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"A literatura não pode ser adaptada para o

cinema", diz a diretora argentina Lucrecia


Martel
Omelete entrevista a cineasta de Zama
2 3 /1 0/ 20 15 - 1 9 :2 0 - RODRIG O FO NSEC A

Bastaram três longas-metragens para que os órgãos da inteligência cinematográfica


internacional elegessem a argentina Lucrecia Martel uma das 20 maiores
cineastas do planeta na atualidade, encantados com seu trabalho na direção de O
Pântano (2001), A Menina Santa (2004) e A Mulher Sem Cabeça (2008). Seu
mais recente filme, Zama, coproduzido pela brasileira Bananeira Filmes (de O
Palhaço) e pela espanhola El Deseo (empresa de Pedro Almodóvar), está sendo
montado neste momento em solo carioca, sob a atenta atenção dos olhos que a
diretora de 49 anos esconde sob um óculos de hastes e aro coloridos.

O ator paulistano Matheus Nachtergeale integra seu elenco, numa trama baseada
em romance homônimo de Antonio Di Benedetto (1922-1986) sobre um
funcionário da Coroa Espanhola alocado em sua colônia sul-americana que, à
espera de uma transferência para Buenos Aires, sai à caça de um malfeitor. É o
primeiro trabalho da realizadora no âmbito da adaptação literária.

Na entrevista a seguir, concedida ao Omelete, Lucrecia - que passou pela Mostra


CineBH, em Minas Gerais, há cerca de uma semana, como convidada de honra –
conta como foi rodar a saga de Don Diego de Zama (vivido por Daniel Giménez
Cacho) e fala sobre sua estética, admirada em todo o planisfério cinéfilo e
encarada como uma das mais radicais de toda a América Latina.

Em Zama, qual foi a maior dificuldade de operar um diálogo com a


literatura? O que significa “adaptar” literatura para as telas?

LUCRECIA MARTEL – O pior prêmio dado em várias competições ligadas ao


cinema, aquele que melhor expõe a estupidez humana, é o de melhor roteiro
adaptado. E eu te digo isso agora, muito antes de saber o que vai acontecer
como Zama. Mas, se eu fosse premiada nessa categoria, eu me recusaria a
receber o prêmio, a menos que fosse um prêmio em dinheiro. Aí, nesse caso, eu
terei mil argumentos para me arrepender dessa bravata. É impossível adaptar um
romance. A literatura não pode ser adaptada para o cinema. O que acontece é
algo de uma outra ordem, digamos, médica, que se processa da seguinte forma:

Dia 1 - O sujeito lê um romance, como, por exemplo, Zama, que é uma obra-
prima;

Dia 2 - Infectada pela beleza do livro, o sujeito se transforma, revira na cama


incapaz de dormir, sedento por fazer parte do mundo ali retratado;
Dia 3 – Apaziguada a febre, o sujeito se dá conta da enorme estupidez que é fazer
um filme baseado em uma obra-prima. E, geralmente, o sujeito se dá conta
também que mais estúpido ainda é fazer um filme de que ninguém precisa;

Dia 4 – A cólica volta e também a febre, porque o romance revelou ao sujeito


aspectos do mundo que ele não conhecia, revelando fendas abertas na realidade.
Ele se dá conta da doença e dorme com ela.

Dia 5 - Começa humildemente a escrever um script cuja premissa é assassinar o


romance que leu, pois, só assim, pode sobreviver.

Depois de O Pântano, um retrato de dilemas familiares pelo qual você foi


premiada no Festival de Berlim, o cinema aprendeu com seus filmes a operar
nas franjas do melodrama sem se render a excessos, atento a contenções. De
que maneira você trabalha com os códigos mais clássicos do drama ou mesmo
da tradição latina do melodrama?

LUCRECIA MARTEL – O Pântano é um tipo de filme que certamente não vai


levar um diretor à riqueza. Ele é um caminho que, no máximo, pode render a um
diretor acesso limitado a festas VIPs nos festivais. E, mesmo assim, esse privilégio
pode ser perder se seu filme seguinte não estiver alinhado com as expectativas dos
festivais. Isso pode ser um drama, mas um drama que é facilmente ultrapassado se
o que levou o diretor a rodar filmes como ele é a sua curiosidade sobre o mundo e
não o seu apego à badalação. Nossa dramaturgia, como por exemplo, as
telenovelas, são carregados de referências às tragédias gregas. O apetite pela
verdade, o turbilhão de desejos, as sucessões de confusões e mal-entendidos
marcam nossos melodramas, que carecem de um aspecto da vida prática: o
trabalho. Ninguém trabalha nas telenovelas, assim como não se trabalhava nas
tragédias. Por vezes, dizem que os personagens trabalham, mas não há cenas que
ilustrem isso. Se existe um aspecto medicinal, quase fisioterápico no cinema, é que
ele oferece diferentes de representar como um personagem percebe o mundo ao
seu redor. No cinema, às vezes, eu prefiro enquadrar uma orelha a um par de
olhos. Uma orelha às vezes pode expressar mais.

Há um tônus existencial recorrente nos seus filmes. Mas Zama parece portar
algo mais, que aponta o universo político. Como é a faceta política do teu
cinema?

LUCRECIA MARTEL – Não há nada mais misterioso, absurdo, doloroso e belo


do que existência. A consciência de existir pode levar alguém à beira da loucura.
Todos nós podemos lembrar de um dia em que nos demos conta da existência. Às
vezes, isso pode se dar pela morte de um ente querido, ou mesmo pela morte de
alguém que não significa nada para nós, mas cuja perda revela quão fácil pode
ser a extinção humana. Estas experiências muito reveladoras poderiam se chamar
rachaduras ou falhas. Mas sinto que “falha” é o termo mais apropriado porque
sugere que algo deu errado. Quando elas aparecem, é sinal de que algo que
queríamos esconder ganhou visibilidade, ainda que parcialmente. Quando, em
nosso mundo tão real e tão sólido, algo - como uma linha, um diálogo, um gesto,
uma substância proibida ou a Morte já mencionada por nós antes - expõe a falta
de sentido da existência, temos a percepção da arbitrariedade com que decidimos
tudo. Essa arbitrariedade vale seja para o modo de como se construir casas como
para a maneira que devemos amar. Quando isso acontece, essas falhas nos
permitem ver que o mundo poderia ser diferente. Surge daí uma força com poder
para transformar a realidade. Reside nessa lógica o veio político para a narrativa
audiovisual, porque com suas ferramentas de som e de imagem, nós podemos ir à
procura de falhas. Ninguém pode permanecer nelas, pois a natureza da falha é ser
efêmera. Por isso, se o cinema algum dia vier a ser extinto, a narração
audiovisual, assim como todas as outras manifestações narrativas, não correm
perigo, porque o motor que move as coisas na arte não é a película, nem os
suportes digitais, e sim o desejo de voltar a enxergar nossas rachaduras.

Que lugar o cinema autoral, aberto aos riscos e pautado pela pesquisa
estética, ocupa hoje na indústria audiovisual da Argentina?

LUCRECIA MARTEL – Posso dizer que há um fenômeno global entre os


diretores tentando voltar no tempo e rever a tradição. Sou parte dessa tendência,
embora tenha que confessar, como filha de Deus que sou, que, desde 2010, só faço
trabalhar em Zama. No meu trabalho, entro em contato com muita gente jovem,
sejam escritores ou diretores, e vejo com espanto, entre eles, essa curiosidade pelo
passado. Talvez ela seja uma manifestação de medo do futuro ou uma
incapacidade de analisar o presente ou, ainda, uma necessidade de colonizar
outros espaços e se espandir por um território criativo cada vez mais vasto.

In:

https://omelete.uol.com.br/filmes/entrevista/a-literatura-nao-pode-ser-adaptada-para-o-
cinema-diz-a-diretora-argentina-lucrecia-martel/

Acesso em 09/01/2018

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