção

Para a composição da segunda seção, as linhas melódicas foram utilizadas em

sentido retrógrado; na terceira seção, os retrógrados foram invertidos; na última, os

11
Em alusão à metáfora dos espelhos, descrita na seção 4.1 deste capítulo.

53
retrógrados são refletidos retornando à sua forma original, mantendo a inversão das

vozes. A figura 4.5 mostra graficamente a seqüência dos reflexos.

Fig.4.5: Representação gráfica dos reflexos aplicados à primeira seção de Intermezzo I: Espelho de Areia

Para a “distorção dos reflexos” foram aplicados quatro modos de transformação

do material da primeira seção, denominados aumentação e diminuição rítmica; alterações

de fórmula de compasso; transposição e inversão intervalar; e interferências. Estas foram

realizadas por um algoritmo12 planejado para realizar randomicamente substituições de

alturas e de durações, de acordo com uma matriz de probabilidades. As distorções foram

aplicadas ao material da primeira seção sem ordem preestabelecida, sendo alternadas com

passagens que fazem uso de reflexos literais (retrógrados e inversões). A seguir, são

apresentados exemplos das técnicas usadas para a composição das seções 2-4.

Fig.4.6: Reflexo Literal (retrógrado), fim da primeira seção – início da segunda seção, comp.12-13

12
O algoritmo faz parte da biblioteca de funções criada pelo compositor no programa de auxílio à
composição OpenMusic.

54
Original, comp.5-6

Resultante, segunda seção, comp. 19-20

Fig.4.7a-b: Diminuição rítmica, alteração de fórmula de compasso e interferência probabilística

4.4 – Dança de Inverno

Estruturação formal

Dança de Inverno foi projetada em duas seções: a primeira engloba os compassos

1-13, enquanto a segunda consiste nos compassos 14-26. A primeira seção foi composta

para sons eletrônicos-solo com uma pequena interferência do piano no final da seção. A

55
entrada definitiva do piano marca o início da segunda seção, em que a parte eletrônica

repete o padrão rítmico da seção anterior.

Delimitação e modelagem do Espaço Composicional

O Espaço Composicional foi definido pelo conjunto de notas, PcA[0,7,3,1,2].

Fig.4.8: Conjunto de notas que forma o Espaço Composicional de Dança de Inverno

A parte eletrônica foi composta com um único timbre, semelhante ao som de um

gongo. Esse timbre foi sintetizado utilizando a técnica de síntese sonora, denominada

síntese por modelo físico no programa Modalys-ER. Em Dança de Inverno, a parte

eletrônica é constituída de uma frase rítmica derivada do acompanhamento do bombo na

Baguala.

÷ 43 Œ Œ ‰ œ äœ . œ. œ œ . äœ œ œ äœ . œ. äœ ä̇ œ äœ äœ . ä̇ œ . >œ
J J

÷ äœ . äœ . äœ œ . œ œ œ äœ . œ. äœ ä̇ œ äœ äœ . ä̇. ˙.
8

J
Fig.4.9: Frase rítmica da parte eletrônica de Dança de Inverno

A parte do piano foi composta utilizando as notas do espaço composicional com

uma polarização oscilante entre as notas dó e dó sustenido. O piano inicia apenas com a

56
nota dó; na segunda metade do compasso 16, divide-se em duas vozes. No registro grave,

a linha melódica inferior foi composta permutando as notas do conjunto PcA[0,7,3,1,2].

No registro agudo, linha melódica superior, foi utilizada uma seqüência cromática,

derivada do subconjunto[0,1,2,].

4.5 – Intermezzo II: Espelho de Granito

Estruturação formal

O Intermezzo II: Espelho de Granito foi projetado de modo processual, no qual a

organização formal resultou do processo de interpolação utilizado para delimitar e

modelar o espaço composicional. Essa concepção processual partiu da metáfora dos

espelhos, utilizada como impulso gerador dos Intermezzi. No primeiro intermezzo foi

concebida uma seqüência de espelhos circular; para o segundo, a imagem utilizada foi a

de duas seqüências paralelas de espelhos, em que o reflexo de um objeto é projetado

sucessivamente de um espelho para outro em uma linha diagonal. Considerando a

superfície dos espelhos como não sendo plana, o reflexo do objeto vai sendo aos poucos

distorcido, chegando ao último espelho da série como um novo objeto. A figura 4.10

mostra graficamente esse processo gradual de transformação.

57
Fig.4.10: Seqüência de espelhos e processo gradual de transformação

Delimitação e Modelagem do Espaço Composicional

Para realizar esse processo gradual de transformação, foram delimitadas

primeiramente duas coleções de notas, PcA[0,4,6,7,1,3,2] e PcB[3,5,6,7,8], e duas

seqüências rítmicas,denominadas Seq1 e Seq2, figuras 4.11a e b.

÷˙ œ œ3 œ ˙ Œ œ ˙. œ œ œ. ˙
J

÷‰ œ œ œ œ3 œ Œ ˙ œ œ ˙.
5

J
Fig.4.11a: Seqüência rítmica Seq1

58
÷ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œœœ ≈ œ œ œ œ œ œ‰ œ œ
3 5 3

Fig.4.11b: Seqüência rítmica Seq2

Após a definição das coleções de notas e das seqüências rítmicas, foi realizado um

processo de interpolação dinâmica entre PcA e PcB, e Seq1 e Seq2, resultando em uma

seqüência de conjuntos de notas e em um conjunto de seqüências rítmicas. Para gerar a

segunda linha rítmica, escrita na clave de fá, foi utilizado um algoritmo denominado

double-reflect13. Esse algoritmo compara as durações rítmicas com valores definidos que

representam os limites superior e inferior; se o valor da duração rítmica for maior que o

limite superior ou menor que o limite inferior é, então, transposto de forma proporcional

para dentro do âmbito estabelecido.

Fig.4.12: Seqüência de conjunto de notas resultantes do processo de interpolação dinâmica

13
Esse algoritmo faz parte da biblioteca de funções Profile, desenvolvida por Mikhail Malt e Jacopo
Baboni Schilingi para o programa OpenMusic.

59
Fig.4.13: Conjunto de seqüências rítmicas resultante dos processo de interpolação e de double-reflect.

A modelagem do espaço composicional foi realizada filtrando a seqüência de

conjuntos de notas, pela eliminação dos conjuntos repetidos e com um número grande de

notas comuns. Após a filtragem, os conjuntos de notas foram organizados em seqüências

de acordes, e essas seqüências, combinadas com o conjunto de ritmos gerados. Durante

esse processo foram realizadas pequenas alterações na parte rítmica para permitir uma

melhor condução das vozes e fluência das frases musicais.

60
4.6 – Círculos de Fogo

Estruturação formal

Para a peça Círculos de Fogo, foram definidos dois planos de organização formal,

um para a parte do piano, e outro para a parte eletrônica. A do piano foi dividida em

cinco seções, aqui denominadas A, B, A’, C, A’’, e a parte eletrônica, em três seções,

denominadas I, II e III. A forma de Círculos de Fogo resultou da sobreposição dos dois

grupos de seções, como mostra a figura 4.14.

Fig.4.14: Estruturação formal de Círculos de Fogo

Delimitação e Modelagem do Espaço Composicional


Em Círculos de Fogo, o espaço composicional para a parte do piano foi

delimitado pela escolha de conjuntos de notas diferentes para cada seção. Esses conjuntos

foram utilizados apenas nas seções para as quais foram designados. As seções A, A’ e

61
A’’ possuem em comum a polarização da nota Fá sustenido; para essas seções o espaço

composicional foi delimitado por esta nota e mais uma coleção de outras. A delimitação

do espaço composicional foi realizada da seguinte forma:

- Seção A: Fá sustenido mais o conjunto PcA[9,1,3,4,6,8];


- Seção B: Seqüência de acordes construídos com os intervalos de segundas
menores e maiores e o trítono - alguns outros intervalos foram utilizados também;
- Seção A’: Fá sustenido mais os conjuntos PcA’1[8,2,3,0,7,5] e
PcA’2[1,11,9,10,2];
- Seção C: O conjunto PcC[2,0,1,9,5,11,10];
- Seção A’’: Fá sustenido mais o conjunto PcA’’[9,0,1,5,6].

Fig.4.15:Espaço composicional da parte do piano de Círculos de Fogo

O espaço composicional da parte eletrônica foi delimitado em duas categorias de

timbres: metálicos, sintetizados por técnicas de síntese granular e síntese substrativa; e

samples de instrumentos de percussão – tumbadoras, bongôs e atabaque.

62
Modelagem do Espaço Composicional

A modelagem do espaço composicional de Círculos de Fogo ocorreu em duas

etapas. Primeiro foi realizada a parte eletrônica e, posteriormente, a do piano. A parte

eletrônica explora uma seqüência de ostinatos rítmicos, compostos a partir do padrão

rítmico do Ponto de Iansã, figura 4.16. A sucessão dos padrões rítmicos acontece em um

crescendo de tensão, causado pelo aumento da densidade textural e pelo uso dos timbres

definidos no espaço composicional.

A primeira seção da parte eletrônica foi construída integralmente com um ostinato

com timbre metálico. A segunda seção é a mais longa e foi composta alternando rufos de

atabaque, fragmentos melódicos, utilizando timbres metálicos e dois padrões rítmicos

derivados do Ponto de Iansã. A terceira seção foi composta utilizando o mesmo padrão

rítmico, orquestrado com os samples dos instrumentos de percussão.

Fig.4.16:Padrão rítmico do Ponto de Iansã utilizado em Círculos de Fogo

63
A parte do piano foi composta em ciclos, em que cada um se caracteriza por

iniciar polarizado na nota fá sustenido, realizar um movimento circular crescente de

tensão e relaxamento por afastamento e retorno à nota inicial.

O primeiro ciclo engloba a seção A, que foi dividida em três fases. Inicia com um

longo ostinato com a nota fá sustenido, seguido de um pequeno afastamento realizado

com um movimento escalar ascendente de quatro oitavas, composto com o conjunto

PcA[9,1,3,4,6,8]. No retorno à nota fá sustenido, inicia-se o segundo ciclo, que engloba o

fim das seções A, B e o início da seção A’. Neste segundo ciclo, o afastamento inicia no

final da seção A, com um aumento de tensão causado pelo uso crescente de acentos

deslocados sobre o ostinato (comp. 36-54). O aumento da tensão culmina na seção B,

composta com ritmo variado, contrastando com o ritmo regular de semicolcheias. Os

acordes definidos na delimitação do espaço composicional foram utilizados para gerar

desenhos melódicos inspirados nos improvisos de pianistas de jazz. Uma nova realização

do movimento escalar com o conjunto PcA[9,1,3,4,6,8] marca o fim da seção B e a volta

ao fá sustenido. A seção A’ inicia o terceiro ciclo, retomando o aparecimento gradual de

acentos deslocados dentro do ostinato em semicolcheias do fá sustenido. As notas

acentuadas, fá sustenido com dobramento de oitava, vão sendo substituídas gradualmente

pelas notas dos conjuntos: PcA’1[8,2,3,0,7,5] na voz superior; e PcA’2[1,11,9,10,2] na

voz inferior, como mostra a figura 4.17.

64
Fig.4.17: Compassos 89-95, início da substituição das oitavas acentuadas pelas notas dos conjuntos PcA’1
e PcA’2

A seção C foi composta como o pico de tensão da peça e de afastamento em

relação ao fá sustenido inicial. Nesta seção os fragmentos melódicos criados pelas notas

acentuadas da seção A’ foram transformados em seqüências melódicas compostas,

utilizando o conjunto de notas PcC[2,0,1,9,5,11,10] iniciando no registro médio-grave,

movendo-se para o grave e ascendendo em direção ao registro mais agudo do piano. O

ápice encontra-se nos compassos 134-141, em que a figura melódica mostrada na figura

4.18 foi repetida por sete vezes, concluindo a seção C.

Fig.4.18: Ápice da peça, figura melódica repetida no final da seção C

A seção A” retoma o ostinato, iniciando o último ciclo através do acúmulo

gradual das notas do conjunto PcA’’[9,0,1,5,6] sobre o fá sustenido e o uso percussivo de

clusters. Este último ciclo é interrompido no seu pico, finalizando a peça.

65
A parte do piano e a parte eletrônica direcionam seus discursos musicais

paralelamente, utilizando inclusive andamentos diferentes. A parte eletrônica foi

composta com os padrões rítmicos executados em vários andamentos – MM= 120, 135 e

160 aproximadamente - e muitos dos fragmentos metálicos possuem andamentos

indefinidos. As seções A, A’ e A’’ e C da parte do piano foram compostas com a

semínima pontuada igual a 80, e a seção B com a semínima pontuada igual a 68. Apesar

da independência entre as partes, foram estabelecidos momentos de sincronismo durante

a composição da parte do piano, exigindo do pianista grande precisão metronômica. O

compositor fornece junto ao material eletrônico de performance da peça uma faixa do CD

com um click-track para auxílio na preparação da obra.

Essa foi a primeira peça a ser composta utilizando por completo o modelo de

processo composicional apresentado no início desse trabalho. A utilização desse modelo

auxiliou o desenvolvimento coerente da composição, onde foram utilizados diferentes

tipos de materiais.

Danças & Intermezzi foi estreada no recital de mestrado realizado dia 12 de

dezembro de 2002, sendo publicada no CD Plural – James Correa & Eduardo Miranda,

tendo por intérprete Catarina Domenici ao piano.

66
5 - FIGURAÇÕES PERCUSMÁTICAS

5.1- Impulso gerador

Figurações Percusmáticas é a única composição deste portfólio construída

unicamente com sons eletrônicos. A motivação composicional surgiu de uma série de

pequenos estudos eletrônicos, que priorizam sons de qualidades percussivas, realizados

durante o processo composicional do último movimento de Danças & Intermezzi. A série

de estudos teve por finalidade explorar as possibilidades rítmicas e de orquestração dos

sons percussivos selecionados para formar a parte eletrônica de Círculos de Fogo. Cada

um dos estudos utiliza um tipo diferente de figuração rítmica orquestrada por diferentes

conjuntos de sons percussivos, mas que possuem algum grau de similaridade. Decidi

então, sobrepor as diferentes figurações rítmicas como se estivessem sendo executadas ao

mesmo tempo por diferentes grupos de percussão. O título da peça é uma referência ao

caráter percussivo do material sonoro utilizado e ao mesmo tempo uma alusão à imagem

de um grupo de intérpretes virtuais, ou “acusmáticos”. O termo Percusmáticas é

resultante da combinação das palavras percussão e acusmática.

67
5.2 - Estruturação formal

Em Figurações Percusmáticas, a forma foi-se estabelecendo durante o processo

de definições locais, não havendo um plano formal preestabelecido. Após o término da

composição, a forma resultou em 5 partes: Introdução; seção A (granular); seção B

(lenta); seção C (rítmica); Codetta.

5.3 – Delimitação e Modelagem do Espaço Composicional

O espaço composicional de Figurações Percusmáticas foi delimitado por seleção

de alguns dos pequenos estudos não aproveitados em Danças & Intermezzi, aqui

denominados de Figurações 1, 2, 3 e 4. Estas caracterizam-se pelo tipo de atividade

rítmica e os timbres escolhidos para sua “orquestração”.

Figurações Atividade rítmica “Orquestração”


1 Textura probabilística, “nuvem” Sons sintetizados através de
sonora. síntese granular
2 Figurações rítmicas assimétricas Conjunto de sons percussivos
pré-programados do sintetizador
MIDI SoundCanvas
3 Figuração rítmica simétrica Conjunto de sons percussivos
pré-programados do sintetizador
MIDI SoundCanvas
4 Figuração rítmica simétrica Sons sintetizados utilizando a
técnica de síntese FOF (Função
de Onda Formante)

68
Duas das Figurações, 1 e 4, foram compostas utilizando softwares específicos de

síntese digital de sons. A Figuração 1 foi realizada utilizando o programa de síntese

sonora Chaosynth14. Esse aplicativo utiliza uma técnica específica de síntese granular que

possibilita a criação de diferentes texturas. A Figuração 4 foi sintetizada pela técnica de

síntese conhecida por FOF15, utilizando a linguagem de programação para síntese digital

Csound.

As Figurações 2 e 3 foram compostas de outra forma e ambas fizeram uso de

conjuntos de timbres percussivos chamados de presets do sintetizador MIDI

SoundCanvas. Realizada a definição dos presets, foram compostas as seqüências

rítmicas, partindo das características descritas na delimitação do espaço composicional.

Por meio do programa de notação musical Finale, as seqüências rítmicas foram

transcritas para um arquivo MIDI e orquestradas utilizando os diferentes presets do

sintetizador, sendo assim transformadas em arquivos de áudio.

A última etapa da modelagem do espaço composicional foi a organização

temporal dos eventos, seguida da mixagem em estéreo e masterização em CD.

14
Concebido e desenvolvido na Universidade de Edimburgo, Escócia , pelo compositor Dr. Eduardo
Miranda, ver CORREA, MIRANDA, WRIGHT, 2001.
15
Técnica desenvolvida no Ircam, em Paris, França, por X.Rodet para a síntese de vozes e sons
percussivos.

69
Figurações Percusmáticas é a única peça, deste projeto, composta somente para

meios eletrônicos. O processo composicinal foi realizado, de modo não intencional, sobre

a dicotomia rigidez/flexibilidade. Rigidez, por ser uma peça acusmática, registrada em

disco compacto, quando apresentada em concerto não há interpretação, apenas audição.

Opondo-se a determinação da música pré-gravada, essa foi a peça menos planejada de

todo o portifolio, onde a estrutura formal foi sendo estabelecida durante a fase de

modelagem do espaço composicional.

Figurações Percusmáticas foi estreada em março de 2002, em concerto do grupo

Sons Transgênicos, no Auditório do Instituto de Artes da Universidade Federal de Santa

Maria, RS.

70
6- ETS CHAYIM

6.1- Impulso gerador

Ets Chayim, para clarinete, violino, violoncelo, piano e percussão, teve como

impulso gerador o símbolo da Cabala (tradição mística hebraica) denominado Ets

Chayim, traduzido para o português como A Árvore da Vida.

A Árvore da Vida é um símbolo composto, formado por dez esferas chamadas

Sephiroth. As Sephiroth são alinhadas verticalmente em três colunas. As colunas laterais

contêm cada uma três Sephiroth, e a coluna central, quatro, e são denominadas de Pilar

da Misericórdia (à direita), Pilar da Severidade (à esquerda) e o Pilar do Equilíbrio (ao

centro). As Sephiroth são ainda interligadas por vinte e duas linhas denominadas pela

tradição cabalística de Caminhos, figura 6.1. Nesse símbolo estão embebidos conceitos

esotéricos e místicos acerca do universo e da alma humana16. Cada uma das Sephiroth

representa um conceito, definido pelo título atribuído a Sephirah17:

Malkuth: O Reino;
Yesod: O Fundamento;
Hod: A Glória;
Netzach: A Vitória;
Tiphereth: A Beleza;
Geburah: A Força;
Chesed: A Misericórdia;
Binah: O Entendimento;
Chokmah: A Sabedoria;
Kether: A Coroa.

16
Para um estudo aprofundado da simbologia da Árvore da Vida , ver REGARDIE, 1999.
17
Sephirah: forma singular de Sephiroth.

71
Os conceitos atribuídos a cada Sephirah impulsionaram a concepção de cada

movimento, sem, contudo, existir uma intenção programática na composição de Ets

Chaiym.

Fig.6.1: A Árvore da Vida

72
6.2 - Organização global da obra

Ets Chaiym foi composta em dez movimentos organizados em três grupos,

fazendo referência aos Pilares da Árvore da Vida: o Pilar Direito foi formado pelos

movimentos IV/VII/IX; o Pilar esquerdo, pelos movimentos III/VI/VIII; e, por fim, o

Pilar Central, englobando os movimentos I/II/V/X. Para cada grupo de movimentos foi

estabelecido um conjunto de características técnicas e expressivas que definem uma

identidade comum entre as peças de cada um dos Pilares. Essas características foram

organizadas da seguinte forma:

Pilar Características

Pilar Direito Clarinete como instrumento principal;


Movimentos III-VI-VIII espaço composicional com tendência
diatônica; movimentos tranqüilos e
estáveis.
Pilar Esquerdo Instrumentação variada; movimentos
Movimentos IV-VII-IX tensos.
Pilar Central Uso de todos os instrumentos; reutilização
Movimentos I-II-V-X de materiais de obras anteriores; sem
definição prévia de espaço composicional;
grande incidência de padrões em ostinato.

73
6.3 – Estruturação Formal, Delimitação e Modelagem do Espaço
Composicional de cada movimento

6.3.1 – Malkuth (O Reino)

Estruturação Formal
O primeiro movimento, Malkuth, foi organizado em três seções: A, compassos 1-

29; B, comp. 30-39 e C, comp.40-48. Nas seções A e C, o clarinete ocupa uma posição

de solista. A seção B foi planejada privilegiando a relação camerística entre percussão,

piano e violoncelo.

Delimitação e Modelagem do Espaço Composicional


O Espaço Composicional de Malkuth consiste em excertos musicais retirados do

último movimento do concerto para clarinete e orquestra de câmara Cárcere do

Imaginário IX, composto pelo autor em 1999. A seção A de Malkuth foi composta como

uma reconstrução concisa das três primeiras seções do último movimento do concerto.

Em Malkuth o clarinete mantém sua posição de solista, acompanhado pelos outros

instrumentos do grupo. A figura 6.2a apresenta a primeira página do último movimento

de Cárcere do Imaginário IX, e a figura 6.2b mostra a abertura de Malkuth, compassos

1-4.

74
Fig.6.2a: Primeira página de Cárcere do Imaginário IX, comp. 1-3

75
Fig.6.2b: Abertura de Malkuth, comp.1-4

A seção B foi organizada em dois níveis hierárquicos: o primeiro, formado pela

sobreposição de três linhas rítmicas com figuras assimétricas e com acentos não

coincidentes. As linhas rítmicas foram orquestradas utilizando a percussão, o piano e o

violoncelo. A figura 6.3 mostra as três figurações rítmicas utilizadas na construção da

seção B. Para compor as partes do piano e do violoncelo, foram definidos dois conjuntos

de alturas, figura 6.4. O segundo nível consiste em notas longas (dó e si) na parte do

clarinete e do violino.

76
Fig.6.3: Linhas rítmicas formadas por figuras assimétricas e com acentos não coincidentes

Fig.6.4: Conjuntos de alturas definidos para uso no piano e violoncelo na seção B

A seção C foi composta utilizando como Espaço Composicional dois momentos

do solo de clarinete do terceiro movimento de Cárcere do Imaginário IX, compassos 23-

24 e compassos 45-46, figuras 6.5a e b, sendo o primeiro excerto utilizado no início da

77
seção C, comp. 40-41; e o segundo trecho, no piano, no compasso 43-44. A figura 6.6a

mostra o primeiro trecho adaptado por alterações de registro e de articulação. Também

foi realizada uma expansão da parte do clarinete com uma seqüência de arpejos,

acompanhado por acordes de caráter percussivo executados pelo piano e pelas cordas.

Essa seqüência de arpejos possui uma função transitória entre o primeiro trecho utilizado

no clarinete e o segundo excerto executado pelo piano, figura 6.6b. A peça foi finalizada

com gesto pontual composto por um acorde de caráter percussivo executado pelo

clarinete, piano e cordas. O acorde é executado duas vezes em uma seqüência de fusas,

com um caráter agressivo reforçado por um rufo no tambor baixo.

Fig.6.5a: Compassos 23 e 24 do solo de clarinete (escrito em Dó) do terceiro movimento de Cárcere do


Imaginário IX

Fig.6.5b: Compassos 45 e 46 do solo de clarinete (escrito em Dó) do terceiro movimento de Cárcere do


Imaginário IX

Fig.6.6a: Realização em Malkuth do trecho mostrado na figura 6.5a

78
Fig.6.6b: Segundo excerto executado pelo piano

6.3.2 – Yesod (Fundamento)

Estruturação Formal
Yesod consiste em três seções, A, B e C. A primeira seção, compassos 1-25, foi

construída com um gradual adensamento de textura sobre um ostinato rítmico. Na

segunda seção, comp. 27-55, o piano realiza um contraponto a duas vozes com o baixo

escrito como um moto perpétuo, baseado no walking bass dos contrabaixistas de jazz. A

voz aguda consiste em uma melodia com ritmos sincopados, dobrada pelo clarinete. As

cordas têm intervenções pontuais e não há uso de percussão. A última seção, comp. 56-

66, constitui-se de um solo de percussão.

Delimitação e Modelagem do Espaço Composicional


O Espaço Composicional de Yesod foi definido por diferentes conjuntos de alturas

para cada seção (A e B). Para a seção A, foram gerados doze conjuntos de alturas

utilizando um algoritmo de geração randômica de notas, desenvolvido por Mikhail Malt,

baseado no modelo utilizado por Iannis Xenakis, na obra Achorripsis. A figura 6.7 mostra

os treze conjuntos na ordem em que aparecem na parte do piano. Na partitura, cada

conjunto foi separado por pausas, organizadas em uma seqüência descendente de

79
durações. A parte do piano foi sobreposta ao padrão rítmico repetido em forma de

ostinato pela percussão. O padrão rítmico construído por um ciclo de onze semicolcheias,

em que os acentos foram organizados pela seqüência numérico 2,1,2,2,2,2, foi baseado no

modelo dos ritmos circulares africanos (ver ANKU, 2000), figura 6.8. As cordas e o

clarinete realizam intervenções utilizando os conjuntos de notas definidos nas seqüências

do piano, de modo a gerar o aumento gradual de densidade na textura geral.

Fig.6.7: Os treze conjuntos que formam o Espaço composicional da seçãoA de Yesod

80
Fig.6.8: Padrão rítmico utilizado como ostinato na seção A

Na seção B o espaço composicional foi delimitado por um grupo de treze

conjuntos de notas. Primeiramente estabeleci dois, utilizando o mesmo algoritmo de

geração randômica de notas; os outros onze conjuntos foram gerados pelo processo de

interpolação linear entre os dois primeiros. A modelagem do espaço composicional nessa

seção foi iniciada pela parte do piano. A melodia do clarinete foi composta como uma

redução da voz superior do piano, com a função de ressaltar algumas notas ou desenhos

melódicos. A seção C foi composta como uma pequena cadenza para percussão, tendo

como referência os solos improvisados por bateristas de Jazz.

Fig.6.9: Espaço Composicional da segunda seção de Yesod

81
6.3.3 – Hod (Glória)

Estruturação Formal
O terceiro movimento, Hod, para clarinete e piano, foi organizado em quatro

seções: A [1-13], B [13-18], C [19-26] e A’ [27-32]. A textura da peça foi definida como

uma melodia acompanhada, e a instrumentação, organizada por seções: A e A’ clarinete

cantabile e o piano com acompanhamento cordal; na seção B, clarinete-solo sem piano;

na seção C, piano-solo.

Delimitação e Modelagem do Espaço Composicional


O Espaço Composicional de Hod foi delimitado pelo conjunto de oito notas

mostrado na figura 6.10. Essa peça foi composta de modo bastante intutivo, sem o auxílio

de algoritmos ou seqüências numéricas de suporte. Primeiramente foram construídas as

duas frases melódicas, executadas pelo clarinete na seção A. Essas frases serviram de

matriz para a composição das demais. A seção B, clarinete-solo, foi composta como uma

variação da primeira melodia, explorando os elementos rítmicos da primeira parte da

frase (comp.3) e a expansão dos intervalos melódicos. A seção C, piano-solo, é uma

variação da segunda melodia realizada através de aumentação rítmica, mudança de

registro e variações no desenho melódico. A melodia da seção A’ foi concebida como

uma síntese entre os elementos das outras frases da peça. Sendo ritmicamente relacionada

82
com a primeira frase, apresenta também variações de registro, fazendo uso de um grupo

maior de intervalos.

Fig.6.10: Espaço Composicional de Hod

Fig.6.11a: Primeira melodia da seção A e a variação realizada na seção B

Fig.6.11b: Segunda melodia da seção A e a variação realizada na seção C

6.3.4 – Netzach (Vitória)

Estruturação Formal, Delimitação e Modelagem do Espaço


Composicional
O quarto movimento, N e t z a c h , foi organizado em uma única seção.

Primeiramente foi definido um grupo de compassos, partindo da seqüência numérica

83
5,4,5,2,3,2,3,5,2,3,5. Para o preenchimento dos compassos, foram estabelecidos grupos

de impulsos, ordenados de acordo com a seqüência numérica 5,4,3,2,3,1,3,5,1,3,3. A

figura 6.12 apresenta a seqüência rítmica resultante, que serviu de estrutura para a

construção das frases rítmicas. Durante a composição destas, a seqüência de compassos

foi expandida pelo acréscimo de dois compassos de três por oito, comp.8-9 na metade da

peça e mais seis no final, comp.14-18. Netzach é um movimento introspectivo e sombrio,

tendo sido concebido dessa forma para contrastar com o lirismo do movimento anterior,

Hod .

Fig.6.12: Seqüência rítmica resultante do preenchimento dos compassos pela seqüência de impulsos
5,4,3,2,3,1,3,5,1,3,3

Fig.6.13: Quatro primeiros compassos de Netzach

84
6.3.5 – Tiphereth (Beleza)

Estruturação Formal
O movimento Tiphereth consiste em três seções denominadas A, B e C. A seção

A caracteriza-se pela alternância entre duas texturas contrastantes, a primeira, etérea

contínua; e a segunda, violenta e pontual. A seção B consiste em um ostinato estático

construído sobre um arpejo no piano, derivado do primeiro movimento, Malkuth. Sobre o

ostinato do piano, reforçado pelas cordas, o clarinete cita a melodia inicial do último

movimento denominado Kether. A última seção é uma elaboração da seqüência de

acordes que formam a textura violenta e pontual da primeira seção.

Delimitação e Modelagem do Espaço Composicional


O espaço composicional de Tiphereth foi formado pela seguinte seqüência

ordenada de conjuntos de notas:

Fig.6.14: Espaço Composicional de Tiphereth

Esta composição foi concebida como um encontro entre o primeiro e o último

movimento, trazendo características expressivas próprias, bem como dos dois outros

movimentos. A seção A inicia com uma sonoridade construída pelo uso de diferentes

formas de ataque da nota si bemol: o violoncelo utiliza harmônicos, o violino realiza um

trêmolo com a ponta do arco próximo à ponte, e o clarinete, com o ataque ordinário,

85
realiza um movimento de aceleração e desaceleração (figura 6.14). O resultado é uma

textura rica em harmônicos agudos, com uma expressão delicada e distante. Essa textura

é subitamente interrompida por uma seqüência violenta de acordes, retirada de Malkuth

(figura 6.15). Após a interrupção a textura inicial é retomada, acrescida agora das notas ré

e dó sustenido, terceiro conjunto do espaço composicional. O acréscimo dessas notas

introduz instabilidade à textura inicial, como um distúrbio causado pela interrupção

violenta de Malkuth. No compasso 12 há uma nova interferência agressiva, e a seção

conclui com a retomada da textura inicial um semi-tom acima.

Fig.6.14:Início da primeira seção de Tiphereth

86
Fig.6.15:Acordes retirados de Malkuth

87
Fig.6.16:Interferência de acordes no compasso 12

A seção B foi construída sobre um ostinato na parte do piano, derivado do arpejo

realizado por este instrumento, nos compassos 26 e 27 de Malkuth (figura 6.17a-b). A

partir do compasso 24, com a entrada das cordas com a nota si, o ostinato do piano passa

a ser uma seqüência de notas por grau conjunto (figura 6.18). Sobre este novo ostinato o

clarinete executa a melodia inicial de Kether, transposta e com o ritmo aumentado (figura

6.19a-b). A seção final é uma transição entre os dois últimos conjuntos de notas do

espaço composicional. Do ponto de vista da expressão, esta seção representa, de forma

88
sintética, a transição entre o gestual violento e pontual, característico de Malkuth, para a

estabilidade de Kether.

Fig.6.17a: Arpejo original, compassos 26 e 27 de Malkuth

Fig.6.17b: Arpejo realizado em Tiphereth

Fig.6.18: Segundo ostinato da parte do piano

89
Fig.6.19a: Melodia original realizada pelo clarinete e violoncelo em Kether

Fig.6.19b: Melodia transposta e com aumentação rítmica em Tiphereth

6.3.6 – Geburah (Força)

Estruturação Formal, Delimitação e Modelagem do Espaço


Composicional
A forma em Geburah foi organizada em uma única seção processual, visando a

criar um discurso musical contínuo. Não havendo subdivisões em seções, nem indicações

de compassos, a métrica é definida pelos contornos melódicos e pelas notas acentuadas

individualmente. O Espaço Composicional foi definido por uma frase melódica derivada

da melodia matriz de Hod e utilizada como reservatório de notas e intervalos, contornos

melódicos e figurações rítmicas.

90
Fig.6.20: Espaço Composicional de Geburah, melodia derivada de Hod

A Modelagem do Espaço Composicional foi realizada utilizando o algoritmo

denominado TransObj-1, desenvolvido pelo autor. Esse algoritmo realiza uma série de

transformações nas alturas, intervalos e contornos melódicos e em diferentes níveis da

organização rítmica:

- Transformações nas alturas: Transposição de fragmentos melódicos com


diferentes índices de transposição para cada nota; distorções no contorno
melódico controladas graficamente; permutações circulares e randômicas;
contração e expansão intervalar, além de inversões e retrógrados.
- Transformações na organização rítmica: permutações de impulsos e compassos;
interpolação entre duas células rítmicas.

Diferentemente do algoritmo Granulus2, utilizado em Spells (ver seção 3.4), a

escolha do tipo de transformação e dos valores de cada parâmetro é feita pelo compositor.

Partindo de uma melodia como matriz, da escolha dos tipos de transformações e dos

valores definidos para cada parâmetro, o algoritmo organiza uma nova seqüência

musical. Foram construídos cento e vinte cinco fragmentos melódicos empregando

diferentes tipos de transformações rítmicas e de alturas, utilizando a melodia matriz de

forma parcial ou integral. Do conjunto de fragmentos melódicos gerados, foram

selecionados vinte e três para a versão final da peça. Para a ordenação temporal dos

91
fragmentos, foram feitos pequenos ajustes para tornar a transição de um fragmento para

outro o mais imperceptível possível, criando, assim, um discurso musical fluente com

caráter de improvisação.

Fig.6.21: Fragmento melódico número cinco, derivado utilizando diferentes índices de transposição e
permutação de impulsos

6.3.7 – Chesed (Misericórdia)

Estruturação Formal, Delimitação e Modelagem do Espaço


Composicional
A composição deste movimento foi guiada pela intenção de criar uma seqüência

de gestos com curta duração, tensos e violentos. Para isso, Chesed foi organizada

formalmente em cinco módulos, separados temporalmente por silêncios. O uso de pausas

longas e de durações imprecisas, com fermatas, resultou no rompimento do pulso,

contribuindo para aumentar a sensação de instabilidade da peça.

A delimitação do espaço composicional foi realizada através da seleção de

conjuntos de alturas para cada módulo.

92
Fig.6.22: Espaço Composicional de Chesed

A modelagem do espaço composicional ocorreu em duas etapas. Primeiro foram

determinados os contornos melódicos e a estrutura rítmica de cada módulo. Após a

finalização dessa etapa, os contornos melódicos foram definidos fazendo uso dos

conjuntos de notas do espaço composicional. A criação das figuras rítmicas, bem como

dos contornos melódicos, ocorreu de modo intuitivo, sem o suporte de algoritmos. A

figura 6.23a-b mostra o primeiro esboço da estrutura rítmica e do contorno melódico do

primeiro módulo, e sua versão final.

93
Fig.6.23a: Esboço da estrutura rítmica e do contorno melódico do primeiro módulo

Fig.6.23b: Versão final do primeiro módulo, abertura de Chesed

Com a intenção de distorcer o som natural do instrumento, foram explorados

diferentes timbres no violoncelo. Para tanto, exploraram-se três parâmetros referentes à

execução do violoncelo: o controle da quantidade de pressão do arco nas cordas – pouca

pressão, pressão normal e muita pressão; a região da corda em que o arco estabelece

94
contato – sulla tastiera, sul poticello e posição natural; a pressão da mão esquerda ao

pressionar a corda contra o espelho do violoncelo – pressão normal e pouca pressão. A

combinação dessas técnicas de execução resultou em uma expansão das possibilidades

sonoras do instrumento; a figura 6.24 exemplifica dois usos diferentes. Na figura 6.24a o

violoncelista executa o trêmolo na posição sul ponticello com grande pressão no arco.

Essa combinação resulta em um timbre metálico e distorcido causado pela presença

maior de parciais agudos, misturados com o ruído da fricção exagerada do arco nas

cordas. A figura 6.24b mostra uma seqüência de notas executadas tocando levemente a

corda com a mão esquerda, enquanto com o arco realiza um trêmolo com pouca pressão

na posição sul ponticello. A combinação dessas técnicas resulta em uma textura de sons

harmônicos sem alturas definidas. Ao final dessa passagem, o violoncelo realiza um

glissando, com trêmolo executado com muita pressão no arco e em posição natural, o que

resulta na mistura do som “puro” do violoncelo com o ruído causado pelo excesso de

fricção do arco na corda.

Fig.6.24a: Trêmolo em posição sul ponticello com grande pressão no arco

95
Fig.6.24b: Textura de sons harmônicos criada pela combinação de trêmolo com pouca pressão no arco
em posição sul ponticello e com pouca pressão na mão esquerda

6.3.8 – Binah (Entendimento)

Estruturação Formal, Delimitação e Modelagem do Espaço


Composicional
O oitavo movimento foi organizado em duas seções, A e B. A primeira constitui-

se de um solo lento do clarinete com o piano, realizando pequenas intervenções com

notas em oitavas e o pedal sempre aberto, criando uma sonoridade próxima ao som do

carrilhão. Na segunda seção, o clarinete passa para um segundo plano, o piano realiza um

solo polifônico, e o violoncelo entra ao fim da seção com uma pequena melodia derivada

do clarinete, compasso 14.

O espaço composicional de Binah foi formado pelo mesmo conjunto de notas

utilizado em Hod. A modelagem do espaço composicional foi realizada em duas etapas.

Na primeira, foi escrita a parte do clarinete. Foram compostas duas melodias, comp.1-7 e

7-19, com notas de longa duração, intervalos melódicos pequenos explorando o registro

grave do instrumento. Na segunda etapa foram compostas as partes do piano e do

violoncelo. Na primeira seção, o piano foi utilizado como um instrumento de percussão,

com uma sonoridade próxima à do carrilhão, criada através do uso de oitavas executadas

com ataques curtos e o pedal aberto ampliando a ressonância. Na segunda seção, a parte

96
do piano foi composta como um comentário da primeira melodia do clarinete. Utilizando

figuras rítmicas mais curtas e variadas em uma textura polifônica, a parte do piano foi

formada pela sobreposição de duas melodias derivadas da parte do clarinete. O violoncelo

entra na segunda seção para finalizar a peça, com um fragmento melódico derivado da

primeira melodia do clarinete.

Fig.6.25: Espaço composicional de Binah

6.3.9 – Chokmah (Sabedoria)

Estruturação Formal, Delimitação e Modelagem do Espaço


Composicional

Chokmah foi composto em uma seção, exercendo uma função de transição entre

Binah e Kether pelo aumento gradual de densidade e tensão da textura. O espaço

composicional foi delimitado pela coleção de notas mostradas na figura 6.26. A

modelagem do espaço composicional foi realizada pela construção de um acorde formado

pelos intervalos de segunda menor e trítono, orquestrado no piano e violoncelo.

Fig.6.26: Espaço Composicional de Chokmah

97
6.3.10 – Kether (A Coroa)

Estruturação Formal, Delimitação e Modelagem do Espaço


Composicional
O último movimento de Ets Chaiym é uma expansão e reorquestração da seção

final do quinteto Uma visão da Noite, escrito pelo autor em 1995. A forma de Kether foi

estruturada em uma única seção. O espaço composicional foi delimitado pelo conjunto de

notas lá bemol, dó, ré, mi bemol, fá (figura 6.27). Sobre um ostinato harmônico na parte

do piano, figura 6.28, foi composto um contraponto entre o violino, o clarinete e o

violoncelo, de caráter imitativo, e a partir do comp.62 transforma-se em uma estrutura

cordal expandindo temporalmente a célula melódica da mão direita do piano.

Fig.6.27: Espaço Composicional de Kether

Fig.6.28: Ostinato da parte do piano

Ets Chayim foi a última peça composta e a única escrita apenas para instrumentos

acústicos. Nessa peça, as etapas do modelo de processo composicional foram de grande

98
importância pois possibilitaram o planejamento global da composição auxiliando também

no controle do equilíbrio entre os movimentos.

Ets chayim foi estreada no dia 12 de dezembro de 2002 durante o recital de

mestrado.

99
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste memorial foram descritos os processos composicionais das peças O Jardim

dos Caminhos que se Bifurcam, Spells, Danças & Intermezzi, Figurações Percusmáticas

e Ets Chayim, utilizando para isso a estrutura do modelo de processo composicional

desenvolvido durante o mestrado. A organização do processo composicional em etapas

propiciou um maior controle sobre o andamento de cada projeto de composição,

integrando de forma orgânica procedimentos conceituais, racionais e subjetivos inerentes

ao trabalho artístico.

O foco principal do trabalho composicional durante o curso de mestrado, a

integração de diferentes meios, linguagens e elementos de outras musicais no meu

cotidiano composicional representam um significativo avanço na minha trajetória como

compositor. Avanço esse, que, acredito, não seria possível sem o estímulo intelectual e

artístico propiciado pelo ambiente do programa de pós-graduação em música desta

Instituição.

As três peças centrais deste projeto, O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam,

Spells e Danças & Intermezzi, foram as primeiras composições em que integrei

instrumentos acústicos com sons eletrônicos. Nessas peças, trabalhei a relação entre os

dois meios de modos distintos. Em O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, todos os

sons eletrônicos foram derivados de uma fonte, o próprio violão; na peça Spells, assim

100
como a anterior, a parte eletrônica deriva do instrumento acústico, mas aqui o discurso

eletrônico é realizado interativamente. Nas Danças & Intermezzi, a parte eletrônica foi

concebida sem nenhuma relação com o piano. A experiência com essas composições foi

uma etapa importante no meu desenvolvimento como compositor. Pretendo agora

aprofundar este trabalho ampliando o uso interativo do computador na realização da parte

eletrônica em tempo real também com grupos instrumentais, bem como com a utilização

de outras mídias.

A composição das obras Figurações Percusmáticas e Ets Chayim caracterizou-se

pelo reaproveitamento de materiais de outras peças de minha autoria. Algumas das

composições reaproveitadas são anteriores ao portifólio, como no primeiro e no último

movimento de Ets Chayim, onde utilizei trechos das obras Cárcere do Imaginário IX e

Uma Visão da Noite respectivamente. Em Figurações Percusmáticas utilizei como

espaço composicional trechos compostos como estudos para a peça Círculos de Fogo,

último movimento de Danças & Intermezzi, que não foram utilizados diretamente nessa

composição. O reaproveitamento de materiais não é um procedimento novo na minha

trajetória composicional, porém, nessas duas obras esse procedimento foi utilizado com

mais conciência e intensidade. O amadurecimento desse procedimento, ocorrido no

processo composicional das referidas peças, abre um campo de pesquisa em composição,

tanto no desenvolvimento de técnicas composicionais como em Estética.

101
Nas considerações estéticas, procurei não definir afiliação a uma corrente estética

ou estilística específica, mas, sim, apresentar os elementos que, durante a reflexão

realizada no processo composicional das peças, fundamentaram os princípios estéticos

deste portfólio.

O desenvolvimento de um modelo de processo composicional, a integração de

diferentes meios, linguagens e elementos de outras culturas musicais representam o início

de um novo estágio no meu pensamento composicional. Ao finalizar esse projeto

encontro-me frente a vários desafios e possibilidades de desenvolvimento composicional,

como em um jardim onde os caminhos se bifurcam.

102
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Murail, T. C’est un jardin secret, ma sœur, une source scellée, une fontaine
close… Alain Nöel, trompa; Ensemble l’Itinéraire; Jeanne Loriod, ondas
martenot; Orquestra Nacional da França; Charles Bruck e Yves Prin, regência.
Paris: MFA, 1992. 1CD (63 min): digital, estéreo. 202122

Piazzola, A. Los Tangueros – the Tangos of Astor Piazzola. Emanuel Ax e


Pablo Ziegler, pianos. Nova Iorque: Sony, 1996. 1 CD (60 min): digital, estéreo.
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Rzewski, piano. Nova Iorque: Nonesuch: 2002. 7 CDs: digital, estéreo. 79623-2

107
Saariaho, K. Maa – Ballet music in seven scenes. Mikko-Ville, violino; Tuula
Riisalo, viola; Lea Pekkala, violoncelo; Eva Tigerstedt, flauta; Pauliina Ahola,
harpa; Jaana Kärkkäinen, cravo e sintetizador; Tapio Aaltonen e Juhani Hapuli,
percussão; Juhani Liimatainen, sons eletrônicos; Tapio Tuomela, regente.
Helsinki: Ondine, 1992. 1 CD (74 min): digital, estéreo. ODE791-2.

Saariaho, K. Private Gardens. Camilla Hoitenga, flauta; Florent Jodelet,


percussão; Anssi Karttunen, violoncelo; Dawn Upshaw, soprano. Helsinki:
Ondine, 1997. 1CD (63 min): digital, estéreo. ODE906-2.

108
ANEXO
Algoritmos Granulus2, ReflexDist-1 e TransObj-1

109
Granulus2 (utilizado em Spells):

Fragmento
melódico dado
pelo compositor

Seleção randômica
de compassos para
gerar grão

Separa
*ritmo altura*

Escolha probabilística Escolha probabilística do processo a ser


realizado:
do processo a ser
realizado: *direto (“bypass”)
*retrógrado com intervenções randômicas
*direto (“bypass”)
*reflexão múltipla
*permutação de compasso
*distorção do contorno

Mapeamento das notas dentro da


tessitura estipulada

Formatação da nova
seqüência melódica

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ReflexDist-1 (utilizado em Intermezzo I: Espelho de Areia):

Parâmetros entrados pelo compositor:


* Seqüência melódica a ser modificada
* Número de alturas e de durações que devem
ser alteradas
* Matriz de probabilidades
* Lista de novas durações
* Lista de índices de trasposição

Escolha probabilística de n Escolha probabilística de n


durações para serem substituidas alturas para serem substituidas

Escolha randômica das novas Escolha randômica dos índices


durações de transposição

Substituição das durações Transposição das alturas


originais escolhidas

Reconstrução da seqüência
melódica

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TransObj-1 (utilizado em Geburah):

Seqüência melódica a ser


modificada

Escolha do tipo de transformação:


* Transposição por seqüência numérica
* Distorção do contorno melódico
* Permutações do conjunto de notas
* Contração/expansão intervalar
* Inversão
* Retrógrado
* Permutação circular de impulsos
* Permutação de compassos
Interpolação rítmica

Definição dos parâmetros referentes


ao tipo de transformação escolhida

Aplicação da transformação

Reconstrução da seqüência melódica

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