Вы находитесь на странице: 1из 15

Capítulo Doze - Espião I

A vã branca acabe de buzinar em frente os portões de ferro do orfanato. Com seus sapatos
fechados de salto alto, Celina, a diretora e zeladora, caminha rumo à entrada.
“Obrigada, Érika,” ela diz ao sorrir com os lábios, mas seu semblante se manter intacto.
A motorista de óculos escuros, acena para a mulher que de braços cruzados observa as
crianças saírem porta à fora.
São treze crianças que descem ali na rua Sete de Setembro, do bairro Onze Horas.
Entre elas estão duas garotas de cabelos lisos e olhar cansado, sem mencionar o menino alto
que revira os olhos ao notar que Celina está ali.
Caramuru, o mais baixo entre todos, cruza o portão carregando pela alça a mochila pesada.
Enquanto isso, nos seus calcanhares, vêm Kaique que comenta num sussurro:
“O que vocês vão fazer mais tarde?”
O indiozinho olha para trás e apressa o passo. Kaique aperta o passo enquanto exclama:
“Não, espera!”
Ambos os meninos passam correndo pela sala de estar onde uma TV de plasma e três sofás
se encontram. Mas o mais importante é o corredor repleto de quadros onde uma porta branca
continua aberta. No exato momento em que Caramuru cruza a soleira, a porta se fecha com
um estrondo. Por pouco, Kaique não dá de cara na madeira envelhecida.
“Olha o que Raoni encontrou.”
“Onde encontrou isso?”
Kaique e a porta são como um só, atentamente, ele escuta as vozes dentro do quarto.
“Na biliteca.”
“Biblioteca,” a voz de Dakota o repreende.
“Parece o da aldeia.”
Aldeia, pensa Kaique que sorri enquanto gruda com todas as forças seu ouvido à porta.
E então vêm, numa batida frenética, tum, tum, tum. Batidas que parecem vir de algum lugar ao
longe, mas está tudo atrás daquelas paredes, preso dentro do quarto. Tambores ressoam por
cada centímetro do orfanato. Mas então, outras batidas preenchem o corredor, e Kaique se
esconde às pressas.
O menino entra no banheiro masculino, e com a porta entreaberta, observa Celina batendo
com firmeza na entrada do quarto.
“Abram agora,” ela exige.
Silêncio.
“Abram ou vão para a rua hoje mesmo,” com um soco na madeira, ela se faz ser ouvida.
Basta três segundos, e Dakota se mostra com o objeto em punhos.
A mulher arranca o tambor das mãos da menina, que morde os lábios, respira fundo e se fecha
novamente, dentro do único refúgio que os índios encontraram.
Aldeia, Kaique pensa novamente. Rapidamente, ele sobe as escadas e chega ao quarto que
divide com mais quatro meninos. Sua cama fica ao lado da grande porta que se abre direto na
sacada. Logo, ele põe sua mochila nos pés do criado mudo, e se agacha para puxar o caderno
preto de capa dura debaixo do colchão. Aqueles que dividem o mesmo quarto estão jogando
bola no quintal ao lado do enorme casarão.
Kaique os vê quando chega à sacada, assim como a rua apinhada de pessoas, carros, e
motores roncando.
Abre seu caderno e lê suas últimas anotações.
Hoje eles estavam falando sobre um tal campeonato. Sobre guerreiros, arqueiros, e arena.
Pesquisar sobre Jurema, extratos de losna, e pés de hubuco.
Eles não sabem ler, eu os vi tentando perto das escadas.
Tudo o que fazem é escondido.
Não são normais, eles não sabem usar uma faca.
Faz 80 dias desde que eles chegaram, ninguém sabe de onde.

Kaique continua vendo as dezenas de páginas com desenhos, rabiscos e anotações. Continua
tentando entender se ele acertou sua aposta consigo mesmo.
Os novatos na verdade seriam índios? Ìndos da Floresta dos Sussurros?
Repentinamente, a noite está chegando e com ela uma brisa fria. A mesma que faz Kaique ter
arrepios e fechar a porta mais cedo. Eram apenas oito horas, e o inverno já mostrava que
estava por perto.
Se rastejando, lentamente, dizendo seu verdadeiro nome.

Capítulo Treze - O Orfanato Sul-do-Leste

Ninguém viu os novos moradores chegando, mas Kaique o fez. Não importa que faça tanto
tempo. Ele se lembra como se fosse hoje.
O sol acaba de acordar Kaique que boceja e se espreguiça. Com um puxão, ele fecha as
cortinas, observa os meninos ainda dormindo, e então desce. Escadas apertadas que o levam
no corredor ao leste do casarão.
Quando ele dá de cara com as enormes portas da sala de estar, cinco pessoas adentram o
orfanato. Uma delas é Celina, enquanto o restante são crianças enroladas em mantas. Há
medo pingando por seus olhos. E não há uma sequer que não esteja chorando.
Escondido, no pé da escada, Kaique é o único que sabe como eles chegaram ali. Por que
diabos ele acordara tão cedo? Nem ele mesmo entende. Mas é eternamente grato por tê-lo
feito.
Naquela manhã, há três meses atrás, ele viu Raoni pulando sobre o sofá, assim como Camaru.
O espião teve que segurar a risada, pois nunca viu crianças como eles.
Celina tentou se controlar e gritar baixo, como se fosse possível.
“Os dois para o chão, já!”
Kaique viu o rosto da mulher ficar vermelho, e ela não sabia o que fazer com as mãos, senão
balançar. Raoni, como um cão, farejou o chão. Caramuru apanhou uma almofada e a jogou
direto na janela. Eles apalpavam, tocavam, e cheiravam tudo.
As escadas do lado oposto à Kaique, os quadros, as maçanetas. Pena que Kaique não pode os
acompanhar até o banheiro. Ele adoraria ver como eles se comportariam.
Às pressas, antes que fosse visto, o garoto voltou para o quarto, abriu o caderno e escreveu
em letras maiúsculas: ÍNDIOS.
Naquela mesma tarde, todos do orfanato tentaram conversar com os recém chegados.
Infelizmente, eles não falaram uma palavra sequer. Apenas observaram tudo e todos com os
mesmos olhos de assombro.
Eles almoçaram e jantaram na mesa de pedra redonda lá no quintal, que fica debaixo de pé de
amoras. E fizeram de lá, o seu ponto de encontro favorito. Kaique descobriu isso, lá de cima,
da sacada de seu quarto.
Certa tarde, o garoto se encontrava de pé olhando para a porta aberta do quarto deles. Ele
ouvia as vozes lá dentro, sussurros intermináveis. De repente, a garota mais escura das duas,
apareceu diante dele.
“Oi, eu sou o Kaique,” em vão, ele estendeu sua mão.
O menino jurava que ela estava abrindo a porta e começaria a caminhar em sua direção. Mas
então, Celina apareceu pelo corredor com seu salto barulhento como de costume.
A garota recua, e com um baque, fecha a porta.
“Desista, garoto. Eles são selvagens, jamais serão seus amigos.”
Encarando a porta, Kaique abaixa a cabeça e se põe a caminhar.
“São como animais,” comenta Celina, que com um olhar preocupado se afasta.
Bastou cinco minutos para que a porta se abrisse novamente, e pela fresta escura, um par de
olhos observava o vazio.
Dois mundos nunca estiveram tão perto de se encontrar.

Espião II
A pipa na árvore parece um porco espinho, está repleta de flechas. Tantas delas, que mal
pode-se ver a folha de seda de que foi feita.
Num dos galhos mais altos da árvore de amora, uma pipa vermelha está presa, e é como um
alvo para os garotos estranhos lá embaixo.
Hoje pela manhã, Kaique subiu para o quarto e tomou seu leite com achocolatado sozinho.
Sentado numa cadeira ao lado da sacada ele viu Raoni, agachado perto do muro de tijolos,
destruindo uma pipa qualquer.
Deve ser do Miguel ou do Rafael, que se danem, ele pensou com um sorriso no rosto.
Era longe demais para o garoto ver o que ele usava, só sabe que eram pauzinhos dos quais
pipas são feitas. Grandes pipas. E sua turma logo chegou, fazendo um círculo ao redor dele.
A garota chamada Inaiê, sempre ficava distante dos demais, sentada na mesa de pedra com as
mãos nos olhos. Era um tanto quanto cansativo ficar olhando para ela.
Pouco tempo depois de Kaique beber todo seu leite, ele viu Raoni erguer um arco e uma
flecha. O garoto quase pulou de tanta animação, e principalmente quando a flecha veio voando
até a pipa que estivera presa na amoreira há dias.
Raoni estende o arco para Inaiê que balança a cabeça, e de repente, joga o objeto no chão.
Ele grita algo para ela que sai em passos largos.
Kaique lembra do binóculo, e logo se dirige ao criado mudo, abre a gavetinha e pega seus
olhos negros. Quando ele volta à sacada escuta um barulho às suas costas. Se vira e nota a
menina com olhos fixos nele. Kaique abaixa o binóculo e acena para ela.
Inaiê não diz nada mas continua caminhando.
E se ela souber que eu estava olhando? O garoto pensa preocupado. O que faz com que ele
guarde o binóculo e desça para a cozinha.

Capítulo Catorze - Confrontos de Última Hora

Faz dois dias desde o último incidente com a menina calada. Kaique está tentando não ficar
mais atrás dos estranhos, mas é tão tentador.
Principalmente agora, quando Dakota está sozinha no meio do quintal olhando um menino
baixinho e sardento soltar pipa. Sorte a nossa, que até os fios dos postes há muitos metros.
Kaique toma coragem e se aproxima da menina.
“Você gosta de pipa?” ele pergunta apontando para a cobra azul que dança no céu.
A garota o olha com curiosidade e diz:
“Como a pipa subiu?” ela pergunta lentamente, como se houvera aprendido a falar ontem.
“Espera um pouco. Fica aí,” o garoto pede enquanto sai correndo casa adentro.
Passa pela cozinha de ladrilhos amarelos e longa mesa de dezenas de cadeiras. Ele sentiu o
cheiro do feijão feito na hora, mas não olhou para trás. Pelo contrário foi direto às escadas.
“Não é para correr dentro de casa,” exclamou Celina enquanto ele mal notou sua presença na
sala.
No amário fedido em seu quarto, ele abriu para ver os video games que não funcionavam, os
jogos de tabuleiros com peças perdidas, e a pipa.
Ele a agarra com firmeza, e se põe a correr. Exceto na sala, quando caminha como uma
bailarina. Os olhos de Celina que o digam.
Quando volta ao quintal nota que Raoni está ao lado de Dakota. O menino não se importa e diz
ofegante:
“Pronto, eu vou te ensinar.”
Kaique passa ao lado de Raoni e não nota quando ele põe o pé.
De joelhos ele caí e rala os cotovelos no chão.
“Raoni,” Dakota empurra o garoto. “Por que faz isso?”
“Sou um guerreiro,” ele diz enquanto ergue seu queixo. “Raoni guerreiro.”
“Sabia,” exclama Kaique quando levanta do chão. “Vocês são índios,” ele murmura olhando
para os lados.
Dakota fuzila Raoni com os olhos que se afasta e se senta num banco de madeira. Ele está
bufando como um boi bravo.
Kaique desenrolou linha o suficiente do carretel, correu, e a pipa deslizou pelo ar. No céu ela
ficava dançando entre as nuvens, enquanto o mesmo se tornava cada vez mais azul escuro.
Dakota, admirada, segurou o carretel que vez ou outra tremia. Ventava muito.
De repente, são os berros de Raoni que pegam todos de surpresa.
Ele está no meio de uma roda de crianças, pegando várias peças de dominós, e as jogando em
cima do telhado.
“Para com isso, seu fedelho!”
Mas ele está descontrolado, ele se pendura no portão do orfanato e começa a escalá-lo.
“Raoni!” grita Dakota furiosa.
O garoto chega à calçada, apanha uma pedra pontiaguada e lança contra o orfanato. A janela
da cozinha explode enquanto o barulho de caco estilhaçado vêm.
Nesse meio tempo, Celina está dentro do banheiro que fica ao lado de seu quarto. Ela está
fazendo o número um enquanto balbucia uma canção, e então a gritaria chega aos seus
ouvidos.
Logo que ela se levanta e abre a porta, dois sapos enormes estão no corredor à sua frente.
O casarão treme, tanto dentro quanto fora.
Dakota, Inaiê, e Caramuru gritam para que o menino volte para dentro. Enquanto ele continua
chutando o portão, como se a qualquer momento fosse derrubá-lo.
Kaique está tremendo, e não tem idéia do que fazer.
“Vocês querem que Raoni entra?” ele pergunta com um sorriso torto no canto da boca.
“Entra logo!” Caramuru exclama.
E assim, ele o faz, pelas grades ele sobe, pula e cai com um estrondo no chão.
“Seu idiota, você acabou com o nosso jogo,” reclama o dono dos dominós.
Raoni dá risada, uma risada longa e demorada, enquantos todos os órfãos o encaram com
uma expressão de raiva e medo.
“Eu quero outro jogo!” o garoto avança e empurra Raoni contra o portão.
As mãos do índios se fecham.
De repente, ele faz o impensável, e dá um soco no rosto do órfão que cai para trás com o nariz
ensanguentado.
“Socorro!” seu amigo grita em desespero. “Celina!”

Capítulo Quinze - Uma Breve Noite

E logo ela estava ali, descabelada de tanto correr, com seu coque torto. Ofegante olhando do
menino se contorcendo no chão à Raoni, com os punhos no ar.
“Você vai aprender uma lição, garoto,” ela afirma calmamente. Calma demais.
O Orfanato Sul-do-Leste abriu faz dezessete anos, e desde aquela época, toda porcaria que
sobrava, desde caixas usadas à brinquedos velhos eram guardados no sótão.
Uma faxineira vem uma vez por mês limpá-lo.
É um lugar que somente Celina tem permissão para entrar, mas essa noite temos um
convidado.
Um garoto rebelde, se encontra encolhido em meio à teias de aranha e cocôs de lagartixa.
Lá fora, os trovões rugem, e a tempestade acabou de começar.
Para todos nós.
Capítulo Dezesseis - Visita Inesperada

Conforme a chuva caia pelo telhado íngreme do casarão, as paredes começam a chorar, e o
teto a acompanha. São lágrimas frias que caem por todo canto, deixando o chão um verdadeiro
rio.
Raoni sente frio, principalmente quando o choro atinge o topo da sua cabeça.
O relógio correu da casa das sete horas até onde as três da manhã repousava.
Mãos frenéticas batem na porta do quarto de Kaique. É tarde da noite, e todos estão dormindo,
menos o garoto que estava, até aquele momento, escrevendo no diário.
“O que foi?” ele pergunta ao abrir a porta. Uma Dakota com os olhos marejados está diante
dele.
“É Raoni,” ela sussurra. “Raoni não está bem.”
À passos largos, vestindo seu pijama branco, Kaique desce descalços as escadas e toma o
corredor ao fundo.
“Dakota e os outros fomos tirar ele de lá.”
“Mas como vocês descobriram?”
Eles devem ter algum tipo de magia, que só índios sabem fazer.
Ambos chegam na entrada do quarto.
“Fizemos igual Kaique,” ela assume. “Seguimos a mulher e ficamos escondidos.”
O garoto sente um frio no estômago com a revelação, mas não se importa, cruza a soleira e
entra.
Há quatro camas, uma ao lado da outra, e uma estante velha com as maçanetas quebradas, ao
lado de um espelho quadrado na parede. Há um trincado enorme em seu vidro. O tapete
marrom que antes, no centro do quarto, estava completamente rasgado e jogado num canto.
Na primeira cama se encontra um Raoni coberto até o pescoço, enquanto Inaiê está deitada na
cama mais longe do grupo. Caramuru ronca, como um boi.
Kaique se aproxima do valentão que dorme com uma expressão estranha.
“O que há de errado com ele?”
Dakota pega a mão de Kaique e a coloca sobre a testa de Raoni.
É como pôr os dedos sob um ferro de passar roupa.
“Está fervendo,” o garoto comenta.
“Dakota sabe,” a garota confessa. “E Dakota também sabe como curar Raoni.”
Os olhos de Kaique encaram o da menina que brilham incessantemente.
Por sorte, o órfão sempre soube que a chave da porta da cozinha ficava debaixo da fruteira
sobre a mesa.
Lentamente, ele a destrancou, e furtivamente, subiu pelo portão. Pulou com cuidado as lanças
nas pontas das grades, e veio à calçada. A rua estava deserta e toda molhada. Kaique e
Dakota ainda sentiam o frio da tempestade que acabara há pouco tempo.
Pelos sobrados comerciais, desde bares, casas de costura, à lojinhas e salgaderias, as
crianças de pijama e chinelo caminhavam às pressas.
“Mas e se ele não tiver o que você precisa?” perguntou Kaique com os braços cruzados.
“Na noite que Dakota chegou, Dakota viu na carroça dele.”
Intrigado, Kaique questiona:
“Peraí, foi o velho Raimundo quem trouxe vocês?”
A garota não responde, mas continua caminhando.
Não muito longe do orfanato, após uma rotatória, quatro quarteirões, e uma descida íngreme,
Dakota viu a casinha de madeira cercada por um murinho baixo.
“É aqui,” num salto, a garota pula o muro, e bate com força na porta da casa.
“Dakota, o que você está fazendo?”
Repentinamente, a porta se abre e da escuridão vem o homem de olhos claros e pele escura.
Ele manca um pouco enquanto em sua mão porta uma bengala.
“Então, você voltou, menina do mato?”
“Preto véio,” ela o chama, e para o espanto de Kaique, o homem responde.
“Fala, criança.”
“Raoni está doente e precisa de ajuda, ajuda da floresta.”
O homem dá de ombros, e sorri:
“O que eu, um véio maltrapilho pode fazer?”
O semblante da menina se fecha.
“Dakota quer folhas de hibisco, Dakota viu na sua carroça,” ela está de punhos fechados,
ofegante. “Na estrada. Estrada perto da floresta.”
“Seu Raimundo, por favor,” Kaique pede, antes que a menina perca o controle. “Ele está com
muita febre.”
“Febre,” ele murmura para si mesmo.
De repente, o homem entra para sua casa, mas deixa a pota aberta.
Dakota se vira e abre um sorriso triste para Kaique. O menino ergue a mão e dá um sinal de
jóia.
Kaique nunca corre tanto uma subida como naquela noite. Na verdade, ele nunca estivera de
madrugada fora do orfanato. Somente em seus sonhos, é claro.
Dakota abre o armário da cozinha, pega uma bacia, e esmaga as folhas secas com as mãos.
Pega um pouco de água da torneira, abre o saquinho com o pó marrom, e joga tudo no líquido.
Kaique segue a garota, sempre olhando aos lados caso Celina aparecesse.
“O que ele vai beber?” ele pergunta quando entram no quarto novamente.
“A floresta, Raoni vai beber a floresta.”
Com os próprios dedos, Dakota mexe, espreme, e sacode tudo.
Kaique estende o copo para ela que derrama o creme grosso que se formou. Kaique tem
calafrios só de pensar em beber aquilo.
“Raoni,” Dakota o chacoalha, várias vezes.
Ele abre os olhos com dificuldade e murmura:
“Dakota?” logo que pergunta ele espirra, várias vezes.
“Abre a boca, agora.”
E sem aviso, a garota pega o creme com as mãos que escorre por seus dedos. Ligeiramente
enfia dentro da boca de Raoni, que faz uma expressão de nojo.
“Engole, engole,” ela pede.
Pela segunda vez, Dakota enfia mais do creme entre os dentes do garoto, que após engolir cai
no sono. Sua boca toda suja.
A garota respira fundo, e se senta ao lado de Raoni.
Os relâmpagos incendeiam o cômodo, enquanto uma sombra estranha permanece no quarto
dos guarapá. E ela vai ficar ali, por um longo tempo.
Ela acaba de se sentar ao lado de Dakota, e ouvir:
“Obrigada, Kaique,” lágrimas tímidas escorrem de seus olhos. “Obrigada.”
E assim, a chuva lava a alma de todos, principalmente a de Kaique.
Já são cinco da manhã, e sua cama está completamente vazia.

Capítulo Dezessete - Uma Tarde no Supermercado

Caramuru veio a viagem toda reclamando:


“Aquele homem é muito estranho, Caramuru não gosta dele, não é bom.”
“Por que você veio então, Caramuru?” irritada, Dakota pergunta.
“Caramuru não vai para a escola, e Caramuru não quer ficar sozinho no orfanato.”
Dakota, Caramuru, Inaiê, e Kaique estão perambulando pelas redondezas do orfanato. Dois
deles percorrendo um caminho bem conhecido. Indo direto para a casinha de madeira e muro
baixo. Kaique bate palma quando chega no portão de ferro e torto.
Debaixo de uma frondosa árvore as crianças esperam, ou o sol escaldante do meio dia vão
queimá-los vivos.
“Não acredito,” o velho vem à luz.
“Todos meus amigos veio,” dessa vez sem bengala, ele caminha até o portão e o abre.
“Raoni não veio, Raoni não está bem,” comenta Dakota, há um pesar em sua face.

“Mas o remédio não fez efeito?” curioso, ele pergunta.


“Ainda não.”
Há alguns segundos de silêncio, a não ser as buzinas de carros atrás deles:
“Celina, a mãe do orfanato,” ela começa.
“Para de falar assim, ela não é nossa mãe,” reclama Kaique, enquanto a garota não parece
escutá-lo.
“Falou: preciso que vão ao supermercado,” Dakota faz uma careta e se aproxima do homem.
“Que é mercado?”
“No caminho eu explico,” Kaique avança ao velho. “Você pode nos emprestar uma bicicleta ou
algo do tipo, temos que comprar muita coisa.”
“Tenho algo muito miór.”
Relinchando e cagando rua à fora, a mula vai caminhando à frente das crianças. Dakota e
Caramuru acham engraçado ficarem desviando do cocô do animal.
Eles praticamente estão brincando de amarelinha.
Inaiê anda na calçada, sempre olhando para a frente, e não encarando Kaique de jeito
nenhum.
“A mula é um animal muito forte,“ Kaique está resmungando enquanto puxa o animal por uma
cordinha. “Vai que ela traz.”
Amarrada num poste, Kaique deixa a mula, enquanto entra com as crianças num mercadinho
de esquina chamado Miramar.
“Latas,” Kaique explica para Dakota e Inaiê que estão observando as dezenas de ervilhas,
milhos, e comida em conserva no corredor dos molhos de tomate.
“Vem, vamos pegar polvilho azedo,” ele as chama.
“Polvilho?”
“É, para fazer biscoito de polvilho.”
Dakota acena que não com a cabeça.
“Polvilho, o mesmo de fazer pão de queijo,” ele faz bolinhas com as mãos.
“Dakota nunca comeu pão de queijo,” ela confessa, e para sua surpresa, Inaiê concorda com a
cabeça.
De repente, escutam passos apressados às suas costas.
“Caramuru quer ir embora, tem muito homem branco aqui.”
“Homem branco?” Kaique pergunta confuso.
“Caramuru,” Dakota o empurra.
“Por que você não assume?” o menino aproveita a situação.
“Assume?” confusa, ela pergunta.
“É. Por que não diz a verdade, que vocês são índios?”
Um casal acaba de entrar pelo corredor, dando risadinhas e se abraçando.
“É melhor vocês irem pegar as frutas.”
E bastou Kaique dizer isso, que as três crianças logo partiram às bancas repletas de frutos
suculentos e coloridos.
“Manga,” ele ouviu Dakota exclamar.
Como formigas, os três estranhos ficaram mexendo nos frutos laranja-avermelhados. Kaique
estava às costas deles, achando graça de tudo isso. Vendo o extâse, ele pegou dois saquinhos
e os entregou.
“A manga, vocês colocam aqui dentro.”
E assim, como se fossem bebês, Kaique os ensinou a pegar frutas, pedir carnes no açougue, e
o que eram sacos de arroz.
Polvilho, farinha, óleo, arroz, feijão, achocolatado, sal, e um saco com 13 mangas.
Essa é a cesta de palha que vai sobre a mula, enquanto Kaique e Dakota estão segurando o
objeto para que ele não role pelo chão.
Felizmente, aquela tarde começou bem, entregaram a mula, pegaram suas sacolas, suados,
chegaram no orfanato, e Celina os agradeceu dizendo:
“Ótimo, não estragaram nada.”
Aquela estrupícia…
Capítulo Dezoito - Preparativos

As férias de julho haviam começado, e maioria das crianças estavam pelos quintais ao redor do
casarão. Nas mesas de pedra, eles brincavam com seus jogos de cartas, tabuleiros, ou ficavam
chutando bola muro à fora.
Haviam aqueles que passavam a tarde toda na frente da TV jogando o Playstation encardido.
Raramente, eles brigavam para saber quem seria o próximo jogador. Celina era como um
fantasma, quando menos notavam, ela se encontrava às suas costas.
“Já sabem,” ela dizia. “Se eu ouvir um sinal de briga, volto aqui e vocês vão todos para o
sótão.”
Depois do que houvera com Raoni, nunca mais, alguém ousara brigar por video games.
Raoni faz ânsia, e se encosta no travesseiro.
“Isso nunca vai acabar?”
Dakota mostra o potinho verde completamente vazio.
“Já acabou, Raoni.”
Repentinamente, Celina adentra o quarto com um monte de roupas nos braços.
Ela deixa dois vestidos em cima da cama de Caramuru.
“Depois eu trago o sapato de vocês duas.”
“Duas?” Dakota pergunta ante que a mulher saia.
Na soleira, Celina se vira, e explica:
“Vamos dar uma festa para o dono do orfanato, que chega hoje à noite na cidade.”
A garota franze a testa, e pergunta:
“Festa?”
Celina revira os olhos.
“Eu quero as duas vestidas e prontas até às oito da noite,” ela pronuncia com firmeza. “E chega
de perguntas, sua selvagenzinha.”
A porta bate, enquanto os olhos de Dakota encontram com os de Inaiê, essa que balança a
cabeça em negação.
“Dakota sabe que Inaiê não vai,” a menina logo afirma.
“Dakota não vai sozinha,” a garota se levanta e vai tentar convencer a amiga que deitada está
abraçada num travesseiro.
“Inaiê vai também, por favor.”
Inaiê vira para o outro lado, enquanto Dakota suspira com raiva.
Sobre a cabeça deles, dois garotos estão na sacada, ambos espiam a vida dos seus vizinhos.
“O que você está vendo?” Kaique pergunta.
“O preto parece um xamã,” diz Caramuru com os binóculos nos olhos.
“Quê?”
Caramuru estende o binóculos e logo Kaique observa que subindo a rua vem o preto velho.
Caminhando com sua bengala, ele fuma um cigarrinho de palha, enquanto sua mula o
acompanha. Os carros buzinam quando homem e animal atravessa a rua sem olhar aos lados.
O velho não se importa, mas continua mancando e soltando fumaça como uma chaminé.
“O que você sabe sobre xamãs?” curioso, Kaique questiona.
O garoto morde os lábios, e se afasta do órfão.
“Caramuru leu em um livro.”
“Mentira,” Kaique exclama. “Aposto que vocês nem aprenderam a ler ainda.”
Irritado, ele entra para o quarto e deixa o binóculos em cima da cama.
“E vocês tem onze, ou doze anos, e mal sabem ler.”
“Vocês são índios!”
Caramuru chacoalha a cabeça e sai em disparada corredor à fora.
Por que eles não me contam toda verdade?
Sentado na cama macia, Kaique permanece quieto enquanto o preto velho acende outro
cigarro.
E quando chega na próxima esquina, acende outro.

Capítulo Dezenove - Um Pouco do Novo Mundo

De onde quer que o preto velho tenha vindo, ele acaba de voltar com a sua mula.
Enquanto os carros surgem em bandos pelas ruas, Dakota observa pela primeira vez o
significado de horário de pico. Eram seis da tarde, e pelo binóculo ela contemplava a floresta
de pedra.
“São muitos,” ela comenta.
“Isso porque hoje é ainda quinta, espera até chegar amanhã.”
Com o binóculo, ela vê uma senhora com compras nos braços, dois cães de rua brigando um
com o outro, e o carteiro de uniforme amarelo entregando cartas pelos portões.
De repente ela vira o objeto para o lado, além dos limites da cidade, após a ponte, ela a vê.
Grande, imponente, e verde. Milhares delas como um teto gigantesco.
Dakota devolve o binóculo para Kaique.
“Dakota não quer mais.”
“O que houve?” pergunta Kaique, que põe o binóculo e olha na mesma direção que ela fizera.
“Foi a floresta, não foi?”
Dakota pensa em correr, mas o garoto a segura pelo braço.
“Por favor, me conte a verdade, por favor,” ele implora. Então, ele solta o braço da menina.
Em vão, ela começa a caminhar para a porta, e determinada nunca mais vai voltar ali.
Entretanto, um cheiro forte chega ao seu nariz. Como um lobo, ela fareja no ar.
“Que isso?”
“É só pão de queijo, conheço o cheiro de longe.”
A garota continua farejando, e então, seus olhos brilham.
“Dakota quer,” ela se lança na direção de Kaique. E começa a chacoalhar seus ombros em
pleno desespero. “Dakota quer.”
Na cozinha, todos estavam olhando para Dakota, que enfia pão de queijo atrás de pão queijo
dentro da sua boca de leão.
Havia quatro formas já prontas em cima da mesa, enquanto no forno mais três assavam.
“Menina, mastiga direito isso,” logo Celina a repreendeu.
Dakota encarou a mulher e deu um sorriso no canto da boca, rapidamente ela apanhou mais
três pães de queijo e saiu porta à fora. Kaique em seus calcanhares, como sempre, a
acompanhou até o quintal.
“Inaiê,” ela a chama. “Toma.”
Caramuru, Inaiê, e Raoni estavam sentados num canteiro próximos aos arbustos que eram
cercas vivas para o muro de grades.
“Pão de…” Dakota tenta lembrar o nome.
“Queijo.”
Ela acena como se agradecesse o garoto.
E não houve uma única criança, até mesmo Raoni, que não gostou da iguaria que derretia em
suas bocas. Tão quente e suave, os obrigou a entrar na cozinha mais sete vezes.
As nuvens estão ficando rosa alaranjadas, e de barriga cheia, Kaique e seus colegas são os
únicos que restaram ali fora. Há crianças de toalhas em punhos nos corredores. Todos
comentando sobre a festa que vai começar daqui algumas horas.
“Não,” responde Dakota pela milésima vez. “Não somos índios.”
“É claro que são,” de pé, Kaique teima. “Olha só como vocês falam. Dakota fez aquilo, Raonie
fez aquilo. “Vocês não falam eu.”
Inaiê, Caramuru, e Raoni continuam em silêncio encostados nos arbustos. Dakota está junto de
Kaique mais à frente, ambos em baixo da amoreira.
“Olha só aquilo lá em cima,” ele aponta para a pipa recheada de flechas.
“Vocês sabem como lançar uma flecha, tocam tambores, e eu os vi quando chegaram no
orfanato,” ele confessa, enquanto os olhos de Dakota se esbugalham.
“Seus amigos subiram no sofá e tocaram em tudo como se nunca…” ele tenta encontrar a
palavra certa. “Nunca estiveram numa cidade.
A garota fecha os olhos, reúne todas suas forças e diz:
“Dakota.”
Ela se aproxima do ouvido de Kaique, e ele escuta o sussurro quente dizer:
“Dakota, índia.”
“Sabia,” ele exclama com um sorriso no rosto. “Raoni, Inaiê, Caramuru?”
“Índio também.”
Mas eles são interrompidos, pois Raoni se aproxima com uma bola de futebol nas mãos.
“Como faz isso?” ele pergunta para Kaique.
“Moleza.”
Kaique leva seus colegas para um muro velho do outro lado do casarão. Uma parte do muro
sem arbustos, ao lado do relógio de água.
Coloca a bola num risco no chão, e vai na direção do muro.
“Vocês tem que chutar, e acertar aqui no muro, mas eu não posso pegar.”
Raoni e Caramuru são os primeiros. Como se estivesse em seu sangue, das três vezes que
eles chutam, duas eles acertam. Não é o mesmo para Dakota que erra todas.
“Você foi bem,” Kaique tenta incentivá-la.
Então é a vez de Inaiê, que finalmente descruza os braços, e chuta a bola. Um chute tão fraco
que a bola mal chega no gol.
“Você pode jogar com a mão também,” Kaique a aconselha.
A garota pega a bola com a mão, a ergue no ar, mira no gol, e a lança.
Inaiê vê a bola girando no ar, tão semelhante com os pedaços de madeira, tão semelhante com
as flechas cravadas no tronco. E todos os urros celebrando a nova arqueira dos Guarapá. Tudo
isso graças aos treinos com seu pai. O barulho da arena enche seus ouvidos.
As crianças batem palmas com o gol. Kaique se aproxima para cumprimentá-la.
Inaiê fecha o semblante e sai caminhando para longe de tudo e todos.
Ninguém entende nada.

Capítulo Vinte - Um Vislumbre do Passado

Kaique se lembra das vezes que estava assistindo TV, quando Inaiê se encontrava num canto
da sala. Ora ao lado de uma poltrona, ora no pé das escadas. Encolhida, olhando para o nada.
No começo, todos achavam ela era doente ou tinha algo.
Pois ela só conversava, e ainda num tom muito baixo, com seus amigos estranhos. O grupo
que chegara há mais de três meses, e ninguém, exceto Kaique, quisera se aproximar.
Diferente de Dakota, a qual Kaique, vez ou outra, conseguia tirar uma risada, Inaiê não se
deixava alegrar. Ela portava sempre uma expressão de seriedade.
Certa vez, quando Kaique comia um pão com presunto e queijo, na mesa espaçosa da
cozinha, um trio de meninas se aproximou dele.
“Não sei porquê você fala com aquele povo,” comentou uma menina.
“Do que você está falando?” ele perguntou ao tentar fingir.
“Dos quatro estranhos que chegaram semana passada.”
“Eles não são estranhos,” Kaique se levanta, seu rosto ficando vermelho. “São órfãos como a
gente.”
“Se são como nós, então por que eles dormem todos juntos no mesmo quarto?”
Kaique engoliu em seco.
“Você sabe que meninas dormem no quarto na parte leste, e meninos na parte oeste da casa.
Temos até escadas só nossas.”
Enquanto ela afirmava tudo isso, suas comparsas acenavam constantemente como duas
marionetes.
“Mas não, os especiais dormem todos juntos num quartinho no fundo do orfanato.”
“Eles devem ter alguma doença, ou pacto com o diabo.”
Kaique não se controlou, e mandou ela para um lugar nada agradável. Às pressas, o trio foi
dedurar o menino para Celina que recebia o carteiro no portão. Naquela tarde, Kaique passou o
dia todo se escondendo ora no banheiro, ora atrás da casa. Ele sabia que não podia mandar as
pessoas tomarem suco de caju daquela forma.
Kaique sabia que elas estavam erradas, e de certa forma, sentia pena de Inaiê.
Principalmente quando ele escutou gemidos e choro abafado vindo do quarto deles. Era uma
tarde quente, e todos, exceto ele, estavam tomando limonada na cozinha. Inaiê ficou no quarto,
e para a sorte de Kaique, com a porta aberta.
Era um choro baixo, mas talvez ela estivesse perto da porta demais, já que Kaique a escutou
claramente assoar o nariz.
Nesse instante, ele correu e subiu para o seu quarto. Abriu seu caderno e anotou o dia, e tudo
o que ele havia visto.
“Será que ele vai trazer algum presente?”
“Ele sempre traz, aquele velho é podre de rico.”
Enquanto os meninos colocam seus tênis, passam seus desodorantes, e empurram um ao
outro, Kaique faz diferente.
Ele está na sacada do seu quarto, abotoando lentamente os botões da sua camisa social
branca. Desde que escureceu ele está calado, e agindo de forma estranha, quase como um
morto vivo. Seu cabelo está molhado, o que faz com que a brisa noturna parece mais fria do
que realmente é.
Pronto, ele abotoou o último botão.
Daqui a pouco ele pretende descer e chamar os outros para a festa. Chamar Dakota.
“Tá bom,” Dakota diz, vencida pelo cansaço. “Vou te contar porque ela é assim.”
Faltava cinco minutos para as sete da noite, quando Kaique e Dakota estavam atrás da
escada, no corredor que os levava para o quarto dos índios.
“Mas Kaique não pode falar para os outros,” apertando o braço do garoto, ela o ameaçou.
“Tá bom, agora para de me apertar assim,” ele se desvencilha das mãos dela.
As mãos de Dakota repousavam sobre o peito do menino, e então diz:
“Aqui. Inaiê está machucada aqui.”
Kaique continua a encarando, e ela nota o olhar confuso.
“Pai e mãe de Inaiê,” ela suspira fundo e seus olhos se abaixam. “Eles foram embora.”
O garoto umedece os lábios e pergunta, num sussurro quase inaudível.
“Morreram?”
Com os olhos marejados, Dakota acena que sim.
“Kaique!”
O grito de Celina o desperta. Quando ele se vira nota que a mulher está com um longo vestido
vermelho na soleira da porta.
“Antônio já vai chegar, desça agora.”
“Já estou indo.”
“Agora,” ela insiste, antes de bater a porta.
Kaique suspira e põe as mãos sobre a cabeça.
Mesmo sem o binóculo ele olha ao longe e as vê, as árvores. Seus olhos brilham como se
vissem um tesouro.
Ele se dirige ao criado mudo, e abre a gaveta onde se encontra seu caderno, mas dessa vez
ele o levanta. E assim, apanha o pequeno baú feito de madeira.
Lá fora, ele abre o objeto que deixa à mostra dezenas de fotos.
Ele segura com firmeza para que elas não voem.
É um parquinho, onde o chão é pura areia.
Sentada num balanço se vê uma mulher de cabelos curtos e um homem ao seu lado de pé. Um
bebê está dormindo nos braços da mãe, enrolado numa manta verde clara.
A mesma foto foi tirada quando o menino tinha apenas um ano. E dessa vez, pai e mãe estão
na mesma posição, enquanto a criança já está sentada no colo da mulher.
Devia ser um tipo de registro do crescimento da criança. A terceira foto que o diga. O menino
está no colo da mãe, que já parece ter dificuldades para segurá-lo. Ele está bem mais gordo e
grande do que a foto anterior.
E finalmente, a última foto, onde vemos somente a mãe segurando o garoto, dos olhos de
ambos há um certo vazio. Assim como o homem de pé, que simplesmente sumiu.
Tudo o que resta são as lágrimas de Kaique que rolam abaixo.

Вам также может понравиться