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PAPERS
O “processo civilizador” vencerá o poder das novas armas?
Violência urbana e civilização
Peter Burke
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Em 1986, quando
cheguei no Brasil pela
primeira vez, um artigo
da Folha de S. Paulo, comple-
mentado por mapas e estatísticas,
informou-me sobre a possibilidade
de ser morto ou assaltado em dife-
rentes bairros da cidade. Em abril de
1995, O Estado de S. Paulo publicou
uma reportagem sobre violência na
cidade, novamente com um mapa,
mostrando que houve um núme-
ro recorde de 2.588 homicídios em
1994 e sugerindo que 1995 (com
doze a quinze homicídios por dia no
início do ano) poderia bater aquela
marca. O aumento da taxa de homi-
cídios foi de 47% nos últimos quatro
anos. Mais alarmante, senão alarmis-
ta, foi um artigo mais recente do Estadão, entitulado “São de fontes torna os estudos em profundidade muito mais
Paulo vive os três dias mais violentos da história”. De acordo difíceis).
com a polícia militar, houve 58 homicídios e 39 tentativas de Seria insensato estudar qualquer aspecto da vida urba-
morte entre as 8 da manhã de sexta-feira, 23 julho de 1995, na isolado da sociedade que produziu as cidades. Deve-
e as 8 da manhã de segunda-feira, 26 de junho, na região mos deixar claro desde logo que, ao estudar a violência, os
metropolitana de São Paulo. historiadores políticos e sociais da Europa moderna tendem
O homicídio não é a única forma de violência urba- a enfatizar duas mudanças opostas, mas complementares.
na. Devemos estudar também o estupro, a destruição de Primeiro, houve um enorme aumento da violência públi-
propriedade e as lesões corporais. Entre 23 e 26 de junho, ca, do tamanho dos exércitos e da capacidade de destruição
registraram-se 445 casos dessas lesões em São Paulo. Todavia, das guerras. Essa tendência estava ligada ao processo de
as estatísticas de homicídios constituem um quadro de refe- construção do estado e ao desenvolvimento do que os
rencia útil para estas reflexões históricas. coetâneos chamaram de monarquia “absoluta”: governantes
Os especialistas em violência abundam, tanto que na que não compartilhavam o poder com assembléias, nobreza
Colômbia há uma palavra especial para eles: violentólogos. ou clero. A ascensão da monarquia absoluta estava ligada, por
Não sou um deles, mas ofereço estas reflexões na qualidade sua vez, ao que alguns historiadores chamam de “revolução
de historiador sócio-cultural, trabalhando sobre o período militar” do final do século XVI e início do XVII. Essa revo-
inicial da história da Idade Moderna européia (1500-1800), lução deu mais importância à infantaria (os famosos tercios
quando a violência urbana constituía uma preocupação espanhóis, por exemplo), às custas da cavalaria. Houve uma
recorrente e inescapável, senão constante. A maioria nova preocupação com o adestramento e, mais importante, o
de meus exemplos vem desse período, com referências crescimento rápido do tamanho dos exércitos, de uma média
ocasionais à Idade Média (menos urbana, mas não menos de 30 mil soldados, no século XVI, para cerca de 300 mil nas
violenta) e ao mundo antigo (para o qual a falta relativa fases finais da Guerra dos Trinta Anos (1618-48).
Peter Burke do Emmanuel College, Universidade de Cambridge, e historiador dos primórdios da Europa moderna
e membro do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial. Entre seus livros publicados no Brasil estão Cultura
popular na Idade Moderna (Europa 1500-1800), A escrita da história, Linguagem, indivíduo e sociedade, Veneza e
Amsterdam e A arte da conversação.
Alba Zaluar é professora de Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora há quinze anos dos
problemas da droga e violência.
www.braudel.org.br BRAUDEL PAPERS 13
levou a matar-se mutuamente, como abalou as bases de entrevistei em minha pesquisas revelaram a interiorização
qualquer autoridade. No esquema de extorsão e dívidas de uma ideologia individualista em que a ilusão quanto à
contraídas com traficantes, os jovens começam como independência do sujeito estava atrelada a uma concepção
usuários de drogas, são levados a roubar, a assaltar e, algumas extremamente autoritária do poder. Se o chefe era
vezes, até a matar para pagar aqueles que os ameaçam de concebido comohomem capaz de exercer irrestritamente
morte e os instigam a se comportar como eles. Muitos sua vontade, isso fazia-se às custas da submissão de seus
tornam-se membros de quadrilhas para saldarem dívidas seguidores ou de suas vítimas. A falta de meios para resolver
ou para se protegerem dos inimigos criados, num círculo conflitos, característica da sociabilidade violenta, caracteriza
diabólico. as relações comerciais e de poder nas quadrilhas,
Um dos nós da questão é a crise de valores que provocando rígida separação entre comandados e chefes,
surge das mudanças ocorridas na nova sociedade urbano- assim como o emprego de crianças nos papéis submissos.
industrial. Enfraqueceram-se os laços delealdade e depen- Esses criminosos são incapazes de criar instituições
dência entre pais e filhos, padrinhos e afilhados, patronos duradouras e prosperam por pouco tempo, em geral
e clientes. O mesmo aconteceu com os velhos valores, cuja vivendo e morrendo rapidamente, no vácuo deixado
destruição não foi compensada pelo aparecimento de novos pelo fracasso das modernas instituições de nossa
modelos para guiar o caminho dos jovens. Todos os que sociedade.