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Sociologia
para o Ensino Médio
Ministério da Educação
Sociologia
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para o Nvel Mdio
Comissões de Sociologia
Sociologia
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para o Nvel Mdio
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Apresentação
Caro(a) cursista,
Os autores.
Sumário
Estrutura social
e mudanças sociais
A partir da análise dos conceitos de estrutura e de estratificação social, serão trabalhadas questões presen-
tes na sociedade contemporânea que possibilitem compreender as diferenças e as desigualdades sociais. As
mudanças sociais, como objeto de análise dos clássicos, também serão estudadas, uma vez que elas ajudam a
compreender questões que afetam diretamente a sociedade em que vivemos. Será analisada a relação entre
educação e mudança social no mundo contemporâneo. Fazem parte do conteúdo da disciplina a análise dos
processos de institucionalização e de socialização e as relações de poder no interior das instituições. Nesse
aspecto, a instituição escolar apresenta-se como referência concreta para a disciplina tratar as questões pro-
postas.
Ementa:
0N_Y\`2bTÇ[V\9RZ\`q7\`Å5R[_V^bR<_TN[V`aN
Caro professor cursista, Ao final desta aula o(a) professor(a) cursista deverá:
As palavras e as imagens trazem consigo visões de mundo
e, quase sempre, depois de internalizadas em nossas práticas Conhecer quais os elementos fundamentais que estru-
cotidianas, colaboram para naturalizar uma dada interpreta- turam a sociedade moderna a partir de diferentes visões
ção sobre nós mesmos, os outros e a realidade em que vive- teóricas.
mos. Embora não saibam disso, as crianças são mestres no
ofício do “estranhamento” da vida diária ao nos indagar sobre Analisar as várias formas de estratificação social e sua
os significados aparentemente cristalizados das diferenças a ocorrência nas sociedades contemporâneas.
nossa volta: “Por que eu sou pobre e ele não? Como é que se
faz dinheiro? Quem é o pai e a mãe de Deus? Eu também vou
morrer?”. Algumas perguntas nos deixam visivelmente em-
baraçados. Não só porque talvez não tenhamos uma resposta Conhecendo sobre
convincente, mas devido ao fato de que, provavelmente, exis-
tam muitas e para cada uma delas poderá haver um novo ‘Por
quê?”, “Por quê?”, “Por quê?”. Estrutura social
Ora, bem sabemos que alguns de nós, os adultos, diante de
tantos porquês, às vezes somos tentados a encerrar os questio- Diante da pergunta: “Professor, o que é uma estrutura so-
namentos com uma daquelas velhas respostas que nos foram cial”?, é possível que, para facilitar a aprendizagem, uma das
dadas: “É assim porque o mundo é assim”, “É assim porque primeiras respostas a nos ocorrer seja a de uma “imagem –
Deus quis assim”, “É assim porque tem que ser assim”. Desta comparação” que faça parte do cotidiano do nosso aluno. Di-
forma, não só reproduzimos as estruturas sociais em que vi- gamos que seja algo assim bem concreto, como nos exemplos
vemos como damos aos nossos ouvintes a impressão de que, comumente utilizados da visão de conjunto que se deve ter
além de imutável, a realidade social não é uma construção das partes diferentes que compõem um edifício, os órgãos de
dos indivíduos e grupos que fazem parte dela. Ou seja, a ideia um corpo humano, as peças de um relógio. Porém, sabemos
determinista de que as estruturas sociais nas quais estamos que essas imagens sistêmicas podem nos remeter a uma inter-
inseridos não dependem minimamente de nós. pretação muito simplificada da vida social e, ao contrário do
É uma pena que, ao longo do curso de vida, nós, os adultos, que esperávamos, em nada facilitar a compreensão dos nossos
vamos perdendo a atitude saudável de, sempre que possível, ouvintes/coenunciadores. Neste caso, talvez seja interessante
desnaturalizar as desigualdades observadas à nossa volta, pois ir em busca de uma explicação etimológica, e ao consultar um
se agíssemos dessa maneira colocaríamos em cheque os pa- dicionário da língua portuguesa verificaremos ser “estrutura”
drões que orientam os nossos comportamentos no dia a dia. uma palavra que também nos remete à ideia de disposição, ou
Se você reparar bem poderá perceber que todas as nossas seja, ao modo como as partes estão distribuídas dentro de um
ações ocorrem dentro de estruturas sociais – como a exemplo todo. Vejamos a definição a seguir:
desse projeto de especialização do qual estamos participando.
es.tru.tu.ra sf (lat structura) 1 Organização das partes ou dos
elementos que formam um todo. 2 Arranjo de partículas ou par-
tes em uma substância ou corpo; textura. 3 Arquit Esqueleto ou
armação de um edifício. 4 Disposição e distribuição das partes
de uma obra literária. 5 Composição, encadeamento, urdidura. 6
c Por sua vez, para os interacionistas, a exemplos de Her- O recorte da vida cotidiana é também uma escala privi-
bert Blumer (1900-1987) e Erving Goffman (1922-1982), percorrendo legiada e um recurso pedagógico fundamental para o de-
o caminho aberto pelos pressupostos da sociologia de Georg senvolvimento da imaginação sociológica. Donde decorre
Simmel (1858-1918), o estudo sobre a vida social deve levar em que as dimensões macro e micro da realidade social estão
consideração a experiência individual decorrente das intera- inter-relacionadas.
ções simbólicas na realidade cotidiana, pois é no face a face
que interpretamos a nós mesmos, aos outros e aos processos Há uma mudança sensível na abordagem quando dei-
nos quais estamos imersos. Assim, quando nos referimos a xamos de considerar a sociedade como uma estrutura rei-
assuntos que comumente estão relacionados à dimensão ma- ficada e passamos a considerá-la como processos de estru-
crossocial devemos nos lembrar que é no dia a dia, na esfe- turação em constante movimento.
ra dos microeventos, que sentimos os seus efeitos imediatos.
Com razão, se adotamos uma visão de estrutura como proces- Enfim,
so em que a interação simbólica tem um importante papel,
tendemos a considerar pertinentes muitas das ideias defendi- Existem conjuntos específicos, feixes de relacionamentos sociais
das nas concepções dos “pragmáticos” sociólogos americanos. que aprendemos a destacar como significativamente importan-
Um exemplo pode ser dado no clássico trabalho de Becker tes para a nossa vida e que tendemos a tratar com linguagem
(2008) sobre o desvio, tendo em vista que, mais importante do reificada: são aqueles que chamamos de grupos, comunidades,
que classificar este ou aquele comportamento como desviante, organizações, instituições, estados-nação. A sua existência como
ele investiga as interações que constroem tais representações, objeto é ilusória. Muito mais do que entidades estáveis que cha-
revelando assim quem fala, de onde fala, para quem fala, por mamos grupos, o que de fato existem são processos constantes
que fala e quais são os diferenciais de poder que percorrem de agrupamento e reagrupamento, existem processos de organi-
esses discursos. zação e reorganização, e não organizações estáveis, existem pro-
LLLLL%Razões práticas'`\O_RNaR\_VNQNNPÄÂ\%@Â\=NbY\'=N]V_b`#þĆĆă%
1 Como vimos, dependendo das escolhas teóricas de um 1B?8526:#2ZVYR%Da divisão do trabalho social%A_NQ%2QbN_Q\/_N[QÂ\%@Â\=NbY\'
estudioso, as mais diversas explicações podem ser dadas :N_aV[`3\[aR`#þĆĆĆ%
para um dado fenômeno social. Nestes temos, no que diz
respeito a você, responda à seguinte questão: qual a sua 296.@#;\_ORa(@0<A@<;#7\U[%Os estabelecidos e os outsiders'`\PV\Y\TVNQN`_RYNÄÒR`
classe social? Faça uma pesquisa sobre a sua família e ve- QR]\QR_N]N_aV_QRbZN]R^bR[NP\Zb[VQNQR%?V\QR7N[RV_\'GNUN_#ÿýýý%
rifique as variáveis de nível de instrução, moradia e renda.
Há muitas diferenças entre vocês? Quantos conseguem se 46112;@#.[aU\[f%A constituição da sociedade%@Â\=NbY\':N_aV[`3\[aR`#ÿýýĀ%
diferenciar da média? Analise os resultados encontrados
e apresente ao monitor as suas conclusões acerca do seu <996C62?#:VPURYR%@aNab`RZ`\PVRQNQR`]Î`$Z\QR_[NN_R[\cNÄÂ\QRbZP\[PRVa\%
pertencimento a uma determinada classe social. Lua Nova%[%ĄĄ%@Â\=NbY\#ÿýýĆ%
0N_Y\`2bTÇ[V\9RZ\`q7\`Å5R[_V^bR<_TN[V`aN
162 XDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX2ª Aula: Instituições sociais e socialização
2º Módulo
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164 XDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX2ª Aula: Instituições sociais e socialização
2º Módulo
! 4VHFTUÍP O Estatuto do Idoso propõe que a discussão sobre Conhecendo mais sobre
o envelhecimento seja incluída nos currículos da Educação Básica
no Brasil. Depois de ler a reportagem, reflita sobre como essa temá-
tica poderia ser trabalhada em aulas de Sociologia do Ensino Médio. Bem sabemos que uma discussão como instituições e so-
cialização possui vários aspectos que, por questões curricula-
res e de duração do tempo de aula, nem sempre temos como
abordá-los. De qualquer forma, ficam aqui algumas dicas de
Pesquisadores analisam violência leitura de livros e artigos que poderão ajudá-lo a ampliar e
contra idosos no Brasil aprofundar a discussão que estabelecemos nessa aula: T
t Caso queira ter acesso a textos diversos para pensar 2 Muitos importantes autores já discorreram sobre o pro-
uma forma de incluir e organizar a discussão do envelhe- cesso de socialização analisando minuciosamente as fases
cimento no currículo da sua escola, consulte o material percorridas pelo indivíduo em seu desenvolvimento so-
disponível no site da Universidade Aberta da Terceira Ida- ciocognitivo ao longo da vida. Faça uma pesquisa e com-
de, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro pare, sinteticamente, o que propõem George. H. Mead, em
Link: )Uaa]'&&ddd%b[NaV%bR_W%O_&+% sua teoria dos três estágios, Sigmund Freud, em sua teoria
da psicanálise, e Jean Piaget com as etapas do desenvolvi-
mento cognitivo.
166 XDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX2ª Aula: Instituições sociais e socialização
2º Módulo
Referências :.?E#8N_Y%A ideologia alemã%@Â\=NbY\'5bPVaRP#þĆĆĆ%
LLLLL%O 18 Brumário%?V\QR7N[RV_\'=NgRAR__N#þĆăĆ%
/2?42?#=RaR_(9B08:.;;#A%A construção social da realidade'a_NaNQ\QR`\PV\Y\TVN
Q\P\[URPVZR[a\%A_NQ%3Y\_VN[\QR@\bgN3R_[N[QR`%Ą%RQ%=Ra_Î]\YV`#?7'C\gR`#þĆąĀ% :2.1#4%5%Mind, Self and society from the standpoint of a social behaviorist%0UVPN-
T\'B[VcR_`Vaf\S0UVPNT\#þĆĀā%1V`]\[ÉcRYRZ')Uaa]'&&ddd%O_\PXb%PN&:RNQ=_\WRPa&
/9B:2?# 5R_OR_a% Symbolic interactionism% 0UVPNT\' B[VcR_`Vaf \S 0NYVSÎ_[VN =_R``# :RNQ&]bO`ÿ&ZV[Q`RYS&:RNQLþĆĀāLa\P%UaZY+%.PR``\RZ'þĄNT\%ÿýþý%
þĆąā%
:2?92.B$=<;AF#:Nb_VPR%Fenomenologia da percepção%@Â\=NbY\':N_aV[`3\[aR`#
1B?8526:#2%As regras do método sociológico%A_NQ%:N_VN6`Nb_NQR=R_RV_N>bRV_\g% þĆĆĆ%
Ć%RQ%@Â\=NbY\';NPV\[NY#þĆĄą%
:<?.2@#CV[ÉPVb`%Antologia Poética%?V\QR7N[RV_\'2QVa\_NQ\.ba\_#þĆăý%]%þāĄ%
296.@#;\_OR_a%Mozart – sociologia de um gênio%A_NQ%@Å_TV\4ÎR`QR=NbYN%?V\QR
7N[RV_\'7\_TRGNUN_2QVa\_#þĆĆĂ% @6::29#4R\_T%Questões fundamentais da Sociologia%?V\QR7N[RV_\'7\_TRGNUN_2QV-
a\_#ÿýýă%
3695<# 2cN_V`a\ QR :\_NR` <_T% % 3\_ZNYV`Z\ `\PV\YÎTVP\ R N aR\_VN Q\ P\[SYVa\% In'
@6::29#4R\_T%Sociologia%@Â\=NbY\'ÞaVPN#þĆąĀ% /2082?#5\dN_Q%.2`P\YNQR0UVPNT\%:N[Nc\Y%ÿ[\%ÿ?V\QR7N[RV_\<Pa%þĆĆă%
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XDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX3ª Aula: Relações de poder no interior das instituições
2º Módulo 169
políticas a mesma atenção que dão ao comportamento sexual dos idosos; a extensão aos homens do direito de recebimen-
e à família” þĆĄĂ#]%þĄĂ . Esta inter-relação fica ainda mais percep- to de pensão alimentícia em relações estáveis. Muitas dessas
tível na defesa exaustiva que as instituições religiosas fazem empreitadas foram consubstanciadas em algumas legislações,
do que entendem ser o comportamento sexual adequado para como no próprio Código Civil de 2004, nos casos do Estatuto
o casal e o modelo de família aceitável aos “olhos de Deus”. da Criança e do Adolescente, A Lei Maria da Penha para coi-
Note que na definição dos tipos de família, no parágrafo bir a violência contra a mulher, o Estatuto do Idoso, com um
anterior, utilizamos como base a relação sexual e afetiva en- conjunto de direitos para os cidadãos acima de 60 anos, as
tre homens e mulheres para estruturar o conceito em ques- propostas dos projetos de união civil entre pessoas do mesmo
tão. Contudo, essa referência vem se mostrando cada vez mais sexo, e a criminalização da homofobia, só para citar algumas.
limitada quando a utilizamos para analisar a variedade de Por outro lado, como não poderia deixar de ser, a mudança
arranjos familiares que encontramos na atualidade. Quem de do modelo tradicional de família para os arranjos atuais tam-
nós não conhece ou assistiu a uma telerreportagem tratan- bém trouxe alguns desafios que acabarão exigindo uma nova
do de famílias homoparentais (em que o casal é formado por resposta da sociedade. Vejamos o caso das famílias nucleares
pessoas do mesmo sexo), monoparentais (em que são forma- marcadas por um forte processo de individualização. Nelas, os
das apenas por um dos pais) ou anaparentais (em que não direitos dos membros e os seus projetos individuais assumem
existe casal ou presença de ascendentes)? Muitas jurispru- grande importância; por outro lado, as funções protetoras de
dências, decisões de tribunais de justiça acerca de matérias outrora tendem a declinar, em especial os cuidados com os
semelhantes, vêm sendo produzidas a partir das demandas idosos dependentes, com os adultos doentes, com os porta-
que emergem dessas configurações e que encontram respaldo dores de deficiência física e, de certa forma, com as crianças.
na Constituição de 1988, na medida em que esta se pauta pelo Afinal, as pessoas precisam sobreviver, e o tempo urge para
princípio da dignidade da pessoa humana. que elas corram atrás de seus sonhos. E há de se levar em
Como sugere Giddens (1993), as mudanças que se operam consideração que, no modelo tradicional de família, a trans-
em nossa intimidade são a maior revolução em curso na atua- ferência de apoio aos membros necessitados recaía preferen-
lidade. De um modelo de família tradicional – predominante cialmente sobre os ombros das mulheres – como se fosse uma
em boa parte do século XX, de caráter econômico (a proprie- responsabilidade natural (e em muitos casos ainda é assim,
dade como base do casamento), extensa (grande número de em vários lugares do Brasil). Entretanto, com o aumento da
membros), baseada na assimetria de poder (as ordens ema- participação delas no mercado de trabalho – a legitimação
nando do pai e a escassez de direitos para os demais mem- dos seus desejos de realização –, é inegável a necessidade de
bros), dominada pela lógica do sexo para a reprodução (com se rediscutir a solidariedade entre os membros da família, as-
foco na virilidade masculina e na virtude feminina da mater- sim como a responsabilidade do Estado na oferta de creches,
nidade) – caminhamos para uma variedade de configurações escolas, postos de saúdes, abrigos, etc. De outra forma, os mais
que, guardando as devidas diferenças, estão orientadas pelo penalizados serão os mais pobres, uma vez que, não dispondo
que Giddens entende ser o tipo ideal de uma democracia das de rendimentos para contratar os serviços especializados no
emoções. Ou seja, as relações atuais dos diversos modelos de mercado, enfrentarão o seguinte dilema: ou bem cuidam da
família tendem a ser orientadas pela ideia de igualdade de di- sobrevivência material e de seus projetos pessoais, ou bem se
reitos e obrigações, que se estrutura no diálogo e na confiança dedicam a cuidar dos familiares necessitados. Muito embora
decorrente da intimidade construída entre os envolvidos. possam existir alternativas entre esses polos.
Baseados no último Código Civil (2004), não devemos nos re-
ferir a um pátrio poder, mas sim ao poder familiar. A mudan-
ça de terminologia nos remete ao fato de não mais ser possível A escola
operar com a ideia de um poder autoritário da figura mas-
culina paterna, impondo regras e normas aos outros mem- Quando pensamos em educação, pensamos na escola. Essa
bros da família. Nas últimas décadas do século XX, sensíveis associação imediata não é errada. Não obstante, deve-se res-
mudanças vieram sendo operadas na realidade social, dentre saltar que a educação é mais abrangente que a escola. Ela pode
elas: a desvinculação entre a prática sexual e a reprodução, acontecer dentro ou fora do espaço escolar, de maneira siste-
legitimando a ideia de prazer e de diversidade de gêneros; a mática ou assistemática. Se, nesse tópico, iremos privilegiar a
proliferação das práticas anticoncepcionais, possibilitando à escola como uma instituição social é principalmente pelo fato
mulher o controle sobre o seu corpo e a procriação; a luta de de que, hoje, a educação se tornou uma atividade de especia-
minorias sexuais, como gays e lésbicas, em busca do reconhe- listas. Basta olharmos à nossa volta para identificar o grande
cimento dos seus direitos civis; a aprovação da lei do divór- número de peritos que se encontram envolvidos com o tema.
cio; a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes; o Ou como você pensa que foi estruturada essa especialização e
movimento a favor do reconhecimento da dignidade humana elaborada a apostila?
170 2º MóduloXDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX3ª Aula: Relações de poder no interior das instituições
Pensar e analisar a escola enquanto instituição é entendê- mente a di inGLÊS”, “ tem meus amigos”, “ pq estudar é uma
la como um espaço de regras, normas, costumes, entrecruza- droga mas as pessoas que a frequentam que me viciam”.
mento de culturas específicas e, evidentemente, marcado por Enfim, na maioria das mensagens fica patente a importân-
tensões nas relações sociais ali estabelecidas. Por tudo isto, cia da escola para o encontro com os amigos, fazer as “zoações”
a escola pode ser pensada também como um lugar de dis- e realizar as paqueras. Se entrevistássemos os pais, professo-
puta de poder. Essa disputa se mostra em vários momentos: res, pedagogos, especialistas, certamente obteríamos outros
na eleição da direção, na duração do intervalo entre as aulas, padrões de respostas, em que as expectativas acerca das ra-
na escolha dos horários e das turmas, nas relações com os zões da escola existir poderiam passar por caminhos como
dirigentes e os alunos, na escolha dos currículos, entre ou- “ensinar a ciência”, “para ajudar o aluno a ser alguém na vida”,
tros. Sim, nos currículos! Afinal, quando escolhemos o que “para levar o pobre a conseguir um bom emprego”, “para fazer
ensinar, escolhemos da mesma maneira o que ensinar e para o aluno passar no vestibular”, “para desenvolver o potencial
quem ensinar. A aparente simplicidade destas questões ocul- das pessoas”, “para civilizar”, “preparar o aluno para a socie-
ta relações de poder que acabam privilegiando, de alguma dade tecnológica”, entre outras respostas possíveis. Diante da
forma, este ou aquele conteúdo, este ou aquele público, esta diversidade de expectativas dos sujeitos que travam relações
ou aquela visão de mundo. “Selecionar é uma operação de dentro e fora do ambiente educacional formal, é importante
poder. Privilegiar um tipo de conhecimento é uma operação desnaturalizar nossa percepção ao perguntar:
de poder”, ou seja, o tipo de currículo escolhido implica no
tipo de conhecimento que se deseja passar, o tipo de ser hu- “A escola serve para quê, afinal?”
mano ideal para uma determinada sociedade. Em outras pa-
lavras, não existem currículos neutros, eles sempre são frutos Os três grandes autores clássicos da Sociologia, cada qual
de disputas sobre o conhecimento ideal para formatar o ser à sua maneira, empreenderam estudos sobre a Educação.
humano ideal para agir idealmente em determinada socie- Durkheim e Weber tiveram uma preocupação mais sistemá-
dade. @69C.#ÿýýþ tica e escreveram diretamente sobre o tema; por outro lado,
Ao navegar pela INTERNET, mais especificamente pelo nos escritos de Marx a preocupação com a educação se insere
ORKUT, encontramos uma comunidade nomeada com aque- em seus trabalhos numa clara percepção da mesma enquan-
la velha pergunta “Mas... você vai ser professor?”, destinada to difusora da ideologia dominante. Todavia, assim como no
àquelas pessoas que decidiram pelo magistério, com mais de que concerne ao Estado, não encontramos em Marx uma te-
vinte mil membros, num tópico em que se pergunta o que oria sobre a educação, ou mais precisamente um tratamento
mais elas escutam dos conhecidos ao saberem de sua opção. da educação como tema específico como a encontramos em
As respostas recorrentes foram: “Caramba, você é louca?”, “Ca- Durkheim e, um pouco menos, em Weber. Note que podere-
raca, nasceu para ser pobre, hein?”, “Que desperdício!”, “Nossa, mos inferir sobre o papel da escola a partir da interpretação
mas você podia ter feito medicina, tão inteligente!”, “Ah, você é que cada um faz sobre o significado da educação numa dada
novo, depois faça alguma coisa que dê dinheiro”, “Já que você realidade social.
teve a oportunidade de estudar, deveria ter escolhido algo que Para Durkheim ÿýýþ#]%Ăÿ , a educação é “a ação exercida pe-
desse futuro, veja o exemplo do seu primo”. E por aí em diante. las gerações mais antigas sobre os que ainda não estão prontos
Como é possível perceber, ao contrário do que ocorria nos pri- para a vida social. Seu objetivo é despertar e desenvolver na
mórdios da República, o magistério parece ser uma profissão criança os estados físicos, intelectuais e morais exigidos dela
bastante desvalorizada e de baixo status social. pela sua sociedade, de modo geral, e pelo meio ao qual está es-
Por outro lado, também encontramos muitas comunida- pecificamente destinada”. É sabido que o autor compreende a
des referentes à relação das crianças e adolescentes com a es- passagem da sociedade tradicional para a sociedade moderna
cola. Numa delas, com mais de cinquenta mil membros, num industrial como o momento do aparecimento do indivíduo.
tópico em que se pergunta “Por que você ama a escola e odeia A sua definição de educação reflete a preocupação com esse
estudar?” lemos muitas respostas similares e nada surpreen- processo de individualização propiciado pela divisão do tra-
dentes para quem trabalha na Educação Básica, “ pq os bro- balho. Afinal, com o enfraquecimento da consciência coletiva
thers ta lá pa nois zuá”, “orshii pra bagunçar, resenhar, deishar e, por conseguinte da moral social, é possível a continuidade
os professores doiidoo, hehehe”, “pq tem os gatinho, rs rs “, “pra da sociedade? Esse enfraquecimento não representaria a ano-
zuuar, pegar as minas, etc”, “na escola é muito masssssa! joga mia? Como evitar o “esfacelamento” da sociedade? A resposta
futebol com os amigos, exer os nerds de porrada! Zuaaaaaa- de Durkheim está em sua percepção quanto ao papel da edu-
aaaaaaarrrrrrrrrrrrrr, cabular aula”, “por q é o único lugar em cação.
que os pais naum mandam na gente temos liberdade”, “eu amo A sociedade não pode existir sem certa homogeneidade.
a escola pq lá em smp mi encontro com mentes perturbadas Nesse sentido, é necessária uma educação básica comum a to-
com a minha e tbm pq eu amo perturbar os prof, principal- dos os membros da sociedade, pois, a despeito da diferencia-
XDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX3ª Aula: Relações de poder no interior das instituições
2º Módulo 171
ção promovida pela divisão social do trabalho, é preciso com- Esse tipo de educação forja um novo homem, um homem
preender que sempre existirão crenças e valores comuns que obediente à dominação racional-legal.
devem ser transmitidos para todos. Donde se depreende que a Weber claramente se coloca de forma resignada em rela-
educação possui dois momentos essenciais: no primeiro, uma ção a esse novo mundo, um mundo altamente burocratizado
educação básica comum a todos, com a finalidade transmitir e desencantado. Para ele, a educação deveria preparar o ho-
valores e crenças comuns; no segundo momento, tendo em mem para uma conduta de vida. Isso implica na pedagogia
vista a diferenciação, a educação deve ser vista como o meio do cultivo. Esta se caracteriza pela formação do homem culto,
para adequar as crianças a seu meio social. do homem integral, preparado para a reflexão e para o com-
Assim, espera-se que o indivíduo aprenda a diversidade portamento social, enfim uma educação que possibilitasse o
de profissões, que fortaleça o espírito nacionalista e, mais, desenvolvimento pleno do ser humano. Todavia, esse tipo de
aprenda e compartilhe com a moral própria do seu grupo de educação foi suplantado pela racionalidade e pela burocrati-
origem. Por tudo isto, é fácil inferir o papel que cabe à escola: zação que tornaram crescente a importância dos especialistas.
o de concorrer para o processo de socialização a partir da re- Da constatação da irreversibilidade da burocratização e, por
produção dos padrões estabelecidos. Se bem que, para evitar consequência, da prevalência da pedagogia do treinamento
anacronismos, não devemos negligenciar o fato de tal visão em relação à pedagogia do cultivo, podemos compreender
ter representado um avanço em relação às concepções peda- que a educação, em Weber, extrapola a ideia de que ela seja a
gógicas de cunho teológicos do final do século XIX e início do preparação do indivíduo para a manutenção da ordem social.
século XX. Karl Marx não tem a educação como seu objeto de pesqui-
Na perspectiva weberiana, a educação pode ser vista como sa, e sim a sociedade capitalista. Para ele, como já foi possível
um meio de distinção, de obtenção de poder, dinheiro, honras ver na aula número 1 deste módulo, as classes fundamentais
e status. Para entender essa percepção deve-se levar em conta do capitalismo são: os proprietários dos meios de produção
o processo de racionalização, seleção social e burocratização (a burguesia) e o proletariado. Essas classes fundamentais se
que consagram o mundo moderno. Assim, segundo Weber, caracterizam pelo antagonismo, pela oposição e pela comple-
agir em sociedade é orientar-se pela expectativa de como os mentaridade, onde uma é a exploradora (burguesia) e a outra
outros irão se comportar tendo como base os regulamentos a explorada (proletariado). Essa dominação se constituiu por
sociais vigentes. Dessa maneira, a vida em sociedade deve nos um duplo processo de expropriação, pois a burguesia retirou
permitir que as ações das outras pessoas sejam inteligíveis, e, do trabalhador duas coisas: os meios de produção e o saber
para que isso aconteça, é necessário que as pessoas estejam fazer. Sem os meios de produção para a vida material, e ex-
convencidas de que a obediência às normas será boa para to- propriado do saber fazer, não restou outra coisa senão vender
dos. Introjetar e obedecer à norma é agir racionalmente. É de a sua força de trabalho ao capitalista. Doravante o trabalho,
outra forma desencantar o mundo, abandonar o mágico e as sob o domínio do capital, assume caráter alienado, posto que
suas concepções para justificar a dominação e a administra- passa a ser percebido como uma atividade fora do controle do
ção pessoal. O que Weber expõe é que a sociedade caminha trabalhador. A esse processo de alienação se junta à fetichiza-
inexoravelmente para o aumento da racionalização e da buro- ção. Esta última, simplificando bastante, implica no não reco-
cratização. Isto posto, o Estado Moderno aparece sob o domí- nhecimento do trabalhador individual da mercadoria como
nio cada vez mais especializado do que Weber denomina de parte do seu trabalho na divisão social do trabalho. Assim, as
dominação racional-legal. relações entre os homens são compreendidas como coisa.
Se o Estado Moderno prescinde de especialistas, isso signi- O que tudo isso tem a ver com a educação? Para Marx, não
fica que o Estado necessita de um quadro burocrático, ou seja, existe uma educação neutra. A educação escolar sistemática
de profissionais especializados para administração impesso- é compreendida como uma forma utilizada pelos domina-
al e legal da instituição. Desses pressupostos é que podemos dores para perpetuar a exploração de classe, disseminado a
pensar o significado ou o sentido da educação para Weber, ideologia dominante para tornar natural entre os operários o
em especial sua distinção entre pedagogia do treinamento e modo burguês de viver. Por outro lado, por contradição, essa
pedagogia do cultivo. Para o Estado Moderno faz-se urgente mesma escola foi pensada como um importante instrumento
uma educação baseada na pedagogia do treinamento. O que para realização da emancipação humana. Marx via, na escola,
é, afinal, a pedagogia do treinamento? É a forma de preparar a possibilidade de romper com a divisão entre trabalho ma-
as pessoas para tornarem-se especialistas habilitados a de- nual e intelectual. Por isso julgava contraproducente a escola
sempenhar certas tarefas. A educação baseada na pedagogia em tempo integral, bem como se colocava contra a escola pú-
do treinamento é uma maneira de restringir e monopolizar blica patrocinada pelo Estado. Em relação à escola em tempo
alguns postos de trabalho àqueles que possuem títulos educa- integral, sua crítica se baseava no pouco rendimento escolar e
cionais, numa clara expansão dos especialistas em detrimen- porque o estudo em tempo integral impedia a combinação ne-
to do antigo homem culto – com formação mais abrangente. cessária entre trabalho manual e intelectual. Já em referência
172 2º MóduloXDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX3ª Aula: Relações de poder no interior das instituições
à escola pública ofertada pelo Estado, por entender que este é Ao longo da história do pensamento político, diversos
um Estado da classe dominante, enquanto tal o ensino oferta- autores discorreram sobre a natureza geral dessa instituição
do pelo Estado só poderia “inculcar” os valores dominantes e chamada Estado. Pelo perfil deste trabalho, é inviável fazer
perpetuar a exploração. uma comparação entre todos eles demonstrando seus respec-
Para romper com a separação entre trabalho manual e in- tivos contextos históricos, as visões de mundo a que se filia-
telectual, Marx defendia – o que hoje pode nos parecer um vam, suas convergências e divergências teóricas em tão curto
completo absurdo – a justaposição entre o trabalho e a escola. espaço de tempo. Assim, não desconhecendo a existência de
Essa conjunção, em conformidade com seu pensamento, po- várias possibilidades de recortes para a análise do Estado, aqui
deria levar aos filhos dos operários a retomada da totalidade abordaremos aquelas concepções sobre a sua natureza que
do saber fazer, rompendo com o trabalho parcializado. Essa são mais recorrentes nos nossos livros didáticos, nos textos
educação era mais eficiente do que qualquer conteúdo doutri- midiáticos e nos discursos da comunidade escolar. Vejamos
nário que ensinasse ao filho do operário que ele era explorado. algumas delas.
Era mais eficiente porque, conjugando trabalho e educação, Uma matriz muito difundida entre nós é a que defende a
ela formaria um novo homem, capaz de livrar a nova geração ideia de que o Estado resulta de um contrato social feito pelos
do caráter unilateral imposto pela divisão do trabalho. indivíduos que, percebendo os perigos reais e virtuais do esta-
Enfim, do de natureza – considerado como domínio desregrado das
Não temos uma resposta fechada para a pergunta que fize- paixões, dos instintos, dos desejos desenfreados e da ausência
mos, pois a escola será aquilo que os homens quiserem que ela de leis –, teriam aberto mão da liberdade de que estavam re-
seja, a partir do reconhecimento de sua interdependência com vestidos em nome da suposta segurança que usufruiriam no
as outras instituições e com o paradigma predominante numa “estado de direito” – considerado domínio da razão, do contro-
época. Mais importante do que procurar definir uma natureza le das paixões e império das leis. Note que no centro dessa con-
a-priori para a escola, devemos antes buscar entender as inter- cepção se encontra instalada a sensação de profundo medo.
pretações que os agentes dão para essa experiência, tendo em
vista as relações de poder conflituosas estabelecidas ao longo [...] existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro, o
do processo histórico. Em cada contexto, a escola foi domina- medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos, o medo dos
da por uma dada concepção: religiosa, humanista, civilizató- soldados, o medo das mães, o medo das igrejas, [...] cantaremos
ria, tecnológica, libertadora, etc. Muitas pessoas acreditavam o medo da morte e o medo de depois da morte, depois morre-
nessas diretivas e lutaram por elas. Muitos não acreditavam e remos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amare-
lutavam contra elas. E você? Tem uma concepção sobre para las e medrosas. .;1?.12#0N_Y\`1_bZZ\[QQR%Congresso Internacional do medo%
que serve a escola? Você luta por ela? Consegue perceber a 1V`]\[ÉcRYRZ'Uaa]'&&ddd%ZRZ\_VNcVcN%P\Z%O_&Q_bZZ\[Q&]\RZNýþĂ%UaZ%0\[`bYaNQ\RZ
concepção de educação que prevalece na sua escola? ÿý&ýā&ÿýþý
XDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX3ª Aula: Relações de poder no interior das instituições
2º Módulo 173
mãos dos proprietários dos meios de produção, tendo em vis- Então, quando voltamos à pergunta inicial sobre o que
ta que os seus aparelhos – como a polícia, a justiça, a burocra- ocorreria a uma pessoa que rasgasse os seus próprios docu-
cia – funcionassem a favor dos seus interesses. Nesta lógica, mentos, não pagasse os impostos e desobedecesse às leis, cer-
podemos perceber o Estado em suas variadas formas histó- tamente muitos de nós enfatizaríamos as imensas dificulda-
ricas e de comandos: absolutista, liberal, liberal-democrático, des que este indivíduo encontraria para operar com questões
socialista, de bem-estar social. Note que, por sua vez, no cen- básicas do cotidiano, sem falar nas sanções e punições de que
tro dessa concepção marxista da política se encontra o senti- seria vítima, pois, como o personagem de Kafka, nós também
mento de indignação com a exploração do homem realizada somos prisioneiros na jaula de ferro da burocracia moderna.
pelo próprio homem. Note que, ao darmos continuidade à nossa argumentação,
poderíamos ter por referência qualquer uma das três concep-
[...] Quando os dominadores falarem, falarão também os do- ções discutidas acima, acentuando este ou aquele aspecto que
minados. Quem se atreve a dizer: jamais? De quem depende a nos parecesse mais pertinente para análise: a quebra de um
continuação desse domínio? De quem depende a sua destrui- contrato social; a rebeldia diante de uma opressão de classe;
ção? Igualmente de nós. Os caídos que se levantem! Os que es- o não reconhecimento da legitimidade de uma dada ordem.
tão perdidos que lutem! Quem reconhece a situação como pode
calar-se? Os vencidos de agora serão os vencedores de amanhã.
E o “hoje” nascerá do “jamais”.1
Conhecendo mais sobre
Por sua vez, para Weber (1982), independente da base em
que se sustenta, o poder é a oportunidade existente de, numa
relação social, você impor a sua própria vontade aos demais. t Uma análise instigante sobre as relações de poder nas
Isso é passível de ocorrer em todas as esferas de nossas vidas. instituições sociais pode ser encontrada no trabalho
Contudo, quando há a probabilidade de encontrar obediência de Michel Foucault a respeito do caráter disciplinar
de um grupo a um determinado mandato, estamos numa si- das instituições de sequestros do mundo moderno,
tuação de dominação que, sendo legítima, pode ter por base como a fábrica, a escola, os hospitais psiquiátricos, os
diferentes fontes de autoridade. No caso do Estado Moderno, conventos e os presídios. Segundo o autor, norteada
trata-se de dominação legal, de tal forma que pretende o uso pela concepção do panoptismo (a lógica de um espaço
legítimo e o monopólio da força física dentro de um determi- vigiado), estas organizações controlam o tempo, o
nado território. Nesse sentido, é uma estrutura política direti- corpo, o saber e a existência do indivíduo que imerge
va de controle social tendo por base a racionalização da buro- em seus domínios, de forma a fixá-lo no sistema.
cracia, da justiça e, em última instância, do uso da força física. Caso tenha acesso ao livro: FOUCAULT, Michel.
Portanto, a violência é parte constitutiva dessa dominação do Vigiar e Punir. Petrópolis, RJ: Vozes, 1987, não deixe
homem sobre o homem, da luta que os indivíduos e os grupos de ler o capítulo “Panoptismo”, da p. 162 a 192.
estabelecem para impor as suas vontades dentro de uma dada
relação social. Contudo, devemos reforçar a ideia de que a au- t Se quiser um filme divertido e instrutivo para tratar da
toridade legítima depende sempre da validação daqueles que velhice e das relações de uma família extensa, assista
a ela estão submetidos, seja pela força da tradição, do vínculo ao “Parente é serpente”, filme italiano, de 1992, direção
emocional, da fé e/ou da lei. de Mario Monicelli, roteiro de Carmine Amoroso, Suso
Cecchi D’amico, Piero de Bernadi, Mario Monicell.
[...] Alguém devia ter caluniado a Josef K., pois sem que ele ti- Trata-se da história de uma família funcionalmente
vesse feito qualquer mal foi detido certa manhã. A cozinheira harmônica, até o momento em que, na festa de natal,
da senhora Grubach, sua hospedeira, que todos os dias às oito os pais idosos anunciam que pretendem morar com
horas lhe trazia o desjejum, não se apresentou no quarto de K. um dos seus filhos. Então, começa o jogo de empurra-
nessa manhã. [...] Que espécie de homens eram estes? De que empurra e vem à tona uma série de segredos e
estavam falando? A que departamento oficial pertenciam? En- revelações acerca da vida particular de todos da casa.
tretanto, K. vivia em um Estado Constitucional no qual reinava a Link: )Uaa]'&&ddd%SVYZR`]N_NQ\d[Y\NQ`%P\Z&]N_R[aR$R$
paz, no qual todas as leis estavam em vigor, de modo que quem `R_]R[aR$]N_R[aV$`R_]R[aV$QbOYNQ\&+%
eram aqueles que se atreviam a invadir a sua casa? 8.38.#ÿýýă#]%ĀĆ
t A gravidez na adolescência tem se constituído num
tema recorrente dentro da realidade escolar. Leia
þ .[a\Y\TVN ]\ÅaVPN# QR /_RPUa% 1V`]\[ÉcRY RZ' )Uaa]'&&ddd%PbYab_NO_N`VY%]_\%O_&O_RPUaN[a\Y\-
o seguinte artigo, que dá margem para discussão
TVN%UaZ<`ćÿý^bRćÿýYbaNZ+% fora dos parâmetros do senso comum, “Ser
174 2º MóduloXDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX3ª Aula: Relações de poder no interior das instituições
alguém na vida: uma análise socio-antropológica t A utopia social na Constituição
da gravidez/ maternidade na adolescência, em Federal, de Bruno Garschagen.
Belém do Pará, Brasil. PANTOJA, Ana Lídia Nauar. Link: )Uaa]'&&ddd%\_QRZYVc_R%\_T&[\QR&ąąă+%
Caderno de Saúde Pública. v. 19. RJ, 2003.
Link: )Uaa]'&&ddd%`PVRY\%O_&`PVRY\%]U],`P_V]a*`PVL t Balanço do Neoliberalismo, de Perry Anderson.≤
N_aaRea]VQ*@ýþýÿ$ĀþþEÿýýĀýýýąýýýþĂYN[T*]a+% Link: )Uaa]'&&ddd%PRSRa`]%O_&RQb&R`\&TY\ONYVgNPN\&
ONYN[P\[R\YVO%UaZY+%
t Uma discussão interessante sobre a variedade com
que as famílias eram retratadas nos clássicos da
literatura social brasileira pode ser encontrada no
artigo “Modelos nacionais e regionais de família Como vimos nesta aula...
no pensamento social brasileiro”, de Candice Vidal
e Tarcísio Rodrigues Botelho. Revista Estudos
Femininos. v. 9, nº 2. Florianópolis, 2001. O poder não está localizado em um lugar privilegiado de
Link: )Uaa]'&&ddd%`PVRY\%O_&`PVRY\%]U],`P_V]a*`PVL onde emanam ordens, normas, leis e restrições através do uso
N_aaRea]VQ*@ýþýā$ýÿăEÿýýþýýýÿýýýýăYN[T*]a+% legítimo da força ou do consenso. Ao contrário, o poder está
presente em todas as instituições sociais e faz parte do nosso
Nas últimas décadas do século XX foi travada uma grande cotidiano, mesmo que não consigamos percebê-lo como tal.
discussão entre os adeptos de um Estado mínimo e os seus As relações sociais que estabelecemos ao longo da vida são
críticos. No caso da América Latina, mais especificamente permeadas por concepções e práticas de poder e estas têm
no Brasil, tivemos e ainda temos muitos embates em torno importância crucial na estruturação do perfil das instituições
da experiência que ficou conhecida como “neoliberal”. Nos das quais participamos.
artigos que se seguem, você encontrará autores defendendo
posições ideologicamente diferentes acerca das atribuições do
Estado: T
Atividades de avaliação
t Assalto ao Estado e ao mercado, neoliberalismo
e teoria econômica. Luís Carlos Bresser-Pereira.
Estudos Avançados. V. 23, nº 66. São Paulo, 2009. 1 Liste as instituições das quais você participa ao longo de
Link: )Uaa]'&&ddd%`PVRY\%O_&`PVRY\%]U],`P_V]a*`PVL sua semana. Discorra sobre as relações de poder existente
N_aaRea]VQ*@ýþýĀ$āýþāÿýýĆýýýÿýýýýÿYN[T*]a+% nelas e os papéis que você desempenha nessas interações.
Elabore uma atividade que possa motivar um aluno de En-
t Institutos liberais, neoliberalismo e políticas públicas sino Médio a pensar a diversidade de papéis que ele tam-
na Nova República. Denise B. Gros. Revista Brasileira bém assume ao participar de diferentes instituições.
de Ciências Sociais. V. 19. nº 54. São Paulo, 2004.
Link: )Uaa]'&&ddd%`PVRY\%O_&`PVRY\%]U],`P_V]a*`PVL 2 No tópico referente ao Estado, a ideia resumida de cada
N_aaRea]VQ*@ýþýÿ$ăĆýĆÿýýāýýýþýýýýĆYN[T*]a+% autor veio acompanhada de um texto literário. Relacione
esses textos com as argumentações que foram desenvol-
t As origens imperiais do desenvolvimento vidas acerca das abordagens, mostrando como cada uma
estatista, de William Easterly. delas tem implicações diferentes para a construção e exer-
Link: )Uaa]'&&ddd%\_QRZYVc_R%\_T&aRea\`&ĄþĄ&+% cício da cidadania.
XDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX3ª Aula: Relações de poder no interior das instituições
2º Módulo 175
Referências 9<082#7\U[%Segundo tratado sobre o governo%@Â\=NbY\':N_aV[0YN_Ra#ÿýýÿ%
176 2º MóduloXDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX3ª Aula: Relações de poder no interior das instituições
Teorias sociológicas
4+ aula
da mudança social
0N_Y\`2bTÇ[V\9RZ\`q7\`Å5R[_V^bR<_TN[V`aN
Iniciando nossa conversa zadas dentro do lar. Do exposto, podemos verificar as relações
entre grandes e pequenas transformações. Cabe ressaltar mais
uma vez que nem todas as modificações são rapidamente per-
Caros Professores Cursistas, cebidas, e devemos ter o cuidado de não interpretar qualquer
Certamente, algumas vezes em sua vida, você deve ter mudança como sinônimo de “bom”, de “avanços”, pois igno-
pensado algo assim: “Caramba! Que monótono, nada muda, é rar a importância das permanências, das tradições, seria um
tudo sempre a mesma coisa!”. Muitas vezes temos a impressão equívoco perigoso.
ou a certeza de que vivemos num círculo: acordamos, levanta-
mos, tomamos café da manhã, saímos para trabalhar ou estu-
dar, almoçamos, retornamos das nossas atividade, chegamos
em casa, tomamos banho, jantamos, assistimos à televisão, e Propondo objetivos
dormimos. Dia após dia tudo indica que nada muda. É como
se o tempo passasse e nada mudasse. Mas será que realmente
vivemos num mundo sem mudanças e de “prisões” de longa Ao final desta aula o(a) professor(a) cursista deverá:
duração? Será que, no caso de haver mudanças, todas são re-
almente perceptíveis? Entender que as mudanças sociais podem ser pensadas
De imediato, embora nem sempre percebamos, podemos a partir de teorias diversas e que cada opção encerra vi-
afirmar que não existem sociedades sem mudanças. Elas po- sões de mundo diferenciadas.
dem ocorrer por meio de transformações abrangentes, como
por exemplo as revoluções, ou de forma menos acentuada, que Refletir sobre a ideia de que a sociedade pode ser pen-
afeta rapidamente o cotidiano, como por exemplo as transfor- sada enquanto processo.
mações no mundo do trabalho ou mesmo aquelas que dizem
respeito aos costumes, valores, hábitos, etc. A primeira é de
mais fácil percepção, posto que é mais abrangente, enquanto a
segunda, por vezes, nem a notamos em virtude de nossa pre- Conhecendo sobre
ocupação cotidiana assim como também pela falta de tempo
para refletirmos sobre ela. Isso mostra a nossa crescente capa-
cidade de adaptação. Em tempo, é bom ressaltar que não exis- As mudanças sociais
tindo sociedades sem mudanças, de uma forma ou de outra
somos afetados por elas, tanto pelas grandes transformações As mudanças sociais, como dissemos acima, acontecem
quanto pelas de menor envergadura, e, em geral, os dois tipos em todas as sociedades e em todos os tempos. Não obstan-
se relacionam. te, duas revoluções modernas marcaram e impulsionaram os
Para termos uma ideia da relação entre os dois tipos de estudos sobre elas na contemporaneidade e, até mesmo, con-
mudanças, pensemos nos meios de comunicação. Vivemos tribuíram para o surgimento da sociologia: são a Revolução
numa época de compressão do tempo e do espaço. Hoje, te- Francesa (1789) e a Revolução Industrial (1780). A primeira rom-
mos celulares, videoconferências, aulas a distância, enfim, co- peu definitivamente com aquela configuração em que o Rei,
municação instantânea. Essa revolução microeletrônica afe- enquanto representante do divino na Terra, concentrava em
tou sobremaneira nosso cotidiano e nossas relações sociais, suas mãos o poder absoluto. A queda da realeza simbolizou
econômicas e políticas. São comuns campanhas políticas pela a radical transformação na busca por igualdade política e so-
internet, abaixo-assinados, informações trocadas, ou seja, es- cial. Por outro lado, a Revolução Industrial condicionou em
paços virtuais de cidadania. As relações de trabalho também novas bases as instituições sociais, principalmente a partir
foram modificadas, e, hoje, muitas ocupações podem ser reali- da importância de que se revestirá a relação entre o capital,
XDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX4ª Aula: Teorias sociológicas da mudança social
2º Módulo 177
o trabalho e o mercado. Ambas as Revoluções “sacudiram” o que em seu modelo sistêmico conseguiu refinar e generalizar
mundo ocidental, enfraqueceram a hegemonia das tradições e as proposições organicistas, de tal forma que ainda hoje muito
deram maior visibilidade às questões sociais como resultantes do escopo conceitual utilizado na análise da mudança social é
das ações voluntárias dos seres humanos. “refém” dessa visão. @GA<:=8.#ÿýýĂ
Diante de tamanhas transformações, muitos estudiosos De maneira geral, a concepção de mudança social que po-
desenvolveram teorias para tentar entendê-las, obviamente demos inferir da análise do funcionalismo tradicional é de
que priorizando aspectos e questões diferentes do processo natureza evolutiva, de ênfase na cumulação demográfica e no
em questão. Não se esqueça de que esses homens respondiam progresso de direção unilinear. Durkheim (1999) retrata os pro-
aos problemas colocados por sua época e que, dialeticamente, blemas decorrentes da passagem de uma sociedade “simples”
sofriam as influências dos condicionamentos do tempo histó- para “complexa”, da solidariedade mecânica para a solidarie-
rico em que viviam. De modo que, conforme propõe Certeau dade orgânica, da heterogeneidade e individualização do ho-
(1988), as elaborações precisam ser pensadas a partir do lugar mem na vida coletiva. A preocupação dele orientar-se-á para
social do autor, tais como vínculos políticos, institucionais, de questões como integração social e as diversas estratégias de
estratificação, etc. Nestes termos, ideias tão caras ao mundo manutenção do equilíbrio sistêmico. Dito isso, não significa
oitocentista como evolução, organismo, progresso, função, en- afirmar que ele negasse as mudanças sociais, mas sim que a
tre outras, poderão constar, de maneira direta ou sublinhar, sua percepção se dava na perspectiva do equilíbrio funcional
em maior ou menor grau, nos discursos de alguns deles. Veja- das instituições em relação ao todo. Do mesmo modo, o es-
mos aspectos de suas interpretações para a natureza da mu- trutural funcionalismo parsoniano, que dá prosseguimento
dança social. a essas ideias, mantém a separação entre estática e dinâmica
social.
178 2º MóduloXDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX4ª Aula: Teorias sociológicas da mudança social
c Weber, outro de nossos autores clássicos, em sua sociolo- As mudanças sociais promovidas pela burguesia foram con-
gia compreensiva estudou as mudanças sociais a partir das sideradas importantes, mas limitadas. A sociedade ainda era
crenças e valores individuais, procurando relacioná-las com o dividida por classes, e os antigos privilégios estamentais fo-
advento e consolidação do capitalismo. Em sua análise sobre a ram, tão somente, substituídos por outros. Era necessária a
ética protestante, interessava-lhe demonstrar que as condutas, emancipação humana, e esta só seria possível com o fim do
normas e crenças individuais constituíram-se como “facilita- capitalismo. Mas, como chegar ao fim do sistema capitalista?
dores” para a existência do novo sistema que emergia. A valo- Através da luta de classe, especialmente pela conquista do Es-
rização do trabalho, a desconstrução do lucro como pecado, a tado. Quem faria a revolução? A classe operária. Somente ela,
contenção de gastos, um modo de vida racional e disciplinado por não ter nada a perder, tinha condições de pôr fim ao sis-
sustentaram no ocidente a criação de um novo homem. Esse tema capitalista e, por consequência, a emancipação de toda
novo homem baseava suas ações em valores racionais e legais a sociedade.
que implicaram no desenvolvimento do capitalismo.
A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias
Nesse mundo de transformações valorativas, o surgimento tem sido a história da luta de classes. Homem livre e escravo,
do aparato burocrático-legal ou especialista constituía uma li- patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e com-
mitação para a mudança social. Isso explica a resignação pes- panheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante
simista de Weber com a burocracia e sua visão ao denominá-la oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora
como “jaula-de-ferro” do mundo moderno. Entretanto, há um disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma trans-
espaço para a mudança nessa prisão da racionalização instru- formação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição
mental. E o sujeito responsável por isso é o líder carismático. das duas classes em luta. :.?E(2;429@#ÿýýþ#]%ýþ
Dominação carismática em virtude de devoção afetiva à
pessoa do senhor e a seus dotes sobrenaturais (carisma) e, Ou, como propõe BRECHT (1898-1956),
particularmente: faculdades mágicas, revelações ou heroísmo,
poder intelectual ou de oratória. O sempre novo, o extracoti-
diano, o inaudito e o arrebatamento emotivo que provocam Nada é impossível de mudar
constituem aqui a fonte da devoção pessoal. Seus tipos mais
puros são a dominação do profeta, do herói guerreiro e do Desconfiai do mais trivial,
grande demagogo. D2/2?#þĆąă#]%þĀā$þĀĂ na aparência singelo.
Porém, não podemos esquecer que a obediência que os E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
“apóstolos” dedicam ao líder carismático existe enquanto ele Suplicamos expressamente:
portar os atributos que o tornam um sujeito especial. E mais, não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
mesmo com toda a força da renovação, da emoção, da nature- pois em tempo de desordem sangrenta,
za irracional, o carisma acaba por ser enquadrado na ordem de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
estabelecida e cumprindo o destino fatídico de enquadramen- de humanidade desumanizada,
to na disciplina da ordem instituída. nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de
mudar.
d Por sua vez, Marx é outra referência quando a discussão 1V`]\[ÉcRY RZ' )Uaa]'&&ddd%PbYab_NO_N`VY%]_\%O_&O_RPUaN[a\Y\TVN%UaZ<`ćÿý^bRćÿý
se trata de mudanças sociais. Em primeiro lugar, ele não esta- YbaNZ+%.PR``\RZÿăNT\%ÿýþý%
va interessado na manutenção da ordem, da harmonia ou da
coesão social. Ao contrário, lhe interessaram os mecanismos
que tornavam a ordem possível num mundo de conflitos, de Enfim, apresentamos sinteticamente algumas abordagens
interesses divergentes e contraditórios. Sua preocupação foi sobre as mudanças sociais sem a ilusão de ter feito referência
explicar a dominação e a exploração burguesa. Dito de outra à maioria dos seus autores e às suas respectivas interpreta-
forma, ele se preocupou em desnaturalizar a ordem estabe- ções. De sorte que, embora não haja consenso sobre a natu-
lecida, indo para além das aparências, demonstrando o que reza das mudanças sociais, concordamos com algumas das
entendia ser a essência das contradições sociais. considerações de Sztompka (2005), na medida em que tal com-
preensão sobre o tema da mudança social tem relação dire-
Marx não ignorou os avanços e a positividade de alguns ta com as práticas sociais dos agentes. Assim, devemos estar
processos da sociedade burguesa, mas não se contentou com atentos aos seguintes fatos: as teorias são construídas e desen-
os mesmos. Não se contentou, por exemplo, com os avanços volvidas dentro de certos contextos históricos e institucionais;
políticos promovidos pela Declaração dos Direitos do Homem na atualidade, a ênfase dos teóricos da mudança social recai
que, em sua análise, separou o homem em burguês e cidadão. mais sobre as práticas interdependentes dos sujeitos do que
XDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX4ª Aula: Teorias sociológicas da mudança social
2º Módulo 179
sobre esquemas evolutivos prescritivos da realidade humana; Há filmes que retratam dramas individuais e sociais decor-
a sociedade deve ser entendida como processo e não como rentes dos processos históricos que mudaram o perfil de uma
uma entidade reificada e/ou hipostasiada; a esfera macrosso- época. Destacamos aqui: T
cial interfere na micro, e vice-versa; num sistema existe uma
pluralidade de mudanças que podem estar inter-relacionadas,
evidenciando desta forma a complexidade do mundo social t "EFVT-ÐOJO (Good Bye, Lenin! ).
em que vivemos. Dir.: Wolfganger Becker. Roteiro: Bernd
Lichtenberg e Wolfgang Becker. X-Films
Creative Poll (Alemanha, 2003)
Aborda a história de uma família em que a mãe, mili-
Conhecendo mais sobre tante comunista, acorda de um coma depois da queda do
Muro de Berlim. Ela terá que se defrontar com um mundo
bem diferente daquele a que estava acostumada. Por sua
No decorrer de nossa exposição, pela natureza deste tra- vez, o filho tentará maquiar a realidade para que a mãe não
balho, fizemos a opção por certas abordagens teóricas. Porém, tenha um choque e volte a ficar debilitada.
entendemos ser importante que o professor conheça as de-
mais para formular as suas considerações, e também tenha t 2VBTF%PJT*SNÍPT.
referências sobre outros ângulos da discussão. Assim, indica- Dir.: Lúcia Murat. Roteiro de Lúcia Murat e
mos a leitura dos textos, artigos científicos e capítulo de livros Paulo Lins. Taiga Filmes (Brasil, 2004)
que se seguem: T Aborda o encontro, na década de 70 – período da dita-
dura militar, de dois universos distintos dentro da peniten-
t Capítulo I: “Conceitos fundamentais no estudo ciária de Ilha Grande: os prisioneiros políticos e os prisio-
da mudança”. In: SZTOMPKA, P. A sociologia neiros comuns. Esse encontro é de particular importância
da mudança social. Trad. Pedro Joergensen Jr. para, posteriormente, se compreender o crime organizado
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. no Brasil.
Link: )Uaa]'&&O\\X`%T\\TYR%P\Z%O_&O\\X`,VQ*ăāĄN\R_$ă:\
0]T*=.ĀýY]T*=.ĀýQ^*@ga\Z]XN#"R`a_bab_N
_"\"YVc_\`\b_PR*OY\a`*Q1;N[AQ>O3`VT*T^5
/03\E_Ą/B<cB929]Ā4ÿ]=ÿaTUY*]a$/?RV*ST0C@- Como vimos nesta aula...
ĂĄ09FVEaTRĄ[SAB0T`N*E\V*O\\XL_R`bYaPa*_R`bYa_R
`[bZ*þcRQ*ý0.F>ă.2d..c*\[R]NTR^*S*SNY`R+
Existem diversas teorias que abordam o tema das mudan-
t “Teorias da mudança social: as perspectivas ças sociais. Elas devem ser pensadas como uma resposta que
lineares e as cíclicas”. REZENDE, Maria os agentes, de acordo com o seu lugar social e os dilemas de
José de. In: Revista de Ciências Humanas. sua época, dão para a clássica questão acerca da dinâmica do
Florianópolis, EDUFSC, n. 32, out 2002. mundo social. As nossas escolhas teóricas em sala de aula não
Link: )Uaa]'&&ddd%PSU%bS`P%O_&k_RcV`aN&RQVP\R`L_RcV`aNĀÿ% são aleatórias e nem tampouco podem ser arbitrárias, preci-
UaZ+% sam estar relacionadas ao Projeto Pedagógico de nossa escola,
entendendo este como resultado do diálogo e das lutas trava-
t “Mobilidade de classe no Brasil em perspectiva das nas escalas macro e micro de nossa realidade. Lembre-
comparada”. RIBEIRO, Carlos Antônio Costa; SCALON, se sempre daquela máxima do Sztompka ÿýýĂ#]%þă : “O que as
Maria Celi. DADOS. v. 44. Rio de Janeiro, 2001. pessoas pensam sobre mudança social é fundamental para
Link: )Uaa]'&&ddd%`PVRY\%O_&`PVRY\%]U],`P_V]a*`PVL que elas passem à ação, e, por conseguinte, influencia decisi-
N_aaRea]VQ*@ýýþþ$ĂÿĂąÿýýþýýýþýýýýāYN[T*]a+ vamente o próprio curso e as perspectivas da mudança”.
180 2º MóduloXDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX4ª Aula: Teorias sociológicas da mudança social
Atividades de avaliação
XDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX4ª Aula: Teorias sociológicas da mudança social
2º Módulo 181
Referências
02?A2.B#:VPURYQR%.\]R_NÄÂ\UV`aÎ_VPN%In'924<33#7NP^bR`(;<?.#=VR__R%História'
[\c\`]_\OYRZN`%A_NQ%AUR\@N[aVNT\%?V\QR7N[RV_\'3_N[PV`P\.YcR`#þĆąą%
D2/2?#:Ne%Sociologia%<_T%4NO_VRY0\U[ %@Â\=NbY\'ÞaVPN#þĆąă%
182 2º MóduloXDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX4ª Aula: Teorias sociológicas da mudança social
Educação e mudança social
5+ aula
no mundo contemporâneo
0N_Y\`2bTÇ[V\9RZ\`q7\`Å5R[_V^bR<_TN[V`aN
Ao final desta aula o(a) aluno(a) deverá: É fato, também, que, com a interdependência globalizada dos lu-
gares e a planetarização dos sistemas técnicos dominantes, estes
Entender que as transformações sociais percebidas no parecem se impor como invasores, servindo como parâmetro na
cotidiano estão relacionadas a mudanças na reestrutura- avaliação da eficácia de outros lugares e de outros sistemas téc-
ção da produção e do trabalho em âmbito mundial. nicos. É nesse sentido que o sistema técnico hegemônico aparece
como algo absolutamente indispensável e a velocidade resultan-
Refletir sobre o significado da educação na cena atual, te como um dado desejável a todos que pretendem participar, de
levando em consideração a perspectiva dos “Sete saberes pleno o direito, da modernidade atual.
necessários para o futuro”, de Edgar Morin, focada na reli- @.;A<@#ÿýýý#]%þÿā
gação dos saberes.
A reestruturação do capitalismo a partir da década de 70
do século XX, na passagem do seu modelo fordista para o de
acumulação flexível, teve por base a implantação de novas for-
mas de organização, de tecnologias da produção e de concep-
ções de trabalho. O princípio do “just-in-time”, o tempo hábil,
XDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX5ª Aula: Educação e mudança social no mundo contemporâneo
22º Módulo 183
se tornou a palavra chave da logística empresarial dominante, A generalização da depressão deve ser levada em conta não das
na tentativa de vencer o dito “pesado” passado fordista. De fato, vicissitudes psicológicas de cada um ou das ‘dificuldades’ da vida
o aumento na velocidade do tempo de giro do capital mantém atual, mas, sim, da deserção da res publica que foi limpando o
relação com a intensificação do campo da troca e do consumo terreno até o advento do indivíduo puro, do Narciso em busca de
5.?C2F# þĆąĆ . E como somos uma sociedade de consumidores, si mesmo, obcecado por si mesmo e, assim sendo, suscetível de
incorporamos esse sentido de urgência em nossas buscas de enfraquecer ou desmoronar a qualquer momento diante da di-
satisfações estimuladas e oportunizadas pelo mercado. Nestes versidade que enfrenta desarmado, sem força exterior. [...] Enve-
termos, fica fácil imaginar a importância adquirida pelos cai- lhecer, engordar, enfear, dormir, educar os filhos, sair de férias....
xas eletrônicos, os cartões de crédito, os comércios eletrônicos, tudo se transforma em problema. As atividades elementares se
as terceirizações, o self-service e outras modalidades facilita- tornam impossíveis.
doras que exemplificam a expansão da ideia de que a veloci- 96=<C2A@8F#ÿýýĂ#]%ÿąRÿĆ
dade é a marca constitutiva dos agentes vitoriosos.
Não é interesse dessa aula discutir as diversas interpreta-
A sociedade de consumidores, em outras palavras, representa o ções que existem para o que se denomina globalização. Aqui,
tipo de sociedade que promove, encoraja ou reforça a escolha como propõe Hobsbawm (2000), estamos definindo-a como um
de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumistas, e conjunto de atividades ligadas ao desenvolvimento do capita-
rejeita todas as opções culturais alternativas. Uma sociedade em lismo, mas que não se limitam aos seus aspectos econômicos,
que se adaptar aos preceitos da cultura de consumo e segui-los tendo em vista que dependem da supressão dos empecilhos
estreitamente é, para todos os fins e propósitos práticos, a única técnicos, assim como de vencerem os limites impostos pe-
escolha aprovada de maneira incondicional. Uma escolha variá- las resistências do tempo e do espaço. Desta forma, interessa
vel e, portanto, plausível – e uma condição de afiliação. entender que, se vivemos em redes de interações e concebe-
/.B:.;#ÿýýą#]%Ąþ mos as estruturas das quais participamos como processos, as
transformações ora em curso, ainda que se inscrevam na esca-
Ora, dentro desta lógica, a aceleração traz consequências la macro, afetam a todos nós, mesmo naqueles aspectos mais
para a nossa realidade, dentre elas podemos destacar a prima- comezinhos de nossa vida cotidiana.
zia do efêmero em diversas esferas da vida social, conduzida Assim, se, nesta fase do capitalismo, as trocas de infor-
principalmente pela lógica da moda aplicada aos mercados mações com outros lugares do mundo, a intensificação dos
de massa. Devemos nos lembrar que, já nos primórdios do sé- fluxos comerciais entre as regiões, a formação de organismos
culo XX, Simmel (1988) discorria sobre a importância da moda internacionais para assuntos diversos, a crença generalizada
nos processos de individuação e uniformização dos agentes de que vivemos na era do conhecimento e do multicultura-
sociais, destacando o fato de que a imitação poderia ser en- lismo, o uso das tecnologias em várias áreas das atividades
tendida como a continuidade da vida do grupo no indivíduo. humanas podem ser vistos como aspectos positivos dessa glo-
Nesta linha, segundo Harvey (1989), podemos considerar que a balização, por outro lado problemas como o aumento do fosso
volatividade se espraia não só pelo campo da produção e da da desigualdade entre os ricos e os pobres, a violência urbana,
circulação, mas também do consumo de mercadorias e servi- a exclusão digital, a homogeneização cultural, a lógica con-
ços, donde se destacam os papéis da publicidade e das ima- sumista, a intolerância, entre outras, podem ser considerados
gens midiáticas enquanto fatores de integração das práticas os aspectos negativos enfrentados pelo indivíduo comum, que
culturais no atual estágio do capitalismo. mesmo não fazendo parte de uma aldeia global homogênea é,
Vivemos num mundo globalizado e sobre o império das muitas vezes, persuadido a acreditar que sim.
imagens. As empresas, os governos, os políticos, as celebri-
dades, os indivíduos, os grupos agem com a consciência de Podem ser identificadas quatro consequências da globalização
que a imagem se transformou numa mercadoria tão ou mais para a educação, todas elas eivadas de tensões e contradições: a)
valorizada do que o seu equivalente real. Para Bauman (2008), a crescente centralidade da educação na discussão acerca do de-
remodelar-se a si mesmo, assumir concomitantemente o pa- senvolvimento e da preparação para o trabalho, decorrente das
pel de produtor e do produto que se quer vender, é um dos mudanças em curso na base técnica e no processo produtivo; b)
imperativos categóricos da sociedade dos consumidores. Por a crescente introdução de tecnologias no processo educativo, por
outro lado, não é possível ignorar que a experiência das ima- meio de softwares educativos e pelo recurso à educação a distân-
gens mediadas pelas tecnologias de comunicação tem nos cia; c) a implementação de reformas educativas muito similares
transformados em testemunhas de vários processos histó- entre si na grande maioria dos países do mundo; d) a transfor-
ricos, ainda que em muitos casos como meros espectadores mação da educação em objeto do interesse do grande capital,
passivos da política e voltados apenas para os nossos próprios ocasionando uma crescente comercialização do setor.
problemas. <96C26?.#ÿýýĆ#]%Ąāý
184 22º MóduloXDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX5ª Aula: Educação e mudança social no mundo contemporâneo
E é justamente neste contexto que, desde então, muitos of an OECD education ministers’ meeting in the coastal Athens
educadores estão a se perguntar: afinal, qual o papel da edu- resort of Lagonissi. Education is not an exception, it (too) is being
cação em meio às transformações sociais que vivenciamos na globalized, he said.2
atualidade?
Obviamente que muitos estudiosos discordam do diagnós-
tico proferido pelo secretário da OCDE (Organização para Co-
.2QbPNÄÂ\3\_ZNY' operação e Desenvolvimento Econômico), Angel Gurria. Afinal,
ORZ]ÓOYVP\\b`R_cVÄ\[RT\PV¾cRY, existem interpretações as mais variadas sobre o tema e uma
pluralidade de experiências pelo mundo. De qualquer forma,
No dia 7 de junho de 2005, a Comissão de Educação e todos aqueles que se posicionam na arena pública deixam
Cultura da Câmara dos Deputados realizou uma audiência sempre uma pista para inferirmos sobre a sua visão política, as
pública para debater o polêmico tema da possibilidade de práticas pedagógicas, as concepções didáticas e outras questões
inclusão da Educação no Acordo Geral de Serviços da Orga- referentes ao campo da educação. Vejamos algumas posições:
nização Mundial do Comércio (OMC), ficando assim alguns
aspectos do setor sujeitos às regulações desta instituição. “Lidamos com uma concepção educacional envolvendo ideias
Note que se trata de uma discussão que veio na esteira das de competência, habilidades, certificações, muito voltadas para
transformações citadas anteriormente. Na ocasião, estu- o posto do trabalho. O raciocínio lógico é que, para esse capi-
diosos e representantes de diversas instituições se posicio- talismo estar seguro, começa seu movimento preparando o tra-
naram. Muitos foram contrários por considerarem que tal balhador nos conjuntos de competências que o mercado quer.
inclusão transformaria a Educação em mercadoria, e isso A sociedade flexibiliza as leis de trabalho de sorte que ele não
traria graves implicações para a autonomia da sociedade fosse mais protegido por um contrato coletivo, mas fizesse um
brasileira e a sua soberania nacional. Por outro lado, houve contrato individual a partir de educação por competência, con-
quem fosse favorável por entender que tal medida injetaria tratação por competência e remuneração por competência. [...]
um sopro de modernização na Educação Superior, tendo em A educação deixa de ser um direito para tornar-se um serviço
vista a importância dos financiamentos para a pesquisa e a como qualquer outro. O Estado vai garantir este serviço a uma
necessidade de se produzir novas tecnologias. Houve ainda determinada faixa, no caso prioriza a educação fundamental, da
quem entendesse que tal discussão não fazia muito sentido, primeira a oitava série, podendo prorrogar até o nível médio, e
levando em consideração que, mais cedo ou mais tarde, o mesmo assim sob o ponto de vista dos interesses privados. Pela
país não teria como suportar a pressão internacional para primeira vez o Estado faz a política unidimensional do mercado.
abertura de seu mercado, sem falar no fato do pudor em tra- A pessoa excluída do mercado é tornada um cidadão mínimo,
tar a educação como mercadoria ser despropositado, já que a com diz Milton Santos, um deficiente cívico”. 4NYQÇ[PV\ 3_VT\aa\# R[-
Educação Superior desde muito vinha sendo oferecida como a_RcV`aN#Revista Mais Humana;ā<babO_\ÿýýÿ%In')Uaa]'&&ddd%bSS%O_&ZNV`UbZN[N&
serviço negociável. TNbQR[PV\S_VT\aa\%UaZ+
Não vamos entrar nos pormenores das posições que re-
latamos acima, pois fugiria um pouco ao propósito imediato
de nossa aula. A discussão sobre a natureza pública da edu- “Estes novos abismos criados dentro de uma mesma sociedade
cação não foi travada apenas no Brasil, mas em vários países exigem uma reformulação do sistema educativo e de todas as
que, de alguma forma, vinham e vêm enfrentando pressões formas de difusão da cultura. Na América Latina há uma gran-
por parte dos agentes sociais dessa nova ordem global para de resistência nas escolas para incorporar as novas tecnologias e
mudança de suas regras internas. Em junho de 2006, a Or- também a indústria cultural de forma geral. Ainda existem edu-
ganização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico cadores pensando que a televisão é a grande inimiga da escola.
(OCDE), uma instituição que agrupa dezenas de países in- E durante décadas esse pensamento tem produzido uma nova
dustrializados de economia de mercado, também realizou geração que se socializa de uma forma na escola e de outra em
um encontro com os seus Ministros do Ensino para uma casa, com os amigos. As novas tecnologias passaram por várias
análise das políticas educacionais com enfoque no Ensino etapas. A primeira delas foi levar computadores para todas as es-
Superior e na liberação dos mercados. Ao final da reunião,
o secretário-geral da OECD, o senhor Angel Gurria, pronun-
ciou-se a respeito:
ÿ .RQbPNÄÂ\ÅU\WRbZNP\ZZ\QVaf[RT\PV¾cRY%2YNa\_[\b$`RRe]\_a¾cRY#]\_a¾cRYR[RT\PV-
¾cRY#QV``R\`RP_Ra¾_V\TR_NYQN<012#.[TRY4b__ÉN#RZR[a_RcV`aN[\QVNQRR[PR__NZR[a\
Education is now an internationally traded commodity. It has QNP\[SR_Ç[PVNQ\ZV[V`a_\`QNRQbPNÄÂ\QN<012#_Rb[VQ\`[\YVa\_NYQR.aR[N`#[\_R`\_a
QR9NT\[V``V%.RQbPNÄÂ\[Â\ÅbZNRePRÄÂ\%2YNaNZOÅZ R`a¾`R[Q\TY\ONYVgNQN#RYRQV`-
become exportable, portable and tradeable, the OECD secretary- `R%%a_NQbÄÂ\YVc_R 1V`]\[ÉcRYRZ')Uaa]'&&SV[QN_aVPYR`%P\Z&]&N_aVPYR`&ZVLXZNS]&V`Lÿýýăýă&
general, Angel Gurria, told a news conference on the closing day NVL[þăĂĂĀÿąĄ&+%
XDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX5ª Aula: Educação e mudança social no mundo contemporâneo
22º Módulo 185
colas, e não deu certo; em função disso, a etapa seguinte foi for- elaboração que busca se aproximar ao máximo da realida-
mar os educadores para as novas tecnologias. Muitos jovens se de, mas não deve ser confundido como se fosse ela própria.
acostumaram a ler e escrever nos monitores dos computadores e Portanto, qualquer diagnóstico acerca das mudanças sociais
quando não encontravam computadores disponíveis nas biblio- na atualidade deve ser pensando também em termos do que
tecas, estabelecia-se um distanciamento dos jovens. Não se trata comporta de erro e ilusão. Veja que muito do que se apren-
de dizer que hoje não se lê mais, mas é que se lê de outra forma. de na educação formal, por estar descontextualizado e re-
É por isso que as escolas devem reformular suas estratégias”. 2[- talhado pelas disciplinas, acaba caindo no buraco negro do
a_RcV`aNP\Z;Å`a\_4N_PÉN0N[PYV[V#ÿýýĄ%3\[aR'Educared Argentina)Uaa]'&&ddd%RQbPN_RQR% esquecimento. Não se trata de subestimar a importância que
\_T%O_&RQbPN&V[QRe%PSZ,]T*V[aR_[RaLRLPVN%V[S\_ZNaVPNL]_V[PV]NYVQLV[SLR`P\YN*ăăþ+ os conhecimentos disciplinares produziram ao longo do tem-
po, mas de entender que eles devem ser pensados a partir da
“Porque, embora seja uma aspiração profunda de toda a huma- perspectiva do contexto em que se situam. :<?6;#ÿýýý
nidade, a atual sociedade – tal como está configurada – desen- Outra dificuldade muito recorrente deve-se ao fato de
volve em todos nós uma dinâmica de agressividade, de ver o que a nossa identidade humana é ignorada pelos currículos
outro como inimigo, como competidor. O diferente é sempre o e pelas práticas escolares. Somos indivíduos, somos sociedade
inimigo e você deve proteger-se dele. Para isso precisa atacá-lo, e somos da espécie dos homo sapiens – ludens-economicus-
discriminá-lo e se valer de atos violentos. A paz questiona esta mitologicus, ou seja, “homo-diversos”. Isso significa dizer que
lógica de olhar o outro como inimigo. Questiona a lógica da so- temos uma dimensão biológica, cultural, social e cósmica.
ciedade atual, a sua dinâmica cotidiana, onde todas as pessoas Portanto, a nossa formação depende de contribuições que não
estão diariamente guerreando para sobreviver, e a lógica das podem estar limitadas às ciências formais. Por isso, a litera-
relações internacionais, centrada no poder bélico e econômico, tura, o teatro, a música, a dança, as telenovelas, a poesia são
que passa por cima de todas as regras de convivência e de ne- imprescindíveis para que possamos lidar com a complexida-
gociação. 2[a_RcV`aNP\ZCR_N0N[QNbJornal e Educação%In')Uaa]'&&ddd%N[W%\_T%O_& de de nossa existência. Neste sentido, é crucial uma educação
W\_[NYRRQbPNPN\&OVOYV\aRPN&R[a_RcV`aN`&RZ$QRSR`N$QN$RQbPNPN\$]N_N$N$]Ng&+ voltada para a compreensão humana, entendendo que vive-
mos uma realidade de mercado que nos impulsiona para o
“Os problemas da educação brasileira são difíceis e com- individualismo, à competição exacerbada, à indiferença e à
plexos. É preciso realizar um trabalho constante e sistemático falta de compaixão para com aqueles que são grosseira e pejo-
de diagnóstico para resolvê-los, além de um estudo da litera- rativamente chamados de “perdedores”. :<?6;#ÿýýý
tura especializada e das experiências de outros países. Outros Vivemos no mundo como se fosse um lugar muito previ-
fatores fundamentais são a melhoria dos centros de pesqui- sível. O princípio da incerteza é, talvez, um dos mais ignora-
sa, estudos e formação, e o envolvimento de profissionais de dos nos processos educacionais. Ainda que as ciências tenham
outras áreas – economistas, juristas, sociólogos – com essas avançado, em termos de produzir conhecimentos para dissi-
questões. A meu ver, é a educação fundamental que mais pre- parem nossos medos dos perigos que nos cercam, a ideia que
cisa de um investimento maior, mais forte e cuidadoso. 2[a_RcV`aN temos do controle do presente vem sendo cada vez mais des-
P\Z @VZ\[ @PUdN_agZN[% 7\_[NY O Globo# þĄ&ýă&ÿýýĂ% 1V`]\[ÉcRY RZ' )Uaa]'&&ddd%VRa`%\_T%O_& tituída pelas incertezas que assolam não só nosso futuro, mas
N_aVPYR%]U]Ā,VQLN_aVPYR*ĄāĄcN_L_RPUR_PUR*`PUdN_agZN[+ todos os processos naturais e culturais. É por isto que a preocu-
pação com a nossa condição planetária é de uma legitimidade
Verificamos nos trechos das entrevistas dos estudiosos estonteante, tendo em vista que as condições na Terra é nosso
citados que são vários os desafios a serem enfrentados para destino comum. Questões como destruição do meio-ambiente,
que a educação pública possa cumprir minimamente alguns guerras nucleares, conflitos étnico-religiosos, violência urba-
daqueles princípios que estão delineados na Constituição de na, onde quer que ocorram têm repercussão na vida de cada
1988, tais como universalização do ensino, apoio para os alu- um de nós. Então, também por isso, a educação precisa ajudar
nos permanecerem na escola, garantia dos padrões de qua- a construir uma “antropo-ética”, na qual deverão estar inclusas
lidade, valorização dos profissionais da educação, promoção a autonomia pessoal, a responsabilidade social e a nossa par-
do conhecimento científico, humanístico e tecnológico. Ora, ticipação no gênero humano. E devemos nos lembrar que a
como não é possível, neste curto espaço de exposição, discutir democracia, a solidariedade, o respeito à diversidade são prin-
todos os aspectos das colocações feitas pelos autores anterio- cípios fundamentais para essa estruturação. :<?6;#ÿýýý
res, poderemos, ao menos, inspirados na reflexão de Morin Enfim, fizemos um apanhado muitíssimo sintético do que
(2000) sobre os setes saberes necessários à educação do futuro, foi proposto por Morin (2000) para a educação do futuro. Mas
problematizar sobre os não-ditos, “os buracos negros”, que es- como ele mesmo diz que não temos futuro e nem a certeza de
tão presentes em todos os níveis de ensino. vir a tê-lo, mais do que nunca é necessário colocarmos algu-
Neste mundo de transformações, precisamos estar atento, mas dessas ideias em prática. Como? Bem, não há uma fór-
ao fato de que todo conhecimento é uma reconstrução, uma mula pronta para isso.
186 22º MóduloXDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX5ª Aula: Educação e mudança social no mundo contemporâneo
Conhecendo mais sobre Como vimos nesta aula...
t Para se aprofundar na proposta de Edgar Morin A reestruturação das sociedades capitalistas a partir das
é imprescindível a leitura do livro que serve de últimas décadas do século XX, somadas às transformações
base para essa aula: MORIN, Edgar (1921). Os sete decorrentes da compressão do tempo e do espaço no uso das
saberes necessários à educação do futuro. Trad. novas tecnologias, alteraram sensivelmente o ritmo das mu-
Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. 2. danças à nossa volta. Desde então, adaptar-se à aceleração e à
ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco, 2000. volatividade tornou-se condição imperativa para aqueles que
Link: )Uaa]'&&ddd%WbYV\a\__R`%d`&aRea\`&aRea\`QVcR_`\`& desejam ser considerados vencedores. Neste contexto é que
@RaR@NOR_R`$2QTN_:\_V[%]QS+% emerge mais uma vez no cenário público a discussão sobre o
significado da educação em meio a tantas transformações. Ou
t Uma análise muito informativa sobre a penetração acompanhar a mudança se tornando um serviço negociável
dos fundos financeiros na Educação Superior no Brasil ou resistir nas trincheiras daqueles que a consideram um bem
e a presença de ações das instituições educacionais público, não redutível à condição de mercadoria.
na bolsa de valores pode ser encontrada no artigo: “A
transformação da educação em mercadoria no Brasil”,
de Romualdo Portela de Oliveira. Revista Educação
e Sociedade. v. 30, nº 108. Campinas, SP: out. 2009. Atividades de avaliação
Link: )Uaa]'&&ddd%`PVRY\%O_&`PVRY\%]U],]VQ*@ýþýþ$
ĄĀĀýÿýýĆýýýĀýýýýă`P_V]a*`PVLN_aaRea+%
1 Nestor Canclini chama a atenção para a resistência das es-
t Para uma análise sobre a relação entre o processo colas em aderirem ao uso de novas tecnologias e à indústria
de globalização e duas proposições distintas cultural. Ele destaca o preconceito que muitos professores
para a educação no mundo, leia: “Globalização ainda possuem em relação à televisão. Numa pesquisa re-
e Educação: demonstrando a existência de uma alizada no ano de 2004, pela professora Vânia Carneiro da
“cultura educacional comum “ou localizando uma UNB (Universidade nacional de Brasília), foi possível ve-
“agenda globalmente estruturada para a educação”, rificar que os nossos jovens e crianças estão entre os que
de Roger Dale. Revista Educação e Sociedade. v. 25, mais a assistem no mundo, passam cerca de 4 horas diante
nº 87. Campinas, SP: maio/ago. 2004. p. 423-460. do aparelho de televisão. Os seus programas prediletos são
Link: )Uaa]'&&ddd%PRQR`%b[VPNZ]%O_+% os filmes, desenhos, novelas, programas informativos, en-
tre outros. A partir do tema “O não dito, as ideologias e as
t Se você quiser saber um pouco mais sobre a juventude amnésias sociais nas narrativas televisivas”, escolha alguns
na América Latina veja uma entrevista esclarecedora programas de um canal da TV aberta e demonstre como
com o antropólogo latino-americano Nestor Garcia você problematizaria os seus conteúdos para desenvolver
Canclini, tendo por tema “La juventud extraviada”. uma aula que tenha como foco: “Os meios de comunicação
Link: )Uaa]'&&ddd%[b`\%\_T&b]Y\NQ&N_aVPbY\`&ĀĀýāLþ%]QS+% e a construção das identidades no Brasil”.
XDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX5ª Aula: Educação e mudança social no mundo contemporâneo
22º Módulo 187
Referências
/.B:.;#GfTZb[a%Vida para consumo – a transformação das pessoas em mercadoria. :<?6;#2QTN_þĆÿþ %Os sete saberes necessários à educação do futuro%A_NQ%0NaN_V[N
Trad%0N_Y\`.YOR_a\:RQRV_\`%?V\QR7N[RV_\'GNUN_#ÿýýą% 2YR\[\_N3%QN@VYcNR7RN[[R@NdNfN%ÿ%RQ%@Â\=NbY\'0\_aRg(/_N`ÉYVN'B[R`P\#ÿýýý%
H?RcV`Â\AÅP[VPN'2QTN_QQR.``V`0N_cNYU\J%
5.?C2F#1NcVQ%Condição pós-moderna – uma pesquisa sobre as origens da mudança
cultural%A_NQ%.QNVY@\O_NYR:N_VN4\[ÄNYcR`%@Â\=NbY\'2QVÄÒR`9\f\YN#þĆąĆ% <96C26?.#?\ZbNYQ\=\_aRYNQR%.a_N[`S\_ZNÄÂ\QNRQbPNÄÂ\RZZR_PNQ\_VN[\/_N`VY
– Revista Educação e Sociedade%c%Āý%[%þýą%0NZ]V[N`#@='\ba%ÿýýĆ%
5</@/.D;#2_VP%O novo séculoR[a_RcV`aNN.[aÐ[V\=\YVa\ %@Â\=NbY\'0VN%QN`9Ra-
_N`#ÿýýý% @.;A<@#:VYa\[%Por uma outra globalização – do pensamento único à consciência uni-
versal%?V\QR7N[RV_\'?RP\_Q#ÿýýý%
96=<C2A@8F#4VYYR`%A era do vazio – ensaios sobre o individualismo contemporâneo%
A_NQ%AUR_RgV[UN:\[aRV_\1Rba`PU%@Â\=NbY\':N[\YR#ÿýýĂ% @6::29#4R\_TR%9N:\QN%In'LLLLL%Sobre La Aventura2[`Nf\`3VY\`ÎSVP\`%/N_PR-
Y\[N'=R[É[`bYN#þĆąą%
188 22º MóduloXDisciplina 3: Estrutura social e mudanças sociaisX5ª Aula: Educação e mudança social no mundo contemporâneo