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I. Explicação e História
A Igreja Católica Romana crê e ensina que Maria, a mãe de nosso Senhor, subiu ao céu em corpo
e alma. Sob o titulo de Assunção, os católicos romanos celebram três festas em honra a Maria:
uma é a do trânsito de sua alma, sem o corpo, ao céu; outra é quando pouco depois se juntou e
se reuniu a mesma alma com o corpo, e com inefável glória subiu ao céu; a terceira é de sua
coroação como Rainha dos anjos e Senhora do universo. O imperador grego Mauricio (582-602)
ordenou que a festa fosse celebrada em 15 de agosto, o que se faz até nossos dias, e por esse
mesmo tempo também o Papa Gregório, o Grande, fixou a mesma data para o Oeste, onde
anteriormente, por razoes desconhecidas, celebrava-se a festa em 18 de janeiro. A palavra
"ASSUNÇÃO", que em um tempo se aplicava geralmente à morte dos santos, especialmente de
mártires, e a sua entrada no céu, chegou a aplicar-se agora exclusivamente a Maria, e isso a
distingue do termo "ascensão" no sentido de que esta é aplicada unicamente a Jesus Cristo, que
ascendeu por seu próprio poder ao céu, enquanto a assunção significa que Maria foi levada por
seu Filho ao céu.
Afirma-se que este novo dogma foi revelado por Deus, mas não se dão as razões bíblicas do caso.
Os apologistas do dogma, no entanto, citam um ou outro versículo isolado das Escrituras, os
quais, segundo eles, aludem indiretamente à conveniência da Assunção e glorificação de Maria.
Naturalmente, os mesmos versículos que usam para provar a imaculada Conceição (Gên. 3:15;
Luc. 1:28) são empregados também para deduzir deles a necessidade da Assunção. Salmos
16:10; 45:9 e João 12:26, trazidos ao caso, em correta exegese, jamais poderão ser tomados
como apoio à Assunção de Maria, já que eles claramente se referem, em sua ordem, à
ressurreição de Jesus Cristo, à Igreja como a esposa de Cristo e aos crentes em geral.
1. A Tradição
Mas é na tradição, propriamente, onde se pretende basear esta crença, argumentando-se que por
ser dita tradição antiga e unânime na Igreja Primitiva, a mesma deve ter sido originada dos
apóstolos. Mas quando se faz uma análise séria de tal posição, se descobre que não foi senão até
o século VI que apareceram os primeiros indícios de que se comemorava a morte de Maria e
começava a celebrar-se a festa da Assunção.
A lenda da Assunção é mencionada pela primeira vez nos fins do século IV em vários escritos
apócrifos, como "La Dormición de Maria y El Trânsito de Maria", os quais foram expressamente
condenados como apócrifos e heréticos pelo Papa Gelásio no index expurgatorious em princípios
do século VI. Foi Gregório de Tours (594 d. C.) o primeiro escritor ortodoxo que os aceitou como
autênticos, e, tempos depois, no século VIII, João Damasceno apresentou a Assunção como uma
doutrina de antiga tradição católica. No entanto, Benedito XIV declarou, em 1840, que a tradição
era insuficiente como doutrina, pois não tinha classe necessária para ser elevada ao nível de artigo
de fé.(l)
2. Relato de como Foi a Assunção
As várias tradições a que se recorre contêm marcadas discrepâncias entre si. "Sabido é que há
duas tradições, uma favorável à morte de Maria, a outra favorável à sua imortalidade." (2) "A
opinião mais comum ensina que Maria ressuscitou ao terceiro dia, como Jesus Cristo; no entanto,
alguns dizem que ressuscitou quinze dias depois de sua morte, e outros, quarenta."(3) Nestes
relatos há detalhes fantásticos, episódios inverossímeis e até suposições pueris que não se
coadunam com o teor sério e autêntico dos Evangelhos canônicos.
Segundo essas tradições, a mãe de nosso Salvador, sendo já uma anciã e cansada de viver neste
mundo, suplicou a seu Filho no céu que a levasse o quanto antes para estar com ele. Jesus então
enviou-lhe um anjo para que lhe anunciasse sua morte, nova que Maria recebeu com imenso
júbilo, mandando arrumar muitas velas e enfeitar o aposento. Para estar presente no momento da
morte de Maria, todos os apóstolos, com excessão de Tomé, marcaram encontro em Belém, onde
ela morava. João veio da cidade de Éfeso, cavalgando em uma nuvem, e do mesmo modo
viajaram os demais apóstolos desde os diferentes países em que se encontravam pregando.
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(3) Consultor dei Clero, p. 441. Fizeram-se também presentes Hieróteo, Timóteo e Dionisio, o
Areopagita, levando todos eles muitas velas, ungüentos perfumados e espécies aromáticas.
Ante a ameaça de ser assaltada por adversários judeus a casa onde eles estavam, Maria e os
apóstolos são transportados outra vez em uma nuvem a casa dela em Jerusalém. Ali suscitaram-
se diálogos, e ela os consola e os abençoa, dizendo: "Ficai com Deus, filhos meus mui amados;
não choreis porque os deixo, e, sim, alegrai-vos, porque vou para meu Querido." (1) Logo,
apresentando seu testamento, recomendou a João, o Evangelista, que repartisse duas túnicas
suas para duas jovens que a haviam servido e acompanhado por muitos anos. Chegando o
momento de sua morte, ela se recostou em sua cama, enquanto os apóstolos, de joelhos e em
pranto e pesar, a beijavam e se despediam. Anjos do céu começaram a chegar e depois Jesus
Cristo mesmo, descendo em outra nuvem e rodeado de seres angelicais, apareceu perante sua
mãe e, em meio de uma luz deslumbrante e de doces harmonias celestiais, levou a alma de Maria
ao céu (em uma variante, Jesus põe a alma dela nas mãos do anjo Gabriel, para que este a leve).
Assim foi a morte de Maria, e seu cadáver não se corrompeu, desprendendo delicadíssimos
perfumes.
A viagem de Maria através das esferas siderais e sua entrada na glória são descritas em altos vôos
imaginários e com frases ao extremo pitorescas e lisonjeiras pelos panegiristas da Assunção. Por
exemplo, São Afonso Maria de Ligório, consumado assuncionista, expressa-se assim: "Jesus a leva
pela mão, e a Mãe, felicíssima, corta os ventos, passa as nuvens, atravessa as altas esferas e
chega às portas do céu. Ali os anjos que a acompanham levantam a voz e, à semelhança do que
disseram quando o Senhor entrou triunfante de volta do desterro, repetiram agora também aos
que lá dentro a aguardavam: Abri, príncipes, essas portas e levantai-vos, portas eternas, para que
entre a Rainha da glória. No mesmo instante abriram-se de parem par, e entrou vitoriosa na
pátria celestial, e, ao vê-la tão formosa, aqueles espiritos soberanos perguntaram uns aos
outros:"Quem é esta que chega do deserto, lugar de espinhos e de abrolhos? Quem é esta que
vem tão pura e cheia de virtudes, sustentada em seu Amado e tão honrada dele?' E os anjos que
a acompanhavam respondiam: 'É a Mãe de nosso Rei, nossa Rainha, a bendita entre todas as
mulheres, a cheia de graça, a Santa dos Santos, a querida de Deus, a Imaculada, a mais formosa
de todas as criaturas." (1)
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Ao referir-se a mesma obra, mais adiante, ao ato da coroação de Maria, diz que, por seu turno, se
aproximaram de Maria todos os santos, o apóstolo Tiago, o Maior, os profetas, Zacarias e Isabel,
São Joaquim e Santa Ana, José e os santos anjos, e saudaram-na, felicitaram-na e honraram-na,
e que depois as três Pessoas da Santíssima Trindade a coroaram, pondo em suas mãos o poder, a
sabedoria e o amor e que ". . .colocando seu trono ao lado da Santíssima Humanidade de Jesus
Cristo, a declararam Rainha do céu e da terra, mandando aos anjos e a todas as criaturas que
como tal a reconhecessem, obedecessem e servissem". (2)
III. Refutação
A Assunção de Maria ao céu, de ser certa, seria um fato histórico, e como tal deve ser examinado.
Mas acontece que não há certeza quanto ao lugar de sua morte, se foi em Éfeso ou em Jerusalém;
não houve testemunhas de seu trânsito ao céu, as tradições em que se baseia a doutrina se
contradizem, estão escritas em uma linguagem extravagante, contém relatos inverossímeis;
quanto à antiguidade, não chegam nem sequer ao terceiro século. Os Pais e Doutores da Igreja
não fizeram alusão a elas nem falaram na Assunção durante os primeiros cinco séculos, o Papa
Gelásio condenou-as e o Papa Benedito XIV qualificou-as de testemunho insuficiente, e, no
entanto, é sobre esta obscura e débil tradição, sem comprovação histórica nem apoio bíblico, que
se levanta o "dogma revelado" da Assunção.
2. Razões de Conveniência
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Mais eloqüente, porém, é o silêncio absoluto que os escritores do Novo Testamento guardam no
tocante ao tema da Assunção. Silêncio que implicitamente desvirtua o fundo histórico desta
crença, pois é de todo ponto de vista estranho e inexplicável que um acontecimento de tanta
transcendência, como o seria o da Assunção, houvesse passado inadvertido para eles, e mais,
tendo em conta o fato de que a ascensão de nosso Senhor ao céu ficou plenamente testemunhada
nos documentos escritos do Novo Testamento.
Se a Assunção realmente aconteceu, que razões importantes haveria para que os escritores dos
livros do Novo Testamento nem sequer a houvessem mencionado, ainda que fosse de passagem?
Paulo, por exemplo, em todas as suas cartas apostólicas, faz só uma menção a Maria, e isto
acidental e indiretamente, quando, falando da vinda de Jesus ao mundo, diz que foi ((nascido de
mulher" (Gál. 4:4), mas não acrescenta nenhum detalhe que pudesse dar margem a essa suposta
crença. Pelo contrário, há uma passagem na qual, se fosse certa a Assunção, Paulo teria feito
alusão a ela. Falando da ressurreição futura dos crentes, diz ele: ((Cada um, porém, na sua
ordem: Cristo as primícias, depois os que são de Cristo, na sua vinda" (1 Cor. 15:23). Como a
tese assuncionista afirma que Maria ressuscitou primeiro e ascendeu ao céu depois, é lógico que
Paulo teria feito menção dela neste versículo, dizendo-nos que Maria, à semelhança de seu Filho
Jesus, já havia ressuscitado, O que claramente se depreende desta referência bíblica é que Maria,
assim como todos os crentes em Jesus Cristo cujos corpos dormem no sepulcro, serão
ressuscitados pelo poder de Deus quando soar a trombeta final e o Senhor descer do céu à terra
para arrebatar os seus.
Há, porém, algo mais. A doutrina da glorificação e a mediação de Maria aparece na teologia
católica intimamente ligada à doutrina de sua Assunção. Acontece que a Carta aos Hebreus,
escrita também anos depois do suposto trânsito de Maria ao céu, expõe com claridade meridiana a
doutrina do ministério de intercessão de Jesus Cristo no céu em favor de seus filhos na terra, mas
não há nem a mais leve alusão a que Maria esteja desempenhando parecidas funções acima na
glória. O escritor sagrado expressa-se assim: "Tendo, portanto, um grande sumo sacerdote,
Jesus, Filho de Deus, que penetrou os céus, retenhamos firmemente a nossa confissão. Porque
não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um
que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguemo-nos, pois, confiadamente ao
trono da graça, para que recebamos misericórdia e achemos graça, a fim de sermos socorridos no
momento oportuno" (Heb. 4:14-16). Sendo que as Escrituras nos foram dadas para nossa
instrução e edificação (II Tim. 3:16,17), é moralmente inconcebível que elas nos privassem não só
do conhecimento, senão também do consolo da mediação de Maria. A inferência do Novo
Testamento sobre o dogma da Assunção de Maria ao céu é uma prova mui forte da falsidade
histórica e doutrinal do mencionado dogma.
IV. O Concilio Vaticano II
No Concílio Vaticano II, não se trouxe a debate o dogma da Assunção. Simplesmente foi dado
como aceito e confirmado, segundo as seguintes palavras: "Finalmente, preservada livre de toda
culpa de pecado original, a Imaculada Virgem foi levada em corpo e alma à glória celestial, ao
terminar sua viagem terrenal. Ela foi exaltada pelo Senhor como Rainha de todos, a fim de que
pudesse ser mais completamente configurada a seu Filho, o Senhor dos senhores (cf. Apoc.
19:16) e o conquistador do pecado e da morte."(l)
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(1) Walter M. Abbott, S.J., The Docum.nts of Vatlcan Ii (Guiid Press: New York), p. 90