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O Ideal de Ego
A violência do racismo é estrutural. Isto quer dizer: não se trata, na perspectiva psicanalítica do
autor, de uma violência explícita e circunstancial na qual fosse negado um direito ao negro. Um
racista manifesta pontualmente sua violência. É estrutural, tanto psiquicamente quanto
culturalmente. E essas duas perspectivas são correlatas, como em Fanon.
Diz Freire Costa:
Trata-se da condição do corpo negro em face dos ideias da Brancura (ou branquitude, como será
visto nos próximos seminários): do (a)ssujeitamento ao ideal cultural branco ou, no limite, da
exclusão da “norma psico-sócio-somática”. Trata-se, portanto, de “destruir a identidade do
sujeito negro”. Ou sendo preciso, a de impedir a formação identitária1 do sujeito negro, a partir
do reconhecimento (prazeroso2) de si, no conflito dialogal (simbólico) com o branco.
Dois termos, nesta citação, devem ser compreendidos, ainda que de forma sucinta: Ego e Ideal
do Ego. O Ego é uma instância psíquica que se manifesta em nossa vida para garantir um
equilíbrio “de realidade” em relação a duas outras instâncias psíquicas, quais sejam a do prazer
“transgressivo” e das “punições” de si.
Por outro lado, o Ideal do Ego pode ser traduzido simplificadamente como modelos culturais e,
como todo modelo, apresenta-se como um horizonte que, neste caso, constitui-se por regras e
normas estruturantes que permitem que se realize o processo de desenvolvimento da identidade
psíquica, isto é, processo do ultrapassamento da relação criança-mãe e de constituição de uma
imagem corporal. Assim, o Ideal de Ego é um horizonte para o qual tenderíamos ao assumirmos os valores
funcionamento mental, diferem da dor, que abala o aspecto dinâmico do psiquismo. Na dor, este se reduz a
“acionar defesas cujo único objetivo é controlar, dominar, fazer desaparecer a excitação dolorosa”.(p. 9)
culturais estruturantes de nosso psiquismo. Ou seja, assumiríamos a ordem da cultura pela qual seríamos
favorecidos em nossa identidade de sujeitos. O Ideal do Ego pressupõe, portanto, tanto a
linguagem como os afetos, os elemento fundadores desse processo, quando ao fim, a identidade
seria favorecida positivamente com a convergência harmoniosa entre o investimento erótico de
seu corpo (“saúde psíquica”) e de seu pensamento, “via indispensável a sua relação harmoniosa
com os outros e com o mundo”. (p.4). O que comumente chamaríamos de “amor próprio”.
Afirma Santos Souza:
O modelo de Ideal de Ego produzido para o ser negro, sua identificação estruturante é o da
Cultura branca, na figura do ideal de Brancura. Nisto consiste a violência, modelo de psiquismo
cujo horizonte é o do corpo no qual estruturação psíquica é a da branquitude.
(p.43)
Prazer-desprazer/ Dor
Se, tal como afirma o autor, o crescimento e desenvolvimento psicológico são condicionados pela
experiência de satisfação, a dinâmica psíquica ocorrerá em função da perspectiva de retomada da
satisfação, é o que ele chama de o desejo, “impulso em direção ao objeto e à situação do
prazer”(p.8). Neste percurso do desejo, de alguma forma, pode ocorrer a frustração, o desprazer.
O que não impede a dinâmica da busca prazer-desprazer ter uma permanente continuidade.
Da dor ao pensamento doloroso
Aqui, seria imprescindível explicitar o que fica “no ar” nestas afirmações. O que,
embora tocado em outras partes do texto, nos leva a crer agora em uma
constituição puramente reativa do pensamento no negro. O negar a si mesmo
como ser negro é o intuito político inconsciente da branquitude destinado ao
negro, posto que é o que resulta do Ideal de Ego da branquitude. Foi erigido um
ideal cultural à força da manutenção da realidade tal qual desejada pelo mundo
branco. O ideal político da branquitude é violento estruturalmente: não permite
normas-regras estruturantes para o Ideal de Ego do ser negro. Em outras palavras,
não haveria um “sujeito negro delegando ao branco o direito de definir sua
identidade” (p.13, grifo) e que, portanto, renunciaria ao “diálogo que mantém viva a
dinâmica do pensamento”. E Freire Costa continua: “Um pensamento privado do
confronto com outro pensamento perde-se num solipsismo, cujas consequências
são autolegitimação absoluta da ‘verdade’ pensada...”. (p.13). Ora, não é o negro
que “delega”; ao contrário, ele é submetido a esta condição de silencio, de
solipsismo, não há diálogo porque não pode haver/não se quer que haja.
Freire finaliza: