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DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA

E INTEGRAÇÃO JURÍDICA
NA AMÉRICA DO SUL
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EDITORES
João de Almeida
João Luiz da Silva Almeida

CONSELHO EDITORIAL

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ARMIN VON BOGDANDY
FLAVIA PIOVESAN
MARIELA MORALES ANTONIAZZI
Coordenadores

DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA


E INTEGRAÇÃO JURÍDICA
NA AMÉRICA DO SUL

EDITORA LUMEN JURIS


Rio de Janeiro
2010
Copyright © 2010 by Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Direitos Humanos

PRODUÇÃO EDITORIAL
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA.


não se responsabiliza pelas opiniões
emitidas nesta obra.

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer


meio ou processo, inclusive quanto às características
gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais
constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei no 6.895,
de 17/12/1980), sujeitando-se a busca e apreensão e
indenizações diversas (Lei no 9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados à


Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Relação dos Autores

Alberto Dalla Ricardo Vía, Presidente da Asociación Argentina de Derecho Constitu-


cional. Presidente da Asociación Argentina de Derecho Comparado. Professor Titular
de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidad de Buenos Aires.
Allan R. Brewer-CCarías, Advogado e Doutor em Direito, summa cum laude pela
Universidad Central de Venezuela. Professor da Universidad Central de Venezuela, da
Universidad de Cambridge (Inglaterra), onde foi Fellow do Trinity College, e das
Universidades de Rosario e Externado de Colombia em Bogotá. Professor
Adjunto na Universidade de Paris II e na Columbia Law School (Nova York).
Vice-presidente da Academia Internacional de Direito Comparado (Haya),
e Membro da Academia de Ciências Políticas e Sociales de Venezuela, da qual foi
Presidente.
Andrea Ribeiro Hoffmann, Professora Assistente do Instituto de Relações Internacionais,
Universidade Católica do Rio de Janeiro (em licença); Guest Teacher, Departamento
de Relações Internacionais, London School of Economics.
Armin von Bogdandy, Diretor do Max Planck Institute for Comparative
Public Law and International Law (Heidelberg) e Professor de Direito Público na
Goethe-Universität (Frankfurt/Main). É Presidente do OECD Nuclear Energy
Tribunal. Foi membro do German Science Council (Wissenschaftsrat). Em 2008
recebeu o prêmio Berlin-Brandenburgian Academy of Sciences
Prize. Membro do Scientific Committee of the European Union Agency for
Fundamental Rights (2008-2013). Foi Global Law Professor na New York University
School of Law em 2005 e 2009.
Asdrúbal Aguiar, Doutor em Direito Summa cum Laud. Catedrático Titular da
Universidad Católica Andrés Bello (Venezuela). Professor Visitante das Universidades
del Salvador e de Buenos Aires (Argentina). Acadêmico correspondiente das
Academias Nacionales de Ciencias Morales y Políticas y de Derecho y Ciencias Sociales
de Buenos Aires. Membro Associado da Academia Internacional de Direito
Comparado de Haya.
Carlos Fernández de Casadevante Romani, Catedrático de Derecho Internacional Público
y Relaciones Internacionales; Catedrático Jean Monnet en Derecho de la Unión
Europea na Universidad Rey Juan Carlos (Madrid).
Christof Heyns, Professor de Direitos Humanos e Diretor do Centro de Direitos Humanos
da Universidade de Pretória; diretor da Faculdade de Direito da Universidade de
Pretória.

v
Dieter Nohlen, Doutor em Ciências Políticas da Universidade de Heildelberg e Professor
titular emérito da mesma Universidade. Especialista em instituições políticas, temas
eleitorais e justiça constitucional. Recebeu o Prêmio Max Planck de Investigação
(1990), o Prêmio Livro do Ano (1995), Prêmio de Investigação sobre Espanha e
América Latina (2000) e Diploma honoris causa de Administração Eleitoral pela
Universidade Panthéon Paris II (2005).
Enzamaria Tramontana, Doutoranda em Direito Internacional e da União Européia na
Universidade de Roma “La Sapienza” e membro do Comitê de Redação da Revista
“Diritti umani e diritto internazionale”
Fabiana de Oliveira Godinho, LL.M. com ênfase em Direito Internacional Público na
Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg. Professora da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais e do Centro Universitário UNA (2004-2006, Belo Horizonte).
Doutoranda da Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg. Pesquisadora do Max Planck
Institute for Comparative Public Law and International Law (Heidelberg).
Flávia Piovesan, Professora doutora em Direito Constitucional e Direitos Humanos da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professora de Direitos Humanos dos
Programas de Pós Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná e da Universidade Pablo de Olavide
(Sevilha, Espanha); visiting fellow do Human Rights Program da Harvard Law School
(1995 e 2000), visiting fellow do Centre for Brazilian Studies da University of Oxford
(2005), visiting fellow do Max Planck Institute (Heidelberg, 2007-2008), sendo
atualmente Humboldt Foundation Georg Forster Research Fellow no Max Planck
Institute (Heidelberg – 2009-2011).
Friedrich Müller, foi professor catedrático de Direito Constitucional, Direito
Administrativo, Direito Canônico, Filosofia do Direito e Teoria Geral do Estado na
Faculdade de Direito da Universidade de Heidelberg, sendo professor emérito desta
Universidade.
Gonzalo Aguilar Cavallo, Professor de Direito Internacional Público e Direitos Humanos
da Universidad de Talca, Doutor em Direito, MA em Relações Internacionais, LLM em
Direitos Humanos e Direito Humanitário.
Humberto Nogueira Alcalá, Doutor em Direito pela Universidad Católica de Lovaina la
Nueva, Bélgica. Professor Titular de Direito Constitucional, Diretor Executivo do
Centro de Estudos Constitucionales de Chile da Universidad de Talca e do Magistério
de Direito Constitucional da mesma Universidade, Campus Santiago. Presidente da
Asociación Chilena de Derecho Constitucional. Vice-presidente do Instituto
Iberoamericano de Derecho Procesal Constitucional. Membro Associado da Academia
Internacional de Direito Comparado.
Ingo Wolfgang Sarlet, Doutor e Pós-Doutor pela Universidade de Munique, Alemanha.
Professor Titular de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Juiz de Direito e Professor da Escola

vi
Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul. Professor Visitante da Universidade
Pablo de Olavide (Sevilha) e da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa). Bolsista e
Pesquisador Visitante do Instituto Max-Planck de Direito Social Estrangeiro e
Internacional (Munique) e visiting researcher nas Faculdades de Direito da
Universidade de Georgetown e Harvard.
Jesús M. Casal H, Advogado summa cum laude da Universidad Católica Andrés Bello,
Caracas, Venezuela. Doutor em Direito, menção honorífica da Universidad
Complutense de Madrid. Especialista em Direito Administrativo pela Universidad
Central de Venezuela, Caracas, Diretor da Faculdade de Direito da Universidad
Católica Andrés Bello, Caracas e Professor de Direito Constitucional. Membro da
Comissão Andina de Juristas. Presidente da Associación Venezolana de Derecho
Constitucional.
Jorge Carpizo, Investigador emérito da Universidade Nacional Autónoma de México, da
qual foi Reitor, adstrito ao Instituto de Investigaciones Jurídicas, do qual foi Diretor.
Presidente do Instituto Iberoamericano de Derecho Constitucional.
Juan Ignacio Ugartemendia Eceizabarrena, Professor Titular de Direito Constitucional de
la Universidad del País Vasco UPV/EHU.
Magnus Killander, Pesquisador do Centro de Direitos Humanos, Universidade Pretória.
Manuel José Cepeda, Advogado magna cum laude pela Universidad de los Andes. Master
of Laws, Harvard Law School. Presidente da Corte Constitucional de Colômbia (2005-
2006). Magistrado da Corte Constitucional de Colômbia (2001-2009). Ex-Diretor da
Faculdade de Direito – Universidad de los Andes. Conselheiro Presidencial para a
Assembléia Constituinte. Embaixador de Colômbia junto à UNESCO (1993-1995) e,
posteriormente, junto à Confederação Helvética (1995-1996). Professor de Direito
Constitucional da Universidad de los Andes.
Marcelo Figueiredo, Diretor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, onde é também seu professor nos cursos de graduação e pós-graduação.
Presidente e Fundador da ABCD – Associação Brasileira de Constitucionalistas Demo-
cratas e membro do Executive-Committee da International Association of
Constitutional Law.
Marcelo Neves, Doutor em Direito pela Universidade de Bremen (Alemanha). Pós
Doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Frankfurt (Alemanha) e na
London School of Economics and Political Science (Inglaterra). Professor convidado
das Faculdades de Direito das Universidades de Freiburg, Suíça, Flensburg, Frankfurt
e da Fundação Getúlio Vargas. Professor de Teoria do Estado da Universidade de São
Paulo e de Teoria do Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e do
Instituto Brasiliense de Direito Público. Membro do Conselho Nacional de Justiça.
Mariela Morales Antoniazzi, Advogada summa cum laude da Universidad Católica Andrés
Bello de Caracas-Venezuela (UCAB). Magíster Legum (LL.M) pela Universidade de
Heidelberg-Alemanha, Referentin para Suramérica do Max Planck Institute for

vii
Comparative Public Law and International Law (Heidelberg). Professora do Programa
de Pós Graduação de Direito Constitucional de la UCAB. Coordenadora acadêmica do
Projeto de Constitucionalização da ordem jurídica, Universidad de Bonn, Alemanha-
Universidad de los Andes, Colombia. Membro da Asociación de Derecho
Constitucional de Venezuela.
Mario Fernández Baeza, Ministro do Tribunal Constitucional do Chile, Professor de
Direito Constitucional na Universidad de Chile e de Ciência Política e Comunicações
na Universidad Católica de Chile, Dr. Phil. e MA pela Universidade de Heidelberg,
Advogado da Universidad de Chile.
Rainer Grote, Advogado e Doutor em Direito pela Universidad de Göttingen. Master of
Laws Universidad de Edimburgo/Escócia. Professor das Universidades de Paris II, Koc
Law School-Estambul, Bilkent-Ankara. Investigador no Max Planck Institute for
Comparative Public Law and International Law (Heidelberg). Coordenador do
Heidelberg Center para América Latina, Santiago de Chile Membro da Associação
Alemã de Direito Público, de Direito Internacional e de Direito Comparado.
Membro da Associação francesa de Direito Internacional.
Rodolfo Arango Rivadeneira, Doutor em Filosofia do Direito e Direito Constitucional por
la Universidad de Kiel (Alemanha). Mestrado em Filosofia por la Universidad Nacional
de Colombia e advogado da Universidad de los Andes. Ex-Magistrado Auxiliar da
Corte Constitucional; professor assistente da Faculdade de Direito, Ciências Políticas e
Sociais da Universidad Nacional de Colômbia. Professor Associado e Diretor do
Programa de Mestrado em Filosofia da Universidad de los Andes, Bogotá.
Virgilio Afonso da Silva, professor titular de Direito Constitucional e Direitos
Fundamentais da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Mestre em
Direito pela Universidade de São Paulo, Doutor em Direito pela Universidade de Kiel
(Alemanha) e Livre-docente em Direito Constitucional na Universidade de São Paulo.

viii
Sumário

Direitos Humanos, Democracia e Integração Jurídica na América do Sul............... xiii

Parte I
Promoção da Democracia e o Direito Regional e Subregional

El Contenido Material de la Democracia: Tendencias Actuales del Constituciona-


lismo Latinoamericano.......................................................................................... 3
Jorge Carpizo

La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados ............................................. 29


Asdrúbal Aguiar

Democracia, Estado de Direito e Desenvolvimento .................................................. 89


Rainer Grote

A Democracia em Face da Exclusão Social................................................................. 111


Friedrich Müller

La Cláusula de la Sociedad Democrática y la Restricción de Derechos Humanos en


el Sistema Interamericano .................................................................................... 131
Jesús M. Casal H

Promovendo a Democracia no Mercosul: Desafios Teóricos, Institucionais e Políticos... 155


Andrea Ribeiro Hoffmann

La Cláusula Democrática y el Parlamento del Mercosur. Contextualización de su


Alcance y Dimensionalidad .................................................................................. 171
Mariela Morales Antoniazzi

Estado Democrático de Direito e Constitucionalismo na América do Sul ............... 203


Marcelo Neves

Parte II
Sistemas Regionais e Parâmetros Supranacionais
de Proteção dos Direitos Humanos

La Política de Minorías de la Unión Europea: una Contribución a la Teoría Jurídi-


ca de la Gobernanza Supraestatal ......................................................................... 225
Armin von Bogdandy

ix
La Protección de los Derechos Humanos y la Prohibición de la Tortura en Europa
y América: Un Análisis Comparado..................................................................... 245
Carlos Fernández de Casadevante Romani

La Drittwirkung de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea.................. 265


Juan Ignacio Ugartemendia Eceizabarrena

Diversidade Cultural no Direito Internacional em um Horizonte de Justiça Inter-


nacional.................................................................................................................. 283
Fabiana de Oliveira Godinho

O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos.................................................. 299


Christof Heyns e Magnus Killander

Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: Impacto, Desafios e


Perspectivas à Luz da Experiência Latino-Americana ........................................ 335
Flávia Piovesan

Dignidad Humana y Protección de los Derechos Económicos Sociales y Culturales


en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos: el
Nuevo Concepto del Derecho a una Vida Digna ................................................ 357
Enzamaria Tramontana

Los Derechos Sociales en Iberoamérica: Estado de la Cuestión y Perspectivas de


Futuro..................................................................................................................... 379
Rodolfo Arango Rivadeneira

Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos.. 397


Gonzalo Aguilar Cavallo

Parte III
O papel dos Tribunais Constitucionais nacionais

Jurisdicción Constitucional y Consolidación de la Democracia ............................... 439


Dieter Nohlen

La Abritrariedad Procesal en el Estado de Derecho: El Debido Proceso ante la


Juridicidad y Práctica de las Constituciones........................................................ 461
Mario Fernández Baeza

El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y


América Latina ...................................................................................................... 477
Humberto Nogueira Alcalá

x
Integração e Diálogo Constitucional na América do Sul........................................... 515
Virgílio Afonso da Silva

A Assim Designada Proibição de Retrocesso Social e a Construção de um Direito


Constitucional Comum Latino-Americano ......................................................... 531
Ingo Wolfgang Sarlet

La Protección de los Derechos Humanos en Argentina............................................ 565


Alberto Ricardo Dalla Vía

La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana.................. 581


Manuel José Cepeda

Constitucionalismo Brasileiro: Avanços, Desafios e Perspectivas............................. 629


Marcelo Figueiredo

La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de América Latina y la Corte


Interamericana de Derechos Humanos, y la Cuestión de la inejecutabilidad de
sus Decisiones en Venezuela ................................................................................ 661
Allan R. Brewer-Carías

xi
Direitos Humanos, Democracia e
Integração Jurídica na América do Sul

O objetivo maior desta obra é enfocar os direitos humanos e a democracia como


elementos essenciais do processo de integração jurídica na América do Sul e da grada-
tiva pavimentação de um Direito regional sul-americano, sob a perspectiva compara-
da envolvendo as experiências européia e sul-americana.
Em que medida o Direito regional e sub-regional tem sido capaz de promover a
democracia? Quais são os desafios teóricos e práticos da incorporação da cláusula
democrática no contexto sul-americano? Qual tem sido o impacto dos sistemas regio-
nais de proteção de direitos humanos e de seus parâmetros protetivos mínimos? Como
compreender a democracia e os direitos humanos como pilares da integração jurídica
sul-americana? Qual é o alcance dos empréstimos constitucionais e do diálogo entre
as jurisdições constitucionais e supra-nacionais? Qual tem sido o papel dos Tribunais
constitucionais na consolidação dos direitos humanos e da democracia na região?
São estas as questões centrais que inspiram este livro, que tem por referência
simpósio internacional realizado no Max Planck Institute for Comparative Public Law
and International Law (Heidelberg), em novembro de 2008, reunindo dezenas de pro-
fessores e pesquisadores da América do Sul e da Europa. A partir de um diálogo aca-
dêmico aberto e plural, este seminário internacional foi um espaço privilegiado para
compartilhar experiências, êxitos, dificuldades, desafios e perspectivas a respeito do
impacto dos direitos humanos e da democracia no processo de integração jurídica na
América do Sul, considerando a contribuição do Direito regional europeu.
Estruturada em três partes, a primeira parte da obra dedica-se ao estudo da pro-
moção de democracia mediante o Direito Regional e Sub-regional. Já a segunda parte
tem como foco a análise dos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos e o
impacto de seus parâmetros protetivos mínimos. Por fim, a terceira parte avalia o
papel dos Tribunais constitucionais nacionais na consolidação da democracia e na pro-
teção dos direitos humanos.
A diversidade de enfoques de cada artigo, por si só, revela a riqueza, complexi-
dade e atualidade do tema, a merecer crescente destaque na agenda sul-americana.
Se, no período sombrio dos regimes autoritários que marcaram a região no pas-
sado, ditaduras e graves violações a direitos humanos eram componentes a impulsio-
nar a cooperação regional sul-americana, com a transição democrática, a integração
jurídica demanda respeito aos direitos humanos, ao Estado de Direito e ao regime
democrático como elementos essenciais da integração jurídica sul-americana.

xiii
É sob esta perspectiva que esta obra ambiciona oferecer uma contribuição quali-
ficada ao debate público, em prol da densificação dos valores da democracia e dos
direitos humanos como pressuposto, condição e requisito à construção de um Direito
Regional Sul-Americano.

Heidelberg, junho de 2009.


Os coordenadores

xiv
PARTE I
PROMOÇÃO DA DEMOCRACIA
E O DIREITO REGIONAL E SUBREGIONAL
El Contenido Material de la Democracia: Tendencias
Actuales del Constitucionalismo Latinoamericano
Jorge Carpizo1

Sumarioo: I. Introducción II. Contenido material de la democracia III. Propuesta de cinco claves IV. Algunos de los
principales retos de la democracia en América Latina V. Tres décadas de nuevas tendencias constitucionales
VI. Algunos aspectos actuales de la democracia latinoamericana.

I. Introducción

La amable invitación que se me hizo para participar en esta obra colectiva con
una contribución sobre las tendencias actuales del constitucionalismo latinoamerica-
no, me impulsa a ponderar de nuevo sobre este importante aspecto, así como a exa-
minar los acontecimientos de los últimos años en nuestra región, que afectan directa-
mente el desarrollo de la democracia en los diversos países de nuestra América Latina,
ya sea para bien o para mal.
La exposición, realizada en este trabajo, es de carácter general; otorga una visión
panorámica sobre la democracia y las nuevas tendencias en la parte latina del conti-
nente americano.
Divido el ensayo en cuatro grandes apartados, a saber: 1. Un repaso breve del
contenido material de la democracia; persigo que esos elementos fundamenten una
propuesta para valorar la democracia en América Latina. 2. La exposición de algunos
de los principales retos de la democracia en la región. 3. Un repaso sintético a las prin-
cipales tendencias constitucionales en Latinoamérica en las tres últimas décadas:
1978-2008, y 4. Una reflexión sobre algunos de los nuevos aspectos de nuestras demo-
cracias, con sus claroscuros; es decir, con sus aspectos positivos y los preocupantes.

II. Contenido material de la democracia

1. La democracia es fenómeno dinámico y expansivo. Las sociedades actuales se


desarrollan a velocidad nunca antes vista, los avances científicos y tecnológicos bene-
fician grandemente y presentan nuevos peligros a las libertades. Problemas que real-
mente no lo eran unas cuantas décadas o años atrás, ahora hay que enfrentarlos y
resolverlos, cuidando el respeto a los derechos de las personas. Los sistemas democrá-

1 Investigador emérito de la Universidad Nacional Autónoma de México, de la cual fue Rector, adscrito al
Instituto de Investigaciones Jurídicas donde se desempeñó como su Director. Presidente del Instituto
Iberoamericano de Derecho Constitucional.

3
Jorge Carpizo

ticos, para hacer frente a nuevas realidades, tienen que legislar y precisar cuestiones
novedosas, o que no presentaban mayores dificultades con anterioridad, pero que se
convirtieron en peligros potenciales para la propia democracia y las libertades de las
personas.
Los derechos humanos poseen fuerza expansiva, la democracia goza de esa
misma característica y es natural, porque no puede existir democracia donde no se
respeten los derechos humanos, y éstos realmente sólo se encuentran salvaguardados
y protegidos en un sistema democrático. Así como el artículo 16 de la Declaración de
los Derechos del Hombre y del Ciudadano de 1789 afirmó que “Toda sociedad en la
cual la garantía de los derechos no esté asegurada, ni determinada la separación de
poderes, carece de Constitución”, exactamente lo mismo se puede repetir, sustituyen-
do el concepto de Constitución por el de democracia; al final de cuentas los concep-
tos de Constitución, orden jurídico, democracia y Estado de Derecho se imbrican y se
encuentran estrechamente relacionados entre sí, en virtud de que una Constitución y
un Estado de Derecho que no son democráticos no son tales, sino instrumentos de
opresión.
2. Se puede definir a la democracia como el sistema en el cual los gobernantes son
electos periódicamente por los electores; el poder se encuentra distribuido entre varios
órganos con competencias propias y con equilibrios y controles entre ellos, así como
responsabilidades señaladas en la Constitución con el objeto de asegurar los derechos
fundamentales que la propia Constitución reconoce directa o indirectamente.2
En la definición se encuentran los elementos básicos, o núcleo duro, que consti-
tuyen una democracia. No obstante, existen otros y los primeros están estrechamen-
te relacionados con los segundos. En una explicación de los alcances del sistema
democrático debe hacerse referencia a los más de ambos, y es a lo que me avoco.
3. Orden jurídico, Constitución y Estado de Derecho se dan en una democracia,
o no son realmente tales.
La democracia presupone un orden jurídico, una Constitución y un Estado de
Derecho que garanticen las libertades y los derechos fundamentales de las personas.
4. El sufragio universal significa que no puede haber exclusiones en el derecho
de voto por razones de sexo, raza, religión, educación o renta. Las exclusiones se refie-
ren fundamentalmente a menores de edad e incapacitados mentales.
5. El voto debe ser libre y secreto, sin coacción alguna. Las elecciones deben ser
imparciales, objetivas y equitativas. En este aspecto se incluyen temas como la finan-
ciación de las elecciones, gastos máximos, topes a las contribuciones privadas, equidad
en los tiempos disponibles en los medios electrónicos de comunicación, prohibición
de prácticas desleales de autoridades, partidos políticos y candidatos.

2 Carpizo, Jorge, Concepto de democracia y sistema de gobierno en América Latina, México, UNAM-
Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2007; p. 100.

4
El Contenido Material de la Democracia: Tendencias Actuales del Constitucionalismo Latinoamericano

6. Las elecciones deben realizarse periódicamente, en los plazos que señala la


Constitución o la ley. Nadie debe perpetuarse en el poder; la alternancia se encuentra
en la esencia de la propia democracia.
7. La democracia actual es de partidos políticos que son organizaciones de inte-
rés público para principalmente agrupar individuos y colaborar en el proceso de las
elecciones, seleccionando candidatos, precisando un programa electoral y organizan-
do o auxiliando a sus candidatos en la campaña electoral, así como asumiendo labores
de educación cívica.
La democracia no es concebible con la existencia de un solo partido político o de
varios, pero en donde únicamente uno tiene posibilidades de obtener el triunfo elec-
toral.
8. La minoría o minorías políticas tienen que ser protegidas, son la garantía míni-
ma para la existencia de elecciones periódicas, que los ciudadanos tengan la posibili-
dad de decidir si se convierten en mayoría gobernante, y que los dirigentes realicen
el esfuerzo de cumplir con sus promesas electorales, si no ellos o sus partidos pueden
ser castigados por los electores en la siguiente elección. Las minorías políticas se con-
vierten en el verdadero control del poder cuando el gobierno cuenta con mayoría en
el órgano legislativo.
9. Elegimos representantes o gobernantes para que integren transitoriamente los
órganos del Estado que crea la Constitución y ejerzan las facultades que la misma les
otorga, siendo la más importante, la esencial, la defensa y protección de los derechos
fundamentales que la propia Constitución garantiza, y los reconocidos por el Estado
en los tratados, convenios y pactos internacionales que ha suscrito.
10. Entre los derechos humanos, hay dos que se encuentran en el nacimiento y
la base del sistema democrático: la igualdad y la libertad. Se ha especulado cuál de los
dos derechos es más importante y cuál fue primero en la concepción democrática; con
esa finalidad se suele citar a clásicos griegos. Considero que los dos son igualmente
importantes y son gemelos y convergentes, porque bien entendida la democracia, uno
no puede subsistir sin el otro.
11. La protección de los derechos de las minorías étnicas, religiosas y sexuales y,
en general, en contra de cualquier discriminación, ya sea por razones de género, con-
diciones de salud, ideológicas o de capacidades diferentes.
12. Cada día existe mayor consenso en que la democracia implica necesariamente cali-
dad de vida. Es lo que se denomina democracia social, justicia social o Estado de bienestar.
La democracia social impulsa una forma de desarrollo humano; éste, de acuerdo
con los informes del Programa de Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD), es “el
aumento de las opciones para que las personas puedan mejorar su vida”. Amartya Sen
afirma que desarrollo humano es el proceso de expansión de las libertades reales de
las cuales goza un pueblo.3

3 PNUD, La democracia en América Latina. Hacia una democracia de ciudadanos y ciudadanas, Buenos Aires,
Aguilar-Altea-Taurus-Alfaguara, 2004, pp. 16, 38 y 43.

5
Jorge Carpizo

13. Otra serie de características de la democracia se refieren a aspectos o cuestio-


nes de naturaleza política, diversos de los del voto. En la democracia el poder tiene
que estar distribuido entre varios órganos. Al contrario, en la autocracia, el poder
tiende a su concentración.
De lo anterior surge uno de los grandes temas del constitucionalismo: el control
del poder para que no se extralimite en sus competencias constitucionales. Controlar
al poder es un acto de poder. Diego Valadés lo explica con gran claridad: no es posi-
ble controlar al poder desde fuera de él, ni sin poder o en contra suya. Controlar al
poder es una manifestación de poder; sus instrumentos son parte del poder y necesa-
riamente tienen que ser de naturaleza bidireccional, si no, el control del poder cons-
tituiría a uno de los órganos en poder sin control y así tendería a convertirse -lo que
hay que eludir- en poder único, sin contrapeso y, en consecuencia, arbitrario.
El control del poder únicamente existe en un sistema democrático constitucio-
nal, o sea, dentro de un régimen representativo.4
14. El control del poder está estrechamente relacionado con la idea de que todo
funcionario público es responsable de sus actos, ya que siempre debe actuar dentro del
marco constitucional y legal.
En un sistema democrático, la responsabilidad debe abarcar no sólo a los funcio-
narios públicos. Toda persona poderosa, ya se trate de empresarios, dirigentes sindi-
cales, religiosos o comunicadores, deben estar obligados a rendir cuenta de sus actos.
La irresponsabilidad rompe con la idea misma de la igualdad de todos ante la ley. La
impunidad destruye la confianza social en el propio sistema.
15. La democracia es sinónimo de laicismo, debido a que es contraria al fanatis-
mo, al dogmatismo, a la superstición, al pensamiento único y a los valores absolutos
que son inaccesibles a la razón humana.
Por el contrario, democracia es sinónimo de tolerancia, del derecho a pensar dis-
tinto, del examen de todas las doctrinas, de que éstas son iguales y deben tener la posi-
bilidad de persuadir el intelecto y la voluntad humanos. La democracia es pluralismo
y derecho a disentir.
En cambio, la autocracia puede ser cristiana, islámica, hinduista o budista. La
democracia es laica o no es democracia.5
16. La democracia es diálogo, discusión y negociación política. El disenso políti-
co implica que se está en contra de los gobernantes, no en contra de la forma de
gobierno, lo cual es la base misma de la oposición.
La democracia se fundamenta en el derecho, no en el temor.
En la democracia el continuo debate político se convierte en condición para la
supervivencia de las instituciones libres.6

4 Valadés, Diego, El control del poder, México, UNAM-Instituto de Investigaciones Jurídicas, 1998, pp. 52 y 53.
5 Bovero, Michelangelo, Una gramática de la democracia contra el gobierno de los peores, Madrid, Trotta, 2002,
pp. 47 y 48; Kelsen, Hans, Esencia y valor de la democracia, México, Editora Nacional, 1980, pp. 156 y 157.
6 Vergottini, Giuseppe de, Derecho constitucional comparado, México, UNAM y Segretariato Europeo per le
Pubblicazioni Scientifiche, 2004, p. 279.

6
El Contenido Material de la Democracia: Tendencias Actuales del Constitucionalismo Latinoamericano

17. En la democracia existe publicidad de los actos de los gobernantes, en con-


traste con la secrecía de la autocracia.
La democracia implica transparencia en la información, medios de comunica-
ción libres, responsables y comprometidos con la verdad.
18. La democracia se defiende con la fuerza del derecho y con sus propias forta-
lezas: diálogo, negociación y concertación.
La fuerza armada es recurso último de defensa de la democracia, cuando han fra-
casado todos los otros medios y no queda otra posibilidad que su utilización para sal-
vaguardar a la propia democracia, a la Constitución y al orden jurídico libremente
auto-otorgado por la mayoría de los ciudadanos. El uso de la fuerza armada debe ser
únicamente la necesaria para la resolución del problema, o sea, proporcional a la solu-
ción, y de acuerdo con los mandatos del orden jurídico. Actos ilícitos o extralegales
para defender a la democracia no son admisibles. La fuerza de la democracia es la
Constitución y el orden jurídico.
19. La democracia implica la existencia de una moral pública, basada en valores
laicos, como son el respeto a la dignidad del otro, la verdad, la honestidad, el ánimo
de servicio público.
20. Pues bien, si examinamos mi definición de democracia con cuidado, se puede
constatar que todas las características principales que he señalado y que circunscriben
a la democracia de nuestros días, se encuentran contenidas explícita o implícitamen-
te en la misma.
Así, la democracia se edifica y preserva con reglas, éstas sólo pueden encontrar-
se en el orden jurídico, libremente construido por los representantes de los ciudada-
nos o por éstos mismos dentro de los cauces que señala la Constitución.
Reitero que las mencionadas características se encuentran incluidas en mi defi-
nición, en virtud de que éstas se imbrican para construir el edificio de la democracia
en un determinado país. Si falta una de ellas, el edificio estará mal cimentado y corre
el peligro de desmoronarse.
Cuestión diferente es que cada característica adopte diversas modalidades, de
acuerdo con tiempo, lugar y singularidades de la nación.
21. El ejercicio que he realizado de resaltar las características del sistema demo-
crático ha sido efectuado con anterioridad, aunque con diversas perspectivas y enfo-
ques, por varios autores, entre ellos Alf Ross7 y Robert A. Dahl.8 Mi ejercicio, si algún
mérito puede tener, es que trato de ser omnicomprensivo, más amplio y adecuado, a
nuestros días. Estoy convencido de que la fuerza expansiva de la democracia prosegui-
rá y, entonces, también mi ejercicio comenzará a ser incompleto.

7 Ross, Alf, ¿Por qué democracia?, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1989, pp. 140 y 141.
8 Dahl, Robert A., Polyarchy. Participation and Opposition, New Haven, Yale University Press, 1971, pp. 2-4.

7
Jorge Carpizo

III. Propuesta de cinco claves

El repaso realizado al contenido material de la democracia conlleva la preocupa-


ción de que los constitucionalistas y científicos sociales de América Latina, al analizar
si un sistema es democrático o no, o en qué grado lo es, o lo puede ser, nos alejemos de
consideraciones ideológicas, de fobias y filias, para no incurrir en errores del pasado.
Por ejemplo, me refiero a todos aquellos demócratas latinoamericanos que defen-
dieron, a capa y espada, los regímenes de Stalin y Mao-Tse-Tung, a pesar de que era
obvio que en los mismos no existía respeto alguno para los derechos humanos y que no
había oposición política, debido a que los opositores reposaban en los cementerios.
Algunos estudiosos expusieron argumentos a favor de esos regímenes incluso hasta los
días postreros de aquéllos y, sin embargo, el sol no podía ocultarse con un dedo.
Encuentro que, por diversas causas que no es el caso comentar, la discusión
actualmente sobre la democracia en América Latina se haya altamente ideologizada,
con un sentido maniqueo. Dicha discusión a menudo levanta una cortina de humo
sobre las realidades políticas que impiden un examen objetivo de éstas.
Estoy de acuerdo que es difícil ser objetivo en temas que implican diversas con-
cepciones de la existencia y de lo que ésta debe ser. No obstante, el científico social,
para ser realmente tal, debe buscar la objetividad y ayudar con sus análisis a contem-
plar la realidad sin distorsiones, analizar los problemas y plantear soluciones a los mis-
mos y, en este tema de la democracia, diseñar propuestas para que todos los países de
la región puedan gozar de democracias materiales con todo lo que ellas implican.
Para dicho análisis propongo cinco claves en relación con las democracias en
América Latina:
Una de carácter formal, que consiste en la celebración de elecciones libres, obje-
tivas, equitativas y periódicas.
Tres de carácter material, a saber:
a) El respeto y protección de los derechos humanos, primordialmente de los
de carácter civil y político;
b) el papel que juega la oposición, y
c) la desconcentración del poder y el equilibrio entre los órganos de éste, y
Una última de carácter social, que se refiere a la calidad de vida de los habitan-
tes, tomando en cuenta satisfactores tales como alimentación, educación, protección
a la salud, trabajo, vivienda y esparcimiento.
Soy consciente de que esta clave social bien puede quedar incluida en las de
carácter material, específicamente en el rubro de los derechos humanos. Sin embar-
go, la he apartado para darle valor propio y para así resaltar su importancia especial
en nuestra región, donde la pobreza y la desigualdad social son enormes y consti-
tuyen el reto más importante de nuestros días.
Ignoro si esta propuesta peque de ingenuidad, debido a que en estos asuntos es
muy difícil hacer a un lado los aspectos ideológicos y los intereses personales o de

8
El Contenido Material de la Democracia: Tendencias Actuales del Constitucionalismo Latinoamericano

grupo, pero hay que intentarlo, con dos finalidades: la primera, de carácter científico:
conocer la realidad con veracidad y, la segunda que es la más importante, percatán-
dose de las debilidades del sistema, exponerlas con ánimo constructivo para colaborar
a superarlas con los instrumentos que nos son propios, los académicos.

IV. Algunos de los principales retos de la democracia en América


Latina

1. Me refiero ahora a algunos aspectos de la democracia en América Latina.


Pareciera que tanto la democracia como los gobiernos autoritarios en nuestra
región responden a ciclos u olas que abarcan a la mayoría de los países. Hay épocas en
que proliferan los gobiernos militares, los dictadores y las autocracias en general;
otras, en que prevalece cuando menos la democracia electoral. Es probable que en
estos ciclos influyan factores políticos y económicos externos, tales como guerras
mundiales, guerra fría, caída de los precios de los principales productos -materias pri-
mas- en la región, intervenciones armadas de potencias, apoyos externos a los autó-
cratas, golpes de Estado auspiciados o, al menos, con la simpatía de Estados Unidos. A
lo anterior, se unen inquietudes internas resultado de la miseria de amplios sectores
sociales y la desigualdad social insultante, amén de factores como, entre otros, efecto
dominó o mal ejemplo, solidaridad y apoyos mutuos entre las autocracias, escasez de
divisas extranjeras, explosión demográfica, derroches económicos, falta de cultura
cívica y marcado desprecio por el Estado de Derecho. Además, no pueden descono-
cerse las peculiaridades de cada país de la región, ni que esos factores pesen más en
unos que en otros. Dichos factores externos e internos son aprovechados por personas
sedientas de poder.
Sea lo que fuere, estos ciclos son un hecho histórico que se puede constatar. A
partir del final de la segunda guerra mundial existió una ola democratizadora en la
región como consecuencia del triunfo de las potencias aliadas. Sin embargo, a princi-
pios de los años cincuenta, encontramos un ciclo de autocracia que incluyó a países
como Argentina, Venezuela, Guatemala, Colombia, Cuba, Paraguay y Perú.
A partir de la segunda mitad de los años cincuenta, algunos países regresaron a
la democracia; se produjeron varios movimientos de masas con idearios de contenido
social. No obstante, desde la revolución cubana en 1959, en diversos Estados triunfó
la doctrina de la seguridad nacional, lo cual implicó la intervención del ejército en la
política, como fue el caso de Perú, varios de los países de Centroamérica, Bolivia,
Argentina, Uruguay, Brasil, Chile y Ecuador, preservándose a lo largo de los años
setenta regímenes civiles no-dictatoriales en Colombia, Costa Rica, México y
Venezuela.
A finales de los años setenta paulatinamente comenzaron a restaurarse sistemas
constitucionales en República Dominicana, Perú, Ecuador, Argentina, Uruguay y
Honduras. Este proceso se aceleró a mediados de la década siguiente y a finales de ella,

9
Jorge Carpizo

en que casi todos los países del área calificaban como democracias electorales, ya que
los gobiernos eran resultado de elecciones competidas y generalmente objetivas y lim-
pias, aunque en algunos países se presentaron irregularidades de poca monta.9
Muchos de los problemas socioeconómicos han subsistido en casi toda la región, con
algunas excepciones como Chile, pero incluso en éste existe alto grado de pobreza y
desigualdad social, comparado con Europa occidental.
Las democracias electorales, en términos generales, han sido incapaces de
enfrentar con éxito la lucha contra esas dos grandes lacras: pobreza e insultante desi-
gualdad social, lo que aunado al desprestigio de los partidos políticos y de la clase polí-
tica, a la corrupción y a la impunidad, en varios países a finales del siglo XX y princi-
pios de este XXI, se presenta un nuevo ciclo, sobre todo en algunos países de América
del Sur que tiende a un hiperpresidencialismo, de lo cual me ocupo más adelante.
2. Un reto formidable para la democracia en los países de la región es su indife-
rencia, cuando no desprecio, por el Estado de Derecho. Todos quieren que se aplique
la ley al vecino pero no a él ni a su familia y amigos cercanos. Sintomático es que
Fernando Henrique Cardoso, distinguido sociólogo, quien en alguna época no consi-
deraba con acierto el valor del orden jurídico en la sociedad, y ex-presidente de Brasil,
manifiesta que una de las lacras de este continente latino se encuentra en que no se
acepta el Estado de Derecho ni la ley; afirmó que es una pelea que se tiene que dar.10
A Cardoso le asiste la razón.
En el Latinobarómetro 2008, en una escala de 1 a 10, ante pregunta concreta
sobre si considera que el Estado no logra que se cumpla ninguna ley, el promedio de
respuestas en la región fue de: 5.2. La escala máxima la ocupó Uruguay con 6.4 y la
mínima Paraguay con 4.4.11
El punto es: la democracia de América Latina, en la mayoría de los países, no está
consolidada. Preocupa que puedan ocurrir retrocesos incluso en el aspecto electoral,
después de que a partir de finales de la década de los ochenta, en general, los proce-
sos electorales han sido limpios.
3. Los Estados mínimos difícilmente podrán conservar las democracias electora-
les, si no se resuelven otros problemas ingentes, especialmente el de los derechos o la
justicia sociales. Para ello, es necesario contar con Estados fuertes. En América Latina,
en la época neoliberal, el Estado se ha debilitado y en muchos casos no posee los ins-
trumentos jurídicos y políticos que le permitan, por ejemplo, realizar una reforma fis-
cal con la finalidad de obtener recursos suficientes para programas sociales, para

9 Sánchez Agesta, Luis, La democracia en Hispanoamérica. Un balance histórico, Madrid, Rialp 1987, p. 17;
La Roche, Humberto J., “Veinticinco años de evolución en la organización política y constitucional de
Venezuela”, en Gil Valdivia, Gerardo y Chávez Tapia, Jorge A. (coords), en Evolución de la organización
político-constitucional en América Latina, México, UNAM-Instituto de Investigaciones Jurídicas, 1979,
vol. II, pp. 244 y 245.
10 Entrevista a Fernando Enrique Cardoso, en El País, 8 de octubre de 2006, suplemento dominical, p. 9.
11 Corporación Latinobarómetro, Informe 2008, Santiago de Chile, Corporación Latinobarómetro, 2008,
www.latinobarometro.org, p. 41.

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El Contenido Material de la Democracia: Tendencias Actuales del Constitucionalismo Latinoamericano

luchar contra la pobreza y para comenzar una paulatina distribución de la riqueza, así
como medidas que refuercen la protección de los derechos humanos y reformen de
raíz el sistema de impartición de justicia.
Hoy en día, por lo ya expuesto, la finalidad de la democracia en América Latina
debe ser alcanzar mayores niveles de bienestar para grandes sectores de la población,
pero también implica, entre otros aspectos: respeto a movimientos sociales, a deman-
das económicas y democráticas de los trabajadores industriales y agrarios en sus sindi-
catos, la producción y distribución de bienes de consumo popular, educación superior
pública con excelencia académica,12 lucha contra la impunidad y la corrupción.
También el Latinobarómetro 2008 reportó que los encuestados opinaron que las
actividades que deben estar mayoritariamente en manos del Estado son, en el orden
prioritario en que fueron señaladas: educación básica y primaria (86); salud (85); agua
potable (83); universidades (82); pensiones (82); servicios eléctricos (80); petróleo
(80); teléfonos (71) y financiamiento a partidos políticos (59).13
4. El PNUD recuerda que de 1980 a 2000, el promedio regional del PIB per cápi-
ta presentó un avance casi irrelevante, y que de 1998 a 2002 el número de habitantes
que se situaba por debajo de la línea de pobreza aumentó.14 Los datos sobre los nive-
les de desigualdad son increíbles y, en promedio, la reducción es casi imperceptible a
pesar del crecimiento del PIB en los últimos años: 2.1 en 2003; 6.1 en 2004; 4.8 en
2005; 5.6 en 2006, 5.7 en 2007 y aproximadamente 4.5 en 2008. En 2007 la tasa de
ocupación tuvo un 2.5% de aumento acumulado respecto a 2002. En el mismo año
alrededor del 35% de la población se encontraba en situación de pobreza (190 millo-
nes) y un 12.7 en pobreza extrema.
En estos aspectos, en la región latinoamericana, con algunas excepciones, no se
avanza, lo cual es más que preocupante: pone en peligro a la democracia como estilo
de vida y resta apoyos sociales que le son indispensables para sobrevivir, fortalecerse
y hacer frente a sus antiguos y nuevos enemigos.
5. Otro aspecto preocupante de la democracia en América Latina es el problema
de la corrupción, que todo corroe y contamina. El Latinobarómetro 2002 muestra que
la percepción de la sociedad es que la corrupción aumenta año con año. En 2002, la
respuesta a la correspondiente pregunta fue afirmativa en el 86%. Al respecto acerta-
damente se comenta que: “En los años anteriores, los valores oscilaban entre el 80 y
90%. Respecto a ninguna pregunta hay mayor consenso en América Latina. Es una
sensación generalizada, es decir que ella no se confirma por un conocimiento concre-
to de actos de corrupción. Sólo menos de un tercio de los entrevistados dice que ha

12 González Casanova, Pablo, “La crisis del Estado y la lucha por la democracia en América Latina (problemas
y perspectivas)”, en González Casanova, Pablo y Roitman Rosenmann, Marcos (coords.), La democracia en
América Latina. Actualidad y perspectivas, México, UNAM-La Jornada Ediciones, 1995, pp. 34 y 35.
13 Corporación Latinobarómetro, obra citada, nota 10, p. 38.
14 PNUD, obra citada, nota 3, pp. 39-41.

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Jorge Carpizo

sabido, personalmente, de un acto de corrupción. Vale añadir que la gente cree que
más de un tercio de los funcionarios públicos son corruptos”.
En el Latinobarómetro 2005, los entrevistados en la región consideraron que, en
promedio, el 68% de los funcionarios públicos son corruptos; tal percepción varía
según el país, desde el 82% en Ecuador hasta el 41% en Uruguay. En 2008, ese pro-
medio fue de 68.6%; desde 80.5% en Honduras hasta 45.6% en Uruguay. Fijémonos
que el porcentaje aumentó en este último país.
En relación con la eficacia en la lucha contra la corrupción sólo dos países sobre-
salen: Uruguay y Chile, aunque en Colombia y Venezuela, el 40% de los ciudadanos
expresaron que se está progresando en la mencionada lucha. Empero, estos datos pesi-
mistas encuentran una pequeña brecha de luz: a) en promedio, en la región latinoa-
mericana, se pasó de 26% de los ciudadanos en 2004 a 30% en 2005 y a 38% en 2008
en la percepción de que se avanza en la lucha contra la corrupción, y b) las personas
que aseguraron que han conocido la realización de un acto de corrupción disminuyó
de 26% en 2001 a 20% en 2005 y a 15% en 2008.15
6. La concepción democrática no se encuentra completamente arraigada en
América Latina. El Latinobarómetro 2002 contuvo entre sus preguntas las dos
siguientes: Si usted tuviera que elegir entre la democracia y el desarrollo económico
¿cuál diría usted que es más importante? y, ¿en general, diría usted que está muy
satisfecho, más bien satisfecho o nada satisfecho con el funcionamiento de la demo-
cracia en (su país)?
A la primera pregunta el 52% respondió que el desarrollo es lo más importante,
el 25% que la democracia y, el 17% que ambos por igual. En 2008 el 53% respondió
afirmativamente a la pregunta de que no le importaría que un gobierno no democrá-
tico llegara al poder si pudiera resolver los problemas económicos.16
A la segunda pregunta, el 27% contestó que se encontraba satisfecho con la
democracia, el 60% que insatisfecho y el 8% que no sabía o se calló.
En 2003, a esta última pregunta, el 29% contestó que estaba satisfecho con la
democracia; en 2004, ese porcentaje no varió; en 2005 aumentó a 31% de los ciuda-
danos entrevistados.
En 2003, el 66% contestó que estaba insatisfecho con la democracia; en 2004, el
tanto por ciento disminuyó a 65; en 2005 a 61. A su vez, en 2003, el 6% respondió que
no sabía o se calló si estaba satisfecho o no con la democracia; en 2004, ese porcenta-
je aumentó a 7%, y en 2005 a 8%.17

15 Corporación Latinobarómetro, obra citada, nota 11, pp. 45-47. Corporación Latinobarómetro, Informe
Latinobarómetro 2005. 1995-2005. Diez años de Opinión Pública, Santiago de Chile, 2005, www.latinoba-
rometro.org, pp. 25-28; Véase Nohlen Dieter, El contexto hace la diferencia: reformas institucionales y el
enfoque histórico-empírico, México, UNAM-Instituto de Investigaciones Jurídicas y Tribunal Electoral del
Poder Judicial de la Federación, 2003, pp. 147 y 148.
16 Corporación Latinobarómetro, obra citada, nota 11, p. 83.
17 Corporación Latinobarómetro, Informe Latinobarómetro 2005. 1995-2005, obra citada, nota 14, pp. 40-53.
Nohlen Dieter, obra citada, nota 15, pp. 136-138.

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El Contenido Material de la Democracia: Tendencias Actuales del Constitucionalismo Latinoamericano

En 2008, el 37% contestó que estaba contento con la democracia, pero ya no se


señaló el porcentaje de los insatisfechos ni de los que no saben o se callaron. En cam-
bio, el apoyo a la democracia fue del 57%. Contrasta con este otro dato: el 70% con-
sideró que se gobernaba en beneficio de unos cuantos grupos poderosos, y sólo el 23%
afirmó que se gobernaba para el bien de todo el pueblo.
Los datos anteriores son preocupantes, no me agradan, pero los entiendo. Si no
se puede ofrecer un nivel digno de existencia a la familia, se prefiere el desarrollo y
no la democracia. Considero que en América Latina es claro que desarrollo socioeco-
nómico y democracia tienen que ir de la mano y viceversa. Si no ocurre así, ningún
sistema democrático tiene asegurada la estabilidad y la gobernabilidad.
En el Latinobarómetro 2008, se introdujo una nueva pregunta: ¿Piensa usted que
en su país la democracia funciona mejor o igual o peor que en el resto de América
Latina? El 44% contestó que igual; el 23% que peor y el 21% que mejor.18
Asimismo, Chile es el país en donde funciona mejor la democracia (44%), segui-
do por Uruguay (43%) y Costa Rica (42%).
7. Ahora bien, un dato consignado en el Latinobarómetro 2008, y que induda-
blemente es importante: en el año 1997, un 41% de los latinoamericanos manifestó
que era feliz. En 2001 ese porcentaje, aumentó a 68%, y en el año 2006, al 72%, enton-
ces se estaba en pleno crecimiento y desarrollo. No obstante, en 2008, ese porcentaje
bajó a 66%, por el impacto de la inflación y el comienzo de la crisis económica. Habrá
qué ver que sucede en 2009 con el estallido de la actual crisis económica global.
La satisfacción de vida, otro indicador de bienestar, aumentó de 65%, en el año
2002, a 71%, en 2008, lo cual puede deberse a que en países de bajos ingresos, inclu-
so pequeños aumentos en la calidad de vida pueden producir percepciones de bienes-
tar y aumento de felicidad.19

V. Tres décadas de nuevas tendencias constitucionales

1. Después de la segunda guerra mundial, varios de los más importantes países de


Europa occidental y continental incorporaron en sus Constituciones, nuevas o revisa-
das, instituciones para proteger con eficacia los derechos humanos y para asegurar el
sistema democrático. Fue una ola constitucional en Europa de especial trascendencia,
después de la catástrofe del fascismo, de la conflagración armada y de la victoria de la
democracia. En ese sentido, las Constituciones de Alemania Federal e Italia se distin-
guieron; posteriormente, la de Francia.
En esos años posteriores a la segunda guerra mundial, España y Portugal estaban
gobernados por dictadores, y muy rezagados en cuanto a instituciones democráticas.
Cuando ambos países regresaron al régimen constitucional y promulgaron sus leyes

18 Corporación Latinobarómetro, obra citada, nota 11, pp. 102-104.


19 Ibidem, pp. 12-13.

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Jorge Carpizo

constitucionales, éstas, a su vez, incorporaron las nuevas instituciones de esa gran cor-
riente constitucionalista; puede afirmarse que constituyen una síntesis de esa ola
democrática.
América Latina para fortalecer sus instituciones democráticas volvió los ojos,
principalmente a partir de 1980 hacia España, Portugal, Francia e Italia, según el res-
pectivo país de la región. Es decir, se dio un vuelco constitucional: después de la inde-
pendencia de los países de la región, los constituyentes se habían inspirado en el pen-
samiento francés e inglés, pero las Constituciones que más habían influido en la
redacción de los documentos constitucionales latinoamericanos habían sido, en pri-
mer lugar, la norteamericana de 1787; en segundo, la española de 1812 y, en tercero,
el incipiente desarrollo constitucional en los otros países latinoamericanos. Lo nuevo
fue que los constituyentes de América Latina se inspiraron en primerísimo lugar en la
Europa democrática y continental.
La nueva Constitución de Portugal se expidió en 1976 y la de España dos años
después. Ambas recogieron las nuevas instituciones postsegunda guerra mundial.
En América Latina, a finales de los años setenta, los países fueron regresando a
la elección libre de sus gobernantes. El retorno al sistema democrático se caracterizó
con la promulgación de nuevas Constituciones, o revisiones generales de las antiguas.
La casi coincidencia cronológica con la Constitución Española de 1978 sirvió para que
ésta inspirara en diversos países de América Latina, en forma señalada, lo relativo a
las instituciones de la segunda post guerra, lo cual ha sido bien documentado.20
2. Digamos en forma panorámica cuáles son las principales instituciones aludi-
das; es decir, no es una lista exhaustiva, y qué países las han aceptado, aunque con
modalidades diversas. Es imposible hacer alusión a los antecedentes latinoamericanos
de esas instituciones antes del periodo 1978-2008. Como excepción hago referencia
únicamente a algunas.
Respecto a la jurisdicción, justicia constitucional o Derecho Procesal
Constitucional, como ahora se denomina por varios autores, se han creado tribunales o
cortes especializadas en esta materia, aunque en algunos casos el nuevo sistema subsis-
tió con el “americano”. Esta corriente comenzó en Guatemala, con la Constitución de
1965 y la Corte de Constitucionalidad, cuya efectividad fue casi inexistente, en virtud
de que resolvió sólo un recurso en cuanto al fondo. El siguiente país que creó un órga-
no de esa naturaleza fue Chile en 1970, lo suprimió en 1973 y lo restableció en 1980; su
funcionamiento no gozó, obviamente, de independencia durante la dictadura militar.
Ecuador estableció, en 1945, un Tribunal de Garantías Constitucionales, pero la
decisión última correspondía al poder legislativo; en 1978, creó un Tribunal con igual
denominación, pero sin facultades decisorias. En su Constitución, expedida veinte
años después, estructuró un verdadero Tribunal Constitucional. En Perú, en 1980, se

20 Véase Fernández Segado, Francisco (coord.), La Constitución de 1978 y el constitucionalismo iberoameri-


cano, Madrid, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003, 874 pp. La obra contiene 37 ensayos,
muchos de los cuales son excelentes sobre este específico tema.

14
El Contenido Material de la Democracia: Tendencias Actuales del Constitucionalismo Latinoamericano

estableció un tribunal de carácter constitucional cuya competencia fue para resolver


en última instancia las acciones de habeas corpus y de amparo, así como las acciones
de inconstitucionalidad; de estas últimas conoció poco, debido a que funcionó duran-
te corto tiempo.
La ola democratizadora, de mediados de los años ochenta, continuó, impulsó y
fortaleció la creación de esos órganos constitucionales. En 1985 Guatemala restable-
ció la Corte de Constitucionalidad, con facultades más amplias que su antecesora.
Asimismo, se establecieron salas constitucionales autónomas dentro de las cortes
o tribunales supremos en El Salvador en 1983, reformada en 1991; en Costa Rica en
1989; en Paraguay en 1992; en Nicaragua en 1995, aunque las principales facultades
corresponden al pleno de la Corte; en Venezuela en 1999; en Honduras en 2001.21
3. El habeas data es el instrumento que “procede para lograr el conocimiento de
informaciones relativas al promovente y que consten en registros o bancos de datos
pertenecientes a entidades gubernamentales o de carácter público, o bien para obte-
ner la rectificación de datos cuando el afectado prefiera no hacerlo por conducto de
un proceso reservado, ya sea judicial o administrativo. Como puede observarse, dicho
instrumento tiene por objeto proteger a la persona contra posibles afectaciones reali-
zadas por medio de la información electrónica, que se ha extendido de manera
extraordinaria en nuestra época”.22
Incorporan el habeas data en sus Constituciones: Brasil en 1988, Paraguay en
1992, Perú en 1993, Argentina en 1994, Ecuador en 1998, Bolivia en 2004.
Algunas Constituciones han creado novedosos instrumentos procesales de pro-
tección de derechos, como el mandado de segurança colectivo en Brasil, o la acción
de cumplimiento en Perú, pero aún se trata de casos aislados.
4. El ombudsman es la institución sueca que se desarrolló a partir de 1809, la cual
fue recogida por las Constituciones de Portugal como Promotor de la Justicia y de
España como Defensor del Pueblo, denominación esta última con la cual se ha incor-
porado a varias leyes fundamentales de América Latina, región en la que se pueden
encontrar algunos antecedentes; pero la primera Constitución que la admitió con sus
características propias, se encuentra en el mencionado Código Fundamental de
Guatemala de 1985; con posterioridad fue aceptada por los órdenes jurídicos de
México en 1990, aunque se le incluyó en la Constitución hasta 1992;23 de El Salvador
en 1991; de Colombia en ese mismo año; de Paraguay y Costa Rica en 1992; de Perú
en 1993; de Argentina a nivel federal en 1993 y 1994, porque con anterioridad varias

21 Fix-Zamudio, Héctor, “Estudio preliminar”, en Biscaretti di Ruffia, Paolo, Introducción al derecho consti-
tucional comparado, México, Fondo de Cultura Económica, 1996, pp. 31-40; Ferrer Mac-Gregor, Eduardo,
Ensayos sobre derecho procesal constitucional, México, Porrúa y Comisión Nacional de los Derechos
Humanos, 2004, pp. 41-48.
22 Fix-Zamudio, Héctor, obra citada, nota 21, p. 43.
23 Carpizo, Jorge, Derechos humanos y ombudsman, México, UNAM, Instituto de Investigaciones Jurídicas-
Comisión Nacional de Derechos Humanos, 1993, pp. 115-134.

15
Jorge Carpizo

provincias ya contaban con él; de Bolivia y Honduras en el último año señalado; de


Nicaragua en 1995; de Ecuador en 1996; de Venezuela en 1999.
Además, existen varios ombudsmen a nivel local y municipal, y otros no creados
a nivel constitucional como el Defensor de los Habitantes de Costa Rica, en 1992.
5. Se tiende a la autonomía técnica del ministerio público o fiscal, desligándolo por
completo de la subordinación tradicional que ha tenido respecto al poder ejecutivo.
Debo apuntar que en América Latina el ministerio público se encuentra, aunque
sea formalmente, como parte del poder judicial en Colombia, Paraguay, El Salvador,
Perú y en las provincias argentinas, salvo una; que la autonomía técnica es todavía
más un postulado constitucional que una realidad.
En Ecuador se dice que la fiscalía general del Estado es órgano autónomo de la
función judicial que goza de autonomía administrativa, económica y financiera.
6. El equilibrio entre los poderes ejecutivo y legislativo. Con este propósito se
introducen instituciones novedosas.
En América Latina, en 15 Constituciones se encuentra la figura de la interpela-
ción: Bolivia, Colombia, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, México,
Nicaragua, Panamá, Paraguay, Perú, República Dominicana, Uruguay y Venezuela.
En Argentina sólo respecto al jefe de gabinete.
De acuerdo con el artículo 165 de la Constitución de El Salvador, si un ministro,
un encargado del despacho o un presidente de institución oficial autónoma no con-
curre a la Asamblea Legislativa a contestar las interpelaciones que se le hicieren, por
ese solo hecho, si no existe causa justa, queda depuesto de su cargo.
7. Elementos parlamentarios se presentan en varios países de la región. Existe la
posibilidad de voto de confianza en Perú (artículo 130) y Uruguay (artículos 174 y
175), aunque en la realidad no suelen operar.
8. La institución de la censura se encuentra en 12 países de América Latina:
Argentina (artículo 101), Bolivia (159.18), Colombia (artículo 135, fracciones 8 y 9),
Costa Rica (artículo 121.24), Ecuador (artículo 131), El Salvador (artículo 165),
Guatemala (artículo 167), Panamá (artículo 161.7), Paraguay (artículo 194), Perú
(artículo 132), Uruguay (artículos 147 y 148) y Venezuela (artículos 240 y 246).
En 6 países el efecto jurídico de la censura es la renuncia, en otros tantos se
encuentra sujeta a la decisión del presidente de la República, con modalidades diversas.
Veamos algunos ejemplos. En Costa Rica, la Asamblea Legislativa puede “por dos
tercios de votos presentes, censurar a los mismos funcionarios (ministros) cuando a
juicio de la Asamblea fueren culpables de actos inconstitucionales o ilegales, o de
errores graves que hayan causado o puedan causar perjuicio evidente a los intereses
públicos”.
Nótese que para dicha “censura” se exige una votación calificada, lo que protege
a los ministros; que las causas son más de carácter penal que político; que la Asamblea
goza de un amplio margen de discrecionalidad “a su juicio”, y no se especifica nada

16
El Contenido Material de la Democracia: Tendencias Actuales del Constitucionalismo Latinoamericano

más, tampoco un procedimiento, pero lo más importante, es que la censura no implica


la renuncia del ministro, sobre la que el presidente de la República decide libremente.
Las Constituciones de Bolivia de 1878 y 1967 también dejaban los efectos de la
censura al criterio del presidente de la República.
Ahora bien, no puede negarse que, aun en estos casos, la censura puede ser
importante y tiene efectos políticos de relevancia, ya que el presidente puede verse
presionado por la opinión pública y ante la necesidad de preservar buenas relaciones
con el Congreso. No obstante, la decisión última de la permanencia del ministro
queda en manos del titular del Poder Ejecutivo.
En Guatemala, si el congreso emite un voto de falta de confianza a un ministro,
cuando menos por la mayoría absoluta del total de los diputados, el ministro debe
renunciar de inmediato. Empero, si se satisfacen algunos requisitos, el ministro puede
recurrir la falta de confianza y, después de escucharlo, el congreso vuelve a votar, y
para ratificar dicha falta de confianza, se necesita la votación aprobatoria de las dos
terceras partes del total de los diputados que integran el congreso. Si se ratifica el voto
de falta de confianza, el ministro se tiene que separar del cargo de inmediato. En cada
caso, el voto de falta de confianza no puede exceder de cuatro ministros.
La Constitución de Argentina, reformada profundamente en 1994, creó la figu-
ra de jefe de gabinete, quien es nombrado y removido por el presidente de la
República, pero quien es políticamente responsable ante el congreso, que lo puede
remover de su cargo por la mayoría absoluta de la totalidad de los miembros de cada
cámara, sin necesidad de expresar causa. No obstante, los demás ministros no son res-
ponsables ante el congreso. En la realidad, el jefe de gabinete es un representante del
presidente de la República y un “fusible”, si surgen enfrentamientos graves entre los
poderes políticos.
Existe un órgano similar al gabinete en Bolivia, Colombia, El Salvador,
Guatemala, Honduras, Nicaragua, Paraguay, Perú, Uruguay y Venezuela que recibe la
denominación de “Consejo de Ministros”. En Panamá tiene la nomenclatura de
“Consejo de gabinete”.
En algunos pocos países sudamericanos desde las primeras décadas del siglo XIX
se introdujeron matices parlamentarios.
7. En América Latina, debido principalmente a la influencia francesa de la
Constitución de 1958, se ha venido aceptando que si en la votación presidencial, nin-
guno de los candidatos obtiene el 50, 45 o 40% de los votos, se realiza una segunda
vuelta electoral, generalmente entre los dos candidatos que obtuvieron los mayores
porcentajes del sufragio.
Actualmente, regulan la segunda vuelta las Constituciones de Argentina, Bolivia,
Brasil, Colombia, Costa Rica, Chile, Ecuador, El Salvador, Guatemala, Nicaragua,
Perú, República Dominicana y Uruguay.
El artículo 77.3 de Brasil regula lo que se puede denominar la segunda vuelta
“clásica”: si ninguno de los candidatos obtiene mayoría absoluta en la primera vota-

17
Jorge Carpizo

ción, se realiza una segunda, en la cual participan los dos candidatos más votados, y se
elige como presidente aquel que obtenga la mayoría de los votos válidos.
En Costa Rica el umbral de la votación no es de 50% sino de 40%. En Argentina
ese umbral es de 45% de los votos válidos o el 40% si existe una diferencia mayor de
diez puntos porcentuales entre el candidato que haya alcanzado más votos y el que le
sigue en segundo lugar. En Nicaragua ese umbral se fijó en 45% de los votos.
2. En un sistema presidencial, la segunda vuelta presenta ventajas y desventajas.24
8. Existen otras tendencias constitucionales en la región que son también muy
importantes, como:
a. Los Consejos de la Judicatura, cuya función es el gobierno y la administración
de los tribunales, integrados mayoritariamente por miembros del poder judicial con la
finalidad de hacer efectivo el llamado “autogobierno de la magistratura”.
Se afirma que los consejos de la judicatura hacen a un lado el aparato burocráti-
co del Estado para transformarlo en un órgano autónomo e independiente de cual-
quier otro poder; que es un régimen de autogobierno por el cual se garantiza que la
carrera judicial sea una realidad y que la designación, promoción, adscripción y res-
ponsabilidad de los jueces respondan a sistemas objetivos de méritos que fortalezcan
la independencia de los tribunales.25
b. El reconocimiento de la supremacía del derecho internacional, primordial-
mente del convencional, respecto a los preceptos internos, pero no en relación con los
constitucionales, como en los casos de Ecuador, Panamá, El Salvador, Costa Rica y
Argentina.
En lo relativo a los tratados y convenciones sobre derechos humanos, el énfasis
es mayor, como en la Constitución peruana de 1979, no en la actual de 1993, que dis-
puso que los preceptos de los tratados sobre esa materia tenían jerarquía constitucio-
nal y, por tanto, no podían ser modificados, sino por el procedimiento a través del cual
se reforma la norma constitucional.
El artículo 142 de la Constitución de Paraguay de 1992 es rotundo al ordenar que
“Los tratados internacionales relativos a los derechos humanos no podrán ser denun-
ciados sino por los procedimientos que rigen para la enmienda de la Constitución”.
El artículo 75, inciso 22, de la Constitución argentina, reformada en 1994, dispo-
ne que los tratados y los concordatos poseen jerarquía superior a las leyes, y que los
tratados y convenciones de derechos humanos, que expresamente enuncia, poseen
jerarquía constitucional, y sólo pueden ser denunciados por el poder ejecutivo, previa

24 Carpizo, Jorge, Concepto de…, obra citada, nota 2, pp. 167 y 168.
25 Giacobbe, Giovanni, “Autogobierno de la magistratura y la unidad de la jurisdicción en el ordenamiento
constitucional de la república italiana”, en varios autores, Justicia y sociedad, México, UNAM, Instituto de
Investigaciones Jurídicas, 1993, p. 103. Véase de Fix-Zamudio, Héctor, “Órganos de dirección y administra-
ción de los tribunales en los ordenamientos latinoamericanos”, en varios autores, Memoria de El Colegio
Nacional, 1992, pp. 43 y 44, y Los problemas contemporáneos del Poder Judicial, México, UNAM, Instituto
de Investigaciones Jurídicas, 1986, pp. 37-40; asimismo, Carpizo, Jorge, Temas constitucionales, México,
Porrúa-UNAM, Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2003, pp. 192-206.

18
El Contenido Material de la Democracia: Tendencias Actuales del Constitucionalismo Latinoamericano

aprobación de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara;
los demás tratados y convenciones sobre dicha materia gozarán de jerarquía constitu-
cional, si son aprobados por la mencionada mayoría de los legisladores.
El artículo 23 de la Constitución venezolana norma que los tratados, pactos y
convenciones ratificados de derechos humanos tienen jerarquía constitucional y, en
consecuencia, prevalecen en el orden interno, en cuanto contengan preceptos más
favorables que los establecidos por la Ley Fundamental, siendo de aplicación inmedia-
ta y directa por parte de los tribunales y demás órganos del poder público.
El artículo 417 de la Constitución de Ecuador dispone que en “los tratados y
otros instrumentos internacionales de derechos humanos se aplicarán los principios
pro ser humano, de no restricción de derechos, de aplicabilidad directa y de cláusula
abierta establecidos en la Constitución”.
En la región son veintiún países los que reconocen la jurisdicción contenciosa de
la Corte Interamericana de Derechos Humanos. La Constitución peruana de 1993, en
su artículo 205, precisa que agotada la jurisdicción interna, quien se considere lesio-
nado en los derechos que la Constitución reconoce, puede recurrir a los tribunales u
organismos internacionales de los cuales ese país es parte. Hasta ahora es la única
Constitución latinoamericana que contiene un precepto de tal naturaleza. Sin embar-
go, fue este Estado, el que, en 1999, desconoció unilateralmente y con efecto inme-
diato la competencia jurisdiccional de la Corte Interamericana de Derechos Humanos,
aunque en marzo de 2001, el Congreso de ese país decidió su retorno a la jurisdicción
de la mencionada Corte.26
c. La judicialización de los actos y conflictos electorales. La tendencia es hacia la
creación de tribunales especializados en materia electoral en lugar de institutos de
carácter político. Estos tribunales gozan generalmente de autonomía plena y en
muchas ocasiones constituyen órganos constitucionales autónomos. El proceso
comenzó con la Constitución brasileña de 1934. La actual de 1988 establece una
amplia jurisdicción electoral con un Tribunal Superior Electoral, Tribunales
Regionales Electorales, jueces electorales y juntas de la misma naturaleza.
Se han constituido tribunales electorales, autónomos e independientes del Poder
Judicial y de cualquier otra institución u organismo del Estado, como en la Constitución
de Chile de 1980 con el Tribunal Calificador de Elecciones y los tribunales regionales
electorales; en la Constitución de Costa Rica de 1949 con el Tribunal Supremo de
Elecciones; en la Constitución de Ecuador de 1978 con el Tribunal Supremo Electoral;
en la Constitución de Panamá de 1972-1983 con el Tribunal Electoral; en la
Constitución de Paraguay de 1992 con el Tribunal Superior de Justicia Electoral.

26 Dichos países son: Argentina, Bolivia, Brasil, Colombia, Costa Rica, Chile, Ecuador, El Salvador, Guatemala,
Haití, Honduras, México, Nicaragua, Panamá, Paraguay, Perú, República Dominicana, Surinam, Trinidad y
Tobago, Uruguay y Venezuela. Véase Ferrer Mac-Gregor, Eduardo, obra citada, nota 21, pp. 155-158;
Gómez-Robledo Verduzco, Alonso, “Nexos entre la Comisión y la Corte Interamericana de Derechos
Humanos”, en Ars Iuris, México, núm. 17, 1997, pp. 120-147; García Ramírez, Sergio, Estudios jurídicos,
México, UNAM, Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2000, pp. 389-405.

19
Jorge Carpizo

Guatemala y Honduras cuentan con tribunales electorales, aunque no se


encuentran regulados en sus respectivas Constituciones.
En Colombia, El Salvador, Perú y Venezuela existen órganos, que a pesar de que
no reúnen las características judiciales, deciden en última instancia respecto a los
resultados de la calificación.
d. Las funciones de fiscalización se realizan a través de un órgano específico, con
autonomía técnica, que generalmente se encuentra encuadrado dentro del poder
legislativo, cuya función es la fiscalización de las cuentas, de la gestión económica del
Estado, del sector público y de los recursos públicos manejados por particulares. Este
órgano, como regla general, informa al Congreso de sus labores y determina las pro-
bables responsabilidades en que se haya podido incurrir en el manejo de los recursos
públicos.
Los miembros de estos órganos deben gozar de garantías de independencia e ina-
movilidad.
A estos órganos se les suele denominar Tribunal o Corte de cuentas, entidad
superior de fiscalización, cámara de cuentas, auditoría general de la nación, aunque la
denominación que prevalece en América Latina es la de Contraloría General de la
República o del Estado.
Estos órganos son de singular importancia en una región donde la corrupción
representa un gran problema, aunque sus facultades no son amplias en varios de nues-
tros países, en los cuales, ya sea que se encuentren enmarcados o no dentro del poder
legislativo, se les garantiza autonomía funcional y administrativa. Tal es el caso en
Colombia, Costa Rica, Honduras, México, Nicaragua, Paraguay, Perú, Uruguay y
Venezuela. En la actual Constitución de Ecuador le suprimen la autonomía técnica y
funcional al órgano correspondiente, misma que se reconocía en la anterior
Constitución.
La Constitución argentina señala que es organismo de asistencia técnica del
Congreso, con autonomía funcional. La de Brasil indica que el control está a cargo del
Congreso Nacional con el auxilio del Tribunal de Cuentas. La de El Salvador, que es
organismo independiente del presidente de la República. La de Guatemala, que es ins-
titución técnica descentralizada. Las de Chile, Nicaragua y Panamá, que son organis-
mos autónomos o independientes.
Al respecto, interesante resultan las disposiciones constitucionales de Argentina,
Colombia y Guatemala.
En Argentina, el titular es propuesto por el partido de oposición con mayor
número de legisladores en el Congreso, y es designado por mayoría absoluta de los
miembros de cada una de las cámaras legislativas.
En Colombia, el contralor es electo por el Congreso de ternas que integran por
partes iguales la Corte Constitucional, la Corte Suprema de Justicia y el Consejo de
Estado.

20
El Contenido Material de la Democracia: Tendencias Actuales del Constitucionalismo Latinoamericano

En Guatemala, el contralor es designado por el Congreso, por mayoría absoluta


de todos los diputados, entre seis candidatos propuestos por una comisión integrada
por un representante de los rectores de las universidades, los decanos de las faculta-
des de Contabilidad en que se imparte la carrera correspondiente, de la Asamblea
General del Colegio de Economistas, Contadores Públicos y Administradores de
Empresas.
Por el contrario, el presidente de la República sí interviene en algún grado o
forma en esos nombramientos en Bolivia, Brasil, Chile, Ecuador, Nicaragua, Perú y
República Dominicana.27
9. En el contexto de este panorama, un dato para tenerse en cuenta, en virtud de
que es trascendente, consiste en que de 1978 a 2008, 18 presidentes no pudieron ter-
minar su periodo en la región, con la consecuente crisis de gobernabilidad, pero ésta
se superó por los cauces que marca la Constitución; la sustitución presidencial fue de
acuerdo con sus normas. El primer presidente de este ciclo que no concluyó su perio-
do fue Hernán Siles Suazo de Bolivia en 1985; el último, Eduardo Rodríguez Veltzé
del mismo país, en 2006.
Todas estas tendencias constitucionales refuerzan a nuestras democracias y otor-
gan un ánimo optimista, a pesar de que en diversos países las instituciones existen,
pero no se desarrollan adecuadamente, debido a causas muy diversas como carencia
de total independencia frente a poderes constitucionales y fácticos, personal no idó-
neo y estructuras débiles, aún sin consolidarse.
Otra perspectiva, pero igualmente optimista, desde la visión electoral, la propor-
ciona Daniel Zovatto quien afirma:

“La alternancia en el poder producida por la vía electoral a lo largo de estas


tres décadas (1978-2008), unida a la elección de una mujer (Chile y Argentina),
de un sindicalista (Brasil) y de un indígena (Bolivia), dan cuenta de la importan-
cia y profundidad del cambio político que se ha venido llevando a cabo en la
región. Cabe destacar, asimismo, la alternancia producida en México con la vic-
toria de Fox (2000), después de más de siete décadas de gobiernos del PRI. No
menos importante fue la llegada de la izquierda a la presidencia en Uruguay
luego de muchas décadas de alternancia entre colorados y blancos. Todos estos
cambios ponen de manifiesto que la democracia electoral no sólo goza de buena
salud en la región sino, también, que es el mejor camino para producir cambios
profundos y pacíficos.

27 Los datos anteriores los he tomado principalmente de dos obras: Entidad Fiscalizadora Superior de La India
(comp.), Mandatos de las Entidades Fiscalizadoras Superiores, Intosai, 3 vols., que contiene la normativa de
estos órganos en todo el mundo, tanto a nivel constitucional como legal. El idioma utilizado es el inglés; y
de López Guerra, Luis y Aguiar, Luis, (eds.), Las Constituciones de Iberoamérica, Madrid, Unión
Iberoamericana de Colegio de Abogados e Ilustre Colegio de Abogados de Madrid, 2001, 1324 pp.

21
Jorge Carpizo

La alternancia ha venido acompañada de nuevos actores políticos que pre-


sionan desde el mismo Estado a favor de cambios estructurales. Es la revolución
institucional como la ha llamado Evo Morales, originada y liderada desde el
Estado. A diferencia de los años 60 del siglo pasado, cuando la revolución era
exógena al Estado, ahora su origen es endógeno. Pero los revolucionarios de
nuestro tiempo no han llegado al poder mediante la lucha armada sino a través
de las urnas y están actuando con reglas democráticas, si bien es cierto tensio-
nándolas, muchas veces, hasta el límite. El plebiscito boliviano del pasado 10 de
agosto (de 2008), del cual el presidente Morales resultó ganador indiscutible,
representa un ejemplo claro de esta revolución institucional, de un mecanismo
dirigido a buscar, por la vía de las urnas, la legitimidad para su gobierno y para
el proceso de “revolución democrática y cultural”. En otras palabras, el poder de
“la elección” como legitimadora del poder popular. El siguiente paso de este pro-
ceso de transformación por la vía electoral fue el referéndum constituyente de
25 de enero de 2009.
¿Quién podrá negar que, para ser legítimo, cualquier cambio que se realice
en América Latina a partir de ahora tendrá que llevarse a cabo, necesariamente,
por medio de elecciones y respetando las reglas del juego democrático?”.28

VI. Algunos aspectos actuales de la democracia latinoamericana

En la democracia latinoamericana de nuestros días hay cuestiones que debemos


tener en cuenta por su singular importancia, y para contar con un panorama más pre-
ciso de nuestras democracias y de las tendencias constitucionales en la región, y algu-
nas no son optimistas. Entre ellas destaco las siguientes:
1. Los sistemas pluralistas moderados y extremos, y la falta de confianza hacia
los partidos políticos.
2. Los gobiernos divididos y de coalición.
3. Los referendos.
4. La corriente reeleccionista.
5. El poder de la calle.
6. El crimen organizado, y
7. La moral pública.
Digamos algo de cada una de estas siete cuestiones:
1. En la región, en 11 países existen 10 o más partidos políticos o movimientos por
los cuales la gente votaría. En Venezuela encontramos 85 partidos, 22 en República
Dominicana, 14 en Brasil y Guatemala, 13 en Argentina y Ecuador, 12 en Perú, 11 en
Bolivia y Costa Rica, 10 en El Salvador y Paraguay, 5 en Honduras y 4 en Uruguay.29

28 Corporación Latinobarómetro, obra citada, nota 11, p. 70.


29 Ibidem, p. 10.

22
El Contenido Material de la Democracia: Tendencias Actuales del Constitucionalismo Latinoamericano

En términos generales, nuestros sistemas de partidos políticos se encuentran en


evolución y aún no es posible conocer qué va a resultar al final de cuentas.
Permítaseme ejemplificar con México: existen 8 partidos y tenemos un sistema tripar-
tito, en el cual actualmente sólo tres están en posibilidad de obtener la presidencia de
la República. No obstante, es un sistema en movimiento, que no termina de asentarse.
La percepción que existe en América Latina de los partidos políticos ha mejorado
un poco. Sin embargo, la confianza en ellos continúa siendo baja. En relación con la pre-
gunta de si los partidos políticos lo están haciendo bien o muy bien, la respuesta positi-
va fue de 30%. Hubo un incremento comparado con 2007, y se regresó al nivel de 2006.
Ante la pregunta en 2008 “¿cuánta confianza tiene en los partidos políticos?”, la
respuesta de mucha o algo fue de 21%. En 2003 esa pregunta la respondió positiva-
mente el 11% de los encuestados.
Respecto a si los partidos extremistas debían prohibirse o permitirse, el 52% se
manifestó por la permisión y el 36% por la prohibición.30
Existe, entonces, desconfianza hacia los partidos políticos porque: no cumplen
con las promesas electorales, se les percibe como únicamente interesados en obtener
el poder, la corrupción, los escándalos de toda índole y que la situación socioeconó-
mica de la población cambia muy poco, sea cual fuere el partido que gobierne.
2. Las experiencias de gobiernos divididos o compartidos en América Latina; es
decir, cuando el partido del presidente no cuenta con mayoría absoluta en el
Congreso, son de lo más disímbolas. Las hay muy exitosas, otras no tanto; también
encontramos fracasos.
Scott Morgenstern y Pilar Domingo señalan gobiernos democráticos en
Sudamérica durante el siglo XX que muchos terminaron en golpes de Estado. De 70
gobiernos de mayoría 12 finalizaron en golpes, o sea, el 17%. De 83 gobiernos dividi-
dos, 17 acabaron por causa de un golpe; es decir, el 21%,31 y a partir de 1978, el pre-
sidente fue sustituido, como ya afirmé, dentro de los marcos constitucionales.
El ejemplo de los últimos cinco gobiernos de Brasil es aleccionador. Esos gobier-
nos fueron divididos, pero mientras Sarney, Collor y Franco no lograron que el
Congreso aprobara sus propuestas, el éxito ha coronado las gestiones de Cardoso y
Lula. Los factores para ello son múltiples, entre los que podemos mencionar: lideraz-
go, consenso para la estabilización del país, medidas económicas exitosas, ministros
capaces, rumbo definido y habilidad negociadora. El camino no ha sido fácil, se
encontraron escollos y obstáculos, pero los resultados son satisfactorios o muy satis-
factorios.32

30 Ibidem, pp. 86-89.


31 Morgenstern, Scott y Domingo, Pilar, “The Success of Presidentialism? Breaking Gridlock in Presidential
Regimes”, en Valadés, Diego, y Serna, José María (coords), El gobierno en América Latina ¿Presidencialismo
o parlamentarismo?, México, UNAM, Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2000; pp. 101 y 102.
32 Mainwaring, Scott, “Multipartidism, Robust Federalism, and Presidentialism in Brazil”, en Mainwaring,
Scott y Shugart, Matthew Soberg (eds.), Presidentialism and Democracy in Latin America, Cambridge,
Inglaterra, Cambridge University Press, 1997; pp. 95-105.

23
Jorge Carpizo

La existencia de gobiernos divididos lleva de la mano a la de gobiernos de coali-


ción. El sistema presidencial de coalición es una creación de América Latina.
El presidencialismo de coalición presenta fórmulas diversas: electorales, de
gobierno, de reformas y de acuerdos legislativos. No es la panacea, obviamente que se
presentan problemas,33 pero encontramos ejemplos exitosos como los de Brasil, Chile
e incluso Bolivia.
En los sistemas de gobierno donde predomina el pluripartidismo moderado o
extremo, contemplo que alguna fórmula de coalición es necesaria. Me inclino por la
de gobierno. Visualizo, en parte, nuestro futuro en dicha dirección.
3. Los referendos toman actualidad en América Latina. Las últimas
Constituciones, como las de Venezuela, Ecuador y Bolivia han sido aprobadas a tra-
vés de este método. En un sistema democrático así debe acontecer.
El proyecto de Constitución que el presidente Chávez propuso en 2007 fue
rechazado en un referendo, y su iniciativa de reforma constitucional para la reelec-
ción indefinida de las autoridades electas, fue aceptado a través de otro referendo en
este 2009.
Los referendos tampoco son una panacea, pero constituyen el método más acor-
de con la democracia: que las decisiones más importantes las tome directamente el pue-
blo. Todos sabemos el peso de los medios electrónicos de comunicación para influir en
el votante. En el último referendo venezolano, la oposición se opuso, alegando que se
vulneraba el artículo 345 de la Constitución que indica: “la iniciativa de reforma que
no sea aprobada, no podrá presentarse de nuevo en un mismo periodo constitucional”.
El presidente Chávez alegó que el asunto era semántico, en virtud de que no podía pre-
sentar la misma iniciativa, pero sí “una reforma, una sencilla enmienda”.34 Para cual-
quier constitucionalista es claro que dicha interpretación no es correcta. El punto más
importante en el referendo de 2007 fue precisamente ese: la reelección indefinida del
presidente de la República, acompañada y fortalecida en 2009 con la posibilidad de la
reelección indefinida de todo funcionario de elección popular.
Asimismo, los referendos revocatorios a nivel nacional comienzan a proliferar en
nuestra región.
En 2008, en Bolivia se les preguntó a los ciudadanos “¿usted está de acuerdo con
la continuidad del proceso de cambio liderado por el presidente Evo Morales Ayma y
el vicepresidente Álvaro García Linera?”. Más que un referendo revocatorio fue un
referendo ratificatorio, en el cual a quienes no les fue bien fue a los prefectos de
Cochabamba y La Paz, cuyo resultado les fue adverso, con lo cual dejaron de ocupar
esos cargos.

33 Lanzaro, Jorge, “Tipos de presidencialismo y modos de gobierno en América Latina”, en Lanzaro, Jorge
(comp.), Tipos de presidencialismo y coaliciones políticas en América Latina, Buenos Aires, CLACSO y
ASDI, 2001, p. 32.
34 El País de 4 de diciembre de 2008, p. 5.

24
El Contenido Material de la Democracia: Tendencias Actuales del Constitucionalismo Latinoamericano

En Venezuela, la Constitución acepta el referendo revocatorio para todos los cargos


de elección popular; en 2004, el presidente Chávez se sometió a este procedimiento.
El referendo revocatorio existe también a nivel regional y municipal, en algunos
países del área.
4. Un principio característico de nuestra región, como regla general, había sido
que el presidente de la República no podía reelegirse para el periodo inmediato.
En la actualidad existe una fuerte corriente reeleccionista. El presidente encuen-
tra con frecuencia los medios constitucionales, a veces muy forzados, para perpetuarse
en el poder. Ahí está el ejemplo mencionado de Chávez y actualmente en el Congreso
de Nicaragua existe un proyecto similar que parece no goza de la simpatía legislativa.
Incluso presidentes, con una trayectoria personal, académica y política de voca-
ción democrática, sucumben al canto de las sirenas al quebrar la regla de la no-reelec-
ción inmediata; así ha acontecido y así aconteció en Brasil en 1997. Fernando Enrique
Cardoso logró la reforma constitucional para permitir su reelección inmediata por una
sola ocasión, la cual incluyó también a los gobernadores y los prefectos. Dicha reforma
permitió a Cardoso ocupar el cargo durante dos periodos consecutivos, situación seme-
jante a lo que acontece en la actualidad con el presidente Lula da Silva. Recientemente
se oyeron voces de dirigentes del partido más importante en el poder que proponían
otra reforma constitucional que permitiera la reelección de Lula para un tercer perio-
do consecutivo. Lula expresó su oposición y consideró que una reforma constitucional
que permitiera un tercer mandato consecutivo sería “insensatez pura”, “falta de sensi-
bilidad política” y que “no se juega con la democracia”.35 Lo anterior resalta la figura
de Lula como estadista, demócrata, y defensor de las instituciones.
Todo indica que el presidente Uribe de Colombia intentará una reforma consti-
tucional que le permita reelegirse para un tercer periodo consecutivo.36
La norma constitucional se ha doblado ante la fuerza del poder ejecutivo.
Argentina, Brasil, Ecuador, Perú y Colombia pasaron de la reelección mediata a per-
mitir la inmediata. Costa Rica ha aceptado, en cambio, la reelección después de trans-
currido un mandato presidencial, y sin que se efectuara reforma constitucional algu-
na, sino a través de la interpretación jurisdiccional.
En República Dominicana, el presidente Fernández Reyna se reeligió en 2008
para un tercer periodo.
Este principio de no reelección debe ser parte de un sistema democrático.
Incluso en los regímenes parlamentarios debe existir un límite a la permanencia en el
poder del jefe de gobierno: ¿8, 12 o 16 años? La democracia implica también rotación
en los cargos.
5. El poder de la calle o de las movilizaciones.

35 El País de 7 de noviembre de 2007, p. 9.


36 El País de 12 de agosto de 2008, p. 8. Véase este mismo periódico de 23 de febrero de 2009, p. 17, en donde
se encuentra un interesante artículo de Andrés Oppenheimer sobre esta cuestión.

25
Jorge Carpizo

Diversos grupos se percatan de que un motor de cambio se encuentra en la pro-


testa y la movilización, a veces debido a que sus intereses no se encuentran represen-
tados en el Congreso.
Parece paradójico, aunque no es raro, que las movilizaciones sean auspiciadas
desde el gobierno central para presionar al Congreso, tribunales o poderes de hecho.
Los latinoamericanos creemos en un 59% que el status quo se puede cambiar a
través del voto; un 16% por medio de las movilizaciones, y un 14% que no es posible
influir en el cambio.
Las naciones más escépticas al respecto, en virtud de que no consideran que el status
quo pueda ser cambiado, son: Chile con 27%, México con 23% y Honduras con 21%.37
6. En algunos de los Estados de la región el crimen organizado ha tomado tal
vigor que desafía al propio Estado y a su monopolio legítimo de la fuerza.
Las cantidades enormes de dinero que el crimen organizado maneja y su poder
corruptor carcomen las bases mismas de la organización política y de la sociedad,
incluso un problema actual, en algunas naciones, es la existencia del dinero de ese cri-
men en las elecciones.
El Latinobarómetro 2008 indica que por primera vez, como promedio, aparece la
delincuencia como el principal problema de la región con 17%, y en segundo lugar se
encuentra el desempleo con 15%. La delincuencia “ocupa las preocupaciones de la
mitad, un tercio y un quinto de las poblaciones de 7 países de la región. El desempleo,
en contraste, sólo es la preocupación principal de otros 5 países, pero en mucha menor
medida en cada país”.38
En Venezuela el 53% de los encuestados manifestaron haber sido víctimas de un
delito y en México el 42%. No obstante, en este último país la economía fue señalada
como el problema más importante por un 24%, a pesar de que el crimen organizado
tiene asolada a la nación, como jamás nadie se imaginó que podía acontecer. Un dato
adicional, en México, en los últimos ocho años, 130,000 elementos han desertado del
ejército, según manifestó el propio presidente de la República, y una buena propor-
ción de ellos fueron reclutados por el crimen organizado, que incluso los invita a unír-
sele a través de mantas colocadas en sitios claves de varias ciudades del país.
7. Publiqué un ensayo que intitulé: “La moral pública en México” para dejar
constancia de mi profunda preocupación sobre este tema.39 La tesis que sostengo con-
siste en que poder, dinero, corrupción, impunidad y mentiras son la quinteta de la
muerte para México, y es el ambiente moral dentro del cual han crecido nuestros
niños y jóvenes: es el ejemplo que generaciones de mexicanos les hemos dado, y esto
es lo que quieren alcanzar en su existencia a como dé lugar y sin importar los medios.

37 Corporación Latinobarómetro, obra citada, nota 11, pp. 98-101.


38 Ibidem, p. 23.
39 Carpizo, Jorge, “La moral pública en México”, en Voz y voto, núm. 181, México 2008; 38-45 pp.
Reproducido en Moral pública y libertad de expresión, varios autores, México, Jus, Res pública, Benemérita
Universidad Autónoma de Puebla y Fundación para la Libertad de Expresión, 2008; 9-33 pp.

26
El Contenido Material de la Democracia: Tendencias Actuales del Constitucionalismo Latinoamericano

Pues bien, en varios de los congresos y seminarios latinoamericanos a los que he


asistido, diversos participantes me han asegurado, toda proporción guardada y en
diversos grados, que la situación en su país es muy parecida a la que describo para
México. Entonces, me percaté de que el deterioro de la moral pública es un grave pro-
blema en varios países de nuestra región y probablemente en la mayoría de ellos.
Debo puntualizar que después de contemplar algunas de las causas de la actual cri-
sis económica mundial, me atrevo a afirmar, y considero que no me equivoco, que esos
problemas de moral pública reinan también en varios de los países más ricos del mundo
y en mayor proporción; fraudes de 50,000 y 8,000 millones de dólares cometidos por dos
personas, el descuido y el contubernio de los órganos supervisores, rescates de miles de
millones de dólares, que pagarán los contribuyentes, para salvar bancos y empresas
donde reinó la irresponsabilidad, la incompetencia, la corrupción, las mentiras, las dobles
contabilidades, y en donde a algunos de los responsables todavía se les jubiló con cientos
de millones de dólares. Todo igual o peor que en algunos países de América Latina, con
la sola diferencia del tamaño fenomenal e inmenso de los mismos problemas.
*
Es hora de finalizar y lo hago expresando una profunda preocupación: que varios
de los problemas expuestos en esta última parte de la ponencia-conferencia: la falta de
confianza en los partidos políticos, la atomización del sistema de partidos políticos, la
corriente reeleccionista, el debilitamiento de los poderes legislativo y judicial, los
referendos manipulados y no conducidos conforme a la ley, el problema del crimen
organizado y un deterioro en la moral pública, vayan a conducir, a varios o a muchos
de nuestros países, a una nueva ola, no de fortalecimiento de la democracia, sino de
hiperpresidencialismo, donde los pesos y contrapesos del poder se debilitan y la pro-
tección de los derechos humanos palidece.
Además, en América Latina no contemplo ni creo posible una fuerte democra-
cia material si la gran mayoría de la población no conduce una existencia digna, con
satisfactores económicos, sociales y culturales suficientes. El reto es enorme. Lo pode-
mos afrontar. De estos treinta años de fortalecimiento democrático y constitucional,
no debe darse ningún paso hacia atrás. Ningún retroceso. Al contrario. La ruta es el
fortalecimiento y la consolidación de la democracia política y social. Ello es también
nuestra responsabilidad y debe ser, asimismo, nuestro compromiso.

Ciudad Universitaria, D. F., marzo de 2009.

27
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados1
Asdrúbal Aguiar2

“Diríase que los soberanos de nuestro tiempo sólo tratan de hacer


grandes cosas con los hombres. Preferiría que pensasen un poco más en
hacer hombres grandes; que dieran menos importancia a la obra y más al
obrero, y que tuviesen siempre presente que una nación no será durante
mucho tiempo poderosa si los hombres que la componen son individual-
mente desvalidos”. Alexis de Tocqueville (De la démocratie en
Amérique: 1835-1840, vol. II, Flammarion, Paris, 1982).

“Cuando al ciudadano se le pregunta si está o no satisfecho con la


democracia, normalmente piensa no sólo en algunos avances económi-
cos, sino en las deficiencias del sistema político, en las del Estado y sus
instituciones y en los problemas económicos y sociales que le atribuye a
la globalización”. César Gaviria (La OEA: 1994-2004: Una década de
transformación. Washington, 2004)

Sumarioo: I. Introducción, para comprender el presente II. Entre el ideal planetario y el regreso a las cavernas
III. Crisis de la ciudadanía democrática IV. De vuelta al hombre y a su dignidad inmanente V. Grecia, partera de la
democracia VI. La fragua de la república antigua y medieval VII. En la hora de las revoluciones VIII. Un balance
provisorio IX. De la democracia formal y el ejercicio efectivo de la democracia X. Hacia la Carta Democrática
Interamericana XI. El derecho humano a la democracia XII. Los estándares contemporáneos de la democracia
XIII. La participación democrática XIV. La gobernabilidad XV. Otra recapitulación necesaria: El núcleo pétreo de la
democracia XVI. La agonía del Estado, cárcel de ciudadanos XVII. La democracia contra la democracia XVIII. Epí-
logo, para imaginar el porvenir XIX. Post Scriptum.

I. Introducción, para comprender el presente

[1] La Era varias veces milenaria que hace de la naturaleza objetiva y espacial
como de sus bienes el asiento de las ideas – “nuestras ideas son nuestros anteojos” dice
Alain o Émile Chartier – y de las culturas que éstas forman, está llegando a su fin. O
acaso, permaneciendo aquélla, se desplaza, pierde su importancia y actualidad. Tanto

1 El texto es la fuente de nuestra Lección Magistral de apertura del año académico 2008-2009, dictada en el
mes de octubre en la Facultad de Derecho de la Universidad Católica Andrés Bello, en Caracas.
2 Doctor en Derecho Summa cum Laude. Catedrático Titular de la Universidad Católica Andrés Bello
(Venezuela). Profesor Visitante de las Universidades del Salvador y de Buenos Aires (Argentina).
Académico Correspondiente de las Academias Nacionales. de Ciencias Morales y Políticas y de Derecho y
Ciencias Sociales de Buenos Aires. Miembro Asociado de la Academia Internacional. de Derecho
Comparado de La Haya.

29
Asdrúbal Aguiar

es así que un antiguo maestro argentino de Derecho internacional, Juan Carlos Puig,
fallecido hace casi tres décadas – aún no cae la Cortina de Hierro - se refiere a esa Era
“en la evolución geo-bio-morfológica terráquea”, conocida como “la del laboreo de los
metales y comenzada hace más o menos veinte mil años en el cuaternario”, para
observar que “hay quienes dicen – con razón – que la crisis que vive la Humanidad no
es simplemente el anuncio de una nueva época histórica” (De dicho autor, Promoción
de la dignidad humana y la justicia en el ámbito internacional: propuestas para el
cambio, discurso pronunciado en el 24º Congreso de la International Studies
Association, México, 6 de abril de 1983).
[2] Las cosas, renovables o no - la tierra sujeta a límites políticos y geográficos,
los instrumentos para la labranza e incluso para la guerra, las obras de ingeniería o del
arte manual, los medios para el transporte, los alimentos - pero dispuestas por la
Naturaleza para colmar las necesidades del hombre, por tener valor económico y tam-
bién espiritual son durante ese largo período de nuestra civilización la fuente del
poder real y el núcleo racional, qué duda cabe, de los credos civiles y hasta religiosos.
[3] A manera de ejemplos y en las antípodas, aún el socialismo marxista y el capi-
talismo debaten – a partir de tales cosas u objetos y de su acumulación – sobre las
opciones convenientes para asegurar el bienestar de la Humanidad y organizarla
social y políticamente. Aquél, bajo la forma de “democracias” populares tuteladas por
el Estado, el cual sujeta dentro de sí al hecho económico y a la realidad cultural trans-
formándolos en sus sirvientes. Éste, en pugna contra el Estado, predicando la demo-
cracia liberal y republicana, que afirma en sus autonomías y especificidades a las rela-
ciones sociales y a las de producción. Empero, lo veraz es que los bienes objetivos
como las estructuras productivas o públicas que los hacen realidad y que son motivo
de la diatriba entre las corrientes ideológicas enunciadas, se desplazan y sin sustitui-
dos – sobre este puente inacabado entre el siglo XX y el siglo XXI - por otros bienes
intangibles e inasibles, que le marcan un estilo propio y un sentido y derrotero radi-
calmente distintos a la vida del hombre. El tiempo que emerge bajo nuestros pies
implica una ruptura profunda con el tiempo conocido. No es ni será mejor o peor, sino
otro y en extremo distinto.
[4] La Era en cierne, dominada por la inteligencia artificial o la biotecnología,
por las comunicaciones satelitales y la información, se la comprende por medio de la
razón y el entendimiento o a la luz de los efectos de sus productos inéditos e ingenio-
sos, como las redes telemáticas, los computadores, los chips de memoria, los televiso-
res a plasma, los juegos electrónicos, la robótica, la nanobótica, la genética de alimen-
tos o de las medicinas. O acaso la observamos, sin entenderla, cuando se expresa en
las prácticas de clonación o de creación de la vida sin sexo, o en el propósito que anida
la reciente puesta en marcha de la llamada “Maquina de Dios”, que recrea el Big-Bang
o momento originario del Universo.
[5] Lo instrumental o lo que cubre o encierra a esta suerte de alma o chispa del
ingenio contemporáneo como sus derivados mercaderiles o políticos quedan en un

30
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

plano de subordinación. Lo esencial son la acelerada fragua de la “realidad virtual” y


sus efectos sobre el individuo como especie y como persona. En otras palabras, vivi-
mos el tránsito desde el tiempo de la explotación del hombre por el hombre y a pro-
pósito de la materia hacia el tiempo de la explotación por éste del mismo tiempo y su
velocidad. Se trata de nuestro ingreso como especie humana a la revolución tecnotró-
nica y a su inédita “sociedad de vértigo”, en movimiento constante, sin concesiones
para el tiempo.
[6] Los beneficios de tal Era nueva son ingentes e innegables, ciertos y constata-
bles, pero asimismo sus consecuencias, a veces alienantes, no discriminan pues des-
bordan el criterio de la localidad material y humana; a un punto tal que a los sectores
sociales preteridos del mundo o urgidos hasta de los insumos vitales para la subsisten-
cia, llegan antes y como símbolo de estatus e inclusión los medios – es el caso de los
teléfonos celulares y el Internet - aportados por la citada y descrita revolución del
intelecto. De modo que, desde hace algunas décadas, una generación apenas, se habla
de la fractura epistemológica, del quiebre en los fundamentos del conocimiento
humano y científico. Y quienes siguen apegados al antiguo lenguaje – espacial, proce-
dimental y materialista – describen dicho fenómeno con el nombre de globalización
o mundialización de la economía y del comercio, de los mercados en suma, por lo
demás tachándolo según el libelo de que atenta contra el orden social dado, nuestras
soberanías y nuestros modos de ser nacionales u originarios.
[7] Fernándo Bazúa, sociológo y politólogo mexicano, fija el evento en curso con
vistas a su expresión estructural y dual, económica y política: “Desde mediados de la
década de los ochenta – dice - el término globalización fue rápidamente incorporado al
lenguaje académico y al popular para designar: primero, los fenómenos asociados a la
mundialización de los mercados (o a su integración mundial) [por virtud del acelerado
avance tecnodigital], y, posteriormente, los fenómenos asociados a la des-soberaniza-
ción de los Estados [al romperse el carácter Estado-céntrico y territorial del sistema eco-
nómico internacional o la lógica capitalista Estado soberano-mercado nacional]” (Del
autor, “Mundialización”, en Perfiles Latinoamericanos, FLACSO, México, # 17, 2000).

II. Entre el ideal planetario y el regreso a las cavernas

[8] Luigi Ferrajoli, eminente filósofo italiano del Derecho, refiriéndose a esta
“incierta transición” que vivimos habla también sobre “los procesos de globalización
y de integración mundial que comprenden como dominantes a la economía, las finan-
zas y las comunicaciones”; pero destaca en paralelo y más allá de la acusada declina-
ción del Estado soberano e hijo de los espacios limitados – “demasiado grande para las
cosas pequeñas y demasiado pequeño para las cosas grandes” - la emergencia de “pro-
cesos de desagregación animados por instancias de autonomía política y fundados en
reivindicaciones localistas y comunitarias, nacionalistas, étnicas o religiosas entendi-
das como factores de identidad cultural”. No deja de sorprenderle que tal bipolaridad

31
Asdrúbal Aguiar

u oposición entre el sueño planetario que imagina Enmanuel Kant en pleno siglo
XVIII, y el apreciado desarraigo ciudadano en explosión, convertido en sectas neore-
ligiosas o en grupos o retículas sociales indígenas, ecologistas, comunales, de género y
otros tantos, esté anidado por miedos o preocupaciones de reciente cuño y bajo el
atropello del mismo cambio histórico dada su ineditez.
[9] El carácter fragmentario o celular que acusa el tejido o entramado social pos-
moderno, da lugar a una suerte de “cosmovisión casera” según la óptica del intelectual
argentino Albino Gómez. Ella parece explicarse, según sus reflexiones acerca de la
“sociedad moderna”, en la pugna no resuelta entre los sistemas nacionales tecno-eco-
nómicos – que se desplazan hacia lo mundial – y burocrático estatales: como institu-
ciones utilitarias básicas de la moderna sociedad occidental, y el sistema social y cul-
tural, víctima del tiranicidio – lo dice Habermas – por parte de éstas y mejor ganado
para la dimensión estética y racional de la vida (A. Gómez. Aproximación a la socie-
dad moderna. Clases magistrales. Revista Noticias. Buenos Aires, 18 de julio del 2009).
[10] Miguel de Unamuno, situado con su lúcido pensamiento en los albores dis-
tantes del siglo XX concluido tiene para entonces el tino de otear – sobre los efectos
del libre cambio mundial - lo raizal o permanente de la persona humana: su dignidad;
para explicar lo que ahora aprecia Ferrajoli preocupado. Palabras más, palabras menos,
para advertir que al final de cuentas “lo hondo, lo verdaderamente original, es lo ori-
ginario, lo común a todos, lo humano”. Señala, así, que a medida en que crece “el sen-
timiento cosmopolita de humanidad” también aumenta “el apego a la pequeña región
nativa”, la llamada por él “patria de campanario”.
[11] Unamuno, con espíritu beligerante opone ésta a la “patria de bandera” que
juzga artificio – como lo cree - del patriotismo de las grandes agrupaciones históricas,
cuya idea de nacionalismo “es hija de la fantasía literaria de los grandes centros urba-
nos” e impuesta por una suerte de feudales o gendarmes quienes a nombre de ella “han
teñido de sangre de hermanos las banderas todas”. Habla pues y en su circunstancia
de “un despertar de los sentimientos primitivos – una vuelta espiritual - que tendría
su base histórica en la primitiva comunidad de tierras”. Y al recordar que “toda la his-
toria humana es la labor del hombre forjándose habitación humana”, destaca la lucha
del hombre por desasirse de la tierra para ser “él quien la posea y no ésta a él”, en un
continuo objetivo y de objetos que, como lo vemos en la actualidad deja de ser tal en
su valor y significado para el hombre digital del siglo nuevo y en cierne (Del autor, La
dignidad humana, Espasa-Calpe, Madrid, 1967). La polaridad o tensión existencial en
cuestión – el mundo vs. las retículas que se miran o expresan en la patria chica una-
muniana - sigue siendo, según parece, una constante de todos los tiempos.
[12] Sea lo que fuere, la savia del movimiento o sismo histórico que mejor se des-
cribe como Era de las «autopistas de la información»: esas que apelando a los recursos
de la cibernética achican las distancias entre extremos geográficos y humanos y sobre-
dimensionan las realidades, tiene y dice algo aún más profundo y extraño.

32
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

[13] El propio Bazúa destaca en su narrativa, inductivamente y por lo mismo,


“los múltiples efectos de ambos procesos – la mundialización y la desestatización - en
prácticamente todas las dimensiones de la vida social”. No era impertinente, pues, que
el popular catedrático de las letras canadienses Herbert Marshall MacLuhan (1911-
1980), prefiera significar bajo el nombre de Aldea Global dicha realidad sobrevenida;
que hace posible la comunicación virtual y en tiempo real entre unos y otros seres
humanos situados a distancias extremas, pues al derivar el mundo en una pequeña
comarca, sus logros pero sobretodo sus problemas más agudos dejan de estar confina-
dos a los viejos espacios territoriales o culturales y se transforman en asuntos de inte-
rés común para todo el género humano. Incluso, aquellos asuntos más angustiantes,
como la pobreza o la criminalidad, sin que olvidemos las consecuencias del crecimien-
to demográfico, se muestran más escandalosos en sus verdades inocultables en virtud
de su despliegue exponencial o mayor capacidad ejemplarizante sobre los rieles de la
información instantánea mundial.
[14] Es como si ahora el velo protector de la vieja polis o ciudad, de nuestra inti-
midad nacional y soberana, por insuficiente, hubiese caído para dejarnos en la desnu-
dez total, diluyéndonos a los viejos ciudadanos en la muchedumbre. Es como si al
pequeño drama de nuestras existencias se le suma el drama igual de los demás hasta
hacérnoslo propio y cotidianamente insoportable. De allí nuestra acusada vuelta a las
cavernas, a las “patrias chicas” como también las llama e identifica Giovanni Sartori,
uno de los más respetados teóricos contemporáneos sobre la democracia: suerte de
regazo materno que aún nos protege y hace posible la vida introspectiva como políti-
camente inútil de nuestros contemporáneos. ¿O no es acaso esto lo que le ocurre a los
sectores juveniles del mundo, en especial a las llamadas “tribus urbanas”, declinantes
en sus curiosidades (Guillermo Jaim Etcheverry, “El declive de la curiosidad”, La
Nación Revista, Buenos Aires, 7 de septiembre de 2008) y excluyentes de todo aquel-
lo no se les parezca; quienes prefieren vivir anestesiados y abstraídos bajo los audífo-
nos de un minicomponente musical de última generación?
[15] No por azar, sobre tal telón de fondo, Jean-Marie Guéhenno escribe en 1995
sobre el fin de la democracia, arguyendo que 1989, antes que cerrar el tiempo inicia-
do en 1945, superada la Segunda Gran Guerra, o en 1917, con la instalación del comu-
nismo en Rusia, le “pone fin a la era de los Estados – naciones”, se clausura aquello
que “se institucionalizó gracias a 1789”. Y dice bien que la nación no tiene más defi-
nición que la histórica, “es el lugar de una historia común, de comunes desgracias y
de comunes alegrías”, pero a fin de cuentas es el lugar. Pero lo cierto es que en la edad
de las relaciones que marcha con ritmo creciente, el territorio y la proximidad terri-
torial pierden importancia. El mundo se hace más abstracto e inmaterial, señala
Guéhenno, para luego ajustar que la nación “está amenazada como espacio natural y
del control político”. Su observación no deja ser pertinente, en medio de la cruda rea-
lidad que dice tener ante sí. Habla de “libanización” del mundo, pues las comunida-
des se convierten en fortalezas y prisiones, a un punto tal que las “líneas punteadas”

33
Asdrúbal Aguiar

que separan a los Estados surgen al interior de cada Estado, sin que por ello mengue
la actividad relacional, incluso global, pero, eso sí, entre individuos semejantes por
necesidades y no entre diferentes por compatriotas.
[16] Las conclusiones de Guéhenno son terminantes. Señala, de manera prelimi-
nar, que de la antigua “ciudadanía” nada queda y es “un cómodo medio de manifestar
mal humor hacia unos dirigentes”. Durante dos siglos, en efecto, hemos pensado la
libertad [léase la democracia] a través de la esfera política que había de organizarla”.
Y advierte, por otra parte, que “se ha entablado una carrera entre la difusión de la téc-
nica [a nivel global], que aumenta los medios de la violencia, y la difusión relacional
del poder [por obra de la difuminación social o la ruptura del tejido social que sopor-
ta a nuestros Estados Naciones], que la desactiva” en una suerte de paradoja.
[17] Ha lugar, en síntesis, un cambio de ciclo en la historia de la civilización. Más
allá de su vocación mundial o de su consecuencia: el agotamiento del Estado y de su
organización republicana, por impersonal y patrimonial e hija del espacio material,
tiene por objeto y sujetos al individuo o individuos y a la Humanidad Totalizante. Deja
en espera o sujeta a revisión a todas las formas sociales, geopolíticas intermedias y sub-
sidiarias conocidas: las regiones, las provincias, las municipalidades y hasta las comu-
nas. Los individuos quedan libres de ataduras y sujeciones asociativas, abandonan sus
identidades “ciudadanas” o correspondencias con la “patria de bandera” y en paralelo
pierden las seguridades que les aporta el propio Estado o sociedad política moderna. De
suyo, en lo sucesivo medran huérfanos, solitarios, en espera de otras seguridades que
sustituyan a las anteriores pero que no llegan con la urgencia reclamada. De allí el
regreso a las cavernas, cabe reiterarlo, y los nuevos miedos o angustias que al igual que
los sufre el hombre medieval hacen presa del hombre de nuestro tiempo.
[18] La lección de este relato, en apariencia especulativo, no se hace esperar. Nos
dice lo que George Orwell observa con presciencia en su novela de ficción política
1984, editada en 1949: la emergencia de una “dictadura gris” en el mundo. Pero nos
indica que igualmente ingresamos sin percatarnos, como actores o como espectadores,
al teatro de la razón y del intelecto; por lo mismo, a un escenario proclive en teoría a
la exaltación de la vida humana cuando se la entiende como algo más que mera expre-
sión biológica y terrenal. No obstante lo cual, quizá por la premura de los sucesos en
curso y la sobreabundancia de informaciones que acompaña al uso de los ordenadores
y de las redes satelitales, nos arrastra de modo tan violento que provoca una parálisis
o dislocación de la voluntad individual y también social. Nos torna a la mayoría en
escépticos escrutadores del presente e incapaces, por lo pronto, de hacer de nuestras
concordancias una voluntad común y de canalizarla adecuadamente para ayudar en el
cambio efectivo e inevitable de las cosas.
[19] El asunto en cuestión reside en no saber qué nos espera o en nuestra sobre-
venida incapacidad para detenernos y mirar con calma lo que nos rodea y reconocer-
nos, mejor aún, como señores del mundo y de nuestro entorno; en suma, es nuestra
falta sobrevenida de aldabones a los cuales asirnos fuertemente – como lo son, cabe

34
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

repetirlo hasta la saciedad, nuestras identidades ciudadanas y sus garantías dentro del
Estado - mientras logra sedimentar el tránsito hacia ese otro estadio de la vida huma-
na más ganado para lo imaginario. El dilema es que en la medida en que la nueva cos-
movisión se afirma y llega con sus provisiones a buena parte del género humano y éste
las recepta con ánimo crítico y constructivo, otra parte, la mayor cuota, o no tiene más
opción que la servidumbre digital o acaso les resulta confortable dejarse arrastrar por
las corrientes adormecedoras que fluyen vertiginosas por el ciberespacio.
[20] De modo qué – he aquí lo central - a falta del Estado Nación y la mengua
inevitable de sus correas de transmisión – los poderes públicos y sus instituciones, la
organización geopolítica vertical, los partidos políticos, la misma ciudadanía y el sen-
tido de pertenencia que apareja - el hombre, varón y mujer de nuestra Era, sintiéndo-
se moralmente abandonado, si corre con suerte puede dar un “salto cuántico” hacia
planos de desarrollo personal integral nunca antes imaginados. Pero si usa de las cien-
cias de la información con criterio “logofóbico” y a ellas se ata apartando los concep-
tos y haciendo de los símbolos e imágenes computados la finalidad y no el medio para
su realización personal en plenitud, puede moverse apenas hacia un estadio de aliena-
ción y neomaterialismo más gravoso que el precedente.
[21] En las Universidades de Paris-Dauphine y de Cornell, en los Estados Unidos,
como en la London School of Economics, otra vez se habla y debate, no por azar, acer-
ca del materialismo filosófico, para dar cuenta no de los problemas del dinero, de la
acumulación o del denominado capitalismo salvaje tan denostado por el populismo de
transición, sino para apuntar – lo narra Alberto Benegas Lynch, miembro de las
Academias de Ciencias y de Ciencias Económicas de Buenos Aires – que el hombre,
desatado de las mediaciones sociales conocidas – la ciudad, los Estados, la propia orga-
nización regional o universal que reúne a éstos - y expuesto como queda al dominio
cibernético en curso arriesga perder su libre albedrío y hasta la conciencia, programa-
bles por anticipado a manos de los landlords del siglo XXI (“La incongruencia del
materialismo”, La Nación, Buenos Aires, 20 de agosto de 2008).

III. Crisis de la ciudadanía democrática

[22] El problema que propone el cambio de Era y que interesa escrutar no es tan
sencillo y formal como nos lo presenta con su innegable autoridad Sartori. Dice él, en
línea distinta a Ghéhenno, sobre la paradójica coincidencia de ser 1789 el año de igni-
ción de la chispa revolucionaria que nos lega a la república moderna o al Estado gober-
nado por las leyes y, luego, con la primacía de los derechos del hombre y del ciudada-
no, a la moderna democracia; y que sea en 1989 cuando prende “la [otra] chispa que
cierra el ciclo revolucionario comenzado en París exactamente doscientos años antes”.
[23] El autor reduce el contexto de su análisis a dar cuenta de la caída del Muro
de Berlín el 9 de noviembre del último año, para afirmar que “la disolución del comu-
nismo nos deja en presencia de un vencedor absoluto: la democracia liberal”, al haber-

35
Asdrúbal Aguiar

se extinguido, por falaz, la oposición de medio siglo entre la supuesta democracia for-
mal (capitalista) y la real (comunista) y, de suyo, al señalar que la real y probadamen-
te legítima democracia, por llevada a cabo y supérstite, es la liberal. De modo que, a
la luz de dicho razonamiento, la “macrodemocracia” moderna puede resolver sobre las
relaciones entre el ciudadano y el Estado y reconocer que la persona humana tiene un
valor intrínseco que desborda a la propia ciudadanía, a la sociedad y al mismo Estado,
y se niega a la fórmula totalitaria “todo dentro del Estado” o “todo por el Estado”,
inherente a la experiencia soviética. No imagina Sartori, sin embargo, que veinte años
después, así como cae la Cortina de Hierro sobreviene el efecto “Wall Street”, que en
esta hora pone en duda y sobre el tapete la viabilidad futura de la experiencia social y
política que él señala como supérstite.
[24] Lo esencial a tener en cuenta, como lo creemos, es que la lógica de ambas
perspectivas se inscribe en una mayor o menor proximidad del individuo a la socie-
dad política y al Estado que la expresa, pero que se encuentran cuestionadas en su
validez y vigencia por efecto de la misma globalización y de su contrario, el ensimis-
mamiento señalado del hombre por huérfano de identidad. Para una u otra perspec-
tiva, qué duda cabe, el Estado sigue siendo el referente necesario. Lo veraz, cabe repe-
tirlo, es que el mismo Estado que fragua como necesidad impersonal e instrumental a
inicios de la modernidad – es la predica intelectual de Macchiavello, de Juan Jacobo
Rousseau y también de Hegel – y que asume por cuenta de la voluntad general de los
ciudadanos la gestión profesional de los asuntos públicos mientras éstos o la propia
sociedad civil – todavía sedentaria - se ocupan de sus asuntos particulares, cede y
declina. Las razones huelgan. Quizás, en la medida en que se hacen más complejos los
cometidos del mismo Estado impersonal y en la misma proporción en que madura la
tradicional sociedad sedentaria por obra de la sobreabundancia informativa, también
se hace crítica y más autónoma, desbordando a éste con sus demandas, y aquél deri-
va, a su vez, en un andamiaje infuncional para los intereses cotidianos de la gente.
[25] Lo anterior es constatable, todavía mejor, mediante la apreciación de la “cri-
sis profunda y corriente del Derecho” o del Estado de Derecho, que tanta incomodi-
dad social y colectiva procura. Su mejor emblema lo encontramos, dentro de las
Américas, en el impune desafío por la mayoría de los gobiernos a la denominada
“razón jurídica”: que no sea para disponer de las formas constitucionales y legales al
servicio de la fuerza o del interés partidario de los mismos gobernantes. Tal invoca-
ción de la crisis actual de seguridad jurídica no es un ejercicio de “autolapidación”
obra de la incertidumbre y en una coyuntura en la que, en defecto de las mismas ins-
tituciones del Estado se hacen espacio los traficantes de ilusiones: ventrílocuos de un
poder público y político inanimado.
[26] En los países de mayor tradición civil como democrática se aprecia una igual
falencia de legalidad constitucional, aun cuando se la muestre atenuada – lo refiere el
mismo Ferrajoli – y se manifieste en la ineficacia de los controles y contrapesos insti-
tucionales sobre quienes detentan el señalado poder público; esos que imagina nece-

36
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

sarios para la garantía de los derechos fundamentales de la persona humana – bases de


la democracia liberal – el Barón de Montesquieu (1689-1775). De allí que, quienes son
titulares del poder lo ejercen a la manera de gendarmes de nuevo cuño, sin recato;
pero al igual que los del pasado lo usan como arbitrio propio y ejercitan prácticas de
evidente corrupción constitucional y legislativa al fragmentar el andamiaje normati-
vo e interpretarlo a conveniencia bajo una supuesta y legítima finalidad: la eficiencia
social o la seguridad interior reclamadas por las mayorías. Los casos de Hugo Chávez,
en Venezuela, de Rafael Correa, en el Ecuador, como los de George W. Bush, en
Estados Unidos, o Silvio Berlusconi, en Italia, situados en los extremos expresan un
denominador común.
[27] Ello revela el otro ángulo de la crisis global corriente, cual es la contradic-
ción – que menciona Ferrajoli – entre el citado Estado de Derecho, que marca límites
y prohibiciones generales y abstractas – la igualdad de todos ante la ley, en la ley, y
en la aplicación de la ley – dirigidas a los poderes del Estado y a la sociedad, y el lla-
mado Estado Social, que se ve obligado a la desarticulación de las leyes o al dictado de
leyes de emergencia selectivas – incluso contrarias a la primacía del bloque de la cons-
titucionalidad - sobre la base del señalado desbordamiento en los reclamos sectoriales
o particulares de grupos sociales en movimiento incontenible y que arguyen el dere-
cho a ser diferentes.
[28] Ha lugar, por lo demás, a la coetánea crisis de la noción de soberanía que
soporta al moderno Estado Nación, cuyo poder decisorio se desplaza hacia arriba – a
manos de centros globales no estatales y con mayor potencia: las redes financieras,
telemáticas o de las comunicaciones, o gestoras del comercio universal – o hacia abajo,
fracturándose la misma en su unidad e imperio jurídico, por presión de las localidades
y comunidades de base emergentes y el sostenimiento de sus intereses primarios o
culturales, de suyo excluyentes de la otredad. En fin, el sentido de coherencia, de ple-
nitud, de generalidad, de integralidad, y de acotamiento jurisdiccional alcanzado por
el Derecho bajo la égida del Estado moderno y para el avance del hombre desde su
estadio de naturaleza hasta el estadio de ciudadanía, hace aguas. En su defecto privan,
en lo inmediato, la anomia social y la ingobernabilidad política.
[29] No es un accidente, en este orden, como una vez superada la oposición
democracias versus dictaduras que rige antes y luego de la Segunda Gran Guerra del
siglo XX, en 2001 la Cumbre de las Américas se muestra sorprendida por la emergen-
cia de otras y muy distintas “amenazas contra la democracia”. Los Jefes de Estado pre-
sentes en ella, tomando nota del gobierno peruano de Alberto Fujimori se ven obliga-
dos a discernir entre los clásicos golpes de Estado “cuarteleros” y la “ruptura incons-
titucional del orden democrático de un Estado”, también denominada grave “altera-
ción constitucional”. Toman nota, así, de la tendencia en curso y propia del cambio
histórico atinadamente descrita por Alain Touraine: “la democracia es víctima de su
propia fuerza”. En otras palabras, la legitimidad democrática formal de los gobiernos
nacidos del voto se ve sucedida por una pérdida de la legitimidad de éstos en cuanto

37
Asdrúbal Aguiar

a su desempeño, no pocas veces mediante el ejercicio del poder fuera de los odres de
la democracia, practicando exclusiones políticas, confrontando a los sectores sociales
y, lo que es más sorprendente, mediante prácticas inconstitucionales tácitamente con-
sentidas por la población.
[30] En síntesis, así como el logro fundamental de la democracia en su visión
moderna reside en la “política del reconocimiento del otro” (Charles Taylor, The poli-
tics of recognition, Princenton University Press, 1992), o en el principio del pluralis-
mo o la diferenciación, según lo ajusta Sortori, cabe observar con Touraine y además
de lo dicho que “entre la economía mundializada y las culturas agresivamente reafir-
madas sobre ellas mismas y que proclaman un multiculturalismo cargado de rechazos
al otro, el espacio político se fragmenta y la democracia se degrada” por falta de su
unidad instrumental. Y al perder su eficacia el asiento formal – el Estado o la polis de
nuestro tiempo - que le sirve de apoyo a los mismos instrumentos de la democracia,
cabe, sí, la honda y atinada reflexión del catedrático hispano Javier Roiz que hacemos
nuestra y es punto de partida de la reflexión sobre la democracia y sus perspectivas
hacia el siglo XXI que consta en estas páginas.
[31] Luego de retomar en su libro El gen democrático (1996) la máxima de la
antigüedad a cuyo tenor “la república… dependía de la disposición de sus miembros
para vivir según las prescripciones del «humanismo cívico» y para preferir la vida cívi-
ca a la vida privada”, escapando a lo estructural y yendo a lo medular Rois considera
que la teoría democrática no parece tomar muy en cuenta el mundo interior – el lla-
mado self – o inconsciente que subyace y no pocas veces presiona a cada individuo y
a todos los individuos en la hora actual: sus temores, sus impulsos, sus deseos, como
los “mecanismos y funciones psicológicas que trabajan sobre la conducta humana sin
que su ritmo o alcance puedan ser afectados por la voluntad soberana [o racional] del
[mismo] sujeto”.
[32] Pensemos, a manera de ejemplo, en quien, llamado por su conciencia al ejer-
cicio de la ciudadanía democrática, depende, para subsistir – no hablemos de su exis-
tencia humana plena – en un mundo virtual y de acelerada competitividad, de su
adhesión forzada a parcialidades que no comparte o de la aceptación de una dádiva
corruptora. Rois prefiere recordar el caso complejo de la conciencia del ciudadano -
¿hasta donde llega? - emergido de los horrores de la guerra” o de las víctimas del
Holocausto último, para al final preguntarse, en el hoy, lo que todos debemos pregun-
tarnos: “Si el sujeto atribuido a la democracia no es sino un muñeco de deseos – una
presa de sus miedos e inseguridades, agregamos – implantados en él a través del bino-
mio poder/conocimiento” o por imperativo de su señalado repliegue hacia las caver-
nas o patrias de campanario “¿cómo - y dónde - debemos buscar al nuevo sujeto de la
democracia del siglo XXI?”.
[33] No es ocioso trasladar textualmente la reflexión in extensu de Rois, porque
mejor expresa y resume nuestra larga consideración inicial: “En una situación de anu-
lación de fronteras, de tanta desaparición de límites, y en la que la vida fluye por todas

38
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

partes sin orden aparente, ya no digamos concierto, el individuo de la democracia


actual se encuentra que ha ido demasiado lejos. Azuzado por el miedo a la tiranía;
asustando por el abuso físico del hambre, la carencia afectiva o la humillación públi-
ca; y melancólico siempre por la decadencia de su cuerpo, las enfermedades, las agre-
siones a su salud y la vejez; se ha sumado a la carrera despavorida que sólo tiene una
meta, dejar las pesadillas y los miedos bien atrás y guardados bajo llave. Encerrarlos
en el pasado de una historia-tren con furgones estancos, en donde estos fantasmas se
mantengan bajo control y con sus ataques desactivados”.
[34] La conclusión no se hace esperar. La historia universal cierra un ciclo y abre
otro ante nuestras narices. De allí que, sin que todavía expanda sus pulmones el ciclo
de la civilización naciente aquí y allá surgen pitonisas del pasado, quienes, con apa-
rente buena fortuna y de modo contrario a la humana condición, le ofrecen a cada
individuo, huérfano de ciudadanía, borrarle toda memoria pretérita y hacer de él un
“hombre nuevo” – lo pide Ernesto “Che” Guevara y lo repite Chávez en Venezuela –
con historia igualmente nueva y diferente. “Una revolución, podría decirse, quiere
comenzar la historia, no continuarla”, ajusta Rois con agudeza.
[35] Por lo pronto, ayudados por Jacques Maritain y su ideario permanente pode-
mos afirmar, sin necesidad de apelar a astrólogos o brujos de oficio, que para reducir
las incertidumbres del presente y domeñar el futuro cada individuo y cada persona ha
de confiar en su perfectibilidad. Su primera tarea - no por ello menos ciclópea e impos-
tergable – es, por lo mismo, separar lo efímero y volátil de lo que no lo es. Han de aban-
donar las generaciones en formación, si pueden, la citada sobreposición del lenguaje o
los símbolos que hacen posible sus diarios y necesarios “chateos” virtuales o correos
electrónicos, pero les impiden reeditar con sentido penetrante y vivificador el diálogo
humano verdadero y les obstaculizan dejarse atrapar por el juego constructivo de las
almas y del afecto societario. “No es el lenguaje el que da vida a los conceptos, son los
conceptos los que hacen al lenguaje”, dice M. Jacques, epígono de la filosofía política
cristiana del siglo XX finalizado. La polis griega, esa que sirve de primer asiento a la
experiencia de la democracia, es, como cabe recordarlo en esta hora, una prolongación
de la ética y del espíritu familiar y luego asociativo, por vocaciones, que prende prime-
ro y antes en quienes luego se hacen ciudadanos y hombres políticos a carta cabal.

IV. De vuelta al hombre y a su dignidad inmanente

[36] Volvamos al análisis de Ferrajoli. Montado sobre la realidad descrita y desde


su perspectiva de filósofo del Derecho, afirma no saber si al final del tránsito históri-
co corriente se realiza el proyecto cosmopolita o vivimos en medio de guerras civiles
y bajo el dominio de la fuerza, de los sectarismos grupales. Y es que la crisis del
Derecho y de la misma política que soporta a las leyes es el reflejo igual, reiteramos,
de la indicada crisis del hombre como ciudadano y también como hombre, por defec-
to sobrevenido del Estado que lo contiene y de las seguridades que le ofrece.

39
Asdrúbal Aguiar

[37] De modo que el destino de la transición planteada y más allá de los odres
declinantes del Estado Nación vuelve a depender, inevitablemente, de la política y del
Derecho; tanto como depende de éstas el nacimiento del mismo paradigma de ese
Estado constitucional que nos acompaña durante los dos últimos siglos e incluso desde
mucho antes, desde el propio Renacimiento, cuando Bartolo de Saxoferrato reclama
del Sacro Imperio Romano Germánico la capacidad de las ciudades “de hacer sus pro-
pios estatutos” y de organizar su gobierno de la manera que ellas prefieran: “en seme-
jante caso – arguye el posglosador de las leyes civiles de la antigua Roma – “la ciudad
misma constituye sibi princeps, es un Emperador en sí misma”.
[38] Al margen de las concepciones de la política y del Derecho anejas a la demo-
cracia que decanta dentro del Estado moderno, lo innegable es que a pesar de la ano-
mia corriente cabe reconocer una suerte de radicalización intensiva y extensiva del
principio de la misma democracia; si nos atenemos, que no basta, a su alcance etimo-
lógico: el “poder del pueblo”. Hay, como lo indica la doctrina alemana más reciente,
un desangramiento popular de “reivindicaciones normativas y materiales”. Crece la
participación de la gente a un punto tal que supera los ámbitos que le son reconoci-
dos a la ciudadanía en el modelo de representatividad democrática y segmentación del
poder conocido.
[39] César Cancino, joven pensador mexicano, refiere que en América Latina se
observa “una sociedad civil cada vez más madura” y que a pesar de los anquilosados
políticos profesionales nuestras democracias persisten bajo la terquedad ciudadana.
“Hoy – señala el autor de La muerte de la ciencia política – la persistencia de la demo-
cracia se juega en el espacio de lo público-político como la calle, la plaza, la escuela,
la fábrica, la ONG, el barrio, el chat, el blog, lugares donde los ciudadanos ratifican su
voluntad de ser libres y donde producen contenidos simbólicos que ponen en vilo al
poder constituido (La Nación, Buenos Aires, 21 de septiembre de 2008).
[40] No obstante, Ulrich Rödel, Gunter Frankenberg y Helmut Dubiel, miem-
bros del “Proyecto alemán de transformación de la concepción de la democracia”,
afirman, en línea con nuestro comentario sobre la crisis terminal del Estado moder-
no, que “los canales existentes para la configuración de la opinión y de la voluntad
políticas [si bien] son utilizados con mayor intensidad [por obra, qué duda cabe, de la
revolución digital],… precisamente esta utilización intensiva da ocasión para las
dudas, desde el punto de vista del autogobierno, de la conveniencia de las formas ins-
titucionales existentes”. Y también es cierto que junto a lo anterior o en paralelo a ello
hay expresiones de violencia intestina sostenida marcadas por la intolerancia y por el
extremismo en distintos lados de la geografía global; pero, llámenseles adherentes o
no a la mundialización y sean o no militantes del multiculturalismo varias veces cita-
do, todas a una tachan y expulsan a quien no estiman semejante. Vivimos, junto a la
movilización de una “ciudadanía activa” y autónoma, la globalidad del egoísmo y la
localidad de las exclusiones. Una y otra acarician por igual sus dogmas, sus pensa-

40
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

mientos únicos, y son, de conjunto, los símbolos del poder no institucional que nos
acompaña; en lo cual ha de coincidir Cancino con los alemanes.
[41] A Ferrajoli le preocupan, por lo anterior, los efectos que las circunstancias
anotadas tienen para el futuro de las garantías de los derechos fundamentales del ser
humano - por las acusadas falencias de espíritu ciudadano, de Estado, y de Estado de
Derecho - y para el mismo porvenir de la democracia; ya no solo la formal u origina-
da en el voto o ejercicio de la soberanía popular, sino la sustantiva, la que evita que la
mayoría tumultuaria afecte con sus reacciones de coyuntura la rigidez constitucional
de los derechos humanos y la supremacía del principio axiológico fundacional de la
dignidad humana junto a sus garantías indispensables.
[42] Por consiguiente, reconstruir a partir de la globalidad o mundialización
dominante implica como hipótesis postergar la pluralidad o la diferenciación social
que es sustantiva a la democracia y también el poder decisorio de los pueblos y comu-
nidades que reivindican su antigua titularidad soberana o acaso intentan hacerse de
una autonomía de la voluntad mejor adecuada a sus sobrevenidas condiciones de
“pequeñas patrias” o retículas sociales. No se olvide que el mismo Saxoferrato, a fina-
les del Medioevo y al defender la autoridad e independencia de las “ciudades” dentro
del llamado Regnum Italicum, y al preguntarse quien sirve como juez de apelaciones
a falta del Sacro Emperador y gobernándose las ciudades a sí mismas, responde que
“en tal caso, el pueblo mismo debe actuar como juez”. Lo cierto es, sin embargo, que
los problemas y asuntos de carácter global, por diferentes, muestran una entidad y
complejidad tales que, en principio, las decisiones sobre éstos quedan reducidas a la
opinión más calificada y experta de la “aristocracia digital” emergente.
[43] En la otra banda o hipótesis alternativa, reconstruir desde la localidad o
desde la multiculturalidad, sin que medie un hilo conductor o hasta un mito movili-
zador común, provoca el mismo efecto negador del pluralismo por el carácter exclu-
yente que apareja la respectiva localidad cultural, étnico originaria, ambientalista o
neoreligiosa, con su concepción introspectiva del cosmos; y también relativiza la
noción democrática, al pretender que todas las experiencias de la política y de la civi-
lización concurrentes queden subsumidas bajo los fueros particulares de la localidad
o cultura fragmentaria que logre el dominio. Empero, es un dato de interés respecto
de lo último que quienes, como actores políticos y gubernamentales, propulsan la cor-
riente “crisis de la legalidad” comentada antes y hasta estimulan la disolución de los
lazos sociales conocidos, fundados en la tolerancia social y política, no aceptan - como
ocurre en los casos de Venezuela, Ecuador o Bolivia - que sus propuestas de ruptura
histórica o revolucionaria sean antidemocráticas, todo lo contrario. ¿Trátase de una
vuelta ingenua y estéril a la antigua polaridad entre democracia occidental y “demo-
cracias” comunistas o acaso media, como lo creemos, una deliberada prostitución del
lenguaje y de los símbolos para restarle significado a la democracia verdadera?
[44] Al constatar lo inmediato, observando el agua sobre el delta y sin reparar
sobre su explicado recorrido desde la fuente, sea cual fuere la historia de nuestra

41
Asdrúbal Aguiar

democracia liberal moderna lo demostrado es que no vive su mejor momento. Sus


categorías o estándares conocidos revelan un agotamiento e infuncionalidad manifies-
tos, tanto como le ocurre a la mal denominada y desaparecida democracia popular. A
la merma general de la confianza hacia la política, hacia los políticos y lo que repre-
sentan, en conclusión, se le unen dos cuestiones en principio antagónicas pero que ali-
mentan de concierto la reedición del populismo y de la antidemocrática personaliza-
ción del poder y su ejercicio. Tiene lugar, cabe insistir otra vez en ello, una adhesión
tácita o expresa, una “sensibilidad creciente hacia el abuso de poder de los órganos eje-
cutivos”, como lo refiere Ferrajoli, y la misma gente, cabe reiterarlo, desborda los
canales hechos y constituidos para la construcción de la opinión publica y acude a
practicas y manifestaciones no convencionales, teñidas en su mayoría de desobedien-
cia civil e insostenibles, aquélla y éstas a mediano plazo.
[45] Somos convencidos junto a la doctrina alemana invocada del inmenso daño
que a la concepción democrática y a su práctica le hace la señalada oposición demo-
cracia liberal versus democracias populares, instaladas hasta finales del pasado siglo
tras la Cortina de Hierro. Como lo apuntan Rödel y sus colegas, ambas compiten por
el mismo bien normativo: realizar la soberanía popular y la citada autodeterminación
mediante estrategias institucionales diametralmente antagónicas; pero una y otras se
hacen espacio – cultivándolo o en conflictividad - dentro de la realidad histórica del
Estado Nación y confundiendo a la democracia con éste, que es medio o continente;
mas olvidando que la democracia, en esencia y como contenido es primariamente
derecho subjetivo, si se quiere un derecho humano totalizante o el mismo derecho a
los derechos humanos y a sus garantías. Es algo más que dice más, incluso, que la mera
práctica de la ciudadanía.
[46] Quizás, por ello, el espacio de la política y para la política es creado por la
Grecia Antigua para el ciudadano (polites), y la titulada polis, que expresa la idea de
“muro”, desborda la idea de la frontera de la ciudad como protectora frente a las coac-
ciones externas; en otras palabras, no se reduce ésta al poder político organizado. Es,
en sustancia, el muro que divide o separa la esfera de la libertad, el espacio – lo pre-
cisa Cynthia Farrar, investigadora en Cambridge, en la obra colectiva de John Dunn
– “entre la esclavitud y la tiranía”. Por su misma naturaleza, “la ciudadanía en la polis
estaba al mismo tiempo íntimamente relacionada con el bienestar personal”, sin anta-
gonizar; pero la polis como “espacio público”, eso sí, es considerada o nominada to
meson, es decir, el centro o punto medio donde ha de resolverse “la posibilidad de
conflictos entre la personalidad del individuo y su identidad cívica”.
[47] No es posible creer o sostener, a la altura del descomunal terremoto histó-
rico en curso que nos hace presa, que el vino nuevo cabe vaciarlo en odres viejos.
Como es ingenuo pretender que el vino nuevo sea inmune a las uvas de la corrupción.
De donde, sea lo que fuere, admitidos - con los teólogos de la ética global Hans Küng
y Kuschel y mutatis mutandi - los conceptos clave del presente: el hundimiento del
comunismo, la globalización en sus múltiples ámbitos vitales, la expansión del poder

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La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

de la prensa sin rostro, el predominio de lo económico-financiero, los saltos cuánticos


en la biotecnología, el choque de las culturas, la fractura del tejido social de las nacio-
nes, el aumento sea de la criminalidad transnacional sea del terrorismo deslocalizado,
o la revolución digital que a todos nos engloba, no queda otra alternativa que cons-
truir ex novo y con la mirada puesta en los orígenes. Y a partir de éstos, reconocer lo
que permanece más allá de las diferencias y de la experiencia humana temporal.
[48] Hemos de apostar otra vez al hombre con sus falencias muchas, obligándo-
lo a la profilaxis del cinismo y provocando en él su reencuentro con las leyes funda-
mentales de la decencia; leyes universales que se reducen a “tratar humanamente a
todos los seres humanos”, a ejercer la libertad reconociendo en los otros lo distinto y
aceptando la igualdad en la dignidad; y a “no hacer a los otros lo que no quiere cada
persona que se le haga a sí misma”, léase, promover el espíritu de la solidaridad entre
todos, varones y mujeres. Libertad, igualdad y fraternidad, es, en efecto, la magistral
síntesis que subyace en el ideario de la Revolución Francesa de 1789; síntesis que no
cesa con independencia de los moldes u odres formales o institucionales cuya finitud
ahora nos deja viudos a los demócratas y cultores de la razón jurídica, tanto como la
caída de la Cortina de Hierro hace viudos a los practicantes del socialismo real, luego
de 1989.
[49] Nada distinto de esta síntesis inspira al Decálogo, a las Tablas de la Ley en
la más remota Antigüedad. Nada extraño a la misma es el soporte ético de la
Declaración Universal de los Derechos Humanos de 1948. Nada que no sea el recono-
cimiento de esa línea transversal que a todos nos ata más allá de las retículas sociales
que nos cobijan en la transición, es decir, la unidad y unicidad irrepetible de cada per-
sona como proyecto humano y las carencias materiales y morales que la obligan a la
alteridad, a su encuentro con los otros, le da validez a la norma que en buena hora
introduce la Constitución alemana de 1949, nacida sobre el “mal absoluto”: “La digni-
dad humana es intangible”. Así que, en cuanto a lo que nos interesa, las preguntas
esenciales no se hacen esperar
[50] ¿En defecto del Estado – acaso cárcel de la ciudadanía - y de sus poderes
declinantes, que erróneamente se hacen sustantivos y no instrumentales a la libertad
del ciudadano y cuyo lugar – el del Estado y también el del ciudadano – lo ocupan en
el instante quienes en calidad de gendarmes neosocialistas o neoliberales dicen repre-
sentar a las víctimas de la pobreza y del desafecto social o a los esclavos de la violen-
cia terrorista, cuál es la alternativa? ¿Y ante la tiranía de la expansión “tecnotrónica”
global o la “dictadura gris”, que no conoce de fronteras materiales ni humanas, exis-
ten opciones? ¿Cuál es el punto medio o el centro para la renovación de la experien-
cia democrática y para la fragua de la polis del siglo XXI y qué imagen o forma – mate-
rial o virtual – podemos hacernos de ésta, como fiel expresión que ha de ser, a su vez,
del polites o ciudadano planetario y también del nuevo hombre de las cavernas?
[51] Por lo visto y por lo pronto es pertinente la observación del Director de la
Escuela de Altos Estudios sobre Ciencias Sociales de París, Pierre Rosanvallon: “La

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Asdrúbal Aguiar

démocratie n’a cessé de constituer un problème et une solution pour instituer une cité
d’hommes libres”. Es la tarea pendiente de realizar otra vez como en los orígenes más
remotos de la democracia o de nuestra moderna “república constitucional”.

V. Grecia, partera de la democracia

[52] La historia de la democracia en tanto que experiencia real y esencialmente


humana – Protágoras la asienta en la “naturaleza humana” – es más antigua que la pro-
pia historia escrita, si partimos de la obra magna y en prosa del griego Herodoto de
Halicarnaso, nuestro primer historiador. Si las circunstancias de la democracia hoy
son otras, radicalmente distintas según lo anticipamos, tal ejercicio de revisión hacia
el pasado remoto puede permitir la prevención acerca de lo que Sartori llama las
“trampas” nominales de la democracia; a objeto de sortearlas y también para entender
la necesidad, ante una recreación ex novo, de adecuar el «deber ser» y el «ser» demo-
cráticos con vistas a la democracia posible, mejor aún la democracia perfectible, en
tanto y en cuanto no deje de mirarse en la naturaleza humana señalada y obvie los
pecados del extremismo: “Desde siempre considero la democracia instrumental y la
democracia final como dos caras de la misma moneda”, dice el maestro de maestros
Norberto Bobbio, antes de ajustar que “quien cree que puede lograr tener la una sin
la otra, termina tarde o temprano por perder ambas”.
[53] La mal llamada “democracia popular” o el socialismo real que anida tras los
muros de la antigua Unión Soviética, no lo olvidemos, cede y fracasa tanto por querer
reducir la realidad del hombre a su mitad, a su dimensión social de Ser humano, como
por afincarse sobre un ideal democrático óptimo - realizador de la igualdad - que obvis
los procedimientos democráticos que facilitan la práctica de la libertad individual y
cristalizan en periódicos ejercicios de voluntad libre por parte de ésta. Los reemplaza
por la voluntad única y totalizadora del Estado. Pero, del mismo modo, los graves pro-
blemas que acusa la “democracia liberal” actuante se explican, en que reduce su expe-
riencia a la otra mitad o dimensión individual del hombre: proyecto vital irrepetible,
Ser uno y único, y por olvidar que requiere de los “otros” y de estar junto a los “otros”
para colmar sus carencias – nadie ejerce sus derechos ante sí mismo - y para realizar-
se a plenitud como persona. Centra su cometido, únicamente, en los procedimientos
para la práctica de la libertad y en la garantía de la plena separación entre el indivi-
duo y el Estado. En aquélla, en suma, como lo precisa José Rubio Carracedo, catedrá-
tico malagués de teoría y filosofía política, el demos predomina sobre el etnos, en
tanto que en ésta ocurre a la inversa.
[54] La siembra de la democracia a partir de la Grecia antigua, quizá influida por
los fenicios y acerca de la que tanto Herodoto como Aristóteles se explican con ampli-
tud, muestra tanto el desarrollo paulatino como las condiciones geográficas y sociales
particulares que la hacen posible como aquéllas que determinan su sucesivo agota-
miento; e ilustra, como experiencia germinal, sobre las exigencias de los equilibrios

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La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

críticos que demanda la práctica del modelo de ciudadanía, que en la Hélade no se


reduce a uno solo. Se trata, en efecto, de un “sistema de democracia participativa o
directa – en lo particular en Atenas - que combina la complejidad y sofisticación de la
actividad política (incluida una actitud muy severa hacia la responsabilidad indivi-
dual), por un lado, con el principio de una casi absoluta no profesionalización [políti-
ca] por el otro”.
[55] Superado el período aqueo, que corre desde lo más distante hasta el año 1000
a.C, la dominancia del elemento familiar y de la monarquía hereditaria que funciona
con el apoyo de los anaktes o cabezas de casa: ancianos reunidos en Consejo (boule) del
rey (basileus), quien a su vez y para las decisiones más trascendentales – como las mili-
tares – convoca al ágora o asamblea popular compuesta por todos los individuos libres,
cede como modelo político ante la preeminencia sobrevenida del espíritu asociativo
localizado en todos los ámbitos de la vida griega: el religioso, el deportivo, que incluye
– fue el caso de Esparta – hasta la sustracción de niños a sus familias para los fines edu-
cativos. Y quizás, también, se agota dado el proceso de formación de la misma ciudad
o polis, que deja de ser un mero sistema de organización parental en oikos, para darle
paso a la formación de aldeas integradas por distintas familias o genos, y a la final reu-
nión de varias aldeas pertenecientes a distintas tribus o phyles. La fragmentación ori-
ginaria de la misma organización social que deriva en política, bien puede explicarse
en la misma circunstancia accidentada de la geografía griega.
[56] La monarquía hasta entonces predominante – que inicialmente ostenta
todas las funciones que ejercen las cabezas de las tribus y que luego se reduce a la fun-
ción religiosa o simbólica - se fisura y es progresivamente sustituida por una aristocra-
cia de administradores, a saber el arconte - verdadero jefe del gobierno - quien junto
al polemarca o comandante en jefe auxilian al Rey o basileus y los legisladores o guar-
dianes de las leyes o tesmotetes. Pero llega el momento en que todos estos, primera-
mente nombrados de por vida y dadas sus rivalidades ven limitado su poder en el
tiempo y también el mismo rey, “único y hereditario” hasta el siglo VII, quien termi-
na de vitalicio en monarca decenal y sucesivamente anual. Luego, todos a uno y en
número de nueve, forman, ahora elegidos, un colegio de arcontes, inicialmente inte-
grado por nobles y más tarde por individuos idóneos por la riqueza, quienes desem-
peñan como tales la autoridad “y plenos poderes para juzgar”. Es el tiempo de la polis
aristocrática. De allí que se hable de timocracia y no todavía de democracia o quizás
de “democracia moderada” (aristocracia + democracia), por el carácter censatario de
la elección respectiva. Y es cuando, pasado el mencionado siglo, el areópago o Consejo
de ancianos o jefes de la nobleza, reunido en la colina de Ares también encuentra su
contrapeso en los mismos arcontes, quienes además, una vez como dejan sus cargos,
pasan a integrar dicho Consejo, eclipsando al paso la importancia de la misma asam-
blea popular o eklessia.
[57] Mediando una suerte de tiranías en distintas polis griegas y en las del Mar
Egeo, por degeneración de la aristocracia y el malestar popular con el gobierno de

45
Asdrúbal Aguiar

ésta, es Solón (594 a.C.), reconocido como el gran legislador y uno de los siete sabios
de Grecia, quien a finales del período helénico (1000-500 a.C.) fija las primeras bases
del desarrollo democrático ordenado en la polis ateniense de predominio aristocráti-
co. Favorece la emergencia de una élite ciudadana integrada por los viejos aparceros
o trabajadores – los llama Aristóteles allegados o sextarios - de la tierra, con quienes
realiza un cierto principio de justicia e igualación de clases. Aquéllos, en efecto, entre-
gan antes la sexta parte de su producción agrícola a los pocos propietarios, y luego, por
decisión soloniana y ante la explotación que sufren dentro del gobierno aristocrático
dominante, se hacen propietarios de sus mismos minifundios en el Ática o territorio
circundante de Atenas: “la lucha por la tierra llegó a ser, en el siglo VI, el grito de
guerra de la democracia naciente”, lo recuerda Thadée Zielinski (Historia de la civili-
zación antigua, Aguilar, Madrid, 1950), a cuyo efecto éstos adquieren, como tales pro-
pietarios, la posibilidad de acceder al arcontado o a los cargos de gobierno.
[58] Sobre tal realidad nueva y siendo Atenas el punto de unión entre la ciudad
y el campo o Ática: que se ve representada en su conjunto dentro del areópago nobi-
liario, crea Solón el célebre Consejo de los 400 (bulé), que alcanza ser de los más
importantes medios del gobierno: suerte de tercera fuerza entre el areópago citado y
la asamblea popular o eklessia – que se reúne 40 veces al año con 6.000 de los 30.000
miembros con derecho a voto que tiene – y que en la práctica eclipsa la fuerza de ésta
y la de aquél. Arístoteles refiere que, desde antes de Solón y declinado el régimen pri-
mero o monárquico - durante el arcontado de Aristecmo – Dracón reduce la discre-
cionalidad de la aristocracia gobernante o eupátridas, hace públicas las leyes y fija
severas medidas de control y rendición de cuentas a los arcontes y también surge el
llamado Consejo de los 401; elegido éste a la suerte entre los ciudadanos y custodio de
dichas leyes y si alguno de los consejeros falta a una sesión debe pagar una multa. Pero
el Consejo de suyo sigue siendo aristocrático en la práctica, pero sujeto, sí, a leyes
escritas y ahora conocidas por todos.
[59] De modo que, en medio de la pugna entre la aristocracia que no quiere cam-
bios y el proletariado que reclama la abolición de la pérdida de su libertad por deudas
y pide la confiscación de las tierras y su repartición: una reforma agraria que no llega
a realizar plenamente el mismo Solón – según Rubio Carracedo - sino el tirano
Pisístrato que lo sucede, hubo aquél de encontrar un justo medio. Clasifica a los ciu-
dadanos en cuatro clases o censatarios: los ricos o pentakosiodimnoi quienes hasta
entonces hacen parte de la misma clase social de los caballeros, los hippeis o caballe-
ros: propietarios capaces de criar a un caballo, los zeugittes o pequeños propietarios:
poseedores de una yunta, y los sin tierra – jornaleros - o thetes. A partir de ello, las
tres primeras clases acceden a los distintos cargos de gobierno – el de arcontes se lo
reserva la primera clase - y cada una de ellas, integrantes de la cuatro tribus existen-
tes y con 100 miembros por phyle o file, hacen parte en lo sucesivo del señalado
Consejo de los 400. La última clase, en todo caso, queda libre de tributos y hace parte
de una asamblea popular que participa en la elección de los magistrados supremos

46
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

pero cuyas atribuciones no precisan los exégetas o historiadores. Lo importante, a


todas éstas, es que Solón prescribe la rendición de cuentas de los magistrados y crea,
seguido más tarde por Clístenes, los tribunales populares – la llamada heliaia - com-
petentes para conocer de las injusticias de los magistrados: “todos los ciudadanos de
cierta edad desempeñaban allí las funciones de jueces (cerca de seis mil)” y éstos “se
dividían en diez colegios de seiscientos miembros cada uno”, narra Zielinski.
[60] Cabe observar, empero, que si la política o la vida de la ciudad ocupa ahora
todo el tiempo de los ciudadanos y en las manos directas de éstos reposa la gestión dia-
ria de la misma polis, la experiencia se desarrolla dentro del cuadro de una ciudad-
comunidad y no como se cree de una ciudad-Estado como suerte de expresión imper-
sonal de los ciudadanos, que sólo conoce la modernidad a partir del autor de El
Príncipe, el citado Macchiavello. La ciudad es entendida, según lo explican los filóso-
fos de la época, como una prolongación del orden natural o del cosmos. La ciudada-
nía es, antes que todo, moderación (sophrosyne), negación de la hybris o desmesura,
y una como otro – la ciudad y el ciudadano – la reunión de la inteligencia o logos con
la dike o el sentido de la justicia, que se consideran virtudes inherentes al hombre,
pero que sólo se desarrollan – por potenciales - a través de la educación cívica y la
aplicación a la política. Los ciudadanos participan, es verdad, pero pueden hacerlo
porque trabajan para ellos los esclavos. Quien tiene necesidad para vivir, lo recuerda
Aristóteles y lo repite Sartori, no puede ser ciudadano; de donde la condición ciuda-
dana deja también por fuera a un número muy elevado de atenienses.
[61] Sólo la naturaleza comunitaria de la polis y su carácter territorial reducido
hace posible tal experiencia de ciudadanía democrática, que se agota dentro de la
misma por presa de su realidad espacial y humana, sin posibilidades de extensión
hacia odres sociales y políticos más complejos. Otra cosa es que Atenas puede llevar y
hasta imponer su experiencia de polis a distintas ciudades-comunidades bajo su
influencia y a partir de las Guerras Médicas (490-479 a.C), que le transforman en un
poder marítimo y tributario importante, habiendo lugar a la forja de lo que algunos
llaman el período de la democracia imperial.
[62] Antes de que esto ocurra, la reforma de Solón se apaga en medio de las pug-
nas partidarias y sobreviene con Pisístrato el tiempo de mayor esplendor económico
ateniense conocido: se incrementan el monocultivo del olivo, el comercio, y las obras
públicas; dado lo cual la nobleza, negada a un régimen de vocación popular, emigra,
y éste, dictador, reparte las tierras de los emigrados entre los labriegos pobres. La
nueva reforma democrática sólo llega con el período Ático (500-323 a.C.) y es
Clístenes, según Herodoto, el creador verdadero de la democracia, hacia el año 509.
Apoya la causa popular con evidentes fines militares: que junto a la religión son los
factores determinantes del interés público. Y sobre el antiguo orden de tres clases o
clanes gentilicios que rige en el Atica (pediéneos, paraliéneos, y diacriéneos) consti-
tuye diez nuevas tribus basadas en la residencia – la costa, la ciudad, el campo - y no

47
Asdrúbal Aguiar

en el nacimiento o la condición propietaria; dando con ello origen al demos o circuns-


cripción política e integrando aquéllas con éstos, que llegan a un número de cien.
[63] Al favorecer Clístenes la señalada integración de las nuevas tribus por un
número fijo de aldeas o demoi, éstas proporcionan mediante elección consejeros –
sólo elegibles por un año y dos veces en vida - para el Consejo que ahora se llama
Consejo de los 500: el cual alcanza reunirse durante 275 días en cada año. La aristo-
cracia, los pocos, mantienen su posición prevalente, pero la última palabra en esta
“democracia mixta” reafirmada ahora la tiene, como órgano de decisión, la Asamblea
de los ciudadanos o eklessia. A ésta le compete incluso castigar con el ostracismo o
destierro “a los ciudadanos más destacados… cuando el pueblo sospechaba que podían
convertirse en tiranos”.
[64] Las nuevas tribus o trytties son construidas, por lo visto, de modo artificial
y sobre la base, diríamos hoy, de una concepción geopolítica. Están fundadas cada una
sobre tres elementos cruzados: la ciudad, el interior del país, y la costa, aportando a la
vez cada tribu 50 consejeros con un efecto cierto dada su integración con miembros
de las tres clases originarias y territoriales: evitar la predominancia de representación
del elemento urbano o el censatario ateniense sobre el Atica e impedir que cada tribu
original o región, como los citados diacriéneos, paraliéneos, o pediéneos, pudiese deli-
berar por si sola sin la presencia de los otros. Ello da lugar, por su parte, a que el
Consejo tenga la iniciativa de las leyes que luego aprueba la Asamblea Popular y a la
vez fiscalice la labor de los arcontes y magistrados, a quienes pide rendición de sus
cuentas, y por la otra, permite que se hable en lo sucesivo de isegoría o igualdad de
palabra – “lo propio de la libertad es hablar libremente” dice Protágoras - y también
se asocie a Clístenes con la expresión isonomía o igualdad política, en un momento en
que la palabra demokratia o poder del pueblo – “gobierno de los parientes del campo”
– resulta insultante.
[65] Antes que concluya el tiempo de los reformadores democráticos, Efialtes y
su joven colaborador Pericles – quien le sucede luego de ser asesinado aquél por oli-
garcas en el año 461 a.C - llevan a cabo las innovaciones que afirman la denominada
“democracia radical” y asimismo imperial. Es reducido el papel del areópago o conse-
jo de ancianos y se le transforma en mero tribunal religioso, redistribuyéndose sus
poderes entre el Consejo – en el que participan miembros mayores de 30 años de las
tres primeras clases ahora distribuidas en las 10 tribus o files - y los tribunales popu-
lares de justicia (Heliaia), con unos 5.000 miembros. Lo que es más importante, se pro-
fundiza con Efialtes – cabeza de los democráticos atenientes y opositor a Cimón, cabe-
za de los aristócratas - la rendición de cuentas de los magistrados (euthuna) y el cargo
de arconte pasa a ser accesible a las otras clases: los hoplitas – soldados de armadura -
o zeugitas y los thetes, la clase más inferior.
[66] El Consejo de los 500 ve reducida su fuerza y es puesto a depender de la
Asamblea Popular a la que sirve como una suerte de secretaría, y los mismos
Tribunales de Justicia se limitan a juzgar en las cuestiones que en lo adelante les dele-

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La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

ga aquélla. De modo que, incluso quedando luego los arcontes como cargos de honor,
al final de la jornada, con Pericles a la cabeza la Asamblea monopoliza todos los pode-
res cediendo la división entre éstos – “legisla y controla la ejecución de las leyes, elige
y castiga a los magistrados, y juzga en primera y última instancia, con la Heliaia como
órgano intermedio de apelación” – y, además, los estrategos asumen todo el poder
militar y su financiación y el primero de éstos – que fuera el propio Pericles – se con-
vierte en Jefe de Gobierno, como lo explica Rubio Carracedo. Una vez alcanzada por
Grecia su condición de potencia y pudiendo, amén de exportar su modelo hacia el
Mar Egeo, sufragar por vez primera los honorarios de la actividad política ejercida por
su élite ciudadana, también hace más exigente y restrictivo el acceso a la ciudadanía
limitándolo a los hijos de su tierra por línea paterna o materna (año 451 a.C). Pero, así
como los cargos superiores en la práctica se los siguen reservando los poseedores de
tierras en el Ática, la subvención citada alcanza a los pobres que ejercen las otras acti-
vidades públicas y al final todos los magistrados, en una tendencia antiaristocrática,
terminan siendo elegidos mediante sorteo puro.
[67] Tucídides, en su Historia de la Guerra del Peloponeso, da cuenta de la final
degeneración del modelo de democracia radical que pudo sostener con su moderación
y liderazgo permanente sobre la Asamblea el mismo Pericles, a pesar de la falta de
preparación de sus miembros. Pero luego de éste la experiencia se torna en demago-
gia y populismo, y bajo el argumento posterior de que alguien tiene que llevar a cabo
el trabajo duro de la política y también las cuentas, llega la hora de los especialistas en
la política, cuyo arquetipo desclasado lo será, a la muerte de Pericles (429 a.C), Cleón.
La democracia se apaga finalmente a propósito de las guerras del Peloponeso y la pér-
dida por Grecia del Imperio, siendo restaurada hacia el año 403 a.C. cuando pueden
codificarse las leyes atenienses, se sostiene la retribución por asistir a la Asamblea que
ahora tiene menos poderes: en la que figura todo ciudadano mayor de 20 años, se
especializa la gestión pública, y como lo dice Simón Hornblower “la democracia se
hizo más eficiente, pero también menos democrática” (Del autor, Mundo griego 479-
323 AC, Editorial Crítica, Barcelona, 1985).
[68] El motivo de la degeneración de la democracia radical la explica más tarde
el historiador griego Polibio (203 -120 a.C) con su tesis de la anacyclosis. Observa el
igual agotamiento padecido por la República romana mixta y fijan un parangón con
la misma vida finita del ser humano: nace, crece, madura y se extingue. Y es que, en
verdad, tanto Grecia como Roma parten de regímenes que para alcanzar la democra-
cia abandonan la monarquía y le encargan el gobierno a los mejores, a la aristocracia;
pero para impedir que ésta facilite la corrupción por los menos de los más, sucesiva-
mente ensayan los equilibrios entre los más y los menos distribuyéndose entre todos
el poder. Y al final, cuando los más asumen el poder total (como oclocracia o gobier-
no de la plebe) sobreviene la violencia y la guerra civil, y a ésta la práctica demagógi-
ca que termina en tiranía. De modo que, por una parte, el carácter plebiscitario como
absorbente de la democracia radical, sólo realizable dentro de límites comunitarios o

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Asdrúbal Aguiar

de la comunidad o koinonía, le abre espacio a la idea de que quien no hace vida polí-
tica es un idión (o privado): nuestro idiota dice Sartori; con lo cual, ocupados todos de
la política la economía decae afectándo al conjunto, y por la otra, la autoridad igual
de la ley termina considerándose susceptible de ser subvertida: “era absurdo que el
demos no tuviera derecho a hacer lo que quisiera”, cuenta Jenofontes (406 a.C).
[69] Así las cosas, bajo Pericles, arquitecto de la democracia ateniense y parte del
colegio de los estrategas o militares electos por su capacidad, “la democracia subsistía
de nombre y se vivía de hecho bajo la dominación del mejor ciudadano”, hasta que
muere y los demagogos y los líderes populistas se hacen del espacio público creando
las condiciones para la confrontación. Todo termina cuando Macedonia, hacia el año
322 a.C., luego de ocurrida la guerra social para el fallido sostenimiento por Grecia de
su “segunda confederación” helénica, se hace de su territorio y suprime finalmente a
la democracia. Han de pasar casi 2.000 años antes que renazca de sus cenizas y deje de
ser émulo o corrección temporal durante la república romana y luego con las repúbli-
cas del Regnum Italicum en el Medioevo.

VI. La fragua de la república antigua y medieval

[70] En lo inmediato, la democracia que florece y también se extingue sobre la


realidad griega hace buena la prédica de Aristóteles, quien alcanza sistematizar y dis-
cernir entre los buenos y los malos gobiernos luego de criticar a la democracia como
el gobierno del pueblo, léase de los pobres y en interés de éstos, excluyente de la idea
del interés común o general. La monarquía, la aristocracia, y la república, como
gobierno de uno, de pocos, o de muchos, en interés común o de todos, vienen opues-
tas a la tiranía, la oligarquía, y la democracia, como gobierno de uno, de pocos, o de
muchos, en interés propio.
[71] Es Roma, sin que pueda calcarse exactamente su experiencia a la república
medieval y menos a la contemporánea y a la democracia liberal que es obra de las
revoluciones del siglo XIX de nuestra Era, quien ensaya sobre la experiencia griega el
modelo republicano de gobierno, con características propias. Su influencia intelectual
y práctica se hace sentir sobre los espacios del Occidente que buscan situarse en las
antípodas de las monarquías durante los sucesivos siglos y hasta nuestra modernidad.
La república romana alcanza, en efecto, la fusión y un equilibrio inteligente entre las
formas de la monarquía, la aristocracia y la democracia.
[72] El Senado romano (integrado por 300 a 500 miembros), la Magistratura (ini-
cialmente representada por 2 Cónsules) asesorada por el anterior es quien ejerce el
verdadero gobierno, y la Asamblea Popular o de la plebe (Comitia centuriata o
Comicios centuriados y Comitia tributa o Comicios tribunados convocados por el
Cónsul o el Pretor, y el Concilio de la plebe o Concilium plebis convocado por los
Tribunos o los ediles de la plebe), constituyen las expresiones primeras del modelo.
En lo particular, los Comicios centuriados se reúnen para las elecciones de magistra-

50
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

dos (Cónsules, pretores, censores) y los tribunados para el resto de las magistraturas.
En las asambleas populares, sin embargo, a diferencia de las griegas, se decide por gru-
pos políticos, pero unas y otras se controlan dentro de un sistema de elecciones y
repartición funcionarial en el cual el pueblo participa de todas las instancias y cargos,
salvo en el Senado. No obstante hay siempre dominio aristocrático en las institucio-
nes señaladas de la antigua república romana.
[73] En su primera fase, dicha república, tildada de república senatorial y enten-
dida, según la definición de Cicerón como “consociación de hombres que aceptan las
mismas leyes y tienen intereses comunes”, encuentra en el Senado la sede del partido
de los patricios, quienes validan el imperiium de los magistrados pudiendo elegir a los
Cónsules y decidir sobre los asuntos fundamentales; en tanto que, la función legisla-
tiva y los juicios de alta traición pesan sobre los llamados Comicios centuriados, abier-
tos a todos los ciudadanos romanos, tanto como lo están los Comicios tribunados, que
aparte de legislar igualmente juzgan los crímenes de Estado y eligen a los ediles curu-
les, a los cuestores, a los tribunos militares y a magistrados especiales. El pueblo llano
o estrictamente plebeyo se encuentra reunido, a su vez, en el citado Concilio de la
Plebe, donde asume los juicios ordinarios y elige a los tribunos y ediles de la plebe.
[74] La primacía aristocrática tiende a ser solucionada o moderada luego median-
te las reformas que introducen los hermanos Graco: Tiberio y luego Cayo, creadores
del partido popular. Ellos impulsan una reforma agraria que no llega a término total
– como no llega la de Solón en Grecia - y también la remoción por el mismo Concilio
de la Plebe de aquellos Tribunos de la Plebe – Marco Octavio fue el caso - que no
defienden sus intereses. Las tierras, que son conquistadas y pertenecen a la res publi-
cae, quedan en manos de los aristócratas y Tiberio Cayo hace aprobar una ley que las
limita a 250 hs. por familia y a tener que arrendarse 7,5 hs. por persona a cambio de
un canon anual y su disposición para cultivos autorizados por un colegio integrado
por los mismos hermanos Graco. Cayo, una vez asesinado su hermano, siendo elegido
tribuno de la plebe en el año 123 a.C. acota las reformas porque parte del pueblo – y
no solo la aristocracia – nos las comparte; pero mejora la condición de la pequeña bur-
guesía y la clase urbana, y extiende la ciudadanía a todos los latinos de la península
itálica, en una suerte de sutil tendencia democratizadora.
[75] Más tarde, muerto también Cayo, sobreviene la reforma del General Mario,
quien resentido contra los patricios extiende la ciudadanía a toda la península, aun
cuando luego no tiene más opción que tomar medidas contra los demagogos por exi-
gencias del propio Senado. Pero será Sila, elegido Cónsul en el año 88 a.C., quien lide-
ra la contra reforma que reduce al partido popular y con apoyo del Ejército se hace de
poderes ilimitados y del título de Dictador, sin que reaccionen ni el Senado ni la
Plebe. Luego de lo cual, habiendo purgado a unos 4.700 ciudadanos, incluidos patri-
cios favorables al partido popular, restituye la república senatorial o aristocrática dán-
dole al Senado potestades gubernativas y autoridad para sujetar y controlar la activi-
dad legislativa de los comicios populares: centuriados, tribunados, o de la plebe. No

51
Asdrúbal Aguiar

obstante no puede expulsar la demagogia de las asambleas populares y hacia el año 56


a.C., a partir de un Triunvirato pactado por César, Pompeyo y Graco, la república
romana le abre espacio al Principado: “fórmula política de gobierno en la que un pri-
mer ciudadano se convierte en primer gobernante, que por sus méritos se ha ganado
el respeto de todos (auctoritas) y que conlleva el mantenimiento armónico de la repú-
blica”, narra Rubio Carracedo.
[76] Cicerón, el mejor exégeta de la experiencia narrada, la sintetiza señalando
que la constitución mixta de la república permite que sus tres instituciones, los
Cónsules (autoridad real), el Senado (autoridad aristocrática) y el pueblo romano (con
libertad de decisión), rijan sin prevalecer la una sobre las otras. Y afirma que el equi-
librio final de la república sólo se encuentra en una virtud suprema: la Justicia, que es
la verdadera garantía de tal equilibrio.
[77] Santo Tomás de Aquino, tanto como lo hace Brunetto Latini (1266), maes-
tro del Dante, observan siglos más tarde la realidad del gobierno comunal que toma
cuerpo en las ciudades italianas que logran desembarazarse de sus sujeciones medie-
vales a la diarquía Papa – Emperador. Y que se expresa en Pisa, Milán, Génova,
Boloña, Padua, Siena, Venecia, entre otras, dando lugar a la fractura del régimen
monárquico hereditario: que se limita “a vender los cargos públicos al mejor postor”.
Inspirada la misma, qué duda cabe, en la experiencia republicana de la Roma antigua,
da lugar a la división de la ciudad en comarcas o contrade, cuyos respectivos ciudada-
nos eligen mediante sorteo al que les representa en el Gran Consejo de gobierno inte-
grado por unas 600 personas; y quienes, a su vez, eligen un podestá o potestad – que
sucede a la primigenia figura del Cónsul - para el manejo de los asuntos ejecutivos y
judiciales en la ciudad y por tiempo determinado: seis meses o un año, quedando obli-
gado a consultar con los Consejos rectores de la ciudad y a someterse a rendición de
cuentas por su conducta en el poder (sindicatus).
[78] Si bien la ciudad- comunidad griega y la república medieval o ciudad comu-
nal italiana dan cabida y hacen posible, en el primer caso, a la experiencia de demo-
cracia directa donde el hombre es todo ciudadanía, y en el segundo, a la república
como alternativa de gobierno popular electo y de suyo representativo, donde el indi-
viduo es ciudadano a ratos y preferentemente hombre, una y otra – a pesar del uso
que de la expresión hace por vez primera el autor de El Príncipe – siguen siendo rea-
lidades territorialmente acotadas. Mucho distan, empero, del Estado “como un con-
junto complejo y vastísimo de estructuras de mando, de administración y de legisla-
ción, sostenido por una variedad de aparatos”, en la opinión de Sartori, que es reali-
dad abstracta y distinta, hay que subrayarlo, y que sólo se conoce en propiedad y como
tal a partir de los siglos XIX y XX. Y es a éste a la que queda indefectiblemente atada,
justificándose dentro de él o marcando distancia de él, la realización de la democra-
cia, así como la conocemos hasta nuestros días.
[79] Quentin Skinner, quien escribe ampliamente - para la obra colectiva de
Dunn - sobre las ciudades repúblicas italianas medievales, tiene el tino de recordar

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La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

que éstas – mirándose para su fragua, cabe repetirlo, en la antigua república romana y
en sus raíces griegas – si bien implican una crítica a la ineficiencia de la gestión de un
rey o monarca quien pretende gobernar a varias ciudades a la vez - de donde el auto-
gobierno se muestra propicio a la vida comunal acotada - también la atomización de
la misma ciudad le abre las puertas a la anarquía y a la reversión de su mando a manos
del Príncipe o de los signori hereditarios.
[80] Al intentar la nobleza su control sobre el podestá de la república comunal del
medioevo, acto seguido y en reacción los ciudadanos que se sienten afectados crean sus
propias “sociedades” independientes y eligen sus propios Consejos y los capitani a quie-
nes confian sus asuntos públicos (res-publicae) entrando en conflicto con la autoridad
del podestá e instaurándose una lucha social endémica que le pone fin a la primera.
Skinner recuerda, a título ilustrativo, el conflicto inmortalizado por Shakespeare en
Romeo y Julieta, que narra la confrontación “entre los Montesco, defensores de los
popolani [o individuos del pueblo], y la nobleza de rancio abolengo”.
[81] No obstante lo anterior, Aquino, al escribir hacia el siglo XIII de nuestra era
su De regimine principum, muestra su admiración por la experiencia de las repúbli-
cas italianas, en las que “una sola ciudad administrada por magistrados electos a los
que se cambia cada año, a menudo es capaz de lograr mucho más que un rey que rige
a tres o cuatro ciudades”; dado lo cual considera que “un gobierno recibe el nombre
de democracia cuando es inicuo y cuando es conducido por un gran número de per-
sonas”: “forma de poder popular donde la plebe, por pura fuerza de los números, opri-
me al rico, con el resultado de que el conjunto del populacho se convierte en una
especie de tirano”, explica Skinner.

VII. En la hora de las revoluciones

[82] No cabe duda en cuanto a que es a partir de la Revolución norteamericana


- que para algunos crea la “democracia norteamericana” siendo lo cierto que su mode-
lo trasiega como referente fundamental hacia todas las repúblicas de las Américas
desde finales del siglo XVIII - cuando surge con fuerza original la particular experien-
cia democrática occidental que se extiende hasta hoy. Y tanto lo es que los mismos
intelectuales europeos de la época, entre éstos Alexis de Tocqueville, la fijan como el
laboratorio de sus reflexiones, del que surge la misma obra magna de éste teórico de
la política francés titulada La democracia en América, cuyo primer volumen se publi-
ca el 21 de enero de 1835 haciendo de su autor “ilustre en un instante”, como lo sen-
tencia Lacordaire, citado por Aguilar.
[83] El secreto de lo ocurrido esta en la búsqueda de una opción constitucional
fundada en la teoría del gobierno equilibrado, que no le hace espacio a los riesgos de
degeneración que implican las antes reseñadas formas puras de monarquía, aristocra-
cia, y república, a partir de las cuales, el uno apuntando a su lado deriva en tirano, los
pocos se dividen en partidos, y los muchos tirando de la cuerda propician la anarquía

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Asdrúbal Aguiar

u otra forma de tiranía, la de las mayorías sobre las minorías. De modo que la inspira-
ción de esa forma mixta apreciada todavía de necesaria - y visto el tiempo histórico
recorrida - la tienen a mano los colonos americanos, pues la sociedad británica con sus
tres clases o estamentos – el rey, la nobleza, y el pueblo – logra lo que resulta imposi-
ble para la Revolución Francesa: encarnar a éstas y hacerlo de un modo funcional al
interés común (commonwealth), en las instituciones de la Corona, de la Cámara de
los Lores, y de la Cámara de los Comunes.
[84] Al principio, parte de los revolucionarios americanos apuesta a la idea de la
república pura y no democrática, que sólo elige y legitima el poder de quien manda y
en donde la elección se dirige de ordinario hacia los llamados “virtuosos”: quienes
pueden sacrificar su interés particular en aras del interés público; no siendo éstos sino
los hombres independientes económicamente o libres de ocupaciones – al mejor esti-
lo de los griegos de la antigüedad – y que por tanto no esperan provecho de los car-
gos. La Constitución de Pennsylvania de 1776, quizás inspirada en dicha idea, decide
prescribir que la función pública no se remunera.
[85] En banda distinta, presionados por la idea de la igualdad que es la más cara
a sus anhelos, dada la misma condición paritaria de los colonos y justificativa de sus
rupturas con la Corona, otros de éstos apuestan por un sistema unicameral legislativo
sin senado ni gobernador, en una versión democrática sólo realizable en el marco de
una comunidad estrecha o limitada. Es el caso de los mismos constituyentes de
Pennsylvania, pero cuyo texto fundamental se reforma 15 años después al demostrar-
se inviable el planteamiento. Los constituyentes de otros Estados ensayan la mixtura
de formas de gobierno señalada, disponiendo al gobernador como el uno, al senado
como los varios, y a los diputados o representantes como los muchos o representantes
del pueblo llano, pero con poder mayor frente al senado y al mismo gobernador.
[86] Entre ensayo y error, mediando debates esclarecedores descubren los nortea-
mericanos que es posible el gobierno de uno, de pocos y de muchos a la vez, sin que el
uno sea una suerte de monarca o los pocos la expresión de una aristocracia incompati-
ble con la idea de la igualdad. El uno, los pocos y los muchos son todos, con fundamen-
to en la idea dominante de la igualdad, individuos procedentes de la calle, sin distingos
de clases; pero a la vez, todos a uno adquieren la condición de elegibles mediante el
voto de los más, de los muchos, siendo todos los norteamericanos al final electores y a
la vez representantes del todo: sean gobernadores, jueces, legisladores, etc.
[87] El pueblo queda representado en toda la organización del poder y no asume
identidad en una sola parte de este – como sólo la tiene en la Cámara de los Comunes
británica - y desde aquél, con perfil propio, puede presionar a las otras clases sociales
formantes del gobierno; lo que equivale, según algunos, a que en lo sucesivo el pue-
blo esta en todas partes y gobierna sobre el todo, lo que para otros implicaba no gober-
nar en ninguna parte. “Los norteamericanos habían separado por completo al pueblo,
como estado social, del gobierno, y por lo tanto destruido la identidad entre estado y
sociedad que tanto habían apreciado los teóricos desde Aristóteles”. De allí que James

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La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

Madison (1788), como lo cuenta Gordon S. Wood para la obra de Dunn, escribe que
“la verdadera distinción de los gobiernos norteamericanos, el elemento que los sepa-
raba de las antiguas repúblicas radica en la exclusión total del pueblo, en su capacidad
colectiva, de toda coparticipación en el gobierno”; de donde la representación fragua
en una república y nada más.
[88] Alexander Hamilton (1788) cree bien y con mejor propiedad que la vieja
noción de la democracia – como la noción tradicional de la república – mal se aviene
con la originalidad del experimento norteamericano, prefiriendo la denominación de
“república democrática” o “democracia representativa”. En efecto, la realidad es que a
la vieja separación de clases sociales (nobleza, aristocracia, pueblo llano) que decanta
en el ejercicio del gobierno condicionando sus formas (monarquía, república, demo-
cracia), la democracia norteamericana opone la mera división del poder (gobernador,
senado, representantes) para frenar los abusos del poder sea quien fuere el que lo
detente y proveer a lo que hoy en día se conoce como el check and balance.
[89] Tras una matización de la idea de la república mixta, la determinación de
que todos los “órganos” de gobierno se integran con personas venidas del pueblo por
virtud de la igualdad y adquieren su legitimidad mediante el voto libertario del pue-
blo, dicta de suyo que éstos de conjunto “representan al pueblo”. El pueblo gobierna
sin confundirse con el Gobierno librándose de sus ataduras y separando la circunstan-
cia personal de sus miembros de sus condiciones como ciudadanos. Así, el voto igual
y libre – que para 1825 ha alcanzado a toda la población blanca, masculina y adulta –
adquiere un valor crucial y no incidental dentro del funcionamiento de la democra-
cia, y la idea unitaria de la representación popular – que, repetimos, ya no es de clase
o estamento – para el ejercicio de poderes de gobierno varios y divididos, por fundar-
se en el voto se explica y legitima en su mismo ejercicio.
[90] Queda resuelta así, en principio, la interrogante que no deja de angustiar a
Tocqueville: “No existe hoy día soberano alguno – dice – lo bastante hábil y fuerte
para establecer el despotismo restaurando las diferencias permanentes entre sus súb-
ditos; tampoco hay ningún legislador tan sabio y poderoso que sea capaz de mantener
instituciones libres sino adopta la igualdad como su primer principio y bandera”; no
obstante lo cual, agrega el referido maestro de la democracia, ella provoca dos alter-
nativas: “una impulsa directamente a los hombres hacia la independencia y puede lle-
varlos a la anarquía, y otra los conduce por un camino más largo y más oculto pero
más seguro hacia la servidumbre”.
[91] La experiencia revolucionaria francesa de 1789, a la luz de sus exégetas es, a
su vez, la que crea el primer gobierno republicano europeo que logra extenderse más
allá de una minúscula referencia comunitaria, para situarse en el ámbito del Estado
moderno. Es, según Biancamaría Fontana, autora en el libro de Dunn, la que nos da las
“leyes e instituciones que todavía hoy constituyen un modelo para los gobiernos demo-
cráticos del mundo”. No obstante, el ideal de democracia pura o directa que se intenta
imponer bajo inspiración, en el criterio de algunos, del acervo greco-romano que dice

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Asdrúbal Aguiar

sobre “la participación activa y constante de los ciudadanos en las decisiones políticas”,
se revela inviable y hasta trágico. Tanto que, las instituciones republicanas en apresu-
rada forja terminan en manos del autócrata Napoleón Bonaparte, a partir de 1799. Y lo
cierto es que, por una parte, ha lugar a la idea de la soberanía nacional como fuente de
la legitimidad para el ejercicio del poder y en la Constitución de 1791 se consagra el
sufragio universal masculino, que alcanza a unos cuatro millones de franceses; y por la
otra, la adopción de la Declaración de los Derechos del Hombre y del Ciudadano, sirve
de límite y marca sus finalidades al mismo poder organizado del Estado.
[92] La quiebra por ineficacia y desorden del modelo francés se produce, cabe
explicarlo, primero por una falta de experiencia en elecciones directas y para la con-
formación de una Asamblea integrada por 745 miembros, que ha de renovarse al prin-
cipio cada dos años y luego cada año, dentro de un ambiente de caos y huérfano de
organizaciones partidarias como de intereses locales definidos; y luego, una vez como
se entroniza el jacobinismo con su Comité de Salvación Pública, al encargarse éste de
decidir como “cumbre ejecutiva del partido revolucionario”, por sobre las deliberacio-
nes parlamentarias. La caída de Robespierre y su ejecución mediante la guillotina
junto a 21 de sus seguidores, en 1794, le pone fin al Reinado del Terror, luego de lo
cual la Constitución de 1795 reduce el padrón electoral transformando en censatario
el ejercicio del sufragio, pero la institución republicana pierde su total credibilidad.
[93] Hacia 1812 toma cuerpo una lúcida iniciativa en España, que no logra hacer-
se realidad sino espasmo – entre 1812 y 1814, durante el trieno liberal 1820-1823, y
en 1836-37 – pero que también influye en el constitucionalismo liberal de Italia,
Portugal y América Latina. Las Cortes Generales y Extraordinarias reunidas en Cádiz
durante la invasión napoleónica adoptan la celebérrima Constitución Política de la
Monarquía Española o Constitución de Cádiz, llamada también La Pepa por su san-
ción durante el día de San José. Con ella provocan la ruptura no traumática con el
Antiguo Régimen y dan a luz un modelo de monarquía constitucional limitada y de
ordenación y separación de los poderes públicos bajo el principio de su legitimación
por la soberanía nacional y de representación de ésta en cabeza del parlamento, donde
aquélla reside y que no preside el monarca.
[94] El sufragio, visto a la luz de su tiempo, adquiere virtuales condiciones de
universalidad al quedar extendido como derecho a todos los varones españoles – euro-
peos y americanos - mayores de ventiún años; si bien el régimen electoral es todavía
discriminatorio, escalonado e indirecto y opera mediante un sistema de elección que
va desde las Juntas Electorales de Parroquia, de Partido y luego de Provincia, hasta
conformar éstas las Cortes con la elección de los diputados, Asimismo, se establece
una separación moderada de los asuntos entre la Iglesia y el Estado, al quedar la juris-
dicción eclesiástica subordinada en última instancia a la civil y no a la inversa; y se
consagra como fundamento del modelo la libertad de imprenta: hoy reconocida como
columna vertebral de la democracia. La libertad civil, la propiedad y un conjunto de
derechos fundamentales quedan asegurados por el principio de sometimiento del

56
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

Estado y de los ciudadanos a las leyes, que es potestativa de las Cortes: quien las decre-
ta, las interpreta y las deroga; ejecutables por el Rey y aplicables por los tribunales,
únicos con competencia judicial, que es negada tanto al propio Rey como a las Cortes.
[95] En cuanto al gobierno de los pueblos y provincias, si bien el Rey nombra al
jefe político de éstas, las diputaciones provinciales son objeto de elección por los elec-
tores de partido, tanto como son electos los Ayuntamientos mediante voto popular y
directo de los pobladores, quienes designan a sus alcaldes, regidores y síndicos.
Trátase, en fin, de un régimen liberal democrático de monarquía constitucional limi-
tada, novedoso por sus equilibrios y de sujeción por todos, el Estado y el ciudadano, a
una Constitución escrita como ley fundamental; que a su vez reclama de su control
permanente a manos de los jueces, quienes han de preferir dicha tarea a los asuntos
ordinarios de que conozcan. Queda así afirmado, desde entonces, el control difuso de
constitucionalidad que plantean nuestros textos fundamentales democráticos en la
actualidad.

VIII. Un balance provisorio

[96] A la luz de éstos antecedentes, tres grandes tradiciones históricas y filosófi-


cas residen en la concepción contemporánea de la democracia y de ellas son tributa-
rias sus diversas expresiones normativas; encontrándose en cuestión por razones de
actualidad y sustantivas sólo la última. Norberto Bobbio es quien mejor realiza la sín-
tesis cabal al respecto, cuando al escribir sobre la teoría de la democracia las describe
en el orden siguiente: a) la teoría clásica, trasmitida como teoría aristotélica, de las tres
formas de gobierno, según la cual la democracia, como gobierno del pueblo, de todos
los ciudadanos o bien de todos aquellos que gozan de los derechos de ciudadanía, se
distingue de la monarquía, como gobierno de uno solo, y de la aristocracia, como
gobierno de pocos; b) la teoría medieval, de derivación romana, de la soberanía popu-
lar, con base en la cual se contrapone una concepción ascendente a una concepción
descendente de la soberanía según que el poder supremo derive del pueblo y sea
representativo o derive del príncipe y sea trasmitido por delegación del superior al
inferior; y c) la teoría moderna, conocida como teoría maquiavélica, nacida con el sur-
gimiento del Estado moderno en la forma de las grandes monarquías, según la cual las
formas históricas de gobierno son esencialmente dos, la monarquía y la república,
siendo la antigua democracia una forma de república (la otra es la aristocracia) donde
tiene origen el cambio característico del período prerrevolucionario entre ideales
democráticos e ideales republicanos, y el gobierno genuinamente popular es llamado,
antes que democracia, república”. (Norberto Bobbio et al. Diccionario de política.
México. Siglo XXI Editores, 1997).
[97] Repensando la democracia hacia el siglo XXI, lo que cabe preguntar a títu-
lo de corolario es si la república democrática o la democracia representativa - que
modernamente y ab initio se resuelve, como lo dice el mismo Bobbio en su libro El

57
Asdrúbal Aguiar

futuro de la democracia (1986), en una suerte de sistema o de reglas “que establecen


quién está autorizado para tomar las decisiones colectivas y bajo qué procedimientos”
- es o no capaz, a la luz de las nuevas circunstancias globales supra anotadas, de ase-
gurar la titularidad y plenitud del poder decisorio del pueblo como elemento consti-
tutivo del Estado; y si acaso los procedimientos para su decisión inmediata o mediata
– a través de los poderes públicos constituidos - resultan efectivos o pertinentes a los
condicionantes de la Era digital o a la teleología o finalidades que se le asignan como
sustanciales a la democracia para que siga siendo considerada como tal.
[98] El asunto anterior no es baladí. En cierta forma toca al dilema que acompa-
ña a la historia del pensamiento político y sobre el cual vuelve con sus reflexiones el
mismo Bobbio: ¿Cuál es el mejor gobierno, el de las leyes o el de los hombres? O
mutatis mutandi ¿quién ha de predominar en la democracia, el Estado, el ciudadano,
o el individuo?, ¿el Estado de Derecho o el Estado de justicia?, o mejor, ¿acaso la vuel-
ta predicada hacia las cavernas replantea, como consecuencia, la democracia directa
griega o es que la complejidad global repropone una suerte de neomodelo aristocráti-
co medieval, mudado en aristocracia digital? Avanzar sobre tales interrogantes e
intentar responderlos siquiera tientas cabe tener presente a los estándares que acerca
de la democracia nos muestra la experiencia corriente en las Américas, con indepen-
dencia de sus denunciadas falencias y más allá de que se intente o sea pertinente
mirar, en búsqueda de nuevas orientaciones, el pasado remoto.

IX. De la democracia formal y el ejercicio efectivo de la democracia

[99] Tanto como la idea de la democracia republicana logra permear como


modelo, con mayor o menor fortuna, hacia nuestros distintos Estados americanos y
por oposición a la idea de la legitimidad monárquica, auspiciada por el Congreso de
Viena de 1815 y su Santa Alianza, no cabe duda que la emergencia de la Segunda Gran
Guerra del siglo XX provoca otra polaridad distinta: dictaduras versus democracias.
[100] Cabe tener presente que, salvo en la experiencia norteamericana, cuya
democracia decanta sobre el denominador común cultural de sus colonos y emerge
sucesivamente como forma de organización y de ordenación de su res publicae, en el
resto de las Américas la misma democracia se traslada y prende constitucionalmente
– bajo las enseñanzas revolucionarias americana, francesa e incluso la gaditana de
1812 - como una estructura dentro del Estado y sobrepuesta a la realidad social, toda-
vía en formación y en espera de su mixtura entre razas y culturas originales diferen-
ciadas. De donde la república, al nacer sobre un vacío y dentro del señalado Estado
impersonal como por preceder a la conformación de la misma sociedad, hace lugar a
una suerte de desencuentro y falta de sincronía no superado entre las llamadas socie-
dades políticas y sociedades civiles latinoamericanas.
[101] Las sociedades civiles, es el caso de Venezuela, adhieren culturalmente al
Estado y a su forma republicana, más a la manera de un pacto utilitario que por obra

58
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

de convicciones arraigadas o conciencia de su propia valía; lo que explica porqué, de


tanto en tanto, esas mismas sociedades ora prohijan repúblicas militares o verdaderas
autocracias que se sostienen bajo el uso y manipulación de las reglas de juego republi-
canas, ora rechazan acremente a las repúblicas civiles que ajustan, sin prostituirlas, sus
conductas a las citadas reglas y al sentido final de la experiencia democrática de la ciu-
dadanía. Y es que, en el fondo, como que siguen considerando al Estado y al poder un
extraño cuya presencia se acepta a condición de retribuya con prodigalidad la entre-
ga en sus manos por los ciudadanos del mismo destino de la ciudadanía.
[102] A partir de 1948, así como la democracia representativa adquiere textura y
contextura regional pero a la manera de un desiderátum y una vez como son adopta-
das la Carta de Bogotá, que instituye la Organización de los Estados Americanos, y la
Declaración Americana de Derechos Humanos, ella se nutre seguidamente de finali-
dades que le aproximan paulatinamente a esas realidades humanas subyacentes, aun
cuando sin perder su perfil moderno de sistema hecho de reglas de juego para la prác-
tica de la ciudadanía y la organización del poder.
[103] El texto de la Carta de la OEA, adoptado durante la Novena Conferencia
Internacional Americana, es ilustrativo. En su preámbulo dispone que la solidaridad
americana y la buena vecindad no pueden alcanzarse ni pueden tener otro propósito
que “consolidar en este Continente, dentro del marco de las instituciones democráti-
cas, un régimen de libertad individual y de justicia social, fundado en el respeto de los
derechos esenciales del hombre”. El Comité Jurídico Interamericano, según consta en
el acta final de su sesión extraordinaria de 1959, ajusta de modo preciso que “el medio
de asegurar en América sistemas democráticos de gobiernos sería el de reconocer y
proteger los derechos de la persona humana”; lo cual es consistente con el reconoci-
miento a ésta de un espacio propio, distinto de la clásica ciudadanía y por ende sepa-
rado del Estado como abstracción y expresión política organizada que ha sido de la
sociedad civil señalada.
[104] La V Reunión de Consulta de Ministros de Relaciones Exteriores, reunida
en Santiago de Chile, se atreve a enunciar sin carácter limitativo, en 1959, los princi-
pios y atributos del sistema democrático para la efectividad de su desempeño, desar-
rollándolos tanto en la sustancia de sus formas como a la luz de su relación con los ciu-
dadanos y los individuos. Los principios del caso, suerte de estándares de la democra-
cia representativa o de la república democrática, tal y como constan en la Declaración
de Santiago son los siguientes: “1. Imperio de la ley, separación de poderes públicos,
y control jurisdiccional de la legalidad de los actos de gobierno. 2. Gobiernos surgidos
de elecciones libres. 3. Proscripción de la perpetuación en el poder o de su ejercicio
sin plazo. 4. Régimen de libertad individual y de justicia social fundado en el respeto
a los derechos humanos. 5. Protección judicial efectiva de los derechos humanos. 6.
Prohibición de la proscripción política sistemática. 7. Libertad de prensa, radio y tele-
visión, y de información y expresión. 8. Desarrollo económico y condiciones justas y
humanas de vida para el pueblo”.

59
Asdrúbal Aguiar

[105] La Declaración citada es reconocida en su fuerza moral para la época y así


lo es hasta que se aprueba, en 1969, la Convención Americana de Derechos Humanos
(1969) o Pacto de San José, en cuyo Preámbulo se expresa el compromiso jurídico vin-
culante de los Estados para “consolidar en este Continente, dentro del cuadro de las
instituciones democráticas [no fuera o al margen de él], un régimen de libertad per-
sonal y de justicia social, fundado en el respeto a los derechos esenciales del hombre”.
No solo eso. A tenor de su artículo 29, los Estados partes adhieren expresamente como
contexto para la hermenéutica o interpretación de la Convención a “la forma demo-
crática representativa de Gobierno”, en una singladura que marca luego una relación
de interdependencia o de unidad de doble faz entre los derechos humanos y la demo-
cracia, y al afirmarse, según se desprende del artículo 32 que le sigue, que así como no
puede entenderse a la democracia sin su teleología o compromiso con la realización
de los derechos humanos, éstos, a su vez, encuentran como límite “las justas exigen-
cias del bien común, en una sociedad democrática”. Se trata pues, de un equilibrio dis-
tinto al que conoce nuestra remota antigüedad y que en cierta forma arrastran hacia
sí las revoluciones del siglo XIX,
[106] La asunción de la democracia como algo más que una forma organizativa
del gobierno y, eso sí, como parte sustantiva e inseparable del ejercicio de los dere-
chos esenciales de la persona humana: protegidos y garantizados internacionalmente,
determina, en fin, que los conceptos de orden público, bien común, seguridad nacio-
nal, tantas veces utilizados para encubrir abusos y menoscabos a la libertad y a los mis-
mos derechos fundamentales a fin de privilegiar al Estado republicano contemporá-
neo e impersonal, no puedan ser explicados en lo sucesivo fuera de los propios lími-
tes estrictos de la democracia.
[107] De la misma manera en que el orden público ha de entenderse como las
“condiciones que aseguran el funcionamiento armónico y normal de las instituciones
sobre la base de un sistema coherente de valores” y siendo el bien común un “concep-
to que ha de interpretarse como elemento integrante del orden público en un Estado
democrático, cuyo fin principal es la protección de los derechos esenciales del hom-
bre”, se conviene, pues, en que el mismo hace referencia – como bien común – a las
“condiciones de la vida social que permiten a los integrantes de la sociedad alcanzar
el mayor grado de desarrollo personal y la mayor vigencia de los valores democráti-
cos”. La simbiosis democrática, tan esperada desde el nacimiento de nuestras repúbli-
cas: Estado/sociedad, queda así resuelta, al menos nominalmente.
[108] Sobre el puente histórico del cambio global que se hace sentir hacia fina-
les de los años ’80 del siglo XX, ocurre otro hecho singular producto de la misma sim-
plificación en el análisis del hundimiento del socialismo real en los países miembros
de la antigua Unión Soviética y europeos orientales. La república democrática que le
sirve de soporte a la relación política entre las distintas naciones de las Américas, se
torna en un deber inexcusable; a un punto tal que el apartamiento de sus reglas por
cualquier Estado despega un sistema de seguridad colectiva democrática compulsivo,

60
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

que bien evoca la práctica de la Atenas Imperial durante el período ático y a propósi-
to de la Liga de Delos: “Introducir por todas partes un gobierno democrático, pensan-
do muy justamente que un gobierno así, que sería deudor de su existencia a Atenas,
llegaría a ser un sostén para la política atenófila de la comunidad” era entonces el desi-
derátum, lo recuerda Zielinski.
[109] En 1991, tanto el llamado Compromiso de Santiago como la Resolución
1080 [Resolución 1080-XXI-O-91 de 5 de junio de 1991] nacidos dentro del seno de
la OEA y que anteceden a la reforma de la Carta de dicha organización multilateral
en 1992 (Protocolo de Washington), son apreciados por un crítico de las mismos, el
diplomático mexicano Ismael Moreno Pino, así: “Se trata, sin duda, de una resolución
de muy particular importancia ya que es un eslabón más de la tendencia, al parecer
irresistible, de encomendar a la Organización la tutela de la democracia representati-
va como forma de gobierno de todos y cada uno de sus Estados miembros. (Omissis).
[Junto] con el antes referido Protocolo de Washington viene a constituir un parte
aguas en lo que a los objetivos y al funcionamiento de la Organización se refiere: en
lo sucesivo, materias tales como la legitimidad del ejercicio del poder público o el fun-
cionamiento de los procesos políticos internos, parecen haber sido arrancados de lo
que tradicionalmente constituía el dominio reservado de los Estados, o corren al
menos el riesgo de serlo”.
[110] El Compromiso de Santiago (Compromiso con la democracia y renovación
del Sistema Interamericano), adoptado por la Asamblea General de la OEA en 1991 y
de forma precedente a su Resolución 1080 citada, que sirve de base a la propia refor-
ma de la Carta mediante el Protocolo de Washington, en 1992, marca, en efecto, un
giro dentro del Sistema Interamericano. Del principio de adhesión por los Estados a
la democracia representativa se pasa hacia la consagración militante de la defensa de
la democracia representativa como “la forma de gobierno de la región”. Como se apre-
cia en el mencionado Compromiso, todos los Gobiernos presentes en la Asamblea,
“democráticamente elegidos”, tienen conciencia clara, ante el fin de la Guerra Fría,
del avance cierto pero no garantizado hacia un orden mundial “más abierto y demo-
crático”, fundado en “la revitalización de la diplomacia multilateral y de las organiza-
ciones internacionales”.
[111] El Compromiso de Santiago hace posible un intento germinal e inédito –
quizás por preverse o intuirse ya la crisis democrática que sobreviene y es hoy visible
en el Occidente - para trascender hacia una conceptualización nueva del modelo
democrático representativo. Más allá de la voluntad de “fortalecer la democracia
representativa, como expresión de la legítima y libre manifestación de la voluntad
popular” (legitimidad formal), los Estados miembros adoptantes de la Declaración
hacen expresa la relación entre la democracia representativa y el deber de “intensifi-
car la lucha solidaria y la acción cooperadora contra la pobreza crítica” y de “promo-
ver la observancia y defensa de los derechos humanos”, de modo particular, la “parti-

61
Asdrúbal Aguiar

cipación política de grupos étnicos minorados o minoritarios” (legitimidad de desem-


peño).

X. Hacia la Carta Democrática Interamericana

[112] La apreciación en cuanto a que la finalización de la Guerra Fría provoca un


cambio estructural e ideológico en las relaciones internacionales contemporáneas;
seguidamente, la convicción acerca del papel dinamizador que las nociones de liber-
tad, respeto y garantía de los derechos humanos, Estado de Derecho, en fin, vigencia
universal de los valores democráticos tienen dentro del orden mundial emergente; y,
la preocupación por la insurgencia de fuerzas disolventes que, en la transición, carac-
terizan al agotamiento de la bipolaridad Este-Oeste, no dejan de ser constatadas por
los Cancilleres del Hemisferio en el Compromiso de Santiago de 1991, al señalar que
“los cambios dirigidos hacia un sistema internacional más abierto y democrático no
están plenamente asegurados”.
[113] Dentro de dicho contexto ha lugar a la posterior iniciativa norteamericana
de convocar e institucionalizar, al más alto nivel político, con la presencia de los Jefes
de Estado y de Gobierno del Continente, un vértice o cumbre inserto dentro del
mismo Sistema Interamericano, para atender los nuevos desafíos históricos. Nacen de
tal suerte las Cumbres de las Américas como puntos de reflexión y decisión acerca de
la democracia y de los peligros contemporáneos que la acechan. Y en el seno de las
mismas donde fragua la idea de la Carta Democrática Interamericana en vigor.
[114] Tanto como existe la convicción acerca de que “la democracia es el único
sistema que garantiza el respeto de los derechos humanos y el Estado de Derecho, y a
la vez salvaguarda la diversidad cultural, el pluralismo, el respeto del derecho de las
minorías y la paz en y entre las naciones”, la Primera Cumbre (Miami, 1994) está per-
suadida en cuanto a que la democracia se basa, entre otros principios fundamentales
y en consonancia con su regla de base histórica, en elecciones libres y transparentes,
e incluye el derecho de todos los ciudadanos a participar en el gobierno. Pero es con-
ciente, a la vez, de los nuevos retos que tiene encima, “como la modernización del
Estado, que incluye aquellas reformas que agilizan su funcionamiento, reducen y sim-
plifican las normas y procedimientos gubernamentales, y aumentan la transparencia
y la responsabilidad de las instituciones gubernamentales”: “la independencia del
poder judicial [pues] constituye un elemento crucial para la existencia de un sistema
jurídico eficiente y de una democracia duradera”; y como desiderátum “mejorar la
satisfacción de las necesidades de la población...”.
[115] Puede decirse, entonces, que lo esperado de la democracia, vista desde el
ángulo de las obligaciones del Estado, es ser una “democracia de servicio”, y desde el
ángulo de las pretensiones del ciudadano, es ser un “derecho a la democracia”, que
desborde la mera forma política de organizar el poder constituido. Quizás por ello y
por la desconfianza que hacia la misma democracia anida en los ciudadanos del pre-

62
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

sente por defecto lo anterior, la Cumbre citada concluye afirmando que “la democra-
cia efectiva requiere que la corrupción sea combatida de manera integral, toda vez que
constituye un factor de desintegración social y de distorsión del sistema económico
que socava la legitimidad de las instituciones políticas”.
[116] La Declaración de Santiago, adoptada seguidamente por la 2ª Cumbre de
las Américas en 1998, durante su encuentro de Chile amplia el cuadro de elementos
dogmáticos e integradores de la democracia representativa, acotando el clásico prin-
cipio de la No intervención y la independencia de los Estados para determinarse polí-
ticamente. “La fuerza y el sentido de la democracia representativa”, reza la
Declaración, han de residir, por una parte, en la participación de los ciudadanos y ya
no sólo y como antes en el ejercicio del poder sino “en todos los niveles de la vida ciu-
dadana”. Por otra parte, implica junto a la “participación más activa de la sociedad
civil el fortalecimiento de “las capacidades de los gobiernos regionales y locales”. En
otras palabras, la democracia ha de correr en línea contraria a la centralización del
poder político. Pero hace hincapié tal Declaración en que “la prensa libre desempeña
un papel fundamental en la materia”; de donde reafirma “la importancia de garanti-
zar la libertad de expresión, de información y de opinión”, como exigencia sustantiva
de la experiencia democrática y de su renovación.
[117] Sin solución de continuidad, en línea con las elaboraciones precedentes, la
3ª Cumbre de las Américas celebrada en Québec el año 2001, prefiere mostrarse más
consciente en cuanto a que “las amenazas contra la democracia hoy en día asumen
variadas formas”. El ejemplo queda a la vista por su novedad y como una suerte de
preanuncio del peligro real y no hipotético que enfrenta la democracia en lo sucedá-
neo y que no la opone como en el pasado inmediato a las dictaduras. Se tiene la demo-
cracia, a ella misma, en su lado opuesto. El presidente peruano, Alberto Fujimori,
electo en comicios democráticos, contando con suficiente legitimidad de origen opta
por comprometer su legitimidad de desempeño democrático al usar de las formas o
reglas de la democracia para vaciarlas de contenido.
[118] Dos elementos esenciales destacan, por ende, en la Declaración de Québec.
Uno de carácter inédito, que fija una diferencia entre la democracia formal y la demo-
cracia de desempeño. Otro, de cara a la realidad contemporánea y más allá de la razón
que hace posible -por obra del Compromiso de Santiago, de la Resolución 1080 y del
Protocolo de Washington- fortalecer la acción colectiva de defensa de la democracia
ante los clásicos golpes de Estado, y que añade como nuevo presupuesto a las llama-
das «alteraciones de efecto grave» sobre el orden democrático.
[119] El 11 de septiembre de 2001, fecha en la que el tiempo clásico e interna-
cional de los Estados soberanos cesa a manos del terrorismo fundamentalista desloca-
lizado y cuando se hace espacio otro quiebre cruento -el primero del siglo XXI - en
las leyes elementales de la ética y la decencia humanas, la Asamblea General de la
OEA, cuidando de éstas hacia el futuro adopta en Lima la Carta Democrática
Interamericana. Su texto, cuyo proyecto presenta el Gobierno del Perú a la Asamblea

63
Asdrúbal Aguiar

General de la OEA celebrada en San José de Costa Rica durante el mes de mayo pre-
cedente, ya caído Fujimori, queda aprobado por consenso de los Cancilleres incluido
el venezolano: cuyo mandante, el Teniente Coronel Hugo Chávez Frías, es el único
Jefe de Estado disidente acerca de los estándares democráticos consagrados durante la
Cumbre de Québec y al alegar que la democracia verdadera no es representativa sino
directa y participativa.

XI. El derecho humano a la democracia

[120] Seis capítulos encierran el texto de la Carta Democrática Interamericana y


compendian la doctrina y la práctica sobre la democracia en las Américas con vistas a
su relanzamiento hacia el siglo XXI y en el marco de sus nuevas exigencias. En orden
sucesivo, la Carta Democrática se refiere y fija en sus artículos 1 a 6 del capítulo I (La
democracia y el sistema interamericano), el concepto de la democracia que asume
como propio el Sistema Interamericano y que califica el artículo 1 como “derecho de
los pueblos de América” que ha de ser garantizado por los gobiernos.
[121] En el capítulo II (La democracia y los derechos humanos), que corre desde
los artículo 7 a 10 ejusdem, la Carta ratifica el respeto a los derechos humanos y a las
libertades fundamentales como elemento esencial de la democracia; y hace constar el
locus standi del que gozan de manera directa e inmediata los individuos, en el plano
internacional, para lograr el amparo directo e inmediato -la tutela judicial efectiva- de
sus derechos más allá de la personalidad clásica y envolvente de los Estados nacionales.
[122] Los artículos 11 a 16 integrantes del capítulo III (Democracia, desarrollo
integral y combate a la pobreza), fijan la interdependencia entre la democracia y su
ejercicio con el desarrollo económico y social, considerando dentro de dicho espectro
la incidencia de la democracia en la conservación del medio ambiente y el papel clave
que juega la educación en la lucha para la superación de la pobreza y la exclusión, por
ende, en el fortalecimiento de las instituciones democráticas.
[123] El capítulo IV (Fortalecimiento y preservación de la institucionalidad
democrática) desarrolla cuidadosamente, desde el artículo 17 hasta el artículo 22, los
medios y procedimientos dispuestos por la Carta para las hipótesis de violación -en
distintos grados o niveles- del derecho a la democracia, a objeto de que el Sistema
Interamericano cumpla a través de sus órganos o mecanismos de seguridad colectiva
democrática con sus tareas, ora de asistencia, ora de preservación, sea de normaliza-
ción, sea de restablecimiento de la institucionalidad garantista o del ejercicio demo-
crático vulnerado.
[124] Finalmente, los capítulos V (La democracia y las misiones de observación
electoral), artículos 23 a 25, y VI (Promoción de la cultura democrática), artículos 26
a 28, disponen lo necesario para que, tanto los Estados miembros como la OEA, den-
tro del marco de sus respectivas competencias y responsabilidades hagan lo necesario
para la realización y garantía de “procesos electorales libres y justos” y para la crea-

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La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

ción, con apoyo de la sociedad civil, de las condiciones y de las prácticas necesarias
para alcanzar - en elecciones auténticas y mediante el voto universal, igual, libre y
secreto - la gobernabilidad democrática.
[125] En lo relativo a las misiones de observación electoral, el capítulo corres-
pondiente distingue claramente, dentro del marco genérico de las misiones de obser-
vación electoral, las siguientes: Las misiones preliminares para asesoramiento y asis-
tencia por la OEA a los Estados con vistas al fortalecimiento y desarrollo de sus pro-
cesos electorales; las misiones de observación electoral propiamente dichas, que
determinan la existencia o no de las condiciones necesarias para la realización de elec-
ciones libres y justas; finalmente, las misiones especiales, que de cara a la circunstan-
cia anterior, han de contribuir con la creación previa de las condiciones en cuestión.
[126] Un aspecto particular, de crucial significación, merece destacarse a propó-
sito de la adopción de la Carta. Esta califica a la democracia como derecho los pueblos,
en línea diversa a su consideración como sistema o régimen político de Gobierno,
según puede apreciarse en su artículo 1 y que mejor se entiende en sus alcances a
tenor de cuanto afirma Melkevic remitiendo a Jürgen Habermas. Según éste el dere-
cho de los pueblos ha de entenderse como “derecho cosmopolítico”, de donde el ideal
a realizarse “es una democracia planetaria consistente en espacios políticos donde
hombres y mujeres pueden participar y recíprocamente decidir su suerte por medio
de procesos democráticos”. Mal puede entenderse a la democracia, pues, sin que se
repare en sus realizadores y destinatarios, los ciudadanos. De allí que, al igual que
ocurre con todos y cada uno de los derechos humanos, es deber del Estado respetarla
y garantizarla mas no apropiársela, o como lo dice la señalada disposición del artícu-
lo 1 de la Carta y en lo relativo al mencionado derecho a la democracia, corresponde
a los gobiernos “la obligación de promoverla y defenderla”.
[127] El otro aspecto se relaciona con lo afirmado por la Carta, en cuanto a que
la democracia es y la entiende ésta, sin ambages, como democracia representativa.
Pero la participación, que mal puede desnaturalizarla en cuanto a lo que es, no obs-
tante contribuye, según ella, al reforzamiento y profundización de dicho modelo
democrático, tal y como se desprende de la lectura de los artículos 2 y 6 ejusdem. El
Estado, por consiguiente, no puede sustituir o postergar a la ciudadanía a fin de hacer
cierta la experiencia democrática y menos aún puede sustituir al ciudadano transfor-
mándolo en su elemento subsidiario, con el propósito de hacer de la misma democra-
cia potestad o competencia del Estado y a un punto tal que considere atributo suyo
v.g. el desarrollo de la personalidad humana.
[128] El Estado es un elemento instrumental, “artificial” u obra del dios-hombre
si se quiere y se busca hacer buena la tesis del autor del Leviatán: Thomas Hobbes
(1588-1679), subsidiario –o mejor garantista– del individuo y de su libertad o, bien,
según sea la calidad y el contenido institucionales del primero, una expresión más de
la dimensión social de la persona humana. De allí la clara prescripción del menciona-
do artículo 6 de la Carta Democrática: “La participación de la ciudadanía en las deci-

65
Asdrúbal Aguiar

siones relativas a su propio desarrollo es un derecho y una responsabilidad. Es tam-


bién una condición necesaria para el pleno y efectivo ejercicio de la democracia
(Omissis)”.
[129] Ello precisa, pues, el carácter de la democracia como experiencia que viaja
en línea contraria al tumulto, a la oclocracia, a la despersonalización que es propia de
los sistemas políticos colectivistas y totalitarios. Lo que es así, bueno es advertirlo, sin
mengua de la referida calificación de la democracia como “derecho de los pueblos de
América” que hace el ya citado artículo 1 y que intenta indicar, sí, que la democracia
como “vivencia cotidiana” de los valores democráticos -conforme nos lo recuerda la
Declaración de Santiago de 2003, en línea con la mejor tradición maritainiana -
adquiere sentido pleno en la alteridad, es decir, en la relación de cada ser humano con
los otros sin que los unos y los otros pierdan sus identidades como experiencias unas,
únicas, e irrepetibles. La democracia, en suma, como “vivencia” no es un acto de
introspección aun cuando la convicción personal sobre la democracia y sus estánda-
res o exigencias sí lo sea, en tanto que ejercicio libre del pensamiento, de la opinión,
de la expresión y, en última instancia, del voto. No obstante lo cual, Bobbio recuerda,
mutatis mutandi, que la libertad de juicio y de decisión en la democracia tiene como
límite la supervivencia de la propia democracia.
[130] La Carta, al trasponer los umbrales del viejo concepto de la democracia
como régimen político de Gobierno y al deslastrarse de su antigua concepción formal,
fija la distinción anunciada entre las llamadas legitimidades de origen y de desempe-
ño democráticos. No basta para lo sucesivo que los gobiernos democráticos sean pro-
ducto de la voluntad popular, como lo hace presente César Gaviria, Secretario General
de la OEA, al introducir la edición de la Carta Democrática Interamericana (Carta
Democrática Interamericana, 11 de septiembre de 2001, edición realizada por la
Unidad para la Promoción de la Democracia, Washington D.C.). La Carta, justamen-
te, “perfecciona la idea sobre la defensa de la democracia, entendiendo ésta no sólo
como la preservación del gobierno popularmente electo, sino como el cumplimiento
de una serie de condiciones que incluyen la defensa de los derechos humanos, y
garantías, como la separación de poderes”.
[131] El artículo 3 de la Carta define los elementos esenciales de la democracia
representativa - no restringidos como antes a las elecciones y al voto - y el artículo 4
fija los componentes fundamentales de su ejercicio. La efectividad de la democracia
deriva de la concurrencia, correspondencia, reciprocidad, y funcionalidad de sus ele-
mentos y componentes como del contenido y alcances no estancos de cada uno de
ellos. No hay democracia fuera de los “elementos esenciales” que la definen en su
ingeniería garantista y le fijan, a la par, objetivos o cometidos inexcusables. Pero,
como tal y de existir en sus elementos esenciales, sufre la democracia en su calidad y
condiciones de gobernabilidad cuando su ejercicio no responde, de manera conjunta
e interdependiente, a sus “componentes fundamentales”.

66
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

XII. Los estándares contemporáneos de la democracia

[132] A tenor de sus descriptores normativos como de sus interpretaciones a la


luz del principio ordenador de la Justicia pro homine et libertatis y de las enseñanzas
de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, los elementos esenciales de la
democracia representativa y los componentes fundamentales de su ejercicio, según la
Carta Democrática Interamericana y de conjunto, sin que se les entienda numero
clausus son básicamente doce, como los Mandamientos de la Ley.
[133] Elementos esenciales de la democracia representativa
a. RESPETO A LOS DERECHOS HUMANOS Y LAS LIBERTADES FUNDAMENTALES. La Corte
ha dicho que “la democracia representativa se asienta en el Estado de Derecho y éste
presupone la protección vía ley de los derechos humanos” (OC-6/86, Párr. 29)
b. ACCESO AL PODER Y SU EJERCICIO CON SUJECIÓN AL ESTADO DE DERECHO. El prin-
cipio de legalidad, lo reafirma la misma Corte “se encuentra en casi todas las
Constituciones elaboradas desde finales del siglo XVIII, que es consustancial con la
idea y el desarrollo del derecho en el mundo democrático y que tiene como corolario
la aceptación de la reserva de ley, de acuerdo con la cual los derechos fundamentales
sólo pueden ser restringidos por ley, en cuanto expresión legítima de la voluntad de
la nación” (OC-6/86 idem).
c. CELEBRACIÓN DE ELECCIONES PERIÓDICAS, LIBRES, JUSTAS Y BASADAS EN EL SUFRA-
GIO UNIVERSAL Y SECRETO COMO EXPRESIÓN DE LA SOBERANÍA DEL PUEBLO. Los ciudadanos
en una democracia, lo señala la Corte de San José, “tienen el derecho de participar en
la dirección de los asuntos públicos por medio de representantes libremente elegidos.
El derecho al voto es uno de los elementos esenciales para la existencia de la demo-
cracia y una de las formas en que los ciudadanos ejercen el derecho a la participación
política. Este derecho implica – según la misma Corte – que los ciudadanos puedan
elegir libremente y en condiciones de igualdad a quienes los representan”, como se lee
en el fallo del Caso Yatama versus Nicaragua (Párr.198).
d. RÉGIMEN PLURAL DE PARTIDOS Y DE ORGANIZACIONES POLÍTICAS. Al respecto, la
jurisprudencia interamericana observa que “no existe disposición en la Convención
Americana que permita sostener que los ciudadanos sólo pueden ejercer el derecho a
postularse como candidatos a un cargo electivo a través de un partido político”. No
obstante, reconoce “la importancia que revisten los partidos políticos como formas de
asociación esenciales para el desarrollo y fortalecimiento de la democracia… [a cuyo
efecto observa que] deben tener propósitos compatibles con el respeto de los derechos
y libertades” para ser reconocidos como tales (Caso Yatama, cit., Párr. 215 y 216).
e. SEPARACIÓN E INDEPENDENCIA DE LOS PODERES PÚBLICOS. El estándar dicho es
característico del Estado democrático y supone su carácter finalista: como lo es prote-
ger a la persona humana y sus derechos, que no al Estado mismo o a cada uno de sus
poderes en sí. De donde se supone que ningún “poder del Estado – salvo la ley y como
lo declara la Corte – puede predeterminar la conducta de los otros en un régimen

67
Asdrúbal Aguiar

democrático de separación de poderes y de distribución de funciones” (Caso Myrna


Mack, 2003, Voto García Ramírez, Párr. 86).

[134] Componentes fundamentales del ejercicio de la democracia


a. TRANSPARENCIA DE LAS ACTIVIDADES GUBERNAMENTALES. Ella ha lugar o se pro-
picia, según la Corte, “a través de la opinión pública [que no solo] fomenta la transpa-
rencia [sino que] promueve la responsabilidad los funcionarios sobre su gestión polí-
tica”, de donde, “debe existir un margen reducido a cualquier restricción del debate
político o del debate sobre cuestiones de interés público” (Caso Herrera Ulloa, 2004,
Párr. 127). En efecto, “el actuar del Estado debe encontrarse regido por los principios
de publicidad y transparencia en la gestión pública, lo que hace posible que las perso-
nas que se encuentran bajo su jurisdicción ejerzan el control democrático de las ges-
tiones estatales”. No solo eso. “El acceso a la información bajo control del Estado, que
sea de interés público, – lo señala la Corte – puede permitir la participación en la ges-
tión pública, a través del control social que se puede ejercer con dicho acceso… Por
ello, para que las personas puedan ejercer el control democrático es esencial que el
Estado garantice el acceso a la información de interés público bajo su control” (Caso
Claude Reyes, 2006, Párr. 86).
b. PROBIDAD DE LOS GOBIERNOS. Para la Comisión Interamericana de Derechos
Humanos, el asunto vuelve hacia los predios de la libertad de expresión por ser “una
de las formas más eficaces para denunciar la corrupción”, siendo que en una democra-
cia “la regla debe ser la publicidad de los presuntos actos de corrupción” y ello nece-
sariamente importa en una sociedad democrática (Caso Ricardo Canese, 2004, Párr. 72
y 93).
c. RESPONSABILIDAD DE LOS GOBERNANTES EN LA GESTIÓN PÚBLICA. “La obligación de
garantizar los derechos humanos”, que es propósito de la democracia y del Estado de
Derecho, “no se agota con la existencia de un orden normativo dirigido a hacer posi-
ble el cumplimiento de esta obligación, sino que comporta la necesidad de una con-
ducta gubernamental” y asimismo la posibilidad de que el Estado también responda
“por los actos u omisiones de cualquier autoridad pública” que comprometan tales
derechos (Caso La Masacre de Pueblo Bello, 2006, Párr. 111). Pero para alcanzarlo,
según la Corte, es incompatible con el Estado de Derecho que los “secretos escapen de
la ley, esto es, que el poder tenga ámbitos en los que no es responsable porque no están
regulados jurídicamente y que por tanto están al margen de todo sistema de control”
(Caso Myrna Mack, 2003, Párr. 181).
d. RESPETO A LOS DERECHOS SOCIALES. El Protocolo de San Salvador, adicional a la
Convención Americana, es preciso al observar, en primer término la interdependen-
cia entre los derechos sociales y los derechos políticos, a un punto tal que su reafirma-
ción y desarrollo la juzga fundamental para la consolidación del “régimen democráti-
co representativo de gobierno”; y al ser unos y otros de tales derechos su sentido y

68
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

propósito final dentro de la concepción moderna que posterga la lejana y clásica


visión del Estado minimalista y de abstención.
e. LIBERTAD DE EXPRESIÓN Y DE PRENSA. Es tal libertad, lo ha dicho repetidamen-
te y hasta la saciedad la Corte, “una piedra angular en la existencia misma de una
sociedad democrática” (OC-5/85, Párr. 70), un elemento fundamental sobre el cual se
basa su existencia y condición “para que los partidos políticos, los sindicatos, las socie-
dades científicas y culturales, y en general, quienes deseen influir sobre la colectivi-
dad puedan desarrollarse plenamente”. Sin una libertad de expresión efectiva, “mate-
rializada en todos sus términos, la democracia se desvanece, el pluralismo y la tole-
rancia comienzan a quebrantarse, los mecanismos de control y denuncia ciudadana se
comienzan a tornar inoperantes y, en definitiva, se crea el campo fértil para que sis-
temas autoritarios se arraiguen en la sociedad” (Caso Canese, 2004, Párr. 82 y 86).
f. SUBORDINACIÓN CONSTITUCIONAL DE TODAS LAS INSTITUCIONES DEL ESTADO A LA
AUTORIDAD CIVIL LEGALMENTE CONSTITUIDA. El caso paradigmático en la experiencia
democrática americana ha sido el de la primacía o tutela por el elemento militar de la
vida civil y política de nuestras sociedades. De allí que, acotadamente, la Corte reite-
re sobre el “carácter restrictivo y excepcional” que ha de tener, a manera de ejemplo,
la jurisdicción penal militar, en un Estado democrático de Derecho, y donde ésta
opere sólo para la protección de “intereses jurídicos especiales, vinculados con las fun-
ciones que la ley [civil] asigna a las fuerzas militares” (Caso La Masacre de Pueblo
Bello, 2006, Párr. 189).
g. RESPETO AL ESTADO DE DERECHO DE TODAS LAS ENTIDADES Y SECTORES DE LA
SOCIEDAD. Entendida la idea del bien común como el conjunto de las “condiciones de
la vida social que permiten a los integrantes de la sociedad alcanzar el mayor grado de
desarrollo personal”, viene de suyo como imperativo, en criterio de la Corte, “la orga-
nización de la vida social en forma que se fortalezca el funcionamiento de las institu-
ciones democráticas y se promueva la plena realización de los derechos de la persona
humana” (OC-6/86, Párr. 31).

XIII. La participación democrática

[135] La Carta Democrática Interamericana como la jurisprudencia de la Corte


de San José invocan el carácter no transable de la democracia en su expresión repre-
sentativa. Aquélla pone de manifiesto en su texto dos aspectos centrales acerca de la
participación ciudadana en la democracia y como condición de su efectividad, que
cabe destacar. Por una parte, como ya consta, la Carta Democrática, en consonancia
con la Carta de la OEA y la Convención Americana de Derechos Humanos: de las que
es su interpretación auténtica, adhiere al modelo democrático de representación polí-
tica. Seguidamente, valora la función mediadora de los partidos en la realización de
los llamados derechos políticos sin considerarlos, como lo expresa la misma Corte,
medios únicos, exclusivos o excluyentes para la participación ciudadana. Empero y

69
Asdrúbal Aguiar

por lo dicho, la Carta Democrática consagra la participación como derecho y como


responsabilidad, mejor aún como “condición necesaria” o dinamizadora de la demo-
cracia: a los fines de precisar que es a través de la participación y de su práctica per-
manente como la representación democrática adquiere y se renueva en su legitimidad
y la democracia alcanza efectividad o se legitimidad en su desempeño.
[136] Los redactores de dicho instrumento internacional, adoptado de forma
unánime por los Estados miembros de la OEA, rechazan de plano la tesis venezolana
que abona en favor de una democracia participativa – suerte de régimen de democra-
cia directa y vocación plebiscitaria - en defecto de la democracia representativa. Mas
acogen, sí, el reclamo de la participación ciudadana “permanente”, no reducida al voto
electoral esporádico, y operante, cabe repetirlo, como “condición necesaria” de la
misma democracia representativa. Nos atrevemos a decir, entonces, con Manuel
Ramírez, Catedrático de la Universidad de Zaragoza, que la participación es “presu-
puesto de la democracia”; conclusión a la que llega el autor luego de escrutar las expe-
riencias de las mal llamadas democracias orgánicas o corporativas - encubridoras de
los totalitarismos - o las de partido único: tutelares de la democracia, o aquella otra
que afirma la “teoría elitista de la democracia”, haciendo del ciudadano comparsa y no
actor central de la democracia.
[137] Si tenemos presente la enunciación lúcida que de las reglas de juego de la
democracia hace Norberto Bobbio, se aprecia como sitúa, dentro del principio de la
igualdad democrática, a la condición o regla de la inclusividad: para decir que “un
régimen es democrático a condición de que todos los destinatarios de las decisiones
políticas tengan el derecho-poder de participar en el proceso de decisión sin discrimi-
naciones”.
[138] Sin separarnos del alcance que el teórico italiano del Derecho le otorga a
cada regla de juego de la democracia, cabe agregar por vía de conclusiones que la par-
ticipación es en la actualidad – dentro del contexto que le señala la Carta Democrática
- una de las “condiciones de supervivencia de la democracia”. (Apud. M. Bovero, “Los
destinos actuales de la democracia y la enseñanza de Bobbio”, en la obra colectiva de
Filippi). Nos explicamos. Si la participación es una de las reglas de juego que integran
o hacen parte, según Bobbio, del “universal procedimiental” de este sistema llamado
democracia y que cada vez más deriva en derecho humano a la democracia, ella tam-
bién hace parte de las “reglas preliminares que permiten o hacen factible el desarrol-
lo del juego” democrático.
[139] Éstas reglas de suyo se concretan en los célebres y denominados presupues-
tos intangibles para que el juego democrático pueda darse, antes de que nos atrevamos
a plantear el problema de su sostenimiento y supervivencia, a saber: la libertad perso-
nal, la libertad de pensamiento, el derecho de reunión, y el derecho de asociación. Se
trata, en suma, del aseguramiento de las “cuatro grandes libertades de los modernos”
que, apreciadas de conjunto, nunca pueden faltar para darle carácter cierto a la parti-

70
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

cipación ciudadana y “para el correcto funcionamiento de los mismos mecanismos


esencialmente procedimentales que caracterizan un régimen democrático”.
[140] Por consiguiente, la participación ciudadana, al ser garantía necesaria para
el pleno y efectivo ejercicio de la democracia, según lo prescribe el artículo 6 de la
Carta Democrática, ha de trasegar los componentes fundamentales del ejercicio
democrático, pero no solo eso; ha de servir juntamente, en nuestra opinión, como vec-
tor o justificador de los elementos existenciales de la propia democracia representati-
va, enunciados en el artículo 3 ejusdem, es decir: del respeto a los derechos humanos,
del ejercicio del poder conforme al Estado de Derecho, de la celebración de eleccio-
nes, del pluralismo partidista, y de la separación e independencia de los poderes.

XIV. La gobernabilidad

[141] La Carta Democrática, como lo reconoce la novísima “Declaración de


Santiago sobre Democracia y Confianza Ciudadana: Un nuevo compromiso de gober-
nabilidad para las Américas” adoptada por Asamblea General de la OEA en 2003, es
hoy, quiérase o no, “el principal referente hemisférico para la promoción y defensa de
principios y valores democráticos compartidos en las Américas al inicio del siglo XXI”.
Otra cosa, cabe reiterarlo, es que dichos estándares reclamen de una valoración críti-
ca con vistas a las realidades globales y neotribales fundamentalistas en oposición – o
complementariedad ¿? - que pugnan bajo el techo de la aldea digital.
[142] No se olvide que así como la gobernabilidad constitucional – lo dice con
precisión Diego Valadés – implica racionalización del ejercicio del poder y, de ordi-
nario, alude a la calidad de la democracia, la ingobernabilidad indica o sugiere, por
argumento a contrario, los peligros y riesgos que en el presente viven y asumen los
valores de este modelo político milenario y espacialmente limitado: la democracia a
secas, reclamada en su universalidad vocacional pero ahora, como nunca antes, vícti-
ma de los denuestos y señalada, sobre todo en la América Latina, como responsable de
nuestros males endémicos.
[143] La Declaración de Santiago (2003) identifica y enuncia de un modo pun-
tual las exigencias para el restablecimiento de la gobernabilidad democrática, luego de
aceptar expresamente “la existencia de amenazas, preocupaciones y otros desafíos
multidimensionales a la paz y la seguridad [que] afectan el goce de los derechos de
todas las personas y la estabilidad democrática. Señala como prioridades, entre otras y
sin perjuicio del Programa de Gobernabilidad Democrática en las Américas cuya pre-
paración solicita de su Secretaría General la Asamblea de la OEA, las siguientes:

“1. La participación de todos los actores sociales en la construcción de consen-


sos para el fortalecimiento de la democracia.

71
Asdrúbal Aguiar

2. El reforzamiento de la credibilidad y confianza ciudadanas en las institu-


ciones democráticas, promoviendo la plena participación de la ciudadanía
en el sistema político.
3. El fortalecimiento del respeto a la libertad de expresión, al acceso a la infor-
mación y a la libre difusión de las ideas, instando a los medios de comuni-
cación y a todos los actores sociales a propiciar “una cultura de paz”.
4. El fortalecimiento de los partidos políticos como intermediarios de las
demandas de los ciudadanos en cualquier democracia representativa.
5. La modernización del Estado, a objeto de elevar los niveles de eficiencia,
probidad y transparencia en la gestión pública.
6. La reforma y modernización de la administración de Justicia, como eje cen-
tral de la consolidación del Estado de Derecho.
7. La superación de la pobreza y de la exclusión social y la promoción del cre-
cimiento económico con equidad, mediante políticas públicas y prácticas
de buen gobierno que fomenten la igualdad de oportunidades, la educación,
la salud y el pleno empleo.
8. La valoración de la diversidad cultural y étnica”.

XV. Otra recapitulación necesaria: El núcleo pétreo de la democracia

[144] A manera de síntesis, para una acabada comprensión del derecho a la


democracia y su núcleo pétreo nada mejor que volver a Jean Maritain y a la exégesis
que de sus enseñanzas realiza Piero Viotto. El filósofo francés, responsable de la reno-
vación intelectual y espiritual del catolicismo durante el siglo XX, luego de reflexio-
nar acerca de los cimientos y las expectativas de la vida democrática “como filosofía
general de la vida humana y de la vida política” concluye que “la tragedia delle demo-
crazie moderne consiste nel fatto que esse non sono ancora riuscite a realizzare la
democrazia”.
[145] Maritain, sin ser testigo de las circunstancias que preceden y explican a la
Carta Democrática Interamericana, desde mucho antes y en su conocida obra Man and
the state (1951) observa que la democracia no es una forma vacía sino una concepción
específica de la vida social y política que ella ha de defender; pero que tampoco es una
teoría o una filosofía: es una suerte de credo civil y de fe democrática secular, que mal
alude a la suerte de religión civil predicada por Rousseau. No es la democracia, por lo
mismo, neutra. Exige convicción política y acuerdo de los espíritus, pero no puede
negar los derechos políticos -lo recuerda Maritain- a los “heréticos de la política”: sin
perjuicio de que el Estado “se defienda de la agresión antidemocrática con información
y sobre todo con educación, y en particular con educación escolástica”.
[146] “La democracia -agrega el autor de Chistianisme et démocratie (1943) -
presupone una vocación y una obra común que debe llevarse adelante, no en nombre
de la guerra, del prestigio, de la potencia, sino en nombre de la emancipación de las

72
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

personas y de los pueblos, de la justicia y de la civilización”. De allí que, como lo inter-


preta Viotto luego de leer y sistematizar la obra magna de su maestro, la misma “exige
iniciativa y responsabilidad, rechaza al Estado soberano omnipresente, exige la sobe-
ranía de las multitudes, quiere el sufragio universal, un gobierno republicano, la par-
ticipación del pueblo sin la hegemonía [léase, sin el monopolio] de los partidos”.
[147] De cara a la experiencia de Hitler, luego de sostener que la democracia
abdica a los instintos y es un esfuerzo dirigido en la historia y no fuera de ella al desa-
rrollo de la razón y de la justicia, Maritain no guarda reservas al sostener que sólo por
vía de las organizaciones internacionales es posible instruir a la razón con vistas a la
democracia como experiencia netamente humana. De allí la necesidad, según él, de
entender que es algo superior a la mera filantropía lo que debe hacernos “valicare
all’impegno di soliedarietá le frontiere chiuse dei gruppi sociali naturali, gruppo fami-
liare e gruppo nazionale, allargandolo a tutto il genere umano”; con lo cual sitúa a la
experiencia democrática más alla de los Estados y al defenderla como necesariamen-
te compatible y realizable en sede universal y de la Humanidad. Pero a su vez recla-
ma, en beneficio de la misma, la superación del fenómeno de aislamiento social celu-
lar y de los nichos o retículas fundamentalistas excluyentes que en la actual coyuntu-
ra, inevitablemente, propicia la desestructuración del Estado nación.
[148] Una visión retrospectiva e integral de las normas o estándares relativas a la
democracia, apreciada, ésta, ora como sistema político de Gobierno, ora como dere-
cho de los pueblos o soporte indispensable para la cultura de los derechos humanos,
nos permite, por lo pronto y a manera de soporte para una reconstrucción democrá-
tica hacia el porvenir, constatar lo siguiente:
1. La democracia, atada a la exigencia del respeto y la garantía universal e inter-
nacional de los derechos humanos, se presenta con inédita fuerza y es expresión reno-
vada de la contemporaneidad global. Sin embargo, víctima de su propia fortaleza y de
las contradicciones inherentes a la transición en curso, pierde, por una parte y por
obra de la mundialización su soporte en la idea del Estado como estructura límite de
la soberanía y, por la otra, en línea tanto contraria como reactiva, el empeño por res-
catar del torbellino la idea de la soberanía hace que no pocos la desvirtúen, a un punto
de hacerla incompatible con las ideas de pluralidad y convivencia inherentes a la
democracia como estilo de vida y estado del espíritu.
2. Luego de 1959 se elaboran y sistematizan los primeros estándares interameri-
canos del modelo de ejercicio efectivo de la democracia, titulada como representativa
desde 1954, y que unen, por vez primera, las exigencias de la legitimidad formal con
la denominada legitimidad de desempeño democrático. En términos próximos a los
dispuestos por la Carta Democrática Interamericana, ensambla dentro de su núcleo, a
manera de corrección ética y valorativa, las ideas del desarrollo y de la justicia social
acogidas por el Sistema Interamericano desde 1945.
3. En 1969, la democracia cristaliza como obligación jurídica plena y de derecho
internacional particular en el Continente americano, quedando sujeta en su realiza-

73
Asdrúbal Aguiar

ción a la protección inmediata e institucional por los órganos de la Convención


Americana de Derechos Humanos. De modo que, lo que es desiderátum en 1948,
asume en lo sucesivo carácter prescriptivo para los Estados: la democracia se integra
en la tríada indisoluble «Derechos humanos-Democracia-Estado de Derecho» y hace
parte del orden público internacional forjado luego de la Segunda Gran Guerra y
constante en los instrumentos constitucionales universal y americano: la Carta de San
Francisco, que crea la ONU, y la Carta de Bogotá, que instituye a la OEA.
4. La democracia mueve, histórica y normativamente, desde el plano formal que
le corresponde inicialmente, como sistema político de Gobierno, hacia su cristaliza-
ción reciente como derecho humano fundamental: el derecho a la democracia, que
teóricamente hemos defendido en su emergencia y juzgamos comprehensivo y condi-
cionante de los demás derechos humanos, de primera o segunda generaciones (civiles
y políticos, económicos, sociales y culturales).

XVI. La agonía del Estado, cárcel de ciudadanos

[149] Pensar en el día después, a la luz de los cambios de paradigma que acom-
pañan al siglo XXI en curso e imposibles de detener, no es tarea fácil. Las referencias
históricas hijas de la civilización que nos alberga dejan de ser tales y en apariencia los
anclajes son otros hacia el futuro. La crisis de Wall Street, como indicador señalado
de un supuesto final del capitalismo, sugiere a algunos la reedición por vía de conse-
cuencias del Estado interventor. Pero quienes esto afirman invocan a los fantasmas de
ultratumba. La dictadura económica fenece junto a la dictadura política con el der-
rumbe del Muro de Berlín, hace casi dos décadas.
[150] Lo cierto es que el denunciado final del capitalismo – vale decir del capi-
tal como fuente única de riqueza y bienestar – es una cosa y otra predicar la muerte
de los mercados o el restablecimiento de las fronteras económicas, en un tiempo dife-
rente, que arrastra como postulado la caída de todas las murallas geopolíticos y cultu-
rales por obra de las autopistas de la información. Pero algo si cabe a propósito de la
crisis financiera mundial reciente, como lo es que los efectos del desmoronamiento de
Wall Street son y se muestran tan globales que ningún Estado o nación por sí solo
puede contenerlos. Todos a uno están paralizados y ayunos de voluntad. Apenas se
muestran relativamente capaces para el diagnóstico situacional.
[151] Cabe repetir, pues, que el comunismo llega a su término por querer fun-
darse sobre una de las mitades de la naturaleza humana, la que le pide al hombre alte-
ridad y le sitúa en comunidad para saciar sus carencias, olvidando que éste es, de igual
modo, voluntad libre y una, experiencia única e irrepetible. Mas la cosmovisión de
Wall Street, que cede luego de haberse creído victoriosa, es reduccionista y barata.
Sigue midiendo a cada persona desde su otra mitad, desde el egoísmo sin contención
e imaginándola como una suerte de animal que engulle sus intestinos mientras le
alcanzan y luego muere de inanición, en la soledad de su caverna.

74
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

[152] Llámense neoliberales o capitalistas, o comunistas quienes por pudor ahora


se autodenominan socialistas del siglo XXI, todos a uno construyen sus dogmas a par-
tir de la otra realidad que observamos en su crisis terminal: el moderno Estado
Nación, hijo de Macchiavelo y de Hegel; forjado sea para servir, sea para esclavizar a
los ciudadanos según la perspectiva que domine, ora respetándoles a éstos una cuota
de sus vidas, ora haciéndolas parte integral de la cosa pública (res publicae). Nadie
tiene existencia que no sea dentro del Estado o en conflicto permanente contra él, a
la luz de las indicadas cosmovisiones.
[153] Lo veraz es que ese Estado, delimitado geográfica y normativamente, para
no verse como ente fallido explica la política sólo alrededor del poder que le da el
espacio que ocupa o los recursos materiales que acopia. es el mismo sentido que otro-
ra le da forma a los Imperios que ayer declinan: el Imperio Romano y la misma URSS,
en una suerte de anacyclosis que esta vez hace presa de la sociedad política contem-
poránea.
[154] Basta un alto en la marcha cotidiana para constatar sin más que, dado lo
anterior, las cosas no son ni serán como fueron, vuelvo a insistir ello; no serán ni
mejores ni peores, sino distintas. Y en medio de la crisis corriente lo que se aprecia es
el tránsito entre una Era y otra, que no un simple cambio de Edad en la historia cono-
cida. Significa cuanto ocurre, mejor todavía, una ruptura profunda e inédita en las for-
mas de organización de la vida humana y en las esencias de la civilización.
[155] El Estado del que hablamos es apenas un átomo ante los desafíos y proble-
mas que hoy interpelan a la Humanidad y al orden global en cierne, y las “patrias de
bandera” con sus escudos antimisiles y fusiles AK-42 a cuestas se desnudan y mues-
tran como parques jurásicos. George W. Bush y Hugo Chávez Frías, situados en las
antípodas, en el Norte y en Sur del Occidente, no son lo que creen ser como “gendar-
mes de circunstancia” ni sus dramas se tornan tan invasivos, ni la pobreza ajena se nos
suma hasta hacérsenos más gravosa y casi propia, si no es por las imágenes satelitales
de CNN y sus efectos concentradores y multiplicadores de la realidad.
[156] No obstante, si lo anterior es irrebatible e inevitable, cabe considerar,
cuando menos, que el vendaval de las palabras y de los símbolos – la logofobia digital
– no basta para saciar el hambre de los desnutridos y sí basta, probablemente, para ate-
nuar los síntomas del desafecto que acompañan en su silencio y en sus cavernas a los
solitarios del mundo.
[157] El tiempo de la materia y de la explotación del hombre por el hombre
queda atrás en todo caso y emerge ante nosotros, golpeándonos de frente, el tiempo
de la explotación por éste del mismo tiempo y su velocidad. Hasta las instituciones de
las suficientes y muy soberbias repúblicas liberales o repúblicas populares acotadas
por los cascarones del Estado soberano: los partidos, los parlamentos, las fuerzas mili-
tares, no son sino curiosidades para los museos de la memoria, o andamiajes corroí-
dos, sea a la vista tanto de los excluidos como de las generaciones del inmediato por-
venir; lo que es ya, a todas luces, una máxima de la experiencia.

75
Asdrúbal Aguiar

[158] Cabe construir ex novo y no sólo reconstruir, en suma. Queda, por lo pron-
to, la verdad presente e indiscutible del hombre digital: desarraigado y expectante. Su
voluntad, individual o concordada, como principio moderno de legitimación del
poder, si acaso no cede por lo pronto desconoce cuáles son los odres espaciales o vir-
tuales restitutorios de las seguridades ciudadanas perdidas.
[159] No es ocioso que tengamos presente, a propósito de la democracia como
estilo de vida y estado del espíritu connatural a la persona humana y urgida de su
renovación, lo que de ella dicen tanto Maritain como Bobbio: se niega en los extre-
mos y reniega de los extremistas. Y en el vacío o en la anomia de transición, según la
aguda afirmación de Max Weber dicha a finales de la Segunda Gran Guerra cuando
habla sobre el futuro de Alemania, no debe olvidarse que “la cátedra no es ni para los
demagogos ni para los profetas”.

XVII. La democracia contra la democracia

[160] Sabemos qué es la democracia, cuales son sus escollos a lo largo de la his-
toria y sus estándares vigentes a la luz de las descripciones normativas y de las consi-
deraciones ético políticas dominantes. Como “ideal” que nos acompaña podemos con-
trastar los estándares dados con las realidades en movimiento, auxiliados por el mismo
Bobbio sin comprometerlo, determinando lo que ahora y para lo sucesivo son sus
falencias. Y nada más. En otras palabras, es posible realizar un ejercicio dentro de la
misma democracia, no fuera de ella, mirándonos en la democracia que soñamos y en
las democracias que tenemos, a la espera de dibujar la democracia realizable.
[161] En lo inmediato, no olvidemos que si la democracia nace como el gobier-
no de los muchos, donde los muchos legitiman desde abajo la existencia de la ciudad
y la ordenación de sus potestades, no es ella un medio que por si sola legitima sino que
viene atada a finalidades que se explican en la misma voluntad humana originaria: la
realización integral de la persona y sus derechos fundamentales. O como lo prefiere
Bobbio, “no basta ni la atribución del derecho a participar directa o indirectamente en
la toma de decisiones colectivas” por los muchos ni la existencia de reglas de juego o
procedimentales para que los muchos hagan valer sus decisiones mediante “la mayo-
ría” o la “unanimidad”, sino que es necesaria una tercera condición: que quienes deci-
den tengan y cuenten con las condiciones reales para decidir libre y razonadamente.
De donde “es indispensable que aquellos que están llamados a decidir o a elegir a quie-
nes deberán decidir, se planteen alternativas reales y estén en condiciones de selec-
cionar entre una y otra”, teniendo garantizados, por lo mismo, sus derechos a opinar,
a expresarse, a reunirse, a asociarse, entre otros.
[162] Ahora bien, dicho esto, la pregunta que cabe es ¿cómo puede el ciudadano
digital decidir autónomamente sobre las realidades globales que surgen con vocación
de dominio político y cultural, siendo que la democracia directa –tan demandada en
la hora presente– se agota en la Grecia antigua al intentar desbordar los límites de la

76
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

comunidad y haciéndose por lo mismo inviable? ¿El huérfano de ciudadanía que, en


otra banda, decide refugiarse en su caverna o «micropolis», dentro de la que puede
recrear imaginariamente la antigua polis griega, acaso puede decidir sobre alternati-
vas reales y con autonomía a falta de alternativas: salvo la que lo ata a su propia retí-
cula social étnica, racial, religiosa, cultural, urbana, para solo mencionar algunas de
las emergentes?
[163] A título de mero ejercicio caben algunas reflexiones en orden a la demo-
cracia que tenemos y a luz de sus elementos esenciales, como del malestar que provo-
can la política y los políticos de la democracia sin que todavía se nos haya convenci-
do de que existe una opción mejor a la misma democracia, como experiencia perfec-
tible que es.
→ LA DEMOCRACIA ES RESPETO A LOS DERECHOS HUMANOS Y LIBERTADES FUNDAMEN-
TALES. Tal es la razón inicial y la teleología o finalidad de la experiencia democrática.
Alrededor de dicho estándar existe un acuerdo tácito y casi de conciencia entre el
Oriente y el Occidente, que hace posible la adopción de la Declaración Universal de
Derechos Humanos de 1948. Mas cabe preguntar, ¿cómo logran conciliarse las ideas
de universalidad e inherencia de dichos derechos con el relativismo que prohija la
sociedad del vértigo en curso y la reclamada multiculturalidad: ese que identifica o
hace posible el llamado cruce de las culturas y de las civilizaciones? Por lo demás,
existe una suerte de fatalidad en cuanto a la idea o desviación que fragua en sede inter-
nacional – he allí el Informe Caputo del Programa de las Naciones Unidas sobre el
Desarrollo – y que dice sobre la primacía y preferencia real de los individuos por los
derechos sociales, con prescindencia, si ello fuere necesario, de los derechos civiles y
políticos, esenciales en la democracia.
→ LA DEMOCRACIA ES ACCESO AL PODER Y SU EJERCICIO CON SUJECIÓN AL ESTADO DE
DERECHO. Cabe destacar, al efecto, que ha lugar a situaciones que se repiten de mane-
ra endémica y que muestran a los gobernantes de actualidad accediendo al poder
mediante las reglas de juego de la democracia, pero intentando retenerlo sine die y
con apoyo – o manipulación - de las mismas formas del Derecho. Sobre todo en
América Latina, son corrientes las reformas constitucionales para inhibir el criterio de
la alternabilidad, sustantivo a la experiencia democrática. Por lo demás, así como rige
el principio de la legalidad o de sujeción de los titulares de los poderes públicos a los
dictados de la ley, también es cierto que, o bien ésta carece hoy de la unidad sistemá-
tica e integralidad que le es característica - derivando en una trama de hilachas nor-
mativas que cambian o son modificadas con la misma rapidez que impone lo circuns-
tancial - o en no pocos casos, sea el abuso de las mayorías parlamentarias, sea la prác-
tica de la delegación de potestades legislativas en beneficio de los Gobiernos, hace que
la ley quede sujeta a la voluntad de los mismos gobernantes y no a la inversa. Y no fal-
tan, en este orden, los novedosos criterios que, bajo la idea de realizar, más allá del
Estado de Derecho, a un Estado de Justicia, piden que la ley se interprete y aplique
conforme a las conveniencias y dictados políticos de las mayorías.

77
Asdrúbal Aguiar

→ LA DEMOCRACIA EXIGE LA CELEBRACIÓN DE ELECCIONES PERIÓDICAS, LIBRES, JUSTAS,


BASADAS EN EL SUFRAGIO UNIVERSAL Y SECRETO COMO EXPRESIÓN DE LA SOBERANÍA DEL PUE-
BLO. Al respecto procede otra consideración, esencial al argumento que arrastramos
desde el principio de esta exposición. El voto democrático, desde sus remotos oríge-
nes es censatario, es decir, como derecho del ciudadano llega atado a la propiedad de
la tierra, a la renta, o al pago de los impuestos, o a la condición alternativa o conjun-
ta del votante en cuanto a saber leer y escribir. Progresivamente se hace sustantivo el
sufragio universal, al incorporarse la mujer como votante activa y pasiva. De modo
que, la visión oligárquica del voto da paso a una visión democrática. Los pocos pasan
a ser los muchos.
→ No obstante, si dentro del modelo de democracia representativa y por oposi-
ción a la antigua democracia directa media una coetánea y casi necesaria renuncia –
mediante el voto y luego de él - a la autonomía de la voluntad del ciudadano – que es
el ideal o principio de la democracia - en beneficio de una élite gubernamental y polí-
tica, la eventual vuelta hacia el modelo de participación democrática permanente, tal
y como la experimentan las ciudades comunidades griegas, no se muestra consistente
ni viable dentro de las complejas realidades del Estado Nación hoy declinante, menos
aún en los espacios ilimitados de la Aldea Global.
→ Dice Bobbio, no creer que la “computocracia” electoral, es decir, la hipótesis
a cuyo tenor cada votante transmite su voto o decisión soberana a un cerebro electró-
nico imparcial, impersonal y no partidario, como vía de solución a la pérdida progre-
siva por éste de su autonomía en beneficio del Estado y del partidismo. Pero, sea lo
que fuere, el efecto inmediato de la digitalización eleccionaria sobre el acto primario
que, en principio, le permite a los muchos decidir como ciudadanos en democracia, es
la formación de una “aristocracia digital” o de entendidos, única capaz de descifrar los
códigos que guardan el secreto electoral.
→ Los entendidos acerca de los programas o de los software que controlan el
acceso y salida de los votos ciudadanos desde las máquinas electrónicas de votación
hacia sus servidores y viceversa, tienen el poder - casi a la manera de taumaturgos - y
los conocimientos que les permiten revelar y hasta mutar esa voluntad electoral, por
expresada en bytes o megabytes, ininteligibles para la mayoría. Es como una suerte de
vuelta atrás, un regreso por otras vías al sistema del voto arcaico, que sólo cuenta
como derecho garantizado a los instruidos.
→ Finalmente, en cuanto al voto como premisa esencial de la democracia caben
dos preguntas en una, que nos la sugiere con sus reflexiones el maestro Bobbio: ¿La
periodicidad electoral que hoy muta en rutina o cotidianidad mediante la ampliación
– caso de los referenda - de la actividad democrática o el paso desde el antiguo “quién”
vota hasta el actual “dónde y cuantas” veces se vota, no produce una saturación de ciu-
dadanía que puede desembocar en indiferencia democrática?
→ ES ESENCIAL A LA DEMOCRACIA EL RÉGIMEN PLURAL DE PARTIDOS Y ORGANIZACIO-
NES POLÍTICAS. Cabe recordar aquí, a manera de reflexión y guiados otra vez por

78
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

Bobbio, que la democracia encuentra sus orígenes modernos en una especie de pacto
social o contrato – por entendérsela como forma de Gobierno – entre los individuos
aspirantes a la ciudadanía. Es el mismo Estado democrático, por ende, un producto
artificial o abstracción - ya lo hemos dicho - que de manera libre forjan los integran-
tes de la sociedad civil en su estadio de naturaleza, para luego asegurarse en común la
garantía de sus recíprocas libertades. De modo que, “la doctrina democrática habría
ideado un Estado sin cuerpos [sociales] intermedios”. Lo veraz, sin embargo, es que en
la oposición o relación entre el individuo y el Estado aquél crea, hoy más que nunca,
otras asociaciones o personas morales distintas, amortiguadoras e intermedias, como
los mismos partidos, los sindicados, las contemporáneas organizaciones no guberna-
mentales, las iglesias, las comunidades culturales o vecinales, etc. El ideal primigenio
de la sociedad democrática centrípeta ha derivado en una sociedad política centrífu-
ga, más que plural, no cabe duda.
→ La consecuencia de lo anterior es manifiesta. La democracia representativa
plantea la elección de representantes quienes, al ser electos, se desvinculan de sus
electores para poder servir y decidir en nombre y procura del bien común; que no
para actuar como si estuviesen sometidos a un mandato privado e imperativo de los
grupos electorales o de interés, y al que están atados de modo indisoluble. No obstan-
te, vuelve por sus fueros una pregunta clave y fundacional, que otra vez se hace coti-
diana: ¿los gobernantes, los legisladores, a quién y en nombre de quién ejercen sus
mandatos? ¿Acaso por cuenta de sus partidos y organizaciones políticas y con lealtad
hacia sus programas respectivos? ¿Deben velar, mejor aún, por los intereses de sus
propias asociaciones o vínculos de origen: empresariales, laborales, culturales, religio-
sas, de derechas, de izquierdas, incluso por reclamo de la transparencia democrática?
→ Es rutina observar distintas ópticas al respecto. Los partidos acusan de tránsfu-
gas y traidores a quienes como representantes y en sede parlamentaria no acatan sus
líneas y se escudan bajo el voto secreto, argumentando que quien así lo hace olvida que
es electo como parte de un partido o comunidad política. Debe lealtad al compromiso
o mensaje parcial y específico adquirido, que dio lugar al voto sobre una alternativa. La
decisión política dividida que nos acaba de mostrar el Congreso de los Estados Unidos
de América a propósito de la crisis de Wall Street, es ilustrativa en orden distinto. Los
partidos republicano y demócrata no logran contener a sus representantes y senadores,
y no pocos de ellos deciden en conciencia, o cuidando sus intereses personales, o a la
luz de cuanto les indica la probable reacción a favor o en contra de lo que se decide por
las comunidades de electores quienes les dan sus beneplácitos.
→ Una suerte de solución transaccional reciente, propia de las últimas décadas
como lo recuerda Bobbio, es la creación dentro de la gestión democrática de mecanis-
mos tripartitos que desbordan el ámbito puro de la decisión política representativa.
Por consiguiente, se crean mesas y hasta instituciones constitucionales – los célebres
Consejos Económicos y Sociales – que llevan a su seno, junto a la representación polí-
tica o gubernativa propiamente dicha, la de los empresarios y los trabajadores. Pero

79
Asdrúbal Aguiar

cabe otra pregunta acerca de este aspecto. ¿Es suficiente ello con vistas a una sociedad
que emerge cada vez más integrada en su carácter militante pero disuelta y sin tejido,
hecha de corporaciones o grupúsculos casi neomedievales y variadas, con visiones
parciales pero igualmente legítimas acerca de la experiencia democrática?
→ LA SEPARACIÓN E INDEPENDENCIA DE LOS PODERES PÚBLICOS ES ELEMENTO ESENCIAL
DE LA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA. La cuestión, que se plantea desde los orígenes de
la democracia moderna, desde el propio tiempo revolucionario francés y como una
exigencia indiscutible para la contención del poder mismo y la garantía de que el indi-
viduo y la sociedad cuentan con la tutela efectiva de sus derechos, esta vez hace rela-
ción con la idea de la legitimidad democrática de desempeño; en otras palabras, con
el manido asunto de la gobernabilidad o eficiencia democráticas.
→ Dice Bobbio, acerca de esto último, que “primero el Estado liberal y después
su ampliación, el Estado democrático, han contribuido a emancipar a la sociedad civil
del sistema político”. Dado lo cual ésta, al haber madurado, se hace más crítica y exi-
gente con relación al dicho Estado y para pedir del mismo “ventajas, beneficios, faci-
lidades, una más equitativa redistribución de la riqueza”. Pero la rapidez y el creci-
miento exponencial de tales demandas, a medida en que se hace más compleja la vida
personal y social, “está en contraste – ajusta el autor in comento – con la lentitud de
los complejos procedimientos del sistema político democrático” para la toma de las
decisiones, aún más dentro del marco de la sociedad digital globalizada, explotadora
del tiempo y cultivadora de su velocidad.
→ No huelga volver repetir que el tratamiento del crack americano reciente es
un ejemplo al respecto. La opinión pública mundial revienta en su angustia dado de
que los mecanismos institucionales y de concertación democráticos entre el Ejecutivo
y el Congreso norteamericanos, a pesar de ser expeditos en la circunstancias, lo apre-
cian lento los afectados dentro del mundo de las finanzas, a la luz de la velocidad y
expansión geométrica tomadas por la crisis en cuestión. La observación de Bobbio
vuelve a ser válida como punto para la reflexión acerca de este estándar o elemento
esencial de la democracia representativa. “En la democracia la demanda es fácil y la
respuesta difícil; por el contrario, la autocracia tiene la capacidad para dificultar la
demanda y dispone de una gran capacidad para dar respuestas”. Este es el dilema grave
de la Era digital en cierne y un desafío para la seguridad democrática dentro del
Estado de Derecho; lo que sugiere repensar, sin complejos, las formas y la funcionali-
dad nuevas que ha de adoptar un principio fundacional e insustituible dentro de toda
democracia, como este de la separación, desconcentración y descentralización del
poder público y político.
→ Cabe al margen otra consideración, a manera de pregunta. Junto al procedi-
miento democrático como del tránsito desde realidades sociales elementales – que son
las propias al nacimiento de la democracia dentro del antiguo odre familiar y luego de
las fronteras del Estado nación – hacia realidades sociales más complejas; y aun cuan-
do el pueblo llano es ahora más instruido para los asuntos de la ciudadanía – ¿acaso no

80
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

sugiere o propone lo anterior un necesario avance hacia el gobierno de los tecnócra-


tas o de las oligarquías digitales ilustradas? Las grandes mayorías ¿cómo logran deci-
dir y pronunciarse acerca de tales realidades, como ésta de la crisis financiera mun-
dial, o del crecimiento de la capa de ozono, o de la solución de las migraciones en
masa, o de la lucha contra la pobreza mundial, o de las nuevas pandemias? ¿No es cier-
to que ante el drama y la impotencia que les plantea lo dicho, prefieren, antes que
decidir esperar, mirando lo que reciben o les ofrece el poder – sea cual fuere - utilita-
riamente y ayuno de la racionalidad de criterio que demanda la propia ciudadanía y
la participación democrática responsable?
[164] Otro tanto cabe analizar, siguiendo la orientación de la Carta Democrática
Interamericana, acerca de los llamados componentes fundamentales del ejercicio
democrático: esos que le dan textura a la democracia representativa más allá de su
legitimidad originaria.
→ EL RESPETO A LOS DERECHOS SOCIALES ES EL PRIMERO DE LOS COMPONENTES DEL
DESEMPEÑO DEMOCRÁTICO, Y EN LA PERSPECTIVA DE LOS MÁS ACÉRRIMOS CRÍTICOS DE LA
EXPERIENCIA DEMOCRÁTICA LIBERAL, LA FINALIDAD O TELEOLOGÍA DE LA DEMOCRACIA. Lo
cierto es, sin mengua de lo anterior, que las demandas ciudadanas crecen y se hacen
exponenciales al igual ritmo en que la sociedad civil alcanza su mayor maduración crí-
tica, por obra incluso de la información sobreabundante que alcanza a través de las
redes satelitales de todo el planeta. En contrapartida, la capacidad de respuesta del
aparato público estatal y de sus instituciones es inversamente proporcional. Y por pre-
sión de tal demanda, para los fines de una gestión pública eficaz, la burocracia estatal
crece hoy hasta límites que la hacen fiscalmente insostenible y operativamente torpe.
→ Todavía más, la responsabilidad histórica de la democracia ha sido la de crear
sujetos autónomos, capaces de transitar por el camino de la ciudadanía convencidos
de que sus logros y tropiezos son el producto de decisiones propias, no de fuerzas
extrañas o ajenas e incontrolables. Pero la solución urgente de la pobreza y la exclu-
sión social que lleva aparejada, transformadas en desiderata de la experiencia demo-
crática reciente, cada vez más da lugar a dos fenómenos que horadan en sus cimien-
tos a la misma democracia.
→ Por una parte, los partidos, de suyo debilitados con la transición histórica ade-
más se desdibujan en sus identidades políticas, para procurarse el favor de los votan-
tes que nos les llega a caudales y bajo presión de la inmediatez que demandan en su
realización los derechos sociales. Lo que es más grave, los votantes deciden – lo diji-
mos antes - teniendo presente cuánto les reporta o beneficia la elección en términos
de inputs ciudadanos y no con vistas a aquello que deben aportar para la forja colec-
tiva de la polis y la garantía del Bien Común; de donde dice bien el ex presidente
argentino Raúl Alfonsín que “el déficit de futuro que han acumulado los pobres en
estos años compromete las posibilidades reales de la democracia y en definitiva de la
política”, pues para resolver dicho problema “no sirve ni la ayuda populista y cliente-
lista, ni la concepción neoliberal que separa lo económico de lo social”.

81
Asdrúbal Aguiar

→ Cabe, en orden a lo último, una reflexión adicional que facilita volver a las
ideas iniciales de este escrito. La democracia pura o primaria - pensemos otra vez en
la antigua Grecia - separa el ámbito de lo familiar de aquello que considera activae
civitatis o ciudadanía activa, y ello por una razón incuestionable. La ciudadanía se
entiende, lo repetimos, como un “muro” protector frente a las coacciones externas y
los desafueros de los tiranos. Hoy, antes bien, es observada y criticada la insensibili-
dad – o incapacidad para ser sensible a las cosas pequeñas - del Estado y la república
democrática. Mas, en la medida en que la personalidad humana, lo social y cultural,
ya no sólo lo económico, adquieren dimensión ciudadana y por ende política, se abren
los espacios para que la ciudad transponga con su autoridad normativa los muros del
hogar doméstico, politizándolo y hasta dominándolo, con mengua del hábitat mínimo
de libertad e intimidad que requiere el individuo como Ser que es.
→ LA LIBERTAD DE EXPRESIÓN Y DE PRENSA ES COMPONENTE FUNDAMENTAL DEL EJER-
CICIO DEMOCRÁTICO Y A LA VEZ ELEMENTO ESENCIAL DE LA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA AL
SER, COMO TAL, UNO DE LOS DERECHOS HUMANOS Y LIBERTADES FUNDAMENTALES. Su teleo-
logía, qué duda cabe, sirve a la consecución de los otros componentes fundamentales
para la realización de la democracia, como la transparencia en las actividades guber-
namentales, la probidad, y la responsabilidad de los gobiernos en la gestión pública.
No por azar aquélla es considerada, lo hemos señalado siguiendo las enseñanzas de la
jurisprudencia interamericana, la columna vertebral de la democracia. Y es que la
propia democracia griega se inicia con la isegoría o igualdad de palabra en los conse-
jos y asambleas – he aquí lo esencial – que deliberan y deciden a la luz del día y en las
plazas públicas.
→ En cuanto a la libertad de prensa propiamente dicha, considerada a partir de
nuestra modernidad como un factor externo al poder constituido y para controlarlo
desde afuera y en sede de la opinión pública, no cabe duda en cuanto a que el ingre-
so de la comunidad universal en la Era de la globalización de las comunicaciones hace
de aquélla algo más vertebral y menos circunstancial al sostenimiento de las relacio-
nes entre las denominadas sociedad civil y sociedad política. La prensa, en general, es
el articulador verdadero de la opinión pública y de su fragua contemporánea como
poder político; a un punto que ya desplaza por imperativo de la revolución tecnológi-
ca y de la anomia social de coyuntura a las estructuras clásicas de participación demo-
crática: los partidos y las asociaciones políticas.
→ No obstante lo anterior, el acceso ciudadano a la información pública, que es
sustantivo a la libertad de expresión, condición o coadyuvante de la transparencia
gubernamental, factor inhibitorio de las prácticas de corrupción, y también modali-
dad que propicia la rendición de cuentas por parte de los magistrados – una de las exi-
gencias más antiguas y cardinales de la democracia, según lo recuerda nuestro primer
historiador, Herodoto – tropieza con obstáculos que lo someten a dura prueba. Uno lo
representa la emergencia de lo que llama Bobbio – apelando a Alan Wolfe, escritor
norteamericano - el Estado invisible o paralelo, el “criptogobierno” o el “conjunto de

82
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

acciones realizadas por fuerzas políticas subversivas que actúan a la sombra y en rela-
ción con los servicios secretos, o con una parte de ellos”. Los ejemplos huelgan y no
es necesario mencionarlos entre nosotros.
→ El otro obstáculo – nacido bajo el supuesto de una mayor eficacia en la ges-
tión pública – es el desplazamiento que ha lugar del debate parlamentario y público
de las leyes por obra de las leyes o habilitaciones extraordinarias de legislar que
actualmente se otorgan a los gobernantes de forma más que rutinaria, para que reali-
cen por sí las tareas de la legislatura y a su conveniencia. Estos, por consiguiente, dic-
tan leyes mediante decreto y de forma secreta, protegidos por los muros de sus gabi-
netes, y casi siempre obviando la prédica de Kant en su Apéndice a La Paz Perpetua:
“Todas las acciones referentes al derecho de otros hombres cuya máxima no puede ser
publicada, son injustas”.
→ Pero el obstáculo más importante para la transparencia y rendición de cuen-
tas gubernamentales y fuente indiscutible de corruptelas que minan a la democracia,
lo representa la “autocracia digital” – distinta de la varias veces mencionada “aristo-
cracia digital”. En otras palabras, se observa la disposición gubernamental creciente de
los recursos tecnológicos de última generación para controlar a los ciudadanos antes
de que éstos, mediante la opinión pública y el acceso a la información pública, con-
trolen a quienes detentan el poder. “Ningún déspota de la Antigüedad, ningún monar-
ca absoluto de la Edad Moderna, aunque estuviese rodeado de mil espías, logró tener
toda la información sobre sus súbditos que el más democrático de los gobiernos puede
obtener del uso de los cerebros electrónicos”, señala con pertinencia indiscutible y
preocupación el mismo Bobbio.
→ La subordinación de las instituciones del Estado a la autoridad civil y el res-
peto por la sociedad al Estado de Derecho, se expresan como el último componente
fundamental de la legitimidad democrática de desempeño. Aun así, sin mengua de la
certeza teórica del estándar mencionado, el cuadro dominante de anomia social e
internacional y la ausencia de referentes constitucionales e institucionales distintos
que la resuelvan, posterga a la razón jurídica y le da preeminencia a la razón de facto.
Y como tendencia toma cuerpo, por una parte, el reclamo creciente por los miembros
de la fuerza pública y armada de derechos ciudadanos y como “civiles de uniforme” y,
por la otra, sobre el puente de esta consideración, toma lugar la idea de que el ciuda-
dano ha de prepararse en los menesteres de la milicia, para la defensa de la ciudad y
sobretodo de sus conquistas sociales y económicas. Se debilita, así, la antiquísima dis-
tinción entre el arcontado y los estrategas o polemarcas griegos como la actual dife-
renciación entre el gobierno civil y la organización militar que, en democracia y en
teoría, ha de quedar sujeta a la voluntad ciudadana.
→ Pero, además, no es que se aprecie una suerte de unidad o confusión sobreve-
nida y en forja entre el mundo civil y el militar que despeje la idea de la primacía de
uno por sobre el otro, sino que, admitida la mixtura de fueros ella no ha lugar dentro
de un espacio ciudadano unitario y sujeto, en su conjunto y como lo era, a la prima-

83
Asdrúbal Aguiar

cía de una ley única, igual, sistemática, con validez general para el mismo conjunto,
tal y como es lo propio del Estado de Derecho.
→ En ausencia o por la misma ineficacia sobrevenida del Estado Nación, en tanto
que centro o punto de articulación de la ciudadanía democrática, ha lugar la emergen-
cia acelerada de una “sociedad neocorporativa” - como la llama Bobbio y lo señalamos
con insistencia - en la que cada grupo, sector o comunidad de intereses sociales, cul-
turales, económicos, étnico-raciales, religiosos y hasta mercaderiles, no sólo busca su
reconocimiento específico como parte de la cosa pública o res publicae sino que aspi-
ra a un tratamiento diferenciado dentro de la ley general. Todavía más, procuran
alternativas de solución de conflictos sociales al margen del Estado de Derecho y con-
sistentes con la realidad de sus intereses localizados. Así ocurre dentro de las comuni-
dades sociales de base y en las comunidades indígenas u originarias de América Latina,
cuyos derechos casi familiares o consuetudinarios adquieren estatus y reconocimien-
to constitucional progresivo. Todo ello - cabe subrayarlo - bien recrea la experiencia
de los signori durante el Medioevo italiano, cuyas sociedades o comunidades más
estrechas coexisten en pugna con la autoridad del Podestá de la República.

XVIII. Epílogo, para imaginar el porvenir

[165] Son innumerables los asuntos e interrogantes por resolver acerca de la


democracia y de su crisis corriente dentro de la misma democracia. Pero no cabe el
pesimismo. Una razón que se impone casi a título de máxima de la experiencia, por
reciente que sea. Hasta los gobiernos que mayores falencias acusan o muestran un
déficit democrático elevado no dejan de rendirle culto y hasta justifican sus dislates y
arbitrariedades arguyendo lealtad al ideal democrático.
[166] La democracia se agota como experiencia instrumental dentro de los odres
de la república conocida, y en las cárceles de ciudadanía en que derivan los Estados
Naciones de nuestra contemporaneidad. Venezuela no es la excepción. Pero la reali-
dad histórica de aquélla y la de éstos no deja de aportar una lección extraordinaria. El
tiempo de la democracia se hace generoso y los peligros que la acechan disminuyen
cuando la misma – a manos de sus verdaderos hacedores, la gente - se funda en los
equilibrios y se niega al vicio de los extremos.
[167] No sabemos sobre las nuevas formas o los intereses distintos que es nece-
sario reequilibrar de cara a la renovación de la democracia y a la luz del siglo en curso,
de sus tendencias globales y también de sus muchos nichos, casi todos recreadores de
una suerte de Medioevo posmoderno. Pero la regla del equilibrio vale, hoy como
nunca antes.
[168] Es cierta la reprobación que sufre la democracia ante la opinión pública
dominante y que Bobbio ausculta oponiendo el ideal democrático con la realidad
democrática. Pero lo veraz es que la reprobación ha lugar porque el común asimila la

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La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

expresión democrática con su instrumental histórico: el Estado, los poderes públicos,


los partidos políticos, el voto periódico y su eficacia, etc.
[169] No es la primera vez que ocurre una crisis de fe en la democracia, como lo
muestran las páginas anteriores. El ex presidente venezolano, Rafael Caldera, recuer-
da que “el mundo más adelantado” la vive en los años 10 al 40 del siglo XX, a un punto
que, en 1939, la opción fatal es el totalitarismo de izquierda o el de derecha. Y dos
razones abonan al respecto. Una, la mala fortuna de coincidir la Revolución Liberal
con el auge del capitalismo, incriminándose a aquélla de las culpas de éste. Otra, las
dificultades derivadas de la falta de elasticidad de las estructuras políticas para amol-
darlas a las necesidades de la gente (Del autor, Reflexiones de la Rábida. Seix Barral.
Caracas, 1976). Sea lo que fuere, como lo creemos, si se le pregunta a ésta si acaso está
dispuesta a renunciar a la libertad recibiendo a cambio mayor bienestar económico, a
buen seguro dice que no; porque en el fondo lo que se reclama de la democracia es lo
que Protágoras predicaba de ella: su identidad con la naturaleza humana, con las cosas
simples en pocas palabras
[170] No es panfletario afirmar que la democracia, en su crisis corriente dentro
de la misma democracia, vuelve a sus orígenes. Deja de ser forma de organización o
modelo de gobierno para reivindicar su carácter de derecho humano: el derecho a la
democracia; pero cuyas garantías adquieren formas variables según el tiempo históri-
co de que se trate y de sus exigencias variables. Lo esencial, lo que nunca puede cam-
biar dentro de ésta es su identidad con el espíritu de tolerancia, el reclamo de la per-
fectibilidad humana, y su basamento ético: la dignidad de la persona, que impone, a
fines legítimos, medios legítimos y viceversa.
[171] Se trata, entonces, de no perder el rumbo frente a esas reglas universales
de la decencia, inscritas en el Decálogo. El respeto a los otros – que pueden ser discre-
pantes o adversarios pero no enemigos - nos aleja de las verdades absolutas, no le da
tregua a los fanatismos, y en el debate libre de las ideas se procuran los cambios de
poder sin sangre y ha lugar al espíritu de la convivencia, a la posibilidad de la crea-
ción en común en medio de las diferencias. Pero la perfectibilidad, el saber que nues-
tra condición de humanos nos torna obras inacabadas y de quehacer constante, nos
impulsa a la restauración periódica de la experiencia humana; y ese es, justamente, el
desafío inacabado que tiene la democracia a lo largo de más de 2.500 años de su naci-
miento.
[172] La diatriba reciente sobre la democracia intenta fijar el debate en una suer-
te de oposición entre la democracia representativa y la democracia adjetivada de par-
ticipativa. Pero el asunto reviste mayor complejidad, aun cuando, para resolver tanto
el problema de la impersonalidad histórica del Estado como el distanciamiento de los
representantes políticos con relación a sus electores, la Carta Democrática
Interamericana prevea una regla adecuada: “La democracia representativa se refuerza
y profundiza con la participación permanente, ética y responsable de la ciudadanía”.

85
Asdrúbal Aguiar

[173] Como lo creemos, el tiempo por venir no es ni será mejor o peor, sino dis-
tinto. De modo que, los paradigmas instrumentales de la democracia a buen seguro
son otros en el siglo XXI balbuceante. Pero cabe observar que, así como la idea de la
representación hace necesaria e imprescindible, para sacar a la democracia de sus
límites comunitarios y hacerla extensiva a grandes espacios geográficos y humanos, la
idea de la participación permanente de la ciudadanía y la absorción por la política
hasta del mundo íntimo del individuo, también hace morir a la democracia cuando
deriva en trivialidad por exceso. Así ocurre, en su primera experiencia, durante la
Grecia de los antiguos.
[174] De modo que, la idea de los equilibrios y del alejamiento de los extremos
vuelve otra vez por lo pertinente y ha de machacarse sin tregua. La representatividad
debe llevarse hasta el punto que reclama la eficacia en la gestión de los objetivos
democráticos complejos y de dimensiones espaciales importantes, pero no puede ser
desplegada hasta el extremo en que la democracia pierde su sentido como proyecto
político e intenta reducir el conjunto de la vida humana a ciudadanía total: tesis que,
cambiando lo cambiable, es común al pensamiento de Marx y de Rousseau.
[175] La participación democrática, que en la actualidad y a la manera de prác-
tica de la democracia directa se encuentra en las asambleas populares, de base o veci-
nales, en las que los ciudadanos deliberan y deciden acerca de sus intereses comunes
inmediatos, o en la práctica de los referenda, cabe ampliarla a los nuevos espacios que
integran lo que se da en llamar ahora la democracia social; esa que posibilita la deli-
beración y decisión en áreas que escapan hasta ahora al interés de la ciudadanía polí-
tica, como las relaciones laborales, estudiantiles, de usuarios, de consumidores, etc.
Pero mal puede extenderse al plano de lo mundial o global o hacia arriba, hasta hacer
ineficiente o perturbador el proceso decisional urgente y especializado sobre los pro-
blemas universales e inherentes a la sociedad digital, sin perjuicio de la imaginación
necesaria de mecanismos para su control; o hacia abajo, hasta un punto en que el ser
humano, hacedor y destinatario de la experiencia democrática, pierda su identidad y
autonomía.
[176] No se trata que sea válida y a la manera de principio, hacia arriba, hacia la
globalidad planetaria emergente, la redención del régimen aristocrático “La vigencia
de una democracia depende de que se perciba que los miembros de la sociedad están
todos en cierta forma capacitados para gobernar”, lo recuerda el ex presidente
Alfonsín. Pero cosa distinta es y así cabe entenderlo, el reclamo de la jerarquía fun-
cional y de la especialización o de las delegaciones que impone la decisión sobre asun-
tos complejos, donde la idea moderna de la representación aporta algo sustantivo.
[177] Hacia abajo, no se trata que la participación ciudadana se detenga en las
fronteras del individuo inútil e incapaz de servirse asimismo como ciudadano, por
indiferente e indolente frente todo aquello que ocurre en la ciudad. Se trata, antes
bien, que la regla del consenso o de la mayoría democrática, por principio, favorezca
la regla del disenso y el respeto al disidente. La mayoría democrática cede allí y pier-

86
La Democracia del Siglo XXI y el Final de los Estados

de legitimidad donde se la usa para aniquilar a la democracia, con su mismo instru-


mental.
[178] Bobbio bien se pregunta, ello, ¿qué valor tiene el consenso donde el disenso
está prohibido? Y, antes de volver a interpelar y admitido que todo consenso da lugar a
disensos, ajusta con otro interrogante: “¿qué hacemos con las personas que disienten?,
¿las aniquilamos o las dejamos sobrevivir?; y si las dejamos sobrevivir ¿las detenemos o
las hacemos circular, las amordazamos o las dejamos hablar, las rechazamos como desa-
probadas o las dejamos entre nosotros como ciudadanos libres?” He aquí, de cara al futu-
ro, la prueba diabólica. Es el desafío que han de atender y del que no podrán escapar
quienes, más allá de las imposturas, se dicen y son demócratas a pie juntillas.
[179] Un último aspecto o denominador que, sin ser excluyente de otros, cabe
considerarlo como una vuelta al punto inicial de nuestras reflexiones sobre la demo-
cracia en el siglo XXI y el final de los Estados, es el relativo al condicionante contem-
poráneo que implica el desarrollo tecnológico o tecnotrónico; ese sobre cuya base
ocurren los avances hacia la mundialización planetaria o el repliegue social y cultural
actual hacia las “micropólis” o patrias de campanario. A momentos se le asume sólo
como eso, como un condicionante y no como un favorecedor del desarrollo integral
del hombre. De donde vale la oportuna enseñanza de Benedicto XVI en su última
Carta Encíclica Caritas in veritate (2009): “La técnica- conviene subrayarlo – es un
hecho profundamente humano… es el aspecto objetivo del actuar humano, cuyo ori-
gen y razón de ser está en el elemento subjetivo: el hombre que trabaja”.
[180] Si acaso “el desarrollo tecnológico puede alentar la idea de la autosuficien-
cia de la técnica”, de un a priori a lo humano, ello ocurre, según el magisterio eclesial,
si el hombre se pregunta sólo por el cómo, “en vez de considerar los por porqués lo
impulsan a actuar”. Y ello vale como reflexión epilogar y respuesta para la definición
de lo permanente, de la ética democrática: la relación citada entre medios legítimos y
fines legítimos. Y dice bien, asimismo, sobre la importancia del sentido último o la
teleología de la experiencia democrática.
[181] ¿Cuál es el camino posible para alcanzar la democracia posible, hija de los
ideales y realizable dentro de la historia? Alfonsín, a quien le cabe la grave responsa-
bilidad de conducir a su país – la Argentina - luego de una muy larga y ominosa dic-
tadura militar, responde: “Es bueno recordar que el futuro se construye en parte con
acontecimientos imprevisibles, pero fundamentalmente con lo que hagamos en el
presente”. Y con lo que hagamos con vistas al porvenir y en beneficio de las genera-
ciones futuras, agregaríamos.

XIX. Post Scriptum

[182] Frente a los riesgos del porvenir, parodiando a otro artesano de la demo-
cracia ya mencionado, Rafael Caldera, quien escribe sobre la virtud indestructible del
pueblo venezolano, cabe algo que no deben olvidar las nuevas generaciones y es que

87
Asdrúbal Aguiar

nuestro pueblo “se acostumbró a vivir en libertad” (Del autor, Los causahabientes, de
Carabobo a Punto Fijo, Editorial Panapo, Caracas, 1999). Hemos de reparar con opti-
mismo, pues, en las posibilidades ingentes que nos ofrece la misma democracia en el
siglo que corre y en los espacios del Occidente que son cuna de la ley y que en lo suce-
sivo han de ser, como lo es el Oriente, cuna de la luz, que ilumine el horizonte de lo
posible.
[183] En síntesis y anudados a cuanto piensa Ghéhenno, con cuya obra nos topa-
mos al concluir la escritura de estas reflexiones, queda pendiente una auténtica revo-
lución democrática en este espacio de prehistoria del tiempo naciente. No hay sitios
para el llanto y queda aceptar el fin de la era institucional del poder, el término de la
misma Ilustración. En contrapartida, la arborescencia social, como lo apunta dicho
autor, se complica hasta el infinito. Se trata de realizar, cabe repetirlo, una revolución,
que no es política sino espiritual. Volver a las fuentes del orden institucional que desa-
parece es un desatino, pues a falta del orden político superado no hay capacidad para
reproducirlo, que no sea para jugar al engaño durante un tiempo magro y dejarle
campo libre a la impostura.
[184] Los debates por venir “se referirán a la relación del hombre con el mundo”.
Se trata de debates éticos y acaso es por vía de éstos que ha de renacer la política “en
un proceso que partirá de abajo, de la democracia local [distinta de la vieja institucio-
nalidad municipal, regional y nacional] y de la definición que una comunidad dará de
sí misma para elevarse”, y para que encuentre junto a sus pares, como lo creemos, ese
hilo de Ariadna que les aproxime, relacionándolas y ofreciéndoles una identidad en
cuanto a los objetivos de mayor trascendencia .
[185] La advertencia autorizada no se hace esperar al respecto. “La solidaridad
que debe permitir superar el repliegue comunitario – la emergencia de las retículas
sociales impermeables e introspectivas mencionadas – no será, en fin, inicialmente
“política”, encontrará su soporte en el sentimiento de una común responsabilidad ante
un mundo cuyos límites deben circunscribir la ambición de los hombres”. “No existe,
pues, receta política para hacer frente a los peligros - y desafíos - de la era post-polí-
tica”, concluye Ghéhenno, salvo asumirlos con coraje y esperanza.

“El demócrata es un filósofo al aire libre, en quien el optimismo de la


voluntad triunfa perpetuamente, por deber y por fe, sobre el pesimismo de la
inteligencia”. Jean Lacroix, apud. L. Herrera et. al.

88
Democracia, Estado de Direito e Desenvolvimento
Rainer Grote1

Sumáárioo: I. Introdução II. Funções do Estado de Direito e da Democracia no Discurso do Direito Internacional
III. Estado de Direito e Democracia na perspectiva histórica e comparada IV. Interação entre Democracia e Estado
de Direito

I. Introdução

Democracia e Estado de Direito constituem dois dos mais importantes objetivos


perseguidos no contexto de políticas de cooperação para o desenvolvimento. À primei-
ra vista, a promoção da democracia aparece como o objetivo político mais desafiador, já
que implica a (re)configuração dos comportamentos políticos imperantes no país alvo,
de acordo com concepções “ocidentais” de liberdade individual e de controle dos gover-
nantes pelos governados; por outro lado, o trabalho por um Estado de Direito objetiva,
primordialmente, a estruturação de sistemas de Administração e de Justiça funcionan-
tes, apresentando, dessa forma, caráter técnico-instrumental mais forte. No ambiente
internacional, tal como cristalizado desde o final da Guerra Fria, e marcado pelo aparen-
te irrefreável triunfo do modelo liberal de Estado e de sociedade de inspiração ociden-
tal na Europa oriental, Ásia, África e América Latina, pouco se debateu sobre a questão
de possíveis conflitos de objetivos entre democracia e Estado de Direito, ou sobre even-
tuais consequências desses conflitos na determinação da primazia de um ou de outro no
contexto da cooperação para o desenvolvimento. Antes, a introdução ou restabeleci-
mento da democracia apareceu, nesse cenário, junto com a efetivação do Estado de
Direito e da economia de mercado, como um terceiro grande objetivo, ao qual os
Estados reformados do “terceiro mundo” – à exceção de alguns retardatários, como Cuba
ou Coréia do Norte – com maior ou menor afinco se propuseram.
Nos últimos anos, o quadro das condições para a cooperação para o desenvolvi-
mento sofreu novas e consideráveis modificações. A euforia democrática e de reforma
esvaeceu-se em muitos países; em algumas regiões do mundo – como nos Estados
sucessores da antiga União Soviética, à exceção dos Estados bálticos –, os retrocessos
na realização dos direitos de liberdade democrática e política dos cidadãos não podem
mais ser ignorados. Se se consideram, além dessas regiões, também os Estados que ape-
nas parcialmente empenharam esforços em reformas democráticas ou que, desde o

1 Advogado e Doutor em Direito pela Universidad de Göttingen. Master of Laws Universidad de


Edimburgo/Escócia. Professor das Universidades de Paris II, Koc Law School-Estambul, Bilkent-Ankara.
Investigador no Max Planck Institute for Comparative Public Law and International Law (Heidelberg).
Coordenador do Heidelberg Center para América Latina, Santiago de Chile Membro da Associação Alemã
de Direito Público, de Direito Internacional e de Direito Comparado. Membro da Associação francesa de
Direito Internacional

89
Rainer Grote

princípio, as rejeitaram – China, a maior parte dos Estados do norte da África e


Oriente Médio – o panorama dos progressos na expansão da democracia sobre a
Europa e América do Norte, quase duas décadas após a queda do muro, torna-se mais
factível: esses progressos se restringem a determinadas regiões do leste e do sul da Ásia
e da América Latina, bem como a alguns Estados da África.2
No contexto do novo marco político para a cooperação internacional para o
desenvolvimento, não é de se estranhar que também se reacenda a discussão sobre a
relação entre promoção da democracia e promoção do Estado de Direito, ou seja, a dis-
cussão sobre se ambos configuram objetivos (da cooperação para o desenvolvimento)
de mesmo status, ou se se deve dar prioridade a um deles (geralmente ao Estado de
Direito) sobre o outro (na maioria dos casos, a democracia). Na República Federal da
Alemanha, ao contrário de outros países (Suíça, Reino Unido),3 não há legislação
sobre os fundamentos jurídicos da cooperação para o desenvolvimento, na qual os
objetivos e os instrumentos de tal cooperação sejam regulados de forma vinculante. O
tratado da Comunidade Europeia, não obstante, apresenta, nos artigos 177 a 181, um
título sobre a cooperação para o desenvolvimento no âmbito da Comunidade. De
acordo com este, a política da Comunidade na área da cooperação para o desenvolvi-
mento constitui uma complementação das correspondentes políticas dos Estados
Membros (Art. 177 Par. 1 do Tratado da CE). Conforme o artigo 177, Par. 2, do
Tratado, a política da Comunidade Europeia deve contribuir para a persecução do
objetivo geral de desenvolvimento contínuo e de consolidação da democracia e do
Estado de Direito, bem como para a proteção dos direitos humanos e liberdades fun-
damentais.4 Essa determinação parte, evidentemente, da equivalência de status entre
promoção da democracia e promoção do Estado de Direito. Somente a Comunidade e
os órgãos de cooperação da Comunidade para o desenvolvimento são vinculados de
forma direta pelo dispositivo. Simultaneamente, no entanto, esse artigo pode ser com-
preendido como expressão autêntica dos objetivos aos quais os Estados Membros se
sentem vinculados no exercício individual de cooperações para o desenvolvimento,
sobretudo porque, ao enfatizar a “função de complementaridade” da cooperação da
Comunidade para o desenvolvimento, o Artigo 177 reconhece o sincronismo substan-
cial entre esforços de cooperação para o desenvolvimento por parte da Comunidade e
por parte dos Estados Membros.

2 Compare aqui o estudo recentemente publicado de Freedom House sobre o desenvolvimento das liberda-
des democráticas no mundo: Arch Puddington, Freedom in Retreat: Is the Tide Turning? Findings of
Freedom in the World 2008; ver, ainda, The Economist, Jan 19th 2008, 53 s.
3 Lei Federal de 19 de Marco de 1976 sobre a cooperação internacional para o desenvolvimento e assistên-
cia/ajuda humanitária; International Development Act 2002.
4 O novo Artigo 188d do Tratado sobre as modalidades de trabalho da União Europeia na versão do Tratado
de Lisboa menciona apenas a luta pela redução da pobreza como objetivo principal da política da União no
campo da cooperação para o desenvolvimento. Não obstante, o dispositivo esclarece que a política da União
nesse âmbito deve-se dar “no contexto dos fundamentos e objetivos da atuação externa da União”. Dentre
esses fundamentos e objetivos, encontram-se, de acordo com o revisado artigo 10a do Tratado da União
Europeia, principalmente, democracia, Estado de Direito e os Direitos Humanos.

90
Democracia, Estado de Direito e Desenvolvimento

Estado de Direito e democracia constituem princípios fundamentais do Estado


Constitucional moderno, os quais se encontram normativamente consagrados em
diversas Constituições do Mundo como objetivos estatais determinados ou princípios
estruturais de configuração do Estado.5 Ademais, e de forma crescente, Estado de
Direito e democracia reivindicam, para além do contexto nacional, (crescente) valida-
de também nos âmbitos regional e global. Pode-se questionar se a forma e a extensão
da recepção desses conceitos pelo Direito Internacional permitem conclusões acerca
de obrigações dos Membros da Comunidade de Estados no sentido de sua concretiza-
ção, e/ou permitem soluções para eventuais conflitos de objetivos que possam surgir
de tal recepção. A esse questionamento dedica-se o próximo Capítulo (II) deste traba-
lho. Neste, demonstra-se que “Democracia” e “Estado de Direito” constituem concei-
tos-quadro, cujos conteúdos de significado não podem ser determinados de forma
abrangente sem recurso às raízes históricas desses conceitos e às tradições jurídicas e
constitucionais nacionais, das quais emanaram. O panorama geral sobre o desenvolvi-
mento histórico do conceito de Estado de Direito e sobre as tradições que o nutrem,
no Capítulo III, demonstra que exatamente a noção de Estado de Direito se sujeitou a
uma mudança de significado nas última décadas, mudança esta que não pode deixar
de repercutir sobre a relação entre Estado de Direito e Democracia. A discussão sobre
as consequências sobre esta relação, com especial atenção para a questão da inclusão
ou não de elementos de promoção da democracia no contexto da cooperação para o
desenvolvimento em um Estado de Direito, constitui objeto da parte final do plano de
questionamentos aqui pretendidos.

II. Funções do Estado de Direito e da Democracia no Discurso do


Direito Internacional

A promoção do Estado de Direito (“rule of law”) desempenha, atualmente, um


papel central no trabalho das instituições internacionais de cooperação para o desen-
volvimento. Isso se baseia no entendimento – que não pode ser rechaçado – de que a
eficaz promoção do desenvolvimento econômico dos países em que faltam estruturas
de Justiça e de Administração funcionantes acontece de forma menos promissora. Na
ausência de reformas estatais mais drásticas, permanece, antes, o risco de que os recur-
sos colocados à disposição, por organizações internacionais, governos nacionais e
investidores privados, nos bolsos das elites políticas nacionais e locais, desapareçam,
como se pôde observar, de forma frequente, no passado. A implementação de reformas
jurídico-estatais representa, sob essa perspectiva, condição essencial para o desenvolvi-
mento econômico sustentável dos países alvo, e, dessa forma, não é de se estranhar o

5 Ver, juntamente com Art. 20, Par. 3 „GG“, também Art. 1, Par. 1, da Constituição espanhola; Art. 2, Abs.
1, da Constituição húngara; Art. 1 c) da Constituição sul-africana; Art. 1 da Constituição brasileira; Art. 1,
Par. 3, da Constituição indonésia; também os “Ausführungen in Abschnitt I. Des Querberichts”.

91
Rainer Grote

fato de que o Banco Mundial e outras organizações internacionais de desenvolvimen-


to tenham empregado, somente nos anos noventa do século passado, cerca de 4 bilhões
de dólares para a promoção de programas de reforma judiciária.6 A promoção da demo-
cracia, por outro lado, não aparece de forma expressa no catálogo de medidas ou na for-
mulação de objetivos dessas instituições. Ainda assim, não se pode inferir desse fato que
a promoção da democracia represente objetivo secundário ou mesmo prescindível da
cooperação para o desenvolvimento. Essa promoção apenas não se insere no campo de
atividades do Banco Mundial e de outras instituições financeiras, cujas competências se
limitam à execução de reformas e medidas econômicas e às questões a estas diretamen-
te relacionadas. A promoção da democracia constitui questão eminentemente política
e, para questões políticas, são competentes os órgãos políticos das Nações Unidas, quais
sejam, Conselho de Segurança e Assembleia Geral. Se se observa a prática das Nações
Unidas nos países devastados por guerras e guerras civis, nos quais a comunidade mun-
dial assumiu responsabilidade direta pela reconstrução estatal, percebe-se que o
(re)estabelecimento de estruturas democráticas, nesses casos, pertenceu e pertence aos
objetivos centrais do trabalho de construção internacionalmente coordenado (Bósnia-
Herzegovina, Kosovo, Congo, Afeganistão, Iraque etc.).7
A falta de referência à promoção da democracia no catálogo de objetivos e de cri-
térios do Banco Mundial e de instituições similares, portanto, deve ser compreendida,
primariamente, como expressão dos restritos campos de atuação dessas instituições, e
não como posicionamento (implícito) quanto a uma distinção de peso e de valor entre
promoção da democracia e promoção do Estado de Direito. Antes, e por diversos
motivos, pode-se entender que a expectativa, largamente propagada no passado na
“law and development community” e também no Banco Mundial, de que a imple-
mentação de reformas jurídico-estatais conduz, a prazo mais longo, a efeitos políticos
colaterais (“spillovers”) positivos na configuração de sistemas políticos mais abertos e
mais transparentes, ainda hoje subjaz ao trabalho das organizações correspondentes.
Estado de Direito, democracia e desenvolvimento, dessa maneira, não formam um
“triângulo mágico”, no qual o fortalecimento de um dos três objetivos se dá necessa-
riamente em prejuízo dos demais, mas sim, como componentes de um “virtuous
cycle”, cujos elementos se reforçam mutuamente. Reformas jurídico-estatais promo-
vem o desenvolvimento de uma economia de mercado eficiente; o aumento do bem-
estar, ligado a uma Justiça independente e uma Administração legalizada, por sua vez,
desperta a demanda, principalmente pela crescente classe média, por maior participa-
ção e opinião política; a democratização que se inicia em consequência disso restrin-
ge as possibilidades do governo de desacelerar, arbitrariamente, as reformas introdu-

6 T. Moustafa, The Struggle for Constitutional Power – Law, Politics and Economic Development in Egypt,
2007, 213.
7 R. Wolfrum, International Administration in Post-Conflict Situations by the United Nations and Other
International Actors, Max Planck Yearbook of United Nations Law 9 (2005), 649, 681 ss.

92
Democracia, Estado de Direito e Desenvolvimento

zidas e, dessa forma, contribui para a consolidação do processo de reforma jurídico-


estatal e econômica.8

1. Estado de Direito

O Estado de Direito constitui, hoje, não apenas um sólido componente do dis-


curso das organizações internacionais e fóruns atuantes no campo da cooperação eco-
nômica. Ele aparece não somente nos programas de metas, catálogos de medidas e
declarações de instituições internacionais e conferências governamentais (“soft law”),
como também já tem encontrado recepção, em considerável extensão, no Direito dos
Tratados Internacionais e, em certa medida, até mesmo no Direito Costumeiro
Internacional (“hard law”). Nesse contexto, diferentes significados de conteúdo do
princípio do Estado de Direito nas relações internacionais (“international rule of law”)
devem ser distinguidos. Por um lado, o Estado de Direito visa a reforçar o papel do
Direito na solução de conflitos interestatais, em prejuízo da solução de conflitos por
meio do uso da força (mas não em prejuízo do uso da diplomacia). A proibição do uso
da força no Artigo 2, n. 4, da Carta das Nações Unidas, e a obrigação dos Estados de
resolverem seus conflitos de forma pacífica, de acordo com o Artigo 2, n. 3 da Carta
(ainda que não necessariamente perante um Tribunal internacional ou Tribunal de
arbitragem) constituem elementos essenciais dessa “international rule of law”. De
maneira ainda mais forte, manifesta-se a crescente importância da “international rule
of Law” na proliferação dos tribunais internacionais e de corpos de juízes, com com-
petência facultativa ou obrigatória para a solução de conflitos interestatais (Tribunal
internacional permanente, Corte Internacional de Justiça, Tribunal Internacional do
Mar, Painéis de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio e
Tribunal de Apelação).
O crescimento dos tribunais internacionais e corpos decisórios deve-se, por um
lado, à segunda função do “rule of law” internacional, a qual consiste na proteção do
indivíduo contra abuso de poder por parte do Estado. Esse grupo de normas interna-
cionais, que coloca a proteção do indivíduo e de seus direitos em posição central, cres-
ceu de forma considerável, nas últimas décadas, em importância tanto quantitativa
quanto qualitativa. As normas internacionais aqui pertinentes impõem aos Estados (e
a outros sujeitos de Direito Internacional) determinadas obrigações internacionais de
ação e de omissão no interesse da proteção dos indivíduos e de seus direitos indivi-
duais. Os tribunais regionais de direitos humanos (Corte Européia de Direitos
Humanos, Corte Interamericana de Direitos Humanos) foram criados para a imple-
mentação dessas normas e possuem a competência para agir, independentemente de
iniciativa estatal, de ofício ou por meio da provocação de indivíduos que tenham sofri-
do violação em seus direitos por medidas estatais. Também a criação de tribunais

8 Mustafa (n. 5), 223.

93
Rainer Grote

penais internacionais com a competência de perseguir, de ofício, crimes de guerra e


crimes contra a humanidade representa um importante passo para a consolidação do
“rule of law” internacional.
Importantes elementos do Estado de Direito encontram-se normatizados princi-
palmente nos pactos universais e regionais de direitos humanos. Esses tratados contêm
garantias elementares para a realização de procedimentos judiciais, as quais correspon-
dem aos direitos fundamentais de Justiça presentes nas Constituições dos Estados, mas,
em certa medida, os superam. Os requisitos internacionais vão desde a garantia insti-
tucional e organizatória da independência e imparcialidade dos Juízes, passando por
direitos mínimos das partes envolvidas durante o processo (principalmente direitos do
incriminado ou acusado no processo criminal) e atingindo a tomada de decisão e a pro-
clamação da sentença.9 As garantias de “fair-trial” estendem-se não só aos procedimen-
tos judiciais penais, como também aos procedimentos civis, o que inclui o controle de
atividades das autoridades administrativas com consequências patrimoniais.10 Para
além disso, o direito a um recurso efetivo contra violações pelo Estado dos direitos
humanos e liberdades fundamentais protegidos nas convenções é garantido de forma
especial.11 Os tratados de direitos humanos submetem, ainda, a detenção e prisão de
pessoas com finalidades preventivas e repressivas a estritos requisitos materiais e pro-
cedimentais.12 As garantias centrais de Direito Penal em um Estado de Direito (ne bis
in idem, lex certa, lex previa, lex mitior, etc.) são também asseguradas nas conven-
ções.13 Possivelmente, a maioria das citadas garantias já possuem, atualmente, caráter
de direito costumeiro internacional, ou seja, vinculam também os Estados que não são
Partes dos Pactos de Direitos Humanos em questão. Por fim, os Tratados de Direitos
Humanos definem, em suas cláusulas de suspensão de direitos, determinadas exigên-
cias quanto à previsibilidade e à proporcionalidade de intervenções estatais nos direi-
tos protegidos pelas convenções e concretizam, assim, nesse importante campo, o prin-
cípio da segurança jurídica, central ao Estado de Direito.
O Estado de Direito, no entanto, como “ideia reguladora”, não só caracteriza o
desenvolvimento e a implementação de novas normas internacionais no campo da
proteção dos direitos humanos, como, antes, encontra recepção cada vez maior tam-
bém no crescente corpo de normas de direito econômico internacional.
Características dessa tendência são as regras presentes no Acordo Geral sobre o

9 Ver Art. 14 Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, Art. 6 da Convenção Europeia de
Direitos Humanos.
10 Sobre o artigo 6 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, ver Ch. Grabenwarter/K. Pabel, in:
Grote/Marauhn (Ed.), EMRK/GG, 2006, Cap. 14, Rn. 14.
11 Art. 2, Par. 3, da Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, Artigo 13 da Convenção
Europeia de Direitos Humanos.
12 Artigo 9, Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, Art. 5 Convenção Europeia de
Direitos Humanos.
13 Art. 14, Par. 7, Art. 15 Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, Art. 7 Convenção
Europeia de Direitos Humanos.

94
Democracia, Estado de Direito e Desenvolvimento

Comércio de Serviços (GATS) da Organização Mundial do Comércio (WTO). O


Artigo VI, Par. 2, do GATS obriga os Estados Partes à instituição ou manutenção de
instâncias ou procedimentos judiciais, arbitrais ou administrativos nos setores em que
tenham assumido obrigações específicas para a liberalização do comércio de serviços,
os quais, após solicitação de um prestador de serviços afetado, permitam a pronta revi-
são das decisões administrativas que afetem o comércio de serviços e, quando for jus-
tificado, a aplicação de recursos apropriados, tão logo (ainda não é o caso!) isso seja
factível. Quando tais procedimentos de controle não sejam realizados de forma inde-
pendente do órgão encarregado da decisão administrativa, o sistema jurídico nacional
deve velar pela condução de recurso objetivo e imparcial. Dessa forma, são definidos
requisitos normativos internacionais mínimos para a efetivação da proteção jurídica
nacional contra medidas administrativas no campo do comércio de serviços. Essas
regras são complementadas pela fixação de standards jurídico-estatais mínimos para a
configuração dos procedimentos administrativos pertinentes: necessitando a presta-
ção de serviço, de acordo com o direito interno aplicável, de devida autorização, a
autoridade competente deve, em período de tempo razoável após a submissão de uma
inscrição completa, informar o pretendente da decisão concernente à inscrição (o que
implica que também a tomada de decisão deve-se dar dentro desse período). Em con-
sequência, a adoção de obrigações jurídicas internacionais para a liberalização do
comércio de serviços, nesse caso, torna-se um portal para a remodelação dos procedi-
mentos judiciais e administrativos nacionais em concordância com standards jurídicos
internacionais mínimos.
De forma ainda mais clara se dá o avanço de princípios de Estado de Direito na
criação e aplicação de normas jurídicas internacionais na área do direito de proteção
dos investimentos, com a diferença de que a mudança, aqui, não se efetua no contex-
to de um regime multilateral, mas sobre o fundamento principal de acordos bilaterais
de proteção do investimento. Esses acordos definem não apenas os pressupostos sob os
quais um investimento estrangeiro protegido se dá, como também determinam stan-
dards autônomos para o tratamento dos investimentos cobertos pelo acordo, ou seja,
standards independentes das correspondentes determinações constitucionais e legais
dos Estados receptores. Estados receptores obrigam-se, de acordo com cláusulas que,
nos dias de hoje, têm uso praticamente universal, a garantir um “tratamento justo e
equânime” (fair and equitable treatment) e, nos casos em que uma expropriação seja
necessária por motivos de interesse público superior, a realizar um procedimento jurí-
dico de expropriação (due process of law) e a efetuar o pagamento de indenização
imediata e justa.14 Em caso de conflitos, o controle da observância dos standards per-
tinentes é realizado não pelos tribunais nacionais do Estado receptor, mas por um tri-
bunal arbitral independente, do Centro Internacional para Resolução de Conflitos
sobre Investimentos (CIRCI – ICSID) do Banco Mundial, cujas decisões devem ser

14 Ver Arts. 1105 e 1110 NAFTA.

95
Rainer Grote

executadas nos Estados Partes da Convenção ICSID como sentenças de última instân-
cia dos tribunais nacionais. A concretização dos parâmetros correspondentes para a
proteção de investimentos estrangeiros permanece, portanto, nas mãos de corpos
decisórios internacionais independentes. O rápido crescimento do número de deci-
sões arbitrais no campo do direito da proteção dos investimentos tem levado ao desen-
volvimento de standards universais mínimos, que produzem consequências imediatas
sobre a configuração dos procedimentos administrativos nacionais relacionados às
decisões sobre investimentos estrangeiros.15
Em suma, pode-se dizer que a “rule of law” é largamente reconhecida como prin-
cípio diretor do ordenamento jurídico internacional; importantes elementos dessa
“rule of law” encontraram, por meio das convenções de direitos humanos e dos meca-
nismos de acordos multi e bilaterais no campo das relações econômicas, ampla recep-
ção no Direito Internacional positivo. A “rule of law” é, ainda, sólido elemento cons-
titutivo dos fundamentos de “good governance”, desenvolvidos por organizações
internacionais para o desenvolvimento como diretrizes para o seu trabalho.16 No
World Summit Outcome Document de 2005, os chefes de Estado e de Governo mun-
diais ressaltaram solenemente a relevância desses fundamentos, incluindo a “rule of
law”, para o trabalho de desenvolvimento.17 Por fim, o Estado de Direito constitui
uma das mais importantes metas da comunidade internacional em seus esforços pelo
restabelecimento de uma ordem estatal eficaz nos chamados “failed states”.18

2. Democracia

O ponto de partida para a discussão sobre o significado e o valor normativo do


princípio da Democracia no Direito Internacional distingue-se daquele relativo ao
debate sobre o Estado de Direito. Isso se deve, principalmente, ao fato de que princí-
pios centrais do Direito Internacional vigente parecem ir contra a adoção de uma
obrigação normativa por parte dos Estados de configurar seus ordenamentos políticos
de acordo com requisitos do princípio da Democracia.

15 Ver a conhecida sentença no caso Metalclad, na qual a ausência de procedimento administrativo transpa-
rente e justo no México para a concessão da autorização necessária para a construção de uma estação de tra-
tamento de rejeitos industriais tóxicos por investidor norte-americano foi considerada violação dos stan-
dards de “tratamento justo e equânime”, nos termos do Artigo 1105 do Tratado do NAFTA. Metalclad
Corporation v. United Mexican States, Final Award, 30 August 2000, para. 99 ICSID Case No.
ARB(AF)/97/1.
16 S. Chesterman, Stichwort Rule of Law, in: R. Wolfrum (Ed.), Encyclopedia of Public International Law,
2008 ff, Rn. 20 (a ser publicado).
17 World Summit Outcome 2005, UN GA Doc. A/60/L.1, N. 11 do Preâmbulo: We acknowledge that good
governance and the rule of law at the national and international levels are essential for sustained economic
growth, sustainable development and the eradication of poverty and hunger.”
18 Quanto ao final, ver Wolfrum (Ref. 6), 691 ss.

96
Democracia, Estado de Direito e Desenvolvimento

Os princípios pertinentes são o da Soberania do Estado – consagrado no Artigo


2, Nr. 1, da Carta da ONU como fundamento da igualdade soberana dos Estados
Membros da Organização – o Direito de Autodeterminação dos Povos (Art. 1, Nr. 2,
da Carta da ONU) e o da Proibição de Intervenção (Art. 2, Nr. 7, da Carta da ONU).
Esses princípios receberam, por meio da denominada Friendly-Relations Declaration,
de 24 de Outubro de 1970, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, por con-
senso, uma interpretação oficial.19 De acordo com essa interpretação, a Soberania
garante aos Estados o direito de escolher e de desenvolver, de forma livre, seus siste-
mas políticos, econômicos, sociais e culturais.20 O direito de autodeterminação, por
sua vez, concede aos povos que são sujeitos desse direito a liberdade de determinar seu
status político (“political status”) sem interferências externas, bem como de promover
seu desenvolvimento econômico, social e cultural.21 A proibição de intervenção, por
outro lado, protege os Estados contra pressões ou coação, por parte de outros Estados
e também por parte das Nações Unidas, para que configurem seus ordenamentos polí-
ticos, econômicos ou culturais de determinada maneira.22
Em consequência, a existência de uma obrigação jurídica internacional dos
Estados de configurar seus sistemas políticos de acordo com fundamentos democráti-
cos só é possível na medida em que os Estados assumam, de forma voluntária, com-
promissos nesse sentido. Um preceito geral de Democracia e independente da vonta-
de dos Estados afetados não é conhecido no Direito Internacional. Ainda assim, os
Estados assumiram, no contexto dos tratados internacionais de direitos humanos, o
compromisso de respeitar e de garantir determinados elementos fundamentais de uma
ordem democrática. Assim, os Estados Partes do Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos obrigam-se a garantir, dentre outros, liberdade de expressão (Art. 19),
liberdade de reunião (Art. 21) e liberdade de associação (Art. 22). Tais garantias de
direitos fundamentais incluem a liberdade de atuação política por meio da expressão
de determinadas opiniões, da organização de reuniões correspondentes e da criação de
associações políticas.23 Os Artigos 21 e 22 do Pacto preveem expressamente que as
liberdades de reunião e de associação somente poderão ser submetidas às restrições

19 Declaration on Principles of International Law concerning Friendly Relations and Co-operation among
States in Accordance with the Charter of the United Nations vom 24. Oktober 1970, UNGA Res 2625
(XXV).
20 Ver o parágrafo da Friendly-Relations-Declaration correspondente à igualdade soberana dos Estados: “In
particular, sovereign equality includes the following elements: …e) “Each State has the right freely to chos-
se and develop its political, social, economic and cultural systems.”
21 “… all peoples have the right to freely determine, without external interference, their political status and
to pursue their economic, social and cultural development…”
22 “Every State has an inalienable right to choose its political, economic, social and cultural systems, without
interference in any form by another State.”
23 Ver K.J. Partsch, Freedom of Conscience and Expression, Political Freedoms, in: L. Henkin (Ed.), The
International Bill of Rights: The Covenant on Civil and Political Rights, 1981, 209, 235; A.N. Lippincott, Is
Uganda’s “No Party” System Discriminatory Against Women and a Violation of International Law?,
Brooklyn Journal of International Law 27 (2001/02), 1137, 1156.

97
Rainer Grote

que, em uma sociedade democrática (“in a democratic society”), se façam necessárias


para a proteção da segurança e da ordem públicas e de outros bens jurídicos superio-
res. Além disso, o Artigo 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
garante uma série de direitos democráticos nucleares. De acordo com ele, todo cida-
dão tem o direito de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por
meio de representantes livremente escolhidos, de votar e de ser eleito em eleições
periódicas, autênticas (“genuine”), realizadas por sufrágio universal e igualitário e por
voto secreto, nos quais a livre manifestação de vontade dos eleitores seja garantida, e
de ter acesso, em condições de igualdade, às funções públicas de seu país. Restrições a
esses direitos de voto e de participação são permitidas; elas só não podem ser infunda-
das (“unreasonable”). Garantias similares encontram-se nas respectivas convenções
regionais de direitos humanos.24
O desenvolvimento de estruturas democráticas tornou-se, nesse meio tempo,
sólido elemento constitutivo dos programas das Nações Unidas e da comunidade
internacional nos Estados em que as mesmas assumiram a responsabilidade pela
reconstrução estatal no período seguinte a guerras ou guerras civis. A comunidade
internacional atribuiu valor central à preparação e realização de eleições mais justas e
livres como importante passo para a criação de governos locais suficientemente legi-
timados nos Estados nos quais, nos anos anteriores, haviam sido empenhados esforços
de reconstrução com ajuda e sob vigilância internacionais, e disponibilizou um volu-
me considerável de recursos para esse fim (Afeganistão, Iraque, Congo etc.). Tal prá-
tica da comunidade internacional pode perfeitamente ser interpretada como reconhe-
cimento da Democracia como ampla e insubstituível forma de legitimação da organi-
zação do Estado. Também o supracitado World Summit Outcome Document de
2005,25 na parte operativa do texto, declara: “We therefore resolve... to reaffirm that
good governance is essential for sustainable development; that sound economic poli-
cies, solid democratic institutions responsive to the needs of the peoples and impro-
ved infrastructure are the bases for sustained economic growth poverty eradication
and employment creation...” (grifo próprio).
Para além disso, no século passado, foi iniciada intensiva discussão sobre a
influência do pensamento democrático na formação dos princípios e institutos do
Direito Internacional geral.26 Nesse ponto, suficiente se faz a referência a duas ques-
tões bastante relevantes do ponto de vista prático, as quais foram debatidas nesse con-

24 Art. 23 da Convenção Americana de Direitos Humanos; Art. 3 do Protocolo Adicional 1 à Convenção


Europeia de Direitos Humanos; Art. 13 da Carta (Africana) de Direitos Humanos e dos Povos de Banjul, esta
última, no entanto, com uma formulação bastante truncada do direito ao voto: “Todos os cidadãos têm o
direito de participar livremente na direção dos assuntos públicos do seu país, quer diretamente, quer por
intermédio de representantes livremente escolhidos, isso em conformidade com as regras prescritas na lei.”
(grifo nosso).
25 Ver, acima, Ref. 16.
26 Um panorama geral sobre a discussão é conferido pelas contribuições reunidas na obra editada por G. Fox
e B. Roth “Democratic Governance and International Law” (Cambridge University Press, 2000).

98
Democracia, Estado de Direito e Desenvolvimento

texto. A primeira questão envolve a relevância do respeito a princípios democráticos


na configuração da ordem estatal para o processo de reconhecimento de novos
Estados. Essa questão foi colocada no século passado, sobretudo no contexto do reco-
nhecimento de novos Estados na Europa do Leste, surgidos das antigas União
Soviética e Iugoslávia. Os Ministros das Relações Exteriores da Comunidade Europeia
elaboraram, em dezembro de 1991, diretrizes comuns, que devem ser decisivas para o
reconhecimento de novos Estados na Europa do Leste e da antiga União Soviética.27
De acordo com elas, o reconhecimento formal de novos Estados pelos Estados
Membros da Comunidade requer, dentre outros, a observância da Carta da ONU, do
Ato Final da CSCE (Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa) de
Helsinki e da Carta de Paris, “especialmente no que concerne ao Estado de Direito,
democracia e direitos humanos” (“especially with regard to rule of law, democracy
and human rights”). A Carta de Paris, à qual as diretrizes se referem, define, após o
caso do Muro e o final da Guerra Fria, os fundamentos para a cooperação internacio-
nal no contexto da CSCE (posteriormente, OSCE). Nela, os Estados Membros se com-
prometem, explicitamente, a “construir, consolidar e fortalecer a democracia como o
único sistema de governo das nossas Nações.” (“to build, consolidate and strengthen
democracy as the only system of government of our nations”). As diretrizes europeias
para o reconhecimento, de 1991, implicam, assim, que o critério da efetividade do
poder do Estado não é mais suficiente e, antes, deve ser complementado pelo critério
da legitimidade democrática. Questionável, não obstante, é em que medida as diretri-
zes europeias podem reivindicar vigência para além do contexto regional e ser enca-
radas como expressão de princípios de Direito Internacional universalmente válidos,
concernentes ao reconhecimento de novos Estados. De todo modo, de acordo com a
visão atualmente predominante, o reconhecimento não possui efeito constitutivo, mas
apenas declaratório.28
A questão sobre se um governo não democrático ou ditador pode ser, em cir-
cunstâncias extremas, afastado por meio de intervenção externa, eventualmente
intervenção de cunho militar, é discutida de forma ainda mais controversa. Por um
lado, trata-se de questão sobre a extensão da competência do Conselho de Segurança
conforme o Capítulo VII da Carta da ONU: esse capítulo confere poderes ao Conselho
de Segurança para agir, por meio de sanções diplomáticas, econômicas e, eventual-
mente, também militares, contra Estados e Governos que sejam responsáveis pela rup-
tura ou ameaça da paz mundial. Questionável, portanto, é se a condução não demo-
crática de um governo e as consequências daí surgidas podem ser, pelo menos sob
determinadas circunstâncias, entendidas como ameaça da paz mundial. Não sendo o
caso de uma intervenção do Conselho de Segurança devido a motivos políticos (ou

27 Guidelines for the Recognition of new States in Eastern Europe and in the Soviet Union, European Journal
of International Law 4 (1993), 74-77.
28 A. Cassese International Law, 2. Ed. 2005, 73 s.; I. Brownlie, Principles of Public International Law, 6. Ed.
2003, 87 s.

99
Rainer Grote

seja, devido ao exercício do direito de veto por um dos membros permanentes do


Conselho), coloca-se a questão sobre se uma chamada “intervenção humanitária” fora
do âmbito da Carta da ONU seria permitida.29 Esse tipo de intervenção somente se
aplica quando o desrespeito a direitos democráticos fundamentais e a repressão do
Estado assumem tais formas, que se possa falar em uma catástrofe humanitária.
Violações graves de direitos humanos podem consistir exatamente na negação e no
desrespeito a direitos e processos democráticos, como demonstra o exemplo do
Haiti.30 A intervenção da comunidade internacional nos moldes do Capítulo VII ou
de uma “coalizão Willingen”, no contexto da intervenção humanitária, torna-se, nessa
situação, um instrumento para o (re)estabelecimento de relações democráticas como
condição imprescindível para a estabilização do Estado em questão.
Atualmente, o princípio da Democracia encontra-se fortemente ancorado em
uma série de sistemas regionais de integração e de cooperação, sobretudo na Europa e
na América. Diferentemente das Nações Unidas, as organizações regionais associam a
possibilidade de participação nas mesmas, em parte de forma expressa, à estrutura
democrática dos países-membros, e preveem sanções para aqueles que abandonam o
caminho da virtude democrática. Os artigos 6 e 7 do Tratado da União Européia são
protótipos desse tipo de regulamento: esses artigos vinculam todos os Estados
Membros aos fundamentos da liberdade, da democracia, do respeito aos direitos
humanos, às liberdades fundamentais e ao Estado de Direito, e preveem a possibilida-
de de suspensão, por decisão de maioria qualificada do Conselho Europeu, de alguns
dos direitos de participação do Estado Membro que viole ou ameace violar gravemen-
te tais fundamentos. Já o artigo 8 do Estatuto do Conselho Europeu determina que
qualquer membro do Conselho que tenha violado gravemente seu dever de garantia
dos direitos humanos e liberdades fundamentais – dentre as quais incluem-se a liber-
dade de expressão, liberdade de reunião, liberdade de associação, bem como o direito
a eleições livres – pode vir a ser excluído da Organização. Regras similares são consa-
gradas no Protocolo de Ushuaia do MERCOSUL. A Organização dos Estados
Americanos adotou, inclusive, uma Carta Democrática própria, na qual a Democracia
é reconhecida como condição imprescindível para a realização efetiva das liberdades
fundamentais e dos direitos humanos, e um amplo catálogo de medidas para o forta-
lecimento e o desenvolvimento da Democracia nos Estados Membros é formulado. Na
ocorrência de uma “ruptura da ordem democrática” (“unconstitutional interruption of

29 Essa questão foi intensamente discutida sobretudo no contexto do Conflito de Kosovo, ver D. Thürer, Der
Kosovo-Konflikt im Lichte des Völkerrechts: von drei – echten und scheinbaren – Dilemmata, Archiv des
Völkerrechts 38 (2000), 1-22; C. Tomuschat, Völkerrechtliche Aspekte des Kosovo-Konflikts, Die
Friedenswarte 74 (1999), 33-37.
30 Sobre a intervenção militar dos EUA no Haiti, autorizada pelo Conselho de Seguranca em 1994, a qual per-
seguiu expressamente o objetivo de recolocar no poder o presidente eleito democraticamente e deposto por
um golpe de Estado militar, Betrand Aristide, ver S.J. Schnably, Constitutionalism and democratic govern-
ment in the inter-American System, in: Fox/Roth, Democratic Governance and International Law, 155,
168-171.

100
Democracia, Estado de Direito e Desenvolvimento

the democratic order”) em um Estado Membro, o direito de participação do mesmo


na OEA pode ser suspenso por decisão de dois terços dos demais Membros.31
Cláusulas democráticas que vinculam os Estados Membros à conservação da forma de
Estado democrática e que preveem a suspensão da participação nos casos de ameaça
ou eliminação da Democracia em um país membro também constituem, atualmente,
elemento integrante dos fundamentos dos tratados da Comunidade Andina e do
MERCOSUL.32

III. Estado de Direito e Democracia na perspectiva histórica


e comparada

A questão sobre se, e em que medida, a introdução da Democracia, por um lado, e


a promoção do Estado de Direito, por outro, podem ser desacopladas depende primor-
dialmente da relação existente entre esses princípios. Em um plano teórico, diferentes
possibilidades de interpretação aparecem de formas igualmente plausíveis, e vão desde
a admissão de uma relação de tensão – Estado de Direito como limite das decisões por
maioria e de um domínio da maioria, Democracia como ameaça, ao menos potencial, aos
direitos individuais e das minorias – até à ênfase da complementaridade desses princí-
pios – Estado de Direito como instrumento para a proteção das liberdades individuais,
Democracia como forma institucional da autonomia do indivíduo no plano político. Nos
citados documentos constitutivos das organizações regionais europeia e americana,
reconhece-se uma subjacente noção de Democracia e Estado de Direito como princípios
complementares. O Artigo 6 do Tratado da UE trata a liberdade, a democracia, a prote-
ção dos direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como o Estado de Direito,
como princípios de mesmo status, aos quais os Estados Membros devem garantir vigên-
cia. A inter-relação e interdependência entre esses princípios torna-se ainda mais clara
na Carta de Paris, na qual os fundamentos para a cooperação interestatal no contexto da
OSCE (antiga CSCE) são formulados: “Governo democrático baseia-se na vontade do
povo, expressa por meio de eleições regulares, livres e justas. Democracia baseia-se no
respeito à pessoa humana e ao Estado de Direito. Democracia é a melhor salvaguarda da
liberdade de expressão, tolerância a todos os grupos da sociedade, e igualdade de opor-
tunidade para cada pessoa.” A Carta Democrática da OEA é elaborada de forma ainda
mais incisiva: “A democracia é indispensável para o exercício efetivo das liberdades fun-
damentais e dos direitos humanos...”.

31 Art. 21 da Carta Democrática Interamericana de 11 de Setembro de 2001.


32 Compromiso de la Comunidad Andina por la Democracia de 10 de Junho de 2000; Protocolo de Ushuaia
sobre Compromiso Democrático de 24 de Julho de 1998. Uma análise comparada das cláusulas democráti-
cas da UE, MERCOSUL e Comunidade Andina encontra-se em Juan Rujillo Cabrera, Afianzamento de la
democracya en Sudamérica: Analisis comparado de la clausula democrática en la Comunidad Andina de
Naciones, el Mercosur y la Unión Europea, International Law – Revista colombiana de derecho internaio-
nal 2007, 11-43.

101
Rainer Grote

1. A relação entre Democracia e Estado de Direito ante a noção de Estado


de Direito da Europa continental

Não se pode ignorar que a suposição de uma relação de complementaridade entre


Estado de Direito e Democracia depende da subjacente noção de Estado de Direito. Se,
por um lado, se enfatizam os requisitos formais do princípio do Estado de Direito –
segurança jurídica, proteção da confiança, vínculo da Administração à lei, proteção
jurídica do indivíduo contra medidas dos órgãos estatais que interfiram nos seus direi-
tos protegidos –, poucos são, pelo menos à primeira vista, os pontos de contato entre
Estado de Direito e Democracia. Os requisitos do Estado de Direito podem ser preen-
chidos por meio de uma correspondente configuração do sistema jurídico e jurisdicio-
nal, sem que isso dependa de uma organização do sistema político e dos poderes polí-
ticos conforme fundamentos democráticos. A noção formal do Estado de Direito
somente foi incluída no final do século 19 e início do século 20. De acordo com essa
concepção, o Estado de Direito não carrega nenhuma assertiva acerca dos objetivos –
ou, na terminologia contemporânea, dos valores – que o Estado deve realizar por meio
de sua atuação, mas sim, apenas sobre as formas em que isso deve acontecer.33
Legislação, Administração e Jurisdição somente podem expressar a vontade estatal de
formas e em procedimentos determinados. Administração e Jurisdição estão, ainda,
vinculadas ao conteúdo das leis no exercício de suas competências, enquanto o poder
legislativo não se submete a nenhum vínculo do ponto de vista substancial: direitos
fundamentais podem encontrar-se regulados apenas em leis infraconstitucionais, e
não na Constituição, – como no Império (Kaiserreich) –, ou até mesmo figurar no
texto constitucional – como na República de Weimar –, mas não produzir efeitos jurí-
dicos vinculantes, ou apenas o fazer de forma limitada, submetendo-se amplamente à
concretização pelo Legislador. O vínculo da Administração e da Jurisdição à lei, a
necessidade de fundamento legal para intervenções na liberdade e propriedade, e a
revisão judicial das intervenções do Executivo em direitos protegidos por lei com-
põem os traços essenciais da noção de Estado de Direito.
A ascensão da concepção formal do Estado de Direito foi favorecida pelo quadro
de circunstâncias políticas. Na Alemanha, essas circunstâncias caracterizaram-se pela
separação entre os objetivos da liberdade política e da liberdade econômica, os quais
se encontravam, a princípio, estreitamente interligados no liberalismo europeu (oci-
dental) do início do século 19, e pela proteção jurídica desses mesmos objetivos. Na
federação alemã, as esperanças liberais de erguimento de uma ordem política liberal
haviam sido amplamente frustradas na Revolução de 1848/49. Diante desses aconte-
cimentos e de seus efeitos, o conceito inicialmente disseminado de Estado de Direito
como ordenamento estatal que serve à proteção da liberdade individual foi, pouco a

33 A definição clássica do conceito formal de Estado de Direito provém de F.J. Stahl, Die Philosophie des
Rechts nach geschichtlicher Ansicht, Vol. 2, 3. Ed. 1856, 137: “…der Begriff des Rechtsstaates… bedeutet
überhaupt nicht Ziel und Inhalt des Staates, sondern nur Art und Charakter, dieselben zu verwirklichen.”

102
Democracia, Estado de Direito e Desenvolvimento

pouco, suplantado por concepções que ressaltavam mais fortemente a qualidade for-
mal do Direito, sob abstração de sua finalidade.34
Em reação à deturpação do conceito formal de Estado de Direito durante o
Nacionalsocialismo e à superação do positivismo legal, a partir da metade do século 20
os pensamentos e reflexões voltaram-se novamente para os conteúdos materiais do
Estado de Direito. Na verdade, os aspectos formais do Estado de Direito não foram
abandonados: eles sobrevivem, antes, em determinações centrais da Lei Fundamental
(Art. 19 Par. 4, Art. 20 Par. 3), em princípios constitucionais não escritos, bem como
nos princípios de Direito Administrativo geral. Ao mesmo tempo, foram complemen-
tados e ampliados para princípios e fundamentos que não apenas permitem, como têm
por pressuposto, o controle de todos os aspectos da atuação estatal mediante critérios
materiais. O núcleo dessa concepção material de Estado de Direito constitui o vínculo
de todos os poderes estatais – inclusive o Legislativo – aos direitos fundamentais (Art.
1, Par. 3, Constituição alemã). O Tribunal Constitucional Federal alemão enxerga nos
direitos fundamentais uma “ordem de valores objetiva”, um “sistema de valores”, que
encontra o seu ponto central na personalidade humana, desenvolvida livremente no
seio da comunidade social, e em sua dignidade, e, como “decisão constitucional funda-
mental”, influencia todas as áreas do Direito, bem como oferece “diretrizes e impulsos”
ao Legislativo, Administrativo e Judiciário.35 Dentre os direitos fundamentais que con-
ferem conteúdo material ao Estado de Direito, figuram também os direitos de liberda-
de, os quais são constitutivos de uma ordem liberal-democrática: liberdade de expres-
são (Art. 5, Const.), liberdade de reunião (Art. 8, Const.), liberdade de associação (Art.
9, Const.), além dos direitos “políticos” fundamentais, quais sejam a liberdade de cria-
ção de partidos (Art. 21, Const.) e o sufrágio universal, direto, livre, igualitário e secre-
to, ativo e passivo (Art. 38, Const.). O conceito material de Estado de Direito acolhe,
dessa forma, importantes elementos de liberdade política, os quais constituem, simul-
taneamente, fundamento de toda e qualquer ordem democrática.
A maior ênfase nos conteúdos materiais do Estado de Direito não representa
desenvolvimento especial do período pós-guerra alemão. Ela constitui, antes, a
expressão de uma orientação geral na Europa (ocidental) por concepções de Estado de
Direito direcionadas à proteção das liberdades individuais, e influencia, ao mesmo
tempo, esse desenvolvimento. Em resultado, predomina, atualmente, na Europa, uma
compreensão do Estado de Direito, na qual ele aparece como elemento constitutivo da
ordem democrática, de forma que uma separação estrita entre os dois conceitos resul-
ta objetivamente inadequada, ou mesmo artificial. O Tribunal Constitucional da
República Tcheca deu expressão incisiva a essa visão em sua fundamental decisão
sobre a constitucionalidade da lei sobre a ilegalidade do regime comunista do ano de

34 M. Stolleis, Geschichte des öffentlichen Rechts in Deutschland, Vol. 2, 1992, 383 s.; P. Badura, Das
Verwaltungsrecht des liberalen Rechtsstaates, 1967, 37 s.
35 BVerfGE 7, 198, 205 – Lüth.

103
Rainer Grote

1993. Como a relação entre Estado de Direito e Democracia, entre Estado de Direito
formal e material não é discutida, de forma tão geral, em praticamente nenhuma outra
sentença de um Tribunal Constitucional, vale citar a decisão, nesse ponto, em sua
íntegra: “A nossa nova Constituição não é fundada sobre a neutralidade de valores,
não é uma simples delineação de instituições e procedimentos, mas sim, incorpora em
seu texto também determinadas ideias reguladoras, as quais expressam os valores fun-
damentais e invioláveis da sociedade democrática. A Constituição da República
Tcheca aceita e respeita o princípio da legalidade como elemento constitutivo da...
concepção do Estado de Direito, no entanto, não vincula, apenas, o direito positivo à
legitimidade formal, mas submete a interpretação e aplicação das normas jurídicas ao
seu sentido substancial e material e condiciona o Direito por meio do respeito aos
valores fundamentais constitutivos da sociedade democrática, com base nos quais a
aplicação das normas jurídicas é aferida... Essa visão do Estado constitucional rejeita a
legitimidade formal-racional do Regime, bem como o Estado de Direito formal... A
legitimidade do regime político não se pode apoiar apenas sobre os aspectos jurídico-
formais, porque os valores e princípios sobre os quais o regime se baseia não são ape-
nas jurídicos, mas possuem principalmente caráter político. Tais princípios da nossa
Constituição, como a soberania do povo, a democracia representativa, o Estado de
Direito são os princípios da organização política da sociedade, os quais não são total-
mente definíveis de forma normativa...”36

2. A relação entre Democracia e Estado de Direito na tradição da


“rule of law”

Uma análise mais aproximada da “rule of law” anglo-americana - da outra gran-


de tradição de que se nutre a compreensão do Estado de Direito no discurso interna-
cional - tampouco sugere alguma separação estrita entre Estado de Direito e
Democracia. É verdade que, também na “rule of law”, a submissão do poder político-
administrativo ao Direito, interpretado e aplicado de forma independente e imparcial
pelos tribunais, ocupa posição central. Conforme a tão citada formulação de Dicey, o
poder do Direito reside na igualdade de todos perante a regra jurídica e a Justiça: “We
mean... when we speak of the “rule of law”... not only that with us no man is above
the law, but that... every man, whatever be his rank of condition, is subject to the ordi-
nary law of the realm and amenable to the jurisdiction of the ordinary tribunals.”37
Nesse contexto, também o caráter “democrático” do Direito ao qual o indivíduo
está submetido, como acertadamente ressaltado pela Literatura, é sempre levado em
consideração, trate-se do Direito “legislado” pelo Parlamento eleito, ou da “Common

36 PI. ÚS 19/93 de 21 de Dezembro de 1993, citado por G. Brunner/M. Hofmann/P. Holländer,


Verfassungsgerichtsbarkeit in der Tschechischen Republik, 2001, 140 s. (Tradução de M. Hofmann/tradu-
ção livre para o português).
37 A.V. Dicey, Introduction to the Study of the Law of the Constitution, 2. Ed. 1886, 179 s.

104
Democracia, Estado de Direito e Desenvolvimento

Law” extraída, pelos tribunais, da contemplação do desenvolvimento histórico do


Direito e da consciência jurídica dos sujeitos da comunidade jurídica aí expressa.38 A
própria renúncia, por parte das concepções contemporâneas da “rule of law”, a deter-
minadas salvaguardas técnico-jurídicas, como o vínculo do Parlamento e dos demais
órgãos estatais à Constituição, e o controle da primazia da Constituição por meio de
jurisdição especial, somente se faz compreensível diante do inerente caráter pluralis-
ta da obtenção e da criação do Direito na tradição inglesa, as quais encontram expres-
são na “rule of law”: o impedimento do abuso de poder político constitui, dessa forma,
não somente e nem mesmo primordialmente tarefa dos tribunais, mas também dos
grupos parlamentares, dos partidos políticos, dos grupos sociais interessados, da mídia,
da opinião pública democrática e dos cidadãos.39 Faltando à classe política e à opinião
pública a consciência de sua responsabilidade, os mecanismos de proteção do sistema
jurídico não são capazes de oferecer substituto adequado, já que o Parlamento, ou seja,
o governo eleito democraticamente, é sempre capaz de impor-se contra os tribunais
com base no princípio da soberania parlamentar.

IV. Interação entre Democracia e Estado de Direito

1. Aspectos da Interdependência entre Estado de Direito e Democracia

As explanações anteriores deixam-se resumir na existência de estreita relação


histórica entre o desenvolvimento de Democracia e de Estado de Direito. Estes repre-
sentam os princípios constitucionais, pelos quais, a partir do século 18, as exigências
nucleares do liberalismo político, quais sejam, a reivindicação por participação políti-
ca, por um lado, e por proteção adequada dos direitos dos cidadãos contra abusos do
Executivo (monárquico), por outro lado, tornaram-se historicamente válidas. Nesse
contexto, não só o Estado de Direito como também a Democracia foram submetidos a
notável transformação, que vai de um restrito sufrágio censitário no século 19 até à
garantia de sufrágio universal para homens e mulheres no século 20. No decorrer
desse desenvolvimento, também a primazia da soberania popular e, com ela, a do
princípio democrático sobre o Estado de Direito foi seguidamente reafirmada e, com
base nisso, a possibilidade de se determinar limites jurídicos vinculantes à decisão
democrática por maioria foi contestada. Essa tradição ainda produz efeitos, em parte,
na teoria inglesa da soberania do Parlamento (democraticamente eleito) e também na
discussão sobre os fundamentos e limites da jurisdição constitucional. Uma primazia
geral do princípio da Democracia sobre o Estado de Direito, no entanto, não foi capaz
de se impor nem na Europa nem na América. A feição concreta ganha pela democra-
cia, aqui, deu-se na forma de uma democracia do Estado de Direito, ou seja, vincula-

38 I. Jennings, The Law and the Constitution, 5. Ed. 1959, 60 s.


39 A.-C. Pereira Menaut, Rule of Law o Estado de Derecho, 2003, 49 s.

105
Rainer Grote

da a determinadas formas e regras e, principalmente, à observância dos direitos huma-


nos e fundamentais.
Ao mesmo tempo, elementos de suporte do Estado de Direito estão ligados de
forma tão estreita à estrutura democrática do Estado, que, sem a existência de insti-
tuições democráticas, perderiam o seu sentido. Isso vale, por exemplo, para os princí-
pios da primazia e da reserva de lei. A finalidade desses princípios consiste em conce-
der aos cidadãos um direito de participação e de controle sobre o corpo de represen-
tantes escolhido por eles na elaboração das regras legais, com base nas quais a
Administração pode intervir nos direitos dos cidadãos. Sem a existência de um
Parlamento eleito livremente, a aplicação desses princípios congela-se em um forma-
lismo vazio.40 Questão similar ocorre com a separação dos poderes, que, na Alemanha,
também é interpretada como manifestação institucional do princípio do Estado de
Direito.41 Para que a separação de poderes entre Executivo e Legislativo funcione, ela
pressupõe, em todos os casos, a existência de um corpo legislativo livremente eleito,
pois somente a eleição confere ao Parlamento a legitimação necessária para tornar-se
efetivamente ativo como contrapeso e controle do governo.
Ao revés, não se pode ignorar que a Democracia, por seu turno, pressupõe uma
infraestrutura de Estado de Direito funcionante. Decisões democráticas majoritárias
derivam de um processo complexo e de múltiplos níveis de formação de opinião públi-
ca, eleição e controle, o qual deve transcorrer de acordo com regras determinadas, se a
transparência e a participação igualitária de todos devam ser garantidas. Os direitos de
participação dos atores envolvidos nesse processo, desde cidadãos isolados, até a mídia,
partidos políticos e candidatos a eleições, são objeto de um denso emaranhado de regras
jurídicas constitucionais e legais, que vão desde os direitos fundamentais de liberdade
de expressão, de imprensa e de reunião, passam pelas regras sobre financiamento dos
partidos e sobre o acesso dos partidos e dos candidatos aos meios públicos de comuni-
cação, e chegam até à configuração do sistema eleitoral. Da aplicação dessas regras sur-
gem múltiplas questões de controvérsia e de disputa; devendo estas ser decididas sem
danos para a integridade do processo democrático, é necessário que isso ocorra em um
procedimento que satisfaça aos requisitos da imparcialidade e da objetividade, ou seja,
de acordo com fundamentos do Estado de Direito. Cabíveis seriam os tribunais “ordi-
nários” administrativos e constitucionais ou “tribunais eleitorais” especiais, organiza-
dos sob fundamentos quase-jurisdicionais. Algumas Constituições atribuem à garantia
de eleições livres uma importância tão elevada, que tornaram independentes os cargos
responsáveis pela organização e controle eleitoral como um autônomo quarto poder do
Estado, que figura ao lado do Legislativo, Executivo e Judiciário.42

40 BVerfGe 49, 89 – Kalkar I.


41 E. Schmidt-Aßmann, Der Rechtsstaat, in: J. Isensee/P. Kirchhof, Handbuch des Staatsrechts, Vol. II, 3. Ed.
2004, Rn. 46.
42 Ver Art. 129 da Constituição nicaraguense, apoiada na Constituição cubana de 1940; de forma similar, Art.
99 da Constituição da Costa Rica.

106
Democracia, Estado de Direito e Desenvolvimento

2. Algumas conclusões preliminares sobre a relação entre Democracia


e Estado de Direito na cooperação para o desenvolvimento

Ao lado de pontos de vista históricos, também razões substanciais e sistemáticas


colocam-se contra uma análise separada de Democracia e Estado de Direito. Só se
pode desatar o Estado de Direito de suas referências democráticas, se se abafa sua rela-
ção simbiótica com os direitos fundamentais, por um lado, e com a separação de pode-
res como princípio fundamental da ordem estatal,43 por outro lado, e se se limita
amplamente à independência da Justiça, aos direitos fundamentais da Justiça e à
implementação desses direitos pelo Direito comum, principalmente pelo Direito pro-
cessual. Desse modo, a análise das reais circunstâncias históricas e políticas sob as
quais o Estado de Direito alcançou vigência, e das quais a sua efetividade definitiva-
mente depende, fica abalada. Essa análise, no entanto, é de considerável importância
para o êxito da aculturação de mecanismos e instituições de Estado de Direito em con-
textos políticos e culturais distintos. Os já citados documentos constitutivos das orga-
nizações regionais europeia e americana permitem perceber que, de forma geral, nes-
sas regiões, a interdependência desses dois princípios é de todo modo reconhecida em
seu núcleo. Questionável é se existem fatores especiais, fundados na situação especí-
fica dos países em desenvolvimento, que todavia permitam considerar aconselhável o
desacoplamento desses dois objetivos no trabalho prático para o desenvolvimento.
A favor de uma concentração, no campo da cooperação para o desenvolvimento,
sobre a condução de programas jurídicos concebidos de acordo com o enxuto concei-
to de Estado de Direito anteriormente descrito, poderiam contar principalmente
aspectos práticos. A Democracia constitui um pretensioso conceito para a legitimação
do poder político-administrativo. Ela pressupõe, de acordo com o aqui já exposto, ao
menos os seguintes elementos: a existência de um sistema multipartidário, caracteri-
zado pela concorrência pacífica, mas efetiva, dos partidos pelo poder político; uma
opinião pública democrática, e um sistema de mídia que possibilite informações con-
fiáveis e abrangentes, bem como a livre formação de opinião; a existência de institui-
ções independentes e imparciais que velem pela realização de eleições mais justas e
livres e pela observância das regras vigentes para esse contexto. Em muitos países em
desenvolvimento, vários ou todos esses requisitos não estão presentes, a começar com
a existência de um multipartidarismo funcionante e um cenário de mídia pluralista e
independente. A criação dessas estruturas é árdua e exige considerável despesa de
tempo e de dinheiro. Mesmo em alguns países europeus, há estruturas partidárias
sabidamente fragmentadas e disfuncionais, métodos de financiamento questionáveis
fazem com que desapareça a confiança dos eleitores na transparência do processo polí-

43 Sobre essa dualidade de princípios do Estado de Direito, ver E. Schmidt-Aßmann, aa. O. (Rn. 40), que fala,
a esse respeito, sobre o desdobramento do princípio do Estado de Direito como “ordem subjetiva de status”,
por um lado, e como “ordem objetiva de funções”.

107
Rainer Grote

tico, e observa-se uma concentração do poder da mídia nas mãos de alguns poucos
(cada vez menos), bem como uma perfuração do princípio da separação entre os pode-
res jornalista e político. Ainda mais difícil parece ser a criação de estruturas democrá-
ticas mais transparentes em países que não dispõem de nenhuma tradição democráti-
ca consolidada. Em contrapartida, reformas do setor Judiciário parecem ser, compara-
tivamente, fáceis: a consagração da independência dos tribunais na Constituição, a
reforma da organização dos tribunais, a criação de novas leis processuais – tudo isso se
permite executar com recursos limitados e promete, na maioria das vezes, resultados
rapidamente visíveis. A essa observação segue-se, por outro lado: quanto mais difícil
for a configuração de um processo de reforma, mais cedo se deve dar início a ela. E
isso exatamente porque reformas democráticas, em sua maioria, necessitam de tempo
considerável até que atinjam a classe política, as organizações da sociedade civil e os
cidadãos, e sejam por eles adotadas, sendo de especial importância, aqui, o engajamen-
to continuado e a longo prazo no sentido da tão invocada sustentabilidade. Esse fato
se coloca contra um constante adiamento desmotivado de reformas democráticas.
Uma outra abordagem político-desenvolvimentista enxerga na concentração
sobre reformas de Estado de Direito, ao contrário, uma forma especialmente refinada
de democratização. De acordo com ela, nesse tipo de reformas, tendo em vista o seu
caráter “técnico” e a sua esperada utilidade para a modernização econômica do país,
deve-se contar com resistência fundamentalmente mais baixa do que no caso da pro-
pagação de reformas democráticas, as quais, de forma mais ou menos aberta, colocam
a distribuição de poder existente no país destinatário em discussão. Por outro lado,
reformas jurídicas conduzidas com êxito levariam a intensificada reivindicação por
uma “abertura” da política estatal. Sob a proteção das instituições do Estado de
Direito, essas exigências poderiam, ainda, ser apresentadas com menos riscos do que
antes. A introdução do Estado de Direito aparece, aqui, em certa medida, como o
“cavalo de Tróia” da democratização.
Referências empíricas, no entanto, apontam para o fato de que a necessidade
intrínseca do desenvolvimento do Estado de Direito a uma democracia aparece na
teoria de forma mais imperativa do que realmente o é na prática política. Programas
de Estado de Direito podem, sim, ser perfeitamente utilizados como preparação de
processos de reforma democráticos, especialmente enquanto estiverem vinculados à
concepção de Estado de Direito no sentido descrito acima (III.). Nada se pode dizer,
no entanto, sobre a disposição de regimes mais autoritários de aceitar efetivamente
tais reformas democráticas. Sob a pressão da globalização, nos últimos quinze anos,
quase todos os Estados se mostraram dispostos a conduzir reformas de Estado de
Direito. Tal prontidão não surpreende, considerando-se que tais reformas são vistas,
em sua maioria, como instrumento imprescindível para a modernização da própria
economia e são, na maioria das vezes, generosamente promovidas pelos países indus-
trializados e organizações doadoras. Não é coincidência que, exatamente no Direito do
Comércio Internacional, a previsão normativa de fundamentos do Estado de Direito e

108
Democracia, Estado de Direito e Desenvolvimento

o seu controle por meio de corpos decisórios independentes experimentou avanços


tão notáveis nas últimas duas décadas (ver, acima, II.1.). Tribunais independentes
garantem maior segurança jurídica e contribuem, assim, para a criação de um quadro
de circunstâncias mais confiáveis para investidores estrangeiros e nacionais.
Simultaneamente, podem ser empregados no combate à corrupção na burocracia esta-
tal: uma Administração eficiente também constitui, hoje, um importante fator na dis-
puta geográfica global. Uma coisa é, no entanto, reconhecer a necessidade de moder-
nização econômica e corresponder a ela por meio de uma modernização do Estado de
Direito; outra coisa bem diferente é admitir a perda da própria pretensão de monopó-
lio sobre o poder político como consequência de tais processos de reforma. No míni-
mo, parece plausível a expectativa de que um regime autoritário não se intimide a
deter processos de reforma ou mesmo a retrocedê-los, no momento em que conside-
re sua posição de poder seriamente ameaçada por esses processos.
Tudo isso não só significa que não existe um Automatismo entre a condução de
reformas de Estado de Direito e democratização. Significa, também, que reformas de
Estado de Direito sem democratização atingem rapidamente seus limites. Quando os
tribunais fazem uso de sua independência para proteger os direitos de liberdade dos
cidadãos e ampliam, com isso, a margem de manobra da oposição política ou de gru-
pos de cidadãos beneficiários de direitos, isso pode facilmente levar a uma reação hos-
til do governo e a uma correspondente limitação da autonomia judicial (por exemplo,
por meio do preenchimento dos tribunais superiores com aliados do governo, restri-
ções ao acesso ao Judiciário e a instrumentos jurídicos etc.). Como, por falta de demo-
cratização, não houve a formação de verdadeiro poder político de oposição, a suspen-
são ou inversão do processo de reforma permanece sem maiores consequências polí-
ticas para o governo (afora a possibilidade de corte de meios de incentivo internacio-
nais e estrangeiros). A introdução de instituições e procedimentos do Estado de
Direito que não é inserida em um processo de reforma democrática permanece, por
fim, precária e propensa ao colapso.

109
A Democracia em Face da Exclusão Social
Friedrich Müller1

Sumáárioo: I. Introdução II Sistema Democrático III. Exclusão social IV. Globalização e Democracia V. Conclusão.

I. Introdução

“Democracia” é uma expressão bastante indeterminada, isto é, utilizada de vários


modos, freqüentemente opostos. A história do termo oferece os significados de “governo”
e “povo”; mas se isso resulta em algo como “governo do povo”, é, justamente, a questão.
Ocorre que a referência ao povo é necessária às diferentes concepções de demo-
cracia, pois elas precisam legitimar-se. O sistema deve poder representar-se como se
funcionasse com base na soberania popular, na autodeterminação do povo, na igual-
dade de todos e no direito de decidir de acordo com a vontade da maioria. Devem
haver, também, chances iguais para os partidos políticos chegaram ao poder e o direi-
to à oposição legal. Só que a teoria tradicional da democracia não deixa claro como o
exercício do poder estatal pode ser retroreferido “ao povo”, concretamente.
Por esse motivo, é preciso operacionalizar melhor a questão. Isso implica uma
análise não apenas de uma concepção estática de democracia, mas dos processos
sociais e políticos na dimensão temporal. A democracia somente pode subsistir, isto é,
continuar viva, como democratização em permanente crescimento. Trata-se, pois, de
operacionalizar melhor o termo “democrático”, isto é, os termos “demos” e “kratein”
e a relação entre eles, o que é feito na primeira parte deste texto.
O próximo passo consiste em operacionalizar a expressão “exclusão social”, tare-
fa a que se propõe a segunda parte do presente artigo. Isso significa, sobretudo, deco-
dificar melhor a expressão, distinguir entre efeitos e causas da exclusão e ampliar, com
realismo, a extensão do conceito “social”, uma vez que esta expressão não deve ser
definida estreitamente.
Na terceira parte deste trabalho, as relações entre democracia e exclusão social
são discutidas no contexto do processo de globalização. Finalmente, na conclusão,
tenta-se responder à pergunta subjacente às reflexões aqui apresentadas: que grau de
exclusão social pode ser tolerado em um sistema democrático?

II. Sistema Democrático

Pode-se começar verificando empiricamente os modos lingüísticos de utilização


da palavra “povo” nos textos das normas do direito vigente, sobretudo nas constitui-

1 Professor emérito da Universidade de Heidelberg.

111
Friedrich Müller

ções. Dessa análise, resultam vários modos de utilização.2 O primeiro deles é, também,
o único que, até agora, foi usado na bibliografia da Ciência do Direito como conceito
jurídico de “povo”: os titulares dos direitos eleitorais. Denomino esse modo de utiliza-
ção “povo ativo”. Isso basta para o Poder Legislativo, na medida em que se compreen-
de, graças à idéia de representação, que “o povo” é, indiretamente, a fonte da legisla-
ção. Mas isso não funciona no caso das atividades dos Poderes Executivo e Judiciário,
que, afinal de contas, também devem ser “demo”craticamente justificadas. O povo
ativo decide diretamente ou elege os seus representantes, os quais co-atuam, em prin-
cípio, nas deliberações sobre textos de normas legais que, por sua vez, devem ser
implementadas pelo governo e controladas pelo Judiciário.
Na medida em que isso é feito corretamente em termos do Estado de Direito,
aparece, no entanto, uma contradição no discurso da democracia: por um lado, faz
sentido dizer que os governantes, os funcionários públicos e os juízes estariam demo-
craticamente vinculados; mas não faz sentido dizer que, aqui, o povo ativo ainda esta-
ria atuando “por intermédio” de seus representantes. Onde funcionários públicos e
juízes não são eleitos pelo povo, a concretização de leis não basta para torná-los repre-
sentantes deste mesmo povo. O ciclo da legitimação foi rompido, ainda que de forma
democrática; mas ele foi rompido. Os vínculos são cortados de forma não-democráti-
ca quando a decisão executiva ou judicial for ilegal; aqui, o povo invocado pelo titu-
lar do respectivo cargo (“em nome do povo, profiro a seguinte sentença...”) produz
somente o efeito de um ícone, de um mero passepartout ideológico.
No caso já mencionado, ou seja, na decisão defensável em termos do Estado de
Direito, o papel do povo apresenta-se diferentemente: como instância de uma atribui-
ção global de legitimidade. Tal papel transcende, na sua abrangência, o povo ativo;
abrange todos os que pertencem à nação.
Além disso, as decisões dos órgãos que instituem, concretizam e controlam as
normas afetam a todos aqueles aos quais dizem respeito: o “povo” enquanto população
efetiva. Uma democracia legitima-se a partir do modo pelo qual ela trata as pessoas
que vivem no seu território - não importa se elas são ou não cidadãs, ou titulares de
direitos eleitorais. Isso se aproxima, finalmente, da idéia central de democracia: auto-
codificação, no direito positivo, ou seja, elaboração das leis por todos os afetados pelo
código normativo. O princípio “one man, one vote” (pensado em outra acepção) tam-
bém pode ser compreendido não com vistas à camada social específica, mas com vis-
tas à qualidade humana de cada pessoa afetada, independentemente da cidadania.
Desse povo-destinatário, ao qual se destinam todos os bens e serviços providos pelo
Estado Democrático de Direito, fazem parte todas as pessoas, independentemente,
também, de idade, estado mental e status em termos de direitos civis.
Isso transcende o tradicional discurso da dominação, não apenas obsoleto, mas,
desde o início, problemático, na sua combinação com o “demos”. O antiquíssimo

2 F. Müller, Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. São Paulo, Max Limonad, 1998; 2ª ed.
2000.

112
A Democracia em Face da Exclusão Social

esquema das camadas “de cima“ e “de baixo“ e o quadro estritamente autoritário ainda
subsistem, mesmo quando o sujeito da “dominação” é trocado e o povo é colocado no
alto. Essa velha imagem das relações sociais é pré-democrática e deve ser abandona-
da. De acordo com a nova proposta aqui apresentada, “kratein”, em “democracia”, não
significa apenas ser sujeito do exercício legítimo do poder; mas, antes de mais nada,
ser levado a sério e ser tratado como fator legitimador da atuação do Estado. Em out-
ras palavras: trata-se, em primeiro lugar, de retrabalhar não só o “conceito” científico
de povo; mas, nesse novo fundamento, de levar a sério o povo enquanto realidade efe-
tiva. Por isso, o conceito “kratein” não mais deveria ser formulado apenas em termos
de direito de dominação, e o conceito “democracia” não mais deveria ser tratado ape-
nas segundo as técnicas da representação.
Isso corresponde, aproximadamente, ao “government for the people”, na fórmu-
la de Lincoln; em contrapartida, “by the people” já é um conceito refratado pela repre-
sentação e a fórmula “of the people” fica suspensa de forma pouco clara entre a fun-
ção icônica e a função atribuída de “povo”. A democracia avançada não é, portanto,
apenas status activus democrático; não é mais um mero dispositivo de técnica jurídi-
ca para definir como textos de normas são postos em vigor (como as leis são promul-
gadas). Ela é, agora, um nível de exigências aquém do qual não se pode ficar, se se qui-
ser falar de formas de democracia: são exigências pertinentes ao modo pelo qual as
pessoas em um território são tratadas concretamente - não como súditos, nem como
seres subhumanos, mas individualmente, como membros do povo soberano, do povo-
destinatário que pode legitimar a totalidade do poder organizado do Estado - junta-
mente com o povo ativo e o povo como instância de atribuição.
Democracia é direito positivo de toda e qualquer pessoa, no âmbito da sua “- cra-
cia”. Nesse contexto, aqueles que não consideram o problema da exclusão social, usam
a expressão “povo” de forma meramente icônica; eles não são democratas, não parti-
cipam do discurso democrático.

III. Exclusão Social

A exclusão desenvolve uma dinâmica fatal. Já em 1821, Hegel, ao analisar a


sociedade capitalista nos seus primórdios, estabeleceu, em Princípios da Filosofia do
Direito, que a pauperização econômica acarretaria enormes desvantagens em termos
de educação, formação profissionalizante, cultura, grau de informação, sentimento de
justiça e autoestima.3 Resta acrescentar que um padrão de vida excessivamente baixo,
o empobrecimento da família e o estigma do bairro residencial errado; a comunicação,
pela gerência do banco, do encerramento da conta corrente; a exclusão crescente da

3 Sobre a “incapacidade da sensação e da fruição das outras capacidades e especialmente das vantagens espi-
rituais da sociedade burguesa”, ver Hegel, Princípios da Filosofia do Direito, § 243; cf. também §§ 244 e 245.
Sobre a dependência das chances de educação e formação profissionalizante da base de capital, ver ibid.
§§ 200 e 237.

113
Friedrich Müller

vida social, cultural e política; enfim, o enfraquecimento do sentimento de valor pró-


prio, a falta de “reconhecimento”, têm como um de seus efeitos mais perversos a para-
lisação, enquanto seres políticos, das pessoas afetadas. O descenso econômico leva
rapidamente à privação sócio-cultural e à apatia política – o que, quase sempre, satis-
faz aos desígnios das esferas dominantes da sociedade. O “desfavorecimento, mesmo
em apenas uma área parcial, produz uma “reação em cadeia de exclusão” que resulta,
não em último lugar, na “pobreza política”.4
A dimensão mais perigosa desse escândalo estrutural está, provavelmente, no
fato de que as batalhas no terreno da economia política e da política ainda têm que ser
complementadas por batalhas no campo jurídico, pois a injustiça econômica, social e
política é acrescida da falta de eqüidade jurídica. Assim, os indefesos, pobres e margi-
nais não podem mais contar com proteção jurídica; são, por assim dizer, liberados para
a caça. O resultado é a violência nas cidades (contra meninos de rua, favelados e
outros), no campo (contra posseiros, sem-terra, índios e outros) e, em toda parte, con-
tra grupos e minorias (por exemplo, crianças, adolescentes, mulheres, homossexuais,
população negra, comunidades indígenas, migrantes nordestinos), como diagnóstico
característico dos conflitos em torno dos direitos humanos no Brasil.5
Esse horror é efetivamente institucionalizado no direito penal pela impunidade
sistemática dos agentes estatais e empresariais; e, na política e na burocracia, pela cor-
rupção. As vítimas não são apenas as pessoas; com elas, vitima-se também a democra-
cia, o Estado de Direito, o Estado de Bem-Estar Social e o direito de defesa contra o
Estado, bem como os direitos de participação e, sobretudo, a centralidade do princí-
pio da “igualdade perante a lei”.
A exclusão, nesse sentido forte do termo, ultrapassa a não-filiação e a não-inte-
gração, se se quiser entender por isso apenas a “marginalização” ou a “heterogeneida-
de estrutural”. Sociedades modernas geram inclusão e exclusão como diferença fun-
cional. Existem, então, diferenças de classe ou entre camadas sociais no âmbito de
uma inclusão geral, ainda que mais ou menos desigual (paradigma do Estado de Bem-
Estar Social). Mas, com a exclusão no sentido forte do termo, aqui analisada, a socie-
dade industrial se torna parcialmente disfuncional, entra em grave regressão, deixan-
do que a ordem social e jurídica seja fragmentada. Grandes parcelas da população, por
um lado, dependem dos sistemas funcionais vitais, mas, simultaneamente, não têm, a
priori (no caso da exclusão primária), acesso às suas prestações materiais, ou deixam
de tê-lo, como ocorre no caso da exclusão secundária, do empobrecimento e do des-
censo social maciço, tão nítido nos países do Grupo dos Sete.6

4 A. Schrader. Brasilien: Soziale Fragen, soziale Strukturen. in: W. Paul (ed.) Verfassungsreform in Brasilien
und Deutschland. 1995, pp. 17 ss., 30 ss., 31.
5 De acordo com a instrutiva sinopse in W. Paul. Situation der Menschenrechte in Brasilien - Sozialstruktur
aktueller Menschenrechtkonflikte (manuscrito datilografado, 1999); ibid. também sobre “impunidade” e
“corrupção”.
6 Para a distinção entre exclusão “primária” e “secundária”, ver F. Müller, Quem é o povo? 1998; T. H.
Marshall. Class Citizenship and Social Development. 1976; N. Luhmann, Politische Theorie im Wohlfahrtsstaat.

114
A Democracia em Face da Exclusão Social

O Brasil é estigmatizado amplamente pela exclusão primária. A práxis estatal,


para-estatal e econômica ab-roga aos excluídos a dignidade humana e mesmo, na atua-
ção do aparelho repressivo, a qualidade de seres humanos: assim, verificam-se a nega-
ção das garantias jurídicas e processuais, a perseguição física, as “execuções” sem pro-
cesso e a impunidade dos agentes da opressão e das chacinas.
As pessoas são consideradas como titulares de deveres, mas não são admitidas
como titulares de direitos, especialmente quando mais têm necessidade disso. Mesmo
as normas lhes aparecem quase que só nos seus efeitos limitadores da liberdade; mas,
para elas, o acesso à proteção jurídica e aos trâmites legais, assim como os direitos de
participação política, só existem, praticamente, no papel. A constituição não integra
eficazmente a economia e a sociedade, a política e o direito; serve somente aos supe-
rintegrados. Ela não impõe o código direito/não-direito ao metacódigo inclusão/exclu-
são; o Estado, assim como o direito, estão submetidos aos imperativos da economia. O
cúmulo do cinismo objetivo consiste, então, em classificar como “subversivos“ movi-
mentos, como o dos sem-terra, que reivindicam direitos que lhes cabem segundo a lei
e a constituição. Note-se que tal realidade não é mais um “Estado constitucional“, uma
vez que a constituição, desse modo, é excluída do nexo da legitimidade democrática.
Na medida que a sociedade é dominada, simultaneamente, por poderes de supe-
rintegração e subintegração - como ocorre, por exemplo, no Brasil e nos EUA - isso
deslegitima o Estado não apenas no seu caráter de Estado de Direito, mas, decisiva-
mente, já a partir da sua base democrática. Tipicamente, reações de exclusão em
cadeia são deslanchadas pela pobreza primária ou pelo descenso econômico. Para que,
mais tarde, se possa também ensaiar uma quantificação da resposta à pergunta subja-
cente ao título deste texto – que grau de exclusão social pode ser tolerado por um sis-
tema democrático? - faz-se mister esboçar, com relação a alguns países, a extensão da
pobreza e da miséria maciças, isto é, a extensão da base dos sintomas de exclusão.
Antes de tudo, convém notar que numa breve reflexão em escala mundial, não é pos-
sível separar a menção de estatísticas da miséria de uma análise das causas, ao menos
enquanto estas são globais.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), dois bilhões de
pessoas estão desempregadas ou subempregadas, e mais de um bilhão vivem na pobre-
za. O número de analfabetos chega a um bilhão, mais de 800 milhões experimentam
fome aguda e o exército dos desabrigados aumenta praticamente em todos os países.
Quase quatro bilhões de pessoas vivem em países com uma renda per capita anual
inferior a US$ 1.500.
Essa miséria não cai do céu; e cada vez menos ela pode ser atribuída ao chama-
do subdesenvolvimento. A desregulamentação em escala mundial, designada de forma

1981 e Das Recht der Gesellschaft. 1993; M. Neves. Verfassung und Positivität des Rechts in der periphe-
ren Moderne. 1992. Sobre a teoria social dos sistemas: N. Luhmann. Die Gesellschaft der Gesellschaft. 1998,
pp. 618 ss. (inclusão e exclusão).

115
Friedrich Müller

semanticamente inofensiva com o termo “globalização”, elimina, por exemplo, tarifas


alfandegárias destinadas a proteger produtores e mercados locais e regionais. Assim,
produtores de países pequenos submetem-se a uma concorrência internacional que,
muitas vezes, não conseguem enfrentar. Fica minada a possibilidade de os governos
nacionais protegerem sua economia e monitorarem com autonomia os seus sistemas
financeiros.
A tendência à ampliação do mercado de trabalho esvazia a influência dos sindi-
catos e neutraliza o efeito de padrões normativos para a proteção ao trabalhador. Os
agricultores do chamado Terceiro Mundo são inseridos na produção para o mercado
mundial, enquanto seus próprios países passam a depender de importações de gêneros
alimentícios. A concorrência internacional destrói o artesanato local; a quantidade de
empregos eliminados supera a dos empregos criados por investimentos estrangeiros.
Os recursos naturais são devastados em grau alarmante.
Muitas normas jurídicas dos países afetados surgiram em meio a longas lutas do
movimento operário e de outras formas de legítima defesa, para limitar o abuso desen-
freado por parte dos sistemas de exploração e colonização dos séculos XIX e XX. Tais
normas são enfraquecidas ou abolidas, inclusive aquelas mais recentes sobre a prote-
ção ao meio ambiente e aos fundamentos elementares da vida de todas as pessoas
(direitos sociais) - o que equivale a uma nova transformação (proveniente dos EUA)
dos mercados financeiros e comerciais internacionais, que pode ser caracterizada
como uma nova forma de colonialismo acirrado. As crises de importantes economias
asiáticas, da economia mexicana e, depois, da sulafricana, mostram quão frágeis e vul-
neráveis se tornam economias nacionais individuais. Indiretamente, também se enfra-
quece todo o conjunto de economias em decorrência da monetarização global, que
leva à adequação forçada dos países individuais a uma monocultura econômica oci-
dental, motivada, exclusivamente, pela maximização do lucro.
As conseqüências positivas dessa liberalização econômica sem precedentes são,
sobretudo, macro-econômicas, conforme evidencia o crescimento do comércio mun-
dial, da produtividade e dos investimentos, bem como o trabalho adicional e uma
melhoria do padrão de vida de alguns setores. Mas tudo indica que os perdedores da
globalização superam, em muito, o número dos ganhadores, conforme evidenciam a
agudização da miséria individual e o surgimento de regiões inteiras - ou mesmo de
países inteiros, como acontece na África - esquecidos, por assim dizer, pelo mercado
mundial. Então, os frutos da globalização nem chegam a ser distribuídos, muito menos
distribuídos adequadamente. A concorrência global já conduz ao “dumping global”,
que consiste em oferecer cada vez menos, em termos de segurança dos trabalhadores,
proteção ao meio ambiente e garantia do salário-mínimo.
A democracia tem instrumentos para superar tal crise, mas, atualmente, os ata-
ques ao potencial democrático de monitoramento das crises vêm de todos os lados: a
soberania dos parlamentos e governos nacionais se reduz e faltam meios político-
democráticos para estabilizar, em escala mundial, o frágil sistema de uma economia

116
A Democracia em Face da Exclusão Social

de livre mercado. Esse sistema de capitalismo “avançado” revela ser absolutamente


destrutivo:7 a fome e a miséria aumentam e a extensão do consumo de recursos e da
destruição do meio ambiente produz, cada vez mais, o colapso do planeta. Nas pala-
vras de Niklas Luhmann, com referência à Índia, à África e ao Brasil, mas também a
partes dos EUA, exclusão crescente significa a “produção” de milhões de corpos huma-
nos que sao expulsos de todas as redes de comunicação socialmente necessárias: “Ao
passo que na esfera da inclusão as pessoas contam enquanto pessoas, na esfera da
exclusão parece que somente os seus corpos têm importância”.8
A miséria maciça cresce, também, nos países ricos, em forma de êxodos maciços
em escala mundial, terrorismo e reimportação, pela via dos ciclos ecológicos, de lixo
tóxico “exportado”, bem como por meio de catástrofes climáticas generalizadas; pela
formação de guetos de miséria nas áreas de alta densidade demográfica dos países
industrializados; e pelo crescimento da criminalidade organizada que, praticamente,
não pode ser combatida apenas com sanções penais. O capital que age legalmente “se
confunde” com o capital que age criminosamente.9
Segundo relatório oficial da União Européia, de julho de 1997, 12% da popula-
ção européia, em média, vivem abaixo do limite oficial de pobreza; esse percentual
chega a 17,7% na Grécia e em Portugal, e a 20% na Grã-Bretanha. Em 1999, 15% da
população da França eram constituídos por pessoas naquela situação. A definição ofi-
cial de “pobreza” refere-se, aqui, a “menos de 50% da renda média nacional”. Quando
se verificam as estatísticas relativas a crianças, na Grã-Bretanha 32% delas crescem em
meio à “pobreza oficial”, 15% na França e 12% na Alemanha.
A Grã-Bretanha ainda continua sofrendo os efeitos dos anos do governo de
Margaret Thatcher, que desregulamentou a economia, conforme o receituário do libe-
ralismo radical. Mas, também na França, a exclusão tornou-se há mais tempo um dos
temas dominantes da política social, ainda que o nível de miséria seja um pouco mais
reduzido. Na Alemanha, a situação foi avaliada pelos governos anterior (até fins de
1998) e atual de tal forma que este preferiu não publicar um relatório nacional sobre
a pobreza, deixando de cumprir compromisso assumido na Cúpula Mundial Social de
Copenhague, realizada em março de 1995.10 Por isso, até pouco tempo, existiam
somente estimativas feitas por associações beneficentes alemãs, segundo as quais cerca
de 20% da população encontram-se em estado de pobreza. Outro dado indicativo do
grau de penúria é o número dos não-votantes - correlacionado, até certo ponto, à
exclusão social, conforme ensina a experiência. Tal número chega, na média de longo
prazo, a cerca de um terço das pessoas habilitadas a votar. Essas estimativas, porém,
não podem substituir estatísticas, pois carecem de precisão.

7 Cf. R. Kühnl. Gesellschaft im Umbruch, in: Blätter für deutsche und internationale Politik, 1994, pp. 747 ss.
8 N. Luhmann. Die Gesellschaft der Gesellschaft, 1998, pp. 632 ss.
9 R.Kühnl. ibid. p. 749. A análise mais abrangente deste problema é aquela apresentada em H. See/E. Spoo
(eds.). Wirtschaftskriminalität - kriminelle Wirtschaft. 1997.
10 Tal relatório foi publicado somente no primeiro semestre de 2001.

117
Friedrich Müller

Para o Brasil, a questão do não-comparecimento às eleições deve ser considera-


da sob condições especiais, uma vez que, aqui, existe a obrigação de votar. Se ela não
for cumprida, o cidadão se vê ameaçado por sanções que incluem desde o impedimen-
to à sua saída do país (não-expedição ou renovação do passaporte), até a perda de
direitos políticos. Apesar dessa considerável pressão jurídica, nas eleições de outubro
de 1998 (nas quais foram escolhidos, simultaneamente, os mandatários para a
Presidência da República, o Senado, a Câmara dos Deputados e as Assembléias
Legislativas) ocorreu o seguinte: 21,49% dos eleitores não compareceram; 6,3% vota-
ram em branco; e 8,38% anularam o voto, o que equivale, no total, a uma abstenção
de 36,17%.11
Do ponto de vista econômico, a concentração da renda aumenta cada vez mais.
Em nenhuma região do mundo a distância entre os mais ricos e os mais pobres se ace-
tua tanto como nos países emergentes da América Latina: situa-se entre seis vezes
(Costa Rica) a quinze vezes (Brasil), o que quer dizer que os 10% dos brasileiros mais
ricos percebem uma renda quinze vezes superior à dos 40% mais pobres. Pode-se
constatar que essa desproporção é maior no Brasil, em comparação com todos os paí-
ses do mundo acerca dos quais dispomos de dados estatísticos.
Segundo o Relatório Nacional Brasileiro (Brasília, 1996), as estatísticas oficiais
sobre a pobreza, de acordo com o conceito oficial brasileiro de “pobreza absoluta”,
indicam, para 1990 - último ano a respeito do qual possuo dados - 17,7% da popula-
ção na área urbana, 53,4% na área rural e 27% na média nacional global.12
Nos EUA, o índice de pobreza está, atualmente, em 13,7%, beirando a um quin-
to, no caso das crianças. O país tem 4 milhões de milionários; 0,5% mais ricos possuem
títulos mobiliários no valor de 865 bilhões de dólares e um patrimônio fundiário no
valor de 2,4 trilhões de dólares. Em contrapartida, os salários médios são, hoje, infe-
riores aos de 1973. Os 20% da base da pirâmide da renda ganharam, em 1969, 7,5
menos do que os 20% do topo, e ganham, hoje, onze vezes menos. À guisa de compa-
ração, menciono que na Alemanha Ocidental a proporção é de 1 para 6.
Desde o fim dos anos 70 do século XX, os EUA desregulamentaram a economia
segundo o princípio de “trial and error” - mas as conseqüências anti-sociais não são
tratadas como erro em um Estado que, diferentemente dos Estados social-democratas
da Europa Ocidental, não se concebe como guardião de uma sociedade “justa”. Como
se sabe, economistas e sociólogos norte-americanos estão entre aqueles que criticam o
sistema do seu país com especial mordacidade. Contudo, não está em debate uma posi-
ção pró ou contra o “antimericanismo”, mas a compreensão sóbria das conseqüências
do “americanismo” (leia-se: neoliberalismo). Trata-se de “darwinismo em Estado
puro”, conforme afirma William Lewis, chefe do Instituto McKinsey em

11 Em números absolutos: 106.101.060 titulares de direitos eleitorais ativos, 83.296.067 votos, 22.798.922 não-
votantes, 6.688.610 votos em branco e 8.884.430 votos declarados nulos.
12 Reproduzido segundo Tolosa e Rocha. Políticas de combate à pobreza: experiências e equívocos. São Paulo:
INAE. Fórum Nacional, maio de 1993.

118
A Democracia em Face da Exclusão Social

Washington:13 o mais forte vence, o mais fraco é eliminado e cai rapidamente no vór-
tice da reação em cadeia da exclusão, já descrita.
Por um lado, a economia norte-americana acusou, nos anos 90, elevadas taxas de
crescimento e criou uma quantidade líquida de 28 milhões de novos empregos.
Contudo, esses novos empregos contemplam 20% da mão-de-obra - apenas trabalho
em tempo parcial (freqüentemente, sem que os trabalhadores assim o queiram); e na
média global, os novos postos de trabalho geram renda 14% menor do que aquela pro-
piciada pelos empregos anteriormente existentes. Ao mesmo tempo, as demissões em
massa continuaram; justamente nos próprios EUA, a globalização, que partiu desse
país, destruiu, na competição por empregos em escala tendencialmente mundial, mui-
tos postos de trabalho seguros e bem pagos na indústria.
E quando se afirma, freqüentemente, que o sistema dos EUA não disponibiliza
uma “rede social” para tais casos, diferentemente da tradição do Estado de Bem-Estar
Social na Europa, isso é apenas parcialmente verdadeiro. Para a sociologia, é um segre-
do de polichinelo que os EUA providenciam uma “rede social”, só que ela é mais cara
do que a européia (e, por isso, também, tende a ser cada vez mais privatizada): refiro-
me às prisões. O número de prisioneiros, em torno de 1,6 milhão é, proporcionalmen-
te, seis a sete vezes mais elevado do que nos países europeus.
Para o nosso tema, um outro indicador, o comportamento nas eleições, é muito
eloqüente: presidentes eleitos por uma “maioria” correspondente a menos de 40% dos
eleitores ou, como no caso da reeleição de Clinton em novembro de 1996, a cerca de
25%; e participações eleitorais de 38% (nas eleições para o Congresso americano na
segunda metade de 1994) ou de 36% (nas eleições para o mesmo Congresso, na segun-
da metade de 1998).
A seguir, apresento alguns outros pontos importantes para o tema deste texto: o
núcleo operativo da “globalização“; as especificidades da América Latina e, especial-
mente, do Brasil; o estatuto histórico da política globalizadora; o papel do Estado nessa
política e os efeitos desta sobre a democracia.

IV. Globalização e Democracia

Se podemos falar de “global”ização, trata-se de uma globalização sob a lei do


capital; em outras palavras, a mundialização é uma monetarização.14 Economistas e
políticos que defenderam radicalmente a economia de mercado nas décadas de 1980
e 1990 encontravam-se, sobretudo nos EUA e na Grã-Bretanha (com uma sucursal
estrangeira vergonhosa no Chile de Pinochet), na linha de frente para impor a políti-
ca da oferta, o desmonte da previdência social e a desregulamentação: “menos“ Estado
ou Estado “enxuto“ [lean state], privatização, impostos baixos, gastos reduzidos para

13 Cf. a respeito Chr. Tenbrock, DIE ZEIT de 26.11.1998, pp. 27 s.


14 A palavra economia deriva de oikos (casa) e nomos (lei, norma), significando, originalmente, “boa adminis-
tração da casa”.

119
Friedrich Müller

políticas sociais, a assim chamada flexibilidade para os assalariados, taxas de câmbio


livres e política de “hire and fire” no mercado de trabalho. Os danos sociais maciços
assim provocados foram e são subestimados, quando se afirma que a liberalização
ainda seria “excessivamente reduzida“.
Todo esse experimento com a nova pobreza das nações industrializadas, bem
como o caos econômico e financeiro dos países emergentes, executado pelo FMI, pelo
Banco Mundial, pelas organizações mundiais do comércio e pela política de consulto-
ria dos bancos americanos de investimentos, com a cumplicidade de governos nacio-
nais, busca impor a maximização do lucro para poucos por meio da liberalização total
dos mercados financeiros internacionais. A luta dos Reagans, das Thatchers e de seus
epígonos de ontem ou de hoje contra os sindicatos e as prescrições do Estado de Bem-
Estar, historicamente conquistadas, serviu, principalmente, à finalidade de permitir a
vitória da lógica autoreferida dos mercados financeiros.
Faz muito tempo que os movimentos dos fluxos de capitais, hoje temporal e espa-
cialmente ilimitados, tornaram-se independentes dos dados fundamentais da econo-
mia e da conjuntura. De acordo com a regulamentação da circulação financeira glo-
bal, segundo o sistema de Bretton Woods (1944), divisas eram trocadas, fundamental-
mente, para financiar o comércio e os investimentos. Atualmente, as moedas movi-
mentam-se de modo desenfreado; a especulação turbinou o volume do comércio de
divisas até à proporção de 1:50 da circulação de mercadorias, desvencilhando-se, em
larga medida, de toda e qualquer relação racional, de toda e qualquer relação econô-
mica, no sentido etimológico do termo.15
Depois dos desastres das economias do Sudeste asiático, da Rússia e da África do
Sul (com a China apresentando grande potencial de riscos), a queda da moeda brasi-
leira no início de 1999 – quando o real perdeu, entre 12 e 19 de janeiro, 37 pontos com
relação ao dólar americano – produziu uma crise de sérios efeitos. A Argentina – que,
com o aval do FMI, tinha “amarrado“ a sua moeda ainda mais estreitamente ao dólar
do que o Brasil – é considerada a próxima pedra incerta nesse dominó.16
Na América Latina, o capitalismo tem raízes essencialmente mais tênues do que
nos países industrializados da Ásia; por isso, os habitantes dessa região já se viram
obrigados a acumular mais experiências com suas crises, sobretudo no sentido do
“entra e sai“ dos investidores internacionais. Até a ocorrência da crise mexicana e, em
medida menor, também depois dela, o subcontinente era considerado uma boa loca-
lização para investimentos. No momento, o capital está novamente batendo em reti-
rada – com grandes turbulências, conforme se deve temer.
Isso se explica a partir da história política e econômica da América Latina. As
potências coloniais cultivaram o mercantilismo e os governos dos países independen-
tes continuaram-no. As elites continuaram sendo formadas para o serviço público, e
não para o setor privado e a indústria; a industrialização posta em movimento por

15 Infelizmente, em julho de 2001, essa previsão tornou-se realidade.


16 Cf. a importante análise em C. Furtado. O capitalismo global. São Paulo, 1998.

120
A Democracia em Face da Exclusão Social

políticos populistas, desde a década de 1930, foi empreendida contra as elites.


Promover a industrialização era considerado por alguns setores como tarefa do setor
público; o Estado paternalista na produção industrial tornou-se, praticamente, o equi-
valente ao patrão da propriedade rural. Foram nacionalizadas empresas estrangeiras e
o funcionamento das poucas grandes empresas privadas dependia da “simpatia“ dos
governos. Corrupção, inflação e atraso técnico foram o preço elevado dessa persisten-
te simbiose entre políticas públicas e negócios privados.
Com o fim da Guerra Fria, o continente abriu-se ao mercado mundial, o capital
estrangeiro inundou os países ditos subdeesenvolvidos ou emergentes e as empresas
públicas foram vendidas. O Estado cedeu o papel de patrão a grupos multinacionais.
O capitalismo assim surgido é, em grande parte, dirigido de fora; a sua base interna é
extremamente tênue. O acesso de empresas nacionais a capitais nas bolsas de valores
é modesto e o instituto da ação de ampla distribuição [Volksaktie] é praticamente des-
conhecido.
Seis empresas latino-americanas integram o grupo das 500 maiores empresas do
mundo. Os empresários são, com freqüência incomum, políticos ou advogados que
vêem suas empresas principalmente como aplicações financeiras. Atividades de pes-
quisa e desenvolvimento, bem como políticas de investimentos a longo prazo não
parecem gozar de muito prestígio; a iniciativa empresarial produz maiores efeitos no
setor informal que, segundo estimativas freqüentes, parece ser tão grande quanto a
economia latino-americana compreendida nas estatísticas.
Os protagonistas desse novo modelo de desregulamentação global, a serviço da
maximização e concentração do lucro, sentem-se seguros e festejam com euforia a
vitória, aos seus olhos definitiva, daquilo que denominam, eufemisticamente, de
“sociedade da eficiência.“ Essa realidade é imposta pelos interesses do capital financei-
ro, mas em várias correntes de pensamento, que incluem desde a Escola de Chicago,
em torno de Milton Friedman, até à concepção ingênua do “fim da história“ em
Francis Fukuyama – tal realidade é apresentada como se tivesse validade universal.
Como já foi mencionado, trata-se de um corpo de idéias econômicas e sociais que
abrange desde o espectro da concorrência supostamente livre, até o primado dos
caprichos dos mercados financeiros diante dos resultados de eleições democráticas
gerais, passando pela retirada do Estado e pela privatização, bem como pela assim cha-
mada flexibilidade para os assalariados e o desmonte da previdência social.
Um exame mais acurado dessa “única política possível“ mostra, no entanto, que
não há nada cientificamente cogente a descobrir nessa doutrina – e isso vale também
para os seus primórdios, desde os anos 40, após o precedente téorico de Von Mises e de
certos membros da Escola Austríaca - com F. A. von Hayek, Richard Weaver e Milton
Friedman. Tudo isso pode ser lido como uma série de enunciados de fé, como o axioma
básico de que a desregulamentação traria, forçosamente, vantagens para todos, pelo
menos a longo prazo. A experiência demonstra, justamente, que ela só é vantajosa para
os parceiros comerciais com nível econômico/industrial avançado e cujos respectivos

121
Friedrich Müller

padrões de proteção social e ordenamentos jurídicos encontram-se mais ou menos no


mesmo patamar. As coisas se passam similarmente com a afirmação de que o Estado não
teria nada a ver com a economia, devendo limitar-se a fiscalizar a concorrência leal e as
“chances de largada“, de modo a garantir que estas sejam “fundamentalmente” iguais
para todos. Afinal, se o Estado deve zelar por chances de largada realmente iguais para
todos, isto significa que ele tem que estar muito envolvido na economia.
Destarte, ainda segundo essa visão, o capitalismo de mercado teria também ven-
cido historicamente o comunismo. Contudo, ainda que se pudesse abstrair o fato de
que a “vitória” do capitalismo não foi imanentemente econômica, mas, sobretudo,
uma vitória militar-econômica obtida pela via político-administrativa da Guerra Fria
(“matar pela corrida armamentista”) – é preciso reconhecer que não foi o atual capi-
talismo de mercado radical que obrigou o socialismo real a ficar de joelhos. Muito pelo
contrário, esse resultado foi atingido, com diferenças entre os vários países e também
em momentos históricos distintos, por meio de combinações diversas entre Estado de
Bem-Estar Social e um sistema de economia mista (“Ordoliberalismo“), como indicam
os termos “economia social de mercado”, “New Deal” e “Great Society”.
Embora tentem apresentar-se em forma de “axiomas“, o radicalismo do mercado
e o monetarismo não passam de uma doutrina econômica contestável e controversa,
conjugada a uma ideologia precocemente triunfalista. De resto, seus representantes se
autodesmentem constantemente: quando se trata de receber subsídios estatais, as cen-
trais financeiras e os grandes grupos empresariais abstêm-se de dizer ao Estado que
não ultrapasse os limites considerados adequados para a atuação do setor público.
Contrariamente ao que afirma o ultraliberalismo, há fortes razões para supor que
pelo menos uma determinada classe de problemas – aqueles relativos a políticas de
redistribuição - necessita da intervenção do Estado, tanto hoje, como no passado. A
democracia exige que processos econômicos sejam inseridos em processos sociais. Na
situação atual, isso parece requerer a ajuda de conjuntos de regras internacionais, na
medida em que o Estado-nação não pode mais, sozinho, produzir e impor suas
regras.17 Assim, os processos de mercado, livres do controle estatal, tendem a fazer
com que a soberania dos estados constitucionais, e até sua legitimidade democrática,
degenerem, paulatinamente, em farsa.
As chamadas “forças do mercado” não são nem leis da natureza, nem leis histó-
ricas com dignidade superior, às quais a política deveria sujeitar-se.18 A polêmica
ultraliberal tenta fazer esquecer que a corrupção e o nepotismo não são estranhos a
grandes formações econômicas e que amplas partes do setor privado, por sua vez, são
superdimensionadas e burocratizadas. Assim, “a conhecida crítica do Estado formula-

17 Cf. F. W. Scharpf. Games Real Actors Play. Oxford, 1997; W. Streeck/C. Crouch. Political Economy of
Modern Capitalism. London, 1997.
18 Para uma argumentação detalhada, ver N. Birnbaum. After Progress. Oxford, 1998; e sobre esse livro C. Noé
in DIE ZEIT de 19.11.1998, p. 31.

122
A Democracia em Face da Exclusão Social

da pelos ideólogos do mercado traduz o temor de que o Estado possa vir a representar
o interesse público de forma excessivamente eficiente”.19
A teoria dos jogos mostra que um jogo de soma positiva entre bem-estar social e
liberdade individual egoísta só é possível sob a condição de que os benefícios indivi-
duais sejam submetidos a regras obrigatórias para todos. Do contrário, os governos que
são responsáveis perante o seu povo ativo, perante o povo enquanto instância de atri-
buição e perante o povo-destinatário, correm o risco de se deixar chantagear sem
resistência pelas forças do mercado, deslocadas de todo e qualquer “povo”, no quadro
da ideologia da “localização”. Com efeito, segundo informações do Banco Mundial,20
dois terços de todos os investimentos diretos efetivamente feitos em países estrangei-
ros só se realizaram porque os governos desses países cederam a pressões no sentido
de conceder subsídios e outros incentivos exigidos.
Ao contrário do que apregoam os meios de comunicação controlados por
grandes grupos econômicos, a dominação dos mercados, cada vez mais desenfrea-
da, não leva a sociedades liberais - no sentido etimológico do termo, já que libe-
ralismo vem do vocábulo latino “líber” (livre) – e comprometidas com a democra-
cia e com os princípios do Estado de Direito. Na verdade, só a duras penas um
Estado constitucional se constitui e se afirma política e juridicamente como
Estado livre. De qualquer modo, um Estado constitucional democrático deve
regular e influenciar os mercados tão amplamente que a sociedade possa continuar
sendo razoavelmente livre e justa.
Assim, o Pacto das Nações Unidas sobre os direitos humanos econômicos, soci-
ais e culturais de 1966 necessita, para a sua implementação efetiva, tanto dos estados
nacionais e de sua política cumpridora de acordos internacionais,21 como de sua trans-
formação em direito nacional com possibilidades de aplicação pelos tribunais e garan-
tias de acesso a outras prestações estatais para grupos em situação desvantajosa.
Exemplos de medidas nesse sentido são leis de proteção ao trabalho, incluindo garan-
tias para o exercício do direito de greve; programas de garantia de renda mínima para
as famílias; medidas contra a corrupção, incluindo políticas preventivas que estimu-
lem a participação popular na fiscalização do uso dos recursos públicos; reforma agrá-
ria e reforma fundiária nas áreas urbanas; e campanhas de alfabetização. A presença
do Estado é crucial, também, para uma política educacional e científica que não se
sujeite servilmente às coações inerentes ao objetivo da “eficiência”, em termos da con-
corrência econômica mundial. É preciso reconhecer que a concentração do poder eco-
nômico privado, entrementes, tornou-se “tão tirânica e tão totalitária” (Noam

19 Ver N. Birnbaum. Merh Demokratie wagen, in DIE ZEIT de 24.10.1997, p. 3.


20 Cf. Noé, in Die Zeit de 19.11.1998, p. 31.
21 Os dois pactos de 1966 - entre eles o de direitos econômicos, sociais e culturais - entraram em vigor em 1976
e foram ratificados por quase três quartos de todos os países-membros da ONU (135 membros), mas não
pelos EUA.

123
Friedrich Müller

Chomsky) que torna urgente a implementação de políticas públicas que sejam mais do
que coadjuvantes para a realização dos interesses de capitais privados.22
Os modos pelos quais a monetarização global ameaça a democracia já foram
mencionados. Cumpre salientar que o ataque mais profundo nessa direção provém da
exclusão social, a qual se amplia e agrava graças à globalização, como indicam as evi-
dências empíricas. A exclusão se afirma inequivocamente às expensas do Estado
Democrático de Direito e do Estado de Bem-Estar Social; ela deslegitima o governo,
pois faz com que o povo ativo, o povo enquanto instância de atribuição e o povo-des-
tinatário degenerem em “povo“ como ícone.
Num grau mais acentuado, a exclusão chega até a “desestatizar” o Estado consti-
tucional exigente, que só pode ser justificado como Estado universal e não como um
Estado ao qual se sobrepõe tiranicamente o metacódigo inclusão/exclusão.23 E no grau
no qual os mercados globais ditam a política e tornam inoperantes as chances de
monitoramento por parte dos governos, o conceito de democracia cai no vazio, como
freqüentemente tem ocorrido.
Especificamente, com vistas ao caso brasileiro, Celso Furtado, para citar um
exemplo, afirmou que a sujeição ao capital estrangeiro causaria um “risco crescente de
ingovernabilidade do país”.24 Num mercado global sem Estado(s), o capital móvel
sobrepoe-se a parlamentos e governos eleitos, minando, conseqüentemente, o com-
prometimento destes com o Estado de Direito e o Estado de Bem-Estar Social, com a
proteção ambiental e a distribuição defensável e responsável de bens escassos. A con-
cretização da ameaça de “mudança de localização” depende somente do cálculo de
benefícios do respectivo grupo empresarial; mas ela solapa (eventuais) motivações e
compromissos dos governos destarte chantageados, com o bem-estar da coletividade.
E com isso se subtrai o fundamento, precisamente, àqueles métodos democráticos
pelos quais conquistas – como, por exemplo, os direitos humanos – e objetivos políti-
cos – como, por exemplo, a proteção ambiental – deveriam ser tratados e assegurados.
A dominação dos «mercados» tornou-se tão despótica que os seus representantes
nem se dão mais ao trabalho de velar esses fatos escandalosos. Assim, o porta-voz de
política exterior dos democratas-cristãos alemães escreve no jornal Le Monde que a
política deveria “ser orientada com vistas a uma realidade supranacional. Os mercados
financeiros internacionais são expressão disso”; e Yves-Thibault de Silguy, até recen-
temente comissário francês junto à União Européia, declara que os políticos finalmen-

22 Ver análises abrangentes em N. Chomsky. Haben und Nichthaben, 1998; J. Saul. Der Markt frisst seine
Kinder, 1997. Ver, também, os pertinentes trabalhos de J. K. Galbraith, P. Bourdieu, A. Gorz, R. Heilbroner,
J. Rifkin, E. Luttwak („Turbocapitalismo“) e P. Drucker, além dos autores do „Grupos de Lisboa“ e outros.
Sobre os profundos efeitos do dogma do mercado e de suas ideologias de gerenciamento dentro das empre-
sas, ver R. Sennett. A corrosão do caráter. 2000.
23 Cf. F. Müller. Wer ist das Volk? 1997, pp. 47 ss. e 57 ss. [traduzido para o português como Quem é o povo.
São Paulo, Max Limonad, 1998]
24 In: O capitalismo global. 1998, pp. 73 s.

124
A Democracia em Face da Exclusão Social

te deveriam compreender que “os mercados governam”.25 Desde o Tratado de


Amsterdã,26 o verdadeiro governo de qualquer Estado-membro da União Européia
não é mais, para efeitos de questões de importância central, o governo no qual as pes-
soas votaram; efetivamente, quem tem o poder decisório nessas questões é o Banco
Central da Europa que, em termos político-democráticos, não precisa prestar contas a
ninguém. Os cidadãos podem continuar dizendo livremente o que pensam e expres-
sando sua vontade nas eleições, exceto no que diz respeito a questões decisivas para o
seu presente e futuro.
Quanto aos países pouco desenvolvidos e aos países emergentes, cresce neles a
consciência de que um crescimento econômico global, contabilizado em termos mera-
mente monetários e estatísticos e destituído de padrões condizentes com o Estado de
Direito, quer dizer, sem “good governance”, longe de contribuir para pacificar essas as
sociedades, agrava seu potencial conflitivo e contribui para a desestabilização política.
Com vistas aos EUA, o decano da economia liberal de esquerda, John Kenneth
Galbraith, prognostica a ruptura da sociedade, caso o mercado sem freios possa conti-
nuar cindindo o país em três partes: os ricos, a camada média em via de desapareci-
mento e os excluídos, cujo número cresce dia a dia. Autores como William Lewis e
Lester Thurow percebem que nos EUA e nos países industrializados restantes a estru-
tura social está se rompendo em pedaços, no prazo mais longo: “O capitalismo pode
conviver com isso, mas a democracia, não”, escreve o professor do Massachussetts
Institute of Technology.27
Um tema especial, que nos limites deste texto pode apenas ser sugerido, consis-
te nos efeitos da exclusão sobre a democratização, especialmente em casos mais com-
plexos de transições políticas para sistemas que, a priori, poderiam ser definidos como
“democráticos”.28 O êxito dessas transições depende, entre outros fatores, tanto da
natureza das instituições pré-democráticas, como também da força simbólica das tra-
dições pré-autoritárias, sobretudo nas fases democráticas anteriores na história de um
país. O êxito da redemocratização depende, também, da força e do patamar evolutivo,
do potencial de ação das elites, do grau de mobilização da sociedade, em outras pala-
vras: do poder da sociedade civil. Esta pode limitar, de múltiplas maneiras, o domínio
de um Estado que tende a se tornar cada vez mais autoritário, como é o caso do Brasil
(medidas provisórias, uso de corrupção para obter apoio parlamentar, etc). É claro que

25 Ambos citados em DIE ZEIT de 12.9.1997, p. 39. Em uma perspectiva analítica, N. Luhmann (in: Die
Gesellschaft der Gesellschaft. 1998, p. 808) menciona que “[...] os centros da sociedade mundial (sobretudo
naturalmente [!] os mercados financeiros internacionais)”. O ponto de exclamação não figura no texto de
Luhmann.
26 O Tratado de Amsterdã é o mais recente acordo que procura definir a forma legal da Comunidade Européia,
válido nos 15 países membros da Comunidade. Este Tratado substituiu o Tratado de Maastricht.
27 L. Thurow, ap. DIE ZEIT, de 26.11.1998, pp. 27 s., 28.
28 Sobre isso e sobre o que segue, ver H. J. Puhle. Demokratisierungsprobleme in Europa und Amerika, in: H.
Brunkhorst/P. Niesen (edd.). Das Recht der Republik. 1999, pp. 317 ss.; a citação subseqüente no texto:
ibid., p. 322; sobre a América Latina, inclusive o Brasil, p. 334 ss.

125
Friedrich Müller

nem todas as forças de oposição existentes na sociedade civil são internamente demo-
cráticas; muitas delas são, por vezes, autoritárias ou constituídas por via clientelista.
Mesmo assim, a atuação dessas forças pode contribuir, ao menos, para o pluralismo do
conjunto.
O Brasil teve de distanciar-se de um regime militar precedente e a elaboração e
promulgação de sua constituição, como se sabe, ocorreram no contexto de uma tran-
sição pactuada, e não revolucionária. O peso quase opressivo do seu regime presiden-
cialista conduz, em uma sociedade civil ainda insuficientemente organizada e mobili-
zada, ao que se chama, nas pesquisas sobre os processos de transição, democracia
“defeituosa“, uma vez que a exeqüibilidade de uma política democrática fica prejudi-
cada pela falta de estruturas próprias ao Estado de Direito. Infelizmente, o País já
experimentou formas intermediárias entre a democracia e a dominação mais ou
menos autoritária; felizmente, os brasileiros não carecem de reflexão acerca dessas
experiências, como indicam termos como ditabranda ou democradura. Uma base
ainda forte dessas formas híbridas é a estrutura política, em grande parte arcaica: ela
é constituída por uma casta de régulos estaduais, “caciques“ que agem de forma clien-
telista nos Estados-Membros; por “representantes do povo”, cujo comportamento
político nestes Estados, e também no plano da federação é, praticamente, não-contro-
lável e que, por sua vez, conformam-se ao clientelismo regional e presidencialista.
Para fazer frente a esse quadro, é importante que na esfera das “massas” mais ou
menos organizadas, ou organizáveis, existam um interesse e um empenho reais pela
democratização exitosa, ao menos com vistas ao longo prazo. Sem comunicação e coo-
peração com esse fator, nenhuma elite consegue manter-se no poder, indefinidamente.
A democratização, que se constrói com mais chances de êxito «de baixo» do que «de
cima», processa-se precisamente a partir de uma multiplicidade de iniciativas de auto-
ajuda, de auto-proteção, de afirmação dos direitos civis e de outras formas de resistên-
cia. Mas, justamente aqui a exclusão social é gravemente impeditiva e deve ser comba-
tida com todas as forças, com vistas à realidade (futura) de um sistema democrático.29

V. Conclusão

A questão colocada pelo tema deste texto não deve ser respondida apenas em ter-
mos éticos; daí que tenha sido necessário operacionalizar melhor conceitos centrais,
de modo a possibilitar enunciados quantitativos. Nessa perspectiva, a miséria maciça,

29 Há uma vasta bibliografia sobre o processo de transição democrática, e.g.: S. M. Lipset. Some Social
Requisites of Democracy, in: American Political Science Review 53 (1959), pp. 69 ss.; D. Share/S.
Mainwaring. Transition through Transaction: Democratization in Brazil and Spain, in: W. Selcher (ed.).
Political Liberalization in Brazil. Boulder, 1986, pp. 175 ss.; A. Przeworski. Democracy and the Market.
Cambridge, 1991; J. J. Linz/A. Velenzuela (ed.). The Failure of Presidential Democracy. Comparative
Perspectives, vol. 1. Baltimore, 1994; Id. A. Stepan. Problems of Democratic Transition and Consolidation;
Southern Europa, South America, and Post Communist Europe. Baltimore, 1996.

126
A Democracia em Face da Exclusão Social

primordialmente econômica, diz respeito ao povo-destinatário; a miséria sócio-cultu-


ral, que acarreta a apatia política, diz respeito ao povo ativo; e a exclusão jurídica em
acepção mais estrita (violência ilegal, desigualdade inconstitucional, negação da pro-
teção jurídica, impunidade dos responsáveis pela opressão) consiste em violações do
status do povo como instância de atribuição.
Com vistas a uma quantificação, o Estado constitucional oferece dois parâmetros:
como primeiro limite, a maioria absoluta a partir de 50% (no caso do povo ativo, os titu-
lares dos direitos eleitorais ativos e passivos; no caso do povo como instância de atribui-
ção, os titulares do direito de nacionalidade; no caso do povo-destinatário, todos os habi-
tantes). Esse limite simboliza também, no contexto deste artigo, a base funcional de um
sistema democrático. O princípio da maioria se reveste de central importância para tal
sistema. Se a maioria das pessoas, dos cidadãos e dos titulares dos direitos eleitorais está
perdida para a democracia, a própria democracia, por sua vez, está perdida.
O segundo limite oferecido pelo sistema é o da maioria que altera a constituição:
na Alemanha (art. 79), assim como nos EUA (art. V), esta maioria é de dois terços.
Tanto na França (art. 89), quanto no Brasil (art. 60), são requeridos três quintos dos
votos dos congressistas, em dois turnos, para emendas constitucionais. Em vez de pro-
curar identificar um eventual valor médio da “família” das constituições democráticas
– o que seria um procedimento demasiadamente mecanicista – talvez seja melhor
tomar como critério a maioria qualificada da constituição em pauta, pois somente ela
determina o que deve ser “democracia“ no seu âmbito de vigência. Não obstante, há
uma incongruência no fato de que a Alemanha ou os EUA, por exemplo, exigem
“mais” democracia para alterar a constituição; mas aceitem, na perspectiva da presen-
te proposta, “menos” democracia porque o limiar dos indicadores de exclusão está aqui
fixado num patamar mais elevado, ou seja, 12% de pobreza excludente na média dos
estados-membros da União Européia, mais um terço de não votantes (abstensões nas
eleições) como indicadores grosso modo. Esse limiar é, em contrapartida, transposto
nos EUA: por um lado, o mencionado índice oficial de pobreza de 13,7%; por outro
lado, a média da abstenção nas eleições para o Congresso em 1994 (62%), nas eleições
presidenciais de 1996 (51%) e nas eleições para o Congresso em 1998 (64%)30 – o que
resulta em uma média de 59% de abstenções.
Talvez seja possível solucionar essa incongruência com uma reflexão menos
quantitativa e mais fortemente valorativa. Ela consiste na idéia de compensação: para
alterar a constituição, países como a França e o Brasil satisfazem-se com “menos
democracia”. Tal alteração apresenta, portanto, uma legitimação democrática mais
reduzida (60%, contra 66,67% nos casos da Alemanha e dos Estados Unidos). Para
“compensar” esse peso mais reduzido da democracia em questões constitucionais,
abandona-se mais cedo, nesses casos, o quadro da democracia e da sua legitimidade,

30 Cf. a análise política de S. Halimi. Les élections américaines n’ont pas eu lieu, in: LE MONDE DIPLOMA-
TIQUE de 10.12.1998, p. 10.

127
Friedrich Müller

diante do fato de que os 60% dos votos necessários à alteração constitucional são atin-
gidos mais rapidamente do que o limite de 66,67%. Tudo tem seu preço: e este é, aqui,
o preço a ser pago pelo fato de termos de mobilizar um potencial democrático menor
do que o previsto em outros sistemas constitucionais para alterar a constituição.
Uma outra dificuldade está na sobreposição de parâmetros distintos. Tais parâ-
metros, em princípio, devem ser somados – e isso justamente com vistas à democra-
cia. Nesse tocante, e em virtude da reação em cadeia por demais familiar, os fenôme-
nos de exclusão econômica, social, sócio-cultural e jurídica não são problemáticos,
quando somados. Afinal de contas, eles se complementam de modo fatal na realidade
cotidiana, enquanto distorções feitas contra o povo-destinatário e o povo enquanto
instância de atribuição. Quando afetam a maioria da população, o Estado não passa de
um aparelho formalista que pode, se for o caso, ser constitucionalmente legal, mas não
será jamais democraticamente legítimo.
As coisas são mais complicadas no comportamento eleitoral do povo ativo.
Quando alguém não votou, a probabilidade da sua exclusão é apenas medianamente
elevada; as razões da abstenção nas eleições podem estar, também, ligadas a algum tipo
de protesto ou a uma postura preguiçosa e genericamente apolítica de titulares de
direitos perfeitamente integrados — quiçá, até, superintegrados (privilegiados). Mas
quando alguém está excluído, a probabilidade de não comparecer às eleições deve ser
estimada num nível muito elevado. A área de intersecção dos parâmetros me conduz
à idéia de propor como limite global não a maioria absoluta, mas sim, o limite da
maioria que altera a constituição. Nesse caso, as conseqüências da exclusão não são
mais toleráveis para um sistema democrático; a constituição alterou-se, efetivamente,
de qualquer modo e a alteração não se refere, em termos semióticos, aos signos da
carta constitucional, mas, em termos de política constitucional, à avaliação política do
sistema. A constituição alterou-se, então, de democracia legítima para aparelho de
Estado não mais democraticamente legitimável.
Somados pelo modo proposto, os dados estatísticos (12% de pobreza excludente
na média dos estados-membros da União Européia, mais um terço de não-votantes)
resultam, para a Europa, em um nível de exclusão decerto alarmante, mas não atin-
gindo o mencionado limiar da alteração informal da constituição.31 Esse limiar é, em
contrapartida, transposto nos EUA. A isso subjaz, por um lado, o mencionado índice
oficial de pobreza de 13,7%: por outro lado, a média da abstenções das eleições para o
Congresso em 1994 (62%), nas eleições presidenciais de 1996 (51%) e nas eleições para
o Congresso em 1998 (64%)32 – o que resulta em uma média de 59% de não-eleitores,
como foi mencionado.

31 Trata-se, aqui, de um conceito diferente – e mais preciso, em termos de teoria constitucional – do que o
conceito de alteração formal da constituição. Sobre esse tema, cf. F. Müller. Strukturierende Rechtslehre.
2ª ed. 1994, pp. 309 s., 363 ss. e 369 ss.
32 Cf. a análise política de S. Halimi. Les élections américaines n’ont pas eu lieu, in: LE MONDE DIPLOMA-
TIQUE de 10.12.1998, p. 10.

128
A Democracia em Face da Exclusão Social

Para o Brasil, temos o caso especial do voto obrigatório, já mencionado. Quanto


ao resultado, isso não representa nenhum problema. Por um lado, é pouco provável
que as sanções impostas aos eleitores que se abstiveram possam piorar ainda mais o
status efetivo dos que despencaram na exclusão, ou já nasceram excluídos. Apesar do
voto obrigatório, a abstenção global (não-comparecimento às urnas, votos em branco
ou nulos), conforme mencionado, chegou a 36,17% nas últimas eleições integradas
para a Presidência da República, para governos estaduais, Congresso e Assembléias
Legislativas. Somado ao índice oficial de pobreza de 27%,33 esse número supera com
redondos 63% o limiar nacional para a alteração da constituição (60%); ele “somente”
se aproxima perigosamente do limiar dos EUA os da Alemanha (66,67%).
Quando esse limite é ultrapassado, o sistema democrático perde o seu status de
legitimação em termos de conteúdo, ocorrendo uma fatal alteração da constituição.
Nessa medida, a designação “democracia”, assim como a do “povo” enquanto demos,
é apenas ideológica no seu uso prático.
No campo das causas, os sistemas democráticos não podem tolerar um “mais“ da
forma até agora existente da monetarização mundialmente desregulamentada nem,
por princípio, seu grau atingido até o presente. Os processos de democratização em
países pouco desenvolvidos e em países emergentes podem, com isso, sofrer danos –
talvez irreparáveis. Nos países centrais, a democracia, por sua vez, já está em vias de
sofrer danos visíveis.
Com relação aos efeitos estáticos, isto é, dificilmente elimináveis da exclusão nos
países individuais, em relação aos seus sintomas cotidianos, se somarmos todos os indi-
cadores no âmbito da «cadeia» descrita, inclusive a apatia política, que se expressa tam-
bém no comportamento eleitoral, o limite do que ainda se pode tolerar é a maioria qua-
lificada para a alteração da constituição do respectivo sistema político. Se ela for atin-
gida ou ultrapassada, a democracia desse país, temporária ou permanentemente, exis-
tirá apenas no papel; então, o sistema democrático será apenas «law in the books», não
mais «law in action». Esta é uma situação que nenhum democrata pode tolerar.

33 Indicado segundo: Relatório Nacional Brasileiro. Brasília, 1996, para o ano de 1990. Não tive acesso a esta-
tísticas oficiais de data mais recente.

129
La Cláusula de la Sociedad Democrática y la
Restricción de Derechos Humanos
en el Sistema Interamericano
Jesús M. Casal H1

Sumarioo: I. Introducción II. Funciones generales de la cláusula III. Alcance general del control democrático basado
en dicha cláusula IV. Criterios para un control democrático de las restricciones a derechos humanos V. Perspectivas.

I. Introducción

Los instrumentos internacionales sobre derechos humanos han sido pioneros al


poner en relación el concepto de democracia con la facultad estatal de imponer res-
tricciones a los derechos normativamente garantizados, lo cual hoy se encuentra plas-
mado en algunos Textos Constitucionales.2 La primera formulación diáfana de esa
conexión se encuentra en la Declaración Universal de Derechos Humanos, de 1948,
cuyo artículo 29.2 dispone que:

“En el ejercicio de sus derechos y en el disfrute de sus libertades, toda per-


sona estará solamente sujeta a las limitaciones establecidas por la ley con el único
fin de asegurar el reconocimiento y el respeto de los derechos y libertades de los
demás, y de satisfacer las justas exigencias de la moral, del orden público y del
bienestar general en una sociedad democrática”.

De esta forma la Declaración Universal enlazó la limitación del ejercicio de los


derechos humanos con el concepto de democracia, colocando las bases de la cláusula
“en una sociedad democrática” o cláusula de la sociedad democrática3 que incorporan,

1 Abogado summa cum laude de la Universidad Católica Andrés Bello, Caracas, Venezuela. Doctor en
Derecho, mención honorífica de la Universidad Complutense de Madrid, Madrid, España. Especialista en
Derecho Administrativo Universidad Central de Venezuela, Caracas, Venezuela Decano de la Facultad de
Derecho de la Universidad Católica Andrés Bello, Caracas, Venezuela y Profesor de Derecho
Constitucional. Miembro de la Comisión Andina de Juristas. Actual Presidente de la Asociación Venezolana
de Derecho Constitucional.
2 Según el artículo 1 de la Carta Canadiense de Derechos y Libertades (Constitution Act, 1982), estos dere-
chos y libertades quedan sujetos únicamente a aquellas limitaciones razonables previstas por la ley que
“estén justificadas de manera comprobable en una sociedad libre y democrática”.
3 Cfr. Vegleris, P., “Valeur et signification de la clause ‘dans une société démocratique’ dans la Convention
Européenne des Droits de l’ Homme”, Revue des Droits de l´Homme, 1968, pp. 219 y ss.; Garibaldi, Oscar,
“On the ideological content of human rights instruments: the clause ‘in a democratic society’”, en
Buergenthal, Contemporary issues in international law, Kehl, Engel, 1984, pp. 23 y ss.

131
Jesús M. Casal H

aunque no siempre dentro de una norma general sobre las restricciones a los derechos,
los principales tratados de derechos humanos de ámbito universal y de ámbito regio-
nal europeo e interamericano. El contexto de la alusión a la sociedad democrática con-
tenida en dicha Declaración es la previsión de los presupuestos bajo los cuales los dere-
chos proclamados pueden ser objeto de restricciones, y su función específica es incluir
la noción de sociedad democrática como un condicionante de la facultad tácitamente
reconocida a los Estados de fijar tales limitaciones. Esas limitaciones han de pasar por
el tamiz de la noción de sociedad democrática, pues sólo aquellas que habiendo sido
establecidas por la ley para alcanzar los fines indicados en el artículo 29.2 y que, ade-
más, sean compatibles con una sociedad democrática pueden considerarse válidas.
La cláusula de la sociedad democrática encuentra su primera expresión formal en
el artículo XXVIII de la Declaración Americana de los Derechos y Deberes del
Hombre, aprobada en mayo de 1948.4 Si bien la redacción de este artículo no traslu-
ce completamente el sentido garantista de la alusión a la democracia, ése fue un pri-
mer paso hacia la consagración de la cláusula en la Declaración Universal de Derechos
Humanos.
El artículo 32.2 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos adopta-
ría luego el giro del artículo 29.2 de la Declaración Universal e incorporaría nítida-
mente la referencia a la sociedad democrática como barrera a las posibilidades de res-
tricción de los derechos reconocidos. Una cláusula general similar figura en el
Protocolo adicional a la Convención Americana en materia de Derechos Económicos,
Sociales y Culturales (art. 5), a lo cual hay que agregar normas especiales de la
Convención Americana (arts. 15, 16.2 y 22.3) y de ese Protocolo (art. 8.2) alusivas a
la posibilidad de limitación de algunos de los derechos regulados.
La relación de estas normas particulares con las respectivas cláusulas generales
es la existente entre la disposición especial y la general, por lo que la primera preva-
lece, lo cual carece de alcance práctico en lo que atañe a la cláusula de la sociedad
democrática, dada la coincidencia sustancial en la referencia a la misma contenida en
unas y en otras. La cuestión adquiere significación cuando se considera la relación
entre la cláusula general y otras normas especiales de restricción. Así, al consagrar la
libertad personal, la libertad de conciencia y de religión y la libertad de pensamiento
y expresión, la Convención Americana incluye normas relativas a las posibilidades de
restricción de estos derechos (arts. 7.2, 12.3, 13.2) sin hacer mención a la sociedad
democrática. En estos casos la cláusula de la sociedad democrática del artículo 32.2 de
la Convención Americana sólo es aplicable y opera como fuente de criterios interpre-
tativos que pueden reforzar la protección de los derechos humanos. Esto implica que
las restricciones en principio admisibles según los artículos de la Convención antes
citados (7.2, 12.3, 13.2) dejan de serlo si resultan incompatibles con una sociedad
democrática. Ello ha sido expresamente reconocido por la jurisprudencia.

4 “Los derechos de cada hombre están limitados por los derechos de los demás, por la seguridad de todos y
por las justas exigencias del bienestar general y del desenvolvimiento democrático”.

132
La Cláusula de la Sociedad Democrática y la Restricción
de Derechos Humanos en el Sistema Interamericano

El objeto del presente estudio es justamente poner de manifiesto la importancia


que ha tenido y las perspectivas de un test o control democrático interamericano
sobre las restricciones a los derechos humanos.5 Un test que no es relevante en todos
los casos y que no necesariamente se suma de manera separada o autónoma a paráme-
tros de control sobradamente conocidos en el Derecho Constitucional comparado y
que han hallado proyección en el Derecho Internacional de los Derechos Humanos,
como el principio de proporcionalidad, sino que más bien tiende a insertarse en uno
de los escalones o niveles de análisis de este último principio, como veremos.

II. Funciones generales de la cláusula

La cláusula de la sociedad democrática no ha cumplido en el sistema interame-


ricano las mismas funciones que en el sistema europeo de protección de los derechos
humanos. En particular, ella no ha sido, al menos directamente, un cauce conceptual
para la comparación jurídica, como sí ha ocurrido dentro del espacio europeo abarca-
do por el Consejo de Europa.6 Ello es en parte explicable por los matices apreciables
en las finalidades principales del Consejo de Europa, por un lado, y de la Organización
de Estados Americanos, por otro lado.
La concepción del Consejo de Europa estuvo ligada a la voluntad de unir a
Estados europeos que tenían una visión compartida sobre la democracia y sobre
valores jurídicos y ético-culturales fundamentales como el imperio de la ley y los
derechos humanos. La preservación y realización progresiva de estos valores impo-
nía una “unión más estrecha” entre esos Estados, tal como se desprende del
Preámbulo del Estatuto del Consejo de Europa y de su artículo 1. Para alcanzar esta
finalidad era necesaria una “acción conjunta” en campos como el “jurídico” así
como “la salvaguardia y la mayor efectividad de los derechos humanos y las liber-
tades fundamentales” (art. 1, b). La garantía de estos derechos por los Estados euro-
peos y su contribución para la realización de los objetivos señalados quedaba ade-
más definida como una condición para su ingreso al Consejo (arts. 3 y 4). Esta aso-
ciación espiritual entre Estados, que se proyectaba a ámbitos económicos, sociales
y culturales, pretendía dejar definitivamente atrás la experiencia dolorosa de la
soberanía nacional puesta al servicio de la negación de la dignidad humana y venía
además a sellar una identidad política común opuesta a la del régimen comunista

5 Unas reflexiones previas sobre la fundamentación de tal control pueden verse en Casal H, Jesús M.,
“Condiciones para la limitación o restricción de derechos fundamentales”, Revista de Derecho de la
Universidad Católica del Uruguay, No. III, 2002, pp. 133 y ss.
6 Cfr. Grabenwarter, Christoph, Europäische Menschenrechtskonvention, München, Beck, 2008, p. 116;
Wahl, Reiner, “Das Verhältnis der EMRK zum nationalen Recht”, en Human Rights, Democracy and the
Rule of Law, Liber amicorum Luzius Wildhaber, Baden-Baden, Nomos, 2007, p. 867; Schyff, G., “The con-
cept of democracy as an element of the European Convention”, The Comparative and International Law
Journal of Southern Africa, 2005, pp. 355 y ss.

133
Jesús M. Casal H

de la Unión Soviética.7 En este contexto, la unión o integración jurídica entre los


respectivos Estados en las materias señaladas no era una simple consecuencia deri-
vada o secundaria del sistema instaurado, sino una razón inspiradora y finalidad
principal del mismo.
Algo distinto sucede con la Organización de Estados Americanos (OEA), cuyos
fines primordiales gestacionales pueden resumirse en el afianzamiento de la paz y de
la seguridad del continente; la promoción y consolidación de la democracia represen-
tativa; y la promoción del desarrollo económico, social y cultural de los Estados par-
tes (art. 2 de la Carta de la OEA). Estas finalidades se ven reflejadas en el articulado
de la Carta, que regula la solución pacífica de controversias entre los Estados miem-
bros; la garantía de la seguridad colectiva en caso de agresiones a la integridad o invio-
labilidad del territorio o a la soberanía de un Estado americano; y las formas de impul-
sar el desarrollo integral. Los propósitos de la Organización de Estados Americanos
relacionados con el mantenimiento de la paz y, en consecuencia, la resolución pacífi-
ca de las controversias, son una manifestación de la condición que desde su origen se
le atribuyó de ser un organismo regional de la Organización de las Naciones Unidas
(art. 1 de la Carta).
Entre los objetivos primordiales explícitos de la organización no se encuentra el
de profundizar la unión o integración entre los Estados miembros. La Carta propugna
las relaciones de solidaridad y de cooperación entre ellos, pero hace énfasis en la nece-
sidad de respetar la soberanía e independencia de los Estados y el principio de no
intervención.8 Sin embargo, dicha unión o integración no es extraña a sus fines ni a
su radio de acción. Los antecedentes de la creación de esa organización regional se
remontan al panamericanismo y los valores que ésta procura salvaguardar son un
patrimonio ético-jurídico y político común a los Estados miembros.9
Dos finalidades de la organización que favorecen la unión o integración jurídica
son la promoción y consolidación de la democracia representativa, así como la pro-
moción y protección de los derechos humanos. La primera está expresamente formu-
lada como tal en el artículo 2 de la Carta de la Organización de Estados Americanos,
la segunda se desprende de su Preámbulo y de algunas de sus disposiciones (arts. 3, l
y 106 de la Carta de la OEA). La extensión y robustecimiento de la democracia en los
países americanos lleva consigo la adopción de instituciones, valores y procedimien-
tos afines, asociados a la idea de la democracia. Asimismo, la promoción y protección
de los derechos humanos ha impulsado la modificación de textos legales o criterios

7 Vid. García de Enterría, Eduardo y otros, El sistema europeo de protección de los derechos humanos,
Madrid, Civitas, 1983, pp. 61 y ss.
8 Sobre la tensión entre este principio y el propósito mencionado en la Carta de promover la democracia
representativa vid. Aguiar, Asdrúbal, El derecho a la democracia, Caracas, EJV, 2008, pp. 105 y ss.
9 Vid. Gros, Estudios sobre derechos humanos II, Madrid, Civitas, 1988, pp. 128 y ss.; Buergenthal y otros, La
protección de los derechos humanos en las Américas, Madrid, Civitas/IIDH, 1990, pp. 31 y ss.; Aguiar, op.
cit., pp. 84 y ss.

134
La Cláusula de la Sociedad Democrática y la Restricción
de Derechos Humanos en el Sistema Interamericano

jurídicos contrarios a tales derechos y su sustitución por otros ajustados a estándares


internacionales que terminan siendo compartidos.
La búsqueda de cierta uniformidad jurídica está además ligada a los objetivos de la
organización, como lo demuestran las funciones asignadas al Comité Jurídico Intera-
mericano en áreas como la codificación internacional y los “problemas jurídicos referen-
tes a la integración de los países en desarrollo del Continente y la posibilidad de unifor-
mar sus legislaciones en cuanto parezca conveniente” (art. 99 de la Carta de la OEA). En
cumplimiento de estas funciones se han aprobado importantes convenciones internacio-
nales sobre Derecho Internacional Privado, que se han traducido en reformas legislativas
en los Estados partes. Por otro lado, como muestra del panamericanismo asociado a la
organización pueden mencionarse iniciativas que propician el acercamiento económico
entre los países del continente, como las emprendidas desde las sucesivas Cumbres de las
Américas con el propósito de promover el desarrollo de los Estados miembros.
La posición de la promoción y defensa de los derechos humanos dentro de la Carta
de la Organización de Estados Americanos merece un comentario particular. El fortale-
cimiento de una unión jurídica entre todos los Estados americanos basada en la promo-
ción y garantía colectiva de los derechos humanos no fue inicialmente un propósito
central de dicha Organización a tenor de la Carta. En su texto original ésta ni siquiera
aludía a mecanismo alguno de promoción o defensa de los derechos humanos pertene-
ciente a esa organización, lo cual sólo sería superado en 1970 mediante la entrada en
vigor del Protocolo de Buenos Aires, que confirió un fundamento normativo sólido a las
funciones que desde 1960 venía desempeñando la Comisión Interamericana de
Derechos Humanos. La Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre
de 1948, que ciertamente fue coetánea a la creación de aquella organización, cuyo
Preámbulo indica que “la protección internacional de los derechos humanos debe ser
guía principalísima del derecho americano en evolución”, fue asumida entonces como
un documento que carecía del carácter de “derecho positivo sustantivo”.10 Un verdade-
ro salto cualitativo en el compromiso interamericano con la protección de estos dere-
chos se produce con la adopción de la Convención Americana sobre Derechos Humanos
en 1969 y su entrada en vigencia en 1978. Ello sentó los fundamentos de un completo
sistema de protección de derechos humanos cuya evolución permite constatar el lugar
central que la promoción y defensa de estos derechos hoy ocupa en la Organización de
Estados Americanos, lo cual ha rendido frutos en el terreno de la integración jurídica,
al menos respecto de los Estados que han ratificado la Convención Americana sobre
Derechos Humanos y reconocido la competencia contenciosa de la Corte.
En este sentido conviene destacar que la recepción de la jurisprudencia de la
Corte Interamericana de Derechos Humanos en muchos Estados americanos11 ha pro-

10 Buergenthal y otros, op. cit., p. 35.


11 Vid. Ayala, Carlos, “Recepción de la jurisprudencia internacional sobre derechos humanos por la jurispru-
dencia constitucional” en Estudios de Derecho Público, Libro Homenaje a Humberto J. La Roche Rincón,
Caracas, Tribunal Supremo de Justicia, 2001, Vol. 1.

135
Jesús M. Casal H

ducido en una medida no desdeñable una aproximación entre los respectivos ordena-
mientos jurídicos. Nos referimos no a la comunidad de instituciones jurídicas previa
al funcionamiento del sistema interamericano, tradicional entre los ordenamientos
latinoamericanos, sino a logros posteriores atribuibles a ese sistema. Ello resulta pal-
mario en materias como la libertad de expresión, en la cual ha sido rica la jurispru-
dencia de dicha Corte, y en otros temas en los que ha sido igualmente modélica, como
los mecanismos de protección frente a la posible desaparición forzada de personas; las
garantías de la libertad personal; las garantías del debido proceso y el derecho a un
recurso efectivo frente a violaciones a derechos humanos; la prohibición de las leyes
de amnistía en caso de graves violaciones a los derechos humanos; y el régimen jurí-
dico y límites de los estados de excepción. Igualmente, el tratamiento jurisprudencial
de un principio esencial para el control de las injerencias estatales en los derechos
humanos, como lo es la proporcionalidad, sin duda repercutirá en los sistemas jurídi-
cos americanos. Éste y otros recientes avances jurisprudenciales de la Corte
Interamericana de Derechos Humanos y, en especial, la invocación de la Carta
Democrática Interamericana en algunos de sus pronunciamientos permiten vislum-
brar una intensificación del efecto integrador de la organización, que consolide un
acervo jurídico-político común a los Estados americanos.
No es característico, en todo caso, de la jurisprudencia de esa Corte acudir a la
comparación jurídica entre los ordenamientos jurídicos americanos para resolver cues-
tiones interpretativas referidas a tales derechos, como sí ocurre en el ámbito europeo.
De allí que la cláusula de la sociedad democrática de la Convención Americana no haya
sido una válvula por la cual fluya a menudo una comparación entre sistemas jurídicos
que favorezca, en medio de la legítima diversidad, cierta integración jurídica.
Al margen de la posible función integradora de la cláusula de la sociedad demo-
crática, es preciso señalar que ésta ha tenido significación en la temática de las restric-
ciones a los derechos humanos. La utilización de la noción de sociedad democrática
como un parámetro para la determinación de la licitud de las limitaciones a derechos
humanos ha sido palpable básicamente en materia de libertad de expresión, dada su
íntima y recíproca conexión con la democracia. La jurisprudencia interamericana ha
reconocido además la trascendencia general de tal cláusula, pues ha afirmado, como
veremos, que la compatibilidad de la limitación de algún derecho con la sociedad
democrática es un requisito de licitud válido para la restricción de cualesquiera de los
derechos protegidos por la Convención Americana. La noción de sociedad democrá-
tica también le ha permitido fundamentar la conexión entre el principio de legalidad
y la legitimidad política que debe brindarle soporte.12
Es importante, sin embargo, advertir que con frecuencia la referencia jurispru-
dencial a la sociedad democrática, como concepto que respalda una determinada

12 Sobre esta vinculación entre la legalidad y la legitimidad cfr. La Expresión “Leyes” en el Artículo 30 de la
Convención Americana sobre Derechos Humanos. Opinión Consultiva OC-6/86 del 9 de mayo de 1986.
Serie A No. 6, párr. 32.

136
La Cláusula de la Sociedad Democrática y la Restricción
de Derechos Humanos en el Sistema Interamericano

interpretación en el contexto del examen de licitud de la restricción de algún dere-


cho, no resulta de la expresa invocación del artículo 32.2 de la Convención
Americana. Ello puede obedecer al temor de la Corte Interamericana a una aplicación
general de los motivos de limitación de derechos humanos mencionados en dicho pre-
cepto, sobre todo respecto de derechos que, como la libertad de expresión, poseen una
norma especial sobre restricciones, más precisa y estricta. Además, la idea de la socie-
dad democrática entronca con el concepto de democracia representativa, el cual es
transversal a la Convención, por lo que en materia de restricciones a los derechos allí
protegidos puede ser empleado como criterio interpretativo sin necesidad de aducir
expresamente el artículo 32.2. Conviene recordar que “[l]a democracia representativa
es determinante en todo el sistema del que la Convención forma parte”.13
No resulta apreciable en la jurisprudencia una diferenciación conceptual entre la
noción de sociedad democrática y la de democracia representativa. Sólo cabría apuntar
que en ocasiones se apela a la expresión sociedad democrática, sólo utilizada en la
Convención Americana en el artículo 32.2 y en las correlativas disposiciones especiales,
en lugar de a la de democracia representativa, cuando se quiere poner el énfasis en asun-
tos vinculados al desenvolvimiento de la sociedad y a la relación de ésta y de los indivi-
duos con el Estado,14 mientras que la democracia representativa es mencionada cuando
interesa subrayar la faceta político-institucional de un asunto, sobre todo en materia de
derechos políticos.15 En todo caso, de la jurisprudencia interamericana cabe colegir que
la cláusula de la sociedad democrática del artículo 32.2 informa o inspira, así sea tácita-
mente, los criterios de control sobre restricciones fundados en la idea de la democracia.
Esto explica que en más de una ocasión la Corte haya aludido a la “sociedad democráti-
ca en el sentido de la Convención”,16 sin citar los preceptos indicados. De ahí que en
adelante sigamos hablando de la cláusula de la sociedad democrática, pero entendién-
dola en un sentido amplio o interpretativo y no simplemente literal.
Más allá del ámbito del control específicamente democrático de las restricciones
a los derechos, es importante constatar que la cláusula o el concepto de la sociedad
democrática ha sido un cauce para el ingreso del principio de proporcionalidad como
criterio para la medición de la licitud de las injerencias estatales en los derechos reco-
nocidos en la Convención Americana.17 Igualmente, la noción de sociedad democrá-

13 La Expresión “Leyes” en el Artículo 30 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos, op. cit.,
párr. 34.
14 Cfr., por ejemplo, La colegiación obligatoria de periodistas, Opinión Consultiva OC-5/85 del 13 de noviem-
bre de 1985. Serie A No 5, párr. 69; y el caso Ivcher Bronstein vs. Perú, sentencia de 6 de febrero de 2001.
Serie C No. 74, párr. 149.
15 Caso Castañeda Gutman vs. Estados Unidos Mexicanos, sentencia de 6 de agosto de 2008. Serie C No. 184,
párrs. 142 y 149.
16 Cfr., entre otros, el caso Castillo Petruzzi y otros , sentencia de 30 de mayo de 1999. Serie C No. 52,
párr. 184.
17 Cfr. La colegiación obligatoria de periodistas, op. cit., párr. 46.; y el caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica, sen-
tencia del 2 de julio de 2004. Serie C No. 107, párrs. 120-123.

137
Jesús M. Casal H

tica ha servido para introducir limitaciones a los poderes extraordinarios que even-
tualmente ostentan los Estados durante un estado de excepción, adicionales a las
expresamente estipuladas en la Convención.18 También se han desarrollado valiosas
construcciones jurisprudenciales gracias a la vinculación establecida por la Corte
Interamericana entre la noción de democracia representativa o de sociedad democrá-
tica y el concepto de Estado de Derecho;19 en estos supuestos la idea de la sociedad
democrática no ha sido sólo fuente de límites a las facultades estatales de restricción
de los derechos proclamados, sino que en más de una ocasión ha sido un criterio
orientador de la interpretación de la significación o alcance de estos derechos.

III. Alcance general del control democrático basado en dicha cláusula

En el campo del control democrático de las restricciones a derechos humanos


fundado en dicha cláusula, no ha sido objeto de debate si éste se refiere a los medios
constitutivos de una injerencia en algún derecho convencionalmente reconocido o
solamente a los fines respectivos, como sí se ha sucedido en los sistemas europeo y
universal.20 Pese al escaso tratamiento jurisprudencial que el tema ha recibido, puede
sostenerse que tanto los medios como los fines de la injerencia estatal, y en especial la
relación medio-fin, quedan sujetos a este test democrático.
Desde la opinión consultiva de la Corte Interamericana de Derechos Humanos
relativa a la colegiación obligatoria de los periodistas se establecieron criterios sobre
la interpretación de los fines que de acuerdo con la Convención pueden justificar la
limitación de los derechos que ella protege. Estos criterios sentaron las bases para el
correspondiente control democrático. Entonces quedó de manifiesto la reserva de la
Corte Interamericana ante la posibilidad de extender las causales de limitación pre-
vistas en el artículo 32.2 de la Convención a derechos que poseen su propio régimen
en materia de restricciones:

“El artículo 32.2 contiene un enunciado general que opera especialmente


en aquellos casos en que la Convención, al proclamar un derecho, no dispone
nada en concreto sobre sus posibles restricciones legítimas”.21

Ciertamente, los fines generales enunciados en dicho artículo para justificar la


limitación de los derechos de la Convención no desplazan las reglas especiales previs-
tas respecto de la restricción de un determinado derecho. Así, los bienes jurídicos
cuyo aseguramiento puede justificar, de acuerdo con el artículo 13.2 de la

18 El habeas corpus bajo suspensión de garantías, Opinión Consultiva OC-8/87 del 30 de enero de 1987. Serie
A No. 8, párrs. 26 y 42.
19 Caso Castillo Páez vs. Perú, sentencia del 3 de noviembre de 1997. Serie C No. 34, párr. 82.
20 Cfr. Garibaldi, op. cit., pp. 26 y ss.
21 La colegiación obligatoria de periodistas, op. cit., párr. 65.

138
La Cláusula de la Sociedad Democrática y la Restricción
de Derechos Humanos en el Sistema Interamericano

Convención, responsabilidades ulteriores en materia de libertad de expresión, tienen


un carácter taxativo, por lo que no sería lícito acudir a la noción genérica de bien
común del artículo 32.2 para fundamentar una limitación a la libertad de expresión.
Más aún, tampoco cabe invocar el artículo 32.2 para respaldar restricciones cuando el
derecho está consagrado de tal modo que no admite restricción alguna (arts. 6, 9, y 18,
entre otros).
No obstante, si bien el artículo 32.2 se aplica “especialmente” en el supuesto
señalado, es decir, a falta de una norma particular sobre la posibilidad de restriccio-
nes, ello no implica negar su relevancia general como criterio interpretativo, en lo que
atañe a la necesaria compatibilidad de toda limitación a un derecho con la sociedad
democrática. El mismo pronunciamiento de la Corte, cuyo eje fue la libertad de expre-
sión, califica al artículo 32.2 como un criterio de interpretación, junto con el
Preámbulo y el artículo 29 c) y d) de la Convención:

“Esas disposiciones representan el contexto dentro del cual se deben inter-


pretar las restricciones permitidas por el artículo 13.2. Se desprende de la reite-
rada mención a las “instituciones democráticas”, “democracia representativa” y
“sociedades democráticas” que el juicio sobre si una restricción a la libertad de
expresión impuesta por un Estado es “necesaria para asegurar” uno de los objeti-
vos mencionados en los literales a) o b) del mismo artículo, tiene que vincularse
con las necesidades legítimas de las sociedades e instituciones democráticas”.22

En virtud de la remisión del artículo 29 d) a la Declaración Americana de los


Derechos y Deberes del Hombre, cobra significación convencional, a juicio de la
Corte, el ya citado artículo XXVIII de tal Declaración, que hace mención a las exigen-
cias “del desenvolvimiento democrático”, lo cual le permitió concluir que:

“Las justas exigencias de la democracia deben, por consiguiente, orientar la


interpretación de la Convención y, en particular, de aquellas disposiciones que
están críticamente relacionadas con la preservación y el funcionamiento de las
instituciones democráticas”.

La Corte llegó a hacer una comparación entre el artículo 13 de la Convención y


el artículo 10 del Convenio Europeo de Derechos Humanos, que reconoce la libertad
de expresión, y destacó que aquel precepto omite la referencia de éste a las medidas
“necesarias en una sociedad democrática”. Sin embargo, consideró que “esta diferen-
cia en la terminología pierde significado”,23 en razón de los criterios interpretativos
esbozados. Esta postura ha sido recientemente ratificada de manera rotunda por la
jurisprudencia:

22 Idem, párr. 42.


23 Idem, párr. 44.

139
Jesús M. Casal H

La Corte Interamericana ha sostenido que para que una restricción sea per-
mitida a la luz de la Convención debe ser necesaria para una sociedad democrá-
tica. Este requisito, que la Convención Americana establece de manera explícita
en ciertos derechos (de reunión, artículo 15; de asociación, artículo 16; de circu-
lación, artículo 22), ha sido incorporado como pauta de interpretación por el
Tribunal y como requisito que califica a todas las restricciones a los derechos de
la Convención, incluidos los derechos políticos.24

Esta cláusula o exigencia de la sociedad democrática debe tenerse en cuenta en el


control de licitud de la finalidad de las restricciones a los derechos protegidos por la
Convención, como se desprende de la misma opinión consultiva, en la que se fijan cier-
tas condiciones para la invocación del orden público o del bien común con miras a res-
tringir algún derecho. También debe examinarse, a la luz de las exigencias de la sociedad
democrática, la licitud de los medios empleados para limitar algún derecho reconocido
en la Convención. El artículo 32.2 de la Convención, al igual que el artículo 29.2 de la
Declaración Universal de Derechos Humanos y el artículo XXVIII de la Declaración
Americana, literalmente se circunscriben a las finalidades que lícitamente pueden ser
perseguidas al limitar un derecho, pero carecería de fundamento un entendimiento del
alcance del control respectivo que excluyera a los medios empleados y a la relación
medio-fin, ya que el examen de la compatibilidad con la democracia de la restricción a
un derecho, desde el costado de la finalidad, naturalmente ha de conducir a la evaluación
de los medios, pues una medida que pretenda cobijarse bajo el fin del orden público, por
ejemplo, pero que en la situación concreta vaya más allá de lo necesario para salvaguar-
darlo en una sociedad democrática, obviamente vulneraría lo dispuesto en el artículo
32.2, o en las disposiciones especiales correlativas de la Convención. En otras palabras, lo
que se revisa desde la óptica de la sociedad democrática no es sólo la significación abs-
tracta que cabe atribuir a alguna finalidad permitida por la Convención, sino también el
sentido concreto que se le haya otorgado en un caso determinado.
Conviene reiterar que este control de los medios y fines de las injerencias esta-
tales en los derechos amparados por la Convención apoyado en la noción de la socie-
dad democrática ha cobijado la incorporación de principios o categorías dogmáticas
que en el Derecho interno suelen diferenciarse del concepto de democracia o que en
todo caso clásicamente no se han identificado con lo específicamente democrático. No
se pone objeción alguna a esta tendencia, pues la interpretación de los conceptos de
la Convención no está atada al sentido que se les atribuya en el orden interno, pero
esta constatación es importante hacerla en el contexto de este trabajo. En el caso del
sistema interamericano esta apertura de la noción de sociedad democrática tiene
carácter estructural, pues la Corte Interamericana ha sostenido insistentemente que
en “una sociedad democrática los derechos y libertades inherentes a la persona, sus

24 Caso Yatama vs. Nicaragua, sentencia del 23 de junio de 2005. Serie C No. 127, párrs. 206 y ss.

140
La Cláusula de la Sociedad Democrática y la Restricción
de Derechos Humanos en el Sistema Interamericano

garantías y el Estado de Derecho constituyen una tríada, cada uno de cuyos compo-
nentes se define, completa y adquiere sentido en función de los otros”.25 En la actua-
lidad esta tríada encuentra reflejo en la Carta Democrática Interamericana, que ha
sido incorporada a la jurisprudencia de la Corte.26
De esta forma el Estado de Derecho y sus manifestaciones se incorporan a los
valores de la sociedad democrática e inciden en el examen de licitud de las restriccio-
nes a los derechos humanos. Así, el principio de proporcionalidad, generalmente aso-
ciado al concepto de Estado de Derecho, pertenece al acervo dogmático de la jurispru-
dencia interamericana, en la cual entró de la mano de la cláusula de la sociedad demo-
crática. Estas implicaciones de tal cláusula no serán tratadas con mayor detenimiento
en el presente estudio, en atención al objeto que le es propio. Nos centraremos en los
criterios más cercanos al caudal conceptual específicamente democrático,27 los cuales
son todavía escasos pero están en vías de fructificar. Ello sin perjuicio de la relevan-
cia de éstos para el desarrollo del juicio de proporcionalidad, en especial de la ponde-
ración, lo cual será analizado de manera particular.

IV. Criterios para un control democrático de las restricciones


a derechos humanos

Ya se destacó la importancia de la democracia en el sistema interamericano de


protección de derechos humanos. La Organización de Estados Americanos, en la cual
aquél se inserta, persigue como una de sus principales finalidades la promoción y con-
solidación de la democracia representativa, y la democracia ocupa un lugar capital en
la Convención Americana sobre Derechos Humanos. Esa conexión sistemática de los
derechos humanos con la democracia necesariamente trasciende al tema que nos
ocupa. Si la democracia o la sociedad democrática es el ambiente en el que los dere-
chos humanos pueden alcanzar plena vigencia es natural que las restricciones impues-
tas a tales derechos deban estar en consonancia con ella. Aludiremos a algunas bre-
chas abiertas en esa dirección por la jurisprudencia interamericana.

1. La interpretación democrática de la finalidad legítima de la restricción

Un aporte notable del sistema interamericano consiste en haber puesto de relie-


ve algunas consecuencias de la lectura democrática de las finalidades admitidas por la

25 El habeas corpus bajo suspensión de garantías, op. cit., párr. 26.


26 Caso Yatama vs. Nicaragua, op. cit., párrs. 193, 207 y 215; caso Castañeda Gutman vs. Estados Unidos
Mexicanos, op. cit., párr. 142. En relación con la significación de la Carta Democrática Interamericana vid.
Aguiar, op. cit., pp. 137 y ss.
27 En cuanto al concepto de democracia vid., entre otros, Touraine, Alain, ¿Qué es la democracia?, México,
Fondo de Cultura Económica, 1995, pp. 35 y ss.; Sartori, Giovanni, ¿Qué es la Democracia?, México,
Tribunal Federal Electoral, 1997, pp. 201 y ss.

141
Jesús M. Casal H

Convención para la limitación de derechos humanos. Este desarrollo jurisprudencial


hace honor a la preocupación expresada por René Cassin cuando le correspondió
defender la cláusula de la sociedad democrática de la Declaración Universal de
Derechos Humanos.28 Los conceptos indeterminados empleados por los instrumentos
internacionales al prever tales finalidades, como el de orden público o el de seguridad
nacional, pueden dar cabida a limitaciones muy severas y excesivas de derechos huma-
nos, si aquéllos no son interpretados desde el prisma de la sociedad democrática.
La Corte Interamericana de Derechos Humanos apreció prontamente la signifi-
cación de esta aproximación hermenéutica y la aplicó a los conceptos de orden públi-
co y de bien común contenidos en los artículos 13.2 y 32.2 de la Convención
Americana, respectivamente. Consciente de que ambos conceptos pueden oponerse al
pleno disfrute de los derechos humanos, la Corte advirtió que nunca es lícito invocar-
los para “suprimir un derecho garantizado por la Convención o para desnaturalizarlo
o privarlo de contenido real”29 y añadió que:

“Esos conceptos, en cuanto se invoquen como fundamento de limitaciones


a los derechos humanos, deben ser objeto de una interpretación estrictamente
ceñida a las “justas exigencias” de “una sociedad democrática” que tenga en cuen-
ta el equilibrio entre los distintos intereses en juego y la necesidad de preservar
el objeto y fin de la Convención”.30

De este modo el bien común, expresión que considerada en abstracto pudiera dar
lugar a visiones comunitaristas que enfatizaran la subordinación de la persona y de sus
derechos a las exigencias colectivas, al estilo de la cláusula de comunidad en su día
defendida por algunos en el Derecho alemán,31 fue pasado por un tamiz democrático
del cual resulta un orden social basado en la dignidad de la persona y en sus derechos:

“Es posible entender el bien común, dentro del contexto de la Convención,


como un concepto referente a las condiciones de la vida social que permiten a
los integrantes de la sociedad alcanzar el mayor grado de desarrollo personal y la
mayor vigencia de los valores democráticos”.32

Algo similar ocurrió con el concepto de orden público, noción que en su gene-
ralidad cabría identificar con el mantenimiento de la tranquilidad pública o con prin-
cipios o deberes jurídicos inderogables. La Corte, al determinar su alcance en el con-

28 Garibaldi, op. cit., pp. 29 a 32.


29 La colegiación obligatoria de periodistas, op. cit., párr. 67.
30 Ibidem.
31 En relación con esta teoría y su superación vid. Stern, K., Das Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland,
T. III/2, Beck, München, 1994, p. 849.
32 La colegiación obligatoria de periodistas, op. cit., párr. 66.

142
La Cláusula de la Sociedad Democrática y la Restricción
de Derechos Humanos en el Sistema Interamericano

texto de las limitaciones a la libertad de expresión, nuevamente desde el prisma de la


democracia, declaró que:

“el mismo concepto de orden público reclama que, dentro de una sociedad
democrática, se garanticen las mayores posibilidades de circulación de noticias,
ideas y opiniones, así como el más amplio acceso a la información por parte de
la sociedad en su conjunto. La libertad de expresión se inserta en el orden públi-
co primario y radical de la democracia, que no es concebible sin el debate libre
y sin que la disidencia tenga pleno derecho de manifestarse”.33

Así se logró integrar en el propio concepto de orden público la garantía de la


libre circulación de ideas, de manera que aquél ya no pudiera ser aducido como un
concepto contrapuesto al ejercicio de la libertad de expresión. De allí que la Corte
seguidamente se haya referido a un “orden público democrático”34 en el que ese dere-
cho sea respetado escrupulosamente. Nótese que la lectura democrática del orden
público lindó en este caso con un vaciamiento de este concepto como posible funda-
mento de alguna limitación legal a la libertad de expresión, a tenor del artículo 13.2
de la Convención, lo cual no sería aceptable con arreglo a este mismo instrumento. Si
la Convención prevé que el aseguramiento del orden público es una finalidad lícita de
leyes eventualmente restrictivas de un derecho, el intérprete no está facultado para
disolver esta regulación mediante la absorción del fin señalado por el propio derecho,
con lo cual el bien colectivo que se pretendía dejar a salvo quedaría desplazado. Lo
que sí es posible y necesario es delimitar ese concepto en virtud de las exigencias
democráticas, lo cual es en el fondo el sentido del pronunciamiento de la Corte.

2. Significación especial de la libertad de expresión y de otros derechos


íntimamente asociados al juego democrático

La Corte Interamericana ha enfatizado la importancia fundamental que ostentan los


derechos íntimamente asociados al juego democrático. Esta línea jurisprudencial ha sido
abierta en el terreno de la libertad de expresión, calificada como “piedra angular de la
democracia”,35 pero ha trascendido a otros ámbitos, como el de los derechos políticos. Al
respecto, la Corte ha destacado que “Al ponderar la importancia que tienen los derechos
políticos la Corte observa que incluso la Convención, en su artículo 27, prohíbe su sus-
pensión y la de las garantías judiciales indispensables para la protección de éstos”,36 lo
cual “es indicativo de la fuerza que ellos tienen en dicho sistema”,37 y ha sostenido que:

33 Idem, párr. 69.


34 Ibidem.
35 Idem, párr. 70.
36 Caso Yatama vs. Nicaragua, op. cit., párr. 191.
37 La Expresión “Leyes” en el Artículo 30 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos, op. cit., párr. 34.

143
Jesús M. Casal H

“Los derechos políticos son derechos humanos de importancia fundamen-


tal dentro del sistema interamericano que se relacionan estrechamente con
otros derechos consagrados en la Convención Americana como la libertad de
expresión, la libertad de reunión y la libertad de asociación y que, en conjun-
to, hacen posible el juego democrático. La Corte destaca la importancia que tie-
nen los derechos políticos y recuerda que la Convención Americana, en su artí-
culo 27, prohíbe su suspensión y la de las garantías judiciales indispensables
para la protección de éstos.”38

De esta forma parece reconocerse una cierta posición preferente a los derechos
directamente vinculados al proceso político democrático, lo cual puede repercutir en
la ponderación que se efectúa en el examen de la proporcionalidad de la restricción
de algún derecho. En cualquier caso, tal posición preferente no posee, a la luz de una
apreciación de conjunto de las sentencias pertinentes de la Corte, un carácter defini-
tivo ni general, sino que solamente se manifiesta cuando mediante la correspondien-
te restricción quede comprometido el proceso democrático.
Al margen de la posible prevalencia de los derechos mencionados, importa
observar las consecuencias que tiene en el plano interpretativo el anclaje democráti-
co de esos derechos. En relación con los derechos políticos el caso Yatama vs.
Nicaragua es bastante representativo de tales implicaciones.39 La controversia plan-
teada se refería principalmente a la posible vulneración de derechos políticos y de la
igualdad ante la ley originada por la exclusión de un partido político regional indíge-
na, denominado de manera abreviada YATAMA, de unas elecciones municipales
celebradas en las Regiones Autónomas de la Costa Atlántica de Nicaragua.
Lo que interesa destacar de la correspondiente sentencia de la Corte
Interamericana es que las disposiciones legales cuya aplicación motivó la exclusión
comentada no fueron consideradas en sí mismas contrarias a los derechos políticos y
a la igualdad ante la ley, sino en atención a la situación de las comunidades indígenas
y étnicas de la Costa Atlántica de Nicaragua, lo cual fue iluminado por la significación
reconocida al derecho al voto y, en general, a la participación política en una demo-
cracia. La legislación electoral establecía que la postulación de candidatos para el res-
pectivo proceso electoral estaba reservada a los partidos políticos, lo que obligó a algu-
nos integrantes de comunidades indígenas o étnicas de la región a organizarse como
partido político y a cumplir los requisitos normativamente fijados para la obtención
de personalidad jurídica. Esto supuso, a juicio de la Corte, desconocer los usos, cos-
tumbres y tradiciones organizativas de esas comunidades, que se vieron forzadas a
adoptar las formas de un partido político para poder realizar postulaciones, en detri-
mento de los derechos políticos y de la igualdad ante la ley.

38 Caso Castañeda Gutman vs. Estados Unidos Mexicanos, op. cit., párr. 140.
39 Caso Yatama vs. Nicaragua, op. cit.

144
La Cláusula de la Sociedad Democrática y la Restricción
de Derechos Humanos en el Sistema Interamericano

Obsérvese que no se cuestionó el requisito de que las postulaciones debieran pro-


venir de partidos políticos analizado en abstracto o de manera aislada, sino los efectos
de esta exigencia respecto de comunidades para las cuales la misma resultaba extraña
a sus costumbres o tradiciones, lo que podía obstaculizar su participación en los cor-
respondientes procesos electorales. La sentencia fue clara al afirmar que:

“...la participación en los asuntos públicos de organizaciones diversas de los


partidos, sustentadas en los términos aludidos en el párrafo anterior, es esencial
para garantizar la expresión política legítima y necesaria cuando se trate de gru-
pos de ciudadanos que de otra forma podrían quedar excluidos de esa participa-
ción, con lo que ello significa”.40

Otro requerimiento que fue objetado consistía en condicionar la participación en


las elecciones locales a que se hubieran presentado candidatos al menos en el 80% de los
municipios de la correspondiente circunscripción electoral y respecto del 80% del total
de las candidaturas. Según la sentencia ello “limitó indebidamente la participación polí-
tica de los candidatos propuestos por YATAMA”,41 pues se exigía a este partido tener
presencia en municipios en los que la población indígena o étnica era minoritaria.
Estos aspectos restrictivos de la normativa electoral y su repercusión negativa
sobre el derecho de participación fueron calificados como graves porque:

“existe una estrecha relación entre el derecho a ser elegido y el derecho a


votar para elegir representantes...se afectó a los electores como consecuencia de
la violación al derecho a ser elegidos de los candidatos de YATAMA. En el pre-
sente caso, la referida exclusión significó que los candidatos propuestos por
YATAMA no figuraran entre las opciones al alcance de los electores, lo cual
representó directamente un límite al ejercicio del derecho a votar e incidió nega-
tivamente en la más amplia y libre expresión de la voluntad del electorado, lo
cual supone una consecuencia grave para la democracia”.42

Por tanto, el examen desde un prisma democrático de la restricción impuesta al


derecho de participación política y a la igualdad ante la ley favoreció el reconocimien-
to de la vulneración de estos derechos, así como la determinación de su gravedad,
frente a una normativa que vista de manera general o abstracta no necesariamente era
contraria a estos derechos. Una preocupación de fondo que inspiró la decisión judicial
fue precisamente la de propugnar que las comunidades mencionadas pudieran “inte-

40 Idem, párr. 217.


41 Idem, párr. 223.
42 Idem, párr. 226.

145
Jesús M. Casal H

grarse a las instituciones y órganos estatales y participar de manera directa y propor-


cional a su población en la dirección de los asuntos públicos”.43
En el sistema interamericano la incidencia de la noción de sociedad democráti-
ca en el examen de licitud de medidas restrictivas de derechos humanos se inició y ha
alcanzado su mayor desarrollo en materia de libertad de expresión. El juicio de vali-
dez no ya sobre los fines sino sobre los propios medios de la restricción ha tenido en
esta esfera una vinculación relevante con la funcionalidad de la democracia. El con-
texto de esta vinculación ha sido la imbricación establecida desde el comienzo por la
jurisprudencia de la Corte Interamericana entre la libertad de expresión y la demo-
cracia. Tempranamente, en su opinión consultiva sobre la colegiación obligatoria de
periodistas, la Corte dejó sentado el criterio según el cual:

“La libertad de expresión es una piedra angular en la existencia misma de


una sociedad democrática. Es indispensable para la formación de la opinión
pública. Es también conditio sine qua non para que los partidos políticos, los sin-
dicatos, las sociedades científicas y culturales, y en general, quienes deseen
influir sobre la colectividad puedan desarrollarse plenamente. Es, en fin, condi-
ción para que la comunidad, a la hora de ejercer sus opciones, esté suficiente-
mente informada. Por ende, es posible afirmar que una sociedad que no está bien
informada no es plenamente libre”.44

Esta imbricación repercute de manera general en la interpretación de la libertad


de expresión, incluyendo lo relativo a la determinación de las restricciones legislativas
estimadas admisibles. Pese a la ausencia de una base textual específica en el artículo 13
de la Convención Americana para un control de licitud de las restricciones a este dere-
cho fundado en el concepto de la sociedad democrática o de la democracia, la aprecia-
ción sistemática de la significación de la democracia dentro de la Convención ha
impulsado la aplicación del test democrático al que nos referimos. El mismo ha propi-
ciado, de manera no siempre explícita, muchos avances jurisprudenciales en materia de
libertad de expresión, cuyo análisis particularizado escapa a los propósitos del presen-
te estudio. Nos limitaremos a mostrar algunos hitos de esta evolución.
Un buen ejemplo de ese test se encuentra en el caso Ricardo Canese vs.
Paraguay,45 en el cual confluyó la rica jurisprudencia que al respecto se ha ido cons-
truyendo. El señor Canese había difundido, en medio de una campaña electoral a la
Presidencia de la República, información sobre presuntos hechos de corrupción en los
que estaría implicada una compañía que tenía entre sus accionistas a uno de los can-
didatos presidenciales, lo cual motivó la interposición de una querella criminal por
difamación e injuria que desembocó en el enjuiciamiento y condena penal de Canese.

43 Idem, párr. 225


44 La colegiación obligatoria de periodistas, op. cit., párr. 70.
45 Sentencia del 31 de agosto de 2004. Serie C Nº 111.

146
La Cláusula de la Sociedad Democrática y la Restricción
de Derechos Humanos en el Sistema Interamericano

La condena fue finalmente anulada, pero para entonces ya se habían dictado medidas
que afectaron los derechos de Canese, entre ellos la libertad de expresión. Para la
Corte Interamericana de Derechos Humanos la vulneración de este derecho se produ-
jo porque la sanción penal impuesta había sido innecesaria en una sociedad democrá-
tica y desproporcionada, pues desconocía las circunstancias en las cuales se habían
realizado las afirmaciones que podían repercutir en la reputación de algunas personas:

“El Tribunal estima que en el proceso seguido contra el señor Canese los
órganos judiciales debieron tomar en consideración que aquel rindió sus decla-
raciones en el contexto de una campaña electoral a la Presidencia de la República
y respecto de asuntos de interés público, circunstancia en la cual las opiniones y
críticas se emiten de una manera más abierta, intensa y dinámica acorde con los
principios del pluralismo democrático. En el presente caso, el juzgador debía
ponderar el respeto a los derechos o a la reputación de los demás con el valor que
tiene en una sociedad democrática el debate abierto sobre temas de interés o
preocupación pública”.46

En armonía con sus precedentes, la Corte Interamericana puso de relieve la dis-


tinción entre las expresiones o mensajes relacionados con asuntos de interés público,
inscritos en el control social sobre la actuación de las autoridades o funcionarios o en
el debate político propio de la democracia, y aquellos que no lo están. En el primer
supuesto debe existir un estricto escrutinio sobre cualquier restricción de la libertad
de expresión, lo que tiene especiales implicaciones en el campo de la responsabilidad
penal, por el singular efecto inhibitorio que de ella cabe esperar. Sin llegar a decir que
la protección penal del honor de los funcionarios públicos esté completamente exclui-
da, la Corte Interamericana amparó la libre circulación de las ideas o informaciones
revestidas de interés público, que contribuyen a la formación de la opinión pública y
al desarrollo del control y deliberación democráticos.
Así, pues, la limitación a la libertad de expresión derivada de la tipificación del
delito de difamación e injuria, que en sí misma no fue declarada contraria a la
Convención, dio lugar a una restricción a la libertad de expresión del señor Canese
que fue considerada innecesaria y desproporcionada, dado que la ponderación entre
el derecho al honor o a la reputación y la libertad de expresión debía tener en cuen-
ta la trascendencia democrática de la posibilidad de manifestar sin cortapisas las ideas
o informaciones que coadyuvaran a la formación de la opinión pública sobre un tema
de eminente interés general.47

46 Idem, párr. 105.


47 “En el presente caso, al emitir las declaraciones por las que fue querellado y condenado, el señor Canese
estaba ejercitando su derecho a la libertad de pensamiento y de expresión en el marco de una contienda
electoral, en relación con una figura pública como es un candidato presidencial, sobre asuntos de interés
público, al cuestionar la capacidad e idoneidad de un candidato para asumir la Presidencia de la República.
Durante la campaña electoral, el señor Canese fue entrevistado sobre la candidatura del señor Wasmosy por

147
Jesús M. Casal H

Nótese que no se trata de que la libertad de expresión tenga ontológicamente y


de manera general y abstracta una prevalencia frente al derecho al honor, sino de una
potenciación de esta libertad dependiente del contenido y contexto de los mensajes
difundidos. En fecha reciente la Corte ha profundizado en esta manera de tratar la
tensión entre la libertad de expresión y el derecho al honor, al sostener en el caso
Kimel vs. Argentina48 que:

“En torno a estos hechos las partes presentaron diversos alegatos en los que
subyace un conflicto entre el derecho a la libertad de expresión en temas de inte-
rés público y la protección de la honra de los funcionarios públicos. La Corte
reconoce que tanto la libertad de expresión como el derecho a la honra, acogidos
por la Convención, revisten suma importancia. Es necesario garantizar el ejerci-
cio de ambos. En este sentido, la prevalencia de alguno en determinado caso
dependerá de la ponderación que se haga a través de un juicio de proporcionali-
dad. La solución del conflicto que se presenta entre ciertos derechos requiere el
examen de cada caso, conforme a sus características y circunstancias, para apre-
ciar la existencia e intensidad de los elementos en que se sustenta dicho juicio”.

Con base en estas premisas la sentencia desarrolla un examen metódico de las


circunstancias particulares explícitamente orientado por el principio de proporciona-
lidad, en cada una de sus vertientes, el cual, como sabemos, ya había sido aplicado por
la Corte pero no de la manera sistemática que es apreciable en esta decisión. Ni siquie-
ra el Tribunal Europeo de Derechos Humanos, que con antelación a la jurisprudencia
interamericana y con mayor frecuencia ha acudido a dicho principio, suele realizar
una aplicación integral del mismo. La jurisprudencia interamericana adopta así crite-
rios para la resolución de colisiones claramente enraizados en desarrollos doctrínales
y jurisprudenciales del Derecho Constitucional y del Derecho Internacional de los
Derechos Humanos, perfilando a la sociedad democrática como un tertium compara-
tionis, como un parámetro material para la ponderación entre esta libertad y los otros
bienes o derechos con los que pueda entrar en colisión. En el caso Kimel vs. Argentina
la restricción a la libertad de expresión había consistido en la condena penal por
calumnia de un periodista que había publicado un libro sobre hechos criminales ocur-
ridos durante la dictadura en Argentina, el cual incluía objeciones a la actuación de
un juez encargado de la correspondiente investigación, y el análisis de esa restricción

periodistas de dos diarios nacionales, en su carácter de candidato presidencial. Al publicar las declaraciones
del señor Canese, los diarios ‘ABC Color’ y ‘Noticias’ jugaron un papel esencial como vehículos para el ejer-
cicio de la dimensión social de la libertad de pensamiento y de expresión, pues recogieron y transmitieron
a los electores la opinión de uno de los candidatos presidenciales respecto de otro de ellos, lo cual contri-
buye a que el electorado cuente con mayor información y diferentes criterios previo a la toma de decisio-
nes”; idem, párr. 94.
48 Sentencia del 2 de mayo de 2008. Serie C No. 177, párr. 51.

148
La Cláusula de la Sociedad Democrática y la Restricción
de Derechos Humanos en el Sistema Interamericano

desde un prisma democrático se hizo perceptible especialmente en el examen de lo


que la propia sentencia denominó la “estricta proporcionalidad de la medida”, es
decir, la proporcionalidad en sentido estricto, cuya indagación presuponía ponderar
la afectación de la libertad de expresión y la del derecho al honor, para lo cual fue
determinante que:

“las expresiones concernientes a la idoneidad de una persona para el desem-


peño de un cargo público o a los actos realizados por funcionarios públicos en el
desempeño de sus labores gozan de mayor protección, de manera tal que se pro-
picie el debate democrático. La Corte ha señalado que en una sociedad democrá-
tica los funcionarios públicos están más expuestos al escrutinio y la crítica del
público. Este diferente umbral de protección se explica porque se han expuesto
voluntariamente a un escrutinio más exigente. Sus actividades salen del dominio
de la esfera privada para insertarse en la esfera del debate público. Este umbral
no se asienta en la calidad del sujeto, sino en el interés público de las actividades
que realiza, como sucede cuando un juez investiga una masacre en el contexto
de una dictadura militar, como ocurrió en el presente caso”.49

Ello, junto a otras razones, condujo a declarar la violación de la libertad de


expresión -que el propio Estado terminó reconociendo-, al ser “manifiestamente des-
proporcionada”50 la restricción impuesta.

3. El pluralismo, la tolerancia y el espíritu de apertura

Inspirándose en la jurisprudencia del Tribunal Europeo de Derechos


Humanos,51 la Corte Interamericana ha aludido al pluralismo, la tolerancia y el espí-
ritu de apertura como distintivos de la sociedad democrática. Sólo recientemente se
ha incluido esta tríada en algunas sentencias, aunque ya antes de adoptarla completa
y explícitamente era posible hallar, especialmente en materia de libertad de expre-
sión, manifestaciones de la asociación entre esas ideas y la democracia.
En los casos Ríos y otros vs. Venezuela y Perozo y otros vs. Venezuela se esta-
bleció que la libertad de expresión:

“No sólo debe garantizarse en lo que respecta a la difusión de información


o ideas que son recibidas favorablemente o consideradas como inofensivas o
indiferentes, sino también en lo que toca a las que resultan ingratas para el
Estado o cualquier sector de la población. Tales son las demandas del pluralismo,

49 Idem, párr. 86.


50 Idem, párr. 94.
51 Cfr. Grabenwarter, op. cit., p. 116.

149
Jesús M. Casal H

que implica tolerancia y espíritu de apertura, sin los cuales no existe una socie-
dad democrática”.52

Esta afirmación, claramente tributaria de la jurisprudencia europea, no tuvo en esos


casos desarrollos especialmente referidos a la temática de la restricción de derechos huma-
nos. Pero en sentencias anteriores ya el pluralismo y la tolerancia o el espíritu de apertu-
ra habían iluminado el examen de licitud de restricciones a la libertad de expresión.
En el caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica la Corte Interamericana subrayó, desde la
óptica de la libertad de expresión, la importancia del pluralismo y de la tolerancia en una
democracia y apreció las circunstancias particulares del caso teniendo en consideración las
exigencias del pluralismo. De manera general la correspondiente sentencia aseveró que:

“Existe entonces una coincidencia en los diferentes sistemas regionales de


protección a los derechos humanos y en el universal, en cuanto al papel esencial
que juega la libertad de expresión en la consolidación y dinámica de una socie-
dad democrática. Sin una efectiva libertad de expresión, materializada en todos
sus términos, la democracia se desvanece, el pluralismo y la tolerancia empiezan
a quebrantarse, los mecanismos de control y denuncia ciudadana se empiezan a
tornar inoperantes y, en definitiva, se empieza a crear el campo fértil para que
sistemas autoritarios se arraiguen en la sociedad”.53

La sociedad autoritaria pareciera ser por tanto la antítesis de la sociedad democráti-


ca propugnada por la Convención, y el pluralismo y la tolerancia se presentan como ele-
mentos esenciales de esta última. Estos postulados son luego aplicados a los hechos exa-
minados, referidos a la condena penal y civil, por ofensas en la modalidad de difamación,
que había sido impuesta al señor Herrera Ulloa, periodista de profesión, a causa de la
difusión parcial en un periódico costarricense de reportajes publicados en la prensa euro-
pea en los que un diplomático de Costa Rica era señalado como autor de graves ilícitos.
En su sentencia la Corte Interamericana destacó el interés público de las informa-
ciones difundidas por el periodista condenado, relativas a la actuación de un funcionario
público en el extranjero, y estimó excesivas las exigencias que los tribunales nacionales
hicieron recaer sobre el periodista Herrera Ulloa para que éste pudiera resultar absuelto.
En particular, para su absolución hubiera sido preciso que probara la veracidad de los
hechos relacionados en las publicaciones europeas, lo cual impedía, a juicio de la Corte,
el debate público sobre temas de interés general. Al arribar a esta conclusión la senten-
cia se apoyó nuevamente en el pluralismo y también en la tolerancia o apertura:

52 Casos Ríos y otros vs. Venezuela y Perozo y otros vs. Venezuela, sentencias del 28 de enero de 2009. Serie
C No. 194 y 195, párr. 105 y 116, respectivamente.
53 Caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica, op. cit., párr. 116.

150
La Cláusula de la Sociedad Democrática y la Restricción
de Derechos Humanos en el Sistema Interamericano

“En este contexto es lógico y apropiado que las expresiones concernientes a


funcionarios públicos o a otras personas que ejercen funciones de una naturaleza
pública deben gozar, en los términos del artículo 13.2 de la Convención, de un
margen de apertura a un debate amplio respecto de asuntos de interés público, el
cual es esencial para el funcionamiento de un sistema verdaderamente democrá-
tico. Esto no significa, de modo alguno, que el honor de los funcionarios públicos
o de las personas públicas no deba ser jurídicamente protegido, sino que éste debe
serlo de manera acorde con los principios del pluralismo democrático”.54

Aquí se observa la importancia dada a la tolerancia o apertura de la que deben


hacer gala quienes ejerzan funciones públicas, así como al pluralismo democrático,
que conduce a matizar o modular la protección jurídica del honor de los funciona-
rios públicos, en función de la relevancia pública de la información posiblemente
ofensiva que haya sido publicada. Ello adquiere singular interés en relación con la
eventual responsabilidad penal por agravios contra el honor de los funcionarios
públicos, para la cual la jurisprudencia interamericana deja un estrecho margen, al
menos cuando el ejercicio de la libertad de expresión esté referido al debate políti-
co o a asuntos de interés público. Últimamente la Corte Interamericana ha reitera-
do el valor del control democrático de la opinión pública sobre los órganos del
Estado, que explica “la mayor tolerancia frente a afirmaciones y apreciaciones ver-
tidas por los ciudadanos en ejercicio de dicho control democrático. Tales son las
demandas del pluralismo propio de una sociedad democrática...”.55 De ahí que las
medidas penales sólo sean admisibles cuando exista “absoluta necesidad” y “en
forma verdaderamente excepcional”.56 Esta implicación del pluralismo había teni-
do ya un valioso desarrollo en la posición fijada por la Comisión Interamericana de
Derechos Humanos contra los delitos de desacato o vilipendio,57 los cuales suponen
una protección penal reforzada o privilegiada, y por lo tanto injustificada, del honor
o reputación de los funcionarios públicos o de algunos de ellos.

4. La consideración del efecto disuasorio de la intervención

Al igual que en el sistema europeo de protección de los derechos humanos, el sis-


tema interamericano ha sido sensible al efecto inhibitorio o disuasorio58 ocasionado

54 Idem, párr. 128.


55 Caso Kimel vs. Argentina, op. cit., párr. 87.
56 Idem, párr. 78.
57 Cfr. Comisión Interamericana de Derechos Humanos, Informe sobre la compatibilidad entre las leyes de
desacato y la Convención Americana sobre Derechos Humanos, de 17 de febrero de 1995, en Informe Anual
de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos, 1994, Capítulo V.
58 Calificado como chilling effect en el sistema europeo, bajo la influencia anglosajona; vid. van Dijk, P. y otros,
Theory and practice of the European Convention on Human Rights, Antwerpen/Oxford, Intersentia, 2006, p. 342.

151
Jesús M. Casal H

por la restricción o injerencia en los derechos humanos, así como a su repercusión


sobre la sociedad democrática, y también ha sido la libertad de expresión el cauce más
propicio para el despliegue de esta corriente jurisprudencial.
Podría sostenerse que en la jurisprudencia interamericana dicho efecto ha mere-
cido una atención más directa o frontal que la apreciable en el sistema europeo, lo cual
ha sido favorecido por la Comisión Interamericana de Derechos Humanos, proclive a
plantear ante la Corte, al sustentar los casos que somete a su conocimiento, todo
aquello que, en relación con el ejercicio de la libertad de expresión, pueda tener una
fuerza inhibitoria, dirección que está igualmente abonada por la formulación del artí-
culo 13 de la Convención Americana, cuyos párrafos 2 y 3 excluyen expresamente la
censura y la restricción de esa libertad por medios indirectos.
La sentencia dictada en el caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica es una buena mues-
tra de lo afirmado. La Comisión Interamericana señaló ante la Corte, como uno de sus
principales alegatos jurídicos, que la condena impuesta al señor Herrera Ulloa poseía
un “efecto amedrentador” respecto del ejerció de la libertad de expresión y las disposi-
ciones penales correspondientes habían sido “utilizadas para inhibir la crítica dirigida
a un funcionario público”;59 agregó que “la penalización de la reproducción de infor-
mación que ha sido publicada sobre la gestión de un funcionario público, provoca la
autocensura por parte de los periodistas”.60 Estas aseveraciones estaban en consonan-
cia con las pruebas aportadas, tal como lo constató la Corte: “los hechos del presente
caso alteraron la vida profesional, personal y familiar del señor Mauricio Herrera Ulloa
y le produjeron un efecto inhibidor en el ejercicio de la libertad de expresión a través
de su profesión”.61 La declaración prestada por la presunta víctima era también bastan-
te concluyente.62 Todo ello llevó a la Corte a considerar, desde la óptica de la sociedad
democrática, el efecto disuasorio de la restricción aplicada, no sólo en cuanto a la situa-
ción personal del periodista condenado sino con una perspectiva más general, lo cual
fue capital para la declaratoria de la vulneración de la libertad de expresión:

59 Caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica, op. cit., párr. 101.2.
60 Idem, párr. 101.4.
61 Idem, párr. 95.mm.
62 Según el resumen de la declaración elaborado por la Corte: “Los procesos penales y la inscripción en el
Registro Judicial de Delincuentes ocasionaron al testigo un grave daño en el ejercicio profesional y un sen-
timiento de constante incertidumbre, de temor acerca de las consecuencias y de los resultados de todo ese
proceso sobre su persona, su carrera y su familia. Todo esto tuvo un efecto ‘tremendo, terrible, devastador’
en su ejercicio profesional, no solamente por la sentencia condenatoria sino por el proceso en sí mismo, en
el cual fue criminalizado y tratado como un delincuente. Para un periodista ‘el proceso mismo es una san-
ción, es una desacreditación pública por cumplir’ con sus deberes profesionales. A partir de esa sentencia se
ha sentido profundamente estigmatizado al punto de que cada vez que hace una entrevista a un personaje
que está de alguna manera cuestionando, nunca falta la muletilla de ‘ah, usted es el periodista condenado’,
y son frecuentes las advertencias de ‘cuidado, usted podría volver a ser demandado’, todo lo cual es para el
señor Mauricio Herrera Ulloa ‘como andar con una etiqueta en la frente de periodista condenado o
difamador’. En lo profesional el señor Herrera Ulloa se ha visto obligado a rechazar ofertas de trabajo fuera
de Costa Rica, ha tenido que interrumpir sus estudios como consecuencia de los procesos penales y ha teni-
do que dejar de trabajar temporalmente en el periódico ‘La Nación’.

152
La Cláusula de la Sociedad Democrática y la Restricción
de Derechos Humanos en el Sistema Interamericano

“El efecto de esta exigencia resultante de la sentencia conlleva una restric-


ción incompatible con el artículo 13 de la Convención Americana, toda vez que
produce un efecto disuasivo, atemorizador e inhibidor sobre todos los que ejer-
cen la profesión de periodista, lo que, a su vez, impide el debate público sobre
temas de interés de la sociedad”.63

Una postura similar se ha mantenido en otros casos,64 en los que salta igualmen-
te a la vista el control democrático que está presente en la evaluación de la licitud de
la restricción.

V. Perspectivas

El control democrático de restricciones a derechos humanos es un terreno fecun-


do para la generación de criterios que permitan verificar la justificación de la limita-
ción de tales derechos. El sistema interamericano ha dado ya pasos importantes en esa
dirección, sobre todo en materia de libertad de expresión, aunque la jurisprudencia por
lo general no ha sido consciente de que la doctrina sentada en relación con la imbrica-
ción entre el ejercicio de la libertad de expresión y la democracia conduce al desarrol-
lo de un test democrático de restricciones a derechos convencionalmente garantizados.
Un test que no necesariamente es separado o autónomo, como ya apuntamos, sino que
puede insertarse en el examen de la proporcionalidad en sentido estricto de la medida
correspondiente. La ponderación que en este momento de la proporcionalidad se lleva
a cabo ha de estar iluminada, entre otros criterios, por las exigencias de la democracia.
Ello sin perjuicio de la significación de éstas para la determinación del alcance de las
condiciones formales que rigen la previsión de esas restricciones.
La reciente reafirmación por la Corte Interamericana de la relevancia general del
parámetro de la necesidad en una sociedad democrática abre las puertas a un mayor
despliegue de principios democráticos en el examen de la licitud de restricciones a
derechos humanos. Sin embargo, la Corte no ha llegado a reconocer todas las implica-
ciones del señalado control democrático. Algunos de sus razonamientos permiten pen-
sar que a juicio de la Corte la revisión de la necesidad de la limitación de algún dere-
cho en una sociedad democrática se agota en una aplicación del principio de propor-
cionalidad desvinculada de los requerimientos de la democracia.65 Es deseable que la
Corte abone más bien el surco, ya apreciable en su jurisprudencia, de tener presente la
posible proyección de principios democráticos en el examen de licitud mencionado.

La autocensura ha sido uno de los efectos más perniciosos y directos de la sentencia condenatoria, por lo
cual la presunta víctima ha dejado de publicar notas cuya veracidad tenía confirmada por el miedo a tener
que enfrentar una nueva denuncia penal”; idem, párr. 66.
63 Idem, párr. 133.
64 Casos Ríos y otros vs. Venezuela y Perozo y otros vs. Venezuela, op. cit., párrs. 341 y 369, respectivamente.
65 Cfr. el caso Castañeda Gutman vs. Estados Unidos Mexicanos, op. cit., párrs. 186 y ss.

153
Promovendo a Democracia no Mercosul:
Desafios Teóricos, Institucionais e Políticos
Andrea Ribeiro Hoffmann1

Sumáárioo: I. Introdução II. Promoção e defesa da democracia no Mercosul III. Desafios para a consolidação do papel
do Mercosul na promoção da democracia nos seus Estados-Membros IV. Conclusões.

I. Introdução

O presente artigo analisa a promoção e defesa da democracia no âmbito do


Mercosul. Em sua primeira parte, o artigo apresenta os instrumentos institucionais e
jurídicos destinados a promover e defender a democracia no bloco, e sua reação
perante as crises democráticas ocorridas nos seus Estados-Membros de 1991 até o final
de 2008. Na segunda parte, o artigo apresenta os desafios teóricos, institucionais e
políticos para a consolidação do papel do Mercosul na promoção e defesa da democra-
cia nos seus Estados-Membros. O principal argumento do artigo é que embora a pro-
moção da democracia tenha sido progressivamente inserida na agenda do bloco, e que
o tema tenha sido institucionalizado e mesmo justicializado, ainda existem desafios
significativos para a consolidação do papel do Mercosul na promoção e defesa da
democracia nos seus Estados-Membros. Neste sentido são destacados desafios relacio-
nados à definição de democracia e à capacidade de se promover a democracia exoge-
namente, desafios relacionados à credibilidade e legitimidade do Mercosul para exer-
cer o papel de promotor da democracia, e finalmente, desafios relacionados a disposi-
ção e motivação dos governos dos Estados-Membros em intervir no Estado-Membro
onde a democracia esteja sendo ameaçada.

II. Promoção e defesa da democracia no Mercosul

1. Instrumentos jurídicos e institucionais

Como analisado em outra publicação2 pode-se observar um progressivo proces-


so de institucionalização do princípio da condicionalidade democrática no Mercosul.

1 Profa. Assistente Instituto de Relações Internacionais, Universidade Católica do Rio de Janeiro (em licen-
ça); Guest Teacher , Departamento de Relações Internacionais, London School of Economics.
2 Ribeiro Hoffmann A. “Democracia e Integración Regional: el caso del Mercosur”, in von Bogdandy, Armin,
César Landa Arroyo & Mariela Morales Antoniazzi (eds) ¿Integración suramericana a través del derecho? Un
análisis interdisciplinario y multifocal. Heidelberg & Madrid: Max Planck Institute for Comparative Public
Law and International Law & Centro de Estudios Políticos y Constitucionales de Madrid, 2008, pp. 343-345.

155
Andrea Ribeiro Hoffmann

Em termos jurídicos, o ápice foi sua consolidação pelo Protocolo de Ushuaia, concluí-
do em julho de 1998, e em vigor desde janeiro de 2002, parcialmente reproduzido a
seguir (ênfase da autora):

“Artículo 1 - La plena vigencia de las instituciones democráticas es condi-


ción esencial para el desarrollo de los procesos de integración entre los Estados
Partes del presente Protocolo. (…)
Artículo 4 - En caso de ruptura del orden democrático en un estado parte
del presente Protocolo, los demás Estados Partes promoverán las consultas per-
tinentes entre sí y con el Estado afectado.
Artículo 5 - Cuando las consultas mencionadas en el artículo anterior resul-
taren in fructuosas, los demás Estados Partes del presente Protocolo, según cor-
responda de conformidad con los Acuerdos de integración vigentes entre ellos,
considerarán la naturaleza y el alcance de las medidas a aplicar, teniendo en
cuenta la gravedad de la situación existente. Dichas medidas abarcarán desde la
suspensión del derecho a participar en los distintos órganos de los respectivos
procesos de integración, hasta la suspensión de los derechos y obligaciones emer-
gentes de esos procesos.”3

Sobre os termos do Protocolo é importante notar que os procedimentos só são


válidos para casos de ruptura, e não risco de ruptura da ordem democrática, diferen-
temente da cláusula democrática dos tratados da União Européia (Tratado de Nice,
2001). Embora não haja um elemento preventivo nos instrumentos jurídicos do
Mercosul, o bloco conta com outros instrumentos de caráter preventivo tais como o
mecanismo de observação eleitoral e outras atividades do Observatório da Demo-
cracia. O Observatório foi criado em 2007 com os seguintes objetivos: “a) Contribuir
para o fortalecimento dos objetivos do Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso
Democrático no Mercosul, a República da Bolívia e a República do Chile; b) Realizar
o acompanhamento de processos eleitorais nos Estados Partes do Mercosul; c) Coor-
denar as atividades do Corpo de Observadores Eleitorais do Mercosul, que se realizem
a pedido do Estado Parte no que tenha lugar o processo eleitoral e elaborar a norma-
tiva para o desempenho de suas funções; d) - Realizar atividades e estudos vinculados
à consolidação da democracia na região.”4

3 Protocolo de Ushuaia. Texto integral disponível online em http://www2.mre.gov.br/dai/ushuaia.htm (aces-


so em 05/06/09).
4 MERCOSUR/CMC/DEC.N. 05/07, Art.2. A medida em que há uma relação intrínseco entre democracia e direi-
to humanos, poderia acrescentar-se também os instrumentos destinados à promoção e defesa dos Direito
Humanos, tais como o Protocolo de Asunción sobre Compromiso con la Promoción y Protección de los
Derechos Humanos del Mercosur (a ser ratificado), a Reunión de Altas Autoridades sobre Derechos Humanos
del Mercosur (RADDHH) de 2004, o Observatorio de Políticas Públicas de Derechos Humanos de 2004, e o
Proyecto de Creación de un Instituto de Políticas Públicas de Derechos Humanos del Mercosur (IPPDDH), con
sede en la República Argentina de 2008 (veja Klor & Morales neste volume). Este tema será retomado adiante.

156
Promovendo a Democracia no Mercosul: Desafios Teóricos, Institucionais e Políticos

1. Crises democráticas nos Estados-Membros do Mercosul (1991-2008)

Uma vez vistos os instrumentos jurídicos e institucionais disponíveis no âmbito


do Mercosul para intervir em casos de ameaças ou rupturas democráticas em seus
Estados-Membros, esta sessão apresenta um levantamento empírico das crises demo-
cráticas sofridas pelos Estados-membros do Mercosul com o objetivo de analisar o
comportamento do bloco e seu papel de defesa e promoção da democracia. Como será
discutido na próxima sessão, uma primeira dificuldade para se identificar as crises
democráticas ocorridas nos Estados-Membro do Mercosul é a própria definição do que
pode ser classificado como uma crise democrática.
O levantamento inclui dois bancos de dados que contam com uma série histórica
que cobre o período de existência do bloco; o bando de dados de eventos de instabili-
dade política desenvolvido pelo Observatório Político Sul-Americano do Instituto
Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (veja tabela 1),5 e o banco de dados de
direitos políticos e liberdades civis desenvolvido pela Freedom House (veja tabela 2).6
O banco de dados do OPSA/IUPERJ define cinco tipos de instabilidade política, i.e.
golpe de estado, guerra civil, estado de exceção, interrupção de mandato presidencial e
revolta social. Entre estes indicadores, tanto golpes de estado, como interrupções de
mandato presidencial poderiam ser diretamente associadas a rupturas democráticas. O
banco de dados da Freedom House contem indicadores de direitos políticos e liberda-
des civis, que variam de 1 a 7. Cada um desses indicadores é composto pelas seguintes
sub-categorias: direitos políticos: processo eleitoral, pluralismo político e participação,
e funcionamento do governo ; liberdades civis: liberdade de expressão e crença; direi-
tos de associação e organização; estado de direito; autonomia pessoal e direitos indivi-
duais. A partir destas categorias, o regime é avaliado como livre, parcialmente livre ou
não–livre. Na tabela são destacadas variações negativas, ou seja, pioras dos indicadores.
Além destes dois bancos de dados, são listadas as ações a favor da promoção e
defesa da democracia por parte da Organização dos Estados Americanos (OEA),
incluindo as invocações da Resolução 1080 e da Carta Democrática, e casos de atua-
ção preventiva do Conselho Permanente.7 O papel da OEA na promoção e defesa da
democracia está intrinsicamente ligada ao do Mercosul. Embora seja impossível incor-
porar esta discussão no presente artigo, é interessante observar o comportamento da
OEA ao refletir sobre o comportamento do Mercosul. Uma das diferenças que deve

5 Para detalhes sobre a metodologia adotada para elaboração do banco de dados veja Mapa da Estabilidade.
Informe Semestral sobre a Estabilidade e Violência Política na América do Sul. N.6 2 semestre de 2008.
Disponível online em: http://observatorio.iuperj.br/pdfs/7_mapaestabilidade_mapa_2008_2.pdf (acesso em
02/06/09).
6 Para detalhes sobre o Freedom House veja http://www.freedomhouse.org/ (acessado em 05/06/09).
7 Sacasa, Maruricio Herdocia (2005) Soberanía Clásica, un Princípio Desafiado…¿Hasta Dónde? Managua:
Mauricio Herdocia Sacasa, p.151. Para o papel da OEA na promoção e defesa da democracia veja também
Massote, H. (2007) A Organização dos Estados Americanos e o Compromisso coletivo com a democracia
representativa. Dissertação de Mestrado, Instituto de Relações Internacionais, PUC-Rio.

157
Andrea Ribeiro Hoffmann

ser mencionada entre as duas é a membrezia, notando-se que na OEA está presente os
Estados Unidos, o que torna a dinâmica política desta organização bem diferenciada
do Mercosul. Finalmente, para elaboração da tabela sobre as ações do Mercosul a favor
da promoção e defesa da democracia foram consultadas análises qualitativas da litera-
tura secundária.
A partir da análise dos dados do OPSA/IUPERJ, da Freedom House, das ações da
OEA e da literatura secundária, tem-se uma visão geral das crises democráticas sofri-
das pelos Estados-membros do Mercosul. Como pode ser observado a partir de uma
comparação entre as três tabelas, pode-se mensurar a qualidade de democracia de
diversas formas, o que leva a interpretações diversas sobre a existência ou gravidade
de cada evento de instabilidade ou crise. A mera observação das informações nas três
primeiras tabelas torna óbvio o problema da interpretação de fatos. Indicadores tais
como golpes de Estados ou interrupções de mandato presidencial não afirmam por si
só a gravidade da instabilidade ou da dinâmica política e percepção da necessidade
externa de se agir. Algumas crises foram resolvidas domesticamente satisfatoriamen-
te, como, por exemplo, a interrupção do mandato do Presidente Collor de Mello no
Brasil em 1992. Por outro lado, situações complexas como no caso da Venezuela, não
são claramente capturadas nos dois bancos de dados. O relatório do mapa de instabi-
lidade do segundo semestre de 2008, por exemplo, afirma que tanto a Venezuela como
o Equador “estão atravessando processos de reforma institucional profunda em um
ambiente político de disputa acirrada e de ativa participação popular (mas) não apre-
sentaram sinais de instabilidade”.8 A mais recente análise da Freedom House afirma
que “The run-up to Venezuela’s state and local elections in November 2008 was cha-
racterized by politically motivated disqualifications of opposition candidates and the
abuse of state resources, though the balloting itself was orderly and the vote count
appeared fair”.9 O tema dos problemas relacionados a definição de democracia e seu
mensuramento será retomado na próxima sessão.10

8 OPSA/IUPERJ Mapa da Estabilidade. Informe Semestral sobre a Estabilidade e Violência Política na


América do Sul. N. 6 2 semestre de 2008, 2008, p. 6. Disponível online em: http://observatorio.iuperj.
br/pdfs/7_mapaestabilidade_mapa_2008_2.pdf (acesso em 02/06/09).
9 Freedom House, 2009 Freedom in the World Venezuela Report, 2009, p. 1. Disponível online em :
http://www.freedomhouse.org/uploads/fiw09/countryreports/Venezuela2009.pdf (acesso em 06/06/09).
10 Para uma discussão sobre indicadores de mensuração da qualidade democrática veja também o interesasnte
trabalho de Svetlozar, Andreev, Conceptual Definition and Measurement Indicators of the Quality of
Democracy: An Overview. European University Institute. Robert Schuman Centre for Advanced Studies.
EUI Working Papers no. 2005/05.

158
Promovendo a Democracia no Mercosul: Desafios Teóricos, Institucionais e Políticos

Tabela 1: Eventos de instabilidade política nos Estados-Membros do Mercosul


Arg Bra Par Uru Chi Bol Per Col Equ Ven

2008 E C B,E

2007 E C B

2006 E C B C,E

2005 D,E A,C B C,D,E

2004 E E C B E A,C,D,E

2003 D D,E C,E B D

2002 D,E A,C,D E C,E B,C C A,C,D,E

2001 C,D,E A,C,D,E D,E B A,C,E A,E

2000 A C,E D,E B A A

1999 E A,D,E E B A,C,D,E C

1998 E E B E A

1997 E A,D,E E B A,D,E A,E

1996 A E C B,C C E

1995 A C,E C B,C A,E A,E

1994 E B,C B C,E A,C,D,E

1993 E A E A,B,C B,C A,D

1992 D A D A,B,C,E B,C E A,C,D,E

1991 B,C B A,E

Fonte: OPSA/IUPERJ, Mapa da Estabilidade. Informe Semestral sobre a Estabilidade


e Violência Política na América do Sul. N. 6 2 semestre de 2008, p. 27
A- Golpe de Estado
B- Guerra Civil
C- Estado de Exceção
D- Interrupção de Mandato Presidencial
E- Revolta Social

159
Andrea Ribeiro Hoffmann

Tabela 2 : Liberdades políticas e civis dos Estados-Membros do Mercosul (1991-2008)


Arg Bra Par Uru Chi Bol Per Col Equ Ven
2008 2,2,F* 2,2,F 3,3,PF 1,1,F 1,1,F 3,3,PF 2,3,F 3,3,PF 3,3,PF 4,4,PF,
2007 2,2,F 2,2,F 3,3,PF 1,1,F 1,1,F 3,3,PF 2,3,F 3,3,PF 3,3,PF 4,4,PF
2006 2,2,F 2,2,F 3,3,PF 1,1,F 1,1,F 3,3,PF 2,3,F 3,3,PF 3,3,PF 4,4,PF
2005 2,2,F 2,3,F 3,3,PF 1,1,F 1,1,F 3,3,PF 2,3,F 4,4,PF 3,3,PF 3,4,PF
2004 2,2,F 2,3,F 3,3,PF 1,1,F 1,1,F 3,3,PF 2,3,F 4,4,PF 3,3,PF 3,4,PF
2003 3,3,PF 2,3,F 4,3,PF 1,1,F 2,1,F 2,3,F 2,3,F 4,4,PF 3,3,PF 3,4,PF
2002 3,3,PF 3,3,PF 4,3,PF 1,1,F 2,2,F 1,3,F 1,3,F 4,4,PF 3,3,PF 3,5,PF
2001 3,3,PF 3,3,PF 4,3,PF 1,1,F 2,2,F 1,3,F 1,3,F 4,4,PF 3,3,PF 3,5,PF
2000 1,2,F 3,3,PF 4,3,PF 1,1,F 2,2,F 1,3,F 3,3,PF 4,4,PF 3,3,PF 3,5,PF
1999 2,3,F 3,4,PF 4,3,PF 1,2,F 2,2,F 1,3,F 5,4,PF 4,4,PF 2,3,F 4,4,PF
1998 3,3,F 3,4,PF 4,3,PF 1,2,F 3,2,F 1,3,F 5,4,PF 3,4,PF 2,3,F 2,3,F
1997 2,3,F 3,4,PF 4,3,PF 1,2,F 2,2,F 1,3,F 5,4,PF 4,4,PF 3,3,PF 2,3,F
1996 2,3,F 2,4,PF 4,3,PF 1,2,F 2,2,F 2,3,F 4,3,PF 4,4,PF 2,4,PF 2,3,F
1995 2,3,F 2,4,PF 4,3,PF 2,2,F 2,2,F 2,4,PF 5,4,PF 4,4,PF 2,3,F 3,3,PF
1994 2,3,F 2,4,PF 4,3,PF 2,2,F 2,2,F 2,3,F 5,4,PF 3,4,PF 2,3,F 3,3,PF
1993 2,3,F 3,4,PF 3,3,PF 2,2,F 2,2,F 2,3,F 5,5,PF 2,4,PF 2,3,F 3,3,PF
1992 2,3,F 2,3,F 3,3,PF 1,2,F 2,2,F 2,3,F 6,5,PF 2,4,PF 2,3,F 3,3,PF
1991 1,3,F 2,3,F 3,3,PF 1,2,F 2,2,F 2,3,F 3,5,PF 2,4,PF 2,3,F 1,3,F

Fonte: Freedom House: Freedom in the World Reports, Subscores.

* NOTAÇÃO: DP, LC, Status onde:11


DP – Direitos Políticos (1-7) LC – Liberdades Civis (1-7) Status – F-Livres; PF –
Parcialmente Livres; NF – Não Livres

11 Para detalhes sobre a metodologia adotada veja http://www.freedomhouse.org/template.cfm?page=


351&ana_page=333&year=2007

160
Promovendo a Democracia no Mercosul: Desafios Teóricos, Institucionais e Políticos

Tabela 3 : Atuação da OEA a favor da defesa da democracia


nos Estados-Membros do Mercosul (1991-2008)12
Arg Bra Par Uru Chi Bol Per Col Equ Ven

1996 2003 1992 1997 2002


1999 2005 2003 2000
2000 2008 2005 2005

Fonte: Atualizado pela autora a partir de Sacasa op. cit., p. 151, e Arrighi, Jean Michel, OEA –
Organização dos Estados Americanos. São Paulo: Manole, 2004, p. 132.

Tabela 4 : Atuação do Mercosul a favor da promoção e defesa da democracia nos


seus Estados-Membros (no período em que já eram membros plenos ou associados)

Arg Bra Par Uru Chi Bol Per Col Equ Ven

1996 2003 2005 2005


1999 2005
2008

Em resumo, entre os Membros plenos do Mercosul (Argentina, Brasil, Uruguai e


Paraguai, todos signatários do Tratado de Assunção de 1991) somente o Paraguai pas-
sou por crises democráticas endereçadas pelo bloco; a primeira em 1996 e a segunda
em 1999. A reação do Mercosul a estas crises foi objeto de diversas análises.13 Embora
o Protocolo de Ushuaia não existisse em 1996 e não estivesse ratificado em 1999, o
Mercosur teve uma atuação definitiva, com várias declarações de apoio na imprensa
por parte de altas autoridades. Em termos formais, os Presidentes emitiram
Declarações de apoio à democracia (Declarações 3/1996 e 2/1999).
Entre os Membros associados: Chile e Bolívia (desde 1996), e Peru, Colômbia,
Equador e Venezuela (desde 2004), houveram crises democráticas na Bolívia em 2003
(renúncia do Presidente Gonzalo Lozada), 2005 (renúncia do Presidente Carlos Mesa)
e 2008 (Referendo Revogatório), no Peru em 2005 (tentativa de golpe contra

12 Ações incluem invocação formal da Resolução 1080 e da Carta Democrática Interamericana, assim como
atuações preventivas por parte do Conselho Permanente (veja Sacasa op. cit., p. 151).
13 Veja, por exemplo Valenzuela, A.The collective defense of democracy. Lessons from the Paraguayan crisis
of 1996. Report to the Carnegie Comission on Prevently Deadly Conflict. Carnegie Corporation of New
York, 1999. Disponível online em http://www.wilsoncenter.org/subsites/ccpdc/pubs/valenz/valefr.htm
(acesso em 06/06/09), Strömberg, Th. Did regional integration save democracy in Paraguay? Working Paper
for the Bertil Ohlin Institutet, 1997 Oslo. Disponível em http://www.ohlininstitutet.nu/skrifter/para-
guay.doc (acesso em 06/06/09), e Ribeiro Hoffmann op. cit.

161
Andrea Ribeiro Hoffmann

Presidente Toledo),14 e Equador 2005 (destituição Presidente Lucio Gutierrez).15


Apesar de várias declarações à imprensa, em termos de manifestações formais do
Mercosul, foram encontradas apenas um Comunicado Presidencial sobre a situação da
Bolívia de 2008, onde consta uma saudação à Declaração de La Moneda da UNASUL
de apoio ao Presidente Evo Morales (Comunicado de CMC_2008_ACTA02, para
13).16 O Referendo Revogatório também contou com uma Missão de Observação
Eleitoral Ad Hoc do Mercosul.
O caso da Venezuela é particularmente interessante, pois, como visto acima, uma
análise a partir dos relatórios da OPSA/IUPERJ e da Freedom House, por exemplo, não
se pode afirmar que houve uma ruptura democrática. Como será argumentado abaixo,
a dificuldade de se fazer uma análise ponderada da situação política da Venezuela deve-
se ao fato dela requerer uma análise mais profunda da própria definição de democra-
cia.17 Além disso, também devem ser levadas em consideração as conseqüências polí-
ticas a partir da definição de que há uma crise. Em relação ao processo de adesão deste
país como membro pleno,18 pode-se afirmar que, por um lado, se interpretarmos a con-

14 Sobre o Peru veja por exemplo Coutinho, Marcelo, Intentona de Ano Novo: uma análise da crise institucio-
nal do Peru. OPSA/IUPERJ. Análise de Conjuntura n. 2 2005, Vecchione, Marcela, Eleições e violência
Política no Peru. OPSA/IUPERJ. Observador Online v. 1, n. 2 Abr 2006 e Cruz Jr, Ademar, Novos rumos,
velhos problemas – as tortuosas vias de negociação e conciliação no segundo mandato de Alan Garcia.
OPSA/IUPERJ Análise de Conjuntura 11 2007; e sobre a Bolívia, veja por exemplo Taboyo, Juan R.Q.,
Bolivia, entre La crisi y El caos¿Existe una salida negociada? OPSA/IUPERJ Análise de Conjuntura 11 2005,
Guimarães, Cesar, J.M.Domingues e Maria Moreno, A História sem fim. OPSA/IUPERJ Análise de
Conjuntura 5 2005, Zucca Jr., Cesar, Bolívia: Política Doméstica e Inserção Regional. OPSA/IUPERJ
Estudos e Cenários. Ago 2008, Zucca Jr, Cesar, O legislativo no conflito político Boliviano. OPSA/IUPERJ
Papéis Legislativos Abr 2009, Domingues, J. M., A Bolívia às vésperas do futuro. OPSA/IUPERJ Análise de
Conjuntura n. 9 2008.
15 Note-se que o Equador somente aderiu ao Protocolo de Ushuaia em 29/06/2007.
16 Como não todos os documentos oficiais do Mercosur encontram-se online, um levantamento completo
necessitaria uma pesquisa mais abrangente de fontes primárias.
17 Sobre a Venezuela veja, por exemplo, Pinheiro, Flávio (2009) Incorporação da Venezuela ao Mercosul:
razões para o impasse no Legislativo brasileiro. OPSA/IUPERJ. Observador On-line v. 4, n. 3, mar. 2009,
Flores, Fidel Pèrez , A Venezuela depois do referendo: avanços e recuos do projeto socialista de Hugo
Chávez. OPSA/IUPERJ. Observador On-line, v. 3, n. 7, jul. 2008, Alvarez, Angel, Los dilemas de la revolu-
ción a la Chávez. OPSA/UPERJ. Papéis Legislativos, ano 2, n. 2, maio 2008, Lima, M.Regina Soares &
Regina Kfuri, Política Externa da Venezuela e Relações com o Brasil. OPSA/IUPERJ. Papéis Legislativos, n.
6, out. 2007, Santos, Fabiano & Márcio Vilarouca, Adesão da Venezuela ao Mercosul: Des-ideologizar como
forma de atingir o interesse Nacional. OPSA/IUPERJ. Papéis Legislativos, n. 4, ago. 2007.
18 Para uma detalhada análise do processo de ratificação do protocolo no Brasil veja Pinheiro op.cit..
Conforme afirma este autor, o Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul foi ratificado pouco depois
pela Assembléia Nacional da Venezuela, e também na Argentina e no Uruguai. Até junho de 2009 o acor-
do não havia sido apreciado pelo Legislativo no Paraguai. No Brasil, foi aprovado em 18/12/2008 pela ple-
nária da Câmara de Deputados, após debates polêmicos durante o trâmite interno, e ainda precisa ser apro-
vado pelo Senado. A lentidão na aprovação no Brasil já levou a crises diplomáticas, tendo o Presidente
Chávez inclusive acusado o Congresso de repetir “como um papagaio o que dizem em Washington” (Valor
Econômico 01/07/07). A situação de impasse continua e se tornou mais complexa quando o senador José
Sarney, opositor declarado do presidente Chávez, assumiu a presidência do Senado em fevereiro de 2009
(Pinheiro, op. cit., p. 3).

162
Promovendo a Democracia no Mercosul: Desafios Teóricos, Institucionais e Políticos

dicionalidade democrática de uma forma rígida, a cláusula democrática não apenas já


poderia ter sido invocada, como também, citada como um impedimento para a própria
ratificação do tratado de adesão do país como membro pleno, como o que está fazendo
um grupo de parlamentares do congresso brasileiro, sobretudo dos partidos da oposi-
ção do governo do Presidente Lula.19 Por outro lado, poder-se-ia argumentar que caso
torne-se um membro pleno, o governo venezuelano teria uma maior pressão para res-
peitar o regime democrático, o que é o argumento avançado pelo governo federal e
corpo diplomático brasileiro. Questionado sobre o processo de adesão da Venezuela, o
Ministro de Relações Exteriores, Celso Amorin afirmou que “viver em coexistência
com democracias no Mercosul ajudará o fortalecimento da democracia na
Venezuela”.20 Este dilema será retomado abaixo ao se tratarem os desafios políticos do
papel do Mercosul na promoção da democracia de seus Estados-Membros.

III. Desafios para a consolidação do papel do Mercosul na promoção da


democracia nos seus Estados-Membros

2. Desafios Teóricos

Um primeiro desafio para a consolidação do papel do Mercosul na promoção da


democracia nos seus Estados-Membros deriva da própria definição da democracia, e,
neste sentido, é valido não apenas para o Mercosul para qualquer entidade, seja uma
instituição internacional ou regional ou um Estado. O tema da definição da democra-
cia é extremamente amplo e complexo, tendo sido tratado por filósofos políticos e
cientistas sociais desde Platão e Aristóteles até Robert Dahl, Arend Lijphart,
T.H.Marshall, Guilhermo O´Donell, David Held e Juergen Habermas para citar
alguns exemplos.21 Dado que seria impossível tratar este tema com a devida profun-
didade neste artigo, mais do que respostas, ele apresenta alguns questionamentos.
Embora um dos questionamentos centrais no debate teórico atual seja se é pos-
sível se pensar em democracia e legitimidade democrática em entidades políticas além
dos Estados, o que é pertinente para organizações regionais como o Mercosul, e bre-
vemente visto abaixo em desafios institucionais, por desafios teóricos se entende nesta
sessão os desafios de se definir democracia em regimes políticos domésticos. Alguns
destes desafios não são novos: o debate entre direitos civil e políticos por um lado, e

19 Pinheiro, op. cit.


20 Estado de São Paulo, 21/11/2007.
21 Robert Dahl, Polyarchy: Participation and Opposition, Yale University Press, 1971, Lijphart, Arend,
Patterns of Democracy. Government Forms and Performance in Thirty-Six Countries. New Haven &
London: Yale University Press, 1999, T. H. Marshall, Citizenship and Social Class, 1950, Guilhermo
O´Donell, Contrapuntos, Ensayos escogidos sobre autoritarismo y democratización, Buenos Aires, Paidós,
1997, Habermas, Jurgen, The Constitucionalization of International Law and the Legitimation Problems of
a Constitution for a World Society, Constellations, 15:4, 2008, Held, David, Models of Democracy.
Cambridge & Malden: Polity Press, 2006.

163
Andrea Ribeiro Hoffmann

direitos sociais e econômicos, por outro, foi central na diferenciação das plataformas
políticas socialistas, sociais-democráticas e liberais.22 O resgate deste debate deve-se
ao fim das quase duas décadas de hegemonia do paradigma liberal, que havia se forta-
lecido após o fim do comunismo, tanto em seu aspecto econômico como político. Em
meados dos anos 2000, o descontentamento com o neoliberalismo havia deixado de
ser um movimento restrito ao Fórum Social Mundial e já estava na agenda de institui-
ções internacionais tais como o Banco Mundial,23 e na plataforma de vários novos
governos na América Latina. A partir da oposição ao modelo liberal, no entanto, não
surgiu um consenso normativo sobre novos modelos de desenvolvimento ou de orga-
nização social e política, pode-se dizer que, no momento, vivemos um período de
busca e experimentação, e, conseqüentemente, polêmica e incerteza. Jorge Castaneda
descreve duas trajetórias dentro da ‘virada à esquerda nas Américas’:24

“Starting with Hugo Chávez’s victory in Venezuela eight years ago, and
poised to culminate in the possible election of Andrés Manuel López Obrador in
Mexico’s July 2 presidential contest, a wave of leaders, parties, and movements
generically labeled “leftist” have swept into power in one Latin American
country after another. After Chávez, it was Lula and the Workers’ Party in
Brazil, then Néstor Kirchner in Argentina and Tabaré Vázquez in Uruguay, and
then, earlier this year, Evo Morales in Bolivia. If the long shot Ollanta Humala
wins the April presidential election in Peru and López Obrador wins in Mexico,
it will seem as if a veritable left-wing tsunami has hit the region. Colombia and
Central America are the only exceptions, but even in Nicaragua, the possibility
of a win by Sandinista leader Daniel Ortega cannot be dismissed.
The rest of the world has begun to take note of this left-wing resurgence,
with concern and often more than a little hysteria. But understanding the rea-
sons behind these developments requires recognizing that there is not one Latin
American left today; there are two. One is modern, open-minded, reformist, and
internationalist, and it springs, paradoxically, from the hard-core left of the past.
The other, born of the great tradition of Latin American populism, is nationa-
list, strident, and close-minded. The first is well aware of its past mistakes (as
well as those of its erstwhile role models in Cuba and the Soviet Union) and has
changed accordingly. The second, unfortunately, has not.”

No caso da Venezuela, como afirma Flores,25 o modelo do projeto socialista pro-


movido por Hugo Chávez, cujo um dos elementos é uma ‘democracia protagônica

22 Janine Ribeiro, Renato, A Democracia. São Paulo: Publifolha, 2002.


23 Stigliz, Joseph , Globalization and its Discontents, W. W. Norton & Company, 2002.
24 Castaneda, Jorge, Latin Americas Left Turn. Foreign Affairs 85 (3), 2006, pp. 28-43, p. 1.
25 Flores, Fidel Pèrez, A Venezuela depois do referendo: avanços e recuos do projeto socialista de Hugo
Chávez. OPSA/IUPERJ. Observador On-line, v. 3, n. 7, jul. 2008.

164
Promovendo a Democracia no Mercosul: Desafios Teóricos, Institucionais e Políticos

revolucionária’, foi se consolidando progressivamente: “na época da redação do texto


constitucional de 1999, não se falava em socialismo. O discurso presidencial era enfá-
tico no tom anti-oligárquico e a favor das classes subalternas. Inclusive, pode-se dizer
que as boas relações com o governo de Cuba já eram então cultivadas com afinco pelos
mandatários das duas nações, mas na sua retórica o presidente da Venezuela não havia
incorporado o léxico socialista. (...) Foi em janeiro de 2005, durante um evento de
massas no Fórum Mundial de Porto Alegre, no Brasil, que Chávez afirmou pela pri-
meira vez que o caminho a seguir devia ser o socialismo. (...) em entrevista ao jornal
chileno Punto Final, em julho desse mesmo ano, reconheceu que seu pensamento
havia evoluído e que, depois de apostar primeiro no capitalismo humano inspirado nas
idéias defendidas pelo ex-primeiro ministro britânico Tony Blair, chegou à conclusão
de que o único caminho para resolver o problema da pobreza era o socialismo”.26
Importante para a discussão desta sessão é a constatação que mesmo dentro de um
paradigma econômico de contestação ao capitalismo, Chávez mantém filiação ao regi-
me democrático, ainda que não esteja claro o que se entende por democracia protagô-
nica revolucionária.
A banalização do conceito de democracia não é uma exclusividade de Chávez,
pelo contrário, parece ser um fenômeno mundial. Como afirma Katherine Fierlbeck
em um livro extremamente instigante: “since the demise of communism, the idea of
democracy had gone from being under-theorized to being accepted uncritically in all
sorts of shapes and manifestations”.27 A autora defende que embora o conceito oci-
dental de democracia seja filosoficamente ambíguo e freqüentemente contraditório,
isso não justifica a expansão do termo indefinidamente. Em sua formulação mais sim-
ples, a democracia implicaria instituições que obriguem governadores a prestar con-
tas aos governados, no entanto, existem diferenças substanciais sobre tanto a estrutu-
ra como a função da democracia. A regra básica da votação pela maioria requer uma
complementação de proteção das minorias, o que normalmente é feito através de um
sistema de direitos. Uma das grandes dificuldades para a consolidação de uma defini-
ção universal de democracia seria se alcançar um sistema de direitos desvinculado de
especificidades culturais.28 O debate acerca da universalidade dos direitos humanos
está, portanto, no cerne do problema em se definir regimes democráticos.
Outro problema teórico relacionado à consolidação de regimes democráticos em
Estados é o problema causal; ou seja, é possível promover e defender a democracia “de
fora”? Este tema foi brevemente tratado em uma publicação anterior já citada29 mas é

26 Flores op. cit., pp. 2-3.


27 Fierlbeck, Katherine, Globalizing Democracy. Power, legitimacy and the interpretation of democratic
ideas. Manchester & New York: Manchester University Press, 2008, p. 1. Veja também Nef, Jorge & Bernd
Reiter, The Democratic Challenge. Rethinking Democracy and democratization. Basingstoke: Palgrave
Macmillan, 2009 e Souza, Jesse (org.) Democracia Hoje. Novos desafios para a teoria democrática contem-
porânea. Editora UnB, 2001.
28 Fierlbeck, op.cit, pp. 200-201.
29 Ribeiro Hoffmann 2008 op. cit.

165
Andrea Ribeiro Hoffmann

importante mencioná-lo com outro fator que desafia o papel do Mercosul na defesa e
promoção da democracia em seus Estados-Membros. Como argumentado nesta outra
publicação, fatores exógenos podem oferecer estímulos positivos, e podem até ter efei-
tos significativos determinantes no curto prazo, mas a consolidação profunda da
democracia requer o desenvolvimento de uma verdadeira cultura democrática, ou
seja, um complexo processo sócio-cultural que necessita do envolvimento da socieda-
de doméstica e que pode levar gerações.

2. Desafios Institucionais

Além dos desafios no nível teórico e analítico, pode-se destacar desafios institu-
cionais para a consolidação do papel do Mercosul na promoção da democracia em seus
Estados-Membros. Assim como todas as instituições internacionais, uma das condi-
ções necessárias para que o Mercosul possa cumprir um papel significante é que ele
tenha credibilidade e legitimidade.30 Embora não seja possível elaborar uma avaliação
empírica da credibilidade e legitimidade do bloco neste artigo, o que consistiria em
uma pesquisa bastante abrangente, pode-se afirmar com base na literatura secundária
disponível31 que no que se refere à legitimidade de input, o bloco tem ampliado o
espaço institucional de representação e participação com, entre outros, a criação do
Parlamento do Mercosul e apoio ao programa Somos Mercosur, embora nem sempre
com o resultado imediato satisfatório. No que se refere à legitimidade de output, ou
seja, de resultados, tomando-se por base dois objetivos centrais do bloco (além da pro-
moção da democracia), i.e. promover o desenvolvimento econômico, e otimizar a
inserção internacional de seus Estados-Membros, pode-se afirmar que o Mercosul
também apresenta resultados positivos. Dada a dimensão dos problemas sociais e eco-
nômicos de seus Estados-membros, e que a integração regional não pode ser vista
como uma panacéia, pode-se dizer que o Mercosul pelo menos não tem sido um fator
negativo, ou seja, não tem sido rejeitado pelos governos e cidadãos de seus estados-
membros. Não há hoje, a despeito de problemas graves tais como os baixos índices de
internalizarão de normas32 e mau uso dos mecanismos de solução de controvérsias,
como por exemplo durante a crise das “papeleras”33 movimentos significativos contra
o Mercosul, nem governos pregando a saída do bloco. Mesmo o debate acerca das assi-

30 Sobre a legitimidade das instituições internacionais veja, por exemplo, Habermas, Jurgen, The
Constitucionalization of International Law and the Legitimation Problems of a Constitution for a World
Society, Constellations, 15:4, 2008, Fonseca Jr., Gelson, O interesse e a regra: ensaios sobre o multilateralis-
mo. São Paulo: Paz e Terra, 2008, e Ribeiro Hoffmann A. and Van der Vleuten, A. (eds) Closing or Widening
the Gap? Legitimacy and Democracy in Regional Integration Organizations. Aldershot: Ashgate, 2007.
31 Veja por exemplo Ratton, Medeiros e Malamud em Ribeiro Hoffmann & van der Vleuten op. cit.
32 Ventura, Deisy & Alejandro Perotti, El Proceso Legislativo Del Mercosur. Montevideo: Mastergraf, 2004.
33 Magalhães, Bruno, O Papel do Mercosul: a crise das papeleras e o processo de integração regional sul-ame-
ricano. OPSA/IUPEJ. Observador Online v. 1, n. 6, 2006. Disponível em http://observatorio.iuperj.br/archi
ve/Observador_v_1_n_6.pd. (acesso em 06/06/09).

166
Promovendo a Democracia no Mercosul: Desafios Teóricos, Institucionais e Políticos

metrias internas, avançado principalmente pelo Uruguai e Paraguai, e que poderia ter
levado a uma crise grave do bloco, resultou na criação de instrumentos tais como o
Fundo de Convergência Estrutural (FOCEM), em 2004. A partir desta breve análise,
pode-se dizer que o bloco goza de um nível aceitável de credibilidade e legitimidade.
Outra dimensão institucional importante para que o Mercosul cumpra um papel
na promoção da democracia dos seus Estados-Membros é que ele disponha de instru-
mentos específicos eficazes. Os instrumentos atualmente disponíveis, i.e. Protocolo de
Ushuaia, mecanismo de observação eleitoral e Observatório da Democracia parecem
ser adequados no sentido em que têm um elemento preventivo de coleta e dissemina-
ção de informações e análises, e um elemento punitivo com a cláusula democrática. A
eficácia, sobretudo das missões de observação eleitoral e do Observatório, depende da
disponibilidade de recursos financeiros e vontade política de utilizá-los, e não de
capacidade técnica em si.

2. Desafios políticos

Finalmente, alem dos desafios teóricos e institucionais, pode-se destacar o que é


aqui definido como desafios políticos. Por desafios políticos entende-se a motivação
dos atores políticos atuantes na ocasião de cada crise e cujas decisões vão, em última
instância, levar à inserção do tema da crise na agenda do bloco, e a possível invocação
da cláusula democrática e intervenção no Estado onde a democracia esteja sendo amea-
çada. A distinção entre o “dever atuar “e o “atuar” é um dos principais temas estudados
pelas perspectivas teóricas de Relações Internacionais. Perspectivas tais como o
Realismo e o Construtivismo, por exemplo, oferecem interpretações diversas sobre a
relação entre estas duas esferas. Enquanto que para os Construtivistas, o comportamen-
to dos atores é fortemente determinado pelas normas e expectativas de terceiros, para
os realistas, ele depende inteiramente de interesses racionais e relações de poder.34
Para autores construtivistas tais como Keck and Sikkink,35 identidades, normas
e interesses são mutuamente constitutivos. Se uma organização regional tiver interna-
lizado valores democráticos e adquirido uma identidade democrática, a não-interven-
ção em caso de violação de princípios democráticos em um Estado membro não se
constitui uma atitude apropriada. A organização pode ser difamada (shamed) por ato-
res domésticos e externos. Deixar de intervir nestes casos danificaria sua imagem
domesticamente e internacionalmente. Uma identidade regional democrática pressu-
põe que seus Estados membros em si também sejam democracias relativamente homo-

34 Sobre estas teorias veja por exemplo Burchill, Scott, Andrew Linklater, Richard Devetak, Jack Donelly,
Terry Nardin, Matthew Paterson, Christian Reus-Smit, Jacqui True , Theories of International Relations,
Basingstone & NY: Palgrave Macmillan, 2009.. O restante desta sessão se baseia fortemente no trabalho
coletivo desta autora com Anna van der Vleuten: Ribeiro Hoffmann A. and Van der Vleuten, A. Explaining
the Enforcement of Democracy by Regional Organizations: Comparing EU, Mercosur and SADC, Journal
of Common Market Studies (no prelo)
35 Keck, M.E. and Sikkink, K., Activists beyond Borders. Ithaca: Cornell University Press, 1998.

167
Andrea Ribeiro Hoffmann

gêneas. A medida que os Estados membros se percebam mutuamente como democra-


cias, eles definirão a organização como um cube onde a democracia é uma das normas
constitutivas que devem ser respeitadas. Identidade comum democrática é vista neste
caso, como uma variável possibilitadora (enabling), ou seja, necessária, mas não sufi-
ciente). No caso do Mercosur, pode-se avaliar que o bloco tem uma identidade demo-
crática, ainda que não totalmente consolidada, dado que se verifica no nível regional
uma progressiva institucionalização da condicionalidade democrática, como visto
acima, e que seus estados-membros são avaliados livres ou parcialmente livres pelos
indicadores da Freedom House (veja tabela 2).
Ainda assim, é aqui argumentado, que uma identidade comum democrática não
necessariamente implica que um grupo de Estados atue assim que a democracia este-
ja sob ameaça. Como é normalmente o caso em sistemas internacionais que não
tenham uma autoridade superior, problemas de ação coletiva podem bloquear ações,
a menos que potências hegemônicas assumam a liderança. Adicionalmente, hegemon
regionais podem bloquear intervenções. O consentimento e participação de estados
hegemônicos são, portanto, condições necessárias para que uma intervenção se mate-
rialize. Desta forma, pode-se argumentar que organizações regionais que tenham uma
identidade democrática intervirão em Estados membros caso este seja o interesse do
hegemon regional. Este argumento leva ao questionamento de quando hegemon
regionais terão interesse em promover ou defender a democracia. Os Estados atuam
segundo interesses geopolíticos, de preservar e fortalecer seu poder relativo, interes-
ses materiais (econômicos), e interesses de promover seus valores e defender seu pres-
tigio internacional. O grau de identidade democrática (doméstica) também influencia
seus interesses ideacionais: dependendo de seu próprio histórico democrático, seu
prestígio pode beneficiar-se de uma intervenção, ou permitir não-intervenção.
Adicionalmente, organizações regionais não existem em isolamento dos processos
globais, mas precisamente, constituem entre outros, respostas estratégicas a estes proces-
sos. Um dos objetivos do Mercosul, por exemplo, é a melhoria da inserção internacional
de seus Estados membros. A “opinião internacional” sobre a desejabilidade de intervir ou
não é levada em conta pelos Estados-membros; não-intervenção pode danificar a imagem
do hegemon e da organização regional, assim como implicar em sanções materiais.
Em resumo, pode-se afirmar que para que organizações regionais intervenham
em casos de ameaças à democracia, não basta que elas tenham o que aqui foi definido
como “identidade democrática”, mas também, que a intervenção atenda os interesses
do estado hegemon, que por sua vez, vai depender tanto de fatores ideacionais, como
materiais, e da existência de pressão externa.

IV. Conclusões

A partir da hipótese de trabalho desenvolvida acima, pode-se concluir que apesar


do Mercosul ter consolidado o princípio da condicionalidade democrática, e ter desen-

168
Promovendo a Democracia no Mercosul: Desafios Teóricos, Institucionais e Políticos

volvido instrumentos institucionais e jurídicos que o possibilita intervir em seus Estados


membros no caso de crises democráticas, isso nem sempre é, ou será, o caso. Em outras
palavras, o comportamento do Mercosul não pode ser derivado apenas das normas que
o compõe. Em particular, os interesses do Estado hegemônico, no caso, o Brasil, e a exis-
tência de pressão externa, terão um papel central nas decisões de intervir ou não.
A análise das crises democráticas listadas na tabela 4 corrobora este argumento,
sobretudo, o contraste entre as intervenções imediatas e decisivas no Paraguai e com-
plexa situação na Venezuela. Enquanto que no caso do Paraguai havia interesses
materiais e ideacionais claros, que levaram uma atuação imediata por parte do gover-
no brasileiro e do Mercosul, este não é o caso da Venezuela. Neste caso, fatores mate-
riais contam contra intervenções (relacionados ao comércio e investimentos), e não há
um consenso claro sobre interesses ideacionais dados a crise do neoliberalismo e a
contestação do conceito de democracia.
Além do desafio político e do desafio da definição de democracia, foi visto que
existem desafios relacionados à capacidade de se promover a democracia exogena-
mente, e desafios relacionados à credibilidade e legitimidade do Mercosul para que o
bloco consolide seu papel na promoção e defesa da democracia em seus estados mem-
bros. A dimensão da tarefa não deve, no entanto, levar a complacência perante o sofri-
mento alheio, neste sentido, um primeiro passo decisivo é o confronto à banalização
do conceito de democracia.

169
La Cláusula Democrática y el Parlamento del Mercosur.
Contextualización de su Alcance y Dimensionalidad
Mariela Morales Antoniazzi1

Sumarioo: I. Introducción II. Integración y valores democráticos en el contexto suramericano III. ¿La democracia
como valor sine qua non de la integración jurídica en Suramérica? IV. El Parlamento del Mercosur y la democracia
V. Conclusiones en tesis

I. Introducción

El derecho a la democracia es una creación reciente y se inscribe dentro de la


denominada por Cançado Trindade como la “era de la internacionalización de la demo-
cracia”.2 A nivel global, regional o subregional ha surgido el debate acerca de la exis-
tencia de un derecho humano a la democracia.3 En efecto, la cuestión democrática ha
sido una preocupación cada vez más central de las organizaciones internacionales y
del Derecho Internacional desde el final de la Guerra Fría (1947-1991). Algunas orga-
nizaciones regionales, tales como el Consejo de Europa (COE) y la Organización de
Estados Americanos (OEA), ya habían proclamado la democracia como un objetivo
antes de comienzos de la década de los noventa.4 Pero la división del Este y el Oeste,
con su profundo desacuerdo con respecto a las nociones de gobernabilidad y legiti-
midad, excluyó cualquier compromiso jurídico internacional sobre la democracia,
como no hubo tampoco acuerdo ni sobre su conveniencia ni sobre su propia signifi-
cación. En los tratados internacionales sobre derechos humanos redactados antes de
1989 también se guarda silencio sobre la cuestión, garantizando los derechos que
muchos consideran como elementos constitutivos de la democracia, pero no un dere-
cho a la propia democracia. Dos concepciones pueden ser constatadas en los instru-
mentos legales a nivel internacional, como son la procedimental (focalizada en las

1 Abogada summa cum laude de la Universidad Católica Andrés Bello de Caracas, Venezuela. Magíster
Legum (LL.M) de la Universidad de Heidelberg, Alemania, Referentin para Suramérica del Instituto Max
Planck de Derecho Público Internacional y Derecho Público Comparado, Heidelberg, Alemania. Profesora
de Postgrado de Derecho Constitucional de la UCAB. Coordinadora académica del Proyecto de
Constitucionalización del orden jurídico, Universidad de Bonn, Alemania-Universidad de los Andes,
Colombia. Miembro de la Asociación de Derecho Constitucional de Venezuela.
2 A. A. Cançado Trindade, El derecho internacional de los derechos humanos en el siglo XXI, Barcelona, ed.
Jurídica de Chile, 2001, pp. 147-183.
3 Un análisis detallado en, N. Petersen, Demokratie als teleologisches Prinzip. Zur Legitimität von
Staatsgewalt im Völkerrecht, Beiträge zum ausländischen öffentlichen Recht und Völkerrecht, Bd. 204,
2008, pp. 2 ss.
4 G. Fox, Democracy, Right to, International Protection, Max Planck Encyclopedia of Public International
Law, http://www.mpepil.com/sample_articles.

171
Mariela Morales Antoniazzi

elecciones y la participación política) y la sustancial (vinculada a la gramática de los


derechos humanos). En este artículo se pretende defender la segunda visión.
El derecho a la democracia está en evolución en el ámbito internacional, regio-
nal y subregional. Sin embargo, hay relativamente pocos casos en los cuales la demo-
cracia esté establecida explícitamente como un derecho.5 En el ámbito regional inte-
ramericano se ha avanzado en este sentido. El derecho a la democracia sí está regula-
do en el modelo regional: la Carta Democrática Interamericana, la cual debe servir
como fuente de interpretación en los ámbitos subregional y nacional.
La afirmación anterior sirve de premisa en el presente trabajo. Se aborda en la
primera parte, de manera general, la idea integracionista desde su retrospectiva, desta-
cando las diversas iniciativas, siempre vinculadas a la institucionalidad democrática.
Sin duda, el valor de la democracia ha inspirado los modelos creados para la unión de
los pueblos suramericanos. Seguidamente, el estudio se concentra en el interrogante
de si la democracia debe entenderse como requisito sine qua non para la integración
jurídica. Tres ejes son claves: la visión comparada con Europa, la contextualización de
la Carta Democrática Interamericana como marco jurídico (aun cuando no sea stric-
tu sensu un instrumento vinculante) y el caso concreto del Mercosur. La última parte
del trabajo se dedica al rol del Parlamento del bloque mercosureño como órgano de
legitimidad democrática, como foro para la democracia y la protección de los dere-
chos humanos, a pesar de sus debilidades como institución sin competencias legislati-
vas (sólo cuasi-legislativas) ni tampoco estar dotado de competencias de control par-
lamentario. Se concluye con algunas tesis, en las que se pone de relieve el alcance y
dimensionalidad de la condicionalidad democrática en la región. El análisis de las tesis
conclusivas se enmarca en la propia estructura de la Carta Democrática
Interamericana, en el espacio jurídico interamericano (así como existe el espacio
jurídico europeo), dado que en ella se precisan los elementos esenciales de la demo-
cracia, sus componentes, su conexión con la cuestión social. Así, el principio
democrático, de carácter abstracto, encuentra sus contornos a través de la normativi-
dad y define su perspectiva futura.
En consecuencia, este artículo aspira a ofrecer un enfoque que enfatiza los están-
dares de la Carta como parte de un acervo doctrinal y normativo en progresiva for-
mación. Todos los estándares de la democracia representativa y de la participación
ciudadana -que refuerza a la primera en su legitimidad y le sirve de fundamento-,
encuentran eco en los pronunciamientos de la Corte Interamericana de Derechos
Humanos (CorteIDH), tanto en sus opiniones consultivas como en sus sentencias con-
tenciosas y deben concretarse en la interpretación de la cláusula democrática en el
ámbito mercosureño. La tesis esencial de esta contribución consiste en sostener que
las disposiciones de la Carta tienen la función de ser una especie de “cláusula de corte

5 Art. 1 Declaration on Democracy of the Inter-Parliamentary Union (IPU) describes democracy as ‘a basic
right of citizenship’. Dejando de lado el contexto interamericano, se encuentran otras iniciativas como por
ejemplo The Great Lakes Pact Protocol on Democracy and Good Governance, Cfr. http://www.icglr.org.

172
La Cláusula Democrática y el Parlamento del Mercosur.
Contextualización de su Alcance y Dimensionalidad

transversal” constitucional que va a permear la totalidad de los órdenes jurídicos, lo


cual también postula e incluye el precepto de homogeneidad entre la Carta y las
Constituciones nacionales. Los ordenamientos constitucionales van a reflejar una
cierta homogeneidad al consagrar los estándares de la Carta, de la jurisprudencia de la
CorteIDH y de la propia labor de los Tribunales Constitucionales para la garantía de
la tríada: Estado de Derecho, derechos humanos y democracia, que se han acuñado
como expresión de los consensos básicos de los Estados. Además, un diálogo pluralista
y constructivo entre las instancias judiciales se erige como primordial para alcanzar la
fuerza impositiva de la cláusula democrática, todo lo cual debe tener aplicación conc-
reta en el orden constitucional del Mercosur, esto es, de su Constitución en sentido
material. Por ende, se afirma, el Parlamento del bloque debe actuar en esta dirección,
aun cuando sus atribuciones no consagren strictu sensu todo el espectro de su poten-
cialidad como órgano de legitimidad democrática. El Mercosur está en construcción y
sus instituciones también. Ante el cuestionamiento de cómo encarar el desafío de la
condicionalidad democrática, se esbozan a continuación algunos aportes para el
debate jurídico-constitucional.

II. Integración y valores democráticos en el contexto suramericano

La idea de la integración en Suramérica no es original ni nueva, lo que sí es orig-


inal es el proceso de la integración en la región.6 Hablar de integración7 no resulta una
novedad,8 pues la idea de una integración económica y política latinoamericana tiene
larga tradición y se remonta al propio movimiento independentista. En 1826 Bolívar
ya presentaba el Tratado de Unión, Liga y Confederación. Si bien en esa época no
logró resultados concretos, sí contribuyó a la formación simbólica de una identidad
subcontinental. En la doctrina se hace alusión a la integración como un sinónimo, en
un cierto sentido, del nacionalismo latinoamericano.9

6 W. Hummer, “Integration in Lateinamerika und in der Karibik. Aktueller Stand und zukünftige
Entwicklungen” en Verfassung und Recht in Übersee, 38. Jahrgang, 1. Quartal 2005, p. 6. Ver también W.
Matiaske, H. Brunkhorst, G. Grözinger, M. Neves (eds.), The European Union as a Model for the
Development of Mercosur? Transnational Orders between Economic Efficiency and Political Legitimacy,
Zentrum und Peripherie, Volumen 4, München, 2007, p. 9 ss.
7 La integración tiene múltiples significados y conceptualizaciones. Ver H. Arbuet-Vignali, Claves jurídicas
de la integración, en los sistemas del Mercosur y la Unión Europea, 2004, pp. 180 ss; M. Klumpp, “La efec-
tividad del sistema jurídico del Mercosur”, en Mercosur-Mercosul, M. Basso (ed.), São Paulo, 2007, p. 53 ss.
8 El regionalismo abierto, como noción gestada y desarrollada por la CEPAL, se basaba en una manera de dar
cuenta de los cambios estructurales de la mayoría de los países latinoamericanos y que pretendía conciliar
las políticas explícitas de integración con las políticas tendentes a elevar la competitividad internacional.
Ver R. Prebisch, “Sobre la dependencia y el desarrollo”, en Crisis y desarrollo alternativo en América
Latina, 1985, pp. 13 y ss. Ver también M. Mols (ed.), Regionalismus und Kooperation in Lateinamerika und
Südostasien, Münster, Bd. 7, 1993, p. 47 ss.
9 D. Nohlen, “Caudillismo, nación/nacionalismo e integración”, en A. von Bogdandy, C. Landa Arroyo, M.
Morales Antoniazzi (eds.), ¿Integración Sudamericana a través del Derecho? Un análisis interdisciplinario

173
Mariela Morales Antoniazzi

A mediados del siglo XX los esfuerzos de integración tomaron curso, pasando por
diversas concepciones basadas en los pensamientos panamericanos e interamericanos,
en especial cuando ellas envolvían la participación de los Estados Unidos. Las impli-
caciones y expectativas eran divergentes sobre la forma y la intensidad de la coope-
ración, fuertemente marcadas por las relaciones políticas y económicas asimétricas
entre los EEUU y los países latinoamericanos.10 Desde el surgimiento de la Comisión
Económica para América Latina (CEPAL),11 pasando por el regionalismo abierto,12 las
ideas de integración regional han jugado un papel protagónico y en los últimos años
han adquirido una connotación política que ha dado lugar al denominado
“renacimiento” de los procesos integracionistas a nivel regional y subregional.13 Se
habla incluso de un nuevo regionalismo.14
Uno de los principales interrogantes que emergen en estos tiempos, en especial,
por las paradojas que se evidencian en la integración suramericana, está dada por la
dicotomía entre la integración “proclamada” y la integración “efectiva”.15 Las
asimetrías y barreras existentes generan un crítico cuestionamiento a las diferentes
iniciativas de integración. Pareciera que los latinoamericanos siendo mucho menos
diversos que los europeos, no logran consolidar instituciones de integración, y, por
tanto, es todavía una tarea pendiente. Por otro lado, los procesos “inacabados”, que se
ponen de manifiesto en la firma de nuevos Tratados16 y la creación de nuevas institu-

y multifocal, CEPC/Max Planck Institut für ausländisches öffentliches Recht und Völkerrecht, Madrid,
2009, p. 35 ss.
10 R. Zimmerling, “Die USA – “externer Föderator” für die lateinamerikanische Integration?”, en Nord und
Süd in Amerika, 1992, p. 154 ss.
11 En relación a la CEPAL, véase www.eclac.org. Igualmente, E. Díaz Porta, M. Hebler, W. Kösters, Mercosur.
Probleme auf dem Weg zu einer Zollunion, Arbeitshefte des Lateinamerika-Zentrums, 60, 2001, p. 3 ss.
12 M. Cristini, Mercosur-Europäische Union. Grundlagen und Perspektiven der Verhandlungen, Rio de
Janeiro, Konrad Adenauer Stiftung, Juli 2003, p. 5 ss.
13 N. Werz, Lateinamerika. Eine Einführung, Studienkurs Politikwissenschaft, 2005, p. 383-384; J. Briceño
Ruiz, “Del ALCSA a la Comunidad Sudamericana de Naciones. Explicando el nuevo regionalismo
caribeño”, en J. Briceño Ruiz, H. Gorodeckas (eds.), El ALCA frente al regionalismo Sudamericano. Las
opciones para Venezuela. San Cristóbal, Universidad de los Andes – CEFI, Universidad de Carabobo –
CELAC, p. 126.
14 H. Preusse, The New American Regionalism, Eberhard-Karls University, Tübingen, Germany, 2004.
15 Basta revisar los informes de la CEPAL sobre los obstáculos a vencer para una verdadera integración. J. E.
Durán/F. Masi, Diagnóstico de las asimetrías en los procesos de integración de América del Sur, documen-
tos de proyectos, Santiago de Chile, Nº 132 (LC/W.132), 2007. M. Vaillant, Heterogénea evolución de la
integración económica en América del Sur: entre la complementariedad y el conflicto, Santiago de Chile,
Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL). Serie de Comercio Internacional No. 83;
O. Rosales, J. E. Durán Lima, S. Sáez, “Recent trends in Latin American integration: an overview”, Texas,
Baylor University, en J. A. Mackiney/H. S. Gardner, Economic Integration in the Americas. Routledge
Studies in the Modern World Ecnomy, 2008, Parte III, p. 133 ss.
16 También la firma de Tratados de Libre Comercio (TLC) se califican como resquebrajamientos de los mo-
delos de integración. Véase A. Fairle Reinoso, “Integración regional y tratados de libre comercio: Algunos
escenarios para los países andinos”, en Fairle Reinoso, Alan (ed.), Países andinos frente al TLC y la
Comunidad Sudamericana de Naciones, Lima, Red Latinoamericana de Política Comercial (LATN) –
Friedrich Ebert Stiftung, 2006, p. 194.

174
La Cláusula Democrática y el Parlamento del Mercosur.
Contextualización de su Alcance y Dimensionalidad

ciones, sin haber alcanzado los objetivos iniciales, es decir, sin cumplirse a cabalidad
los pasos de la integración, producen serios déficit en el sistema de integración.17
Esto conduce a revisar la situación actual frente a la existencia en paralelo del
Mercosur y Unasur, como iniciativas más recientes. Primero nació Mercosur. A
través del Tratado de Asunción (TA) surgió el Mercosur como bloque regional
suscrito por Argentina, Brasil, Paraguay y Uruguay en 1991.18 Han ingresado con
el status de miembros asociados Chile y Bolivia (1996), Perú (2003), Colombia y
Ecuador (2004). Venezuela está en proceso de adhesión en la condición de miem-
bro pleno (aceptada desde 2005). El objetivo principal del Mercosur es la confor-
mación de un mercado común (art. 1 TA).19 No interesa aquí desarrollar toda la
doctrina controvertida sobre la naturaleza del TA como tratado marco,20 lo impor-
tante es destacar la fundación de un mercado común como piedra fundamental
para este proceso de integración.
En el Mercosur, conforme al art. 2 del Protocolo de Ouro Preto, los órganos con
capacidad decisoria son de naturaleza “intergubernamental”, carácter éste que se con-
firma con la propia composición de dichos órganos por miembros designados por los
respectivos gobiernos21 así como por la toma de decisiones por consenso (más severo
a veces que la propia unanimidad) y que requiere la presencia de todos los Estados
Partes.22 Respecto al carácter intergubernamental (contrario a la supranacionalidad),
es catalogado por algún sector de la doctrina como una debilidad que somete el dere-
cho del Mercosur a las reglas del Derecho Internacional y a los Derechos
Constitucionales de cada Estado Parte, privándolo de autonomía.23 Se argumenta así
que en el sistema sólo cuentan los intereses particulares de los Estados, la suma de

17 Caso del Mercosur, véase J. Briceño Ruiz, O MERCOSUL: Reflexões sobre a Crise de seu Modelo de
Integração e seu Relançamento, Cadernos do PROLAM, USP, 6, No. 1, 2007, pp. 187-209.
18 Sobre el origen del Mercosur y su carácter económico, ver F. Fuders, Die Wirtschaftsverfassung des
Mercosur, Berlín, 2008; A. Haller, Mercosur, Bd. 7, 2001, p. 42. Simonsen y Asociados, Mercosur: El Desafío
del Marketing de Integración, São Paulo, 1992, p. 17. En alemán existe abundante bibliografía sobre el
Mercosur. Sólo como ejemplos, J. Samtleben, Der Südamerikanische Gemeinsame Markt: eine rechtliche
Analyse des Mercosur (Teil I). Zeitschrift für Wirtschafts- und Bankrecht. Frankfurt am Main, 46.
Jahrgang, Heft 33, 1992. p. 1345-1352; J. M. Olivares Tramón, Das Vorabentscheidungsverfahren des EuGH
als Vorbild des Mercosur, Baden-Baden, 2006; U. Wehner, Der Mercosur: Rechtsfragen und
Funktionsfähigkeit eines neuartigen Integrationsprojektes und die Erfolgsaussichten der interregionalen
Kooperation mit der Europäischen Union, Baden-Baden, 1999. p. 253.
19 En el Cono Sur la firma del Tratado de Asunción concretaba los anteriores intentos de fortalecer la inte-
gración desde la segunda mitad de la década de los ochenta. En 1988 se firmó el Tratado de Integración,
Cooperación y Desarrollo y el Acta de Buenos Aires de 1990, entre otros documentos. Ver L. Dromi San
Martino, Derecho Constitucional de la Integración, Argentina, 2002, p. 244.
20 D. Ventura, Las asimetrías entre el Mercosur y la Unión Europea. Los desafíos de una asociación interre-
gional, KAS, Montevideo, 2005.
21 Art. 4, 11, 17 del Protocolo de Ouro Preto.
22 Art. 37 del Protocolo de Ouro Preto.
23 U. Wehner, “Spezifische Rechtsfragen des Mercosul und der EU-Mercosul-Beziehungen”, en Die
Beziehungen zwischen der EU und den Mercosur-Staaten, Schriftenreihe des Arbeitskreises Europäische
Integration e.V. 48, 2002, p. 86.

175
Mariela Morales Antoniazzi

éstos o una mezcla negociada de los mismos.24 Otros autores afirman sin embargo, que
ese formato institucional, donde los Estados no ceden competencias a los órganos
comunes sino que mantienen el control del proceso en sus manos, es lo que ha dota-
do de flexibilidad al Mercosur para avanzar en el proceso.25 En el Mercosur se habla
de un derecho de integración26 y ello representa un avance jurídico determinante. El
Mercosur tiene por tanto éxitos que mostrar, no sólo en lo económico sino también
en lo político. Su rol en el fortalecimiento de la democracia27 es, por ejemplo, uno de
los logros más trascendentes, como se explicará más adelante.
Sin embargo ahora surge Unasur. El último intento integracionista en
Suramérica está representado por la Unión de Naciones Suramericanas (Unasur).
Aunque se gestó desde 200028 y tuvo como primera concreción la Comunidad
Sudamericana de Naciones (CSN),29 fue durante la primera cumbre energética de
Suramérica en la Isla de Margarita, Venezuela,30 cuando los Jefes de Estado bauti-
zaron el proyecto. En el Tratado constitutivo se mencionan las Declaraciones de
Cusco (8 de diciembre de 2004), Brasilia (30 de septiembre de 2005) y Cochabamba
(9 de diciembre de 2006) como fuentes de inspiración de esta iniciativa. Su finalidad
es acometer un proceso innovador que incluya todos los avances del Mercosur y la
CAN, así como la experiencia de Chile, Guyana y Suriname, yendo más allá de la con-
vergencia de los mismos.
Unasur se encuentra en status nascendi.31 En el art. 2 del Tratado constitutivo de
la Unión de Naciones Suramericanas se establece que tiene como objetivo “construir,

24 H. Arbuet-Vignali, “La historia, la filosofía y el nuevo realismo frente a la política internacional”, en Revista
Ejército de la República Oriental del Uruguay, Año VI, Nº 9, 1991, p. 53 ss.
25 Un análisis detallado de la institucionalidad, Cfr. M. J. Filadoro, “Eficacia de las instituciones en el
Mercosur. El caso de la Secretaría Técnica”, en Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano, 2006,
p. 667 ss.
26 Para el Derecho Europeo, véase R. Alonso García Sistema jurídico de la Unión Europea, Madrid, 2007. G.
Isaac, Manual de derecho comunitario general, 3ª ed., Barcelona, Ariel, 1995; F. Diez Moreno, Manual de
Derecho de la Unión Europea, Cizur Menor, Thomson-Civitas, 2006. En sentido del Derecho
Constitucional Europeo A. von Bogdandy, “Constitutional principles”, en A. von Bogdandy/J. Bast (eds.),
Principles of European Constitutional Law, Oxford, 2007, p. 3-52.
27 El Mercosur contribuyó y debe seguir contribuyendo a la consolidación democrática de la región. Según el
Protocolo de Ushuaia, la democracia es una condición sine qua non para participar en el proceso regional.
El caso de Paraguay, durante el fallido intento de golpe de Estado promovido por el General José María
Oviedo en 1996 fue paradigmático. Ahora vuelve a tener vigencia con los debates surgidos en torno al caso
venezolano.
28 Fue una propuesta de Fernando Henrique Cardoso por intensificar la cooperación de los países de la región
(I Cumbre de los países de América del Sur en Brasilia, agosto de 2000).
29 El 8 de diciembre 2004, se proclamó en Cusco, Perú (Declaración de Cusco). Los participantes son los
miembros del Mercosur (Argentina, Brasil, Paraguay, Uruguay y Venezuela) y de la CAN (Bolivia,
Colombia, Ecuador y Perú) más Chile, Guyana y Suriname.
30 Ver opiniones en Correo Sindical latinoamericano: I Cumbre Energética Suramericana. Boletín Temático,
No. 3, abril 2007. http://library.fes.de/pdf-files/bueros/uruguay/04360/csla-tematico03-esp.pdf (25 de Julio
de 2009).
31 La Unión de Naciones Suramericanas tiene una población de 383 millones de habitantes. Esto es aproxi-
madamente 79 millones de habitantes más que la población de Estados Unidos y 108 millones menos que

176
La Cláusula Democrática y el Parlamento del Mercosur.
Contextualización de su Alcance y Dimensionalidad

de manera participativa y consensuada, un espacio de integración y unión en lo cul-


tural, social, económico y político entre sus pueblos, otorgando prioridad al diálogo
político, las políticas sociales, la educación, la energía, la infraestructura, el finan-
ciamiento y el medio ambiente, entre otros, con miras a eliminar la desigualdad
socioeconómica, lograr la inclusión social y la participación ciudadana, fortalecer la
democracia y reducir las asimetrías en el marco del fortalecimiento de la soberanía e
independencia de los Estados”.32 De tal manera que Unasur es un proyecto ambicioso,
que abarca elementos de un concepto de integración profunda, que debe incluir la
dimensión político-constitucional al resaltar los valores de la democracia, la garantía
de los derechos humanos, el respeto al Estado de Derecho.
¿Sustituye Unasur al Mercosur? La respuesta desde el punto de vista jurídico es
negativa. Se trata de dos iniciativas distintas, pues sus Tratados, su institucionalidad,
sus objetivos son diferentes. Si la voluntad política conducirá a una sola Unión en el
futuro, es una cuestión incierta y poco predecible en la actualidad. Para este trabajo
lo esencial es asumir la vigencia del Mercosur, objeto central del estudio mediante su
órgano parlamentario. El Mercosur ha sido calificado como uno de los ejemplos más
exitosos de integración sur-sur y no puede vislumbrarse que, pese a sus crisis, desa-
parezca en lo inmediato. El riesgo de disolución del bloque es un fantasma cuya apari-
ción se ha manifestado con frecuencia en los tiempos difíciles.33 Sin embargo, ya
alcanzó su “mayoría de edad” y permanece vigente.
En este artículo se comparte la afirmación ya ofrecida por la doctrina de que el
escenario ideal sería el de la complementariedad, donde se potencien mutuamente
Unasur y Mercosur. Se afirma que el Mercosur, “dotado de instrumentos flexibles
pero previsibles, que reflejen metodologías de geometría variable y de múltiples
velocidades, pueda constituirse en un núcleo duro de una construcción más amplia de
alcance sudamericano en el marco de Unasur.”34 Que la retórica no prevalezca sobre
la práctica, es un desafío. Evitar el dilema entre ampliación y/o profundización es un
reto con plena vigencia, que lleva implícita la cuestión de los valores democráticos

la de la Unión Europea. Revisar el análisis de Principales Indicadores de la Unión de Naciones


Suramericanas 1998-2007 SG/de 215 10 de junio de 2008, 8.46.63, en Principales Indicadores de la Unión
de Naciones Suramericanas. Documento estadístico. Comunidad Andina. http://www.comunidadandina.
org/estadisticas/SGde215.pdf (21 Nov. 2008)
32 Respecto al Tratado, ver http://www.comunidadandina.org/unasur/tratado_constitutivo.htm. También
consultar M. Cienfuegos Mateo, “La Viabilidad de la Unión de Naciones Suramericanas”, en W. Hummer
(ed.) y H. D. de Clément (coord.), Mercosur y Unión Europea, Segundas Jornadas Científicas de Eulatin II,
Universidad de São Paulo, 17 y 18 de septiembre de 2007, publicado en 2008.
33 Véase, BID–INTAL, “Informe Mercosur Nº 5”. Período 1998-1999, Buenos Aires, 1999, p. 9.
http://www.iadb.org/INTAL/aplicaciones/uploads/publicaciones/e-Informe_Mercosur_5.pdf (Nov. 21.
2008)
34 F. Peña, “La Unión Sudamericana, ¿diluye o complementa al Mercosur?”, en SABF-Blog.
http://blog.sabf.org.ar/2008/06/15/la-union-sudamericana-%C2%BFdiluye-o-complementa-al-
mercosur/langswitch_lang/es/ (Nov. 21. 2008)

177
Mariela Morales Antoniazzi

como premisa esencial de la integración. No sólo vale el argumento para la inte-


gración en sí misma, sino también como condición para la cooperación.

III. ¿La democracia como valor sine qua non de la integración


jurídica en Suramérica?

En este trabajo no se hará alusión al concepto de la democracia, porque desbor-


daría sus límites.35 Por el contrario, el análisis se limita al propio contenido de la
cláusula democrática. Como premisa esencial interesa destacar que, desde el inicio
hasta los actuales momentos, la integración en el continente no ha estado vacía de va-
lores o principios. Por el contrario, hay un hilo histórico conductor que reafirma el
interés de nuestros pueblos (aunque a veces falte la voluntad política) de pronuncia-
rse a favor de la unidad. Pero esta unidad debe basarse en el respeto a la democracia,
a los derechos fundamentales, al Estado de Derecho.36 El valor democrático no es un
hecho aislado.37 La protección de la democracia y del Estado de Derecho se inspira en
el modelo europeo y debe insertarse en el orden interamericano, ya que a nivel de la
Organización de Estados Americanos (OEA) tiene larga tradición.38 De allí que,
seguidamente, se abordan las reflexiones generales sobre la fuente de inspiración
europea, las grandes directrices del Derecho Interamericano y las observaciones sobre
el contenido de la cláusula a nivel del Mercosur, ratificadas en Unasur.

1. La cláusula democrática en la Unión Europea como referente

El afianzamiento de los regímenes democráticos de los Estados miembros de la


Unión Europea (EM) así como de los Estados Partes (EP) del Mercosur, junto al
interés por aumentar su capacidad para competir en los mercados globales, incremen-

35 Acerca de la noción de democracia no sólo existe abundante bibliografía desde todas las perspectivas (filosó-
fica, política, jurídica), sino que constituye uno de los temas más dinámicos y con permanente actualidad.
Desde el siglo de las luces pasando por la revolución francesa y el tiempo entre guerras (C. Schmitt,
Verfassungslehre, Berlín, 1928) hasta la fase iniciada en la década de los 80 del siglo XX, ha estado presente
el debate sobre la democracia. La última etapa ha estado signada por el fenómeno de la “desdibujación” de
los límites de la estatalidad (K. P. Sommermann, “Der entgrenzte Verfassungsstaat”, KritV 81, 1998, p. 404-
412). Ver también R. Arango Rivadeneira (ed.), Filosofía de la democracia, fundamentos conceptuales,
Bogotá, 2007.
36 Basta revisar todos los Tratados Constitutivos (ALADI, SELA; CAN, Mercosur, Unasur, por citar sólo
algunos).
37 La palabra democracia tiene larga historia, pero su vinculación en el ámbito internacional es un fenómeno
que puede catalogarse de reciente. Véase por todos, J. M. Arrighi, “Democracia, derechos humanos y dere-
cho internacional”, en R. Méndez-Silva (Coord.), Derecho Internacional de los derechos humanos. Culturas
y sistemas jurídicos comparados, tomo II, pp. 79-87.
38 Dentro de los antecedentes se cita particularmente la Conferencia de Chapultepec en México en 1945,
donde ya se incluían declaraciones sobre derechos como la libertad de información. Igualmente, Cfr.
Declaración de Santiago de 1959, Resolución XXVII de la Quinta Reunión Consultiva de los Ministros de
Relaciones Exteriores, Acta Final, OEA/Ser.C/II.5, p. 4-6.

178
La Cláusula Democrática y el Parlamento del Mercosur.
Contextualización de su Alcance y Dimensionalidad

tar su poder de negociación en el escenario internacional y asegurar las condiciones


para la paz en su vecindad regional, constituyen objetivos comunes de ambos sistemas
regionales de integración.39
Una aclaración fundamental: no se tratará aquí el llamado “déficit democrático”
en la Unión Europea,40 que ha producido múltiples posturas, no sólo en la doctrina
europea y jurídico-constitucional de los Estados miembros (EM), sino también a nivel
de los propios textos escolares.41 Los tratados de Maastricht, Ámsterdam y Niza ini-
ciaron la incorporación del principio de legitimidad democrática en el sistema insti-
tucional, reforzando los poderes del Parlamento en materia de designación y de con-
trol de la Comisión y ampliando sucesivamente el ámbito de aplicación del proce-
dimiento de codecisión. En la etapa post-Niza (diciembre de 2000), se celebró un
amplio debate público abierto a los ciudadanos, sobre el futuro de la Unión y se con-
vocó una Convención Europea, encargada en particular, de mejorar la legitimidad
democrática de la Unión. El Tratado de Lisboa también amplía las competencias del
Parlamento Europeo a fin de seguir la línea de corrección del llamado déficit
democrático. No obstante, en este trabajo el énfasis se coloca en el principio
democrático y su importancia en la Unión Europea.
El propósito es presentar los grandes rasgos de la voluntad de los EM de basar el
desarrollo de su Comunidad (ahora Unión) en la democracia,42 ya que desde la déca-
da de los setenta expresaron su vocación por los derechos humanos43 como valores

39 Sobre las condiciones económicas generales del Mercosur y su valoración en el contexto inicial, ver H.
Sangmeister, “Wirtschaftliche Rahmrnbedingungen und ökonomische Bewertung des Mercosur”, en W.
Zippel (ed.), Die Bezihungen zwischen der EU und den Mercosur-Staaten, Baden-Baden, 2001/2002, pp. 57
ss. También más reciente, F. Peña, Gobernabilidad e integración de espacios geográficos regionales: Una
aproximación a la comparación de las experiencias sudamericana y europea. Universidad Nacional de Tres
de Febrero (UNTREF) con la colaboración del INTAL, Buenos Aires, 13 de noviembre de 2007.
http://www.felixpena.com.ar/.
40 P. Huber, Die Rolle des Demokratieprinzips im europäischen Integration, Jahrbuch zur Staats- und
Verwaltungswissentschaft, tomo 6, 1992/93, ps. 179 ss.; Y. Mény, De la démocratie en Europe: Old
Concepts and New Challenges, JCMS 21, 2002, pp. 1-8; R. Hrbek, Der Vertrag von Maastricht und das
Demokratiedefizit der Europäischen Union – Auf dem Weg zu stärkerer demokratischer Legitimation, en
A. Randelzhofer y otros (eds.), Gedächtnisschrift für Eberhard Grabitz, München, 1995, pp 171-194; P. G.
Kilmannsegg, “Integration und Demokratie”, en M. Jachtenfuchs/B. Kohler-Koch, Europäische Integration,
pp. 47-72. S. Oeter, “Souveränität und Demokratie als Probleme in der “Verfassungsentwicklung” der
Europäischen Union”, en ZaöRV, 55 (1995) 3, S. 659-712. Un análisis reciente e integral sobre la legitimi-
dad democrática en B. Kohler-Koch/B. Rittberger, Debating the democratic legitimacy of the European
Union, USA, 2007.
41 Véase entre otros, Mensch und Politik, Gymnasium 11, Hannover, 2006, p. 188 s.
42 Declaración de París de 1972, Bol. CE 10/1972.
43 Algunas disposiciones del Tratado sí tenían contenidos coincidentes con los derechos humanos; por ejem-
plo, el Art. 48.1 TCEE relativo a la no discriminación por razón de la nacionalidad entre los trabajadores.
Para conocer con detalle los derechos insertos a este respecto en el TCEE, ver A. G Chueca Sanch, Los
Derechos Fundamentales en la Comunidad Europea, Barcelona, 1989, pp. 10-15 y 20-23. En la cumbre de
Niza de diciembre de 2000 se adoptó solemnemente la Carta de Derechos Fundamentales consensuada en
el Consejo Europeo de Biarritz de octubre de 2000, que mantuvo un carácter jurídico no vinculante hasta

179
Mariela Morales Antoniazzi

fundadores de la Comunidad, relacionándolos estrechamente con el principio de


Democracia y el Estado de Derecho.44
La Declaración sobre la Identidad Europea de Copenhague de 1973 precisaba
que los EM manifiestan su voluntad de “salvaguardar los principios de democracia
representativa, del imperio de la ley, de la justicia social (...) y del respeto de los dere-
chos del hombre, los cuales constituyen elementos fundamentales de la identidad
europea”.45 Por su parte, la Declaración de Copenhague sobre la Democracia de 1978,
avanzaba, confirmando lo anterior y agregando que esos principios encontraban apli-
cación en “un régimen político de democracia pluralista que garantiza la repre-
sentación de las opiniones en la organización constitucional de los poderes y los pro-
cedimientos necesarios para la protección de los derechos del hombre”. Ya en esta
Declaración se estipuló que “el respeto y mantenimiento de la democracia y derechos
del hombre en cada uno de los Estados miembros constituyen elementos esenciales de
la adhesión a las Comunidades Europeas”.46
En los años 80 se hacía notar la trascendencia del principio democrático en la
jurisprudencia del TJCE, pues, a su entender, se reflejaba en la competencia consulti-
va del Parlamento Europeo en el proceso legislativo de la Comunidad “un principio
democrático fundamental según el cual los pueblos participan en el ejercicio del poder
a través de una asamblea representativa” que constituye “una formalidad sustancial

el Tratado de Lisboa, el cual conserva los derechos ya existentes e introduce otros nuevos. En particular,
garantiza las libertades y los principios enunciados en la Carta de los Derechos Fundamentales, cuyas dis-
posiciones pasan a ser jurídicamente vinculantes al concederle rango de derecho primario. La Carta con-
tiene derechos civiles, políticos, económicos y sociales. El propio Tribunal de Justicia (TJCE) en 1969 sen-
tenciaba que la protección de los derechos fundamentales formaba parte integrante de los principios ge-
nerales del ordenamiento jurídico comunitario, ver STJCE de 12 de noviembre de 1969, Eric Stauder vs.
Stadt UCM-SOZIALAMT (as. 29/69), Rec. 1969, par. 7.
44 M. Zuleeg, Der rechtliche Zusammenhalt der Europäischen Union, Baden-Baden, 2004; T. Gehring, Die
Europäische Union als komplexe internationale Organisation, Baden-Baden, 2002; M. Strunz, Strukturen
des Grundrechtsschutzes der Europäischen Union in ihrer Entwicklung, Baden-Baden, 2006; D.
Blumenwitz, Die Europäische Union als Wertegemeinschaft, Berlin, 2005; A. Zimmermann, Die Charta der
Grundrechte der Europäischen Union zwischen Gemeinschaftsrecht, Grundgesetz und EMRK, Baden-
Baden, 2002; J. A. Frowein, “Der europäische Grundrechtsschutz und die deutsche Rechtsprechung”, en
NVwZ, 21 (2002) 1, pp. 29-33; idem, Völkerrecht - Menschenrechte - Verfassungsfragen Deutschlands und
Europas, Berlin-Heidelberg, 2004. Crítico M. Nettesheim, Grundfreiheiten und Grundrechte in der
Europäischen Union - auf dem Weg zur Verschmelzung?, Boon, 2006. Basta citar el argumento de la
Democracia: 1) El Principio del Discurso puede realizarse aproximadamente a través de la instituciona-
lización jurídica de procedimientos democráticos de formación de la opinión y la voluntad, y sólo por este
medio, 2) Una democracia en la que las exigencias de racionalidad discursiva pueden realizarse aproximada-
mente sólo es posible si los derechos humanos y políticos fundamentales rigen y pueden ejercitarse con
igualdad de oportunidades y 3) El ejercicio de tales derechos con igualdad de oportunidades presupone el
cumplimiento de algunos derechos fundamentales no políticos: derecho a la vida, al mínimo existencial y
a la enseñanza”. En este sentido, Cfr. J. Habermas, Facticidad y validez. Sobre el derecho y el Estado
democrático de derecho en términos de teoría del discurso, Madrid, 2005, pp. 184 ss. Véase también R.
Alexy, Teoría del discurso y derechos humanos, Universidad Externado de Colombia, 2004, pp. 129 ss.
45 Bol. CE 12/1973, pto. 2501.
46 Bol. CE 3/1978, Capítulo Liminar.

180
La Cláusula Democrática y el Parlamento del Mercosur.
Contextualización de su Alcance y Dimensionalidad

cuyo no respeto entraña la nulidad del acto de que se trate.”47 En la afirmación de los
europeos de “promover conjuntamente la democracia, fundándose en los derechos
fundamentales reconocidos en las Constituciones y leyes de los EM, en el Convenio
Europeo para la protección de los derechos humanos48 y la Carta social europea,49 y
especialmente la libertad, la igualdad y la justicia social”, se destaca la Declaración de
Stuttgart de 1983.50 Desde su origen la democracia y la protección de los derechos
fundamentales han constituido para la Unión Europea dos de sus máximas,51 logran-
do con el devenir de las reformas su respectiva obligatoriedad.
En los Tratados constitutivos de la Comunidad Europea no figura la palabra
“democracia”. Un pronunciamiento a favor de la democracia, como se observa en las
Constituciones de los Estados miembros,52 era desconocido al inicio. La evolución cons-
titucional del principio democrático en la Unión Europea puede sintetizarse en tres
momentos claves: el primero, en el Considerando Quinto del Tratado de Maastricht, que
utiliza el concepto democracia para aludir a su pertinencia en un modelo supranacional;
el segundo momento es el de la consagración del art. F del Tratado de la Unión Europea
(TUE), que, sin llegar a considerar la democracia como fundamento de la Unión, sí lo
consagra en relación a los sistemas de gobierno de los Estados miembros (EM); y el últi-
mo paso, ahora determinante para la propia Unión Europea, se constata en Ámsterdam,
en el art. 6 del TUE.53 Como se sostiene en la doctrina, este desarrollo normativo encuen-
tra su consolidación también externa a través del art. 3. 1 del Protocolo Adicional del
Convenio Europeo de Derechos Humanos.54 Dicha norma regula el derecho a elecciones
libres: Las Altas Partes Contratantes se comprometen a organizar, a intervalos razo-

47 STJCE de 29 de octubre de 1980, Maizena Gmgh vs. Council (as. 139/79), Rec. 1980, par. 34. Vid. también,
por ejemplo, STJCE de 29 de octubre de 1980, SA Roquétte Fréres vs. Conseil des Communautés
Européennes (as. 138/79), Rec. 1980, par. 33; STJCE de 22 de mayo de 1990, Parlamento Europeo vs.
Consejo de las Comunidades Europeas (as. C-70/88), Rec. 1990, párs. 21-31.
48 Firmado en Roma el 4 de noviembre de 1950 bajo los auspicios del Consejo de Europa.
49 Adoptada por el Consejo de Europa en 1961 y revisada en 1996.
50 Bol. CE 6/1983, pto. 1.6.1.
51 Especialmente interesante, H. Brunkhorst, Recht auf Menschenrechte, Menschenrechte, Demokratie und
internationale, Politik, Frankfurt am Main, 1999. Ver también S. Breitenmoser (ed.) Human rights, demo-
cracy and the rule of law, Zürich, 2007; L. Aguiar de Luque, Los derechos fundamentales en el proceso de
integración europea, idem, pp. 199 y ss.
52 A título de ejemplos, véanse el art. 20. 1 y 2 de la Ley Fundamental alemana (1. La República Federal
Alemana es un Estado Federal democrático y social. 2. Todo poder estatal emana del pueblo, quien lo
ejercerá en las elecciones y votaciones y a través de órganos especiales de legislación, de ejecución y de
jurisdicción), el art. 1 de la Constitución española el art. 1 (España se constituye en un Estado social y
democrático de Derecho, que propugna como valores superiores de su ordenamiento jurídico la libertad, la
justicia, la igualdad y el pluralismo político) y el art. 1 de la Constitución francesa (Francia es una República
indivisible, laica, democrática y social).
53 Algunos documentos que merecen ser mencionados son la Declaración de París de 1972, la Declaración
sobre la Identidad Europea de Copenhague de 1973, la Declaración de Copenhague sobre la Democracia de
1978, la Declaración de Stuttgart de 1983.
54 Protocolo No 1 al Convenio Europeo para la Protección de los Derechos Humanos y de las Libertades
Fundamentales.

181
Mariela Morales Antoniazzi

nables, elecciones libres con escrutinio secreto, en condiciones que garanticen la libre
expresión de la opinión del pueblo en la elección del cuerpo legislativo.
Con motivo del Tratado de Lisboa aprobado en diciembre del 2007, en el
Preámbulo se ha añadido el Segundo Considerando con el texto siguiente: “Inspirándose
en la herencia cultural, religiosa y humanista de Europa, a partir de la cual se han desa-
rrollado los valores universales de los derechos inviolables e inalienables de la persona,
así como la libertad, la democracia, la igualdad y el Estado de Derecho,…”55
Sin duda, el valor de la democracia se fortalece en el Tratado de Lisboa con la
inserción del art. 1 bis “La Unión se fundamenta en los valores de respeto de la dig-
nidad humana, libertad, democracia, igualdad, Estado de Derecho y respeto de los
derechos humanos, incluidos los derechos de las personas pertenecientes a minorías.
Estos valores son comunes a los Estados miembros en una sociedad caracterizada por
el pluralismo, la no discriminación, la tolerancia, la justicia, la solidaridad y la igual-
dad entre mujeres y hombres”.56 Simultáneamente, los principios democráticos
adquieren una dimensión específica en el Título II, que en esencia contiene las dis-
posiciones acordadas en la CIG de 2004 en materia de igualdad democrática, demo-
cracia representativa, democracia participativa57 e iniciativa ciudadana, así como un
reforzamiento de la función de los Parlamentos nacionales.58
Dado que el futuro del Tratado de Lisboa (después de que fuera rechazado en el
referéndum celebrado en Irlanda en junio de 2008 y del período de reflexión abierto ante
la crisis) todavía no está despejado de obstáculos,59 la perspectiva sistemática que debe
plantearse está dada por la normativa vigente. El art. 6 parágrafo 1º del Tratado de la
Unión Europa (TUE)60 tiene un significado tridimensional: en primer lugar la democra-

55 Véase, Tratado de Lisboa, por el que se modifican el Tratado de la Unión Europea y el Tratado Constitutivo
de la Comunidad Europea. Diario Oficial de la Unión Europea 17.12.2007. http://eur-lex.europa.eu/
es/treaties/index.htm (25 de julio de 2009).
56 La Unión Europea, pegada todavía a sus orígenes iusinternacionalistas, “ha de pasar por la democracia nacional
para crear la democracia europea. Así, un texto constitucional negociado en el nivel supranacional por los
actores políticos europeos resultó paralizado por los Referenda negativos de dos Estados miembros”; F.
Aldecoa Luzarraga y M. Guinea Llorente, en Revista General de Derecho Europeo Nº 13, Mayo 2007, “¿Hacia
dónde va la Unión Europea? La salida del laberinto constitucional ante el Consejo Europeo de junio de 2007”.
57 Cfr. S. Kadelbach (ed.), Europäische Verfassung und direkte Demokratie, Baden-Baden, 2006.
58 Ver directamente las disposiciones incorporadas en el Título II sobre los principios democráticos. Además
de ampliarse las competencias de los Parlamentos nacionales (necesidad expresada de modo reiterado en la
Convención constitucional), la transparencia y la participación de la sociedad civil, en general se contem-
pla que el funcionamiento de la Unión se basa en la democracia representativa, la representación de los ciu-
dadanos en la Unión a través del Parlamento Europeo. Asimismo, se dispone que los Estados miembros
estarán representados en el Consejo Europeo por su Jefe de Estado o de Gobierno y en el Consejo por sus
Gobiernos, que serán democráticamente responsables, bien ante sus Parlamentos nacionales, bien ante sus
ciudadanos. Con ello se confirma la tesis de la doble legitimidad democrática de la Unión. En este sentido,
A. von Bogdandy, “Die europäische Demokratie – Skizzen ihrer rechtlichen Konsolidierung”, en A. Kaiser,
Demokratie – Chancen und Herausforderungen im 21. Jahrhundert, Münster, 2005, p. 183.
59 Las ratificaciones y las grandes líneas se encuentran disponibles en la siguiente dirección electrónica:
http://europa.eu/lisbon_treaty/news/index_es.htm (21 de Julio de 2009)
60 Art. 6.1 TUE: La Unión se basa en los principios de libertad, democracia, respeto de los derechos humanos y
de las libertades fundamentales y el Estado de Derecho, principios que son comunes a los Estados miembros.

182
La Cláusula Democrática y el Parlamento del Mercosur.
Contextualización de su Alcance y Dimensionalidad

cia se presenta como un principio constitucional de la Unión Europea. El parágrafo 1º


formula el “núcleo constitucional”61 material de la Unión, en cuyos principios se basa la
Unión Constitucional de Estados y que, a su vez, son comunes a todos los Estados miem-
bros. La democracia es, sin duda, un valor fundamental de la Unión.62 En segundo lugar,
el parágrafo 1º del mencionado artículo encierra una importancia determinante al
establecerse como condición necesaria para la aplicación del procedimiento de sanción
previsto en el art. 7 TUE,63 cuando existe riesgo o violación del principio democrático.
Del mismo modo, se prevé como requisito de ingreso a la Unión válido para cualquier
Estado europeo, según lo estipulado en el art. 49 TUE.64 Estos dos planos refuerzan y con-
cretizan el Considerando Tercero del TUE mediante el cual los Estados confirman su
adhesión a los principios de libertad, democracia y respeto de los derechos humanos y de
las libertades fundamentales y del Estado de Derecho. Una tercera dimensión del man-
damiento para fomentar la democracia y los otros valores de la Unión se confirma en el
ámbito de la cooperación al desarrollo con terceros países (art. 177, parágrafo 2º TCE),65
así como en el marco de la cooperación económica, financiera y técnica con terceros países
(art. 181º, parágrafo 1º). La consagración de estas disposiciones en el TCE ratifica la fun-
ción del art. 6.1 TUE como una especie de cláusula constitucional “transversal” en todo
el ordenamiento europeo.66 Algún sector de la doctrina defiende incluso la tesis de la
relación conceptual entre el art. 6.1 TUE y el art. 3 del Estatuto del Consejo de Europa.67
La concreción del principio de democracia se puede determinar por numerosas
manifestaciones de los órganos de la Unión68 y por el derecho primario.69 En su informe

61 B. Beutler, art. 6 TUE, en Von der Groeben/Schwarze (eds.), Kommentar zum Vertrag der Europäischen
Union und zur Gründung der Europäischen Gemeinschaft, 6. Auf., Baden-Baden, 2003, p. 70.
62 En el debate constitucional, este aspecto ocupó grandes espacios y se calificaba incluso el propio art. 6.1
TUE bajo el título “Valores de la Unión”. Cfr. A. von Bogdandy, JZ, 2004, 53 (58).
63 Véase art. 7 de la versión del Tratado de la Unión Europea-Lisboa.
64 Art. 49 TUE: Cualquier Estado europeo que respete los principios enunciados en el apartado 1 del artículo
6 podrá solicitar el ingreso como miembro en la Unión. Dirigirá su solicitud al Consejo, que se pronuncia-
rá por unanimidad después de haber consultado a la Comisión y previo dictamen conforme del Parlamento
Europeo, el cual se pronunciará por mayoría absoluta de los miembros que lo componen.
65 Art. 177.2 TCE: La política de la Comunidad en este ámbito contribuirá al objetivo general de desarrollo y
consolidación de la democracia y del Estado de Derecho, así como al objetivo de respeto de los derechos
humanos y de las libertades fundamentales.
66 Entre numerosos artículos, ver T. Freixes Sanjuán, Derechos fundamentales en la Unión Europea. Evolución
y prospectiva: la construcción de un espacio jurídico europeo de los derechos fundamentales, www.ugr.es.
67 G. Ress, “Das Europäische Parlament als Gesetzgeber. Der Blickpunkt der EMRK”, en ZEuS, 199, p. 219, 226.
68 Vea Declaración del Consejo de Europa de 1978 en Copenhague, Boletín de la CE 3-1978, 5; Conclusiones
del Consejo de Europa de 1993 en Copenhague, Boletín de la CE 6-1993, 13.
69 En los Considerandos primero y quinto del preámbulo del TCE y en el Considerando tercero del preámbu-
lo del TUE, así como en los comentarios a la normativa de la Unión. E.W. Böckenförde, “Demokratie als
Verfassungsprinzip”, § 2, en Handbuch des Staatsrechts der Bundesrepublik Deutschland, Heidelberg,
2004, p. 429-496. Sobre los principios constitucionales de la UE, véase C. D. Classen, “Europäische
Integration und demokratische Legitimation”, en Archiv des öffentlichen Rechts. Tübingen, 119 (1994), 2,
pp. 238 – 260; W. Matiaske, H. Brunkhorst, G. Grözinger, M. Neves (eds.): The European Union as a Model
for the Development of Mercosur? Transnational Orders between Economic Efficiency and Political
Legitimacy. Zentrum und Peripherie, Volume 4, München, 2007, p. 4 ss.

183
Mariela Morales Antoniazzi

sobre las solicitudes de ingreso, la Comisión también ha concretado el principio de


democracia mediante “criterios políticos” en el sentido de que la Constitución y la rea-
lidad de la vida constitucional deben garantizar la pluralidad política y elecciones libres
y secretas y posibilitar un cambio de poder en el sistema.70 Precisiones adicionales se
encuentran en los comunicados de la Comisión en relación con la asociación entre la
Unión y los países de África, del Caribe y del Pacífico (ACP),71 que además de los ele-
mentos ya citados, menciona: la legitimidad como concepto superior para la existencia
de una Constitución, normas legales y administrativas adecuadas, reconocimiento de los
derechos humanos y del derecho a la personalidad, así como el fomento y la protección
de las libertades fundamentales, tribunales independientes, el pluralismo político e
institucional, transparencia y la integridad de los órganos del Estado.
Con su Declaración sobre los Derechos y las Libertades Fundamentales de
12.4.198972 el Parlamento Europeo procuró dotar al principio de democracia de ras-
gos más claros en relación con las asociaciones europeas de integración. El art. 17
(principio de democracia) de la Declaración dice: “1. Todo poder público parte del
pueblo y debe ser ejercido conforme a los principios del Estado de Derecho. 2. Todo
poder público debe surgir de elecciones directas o responder a un parlamento elegido
directamente. 3. Los ciudadanos europeos tienen el derecho de participar en la elec-
ción universal, libre, directa y secreta de los miembros del Parlamento Europeo. 4. Los
ciudadanos europeos tienen el mismo derecho activo y pasivo de sufragio. 5. Los dere-
chos arriba mencionados sólo pueden ser limitados por disposiciones que estén
acordes con los tratados de creación de la Comunidad Europea”.
Otros contenidos, generalmente aceptados, del principio de democracia se
pueden extraer del Documento de la Conferencia de Copenhague sobre la Dimensión
Humana de la Conferencia sobre Seguridad y Cooperación en Europa (CSCE)73 y de
la Carta de París por una nueva Europa.74 En ellos se establecen entre los contenidos
del orden democrático, una forma de gobierno representativa basada en la voluntad
del pueblo, elecciones universales, libres, equitativa y secreta a intervalos razonables,
el acceso a las oficinas públicas, el derecho a la constitución de partidos y organiza-
ciones políticas,75 campañas electorales justas y los derechos de los elegidos.
En el caso de la Unión Europea, la doctrina ha insistido en el compromiso de
la Unión, contenido en el art. 6, aparte 1 del TUE, de ajustarse al principio de
democracia. Estos postulados tienen que transmitirse a la UE. Básicamente, la
potestad dominativa de la Unión tiene que legitimarse democráticamente de la
misma forma que el poder público de sus Estados miembros.76 Sin embargo, esto

70 Ver COM (97) 2000/end., tomo 1, 52.


71 Ver COM (98) 146 end.
72 Gaceta Oficial 1989 C/120.
73 Véase EuGRZ 1990, p. 239 ss.
74 Declaración de la Reunión de Jefes de Estado y de Gobierno de la CSCE del 21.11.1990, No. 137, p. 1409.
75 Art. 190 s. del TCE.
76 T. Oppermann, „Europarecht“, München, 2005.

184
La Cláusula Democrática y el Parlamento del Mercosur.
Contextualización de su Alcance y Dimensionalidad

encuentra su limitación en las diferencias estructurales entre los Estados miembros


y la Unión. Por el sólo hecho de la ausencia de un pueblo europeo77 como base para
la soberanía popular, el principio de democracia plasmado por los Estados miem-
bros no puede materializarse en la Unión del mismo modo. Aquí se habla de una
legitimidad democrática dual: proveniente de la totalidad de los ciudadanos de la
Unión, y los pueblos de la Unión Europea organizados por las Constituciones de sus
respectivos Estados miembros.78 De todo lo anterior se deduce que el principio
democrático, universal en sí, tiene unas características propias en la Unión
Europea, surgidas en el marco de las disposiciones de los tratados y de los demás
documentos que le han dado contenido.79 Sin duda, este modelo sui géneris ha
servido de orientación para otros sistemas de integración.
Europa se ha construido por etapas. En consecuencia, la construcción euro-
pea, basada en los distintos Tratados negociados y firmados a lo largo de los años,
ha tenido luces y sombras. El Tratado de Lisboa,80 que constituye la última de ellas,
fue preparado basándose en los lineamientos expresados en las Conclusiones de la
Presidencia del Consejo Europeo de Bruselas,81 donde se convino que, “tras dos
años de incertidumbre en relación con el proceso de reforma del Tratado de la
Unión, ha llegado el momento de resolver la cuestión y que la Unión siga avanzan-
do”, y se reconoció que “el período de reflexión ha brindado, entretanto, la opor-
tunidad de un amplio debate público, y ha contribuido a allanar el terreno para una
solución”. Estas Conclusiones encontraron fundamento en el informe elaborado
por la Presidencia82 y en ellas se acoge el principio democrático tanto en lo relati-
vo a la política de vecindad83 como en los contenidos de reforma propiamente
dichos.84 Con esta inclinación democrática, Europa continúa siendo fuente de
inspiración para Suramérica, sin duda alguna.

77 Según el art. 189.1 del TUE, el PE no representa a un pueblo europeo sino a los pueblos de los Estados
miembros.
78 A. von Bogdandy, “A Disputed Idea Becomes Law: Remarks on European Democracy as a Legal Principle”,
en Kohler-Koch, Beate, (eds.), Debating the democratic legitimacy of the European Union, USA, 2007, p. 38.
79 M. Kaufmann, Europäische Integration und Demokratieprinzip. Studien und Materialien zur
Verfassungsgerichtsbarkeit, 71, Baden-Baden, 1997, p. 99.
80 C 306/14 ES Diario Oficial de la Unión Europea 17.12.2007.
81 Conclusiones de la Presidencia del Consejo Europeo, Bruselas, 21/ 22 de junio de 2007, 11177/1/07, REV
1, CONCL 2.
82 Documento 10659/07 de 14 de junio de 2007, el cual se elaboró a raíz del mandato que se le confirió a la
Presidencia en junio de 2006.
83 En el punto 45 de las Conclusiones se dispone: El Consejo Europeo reitera la importancia primordial de la
política europea de vecindad, que tiene por objetivo consolidar un anillo de prosperidad, estabilidad y
seguridad basado en los derechos humanos, la democracia y el Estado de Derecho, así como apoyar el pro-
ceso de reformas y de modernización de los socios vecinos de la Unión.
84 Anexo I, 11177/1/07, REV 1, CONCL 2, pp. 12, 1, 24.

185
Mariela Morales Antoniazzi

2. La democracia en el Derecho Interamericano como fuente


de interpretación
El surgimiento del principio de la protección de la democracia85 y del Estado
de Derecho se inserta también en el orden interamericano, pues a nivel de la
Organización de Estados Americanos (OEA) tiene larga data, como ya se indicó.
Por una parte se tiene la Convención Interamericana de los Derechos Humanos,86
que en su art. 23 regula el derecho: a) de participar en la dirección de los asuntos
públicos, directamente o por medio de representantes libremente elegidos; b) de
votar y ser elegidos en elecciones periódicas auténticas, realizadas por sufragio
universal e igual y por voto secreto que garantice la libre expresión de la volun-
tad de los electores. La propia Carta de la OEA en su preámbulo declara que la
democracia representativa “es condición indispensable para la estabilidad, la paz
y el desarrollo de la región” y a continuación reitera “dentro del marco de las
instituciones democráticas”.87 La Corte Interamericana de Derechos Humanos ha
estimado la democracia representativa como “un ‘principio’ reafirmado por los
Estados americanos en la Carta de la OEA, instrumento fundamental del Sistema
Interamericano”.88
En su art. 2 b) la Carta dispone como uno de sus propósitos esenciales el “pro-
mover y consolidar la democracia representativa dentro del respeto al principio de
no intervención”. Asimismo, el art. 3 d) afirma que “La solidaridad de los Estados
americanos y los altos fines que con ella se persiguen, requieren la organización
política de los mismos sobre la base del ejercicio efectivo de la democracia represen-
tativa”. Esto es, la promoción de la democracia forma parte de los objetivos de la
Organización.
En la década de los 90 se produjeron novedades en el ámbito del principio
democrático. La OEA comenzó a instalar un mecanismo para el cumplimiento de
estos objetivos y en junio de 1991, la Asamblea General de la OEA aprobó la
Resolución 1080, que prevé que el Consejo Permanente deberá ser convocado
cuando la democracia en un país miembro está amenazada, a fin de investigar la
situación y resolver las medidas adecuadas. En efecto, los Estados americanos arti-
cularon una respuesta multilateral ante las amenazas de golpe de Estado en el

85 Por todos, véase A. Aguiar, El derecho a la democracia. La democracia en el Derecho y la Jurisprudencia


Interamericanos. La libertad de expresión, piedra angular de la democracia, Colección Estudios Jurídicos,
Nº 87, Editorial Jurídica Venezolana/Observatorio Iberoamericano de la Democracia, Caracas, 2008.
86 K. Wolny, “Menschenrechtsschutz auf regionaler Ebene: das interamerikanische System zum Schutz der
Menschenrechte im Vergleich zum europäischen Schutzsystem”, en Recht, 21 (2003) 3, pp. 93-100.
87 A. F. Cooper and T. Legler, Intervention without intervening the OEA defense and promotion of demo-
cracy in the Americas, Basingstoke, 2006; T. D. Rudy, “A quick look at the Inter-American Democratic
Charter of the OEA, what is it and is it “legal”?”, en Syracuse journal of international law and commerce,
33 (2005) 1, pp. 237-248.
88 Cfr. “La Expresión `Leyes` en el Artículo 30 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos”.
Opinión Consultiva OC-6/86 del 9 de mayo de 1986; par. 34.

186
La Cláusula Democrática y el Parlamento del Mercosur.
Contextualización de su Alcance y Dimensionalidad

Compromiso de Santiago y la llamada Resolución 1080 sobre Democracia


Representativa, creando un mecanismo que cataliza un proceso de consulta regio-
nal frente a la interrupción súbita o irregular del proceso institucional democráti-
co o del ejercicio ilegítimo del poder por un gobierno elegido democráticamente
en un Estado miembro de la OEA.89 Apenas un año más tarde la Carta de la OEA
quedó enmendada en ese sentido a través de Protocolo de Washington.90 Desde
entonces, de conformidad con el art. 9 de la Carta de la OEA, es posible suspender
determinados derechos de un Estado miembro cuando un gobierno electo
democráticamente haya sido derrocado por la fuerza. En una visión panorámica, el
origen de este régimen democrático interamericano es la Carta de la OEA, a la que
se suman la Declaración de Santiago (1959), los protocolos de la reforma a la Carta
de la OEA de Cartagena (1985) y Washington (1992), la Resolución 1080 (1991), la
Declaración de Nassau (1992), la Declaración de Managua (1993), la Declaración de
Québec (2000) y, por último, la Carta Democrática Interamericana (CDI) como la
cúspide en el avance de los Estados en la vía para construir mecanismos de protec-
ción efectiva de la democracia.91
La Carta Democrática Interamericana es un hito en la historia democrática del
hemisferio.92 Abarca múltiples alcances como se ha afirmado, sentando nuevos para-
digmas: en lo político se pasa de una versión minimalista electoral a un concepto
amplio basado en la dignidad humana, en lo histórico, ve hacia el futuro desde su
pasado y antecedentes, en lo social aspira a satisfacer el derecho a la democracia que
sienten los pueblos de América y en lo jurídico, aunque se trata de una Resolución y
no de un Tratado, su condición es particular al entenderse como instrumento de
actualización e interpretación de la Carta fundacional de la OEA. En la Carta se les
concede a los pueblos de América el derecho a la democracia, estableciéndose en los
art. 17 a 22 un mecanismo para su imposición.93 Además, la Carta permite tomar con-
tramedidas incluso en aquellos casos en los que las instituciones democráticas queden
debilitadas, aun sin llegar a una caída forzosa del gobierno. Si bien la Carta

89 AG/Res 1080 (xxi-0/91). Véase B. Sovereignty, Collectively Defending Democracy in the Americas, The
Johns Hopkins University Press, Baltimore, 1996 (editado por Tom Farer).
90 A-56: Protocolo de Reformas a la Carta de La Organización de Los Estados Americanos “Protocolo De
Washington”, http://www.oas.org/juridico/spanish/firmas/a-56.html (Nov. 21, 2009).
91 OEA, Carta Democrática Interamericana, AG/Res.1 (XXVIII-E/01) (11.09.2001). La CID está dividida en
seis capítulos, a saber: I. la democracia y el sistema interamericano; II. La democracia y los derechos
humanos; III. Democracia, desarrollo integral y combate a la pobreza; IV. Fortalecimiento y preservación
de la institucionalidad democrática; V. la democracia y las misiones de observación electoral; y VI.
Promoción de la cultura democrática. Se señala que los tres primeros capítulos constituyen la parte dog-
mática de la Carta, mientras los tres últimos definen los mecanismos relativos a los procedimientos de la
OEA para su aplicabilidad.
92 Así lo han manifestado los líderes de la región, Véase http://www.america.gov/st/washfile-
spanish/2005/June/20050607161600ASrelliM0.734173.html .
93 Véase, N. Bellshaw-Hógg, P./C. A. Corao, “Defensa colectiva de la Democracia: definiciones y mecanismos”,
en Serie Difusión de la Carta Democrática Interamericana 5. Lima. Comisión Andina de Juristas, (2006).
http://www.cartercenter.org/documents/defensacolectivadelademocracia.pdf (21 de Julio de 2008)

187
Mariela Morales Antoniazzi

Democrática, como resolución de la Asamblea General, carece de carácter inmediata-


mente vinculante, justamente el mecanismo de imposición normado en ella es con-
siderado como precisión del art. 9 de la Carta de la OEA al invocar el art. 31 de la
Convención de Viena sobre el Derecho de los Tratados.94
La conexidad entre la democracia y los derechos humanos (art. 7 CID) ya ha sido
tratada por la Corte Interamericana de Derechos Humanos en varios fallos,95 quedan-
do claro el valor de la Carta Interamericana Democrática como fuente de inspiración
y pilar fundamental para la interpretación del alcance de la democracia en los países
signatarios. Todas las declaraciones, informes y demás instrumentos del Derecho
Interamericano,96 en especial la Carta Democrática Interamericana, llenan de con-
tenido las cláusulas democráticas de los modelos de integración subregional, sea la
CAN,97 el Mercosur o la recién nacida Unasur.

94 E.Lagos/T.Rudy, “In defense of democracy”, The University of Miami interAmerican Law Review, 35
(2004), 283, 304.
95 CIDH, Herrera Ulloa vs. Costa Rica, del 02. 07.2004, Serie C, núm. 107, párrafo 115; Ricardo Canese vs.
Paraguay, de 31.08.2004, Serie C, núm. 111, párrafo 85; Caso Yatama vs. Nicaragua, de 23.06.2005, Serie C,
núm. 127, párrafos 193, 207 y215.
96 El contexto de la democracia y los procesos de constitucionalización juegan un papel importante en
América del Sur. Ya algunas críticas se aprecian en M. Alcántara/I. Crespo (eds.), Los Límites de la
Consolidación Democrática en América Latina, Salamanca, 1995. También M. Neves, “Symbolische
Konstitutionalisierung und faktische Entkonstitutionalisierung: Wechsel von bzw. Änderung in
Verfassungstexten und Fortbestand der realen Machtverhältnisse”, en Verfassung und Recht in Übersee,
29 (1996) 3, p. 309 ss. A. R. Brewer-Carías, “El derecho administrativo y el derecho a la democracia: una
nueva perspectiva para el necesario equilibrio entre los poderes de la Administración y los derechos del
administrado”. Videoconferencia en las Jornadas Académicas inaugurales del Departamento de Derecho
Administrativo 2008, Facultad de Derecho, Universidad Externado de Colombia, New York-Bogotá, 13
de febrero de 2008.
97 La Comunidad Andina (CAN) también aprobó en la década de los 90 el Compromiso de la Comunidad
Andina con la Democracia, con el carácter de protocolo complementario del documento constitutivo,
el Acuerdo de Cartagena (versión consolidada en ILM 28 (1989), 1165). Las Cumbres presidenciales
andinas (Quirama, 2003, Quito, 2004, Lima, 2005 y Tarija, 2007) han mencionado dentro de los ejes
para la integración la estabilidad democrática. A nivel andino se cuenta tanto con el Compromiso de
la Comunidad Andina por la Democracia del 2000 como con la Carta Andina para la Promoción y
Protección de los Derechos Humanos del 2002. El Compromiso por la Democracia se orienta a garan-
tizar la plena vigencia de la democracia en la Comunidad Andina mediante procedimientos a seguir en
caso de ruptura del orden democrático en algún país. La Carta Andina de los Derechos, que no consti-
tuye un instrumento formalmente vinculante bajo el ordenamiento jurídico de la Comunidad, con-
tiene regulaciones indicativas para los países de la subregión sobre una amplia gama de derechos, afir-
mando la universalidad, indivisibilidad e interdependencia de los mismos. Adicionalmente, en el art.
13 de la Carta de los Derechos Humanos de la CAN se establece expresamente el derecho de los pue-
blos andinos a la democracia, el cual se precisa más claramente en los arts. 14 a 18. W.
Hummer/Markus Frischhut, Derechos Humanos e integración, Colección Temas, vol. 11, Quito, 2004.
También J. M. Casal, Desafíos de los procesos de integración en materia de derechos humanos, Consejo
Consultivo Laboral Andino. Programa Laboral de Desarrollo, V Curso Regional Andino de Derechos
Humanos organizado por la Comisión Andina de Juristas, Abril 2006. La Decisión 551 que crea el
Consejo Electoral Andino como un órgano Comunitario del SAI también debe considerarse como un
paso para impulsar la transparencia y la democracia.

188
La Cláusula Democrática y el Parlamento del Mercosur.
Contextualización de su Alcance y Dimensionalidad

3. La cláusula democrática en el Mercosur como concreción

La cláusula democrática98 se incorporó como parte del Tratado de Asunción


(TA) mediante el Protocolo de Ushuaia,99 firmado en julio de 1998, y en vigor desde
enero de 2002.100 Sin embargo, es conveniente hacer referencia a su evolución. En el
Preámbulo del TA (1991) no se alude a la democracia como factor determinante y
tampoco en su texto. El art. 20, que se refiere a la entrada de nuevos miembros, sólo
dispone que el Mercosur queda abierto a la entrada a cualquier Estado Parte de la
ALADI. Es un año más tarde, cuando en los documentos políticos, en particular en la
“Declaración Presidencial de la Segunda Cúpula Presidencial del Mercosur” (1992),
que se contempla por primera vez la condicionalidad democrática, cuando los
Presidentes ratificaron que la plena vigencia de las instituciones democráticas es un
supuesto indispensable para la existencia y el desarrollo del Mercosur.
En julio de 1996, los Estados Partes reafirman la importancia del mantenimiento
del orden democrático de forma más enfática en la “Declaración Presidencial sobre el
Compromiso Democrático en el Mercosur” y aprueban una declaración de adhesión a
la democracia,101 en la cual el establecimiento y la conservación de instituciones
democráticas son consideradas como condición esencial para la cooperación en el marco
del Mercosur, previendo la suspensión de derechos de miembro como sanción.102 Al
revisar el texto de la Declaración se aprecia el amplio espectro que abarca, pues no sólo
se afirma que “la plena vigencia de las instituciones democráticas es condición esencial
para la cooperación en el ámbito del TA, sus Protocolos y demás actos subsidiarios”, sino
que prosigue destacando que “toda alteración del orden democrático constituye un
obstáculo inaceptable para la continuidad del proceso de integración en curso respecto
al Estado miembro afectado.” Justamente es en la discusión acerca del alcance de la
expresión “toda alteración”, donde se asumen distintas posturas. Algunos interpretan
que se limita a alteraciones de tipo “golpe militar”, mientras otras voces se pronuncian

98 A. Ribeiro Hoffmann, Avaliando a influência das organizações regionais de integração sobre o caráter
democrático dos regimes de seus Estados Partes: o caso do Mercosur e o Paraguai, Cena internacional (UnB),
Brasilia, v. 2, 2005; M. Morales Antoniazzi, “Federalismo supranacional y democracia: la Unión Europea
como fuente de inspiración de la CAN y el Mercosur”, en C. Tablante/ M. Morales Antoniazzi (eds.),
Descentralización versus Neocaudillismo, Anuario para la descentralización, Caracas, Venezuela, 2009.
99 Protocolo de Ushuaia sobre Compromiso Democrático en el Mercosur, la República de Bolivia y la
República de Chile (24.07.1998), 2177 UNTS 373.
100 Protocolo de Ushuaia sobre Compromiso Democrático en el Mercosur, la República de Bolivia y la
República de Chile (24.07.1998), 2177 UNTS 373.
101 Declaración Presidencial sobre Compromiso Democrático en el Mercosur, 25.06.1996, http://www.MER-
COSUR.int/msweb/portal%20intermediario/es/index.htm (21 de Julio de 2009).
102 El contexto de la democracia y los procesos de constitucionalización juegan un papel importante en
América del Sur. Ya algunas críticas se aprecian en M. Alcántara/I. Crespo (ed.), Los Límites de la
Consolidación Democrática en América Latina, Salamanca, 1995. También M. Neves, Symbolische
Konstitutionalisierung und faktische Entkonstitutionalisierung: Wechsel von bzw. Änderung in
Verfassungstexten und Fortbestand der realen Machtverhältnisse, en Verfassung und Recht in Übersee, 29
(1996) 3, p. 309 ss.

189
Mariela Morales Antoniazzi

por alteraciones de toda índole o naturaleza. Un análisis de contexto permite argumen-


tar que debe hacerse una interpretación latu sensu y no strictu sensu.
La prevalencia de la interpretación latu sensu la confirma la propia Declaración
cuando dispone que el mecanismo de consulta tenga lugar “en caso de ruptura o ame-
naza de ruptura del orden democrático en un Estado miembro”. Ya en la declaración
incluso se preveía la aplicación de medidas para el caso de que las consultas resulten
infructuosas, como, por ejemplo, la suspensión del derecho de participación en los
foros del Mercosur, llegando a la suspensión de los derechos y obligaciones emer-
gentes de las normas del Mercosur y de acuerdos celebrados entre cada una de las
Partes y el Estado donde haya ocurrido la ruptura del orden democrático. En una for-
mulación bastante vaga, esta Declaración presidencial ya daba un bosquejo de las otras
dimensiones del principio democrático, es decir, como condicionamiento del ingreso
y de la cooperación. En efecto, se contempla que “las Partes deberán incluir una
cláusula de afirmación del compromiso con los principios democráticos en los acuer-
dos del Mercosur con otros países o grupo de países.”
Sin duda, para la región significó un avance la consagración de la cláusula
democrática en el Protocolo de Ushuaia, luego de las dictaduras que habían marcado
la historia de los países del bloque.103 Cuando dicho Protocolo contempla que es parte
del Tratado de Asunción, se puede afirmar que pertenece pues al orden normativo
constitucional del Mercosur, entendido éste en sentido material.104 En este instru-
mento se postula en el art. 1 que “la plena vigencia de las instituciones democráticas
es condición esencial para el desarrollo de los procesos de integración entre los
Estados Partes del presente Protocolo”. Por su parte, el art. 2 contempla que el
Protocolo tendrá aplicabilidad “en caso de ruptura del orden democrático en alguno
de los Estados Partes”, consagrando el art. 3 que ante dicha ruptura, tendrá lugar la
aplicación de los procedimientos de sanción previstos en el mismo Protocolo. El art.
4 prevé el mecanismo de consultas y cuando éstas resulten infructuosas, el art. 5
dispone que “los demás Estados Partes del presente Protocolo, según corresponda de
conformidad con los Acuerdos de integración vigentes entre ellos, considerarán la
naturaleza y el alcance de las medidas a aplicar, teniendo en cuenta la gravedad de la
situación existente. Dichas medidas abarcarán desde la suspensión del derecho a par-
ticipar en los distintos órganos de los respectivos procesos de integración, hasta la sus-
pensión de los derechos y obligaciones emergentes de esos procesos.”
En el Mercosur, propio de los sistemas intergubernamentales, las medidas deben
adoptarse por consenso. En el caso de las sanciones, es necesario el consenso entre los
otros Estados Partes, negándose al Estado Parte afectado participar en el proceso
decisorio (art. 6 del Protocolo). Conforme al art. 7, una vez verificado el pleno

103 R. Martins, Mercosur: Der Südamerikanische Gemeinsame Markt im Überblick, Recht der Internationalen
Wirtschaft (RIW), Heft 11/1999, p. 855.
104 Al respecto, véase J. Samtleben “Der Südamerikanische gemeinsame Markt (Mercosur) und seine neue
Verfassung”, en Wertpapiermitteilungen 50, 1996, pp. 1997-2005.

190
La Cláusula Democrática y el Parlamento del Mercosur.
Contextualización de su Alcance y Dimensionalidad

restablecimiento del orden democrático, cesarán las medidas y se le notificará al


Estado Parte afectado. Ya las normas contenidas en los arts. 8 y 9 del Protocolo están
destinadas a reconocerle como parte integrante del TA y de los respectivos Acuerdos
de integración celebrados entre el Mercosur y la República del Bolivia y el Mercosur
y la República de Chile, así como su aplicabilidad a los futuros Acuerdos de inte-
gración que se celebren entre el Mercosur y Bolivia, el Mercosur y Chile, por ejem-
plo. Como el Mercosur se define a sí mismo como un proyecto de integración abier-
to,105 tiene coherencia que establezca con carácter expreso que la cláusula democráti-
ca también tendrá aplicación para los futuros Acuerdos de asociación.106
También ha significado un avance que la democracia sea un valor constitutivo en
Unasur. En el Preámbulo de su Tratado Constitutivo los Estados Partes “ratifican que
tanto la integración como la unión suramericanas se fundan en los principios rectores
de: irrestricto respeto a la soberanía, integridad e inviolabilidad territorial de los
Estados; autodeterminación de los pueblos; solidaridad; cooperación; paz; democracia;
participación ciudadana y pluralismo; derechos humanos universales, indivisibles e
interdependientes; reducción de las asimetrías y armonía con la naturaleza para un
desarrollo sostenible” (subrayado de la autora). Continúa el Preámbulo con la intención
de los países que suscriben el Acuerdo en ratificar “que la plena vigencia de las institu-
ciones democráticas y el respeto irrestricto de los derechos humanos son condiciones
esenciales para la construcción de un futuro común de paz y prosperidad económica y
social y el desarrollo de los procesos de integración entre los Estados miembros.”
En el propio articulado del Tratado se menciona como objetivo el fortalecimien-
to democrático (art. 2), en relación al diálogo político se preservarán los valores
democráticos (art. 14), y en cuanto a la participación ciudadana en el proceso de inte-
gración se alude a la interacción democrática. Incluso se deja abierta la creación de un
Parlamento en un Protocolo Adicional (art. 17), que no puede entenderse sino como
un foro para la democracia. Un dato sumamente ilustrativo: recién nacida (antes de su
cuarto mes de vida), Unasur ya se había pronunciado en dos declaraciones sobre la
trascendencia de la garantía de la democracia en sus Estados miembros.107

105 H. Barrios, „Regieren im Mercosur“, en P. Bendel (ed.), Wie erfolgreich ist der Mercosur?, Saarbrucken,
1999, p. 51 ss. Sobre las posturas del Bloque y de Brasil ver, J. Briceño Ruiz, “The New Regionalism in South
America and the South American Community of Nations”, Paper presented at the annual meeting of the
International Studies Association 48th Annual Convention, Feb 28, 2007; G. E. Reyes/J. Briceño Ruiz,
Actualidad de la integración en América Latina y el Caribe, viejos dilemas, nuevos desafíos, Mérida, 2006.
106 En 2005 se aprueba la Decisión CMC/ Nº 29/05 y el texto del “Acuerdo Marco para la Adhesión de la
República Bolivariana de Venezuela al Mercosur. Como único caso hasta el presente, para su ingreso es
absolutamente vinculante que cumpla la cláusula democrática.
107 Declaración de la Unasur, 12 de setiembre de 2008, “Las Naciones Suramericanas anhelan fervientemente
que, a la brevedad posible, se restablezca el orden y la convivencia ciudadana pacífica, y el diálogo orien-
tado a normalizar el funcionamiento de la vida democrática”; Declaración de La Moneda, Santiago de Chile,
15 de septiembre de 2008, Considerando que el tratado Constitutivo de Unasur, firmado en Brasilia el 23
de mayo de 2008, consagra los principios del irrestricto respeto a la soberanía, a la no injerencia en asuntos
internos, a la integridad e inviolabilidad territorial, a la democracia y a sus instituciones y al irrestricto
respeto a los derechos humanos.

191
Mariela Morales Antoniazzi

La democracia se fundamenta en la voluntad del pueblo, libremente expresada,


para determinar su propio régimen político, económico, social y cultural, y en su plena
participación en todos los aspectos de la vida.108 Pero en el ámbito regional interame-
ricano y, particularmente en el suramericano, la democracia,109 los derechos
humanos110 (incluyendo los económicos, sociales y culturales) y el Estado de Derecho,
se presentan como conceptos interconectados. De modo que estas reflexiones permiten
dar una respuesta categóricamente afirmativa al interrogante planteado al inicio: la
democracia es una conditio sine qua non para la integración en América del Sur. Tanto
el modelo mercosureño111 como la recién nacida Unasur, que por ser un Tratado pos-
terior permite confirmar la tendencia hasta el presente, asumen como principio estruc-
tural el respeto y la preservación de la democracia,112 dejando claro que no se trata de
una concepción simplista o minimalista. Por el contrario, se le asocia al respeto de los
derechos humanos,113 a la vigencia efectiva del Estado de Derecho y al desarrollo.
Frente a los objetivos de desarrollo del milenio no hay otra opción posible.

IV. El Parlamento del Mercosur y la democracia

La connotación de originalidad del proceso de integración suramericano y sus


diferentes velocidades suponen la necesidad de revisar, dentro de la estructura insti-
tucional del Mercosur,114 el rol del Parlamento del Mercosur y poder definir algunas

108 Véase entre otros J. Carpizo, Concepto de democracia y sistema de gobierno en América Latina, IIJ-UNAM,
México, 2007.
109 El caso más reciente es la suspensión de la pertenencia de Honduras a la OEA, de fecha 05/07/2009, como
consecuencia del golpe de Estado que expulsó del poder al presidente José Manuel Zelaya. Cfr.
http://scm.oas.org/doc_public/SPANISH/HIST_09/AG04682S02.doc
110 L. Burgorgue-Larsen/A. Ùbeda de Torres, Las decisiones básicas de la Corte Interamericana de Derechos
Humanos. Estudio y Jurisprudencia, Thomson Reuters, 2009.
111 A. Ribeiro Hoffmann, “Political conditionality and democratic clauses in the EU and MERCOSUR”, en A.
Ribeiro Hoffmann/A. van der Vleuten (eds.), Closing or Widening the Gap? Legitimacy and Demcoracy of
Regional International Organizations, Hampshire, Ashgate Publishing Group, 2007.
112 Posturas críticas en J. Trujillo Cabrera, Sicherung der Demokratie in Südamerika: Vergleichende
Annäherung zur Andengemeinschaft und Mercosur mit der Europäischen Union, Int. Law: Rev. Colomb.
Derecho Int., Bogotá, Colombia, Nº 9, 11-43, mayo de 2007; W.Hummer, Demokratiesicherungsklauseln in
regionalen Präferenzzonen, Berlin, 2001.
113 Entre la abundante literatura sobre el tema de los DDHH en el contexto interamericano, D. Hauser, “La
protección de los derechos económicos, sociales y culturales a partir de la Declaración americana sobre los
Derechos y Deberes del hombre”, en C. Courtis,/D. Hauser /G. Rodríguez Huerta (eds.), Protección inter-
nacional de los derechos humanos. Nuevos desafíos, Porrúa-ITAM, México, 2005, pp. 123-146. Sobre el tra-
bajo de la Comisión, ver H. Faúndez Ledesma, “Los derechos económicos, sociales y culturales en el Sistema
Interamericano”, en AA.VV, El Sistema Interamericano de Protección de los Derechos Humanos: su
jurisprudencia sobre debido proceso. DESC, libertad personal y libertad de expresión, Instituto
Interamericano de Derechos Humanos, San José, T. II, 2005, pp. 91-180. En la perspectiva internacional, S.
García Ramírez, “Protección jurisdiccional internacional de los derechos económicos, sociales y culturales”,
en Cuestiones constitucionales, (2003) 9, México, 2003, pp. 127-157.
114 En el Tratado de Asunción de 1991, cuando se creó el Mercosur, se estableció solamente una estructura
institucional provisional consistente en el Consejo de Mercado Común y el Grupo Mercado Común. De

192
La Cláusula Democrática y el Parlamento del Mercosur.
Contextualización de su Alcance y Dimensionalidad

tendencias para su éxito o su fracaso en cuanto a la protección de la democracia en los


Estados Partes. En el marco de la intergubernamentalidad que caracteriza el bloque,
se afirma que este esquema ha permitido precisamente “la transición lenta, pero con-
tinua que los países de la región implementaron para obtener democracia, estabilidad
económica e inserción global”.115
La construcción del Parlamento se ha llevado paso a paso. En el Tratado consti-
tutivo de este modelo regional de integración en el Cono Sur del año 1991, no se con-
templaba la creación de un Parlamento.116 Fue en el protocolo de Ouro Preto de 1994,
referido precisamente a la estructura del Mercosur, donde se incorpora la Comisión
Parlamentaria Conjunta (CPC), concebida como órgano representativo de los
Parlamentos de los Estados Partes con la misión de procurar acelerar los procedimien-
tos internos de entrada en vigor de las normas del Mercosur. Otra atribución era
coadyuvar en la armonización de las legislaciones.117 Sin embargo, varias iniciativas

modo que la estructura orgánica ha ido configurándose a través de sucesivos actos jurídicos de distinto valor
y fuerza normativa. En efecto, la arquitectura institucional se fortalece con los Protocolos de Ouro Preto
(1994) y de Olivos (2002), dando lugar a tres órganos con poder de decisión (el Consejo del Mercado
Común, el Grupo Mercado Común y la Comisión de Comercio), un órgano de representación parlamentaria
(antes Comisión Parlamentaria Conjunta y ahora Parlamento), un órgano consultivo (Foro Consultivo
Económico y Social), un órgano de apoyo administrativo (Secretaría Administrativa del Mercosur) y final-
mente los órganos de solución de controversias (Tribunal Arbitral Ad Hoc y Tribunal permanente de
Revisión. Véase C.E. Delpiazzo, Fuentes del Derecho de la Integracion, en H. Gros Espiell, El derecho de la
Integracion del Mercosur, 1999, p. 69; A. Loschky, Mercosur und EU, Berlín, 1998, p. 28. Sobre el fuerte
papel de los Presidentes, ver A. Malamud, “Jefes de gobierno y procesos de integración: las experiencias de
Europa y América Latina”, en Philippe de Lombaerde, Shigeru Kochi/José Briceño Ruiz (eds.), Del regio-
nalismo latinoamericano a la integración interregional, Madrid, Fundación Carolina/siglo XXI, 137-62; A.
Malamud, “Presidential Diplomacy and the Institutional Underpinnings of Mercosur. An Empirical
Examination”, Latin American Research Review 40(1), 138-64. Ante la ausencia de transferencia de com-
petencias en sentido estricto se califica la estructura institucional como “minimalista”, D. Ventura, Las
asimetrías entre el MERCOSUR y la Unión Europea, los desafíos de una asociación interregional, Uruguay,
2005, p. 55 ss. Otros hallan fragilidad, Cfr. J. A. Alonso, “América Latina: las trampas del progreso”, en C.
Freres/J. A. Sanahuja (coord.), América Latina y la Unión Europea, Barcelona, 2006, p. 321-341. Véase tam-
bién M. J. Filadoro, “Eficacia de las instituciones del Mercosur. El caso de la Secretaría Técnica”, en Anuario
de Derecho Constitucional Latinoamericano, KAS, 12º año, tomo I, 667 ss; C. M. Russo Cantero, El
Mercosur ante la necesidad de organismos supranacionales, Asunción, Intercontinental, 1999. Sobre el
TPR, R. P.Ripoll, “Fuegos fatuos en Villa Rosalba. Alcance de la jurisdicción del Tribunal Permanente de
Revisión del Mercosur”, en Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano, KAS, 12º año, tomo I, p.
616; D. Pavón Piscitello/J. P. Schmidt, “Der EuGH als Vorbild: Erste Entscheidung des ständigen Mercosur-
Gerichts”, Europäische Zeitschrift für Wirtschaftsrecht, 17 (2006) 10, pp. 301-304; A. Dreyzin, “El
Protocolo de Olivos”, en Revista de Derecho Privado y Comunitario, Argentina, Rubinzal Culzoni, 2003-1,
pp. 579-621; .J.C. Rivera, “La opinión consultiva en el sistema de solución de controversias del Mercosur”,
en Estudios en homenaje a la doctora Berta Kaller Orchansky, Poder Judicial de la Provincia de Córdoba,
Tribunal Superior de Justicia, Córdoba, 2004.
115 M. A. Guedes de Oliveira, “Mercosur: Desarrollo político y temas comparativos con la Unión Europea”, en
F. Peña (comp.), La Unión Europea y la integración regional, Perspectivas comparadas y lecciones para las
Américas, Buenos Aires, 2005, p. 243.
116 El antecedente de un Parlamento Regional se encuentra en el Parlatino. Ver al respecto R.D. Labrano Ruíz,
Mercosur, Integración y Derecho, Buenos Aires, 1998, p. 441.
117 PO Art. 25.

193
Mariela Morales Antoniazzi

para la conformación de un Parlamento común del Mercosur han tenido lugar hasta
llegar a su configuración en el año 2006.118 Comenzó a funcionar en diciembre de
2006, pero su Protocolo Constitutivo data de 2005.119 Sin tratar de hacer un análisis
detallado de las normas de dicho Protocolo, basta resaltar que en sus propósitos (art.
2), principios (art. 3) y competencias (art.4), se pone de relieve la preservación del
régimen democrático como eje transversal de la institución.
El Parlamento del Mercosur tiene la función de promover la democracia.120
Hace ya más de dos años, el 7 de mayo de 2007, en su primera sesión, el Presidente de
Uruguay utilizó el eslogan “Queremos más y mejor Mercosur.” En esa ambiciosa agen-
da ocupa un lugar privilegiado el reforzamiento institucional. La integración ha
provocado un considerable spillover en un cierto sentido de construcción comuni-
taria, ubicando entre sus desafíos la reforma institucional. El Parlamento, como
órgano de legitimidad democrática, debe aparecer como prioridad.121
En el Preámbulo de Protocolo constitutivo del Parlamento,122 los Estados
Partes manifiestan ser conscientes “de que la instalación del Parlamento del
Mercosur, con una adecuada representación de los intereses de los ciudadanos de los
Estados Partes, significará un aporte a la calidad y equilibrio institucional del
Mercosur,123 creando un espacio común en el que se refleje el pluralismo y las diver-
sidades de la región, y que contribuya a la democracia, la participación, la represen-
tatividad, la transparencia y la legitimidad social en el desarrollo del proceso de inte-
gración y de sus normas,” así como reafirmar “los principios y objetivos del Protocolo
de Ushuaia sobre Compromiso Democrático en el Mercosur, la República de Bolivia
y la República de Chile, del 24 de julio de 1998, y la Declaración Presidencial sobre
Compromiso Democrático del Mercosur, del 25 de junio de 1996”. Sin duda, la
creación del Parlamento significa una manera de concretar el principio democrático
en la región, lo cual está clara y expresamente estipulado en el Protocolo. El art. 2
del Protocolo define como propósito del Parlamento “asumir la promoción y defen-
sa permanente de la democracia”. En el art. 3 se consagran en los números 1, 2 y 4

118 R. Correa Freitas, “Los órganos del Mercosur: hacia la conformación de un Parlamento común”, en Anuario
de Derecho Constitucional Latinoamericano, 2005, Uruguay, p. 809 ss.
119 Véase Decisión 23/05, XXIX CMC – Montevideo, 08/XII/05.
120 Para conocer en detalle los documentos que acompañaron todo el proceso, ver Hacia el Parlamento del
Mercosur, Fundación Konrad Adenauer y Comisión Parlamentaria Conjunta del Mercosur, 2ª. Edi.,
Uruguay, 2006.
121 S. Gratius (ed.), Mercosur y Nafta. Instituciones y mecanismos de decisión en procesos de integración
asimétricos, Madrid-Frankfurt am Main, 2008, 301 ss.
122 F. Farinella, “Las instituciones del Mercosur: la creación del Parlamento del Mercado Común”, Revista de
direito internacional e do MERCOSUL, 10 (2006) 1, pp. 69-77.
123 Una corriente más crítica, al referirse a los Parlamentos nacionales, destaca que en América Latina, los par-
lamentos y los tribunales nacionales han estado al margen en los procesos de integración. Así, los bloques
regionales se han caracterizado por un “magro nivel de participación de la sociedad civil y sus represen-
tantes y por un bajo grado de institucionalización”. Ver A. Malamud, “Jefes de gobierno y procesos de inte-
gración regional: las experiencias de Europa y América Latina”, en P. de Lombaerde/ S. Kochi/J. Briceño
Ruiz (eds.), Del regionalismo latinoamericano a la integración interregional. Madrid, 2008.

194
La Cláusula Democrática y el Parlamento del Mercosur.
Contextualización de su Alcance y Dimensionalidad

los principios que le dan contenido al objetivo mencionado supra, como el pluralis-
mo y la tolerancia como garantías de la diversidad de expresiones políticas, sociales
y culturales de los pueblos de la región, la transparencia de la información y de las
decisiones para crear confianza y facilitar la participación de los ciudadanos y el
respeto de los derechos humanos en todas sus expresiones respectivamente.
Absolutamente categórica es la competencia del Parlamento para “velar por la
preservación del régimen democrático en los Estados Partes, de conformidad con las
normas del Mercosur, y en particular con el Protocolo de Ushuaia sobre Compromiso
Democrático en el Mercosur, la República de Bolivia y la República de Chile”.
De lo anteriormente expuesto es interesante destacar que el Protocolo, en con-
sonancia con la doctrina del contexto interamericano (para la CorteIDH no puede
haber democracia si no hay protección efectiva de derechos humanos, del mismo
modo que sin derechos humanos no hay democracia)124 y la experiencia europea
(donde los retos del siglo XXI se centran en el respeto y garantía de los derechos
humanos, la democracia y el Estado de Derecho),125 enumera entre sus propósitos,
principios y competencias la garantía de la democracia y tiene un papel preponde-
rante en la promoción del principio democrático, tanto a nivel del Mercosur como a
nivel de los Estados miembros. Aun cuando el Parlamento del Mercosur no tiene las
funciones esenciales de un órgano legislativo en sentido estricto,126 pues no legisla
(sólo cuenta con atribuciones cuasi-legislativas)127 y no controla,128 sí puede ser
entendido como un avance al representar un foro para la democracia. Si se comparte
con Habermas su sugerencia de interpretar la democracia como un proceso histórico
de autocorrección de la Constitución,129 donde la democracia sirve para la rea-
lización y actualización de los valores constitucionales,130 resulta necesario contex-
tualizar este análisis. Por una parte, el Parlamento al no tener competencias legisla-

124 P. Carazo, “El sistema interamericano de derechos humanos: democracia y derechos humanos como fac-
tores integradores en Latinoamérica”, en A. von Bogdandy, C. Landa, M. Morales Antoniazzi (eds.),
¿Integración Sudamericana a través del Derecho? Un análisis interdisciplinario y multifocal, CEPC/Max
Planck Institut für ausländisches öffentliches Recht und Völkerrecht, Madrid, 2009, p. 231 ss.
125 Memorandum del Gobierno alemán sobre el Tratado de Lisboa, del 13.12.2007, http://www.auswaertiges-
amt.de/diplo/de/Europa/Downloads/Denkschrift-lissabon.pdf (25 de julio de 2009).
126 Refiriéndose a la Comisión Parlamentaria, ver D. A. Sabsay, “Federalismi e integrazioni sopranazionali. La
experiencia del Mercosur: comparación con la Unión Europea”, en P. Bilancia, Federalismi e integrazioni
sopranazionali nell’arena della globalizzazione: Unione Europea e Mercosur, Milano, 2006, p. 370. También
M. C. Drummond, “The evolution of the competence and functions of the Joint Parliamentary Committee
of Mercosur”, en PER 23 (2003), pp. 233-251.
127 Concretamente, el procedimiento preferencial previsto en el numeral 12 del art. 4 del Protocolo constitu-
tivo, así como la iniciativa legislativa contemplada en el numeral 13 ejusdem y la labor que puede cumplir
en torno a la armonización de las legislaciones nacionales le imprimen este carácter.
128 Contrastarlo con el Parlamento Europeo, S. Dreischer, Das Europäische Parlament und seine Funktionen
eine Erfolgsgeschichte aus der Perspektive von Abgeordneten, Dresden, 2004.
129 J. Habermas, Constitutional democracy. A paradoxical union of contradictory principles?. Political Theory,
Vol. 29, No. 6, 2001, p. 29.
130 C. Closa Montero, “Constitución y democracia en la Unión Europea”, en C. Closa Montero/ N. Fernández
Sola (coords.), La Constitución de la Unión Europea, Estudios constitucionales, CEPC, Madrid, 2005, p. 21.

195
Mariela Morales Antoniazzi

tivas, ni tampoco en materia de presupuesto ni de control del ejecutivo, se ve limita-


do en su actuación como órgano que cuenta con legitimidad democrática y lo con-
duce sólo a un rol político. No obstante, a pesar de estar en “minusvalía” frente a los
parlamentos nacionales o al propio Parlamento Europeo,131 se le puede comparar en
sus funciones con el Parlamento Panafricano132 y con el Parlamento
Centroamericano.133 Ahora bien, una dificultad que todavía debe afrontar el
Parlamento del Mercosur será su propia integración en el año 2014, dadas las asimetrías
en el bloque y la dificultad de encontrar consenso sobre la ponderación proporcional.
El proyecto (PL 5279/09) que reglamenta las elecciones directas para los representantes
brasileños para el Parlamento del Mercosur (PARLASUR) a partir de 2011, que deberían
ser electos en 2010, está todavía pendiente. Es necesario un consenso sobre los términos
del acuerdo en materia de la proporcionalidad de la representación.134
Como foro para el intercambio de ideas y argumentos sobre el futuro del
bloque regional, el Parlamento es una piedra fundamental para la promoción de la
democracia y el respeto y garantía de los derechos humanos, lo que en la región está
plenamente vigente y necesario. Igualmente puede valorarse como sumamente
positivo el papel que el Parlamento tiene asignado como impulsor y conductor del
rumbo del derecho de integración, en razón de su nueva competencia aquí deno-
minada “cuasi-legislativa” para facilitar la incorporación de la normativa del
Mercosur en los Estados Partes. La fuerza del derecho del Mercosur, a pesar de los

131 Aun cuando la doctrina coincide en el débil papel que ha jugado el Parlamento europeo hasta el momento.
Véase D. Ventura/A. Perotti, El proceso legislativo del Mercosur, Montevideo, 2004, p. 20 ss.
132 El Protocolo del Tratado de la Comunidad Económica Africana relativo al establecimiento del Parlamento
Panafricano fue aprobado en Sirte, Libia, en marzo de 2001. El proceso de ratificación y depósito ha pre-
sentado diversas dificultades. No obstante, el órgano tiene facultades consultivas y de asesoramiento. Entre
las funciones del Parlamento se halla la de estudiar cuestiones relacionadas con los derechos humanos, el
buen gobierno y el Estado de derecho, así como la armonización y coordinación de las leyes entre los
Estados miembros. Informe de Amnistía internacional, http://www.amnesty.org/es/library/info/
AFR01/007/2004 (21 de Julio de 2009), Sitio oficial http://www.africa-union.org/root/au/organs/Pan-
African_Parliament_en.htm (25 de Julio de 2009).
133 El Parlacen también tiene atribuida la competencia para ejercer un liderazgo eficaz orientado al
fortalecimiento de la democracia representativa. El pasado 20 de febrero de 2008 se acordó la refor-
ma al Tratado Constitutivo de este Parlamento, procurando ampliar sus competencias en cuanto a
la iniciativa legislativa, conocer de los nombramientos de altos directivos de los órganos de inte-
gración, conocer del presupuesto del Sica. Ver http://www.parlacen.org.gt/index-portada.html (25
de julio de 2009).
134 Disposiciones transitorias del Protocolo Constitutivo: la primera, relativa a las etapas: A los fines de lo
previsto en el artículo 1 del presente Protocolo se entenderá por “primera etapa de la transición”, el
período comprendido entre el 31 de diciembre de 2006 y el 31 de diciembre de 2010; en cambio, la
“segunda etapa de la transición”, es el período comprendido entre el 1 de enero de 2011 y el 31 de
diciembre de 2014. La segunda disposición transitoria acerca de la integración establece que en “la
primera etapa de la transición, el Parlamento estará integrado por dieciocho (18) parlamentarios por
cada Estado Parte. Lo previsto en el artículo 5, inciso 1, relacionado con la integración del Parlamento,
de conformidad a un criterio de representación ciudadana, aplicable a partir de la segunda etapa de la
transición, será establecido por Decisión del Consejo del Mercado Común, a propuesta del Parlamento
adoptada por mayoría calificada”.

196
La Cláusula Democrática y el Parlamento del Mercosur.
Contextualización de su Alcance y Dimensionalidad

vaivenes hasta la fecha,135 debe ir consolidando su autonomía de la mano de la


evolución de la institución parlamentaria.136 Para ello le tocará al propio
Parlamento del Mercosur137 luchar por sus reivindicaciones138 como Cámara le-
gislativa en lo que a su labor respecta.
Una señal positiva es que el Mercosur ha optado por sobrevivir y crecer. Hay
señales en el plano de la institucionalización que dan lugar para ser optimistas: la
Reunión de Altas Autoridades sobre Derechos Humanos del MERCOSUR (RAD-
DHH), el Observatorio de Políticas Públicas de Derechos Humanos en el MERCO-
SUR, el Observatorio de la Democracia del Mercosur (ODM). El Consejo del Mercado
Común aprobó en el año 2009 la creación del Instituto de Políticas Públicas de
Derechos Humanos (IPPDDHH), con el objetivo de contribuir al fortalecimiento del
Estado de Derecho en los Estados Partes mediante el diseño y seguimiento de las
políticas públicas en Derechos Humanos, y contribuir a la consolidación de los
Derechos Humanos como eje fundamental de la identidad y desarrollo del Mercosur.
Igualmente, la propuesta de creación de una Corte de Justicia del Mercosur implica
un avance en la perspectiva constitucional del bloque.139 Todas estas iniciativas deben
ser interpretadas, en el orden jurídico, como pasos hacia la consolidación del valor
democrático en el bloque.
Se constata una evolución muy positiva en el afianzamiento formal del Estado de
Derecho, los derechos humanos y la democracia como pilares de la integración en el
bloque. Un ejemplo lo constituye el art. 2 de la decisión 05/07 cuando dispone entre
los objetivos del ODM el contribuir al fortalecimiento de los objetivos del Protocolo
de Ushuaia sobre Compromiso Democrático en el Mercosur, la República de Bolivia
y la República de Chile así como su papel en el seguimiento de procesos electorales,
denotando el nivel de concreción que se alcanza con este paso. Incluso entre los obje-
tivos también figura “realizar actividades y estudios vinculados a la consolidación de
la democracia en la región”. De ello se desprende la labor de “guardián” de este

135 Basta analizar la Primera Opinión Consultiva y sus “estridencias”. Véase A. Dreyzin, “La primera Opinión
Consultiva en Mercosur. ¿Germen de cuestión prejudicial?”, Civitas, Revista Española de Derecho Europeo
Nº 23, 2007, p. 437-461.
136 Tal como ocurrió con Europa, cuando en un principio era una “Asamblea” hasta que en el año 1962 adquir-
ió el nombre de Parlamento (DO 1962, p. 1045. Ver por ejemplo E. Gómez Corona, “El Parlamento
Europeo: por fin un Poder Legislativo para la Unión Europea”, en E. Gómez Corona y otros (coord.), Una
Constitución para la ciudadanía de Europa, Navarra, 2004, p. 251 ss.
137 Entre otros aspectos, no ha sido posible todavía encontrar consenso sobre la ponderación proporcional,
porque esto daría un peso mucho mayor a los diputados brasileños en comparación a los paraguayos o
uruguayos y esto continúa abierto al debate.
138 La Eurocámara no ha cesado en esta labor, ver DO, núm. C 69, 20 de marzo de 1989 o DO núm. 371, 8 de
diciembre de 1971. Igualmente son de destacar las propuestas del Parlamento en la constitucionalización
de la Unión Europea. Para el denominado proyecto Spinelli/Bieber, “The institutions and the decision-mak-
ing procedure in the Draft Treaty establishing the European Union”, en Bieber/Jaque/Weiler, An ever clos-
er Union, 1985, p. 31 ss.
139 Véase Noticias Mercosur Nº 21/09, 03/09/09 “Especial: Corte de Justicia del MERCOSUR”, editado por
Alejandro Perotti. Cfr. http://www.cij.csjn.gov.ar/conferencia-cortes-mercosur.html.

197
Mariela Morales Antoniazzi

Observatorio, pues los análisis (políticos y académicos) que se desarrollen permiten


mantener en “alerta” al sistema frente a cualquier intento de desviación del principio
democrático. Lo confirma el art. 3 de la citada norma al estipular las funciones del
ODM en una doble dimensión: consultora y evaluadora. Y en el art. 7 categórica-
mente se contempla que el ODM contribuirá con sus trabajos a consolidar la demo-
cracia en la región, poniendo de relieve que para el cumplimiento de sus objetivos y
funciones se desempeñará con imparcialidad. Así se combina su rol en los procesos
electorales de los Estados Partes pero sin interferir en los asuntos internos, de modo
que el ODM en su labor de seguimiento puede detectar e informar los avances y retro-
cesos del cumplimiento de la cláusula democrática. Ello refuerza la función del
Parlamento, sin duda alguna. La integración regional pasa, en el órgano de legitimi-
dad democrática, a representar el centro del debate político140 y que no esté en manos
de los poderes ejecutivos de los Estados Partes. La participación de la sociedad civil
sería un gran impulso para el debate democrático en el bloque del Cono Sur.
La voluntad de los Estados Partes del Mercosur de lograr una Unión cada vez más
estrecha entre los pueblos tiene un fuerte valor simbólico a la hora de hablar de la
Constitución material del Mercosur, incluido el valor sui géneris de los derechos
humanos y la democracia. Aunque el Protocolo de derechos humanos no forme parte
todavía del Tratado de Asunción hasta su ratificación en Brasil, ello no significa
desnudez de efectos jurídicos.141 En el ámbito del Cono Sur, no sólo se deben entrelazar
las disposiciones de la Convención Americana de Derechos Humanos y las
Constituciones de los Estados, que tiene carácter vinculante, sino también la propia
Carta Democrática Interamericana (soft law) para llenar de contenido normativo las
cláusulas democráticas y de derechos humanos. Por lo pronto, el Protocolo de Ushuaia
es derecho vinculante y el Protocolo de Asunción “todavía” tiene en sentido estricto
carácter de soft law, pero como principios dirigidos a ser fuente de interpretación de los
derechos son disposiciones vinculantes y de aplicación obligatoria por los poderes públi-
cos. Tal como lo muestra la experiencia europea, los Estados constitucionales de la
Unión se encuentran frente al reto de demostrar a la comunidad internacional que la
democracia y el Estado de Derecho (incluyendo los derechos humanos), son principios
rectores que permanecen mutatis mutandi en la organización supranacional, cuando
incluso los Estados pierden el monopolio del poder en razón de la globalización.142 El
papel del sistema interamericano, que en el plano conceptual y teórico es uno de los más

140 G. L. Gardini, “Un parlamento regionale per il MERCOSUR”, en AffarInternazionali


Rivista on-line di politica, strategia ed economia, 02/08/2007.
141 Expresión tomada del contexto europeo en cuanto a los efectos de la Carta de los Derechos fundamentales.
Véase R. Alonso García/D. Sarmiento, La carta de los derechos fundamentales de la Unión Europea, Madrid,
2006, p. 16.
142 T. Giegerich, Europäische Verfassung und deutsche Verfassung im transnationalen
Konstitutionalisierungsprozeß, Beiträge zum ausländischen öffentlichen Recht und Völkerrecht; 157,
Heidelberg u. a., 2003, p. 1120.

198
La Cláusula Democrática y el Parlamento del Mercosur.
Contextualización de su Alcance y Dimensionalidad

desarrollado y protector,143 juega un papel esencial en la determinación del alcance y


dimensionalidad de las cláusulas en cuestión. Resulta imperativo acudir a él para inter-
pretar y aplicar la cláusula democrática y de derechos humanos en el Mercosur.144
No obstante, también hay razones para el pesimismo. Es difícil combinar las
agendas “profundización y ampliación”. La ampliación podría ser un obstáculo para
una integración más profunda en el Mercosur porque se puede diluir el esfuerzo al no
cumplir los compromisos en ambos sentidos. El ingreso de Venezuela145 en 2014
(fecha en la cual podría ser miembro pleno) significaría una especie de spillback, dado
que la constelación de “cuarteto” se vería alterada y la no coincidencia de objetivos
sobre la integración conllevaría inestabilidad para el bloque.146 Otro motivo poco
alentador está dado por la denominada “desinstitucionalización” que se está observan-
do en la región.147 Si bien es cierto que las dictaduras militares forman parte del pasa-
do, es igualmente cierto que se constata una recentralización y algunos gobiernos
pueden ser catalogados desde democracias participativas hasta autocracias elec-
torales.148 La situación de los derechos humanos, la independencia del poder judicial,
la inseguridad, entre otros factores, abren serios cuestionamientos en cuanto a la efec-
tividad de la democracia en algunos países, lo cual supone estar alerta para exigir el
estricto cumplimiento de la cláusula democrática.149

143 A. R. Brewer-Carías, “El derecho administrativo y el derecho a la democracia: una nueva perspectiva para
el necesario equilibrio entre los poderes de la Administración y los derechos del administrado”, Video
Conferencia en las Jornadas Académicas inaugurales del departamento de Derecho Administrativo, 2008,
Facultad de Derecho, Universidad Externado de Colombia, New York-Bogotá, 13 de febrero de 2008.
144 P. Nikken, “La Cooperación Internacional para la promoción y Defensa de la Democracia”, en Agenda para la
consolidación de la Democracia en América Latina, San José de Costa Rica, IIDH/CAPEL, 1990, pp. 493-526.
145 Entre otros, véase R. Chacón De Albuquerque, “El MERCOSUR y la adhesión de Venezuela”, Revista de
Derecho Público Nº 11/2007, pp. 43-60.
146 S. Gratius, op. cit., pp. 327, 328.
147 A. Mähler, “Wie autoritär ist Lateinamerika?”, GIGA Focus Lateinamerika, Nummer 8, 2008, pp. 1-8. Sobre
la obligatoriedad para Venezuela de cumplir con el principio democrático, véase A. Brewer-Carías,
“Reflexiones críticas sobre la Constitución de Venezuela de 1999”, en el libro de D. Valadés/ M. Carbonell
(coord.), Constitucionalismo Iberoamericano del Siglo XXI, Cámara de Diputados. LVII Legislatura,
Universidad Nacional Autónoma de México, México 2000, pp. 171-193; idem, en Revista de Derecho
Público, Nº 81, Editorial Jurídica Venezolana, Caracas, enero-marzo, 2000, pp. 7-21; idem, en Revista
Facultad de Derecho, Derechos y Valores, Volumen III Nº 5, Universidad Militar Nueva Granada, Santafé
de Bogotá, D.C., Colombia, julio 2000, pp. 9-26; idem, La Constitución de 1999, Biblioteca de la Academia
de Ciencias Políticas y Sociales, Serie Eventos 14, Caracas, 2000, pp. 63-88.
148 A. Hadenius/J. Teorell, „Pathways from Authoritarianism“, en Journal of Democracy, Nr. 1, 2007, p. 143-156.
149 Para el caso Venezuela, entre otros, véase CIDH, Informe anual 2006, ibid., § 211, p. 1352; CIDH, Informe
anual 2007, § 222, punto 313. Para la valoración sobre la situación del Estado de Derecho en Venezuela,
véase Rule of Law, Konrad Adenauer Foundation (Ed.), The KAF Democracy Report 2006, Berlin, 2006, p.
283 ss. Informes 2000 y 2007, Venezuela como Estado parcialmente garante de la democracia al igual que
Paraguay en el 2007, mientras Brasil, Argentina y Uruguay aparecen bien ubicados. Fuente: Freedom
House: Freedom in the World, en www.freedomhouse.org (03.11.08). Zippel (ed.), Die Bezihungen
Zwischen der EU und den Mercosur-Staaten, Baden-Baden, 2001/2002, pp. 57 ss. También más reciente, F.
Peña: Gobernabilidad e integración de espacios geográficos regionales: Una aproximación a la comparación
de las experiencias sudamericana y europea. Universidad Nacional de Tres de Febrero (UNTREF) con la
colaboración del INTAL - Buenos Aires, 13 de noviembre de 2007. http://www.felixpena.com.ar/.

199
Mariela Morales Antoniazzi

V. Conclusiones en tesis

• La democracia y el respeto de los derechos humanos constituyen principios


rectores de la integración. Esto lo ratifica el reciente Tratado de Unasur en
su Preámbulo y en el art. 2. En el Mercosur, el principio democrático forma
parte de la normativa vinculante. Presenta además la misma tridimensio-
nalidad que en Europa, pues es un principio constitucional, a la vez que es
condición de ingreso/sanción e igualmente rige para la cooperación inter-
nacional. Las tres caras del principio se deducen del artículo 1º del
Protocolo de Ushuaia, al establecer que la “plena vigencia de las institu-
ciones democráticas es condición esencial para el desarrollo de los procesos
de integración entre los Estados Partes del presente Protocolo”. En el
Mercosur, la cláusula de derechos humanos como condicionalidad del pro-
ceso, a pesar de que el Protocolo de Asunción no está incorporado al
Tratado de Asunción mientras no lo haya ratificado Brasil, debe interpre-
tarse en el mismo sentido que en Europa. Los principios en materia de dere-
chos fundamentales, conforme a la jurisprudencia del Tribunal de Justicia
(TJCE), constituyen mandatos jurídicos de aplicación directa e inmediata,
self executing. No son meros derechos morales de naturaleza ética, sino que
son disposiciones vinculantes y de aplicación obligatoria por los poderes
públicos.
• La Constitución material del Mercosur contempla el principio de la demo-
cracia a pocos años de su nacimiento. Entre los instrumentos que desarro-
llan este principio se encuentran la “Declaración Presidencial de la Segunda
Cúpula Presidencial del Mercosur” de 1992, la “Declaración Presidencial
sobre el Compromiso Democrático en el Mercosur” de 1996, el “Protocolo
de Ushuaia sobre Compromiso Democrático en el Mercosur, la República
de Bolivia y la República de Chile” de 1998, el Protocolo constitutivo del
Parlamento de 2005. El Observatorio de la Democracia del Mercosur
(ODM) de 2007 también representa un avance para el fortalecimiento
democrático en la subregión. Por el contrario, el tema de los derechos
humanos como componente permanente de la agenda Mercosur puede ca-
talogarse como más reciente. Si bien dentro de la estructura institucional
del Mercosur existía un Grupo Ad Hoc sobre Derechos Humanos, es a par-
tir del año 2004 cuando se crea la Reunión de Altas Autoridades sobre
Derechos Humanos del Mercosur. El Observatorio de Políticas Públicas de
Derechos Humanos también data de 2004; el “Protocolo de Asunción sobre
Compromiso con la Promoción y Protección de los Derechos Humanos del
Mercosur” está pendiente de ratificación, pero incluye la cláusula de dere-
chos humanos en términos semejantes a la cláusula democrática. En el año
2009 se ha creado el Instituto de Políticas Públicas de Derechos Humanos

200
La Cláusula Democrática y el Parlamento del Mercosur.
Contextualización de su Alcance y Dimensionalidad

(IPPDDHH). De modo que la garantía del binomio derechos humanos-


democracia es un imperativo en el bloque.
• En su amplio espectro, el canon de los valores comunes que están detrás de
los principios de democracia, de los derechos humanos y del Estado de
Derecho colocan al hombre y la dignidad del hombre en el centro de la
estructura de integración y le deben permitir albergar los elementos esen-
ciales, así como el núcleo central de la identidad del bloque mercosureño.
• Para perfilar el alcance y la dimensionalidad en tres vías que se le asignan
a las cláusulas de democracia y derechos humanos se recomienda acudir al
Derecho Interamericano. El Protocolo de Ushuaia sólo se refiere a la apli-
cación del procedimiento de sanción en caso de “ruptura” del orden
democrático. El criterio que debe privar para interpretar el significado del
término está contenido expresamente en la Carta Democrática
Interamericana. De conformidad con el art. 3 de la Carta, “son elementos
esenciales de la democracia representativa, entre otros, el respeto a los
derechos humanos y las libertades fundamentales; el acceso al poder y su
ejercicio con sujeción al Estado de Derecho; la celebración de elecciones
periódicas, libres, justas y basadas en el sufragio universal y secreto como
expresión de la soberanía del pueblo; el régimen plural de partidos y orga-
nizaciones políticas; y la separación e independencia de los poderes públi-
cos”. Por su parte, el art. 4 define como componentes fundamentales del
ejercicio de la democracia, “la transparencia de las actividades guberna-
mentales, la probidad, la responsabilidad de los gobiernos en la gestión
pública, el respeto por los derechos sociales y la libertad de expresión y de
prensa. La subordinación constitucional de todas las instituciones del
Estado a la autoridad civil legalmente constituida y el respeto al Estado de
Derecho de todas las entidades y sectores de la sociedad son igualmente
fundamentales para la democracia”. En materia de derechos humanos, no
sólo se tiene la Convención Americana de derechos humanos sino también
el desarrollo jurisprudencial de la Corte Interamericana de derechos
humanos.
• Latu sensu, la cláusula democrática implica que la Constitución del Estado
que pretende ser Parte del Mercosur, así como su realidad constitucional,
deben garantizar la pluralidad política, las elecciones libres y secretas, así
como un sistema que facilite la alternancia del poder; debe estar asegurada
la protección de los derechos humanos y de las libertades fundamentales y
el respeto del Estado de Derecho; debe, en definitiva, procurar regirse por
la no discriminación, la tolerancia, la justicia, la solidaridad y la igualdad
entre mujeres y hombres. No es admisible interpretar la cláusula
democrática bajo una concepción formal de democracia (donde haya elec-
ciones, pero que no se cumplan los demás requisitos).

201
Mariela Morales Antoniazzi

• Para evitar incoherencias y lograr pasar de lo retórico a lo práctico, el


Parlamento del Mercosur es el órgano llamado, en primera instancia, a
asumir la promoción y defensa permanente de la democracia, tal como rige
en su Protocolo de creación. Velar por la preservación del régimen
democrático en los Estados Partes, así como elaborar y publicar anualmente
un informe sobre la situación de los derechos humanos en los Estados
Partes se prevén como atribuciones específicas del órgano parlamentario.
En la medida en que lleve a cabo esta función, ganará legitimidad y con-
tribuirá a darle mayor transparencia y publicidad al proceso de integración
al acercarlo al ciudadano. Todo ello estaría en consonancia con la era de la
protección internacional de la democracia y de los derechos humanos.
• La profundización de uno de sus ejes neurálgicos de la integración, como le
es el principio democrático, es una prioridad en la región. Ante los
señalamientos doctrinarios sobre las amenazas a la institucionalidad
democrática en Suramérica, no a través de golpes militares, sino mediante
otros mecanismos (concentración del poder por parte del poder ejecutivo,
falta de independencia del poder judicial, no garantía del pluralismo políti-
co ni de la libertad de expresión, entre otros), la cláusula democrática
adquiere mayor trascendencia. Un buen signo en este sentido se nota en la
Declaración de La Moneda, firmada en septiembre de 2008 por las Jefas y
Jefes de Estado y de Gobierno de Unasur, que incluye a su vez a los Estados
Parte del Mercosur, con motivo de la crisis boliviana. Se produjo, y así debe
analizarse, una manifestación más a favor del fortalecimiento democrático
en la región, según expresa el número 2, que se rechaza enérgicamente
“cualquier situación que implique un intento de golpe civil, la ruptura del
orden institucional o que comprometan la integridad territorial”. En el
número 7 se hace “un llamado al diálogo para establecer las condiciones
que permitan superar la actual situación y concertar la búsqueda de una
solución sustentable en el marco del pleno respeto al Estado de Derecho y
al orden legal vigente”. De modo que el contenido del principio democráti-
co, sin lugar a dudas, es amplio y no restrictivo. Garantizar la existencia de
una democracia pluralista, acompañada del respeto al Estado de Derecho y
la protección de los derechos humanos constituye un reto. Al día de hoy,
por tanto, debe pasarse del ámbito dogmático-normativo al campo opera-
cional, de modo que se alcance la democracia en la realidad constitucional.
Las cláusulas democráticas y de derechos humanos se han erigido como un
símbolo de la consolidación de un “constitucionalismo regional”. En el
Mercosur representan una especie de “cláusula de corte transversal”, que
condicionan la totalidad del orden jurídico del bloque y se convierten en
uno de los criterios esenciales que también deben cumplir los países can-
didatos a la adhesión.

202
Estado Democrático de Direito
e Constitucionalismo na América do Sul1
Marcelo Neves2

Sumáárioo: I. Introdução II. Conceito de Estado Democrático de Direito III. Constitucionalismo na América do Sul
IV. Transição e Consolidação Democráticas e Constituciolização simbólica V. “Constitucionalismo Bolivariano” e seu
impacto VI. Mercosul e Desafios da Integração Supra-nacional VII. Conclusões.

When a shady businessman recently said in Argentina, “to be


powerful is to have [legal] impunity,” he expressed a presumably wides-
pread feeling that, first, to voluntarily follow the law is something that
only idiots do and, second, that to be subject to the law is not to be the
carrier of enforceable rights but rather a sure signal of social weakness

Guillermo O’Donnell3

I. Introdução

Se partirmos do pressuposto de que o êxito e a continuidade da integração supra-


nacional de Estados não podem ser desvinculados de um regime mínimo de Estado de
Direito, que, por sua vez, não pode desatrelar-se de mecanismos democráticos de par-
ticipação e controle dos cidadãos, cabe-nos indagar sobre as condições do sucesso de
um futuro supranacionalismo regional na América do Sul a partir da questão referen-
te aos empecilhos de realização prática do Estado democrático de Direito neste sub-
continente. O Estado como organização complexa tem preenchido os requisitos de
constitucionalismo que viabiliza a construção de organismos supranacionais estáveis
na América do Sul? Caso a resposta seja negativa, cabe questionar em que medida a
carência de concretização e realização constitucional do Estado democrático de
Direito prejudica o desenvolvimento do Mercosul no sentido da supranacionalidade.

1 Este artigo corresponde à palestra proferida no Seminário “El Derecho de Integración Suramericano en su
Contexto”, promovido pelo Max Planck-Institut für ausländisches öffentliches Recht und Völkerrecht,
Heidelberg, 6 e 7 de dezembro de 2007.
2 Professor de Teoria do Estado da Universidade de São Paulo e de Teoria do Direito da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo e do Instituto Brasiliense de Direito Público.
3 Polyarchies and the (Un)Rule of Law in Latin America: A Partial Conclusion, in: Juan E. Méndez/Gillermo
O’Donnell/Paulo Sérgio Pinheiro (orgs.), The Un(Rule) of Law and the Underprivileged in Latin America,
Notre Dame 1999, 303-37, 312.

203
Marcelo Neves

Esta contribuição não se destina a analisar as mais diferentes experiências cons-


titucionais da América do Sul em relação ao Estado de Direito, pois tal objetivo ultra-
passaria os limites do presente Seminário. Antes procurarei basicamente abordar
alguns traços gerais do desenvolvimento constitucional sul-americano, com ênfase na
questão da escassa realização do Estado democrático de Direito como empecilho da
integração supranacional. Com isso, não se nega a diversidade da realidade política e
jurídica sul-americana, com experiências constitucionais marcadas por certas singula-
ridade importantes, que serão consideradas secundariamente. Mas são as característi-
cas confluentes e relevantes para o fracasso da integração supranacional que ocupam
o primeiro plano de minha abordagem.
Na exposição que se segue, pretendo fixar estrategicamente o conceito de Estado
democrático de Direito a partir das noções de diferenciação funcional entre direito e
política, de Constituição como acoplamento estrutural e de uma esfera pública “forte”
universalistamente includente (II). Em seguida, passarei a tratar do fracasso histórico de
realização de um constitucionalismo na América do Sul, tendo em vista o círculo vicio-
so entre instrumentalismo e simbolismo constitucional, referindo-me em primeiro lugar
à experiência autoritária (III). A partir dessa consideração do contexto histórico, parti-
rei para caracterizar as chamadas “transição” e “consolidação” democráticas dos anos
oitenta e noventa como episódios de constitucionalização simbólica (IV). Em forma de
excurso, farei um breve comentário sobre o chamado “constitucionalismo bolivariano”
na Venezuela, com influências na Bolívia e no Equador (V). Com base nesses elemen-
tos, enfrentarei as dificuldades de integração supranacional, considerando o caso exem-
plar do Mercosul e destacando o grande abismo entre este e o seu modelo, a União
Européia; nesse passo, apontarei para o fato de que a integração no âmbito do Mercosul,
ao contrário da experiência européia, permanece quase exclusivamente intergoverna-
mental do ponto de vista da política e internacional na perspectiva do direito, não cons-
truindo até o momento um genuíno exemplo de supranacionalismo; além disso aponta-
rei para os bloqueios advindos do plano estatal para o funcionamento e legitimação do
Mercosul (VI). Por fim, afastado qualquer diagnóstico fatalista no sentido que não have-
ria qualquer possibilidade para a superação desta problemática situação, concluirei com
uma breve consideração sobre a viabilidade de uma integração supranacional da
América do Sul, enfatizando a necessidade de superação das barreiras para a realização
de um constitucionalismo fundador de efetivos Estados democráticos de Direito, aptos
a fomentar a construção e o desenvolvimento de uma supranacionalidade jurídico-polí-
tica estável, legítima e eficiente, assim como apontando para o significado do bloco na
fortificação da América Latina nas relações internacionais (VII).

II. Conceito de Estado Democrático de Direito

O Estado de Direito pode ser compreendido como o Estado em que a distinção


entre lícito e ilícito é relevante para o sistema político. Isso significa que “todas as

204
Estado Democrático de Direito e Constitucionalismo na América do Sul

decisões do sistema político estão subordinadas ao direito”.4 Não implica, porém, uma
indiferenciação do político sob o jurídico. O que resulta é uma interdependência entre
esses sistemas.5 Da presença do segundo código não decorre a superposição das prefe-
rências ‘poder’ e ‘lícito’ ou ‘não-poder’ e ‘ilícito’, mas sim que “as disjunções
poder/não-poder e lícito/ilícito referem-se reciprocamente.”6 Assim como as decisões
políticas subordinam-se ao controle jurídico, o direito positivo não pode prescindir,
por exemplo, de legislação controlada e deliberada politicamente.7 Da mesma manei-
ra, enquanto a força física no âmbito da política submete-se ao controle do direito, ela
depende, como coação jurídica, de variáveis políticas.
Portanto, o conceito sistêmico de Estado de Direito não se refere a um tipo de
relação qualquer entre o jurídico e o político. Nas formas pré-modernas de domina-
ção, assim como no absolutismo do início da era moderna e nas autocracias contem-
porâneas, configura-se a relação de subordinação do direito à política. A relevância do
jurídico para o poder é parcial, determinada pela hierarquia política dominante. O
código de preferência ‘lícito/ilícito’ só é vinculante para os que estão no pólo inferior
da relação de poder. O detentor de poder (casta, estamento, monarca, junta etc.) não
está, no caso-limite, subordinado a essa distinção. Em princípio, as suas decisões não
são avaliadas de acordo com o código jurídico, mas antes pressupostas como intrinse-
camente lícitas. A referência do direito aos súditos é unilateralmente prescritiva de
deveres, ônus e responsabilidades jurídicas perante o Estado; no que concerne ao
soberano, unilateralmente atributiva de direitos, competências e, sobretudo, prerro-
gativas. Nesse sentido, no período absolutista tinha um relevância especial o princípio
“Princeps legibus solutus est” (“o príncipe está isento da lei”). Embora na prática os
reis absolutistas não estivessem totalmente desvinculados de condicionamentos jurí-
dicos,8 esse princípio apontava para uma assimetria na relação entre soberano e súdi-
to, resultando em uma prevalência hierárquica do poder sobre o direito.
No Estado de Direito, a inserção do código de preferência ‘lícito/ilícito’ como
segundo código do poder, conduz a uma relação sinalagmática entre sistemas político
e jurídico. Se, de um lado, o direito é posto basicamente por decisões políticas, de
outro, a diferença entre lícito e ilícito passa a ser relevante para os órgãos políticos
supremos, inclusive para os procedimentos eleitorais de sua escolha. Disso resulta
também uma relação sinalagmática entre Estado como pessoa jurídica ou governantes
(em sentido amplo) e cidadãos. Por um lado, o ordenamento jurídico constitucional
confere competências, direitos e prerrogativas para o Estado ou governantes, mas

4 Niklas Luhmann, Die Codierung des Rechtssystems, in: Rechtstheorie 17 (1986), 171-203, 199.
5 Interdependência entendida como simultaneidade paradoxal de dependência e independência recíprocas;
cf. Niklas Luhmann, Machtkreislauf und Recht in Demokratien, in: Zeitschrift für Rechtssoziologie 2
(1981), 158-67, 165.
6 Niklas Luhmann, Macht, 2ª ed., Stuttgart 1988, 56.
7 Cf. Luhmann (nota 3), 165.
8 Cf. Niklas Luhmann, Das Recht der Gesellschaft, Frankfurt am Main 1993, 271.

205
Marcelo Neves

também lhes impõe deveres e responsabilidades perante os cidadãos, grupos sociais e


organizações privadas. Por outro lado, embora a ordem jurídica prescreva deveres,
ônus e responsabilidades dos indivíduos e organizações perante o Estado, também lhes
atribui direitos e garantias fundamentais de natureza individual e coletiva. Nesse sen-
tido, o direito não se apresenta simplesmente como mecanismo de justificação do
poder ou como instrumento de dominação, mas também serve à delimitação e ao con-
trole do poder. Há como que um re-entry9 da distinção entre lícito e ilícito no inte-
rior do sistema político.
Nessa perspectiva, apresenta-se a concepção da Constituição como “acoplamen-
to estrutural” entre política e direito.10 Conforme essa compreensão, a Constituição
em sentido especificamente moderno é definida não simplesmente como uma via de
prestações recíprocas, mas antes como mecanismo de interpenetração permanente e
concentrada entre dois sistemas sociais autônomos, a política e o direito. Não se trata
aqui apenas de acoplamento operativo como vínculo momentâneo entre operações do
sistema e do ambiente.11 O acoplamento estrutural importa que o sistema duradoura-
mente pressupõe e conta, no plano de suas próprias estruturas, com particularidades
do seu ambiente.12 A Constituição assume a forma de acoplamento estrutural, na
medida em que possibilita influências recíprocas permanentes entre direito e política,
filtrando-as. Como “forma de dois lados” (Zwei-Seiten-Form), inclui e exclui, limita e
facilita simultaneamente a influência entre ambos os sistemas.13 Ao excluir certos
“ruídos” intersistêmicos, inclui e fortifica outros.14 Enquanto para a política é provo-
cadora de irritações, perturbações e surpresas jurídicas, para o direito provoca irrita-
ções, perturbações e surpresas políticas.15 Nesse sentido, “possibilita uma solução jurí-
dica do problema de auto-referência do sistema político e, ao mesmo tempo, uma
solução política do problema de auto-referência do sistema jurídico”.16
Evidentemente, a noção de acoplamento estrutural não aponta para um vínculo
permanente qualquer entre o direito e a política, o que implicaria um conceito “his-
tórico-universal” de Constituição. Como já observei acima, nas sociedades pré-moder-
nas e também nos Estados autocráticos contemporâneos, a relação entre poder e direi-
to é hierárquica, caracterizando-se pela subordinação do jurídico ao político.17 Em

9 G. Spencer Brown, Laws of Form, London 1972 (reimpressão da 1.ª edição, de 1969), 56 s. e 69 ss.
10 Niklas Luhmann, Verfassung als evolutionäre Errungenschaft, in: Rechtshistorisches Journal 9 (1990), 176-
220, 193 ss.; idem (nota 6), esp. 470 ss.; idem, Die Gesellschaft der Gesellschaft, Franfurt am Main 1997,
tomo 2, 782 s.; idem, Die Politik der Gesellschaft, Frankfurt am Main 2000, 389-92. Ver também Marcelo
Neves, Zwischen Themis und Leviathan: Eine schwierige Beziehung - Eine Rekonstruktion des demokra-
tischen Rechtsstaates in Auseinandersetzung mit Luhmann und Habermas, Baden-Baden 2000, 80 ss.
11 Luhmann (nota 6), 440 s.
12 Luhmann (nota 6), 441.
13 Cf. ibidem.
14 Cf. Luhmann, Verfassung als evolutionäre Errungenschaft (nota 8), 202.
15 Cf. Luhmann (nota 6), 442.
16 Luhmann, Verfassung als evolutionäre Errungenschaft (nota 8), 202. Cf., no mesmo sentido, idem (nota 6), 478.
17 Cf. Luhmann (nota 3), 159 s.; idem, Rechtssoziologie, 3.ª ed., Opladen 1987, 168 ss.

206
Estado Democrático de Direito e Constitucionalismo na América do Sul

linguagem da teoria dos sistemas, isso significa a subordinação explícita do código de


diferença ‘lícito/ilícito’ ao código de diferença ‘poder/não-poder’; o código binário de
preferência do direito não atuaria como segundo código do sistema político.
Através da Constituição como acoplamento estrutural, as ingerências da política
no direito não mediatizadas por mecanismos especificamente jurídicos são excluídas,
e vice-versa. Configura-se um vínculo intersistêmico horizontal, típico do Estado de
Direito. A autonomia operacional de ambos os sistemas é condição e resultado da pró-
pria existência desse acoplamento. Porém, por meio dele, cresce imensamente a pos-
sibilidade de influência recíproca18 e condensam-se as “chances de aprendizado”
(capacidade cognitiva) para os sistemas participantes.19 Destarte, a Constituição serve
à interpenetração de dois sistemas auto-referenciais, o que implica, simultaneamente,
relações recíprocas de dependência e independência, que, por sua vez, só se tornam
possíveis com base na formação auto-referencial de cada um dos sistemas.20
Na perspectiva do sistema jurídico, relacionada diretamente com a questão do
Estado de Direito, pode-se observar com Luhmann que “a Constituição é a forma com
a qual o sistema jurídico reage à própria autonomia. A Constituição deve, com outras
palavras, substituir apoios externos, tais como os que foram postulados pelo direito
natural.”21 Ela impede que critérios externos de natureza valorativa, moral e política
tenham validade imediata no interior do sistema jurídico, delimitando-lhe, dessa
maneira, as fronteiras. Conforme enfatiza Luhmann, “a Constituição fecha o sistema
jurídico, enquanto o regula como um domínio no qual ela mesma reaparece. Ela cons-
titui o sistema jurídico como sistema fechado através do reingresso no sistema”.22
Mas na perspectiva do sistema político, associada diretamente à questão da
democracia, o povo constitucional fecha o sistema político.23 Isso significa que, além
do povo, não há legitimação política, mas sim os particularismos e personalismos
negadores ou corruptores da democracia. Pressupõe-se, porém, que os procedimentos
democráticos realizem-se de acordo com o modelo estabelecido constitucional e legal-
mente (“as regras do jogo”), o que vincula reciprocamente a formação da “vontade”
política e os critérios do Estado de Direito.
Dando um passo além da teoria dos sistemas, pode observar-se que, enquanto “a
Constituição fecha o sistema jurídico” e o povo fecha o sistema político, autolegiti-
mando-os, a esfera pública abre ambos os sistemas, ou melhor, é a instância de sua
heterolegitimação, pois pressupõe procedimentos políticos e jurídicos suscetíveis e
abertos às suas instigações e influências. Na esfera pública, não há apenas divergências

18 Luhmann, Verfassung als evolutionäre Errungenschaft (nota 8), 205.


19 Luhmann, Verfassung als evolutionäre Errungenschaft (nota 8), 206.
20 Luhmann, (nota 3), 165.
21 Luhmann, Verfassung als evolutionäre Errungenschaft (nota 8), 187.
22 Ibidem.
23 “O fechamento do sistema ocorre no ponto em que o público formado de indivíduos, grupos e organizações,
recebedor de ordens, importunado administrativamente, torna-se povo; no ponto em que a volonté de tous
torna-se volonté générale” (Luhmann, Die Politik der Gesellschaft [nota 8], 265).

207
Marcelo Neves

entre valores, expectativas, interesses e discursos referentes a pessoas e grupos, mas


sobretudo se afirma o dissenso entre as exigências e pretensões que emergem dos
diversos sistemas funcionais em relação aos procedimentos dos sistemas jurídico e
político. Nesse sentido, cabe dizer que a esfera pública é a arena do dissenso.24 Assim,
afasta-se aqui a concepção habermasiana de uma esfera pública que, na sua força legi-
timatória, orienta-se para o consenso.25 Os procedimentos têm o papel de absorver o
dissenso, fechando operativamente os respectivos sistemas político e jurídico, mas só
podem exercer legitimamente sua função, no Estado democrático de Direito, se per-
manecem abertos para os novos dissensos que, após a decisão seletiva, venham emer-
gir na esfera pública. Pressupõe-se que esta seja “forte”, ou seja, tenha relevância para
os procedimentos e seja universalistamente includente. Esfera pública “frágil” (sem
relevância para os procedimentos decisórios) e restrita (excludente) não tem força
legitimadora no Estado democrático de Direito.26
Em suma, o Estado democrático de Direito, que teve sua origem na experiência
européia e foi trasladado com certo êxito para a América do Norte, afirma-se na medi-
da em que fica assegurada a sua autolegitimação política e jurídica pela Constituição e
a sua heterolegimação mediante a esfera pública. Embora o modelo tenha sido impor-
tado e mesmo copiado nos textos constitucionais dos países sul-americanos, a sua con-
cretização normativa e realização social é muito escassa entre estes.

III. Constitucionalismo na América do Sul

Na história constitucional da América do Sul cristalizou-se tipicamente uma rela-


ção pendular entre autocracia e democratização na forma, respectivamente, de consti-
tuições intrumentalistas e simbólicas. Na retórica política, esse processo expressa-se
mediante o manuseio das fórmulas “restauração da ordem” e “restauração da democra-
cia”, que se alternam reciprocamente. Sobretudo entre os publicistas defensores do auto-
ritarismo, essa situação é freqüentemente apresentada como tensão ou conflito entre

24 Neves (nota 8), esp. 104 ss.


25 Cf. Jürgen Habermas, Theorie des kommunikativen Handelns, 2.ª ed., Frankfurt am Main 1982, vol. 2,
274 s. Habermas refere-se a uma “esfera pública política” (Strukturwandel der Öffentlichkeit:
Untersuchungen zu einer Kategorie der bürgerlichen Gesellschaft, Frankfurt am Main 1990, 38 ss.), cujo
potencial legitimador encontra-se na capacidade de enfrentar problemas discursivamente (isto é, racional-
mente orientado para o consenso) e, quando isso não for possível, mediante negociações reguladas por pro-
cedimentos (Faktizität und Geltung: Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen
Rechtsstaats, Frankfurt am Main 1992, 201-7).
26 Cf. Hauke Brunkhorst, Solidarität: Von der Bürgerfreundschaft zur globalen Rechtsgenossenschaft,
Frankfurt am Main 2002, 184 ss.; idem, Zwischen transnationaler Klassenherrschaft und egalitärer
Konstitutionalisierung. Europas zweite Chance”, in: Peter Niesen/Benjamin Herborth (orgs.), Anarchie der
kommunikativen Freiheit: Jürgen Habermas und die Theorie der internationalen der Politik, Frankfurt am
Main 2007, 321-49, 233 s. Na distinção entre esfera pública “forte” e “frágil”, Brunkhorst recorre a Nancy
Fraser, Rethinking the Public Sphere: A Contribution to the Critique of Actually Existing Democracy, in:
Craig Calhoun (org.), Habermas and Public Sphere, Cambridge Mass. 1992, 109-142, 132 ss.

208
Estado Democrático de Direito e Constitucionalismo na América do Sul

realismo idealismo constitucional.27 Em ambas as direções, porém, o problema está asso-


ciado, por um lado, à deficiente autonomia do direito e do Estado perante estruturas
sociais difusas desenvolvidas a partir tanto do interior quanto do exterior e caracteriza-
das por privilégios dos grupos dominantes e exclusões de amplas parcelas da população,
assim como pela força das boas relações e dos vínculos clientelistas; por outro, com a
inexistência de uma esfera pública pluralista e abrangente que sirva de base para legiti-
mação do Estado. Portanto, também no caso das experiências autoritárias, a força dos
Estado e a sua conexão com as correspondentes “realidades” ou “raízes nacionais” são
apenas aparentes. Ao contrário, nos períodos de autocracia, verifica-se uma subordina-
ção direta dos Estados aos particularismos políticos e aos interesses privados.
Partindo-se da distinção típico-ideal proposta por Loewenstein, no âmbito do
conceito genérico de autocracia, entre os conceitos de totalitarismo, que “hace refe-
rencia a todo el orden socioeconómico y moral de la dinámica estatal”, e de autorita-
rismo, que “se refiere más a la estructura gubernamental que al orden social”,28 apre-
senta-se muito claro que se pode caracterizar as autocracias sul-americanas como regi-
mes autoritários. Nestes, não se desenvolveu qualquer ideologia com pretensão à vali-
dade imediata em todos as esferas da sociedade. Não há uma orientação ou tendência
no sentido da desdiferenciação total da sociedade por um sistema político localizado
no topo da estrutura social, ao contrário do que ocorre no totalitarismo com sua pro-
pensão regressiva. Falta também consistência ideológica, de tal maneira que não é
adequado afirmar, utilizando-se de uma formulação de Luhmann29 dirigida a um
outro contexto, que se trata de “sistemas integrados ideologicamente” em contraposi-
ção aos Estados de Direito. Nos regimes autoritários da América do Sul, o governo ou
o Estado no sentido amplo está vinculado a diversas constelações políticas e entrela-
çado com diferentes estruturas sociais concretas, que não podem contribuir nem para
uma legitimação pelo procedimento nem para a identificação do indivíduo ou da
sociedade com o Estado, mas são aptas a servir como mecanismos difusos e particula-
res de apoio.30 Daí resulta uma miscelânea de influências que se reflete no plano das
cartas constitucionais e leis de exceção como inconsistências e soluções “casuísticas”.31

27 Cf. Oliveira Vianna, O Idealismo da Constituição, 2ª ed., São Paulo/Rio de Janeiro/Porto Alegre 1939, esp.
7 ss. e 303 ss.; Reale, Miguel, Momentos decisivos do constitucionalismo brasileiro, in: Revista de
Informação Legislativa, ano 20, Nº 77, Brasília 1983, 57-68; Alberto Torres, A organização nacional:
Primeira parte, A Constituição, 3ª ed., São Paulo 1978 (1ª ed. 1914), 160 ss.
28 Karl Loewenstein, Teoría de la Constitución, trad. espanhola de A. G. Anabitarte, Barcelona 1976, 76 e 78;
ou Verfassungslehre, trad. alemã de Rüdiger Boerner, 3ª ed., Tübingen 1975, 53 e 55; “En general, el régi-
men autoritario se satisface con el control político del Estado sin pretender dominar la totalidad de la vida
socioeconómica de la comunidad, o determinar su actitud espiritual de acuerdo con su propia imagen” (ibi-
dem, 76 ou 53).
29 Niklas Luhmann, Positives Recht und Ideologie, in: idem, Soziologische Aufklärung 1: Aufsätze zur
Theorie sozialer Systeme, 5ª ed., Opladen 1984, 178-203, 193 ss.
30 A respeito, cf., em outro contexto, Niklas Luhmann, Inklusion und Exklusion, in: idem, Soziologische
Aufklärung 6: Die Soziologie und der Mensch, Opladen 1995, 237-264, 255.
31 Assim, Karl Loewenstein, Brazil under Vargas, Nova York 1942, 122, caracteriza a Carta Constitucional de
1937 ironicamente de „tuttifrutti internacional” ou “coquetel constitucional”.

209
Marcelo Neves

Nos regimes militares dos anos sessenta e setenta, pode-se observar a mistura de
uma retórica nacionalista, que também se infiltrava na elaboração dos textos normati-
vos, com a política real subordinada aos interesses estratégicos da potência mais forte
na região, os Estados Unidos da América,32 e das companhias multinacionais. Além
disso, a política de eficiência econômica, apresentada no palco estatal, submete-se a
uma prática política de subsídios para grupos economicamente privilegiados que não
suportam assumir o risco da economia de mercado. Ao mesmo tempo, contudo, as
estruturas e relações sociais excludentes, combinadas com a falta de políticas socais
sérias e eficazes, impõem relações clientelistas não apenas com os grupos privilegiados,
mas também com as camadas inferiores. Sob pressão direta de “dentro” e de “fora”, de
“baixo” e “de cima”, os regimes militares surgiram e persistiram sem suficiente identi-
dade para construir um Estado forte. Ao contrário, no contexto dos regimes militares
autoritários constituídos nos anos sessenta e setenta, pode-se constatar que não houve
as condições para que fossem impostas as fronteiras entre o estatal e o privado. Mas não
se trata aqui de patrimonialismo tradicional, oriundo de representações morais abran-
gentes, mas sim de privatização difusa, dependente sobretudo de interesses concretos
dos privilegiados e, contudo também, de necessidades imediatas dos “marginalizados”.
Em um outro plano, aquele das relações entre política e direito, manifesta-se uma
hipertrofia da dominação estatal em detrimento dos direitos humanos. Isso pode ser
interpretado como sobreposição direta da política ao direito. Ela é “direta” no sentido
de que os direitos fundamentais, a “separação de poderes” e as eleições livres com sufrá-
gio igual e universal, enquanto instituições mais importantes do Estado democrático de
Direito, são prejudicados imediatamente no âmbito em que se estatui o direito (“pro-
dução do direito”). De fato, essa situação não exclui que, nos diplomas constitucionais
dos regimes autoritários, estejam contidos a declaração de direitos fundamentais, o pro-
cedimento eleitoral e o princípio da “separação de poderes”. No entanto, tendo em vista
outros preceitos constitucionais, assim como leis de exceção com força jurídico-consti-
tucional, essas instituições do Estado de Direito são tão limitadas em seu significado
prático que cabe falar de sua distorção manifesta através da legislação constitucional.
Além disso, qualquer controle juridicamente relevante ou alternância de poder fica
praticamente excluído em virtude das mutações do texto constitucional e das leis de
exceção conforme constelações concretas de interesses dos detentores do poder.
Refletindo-se precisamente, trata-se aqui de constituições semânticas no sentido de
Loewenstein, as quais denomino ‘instrumentalistas’. Nesse caso, as leis constitucionais
não servem à limitação do poder, mas antes atuam como instrumento dos detentores
fácticos do poder,33 que se apresentam personalistamente ou como “burocracia” impes-

32 Cf., com base no exemplo do golpe militar de 1964 no Brasil, com vastas provas documentais, Marcos Sá
Corrêa, 1964 visto pela Casa Branca, Porto Alegre 1977; abrangentemente sobre o golpe, ver René Armand
Dreifuss, 1964: A Conquista do Estado - Ação Política, Poder e Golpe de Classe, Petrópolis 1981.
33 Loewenstein (nota 26), 218 s. ou 153 s.; idem., Gedanken über den Wert von Verfassungen in unserem
revolutionären Zeitalter, in: Arnold J. Zurcher (org.), Verfassungen nach dem Zweiten Weltkrieg, trad.
alemã de Ebba Vockrodt, Meisenheim am Glan 1956, 223.

210
Estado Democrático de Direito e Constitucionalismo na América do Sul

soal.34 Os “donos do poder”35 usam os textos constitucionais ou as leis de exceção como


meros meios para impor sua dominação, sem se subordinarem conseqüentemente a
elas. Eles dispõem das “ferramentas” e podem reformá-las ou substituí-las sem nenhu-
ma limitação jurídica que possa ser levada a sério.36
O autoritarismo militar foi introduzido nos anos sessenta e setenta no contexto
de uma situação social conflituosa na América do Sul, nas circunstâncias em que a
transformação da ordem social encontrava-se no centro da discussão política, e sob a
forte influência da cisão ideológica do mundo que se denominou “guerra fria”. A “res-
tauração da ordem” mediante a dominação militar repressora, de conflitos e conser-
vadora do status quo social, foi apresentada com a única alternativa política pelas for-
ças dominantes no interior e no exterior. Mas os problemas conflituosos, que remon-
tam em primeiro lugar à exclusão social de amplas parcelas da população, não foram
atenuados. Ao contrário, em geral, as condições sociais e econômicas agravaram-se
durante as autocracias sul-americanas das décadas de sessenta e setenta. A rigor, os
regimes militares, ao empregarem as constituições como instrumentos, não contribuí-
ram para a restauração da ordem, mas antes para assegurar privilégios e, por conse-
guinte, para intensificar os abismos entre as camadas sociais. A isso está associado o
agravamento dos problemas sociais, que teve forte ressonância no plano político. Com
o tempo, a política manifestamente repressiva, criticada como “contrária aos interes-
ses da maioria”, levou a movimentos oposicionista contra o governo e resistências
contra a ordem social, assim como à “indignação” com as “violações dos direitos
humanos”. Sob a pressão de “dentro” e de “fora”, os regimes militares perderam o seu
apoio, afirmando-se, então, o discurso pela “restauração da democracia”, que, sem
maiores problemas, foi assumido pelas forças internas e externas que anteriormente
haviam defendido a “restauração da ordem”. Nesse contexto, ocorreu, a partir dos
anos oitenta, a transição para a “democracia” nos países sul-americanos.

IV. Transição e Consolidação Democráticas e Constitucionalização


simbólica

A “democratização” que se delineou como tendência dominante nos países sul-


americanos a partir dos anos oitenta não tem levado à construção, tampouco à reali-
zação do Estado democrático de Direito segundo o modelo europeu e norte-america-

34 Como exemplos, cabe citar, respectivamente, a autocracia chilena, fortemente vinculada à pessoa do
General Augusto Pinochet, e o regime autoritário brasileiro, tão intimamente identificado com a “burocra-
cia militar” que a alternância periódica do chefe de Estado dentro das forças armadas podia ocorrer sem
maiores dificuldades e riscos para a estrutura de poder.
35 Uma expressão marcante de Raymundo Faoro, Os donos do poder: formação do patronato político brasilei-
ro, 6ª ed., Porto Alegre 1984-1985, 2 vols.
36 Mercelo Neves, Verfassung und Positivität des Rechts in der peripheren Moderne: Eine Theoretische
Betrachtung und eine Interpretation des Falls Brasilien, Berlin 1992, 69.

211
Marcelo Neves

no.37 Trata-se antes de documentos constitucionais amplamente carentes de força


normativa. Ao discurso da “transição” do autoritarismo para a democracia e da “con-
solidação” democrática, tão em voga, respectivamente, nas década de oitenta e noven-
ta,38 cabe significativas restrições, especialmente se consideramos a necessária vincu-
lação da democracia ao Estado de Direito.
Aqui é oportuno mencionar a distinção entre texto normativo e norma jurídica,
à qual a teoria jurídica estruturante deu um tratamento especial.39 Nos termos desse
modelo teórico, verifica-se que não apenas a “norma de decisão”, mas também a
“norma jurídica” é produzida no processo de concretização. O texto constitucional
apresenta-se, por um lado, como “o mais importante dado de entrada” desse proces-
so.40 Por outro lado, a decisão concretizadora deve ser “imputável” ao texto, embora
ela possa exibir conteúdos os mais diferentes.41 Por razões referentes ao Estado de
Direito, concebe-se “o texto literal como limitação do espaço de concretização admis-
sível”.42 No caso da democratização dos Estados sul-americanos, porém, parece-me
indiscutível que os textos constitucionais elaborados e postos formalmente em vigor
conforme o modelo de Estado democrático de Direito sofrem uma ampla desfiguração
semântica no decurso do processo de concretização, principalmente no que concerne
à declaração de direitos fundamentais, a “separação de poderes” e aos procedimentos
eleitorais democráticos. A respeito da experiência brasileira, referi-me a uma concre-
tização desconstitucionalizante do texto constitucional.43 Nesse caso, não há nenhu-
ma relação normativa consistente entre texto e as atividades de concretização. O texto
constitucional é uma referência distante não apenas para as pessoas privadas em geral,
mas sobretudo para os agentes estatais, cuja prática, com freqüência, passa ao largo do

37 Fala-se de “uma outra institucionalização” (Guillermo O’Donnell, Uma outra institucionalização, in: Lua
Nova - Revista de Cultura e Política, Nº 37, São Paulo 1996, 5-31).
38 Ver, entre outros, Guillermo O’Donnell/Philippe C. Schmitter/Laurence Whitehead (orgs.), Transitions
from Authoritarian Rule: Latin America, Baltimore 1986; Scott Mainwaring/Guillermo O’Donnell/J.
Samuel Valenzuela (orgs.), Issues in Democratic Consolidation: The New South American Democracies in
Comparative Perspective, Notre Dame 1992; Manuel Alcántara/Ismael Crespo (orgs.), Los Límites de la
Consolidación Democrática en América Latina, Salamanca 1995; Guillermo O’Donnell, Illusions About
Consolidation, in: Journal of Democracy, Vol. 7, Nº 2, Abril 1996, 34-51.
39 Cf. Friedrich Müller, Juristische Methodik, 6ª ed., Berlin 1996, 122 ss.; idem, Strukturierende Rechtslehre,
2ª ed., Berlin 1994, esp. 147-67 e 234-40; idem, Die Positivität der Grundrechte: Fragen einer praktischen
Grundrechtsdogmatik, 2ª ed., Berlin 1990, 126 ss.
40 Friedrich Müller, Essais zur Theorie von Recht und Verfassung, Berlin 1990, esp. 20. Cf. ibidem, 127 e 29;
Bernd Jeand’Heur, Gemeinsame Probleme der Sprach- und Rechtswissenschaft aus der Sicht der
Strukturierenden Rechtslehre, in: Friedrich Müller (org.), Untersuchungen zur Rechtslinguistik, Berlin
1989, 17-26, esp. 22 s.
41 Müller, Friedrich, Juristische Methodik - ein Gespräch im Umkreis der Rechtstheorie, ein Interview mit
Jan Möller aus Anlaß des Erscheinens der 5. Auflage des gleichnamigen Werkes von F. Müller, in:
Verwaltungsrundschau 4 (1994), 133-36, 134.
42 Müller, Juristische Methodik (nota 37), 183 ss. e 272 s.
43 Marcelo Neves, Symbolische Konstitutionalisierung und faktische Entkonstitutionalisierung: Wechsel von
bzw. Änderung in Verfassungstexten und Fortbestand der realen Machtverhältnisse, in: Verfassung und
Recht in Übersee 29 (1996) 3, 309-23, 312 ss.

212
Estado Democrático de Direito e Constitucionalismo na América do Sul

modelo textual de Constituição. E isso evidencia-se nas atividades ilícitas da polícia e


na disseminada corrupção da burocracia administrativa, como também nas relações de
troca e nos financiamentos de campanha que distorcem ilegalmente o processo elei-
toral, nas negociações corruptas no parlamento e, por último, especialmente, na
subordinação do Judiciário a critérios políticos e econômicos, às boas relações etc.44
Portanto, diferentemente das experiências autoritárias, não se trata, na democratiza-
ção da América do Sul, de negação direta do Estado de Direito no nível da emissão de
textos constitucionais ou legislação de exceção, mas sim de barreiras que impedem a
sua construção e realização no decorrer do processo de concretização, levando à
deformação do conteúdo proclamado no texto constitucional no sentido daquele
modelo de Estado.
O problema semântico da distorção do sentido normativo do texto constitucio-
nal está relacionado com as condições pragmáticas (dos expectantes e atores) do pro-
cesso de concretização. O que caracteriza a democratização dos países sul-americano
é a inexistência de uma esfera pública universalista, que pressupõe ampla inclusão
social da população nos sistemas funcionais. Os privilégios de uma minoria e a exclu-
são de significativas parcelas da população atuam como fatores decisivos para o torpe-
deamento da Constituição como ordem fundamental da comunicação política e jurí-
dica. Nesse contexto, a referência à esfera pública precisa ser especificada mediante a
observação de que se trata de uma “esfera pública limitada” a determinado grupos e
organizações. Do ponto de vista da teoria dos sistemas, isso está associado à falta de
seleção adequada dos procedimentos oficiais de interpretação e aplicação jurídica em
face das expectativas políticas e jurídicas das pessoas e grupos. Não apenas essas expec-
tativas desenvolvem-se à margem da Constituição ou atuam destrutivamente em rela-
ção a ela; também os procedimentos conduzem freqüentemente à distorção “casuísti-
ca” do sentido normativo do texto constitucional. A este, no âmbito de uma práxis
destrutiva de seus possíveis conteúdos de sentido, não correspondem “expectativas
normativas de comportamento congruentemente generalizadas”.45
Essa situação relaciona-se diretamente com o problema da corrupção sistêmica
do direito, ou seja, a sobreposição imediata de outros códigos-diferença (ter/não ter,
poder/não-poder, amigo/inimigo, parente/não-parente, amor/desamor etc.) ao código
primário do direito. Cabe advertir que, no contexto sul-americano, não se trata sim-

44 Nesse contexto, não é oportuna a seguinte afirmação: “Um tribunal é neutro, desinteressado, orientado
objetivamente e obrigado somente perante o direito – se há realmente justiça terrena, então ela é de encon-
trar-se aqui” (Ulrich K. Preuß, Einleitung: Der Begriff der Verfassung und ihre Beziehung zur Politik, in:
idem, Zum Begriff der Verfassung: Die Ordnung des Politischen, Frankfurt am Main 1994, 7-33, 7).
45 Refiro-me aqui à definição de direito formulada por Luhmann (nota 15), 105: “[...] estrutura de um sistema
social baseada na generalização congruente de expectativas normativas de comportamento”. Ou simples-
mente: “expectativas normativas de comportamento congruentemente generalizadas” (ibidem, 99).
Formulando de maneira diferente, afirma-se que “o direito preenche amplas funções de generalização e
estabilização de expectativas normativas” (idem, Rechtssystem und Rechtsdogmatik, Stuttgart 1974, 24). Cf.
também idem (nota 6), 131 ss.

213
Marcelo Neves

plesmente de fenômenos localizados de “corrupção sistêmica” em detrimento dos aco-


plamentos estruturais nos âmbitos das organizações, tal como se observa em experiên-
cias do Estado democrático de Direito na Europa Ocidental e nos Estados Unidos da
América.46 A corrupção sistêmica do direito tem tendência à generalização no caso
típico da América do Sul, afetando o próprio princípio da diferenciação funcional e,
portanto, tendo efeitos contrários à autonomia operacional do direito (ilegalidade e
inconstitucionalidade na prática jurídica).47 Isso significa, por um lado, que determi-
nados setores sociais têm forte probabilidade de não sofrer as sanções previstas na
ordem jurídica, contando com a impunidade quando da prática de ilícitos penais; por
outro, que outros setores sociais são rigidamente subordinados às imposições restriti-
vas, mas não dispõem de acesso a direitos básicos.
A corrupção sistêmica associa-se, portanto, ao problema da exclusão. No contex-
to social sul-americano cabe falar de duas formas parciais de exclusão. De um lado, a
subinclusão ou subintegração significa que amplos setores sociais dependem das exi-
gências dos subsistemas da sociedade mundial complexa (ter conta no banco, educa-
ção formal, higiene e saúde etc.), mas não têm acesso aos respectivos benefícios. No
campo do direito, isso implica subordinação aos deveres impostos pela ordem jurídi-
ca, mas falta de acesso a direitos básicos. De outro lado, a sobreinclusão ou sobreinte-
gração significa que certos setores privilegiados têm acesso aos benefícios dos sistemas
sociais, mas não se subordinam às suas imposições restritivas, o que implica exercício
dos direitos sem subordinação aos deveres. É claro que não há o absolutamente subin-
cluído ou sobreincluído, mas há uma forte tendência à generalização de relações de
subinclusão e sobreinclusão no direito, intimamente vinculadas à atuação arbitraria-
mente seletiva dos agentes estatais, sobretudo da polícia e do judiciário.48 Essa situa-
ção bloqueia entre nós a partilha generalizada de direitos e deveres, conforme a alte-
ridade intrínseca da esfera jurídica. É essa a cultura jurídica e política dominante, uma
cultura da ilegalidade: em regra, contra os subincluídos, pratica-se o legalismo feti-
chista, o autismo jurídico aparente, a intolerância jurídica; para os sobreincluídos, a
permissividade jurídica, a impunidade.

46 Cf. Luhmann (nota 6), 445 e passim; idem, Organisation und Entscheidung, Opladen 2000, 295-7.
47 Cf. Marcelo Neves, Von der Autopoiesis zur Allopoiesis des Rechts, in: Rechtstheorie 34 (2003) 2, 245-68
(De la Autopoiesis a la Alopoiesis del Derecho, in: Doxa – Cuadernos de Filosofía del Derecho 19, Alicante
1996, 403-20); idem, Vom Rechtspluralismus zum sozialen Durcheinander: Der Mangel an Identität der
Rechtssphäre(n) in der peripheren Moderne und seine Implikationen in Lateinamerika, in: Hauke
Brunkhorst/Wenzel Matiaske (orgs.), Peripherie und Zentrum in der Weltgesellschaft, München/Mering
2004, 165-94. O próprio Luhmann (nota 6), 82, reconhece que, “em caso extremo” de “corrupção sistêmi-
ca”, “não se pode mais falar de fechamento autopoiético[...]”, mas não retira daí as devidas conseqüências
empíricas para a sua construção teórica, tendo em vista que insiste fortemente na tese do primado da dife-
renciação funcional na sociedade mundial do presente (ibidem, 572; idem, Die Gesellschaft der Gesellschaft
[nota: 8], 43 ss.).
48 Marcelo Neves, Zwischen Subintegration und Überintegration: Bürgerrechte nicht ernst genommen, in:
Kritische Justiz 32 (1999) 4, 557-77 (Entre Subintegração e Sobreintegração: A Cidadania Inexistente”, in:
Dados – Revista de Ciências Sociais, Vol. 37, Nº 2, Rio de Janeiro 1994, 253-75); idem (nota 34), 94 ss. e
155 ss.

214
Estado Democrático de Direito e Constitucionalismo na América do Sul

Em relação complementar com a insuficiente concretização normativo-jurídica


dos diplomas constitucionais, ou seja, com a deficiente força normativa das constitui-
ções, encontra-se o problema da função hipertroficamente simbólica das atividades
constituintes e dos textos constitucionais na América do Sul.49 Recorro aqui ao deba-
te que se desenvolveu sobre legislação simbólica na Alemanha nas últimas três déca-
das.50 Mas a constitucionalização simbólica vai diferenciar-se da legislação simbólica
pela sua maior abrangência nas dimensões social, temporal e material. Enquanto na
legislação simbólica o problema se restringe a relações jurídicas de domínios específi-
cos, não sendo envolvido o sistema jurídico como um todo, no caso da constituciona-
lização simbólica esse sistema é atingido no seu núcleo, comprometendo-se toda a sua
estrutura operacional. Aqui não se desconhece que também as “Constituições norma-
tivas” da Europa Ocidental e da América do Norte desempenham função simbólica;51
tampouco que a distinção entre “Constituição normativa” e “Constituição simbólica”
é relativa, tratando-se “antes de dois pontos extremos de uma escala do que de uma
dicotomia”.52 Porém a função simbólica das “Constituições normativas” está vincula-
da à sua relevância jurídico-instrumental, isto é, a um amplo grau de concretização
normativa generalizada das disposições constitucionais.

49 Cf. Marcelo Neves, A Constitucionalização Simbólica, 2ª ed. São Paulo 2007 (1ª ed., 1994); ou Symbolische
Konstitutionalisierung, Berlin 1998. Cf. também idem (nota 34), 61-5 e 104-6; idem (nota 41), 316; Brun-
Otto Bryde, Verfassungsentwicklung: Stabilität und Dynamik im Verfassungsrecht der Bundesrepublik
Deutschland, Baden-Baden 1982, 27-9.
50 Jens Newig, Symbolische Umweltgesetzgebung: Rechtssoziologische Untersuchungen am Beispiel des
Ozongesetzes, des Kreislaufwirtschafts- und Abfallgesetzes sowie der Großfeuerungsanlagenverordnung,
Berlin 2003; Winfried Hassemer, Das Symbolische am symbolischen Strafrecht, in: Bernd Schünemann,
Festschrift für Claus Roxin zum 70. Geburtstag am 15. Mai 2001, Berlin 2001, 1001-19; Brun-Otto Bryde,
Effektivität von Recht als Rechtsproblem, Vortrag gehalten vor der Juristischen Gesellschaft zu Berlin am
17. März 1993 (Schriftenreihe der Juristischen Gesellschaft zu Berlin, H. 135), Berlin/Nova York 1993,
12 ss.; Alessandro Baratta, Jenseits der Strafe – Rechtsgüterschutz in der Risikogesellschaft: Zur
Neubewertung der Funktionen des Strafrechts”, in: Strafgerechtigkeit: Festschrift für Arthur Kaufmann
zum 70. Geburtstag, Heidelberg 1993, 393-416, 411 ss.; Monika Voß, Symbolische Gesetzgebung: Fragen
zur Rationalität von Strafgesetzgebungsakten, Ebelsbach am Main 1989; Harald Kindermann, Symbolische
Gesetzgebung, in: Dieter Grimm/Werner Maihofer (orgs.), Gesetzgebungstheorie und Rechtspolitik
(Jahrbuch für Rechtssoziologie und Rechtstheorie 13), Opladen 1988, 222-45; idem, Alibigesetzgebung als
symbolische Gesetzgebung, in: Rüdiger Voigt (Hrsg.), Symbole der Politik, Politik der Symbole, Opladen
1989, 257-73; Peter Noll, Symbolische Gesetzgebung, in: Zeitschrift für Schweizerisches Recht (N.F.) 100
(1981), 347-64; , Rainer Hegenbarth, Symbolische und instrumentelle Funktionen moderner Gesetze, in:
Zeitschrift für Politik 14 (1981), 202-4. Esse debate remonta a Joseph R. Gusfield, Symbolic Crusade: Status
Politics and the American Temperance Movement, Urbana 1963; cf. também idem., Moral Passage: The
Symbolic Process in Public Designations of Deviance, in: Social Problems, Vol. 15, Nº 2, 1967, 175-88.
51 Cf., p. ex., Georges Burdeau, Zur Auflösung des Verfassungsbegriffs, in: Der Staat 1 (1962), 389-404, 398;
Murray Edelman, The Symbolic Uses of Politics, Urbana/Chicago/London 1967, 18 s.; Massing Otwin,
Identität als Mythopoem. Zur politischen Symbolisierungsfunktion verfassungsrechtlicher
Spruchweisheiten, in: Rüdiger Voigt (org.), Politik der Symbole, Symbole der Politik, Opladen 1989, 235-
56; Jürgen Habermas, Faktizität und Geltung (nota 23) 342; André Brodocz, Die symbolische Dimension
der Verfassung: Ein Beitrag zur Institutionentheorie, Opladen 2003; Dieter Grimm, Integration durch
Verfassung: Absichten und Aussichten im europäischen Konstitutionalisierungsprozess, in: Leviathan:
Zeitschrift für Sozialwissenschaft 32 (2004) 4, pp. 448-63, 454.
52 Bryde (nota 47), 27.

215
Marcelo Neves

No caso da constitucionalização simbólica como característica da democratização


na América do Sul, às atividades constituintes e às freqüentes reformas constitucio-
nais,53 não se segue uma normatividade jurídica generalizada, uma abrangente concre-
tização normativa do texto constitucional.54 O elemento de distinção é a hipertrofia da
dimensão simbólica em detrimento da realização jurídico-instrumental dos dispositi-
vos constitucionais. O problema consiste no fato de que se transmite um modelo cuja
realização só seria possível sob condições sociais totalmente diversas. O simbolismo
constitucional implica, portanto, uma representação ilusória em relação à realidade
constitucional, servindo antes para imunizar o sistema político contra outras alternati-
vas. Através dele, não apenas podem permanecer inalterados os problemas e relações
que seriam normatizados com base nas respectivas disposições constitucionais,55 mas
também ser obstruído o caminho das mudanças sociais em direção ao proclamado
Estado Constitucional. Ao discurso do poder pertence, então, a invocação permanente
do documento constitucional como estrutura normativa garantidora dos direito funda-
mentais (civis, políticos e sociais), da “divisão” de poderes e da eleição democrática, e
o recurso retórico a essas instituições como conquistas do Estado ou do governo e pro-
vas da existência da democracia no país. A fórmula ideologicamente carregada “socie-
dade democrática” é utilizada pelos governantes (em sentido amplo) com “constitui-
ções simbólicas” tão regularmente como pelos seus colegas sob “Constituições norma-
tivas”, supondo-se que se trata da mesma realidade constitucional. Daí decorre uma
deturpação pragmática da linguagem constitucional, que, se, por um lado, diminui a
tensão social e obstrui os caminhos para a transformação da sociedade, imunizando o
sistema contra outras alternativas, pode, por outro lado, conduzir, nos casos extremos,
à desconfiança do público no sistema político e nos agentes estatais. Nesse sentido, a
própria função ideológica da constitucionalização simbólica tem os seus limites, poden-
do inverter-se, contraditoriamente, a situação, na direção de uma tomada de consciên-
cia da discrepância entre ação política e discurso constitucionalista.
Mas a constitucionalização simbólica não se refere apenas à retórica “legitimado-
ra” dos governantes ou detentores do poder. Também no discurso político dos críticos
do sistema de dominação, a invocação aos valores proclamados no texto constitucio-
nal desempenha relevante papel simbólico. Por exemplo, a retórica político-social dos
“direitos humanos”, paradoxalmente, é tanto mais intensa quanto menor o grau de
concretização normativa do texto constitucional.56 Não obstante, nos casos de consti-
tucionalização simbólica, não se trata de um jogo de soma zero na luta política pela

53 No Brasil, por exemplo, a Constituição de 1988 já passou por 53 Emendas Constitucionais.


54 Maurício García Villegas, La Constitución e su Eficacia Simbólica, in: Revista Universidad de Antiorquia,
Vol. LX, Nº 225, Medellin 1991, 4-21, 12, referindo-se à experiência colombiana.
55 Cf. Bryde (nota 47), 28 s.
56 Nesse contexto, reaparece de maneira bem mais grave o paradoxo dos direitos humanos: “Die Geltung der
Norm erweist sich an ihrer Verletzung” [“A validade da norma manifesta-se na sua violação”] (Niklas
Luhmann, “Das Paradox der Menschenrechte und drei Formen seiner Entfaltung”, in: Rechtsnorm und
Rechtswirklichkeit: Festschrift für Werner Krawietz zum 60. Geburtstag, Berlin 1993, 593-46, 544).

216
Estado Democrático de Direito e Constitucionalismo na América do Sul

construção e realização do Estado democrático de Direito, pois, ao contrário das car-


tas constitucionais ou leis de exceção autocráticas, o contexto do constitucionalismo
simbólico proporciona o surgimento de movimentos e organizações sociais envolvidos
criticamente na realização dos princípios e valores proclamados solenemente no
diploma constitucional. Sendo assim, é possível a construção de uma esfera pública
pluralista que, apesar de sua limitação, seja capaz de articular-se com sucesso em torno
dos procedimentos jurídico-constitucionais. Não se pode excluir, entretanto, a possi-
bilidade de que o cinismo das elites e a apatia do público em face da persistência de
graves problemas sociais leve ao ressurgimento de um discurso eficaz para a “restau-
ração da ordem”.

V. “Constitucionalismo Bolivariano” e seu impacto

Recentemente surgem novas experiências políticas contrárias ao modelo domi-


nante de constitucionalização simbólica, mas elas não utilizam o discurso autoritário
da restauração da ordem, senão uma retórica popular-nacionalista, apoiada em lide-
ranças de perfil carismático. Sobretudo no caso Venezuelano, com influências na
Bolívia e no Equador, há sinais de um modelo de “democracia monolítica”, sem com-
promissos maiores com o Estado de Direito. O “bolivarianismo” proposto por Hugo
Chávez contém traços de um neojacobinismo entrecortado pelo personalismo e o
apelo nacionalista.
Em grande parte, o apoio de amplas camadas da população ao “bolivarianismo”,
especialmente das classes mais pobres e da massa de excluídos, explica-se pela incapa-
cidade de realização do Estado democrático de Direito nos termos do constituições
simbólicas que surgiram na década de oitenta. A corrupção sistêmica e a exclusão
social evidenciaram cada vez mais que o modelo textual de constituição é irrelevante
para amplos setores da população, que, por não poderem esperar,57 são facilmente sus-
cetíveis aos discursos salvacionistas. As tendências contrárias ao Estado de Direito na
experiência venezuelana recente, na qual a retórica anti-imperialista assume uma
posição de destaque, podem ser atribuídas, de certa maneira, ao fato de que a oposi-
ção, associada ao status quo ante, não se apresenta como uma alternativa confiável,
pois sugere um retrocesso ao modelo de exclusão e corrupção que se consolidou na
trajetória política do país.
Com essas observações, não se pretende negar que o chamado “constitucionalis-
mo bolivariano” não tenha uma forte função simbólica em detrimento da eficácia
social da Constituição. A propósito, gostaria de chamar a atenção para um exemplo
interessante, concernente ao caso híbrido de Constituição “simbólica” e “instrumen-

57 “Der lebenswichtige Bedarf muß auf alle Fälle gedeckt sein, so daß jedermann warten kann” [“As necessi-
dades vitais precisam ser, em qualquer caso, supridas, para que cada um possa esperar”] (Niklas Luhmann,
Legitimation durch Verfahren, Frankfurt am Main 1983, 198).

217
Marcelo Neves

talista” que caracteriza o atual regime Venezuelano do presidente Hugo Chávez. O


art. 350 da Constituição venezuelana de 1999, editado em conformidade com a pre-
tensão governamental de justificar, a posteriori, a tentativa de golpe de Estado dirigi-
da por Chávez em 1992, prescreve: “El pueblo de Venezuela [...] desconocerá cual-
quier régimen, legislación o autoridad que contraríe los valores, principios y garantías
democráticos o menoscabe los derechos humanos.” Tal dispositivo, que justificaria a
desobediência civil, foi invocado em 2002 pelo General Enrique Medina Gómez, líder
de um grupo de oficiais rebeldes, justamente para convocar os venezuelanos à deso-
bediência contra o regime do presidente Chávez.58 Em tal exemplo, demonstra-se, de
forma contundente, que a força simbólica do dispositivo pode ser utilizada nos senti-
dos os mais diversos, inclusive para justificar, retoricamente, golpes de Estado e rebe-
liões militares.
A experiência “bolivariana” constitui um forte indício de que a chamada “conso-
lidação democrática”, festejada na década de noventa pelo main stream da ciência
política, não foi algo consistente, constituindo de certa maneira uma ilusão. O argu-
mento de que, na América do Sul, a democracia ter-se-ia antecipado a rule of law
(direitos políticos antes dos direitos civis), ao contrário dos países ocidentais desenvol-
vidos,59 parece-me insatisfatório. A construção das regras dos jogo democrático é
impensável sem a efetivação de um modelo de rule of law. O financiamento ilegal de
campanhas, a manipulação do voto dos necessitados e, não raramente, fraudes eleito-
rais, entre outros fenômenos de corrupção eleitoral, são fatores que descaracterizam o
procedimentos democrático na América do Sul. A falta de realização do Estado de
Direito prejudica também a própria democracia no constitucionalismo simbólico sul-
americano. E há amplas evidências de que o “constitucionalismo bolivariano” não se
apresenta como alternativa, pois caminha retoricamente para uma “democracia
monolítica”, com desprezo ao Estado de Direito. Mas ele se nutre do fracasso da demo-
cratização no âmbito de constituições simbólicas.

VI. Mercosul e Desafios da Integração Supra-nacional

Sob esse pano de fundo, cabe indagar os limites e possibilidades da integração


regional na América do Sul. Se aos Estados que estão na base da formação de uma uni-
dade político-jurídica de integração falta a estabilidade jurídica que caracteriza o
Estado de Direito, é possível contar com um modelo bem-sucedido de integração?
Parece-me que, no mínimo, os limites do Estado de Direito no plano interno atua
como um entrave para êxito da entidade regional. Vou restringir-me ao caso mais
relevante de integração regional na América do Sul, o Mercosul.

58 Marie DELCAS, “Opposition et officiers rebelles appellent à «libérer» le Venezuela”, in: Le Monde, nº 17962,
25.10.2002, 5.
59 Guillermo O’Donnell (nota 1), 324.

218
Estado Democrático de Direito e Constitucionalismo na América do Sul

O Mercosul foi criado pelo Tratado de Assunção em 1991 e obteve a sua persona-
lidade internacional com o Protocolo de Ouro Preto, de 1994, adicional ao tratado ori-
ginário. Cabe aqui apontar para as assimetrias entre os processos de integração da
União Européia e do Mercosul.60 Enquanto a União Européia pode ser caracterizada
como uma entidade jurídico-política supranacional, afastando-se dos modelos jurídicos
clássicos do direito internacional público e das meras formas políticas intergoverna-
mentais, o Mercosul ainda permanece uma organização jurídica de direito internacio-
nal e se desenvolve politicamente em termos de decisões intergovernamentais. A falta
da supranacionalidade deixa a dinâmica do Mercosul, ao contrário da européia, forte-
mente “calcada na dinâmica de seus próprios Estados”.61 Nesse sentido, Deisy Ventura
acentua que “o bloco adota uma estrutura típica das organizações internacionais de
caráter regional [...], paradoxalmente movida por uma dinâmica institucional que se
assemelha ao funcionamento de um simples entendimento intergovernamental”.62
Essa situação pode ser observada claramente quando se considera a estrutura
orgânica do Mercosul, na qual os processos decisórios ficam intimamente vinculados
aos representantes dos Estados-Membros. Conforme o Protocolo de Ouro Preto, entre
os órgãos que detêm “capacidade decisória, de natureza intergovernamental”, a saber,
o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de
Comércio do Mercosul (art. 2º), o primeiro é caracterizado como o “órgão superior do
Mercosul” (art. 3º) e reúne os Ministros das Relações Exteriores e da Economia dos
Estados-Membros (art. 4º), devendo os Presidentes dos Estados Partes participar de
suas reuniões pelo menos uma vez por semestre (art. 6º). As decisões desse órgão,
como de qualquer outro órgão do Mercosul, só pode ser tomada por unanimidade,
com a presença de todos os Estados-Membros (art. 37). Esse modelo intergoverna-
mental de decisão faz o Mercosul dependente das instabilidades políticas internas dos
seus Estados-Membros, com efeitos danosos ao seu desenvolvimento. Os bloqueios
casuísticos vinculados a interesses particularistas de grupos políticos e econômicos
dificultam um modelo de continuidade e de cooperação. Parece que o Mercosul apre-
senta-se muito mais como um instrumento das estratégias dos Estados Partes do que
como um modelo para a cooperação.
Isso se torna ainda mais problemático quando se considera, além da exigência
da decisão unânime em todos os níveis orgânicos, o problema da transposição de
normas, decorrente do art. 42 do protocolo de Ouro Preto: “As normas emanadas
dos órgãos do Mercosul previstos no Artigo 2 deste Protocolo terão caráter obriga-

60 A respeito, ver, de maneira abrangente, Deisy Ventura, As assimetrias entre o Mercosul e a União Européia:
Os desafios de uma associação inter-regional, São Paulo 2003.
61 Ibidem, 75.
62 Ibidem, 3. Cf. também Marcos Aurelio Guedes de Oliveira, Political Development and Comparative Issues
with EU, in: Wenzel Matiaske/Hauke Brunkhorst/Gerd Grözinger/Marcelo Neves (orgs.), The European
Union as a Model for the Development of Mercosur? Transnational Orders between Economic Efficiency
and Political Legitimacy, Hamburgo 2007, 9-17, 13.

219
Marcelo Neves

tório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos


nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país” (grifo
meu). Referindo-se à prática desenvolvida a partir desse dispositivo, Deisy Ventura
fala de uma “uma transposição à la carte” das normas, pontuando que, ao contrário
da Europa, a margem de manobra dos Estados-membros do Mercosul, especialmen-
te por se tratar de regimes presidenciais (eu diria hiperpresidenciais), “é total”, não
existindo “nenhuma garantia de aplicação” do direito do Mercosul no âmbito inter-
no, “ainda menos uma garantia de sua aplicação uniforme”.63 A isso se acrescem as
reações na prática jurídica ao reconhecimentos da primazia do direito de integração
também na jurisprudência dos respectivos Estados Partes.64 A criação do Tribunal
Arbitral Permanente de Revisão, nos termos do Protocolo de Olivos, de 18 de feve-
reiro 2002, embora certamente possa “favorecer a efetividade das ações do bloco”,65
não implica as conseqüências para superação da debilidade do Mercosul perante as
ordens jurídicas nacionais dos Estados Partes, sobretudo por se tratar de um juizado
arbitral, com poder decisório muito limitado em comparação com força vinculató-
ria das decisões da Corte Européia de Justiça.
Acrescente-se que o Mercosul permanece uma organização orientada quase
exclusivamente pelas exigências econômicas, havendo apenas referências isoladas e
praticamente irrelevantes aos problemas da justiça social e das desigualdades regionais
nos preâmbulos, respectivamente, do Tratado de Assunção e do Protocolo de Ouro
Preto.66 Partindo da distinção entre eficiência econômica e legitimidade política,67 o
Mercosul, apesar de pouco eficiente, superestima a primeira em detrimento da segun-
da. Daí por que não nos parece surpreendente a falta de utilização da expressão “socie-
dade civil” nos documentos do Mercosul, que optam sobretudo por “atores privados”,
mas também emprega “setores econômicos e sociais” e “particulares”.68 A questão resi-
de exatamente no fato de que não está presente uma “sociedade civil” abrangente,
muito menos uma esfera pública, articulada em tornos dos órgãos e procedimentos do
Mercosul. A influência dos interesses particulares dos diversos grupos econômicos
(“atores privados”) que atuam perante o Mercosul transforma este, antes de tudo, em
instrumento de diversos atores estratégicos, sem qualquer apoio em uma base social
mais ampla. E, no contexto sul-americano, sequer cabe afirmar que esteja presente um

63 Ventura (nota 58), 149 ss., 152.


64 Cf. ibidem, 155 ss. Ventura aponta para um desenvolvimento no sentido contrário a partir das Constituições
do Paraguai e Argentina, diferentemente da posição das constituições do Brasil e Uruguai (ibidem, 170 ss.).
65 Gilmar Mendes, A justiça constitucional nos contextos supranacionais, in: Marcelo Neves (org.), Em torno
da transnacionalidade do direito: perspectivas dos conflitos entre ordens jurídicas, São Paulo 2008 (no
prelo).
66 Cf. Ventura (nota 58), 27 ss.
67 No caso da União Europa, esse debate remonta a Fritz Scharpf, Governing in Europe: effective or democra-
tic?, Oxford 1999. A respeito, ver, na discussão entre União Européia e Mercosul, Matiaske/Bunkhorst/
Grözinger/Neves (orgs.) (nota 60).
68 Michelle Ratton Sanchez, Civil Society Participation in Mercosur: Some Critical Points, in:
Matiaske/Bunkhorst/Grözinger/Neves (orgs.) (nota 60), 77-111, 83 ss.

220
Estado Democrático de Direito e Constitucionalismo na América do Sul

regime de “comitologia”, que pressuporia competência técnica e política deliberati-


va.69 Isso, por uma lado, porque a estrutura burocrática do Mercosul reproduz em
parte as deficiências técnicas das respectivas burocracias nacionais, sem que se possa
excluir os respectivos problemas de corrupção; por outro, porque o Mercosul pode ser
definido sobretudo como um modelo de “barganha intergovernamental” entrecortada
pelos interesses estratégicos particulares dos atores privados, indispostos a qualquer
“política deliberativa”.
Por fim, cabe observar que enquanto na União Européia o problema não se rela-
ciona diretamente com o Estado de Direito, ou seja, com a formação de um direito
interno europeu, mas sim com a democracia (déficit democrático?), ou seja, com a
legitimação de uma política interna européia, o caso do Mercosul é mais grave.
Embora interdependentes essas duas dimensões, já no plano do Estado de Direito, as
deficiências presentes nos Estados-membros, acima consideradas (itens III, IV e V),
prejudicam a formação de um direito interno sul-americano no plano do Mercosul,
além de a estrutura deste ser incompatível não só com a legitimação democrática, mas
também com a construção de uma política interna sul-americana. Não há, pois, ape-
nas um “duplo déficit democrático” no âmbito do Mercosul, problema geral presente
tanto nos Estados-membros quanto na organização regional de integração.70 Pode-se
falar também de um duplo déficit de Estado de Direito, que prejudica a limitação e o
controle jurídicos dos agentes públicos e privados tanto no plano dos Estados Partes
quanto no plano dos órgãos intergovernamentais. Neste particular, o Mercosul ainda
está mais distante da União Européia, na qual as questões referentes a rule of law já
estão relativamente superadas em ambos os planos, apesar de todos os conflitos nor-
mativos e de jurisdição.71

VII. Conclusões

Esse diagnóstico sobre os limites do Estado de Direito e, conseqüentemente, da


integração da Américo do Sul no sentido de um direito supranacional não deve ser
interpretado de maneira fatalista, pois se trata de um problema condicionado por
fatores históricos contingentes, não relacionado a uma essência antropológica dos
respectivos países. Apesar de haver fortes indícios de que a integração dos Estados
sul-americanos desenvolver-se-á, por muito tempo, no plano do direito internacio-
nal e da política intergovernamental, não existindo perspectivas favoráveis a uma
ordem rigorosamente supranacional nos moldes europeus, é evidente que o aprendi-

69 Cf. Christian Joerges/Joseph Neyer, From Intergovernmental Bargaining to Deliberative Political Processes:
The Constitutionalisation of Comitology, in: European Law Journal 3 (1997), 273-99.
70 Ventura (nota 58), 590, distinguindo, também nesse aspecto, o Mercosul da União Européia, pois, nesta, o
problema do “déficit democrático” só se apresentaria no plano da União, não dos Estados-membros.
71 Cf., p. ex., Joseph H. H. Weiler, The Constitution of Europe: “Do the New Clothes have an Emperor?” and
other Essays on European Integration, Cambridge 1999, esp. 28.

221
Marcelo Neves

zado com a experiência da União Européia pode ajudar a América Latina.72 Mas isso
não deve levar a mais um caso de transporte acrítico de modelos políticos e jurídicos
para contextos sociais nos quais não estão presentes os pressupostos mínimos para a
sua realização. A cópia ou imitação poderá significar simplesmente um supranacio-
nalismo simbólico, carente de força normativa generalizada. Mas alguns pontos
podem servir de exemplo.
Assim como ocorreu na experiência européia, impõe-se, antes de tudo, que haja
desenvolvimentos internos no caminho da concretização normativa da Constituição.
Isso exige uma luta intensiva contra a corrupção sistêmica (Estado de Direito) e um
forte esforço pela inclusão social de amplas parcelas ainda marginalizadas (direitos
fundamentais). Além disso, é fundamental a superação das desigualdades econômicas
regionais internas e entre os países, que ainda são abismais. Só sob esses pressupostos,
é possível construir um modelo de integração que se oriente pela rule of law e possa
desenvolver-se no sentido de um supranacionalismo sul-americano. Trata-se de um
caminho longo e íngreme, que implicará a confrontação com resistências culturais,
econômicas e políticas de difícil superação.
Em um aspecto, porém, pode-se vislumbrar avanços em curto prazo. Isso se refe-
re à possibilidade de uma atuação do Mercosul como bloco que venha a defender de
forma mais eficaz os interesses dos países sul-americanos perante outros blocos. Ele já
se vem construindo lentamente com um núcleo nas novas relações entre América
Latina e Europa, que é apresentado como “um aliado decisivo para a consolidação do
Mercosul”.73 Nesse particular, o Mercosul pode ter um papel decisivo na fortificação
da América Latina nas negociações e relações internacionais com a Europa e a
América do Norte, contribuindo para a redução de assimetrias que remontam ao
período colonial perduraram em formas “neocoloniais” de sua integração no mercado
mundial.

72 Agustín Gordillo, The Future of Latin America: Can EU Help?, London 2003; idem, The Future of Latin
America: Can EU Help?, in: Matiaske/Bunkhorst/Grözinger/Neves (orgs.) (nota 60), 185-200.
73 Ventura (nota 58), 325 ss. e 455 ss.

222
PARTE II
SISTEMAS REGIONAIS E PARÂMETROS SUPRANACIONAIS
DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
La Política de Minorías de la Unión Europea:
una Contribución a la Teoría Jurídica
de la Gobernanza Supraestatal

Armin von Bogdandy1

Sumarioo: I. Introducción II. Gobernanza de las minorías en el proceso de ingreso III. La gobernanza de las minorías
frente a los Estados miembros IV. Valoración final

I. Introducción

El 15 de febrero de 2007 el Consejo adoptó el Reglamento 168/2007/CE “por el


que se crea una Agencia de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea”.2 Ésta
constituye una etapa en la construcción de una política de la Unión Europea de los
derechos humanos.3 Su esfera de acción, a tenor de lo dispuesto en el considerando
décimo, abarca “los fenómenos del racismo, la xenofobia y el antisemitismo” así como
“la protección de los derechos de las personas que pertenecen a minorías”.4 Utilizando
un concepto amplio de minoría,5 las siguientes reflexiones tienen por objeto tratar la

1 Director del Max Planck Institute for Comparative Public Law and International Law (Heidelberg) y
Profesor del Derecho Publico en la Goethe-Universität (Frankfurt/Main). Presidente del OECD Nuclear
Energy Tribunal. Fue miembro del German Science Council (Wissenschaftsrat). En 2008 recibió el premio
Berlin-Brandenburgian Academy of Sciences Prize. Miembro del Scientific Committee of the European
Union Agency for Fundamental Rights (2008-2013). Fue Professor de Global Law en New York University
School of Law en 2005 y 2009.
Por las útiles discusiones y comentarios el autor agradece a Anuscheh Farahat, Stefan Kadelbach, Petra
Lancos, Maja Smrkolj, Franziska Sucker, Gabriel Toggenburg y Rüdiger Wolfrum.
Texto traducido por Federico Fernández-Crehuet, Modesto Saavedra López.
2 Reglamento 168/2007/CE del Consejo de 15 de febrero de 2007, por el que se crea una Agencia de la Unión
Europea para la protección de los derechos fundamentales. DO 2007 L 53/1.
3 Sobre este campo político, G. TOGGENBURG, Menschenrechtspolitik, en: WEIDENFELD/WESSELS (EDS.),
Jahrbuch der Europäischen Integration 2006, p. 187. Sobre la protección de las minorías como una cuestión
de derechos humanos, Art 1. del Convenio-Marco para la Protección de las Minorías Nacionales del
Consejo de Europa de 01.02.1995,BGBl, II, 1997, 1408.
4 Esta ya era la misión del Observatorio Europeo del Racismo y la Xenofobia, Reglamento (CE) 1035/97 DO.
151/1, sustituido por la Agencia para la protección de los derechos fundamentales
5 En este sentido, la Thematic Comment, núm 3. The Protection of Minorities in the European Union,
25.04.2005, CFR-CDF.ThemComm2005, ver http://ec.europa.eu/justice_home/cfr_cdf/doc/thematic_com-
ments_2006_en.pdf, consulta (02.04.2007), especialmente, pp. 20, 92 y ss.; de modo similar, Cómite de
Derechos Humanos, General Comment No. 23, Art. 27, §§ 5.1, 5.2 (UN Doc. CCPR/C/21/Rev.1/Add.5
(08.04.1994); R. WOLFRUM, The Emergence of „New Minorities“ as a Result of Migration, en: BRÖLMANN
(EDS.), Peoples and Minorities in International Law, 1993, p. 153; Para un análisis completo del tema, F.
CAPOTORTI, Study on the Rights of Persons Belonging to Ethnic, Religious and Linguistic Minorities, UN
Doc. E/CN.4/Sub.2/384/Rev.1 (1979), § 57.

225
Armin von Bogdandy

interrogante de si (y cómo) la Unión puede promover que la política estatal proteja a


las personas pertenecientes a minorías.
No sin atribuirlo en gran medida a la resistencia alemana,6 las funciones y com-
petencias de la Agencia están orientadas únicamente hacia ”el ámbito de aplicación
del Derecho comunitario”; no se contempla una vigilancia general de los Estados
miembros.7 No obstante, podría resultar errónea la concepción según la cual se
habrían fijado por esta vía límites taxativos a la política de la Unión Europea sobre
los derechos humanos en general y sobre la política de minorías en particular. Este
trabajo pretende mostrar el contexto en el que la política de la Unión en favor de las
personas pertenecientes a las minorías se ha desarrollado como un campo político
especialmente controvertido, ponderar dicha política desde la Ciencia del Derecho y,
partiendo de esta base, adoptar una posición ante la pregunta de si la Agencia puede
y debe contemplar y valorar el trato que los Estados miembros dispensan a las perso-
nas pertenecientes a las minorías.
El Derecho de la Unión posee un conjunto de disposiciones que apoyan a las per-
sonas que pertenecen a una minoría, por ejemplo, las libertades y el derecho de no dis-
criminación del mercado interior así como la ciudadanía de la Unión. Un gran núme-
ro de derechos basados en el Derecho de la Unión fortalecen la posición jurídica de los
ciudadanos de la Unión Europea que emigran internamente y, de este modo, los libe-
ra de la presión de la asimilación. Algo parecido rige respecto al creciente corpus del
derecho europeo de asilo y migración.8 De la misma manera, los actos normativos para
la protección contra la discriminación9 promulgados con fundamento en el Art. 13
TCE protegen a las personas pertenecientes a minorías.10 La prohibición de discrimi-
nación protege precisamente en esferas sensibles de la identidad, como el derecho al
nombre.11 La norma dispone un tratamiento diferenciado y, con ello, el reconocimien-

6 Véase S KUSICKE, Nicht noch ein Amt: Die EU plant die Gründung einer Grundrechteagentur, der
Bundestag will das verhindern, Frankfurter Allgemeine Zeitung (en adelante, FAZ) de 03.01.2007, p. 3;
Bauchschmerzen, Glosse in der FAZ de 05.01.2007, p. 10, S. KUSICKE, Entrevista con Matthias Wissmann
sobre la futura Agencia de Derechos Humanos: „Die Bedenken bleiben bestehen fort“, FAZ vom
06.01.2007, p. 4; M. Frank, Die Alibi-Agentur, Süddeutsche Zeitung de 05.01.2007; para la crítica de la
Agencia de Derechos y su valoración también G. TOGGENBURG, Die Grundrechteagentur der Europäischen
Union: Perspektiven, Aufgaben, Strukturen und Umfeld einer neuen Einrichtung im Europäischen
Rechtsraum, MRM 12 (2007), pp. 86, 88 y ss.
7 Considerando 8, Art. 2, apartado 3.
8 Directiva 2003/86/CE de 22 de septiembre de 2003 sobre el derecho a la reagrupación familiar, DO 2003
L251/12 y Directiva 2003/109/CE de 25 de noviembre 2003, relativa al estatuto de los nacionales de terce-
ros países residentes de larga duración, DO, 2004 L 16/44.
9 Directiva 2000/43 CE de 29 junio de 2000, relativa a la aplicación del principio de igualdad de trato de las
personas independientemente de su origen racial o étnico, DO 2000 L 180/22, así como la Directiva
2000/78/CE de 27 noviembre de 2000, relativa al establecimiento de un marco general para la igualdad de
trato en el empleo y la ocupación, DO 2000 L 303/16.
10 O. DE SHUTTERT/A VERSTICHEL, The Role of the Union in Integrating the Roma: Present and Possible Future,
Edap 2 (2005), http://www.eurac.edu/documents/edap/2005_edap02.pdf consulta (25.04.2007).
11 Por ejemplo, respecto del derecho al nombre, Rs.-148/02, García Avello, Sammlung der Rechtsprechung des
Gerichtshofes (en adelante, Slg). 2003, I-11613, número márginal. 40; esto se corresponde con la lógica nor-

226
La Política de Minorías de la Unión Europea: Una Contribución
a la Teoría Jurídica de la Gobernanza Supraestatal

to de los intereses de grupos especiales, cuando existen razones válidas para la protec-
ción de la identidad individual; el interés de los Estados miembros a favor de la inte-
gración de los inmigrantes en este caso es subsidiario. De este modo, el Tribunal de
Justicia (Tribunal de Justicia de las Comunidades Europeas-TJCE) se aproxima a la con-
cepción del Comité de los Derechos Humanos, según la cual el Art. 27 del Pacto
Internacional para los Derechos Civiles y Políticos12 exige medidas diferenciadas.
No obstante, por lo que se refiere a las formas del método comunitario, es decir,
con instrumentos soberanos, falta una política amplia de la Unión orientada a la pro-
tección de las personas que pertenecen a minorías. Aunque, ciertamente, existe tal
política bajo la forma de gobernanza. Esta noción describe aquí un contexto en el que
la política supraestatal opera con éxito de manera constructiva incluso sin competen-
cias soberanas.13 El presente trabajo trata, concretamente, de la conexión entre insti-
tuciones estatales y supraestatales, actores no estatales, procedimientos e instrumentos
para lograr la protección de las minorías, un campo en el que la Unión, aún sin com-
petencias soberanas, ejerce una presión considerable frente a los Estados en aras a la
consecución de este objetivo perteneciente al bien común. El derecho correspondien-
te se presenta como una parte de las estrategias políticas mediante las que la Unión
explora, a través de la protección de las minorías, dos campos políticos espinosos: la
formación de la unidad estatal y la protección general de los derechos fundamentales.

II. Gobernanza de las minorías en el proceso de ingreso

La Unión se encaminó hacia el campo de la protección de las minorías a raíz de la


caída del muro de Berlín. Los rasgos del proceso son bien conocidos: la caída de las dic-
taduras socialistas hizo reavivar conflictos étnicos en Europa Central, del Este y del
Sureste; algunos alcanzaron incluso relevancia para la política de seguridad occidental,
como, por ejemplo, las guerras en la antigua Yugoslavia, el tratamiento de los Estados bál-
ticos hacia su población rusoparlante y las tensiones en torno a las minorías húngaras.14

mativa del Art. 11 apartado 1 del Convenio-Marco para la Protección de las minorías nacionales. Con más
detalle, U. HALTERN, Europarecht und das Politische, 2005, pp. 372 y ss.
12 Comité para los Derechos Humanos, General Comment No. 23 (véase nota. 4), §§ 6.2., UN Doc.
CCPR/C/21/Rev.1/Add.5 (08.04.1994); S. van den Bogaert, State Duty Towards Minorities: Positive or
Negative? How Policies Based on Neutrality and Non-discrimination Fail, en Zeitschrift für ausländisches
öffentliches Recht und Völkerrecht (en adelante, ZaöRV) 64 (2004), p. 42.
13 A. BENZ, Governance in Mehrebenensystemen, en: SCHUPPERT (EDS.), Governance-Forschung, 2. Aufl. 2006,
p. 95; H. H. TRUTE/W. DENKHAUS/D. KÜHLERS, Governance in der Verwaltungsrechtswissenschaft, Die
Verwaltung 37 (2004), p. 451. Este concepto de la gobernanza es de naturaleza analítica y no se debe con-
fundir con el concepto normativo Good Governance. Sobre éste último, Europäische Kommission,
Europäisches Regieren – Ein Weißbuch, KOM (2001) 428.
14 Además, ha llamado continuamente la atención la dramática situación de los romaníes, para esto, R.
WOLFRUM, The legal status of Sinti and Roma in Europe; a case study concerning the shortcomings of the
protection of minorities, Annuaire européen 33 (1985), p. 75; R. GUGLIELMO, Human Rights in the
Accession Process: Roma and Muslims in an Enlarging EU, en: TOGGENBURG (ED.), Minority Protection and
the Enlarged EU: The Way Forward, 2004, p. 37.

227
Armin von Bogdandy

En un principio, fue la Conferencia sobre la Seguridad y la Cooperación en


Europa (CSCE)15 la institución central para la resolución de conflictos entre mayorías
y minorías en estos países.16 A más tardar en 1991 se hace evidente, sin embargo, que
la CSCE (a falta de suficientes estándares17 y de mecanismos de imposición eficaces),
no podía, por sí sola, crear una situación satisfactoria.18 En 1993 se ponen de acuerdo
las fuerzas decisivas de la Europa del Oeste sobre una gobernanza que reúne los recur-
sos jurídicos, organizativos y legitimadores de diversas organizaciones europeas diri-
giendo hacia el Este una extensa política de protección de los grupos correspondientes.
Dicho acuerdo se manifestó, de una parte, en la decisión del Consejo Europeo de 21 y
22 de junio de 1993 sobre la apertura de una perspectiva de adhesión para los Estados
en transformación, al amparo de los llamados criterios de Copenhague, que incluyen la
protección de las minorías;19 de otra parte, en la Declaración de Viena de los Jefes de
Estado y de Gobierno de los Estados Miembros del Consejo de Europa, de 9 de octubre
de 1993, que encarga al Comité de Ministros del Consejo de Europa el desarrollo de un
régimen jurídico propio de protección de las minorías.20 Sobre esta base, en los años
siguientes se desarrolló una gobernanza, cuyos pilares institucionales son la Unión
Europea, el Consejo de Europa y la Conferencia sobre la Seguridad y la Cooperación en
Europa o, desde 1994, la Organización para la Seguridad y Cooperación en Europa. A
pesar del cúmulo de fricciones y tensiones recíprocas, se puede entender la acción de
estas organizaciones en el sentido de que ellas expresan e implementan, mediante una
división del trabajo, las ideas europeas occidentales sobre el tratamiento de las culturas
minoritarias frente a los Estados en transformación.21

15 Acta Final de la Conferencia sobre la Seguridad y la Cooperación en Europa, Helsinki, 01.08. 1975,
http://www.osce.org/documents/mcs/1975/08/4044_de.pdf, consulta (02.04.2007).
16 El principio se marca con el documento final del encuentro de Viena de 15.01.1989 (números 18 y 19
de la parte de principios), cuyos impulsos se han desarrollado, sobre todo, en el Documento del
Encuentro de Copenague de 29.06.1990 (números. 30-40), pero también en la Carta de París de
21.11.1990, pp. 5 y ss.
17 Ninguna decisión de la CSCE o de la OSCE puede ser calificada como una obligación de derecho interna-
cional público, C. HÖHN, Zwischen Menschenrechten und Konfliktprävention: Der Minderheitenschutz im
Rahmen der Organisation für Sicherheit und Zusammenarbeit in Europa (OSZE), 2005, pp. 211 y ss.; T.
BUERGENTHAL, The CSCE Rights System, George Washington Journal of International Law and Economics
25 (1991), pp. 333, 378. Pero contra la opinón mayoritaría S. BREITMOSER/ D. RICHTER, Die Verwirklichung
der KSZE-Grundsätze zum Schutze nationaler Minderheiten durch Organleihe beim EGMR, EuGRZ 18
(1991), p. 141, donde se califica como principio jurídico de validez general una parte del contenido rele-
vante de las decsiones de la CSCE/OSCE sobre protección de las minorías, http://www.uni-koeln.de/jur-
fak/ostrecht/minderheitenschutz/Vortraege/internationaler_minderheitenschutz_brunner.htm, consulta
(24.04.2007).
18 Conclusiones de la Presidencia, 21-22.2006 (190/193), p. 13.
19 Conclusiones de la Presidencia, 21-22.2006 (190/193), p. 13.
20 De la Declaración de Viena de 09.10. 1993.
21 En relación con la interacción de las organizaciones, G. TOGGENBURG, The Union’s Role vis-à-vis Minorities.
After the Enlargement Decade, EUI Working Papers, Law No. 2006/15, pp. 24 y ss.

228
La Política de Minorías de la Unión Europea: Una Contribución
a la Teoría Jurídica de la Gobernanza Supraestatal

a. Rasgos estructurales, instituciones, funciones e instrumentos

Esta gobernanza se puede entender con la ayuda de sus rasgos estructurales, ins-
tituciones y funciones.22 Una primera comprensión es posible a través de sus rasgos
estructurales: supraestatalidad, multilateralidad, inclusión, voluntariedad, diferencia-
ción y hegemonía colectiva. La gobernanza tiene un carácter supraestatal y multilate-
ral porque sus instituciones operativas son organizaciones supraestatales y multilate-
rales: la OSCE, el Consejo de Europa y la Unión Europea. Esto impide que ella apa-
rezca como expresión de los intereses hegemónicos de un Estado, de modo distinto,
quizá, a la gobernanza ejercida por el Banco Mundial, que, en no pocas ocasiones, se
vincula a los intereses de los Estados Unidos.23 En relación con el rasgo estructural de
la inclusión, los estándares operativos para la protección de las minorías se concretan
en instrumentos que se elaboraron en el Consejo de Europa y en la OSCE y, por tanto,
en organizaciones en las que los Estados en transformación ya eran miembros en con-
diciones de igualdad, aquí también se deja notar el contraste frente al Banco Mundial.
Este rasgo estructural de la inclusión explica también el mecanismo de implementa-
ción del Alto Comisionado para las Minorías Nacionales, diseñado como un instru-
mento de la OSCE y, por tanto, de una organización inclusiva.24 El rasgo estructural
de la voluntariedad sustenta la gobernanza en general y se muestra, especialmente, en
que el fundamento de su funcionamiento reside en una meta política auto-impuesta
por los Estados en transformación: el ingreso en la Unión Europea. Otro rasgo estruc-
tural, que condujo a mucho descontento, es la diferenciación: los Estados del
Occidente de Europa, pero también Grecia y Turquía, no se someten a la gobernanza
de la misma manera.25 En esta diferenciación se muestra un rasgo más, como es la
hegemonía colectiva de Europa Occidental. Los Estados de Europa Occidental, al
menos hasta la entrada de aquellos Estados en la Unión Europea, han dispuesto colec-
tivamente de una hegemonía política, económica y cultural frente a los Estados en
transformación, y han configurado la gobernanza sobre esa base.26
Desde un punto de vista institucional, esta gobernanza descansa sobre las tres
organizaciones supraestatales mencionadas: la Unión Europea, el Consejo de Europa
y la OSCE.27 Su operatividad se logra gracias a un conjunto de órganos e instituciones
que disponen de un grado muy distinto de autonomía frente a los gobiernos de los

22 Ciertamente esta reconstrucción no puede incluir todos los aspectos de una praxis parcialmente confusa. La
pretensión de las siguientes reflexiones es tan sólo la de desvelar la lógica básica de tal gobernanza.
23 B. BROWN, The United Stated and the Politization of the World Bank, 1992.
24 Art. 2 del Mandato del Alto Comisionado para las minorías nacionales, Documento de Helsinki, pp. 22 y ss.
25 No se ha podido imponer una propuesta temprana de recoger los estándares en un protocolo sobre el
Convenio para la Protección de los Derechos Humanos y de las Libertades fundamentales y someterlos a l
TEDH. Véase sobre esto, el apartado 3. a.
26 R. COOPER, The breaking of Nation, 2003, p. 71 y ss.
27 Con esto no se quiere afirmar que entre las tres organizaciones no se produzcan fricciones. Particularmente,
el Consejo de Europa ha seguido con especial preocupación la construcción europea.

229
Armin von Bogdandy

Estados miembros: el espectro se extiende desde las organizaciones ocupadas por los
Estados miembros a modo de foro de las posiciones nacionales, hasta la Comisión
Europea y el Alto Comisionado para las Minorías Nacionales, cuya autonomía opera-
tiva frente a los Estados es el requisito de funcionamiento de la gobernanza. Éste es
otro ejemplo de que los Estados deben conceder una autonomía parcial a la política
supraestatal si quieren que funcione.
Para continuar reconstruyendo la gobernanza sirve de ayuda orientarse con la
teoría de las funciones convencionales del Estado,28 aunque con la modificación de
que estas funciones convencionales son ejercidas de modo no convencional en un
contexto no institucionalizado. Conforme a eso, la función legislativa se encuentra
distribuida entre diversas organizaciones e instituciones. El punto de partida norma-
tivo de esta gobernanza son los criterios de admisión a la Unión Europea del Art. O
TUE, en conformidad con los criterios materiales del Art. 6, apartado 1 TUE fijados
desde Ámsterdam, que al principio no estaban escritos. Èste fue formulado por los
Estados miembros de la Unión, saludando el principio hegemónico de esta gobernan-
za.29 Un primer nivel de concreción se obtiene, a partir de ahora de manera inclusi-
va,30 por medio del Convenio-Marco para la Protección de las Minorías Nacionales,
elaborado por el Consejo de Europa entre los años 1993 y 1995.31 Su ratificación y
transposición son una exigencia esencial para el cumplimiento de los criterios de
Copenhage y del Art. O TUE en el tema de la protección de las minorías.32 Otras con-
creciones legislativas tienen lugar por medio de instrumentos de soft law de diversos
actores. De especial importancia resulta el instrumento de soft law consistente en las
recomendaciones generales de la OSCE.33 La preponderancia de la OSCE se puede
explicar por el hecho de que los Estados en trasformación participaron desde el prin-

28 Para este aspecto, C. MÖLLERS, Gewaltengliederung, 2005, p. 253 y ss. A. V BOGDANDY, Law and Politics in
the WTO, en Max Planck Yearbook of UN Law 5 (2001), pp. 609 y ss.
29 Sin embargo, los criterios del Art. O del Tratado de la Unión Europea en relación con el Art. F del TUE
están ya recogidos en el documento CSCE de 29.06.1990, Documento de la Segunda reunión de Copenague
de 29 de junio de 1990 de la Conferencia sobre la dimensión humana de la CSCE, Punto 1.
30 A decir vedad, existen caminos de participación para terceros Estados, como muestran el Espacio
Económico Europeo y la Convención Europea (Verfassungskonvent). Sin embargo, la Unión no habría
podido asumir esta tarea debido a la ausencia de competencia. Ésta requiere para la elaboración de acuer-
dos de derecho internacional competencia, vid art 24 y 38 TUE. Para las razones de la ausencia de la cor-
respondiente competencia, vid infra, apartado 3b.
31 De fecha 01. 02. 1995, que entro en vigor el 01.02.1998. Acerca de las negociaciones, con más detalle, R.
HOFMANN, Minderheitenschutz in Europa. Völker- und staatsrechtliche Lage im Überblick, 1995, pp. 200
y ss.; Sobre el valor añadido del Convenio-Marco S. SPILIOPOULOU ?KERMARK, The added value of the FCNM.
The Framework Convention for the Protection of National Minorities: a useful Pan-European instrument?.
32 G. SASSE, Minority Rights and EU Enlargement: Normative Overstretch or Effective Conditionality?, en:
TOGGENBURG (EDS.), Minority Protection and the Enlarged EU: The Way Forward, 2004, pp. 61, 68, 72. La
Carta europea de idiomas regionales y minoritarios, que incluso a final de febrero de 2007 sólo habían rati-
ficado 21 Estados, ocupa sólo un significado secundario en la gobernanza.
33 Véase sólo OSCE 1996, Recomendaciones de la Haya relativas a los derechos educativos de las minorías
nacionales; OSCE 1998, Recomendaciones de Oslo relativas a los derechos lingüísticos de las minorías
nacionales; OSCE 1999, Recomendaciones de Lund sobre la participación efectiva de las minorías naciona-
les en la vida pública.

230
La Política de Minorías de la Unión Europea: Una Contribución
a la Teoría Jurídica de la Gobernanza Supraestatal

cipio en esta organización, lo que contribuye a la legitimidad de las recomendaciones.


Por otro lado, están también las recomendaciones del Comité de Ministros del
Consejo de Europa,34 así como de su Asamblea Parlamentaria.35
Si se prosigue en el análisis de esta función legislativa en el sistema multinivel,
aparece otra importante institución de la gobernanza: la “Comisión Europea para la
Democracia por el Derecho”, normalmente conocida como Comisión de Venecia,
creada por el Consejo de Europa. Ésta asesora a los legisladores de los Estados en tras-
formación y los conduce, algunas veces, casi de la mano.36 Se trata de una organiza-
ción notablemente híbrida: formalmente una institución del Consejo de Europa,
aunque actúa de modo acentuadamente independiente y, personalmente, está confor-
mada de tal modo que sus miembros representan la hegemonía jurídico-cultural de los
Estados europeos occidentales en el proceso legislativo de los Estados en trasforma-
ción. En los Estados bálticos, el Alto Comisionado de la OSCE ha desempeñado en
ocasiones un papel similar.37
La función ejecutiva, quizá la mejor implementada de la gobernanza europea
para la protección de las personas pertenecientes a una minoría, está distribuida, de
modo similar, entre muchas instituciones. En el punto clave está, de nuevo, la Unión
Europea, con lo cual –y esto parece ser típico de muchas gobernanzas– el mecanismo
fundamental es un incentivo y no la amenaza de una sanción: la eficacia del Derecho
o, como se dice hoy en día, el compliance pull, se debe, en primer lugar, a la perspec-
tiva de ingreso en la Unión, que promete a los Estados en transformación la plena
inclusión y su reconocimiento como iguales.38 No obstante, esto funciona sólo si la
ejecución de las ventajas por parte de los Estados en transformación se controla exter-

34 Véase sólo Rec. (2001) 17 on improving the economic and employment situation of Roma/Gypsies and
Travellers in Europe; Rec. (2006)10E Recommendation of the Committee of Ministers to member states on
better access to health care for Roma and Travellers in Europe; Rec. (2005)4E on improving the housing
conditions of Roma and Travellers in Europe; Rec. (2004)14E on the movement and encampment of
Travellers in Europe; Rec. (2001)17E on improving the economic and employment situation of
Roma/Gypsies and Travellers in Europe; Rec. (2000)4E on the education of Roma/Gypsy children in
Europe; Rec. (92)10E on the implementation of rights of persons belonging to national minorities.
35 Véase sólo, Rec 1623 (2002 ) on the rights of national minorities; Rec. 1557 (2002) on the legal situation of
Roma in Europe; Rec. 1492 (2001) on the rights of national minorities; Rec. 1345 (1997) on the protection
of national minorities; Rec. 1285 (1996) on the protection of national minorities; Rec. 1255 (1995) on the
protection of the rights of national minorities.
36 Con más detalle, S. RÜLKE, Venedig-Kommission und Verfassungsgerichtsbarkeit, 2003; J. L. JOWELL, The
Venice Commission: Disseminating democracy through law, Public law 2001, p. 675.
37 D GALBREATH, The Politics of European Integration and Minority Rights in Estonia and Latvia, Perspectives
on European Politics & Society 2003, pp. 35, 44 y ss.; M. SARV, Integration by Reframing Legislation:
Implementation of the Recommendations of the OSCE High Commissioner on National Minorities to
Estonia, 1993-2001, en: ZELLNER/OBERSCHMIDT/NEUKIRCH (EDS.), Comparative Case Studies on Effectiveness
of the OSCE High Commissioner on National Minorities, 2002, pp. 29 y ss., 41y ss., 47 y ss.
38 K SMITH., Western Actors and the Promotion of Democracy, en: ZIELONKA/PRAVDA (EDS.), Democratic
Consolidation in Eastern Europe. Bd. II. International and Transnational Factors, 2001, p. 31; J. ZIELONKA,
Conclusions. Foreign Made Democracy, en: PEERS/WARD (EDS.), The EU Charter of Fundamental Rights.
Law Context and Policy, 2004, p. 511

231
Armin von Bogdandy

namente. Esta tarea ha sido adoptada por un conjunto de instituciones. En primer


lugar, la Comisión de la Unión Europea elabora regularmente informes de desarrollo,
sustentados en conocimientos propios, así como en los de otras instituciones estatales
y en informaciones procedentes del campo de la sociedad civil. Tales informes no sólo
tienen relevancia para el proceso de entrada en la Unión y la opinión pública, sino
también para las asignaciones financieras al amparo del programa PHARE. Además,
el Consejo de Europa se ha sumado a este control valiéndose especialmente de las
comisiones de asesoramiento del Convenio-Marco para la protección de las minorías
nacionales.39 De especial interés para el aspecto ejecutivo de la gobernanza, debido a
su autonomía, es el Alto Comisionado para las minorías nacionales.40 Éste puede
actuar por propia iniciativa en situaciones concretas de peligro,41 para lo cual resulta
especialmente apto por ser una institución monocrática. Eso compensa la rigidez de
la política exterior de la Unión Europea y también las debilidades operativas del
Consejo de Europa.
De esta suerte, la gobernanza europea orientada a la protección de las minorías
está muy bien diseñada, tanto en su aspecto legislativo como ejecutivo. Finalmente,
según la teoría tradicional de las funciones, hay que preguntarse por el poder judicial.
Aquí se muestra una notable laguna. Ningún Estado en transformación tiene la posi-
bilidad de obtener protección judicial contra decisiones que los afecten: no hay nin-
gún juez, ni para una reclamación general contra la discriminación, ni para los per-
juicios específicos procedentes del oportunismo político doméstico de los Estados más
influyentes de la Europa occidental.42 Tanto para los individuos como para los grupos,
de quienes supuestamente se trata, no sólo no existe un juez supraestatal en esta
gobernanza, sino que además están completamente mediatizados: las posiciones jurí-
dicas subjetivas no pueden deducirse de los instrumentos jurídicos de la gobernanza.
Ni el Convenio-Marco ni los instrumentos de soft law de la OSCE son aplicables por
los tribunales nacionales.43 Tampoco se prevén equivalentes funcionales, como el
defensor del pueblo u organismos de arbitraje, lo cual también constituye un fenóme-
no típico de la gobernanza. Sin embargo, surgen dudas sobre si las fuerzas que forman
tal gobernanza desean realmente la realización completa del lema “democracia por
medio del Derecho”.

39 Art. 26 del Tratado Marco; más ampliamente, R. HOFMAN, Das Überwachungssystem der
Rahmenkonvention des Europarates zum Schutz nationaler Minderheiten, en ZEuS 2 (1999), p. 379.
40 En profundidad sobre la OSCE y su Alto Comisionado, GALBREATH, (nota 37) pp. 36, 40 y ss.
41 Art. 3 del Mandato del Alto Comisionado para la Protección de las Minorías, Documento de Helsinki, pp.
22 y ss.
42 Un ejemplo de esto lo ofrece el proceso de incorporación de Croacia debido al affaire Gotovina, con todo
detalle, M. RÖTTING, Das verfassungsrechtliche Beitrittsverfahren zur Europäischen Union, 2007. Este tema
estaba también en el centro de atención del Tribunal de Competencia Jessup Moot 2007. El Art. 230 CEE
no permite ningún control de las lesiones del Art. 49 TUE ni de ninguna disposición, con base en el trata-
do de asociación, por parte del TJCE a petición de un país candidato.
43 R. HOFMANN, The Framework Convention for the Protection of National Minorities: An Introduction, en:
WELLER (ED.), The Rights of Minorities in Europe, 2005, p. 1, 5.

232
La Política de Minorías de la Unión Europea: Una Contribución
a la Teoría Jurídica de la Gobernanza Supraestatal

Finalmente debe valorarse el punto central de esta gobernanza como es la pers-


pectiva de ingreso a la Unión, haciéndolo en función de la tipología de los actos jurí-
dicos. Ella facilita la imposición de condiciones, que caen bajo la categoría de la “con-
dicionalidad”,44 un instrumento especialmente consolidado en el marco de la gober-
nanza. Cierto que no ha conseguido abrirse paso por completo dentro de la ciencia
jurídica en el sentido de la teoría alemana de los actos jurídicos (fuentes)
“Handlungsformenlehre”,45 sin embargo, existen algunos comienzos notables con vis-
tas a la condicionalidad como instrumento del Banco Mundial.46 Este instrumento se
emplea sistemáticamente desde 1991 por la UE para la protección de los derechos
humanos reconocidos internacionalmente.47 En contraposición con la condicionali-
dad del Fondo Monetario Internacional, la condicionalidad para la adhesión posee un
fundamento de Derecho internacional, pues se desprende de los tratados con los can-
didatos al ingreso en la UE.48 Dado que los Estados en transformación ratificaron estos
tratados por medio de una ley parlamentaria aprobatoria, la legitimidad de esta con-
dicionalidad es más elevada que la del Fondo Monetario, caso en el que, ordinaria-
mente, las condiciones no están sujetas a control parlamentario.49

b. Valoración

Una valoración de esta gobernanza para la protección de las personas pertene-


cientes a las minorías se puede hacer bajo criterios jurídicos o políticos. En una valo-
ración jurídica se presenta el problema habitual de la investigación científico-jurídi-
ca de la gobernanza, relativo a que las categorías jurídicas apenas tienen asidero, debi-
do al consentimiento de los Estados interesados y a la ausencia de una acción sobera-
na unilateral. En verdad, esta gobernanza europea, como se ha mostrado, puede ser
reducida a rasgos estructurales, pero éstos no permiten valoración jurídica alguna. De
este modo, sólo quedan vagos principios como la no injerencia y la igualdad jurídica
internacional. La considerable limitación de la libertad de organización política de los

44 En detalle, K. E. SMITH, The use of political conditionality in the EU relations with third countries, EFA
Rev. 3 (1998), p. 253; H. GRABBE, The EU’s transformative power: Europeanization through conditionality
in Central and Eastern Europe, 2006; más matizado, J. HUGHES/G. SASSE/C. GORDON, Conditionality and
Compliance in the EU´s Eastward Enlargement: Regional Policy and the Reform for Sub-national
Governance, JCMS 42 (2004), p. 523.
45 Particularmente, E. SCHMID-ASSMANN, Das allgemeine Verwaltungsrecht als Ordnungsidee. Grundlagen
und Aufgaben der verwaltungsrechtlichen Systembildung, 2. Aufl. 2004, pp. 235 y ss.
46 P. DANN, Grundfragen eines Entwicklungsverwaltungsrechts, en: MÖLLERS/VOßKUHLE/WALTER (EDS.),
Internationales Verwaltungsrecht, 2007.
47 Explicación sobre los Derechos Humanos (Consejo Europeo en Luxemburgo, 28./29.06.1991), Anexo V, Bol.
UE, 6.1991, I. 45; sobre esto, F. HOFFMEISTER, Menschenrechts- und Demokratieklauseln in den vertragli-
chen Außenbeziehungen der Europäischen Gemeinschaft, 1998, p. 103.
48 Por ejemplo, el Art. 2 del Acuerdo de estabilización y asociación entre las Comunidades Europeas y sus
Estados miembros, por una parte, y la República de Croacia, por otra, DO 2005 L 26/3.
49 P. LUCKE, Der Internationale Währungsfond, 1997, p. 97.

233
Armin von Bogdandy

Estados en trasformación, a causa de la gobernanza, no infringe sin embargo el prin-


cipio de no injerencia, debido a la naturaleza convencional de los estándares. El abuso
de la hegemonía europea occidental tampoco conculca el principio de igualdad de
soberanía, como muestra la praxis de los Estados y la dogmática relativa al Art. 52 de
la Convención de Viena sobre el Derecho de los Tratados.50 La inclusión discrimina-
toria de los Estados en transformación tampoco lesiona el principio de igualdad sobe-
rana de los Estados, como prueba, palmariamente, la Carta de Naciones Unidas en
relación con el Consejo de Seguridad. Ni siquiera comprendiendo el proceso de ingre-
so como un proceso jurídico, al que se puede aplicar el derecho primario de la Unión,
se encuentran fundamentos jurídicos para su ilegalidad.51
Políticamente, esta gobernanza europea se ha de valorar, sobre todo, desde el
punto de vista de la legitimidad. Y fue calificada como ilegítima, pues estaba discrimi-
nando de modo asimétrico a los Estados en transformación.52 Este reproche ignora,
sin embargo, que la necesidad de la efectiva implementación de la protección inter-
nacional de las minorías se presentaba en los Estados en transformación de modo dis-
tinto que en los países europeos occidentales, al menos en los años 90. Existía, a dife-
rencia de lo que ocurría en Occidente, el peligro razonable de graves conflictos, que
incluso podrían haber llevado a crisis internacionales. Estructuralmente, los Estados
en transformación estaban, tras la recuperación de la soberanía, frente a la tarea de
establecer Estados capaces de funcionar, esto es, unidades políticas. En este proceso,
que puede ser conceptualizado como formación del Estado nacional, el problema de
las minorías se plantea de manera divergente que en Occidente, tal y como muestran
repetidamente los años 90.
Más crítica es la valoración desde el punto de vista de la legitimidad out-put, es
decir, del éxito de esta gobernanza.53 Cierto que, de esta forma, se consiguió establecer
la protección de las minorías como tema en los Estados en transformación y establecer
también un correspondiente sistema multinivel. En cambio, una plena realización de
los estándares internacionales se dio, la mayoría de las veces, sólo si el gobierno de un
Estado en transformación dependía políticamente del partido de una minoría, o bien
cuando un Estado en transformación quería dar buen ejemplo para que, en consecuen-

50 Sobre el umbral de la relevancia jurídica, vid. Yearbook of the International Law Commission, 1966, Bd.II,
p. 245 y ss.; R. G. WETZEL/D. RAUSCHNING: The Vienna Convention on the Law of the Treaties: Travaux
Préparatoires, 1978, p. 357 y ss.
51 Con todo detalle RÖTTING, (nota 42).
52 M. KRYGIER, Introduction, en: SADURSKI/CZARNOTA/KRYGIER (EDS.), Spreading Democracy and the Rule of
Law?, 2005, pp. 3, 12; este reproche ya se hizo constar frente al sistema de minorías en el tiempo de entre-
guerras, sobre ello, A. MEIJKNECHT, The Minority Protection System between World War I and World War
II, en: WOLFRUM (ED.), Max Planck Encyclopedia of Public International Law, C 1, publicación en 2008.
53 A la vista de la notoria dificultad de hacer afirmaciones sobre las consecuencias reales de las normas, se limi-
ta este trabajo a “suposiciones fundadas”, sobre este problema, G. LÜBBE-WOLFF, Rechtsfolgen und
Realfolgen, 1981; especialmente para la protección de la diversidad SASSE (nota 32), pp. 61 y 71.

234
La Política de Minorías de la Unión Europea: Una Contribución
a la Teoría Jurídica de la Gobernanza Supraestatal

cia, sus ciudadanos en el extranjero recibieran los mismos derechos.54 La gobernanza


es, en su efectividad, dependiente de las relaciones internas de los Estados destinata-
rios. En un examen general se aprecia que la implementación de la protección de gru-
pos se considera más deficitaria que los otros requisitos de ingreso. Gwendolyn Sasse
lo atribuye, convincentemente, a un conjunto de especificidades de la política europea
de protección de las minorías.55 La coordinación entre las diversas instituciones de la
gobernanza sería deficitaria. Debido a la ausencia de una política de minorías dentro
de la Unión, los correspondientes estándares no serían una parte del Acquis commu-
nautaire, que concentra la atención principal de la Comisión. La diversidad de arreglos
adoptados con las minorías en los Estados miembros de la Unión dificultaría, según
ella, una línea coherente y única.56 La buena disposición de los Estados en transforma-
ción se habría afectado, ya que se habrían sentido expuestos a exigencias discrimina-
doras, que no rigieron para los antiguos Estados miembros. Finalmente, tampoco
Europa occidental habría querido hacer dependiente el gran proyecto de la “reunifica-
ción europea” del pleno cumplimiento de la protección de las minorías. Reflexiones
políticas de este tipo pueden ser más fácilmente consideradas en el contexto de una
gobernanza, en la que el Derecho internacional Público sigue siendo en lo esencial un
instrumento de la política, más que en un orden político bajo el imperio del Derecho.
El moderado éxito de la imposición de los estándares internacionales para la pro-
tección de las minorías frente a los países de Europa central y del Este57 antes del
ingreso en la Unión Europea, conduce a la monumental pregunta de si, y en su caso
cómo, la Unión debe exigir a sus Estados miembros los correspondientes estándares e
imponerlos, si hubiera lugar a ello.

III. La gobernanza de las minorías frente a los Estados miembros


a. Situación inicial
Una política de minorías dirigida por los Estados miembros conduce al bloqueo
de la Unión. Hasta el momento, no existen competencias de la Unión para la armoni-
zación del derecho relativo a la gestión de la diversidad en los Estados miembros:58
pesa demasiado el interés de los Estados miembros en su independencia frente a la
Unión, debido, no en última instancia, a la salvaguarda de la diversidad constitucio-
nal y de la identidad nacional.59 Una de las premisas de la actual integración europea

54 En detalle, en relación con Croacia Rötting, (nota 42) B IV 4 b; en relación con Hungría SASSE (nota 32), p. 74.
55 SASSE (nota 32), pp. 64 y ss. Más positivo H. KÜPPER, Minority Rights, en: FELDBRUGGE (EDS.), Law in
Transition, 2002, pp. 81 y 88.
56 Calcada con todo detalle por la EU Network of Independent Experts on Fundamental Rights.
57 Sobre la situación de Rumania y Bulgaria, Comunicación de la Comisión de 26.09.2006. Informe de segui-
miento sobre los preparativos de ingreso de Bulgaria y Rumanía, COM, 2006, 549, pp. 8, 25, 47 y ss.
58 Sobre este concepto, D. THÜRER, Minorities and majorities: managing diversity, SZIER 15 (2005), p. 659.
59 Véase, A. V. BOGDANDY, Zweierlei Verfassungsrecht. Europäisierung als Gefährdung des gesellschaftlichen
Grundkonsenses?, Der Staat 39 (2000), p. 163.

235
Armin von Bogdandy

es que los Estados miembros permanecen con autonomía frente a la Unión tanto res-
pecto a los mecanismos esenciales de la formación de unidad estatal, como también
en la organización de la protección nacional de los derechos fundamentales.60
Esto se puede aclarar mediante algunas referencias. En relación con la formación
de la unidad estatal se debe recordar que, hasta la fecha, la Unión no ha asumido papel
alguno en conflictos internos, cuando lo que se juega en ellos es la autodeterminación
de minorías, ya sea en Irlanda del Norte, Cataluña, el País Vasco o, anteriormente, el
Tirol meridional.61 Cada Estado miembro decide a quién acoge como sus nacionales;
la ciudadanía europea se construye sobre una incuestionada pertenencia nacional.62
La política educativa y cultural, como instrumentos claves de formación de la unidad
nacional, están sustraídos a la armonización de la Unión, según el Art. 149, pfo. 4
TCE, y el Art. 151, pfo. 5 TCE. Ciertamente los instrumentos para la formación de la
unidad política no son completamente extraños a la Unión: así, los ciudadanos de la
Unión y los de terceros países con permiso de residencia deben estar incluidos sin dis-
criminación en los grandes sistemas de solidaridad nacional.63 Sin embargo, esto ape-
nas limita la libertad de configuración de los Estados miembros en lo que respecta a
lo esencial de la formación de la unidad nacional.64 Grados similares de autonomía de
los Estados miembros existen frente a la Unión en relación con la protección nacio-
nal de los derechos fundamentales. La Carta Europea de Derechos Fundamentales
establece expresamente que los derechos fundamentales de la Unión obligan, princi-
palmente, a la Unión. Los Estados miembros son mencionados tan sólo en la denomi-
nada “constelación de ejecución” (Durchführungkonstellation), Art. 51, par. 1 TCE.65
El Tratado de Lisboa no modifica nada en éste ámbito.

60 J. H. H. Weiler, Fundamental rights and fundamental boundaries, en: J. H. H. Weiler, The Constitution of
Europe, 1999, pp. 102 ss. Esto no excluye que algunos Estados miembros orienten sus derechos fundamen-
tales hacia las ventajas europeas, véase P. M. HUBER, Offene Staatlichkeit: Vergleich, en: VON
BOGDANDY/CRUZ VILLALÓN/HUBER (Eds.), Handbuch Ius Publicum Europaeum, Bd. II, § 26 número margi-
nal. 98 y ss.
61 Igualmente precavido el TJCE, véase Asunto C-C-432/1994, Anastasiou I, Slg. 1994 I-3116, número margi-
nal. 47. Incluso en el tratado constitucional se encontraba sólo una vaga alusión a las minorías y a la diver-
sidad interna de los Estados ni preveía competencia alguna (Art. I-2 del fracasado Tratado Constitucional).
62 S. KADELBACH, Unionsbürgerschaft, en: V. BOGDANDY (Eds ), Europäisches Verfassungsrecht, 2003, pp. 539,
548; TJCE, Asunto. C-200/02, Chen, Slg. 2004, p. I-09925, número marginal. 37-39. No obstante, en este
supuesto la red quiere aplicar la Directiva contra la discriminación 2000/43/CE e impedir una política de
ciudadanía discriminatoria, E.U. Network of Independent Experts on Fundamental Rights, pp. 20 y ss.
63 De la prolija jurisprudencia, TJCE, Caso. C-184/99, Grzelczyk, Slg. 2001, p. I-6193, Número. 46; Caso C-
209/03 Bidar, Slg. 2005, I-2119, número marginal. 56.
64 Bajo nuevas perspectivas, G TOGGENBURG, Who is Managing Ethnic and Cultural Diversity in the European
Condominium?, JCMS 43 (2005), p. 717.
65 Esto es incluso más estricto que el estado de la jurisprudencia, véase TJCE Caso. C-260/89, ERT, Slg. 1991,
p. I-02925, número marginal. 41-45, Caso. C-479/04, Laserdisken ApS, de 12.09.2006, n.n.v., número mar-
ginal. 61. Sobre la jurisprudencia J. KÜHLING: Grundrechte, en: V. BOGDANDY (ED.), Europäisches
Verfassungsrecht. Theoretische und dogmatische Grundzüge, 2003, pp. 583, 608 y ss.

236
La Política de Minorías de la Unión Europea: Una Contribución
a la Teoría Jurídica de la Gobernanza Supraestatal

Las reservas estatales frente a las normas supraestatales para la gestión de la


diversidad nacional no son algo específico de la Unión, sino que se muestran, en
muchas ocasiones, en el derecho internacional correspondiente. Recuérdese sólo la
amplitud del concepto de minoría,66 en la decisión de no consagrar la protección de
las minorías europeas en un protocolo del Convenio Europeo para la Protección de los
Derechos Humanos y las Libertades Fundamentales, o en la configuración del
Convenio-Marco como tratado que no es directamente aplicable.67 Ciertamente la
protección de las minorías se cuenta entre los viejos estratos del Derecho internacio-
nal, aunque, del mismo modo, también es cierto que los pueblos de los Estados no
quieren ceder los instrumentos para contestar la pregunta “¿quiénes somos?”.

b. Elementos para una gobernanza interna de las minorías en la Unión

De este trasfondo surgen dos alternativas fundamentales y ricas en consecuen-


cias para la Unión Europea y para sus Estados miembros. Por un lado, puede ser que
todo quede así, que la unidad nacional y la protección nacional de los derechos fun-
damentales, en principio, queden fuera de la esfera de acción de la Unión. La desven-
taja más notable de esta alternativa es que se podría poner en peligro una premisa
esencial para el éxito de la Unión Europea. La Unión opera con la premisa de que sus
Estados son entidades consolidadas políticamente, no divididas de modo segmentado,
que disfrutan del reconocimiento por razones de principio de todos aquellos someti-
dos al derecho, o sea, precisamente también de las personas pertenecientes a minorías,
en el sentido amplio mencionado anteriormente. A la vista de la aún inconclusa for-
mación del Estado nacional en algunos Estados en trasformación, puede imponerse la
idea de que la Unión debe garantizar este presupuesto. Un punto de referencia jurídi-
ca lo ofrece el Art. 7 TUE. Mas si optamos por la otra alternativa, y, por tanto, se con-
vierte en tarea de la Unión la protección de las minorías en los Estados miembros, se
presenta la desventaja de que se limita sensiblemente la autonomía nacional en la for-
mación de la unidad política y en la protección de los derechos fundamentales, y el
poder de la Unión se extiende a dos campos que son centrales para la identidad nacio-
nal. Como la debilidad de la política de la Unión frente a los países candidatos al
ingreso nos enseña, podría ser además insoslayable una unificación europea, es decir,
la construcción de un Acquis unional. Lo cierto es que tal política no sólo puede estar
dirigida a los países en transformación, sino que debe incluir a todos los Estados
miembros. Esta segunda alternativa posee, por tanto, el potencial de modificar sustan-

66 R. GROTE, International Law and the Protection of Minorities in the 21st Century, en: International Law
Today: New Challenges and the Need for Reforms?, 2007.
67 No obstante, está el proyecto austríaco de un protocolo anexo al Convenio Europeo para la Protección de
los Derechos Humanos y las Libertades Fundamentales. Véase R. HOFMANN, Minderheitenschutz in Europa.
Völker- und staatsrechtliche Lage im Überblick, 1995, p. 43.

237
Armin von Bogdandy

cialmente las relaciones federales entre la Unión y sus Estados miembros y de men-
guar considerablemente la diversidad y la autonomía nacionales.
La Unión Europea y sus Estados miembros se encuentran frente a una difícil
decisión. El mantenimiento del status quo jurídico apunta, más bien, hacia la prime-
ra alternativa. Como ya se ha expuesto al inicio, el cometido de la Agencia de la Unión
Europea para los Derechos Fundamentales se circunscribe al ámbito de aplicación del
derecho de la Unión.68 Sin embargo, existen ya avances por parte de la Comisión y del
Parlamento en la situación jurídica vigente que sólo pueden ser entendidos a la luz
de la segunda alternativa.69
Hay algunas competencias de la Unión que permiten iniciar una política de
armonización para la protección de las personas pertenecientes a minorías, especial-
mente los arts. 7, 34, y 29 TUE y los arts. 13 y 63 TCE. A la vista del titubeo de los
Estados miembros, la política correspondiente de la Unión se muestra más bien como
una gobernanza. Para su configuración existen algunos puntos de apoyo, aun cuando,
en general, tal gobernanza es más rudimentaria que aquella otra que se ejerce frente
a los Estados en transformación.
Las metas de esta gobernanza las formulan Philip Alston y Joseph H. Weiler en
un trabajo encargado por un Parlamento Europeo que está a la búsqueda de una polí-
tica de derechos fundamentales.70 La Unión Europea debe transformarse en un mode-
lo internacional para una política sobre los derechos fundamentales coherente, enér-
gica y orientada hacia el futuro, especialmente en relación con el racismo y la xeno-
fobia así como también con los derechos económicos, sociales y culturales de los gru-
pos perjudicados y de las minorías.71 En una política progresiva de los derechos fun-
damentales, implementada menos a través de los tribunales que por una burocracia
especializada con inclusión de las organizaciones no gubernamentales, deben confluir
la política de las minorías, la política de los movimientos migratorios y la de la no dis-
criminación en general.72
Institucionalmente, la gobernanza interna de la Unión sobre protección de las
minorías que se está abriendo paso se apoya, sobre todo, en las instituciones de la

68 Considerando 3 y 8, Art. 2 Reglamento (CE) 168/2007 del Consejo de 15 de febrero de 2007, por el que se
crea una Agencia de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea. DO 2007 L53/1; véase para una
amplia interpretación de estas disposiciones G. TOGGENBURG (nota 6), pp. 98 y ss.
69 La propuestas la E.U. Network of Independent Experts on Fundamental Rights indican qué posibilidades
existen de construir esto, a partir de la situación jurídica vigente.
70 P. ALSTON/J. H. H. WEILER, An ,Ever Closer Union‘ in Need of a Human Rights Policy, en: ALSTON (ED.), The
EU and Human Rights, 1999, p. 3. Su impulso ha influido considerablemente en el Comité de Sabios y su
“Human Rights Agenda For the European Union for the Year 2000. Leading by Example“, impreso en:
ALSTON, Ibid., Annex (tras la p. 917). En sentido crítico, A. V. BOGDANDY, The European Union as a Human
Rights Organization?, CMLRev. 37 (2000), p. 1307, 1310 ss., que corrijo a la luz de las siguientes reflexiones.
71 ALSTON/WEILER (nota 70), pp. 14 y ss.
72 En este sentido también se expresa la E.U. Network of Independent Experts on Fundamental Rights, espe-
cialmente p. 20, 92 y ss. La influencia se muestra igualmente en que el autor Olivier de Schutter mantiene
una estrecha relación con Philip Alston. ALSTON/DE SCHUTTER (EDS.), Monitoring Fundamental Rights in the
EU: The Contribution of the Fundamental Rights Agency, 2005.

238
La Política de Minorías de la Unión Europea: Una Contribución
a la Teoría Jurídica de la Gobernanza Supraestatal

Unión Europea, especialmente, en la Comisión Europea, en el Parlamento, en la Red


de Expertos Independientes de la Unión Europea en materia de Derechos
Fundamentales, así como –hasta el año 2007- en el Observatorio Europeo del Racismo
y la Xenofobia.73 Todavía está por verse en qué medida se implican en tal gobernan-
za organizaciones supraestatales externas a la Unión, sobre todo el Consejo de Europa
y la OSCE. Las enseñanzas de la gobernanza frente a los Estados en transformación
apuntan a que la Unión no podrá, tampoco internamente, edificar una gobernanza
eficaz sin los recursos jurídicos, institucionales y legitimadores que le son propios. En
este sentido, los Art. 8 a 10 del Reglamento por el que se crea una Agencia de
Derechos Fundamentales de la Unión Europea prevén una cooperación de la Agencia
con las correspondientes organizaciones gubernamentales y no gubernamentales,
aunque sólo para el ámbito de aplicación del Derecho de la Unión.
Para diseñar el esquema funcional de la gobernanza se ofrece nuevamente una
orientación a partir de la tradicional teoría de las funciones. Desde una perspectiva
legislativa, el punto de partida normativo más elevado se halla en el Art. 6, apartado
1 TUE, por cuanto se puede remitir aquí a lo dicho anteriormente. Sus difusas venta-
jas se operacionalizan en parte mediante normas de Derecho internacional.74 El
recurso al Derecho internacional compensa así, en esta gobernanza, la considerable
falta de competencia de la Unión para la creación de normas, de tal modo que el
Derecho internacional se convierte a la vez en un instrumento para la construcción
del poder unional frente a los Estados miembros. Asimismo, alivia a aquellos órganos
de la Unión para la gobernanza de las minorías respecto a su legitimidad, ya que éstos
no han de desarrollar sus propios estándares, sino que ya se encuentran en el Derecho
internacional y también en la Carta de Derechos Fundamentales.75 No obstante, exis-
ten también puntos de partida internos a la Unión, como la Directiva 2000/43/EC.76
Ésta puede ser señalada como un intento de autonomización. Pero el principio de
interpretación conforme al Derecho internacional, que el Tribunal de Justicia (TJCE)
practica precisamente en el campo de los derechos fundamentales y siguiendo el
ejemplo del Tribunal Europeo de Derechos Humanos en un sentido rayando en el
esclavismo, podría impedir un desacoplamiento de la Unión respecto de la esfera
internacional. El sistema multinivel de la protección de los derechos humanos, en el

73 Reglamento 1035/97/EU (nota 4).


74 La E.U. Network of Independent Experts on Fundamental Rights toma sus parámetros de Derechos
Humanos de la Convenciones del Consejo de Europa, de los instrumentos internacionales de soft law inter-
nacional y de los documentos jurídicos de la Unión, sin entrar más de cerca sobre su diversa naturaleza jurí-
dica. Lo decisivo parece ser el ajuste para una política progresiva. La red de expertos es de la opinión, inclu-
so, que los Estados Miembros están obligados por la Carta cuando implementan el derecho comunitario, ibi-
dem, p. 7.
75 S. Hölscheidt, en: MEYER (ED.), Charta der Grundrechte der Europäischen Union. 2ª ed., 2006, Art. 21,
número márginal. 1 y. Art. 22, número marginal 1.
76 Así, la E. U. Network Network of Independent Experts on Fundamental Rights, p. 7, 62; el Art. 3 pfo. 2 del
Reglamento (EU) 168/2007 afirma: “En el ejercicio de su misión, la Agencia se remitirá a los derechos fun-
damentales definidos en el Art. 6, apartado 2, del Tratado de la Unión Europea”.

239
Armin von Bogdandy

seno de la Unión, parece estar firmemente anclado, como para que la gobernanza
pueda seguir otra lógica.
Mientras que el componente legislativo de esta gobernanza se delinea con una
cierta amplitud, el componente ejecutivo tan sólo se puede reconocer en un esbozo. Su
posible punto de partida normativo, es decir, lo análogo a la perspectiva de ingreso para
la gobernanza de las minorías respecto del Este, pudieran ser las sanciones del Art. 7,
apartado 1 TUE.77 Así pues, esta gobernanza podría resultar ya desde el principio más
débil que la del Este, puesto que en la esfera supraestatal los estímulos positivos suelen
funcionar mejor que los negativos.78 Como instrumentos de implementación internos
de la Unión se cuentan los informes y otros instrumentos de implementación “blan-
dos”, que son conocidos por su relación con el método de la coordinación abierta
(MCA), por ejemplo, la identificación de “best practices”.79 Desde hace muchos años,
el Parlamento Europeo toma posición acerca de la situación de las minorías en los
Estados miembros.80 Entretanto la Comisión también ha asumido este tema.81 Entre las
agencias, el Observatorio para el Racismo y la Xenofobia formaba parte de esta gober-
nanza hasta el 2007.82 Como institución híbrida de la gobernanza hay que citar la Red
de Expertos Independientes de la UE en materia de Derechos Humanos, de carácter
independiente.83 Ella observa la situación de los derechos fundamentales también en
los Estados miembros, incluyendo los derechos de las minorías; sus informes críticos
disfrutan de una considerable publicidad. Mas el futuro de esta entidad es incierto.84
Otras instituciones con funciones ejecutivas que hay que contemplar son los ya
citados órganos e instituciones del Consejo de Europa y de la OSCE; en particular, la

77 Sobre la posibilidad de llevar a cabo un proceso de vigilancia de los Estados miembros sobre la base del Art.
7 de la TUE, véase la Comunicación de la Comisión al Consejo y al Parlamento Europeo, de 15 de octubre
de 2003, sobre el Art. 7 del Tratado de la la Unión Europea. Respeto y promoción de los valores en los que
está basada la Unión, COM (2003) 606, p. 8, F. SCHORKOPF, en: GRABITZ/HILF (EDS.), Das Recht der
Europäischen Union. Kommentar I, Stand Januar 2004, TUE Art. 7, número marginal. 53 y ss.
78 R. WOLFRUM, Means of Ensuring Compliance with and Enforcement of International Environmental Law,
Recueil des Cours 272 (1999), p. 272.
79 Toggenburg (nota 64), p. 730 y 732.
80 Resolución sobre una Carta Europea de las Lenguas Regionales o Minoritarias y una Carta Comunitaria de
los Derechos de las minorías étnicas DO. 1981 C 287/106; Resolución del Parlamento Europeo sobre media-
das a favor de las lenguas minoritarias y culturas, DO. 1983 C 68/103; Resolución del Parlamento sobre las
leguas y culturas de las minorías regionales y étnicas en la Unión Europea, DO. 1987 C 318/160; Resolución
sobre las minorías lingüísticas y culturales en la Unión Europea, DO. 1994 C 61/110; Resolución del
Parlamento Europeo sobre las lenguas regionales y menos extendiditas, DO. 2002 C 177E/334. Además:
Resolución del Parlamento Europeo sobre Protección de las minorías y sobre políticas de lucha contra la
discriminación en la Unión Europea ampliada DO. 2006 C 124E/405.
81 Comunicación de la Comisión de 3 de junio de 2003 sobre inmigración, integración y empleo, COM (2003),
336; Comunicación de la Comisión de 16 de julio de 2004, Primer informe anual sobre migración e integra-
ción, COM (2004) 508.
82 Resolución EU/1035/97 (nota 4).
83 A partir de los documentos accesibles no se desprende una base jurídica. Según la opinión de O. De Schutter
la base es la resolución del Parlamento 2000/2231 de 05.06.2001; O. DE SCHUTTER/V. VAN GOETHEM, The
Fundamental Rights Agency: Towards an Active Rights Policy of the Union, ERA-Forum 2006, pp. 587, 589.
84 Toggenburg (nota 3), p. 187. Vid. Art. 10 de la Resolución 168/2007/CE (nota 2).

240
La Política de Minorías de la Unión Europea: Una Contribución
a la Teoría Jurídica de la Gobernanza Supraestatal

Comisión prevista en el Convenio-Marco ha investigado también, constantemente, la


situación de las minorías en los antiguos Estados miembros de la UE y ha hallado algu-
nos déficit.85 Sobre su inclusión en la gobernanza interna de la Unión todavía no hay
claridad. El trabajo de la Red de Expertos se edifica, en gran medida, sobre la labor de
estas instituciones de implementación.
Por último, se plantea la cuestión de la función judicial. En este aspecto la gober-
nanza interna de la Unión parece algo mejor que la que se dirige hacia el Este.
Ciertamente, no existe, según la jurisprudencia relativa al Art. 230 TUE, ninguna posibi-
lidad para los Estados miembros o el Consejo de proceder contra las medidas del tipo
Informe del Parlamento y de la Comisión. Decisiones como la que llevó a la organización
de una Red de Expertos Independientes en materia de Derechos Humanos son, sin
embargo, impugnables.86 En cualquier caso, el instituto de la protección jurídica del indi-
viduo tiene, en esta gobernanza, una posición muy débil. Como es sabido, no existe una
vía directa de acción ante el Tribunal de Justicia (TJCE) por parte del individuo frente a
las medidas de los Estados miembros. Sólo es pensable que el TJCE, dilatando claramen-
te su actual campo de competencias, emplee el procedimiento prejudicial, para, recur-
riendo a las libertades de la Unión Europa o a las directivas sobre discriminación, contro-
lar las medidas estatales y comprobar su compatibilidad con los principios jurídicos gene-
rales de protección de las minorías, por ejemplo, en el sentido del Convenio-Marco.87
Desde la perspectiva de los actos jurídicos (Handlungsformen), podría tratarse,
en el caso de esta gobernanza, de una aplicación del instrumento denominado méto-
do abierto de coordinación (MAC). Éste posee, gracias sobre todo a su regulación
ejemplar en los Art. 128-130 TCE referida a la política de empleo, una forma bien per-
filada.88 Sin embargo, en contra de tal cualificación habla el hecho de que esta gober-
nanza no ha podido constituir de ningún modo, hasta el momento, obligaciones de los
Estados miembros que sean comparables a las contenidas en el Art. 128 y ss. TCE. Más
importante aún: el método abierto es, según la concepción mayoritaria, un instru-
mento del Consejo Europeo89 al que no le corresponde, precisamente en esta gober-
nanza de las minorías, un papel preponderante. Más bien, como instrumento central
de la gobernanza se señala la valoración pública de la política. La experiencia con la
gobernanza del Este muestra que, para que este instrumento sea efectivo, la regulari-

85 Con detalle, S. OETER/A. WALKER, The Case of the Federal Republic of Germany, en: SPILIOPOULOU/ ?KER-
MARK/HUSS/OETER/WALKER (EDS.), International Obligations and National Debates: Minorities around the
Baltic Sea, 2006, pp. 227 y ss.
86 Más explícito, J. BAST, Grundbegriffe der Handlungsformen der EU, 2006, pp. 389 y ss.
87 Qué aspecto podría tomar este asunto lo ha señalado el TJCE en el caso Carpenter. C 60/00 Slg. 2002, I-
06279; en sentido crítico, U. MAGER, Dienstleistungsfreiheit und Schutz des Familienlebens, Anmerkung zu
der Entscheidung EuGH, Rs. 60/00 - Mary Carpenter, JZ 58 (2003), p. 204.
88 Aunque la lucha contra la marginación social junto con la integración de los inmigrantes es una política que
se realiza en el marco del método de coordinación abierta, Ver Conclusiones de la Presidencia del Consejo
Europeo en Lisboa de 24.03.2000.
89 Sobre su primera aplicación, Conclusiones de la Presidencia del Consejo de Europa de Lisboa de 24.03, 2000
(nota 88), núm 7.

241
Armin von Bogdandy

dad y la sistematicidad son de gran importancia90 y se necesitan datos más fiables


sobre la situación de las minorías y de los grupos de inmigrantes.91

IV. Valoración final

A diferencia de la gobernanza de la diversidad (Vielfaltsgovernance) frente a los


Estados en transformación, para esta gobernanza interna de la diversidad cultural
existen criterios jurídicos útiles. En lo referente a las competencias, hay que subrayar
que no existe ninguna norma expresa de autorización de cara a una política general
de minorías de la Unión92. Según la opinión preponderante, se necesita, sin embargo,
una competencia en este sentido sólo para aquellas acciones de carácter jurídico vin-
culante. No está suficientemente aclarado, qué fundamento han de tener otras accio-
nes de los órganos de la Unión. En consecuencia, me parece poco discutible que la
competencia de la Comisión, a tenor del Art. 7.1 TUE de iniciar un proceso en el
Consejo en caso de peligro de una lesión grave de los principios del Art. 6. 1 por parte
de un Estado miembro, le atribuye una competencia de vigilancia hacia los Estados
miembros. Esto lo confirma la exigencia de fundamentación de la propuesta.93 Tal
competencia de observación respecto a la protección de las minorías de los Estados
miembros (en el sentido amplio de la palabra minoría, señalado más arriba), se apoya
en un conjunto de otras competencias, a saber, las del Art. 34, 29 TUE y el Art. 13 y
63 del TCE. También en estas esferas políticas la Comisión puede hacer propuestas si
está informada de la correspondiente situación en los Estados miembros. Esta orien-
tación la muestra igualmente la decisión del Parlamento Europeo para la creación de
una comisión que compruebe si los Estados miembros han infringido el Art. 6 TUE
debido a la adopción de medidas antiterroristas.94 La creación de una entidad de ase-
soramiento como la Red de Expertos Independientes de la UE en materia de Derechos
Humanos está cubierta por la competencia auto-organizativa no escrita de todo órga-
no y, por tanto, también de la Comisión.95

90 SASSE (nota 32), p. 80


91 De ahí las correspondientes exigencias de la E.U. Network of Independent Experts on Fundamental Rights,
pp. 12 ss., 61 y ss.
92 Más en detalle, V. BOGDANDY/BAST, en: GRABITZ/HILF (EDS.), Das Recht der Europäischen Union,
Kommentar, Art. 5 TUE, marginal. 3, 7 y ss.
93 SCHORKOPF (nota 77), Art. 7 EUV, marginal. 13; de diferente opinión, A. F. HOFFMEISTER, Monitoring
Minority Rights in the Enlarged European Union, en: TOGGENBURG (ED.), Minority Protection and the
Enlarged EU: The Way Forward, 2004, pp. 87, 103. Para una interpretación del Art. 7 TUE desde la pers-
pectiva de una coacción estatal, S. MAGIAMELI, La clausola di omogeneità, en: IDEM. (ED.), L’ordinamento
europeo. I principi dell’Unione, 2006, p. 1, 33.
94 Decisión del Parlamento Europeo de 18.01.2006, por la que se constituye una comisión temporal sobre la
presunta utilización de países europeos por la CIA para el transporte y la detención ilegal de presos, B6-
0051/2006.
95 Bast (nota. 86), pp.362 y ss.; de modo crítico con el mandato de protección de las minorías de la red de
expertos B. DE WITTE, The Constitutional resources for an EU Minority Policy, en: TOGGENBURG (EDS.),
Minority Protection and the Enlarged European Union. The Way Forward, 2004, p. 109, 155 y ss.

242
La Política de Minorías de la Unión Europea: Una Contribución
a la Teoría Jurídica de la Gobernanza Supraestatal

En esta autorización para la vigilancia de los Estados miembros se hace efectiva


una decisión jurídico-constitucional fundamental del Tratado de Ámsterdam.
Mediante el estableciemiento de requisitos expresos de compatibilidad estructural en
el art. 6.1, el legislador del tratado formula estándares homogéneos de estatalidad jurí-
dica democrática para todas las instancias titulares de soberanía en el espacio consti-
tucional europeo y transmite a la Unión la tarea de ser un garante da la constitucio-
nalidad democrático-liberal. Ésta ha de garantizar la salvaguardia de las esencias nor-
mativas en el espacio constitucional europeo y, con ella, también el ordenamiento
jurídico de los Estados miembros: se convierte en la organización de un orden colec-
tivo.96 Este paso se dio, en buena medida, teniendo ante los ojos el ingreso de los
Estados en transformación.
La monitorización sólo es admisible si la protección y la promoción de la diver-
sidad cultural, en el sentido de los derechos de las minorías, forman parte de los prin-
cipios del Art 6. 1 TUE. El tenor literal del texto no contempla nada al respecto. Mas
la legitimidad y, quizá incluso, la legalidad de la gobernanza de la diversidad frente a
los Estados en transformación se basa en que el art. 6. 1 TUE exige la salvaguardia de
los derechos de las minorías. La mayoría de los comentaristas la consideran anclada
en el correspondiente concepto de democracia.97 Esta concepción de la democracia se
encuentra en una clara tensión con la de muchos de los antiguos Estados miembros,
que no confieren a la protección de las minorías un status adecuado, debido, y esto no
en último lugar, a las razones de la igualdad republicana.98 Los Estados europeos occi-
dentales han defendido frente a los Estados en transformación una concepción demo-
crática que ahora se les vuelve en contra. Existe la expectativa de que la monitoriza-
ción interna de la Unión modifique consecuentemente la concepción que los Estados
miembros tienen de la democracia y de sí mismos.

96 Con más detalle, A. V. BOGDANDY, Supranationaler Föderalismus als Wirklichkeit und Idee einer neuen
Herrschaftsform, 1999, pp. 14 y ss.
97 Así la concepción de la la Comisión en la nota al pie nº 3 del Commission’s Regular Report vom 09.10.2002.
Véase también la respuesta a la cuestión E-2583/01 (Vitorino) OJ C 147 E, 20.06.2002: 28. Igualmente con-
sultar P-0395/02 (Reding), OJ C 160, 04.07.2002: 214. También la jurisprudencia del Tribunal Europeo de
Derechos Humanos apunta a que los derechos de las minorías están comprendidos en el principio demo-
crático, TEDH, Sentencia de 17.02.2004, Gorzelik y otros/Polonia, Nr. 44158/98, número marginal. 57;
TEDH, Sentencia de 13.08.1981, Young, James y Webster/Reino Unido, Nr. 7601/76 y 7806/77, Número
máginal. 63; TEDH (Gran Sala), Sentencia de 29.04.1999, Chassagnou y otros/Francia, Nr. 25088/94,
28331/95 u. 28443/95, número marginal. 112.
98 Véase G. BIAGGINI, Grundlagen und Grundzüge staatlichen Verfassungsrechts: Schweiz, en: V.
BOGDANDY/CRUZ VILLALÓN/HUBER (nota 60), § 10 número marginal. 100; H. DREIER, Grundlagen und
Grundzüge staatlichen Verfassungsrechts: Deutschland, IBID., § 1 número marginal. 110; M. MEDINA
GUERRERO, Grundlagen und Grundzüge staatlichen Verfassungsrechts: Spanien, IBID., § 11 número margi-
nal. 77; TULEJA Grundlagen und Grundzüge staatlichen Verfassungsrechts: Polen, IBID., § 8 número margi-
nal. 62; también P. CRUZ VILLALÓN, Grundlagen und Grundzüge staatlichen Verfassungsrechts: Vergleich,
IBID., § 13 número marginal. 107; L. BESSELINK, Grundlagen und Grundzüge staatlichen Verfassungsrechts:
Niederlande, IBID., § 6 númeto marginal. 125; G. HALMAI, Grundlagen und Grundzüge staatlichen.

243
Armin von Bogdandy

Otro parámetro lo ofrece el principio de subsidiariedad, Art. 5, Apdo. 2 TCE,


Art. 2 última frase del TUE. Conforme a éste es necesario, en primer lugar, que un
objetivo no sea suficientemente satisfecho por los Estados miembros. El informe de la
Network of Independet Experts on Fundamental Rights en relación a la protección de
las minorías señala que la situación de las minorías y de los grupos de inmigrantes en
los Estados miembros de la Unión no siempre se adecúa a las estándares internaciona-
les, y que incluso el tratamiento de ciertos grupos, en especial los gitanos, en ocasio-
nes es tan crítico, que podría alcanzarse el umbral del Art. 7 apartado 1 TUE. Tampoco
es de esperar que otras instituciones supranacionales, ante todo el Tribunal Europeo
de Derechos Humanos, puedan por sí solas subsanar tales anomalías. En segundo
lugar, el principio de subsidiariedad exige que la Unión esté en disposición de realizar
el objetivo. En este sentido, existen demasiado pocos indicios para poder emitir un jui-
cio definitivo. La gobernanza de las minorías frente a los Estados en transformación y
el conocimiento que se tiene sobre el escaso éxito del método abierto de coordinación
hacen suscitar ciertas dudas.99 No obstante, me parece, en general, bien justificada la
vigilancia sistemática y pública de los Estados miembros por parte de la Unión, diri-
gida al cumplimiento del derecho internacional para la protección de la personas per-
tenecientes a las minorías, en tanto que deje adecuadamente a salvo la independencia
de los Estados miembros. Análogamente la Agencia para la Derechos Fundamentales
debe emplear los puntos de apoyo del Derecho comunitario, por ejemplo, la Directiva
contra la Discriminación 2000/43/CE para construir una base de información sólida
sobre la situación correspondiente en cada uno de los Estados miembros y para forta-
lecer e interconectar las autoridades nacionales. Ciertamente tal actividad requiere de
la base de un programa plurianual, aprobado por el Consejo (Art. 5 del Decreto
168/2007). Por esto son necesarios, conforme al Art. 205 pfo. 1 TCE, sólo 14 gobier-
nos sensatos, a diferencia del Art. 308 TCE.

99 Mas próximo al tema, K. HÖCHSTETTER Die offene Koordinierung in der EU, Bestandsaufnahme, Probleme
und Perspektiven, 2007, p. 231 ss.

244
La Protección de los Derechos Humanos
y la Prohibición de la Tortura en Europa y América:
Un Análisis Comparado
Carlos Fernández de Casadevante Romani1

Sumarioo: I. A Modo de Introducción: El Contexto Socio-Historico de las Normas como Modo para Conocerlas Mejor.
II. Examen Comparado del Convenio Europeo de Derechos Humanos (1950) y de la Convención Americana de
Derechos Humanos (1969): Caracteristicas Generales. III. La Lucha contra la Tortura en los Sistemas Regionales
Europeo y Americano: regímenes particulares. IV. Conclusión

I. A Modo de Introducción: El Contexto Socio-Histórico de las


Normas como Modo para Conocerlas Mejor

Las normas jurídicas –tanto de índole nacional como internacional- no son el


resultado de un mero procedimiento técnico de creación aparentemente inocuo y
carente de condicionamientos. Todas ellas son deudoras del contexto socio-histó-
rico en el que surgen. De ahí que para comprenderlas de un modo satisfactorio sea
necesario examinar el contexto socio-histórico en el que las normas nacen. En el
caso de las normas internacionales, este contexto viene determinado por una socie-
dad concreta en el momento histórico, también concreto, en el que la norma en
cuestión surge. 2 En la materia objeto del presente trabajo, la Sociedad
Internacional en la que tiene lugar la creación de las primeras normas internacio-
nales relativas a los derechos humanos no es otra que la que conoció y padeció la
Segunda Guerra Mundial. En efecto, es en el sufrimiento de aquella generación y
en el aprendizaje extraído de la barbarie que imperó en Europa y en otras partes
del planeta durante ese periodo de la Historia donde tiene su origen el Derecho
Internacional de los Derechos Humanos.
Es, pues, en ese contexto en el que nace el Convenio europeo de derechos huma-
nos, de 4 de noviembre de 1950, precedido por la Declaración Universal de Derechos
Humanos, de 10 de diciembre de 1948, y por la creación en Europa, el 5 de mayo de
1949, del Consejo de Europa: la primera Organización Internacional de cooperación
que ya desde su nacimiento se caracteriza por el compromiso en defensa de los dere-

1 Catedrático de Derecho Internacional Público y Relaciones Internacionales; Catedrático Jean Monnet en


Derecho de la Unión Europea, Universidad Rey Juan Carlos (Madrid, España)
2 Sobre la estructura socio-histórica y el Derecho Internacional vid. GONZALEZ CAMPOS, J.D., SÁNCHEZ
RODRÍGUEZ, L.I. Y ANDRÉS SAENZ DE SANTA MARIA, M.P., Curso de Derecho Internacional Público,
4ª ed., Thomson&Civitas, Cizur Menor, 2008, pp. 97-105.

245
Carlos Fernández de Casadevante Romani

chos humanos; derechos que habían sido violados gravemente en el suelo europeo por
el régimen nacionalsocialista de la Alemania hitleriana.3
El primer fruto de ese compromiso es precisamente el Convenio europeo de dere-
chos humanos, de 4 de noviembre de 1950,4 que será completado progresivamente por
distintos protocolos adicionales. Unos, modificativos del propio Convenio europeo. Otros,
añadiendo nuevos derechos y libertades al Convenio europeo. Es el caso del Protocolo adi-
cional, de 20 de marzo de 1952,5 del Protocolo nº 4, de 16 de septiembre de 1963,6 del
Protocolo nº 6 relativo a la abolición de la pena de muerte, de 28 de abril de 1983, del
Protocolo nº 7, de 22 de noviembre de 19847, el Protocolo nº 12, de 4 de noviembre de
2000, relativo a la prohibición general de discriminación, y el Protocolo nº 13, de 3 de
mayo de 2002, relativo a la abolición de la pena de muerte en toda circunstancia.8
La Convención americana de derechos humanos, por el contrario, data del 22 de
noviembre de 1969 y no entrará en vigor hasta el 18 de julio de 1978. Con anteriori-
dad, y en el ámbito general o universal de la ONU, habían nacido ya los dos primeros
grandes tratados en materia de derechos humanos: el Pacto Internacional de Derechos
Civiles y Políticos y el Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y
Culturales; ambos del XX de diciembre de 1966.
La Convención americana también alude, en su preámbulo, al contexto socio-
histórico. Aunque más joven que el Convenio europeo, la Convención americana
menciona en él tanto la Declaración Universal de Derechos Humanos, de 10 de
diciembre de 1948, como la Declaración americana de los Derechos y Deberes del
Hombre, de 1948. Ahora bien, a diferencia del Convenio europeo, la Convención

3 Este contexto socio-histórico aparece reflejado en el preámbulo del Estatuto del Consejo de Europa:
“Convencidos de que la consolidación de la paz, basada en la justicia y la cooperación internacional, es de
interés vital para la preservación de la sociedad humana y de la civilización; Reafirmando su adhesión a los
valores espirituales y morales que son patrimonio común de sus pueblos y la verdadera fuente de la liber-
tad individual, la libertad política y el imperio del Derecho, principios sobre los cuales se funda toda autén-
tica democracia;” (párrafos tercero y cuarto).
4 Del que son Partes los 47 Estados miembros del Consejo de Europa. Esto es, todos los miembros.
5 Que añade la protección de la propiedad y que protege a la persona de la privación de la propiedad salvo si
la privación se realiza por causa de utilidad pública, en las condiciones previstas por la ley nacional o, en
los caos en que afecte a extranjeros, según los principios generales del Derecho Internacional. En relación
con el Convenio europeo y con este Protocolo, desde la perspectiva de España vid. nuestros trabajos:
“Democracia y Derechos Humanos: una realidad amenazada”, en la obra colectiva, Libro Homenaje al Prof.
J.A. Pastor Ridruejo, Servicio de Publicaciones de la Facultad de Derecho de la Universidad Complutense
de Madrid, Madrid, 2005, pp. 85-100; “El derecho de la democracia a defenderse: la ilegalización de parti-
dos políticos”, en la obra colectiva Soberanía del Estado y Derecho Internacional. Homenaje al Profesor
Juan Antonio Carrillo Salcedo, Servicios de Publicaciones de las Universidades de Córdoba, Sevilla y
Málaga, Sevilla, 2005, Tomo I, pp. 551-567;”Derechos Humanos y orden interno: las consecuencias de la
asunción de obligaciones internacionales”, en la obra colectiva Pacis Artes. Obra Homenaje al Prof. J.D.
González Campos, Universidad Autónoma de Madrid y Eurolex, Madrid, 2005, tomo I, pp. 229-248.
6 Que incluye los siguientes derechos: la prohibición de prisión por deudas, la libertad de circulación, la pro-
hibición de la expulsión de nacionales y la prohibición de las expulsiones colectivas de extranjeros.
7 Que contempla garantías de procedimiento en caso de expulsión de extranjeros, el derecho a indemniza-
ción en caso de error judicial, el derecho a no ser juzgado o castigado dos veces y la igualdad entre esposos.
8 Vid. el texto del Convenio y de los distintos protocolos en www.coe.int.

246
La Protección de los Derechos Humanos y la Prohibición de la Tortura
en Europa y América: Un Análisis Comparado

americana sólo ha sido completada por el Protocolo adicional en materia de derechos


económicos, sociales y culturales, de 17 de noviembre de 1988, y por el Protocolo
relativo a la abolición de la pena de muerte, adoptado el 8 de junio de 1990, que, en
realidad, no la suprime pues la permite en tiempo de guerra.9
En cuanto a los tratados internacionales con el objetivo específico de la lucha con-
tra la tortura, su nacimiento no tendrá lugar hasta bastante más tarde. En concreto,
hasta mediados de la década de los años ochenta del siglo pasado. El camino previo a
tales tratados estará marcado por el trabajo de la Asamblea General de las Naciones
Unidas y, en concreto, por la Declaración sobre la protección de todas las personas con-
tra la tortura y otros tratos o penas crueles, inhumanos o degradantes, contenida en la
Resolución 3452 (XXX), de 19 de diciembre de 1975,10 cuyo art. 2 afirma:

“Todo acto de tortura u otro trato o pena cruel, inhumano o degradante cons-
tituye una ofensa a la dignidad humana y será condenado como violación de los pro-
pósitos de la Carta de las Naciones Unidas y de los derechos humanos y libertades
fundamentales proclamados en la Declaración Universal de Derechos Humanos”.

La culminación del proceso antes descrito se concretará en la elaboración del


primer tratado internacional que nace con el único objetivo de luchar contra la tor-
tura y otros tratos o penas crueles, inhumanos o degradantes: la Convención de las
Naciones Unidas contra la tortura y otros tratos o penas crueles, inhumanos o degra-
dantes, de 10 de diciembre de 1984; tratado de ámbito general o universal.
Poco tiempo después se despliegan iniciativas similares en los sistemas regionales
americano y europeo. En aquél, en 1985, ve la luz la Convención Interamericana para
la prevención y castigo de la tortura, de 9 de diciembre, y dos años después, en 1987,
el Consejo de Europa culmina otra de sus grandes obras en el campo del Derecho
Internacional de los Derechos Humanos: el Convenio europeo para la prevención de la
tortura y de las penas o tratos inhumanos o degradantes, de 26 de noviembre.
Como veremos después, a pesar de versar los tres tratados sobre la lucha contra
la tortura, todos ellos son distintos como consecuencia bien del objetivo perseguido
por el tratado bien del contexto socio-histórico en el que el tratado nace.
Así, la Convención de las Naciones Unidas contra la tortura y otros tratos o penas
crueles, inhumanos o degradantes, de 10 de diciembre de 1984, se sitúa en la línea de
los tratados internacionales clásicos en materia de derechos humanos: un catálogo de

9 En efecto, de acuerdo con el art. 2.1 de este Protocolo: “los Estados Partes en este instrumento podrán decla-
rar que se reservan el derecho de aplicar la pena de muerte en tiempo de guerra conforme al derecho inter-
nacional por delitos sumamente graves de carácter militar”.Vid. los textos íntegros en www.oas.org.
10 Esta resolución fue adoptada sin votación. Vid. el texto en HERVADA, J., y ZUMAQUERO, J.M., Textos
Internacionales de Derechos Humanos, Eunsa, Pamplona, 1978, pp. 660-663. Vid. también, COCCIA, M.,
“A controversial declaration on the Convention against Torture”, European Journal of International Law
(EJIL), vol. 1, nº !/2, 1990, pp. 314-335.

247
Carlos Fernández de Casadevante Romani

obligaciones, un órgano internacional de control y diferentes técnicas de control. La


Convención Interamericana para la prevención y castigo de la tortura, de 9 de diciem-
bre de 1985, tiene en común con la Convención de la ONU el contar con un catálogo
de obligaciones a cargo de los Estados Partes pero, tributaria de la posición de los dis-
tintos Estados del continente americano en relación con la aceptación de la jurisdic-
ción de la Corte Interamericana de Derechos Humanos (Corte IDH), y con el fin de
permitir que devengan Estados Partes el mayor número posible de aquellos, carece de
órgano internacional de control y, también, de técnicas de control limitándose a hacer
una remisión a aquellos foros internacionales que el Estado en cuestión hubiera acep-
tado. El Convenio europeo para la prevención de la tortura y de las penas o tratos inhu-
manos o degradantes, de 26 de noviembre de 1987, por su parte, difiere de los otros dos
por el objetivo que persigue –la prevención de la tortura y de las penas o tratos inhu-
manos o degradantes-; objetivo que se manifiesta en la única técnica de control que
contiene y que es novedosa en el Derecho Internacional de los Derechos Humanos: el
sistema de visitas periódicas a los lugares en los que haya personas privadas de libertad
por decisión de una autoridad pública. El éxito de esta técnica de control ha sido tal,
que ha sido incorporada al Protocolo Facultativo a la Convención de las Naciones
Unidas contra la tortura.11 Como afirma el art. 7 del Protocolo Facultativo, cada Estado
Parte se obliga a permitir las visitas “a cualquier lugar bajo su jurisdicción donde se
encuentren o pudieran encontrarse personas privadas de libertad bien por una autori-
dad pública o a instigación suya o con su consentimiento expreso o tácito”.

II. Examen Comparado del Convenio Europeo de Derechos


Humanos (1950)12 y de la Convención Americana de Derechos
Humanos (1969):13 Caracteristicas Generales
1. Los derechos protegidos
Como acabo de poner de manifiesto, existen grandes diferencias en cuanto al
número de los derechos y libertades protegidos en cada unos de estos sistemas regio-

11 Protocolo que entró en vigor el 22 de junio de 2006.


12 Sobre el Convenio europeo de derechos humanos, de 4 de noviembre de 1950, desde la perspectiva de España
vid.: FERNÁNDEZ DE CASADEVANTE ROMANI, C., El Convenio europeo de derechos humanos: deman-
das contra España (1979-1988), IVAP, Bilbao, 1988; RIPOL CARULLA, J., El sistema europeo de protección
de los derechos humanos y el Derecho español, Atelier, Barcelona 2007; . LIÑAN NOGUERAS, D.J., “Los efec-
tos de las sentencias del TEDH en Derecho Español”, REDI, 1985-2, pp. 355-376; CARRILLO SALCEDO, J.A.,
“España y la protección de los derechos humanos: el papel del Tribunal Europeo de Derechos Humanos y el
Tribunal Constitucional”, Archiv des Völkerrechts, 1994, pp. 187-201; id., “The European System of
Protection of Human Rights”, Alma Mater Studiorum, Bolonia, 1988, pp. 341 ss.; SÁNCHEZ RODRÍGUEZ,
L.I., “Los Sistemas de Protección Americano y Europeo de los Derechos Humanos: El problema de la ejecu-
ción interna de las sentencias de las respectivas Cortes de Justicia”, en la obra colectiva La Corte y el Sistema
Interamericanos de Derechos Humanos, Ed. Rafael Nieto Nava, San José, Costa Rica, 1994, pp. 500 ss.
13 Sobre la Convención Americana vid. COSGROVE, M.F., “Protecting the protectors: preventing the decli-
ne of the inter-american system for the protection of human rights”, Case Western Reserve Journal of

248
La Protección de los Derechos Humanos y la Prohibición de la Tortura
en Europa y América: Un Análisis Comparado

nales toda vez que el sistema europeo ha sido desarrollado por más protocolos que el
sistema americano. En todo caso, y en relación con esta cuestión, hay que tener en
cuenta que en ambos sistemas regionales los distintos Estados son libres de obligarse
o no por los protocolos (algunos, todos o ninguno) que desarrollan los convenios res-
pectivos. Sobre este particular, la casuística es variada dependiendo, en última instan-
cia, de la voluntad de cada Estado.

2. Los órganos de control

En su origen, el sistema americano se inspiró en el sistema europeo que, origina-


riamente, contaba con dos órganos de control: la Comisión Europea de Derechos
Humanos (CEDH) y el Tribunal Europeo de Derechos Humanos (TEDH), ambos con
competencia y jurisdicción facultativas, respectivamente. Como es sabido, el
Protocolo nº 11, de 11 de mayo de 1994, modificó el sistema imperante hasta ese
momento suprimiendo la CEDH y convirtiendo al TEDH en el único órgano de con-
trol del convenio dotándole, además, de jurisdicción obligatoria. En consecuencia,
todos los Estados Partes en el Convenio europeo están sometidos a la jurisdicción obli-
gatoria del TEDH.
La Convención americana, por el contrario, mantiene los dos órganos de control:
la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (CIDH) y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos (Corte IDH). Por lo que concierne a la Comisión, su competen-
cia es facultativa respecto de las denuncias interestatales y obligatoria respecto de las
denuncias individuales. En este último aspecto, por lo tanto, puede considerársele pio-
nera ya que la competencia de la antigua CEDH nunca fue obligatoria sino facultativa
tanto respecto de las denuncias interestatales como de las denuncias individuales.
En cuanto a la Corte IDH, su jurisdicción es facultativa tanto respecto de las
denuncias interestatales como de las denuncias individuales. Ahora bien, al igual
que sucedía con el Convenio europeo de derechos humanos, de 4 de noviembre
de 1950, antes de la reforma emprendida por el Protocolo nº 11, respecto del
TEDH, la Corte IDH no puede intervenir si previamente no lo ha hecho la CIDH.
En el sistema americano esta exigencia sólo tiene relevancia respecto de las
denuncias interestatales ya que respecto de las denuncias individuales, como he
señalado, la competencia de la CIDH es obligatoria. En consecuencia, cualquier
particular que se considere víctima de una violación por un Estado Parte en la
Convención americana puede, cumplidos ciertos requisito, presentar una deman-
da contra él ante la CIDH.

International Law, 2000, vol. 32, nº 1, pp. 39-77; TIGROUDJA, H., y PANOUSSIS, I.K., La Cour
Interaméricaine des droits de l’homme. Analyse de la jurisprudence consultative et contentieuse, Bruxelles,
Bruylant, 2003; BURGORGUE-LARSEN, L., Las decisiones básicas de la Corte Interamericana de Derechos
Humanos, Thomson&Civitas, Cizur Menor, 2009.

249
Carlos Fernández de Casadevante Romani

3. Las técnicas de control

Sobre este particular, la afinidad entre ambos sistemas regionales es total. Tanto
el Convenio europeo como la Convención americana contemplan las tres técnicas de
control clásicas en el Derecho Internacional de los Derechos Humanos:14 los infor-
mes,15 las denuncias interestatales16 y las denuncias individuales.17 La afinidad entre
ambos sistemas regionales es, además, completa ya que la misma también existe en el
modo en el que es concebida la técnica de los informes. En el Derecho Internacional
de los Derechos Humanos esta técnica de control viene impuesta por el propio trata-
do que impone al Estado la obligación de presentar periódicamente, al órgano inter-
nacional de control previsto por el propio tratado, un informe indicando las medidas
que ha adoptado para cumplir con las obligaciones que ha contraído al ratificar el tra-
tado en cuestión. En los sistemas regionales europeo y americano, sin embargo, la téc-
nica de control de los informes está concebida de otro modo: en ambos sistemas tales
informes sólo deben presentarse a petición del Secretario General del Consejo de
Europa (en el caso del Convenio europeo18) o a petición de la CIDH (en el caso del
sistema americano19).

4. La regla del agotamiento de los recursos internos

En cuanto a la regla del agotamiento de los recursos internos la traigo aquí a


colación sólo para destacar el modo generoso en el que es descrita por la Convención
americana de derechos humanos. En efecto, en lugar de limitarse a señalar su exigen-
cia y a diferencia del Convenio europeo de derechos humanos, la Convención ameri-
cana contiene otras indicaciones que precisan su contenido. Así, el art. 46.2 señala
expresamente que la citada regla del agotamiento de los recursos internos no se apli-
cará cuando concurran las circunstancias siguientes:

- que en la legislación interna del Estado en cuestión no exista el debido pro-


ceso legal para la protección del derecho o derechos que se alega han sido
violados;

14 Sobre este particular vid. C. Fernández de Casadevante Romani, Derecho Internacional de los Derechos
Humanos, obra colectiva coordinada, Ed. Dilex, 3ª ed., Madrid, 2007.
15 Cf., respectivamente, arts. 52 y 43.
16 Cf., respectivamente, arts. 34 y 45.
17 Cf., respectivamente, arts. 35 y 44.
18 Sobre este particular, el art. 52 dice: “A requerimiento del Secretario general del Consejo de Europa, toda
Alta Parte Contratante suministrará las explicaciones pertinentes sobre la manera en que su derecho inter-
no asegura la aplicación efectiva de cualesquiera disposiciones de este Convenio”.
19 Sobre este particular, el art. 43 dice: “Los Estados Partes se obligan a proporcionar a la Comisión las infor-
maciones que ésta les solicite sobre la manera en que su derecho interno asegura la aplicación efectiva de
cualesquiera disposiciones de esta Convención”.

250
La Protección de los Derechos Humanos y la Prohibición de la Tortura
en Europa y América: Un Análisis Comparado

- que no se haya permitido al presunto lesionado en sus derechos el acceso a


los recursos de la jurisdicción interna, o haya sido impedido de agotarlos, y
- que haya retardo injustificado en la decisión sobre los mencionados recursos.

Independientemente de que estas precisiones puedan ser invocadas como vigen-


tes desde el punto de vista del Derecho Internacional consuetudinario, lo que me inte-
resa destacar aquí es el hecho de que son recogidas convencionalmente por la
Convención americana. No así por el Convenio europeo.

5. Las sentencias del TEDH y de la Corte IDH

Sobre este particular, ambos sistemas regionales comparten los mismos rasgos: el
carácter obligatorio de las sentencias del TEDH y de la Corte IDH y el carácter defi-
nitivo de las mismas. Lo que me interesa destacar aquí es el modo en el que ambos tra-
tados conciben la ejecución de las sentencias de los respectivos tribunales. El
Convenio europeo de derechos humanos encomienda la tarea de la ejecución de las
sentencias a un órgano político: el Comité de Ministros del Consejo de Europa.20 La
Convención americana no atribuye la ejecución a ningún órgano en concreto, limi-
tándose a precisar que los Estados Partes se comprometen a cumplir la sentencia de la
Corte IDH en todo caso en que sean partes.21 Ahora bien, a diferencia del sistema
europeo, la Convención americana contiene una precisión de gran utilidad en orden
a dotar de eficacia a las sentencias de la Corte IDH en el orden interno de los Estados
Partes. En efecto, de conformidad con el art. 68.2 de la Convención americana:

“2. La parte del fallo que disponga indemnización compensatoria se podrá


ejecutar en el respectivo país por el procedimiento interno vigente para la ejecu-
ción de sentencias contra el Estado”.

En consecuencia, el procedimiento en orden a la ejecución de las sentencias de


la Corte IDH es el mismo que el vigente en el orden interno de los Estados Partes para
la ejecución de las sentencias contra el Estado.
Por último, y en relación con la jurisprudencia de ambos órganos judiciales
internacionales, quiero destacar el relevante papel de su jurisprudencia; una jurispru-
dencia que ha permitido desarrollar y actualizar los respectivos tratados para hacer
frente a situaciones inicialmente no previstas en ellos.

20 De conformidad con el art. 46, que dice: “1. Las Altas Partes Contratantes se comprometen a acatar las sen-
tencias definitivas del Tribunal en los litigios en que sean partes. 2. La sentencia definitiva del Tribunal será
transmitida al Comité de Ministros, que velará por su ejecución”.
21 De conformidad con el art. 68.1, que dice: “1. Los Estados Partes en la Convención se comprometen a cum-
plir la decisión de la Corte en todo caso en que sean partes”.

251
Carlos Fernández de Casadevante Romani

III. La Lucha Contra la Tortura en los Sistemas Regionales Europeo


y Americano: Regímenes Particulares

1. Breve referencia a prohibición de la tortura en Derecho Internacional


general o universal y regional

En el plano convencional, la prohibición de la tortura se encuentra recogida en


dos grandes grupos de tratados. De un lado, los tratados generales de derechos huma-
nos que contienen un catálogo de derechos y libertades de la persona. Entre ellos se
encuentra la prohibición de la tortura.22 De otro, los tratados específicos de lucha
contra la tortura. En este apartado existen tres tratados: uno, de ámbito general o uni-
versal (la Convención de Naciones Unidas contra la tortura y otros tratos o penas
crueles, inhumanos o degradantes, de 10 de diciembre de 1984) y dos de carácter
regional (la Convención Interamericana para la prevención y castigo de la tortura, de
9 de diciembre de 1985, y el Convenio europeo para la prevención de la tortura y de
las penas o tratos inhumanos o degradantes, de 26 de noviembre de 1987).23
Tanto los tratados generales de derechos humanos que contienen un catálogo de
derechos entre los cuales se encuentra la prohibición de la tortura como la
Convención de Naciones Unidas contra la tortura y otros tratos o penas crueles, inhu-
manos o degradantes, de 1984, siguen el esquema habitual en el Derecho
Internacional de los Derechos Humanos respecto de las técnicas de control. Ambos
tipos de tratados contienen las tres técnicas clásicas en este sector del ordenamiento
internacional: los informes, las denuncias interestatales y las denuncias individuales.
El esquema es lógico dado que lo que persiguen esas técnicas de control es la repre-
sión del hecho ilícito cometido. Sin embargo, la Convención de Naciones Unidas con-
tra la tortura y otros tratos o penas crueles, inhumanos o degradantes, de 10 de
diciembre de 1984, también incluye una técnica novedosa en el Derecho
Internacional de los Derechos Humanos como es la técnica de la investigación confi-
dencial, contemplada en el art. 20. De conformidad con el mismo:

“1. El Comité, si recibe información fiable que a su juicio parezca indicar


de forma fundamentada que se practica sistemáticamente la tortura en el terri-
torio de un Estado Parte, invitará a ese Estado Parte a cooperar en el examen
de la información y, a tal fin, presentar observaciones con respecto a la infor-
mación de que se trate”

22 Es el caso del Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos de 16 de diciembre de 1966 que contie-
ne la prohibición de la tortura en el art. 7.
23 Sobre la prohibición de la tortura en Derecho Internacional vid. in extenso mi trabajo “Régimen Jurídico
Internacional de la Lucha contra la Tortura”, en Derecho Internacional de los Derechos Humanos, op. cit.,
pp. 299-367.

252
La Protección de los Derechos Humanos y la Prohibición de la Tortura
en Europa y América: Un Análisis Comparado

2. Teniendo en cuenta todas las observaciones que haya presentado el


Estado Parte de que se trate, así como cualquier otra información pertinente de
que se disponga, el comité podrá, si decide que ello está justificado, designar a
uno o varios de sus miembros para que procedan a una investigación confiden-
cial e informen urgentemente al Comité”.24

Ahora bien, esta técnica de control que se impone a todo Estado que sea Parte en
la Convención puede ser objeto de reserva. En efecto, de conformidad con el art. 28:

“1. Todo Estado podrá declarar, en el momento de la firma o ratificación de


la presente Convención o de la adhesión a ella, que no reconoce la competencia
del Comité según se establece en el artículo 20.
2. Todo Estado Parte que haya formulado una reserva de conformidad con
el párrafo 1 del presente artículo podrá dejar sin efecto esta reserva en cualquier
momento mediante notificación al Secretario General de las Naciones Unidas”.25

Cabe señalar, por último, la incorporación de un nueva técnica de control copia-


da del Convenio europeo para la prevención de la tortura y de las penas o tratos inhu-
manos o degradantes, de 26 de noviembre de 1987, que examinaremos después: la téc-
nica de las visitas a los centros de detención. La incorporación de esta técnica al siste-
ma universal de la Convención de 1984 tiene lugar a través del Protocolo Facultativo
a la misma, de 18 de diciembre de 2002.26 La innovación que introduce este Protocolo
se sustenta en dos pilares: un nuevo órgano internacional (el Subcomité para la
Prevención de la Tortura) y la obligación para cada Estado Parte de establecer o desig-
nar de forma complementaria su propio Mecanismo Nacional de Prevención (MNP).

2. Los dos regímenes particulares existentes: el Convenio europeo para


la Prevención de la Tortura y de las Penas o Tratos Inhumanos o
Degradantes (1987) y la Convención americana para Prevenir
y Sancionar la Tortura (1985)

A) Dos regímenes diferentes: prevención versus prevención y sanción

A diferencia de los tratados generales de derechos humanos que contienen un


catálogo de derechos entre los cuales se encuentra la prohibición de la tortura y de la
propia Convención de Naciones Unidas contra la tortura y otros tratos o penas crue-

24 Los apartados 3, 4, y 5 del art. 20 desarrollan esta técnica de control.


25 A fecha de mayo de 2009 han formulado reserva al art. 20 los siguientes Estados: Afganistán, China, Guinea
Ecuatorial, Israel, Kuwait, Mauritania y Arabia Saudí.
26 En vigor desde el 22 de junio de 2006.

253
Carlos Fernández de Casadevante Romani

les, inhumanos o degradantes, de 10 de diciembre de 1984, cuya finalidad es funda-


mentalmente represiva (de ahí la presencia en ambos tratados de las técnicas clásicas
de control ya referidas), los dos tratados existentes en los sistemas regionales europeo
y americano se apartan de ese modelo, poseyendo características propias. En el caso
del Convenio europeo para la Prevención de la Tortura y de las Penas o Tratos
Inhumanos o Degradantes, de 26 de noviembre de 1987, estamos ante un tratado de
carácter eminentemente preventivo: su objetivo es la prevención de la tortura.27 De
ahí la introducción de esa técnica novedosa que ha sido recogida muy recientemente
por el Protocolo Facultativo a la Convención de Naciones Unidas contra la tortura y
otros tratos o penas crueles, inhumanos o degradantes, de 10 de diciembre de 1984,
de 18 de diciembre de 2002, a la que ya he aludido: la técnica de las visitas a los cen-
tros de detención.
La Convención Interamericana para la prevención y castigo de la tortura, de 9
de diciembre de 1985, sin embargo, no sigue ninguno de los dos modelos anteriores.
En efecto, se trata de un tratado peculiar en el Derecho Internacional de los Derechos
Humanos en la medida en que no contiene ni órgano internacional de control ni téc-
nicas de control limitándose a hacer una remisión a órganos internacionales de con-
trol de otros tratados internacionales cuya competencia hubiera podido ser aceptada
por el Estado al que se le atribuye el hecho ilícito. Como veremos después, esta opción
fue debida al hecho de que, en el momento de la elaboración de la Convención, exis-
tían algunos Estados miembros de la Organización de Estados Americanos que no
eran partes en la Convención Americana y no habían aceptado la competencia de la
Corte IDH; situación que creaba problemas y dificultaba el acceso a la Convención a
los Estados concernidos.

B) En consecuencia, obligaciones también distintas

La concepción de cada tratado determina, como es lógico, su contenido. Así,


mientras el Convenio europeo para la Prevención de la Tortura y de las Penas o Tratos
Inhumanos o Degradantes, de 26 de noviembre de 1987, se centra exclusivamente en
la prevención y en el sistema de visitas instaurado a tal efecto, la Convención
Interamericana para la prevención y castigo de la tortura, de 9 de diciembre de 1985,
se sitúa más en la línea de la Convención de Naciones Unidas contra la tortura y otros
tratos o penas crueles, inhumanos o degradantes, de 10 de diciembre de 1984, estable-
ciendo una definición de tortura y un conjunto de obligaciones convencionales a
cargo de los Estados Partes.

27 Sobre este convenio, en la doctrina iusinternacionalista española, vid. RUILOBA ALVARIÑO, J., El
Convenio europeo para la Prevención de la Tortura y de las Penas o Tratos Inhumanos o Degradantes, de
26 de noviembre de 1987. Su aplicación en España, Dykinson, Madrid, 2005.

254
La Protección de los Derechos Humanos y la Prohibición de la Tortura
en Europa y América: Un Análisis Comparado

Del Convenio europeo para la Prevención de la Tortura y de las Penas o Tratos


Inhumanos o Degradantes cabe destacar dos grandes bloques de obligaciones a cargo
de los Estados Partes. La primera, como consecuencia de devenir Estado Parte en el
Convenio, la autorización que ese Estado hace al órgano internacional de control pre-
visto por el propio Convenio -el Comité europeo para la prevención de la tortura
(CPT)- en orden a la visita “de todo lugar dependiente de su jurisdicción donde se
encuentren personas privadas de libertad por una autoridad pública”.28 En conse-
cuencia, el Estado Parte asume la obligación de permitir la visita. Se trata de una obli-
gación absoluta, de la que el Estado no puede disponer, que incluye la facultad que
tiene el CPT de entrevistarse con las personas detenidas que estime oportuno.29 Al
final de la visita, el CPT elabora un informe (son los “Informes Generales”) en los que
examina como cuestiones “de fondo” los aspectos más preocupantes que hayan llama-
do su atención en el transcurso de la visita. Al abordar tales cuestiones, el CPT expo-
ne su punto de vista con el fin de elaborar un conjunto de normas relativas al trato
que se ha de dar a las personas privadas de libertad. Tales apreciaciones constituyen
la interpretación que del Convenio hace el CPT convirtiéndose, de este modo, en los
criterios que guían al Comité en la realización de las futuras visitas.
Si el Estado Parte visitado no coopera o rechaza mejorar la situación a la vista de
las recomendaciones del Comité formuladas en sus informes, éste puede decidir, por
mayoría de dos tercios de sus miembros y después de dar al Estado concernido la posi-
bilidad de explicarse, el hacer una Declaración Pública sobre este motivo”.30 Esta
“Declaración Pública” es la máxima “sanción” a la que puede recurrir el CPT ante la
negativa a cooperar del Estado Parte concernido.
Me interesa destacar aquí la amplitud del contenido que a esta expresión (“de
todo lugar dependiente de su jurisdicción donde se encuentren personas privadas de
libertad por una autoridad pública”) ha atribuido el CPT en de su interpretación del
Convenio. Así, de conformidad con esa interpretación, por tales centros se entienden
todo tipo de prisiones (civiles y militares), calabozos (de todo tipo de Policía civil y
militar), establecimientos psiquiátricos (civiles y militares), centros de internamiento
de inmigrantes y salas de retención de extranjeros en los aeropuertos. Asimismo, es el

28 Art. 2. Las visitas que pueden ser de dos tipos: periódicas y ad hoc (puntuales, para una situación concreta).
La procedencia de estas últimas la determina el propio CPT. Sobre el CPT vid. KELLY, M., “Perspectives
from the European Committee for the Prevention of Torture and Inhuman or Degrading Treatment or
Punishment” (CPT), HRLJ, vol. 21, nº 8, November 2000, pp. 301-306.
29 El art. 9 contempla la posibilidad de que en circunstancias excepcionales el Estado Parte pueda formular al
CPT objeciones a la visita en el momento determinado por el Comité o al lugar determinado que éste tiene
la intención de visitar. Tales objeciones sólo pueden hacerse por motivos de defensa nacional o de seguri-
dad pública o a causa de disturbios graves en los lugares donde se encuentren las personas privadas de liber-
tad, del estado de salud de una persona o de un interrogatorio urgente en una investigación en curso, en
relación con una infracción penal grave. Sin embargo, el Estado está obligado a tomar las medidas necesa-
rias para permitir la visita. Por ejemplo, trasladando a la persona que el CPT desea visitar a otro lugar en el
que la entrevista sea posible.
30 Art. 10, párrafos 1 y 2.

255
Carlos Fernández de Casadevante Romani

propio CPT el que determina si las condiciones de la detención en cuestión son con-
formes o no con las obligaciones derivadas del propio Convenio.
El segundo bloque de obligaciones tiene por objeto la cooperación con el CPT,
con el fin de aplicar el Convenio.
Como ya he señalado, la Convención Interamericana para la prevención y casti-
go de la tortura, de 9 de diciembre de 1985, se sitúa más en la línea de la Convención
de las Naciones Unidas contra la tortura y otros tratos o penas crueles, inhumanos o
degradantes, de 10 de diciembre de 1984, estableciendo una definición de tortura y
un conjunto de obligaciones convencionales a cargo de los Estados Partes aunque, a
diferencia de esta, carece de órgano internacional de control y de técnicas de control.
Respecto a las obligaciones que contiene, el art. 1 impone la obligación de preve-
nir y castigar la tortura con arreglo a los términos de la propia Convención. A diferen-
cia de la Convención de las Naciones Unidas, la Convención Interamericana desglosa
la definición de tortura en dos artículos: en el art. 2, párrafo primero, define el concep-
to de “tortura”. En el art. 3 precisa que ese comportamiento tiene que haber sido come-
tido por funcionario público o a instigación suya.31 Como aquella, la Convención
Interamericana tampoco admite causas de justificación del crimen de tortura.32
Aunque la Convención Interamericana no contenga órgano internacional de con-
trol ni técnicas de control, no por ello carece de relevancia pues los Estados Partes asu-
men un catálogo de obligaciones concretas. Es el caso de las recogidas en los arts. 6 a
17. Entre ellas, la obligación de adoptar medidas efectivas para prevenir y castigar la
tortura dentro de la jurisdicción del Estado. Esta obligación implica tanto tipificar el
delito de tortura y la tentativa con penas severas como adoptar medidas efectivas para
prevenir y castigar otros tratos o penas crueles, inhumanos o degradantes dentro de la
jurisdicción del Estado Parte.33 Asimismo, la obligación de adoptar medidas para que
en la formación de los oficiales de policía y otros oficiales públicos responsables de la
custodia de personas temporal o definitivamente privadas de su libertad, se haga espe-
cial énfasis en la prohibición del uso de la tortura en interrogatorios, detenciones o
arrestos e, igualmente, para prevenir otros tratos o penas crueles, inhumanos o degra-
dantes.34 Igualmente, la obligación de garantizar el derecho a un examen imparcial del
caso de cualquier persona que realice una acusación de haber sido sometido a tortura
dentro de su jurisdicción y que las autoridades respectivas procedan de oficio inmedia-
tamente a investigar el asunto iniciando, en su caso, el proceso penal correspondien-
te;35 la obligación de incorporar al ordenamiento nacional normativa que garantice la
compensación adecuada a las víctima de tortura, sin que esto afecte al derecho de la

31 Concepción que también recoge la definición contenida en el art. 1 de la Convención de las Naciones
Unidas contra la tortura.
32 Cf. los arts. 4 y 5.
33 Cf. el art. 6.
34 Cf. el art. 7.
35 Cf. el art. 8.

256
La Protección de los Derechos Humanos y la Prohibición de la Tortura
en Europa y América: Un Análisis Comparado

víctima o de otras personas a recibir compensación en virtud de la legislación nacional


existente;36 la obligación de no admitir en los procedimientos legales ninguna prueba
obtenida bajo tortura, salvo como prueba de acto de tortura con ocasión de acciones
legales contra quienes la obtuvieron de ese modo;37 o la obligación de jugar o de extra-
ditar a cualquier persona acusada de haber cometido el crimen de tortura o que ha sido
sentenciada por ello, de conformidad con la legislación nacional respectiva en materia
de extradición y las obligaciones internacionales en la materia.38
Por último, y a diferencia del Convenio europeo para la Prevención de la
Tortura y de las Penas o Tratos Inhumanos o Degradantes, que no admite reservas,39
la Convención Interamericana sí las permite “siempre que no sean incompatibles con
el objeto y propósito de la Convención y versen sobre una o más disposiciones espe-
cíficas”.40

C) Técnicas de control: el sistema europeo de visitas y la remisión del art. 8 de la


Convención americana para Prevenir y Sancionar la Tortura

Como ya he puesto manifiesto a lo largo del presente trabajo, el Derecho


Internacional de los Derechos Humanos se articula a través de tratados que o bien
contienen un catálogo de derechos y libertades o bien tienen por objeto la lucha con-
tra una determinada conducta que es considerada inadmisible por la Comunidad
Internacional (la tortura, la discriminación racial) o bien persiguen la protección de
un colectivo concreto (el niño, la mujer contra la discriminación, los discapacitados).
Esos tratados suelen estar acompañados de un órgano internacional de control y
de técnicas de control destinadas a hacer posible el control, por aquel órgano, del
cumplimiento, por los Estados Partes, de las obligaciones que han contraído al deve-
nir Partes en el tratado en cuestión. Estas técnicas (las tres clásicas: informes, deman-
das interestatales y demandas individuales) tienen por objeto garantizar el disfrute
efectivo de los derechos en cuestión.
Pues bien, tanto el Convenio europeo para la Prevención de la Tortura y de las
Penas o Tratos Inhumanos o Degradantes, de 26 de noviembre de 1987, como la
Convención Interamericana para la prevención y castigo de la tortura, de 9 de diciem-
bre de 1985, se apartan en cierto modo de este esquema. El Convenio europeo porque,
en coherencia con el objetivo que persigue -la prevención de la tortura-, no contiene
ninguna de esas tres técnicas de control clásicas sino que crea una técnica nueva: la de
las visitas a los centros de detención que realiza el Comité para la Prevención de la
Tortura (CPT), que es el órgano internacional de control establecido a tal efecto. La

36 Cf. el art. 9.
37 Cf. el art. 10.
38 Sobre este particular cf. los arts. 11 a 14 de la presente Convención.
39 Cf. el art. 21.
40 Art. 21.

257
Carlos Fernández de Casadevante Romani

Convención Interamericana, porque no contiene ninguna técnica de control limitán-


dose a remitir a aquellas técnicas de control contenidas en otros tratados internacio-
nales de derechos humanos que hubiera aceptado el Estado concernido.
Por lo que al sistema de visitas previsto en el Convenio europeo se refiere, el
sometimiento de los Estados Parte a esta técnica de control es la consecuencia inme-
diata de devenir Parte en este tratado. Así lo dispone el art. 2 cuando afirma que “cada
Parte autoriza la visita conforme al presente Convenio, a todo lugar bajo su jurisdic-
ción donde haya personas privadas de la libertad por una autoridad pública”. Se trata
de una obligación a cargo del Estado de la que éste no puede disponer. En otros tér-
minos, el Estado Parte está obligado a permitir la visita del Comité y no puede opo-
nerse a la misma.
En cuanto al procedimiento, el CPT debe notificar al Gobierno del Estado Parte
afectado su intención de efectuar una visita, aunque sin especificar el lugar. Una vez
realizada la notificación, el Comité puede visitar los lugares dependientes de la juris-
dicción del Estado en cuestión donde se encuentren personas privadas de libertad por
decisión de una autoridad pública.41 La visita la puede realizar en cualquier momen-
to, cuando el CPT lo decida y, para garantizar su imparcialidad, de la delegación del
Comité que efectúa la visita no formará parte el miembro de la nacionalidad del
Estado visitado.
Otra consecuencia lógica del hecho de devenir Estado Parte en el Convenio
europeo es la obligación que tiene ese Estado de cooperar con el CPT. Con este fin, el
Estado Parte está obligado a facilitar el acceso a su territorio y a garantizar a los miem-
bros del Comité su derecho a trasladarse por el territorio del Estado sin ninguna res-
tricción. Esta libertad de movimientos incluye tanto el traslado a todo lugar donde se
encuentren personas privadas de libertad por decisión de una autoridad pública como
en el interior de esos lugares para poder moverse sin trabas y entrevistarse con la per-
sona en cuestión.
La entrevista personal está contemplada en el art. 8, de conformidad con el cual
el CPT puede entablar conversación sin testigo con las personas privadas de libertad
y entrar libremente en contacto con toda persona de la cual se piensa poder recibir
informaciones útiles.
Después de cada visita el Comité elabora un informe sobre los hechos constata-
dos durante la misma, tomando en cuenta todas las informaciones eventualmente pre-
sentadas por el Estado Parte visitado. Este informe contiene las recomendaciones que
el CPT considere necesarias y es transmitido al Estado visitado. Además, el CPT puede
entablar consultas con el Estado visitado con el fin de sugerir, si procede, mejoras en
la protección de las personas privadas de libertad.

41 De conformidad con el art. 17.3, se excluyen de la visita por el CPT los lugares que los representantes o
delegados de potencias protectoras o del Comité Internacional de la Cruz Roja visiten efectiva y regular-
mente en virtud de los Convenios de Ginebra de 12 de agosto de 1949 y de sus Protocolos Adicionales de 8
de junio de 1977.

258
La Protección de los Derechos Humanos y la Prohibición de la Tortura
en Europa y América: Un Análisis Comparado

Si el Estado Parte visitado no coopera o rechaza mejorar la situación a la vista de las


recomendaciones que le hace el Comité, éste puede decidir el hacer una “Declaración
Pública” sobre la actitud del Estado en cuestión. Esta decisión se adopta por mayoría de
dos tercios de los miembros del Comité y después de haber dado al Estado concernido la
posibilidad de explicarse. La emisión de una Declaración Pública es, por tanto, una medi-
da excepcional que responde a la negativa del Estado visitado a cooperar.
Cuando la cooperación se da, y aunque el informe del CPT y las consultas de este
con el Estado visitado sean confidenciales, lo cierto es que el informe es publicado. La
publicación contiene todo comentario del Estado visitado que éste desee que conste y
siempre que éste lo solicite. Ahora bien, de conformidad con el art. 11 del Convenio,
no puede ser hecho público ningún dato de carácter personal sin el consentimiento
explícito de la persona afectada.
Como acabo de recordar, a diferencia del Convenio europeo para la Prevención
de la Tortura y de las Penas o Tratos Inhumanos o Degradantes, la Convención
Interamericana para la prevención y castigo de la tortura, de 9 de diciembre de 1985,
no contempla ninguna técnica de control sino que remite a técnicas de control con-
tenidas en otros tratados internacionales de derechos humanos que hubiera aceptado
el Estado concernido. Tal remisión la realiza el art. 8.3 de la citada Convención. De
conformidad con el mismo:

“3. Después de haber agotado todos los procedimientos legales y las corres-
pondientes apelaciones del Estado en cuestión, el asunto puede ser sometido al
foro internacional cuya competencia ha sido reconocida por ese Estado”.

A primera vista, la remisión que realiza el art. 8.3 resulta llamativa. Sin embargo,
todo tiene su explicación. En efecto, como recuerda la propia Corte IDH, el origen de
este art. 8.3 reside en el hecho de que “como todavía existían algunos países miembros
de la Organización de los Estados Americanos que no eran Partes en la Convención
americana y no habían aceptado la competencia de la Corte, los redactores de la
Convención contra la Tortura decidieron no incluir en ésta un artículo que hiciera
referencia expresa y exclusiva a la Corte Interamericana para no vincularlos indirecta-
mente a la primera de dichas Convenciones y al órgano jurisdiccional mencionado”.42
En consecuencia, la Convención Interamericana para la prevención y castigo de
la tortura, de 9 de diciembre de 1985, carece de técnicas propias de control limitán-
dose a hacer una remisión a aquellas que hubiera podido aceptar el Estado en cuestión
en el marco de otros tratados internacionales de derechos humanos.

42 Organization of American States, Permanent Council, Report of the Committee on juridical and Political
Affairs on the Draft Convention Defining Torture as an International Crime, OEA/Ser. G cp/doc. 1524/84,
18 October 1984, Original: Spanish, Appendix VIII, p. 61 y Appendix IX, p. 71. Citado por la Corte IDH en
su Sentencia de 19 de noviembre de 1999 (Fondo), Caso de los “Niños de la Calle” (Villarán Morales y otros)
Vs. Guatemala, parágrafo 247.

259
Carlos Fernández de Casadevante Romani

D) Órganos de control: el Comité Europeo para la Prevención de la Tortura y la


remisión del art. 8 de la Convención americana para Prevenir y Sancionar la
Tortura

El Convenio europeo para la Prevención de la Tortura y de las Penas o Tratos


Inhumanos o Degradantes, de 26 de noviembre de 1987, como ya hemos visto, sí tiene
órgano internacional de control. Se trata del Comité europeo para la prevención de la
tortura (CPT),43 integrado por personas independientes y encargado de articular las
visitas a los centros de detención en los que haya personas privadas de libertad por
decisión de un autoridad pública.
Por el mero hecho de devenir Estados Partes en este Convenio, tales Estados
autorizan automática y obligatoriamente al CPT a realizar visitas a sus respectivos ter-
ritorios y este Comité, por medio de las visitas, “examina el trato de las personas pri-
vadas de libertad con el fin de reforzar, en caso necesario, su protección contra la tor-
tura y las penas o tratos inhumanos o degradantes”.44
Como señala el propio CPT, su tarea “no es criticar públicamente a los Estados
sino más bien asistirles en la búsqueda de vías y medios para reforzar el cordón sani-
tario que separa un trato o comportamiento aceptable de un trato o comportamiento
inaceptable”.45
Por su parte, la Convención Interamericana para la prevención y castigo de la
tortura, de 9 de diciembre de 1985, carece de órgano internacional de control limi-
tándose a la remisión a otros foros internacionales que hace el art. 8.3, examinado
anteriormente.

E) Las consecuencias que se derivan del art. 8 de la Convención americana para


Prevenir y Sancionar la Tortura

Como hemos visto, la Convención Interamericana para la prevención y castigo


de la tortura, de 9 de diciembre de 1985, carece de órgano internacional de control y

43 Compuesto por un número de miembros igual al de los Estados Partes en el Convenio (cf. a este respecto el
art. 4). Los miembros del CPT son elegidos por el Comité de Ministros del Consejo de Europa por mayoría
absoluta de votos, sobre una lista de nombres establecida por la mesa de la Asamblea Consultiva del Consejo
de Europa; la delegación nacional de cada Parte en la Asamblea Consultiva presenta tres candidatos de los
cuales al menos dos son de su nacionalidad (cf. el art. 5).
44 Art. 7.1.
45 En el cumplimiento de su tarea el CPT está guiado por los tres principios siguientes: 1. la prohibición de
malos tratos a personas privadas de libertad reviste un carácter absoluto; 2. los fundamentos sobre los cua-
les reposa todo comportamiento civilizado hacen repugnar los malos tratos, incluso los que revisten las for-
mas más moderadas; 3. los malos tratos no perjudican sólo a la víctima sino que también son degradantes
para todo responsable que los inflige o autoriza (cf. a sobre este particular CPT/Inf (1991), p. 3. También
nuestro trabajo Derecho Internacional de los Derechos Humanos, op. cit., pp. 334-339. En esta misma obra,
la situación de España en relación con este Convenio en pp. 339-350).

260
La Protección de los Derechos Humanos y la Prohibición de la Tortura
en Europa y América: Un Análisis Comparado

de técnicas propias de control limitándose su art. 8.3 a remitir “al foro internacional
cuya competencia ha sido reconocida por ese Estado”.46
El resultado de esta construcción contenida en el art. 8.3 de la Convención
Interamericana para Prevenir y Sancionar la Tortura es que la misma es irrelevante
para todos aquellos Estados que ya son Partes en la Convención Americana (que tam-
bién prohíbe la tortura) pues, aunque aquellos no hubieran aceptado la jurisdicción
facultativa de la Corte IDH, por el mero hecho de ser Estados Partes en la Convención
Americana, están ya sometidos a la competencia de la Comisión IDH respecto de las
demandas individuales, por lo que el recurso a estas es posible.
Del mismo modo, como es lógico, también es irrelevante para aquellos Estados
que ni son Partes en la Convención Americana ni lo son en la Convención
Interamericana para la prevención y castigo de la tortura ni han aceptado la compe-
tencia de ningún órgano internacional de control previsto en otros tratados interna-
cionales de derechos humanos que contienen la prohibición de la tortura. Su situación
a este respecto nada cambia.47
Para quienes sí tendría consecuencias la ratificación de la citada Convención
Interamericana para la prevención y castigo de la tortura es para aquellos Estados que
no son Parte de la Convención Americana. En este supuesto, tales Estados estarían
vinculados por las obligaciones internacionales que les impone la Convención
Interamericana para la prevención y castigo de la tortura aunque, eso sí, no podrían
ser objeto de ninguna técnica de control prevista por la Convención Americana que-
dando únicamente la hipótesis de que esos Estados hubieran aceptado la competencia
de órganos internacionales de control previstos bien por la Convención de la ONU, de
1984, contra la tortura, bien por el Protocolo Facultativo al Pacto Internacional de
Derechos Civiles y Políticos, de 16 de diciembre de 1966. Si no hubieran aceptado
ninguno de ellos, el control internacional no sería posible aunque el Estado en cues-
tión sí estaría vinculado por las obligaciones internacionales que les impone la
Convención Interamericana para la prevención y castigo de la tortura. Menos es nada.

3. Conclusión: mejor un acuerdo de mínimos que nada

Una primera lectura apresurada de la Convención Interamericana para la pre-


vención y castigo de la tortura podría inducir al lector a concluir la escasa operativi-
dad de la misma. Se trataría, sin embargo, de eso, de una conclusión apresurada ya que
la Convención Interamericana –aún sin órgano internacional de control y sin técni-
cas de control- posee más ventajas que las desventajas que se derivarían de su inexis-

46 Vid. pp. del presente trabajo.


47 A día de hoy, los Estados siguientes: Antigua y Barbuda, Bahamas, Belice, Estados Unidos de América, Guyana,
San Kitts y Newis, Santa Lucía, y Trinidad y Tobago. Canadá y San Vicente y Granadinas no son Parte en la
Convención Americana pero sí en el Protocolo Facultativo al Pacto. Ninguno de estos 10 Estados es Parte en
la Convención Interamericana para la prevención y castigo de la tortura, de 9 de diciembre de 1985.

261
Carlos Fernández de Casadevante Romani

tencia o de su frustración si la inclusión de un órgano y de una técnicas de control


hubieran constituido condiciones sine qua non para la existencia de la citada
Convención.
En mi opinión, la existencia de este tratado en el sistema regional americano es
positiva a pesar de las carencias anteriormente reiteradas. Los Estados del sistema
americano más comprometidos con los derechos humanos poseían ya obligaciones
estrictas en torno a la prohibición de la tortura como son las derivadas del Protocolo
Facultativo, y de su Protocolo Facultativo, de la misma fecha, que contempla la téc-
nica de las demandas individuales. Para estos Estados, la ratificación de la Convención
Interamericana para la prevención y castigo de la tortura tiene como valor añadido la
asunción de las obligaciones adicionales contraídas en el marco de esta Convención
más y la posibilidad de que su incumplimiento pueda ser sometido a la competencia
del Comité de Derechos Humanos establecido por el Protocolo Facultativo al Pacto
Internacional de Derechos Civiles y Políticos, de 16 de diciembre de 1966.
Para los Estados menos comprometidos, y aunque hasta la fecha no hayan reali-
zado ningún acto en este sentido, la existencia de la Convención Interamericana para
la prevención y castigo de la tortura continúa siendo una puerta abierta a la asunción
de obligaciones mínimas en el ámbito de la lucha contra la tortura, con la certeza adi-
cional de que este tímido paso no va a ser objeto de control por ningún órgano inter-
nacional de control.48

IV. Conclusión

Del examen realizado se desprende la existencia de similitudes y de inquietudes


comunes en los sistemas regionales europeo y americano de Derecho Internacional
tanto en orden a la protección de los derechos humanos como en torno a la lucha con-
tra la tortura, los dos bloques de cuestiones que he escogido para realizar el presente
trabajo.
La Convención Americana de derechos humanos, de 22 de noviembre de 1969,
se inspira en el modelo inicial del Convenio europeo de derechos humanos, de 4 de
noviembre de 1950: dos órganos (Comisión y tribunal internacional) y las tres técni-
cas de control (todas ellas con idéntico contenido). Sin embargo, la Convención
Americana poseía ya en origen un rasgo distintivo respecto del Convenio europeo en
lo relativo a la técnica de control de las denuncias individuales. En efecto, a diferen-

48 Ya que estos Estados tampoco son Partes ni en el Protocolo Facultativo al Pacto Internacional de Derechos
Civiles y Políticos de 1966 ni en la Convención de la ONU, de 1984, contra la Tortura. En consecuencia no
están sometidos a la competencia de los órganos de control previstos en ambos tratados. Como ya he señala-
do, se trata de los Estados siguientes: Antigua y Barbuda, Bahamas, Belice, Estados Unidos de América,
Guyana, San Kitts y Newis, Santa Lucía, y Trinidad y Tobago. Canadá y San Vicente y Granadinas no son Parte
en la Convención Americana pero sí en el Protocolo Facultativo al Pacto. Ninguno de estos 10 Estados es Parte
en la Convención Interamericana para la prevención y castigo de la tortura, de 9 de diciembre de 1985.

262
La Protección de los Derechos Humanos y la Prohibición de la Tortura
en Europa y América: Un Análisis Comparado

cia del Convenio europeo de derechos humanos (que concebía a la Comisión Europea
de Derechos Humanos con competencia facultativa tanto respecto de las denuncias
interestatales como de las denuncias individuales), en la Convención Americana de
derechos humanos la competencia de la Comisión IDH es obligatoria para todos los
Estados Partes en relación con las denuncias individuales. Como es sabido, el
Protocolo nº 11 al Convenio europeo de derechos humanos modificó el sistema euro-
peo suprimiendo la Comisión Europea de Derechos Humanos y configurando al
TEDH con jurisdicción obligatoria. La Convención Americana no ha sido modificada.
Únicamente ha sido completada por otros dos tratados: el Protocolo adicional en
materia de derechos económicos, sociales y culturales, de 17 de noviembre de 1988, y
el Protocolo relativo a la abolición de la pena de muerte, adoptado el 8 de junio de
1990, que, en realidad, no la suprime pues, la permite en tiempo de guerra
En lo demás, ambos tratados internacionales son muy semejantes si bien desta-
caría como aspectos positivos de la Convención Americana (frente al Convenio euro-
peo) las precisiones y matices que contiene en relación con la regla del agotamiento
previo de los recursos internos, así como lo dispuesto en el art. 68.2 en el sentido de
que la parte del fallo que disponga indemnización compensatoria se podrá ejecutar en
el respectivo país por el procedimiento interno vigente para la ejecución de senten-
cias contra el Estado. Estimo que esta disposición es muy útil y facilita la ejecución de
la sentencia de la Corte IDH a los efectos de la indemnización compensatoria que la
misma contenga.
El Convenio europeo de derechos humanos carece de una disposición de ese
tipo, lo que plantea problemas a la hora de la ejecución de las sentencias del TEDH en
los ordenamientos internos de los Estados Partes.
En lo que a la lucha contra la tortura se refiere, las similitudes entre ambos sis-
temas regionales desaparecen. De un lado, en cuanto al objetivo que persigue cada
uno de los tratados. De otro, en cuanto al modo en que se proponen combatirlo. Así,
respecto del objetivo, mientras que el Convenio europeo para la prevención de la tor-
tura y de las penas o tratos inhumanos o degradantes, se centra en la prevención (tra-
tando de evitar la tortura y las penas o tratos inhumanos o degradantes), la
Convención Interamericana para la prevención y castigo de la tortura, de 9 de diciem-
bre de 1985, se sitúa –a pesar de su título- más en la línea de la represión si bien los
mecanismos represores apenas existen, pues no existen ni órgano internacional de
control ni técnicas de control.
Respecto del modo en el que ambos tratados se proponen combatir la tortura y
las penas o tratos inhumanos o degradantes, mientras que el Convenio europeo crea
un órgano internacional de control (el CPT) y cuenta con una técnica de control (el
sistema de visitas a los centros de detención), la Convención Interamericana –deudo-
ra de las reticencias de los Estados Americanos respecto de la jurisdicción de la Corte
IDH- carece de órgano internacional de control y técnicas de control. No los tiene
porque de lo contrario la Convención no hubiera nacido. De ahí que la remisión que

263
Carlos Fernández de Casadevante Romani

efectúa el art. 8.3 de la Convención Interamericana para la prevención y castigo de la


tortura a otros foros internacionales cuya competencia hubiera sido reconocida por el
Estado en cuestión, no sea otra cosa que una fórmula de compromiso que permite a
todos los Estados salvar su posición particular respecto de la jurisdicción de la Corte
IDH y, si así lo desea, devenir parte en la Convención Interamericana para la preven-
ción y castigo de la tortura. Sin embargo, no ha sido así ya que los Estados que toda-
vía no han ratificado la Convención Americana tampoco han ratificado la
Convención Interamericana para la prevención y castigo de la tortura. Así que, desde
esta perspectiva, no se ha avanzado nada.

264
La Drittwirkung de los Derechos
Fundamentales de la Unión Europea
Juan Ignacio Ugartemendia Eceizabarrena1

Sumarioo: I. Introducción II. La expresión “Derechos Fundamentales de la Unión Europea” III. La eficacia horizontal
de los DFUE

I. Introducción

Estas páginas que ahora se presentan tienen como finalidad reflexionar sobre la
posible influencia o eficacia horizontal que despliegan los Derechos Fundamentales
de la Unión Europea (DFUE).
El punto de partida de este análisis reside en la idea de que los DFUE, al igual
que los reconocidos por otros sistemas iusfundamentales, son susceptibles de generar
tanto una eficacia vertical como otra de carácter horizontal. Si aquella, la vertical, es
la eficacia que suelen esgrimir o blandir frente al poder público, funcionando como
límites de la actuación de ese poder, ésta, la eficacia horizontal, que es la que aquí
interesa, es la que desarrollan esos derechos en las relaciones entre particulares o fren-
te a terceros (Drittwirkung).
El planteamiento del análisis es muy simple. Describiré, en primer lugar, el sen-
tido conceptual con el que se va a utilizar el sintagma “Derechos Fundamentales de la
Unión Europea” así como la eficacia vertical que desarrollan esos derechos, para abor-
dar posteriormente una breve exposición del fenómeno de la eficacia horizontal de los
mismos.

II. La expresión “Derechos Fundamentales de la Unión Europea”

II.1. Los Derechos Fundamentales “en” la Unión Europea y los Derechos


Fundamentales “de” la Unión Europea

A la hora de analizar los derechos fundamentales que se reconocen “en” la Unión


Europea (en el ámbito geográfico en el que se sitúa la Unión Europea) es interesante
observar que en la misma actúan al respecto tres distintos tipos de ordenamiento jurí-

1 Profesor Titular de Derecho Constitucional de la Universidad del País Vasco UPV/EHU. Este trabajo ha sido
desarrollado en el marco de la dinámica del Grupo de Investigación Consolidado de la UPV dedicado al
tema de los “Derechos Fundamentales y Unión Europea” (GIC07/86-IT-448-07), siendo también fruto de
una estancia de investigación en el Max-Planck-Institut für ausländisches öffentliches Recht und
Völkerrecht (Heidelberg).

265
Juan Ignacio Ugartemendia Eceizabarrena

dico: el Ordenamiento jurídico Internacional, el Ordenamiento jurídico comunitario


(y de toda la Unión Europea), y el/los Ordenamientos jurídicos de los Estados miem-
bros (cada uno con su respectivo orden y control jurisdiccional de garantía). En el ter-
ritorio de la Unión Europea y en el de cada uno de sus Estados miembros “coexisten
y conviven” de forma imbricada e interactiva tres sistemas de reconocimiento y
garantía de derechos fundamentales. En cualquier Estado que es miembro de la Unión
Europea encontraremos, en primer lugar, lo que podemos denominar “derechos fun-
damentales nacionales” o derechos fundamentales reconocidos por el orden constitu-
cional nacional (por ejemplo, en España, tales derechos serían los reconocidos en el
Capítulo II del Título I de la Constitución).2 En dicho Estado, que al ser un Estado de
la Unión Europea “integra” dentro de su Ordenamiento jurídico el Ordenamiento de
dicha Unión, aparece o es posible observar igualmente la actuación de los derechos
fundamentales reconocidos por el mencionado Ordenamiento jurídico de la Unión
Europea, por las normas primarias de dicho Ordenamiento, derechos a los que iden-
tificaremos como “derechos fundamentales ‘de’ la Unión Europea”. Y finalmente, en
ese como en todos los Estados miembros de la Unión Europea, actúa también un/el
Ordenamiento jurídico internacional (el formado por todos los Tratados
Internacionales firmados y ratificados por ese Estado) que, obviamente, contiene tam-
bién un reconocimiento de los derechos de las personas. Normalmente, en el argot
jurídico, se denomina como “derechos humanos” a los derechos fundamentales que,
refiriéndose a valores básicos, declara el orden jurídico internacional, el de los
Tratados internacionales (por ejemplo, la “Declaración Universal de los Derechos
Humanos” de la ONU, de 1948; o, el trascendental “Convenio Europeo para la
Protección de los Derechos Humanos y de las Libertades Fundamentales” o CEDH,
del Consejo de Europa, firmado en Roma en 1950).3

2 La expresión “derecho fundamental” según la Constitución española (CE) de 1978 recibe diversas acepcio-
nes, principalmente dos, las cuáles reposan sobre una idea común: los derechos fundamentales son derechos
reconocidos por la Constitución (derechos constitucionales, prelegislativos) y garantizados en cuanto tales
por ella (art. 53.1 CE). La distinción entre ambas acepciones reside en que la primera entiende que no todos
los derechos constitucionales son derechos fundamentales, solo los derechos constitucionales más fuerte-
mente protegidos por la Constitución (derechos del Tit. I, Cap. II, Sec. 1 CE). Por su parte, la segunda con-
cepción sostiene que todos los derechos constitucionales son fundamentales porque todos ellos están con-
figurados por el Constituyente (con carácter previo a todo poder constituido) y se imponen y protegen
como tales frente al Legislador.
3 Al respecto, por ejemplo, L.M. DÍEZ-PICAZO, Sistema de derechos fundamentales, Civitas, Madrid, 2008,
3ª ed. El hecho es que entre los “derechos fundamentales” y los “derechos humanos” existe una bastante
intensa relación de comunicación. Y ello, como recuerda la doctrina especializada (p.e. ibid., p. 38), al
menos por las siguientes razones: por una parte, la tendencial identidad entre los valores protegidos, esto
es, en las “pretensiones” en que consisten unos y otros; y por otra, la creciente internacionalización de la
protección de los derechos. Esta interrelación resulta particularmente clara en el ámbito regional europeo,
ámbito en el que se da una aplicación cada día más intensa del ya mencionado Convenio Europeo de
Derechos Humanos ó CEDH. “De ahí que, al menos en Europa, lo más correcto sea afirmar que unos mis-
mos derechos son protegidos por distintos ordenamientos (internacional, comunitario, interno); ordena-

266
La Drittwirkung de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea

Es importante tener en cuenta que cada uno de esos tres ordenamientos jurídi-
cos (Internacional, de la Unión Europea, y el de cada Estado miembro de la Unión)
tiene previsto, como no podía ser menos, un sistema normativo y jurisdiccional pro-
pio para la defensa de los derechos reconocidos, un sistema con sus normas y órganos
diferenciados (por ejemplo, la institución encargada de la defensa del CEDH es el
Tribunal Europeo de Derechos Humanos o TEDH, con sede en Estrasburgo; el defen-
sor de los derechos fundamentales nacionales –pongamos por caso, en España- lo será
el Juez nacional y, en última instancia, el Tribunal Constitucional; y por su parte, las
instancias que actúan como garantes jurisdiccionales de los derechos fundamentales
reconocidos por el ordenamiento jurídico de la Unión Europea: el Tribunal de Justicia
de las Comunidades Europeas o TJCE, con sede en Luxemburgo, y también el Juez
nacional, esto es, el Juez de cada Estado miembro). Y obviamente, cada uno de los tres
ordenamientos iusfundamentales de los que venimos hablando tiene su propio ámbi-
to de aplicación. Los derechos fundamentales nacionales actúan en el ámbito estatal.
Y los “derechos humanos” rigen también, como es sabido, en el ámbito estatal, pero
de forma subsidiaria a la tutela estatal, a la ofrecida por los derechos fundamentales
nacionales. Por su parte, el ámbito de aplicación de los Derechos Fundamentales de la
UE se identifica como aquella esfera o conjunto de actuaciones consistentes en la crea-
ción o aplicación del Derecho Comunitario o del primer pilar de la Unión así como
del Derecho relativo al Tercer Pilar (el de la Cooperación Policial y Judicial en mate-
ria Penal). Dicho de otra manera, los DFUE vinculan tanto la actuación de las institu-
ciones comunitarias en el primer y tercer pilar, así como la actuación estatal de apli-
cación4 de ese Derecho de la Unión.5 6

mientos que por perseguir unos mismos fines en un mismo espacio, están llamados a colaborar. Esta con-
clusión, por lo demás, es inevitable en España, donde el art. 10.2 CE obliga a interpretar las normas consti-
tucionales sobre derechos fundamentales ‘de conformidad con la Declaración Universal de Derechos
Humanos y los tratados y acuerdos internacionales sobre las mismas materias ratificados por España’” (entre
ellos, obviamente, el CEDH)
4 La jurisprudencia del TJCE que “inaugura” con claridad esta expansión de los DFUE al ámbito nacional (esto
es, a que vinculen, además de la actuación institucional comunitaria, la actividad de los poderes del Estado
cuando actúan aplicando el Derecho comunitario) es la que comienza a concretarse a partir de las senten-
cias WACHAUF, de 13 de julio de 1989 y ERT, de 18 de junio de 1991.
5 La vinculación de los DFUE sobre la actividad institucional y estatal relativa al tercer pilar es muy recien-
te [Cfr. SSTJCE: PUPINO, de 16 de junio de 2005, C-105/03 (respecto a la vinculación de la actividad esta-
tal que entra en el radio de acción del tercer pilar); y ADVOCATEN VOOR DE WERELD, de 3 de mayo
de 2007, C-303/05 apdos. 45-47 (respecto a la vinculación iusfundamental de la actividad institucional en
el tercer pilar)], y además de una intensidad menor que la que se produce en el pilar comunitario, pues
menos intenso es también el control jurisdiccional que puede desplegar el TJCE al respecto (Sobre la cues-
tión, por todos, R. ALONSO GARCÍA, Sistema Jurídico de la Unión Europea, Thomson-Civitas, Madrid,
2007, pp. 181 y ss. y 264 y ss.).
6 La actuación del poder público en el segundo pilar o pilar PESC (Política Exterior y Seguridad Común)
debería estar también sometida a los DFUE –el artículo 6 TUE no discrimina o discierne entre pilares a efec-
tos del debido respeto a los DFUE; pero no existe, al menos de momento, competencia jurisdiccional euro-
pea para asegurar dicha vinculatoriedad.

267
Juan Ignacio Ugartemendia Eceizabarrena

Llegados aquí podemos señalar que la expresión “reconocimiento y garantía


derechos fundamentales ‘en’ la Unión Europea” puede ser entendida, al menos, en dos
sentidos: Lato sensu o en sentido amplio y stricto sensu o en sentido estricto. Lato
sensu dicho sintagma abarcaría al reconocimiento y la garantía de los derechos fun-
damentales que se produce “en” el ámbito territorial de la Unión Europea, esto es,
englobaría todos los sistemas de reconocimiento y garantía de los derechos fundamen-
tales que operan en ese ámbito territorial: el sistema nacional (el de los derechos fun-
damentales reconocidos por el ordenamiento nacional o estatal), el sistema europeo-
comunitario y/o de la Unión Europea (derechos fundamentales reconocidos por la
Unión Europea) y el sistema europeo-convencional (derechos reconocidos y garanti-
zados por el ordenamiento jurídico internacional; especialmente el CEDH). En senti-
do estricto, sin embargo, estaría haciendo mención exclusivamente a los derechos
fundamentales reconocidos por la Unión Europea, esto es, a los reconocidos por el
ordenamiento jurídico de la Unión Europea (sistema europeo-comunitario), es decir,
a los derechos fundamentales ‘de’ la Unión Europea. En adelante, nos referiremos
principalmente, que no exclusivamente a estos últimos.

II.2. El uso del sintagma “Derechos Fundamentales de la Unión Europea”

Para dejarlo claro desde un inicio, conviene señalar que entenderé la expresión
“Derechos Fundamentales de la Unión Europea” en un sentido amplio o muy amplio,
englobando dos tipos de pretensiones jurídicas subjetivas:
Por una parte, utilizaré dicho sintagma para referirme a los derechos fundamen-
tales que la jurisprudencia del TJCE viene identificando y reconociendo como parte de
los principios generales del Derecho comunitario.7 Se trata, como es sabido, de una

7 Partiendo de la inexistencia en el ordenamiento jurídico comunitario de un catálogo de derechos funda-


mentales, el TJCE va a desarrollar, desde finales de los años 60, y superando su perspectiva inicial de con-
siderar a los derechos fundamentales como algo ajeno al Tratado constitutivo de la Comunidad Europea,
una actividad de configuración y garantía de los mismos. Se trata de una actividad “pretoriana” que, funda-
da sobre el reconocimiento de los derechos fundamentales como parte de los “Principios generales del
Derecho comunitario” -principios que debe tutelar el TJCE y están obligados respetar todos los Estados
miembros-, e inspirada (fundamentalmente) en los principios de Derecho comunes a los sistemas jurídicos
de los Estados miembros, ha elaborado todo un catálogo comunitario de derechos fundamentales con toda
una doctrina propia sobre la tutela de los mismos; en otras palabras, todo un ejercicio de “construcción de
Constitución” o Constitution-building según la afamada expresión ideada por J.H.H. WEILER (Europa, fín
de siglo, trad. esp., Madrid, 1995, p. 32).
Para realizar esta construcción, tal y como recuerda el Abogado General Dámaso Ruiz-Jarabo Colomer
(Conclusiones en el asunto ADVOCATEN VOOR DE WERELD, de 12 de septiembre de 2006, C-303/05,
apdos. 73 y 74), el TJCE “se valió de “un silogismo sencillo y lógico: las reglas comunes a los derechos nacio-
nales son principios generales del orden jurídico de la Comunidad y, en cuanto tales, merecen ser respeta-
das, por lo que los derechos fundamentales, garantías compartidas por todos, forman parte de dichos prin-
cipios y han de protegerse. La tarea integradora en este aspecto parece incuestionable, nutriéndose de fuen-
tes ajenas al derecho comunitario: esos principios generales compartidos por los Estados miembros, los ele-
mentos comunes a sus tradiciones constitucionales y los instrumentos internacionales de protección de
derechos, en especial, el Convenio de Roma”. Y es utilizando esta construcción como el TJCE ha desarro-

268
La Drittwirkung de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea

jurisprudencia que surge (en ausencia de un catálogo de derechos fundamentales en los


Tratados originarios) a finales de la década de los años sesenta del siglo pasado, que será
objeto de un reconocimiento formal en el artículo 6.2 del TUE,8 y que en la actualidad
viene a configurar el sistema jurídicamente vigente de los derechos fundamentales de
la Unión. No obstante este entendimiento de los DFUE como principios generales,
habrá que tener en cuenta, igualmente, que este vigente sistema jurisprudencial ius-
fundamental de corte principial comparte su existencia con la “Carta de Derechos
Fundamentales de la UE” proclamada el año 2000 en Niza, toda una Bill of Rights que
nació sin eficacia jurídica vinculante, pero que puede obtenerla (pese al fracaso de la
ratificación de la “Constitución Europea”, que la incorporaba en su Parte II) si el
reciente Tratado de Lisboa (2007) de reforma los Tratados vigentes consigue entrar en
vigor,9 ya que según el dictado del (primer párrafo del) artículo 6.1 del reformado TUE:
“La Unión reconoce los derechos, libertades y principios enunciados en la Carta de
Derechos Fundamentales de la Unión Europea de 7 de diciembre de 2000, tal como fue

llado todo un completo “catálogo jurisprudencial” de derechos fundamentales (inviolabilidad de domicilio,


derecho a la vida privada y familiar, libertad de expresión, el principio de nullum crimen, nulla poena sine
lege, etc.).
8 “La Unión respetará los derechos fundamentales tal como se garantizan en el CEDH y tal y como resultan
de las tradiciones constitucionales comunes a los Estados miembros como principios generales del Derecho
comunitario». Procede recordar, igualmente, que la introducción del apartado d) en el artículo 46 TUE (por
la reforma de Ámsterdam) vino a atribuir formalmente al TJCE la tutela de dichos derechos reconocidos
bajo el formato de principios.
9 La Conferencia Intergubernamental (CIG) de Jefes de Estado o de Gobierno de los Estados miembros de la
Unión Europea (UE), celebrada en Lisboa los días 18 y 19 de octubre de 2007, acordó el texto definitivo del
“Tratado por el que se modifican el Tratado de la Unión Europea y el Tratado Constitutivo de la Comunidad
Europea” (el Tratado de Lisboa fue publicado en el Diario Oficial de la UE, el 17 de diciembre de 2007:
2007/C 306/01; puede consultarse en: http://eur-lex.europa.eu/JOHtml.do?uri=OJ:C:2007:306:SOM:ES:
HTML; la resultante del mismo: las versiones consolidadas de ambos Tratados fueron publicadas en el DO
de la UE el 9 de mayo de 2008, 2008/C 115/01; pueden consultarse en: http://eur-lex.euro-
pa.eu/JOHtml.do?uri=OJ:C:2008:115:SOM:ES:HTML). Este Tratado firmado por dichos líderes europeos el
13 de diciembre de 2007 en Lisboa, con la intención de que, una vez ratificado por todos y cada uno de los
Estados miembros, entre en vigor antes de las elecciones al Parlamento Europeo de 2009, pone término al
estancamiento o impasse constitucional que viene padeciendo la UE desde que el proceso de ratificación del
“Tratado por el que se establece una Constitución para Europa” (en lo sucesivo “Tratado Constitucional”,
“Constitución Europea” o TCUE), aprobado en Roma el 29 de octubre de 2004 (DO C 310, de 16 de diciem-
bre de 2004), entrara en crisis cuando, hace ya dos años, Francia y los Países Bajos se pronunciaran en refe-
réndum en contra de la entrada en vigor del mismo. El de Lisboa no refunda la UE, sino que es un “Tratado
de reforma” de los Tratados vigentes: el Tratado de la Unión Europea (TUE) y el Tratado de la Comunidad
Europea (TCE); pero es también un Tratado, eso sí, que recoge, en lo sustancial, el contenido de las previ-
siones del Tratado Constitucional, introduciendo numerosas y sustanciales modificaciones en los mismos,
como por ejemplo, y por lo que aquí interesa: la significativa sustitución de la expresión “Comunidad
Europea” por el término “Unión” en todos los textos; la eliminación (formal) de la actual estructura en pila-
res (“comunitarizando” el tercer pilar, si bien la PESC mantiene mecanismos propios de la cooperación
intergubernamental); o el reconocimiento de la Carta de Derechos Fundamentales de la UE con el mismo
valor jurídico que los Tratados (aunque no se integre formalmente en estos) y el mantenimiento, al igual
que la Constitución europea, del mandato de adhesión de la Unión al Convenio Europeo para la protección
de los Derechos Humanos y de las Libertades Fundamentales (aquel reconocimiento y éste mandato se esta-
blecen, respectivamente, en los apartados 1 y 2 del reformado art. 6 del TUE).

269
Juan Ignacio Ugartemendia Eceizabarrena

adoptada el 12 de diciembre de 2007 en Estrasburgo, la cual tendrá el mismo valor jurí-


dico que los Tratados […]”.10 Es preciso constatar, en cualquier caso, que esa adquisi-
ción de fuerza jurídica vinculante de la Carta, no impediría, de acuerdo con lo previs-
to en el art. 6.3 de la reforma del TUE11 que el TJCE siga reconociendo y garantizan-
do derechos fundamentales a título de principios generales de la Unión.12
Por otra parte, incluiremos también dentro del sintagma “DFUE” a una serie de
pretensiones subjetivas reconocidas en los mismos Tratados constitutivos. Me refiero,
en primer lugar, a los derechos asociados a la Ciudadanía Europea ex arts. 17-22 TCE
(como, por ejemplo, el derecho a la libre circulación y residencia por el territorio de la
Unión). Y en segundo lugar, a aquellas pretensiones subjetivas esencial y funcional-
mente unidas al establecimiento de un mercado interior comunitario, como son las
libertades fundamentales de circulación de bienes, personas, servicios y capitales,13 y
las cláusulas antidiscriminatorias por razón de nacionalidad (art. 12 TCE) o de sexo14

10 La Carta, proclamada solemnemente por parte del Parlamento Europeo, el Consejo y la Comisión el 12 de
diciembre de 2007 (víspera de la firma del Tratado de Lisboa), fue publicada en el DO de la UE el 14 de
diciembre del mismo año: 2007/C 303/01; puede consultarse en: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/
LexUriSer.do?uri=OJ:C:2007:303:0001:0016:ES:PDF. Al respecto, entre otros: R. ALONSO GARCÍA y D.
SARMIENTO, La Carta de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea. Explicaciones, concordancias
y jurisprudencia, Thomson/Civitas, Madrid, 2006; A. MANGAS MARTÍN (Dir.), Carta de los Derechos
Fundamentales de la Unión Europea. Comentario artículo por artículo, Fundación BBVA, Bilbao, 2008.
11 Según el artículo 6.3 del reformado TUE: “Los derechos fundamentales que garantiza el Convenio Europeo
para la Protección de los Derechos Humanos y de las Libertades Fundamentales y los que son fruto de las
tradiciones constitucionales comunes a los Estados miembros formarán parte del Derecho de la Unión como
principios generales.”
12 En cualquier caso, a la espera de la mencionada ratificación de la reforma de Lisboa, la situación actual, a
efectos de reconocimiento y garantía de los derechos fundamentales de la Unión Europea, sigue estando
regida por el, si se me permite la expresión, “Catálogo jurisprudencial de los derechos fundamentales de la
UE”, esto es, por el “catálogo” elaborado caso por caso por la Jurisprudencia del Tribunal de Justicia de
Luxemburgo (TJCE) al respecto. En otras palabras, a pesar de que podemos contar con una flamante “Carta
de los derechos fundamentales de la UE” proclamada en Niza (pero solo a título declarativo, no jurídica-
mente vinculante), una Carta que fue incorporada a una “Constitución Europea” (pero una Constitución
que no llegó a “nacer”), una Carta que, según prevé la reforma de Lisboa, puede alcanzar el mismo valor o
eficacia jurídica vinculante que los Tratados (si el Tratado de reforma aprobado en Lisboa es ratificado por
todos los estados), la verdad es que todavía, a efectos prácticos, la protección normativamente vinculante
de los derechos fundamentales de la UE es la que sigue estando fundamentada y organizada desde aquella
jurisprudencia del TJCE. Por cierto, es interesante señalar en este contexto y con referencia a las mencio-
nes que venimos haciendo al CEDH, que la reforma que Lisboa hace al TUE no sólo pretende dar valor jurí-
dico (mediante la remisión hecha en el artículo 6.1 TUE) a la Carta de de los derechos fundamentales de
Niza, sino que además (en el art. 6.2 TUE) establece, de forma idéntica al arriba mencionado art. I-9.2 del
Tratado Constitucional, que: “La Unión se adherirá al Convenio Europeo para la protección de los Derechos
Humanos y de las Libertades Fundamentales. Esta adhesión no modificará las competencias de la Unión que
se definen en los Tratados”.
13 “Libre circulación de mercancías” (arts. 23-31 TCE); “Libre circulación de personas, servicios y capitales”
(arts. 39-60 TCE).
14 Véase el artículo 141.1 TCE (prohibición de discriminación salarial por razón de sexo); y también el art. 13
TCE (el cual establece una base jurídica para la adopción por el Consejo –por unanimidad- de actuaciones
normativas destinadas a combatir las discriminaciones –por motivos de sexo, de origen racial o étnico, reli-
gión o convicciones, discapacidad, edad u orientación sexual– allí enunciadas).

270
La Drittwirkung de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea

(pretensiones que, pese a no tener un encuadre dogmático doctrinalmente pacífico en


la categoría de “derechos fundamentales” en sentido estricto, se configuran claramen-
te como derechos públicos subjetivos otorgados por el Derecho comunitario que los
ciudadanos de la Unión pueden también invocar en una serie de circunstancias).15
Puede ser interesante, a este respecto, no perder de vista que algunas de estos derechos
recogidos en los Tratados aparecen también reconocidos en la propia Carta de DFUE.16

II.3. La eficacia vertical de los DFUE

La primera y más visible característica que presentan los DFUE es la de estar


dotados de una capacidad para funcionar como límites o barreras de la actuación del
poder público, tanto de las instituciones y organismos comunitarios como de cual-
quier poder público estatal que esté operando en el ámbito de actuación de las com-
petencias atribuidas. Ello significa que los particulares pueden invocarlos y oponerlos
jurisdiccionalmente frente a las actuaciones de las instancias de poder que los contra-
digan. Esta capacidad viene a delimitar así una esfera de actuación negada o vedada al
poder público.
En efecto, el TJCE viene reiterando en numerosas ocasiones que los principios
generales pueden invocarse frente a la actuación de las instituciones comunitarias,17
pero también frente al Estado. Y en este sentido ha declarado que determinadas
actuaciones del poder público estatal están prohibidas por el Derecho comunitario
por ser incompatibles, por ejemplo, con el principio de protección de la confianza
legítima y de seguridad jurídica,18 con los derechos fundamentales como principios

15 Sobre la polémica doctrinal respecto a la ubicuidad dogmática de estos derechos públicos subjetivos, espe-
cialmente de las libertades fundamentales: X. ARZOZ SANTISTEBAN, “La relevancia del Derecho de la
Unión Europea para la interpretación de los derechos fundamentales constitucionales” (Revista Española de
Derecho Constitucional, 74, 2005, pp. 63 y ss., espec. 70 y ss.).
16 Véase el artículo 21, relativo a la “no discriminación”; o los derechos del capítulo V, referido a la
“Ciudadanía” (arts. 39-46). Vale la pena recordar también al respecto el dictado del artículo 52.2 de la Carta
cuando señala que “los derechos reconocidos por la presente Carta que constituyen disposiciones de los
Tratados se ejercerán en las condiciones y dentro de los límites determinados por éstos”.
17 Un ejemplo de alusión del TJCE a los principios generales como fuente de legalidad de la actuación comu-
nitaria en STJCE BRASSERIE DU PÉCHEUR Y FACTORTAME (“Factortame IV”), de 5 de marzo de 1996,
asuntos acumulados C-46 y 48/93, pp. 1029, apdos. 24-30. En relación al respeto de los derechos fundamen-
tales (en cuanto prinicipios generales del Derecho comunitario) como «un requisito para la legalidad de los
actos comunitarios»: apartados 33 y 34 del ya mencionado Dictamen 2/94 del TJCE, de 28 de marzo de 1996.
En idéntico sentido, por ejemplo, SSTJCE: X v. COMISION, de 5 de octubre de 1994, C-404/92, apdos. 17-
25; GRANT, de 17 de febrero de 1998, C-249/96, pp. 621 y ss., apdo. 45; o el asunto KADI (de 3 de septiem-
bre de 2008, asuntos acumulados C-402/05 P y 415/05 P, apdo. 284)], sentencia en la que, además, el TJCE
ha reconocido el carácter de “principio constitucional del Tratado CE” al hecho de que “todos los actos
comunitarios deben respetar los derechos fundamentales, y que el respeto de esos derechos constituye un
requisito de legalidad de dichos actos, cuyo control incumbe al Tribunal de Justicia, en el marco del siste-
ma completo de vías de recurso establecido por dicho Tratado” (apdo. 285).
18 “Los principios de protección de la confianza legítima y de seguridad jurídica forman parte del ordenamien-
to jurídico comunitario. Por esta razón, deben ser respetados por las instituciones comunitarias y también

271
Juan Ignacio Ugartemendia Eceizabarrena

generales,19 con el principio general de igualdad de trato,20 o con la prohibición de


discriminación por razón de la nacionalidad,21 etc.
Cabe señalar que el mencionado carácter de “límite o barrera” que presentan los
DFUE como principios generales (y también, obviamente, aquellos derechos reconoci-
dos en los Tratados) sería también predicable de los derechos reconocidos en la Carta de
DFUE, si ésta hubiera entrado ya en vigor.22 Recuérdese, en este sentido, el artículo 51.1
de la misma, estableciendo que: “las disposiciones de la presente Carta están dirigidas a
las instituciones, órganos y organismos de la Unión, dentro del respeto del principio de
subsidiariedad, así como a los Estados miembros únicamente cuando apliquen el
Derecho de la Unión. Por consiguiente, éstos respetarán los derechos, observarán los
principios y promoverán su aplicación, con arreglo a sus respectivas competencias y
dentro de los límites de las competencias que los Tratados atribuyen a la Unión”.
Conviene tener presente, por lo demás, que la eficacia vertical de la Carta, la cual puede
concretarse en breve de entrar en vigor el Tratado de Lisboa y su reforma del artículo
6.1 del TUE reconociendo a la misma “el mismo valor jurídico que los Tratados”, se
extendería tanto sobre el ámbito comunitario como sobre lo que hoy denominamos ter-
cer pilar, dada la “comunitarización” (tanto a nivel de toma de decisiones como de com-
petencia jurisdiccional del TJCE) del mismo prevista en dicha reforma de Lisboa.23

por los Estados miembros en el ejercicio de los poderes que les confieren las directivas” (STJCE ELMEKA NE,
de 14 de septiembre de 2006, asuntos acumulados C-181 a 183/04, apdo. 31; en sentido similar, las SSTJCE:
STICHTING “GOED WONEN”, de 26 de abril de 2005, C-376/02, p. 3445, apdo. 32; MARKS & SPENCER PLC,
de 11 de julio de 2002, C-62/00; BELGOCODEX, de 3 de diciembre de 1998, C-381/97, p. 8153, apdo. 26).
19 Véanse, por ejemplo, las sentencias: JOHNSTON, de 15 de mayo de 1986, 222/84 (control jurisdiccional
efectivo en el contexto del «requisito profesional» como justificación para una diferencia de trato entre
hombres y mujeres); WACHAUF, de 13 de julio de 1989, C-5/88 (derecho a la propiedad en el contexto de
la organización común de mercados en el sector de la leche y de los productos lácteos); o CARPENTER, de
11 de julio de 2002, C-60/00 (derecho al respeto de la vida familiar en el contexto de una restricción poten-
cial a la libre prestación de servicios). Para un estudio comparado de los Derechos Fundamentales econó-
micos (reconocidos por el Derecho comunitario vs. USA a nivel federal) como límites a la actividad de los
Estados (miembros de la Unión / federados) véase: T. DE LA QUADRA SALCEDO JANINI, Unidad econó-
mica y descentralización política, Tirant lo Blanch, Valencia, 2004.
20 Sentencia RODRÍGUEZ CABALLERO, de 12 de diciembre de 2002, C-442/00, apdos. 30-32. Otros casos de
control de la compatibilidad con el principio general de igualdad de disposiciones nacionales adoptadas al
ejecutar un acto comunitario, en concreto, reglamentos, pueden verse en las sentencias: KLENSCH y otros,
de 25 de noviembre de 1986, asuntos acumulados 201/85 y 202/85, apdos. 9-10; GRAFF, de 14 de julio de
1994, C-351/92, apdos. 15-17; y EARL DE KERLAST, de 17 de abril de 1997, C-15/95, apdos. 35-40.
21 Véanse, por ejemplo, las sentencias: GRAVIER, de 13 de febrero de 1985, C-293/83 (acceso a la formación
profesional); BLAIZOT, de 2 de febrero de 1988, C-24/86 (acceso a la educación universitaria); COMISIÓN
c. BÉLGICA de 27 de septiembre de 1988, C-42/87 (asignación por escolaridad); PHIL COLLINS, de 20 de
octubre de 1993, C-92/92 y C-326/92 (derechos de propiedad intelectual); o DATA DELECTA Y FORS-
BERG, de 26 de septiembre de 1996, C-43/95 (procedimiento judicial).
22 Sobre los efectos jurídicos que la misma está ya generando, aun careciendo de fuerza jurídica vinculante: R.
ALONSO GARCÍA y D. SARMIENTO, La Carta de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea.., op.
cit., pp. 50 y ss. y 461 y ss.; véase también las Conclusiones de la Abogado General Verica Trstenjak, pre-
sentadas el 3 de mayo de 2007, C-62/06, espec. apdo. 43.
23 No obstante, el TJCE seguiría, como ahora, careciendo de competencia para controlar las disposiciones rela-
tivas al segundo pilar (PESC) así como sobre los actos adoptados sobre la base de éstas (primer párrafo del

272
La Drittwirkung de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea

Una de las consecuencias principales de la eficacia vertical limitante de los DFUE


consiste en que los mismos se configuran como un poderoso factor de “integración
negativa”, al convertirlos en límites comunes de la actuación del poder público, no ya
de las instituciones comunitarias, sino que también de los Estados miembros. No cabe
olvidar que los principios generales (y entre ellos los DF) ocupan el nivel más alto en el
sistema de fuentes comunitario y del tercer pilar (y lo mismo cabe decir, obviamente,
de los derechos subjetivos reconocidos en los Tratados constitutivos, o de los DF reco-
nocidos en la Carta, si entra en vigor la reforma de Lisboa y con ella el ya mencionado
artículo 6.1 TUE). Y lo que es fundamental, el TJCE los viene utilizando como fuente de
legalidad comunitaria,24 considerándolos como principios cuya contravención constitu-
ye “una infracción de este Tratado (TCE) o de cualquier norma jurídica relativa a su eje-
cución” en el sentido del segundo párrafo del artículo 230 del TCE.25 Los principios
generales del Derecho comunitario se constituyen así en parámetro de legalidad comu-
nitaria o de “comunitariedad”, imponiéndose sobre toda actuación normativa de las ins-
tituciones comunitarias, así como sobre toda actuación estatal que entre en el “ámbito
de aplicación del Derecho comunitario”. Y lo mismo puede decirse en relación con el
tercer pilar tras las sentencias ADVOCATEN VOOR DE WERELD,26 respecto de la
actuación de las instituciones, y PUPINO27 respecto de la estatal.

III. La eficacia horizontal de los DFUE

Contrapuesta a la eficacia vertical de los DF o eficacia que protege a los particu-


lares frente al poder público, se encuentra la eficacia horizontal de los derechos funda-
mentales, la cual hace referencia, como es sabido, a la eficacia de los mismos en las rela-
ciones entre particulares o, dicho de otra forma, a su eficacia frente a terceros
(= Drittwirkung). El problema de la afirmación de una eficacia horizontal de los DF

art. 275 TFUE, leído desde la reforma de Lisboa), de forma que no habría manera de contrastar juris-
diccionalmente su conformidad con respecto a los DFUE, con la excepción (y esto sí es una novedad
respecto a la situación vigente) de lo establecido en el segundo apartado de dicho artículo acerca de
que, “no obstante, el Tribunal de Justicia será competente para [...] pronunciarse sobre los recursos
interpuestos en las condiciones contempladas en el párrafo cuarto del artículo 263 del presente Tratado
y relativos al control de la legalidad de las decisiones adoptadas por el Consejo en virtud del capítulo
2 del título V del Tratado de la Unión Europea por las que se establezcan medidas restrictivas frente a
personas físicas o jurídicas”.
24 Cfr. STJCE BRASSERIE DU PÉCHEUR Y FACTORTAME (“Factortame IV”), 5 de marzo de 1996, asuntos
acumulados C-46 y 48/93, pp. 1029, apdos. 24-30. En relación al respeto de los derechos fundamentales (en
cuanto prinicipios generales del Derecho comunitario) como «un requisito para la legalidad de los actos
comunitarios»: apartados 33 y 34 del ya mencionado Dictamen 2/94 del TJCE, de 28 de marzo de 1996. En
idéntico sentido, por ejemplo, SSTJCE: STJCE X v. COMISION, de 5 de octubre de 1994, C-404/92, apdos.
17-25; GRANT, de 17 de febrero de 1998, C-249/96, pp. 621 y ss., apdo. 45.
25 STJCE TÖPFER v. COMISIÓN, 3 de mayo de 1978, C-112/1977, pp. 1019, apdo. 19.
26 Sentencia de 3 de mayo de 2007, C-303/05.
27 Sentencia de 16 de junio de 2005, C-105/03.

273
Juan Ignacio Ugartemendia Eceizabarrena

suele encerrar tanto una cuestión procesal como otra de carácter sustantivo.28 La prime-
ra, cuestión hace referencia al tema de la existencia de suficientes mecanismos procesa-
les para exigir la tutela jurisdiccional de los DF en las relaciones inter privatos. La segun-
da, la cuestión sustantiva, que es la que aquí más nos interesa ahora, tiene que ver con
la forma y la medida con la que los DF inciden en las relaciones entre los particulares.
Existen diversas posiciones doctrinales al respecto, las cuales van desde aquella
minoritaria que niega la Drittwirkung de los DF en las relaciones jurídico-privadas
(pues ello se casaría mal con la defensa de la autonomía privada y la seguridad jurídi-
ca), hasta la mayoritaria seguida por quienes la afirman. La posición mayoritaria, a su
vez, abarca desde quienes sostienen que esa eficacia horizontal solo puede producir-
se, en su caso, de forma indirecta o mediata (mittelbare Drittwirkung), a través de la
intermediación de algún poder público (el legislador, especialmente, y los jueces y tri-
bunales), que sí está directamente vinculado por esos derechos (eficacia vertical),
hasta quienes defienden una vinculación constitucional directa e inmediata de los
particulares por parte de los DF de modo que estos puedan ser invocados directamen-
te ex constitutione en las relaciones inter privatos o unmittelbare Drittwirkung29

28 Sobre ésta y/u otras cuestiones relativas al tema véanse, entre otros: J. M. BILBAO UBILLOS, La eficacia de
los derechos fundamentales frente a particulares. Análisis de la jurisprudencia del Tribunal Constitucional,
CEPC, Madrid, 1997; A. CLAPHAM, Human rights in the private sphere, Clarendon Press, Oxford, 1993;
B. MARKESINIS, “Privacy, Freedom of Expresión and the Horizontal Effect of the Human Rights Bill:
Lessons from Germany”, The Law Quarterly Review, 115, 1999, pp. 47 y ss.; R. BRINKTRINE, “The
Horizontal Effect of Human Rights in German Constitucional Law: The British debate on horizontality and
the possible role model of the German doctrine of ‘mittelbare Drittwirkung der Grundrechte’”, European
Human Rights Law Review, 4, 2001, pp. 421 y ss.; C. STARCK, “Derechos fundamentales y Derecho priva-
do”, REDC, 2002, 22, pp. 65 y ss.; G. TAYLOR, “The horizontal effect of Human Rights Provisions, the
German model and its applicability to Common-Law jurisdiction”, Kings College Law Journal, 13 (2), 2002,
pp. 187 y ss.; P. DE VEGA, “La eficacia frente a particulares de los derechos fundamentales (la problemáti-
ca de la Drittwirkung der Grundrechte)”, en AAVV, Constitución, Estado de las autonomías y Justicia
Constitucional (libro homenaje al profesor Gumersindo Trujillo), Tirant lo Blanch, Valencia, 2005, pp. 801
y ss.; P. ALSTON (ed.), Non-State Actors and Human Rights, Oxford University Press, Oxford, 2005; L. M.
DÍEZ-PICAZO, Sistema de derechos fundamentales, Thomson/Civitas, Madrid, 2008 (3ª ed.), pp. 152 y ss.;
J. H. KNOX, “Horizontal Human Rights Law”, American Journal of International Law, 2008, 102, pp. 1 y
ss.; véanse, igualmente, los artículos dedicados al respecto en el volumen 16, nº 5, 2008 de la European
Review of Private Law.; T. GIEGERICH, “Injecting Fundamental Rights into Private Law Relations: The
U.S. Approach from a Comparative Perspective”, en A. Hoyer et alii (edts.), Gedächtnisschrift für Jörn
Eckert, Nomos Verlagsgesellschaft, Baden-Baden, 2008, pp. 251 y ss.
29 “Frente a lo que opinan los partidarios de la eficacia mediata, que no dudan en señalar que la intervención
del legislador «es condición para el reconocimiento mismo del derecho en este plano», creemos que la
mediación del legislador, que es el modo normal de extender la eficacia de los derechos fundamentales fuera
del contexto tradicional de las relaciones de Derecho público, no puede considerarse un trámite indispen-
sable (como no lo es en el campo de las relaciones individuo/Estado). La intervención del legislador no
tiene, a mi juicio, un carácter constitutivo, sino meramente declarativo. En no pocos casos, el derecho fun-
damental se podrá invocar directamente, en ausencia de una regulación legal, y podrá obtenerse la oportu-
na satisfacción, una vez que el juez lleve a cabo, de acuerdo con sus propios criterios, la preceptiva ponde-
ración. A nuestro juicio, un derecho cuyo reconocimiento depende del legislador, no es un derecho funda-
mental. Es un derecho de rango legal, simplemente. El derecho fundamental se define justamente por la
indisponibilidad de su contenido por el legislador” (J. M. BILBAO UBILLOS, La eficacia de los derechos
fundamentales..., op. cit., pp. 296-297).

274
La Drittwirkung de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea

(entendiendo, incluso, que la existencia de ley interpuesta al respecto no implica o


genera un cambio respecto a la inmediación de la eficacia30). En realidad, la cosa
depende, al menos en gran parte, de cada ordenamiento constitucional y de la estruc-
tura y contenido de los diferentes DF.31
Más allá de los casos de derechos fundamentales que carecen de eficacia horizon-
tal o de algunos supuestos en los que esta eficacia erga omnes se despliega de forma
directa (o por lo menos, sin la interposición del legislador), parece bastante claro que
la eficacia horizontal de los Derechos Fundamentales suele actuar o articularse, y es
aconsejable que así sea, a través de la actuación del legislador. Es más, ocurre que, en

30 “La doctrina de la eficacia inmediata implica, pues, que, con normativa legal de desarrollo o sin ella, es la
norma constitucional la que se aplica como «razón primaria y justificadora» (no necesariamente la única)
de una determinada decisión” (J M. BILBAO UBILLOS, ibidem, p. 327).
31 El texto constitucional español no ofrecería, en este sentido, datos concluyentes para acoger la tesis de la
eficacia directa frente a terceros de los DF (aunque cláusulas como la del mandato de igualdad sustancial
del art. 9.2, la declaración del art. 10.1 sobre la dignidad de la persona y el respeto a los derechos de los
demás, o especialmente, el reconocimiento expreso de la sujeción de los ciudadanos a la Constitución del
art. 9.1, suelen esgrimirse a tal efecto) ni tampoco para rechazarla rotundamente. En cualquier caso, y lejos
de generalizaciones, lo que sí parece clara es la existencia de una “Drittwirkung” inmediata de algunos
Derechos fundamentales, por ejemplo de algunos que rigen en el ámbito laboral (derechos que se ejercen
normalmente en las relaciones entre particulares) como el derecho de huelga y el derecho a la libertad sin-
dical dentro de la empresa. Sobre todo ello, entre otros: J M. BILBAO UBILLOS, ibidem, pp. 339 y ss.; L.
M. DÍEZ-PICAZO, Sistema de derechos fundamentales, op. cit., pp. 152 y ss.
La cuestión de la “Drittwirkung” también ha sido y es debatida en el ámbito del Convenio Europeo de
Derechos Humanos o CEDH. Aunque es verdad que el art. 25 del mismo excluye la posibilidad de promo-
ver una demanda contra un sujeto distinto de los Estados contratantes, de modo que aquella que fuera diri-
gida contra un particular sería inadmitida ratione personae, no es menos cierto que el TEDH habría admi-
tido cierta eficacia –desde el punto de vista procesal- indirecta del Convenio cuando condena a un Estado
por no haber protegido a sus ciudadanos de forma suficientemente efectiva frente las agresiones causadas
por terceros. El fundamento residiría en que el CEDH no solo genera en los Estados obligaciones negativas
o prohibiciones de no vulnerar directamente los derechos allí reconocidos. El Convenio puede generar tam-
bién en los Estados, sobre la base de la obligación general de respeto de los derechos fundamentales ex art.
1 CEDH, obligaciones positivas de tutela de esos derechos, obligaciones de impedir la violación de los mis-
mos por parte de terceros. Véanse en esta línea, por ejemplo, los casos: YOUNG, JONES y WEBSTER c.
REINO UNIDO (13 de agosto de 1981); el asunto X e Y c. PAÍSES BAJOS (26 de marzo de 1985); LOPEZ
OSTRA c. ESPAÑA (de 9 de diciembre de 1994); MORENO GÓMEZ c. ESPAÑA (de 16 de noviembre de
2004); o EVANS c. REINO UNIDO (10 de abril de 2007); y los casos señalados al final de este trabajo. Sobre
el tema, entre otros: A. CLAPHAM, Human rights in the private sphere, op. cit., pp. 178 y ss.; D. SPIEL-
MANN, L’effet potentiel de la Convention Européenne des Droits de l’Homme entre personnes privées,
Droit et Justice, 14, Bruylant, Bruselas, 1995, pp. 19 y ss. (quien señala que el efecto indirecto se puede pro-
ducir en la medida en que el Convenio forma parte del Derecho interno y los jueces y tribunales aplican las
disposiciones del mismo en las relaciones entre particulares); M. E. GARCÍA JIMÉNEZ, El Convenio
Europeo de Derechos Humanos en el umbral del siglo XXI, Universitat de Valencia, Valencia, 1998, pp. 120
y ss.; A. MOWBRAY, The Development of Positive Obligations under the European Convention on
Human Rights by the European Court of Human Rights, Hart Publishing, Oxford, 2004; L. GARLICKI,
“Relations between private actors and the ECHR”, en A. SAJÓ y R. UITZ, The Constitution in Private
Relations: expanding constitutionalism, Eleven Int. Publishing, Utrecht, 2005, pp. 129 y ss. En especial
sobre la eficacia del CEDH a la hora de generar obligaciones positivas en el ámbito de la tutela penal vid.
E. NICOSIA, Convenzione Europea dei Diritti dell’Uomo e Diritto Penale, Giappichelli, Turin, 2006; F.
VIGANÓ, “Diritto penale sostanziale e Convenzione Europea dei Diritti dell’Uomo”, Rivista Italiana di
Diritto e Procedura Penale, 2007, pp. 42 y ss.

275
Juan Ignacio Ugartemendia Eceizabarrena

ocasiones, esa eficacia sólo puede ser desplegada a través de una necesaria e imprescin-
dible intermediación del legislador. Este es el caso que acontece, por ejemplo, cuando
la eficacia de los Derechos Fundamentales frente a los ataques de terceros es/debe con-
cretarse en una protección de carácter penal de determinados bienes jurídicos32 (la
protección penal de determinados bienes jurídicos como forma de eficacia horizontal
de los Derechos Fundamentales).33 En efecto, existen determinados bienes jurídicos,
como los reconocidos por algunas normas iusfundamentales o normas que atribuyen
derechos fundamentales (v. gr.: vida, integridad física, intimidad, honor, etc.) cuya
protección, dada la naturaleza del bien y/o la gravedad de las agresiones de que pueden
ser objeto, exige la previsión de una sanción penal. Una previsión que exige, a su vez,
la actuación del legislador (penal), sea porque la regulación de las sanciones penales
implica determinar límites al ejercicio de algunos derechos fundamentales, sea, en
general, porque la regulación de los delitos y las penas debe hacerse respetando el prin-
cipio de legalidad penal. Dicho en otras palabras, existen casos en los que la eficacia
horizontal de los Derechos Fundamentales no solo aconseja sino que exige necesaria-
mente la actuación del legislador penal,34 o viceversa, la legislación penal estaría res-

Para un análisis de la cuestión en el ámbito comparado, entre otros muchos: I. LEIGH “Horizontal Rights,
the Human Rights Act and Privacy: Lessons from the Commonwealth”, The International and Comparative
Law Quarterly, 48(1), 1999, pp. 57 y ss.; T. GIEGERICH, “Injecting Fundamental Rights into Private Law
Relations: The U.S. Approach from a Comparative Perspective”, op. cit., pp. 251 y ss.; S. GARDBAUM, “The
‘horizontal effect’ of Constitutional Rights”, en Michigan Law Review, 102 (3), 2003, pp. 387 y ss.; J.
MIJANGOS, “The doctrine of the Drittwirkung der Grundrechte in the case law of the Inter-American
Court of Human Rights”, en Indret (www.InDret.com, enero 2008); o J. CORRIN, “From Horizontal and
Vertical to Lateral: extending the effect of Human Rights in post colonial legal systems of the South
Pacific”, en Internacional & Comparative Law Quarterly, 58, 1, 2009, pp. 31 y ss.
32 Sobre la relación entre Constitución y Derecho penal, entre Derechos Fundamentales y Derecho penal,
véase, entre otros: K. TIEDEMANN, “Constitución y Derecho penal” (REDC, 33 1991, pp. 145 y ss.), quien,
sin perjuicio de recordar la idea de que “el orden de valores jurídico-constitucional y el orden legal jurídi-
co-penal son espacios relativamente autónomos” (p. 148), aborda el tema de los mandatos constitucionales
para legislar penalmente, y señala que “en lo que se refiere al ordenamiento penal de bienes jurídicos, desde
el punto de vista constitucional, se puede proponer lo siguiente: un reducido ámbito de ese ordenamiento,
en especial el de la protección de la vida y de la integridad corporal, así como de otros bienes jurídicos fun-
damentales, como la libertad ambulatoria y la propiedad, coinciden sustancialmente con valores constitu-
cionales fundamentales. En este ámbito corresponde al Estado un deber de protección penal que deriva de
los derechos fundamentales y del orden de valores que éstos materializan... (p. 167)”. Vid. también: L. FEL-
DENS, “Direitos fundamentais e deveres de proteção penal: a intervenção penal constitucionalmente obri-
gatória”, Iustel, Revista General de Derecho Constitucional 6, 2008, pp. 1-67.
33 Es interesante observar, en este sentido, que, mientras la eficacia vertical de los Derechos Fundamentales
(de cualquier sistema iusfundamental) sobre el ámbito penal se predica, no exclusiva pero sí de forma pre-
dominante respecto de aquellos Derechos Fundamentales relacionados con las garantías que debe tener el
posible imputado-acusado-procesado-... (e.g.: principio de legalidad, irretroactividad de la norma penal,
presunción de inocencia, prohibición de analogía, non bis in idem, etc.), los Derechos Fundamentales que
se ven involucrados cuando hablamos de eficacia horizontal (penal) son, de forma principal, los relaciona-
dos con las pretensiones jurídicas subjetivas iusfundamentales atinentes a la posición de la víctima de la
agresión merecedora de sanción penal (e.g.: derecho a la vida, inviolabilidad de domicilio, intimidad, etc.).
34 A este respecto, conviene señalar que entender como necesaria esta actuación no significa decantarse por
una determinada postura en el debate acerca de si la intervención legislativa en materia de eficacia hori-
zontal de los DF es simplemente declarativa o, de otro modo, viene a constituir la eficacia erga omnes de

276
La Drittwirkung de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea

pondiendo (también) a la finalidad de proteger la eficacia de ciertos derechos funda-


mentales en determinadas circunstancias (protección frente al homicidio, el allana-
miento de morada, las escuchas telefónicas sin consentimiento, las coacciones ejerci-
das con objeto de impedir el ejercicio de un DF por parte de un tercero, etc.).35
Si echamos un vistazo al Derecho comunitario, es posible observar la existencia
de Derechos Fundamentales que, por su propia naturaleza, sólo pueden invocarse
frente al poder público (comunitario o estatal que aplica el Derecho comunitario). Ese
sería el caso, por poner un par de ejemplos entre los Derechos Fundamentales enten-
didos como principios generales del Derecho, de los derechos relativos a la tutela judi-
cial36 o a la irretroactividad de las normas penales;37 o, poniendo ejemplos de aque-
llos derechos relativos al estatus de ciudadanía europea, del derecho a la protección
diplomática y consular (art. 20 TCE) o del derecho de petición ante el Parlamento
Europeo (art. 21 TCE).
Luego, en el extremo contrario, existen otros Derechos Fundamentales a los que
la jurisprudencia del TJCE ha reconocido efecto horizontal directo (nos volvemos a
referir a supuestos que se mueven en el ámbito de aplicación del Derecho comunita-
rio).38 Este sería el caso de algunos derechos expresamente reconocidos en los

un DF (por ejemplo: derecho a la vida), de aquel que es tutelado (frente a terceros) a través de la protección
penal de un determinado bien jurídico (e.g., vida). Ello es debido a que, aunque no parece posible deducir
ilícitos penales directamente de la Constitución, bien se podría afirmar la existencia de mandatos constitu-
cionales de criminalización en el sentido de mandatos constitucionales que estarían impidiendo que el legis-
lador despenalizase o dejase de penalizar determinadas conductas, como las agresiones a la vida o a la invio-
labilidad del domicilio, etc. (sobre ello, por ejemplo, vid. J. M. BILBAO UBILLOS, La eficacia de los
Derechos Fundamentales..., op. cit., p. 294).
35 Puede ser interesante no perder de vista aquellas ideas que recuerdan que, en los Estados con democracia
consolidada, las agresiones a los derechos humanos provienen, en general, no de parte de los poderes públi-
cos, sino de personas privadas; o que el Derecho Penal no debe ser entendido sólo como “límite a la liber-
tad”, sino también como instrumento de tutela de los derechos del hombre; que el garantismo penal no debe
ser unilateral, poniendo más el acento en los derechos del reo que en los de la víctima; etc. (Cfr. sobre ello,
F. MANTOVANI, “La proclamazione dei diritti umani e la non effettività dei diritti umani”, en Rivista
Italiana di Diritto e Procedura Penale, 2008 (pp. 40 y ss.), pp. 42 y ss.; quien se remite, al respecto, a otro
previo artículo suyo en la misma revista: “La criminalità: il vero limite all’effettività dei diritti e libertà nello
Stato di diritto”, 1999, pp. 201 y ss.)
36 Reconocido como principio general del Derecho comunitario en numerosas sentencias del TJCE, como por
ejemplo: JOHNSTON (de 15 de mayo de 1986, C-222/84); HEYLENS (de 15 de octubre de 1987, C-222/86);
BORELLI (de 3 de diciembre de 1992, C-97/91); COOTE (de 2 de septiembre de 1998, C-185/97); UPA (de
25 de julio de 2002, C-50/00 P); PROMUSICAE (de 29 de enero de 2008, C-275/06).
37 Cfr. SSTJCE: KIRK (de 10 de julio de 1984, C-63/83): FEDESA (de 13 de noviembre de 1990, C-331/88) o
Procesos penales c. X. (de 12 de diciembre de 1996, asuntos acumulados C-74 y 129/95).
38 Sobre la eficacia horizontal de los Derechos Fundamentales comunitarios: A. CLAPHAM, Human rights in
the private sphere, op. cit., pp. 245 y ss.; B. DE WITTE, “The past and future role of the European Court of
Justice in the protection of Human Rights”, en P. ALSTON (ed.), The EU and Human Rights, Oxford
University Press, Oxford, 1999, pp. 859 y ss., espec. p. 874; T.O. GANTEN, Die Drittwirkung der
Grundfreiheiten: die EG -Grundfreiheiten als Grenze der Handlungs- und Vertragsfreiheit im Verhältnis
zwischen Privaten, Berlin, Duncker und Humblot, 2000; M. AVBELJ, “Is there Drittwirkung in EU Law?”,
en A. SAJÓ y R. UITZ, The Constitution in Private Relations: expanding constitutionalism, op. cit., pp. 145
y ss.; A. FERRARO, “Le disposizioni finali della Carta di Nizza e la multiforme tutela dei diritti dell’uomo
nello spazio giuridico europeo”, Riv. Ital. Dir. Pubbl. Comunitario, 2005, pp. 503 y ss., espec. 525 y ss.; T.

277
Juan Ignacio Ugartemendia Eceizabarrena

Tratados, como el de no ser discriminado por razón de la nacionalidad contenido en


el art. 1239 (y, de forma más concreta, de algunas manifestaciones específicas del
mismo en determinados ámbitos tales como las recogidas en los arts. 39 –libre circu-
lación de trabajadores-40 y 49 – libre prestación de servicios-); del derecho la igualdad
de retribución entre trabajadores y trabajadoras para un mismo trabajo o para un tra-
bajo de igual valor (art. 141 TCE);41 el TJCE ha reconocido también, en algún caso, la
posible eficacia horizontal directa del derecho a la libre circulación de mercancías (en
contraposición al ejercicio de los derechos de propiedad intelectual).42
Más difícil de constatar parece la cuestión de la eficacia horizontal directa de los
Derechos Fundamentales en su formato de principios generales del Derecho comuni-

TRIDIMAS, The General Principles of EU Law, Oxford University Press, Oxford, 2006, 2ª ed., pp. 47 y ss.; P.
CRAIG, EU Administrative Law, Oxford University Press, Oxford, 2006, pp. 498 y ss.; X. GROUSSOT y H. H.
LIDGARD, “Are There General Principles of Community Law Affecting Private Law?”, en U. BERNITZ, J. NER-
GELIUS et alii (edts.), General Principles of EC Law in a Process of Development, Kluwer Law International,
Austin, Boston, etc., 2008, pp. 155 y ss.; M. D. SÁNCHEZ GALERA, “Fundamental Rights and Private Law in
Europe: A Fundamental Right to Environment”, en European Review of Private Law, 16, 5, 2008, pp. 759 y ss.;
M. SCHILLIG, “The interpretation of European Private Law in the Light of Market Freedoms and EU
Fundamental Rights”, Maastricht Journal of European and Comparative Law, 15, 2008, pp. 285 y ss.
Muy interesantes son, también, respecto a este tema, las Conclusiones de algunos Abogados Generales
como, por ejemplo, las de M. Poiares Maduro, de 23 de mayo de 2007, en el asunto THE INTERNATIO-
NAL TRANSPORT WORKERS’ FEDERATION, C-438/05, apdos. 29 y ss.; o las de E. Sharpston, presenta-
das el 22 de mayo de 2008, en el asunto B. BARTSCH, C-427/06, apdos. 78 y ss. Cabe recordar la opinión
de dicha Abogado General según la cual “parece inexacto utilizar los términos «efecto directo» (ya sea ver-
tical u horizontal) para describir el impacto de un principio general de Derecho comunitario. El «efecto
directo» de un artículo del Tratado o de la disposición de una Directiva significa que el individuo puede
tomar el claro, preciso e incondicional texto de Derecho comunitario y apoyarse en él para dejar sin efec-
to alguna disposición contraria de Derecho nacional (o para rellenar una laguna). Por el contrario, un prin-
cipio general de Derecho comunitario se aplica a un conjunto de normas legislativas, y afecta a la interpre-
tación que debe darse a éstas. Algunas veces, puede significar que no puede permitirse determinada inter-
pretación. Pero el principio general no actúa, como tal, para sustituir a un texto legislativo existente. En
consecuencia, opino que no tiene «efecto directo», aunque pueda inequívocamente afectar, y a veces afec-
te, a la solución jurídica adecuada.” (apdo. 78).
39 Si la STJCE W. WILHELM (de 13 de febrero de 1969) ya le reconocía efecto directo a tal precepto, la recaí-
da en el asunto WALRAVE (de 12 de diciembre de 1974) entendió que éste tenía incluso efecto directo
horizontal, esto es, entre particulares.
40 En el caso ANGONESE, que trataba sobre el acceso al empleo en la banca privada, el TJCE declaró que la
prohibición de discriminación por razón de la nacionalidad establecida en el artículo 39 TCE regía, igual-
mente, en las relaciones entre particulares (de 6 de junio de 2000, C-281/98, apdo. 36).
41 Cfr. SSTJCE: DEFRENNE II (de 8 de abril de 1976, C-43/75); COLOROLL PENSION TRUSTEES (de 28 de
septiembre de 1994, C-200/91), en la que se señala que dicho artículo (ex 119) “genera derechos para los
particulares que los órganos jurisdiccionales nacionales deben salvaguardar. Habida cuenta del carácter
imperativo de dicha disposición, la prohibición de discriminaciones entre trabajadores masculinos y feme-
ninos se impone no únicamente a la actividad de las autoridades públicas, sino que se extiende asimismo a
los contratos entre particulares, así como a todos los convenios que se formalizan para regular, de forma
colectiva, el trabajo por cuenta ajena”; véanse, igualmente: GERSTER (de 2 de octubre de 1997, C-1/95);
SUSANNE LEWEN (de 21 de octubre de 1999, C-333/97).
42 El Abogado General M. Poiares Maduro señala al respecto (cfr. las conclusiones ya citadas al asunto C-
438/05, apdo. 44), por ejemplo, los asuntos HAG GF (de 17 de octubre de 1990, C-10/89, apdos. 15 y ss.) o
IHT (de 22 de junio de 1994, C-9/93, apdos 41 y ss.)

278
La Drittwirkung de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea

tario. Y no por falta de apoyo doctrinal al respecto, sino por la ausencia –al menos por
ahora- de una casuística jurisprudencial clara que lo corrobore (el reconocimiento de
dicha eficacia al principio general a la igualdad de trato se ha hecho siempre existien-
do una disposición normativa comunitaria en la que apoyarse).43 No obstante, y
pasando al plano hipotético, no parece descabellado pensar en una posible eficacia
horizontal directa de un DF (en cuanto principio general del Derecho comunitario)
como el derecho a formar parte de un sindicato y a participar en las actividades sin-
dicales.44 Por otra parte, tampoco cabe descartar que algunos de los derechos recono-
cidos en la Carta de Niza, como el derecho a emprender medidas o acciones de con-
flicto colectivo, incluida la huelga (del artículo 28 de la misma), puedan llegar a tener
efectos erga omnes, siempre que dicha Carta alcance eficacia jurídica vinculante45 [si
bien, es justo recordarlo, una lectura “estricta” del ya recordado artículo 51.1 de la
Carta, parece descartar el efecto horizontal “directo” -aunque no el indirecto- de las
disposiciones allí contenidas al establecer expresamente como (¿únicos?) destinatarios
de la misma a las instituciones, órganos y organismos de la Unión y a los Estados
miembros únicamente cuando apliquen Derecho de la Unión46].47
Pero al margen de estos casos, hay que entender que, al igual que sucede con los
Derechos Fundamentales reconocidos en las Constituciones nacionales, la eficacia de
los DFUE en las relaciones entre particulares (la eficacia protectora de los mismos
frente a los ataques de terceros) tiene vocación de ser articulada a través de la actua-
ción del poder público, especialmente del legislador.48 Y hay que colegir igualmente

43 Véanse los casos apuntados al hilo del párrafo anterior del texto principal. Cabría mencionar, quizás, a títu-
lo de salvedad el reconocimiento de eficacia horizontal al derecho a la igualdad de trato con independen-
cia de la edad (no discriminación por razón de la edad) como principio general del Derecho comunitario en
el asunto MANGOLD (de 22 de noviembre de 2005, C-144/04), resolución en la que se reconoció (en cuan-
to principio general) la prohibición de discriminación por razón de la edad en una relación inter privatos
aunque no existía una disposición normativa con efecto directo horizontal al efecto. Véase, al respecto, por
ejemplo, las Conclusiones de la Abogado General V. Trsrenjak, en el asunto CARP Snc DI L. MOLERI, C-
80/06, de 29 de marzo de 2007, apdos. 69 y 70. Sobre la aplicación horizontal de los principios generales del
Derecho comunitario véase también las ya aludidas Conclusiones de la Abogado General E. Sharpston al
asunto B. BARTSCH (C-427/06), apdos. 78 y ss. Sobre la impedancia del case law a establecer obligaciones
inter privatos derivadas de los principios generales sin apoyo en disposiciones de los Tratados: T. TRIDI-
MAS, The General Principles of EU Law, op, cit., pp. 47 y ss.
44 Derecho reconocido en SSTJCE como: RUTILI (de 28 de octubre de 1975, C-36/75); o UNION SINDICA-
LE (de 8 de octubre de 1974, C-175/73).
45 El TJCE viene invocando el 28 de la Carta aun antes de que está adquiera fuerza jurídica vinculante. Así,
por ejemplo, en la STJCE INTERNATIONAL TRANSPORT WORKERS’FEDERATION (de 11 de diciem-
bre de 2007, C-438-05, apdos. 43 y 44).
46 Teniendo en cuenta, eso sí, la noción comunitariamente amplia o allargata de la State action o State ema-
nation.
47 Al respecto, por ejemplo: P. CRAIG, EU Administrative Law, op. cit., pp. 498 y ss.; FERRARO, “Le dispo-
sizioni finali della Carta di Nizza e la multiforme tutela...”, op. cit., pp. 525 y ss.
48 Es usual señalar, en este sentido, que las normas relativas a los derechos fundamentales, normas iusfunda-
mentales que se reconocen para articular las relaciones entre los particulares y el poder público, se trans-
forman en normas jurídicas que se aplican entre particulares, ilustrando que dicho poder público “es el ter-
cero en todo litigio entre particulares y lo es a través de la propia Ley y del Juez que la aplica” [M. SHAPI

279
Juan Ignacio Ugartemendia Eceizabarrena

que, en ocasiones, esa intermediación legislativa debería ser no sólo aconsejable sino,
además, necesaria, al menos siempre que las medidas de tutela frente a ataques de ter-
ceros pasen por prever limitaciones al ejercicio de los Derechos Fundamentales (no
obstante un eventual relajado entendimiento de lo establecido al respecto por el art.
52.1 de la propia Carta de Niza).49
En cualquier caso, llegados aquí es necesario constatar una cuestión básica: la efi-
cacia horizontal de los DFUE se articula normalmente a través del necesario concur-
so o intermediación del legislador “estatal”, pese a que pueda existir, en su caso, una
eventual participación del legislador europeo. Ello es debido a que la Unión Europea
carece de una competencia in genere para regular en materia de Derechos
Fundamentales (sin perjuicio de de facultades específicas para la regulación de algu-
nos de ellos).50 La UE, que está capacitada para imponer que los DFUE actúen como

RO y A. STONE SWEET, On Law, Politics & Judicialization, Oxford University Press, Oxford, 2002, p. 35;
cita tomada de las ya señaladas Conclusiones del Abogado general M. Poiares en el asunto C-438/05, apdo.
39. En estas conclusiones, se entiende además (apdo. 38), que el conocido caso SCHMIDBERGER (de 12 de
junio de 2003, C-112/00), caso que se activo y desarrolló como una acción de un particular frente al Estado,
fue un asunto que el TJCE vino a resolver contraponiendo la eficacia horizontal del principio fundamental
de libre circulación –de mercancías- al derecho a la libre circulación de unos manifestantes; un asunto que
demuestra, a la postre, la inexistencia de diferencias esenciales entre el efecto horizontal directo e indirec-
to. Véase, también, al respecto: M. KUMM y V. FERRERES, “What Is So Special about Constitutional
Rights in Private Litigation? A Comparative Analysis of the Function of State Action Requirements and
Indirect Horizontal Effect”, en A. SAJÓ y R. UITZ, The Constitution in Private Relations, op. cit., pp. 241
y ss., espec. 253]; T. GIEGERICH, “Injecting Fundamental Rights into Private Law Relations: The U.S.
Approach from a Comparative Perspective”, op. cit., pp. 251 y ss.;
49 El art. 52.1 de la Carta establece que “cualquier limitación del ejercicio de los derechos y libertades reco-
nocidos por la presente Carta deberá ser establecida por la ley y respetar el contenido esencial de dichos
derechos y libertades. Dentro del respeto del principio de proporcionalidad, sólo podrán introducirse limi-
taciones cuando sean necesarias y respondan efectivamente a objetivos de interés general reconocidos por
la Unión o a la necesidad de protección de los derechos y libertades de los demás.” Y según parece, la ini-
cial introducción del término “ley” en este artículo (Carta 4149/00, Convención 13) se hizo desde la idea de
entenderla en la misma línea que lo hace el TEDH (respecto los arts. 8, 9, 10 y 11) del CDH, esto es, como
ley en sentido material y no en sentido formal (cfr. T. GROPPI, “Art. 52. Portata dei diritti garantiti”, en
R. BIFULCO, M. CARTABIA y A. CELOTTO, L’Europea dei diritti. Commento alla Carta dei diritti fonda-
mentali dell’Unione Europea, Il Mulino, Bologna, 2001, p. 354. Es importante señalar, en cualquier caso,
que ni las Explicaciones a la Carta elaboradas por la Iª Convención, ni las que derivan de los retoques dados
por la Convención que elaboró el Tratado Constitucional (2004), ni obviamente las del 2007 (2007/C
303/02; DOCE 14 de diciembre de 2007) establecen nada en este sentido.
50 Es verdad que los Tratados constitutivos reconocen a las instituciones capacidades de actuación comunita-
ria en materias relativas a derechos fundamentales; pero se trata básica y especificadamente de capacidades
relativas a las libertades fundamentales, a la igualdad de trato (arts. 12, 13 y 141.3 TCE), a los derechos de
ciudadanía o a la capacidad regulativa dentro de la acción exterior comunitaria en la política de coopera-
ción al desarrollo (art. 177 TCE). El Derecho comunitario y la UE no tienen una competencia normativa
general para regular en materia de derechos fundamentales. Tal y como señaló el TJCE: “ninguna disposi-
ción del Tratado confiere a las Instituciones comunitarias, con carácter general, la facultad de adoptar nor-
mas en materia de derechos humanos o de celebrar convenios internacionales en este ámbito” (apdo. 27 del
Dictamen 2/94 del TJCE, de 28 de marzo de 2006, sobre la Adhesión de la Comunidad Europea al Convenio
para la Protección de los Derechos Humanos y de las Libertades Fundamentales).
Por otra parte, es posible señalar la existencia de una Agencia de los Derechos Fundamentales de la Unión
Europea, con sede en Viena (Fundamental Rights Agency o FRA, creada mediante Reglamento del Consejo

280
La Drittwirkung de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea

barreras de la actuación del poder público estatal, que lo está también para actuar nor-
mativamente en materia de libertades de mercado o en lo que se refiere a la igualdad
de trato, carece sin embargo de una competencia para regular y limitar la libertad
individual, la libertad de expresión, el derecho de reunión o cualquiera de los
Derechos Fundamentales clásicos. La Unión y el legislador sólo podrán actuar norma-
tivamente en este campo, y por tanto, también en la articulación normativa de una
eficacia inter privatos de los DFUE, en la medida que haya atribuciones competencia-
les específicas al respecto por parte de los Estados, atribuciones, a la postre, para regu-
lar (tutelar y limitar) derechos fundamentales en determinadas situaciones. El legisla-
dor de la Unión puede participar más o menos en la articulación de una eficacia hori-
zontal de los DFUE (no expresamente reconocidos en los Tratados), pero esa eficacia
solo se perfeccionará con la actuación del legislador estatal de los derechos fundamen-
tales. Llegados aquí, hay que señalar que la inexistencia de una competencia general
de la UE en materia de regulación de Derechos Fundamentales puede hacer pensar
que los DFUE solo tienen eficacia vertical y carecen de eficacia horizontal cuando ésta
deba articularse a través de la ley. Sin embargo, eso sería tanto como admitir que esos
derechos solo rigen en ocasiones o parcialmente. Lo que en realidad ocurre es que su
eficacia horizontal, que existe, se vehicula y actúa (normalmente, salvo atribución
específica a la Unión) a través del legislador nacional, que es el competente en mate-
ria de regulación de los DF. Pero ello no solo es una posibilidad o una componenda.
Es una obligación del legislador estatal. Ello significa que la desprotección civil o
penal (o la no suficiente protección) de un determinado Derecho Fundamental, como
por ejemplo, pongamos por caso, la que podría producirse al despenalizar el allana-
miento de morada, no solo sería inconstitucional, sino que, tratándose del ámbito de
aplicación del Derecho de la UE, y por tanto de los DFUE, sería en primer lugar, con-
trario a ese Derecho, generando un evidente incumplimiento estatal (que puede dar
lugar a la correspondiente responsabilidad extracontractual estatal).
Por lo demás, resta apuntar que la eficacia horizontal de los DFUE no solo se
articula, en su caso, a través del legislador sino que también hace lo propio con el Juez
nacional encargado de aplicar el Derecho de la Unión,51 Derecho que debe ser acor-

nº 168/2007, de 15 de febrero de 2007, DO L 53/2, de 22 de febrero de 2007; que viene a suceder al


Observatorio Europeo del Racismo y la Xenofobia, creado en 1997, por el Reglamento 1035/97), un organis-
mo de derecho público con personalidad jurídica propia, que ha sido creado para avanzar en la tarea de la
protección y la promoción de los DF de la UE. No obstante ello, y sin ánimo de pretender escatimar ningún
juicio positivo a dicha configuración institucional y a las funciones que se le encomiendan (consultivas,
informadoras, etc.; véase el artículo 4 del Reglamento), puede ser interesante traer a colación que la propia
regulación de la Agencia deja entrever con cierta claridad las limitaciones de la capacidad de la Unión para
actuar de forma activa en materia de DFUE. Piénsese, por ejemplo, en el dato que dicha Agencia ha sido crea-
da sobre la base jurídica de la cláusula de imprevisión del art. 308 TCE (confirmando así la ausencia de un
precepto base que prevea en términos generales la competencia para actuar en materia de DF); o que el
Reglamento que la articula le excluye expresamente la posibilidad de que pueda llevar a cabo un control
jurisdiccional de la actividad institucional utilizando dichos derechos como parámetro de legalidad, etc.
51 E incluso sobre la Administración, como se deduce de la STJCE FRATELLI COSTANZO (de 22 de junio de
1989, C-103/88).

281
Juan Ignacio Ugartemendia Eceizabarrena

de con los DFUE. Ese Juez (“el juez nacional como Juez comunitario”), que está vin-
culado vertical o negativamente a desarrollar su labor desde el respeto a esos derechos,
está también obligado a hacerlos respetar cuando tenga que intervenir en el ámbito de
las relaciones entre particulares. Y en este sentido, como es conocido, uno de los ins-
trumentos de los que dispone el juez nacional en cuestión a la hora de tutelar los
DFUE es el de realizar (o estar obligado a realizar) una interpretación del Derecho que
debe aplicar que sea “conforme” a los mismos, a su eficacia también en las relaciones
entre particulares.52

52 Sobre la interpretación conforme: R. ALONSO GARCÍA, “La interpretación del Derecho de los Estados
conforme al Derecho Comunitario: las exigencias y los límites de un nuevo criterio hermenéutico”, Revista
Española de Derecho Europeo, 28, 2008, pp. 385 y ss.; M. SCHILLIG, “The interpretation of European
Private Law in the Light of Market Freedoms and EU Fundamental Rights”, op. cit., pp. 285 y ss., espec.
297 y ss. y 308 y ss.

282
Diversidade Cultural no Direito Internacional
em um Horizonte de Justiça Internacional
Fabiana de Oliveira Godinho1

Sumáárioo: I. Introdução: Diversidade Cultural e Justiça Internacional II. Diversidade cultural como um conceito do
direito internacional positivo III. Diversidade Cultural e Direitos Humanos IV. Reflexões Finais – Diversidade
Cultural no Direito Internacional: justiça internacional?

I. Introdução: Diversidade Cultural e Justiça Internacional

A Cultura e o Direito Internacional estão intimamente interligados. Em uma


perspectiva mais ampla, a cultura representa um elemento constitutivo do Direito
Internacional. Como produção humana, por outro lado, o Direito Internacional
constitui, ele próprio, cultura. Em meio a essa constelação, contextos culturais
impõem, a todo momento, barreiras de difícil transposição à realização e ao desdo-
bramento dos valores consagrados na ordem jurídica internacional. A questão da rea-
lização da justiça por meio do Direito Internacional em um contexto de diversidade
cultural não pode ser analisada sem a consideração dessa complexa realidade. Os pró-
prios conceitos de “justiça”2 e de “cultura”,3 subjacentes a esse questionamento,
encerram noções bastante fluidas e abrangentes,4 que prenunciam a complexidade
das reflexões aqui propostas.
Sobretudo a partir dos anos 90, a diversidade cultural mundial vem impondo
desafios diretos à função e à estrutura do Direito Internacional.5 Diversos são os fato-

1 LL.M. com ênfase em Direito Internacional Público na Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg. Professora


da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e do Centro Universitário UNA (2004-2006, Belo
Horizonte). Doutoranda da Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg. Pesquisadora do Max Planck Institute
for Comparative Public Law and International Law (Heidelberg).
2 O termo “justiça” é expressamente utilizado no Direito Internacional, por exemplo, na Carta da ONU. O arti-
go 1º do documento exige que os Estados persigam os objetivos das Nações Unidas “de acordo com os prin-
cípios da justiça e do direito internacional”. Essa fórmula oferece indício de que “justice” constitui algo mais
do que simples vínculo a tratados internacionais, direito costumeiro e princípios gerais de direito. Ver R.
Wolfrum, Preâmbulo e Objetivos, in: B. Simma (Ed.) The Charter of the United Nations, 2002, p. 36 e p. 43.
3 O conceito de cultura aqui utilizado abrange o conjunto das percepções coletivas e do modo de vida de uma
sociedade ou grupo social, incluindo seus costumes, concepções morais, sistemas de valores, tradições, ati-
vidades econômicas etc. Esta interpretação ampla da noção de cultura também é utilizada no preâmbulo da
Declaração sobre Diversidade Cultural da UNESCO: “Cultura (...) abrange, além das artes e das letras, os
modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças.”
4 Como ressaltam T. Kelly e M. Dembour, “Justice is often invoked but rarely defined” – T. Kelly/M.
Dembour, Paths to International Justice, 2007, p. 8.
5 Para um panorama geral, ver M. Iovane, The Universality of Human Rights and the International
Protection of Cultural Diversity: Some Theoretical and Practical Considerations, International Journal on
Minority and Group Rights, 14(2007), p. 231-262.

283
Fabiana de Oliveira Godinho

res e acontecimentos que despertaram (e ainda despertam), na comunidade interna-


cional, o olhar mais aguçado para a diversidade de culturas que a compõem.6 Nesse
processo, o movimento de globalização e de consequente intensificação dos contatos
e dos diálogos entre as culturas exigem do Direito Internacional respostas cada vez
mais direcionadas, especialmente no que tange ao problema da potencial ameaça à
diversidade cultural.
No âmbito universal, sobretudo os debates no contexto da UNESCO determina-
ram o desenvolvimento e o delineamento da noção de “diversidade cultural”.7 Esta
noção foi formalmente enunciada na Declaração da UNESCO do ano de 2001,8 sendo
descrita como “fonte de intercâmbios, de inovação e de criatividade”9 e como elemen-
to constitutivo do “patrimônio comum da humanidade”.10 A diversidade cultural é
compreendida como fator de desenvolvimento humano, na medida em que promove
uma “existência intelectual, afetiva, moral e espiritual”11 mais satisfatória. O docu-
mento declara, ainda, que “a defesa da diversidade cultural (…) é inseparável do res-
peito à dignidade humana”. A proteção da diversidade das culturas exige, portanto, “o
compromisso de respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais, em par-
ticular os direitos das pessoas que pertencem a minorias e dos povos autóctones”.12
O enunciado formal na Declaração da UNESCO é acompanhado por inovações
na ordem jurídico-normativa internacional. De grande significado é a adoção da
Convenção da UNESCO sobre a proteção e promoção da diversidade das expressões
culturais no ano de 2005 (II). Esse documento aplica-se, a princípio, ao conflito entre
“políticas culturais nacionais” e “comércio mundial”, servindo, portanto, a um contex-
to predominantemente econômico. Não obstante, seu texto incorpora um abrangente
marco normativo vinculante para a proteção específica e direta da diversidade cultu-
ral no mundo. A Convenção reforça duas tendências distintas e complementares no
Direito Internacional (III): por um lado, o reconhecimento, por meio da elaboração
de marcos normativos especiais, da existência culturalmente diversificada dos indiví-
duos, grupos e povos; por outro, a consideração das diferenças culturais na aplicação
das normas e princípios vigentes do Direito Internacional.

6 Dentre esses fatores, destacam-se tanto experiências concretas de desenvolvimento de Estados multicultu-
rais quanto reflexões teóricas sobre direitos de grupos e multiculturalidade. Para um panorama geral, ver G.
Nolte, Kulturelle Vielfalt als Herausforderung für das Völkerrecht, in: Nolte/Keller/von Bogdandy et.al.
(Ed.) Pluralistische Gesellschaften und Internationales Recht, 2008, p. 1 ss. Ver, ainda, A. von Bogdandy,
Die Europäische Union und das Völkerrecht kultureller Vielfalt – Aspekte einer wunderbaren
Freundschaft in: Nolt/Keller/von Bogdandy et. al. (Ed.), 69 ss.
7 Sobre esse desenvolvimento no âmbito da UNESCO, ver S. von Schorlemer, Cultural Diversity, in: R.
Wolfrum (Ed.) Max Planck Encyclopedia of Public International law, Oxford 2008, em edição.
8 UNESCO Universal Declaration on Cultural Diversity, Paris, 2 November 2001, UNESCO Doc. 31C/Res.25,
Annex I; ILM 41, 57 (2002).
9 Artigo 1º.
10 Ibid.
11 Artigo 3.
12 Artigo 4.

284
Diversidade Cultural no Direito Internacional
em um Horizonte de Justiça Internacional

A dinâmica do Direito Internacional revela e, ao mesmo tempo, exige uma nova


postura da comunidade internacional no trato da diversidade cultural. Velando por
uma relação mais digna entre os atores dessa diversidade, essa dinâmica, longe de ser
o fator definitivo, carrega um indiscutível potencial para o futuro estabelecimento de
relações mais equilibradas entre os sujeitos da comunidade internacional. A criação de
circunstâncias adequadas para o desenvolvimento pleno das culturas e a coexistência
equilibrada entre elas constitui, por fim, o parâmetro de “justiça internacional” que
guia as reflexões aqui propostas.13
Considerando-se a realidade específica da América Latina, a temática da identi-
dade cultural, da riqueza de planos culturais, bem como o histórico de negligência
dessa diversidade no passado constituem fatores de convergência entre os Estados e
entre as culturas que os compõem. Nessa perspectiva, e tendo em vista a relação de
complementaridade entre os frameworks internacional, regional e local, avanços no
Direito Internacional para a proteção da diversidade cultural aparecem, também,
como criação de parâmetros mínimos comuns para a busca de maior “justiça cultural”
naquela região. Sem a intenção de exaurir o tema em sua complexidade, as reflexões
aqui conduzidas devem servir, por fim, como tímido impulso ao “pensar o Direito”,
sob uma perspectiva de integração, na América Latina.

II. Diversidade cultural como um conceito do direito internacional


positivo

A Convenção da UNESCO sobre a proteção e promoção da diversidade das


expressões culturais foi adotada no dia 20 de outubro de 2005,14 como resultado de
longas discussões sobre o status dos bens culturais e das prestações de serviços no con-
texto das normas da Organização Mundial do Comércio (WTO).15 A questão central
a esses debates é a existência de um conflito fundamental entre cultura e comércio
mundial, reforçado pela globalização e pela consequente intensificação do intercâm-
bio cultural em escala global.16 Os efeitos negativos da globalização, sobretudo sobre
culturas não-dominantes e indústrias culturais mais fracas, inspiraram movimentos
contrários à inclusão dos produtos e serviços culturais no sistema de comércio mun-
dial sem barreiras. Esses contra-movimentos firmaram o caminho à adoção de um ins-

13 As reflexões aqui propostas não consideram, portanto, os importantes fundamentos filosóficos e filosófico-
jurídicos do conceito de justiça internacional.
14 UNESCO Doc. 33C/23, 4.8.2005, Paris 2005, Annex V.
15 Para um panorama geral, ver S.v. Schorlemer, Kulturpolitik im Völkerrecht verankert, in: Deutsche UNES-
CO-Kommission e.V. (Ed.) Übereinkommen über Schutz und Förderung der Vielfalt kultureller
Ausdrucksformen, 2006, p. 40 ss.
16 De forma geral, sobre o conflito entre cultura e comércio mundial, ver T. Voon, Cultural Products and the
World Trade Organization, Cambridge 2007, p. 3 ss. Ver, ainda, R. J. Neuwirth, United in Divergency: A
Commentary on the UNESCO Convention on the Protection and Promotion of the Diversity of Cultural
Expression, ZaöRV 66(2006), p. 820-862 (821 ss.).

285
Fabiana de Oliveira Godinho

trumento jurídico internacional vinculante.17 Diante do reconhecimento de um ele-


mento de “identidade” inerente aos produtos e serviços culturais, e que ultrapassa o
caráter puramente econômico dos mesmos, a Convenção da UNESCO visa a fortale-
cer a soberania dos Estados na definição de políticas e medidas relacionadas às expres-
sões culturais em seus territórios, com vistas à proteção e promoção da diversidade
cultural no mundo.
Apesar de a Convenção da UNESCO determinar, em primeiro plano, o reconhe-
cimento do caráter especial de produtos e serviços culturais no contexto da ordem do
comércio mundial,18 a singularidade desse documento reside na consagração da diver-
sidade cultural como um valor em si. Pela primeira vez, esse conceito é definido em
um documento jurídico vinculante como “característica essencial da humanidade” e
“patrimônio comum da humanidade”, sem qualquer ligação com o reconhecimento
dos direitos de grupos específicos ou com aspectos temáticos determinados.
Não se pode dizer, de forma decisiva, que a noção de promoção de um ideal
maior de “justiça” entre culturas ou no trato destas e de suas expressões culturais cons-
titui fundamento imediato e concreto da elaboração da Convenção em questão. Sabe-
se, ao contrário, que a resistência econômica contra indústrias culturais superpodero-
sas – em especial a indústria audiovisual norte-americana – e contra seus efeitos nega-
tivos sobre a concorrência econômica desempenhou importante papel na condução
dos esforços dos Estados signatários.19 De todo modo, a Convenção deixa transparecer
referências de ideais de justiça, que remontam aos enunciados da Declaração
Universal sobre a Diversidade Cultural de 2001.20

1. Diversidade Cultural e Justiça na Convenção da UNESCO de 2005

A Declaração da UNESCO de 2001 associa o significado da diversidade cultural


para a humanidade ao significado essencial da diversidade biológica para a natureza.21
O diálogo entre os dois campos temáticos pode ser reconhecido em diferentes aspectos
da posterior Convenção de 2005. A Convenção procura, da mesma forma que se obser-
va no contexto do Direito Ambiental, oferecer resistência normativa e principiológica

17 Esses movimentos encontraram sua primeira expressão pragmática no contexto da doutrina da “cultural
exception”. Ver I. Bernier, A UNESCO International Convention on Cultural Diversity, in: C. B. Graber
(Ed.) Free Trade versus Cultural Diversity, Zürich 2004, p. 65-77 (68 ss.). Também J. Musitelli, L’Invention
de la Diversité Culturelle, Annuaire Francais de Droit International, 51(2005), p. 512-523.
18 A. Kolliopoulos, La Convention de L’UNESCO sur la Protection et la Promotion de la Diversité des
Expressions Culturelles, Annuaire Francais de Droit International, 51 (2005), p. 487-511 (488ss).
19 Sobre isso, ver G. Nolte, p. 6. Sobre o debate nesse contexto, C. B. Graber, Audio-visual policy: the stum-
bling block of trade liberalization? In: D. Geradin (Ed.), The WTO and global convergence in telecommu-
nications and audio-visual services, 2004, p. 165-214.
20 O último parágrafo do preâmbulo da Convenção da UNESCO faz referência expressa ao respeito aos prin-
cípios da Declaração Universal da UNESCO de 2001.
21 Artigo 1º da Declaração Universal de 2001. Para argumentos contrários à referência à diversidade biológi-
ca como fundamento para a proteção da diversidade cultural, ver G. Nolte, p. 12 ss.

286
Diversidade Cultural no Direito Internacional
em um Horizonte de Justiça Internacional

à destruição ou à degradação de elementos vitais ao desenvolvimento integral da exis-


tência humana, considerando, como um desses elementos, a diversidade das culturas.
Dessa forma, podem-se extrair do documento determinadas reflexões, que se aproxi-
mam das noções de justiça desenvolvidas no âmbito da proteção do meio ambiente.
O próprio objetivo geral da Convenção de se contrapor ao perigo de uma homo-
geneização das culturas revela um primeiro aspecto de justiça distributiva. Esta pode
ser vislumbrada, a princípio, na idéia da distribuição internacional desigual dos cus-
tos culturais decorrentes do processo de globalização.22 A intensificação do intercâm-
bio cultural coloca em risco especialmente a base cultural de países econômica e cul-
turalmente menos favorecidos ou menos fortalecidos. Como esse risco é potencializa-
do por medidas estatais para a liberalização do comércio mundial, providências esta-
tais de proteção contra os efeitos do mercado surgem como medidas, também, de dis-
tribuição e de justiça.23
O princípio do acesso equitativo aos elementos fundamentais da vida, inerente à
noção de justiça ambiental,24 também pode ser reconhecido na Convenção da UNES-
CO em questão. Nela, esse princípio é representado pela determinação e exigência de
um acesso equitativo à diversidade cultural – a mesma tida como elemento fundamen-
tal de uma existência humana mais digna.25 O acesso equitativo aos fundamentos
vitais é complementado pelo mandamento de justiça intergeracional.26 A diversidade
cultural é compreendida, na Convenção, como condição para o desenvolvimento sus-
tentável em favor das gerações atuais e futuras.27 Também sobre este postulado ético
devem-se firmar as medidas estatais para a proteção das expressões culturais.
Uma margem de apreciação consideravelmente ampla é concedida aos Estados na
realização das referências de “justiça” na Convenção.28 As medidas estatais correspon-
dentes devem ser definidas, senão, com base na análise de situações isoladas e concre-
tas. Ainda assim, os objetivos e fundamentos da Convenção, refletidos em toda a parte
operativa do documento, oferecem diretrizes para a formação de relações mais equili-

22 Sobre os desiguais “custos ambientais” como aspecto da justiça distributiva no âmbito da justiça ambiental,
ver M. Kloepfer, Umweltgerechtigkeit, Environmental Justice in der deutschen Rechtsordnung, Berlin
2006, p. 30. Ver, ainda, Bosselmann/Schröter no sentido de que a justiça intrageracional aspira a uma justa
distribuição do aproveitamento e do desgaste (ambientais). K. Bosselmann/M. Schröter, Umwelt und
Gerechtigkeit, Baden-Baden 2001, p. 48.
23 De maneira similar, no contexto da justiça ambiental, M. Kloepfer, p. 31.
24 Ibid, p. 39.
25 Artigo 2, 7 da Convenção da UNESCO. Nesse dispositivo, “diversidade” é tratada tanto como processo quan-
to resultado de um processo. Nesse contexto, não só o acesso equitativo “a uma rica e diversificada gama de
expressões culturais provenientes de todo o mundo”, como também o acesso das culturas “aos meios de expres-
são e de difusão” são previstos. O resultado desse processo é a própria “valorização da diversidade cultural”.
26 Sobre o conceito de justiça intergeracional no âmbito da proteção ambiental, ver Bosselmann/Schröter, p.
49ss.
27 Artigo 2, 6 da Convenção. De forma geral, sobre o fundamento ético da noção de “desenvolvimento susten-
tátvel”, ver U. Beyerlin, Gedanken zur ethischen Fundierung internationaler Umweltschutznormen am
Beispiel des Konzepts “nachhaltige Entwicklung”, in: A. Fischer-Lescano (Ed.) Frieden in Freiheit, Baden-
Baden 2008, p. 581-594.
28 Artigos 6 a 8 da Convenção da UNESCO.

287
Fabiana de Oliveira Godinho

bradas na comunidade internacional no âmbito da diversidade das culturas. Partindo


do reconhecimento da “igual dignidade” de todas as culturas,29 tal equilíbrio deve ser
realizado por meio de diálogo30 e interculturalidade,31 baseando-se no respeito aos
direitos humanos,32 na solidariedade e na cooperação. Guiados por esses fundamentos,
devem os Estados criar condições para fortalecer a diversidade cultural em seus terri-
tórios e, dessa forma, promover a diversidade global como um fundamento vital.33
Se é possível identificar momentos de uma justiça internacional na Convenção
da UNESCO, nada se conclui, a princípio, sobre o potencial efetivo desse instrumen-
to jurídico para a concretização de tais ideais. O caráter das obrigações acordadas entre
os Estados-partes (2.a), o impacto e as influências do instrumento da UNESCO sobre
a comunidade e a ordem jurídica internacionais (2.b.), bem como o seu potencial de
harmonizar os diversos, e muitas vezes divergentes, interesses dos múltiplos atores da
diversidade cultural (2.c.) constituem aspectos determinantes nesse contexto.

2. Realização de Justiça Internacional por meio da Convenção da UNESCO?

a) As obrigações dos Estados-Partes

A primeira leitura do texto da Convenção já revela o caráter aberto e brando das


“obrigações” ali acordadas pelos Estados signatários. A maior parte das normas encer-
ram, antes, intenções, desprovidas de vínculo ou grau de compromisso mais forte.
Fórmulas brandas, como “as partes procurarão”, “as partes deverão esforçar-se” ou “as
partes envidarão esforços”34 são predominantes na parte operativa do documento.
Essa estrutura, por si só, não gera pessimismo em relação aos efeitos práticos e ao sig-
nificado da Convenção. Ao contrário, o estabelecimento de um primeiro consenso em
torno de compromissos mais flexíveis entre as partes, deixando-se a possível definição
de obrigações mais concretas para um estágio posterior de negociações, corresponde à
dinâmica corriqueira da elaboração de tratados internacionais.35
O ponto de indagação na Convenção da UNESCO constitui, antes, a eventual
constatação de que suas fórmulas brandas podem ser um reflexo do caráter predomi-
nantemente econômico do interesse central dos Estados: oferecer, acima de tudo, resis-
tência contra a avassaladora concorrência norteamericana no campo das indústrias cul-
turais audiovisuais.36 Tendo em vista esse interesse econômico central, os Estados-par-

29 Artigo 2, 3 da Convenção.
30 Artigo 1 c).
31 Artigo 1 d).
32 Artigo 2, 1.
33 Artigo 1 i) e Artigo 2, 4.
34 Como, por exemplo, nos Artigos 7, 1 e 2, Artigo 10 c), Artigos 12, 13 e 14. Observam-se, ainda, enunciados
como “os Estados facilitarão” (Artigo 16) ou “os Estados reconhecem” (Artigo 11).
35 Sobre essa dinâmica, ver U. Beyerlin, Umweltvölkerrecht, München 2000, p. 37 ss.
36 Compare, aqui, G. Nolte, p. 6.

288
Diversidade Cultural no Direito Internacional
em um Horizonte de Justiça Internacional

tes não teriam demonstrado disposição de obrigar-se, de forma mais ampla e vinculan-
te, à preservação imediata e específica da diversidade cultural.37 Essa suposição coloca
a existência de uma convicção sólida e holística em torno do conceito da diversidade
cultural como um dos fins últimos da comunidade internacional, no mínimo, em dúvi-
da, e transfere as reflexões para um outro plano: pode a Convenção e seus “bons obje-
tivos”, independentemente do caráter do primeiro consenso adquirido, influenciar,
efetivamente, a ordem jurídica internacional e as relações no âmbito dessa ordem em
direção a uma maior justiça internacional no contexto da diversidade cultural?

b) O impacto da Convenção da UNESCO sobre a comunidade internacional e


sobre o ordenamento jurídico internacional

A possível contribuição da Convenção da UNESCO para a promoção da justiça


internacional no contexto da diversidade cultural depende, de forma imediata, do
impacto desse instrumento sobre a comunidade internacional. Esse impacto pode ser
sinalizado, em primeiro plano, pelo número de Estados que assinaram e ratificaram o
documento. Sobretudo no caso da convenção em análise, esse dado desempenha papel
significativo, já que as normas e princípios ali consagrados foram concebidos também
como contrapeso às regras da OMC. A maior concentração de Estados-partes fortale-
ce (ao mesmo tempo em que reflete) o grau de consenso em torno das regras da
Convenção e potencializa o seu reconhecimento e a produção de efeitos como deman-
da comum da comunidade internacional. Até o momento, 98 Estados ratificaram a
Convenção. O potencial antagônico desse número frente ao sistema da OMC é, a prin-
cípio, questionável. A entrada em vigor do instrumento em 18 de Marco de 2007, no
entanto, oferece razão para certo otimismo.38
O campo de aplicação da Convenção abrange as políticas e medidas estatais que,
de forma direta ou indireta, afetam as expressões culturais.39 No artigo 20, estão expres-
samente previstos o caráter holístico da Convenção e a sua relação de não-subordina-
ção com outras obrigações internacionais, já existentes ou futuras, dos Estados-partes.
Essa relação, expressa de forma um tanto cautelosa, funda-se sobre o “apoio mútuo” e
a complementaridade entre os diversos tratados.40 Sua concretização deve-se dar por
meio da consideração do conteúdo da Convenção da UNESCO quando da interpreta-
ção e aplicação de outros tratados pelos Estados-partes, sem que isso signifique qual-
quer modificação dos direitos e obrigações decorrentes de tais tratados.41

37 C. B. Graber, The New UNESCO Convention on Cultural Diversity: A Counterbalance to the WTO? In:
Journal of International Economic Law, 9, Nº 3, 2006, p. 553-574 (563).
38 Ver a lista atualizada das ratificações da Convenção em http://portal.unesco.org/la/conven-
tion.asp?KO=31038&language=E&order=alpha.
39 Schorlemer, Kulturpolitik im Völkerrecht verankert, p. 59.
40 Artigo 20, (1) a).
41 Artigo 20 (1) b) e (2).

289
Fabiana de Oliveira Godinho

Esse dispositivo representa, certamente, um plus para a forca de implementação


da Convenção da UNESCO, já que descarta, desde o princípio, uma eventual subordi-
nação jurídica do documento às regras do sistema da OMC.42 A relação de “comple-
mentaridade” estende, ainda, as possibilidades de argumentação nos termos da
Convenção da UNESCO também ao âmbito temático dos demais tratados internacio-
nais. Em conseqüência, podem-se identificar, de forma mais clara e com base nos
objetivos e finalidades desse instrumento, eventuais comportamentos indesejáveis.
Exatamente nesse aspecto seria possível reconhecer um potencial concreto para trans-
formação gradual e positiva das relações internacionais em favor da proteção e da pro-
moção da diversidade cultural no âmbito das políticas culturais nacionais. Ainda
assim, deve-se analisar o grau de abertura de outros contextos normativos – como, por
exemplo, o do sistema da OMC – para a recepção da proteção da diversidade cultural
em seus âmbitos.43 Nesse ponto, torna-se clara a necessidade de elaboração de diretri-
zes mais concretas para a interpretação e aplicação das regras da Convenção. Sem o
desenvolvimento ou a adaptação do quadro procedimental, por meio do qual ela possa
ser efetivamente observada em contextos mais diversificados, o potencial de justiça
desse instrumento fica minado ou, pelo menos, bastante enfraquecido.

c) Cooperação como meio para a proteção e promoção da diversidade cultural

A Convenção da UNESCO reconhece o fato de que a diversidade cultural somen-


te é possível por meio da relação entre uma multiplicidade de atores. É exatamente a
(equilibrada) concorrência de culturas – sobretudo por meio das expressões culturais
– de indivíduos, grupos e sociedades, que é protegida e promovida pela Convenção.44
A participação da sociedade civil nos esforços para o alcance dos objetivos desse ins-
trumento é, assim, considerada fundamental.45 As principais tarefas e as obrigações
para a promoção de um ambiente adequado para a manifestação mais livre e equili-
brada da diversidade das culturas são impostas, no entanto, aos Estados. Estes são os
destinatários dos direitos e obrigações por meio dos quais devem cumprir seu papel de
garantidores da diversidade cultural.46
Neste ponto, poder-se-ia argumentar que a Convenção impõe um retrocesso na
busca por justiça internacional, já que reforça a realidade de intermediação das neces-
sidades e da existência humana pelos Estados soberanos.47 Pelo menos no contexto do

42 Ver R.J. Neuwirth, p. 844 ss.


43 Sobre a relação entre o sistema da OMC e a Convenção da UNESCO, ver T. Voon, p. 183 ss. Já se pode obser-
var a produção de alguns efeitos iniciais da Convenção da UNESCO sobre as últimas negociações da OMC.
Ver Schorlemer, Kulturpolitik im Völkerrecht verankert, p. 60.
44 Ver Artigo 4 (I) e Artigo 7 (I).
45 Artigo 11.
46 Artigos 5 a 19 contêm os direitos e obrigações dos Estados-partes.
47 Compare, aqui, O. Kimminich, Probleme der internationalen Gerechtigkeit. Eine Völkerrechtliche
Perspektive, in: K. Ballestrem (Ed.), Probleme der internationalen Gerechtigkeit, München 1993, p.69ss.

290
Diversidade Cultural no Direito Internacional
em um Horizonte de Justiça Internacional

conflito entre cultura e mercado foi demonstrado, no entanto, que o afastamento da


presença do Estado (a favor do poder do mercado) pode significar um risco para a
diversidade cultural. A Convenção da UNESCO apresenta uma nova perspectiva, que
exige, mais do que proteção, o engajamento ativo e permanente dos Estados para o
estabelecimento de condições reais de desenvolvimento e exercício da diversidade
cultural. Um engajamento nesses termos, no entanto, só pode contribuir positivamen-
te para relações mais justas, se for confrontado com os interesses e direitos, nem sem-
pre convergentes, de indivíduos e grupos, tomando-os em consideração. Nesse con-
texto, o respeito aos direitos humanos internacionais, também acentuado na
Convenção da UNESCO, serve de limite à atuação do Estado e sinaliza, simultanea-
mente, um caminho para a conciliação de diferentes percepções de justiça e de diver-
gentes demandas por justiça no âmbito da diversidade das culturas.48
Tendo como pano de fundo a reconhecida (e desejada) concorrência de culturas,
a cooperação em âmbito nacional e internacional resulta como elemento central para
o cumprimento das finalidades da Convenção.49 O fortalecimento de diferentes par-
cerias – entre as partes, com a sociedade civil, com organizações não-estatais e com o
setor privado – assim como da promoção do emprego de novas tecnologias para esse
fim são expressamente requeridos.50 A cooperação internacional entre os Estados-par-
tes, por meio sobretudo de diálogo e de intercâmbio cultural e de informação, deve
oferecer a assistência mútua necessária para a proteção e a preservação das expressões
culturais, especialmente em situações de “grave ameaça”.51
De grande significado é o tratamento especial determinado para os Estados em
desenvolvimento na Convenção. A diversidade cultural é compreendida, no docu-
mento, como “condição essencial para o desenvolvimento sustentável”.52 A relação
entre cultura e desenvolvimento econômico e social compõe um princípio diretor.53
Nesse contexto, as necessidades especiais dos países em desenvolvimento devem ser
consideradas pelos Estados signatários e um engajamento positivo para o surgimento
de um “setor cultural” dinâmico e fortalecido nessas regiões deve ser empregado.54 No
documento, estão previstas diferentes medidas que visam, sobretudo, ao fortalecimen-
to de uma economia de cultura nesses países, à capacitação e à reunião de recursos
financeiros, inclusive com a criação de fundos internacionais para esse fim. O apoio à
dimensão sociocultural dos países em desenvolvimento deve ser realizado, ainda, por
meio da constituição de um marco institucional e jurídico adequado, no qual artistas,

48 O respeito aos direitos humanos internacionais está previsto no Artigo 2, 1 da Convenção.


49 A cooperação é prevista já no Artigo 2, 4, como princípio diretor.
50 Artigo 12 c) e d).
51 Artigo 17.
52 Artigo 2, 6.
53 Artigo 2, 5.
54 Artigo 14.

291
Fabiana de Oliveira Godinho

bens e serviços culturais provenientes desses países recebam um tratamento preferen-


cial nos países desenvolvidos.55
A Convenção da UNESCO oferece, dessa forma, uma nova perspectiva para a
consideração de justiça internacional no ramo do desenvolvimento social e econômi-
co. De acordo com essa perspectiva, o problema central do desenvolvimento social e
econômico não se limita ao clássico tema da distribuição inadequada de recursos; ele
pode incluir, também, outros fatores, como a inexistência dos fundamentos necessá-
rios para a manifestação e o desenvolvimento cultural. A resposta ao problema deve-
se dar, desse modo, sob uma nova perspectiva: a justiça internacional deve ser fomen-
tada, no âmbito do desenvolvimento social e econômico, não só por meio de medidas
emergenciais na forma de assistência financeira temporária; ela exige, para além disso,
medidas de criação ou fortalecimento de um “campo cultural” ativo e permanente nos
países em desenvolvimento. Esse desafio aumenta a necessidade de disposição direcio-
nada e permanente dos países desenvolvidos, no sentido de solidariedade.
Não obstante a Convenção da UNESCO ofereça campo fértil e bastante atual para
a análise aqui proposta, o tratamento da diversidade das culturas não se limita ao seu
âmbito de aplicação. Sobretudo no contexto mais amplo da proteção dos direitos
humanos e dos direitos das minorias, observam-se diferentes esforços de consideração
e de respeito às peculiaridades culturais, que complementam esse quadro.

III. Diversidade Cultural e Direitos Humanos

A noção de diversidade cultural consagrada já na Declaração da UNESCO de 2001


carrega um inerente desafio à clássica estrutura da proteção internacional dos direitos
humanos.56 De acordo com essa concepção, a diversidade cultural não deve ser encara-
da como fator de ameaça à integridade estatal, mas sim, como fator de “riqueza”.57 Nesse
marco paradigmático, o âmbito de manifestação e de proteção da dignidade humana não
se resume mais à antiga dicotomia “direitos individuais vs. obrigações estatais”, central
às normas clássicas de direitos humanos. A diversidade cultural é protegida e promovi-
da como fator de riqueza, quando, ademais de uma igualdade formal e material, também
o direito dos indivíduos e grupos culturalmente divergentes ao exercício positivo de suas
diferenças, em todas as suas relações sociais, é garantido. O fundamento nuclear da uni-
versalidade dos direitos humanos é questionado.58 Os direitos humanos são entendidos,

55 Artigo 16.
56 Compare M. Iovane, p. 231-262. Ver, ainda, W. Schmale, Human Rights in the Intercultural Perspective
and the Reorganisation of the International Debate, in: W. Schmale (Ed.), Human Rights and Cultural
Diversity, Goldbach 1993, p. 3-27.
57 O preâmbulo da Declaração ressalta que “o respeito à diversidade das culturas, à tolerância, ao diálogo e à
cooperação, em um clima de confiança e de entendimento mútuos estão entre as melhores garantias da paz
e da segurança internacionais” (7º parágrafo). Ver, ainda, Artigos 1 e 3 da Declaração.
58 De forma geral, sobre o conflito Universalismo x Relativismo, ver A. Bayefsky, Cultural sovereignty, rela-
tivism, and international human rights: new excuses for old strategies, in: E. Bulygin (Ed.), Changing struc-

292
Diversidade Cultural no Direito Internacional
em um Horizonte de Justiça Internacional

antes, como standards mínimos e universais para a proteção da dignidade humana em


todos os seus aspectos, incluindo o da diversidade cultural.59
No âmbito da proteção dos direitos humanos, e sob a perspectiva atualizada de
diversidade cultural, o pensar e realizar a justiça só pode ser conduzido por meio do
respeito e da ponderação de três aspectos: o da proteção da identidade cultural dos
indivíduos (principalmente por meio dos clássicos direitos humanos individuais); o do
interesse na proteção da identidade de grupos culturalmente divergentes;60 e, por fim,
o do respeito à cultura constitucional dos Estados, na medida em que incorporam inte-
resses culturais e a identidade cultural dominantes.61 Essa ponderação deve permear
tanto a definição de standards do Direito Internacional, quanto a aplicação de suas
normas e princípios nas diversas instâncias internacionais, e ainda, a implementação
dos mesmos pelos Estados.
A Declaração das Nações Unidas de 2007 sobre os Direitos dos Povos Indígenas
constitui um exemplo do desenvolvimento na definição de standards sob essa perspec-
tiva.62 Os seus princípios e diretrizes63 se referem à convergência dos três aspectos
citados sobretudo na configuração do direito de autonomia dos povos indígenas.64 Tal
autonomia deve ser definida, nos casos concretos, por meio de cooperação e de diálo-
go, de acordo com as circunstâncias especiais de cada Estado e de cada grupo indíge-
na, respeitando-se, ainda, os direitos dos indivíduos que compõem os grupos em ques-

tures in Modern Legal Systems and the Legal State Ideology, Berlin 1998, p. 249 267. Também J. J. Tilley,
Cultural Relativism, Human Rights Quarterly, 22(2000)2, p. 501-547.
59 De forma expressa, no Artigo 4 da Declaração da UNESCO.
60 Ver D. Kugelmann, The Protection of Minorities and Indigenous Peoples Respecting Cultural Diversity,
Max Planck Yearbook of United Nations law, 11(2007), p. 233-263. Os efeitos do conceito de diversidade
cultural sobre o desenvolvimento de direitos de grupos ainda não é claro. Diferentes tendências podem ser
observadas; tanto no sentido do fortalecimento do caráter jurídico individual dos direitos culturais no âmbi-
to do artigo 27 do Pacto Internacional sobre Direitos Divis e Politicos e de sua extensão aos grupos cultu-
rais em determinados casos; como também no desenvolvimento de marcos específicos no Direito
Internacional para a proteção e a promoção desses grupos. Ver S. von Schorlemer, Cultural Diversity.
61 De forma geral sobre essa ponderação no campo da relação entre proteção de grupos e proteção individual
no Direito Internacional, ver N. Wenzel, Das Spannungsverhältnis zwischen Gruppenschutz und
Individualschutz im Völkerrecth, Berlin/Heidelberg 2008.
62 Essa declaração foi definitivamente adotada em setembro de 2007, após muitos anos de intensa discussão
marcados pela forte participação de representantes dos povos indígenas. A/RES/61/295 de 13 de setembro
de 2007.
63 Nos termos da própria Declaração, ela contém o standard mínimo de direitos e princípios, os quais possibi-
litam aos povos indígenas a integridade física e cultural necessárias a uma vida digna. Uma das inovações
desse Instrumento é o reconhecimento da subjetividade internacional dos povos indígenas e de sua corres-
pondente titularidade de direitos individuais e coletivos. A Declaração da ONU consagra, também, o direi-
to dos povos indígenas à autodeterminação (autogoverno e participação política). Para um panorama geral,
ver V. Prasad, The UN Declaration on the Rights of Indigenous Peoples, Chicago Journal of International
Law, 9(2008)1, p. 297-322. Também J. Gilbert Indigenous rights in the making, International Journal on
Minority and Group Rights, 14(2007) 2/3, p. 207-230, e A. Xanthaki, Indigenous Rights and United Nations
Standards, Cambridge 2007.
64 Ver Artigo 2 a 5 da Declaração da ONU de 2007.

293
Fabiana de Oliveira Godinho

tão.65 Em primeiro plano destacam-se, aqui, os esforços por uma justiça compensató-
ria em favor dessas culturas.
A autonomia dos povos indígenas prevista na Declaração da ONU apóia-se sobre
o autogoverno e a participação política desses grupos. Ela inclui, dentre outros, o reco-
nhecimento das instituições indígenas e a aplicação do direito costumeiro indígena às
questões que os afetem. A observação da concorrência de fatores e de direitos que per-
meiam o exercício desse direito costumeiro oferece, a seguir, exemplo concreto dos
desafios à realização de justiça no contexto mais amplo de direitos humanos e diver-
sidade cultural.

1. Excurso: A dinâmica do reconhecimento e da aplicação do direito costumeiro


indígena

Uma tensão potencial paira entre o reconhecimento de direitos coletivos e do


direito costumeiro dos povos indígenas, por um lado, e a proteção internacional dos
direitos humanos, bem como a proteção de direitos de cidadania, por outro. Vale res-
saltar, no entanto, que a idéia de um “conflito” entre direito costumeiro e direitos
humanos pode ser decorrente de preconceitos culturais em relação às culturas distin-
tas e a seus costumes. Em alguns casos, a versão oficial sobre o direito costumeiro
constitui visão distorcida da prática do mesmo. Não obstante, na existência de confli-
to real entre o direito do grupo de aplicar o direito costumeiro e os direitos individuais
de seus membros, no entanto, um caminho deve ser encontrado de forma a permitir,
ao Estado multicultural, a delegação de jurisdição aos povos indígenas em certas maté-
rias, ao mesmo tempo em que respeita os direitos dos membros desses povos na qua-
lidade de cidadãos do Estado.66 O direito costumeiro indígena encontra-se em relação
de real conflito com direitos humanos individuais, por exemplo, quando inclui regras
de discriminação contra a mulher, ou quando prevê rituais e sanções de grave viola-
ção da integridade física dos envolvidos.67
Uma opção, aqui, seria adotar a primazia da proteção do indivíduo. De acordo
com essa visão, a proteção do grupo somente é possível quando compatível com os
direitos dos indivíduos como cidadãos. Pano de fundo para essa argumentação é a
noção de que, como a proteção de grupos se justifica pela necessidade de melhor pro-
teção da identidade e da autonomia dos indivíduos, no momento em que tal autono-
mia não é mais protegida pelo grupo, a preservação do mesmo não é mais necessária.

65 Ver F. de Oliveira Godinho, The United Nations Declaration on the Rights of Indigenous Peoples and the
Protection of Indigenous Rights in Brazil, Max Planck Yearbook of United Nations law, 12(2008), p. 247-
286 (55ss.).
66 Para uma discussão geral sobre as diversas possibilidades, ver A. Shachar, Multicultural Jurisdictions:
Cultural Differences and Women’s Rights, Cambridge 2002.
67 Veja os exemplos de costumes de mutilação genital ainda praticados por diversas tribos sobretudo no con-
tinente africano, bem como as restrições de direitos de participação no grupo a mulheres que se casam com
não-indígenas.

294
Diversidade Cultural no Direito Internacional
em um Horizonte de Justiça Internacional

Argumento contrário a essa teoria, no entanto, baseia-se na própria essencialidade do


grupo para a formação das identidades individuais: mesmo que os direitos de um indi-
víduo sejam restritos, o interesse dos outros membros em preservar o grupo como
marco cultural para a formação de suas identidades permanece.68
O outro extremo a essa estratégia seria uma política de não-intervenção do
Estado. Tal política reconheceria validade às tradições dos grupos mesmo em situações
em que suas práticas expusessem alguns de seus membros a violações de direitos huma-
nos em nome da proteção da identidade coletiva.69 Proponentes dessa teoria apontam,
no entanto, a necessidade de duas restrições ao mandamento de não-intervenção: a
existência de reais possibilidades de os membros deixarem o grupo quando não mais
concordarem com suas práticas e o dever do Estado de intervir em caso de graves vio-
lações de direitos humanos. A análise mais cuidadosa dessa teoria revela as suas fragi-
lidades. Em primeiro lugar, a política de não-intervenção conduz à concentração e ao
jogo de poderes no interior do grupo. Ela permite aos líderes classificar como corrup-
ções da cultura do grupo as potenciais mudanças em suas práticas que favoreçam mino-
rias vulneráveis.70 O direito dos membros de deixar o grupo tampouco serve como fun-
damento seguro para a opção de completa não-intervenção do Estado. A impossibilida-
de ou mesmo a indisposição dos mesmos de abandonar seu modo de vida, sua comuni-
dade, família e base econômica não pode ser, aqui, ignorada.
Diante desse cenário, deve-se buscar uma solução intermediária que harmonize o
interesse de integridade cultural do grupo com os direitos humanos internacionais.
Nessa busca por caminhos, a percepção do indivíduo afetado por determinado costume
deve ser arguída. Em muitos casos, no entanto, a existência de forte pressão social e de
barreiras psicológicas impedem o exercício de livre escolha e de livre formação e mani-
festação de opinião por determinados membros. Um critério razoável para a busca de
caminhos parece ser o da constatação do significado de determinada prática para a pre-
servação da cultura do grupo. O dissenso interno pode servir de orientação para essa
análise. A existência de correntes críticas dentro do grupo contra determinado costu-
me ou prática constitui importante indicação de que talvez essa prática não seja funda-
mental para a identidade cultural daquele grupo.71 Para que se percebam as necessida-
des da cultura coletiva de forma efetiva, faz-se essencial considerar-se não apenas a
visão dos líderes, mas também as percepções dos demais membros, inclusive as das
minorias. O diálogo entre grupos e o Estado deve, ainda, ser encorajado. Quando os
membros de grupos encontram-se expostos a influências de diferentes afiliações cultu-

68 N. Wenzel, p. 247 ss.


69 Chandran Kukathas argumenta que, como indivíduos têm a liberdade de se associar, a eles deveria ser
garantido o direito de preservar suas culturas distintas e de viver de acordo com as normas de suas associa-
ções culturais – ainda que essas normas divirjam claramente daquelas que coordenam a sociedade dominan-
te, e desde que os indivíduos tenham o direito de extinguir, livremente, suas associações. Ver C. Kukathas,
Are There Any Cultural Rights? in: Political Theory 20 (1992), p. 105-139 (116ss.).
70 A. Shachar, p. 39.
71 N. Wenzel, p. 260.

295
Fabiana de Oliveira Godinho

rais, potenciais conflitos só podem resolvidos, de forma “justa” e equilibrada, por meio
de processos de reavaliação das práticas culturais pelos próprios grupos.72

2. Diversidade Cultural e a interpretação e aplicação do Direito Internacional

No âmbito da interpretação e da aplicação dos standards jurídicos internacionais


nos órgãos internacionais, principalmente a aceitação de uma margem de apreciação
dos Estados na compreensão e implementação dos direitos humanos reflete e, simul-
taneamente, permite o reconhecimento da diversidade cultural.73 A “margem de
apreciação” possibilita a consideração de divergências culturais entre os Estados e, ao
mesmo tempo, o respeito a realidades culturais discrepantes no interior dos mesmos,
sem que o núcleo dos standards universais para a dignidade humana seja afetado.
Nesse contexto, no entanto, a conhecida e intransponível distinção entre violação de
direito e injustiça (ou entre direito e justiça) torna-se clara: o exercício da margem de
apreciação pelos Estados expande o leque de decisões - às vezes discrepantes e nem
sempre previsíveis - formal e materialmente conformes ao Direito Internacional
(decisões ora favoráveis aos Estados, ora aos grupos culturais ou aos seus membros).
Esse fato, sem dúvida, favorece a realização de uma justiça mais circunstancial, adap-
tada às realidades em jogo. Ao mesmo tempo, no entanto, permite que apreciações
individuais de justiça sejam mais facilmente frustradas.74
No contexto específico da América Latina, tanto a nova perspectiva criada pela
recepção da noção de diversidade cultural no Direito Internacional, como o desafio da
ponderação dos diferentes aspectos dessa diversidade se fazem notar na Jurisprudência
da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Especialmente no âmbito da proteção
dos direitos indígenas, o respeito e a valorização positiva das diferenças culturais na
interpretação e aplicação dos fundamentos da dignidade humana são realçados em
diferentes decisões daquele tribunal. Tome-se, como exemplo, o tratamento dado ao
direito dos povos indígenas ao reconhecimento e à aplicação de seu direito costumei-
ro. No caso Aloeboetoe y Otros vs. Surinam,75 a Corte recorreu ao direito costumeiro

72 O reconhecimento da diversidade cultural significa, senão, que direitos humanos universais devam acomodar
diferentes tradições culturais. Isso não implica, no entanto, o questionamento da universalidade dos direitos
humanos. Significa, antes, que certa margem de apreciação deve ser acordada ao grupo para o exercício de seus
processos próprios de interpretação e de tomada de decisões na aplicação das normas universais de direitos
humanos. Ver S. J. Anaya, Indigenous Peoples in International Law, Oxford 2004 (2. ed.), p. 133 ss.
73 De forma geral sobre o conceito de margem de apreciação dos Estados no âmbito dos direitos humanos, ver
S. Greer, The margin of appreciation: interpretation and discretion under the European Convention on
Human Rights, 2000. Ver ainda J.A. Brauch, The margin of appreciation and the jurisprudence of the
European Court of Human Rights, The Columbia Journal of European law, 11(2004-2005) 1, p. 113-150.
Para discussão mais abrangente sobre o significado da margem de apreciação dos Estados para o Direito
Internacional (em diferentes áreas), ver Y. Shany, Towards a general margin of appreciation doctrine in
international law?, European Journal of International Law, 16(2005)5, pp. 907-940.
74 Compare, aqui, as diferentes decisões dos órgãos das convenções de direitos humanos em N. Wenzel, p.
407s.
75 Sentença de 10 de Setembro de 1993 – Reparações e Custas.

296
Diversidade Cultural no Direito Internacional
em um Horizonte de Justiça Internacional

do próprio grupo, o qual reconhece a prática da poligamia, para a determinação do cír-


culo de pessoas habilitadas à indenização pretendida pela comunidade contra o Estado
pela morte de alguns de seus membros. Bastante significativa é, ainda, a decisão pro-
ferida em 2001 no caso Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua,76 no
qual a Corte apoiou-se expressamente no direito costumeiro indígena para extrair da
posse do território habitado por eles um direito de propriedade indígena sobre a terra.
Levando em consideração sobretudo o forte vínculo espiritual dos indivíduos ao ter-
ritório da comunidade, a Corte reconheceu, no contexto do Artigo 21 da Convenção
Americana sobre os Direitos Humanos, também uma forma de propriedade comunal.
A mesma abordagem foi aplicada, ainda, no Caso Comunidad Indígena Yakye Axa vs.
Paraguay.77 Partindo da compreensão do caráter dinâmico dos direitos humanos, e
fazendo uso, principalmente, de uma interpretação extensiva dos mesmos, a Corte
Interamericana incorpora, no sistema normativo regional vigente, elementos para a
proteção abrangente e vinculante da diversidade das culturas na região.

IV. Reflexões Finais – Diversidade Cultural no Direito


Internacional: justiça internacional?

Longe de pretender aprofundar a temática da contribuição do Direito


Internacional para a realização de justiça internacional, o quadro exposto permite
algumas reflexões positivas no contexto específico da diversidade cultural.
O reconhecimento de uma diversidade global de culturas caracteriza o Direito
Internacional contemporâneo. Ele representa não só um desafio para a estrutura, a
interpretação e aplicação desse ordenamento jurídico, mas surge como possível obje-
tivo específico a ser perseguido.
A Convenção da UNESCO sobre a proteção e a promoção da diversidade das
expressões culturais de 2005 oferece parâmetros para a consideração de noções de
justiça no contexto da diversidade cultural. O documento fornece um quadro nor-
mativo vinculante, no qual caminhos e princípios para o exercício e o desenvolvi-
mento mais equilibrados das culturas são apontados e devem ser perseguidos. Não
obstante, o próprio contexto do conflito entre cultura e comércio internacional –
entre valores culturais e interesses econômicos –, subjacente à Convenção demons-
tra a complexidade dos fatores que podem desempenhar papel significativo (e impor
dificuldades) na realização prática de uma “justiça cultural internacional”. Diante
dessa complexidade, a esperança de justiça fundada unicamente no fato da adoção
desse tratado internacional seria, no mínimo, precipitada. Tendo em vista as pecu-
liares características estruturais e funcionais do Direito Internacional como ordena-

76 Sentença de 31 de Agosto de 2001 – Mérito, Reparações e Custas.


77 Sentença de 17 de Junho de 2005 – Mérito, Reparações e Custas.

297
Fabiana de Oliveira Godinho

mento jurídico, sobretudo a da sua complexa implementação, tais expectativas de


justiça seriam facilmente frustradas.
A consideração da diversidade cultural na definição de standards e na aplicação
do Direito Internacional em outras áreas – principalmente no campo dos direitos
humanos e da proteção das minorias – complementa os esforços por um maior equilí-
brio nas relações interculturais. Os desafios à conciliação de interesses diversos e de
diferentes expectativas individuais de justiça nesse contexto, como demonstrado, não
sao menores. Em conjunto, no entanto, esses esforços refletem a consciência da comu-
nidade internacional em torno do valor (“fator de riqueza”) da diversidade cultura. Tal
consciência, por sua vez, é reforçada e ampliada pelos debates impulsionados no âmbi-
to do Direito Internacional, podendo gerar novos avanços nas relações inter- e
intraestatais. Ao mesmo tempo em que o Direito Internacional legitima esses avanços,
ele coloca eventuais desvios de comportamento em evidência. É exatamente nesses
movimentos, nos quais se percebem os traços do Direito Internacional como um pro-
cesso continuado, que se encontra, talvez, o solo mais fértil para a contribuição do
Direito Internacional para a promoção efetiva da justiça internacional no âmbito da
diversidade cultural.
Em seus estudos em busca de caminhos para esse ideal, Tobias Kelly e Marie-
Bénédicte Dembour resumem, de forma pertinente, a complexidade do desafio: “To
discuss international justice meaningfully, we must always ask who is involved in it,
as well as why, where and when, rather than envisaging what it is and does in the
abstract. International justice operates on a ground produced by multiple overlapping
and conflicting coalitions and networks, where states, international organisations,
NGOs and other actors all play an important role in shaping the possibilities for
action and inactions. As international justice is invoked, understood and takes hold,
it is produced through competing political agendas and normative claims.”78

78 T. Kelly/M.B. Dambour, p. 12.

298
O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos1 2
Christof Heyns3 e Magnus Killander4

Sumáárioo: I. Introdução II. A União Africana o os Direitos Humanos III. As Normas Reconhecidas na Carta Africana
de Direitos Humanos e Direitos dos Povos IV. Normas Reconhecidas em outros Tratados V. Orgãos Estabelecidos
para a Implementação dos Direitos Humanos VI. Conclusão.

I. Introdução

Enquanto o termo “direitos humanos” é uma ocorrência relativamente recente


no continente, o povo africano tem lutado por liberdade, dignidade, igualdade e jus-
tiça social há séculos. Na África, como em outros lugares, aquilo que é hoje chamado
de direitos humanos tem como sua origem a luta para estabelecer esses valores cen-
trais da existência humana.5
Hoje, o termo direitos humanos é amplamente usado no contexto africano. As
constituições escritas de todos os estados na África reconhecem o conceito; a organi-
zação intergovernamental de Estados africanos, a União Africana, considera a realiza-
ção dos direitos humanos como um de seus objetivos e princípios; e o número de rati-
ficações dos tratados de direitos humanos das Nações Unidas por países africanos está
em paridade com as práticas ao redor do mundo.6 Há ampla aceitação de que a segu-
rança e o desenvolvimento da África – assim como no mundo em geral – terão que ser
baseados nos direitos humanos.
Não surpreendentemente, dada a história de exploração da África, as raízes (de
luta) do conceito de direitos humanos estão claramente visíveis nos documentos de
direitos humanos do continente. A Carta Africana de Direitos Humanos e Direito dos
Povos também reflete, de muitas formas, uma reação à experiência continental de
escravidão e colonialismo, reconhecendo, por exemplo, o direito dos “povos” à auto-

1 Este artigo é baseado em um artigo de Christof Heyns publicado em (2004) 108 Penn State Law Review 679,
também publicado em espanhol de F Gomez Isa (ed): La protección internacional de los derechos humanos
en los albores del siglo XXI, Universidade de Deusto, Bilbao, 2003.
2 O artigo foi traduzido para o português por Roberto Yamato, Mestre em Direito pela London School of
Economics e Mestre em Relações Internacionais pela PUC/PS e por Deborah Stokler.
3 Professor de Direitos Humanos e Diretor do Centro de Direitos Humanos, Universidade de Pretória.
4 Pesquisador do Centro de Direitos Humanos, Universidade Pretória
5 Para uma interpretação da semelhança que os direitos humanos e a luta legítima são dois lados de uma
mesma moeda, ver C Heys ‘A “struggle approach” to human rights’ em A Soeteman (ed) Pluralism and Law
(2001) 171.
6 Para a coleção inicial de material relacionado com leis sobre direitos humanos na África ou nas Nações
Unidas, níveis regional, sub-regional e doméstico para todos os países da África, ver C Heyns (ed) Human
Rights Law in Africa (2004). Ver também C Heyns (ed) Compendium of key human rights documents of
the African Union (2005).

299
Christof Heyns e Magnus Killander

determinação. Os excessos de alguns líderes (pós-independência) são refletidos no


fato de que um número significativo de Constituições africanas explicitamente reco-
nhece o direito objetivo, localizado no povo, de proteger as normas constitucionais e
de direitos humanos, se necessário por meio de luta política, caso sejam elas violadas.7
O Ato Constitutivo da União Africana, de maneira única, prevê o direito de interven-
ção humanitária em estados membros pela União, em casos de graves violações de
direitos humanos.8
Como bem se sabe, a luta por direitos humanos no continente africano está dis-
tante de acabar ou de estar completa. O continente é assolado por violações generali-
zadas de direitos humanos, comumente em grandes escalas. O processo para estabele-
cer estruturas institucionais efetivas (que ajudarão a consolidar e proteger os sofridos
ganhos da luta por liberdade do passado) tornou-se uma luta em si mesma. Sem dúvi-
da, a tarefa mais importante nesse sentido é estabelecer sistemas legais no plano nacio-
nal que protejam os direitos humanos. Ao mesmo tempo, esforços regionais e globais
para mudar as práticas de direitos humanos do continente, e para criar redes seguras
que cuidem daqueles casos que não puderam ser tratados efetivamente no plano
nacional, estão assumindo importância cada vez maior.
Esta contribuição, primeiramente, irá apresentar os principais instrumentos
legais relevantes para a proteção continental dos direitos humanos na África; poste-
riormente, irá discutir as normas reconhecidas (direitos e deveres individuais e dos
povos etc.) e, então, voltar-se-á para as estruturas institucionais regionais construídas
para alcançar a implementação das normas. Esta análise institucional foca principal-
mente quatro pilares importantes do sistema africano de direitos humanos: os órgãos
da União Africana, a Comissão Africana de Direitos Humanos e Direitos dos Povos, a
(ainda a ser estabelecida) Corte Africana de Direitos Humanos e Direitos dos Povos e
o recém-estabelecido African Peer Review Mechanism.

II. A União Africana e os Direitos Humanos

2.1. Histórico

O sistema regional africano foi desenvolvido sob os auspícios da Organização da


Unidade Africana (‘OUA’),9 estabelecida em 1963, a qual foi transformada, em 2001,

7 O reconhecimento explícito de um direito à resistência para proteger normas constitucionais e direitos


humanos estão presentes na constituição de Benin (1990) (art. 66); Burkina Faso (1997) (art. 167); Cabo
Verde (1992) (art. 19); República do Tchad (1996) (preâmbulo); Congo (2001) (art. 13); Gâmbia (1996) (art.
6); Ghana (1992) (art. 3); Moçambique (art. 80); e Tongo (1992) (art. 150).
8 Artigo 4 (h) do Ato Constitutivo.
9 A Carta da OAU está reimpressa em Human Rights Law in Africa 111. O preâmbulo declara adesão aos
princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ver também art II (1) (e). A Carta da OAU era,
contudo, um documento dos direitos humanos no sentido que visava a abolição do colonialismo e apartheid.
Sobre a OAU, ver GJ Naldi The Organization of African Unity: An Analysis of its Role (1999) 109.

300
O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos

na União Africana (‘UA’).10 Todos os estados da África são membros da UA, exceto o
Marrocos que deixou a organização em 1984, quando a Organização da Unidade
Africana reconheceu o Sahara Ocidental, alcançando o número de 53 membros.
Enquanto a Carta da OUA de 1963 fazia pouca referência ao conceito de direitos
humanos, o Ato Constitutivo da UA de 2000 (que entrou em vigor em 2001) colocou
os direitos humanos no centro da agenda da nova organização regional.11

2.2. O Ato Constitutivo

O Ato Constitutivo da UA, no seu Preâmbulo, refere-se à luta africana por inde-
pendência e dignidade humana, “por nossos povos”, e à determinação dos Chefes de
Estado e Governo “para promover e proteger os direitos humanos e os direitos dos
povos”. O artigo 3 dispõe sobre os “Objetivos” da UA, como segue: “os objetivos da
União deverão... (e) encorajar a cooperação internacional, considerando devidamente
a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos;” e “...(h)
promover e proteger direitos humanos e direitos dos povos de acordo com a Carta
Africana de Direitos Humanos e Direitos dos Povos e outros instrumentos de direitos
humanos relevantes...”.
O artigo 4 cuida dos “Princípios”, estabelecendo que:

A União deve funcionar em consonância com os seguintes princípios:...(g)


não-interferência por parte de nenhum estado-membro nos assuntos domésticos
de outro; (h) o direito da União de intervir num estado-membro, mediante deci-
são da Assembléia, em relação a circunstâncias graves, como crimes de guerra,
genocídio e crimes contra humanidade;...(l) promoção da igualdade de gênero;
(m) respeito por princípios democráticos, direitos humanos, a regra do direito e a
boa governança; (n) promoção de justiça social para garantir um desenvolvimen-
to econômico equilibrado; (o) respeito pela santidade da vida humana, condena-
ção e repúdio à impunidade e assassinato político, atos de terrorismo e atividades
subversivas; (p) condenação e repúdio a mudanças inconstitucionais de governos.

Não há requisitos, que tomem em consideração os históricos e práticas de direi-


tos humanos, no que se refere à entrada de países na União Africana (tal como, por

10 O Ato Constitutivo da União Africana CAB/LEG/23.15, entrou vigor em 26 de Maio de2001. Para uma visão
geral da AU, ver C Heyns, E Baimu & M Killander ‘The African Union’ (2003) 46 German Yearbook of
International Law 252. Sobre a transformação de OAU para AU sob uma perspectiva dos direitos humanos,
ver R Murray Human Rights in Africa (2004).
11 Para o debate, ver E Baimu ‘The African Union: Hope for better protection of human rights in Africa?’
(2001) 1 African Human Rights Law Journal 299. O Ato Constitutivo está reimpresso na página 315 deste
mesmo volume. Ver também B Manby ‘The African Union, NEPAD, and Human Rights: The Missing
Agenda’ (2004) 26 Human Rights Quarterly 983.

301
Christof Heyns e Magnus Killander

exemplo, no caso do Conselho da Europa), e todos os membros da OUA tornaram-se


membros da UA sem que seus históricos de direitos humanos fossem analisados. Há,
entretanto, pelo menos a possibilidade teórica de que violações dos padrões mínimos
de direitos humanos da organização possam levar à suspensão da própria UA; certa-
mente, formas mais brandas de sanção são possíveis.
De acordo com o art. 23(2)

… qualquer estado-membro que deixar de cumprir as decisões e políticas


da União poderão ser sujeitos a... sanções, como a proibição de transporte e meios
de comunicação com outros estados-membros, e outras medidas de natureza
política e econômica a serem determinadas pela Assembléia.
O art. 30 prevê: “Os governos que vierem ao poder por meios inconstitu-
cionais não poderão participar das atividades da União”.

A União Africana tem presenciado o estabelecimento de novas instituições, mui-


tas delas relevantes à implementação dos direitos humanos, as quais serão discutidas
a seguir.

2.3. Instrumentos Africanos de Direitos Humanos

O documento central do sistema regional africano de direitos humanos, a Carta


Africana de Direitos Humanos e Direitos dos Povos (“Carta Africana”),12 foi aberta
para assinatura em 1981 e entrou em vigor em 1986. Ela foi ratificada por todos os 53
estados-membros da OUA/UA.13 O órgão de surpevisão da Carta Africana agora exis-
tente é a Comissão Africana de Direitos Humanos e Direitos dos Povos (“Comissão
Africana”). A Comissão Africana foi constituída e se encontrou pela primeira vez em
1987. A Comissão adotou suas próprias Regras de Procedimento (emendadas em
1995).14 O trabalho da Comissão Africana será discutido mais adiante neste artigo.
O Protocolo da Carta Africana de Direitos Humanos e Direitos dos Povos para o
estabelecimento da Corte Africana de Direitos Humanos e Direitos dos Povos
(“Protocolo da Corte Africana de Direitos Humanos”)15 foi adotado em 1998 e entrou
em vigor em janeiro de 2004, mas, até novembro de 2005, a Corte ainda não havia sido
estabelecida. A Carta Africana será ainda suplementada pelo Protocolo da Carta

12 OAU Doc OAU/CAB/LEG/67/3/Rev.5. Reimpresso em in Human Rights Law in Africa 134.


13 Ver a condição da ratificação dos tratados da AU disponíveis no site: www.africa-union.org. O status da
ratificação dado aos tratados mencionados neste artigo estão como os de 1 de Novembro de 2005. Para as
três reservas à Carta Régia Africana, ver Human Rights Law in Africa 108. O último Estado a ratificar foi
Eritrea, em 1999.
14 ACHPR/RP/XIX. Reprinted in Human Rights Law in Africa 540.
15 OAU/LEG/MIN/AFCHPR/PROT (I) Rev. 2. Reimpresso em Human Rights Law in Africa 170.

302
O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos

Africana de Direitos Humanos e Direitos dos Povos sobre os Direitos das Mulheres na
África, adodato em 2003, o qual entrou em vigor em novembro de 2005.16
Em adição a esses instrumentos, o sistema regional africano de direitos humanos
é composto pela Convenção da OUA sobre Governança de Aspectos Específicos dos
Problemas de Refugiados na África de 1969,17 a qual entrou em vigor em 1974 (com
44 ratificações); e a Carta Africana sobre os Direitos e o Bem-Estar da Criança (“Carta
Africana das Crianças”) de 1990,18 que entrou em vigor em 1999 (com 37 ratificações).
Um órgão especial de monitoramento da Carta Africana das Crianças, o Comitê sobre
os Direitos e o Bem-estar da Criança, a ser mais analisado adiante, reuniu-se pela pri-
meira vez em 2002.19
A relativamente desconhecida Carta Cultural para África, de 1976, entrou em
vigor em 1990.20 Outro tratado relevante para os direitos humanos é a Convenção
para Prevenção e Combate à Corrupção, adotada em 2003.21 Até outubro de 2005, tal
Convenção ainda não havia entrado em vigor. Há ainda dois tratados regionais africa-
nos que cuidam do meio ambiente.22

III. As Normas Reconhecidas na Carta Africana de Direitos


Humanos e Direitos dos Povos

Como referido anteriormente, a Carta da OUA de 1963 não havia reconhecido a


realização dos direitos humanos como um dos objetivos daquela organização. Seria tão
somente em 1979 que uma reunião de experts teria sido organizada pela OUA, em
Dakar, Senegal, para preparar o texto preliminar de uma Carta Africana de Direitos
Humanos.23 Tal iniciativa culminou na Minuta da Carta Africana de Direitos

16 O protocolo é discutido mais adiante.


17 OAU Doc CAB/LEG/24.3. Reimpresso em Human Rights Law in Africa 122. Ver G Okoth-Obbo ‘Thirty years
on: A legal review of the 1969 OAU Refugee Convention’ African Yearbook of International Law 8 (2000) 3.
18 OAU Doc CAB/LEG/153/Rev 2. Reimpresso em Human Rights Law in Africa 143.
19 Ver, A Lloyd ‘The first meeting of the African Committee of Experts on the Rights and Welfare of the
Child’(2002) 2 African Human Rights Law Journal 320. Ver também A Lloyd ‘Report of the second ordi-
nary session of the African Committee of Experts on the Rights and Welfare of the Child’ (2003) 3 African
Human Rights Law Journal 329; A Lloyd ‘The Third Ordinary Session of the African Committee of Experts
on the Rights and Welfare of the Child’ (2004) 4 African Human Rights Law Journal 139.
20 Reimpresso em Human Rights Law in Africa 125.
21 Ver K Olaniyan ‘The African Union Convention on Preventing and Combating Corruption: A critical
appraisal’ (2004) 4 African Human Rights Law Journal 74.
22 A Convenção Africana para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (1968/69), reimpressa em
Human Rights Law in Africa 116, versão revisada adotada em 2003, ainda não vigente, reimpressa em C
Heyns (ed) Compendium of key human rights documents of the African Union (2005), e a [Bamako]
Convenção de Interdição da Importação para a África, Controle do Movimento Transfronteirício e
Gerência dos Resíduos Perigosos na África (1991/98). Reimpresso em Human Rights Law in Africa 153.
Ver, M van der Linde ‘A review of the African Convention on Nature and Natural Resources’ (2002) 2
African Human Rights Law Journal 33.
23 O encontro foi convocado nos termos da decisão da Assembléia dos Chefes de Estado e Governos da OAU,
AHG/Dec 115 (XVI) Rev 1 1979, reimpresso em C Heyns (ed) Human Rights Law in Africa 1999 (2002) 127.

303
Christof Heyns e Magnus Killander

Humanos e Direitos dos Povos, finalizada em Banjul, na Gâmbia, em 1981 (resultan-


do na chamada “Carta de Banjul”, assim utilizada algumas vezes como sinônimo da
Carta Africana). A Carta Africana foi formalmente adotada pela OUA, no Quênia,
mais tarde naquele mesmo ano.24
Vários motivos têm sido dados para explicar porque a OUA teria mudado sua
política e dado ao conceito de direitos humanos a proeminência oferecida pela Carta
durante o fim da década de 1970 e início dos anos 1980. Tais incluem a maior ênfase
internacional em direitos humanos, à época (como na política externa da Presidente
Carter dos Estados Unidos da América); o uso dado ao conceito de direitos humanos,
em organismos internacionais como a ONU e a OUA, para condenar as práticas de
apartheid na África do Sul; e o aborrecimento com as violações de direitos humanos
que haviam sido cometidas em alguns estados-membros, particularmente em Uganda,
África Central e Guiné Equatorial.25
A Carta Africana reconhece um grande número de normas de direitos humanos,
internacionalmente aceitas, mas também tem características únicas.26 A Carta reco-
nhece não só direitos civis e políticos, como também direitos econômicos, sociais e
culturais; não só individuais como também os direitos dos povos; não só direitos como
também deveres; e contém um mecanismo único para as restrições de direitos. A
Carta ainda contém dispositivos concernentes à interpretação que são bastante gene-
rosos com o direito internacional.

Direitos civis e políticos

Os direitos civis e políticos reconhecidos na Carta Africana são, em muitos sen-


tidos, similares àqueles reconhecidos em outros instrumentos internacionais; e, em
termos práticos, receberam grande parte da atenção da Comissão Africana.27
A Carta reconhece os seguintes direitos civis e políticos: A proibição de discri-
minação (art. 2); igualdade (art. 3); integridade física e direito à vida (art. 4); dignida-
de e proibição de tortura e tratamento desumano (art. 5); liberdade e segurança (art.
6); julgamento justo (art. 7); liberdade de consciência (art. 8); informação e liberdade
de expressão (art. 9); liberdade de associação (art.10); assembléia (art. 11); liberdade

24 Para os documentos que levam à adoção da Carta Régia Africana, ver Human Rights Law in Africa 1999
65-105.
25 Ver UO Umozurike The African Charter on Human and Peoples’ Rights (1997) 27-28.
26 Em seu endereço para a recepção do Encontro de Especialistas Africanos em 1979, preparando o projeto da
Carta Africana em Dakar, Senegal, Leopold Senghor, Presidente do Senegal, referiu-se ao exemplo dado
pelos instrumentos internacionais dos direitos humanos, e ele disse: “Como Africanos, não deveremos nem
copiar, ou esforçar-nos para obtermos originalidade, para o bem da originalidade em si... Vocês devem man-
ter constantemente em suas mentes os valores de nossa civilização e as reais necessidades da África”
Reprinted in Human Rights Law in Africa 1999 78 at 79.
27 Para uma discussão completa, ver C Heyns ‘Civil and political rights in the African Charter’ in M Evans &
R Murray (eds) The African Charter on Human and Peoples’ Rights (2002) 137.

304
O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos

de movimento (art. 12); participação política (art.13); propriedade (art.14); e indepen-


dência das cortes (art. 26).
Alguns possíveis atalhos, com relação aos direitos civis e políticos, puderam ser
notados na Carta Africana. Não há, por exemplo, nenhuma referência explícita na
Carta ao direito de privacidade; o direito contra trabalho forçado não é mencionado
diretamente; e os direitos de julgamento justo28 e o direito de participação política29
receberam pouca proteção, quando comparados aos padrões internacionais. No entan-
to, a Comissão tem, em suas resoluções e em casos submetidos a ela, interpretado a
Carta de modo a incluir no seu rol de proteção alguns direitos ou aspectos de direitos
que não foram incluídos de maneira explícita neste documento.
A análise de algumas decisões da Comissão, sobre comunicações individuais, for-
nece amostras da abordagem da Comissão:

• Num conjunto de casos a Comissão concluiu que há um direito positivo dos


estados-membros de proteger aqueles sob suas jurisdições contra violações
de atores não-estatais. Num caso referente à Mauritânia, a Comissão con-
cluiu que, mesmo que a escravidão tivesse sido abolida oficialmente naque-
le estado, tal não era efetivamente implementado pelo governo.30 Num caso
envolvendo o Chad, a Comissão analogamente concluiu que o fracasso do
país em proteger o povo sob sua jurisdição, durante a Guerra Civil, contra
os ataques de militantes não identificados (não comprovados como sendo
agentes do governo), constituiu uma violação ao direito à vida.31
• A imposição da lei Shari’a àqueles não-mulçumanos no Sudão foi conside-
rada como uma violação à liberdade de religião.32
• No caso Media Rights Agenda e Outros v. Nigéria,33 a Comissão decidiu
contra a censura do governo Abacha à liberdade de expressão, e determi-
nou que os políticos deveriam ter menos proteção à livre expressão do que
outras pessoas. Assim como outras decisões paradigmáticas da Comissão,
esta decisão, infelizmente, só foi proferida depois do regime Abacha ter
falido. Contudo, um precedente positivo foi estabelecido.

28 Não há, por exemplo, referência explícita sobre o direito à audiência pública, ao direito deinterpretação, ao
direito contra a auto incriminação e ao direito contra o perigo duplo. Contudo, a Comissão tem interpreta-
do a proteção da Carta Régia ao incluir alguns desses direitos.
29 Enquanto art. 13 (1) a Carta Régia reconhece o direito ‘de cada cidadão a participar livremente no gover-
no de seu país’, não é estipulado se isto deva ser feito por intermédio de eleições regulares, livres, baseadas
no sufrágio universal.
30 Associação Africana de Malawi e Outros versus Mauritania (2000) AHRLR 149 (ACHPR 2000).
31 Commission Nationale des Droit de l’Homme et des Libertés v Chad (2000) AHRLR 66 (ACHPR 1995). Ver
também O Centro de Ação dos Direitos Econômicos e Sociais (SERAC) e Outros versus Nigéria (2001)
AHRLR 60 (ACHPR 2001).
32 Amnesty International and Others v Sudan (2000) AHRLR 297 (ACHPR 1999).
33 (2000) AHRLR 200 (ACHPR 1998).

305
Christof Heyns e Magnus Killander

• A suspensão de eleições nacionais foi considerada uma violação ao direito


de participação política no caso Constitutional Rights Project e Outro v.
Nigéria.34
• A Comissão decidiu que decretos retirando a jurisdição das cortes, para exa-
minar a validade de tais decretos, violam as provisões de julgamento justo
da Carta,35 e também que a criação de tribunais especiais, dominados por
membros do executivo, violavam o mesmo direito.36
• A Comissão decidiu que uma execução depois de um julgamento injusto é
uma violação do direito à vida,37 mas que a pena de morte em si não viola
a Carta Africana.38
• A Emenda Constitucional considerando que qualquer um que quisesse con-
correr à presidência, nas eleições majoritárias na Zâmbia, teria que provar
que pai e mãe eram nascidos na Zâmbia ou descendentes, foi considerada
uma violação à Carta, no caso Legal Resources Foundation v. Zâmbia.39

Direitos Sociais e Econômicos

Uma singularidade da Carta é a inclusão de direitos sociais e econômicos num tra-


tado regional de direitos humanos, ao lado dos direitos civis e políticos mencionados
acima.40 A inclusão de direitos sociais e econômicos na Carta é significativa, na medi-
da em que enfatiza a indivisibilidade dos direitos humanos e a importância de questões
de desenvolvimento, que obviamente são assuntos importantes no contexto africano.
Ao mesmo tempo, o fato de só um modesto número de direitos sociais e econô-
micos estar explicitamente incluído na Carta deve ser notado. A Carta só reconhece
“um direito de trabalhar sob condições de igualdade e satisfatórias” (art. 15); um direi-
to à saúde (art. 16); e um direito à educação (art. 17). Alguns importantes direitos
sócio-econômicos não são mencionados explicitamente, como os direitos à comida, à
água, à seguridade social e à moradia.41

34 (2000) AHRLR 191 (ACHPR 1998).


35 Civil Liberties Organisation v Nigeria (2000) AHRLR 188 (ACHPR 1995).
36 Projeto dos Direitos Constitucionais (em respeito a Akamu e Outros) versus Nigéria (2000) AHRLR 180
(ACHPR 1995). A aparência de imparcialidade é suficiente para constituir uma violação (para 12).
37 Fórum de Consciência versus Sierra Leone (2000) AHRLR 293 (ACHPR 2000).
38 Direitos Internos e Outros (em benefício de Bosch) versus Botswana, notificação 240/2001, 17º Relatório
Anual de Atividades.
39 (2001) AHRLR 84 (ACHPR 2001).
40 Para uma discussão, ver C Odinkalu ‘Implementing economic, social and cultural rights under the African
Charter on Human and Peoples’ Rights’ in Evans & Murray (em 23 acima) 178.
41 É também algo surpreendente que os direitos sócio-econômicos que são reconhecidos, não sejam explicita-
mente sujeitos aos usuais qualificadores internos que se aplicam em relação a tais direitos, na maioria dos
instrumentos internacionais – tal como a provisão que o Estado é somente exigido a fazer para assegurar a
realização progressiva, sujeita aos recursos disponíveis, etc. Isto e ainda mais problemático pela falta de uma
cláusula de limitação geral na Carta, como discutido abaixo. Alguns poucos direitos sócio-econômicos sele-

306
O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos

Os direitos sociais e econômicos na Carta receberam pouca atenção da Comissão,


mas em um caso a Comissão lidou extensivamente com a questão, e de fato conside-
rou que alguns direitos sócio-econômicos reconhecidos internacionalmente, que não
são reconhecidos explicitamente na Carta, deveriam ser considerados como implicita-
mente incluídos.
A chamada decisão SERAC v. Nigéria42 tratou da destruição de parte da Terra
Ogoni (Ogoniland) pela Shell, que teria atuado em colaboração com o governo da
Nigéria. A Comissão colcluiu que a presença de um direito implícito à “moradia ou
abrigo” na Carta deve ser deduzido a partir das provisões explícitas sobre saúde, pro-
priedade e vida em família constantes na Carta.43 Da mesma forma, um direito à comi-
da deve ser compreendido pelo direito à dignidade e outros direitos.44 Foi aceito, sem
argumentos ou discussões, que os Ogonis constituíam um “povo”.
A abordagem da Comissão, sanando os problemas da Carta no caso SERAC, pode
ser visto como um movimento criativo e corajoso por parte da Comissão, mas, ao
mesmo tempo, deixa a Carta exposta como um documento ultrapassado, que assim
necessita ser revisado, para que possa garantir que o que foi interpretado pela
Comissão ecoe alto e em bom som.45

Os Direitos das Mulheres

A forma com que a Carta lida com as questões de gênero tem sido bastante con-
troversa. O artigo 18(3) prevê o seguinte:
O estado deve garantir a eliminação de toda discriminação contra a mulher e
também garantir a proteção dos direitos da mulher e da criança, como estipulado nas
declarações e convenções internacionais.
Esta inclusão, de mulheres e crianças, num artigo que lida originalmente da
família, reforça antigos esteriótipos sobre o lugar e a função apropriada da mulher na
sociedade, e foi parcialmente responsável pelo movimento de adoção do Protocolo da
Carta Africana sobre os Direitos das Mulheres na África.46 O Protocolo foi adotado

cionados, declarados em termos quase absolutos, são reconhecidos, enquanto outros candidatos óbvios para
a inclusão não estão presentes. O Protocolo sobre os Direitos das Mulheres, adotado em 2003, e discutido
mais adiante, qualifica a provisão dos direitos sócio-econômicos através da exigência de que o governo tome
medidas apropriadas em relação à maioria dos direitos sócio-econômicos. Contudo, fornece alojamento para
um direito inadequado (artigo 16).
42 Centro de Ação dos Diretos Sociais e Econômicos e Outros versus Nigéria (2001) AHRLR 60 (ACHPR 2001).
43 Para 60.
44 Para 65.
45 C Heyns ‘The African regional human rights system: In need of reform?’ (2001) 1 African Human Rights
Law Journal 155.
46 M Nsibirwa ‘A brief analysis of the Draft Protocol to the African Charter on Human and Peoples’ Rights
on the Rights of Women’ (2001) 1 African Human Rights Law Journal 40. Ver também, J Oder ‘Reclaiming
women’s social and economic rights in Africa – The Protocol to the African Charter on Human and
Peoples’ Rights on the Rights of Women in Africa’ ESR Review vol. 5 no. 4. Outro importante desenvolvi-

307
Christof Heyns e Magnus Killander

pela Assembléia da UA, em 2003, e recebeu as 15 ratificações necessaries, em 26 de


outubro de 2005, entrando em vigor em 25 de novembro de 2005.
O Protocolo sobre os Direitos das Mulheres é detalhado com 24 artigos substan-
tivos, alguns lidando com questões específicas que afetam as mulheres, enquanto
outros tratam de direitos que devem ser igualmente aplicados a homens e mulheres,
dentre os quais alguns direitos que não estão previstos na Carta Africana. Os direitos
no Protocolo incluem a eliminação da discriminação contra as mulheres (art. 2); direi-
to à dignidade (art. 3); direito à vida, integridade e segurança da pessoa (art. 4); elimi-
nação de práticas maléficas (art. 5); casamento (art. 6); separação, divórcio e anula-
mento de casamento (art. 7); acesso à justiça e igual proteção de direito (art. 8); parti-
cipação política (art. 9); paz (art.10); proteção das mulheres em conflitos armados (art.
11); educação (art. 12); direitos de bem-estar econômico e social (art. 13); direitos de
saúde e de reprodução (art. 14); segurança alimentar (art. 15); moradia adequada
(art.16); contexto cultural positivo (art. 17); meio ambiente saudável e sustentável
(art.18); direito ao desenvolvimento sustentável (art. 19); direitos das viúvas (art. 20);
herança (art. 21); proteção especial para mulheres idosas (art. 22); mulheres com defi-
ciências (art. 23); e mulheres em depressão (art. 24).
A Comissão Africana (e, depois de seu estabelecimento, também a Corte Afri-
cana) é responsável por monitorar a implementação da Carta e, consequentemente,
também o Protocolo, evitando assim a duplicação que existe em relação às questões de
crianças, na medida em que, como mencionado acima, um Comitê sobre os Direitos e
o Bem-estar das Crianças foi estabelecido separadamente.

Os Direitos dos Povos

No que tange à proteção dos direitos dos povos, a Carta foi além do que qualquer
outro instrumento internacional.47
Todos os “povos”, de acordo com a Carta, têm o direito de serem iguais (art. 19);
à existência e à autodeterminação (art.20); a dispor livremente de sua riqueza e recur-
sos naturais (art. 21); aos desenvolvimentos econômico, social e cultural (art. 22); à
paz e à segurança (art. 23); e a um meio ambiente satisfatório (art. 24). Claramente,
parte da motivação para reconhecerem “direitos dos povos” encontra-se no fato de
que “povos” inteiros foram colonizados e, de outra forma, explorados na história da
África.
O conceito de “povos” tem sido mencionado em alguns dos casos perante a
Comissão, incluindo o seguinte:

mento para o direito das mulheres foi a adoção, pelos chefes de estado da AU e governos, da ‘ Declaração
Solene sobre Igualdade de Sexos na África’ em julho de 2004.
47 Ver R Murray and S Wheatley ‘Groups and the African Charter on Human and Peoples’ Rights’ (2003) 25
Human Rights Quarterly 213.

308
O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos

• Num caso sobre secessionistas Katangueses, no antigo Zaire,48 uma acusação


foi promovida com base no fato de que o povo Katanguese tinha um direito,
como um povo, à autodeterminação na forma de independência. A Comissão
decidiu que não havia evidência de que uma provisão da Carta teria sido vio-
lada, uma vez que generalizadas violações de direitos humanos ou a falta de
participação política por parte do povo Katanguese não foram comprovadas.
Isto poderia ser entendido como sugerindo que, caso tais condições fossem
satisfeitas, a secessão poderia ser uma opção permissível àquele “povo”.
• Num caso sobre o golpe de estado de 1994 contra o governo da Gâmbia,
eleito democraticamente, a Comissão decidiu que isso violava o direito à
autodeterminação do povo da Gâmbia como um todo.49 A mesma conclu-
são foi alcançada quando o governo Abacha, na Nigéria, anulou as eleições
reconhecidas internacionalmente como livres e justas.50
• No caso SERAC, acima mencionado, a Comissão concluiu que o direito a
um meio ambiente satisfatório (do artigo 24) requer que o estado “tome
medidas razoáveis para prevenir a poluição e a degradação ecológica; para
promover conservação; e para garantir desenvolvimento e uso de recursos
naturais ecologicamente sustentáveis.”51

Limitações, Derrogações e Deveres

A forma com que a Carta Africana lida com as restrições de todos os direitos,
incluindo direitos civis e políticos, apresenta um obstáculo significativo. A Carta Africana
não contém uma cláusula de limitação geral (ainda que, como é notado abaixo, o artigo
27(2) esteja começando a fazer este papel). Isto significa que não há diretrizes gerais na
Carta sobre como seus direitos devem ser limitados – não há um claro “limite às limita-
ções”. Um sistema bem definido de limitações é importante. Uma sociedade na qual os
direitos não podem ser limitados é ingovernável, mas, ao mesmo tempo, é essencial que
normas adequadas de direitos humanos sejam estabelecidas para as limitações.
Alguns dos artigos da Carta estabelendo direitos civis e políticos específicos con-
têm provisões de limites aplicáveis aqueles direitos. Algumas dessas limitações inter-
nas claramente estabelecem as normas procedimentais e substantivas com as quais as
limitações devem cumprir,52 enquanto outras só descrevem os requisitos substantivos
que as limitações devem satisfazer.53

48 O Congresso do povo Katanguês versus Zaire (2000) AHRLR 71 (ACHPR 1995).


49 Jawara versus Gambia(2000) AHRLR 107 (ACHPR 2000).
50 Projeto dos Direitos Constitucionais e Outros versus Nigéria (2000) AHRLR 191 (ACHPR 1998) para. 52.
51 n. 38 acima, para. 52.
52 Por exemplo, artigo 11 reconhece o direito de liberdade de sessão, assunto para o seguinte dispositivo: ‘O
exercício deste direito deve ser objeto apenas para restrições necessárias provisionadas pela lei, em particu-
lar àquelas decretadas a favor dos interesses nacionais de segurança, proteção, saúde, ética e direito de liber-
dade alheia’
53 Artigo 8 estipula que a liberdade de consciência e religião podeem ser limitadas apenas no interresse da ‘lei
e da ordem’.

309
Christof Heyns e Magnus Killander

Uma última categoria dessas cláusulas de limitação somente estabele o requeri-


mento, aparentemente formal, de que as limitações devem ser feitas “dentro da lei”.
Um exemplo desta categoria de limitações internas é o artigo 9(2), o qual estabelece o
seguinte: “Todo indivíduo deve ter o direito de expressar e disseminar suas opiniões,
dentro da lei”. Este tipo de limitação é geralmente conhecido como uma “claw-back
clause”. Elas parecem reconhecer o direito em questão, até o limite em que tal direi-
to não seja suplantado pela lei nacional.
Se aquela foi a interpretação correta, as claw-back clauses iriam obviamente
enfraquecer toda a idéia de supervisão internacional das leis e práticas domésticas, e
tornariam a Carta sem sentido em relação aos direitos em questão. As leis domésticas,
naqueles casos, teriam que ser analisadas de acordo com parâmetros domésticos; um
exercício sem sentido. O que seria dado por uma mão, aparentemente seria tomado
pela outra.
Deve ser notado, entretanto, que a Carta tem uma abordagem bastante expansi-
va no que se refere à interpretação. Nos termos dos artigos 60 e 61, a Comissão tem
que buscar inspiração do direito internacional dos direitos humanos ao interpretar as
provisões da Carta. A Comissão tem usado tais provisões muito progressivamente em
inúmeras ocasiões, para alinhar a Carta às práticas internacionais, e as claw-back clau-
ses não são exceção.
No contexto das claw-back clauses, a Comissão Africana concluiu que provisões
em artigos que permitam que direitos sejam limitados “de acordo com a lei”, devem
ser entendidos como requerendo que aquelas limitações sejam feitas em termos de
provisões legais domésticas que estejam de acordo com os parâmetros internacionais
de direitos humanos.54
Por meio desta interpretação, a Comissão deu um grande passo no sentido
de sanar uma das mais problemáticas deficiências inerentes à Carta. Entretanto,
continua sendo inoportuno que a Carta, para aqueles que não se beneficiaram
com tal abordagem da Comissão, continuará favorecendo possíveis infrações de
normas de direitos humanos quando estas forem promovidas por meio do direi-
to doméstico.
A Carta Africana não contém provisão permitindo ou proibindo derrogação de
suas provisões durante um estado de emergência. Isso tem levado a Comissão à con-
clusão de que derrogação não é possível.55 É uma conclusão problemática porque sig-
nifica que, em emergências reais, a Carta será ignorada, e não ira exercer uma influen-
cia de constrangimento ou limitação.

54 A Comissão tem influênciado, por exemplo, Media Rights Agenda and Others v Nigeria (2000) AHRLR 200
(ACHPR 1998), para 66: ‘Permitir que leis nacionais tenham condições prévias sobre leis internacionais da
Carta Régia iria malograr o propósito dos direitos e liberdades conservadas na Carta Régia. Normas dos
Direitos Humanos Internacionais devem sempre prevalecer sobre leis nacionais contraditórias’.
55 Comissão Nacional dos Direitos dos Homens e das Liberdades versus a República do Tchad, nº 27 acima,
para. 21.

310
O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos

A Carta reconhece, além de direitos, deveres.56 Por exemplo, indivíduos têm


deveres para com sua família e sociedade,57 e estados-partes têm o dever de promover
a Carta.58
Talvez a provisão mais significativa no que se refere a Direitos seja o artigo 27(2),
o qual prescreve o seguinte: “Os direitos e liberdades de cada indivíduo devem ser
exercidos com o devido respeito aos direitos dos outros, segurança coletiva, moral e
interesse comum”. A esta provisão, tem sido dado pela Comissão Africana, o status de
uma cláusula de limitação geral. “As únicas razões legítimas para limitações dos direi-
tos e das liberdades da Carta Africana encontram-se no artigo 27(2)...”.59
O uso do artigo 27(2) pela Comissão, como uma cláusula de limitação geral, pare-
ce confirmar o entendimento de que o conceito de “deveres” não deveria ser entendi-
do como uma forma sinistra de dizer que os direitos deveriam ser primeiro “ganhos”,
ou que a satisfação de certos requisitos e precondição para usufruir direitos humanos.
Ao contrário, ele sugere que o exercício de direitos humanos, que as pessoas tem sim-
plesmente porque elas são seres humanos,60 pode ser limitado pelos deveres que eles
também têm. Direitos precedem deveres, e o reconhecimento de certos deveres e
meramente uma outra forma de indicar o tipo de limitações que podem ser colocadas
sobre direitos.

IV. Normas Reconhecidas em Outros Tratados

Convenção da OUA sobre Aspectos Específicos dos Problemas dos Refugiados na


África.

A definição de refugio no artigo 1 da Convenção de Refugiados da OUA e mais


ampla do que a da Convenção da ONU sobre Refugiados. Em adição ao “bem-funda-
do temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, participação em
grupo particular ou opinião política”,61 a Convenção da OUA também estipula que
qualquer um que e compelido a deixar seu país por causa de “agressão externa, ocupa-
ção, dominação estrangeira ou eventos que seriamente abalaram a ordem pública”
deve ser considerado como refugiado. A Convenção da OUA não estabelece nenhum

56 Ver, M Mutua ‘The Banjul Charter and the African cultural fingerprint’ (1995) 35 Virginia Journal of
International Law 339.
57 Artigos 27, 28 e 29.
58 Artigo 25. Ver também artigo 26.
59 Ver Media Rights Agenda and Others v Nigeria, n. 28 acima, para. 68. Ver também Projeto dos Direitos
Constiucionais e Outros versus Nigéria (2000) AHRLR 227 (ACHPR 1999), para. 41.
60 Inerente a um ser humano’, nas palavras do artigo 5 da Carta Régia, em respeito a dignidade.
61 Convenção da OAU, artigo 1 (1), Convenção das Nações Unidas sobre Refugiados, artigo 1 (a) (2) a ser lido
acompanhado do Protocolo que relata o estado dos refugiados (1967) artigo 1 (2). Para um debate ver
Advogados para Direitos Humanos African exodus (1995).

311
Christof Heyns e Magnus Killander

sistema de supervisão, mas a Comissão Africana considerou um número de comuni-


cações sobre refugiados.62

Carta Africana sobre os Direitos e o Bem-Estar da Criança

A Carta Africana das Crianças, adotada em 1990, em muitos aspectos tem provi-
sões similares a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança (CDC), adotada
menos de um ano antes do que o instrumento africano. Em relação a proteção das
crianças, a Carta Africana vai além da CDC. Nenhuma pessoa menor de 18 anos deve
ser recrutada ou fazer parte de hostilidades. A CDC estabelece o limite de idade como
15 anos, apesar do Protocolo de 2000 aumentá-lo para 18 anos. A Carta Africana das
Crianças vai além da CDC também em outros aspectos, por exemplo, ao proibir os
casamentos de crianças.63 A implementação da Carta Africana das Crianças e de res-
ponsabilidade do Comitê Africano de Experts sobre os Direitos e o Bem-Estar da
Criança, como veremos adiante.

Convenção da UA sobre Prevenção e Combate a Corrupção

A Corrupção compromete os recursos necessários para que um estado seja capaz


de satisfazer suas obrigações de direitos humanos. Isto e reconhecido na Convenção
da UA sobre Prevenção e Combate a Corrupção que estabelece como um de seus obje-
tivos “promover o desenvolvimento sócio-econômico, removendo obstáculos ao gozo
de direitos econômicos, sociais e culturais, bem como aos direitos civis e políticos”.64
A Convenção também estabelece direitos relacionados ao combate da corrupção,
como o de acesso à informação.65 A Convenção estabelece um Conselho sobre
Corrupção, como um mecanisno de supervisão.66

V. Orgãos Estabelecidos para a Implementação dos Direitos Humanos

O estabelecimento da Uniao Africana vislumbrou uma proliferação institucional


sem precedentes de órgãos com mandatos de direitos humanos.67 Esquematicamente,

62 Ver, por exemplo, Organização Mundial contra a Tortura e Outros versus Ruanda (2000) AHRLR 282
(ACHPR 1996) e Encontro Africano para a Defesa dos Direitos do Homem versus Zambia (2000) (2000)
AHRLR 321 (ACHPR 1996).
63 F Viljoen ‘Introduction to the African Commission’ in Human Rights Law in Africa 491.Ver também DM
Chirwa ‘The merits and demerits of the African Charter on the Rights and Welfare of the Child’ 10
International Journal of Children’s Rights (2002) 157.
64 Conveção da UA para a Prevenção e Combate à Corrupção, artigo 2 (4).
65 Como mencionado anteriormente, artigo 9.
66 Como mencionado anteriormente, artigo 22.
67 A Lloyd & R Murray ‘Institutions with responsibility for human rights protection under the African Union’
(2004) 48 Journal of African Law 165.

312
O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos

os órgãos continentais de direitos humanos podem ser identificados da seguinte


maneira:

Source: C Heyns (ed) Compendium of key human rights


documents of the African Union (2005)

5.1. O papel dos principais órgãos da UA na proteção de direitos humanos

A União Africana tem os seguintes órgãos principais: A Assembleia dos Chefes


de Estado e Governo; o Conselho Executivo; o Comitê de Representantes
Permanentes; o Parlamento Pan-Africano; a Corte Africana de Justiça; a Comissão da
UA; Comitês Técnicos Especializados; o Conselho Econômico, Social e Cultural;
Instituicões Financeiras; e o Conselho de Paz e Seguranca.68
O Parlamento Pan-Africano deve “assegurar a participação total dos povos afri-
canos no desenvolvimento e integração econômica do continente”.69 O Parlamento
tem como um de seus objetivos, “promover os princípios de direitos humanos e demo-
cracia na África”.70 O Parlamento realizou sua primeira sessão em 2004. Cada Estado-

68 Ato Constitutivo da UA, artigo 5. O PSC não está incluso como um órgão principal da AU em seu Ato
Constitutivo Original, mas o será sob emendas que ainda não entraram em vigor. Para debate, ver Heyns e
outros, n. 6 acima , 252.
69 Ato Constitutivo da AU, artigo 17 (1). As funções do Parlamento são previstas no Protocolo do Tratado
Estabelecendo a Comunidade Econômica Africana Relativo ao Parlamento Pan Africano, adotado pela
Assembléia da OUA em Março de 2001 e que passou a vigorar em 2003. Reimpresso em Human Rights Law
in Africa 212. Ver, KD Magliveras & GJ Naldi ‘The Pan-African Parliament of the African Union: An
overview’ (2003) 3 African Human Rights Law Journal 222 and T Demeke ‘The new Pan-African
Parliament: Prospects and challenges in view of the experience of the European Parliament’ (2004) 4
African Human Rights Law Journal 53.
70 Protocolo sobre o Parlamento Pan Africano, artigo 3 (2).

313
Christof Heyns e Magnus Killander

parte ao Protocolo que o estabele envia cinco parlamentares nacionais ao Parlamento,


que se reúne duas vezes ao ano em Midrand, África do Sul. Atualmente, seus poderes
são puramente consultivos e de recomendação. É evidente que o Parlamento tem
ainda que encontrar seu passo, mas dentre as atividades de relevância aos direitos
humanos estão sua missão de campo (fact-finding) em Darfur, que produziu um rela-
tório para a sessão de abril de 2005 do Parlamento, e sua decisão, na mesma sessão, de
enviar missões a Costa do Marfim e a República Democrática do Congo.71 O
Parlamento terá também uma função no processo da African Peer Review.72
O Conselho Econômico, Social e Cultural (CESC) e “um orgao consultivo com-
posto de diferentes grupos sociais e profissionais”.73 Seu propósito e conceder uma
função a sociedade civil na UA. O CESC tem como alguns de seus objetivos, “promo-
ver e defender uma cultura de boa governança, princípios e instituições democráticas,
participação popular, direitos humanos e liberdades, bem como justiça social”.74 Os
estatutos do CESC foram adotados pela Assembléia da UA, em julho de 2004, e o
Conselho realizou sua primeira reunião em março de 2005.75
A Corte Africana de Justiça, um dos principais órgãos da UA, ainda não foi esta-
belecida, uma vez que, até novembro de 2005, o Protocolo que estabelece a Corte só
havia recebido oito das 15 ratificacões necessárias para a sua entrada em vigor. A
Corte de Justiça será discutida abaixo, com relação a Corte Africana de Direitos
Humanos e Direito dos Povos.
As tentativas de desenvolver mecanismos para lidar com conflito na África tam-
bém são de importância para tentar prevenir violações massivas de direitos huma-
nos.76 O protocolo sobre o Conselho de Paz e Seguranca (CPS), adotado em 2002,

71 Resolução sobre a Deliberação do Parlamento Pan Africano sobre a Missão de Paz na Costa do Marfim no
início do mês de maio de 2005 (PAP-Res. 005/05), adotada em 11 de abril de 2005; Resolução sobre a
Deliberação do Parlamento Pan Africano sobre a Missão de Paz na República Democrática do Congo duran-
te a primeira quinzena de Maio(PAP-Res. 006/05), adotada em 11 de abril de 2005. http://www.iss.
co.za/AF/RegOrgunity_to_union/pdfs/pap/3rdres.pdf (acessado em 26 de setembro de 2005).
72 Recomendações sobre a nova Parceria para o Desenvolvimento Africano e o Mecanismo de Exame da
Emergência Africana, adotadas na segunda sessão ordinária do Parlamento Pan Africano, 16 de setembro –
1 de outubro 2004, PAP-Rec 002/04. http://www.iss.co.za/AF/RegOrg/unity_to_union/pdfs/pap/3rdres.
pdf(acessado em 26 September 2005).
73 Ato Constitutivo da AU artigo 22 (1).
74 Estatuto do ECOSOCC, artigo 2 (5).
75 http://www.africa-union.org/organs/ecosocc/home.htm. ECOSOCC possui 150 organizações membros que
constituem a Assembléia Geral, e um Comitê permanente de 18 membros. Para facilitar a diretriz de absor-
ção dentro de outros órgãos da AU, o Conselho tem dez comitês de agrupamentos setoriais, aproximada-
mente correspondendo aos departamentos da Comissão da AU (obrigações políticas; paz e segurança;
infraestrutura e energia; obrigações sociais e saúde; recursos humanos; ciência e tecnologia; comércio e
indústria; economia rural e agricultura; afazeres econômicos; mulheres e gênero; e questões interdiscipli-
nares. Direitos Humanos são considerados sob obrigações políticas).
76 Ver Declaração para o Estabelecimento de um Mecanismo de Preveção contra Conflitos, Gerenciamento e
Resoluções, AHG/DECL. 3 (XXIX). O Órgão Central deste Mecanismo estava incluso como um órgão da AU
na 37ª Assembléia da OAU em 2001, AHG/Dec. 160 (XXXVII). De acordo com o artigo 22 do Protocolo
Relativo ao Estabelecimento do Conselho de Paz e Segurança da África, ASS/AU/Dec. 2(I), este Conselho
substituirá o mecanismo anterior.

314
O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos

entrou em vigor em 2003. O CPS e composto por 15 membros. O critério para parti-
cipação inclui “respeito por governança constitucional… bem como pela regra do
direito e direitos humanos...”.77
O artigo 4º do Protocolo sobre CPS estabelece que o Conselho deve ser guiado
pelo Ato Constitutivo da UA, pela Carta da ONU e pela Declaração Universal dos
Direitos Humanos. O Protocolo ainda estabelece como um dos objetivos do Conselho:

promover e encorajar práticas democráticas; boa governança e a regra do


direito; proteger direitos humanos e liberdades fundamentais; respeito pela san-
tidade da vida humana e direito internacional humanitário, como parte dos
esforços para prevenir conflitos.78

O artigo 19 do Protocolo estabelece que:

O Conselho de Paz e Segurança deve buscar próxima cooperação com a


Comissão Africana de Direitos Humanos e Direito dos Povos em todas as
matérias relevantes para seus objetivos e mandato. A Comissão de Direitos
Humanos e Direito dos Povos deverá trazer a atenção do Conselho de Paz e
Seguranca qualquer informação relevante aos objetivos e mandatos deste
Conselho.

A partir de seus Relatórios de Atividades Anuais depreende-se que a Comissão


não tem se utilizado desta provisão, apesar de ter feito referências a resoluções do CPS
nas suas próprias resoluções sobre países específicos.79
O programa de desenvolvimento da UA, a Nova Parceria para o Desenvol-
vimento da África (NPDA), relaciona direitos humanos com desenvolvimento e esta-
belece o African Peer Review Mechanism, discutido abaixo.

5.2. A Comissão Africana de Direitos Humanos e Direitos dos Povos

Como mencionado anteriormente, a Carta Africana, tal qual adotada em 1981,


estabelecia somente a criação de uma Comissão, e não uma Corte de Direitos
Humanos, em contraste com os outros dois sistemas regionais no mundo – na Europa
e nas Américas, que, a época, tinham os dois.80

77 PSC Protocol, artigo5(2)(g).


78 PSC Protocol, artigo3(f).
79 Ver, por exemplo, Resolução sobre a Costa do Marfim e Resolução em Dafur (2004), 17ª Relatório Anual de
Atividade sobre a Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Homens.
80 Com a entrada em vigor do protocolo 11 para a Convenção Européia sobre Direitos Humanos em novem-
bro de 1998, a Comissão Européia sobre Direitos Humanos foi abolida.

315
Christof Heyns e Magnus Killander

Os Comissionários

A Comissão Africana consiste em 11 comissionários, que servem em suas capa-


cidades individuais.81 A Comissão se reúne duas vezes ao ano, em sessões regulares,
por um período de até duas semanas. Eles são nomeados pelos estados-partes da Carta
e eleitos pela Assembléia.82 O Secretariado da Comissão é baseado em Banjul, Gambia.
A Comissão alterna suas reuniões entre Banjul e outras capitais Africanas. A Comissão
tem mandatos protetivo e promocional.83
Apesar da Carta estabelecer que os Comissionários devem ser independentes, hou-
vera inúmeras oportunidades em que a independência de indivíduos Comissionários foi
colocada em questão. O fato de que muitos Comissionários estariam servindo como ser-
vidores civis ou embaixadores recebeu críticas. Por exemplo, um Comissionário da
Mauritânia, eleito em 2003, tornou-se um ministro em seu país pouco depois. Um
importante passo, entretanto, foi tomado quando a UA solicitou nominações para
preencher os postos de quatro Comissionários, em 2005. Numa note verbale aos países
membros, em abril de 2005, a Comissão da UA estabeleceu diretrizes que excluiram ser-
vidores civis sênior e representantes diplomáticos.84 Os quatro Comissionários eleitos na
reunião de julho de 2005 eram todos independentes de governos.85
Os principais mecanismos utilizados pela Comissão para cumprir a tarefa de
supervisionar o respeito às normas da Carta, pelos estados-partes, são os seguintes:

O Procedimento de Reclamações

Ambos, estados e indivíduos, podem apresentar reclamações perante a Comissão


Africana, alegando violações da Carta Africana por Estados-Partes.
O procedimento pelo qual um estado apresenta uma reclamação sobre uma ale-
gada violação de direitos humanos por outro estado não é muito usado.86 Atualmente,
só um caso assim está pendente perante a Comissão, o caso entre a República
Democrática do Congo e três países vizinhos.87

81 Artigo 31.
82 Artigo 33.
83 Artigo 45(1) & (2) Ver V Dankwa ‘The promotional role of the African Commission on Human and Peoples’
Rights’ in Evans and Murray ( número 23 acima) 335.
84 BC/OLC/66/Vol.XVIII.
85 Os quatro membros eleitos foram: senhorita Peine Alapini-Gansou, advogada e ativista em uma ONG no
Benin; senhor Musa Ngary Bitaye, presidente da Associação de Advogados da Gâmbia; senhorita Faith
Pansy Tlakula, chefe do Escritório Eleitoral e da Comissão Eleitoral Independente da África do Sul e senhor
Mumba Malila, presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Zâmbia.
86 Artigos 47-54.
87 Comunicação 227/99 , República Democrática do Congo versus Burundi, Ruanda e Uganda. Num caso tra-
zido por uma organização do Burundi contra um número de Estados vizinhos, a Comissão julgou que o plei-
teante estava em essência representando o Estado. Contudo, a comunicação foi considerada perante o pro-
cedimento de comunicação individual visto que a posição da organização em trazer a queixa não foi ques-

316
O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos

O assim chamado procedimento individual de reclamações não é claramente


estabelecido na Carta Africana. Uma leitura da Carta é de que comunicações podem
ser consideradas somente quando “sérias e massivas violações” estão envolvidas, o que
então acionaria o (um tanto quanto fútil) procedimento do artigo 58, descrito abaixo.
Entretanto, a Comissão Africana aceitou, desde o princípio, que teria o poder de lidar
com denúncias sobre quaisquer violações de direitos humanos, de acordo com a Carta,
desde que o critério de admissibilidade fosse satisfeito.88
A Carta é omissa sobre a questão de quem pode fazer tais denúncias, mas a pra-
tica da Comissão é a de que denúncias de indivíduos, bem como de ONGs, são acei-
tas. A partir dos precedentes estabelecidos nos casos perante a Comissão (case law) é
evidente que os autores das denúncias não precisam ser uma vítima ou membro da
família de uma vítima.89 A Comissão no caso SERAC reconheceu a utilidade do actio
popularis.90 O procedimento individual de denúncias é muito mais utilizado do que o
mecanismo interestatal, apesar de não tão freqüentemente quanto era de se esperar
num continente com os tipos de problemas de direitos humanos que a África possui.91
Em alguma medida, tal fato poderia ser atribuído à falta de conhecimento sobre o sis-
tema, contudo, mesmo onde há conhecimento, normalmente não há muita confiança
em que o sistema possa fazer diferença.
Um estudo recente, sobre o cumprimento, pelos estados, das conclusões da
Comissão, fornece razões para ceticismo em relação a efetividade do mecanismo indi-
vidual de denúncias no âmbito da Carta Africana.92 No seu estudo, Louw conclui que
houve “cumprimento completo em 14%, cumprimento parcial em 20% e não-cumpri-
mento em 66% dos 44 casos em que a Comissão concluiu que estados-partes violavam
a Carta Africana”.93 Louw considera que

fatores como a fraqueza da OUA, ocasionando a falta de publicidade e pres-


são política, e fatores relacionados a problemas com a legitimidade institucional
da Comissão Africana, têm, em última instância, um impacto negativo sobre o
cumprimento do estado… o papel das ONGs; a natureza e a extensão da viola-

tionada pelos governos acusados. Notificação 157/96, Associação para a Salvaguarda da Paz no Burundi ver-
sus Tanzânia, Quênia, Uganda, Ruanda, Zaire e Zâmbia, 17º Relatório de Atividade Anual da Comissão
Africana.
88 Seguindo diretamente às prescrições sobre comunicações interestatais, artigo 55 provém para “outras comu-
nicações”. A Comissão tem agido a partir da suposição que isto refere-se a comunicações individuais. Ver
Jawara versus Gâmbia (2000) AHRLR 107 (ACHPR 2000), parágrafo 42.
89 Associação Africana de Malawi e Outros versus Mauritânia (2000) AHRLR 149 (ACHPR 2000), paragráfo
78.
90 Número 38, parágrafo 49.
91 A Comissão recebeu cerca de 300 comunicações individuais desde seu início em 1987, muitas delas subme-
tidas por ONGs.
92 L Louw, An analysis of state compliance with the recommendations of the African Commission on Human
and Peoples’ Rights (2005) LLD tese, Universidade de Pretória.
93 Como acima, 314.

317
Christof Heyns e Magnus Killander

ção; e a forma de governo do estado relevante, explicam o cumprimento ou o


não-cumprimento num caso particular.94

Assim como outros sistemas de reclamações, a Carta Africana coloca certos cri-
térios de admissibilidade antes que a Comissão possa conhecer as denúncias.95 Tais
critérios incluem o requerimento de exaustão dos remédios locais. Assim, a Comissão
deverá ser demandada tão somente quando a matéria já tiver sido discutida, sem
sucesso ou sem perspectiva de sucesso, perante a suprema corte do país em questão.
A Comissão decidiu que, para que um caso não seja admitido, remédios locais
devem ser disponíveis, efetivos, suficientes, e não (indevidamente) prolongados.96 No
caso Purohit and Moore v the Gâmbia,97 a Comissão deu uma decisão potencialmen-
te abrangente sobre a exaustão de remédios locais quando manteve que:
A categoria das pessoas representadas na presente comunicação é, provavelmen-
te, a de pessoas de rua ou de pessoas pobres, e como tais não se pode dizer que os remé-
dios disponíveis, de acordo com a Constituição, são remédios realistas para eles na
ausência de serviços jurídicos gratuitos.98
A Carta ainda tem um requisito de que as comunicações “não sejam escritas em
linguagem desrespeitosa ou insultante, contra o estado em questão e suas instituições,
ou contra a Organização da Unidade Africana”.99
Quando uma denúncia é apresentada, o estado em questão é convidado a responder
as alegações contra ele. Caso o estado não responda, a Comissão dará prosseguimento ao
caso com base nos fatos, tais como apresentados pelo reclamante.100 Caso a decisão da
Comissão seja de que, de fato, houve violação ou violações da Carta, a Comissão por vezes
também recomendará o fim de violações continuadas (por exemplo, os prisioneiros deve-
rão ser soltos);101 ou que leis específicas devam ser alteradas.102 Mas, muitas vezes, as reco-

94 Como acima, 316.


95 Artigo 56. Para o debate, ver F Viljoen ‘Admissibility under the African Charter’ in Evans & Murray
(número 23 acima) 61.
96 Jawara versus Gâmbia, número 76 acima.
97 Purohit e Moore versus Gâmbia, notificação 241/2001, 16º Relatório de Atividade Anual da Comissão
Africana sobre Direitos do Povo e Direitos Humanos.
98 Como mencionado, parágrafo 37.
99 Artigo 56(3). A Comissão usou esta cláusula apenas em um caso, ver Ligue Camerounaise des Droits de
l’Homme v Cameroon (2000) AHRLR 61 (ACHPR 1997).
100 Ver, por exemplo, Commission Nationale des Droits de l’Homme et des Libertes versus Chad, número 27
acima, parágrafo 25. Ver também, R Murray ‘Evidence and fact-finding by the African Commission’ in
Evans and Murray (número 23 acima) 100.
101 Ver, por exemplo, Constitutional Rights Project (in respect of Akamu and Others) versus Nigeria, número
32 acima; Constitutional Rights Project (in respect of Lekwot and Others) versus Nigeria (2000) AHRLR
183 (ACHPR 1995); Constitutional Rights Project and Another versus Nigeria, número 46 acima;
Constitutional Rights Project versus Nigeria I (2000) AHRLR 241 (ACHPR 1999); Centre for Free Speech
versus Nigeria (2000) AHRLR 250 (ACHPR 1999).
102 Ver, por exemplo, International Pen and Others (on behalf of Saro-Wiwa) versus Nigeria (2000) AHRLR
212 (ACHPR 1998); Avocats Sans Frontières (on behalf of Bwampamye) versus Burundi; (2000) AHRLR 48
(ACHPR 2000).

318
O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos

mendações são um tanto quanto vagas, e ao estado-parte é tão somente recomendado


“tomar todas as medidas necessárias para cumprir suas obrigações de acordo com a
Carta”.103 Algumas vezes, não há qualquer provisão no que se refere a soluções necessá-
rias,104 enquanto que, noutras, as soluções fornecidas são um tanto quanto refinidas.105
Recentemente, a Comissão requereu que alguns estados informassem no relatório apre-
sentado a ela as medidas por eles tomadas para fazer cumprir as recomendações.106
O artigo 58 estabelece que “casos especiais que revelem a existência de serias e
generalizadas violações de direitos humanos e direitos dos povos” tem que ser referi-
dos pela Comissão para a Assembléia, a qual “pode então solicitar para que a Comissão
promova estudo aprofundado de tais casos”. Quando a Comissão adotou tal postura, a
Assembléia falhou em responder. Mas a Comissão, mesmo assim, concluiu que tais
violações generalizadas aconteceram. Hoje, a Comissão parace não mais referir casos
a Assembléia nos termos do artigo 58.107
A Carta não contém uma provisão que conceda a Comissão o poder de tomar medi-
das provisórias ou interinas, para requerer que os estados-partes se abstenham de causar
danos irreparáveis.108 No entanto, as Regras Procedimentais da Comissão dão a ela o poder
para assim o fazer. A Comissão já se valeu de tais medidas provisórias ou interinas em alguns
casos. Um desses casos era o de Ken Saro-Wiwa e outros ativistas Ogoni, os quais teriam
sido sentenciados a morte por um tribunal especial, estabelecido pelo governo militar na
Nigéria.109 Naquele caso específico, as medidas interinas, solicitando que o governo nige-
riano não os executasse, foram ignoradas. A execução de Saro-Wiwa (e outros) causou
revolta no mundo todo. Em sua decisão, a Comissão declarou que buscou auxiliar a Nigeria,
por meio das medidas interinas, para que cumprisse suas obrigações de acordo com a Carta,
e que a execução, face tais medidas, conseqüentemente havia violado o artigo 1º.110

Consideração dos Relatórios dos Estados

Cada estado-parte deve submeter, a cada dois anos, um relatório sobre seus esfor-
ços para cumprir com a Carta Africana.111 Apesar de não estar estabelecido na Carta
Africana que os relatórios devem ser submetidos especificamente para a Comissão

103 Constitutional Rights Project and Others versus Nigéria, número 55 acima.
104 Huri-Laws versus Nigeria (2000) AHRLR 273 (ACHPR 2000).
105 Ver, por exemplo, Malawi African Association and Others versus Mauritania, número 26 acima; Social and
Economic Rights Action Centre (SERAC) and Another versus Nigeria, número 38 acima.
106 Ver, por exemplo, Legal Resources Foundation versus Zambia, número 35 acima.
107 Parece que a Comissão estará apta a fazer alusão de tais casos com o PSC (artigo 9 do Protocolo do PSC, ver acima).
108 Regra 111. Para o debate ver, GJ Naldi ‘Interim measures of protection in the African system for the pro-
tection of human and peoples’ rights’ (2002) 2 African Human Rights Law Journal 1.
109 International Pen and Others (on behalf of Saro-Wiwa) versus Nigeria, número 98 acima
110 Contudo, em uma decisão recente a Comissão estabeleceu que o artigo 1 poderia ser violado apenas se “ o
Estado não legalizar o decreto-lei legislativo necessário”. Interights and Others (on behalf of Bosch) versus
Botswana, nùmero 34 acima, parágrafo 51.
111 Artigo 62. Para o debate, ver M Evans e outros ‘The reporting mechanism of the African Charter on Human
and Peoples’ Rights’ em Evans & Murray (número 23 acima) 36 e GW Mugwanya ‘Examination of state
reports by the African Commission: A critical appraisal’ (2001) 1 African Human Rights Law Journal 268.

319
Christof Heyns e Magnus Killander

Africana, a Comissão recomendou para a Assembléia que a própria Comissão deveria ter
o mandato para considerar os relatórios. A Assembléia endossou esta recomendação.112
As ONGs podem submeter relatórios de resposta ou alternativos, mas o impacto desta
via é prejudicado pela falta de acesso das ONGs aos relatórios estatais que supostamen-
te buscam responder. Os relatórios são considerados pela Comissão em sessões públicas.
Os relatórios de estados-partes devem seguir os parâmetros adotados pela Comissão.
Atualmente, há dois conjuntos de parâmetros: um, adotado em 1988,113 é longo e com-
plexo e outro, adotado em 1998,114 é extramente breve.115 O relacionamento entre estes
diferentes parâmetros não é claro, devendo ser uma prioridade da Comissão esclarecer
a situação no que se refere aos parâmetros sobre relatórios estatais.116
Os relatórios no âmbito da Carta, assim como em outros sistemas, têm como pro-
pósito facilitar tanto a introspecção quanto a inspeção. A “Introspecção” refere-se ao
processo em que o estado, ao escrever o relatório, submete a sua própria realidade
doméstica a análise, tendo em vista as normas da Carta. A “Inspeção” refere-se ao pro-
cesso em que a Comissão analisa o desempenho do estado em questão, tendo em vista a
Carta. O propósito é favorecer um “diálogo construtivo” entre a Comissão e os estados.
Os relatórios têm sido muito lentos, e 18 dos 53 estados-membros nunca subme-
teram nenhum relatório. Em 2001, a Comissão começou a emitir obervações finais em
relação aos relatórios considerados. Seus significados são diminuídos pelo fato de que
nem os relatórios estatais, e nem as observações finais, são publicados pela Comissão.

Relatores Especiais e Grupos de Trabalho

A Comissão apontou inúmeros relatores especiais, com diferentes graus de suces-


so. Não há nenhuma base legal óbvia na Carta, para o apontamento de relatores espe-
ciais; isto é descrito como outra inovação da Comissão.117 Os relatores especiais são
todos membros da Comissão.
Houve amplo criticismo para a falta de ação efetiva por parte do Relator Especial
sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais, sendo o mesmo verdadeiro pelo
menos em relação ao primeiro responsável como Relator Especial sobre as Condições

112 Ver, AHG/Res 176 (XXIV) 1988, reimpressa em Human Rights Law in Africa 1999, 128.
113 Reimpressa em Human Rights Law in África 507.
114 Reimpressa em Human Rights Law in África 569
115 Evans e outros, número 107 acima, 45.
116 O Grupo de Trabalho da Comissão em Direitos Sociais, Culturais e Econômicos tem em seu mandato “ela-
borar um projeto examinando diretrizes relativas a direitos sociais, culturais e econômicos, para relatar ao
Estado”. Resolução sobre Direitos Sociais, Culturais e Econômicos na África, ACHPR/Res.73(XXXVI)04,
adotada pela Comissão Africana de Direitos do Povo e Direitos Humanos, em dezembro de 2004.
117 Tem se discutido que a justificativa legal pode ser encontrada no artigo 46, o qual permite para “qualquer
método apropriado de investigação”. Para o debate, ver J Harrington ‘Special rapporteurs of the African
Commission on Human and Peoples’ Rights’ (2001) 1 African Human Rights Law Journal 247 e M Evans &
R Murray ‘The special rapporteurs in the African system’ in Evans & Murray (número 23 acima) 280. Para
os mandatos de especiais rapporteurs, ver www.achpr.org.

320
O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos

da Mulher na África. Em contraste, o Relator Especial sobre Prisões e Condições de


Detenção na África estabeleceu parâmetros pelos próximos anos inclusive.
Recentemente, a Comissão indicou relatores especiais sobre liberdade de expres-
são; refugiados e deslocados internos; e defensores de direitos humanos. A Comissão
também estabeleceu um Comitê para monitorar a implementação dos Parâmetros e
Medidas para Proibição e Prevenção de Tortura e Tratamentos ou Punições Cruéis,
Desumanas ou Degradantes na África (Parâmetros de Robben Island). Adicional-
mente, um Grupo de Trabalho sobre Povos ou Comunidades Indígenas e um Grupo
de Trabalho sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foram estabelecidos.
Alguns dos membros destes grupos de trabalho não são membros da Comissão.

Visitas no Local

A Comissão, desde 1995, conduziu inúmeras visitas locais.118 Estas envolvem um


conjunto de atividades, desde investigações, até bons ofícios e visitas gerais de promo-
ção.119 Muitos relatórios de visitas nunca foram publicados.

Resoluções

A Comissão adotou resoluções sobre inúmeras questões de direitos humanos na


África. Em adição a resoluções sobre países específicos e outras mais ad hoc, foram
adotadas resoluções sobre tópicos como os seguintes: julgamento justo; liberdade de
associação; educação de direitos humanos e direitos dos povos; direito humanitário;
formas contemporâneas de escravidão; minas antipessoais; prisões na África; indepen-
dência do judiciário; o processo eleitoral e governança participativa; o Tribunal Penal
Internacional; a pena de morte; tortura; AIDS; e liberdade de expressão.120

Relacionamento com ONGs

As ONGs têm um relacionamento especial com a Comissão.121 Um grande


número se registrou com o status de observador.122 As ONGs são muitas vezes instru-

118 Países associados da Comissão que conduziram missões promocionais ou coletadoras de fatos a serem inclu-
sos: Burkina Faso (2001), República do Tchad (2000), Congo (2004), Costa do Márfim (2001, 2003), República
Democrática do Congo (2004), Djibouti (2000, 2002), Líbia (2002), Mauritânia (1996), Moçambique (2000),
Niger (2002), Nigéria (1997, 2005), Senegal (1996, 2002), Seychelles (2001), Serra Leone (2000, 2004), África
do Sul (2001), Sudão (1996, 2002), Togo (1995), Zâmbia (2001) e Zimbabwe (2002).
119 Ver, R Murray ‘Evidence and fact-finding by the African Commission’ in Evans & Murray (número 23 acima) 100.
120 Para os textos das resoluções ver, Human Rights Law in Africa and www.achpr.org.
121 Ver, A Motala ‘Non-governmental organisations in the African system’ in Evans & Murray (número 23
acima) 246 e CE Welch Protecting Human Rights in Africa: Strategies and Roles of Non-governmental
Organisations (1995).
122 Ver a resolução reimpressa em Human Rights Law in África, 572. Instituições Nacionais em Direitos Hu-
manos podem também registrar-se como observador/afiliado. Ver resolução reimpressa em Human Rights
Law in África, 574.

321
Christof Heyns e Magnus Killander

mentais para trazer casos a Comissão; elas algumas vezes submetem relatórios-respos-
ta (ou relatórios-sombra); propõem itens para a agenda desde o início das sessões da
Comissão; e fornecem suporte logístico e outros para a Comissão, como por exemplo
fornecendo estagiários a Comissão e providenciando suporte para relatores especiais e
missões da Comissão. As ONGs, muitas vezes, organizam sessões de trabalhos espe-
ciais, para ONGs em geral, antes das sessões da Comissão, e participam ativamente nas
sessões públicas da Comissão. As ONGs também colaboram com a Comissão no desen-
volvimento de resoluções normativas e novos protocolos para a Carta Africana.

Interação com os Órgãos Políticos da UA

Os Relatórios de Atividades Anuais da Comissão, que refletem as decisões, resolu-


ções, e outros atos da Comissão, são submetidos todo ano, para autorização de publica-
ção, aos encontros da Assembléia de Chefes de Estado e de Governo (“Assembléia”) da
OUA/UA, que tradicionalmente tem sido realizadas em junho ou julho do ano seguin-
te. A Assembléia delegou a autoridade para discutir o Relatório de Atividades para o
Conselho Executivo.123 Entretanto, ele ainda é adotado pela Assembléia, como estabe-
lecido pela Carta.124 Recentemente, a UA passou a ter dois encontros ao ano, e ainda
será decidido se a Comissão Africana irá submeter um relatório para cada reunião.
Na prática, a Assembléia tem servido como uma espécie de referendo para a
publicação, pela Comissão, do relatório contendo suas decisões, mas o fato de que as
mesmas pessoas, que controlam as instituições cujas práticas de direitos humanos são
consideradas, – os chefes de estado –, devem tomar a decisão final sobre a publicida-
de, mina a legitimidade do sistema. Na oportunidade do 17º Relatório Anual de
Atividades que foi considerado pelo Conselho Executivo, durante a reunião da UA,
em julho 2004, o Zimbabwe reclamou que não havia tido a oportunidade de respon-
der as alegações contidas no relatório, concernentes a uma missão de investigação pro-
movida pela Comissão no Zimbabwe. O Conselho suspendeu a publicação do relató-
rio, e sua publicação foi finalmente autorizada na reunião de janeiro de 2005.

Informação sobre a Comissão

As decisões da Comissão são publicadas nos Relatórios Africanos de Direitos


Humanos (RADH).125 Um pequeno, mas crescente, número de publicações secundá-
rias sobre os trabalhos da Comissão tem aparecido.126 Informações sobre o trabalho da

123 Decisão no 16º Relatório de Atividade Anual da Comissão em Direitos do Povo e Direitos Humanos,
Documento na Assembléia/AU/7 (II), Julho 2003, parágrafo 5.
124 Carta Patente Africana sobre Direitos do Povo e Direitos Humanos, artigo 59 (3).
125 O primeiro volume cobrindo o período 1987-2000 foi publicado em 2004.
126 Entre os mais notáveis estão: E Ankumah The African Commission on Human and Peoples’ Rights: Practice
and Procedures (1996); UO Umozurike The African Charter on Human and Peoples’ Rights; Evans &

322
O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos

Comissão estão disponíveis em inúmeros sítios eletrônicos.127 Ainda é desconhecido


o porquê da Comissão utilizar tão pouco seu sítio eletrônico, o qual deveria ser o prin-
cipal recurso de informação sobre as atividades da Comissão. Até outubro de 2005, a
Comissão ainda não havia publicado em seu endereço eletrônico o 17º e o 18º
Relatórios Anuais de Atividades, adotados pela Assembléia da UA em janeiro e julho
de 2005.

5.3. A Corte Africana de Direitos Humanos e Direitos dos Povos

Inúmeras razões têm sido desenvolvidas para explicar porque apenas uma
Comissão, e não uma Corte, foi estabelecida pela Carta Africana, em 1981, como órgão
responsável pelo monitoramento da complacência de Estados Membros com a Carta.
Por um lado, há uma explicação mais idealista que a maneira tradicional de resolver dis-
putas na África deve ser através de mediação e conciliação, e não através do mecanismo
de adversários, de “ganhar ou perder” da corte. Por outro lado, existe uma visão de que
os Estados Membros da OAU estavam enciumados de sua recém fundada soberania.128
A noção de uma corte sobre Diretos Humanos para África teria sido tomada pela
OAU 13 anos após a adoção da Carta Africana, quando, em 1994, a Assembléia ado-
tou a resolução requerendo ao Secretário Geral da OAU a convocação de um Encontro
de Especialistas para considerar o estabelecimento de uma Corte Africana sobre
Direitos Humanos e Direitos dos Povos.129
Aparentemente, o conceito de direitos humanos foi aceito de maneira suficien-
temente ampla na África no início dos anos 90, para a decisão a ser tomada de dar mais
“dentes” (eficácia) ao sistema Africano de direitos humanos, na forma de uma Corte.
Isto veio na esteira das diferentes ondas de Democratização em nível nacional, sinte-
tizado pelas paradigmáticas eleições em Benin, em 1991, e o advento da democracia
na África do Sul, em 1994. No mundo todo, é claro, a idéia de direitos humanos tam-
bém havia ganhado proeminência após o fim da Guerra Fria.

Murray (eds), número 23 acima; e F Ouguergouz The African Charter on Human and Peoples’ Rights: a
comprehensive agenda for human rights (2003). Para uma visão detalhada, ver: F Viljoen ‘Introduction to
the African Commission and the regional human rights system’ em Human Rights Law in Africa 385.
Progressos no sistema são acompanhados regularmente em African Human Rights Law Journal,desde 2001.
127 www.achpr.org; www.africa-union.org; www.chr.up.ac.za.
128 J Harrington ‘The African Court on Human and Peoples’ Rights’ in Evans & Murray (eds), número 23
acima , 306. Para comentário na Corte considerada, ver também GJ Naldi & K Magliveras ‘Reinforcing the
African system of human rights: The Protocol on the Establishment of a Regional Court of Human and
Peoples’ Rights’ (1998) 16 Netherlands Quarterly of Human Rights 431; NJ Udombana ‘Towards the
African Court on Human and Peoples’ Rights: Better late than never’ (2000) 3 Yale Human Rights and
Development Law Journal 45; M Mutua ‘The African Human Rights Court: A two-legged stool?’ (1999) 21
Human Rights Quarterly 350; ‘The African Court on Human and Peoples’ Rights’ em Evans & Murray
(número 23 acima) 305; e F Viljoen ‘A Human Rights Court for Africa, and Africans’ (2004) 30 Brooklyn
Journal of International Law 1.
129 AHG/Res 230 (XXX) 1994. Reimpresso em Human Rights Law in Africa 1999, 139.

323
Christof Heyns e Magnus Killander

O Protocolo sobre a Corte Africana de Direitos Humanos e Direitos dos Povos


foi adotado em Addis Ababa, Etiópia, em 1998.130 O Protocolo entrou em vigor em
janeiro de 2004, e, até novembro de 2005, havia recebido 20 ratificações.
A Assembléia da UA decidiu, em sua conferência de cúpula, em julho de 2004,
que a Corte Africana de Direitos Humanos deveria fundir-se com a Corte Africana de
Justiça. O protocolo estabelecendo esta segunda corte havia sido adotado pela
Assembléia, em julho de 2003,131 sem nenhuma referência à fusão com a corte de
direitos humanos. O Protocolo sobre a Corte Africana de Justiça não havia recebido,
até novembro de 2005, as 15 ratificações necessárias para entrar em vigor. Uma minu-
ta de protocolo sobre a fusão tem circulado132 e na conferência de cúpula da UA, em
julho de 2005, a Assembléia decidiu que:


2. ... a minuta de um instrumento legal relativo ao estabelecimento da nova
corte (fundida), incluindo a Corte de Direitos Humanos e a Corte de Justiça, deve
ser completado para apreciação, até a próxima reunião ordinária do Conselho
Executivo e da Assembléia... 3. Também se determina que todas as medidas
necessárias para o funcionamento da Corte de Diretos Humanos sejam tomadas,
incluindo particularmente, a eleição dos juízes, a determinação do orçamento e
a operalização do Secretariado;
4. Ademais, decide-se que o Assento proveniente desta nova corte (fundi-
da) deve ser em um lugar a ser decidido pelos Estados-Membros da Região Leste,
o qual também deverá servir como assento para a Corte de Direitos Humanos,
enquanto a fusão estiver pendente.133

Uma vez que a Corte Africana de Direitos Humanos esteja funcionando, ela
irá ‘complementar’ o mandato protetivo da Comissão, de acordo com a Carta.134
De acordo com o Protocolo de 1998, a Corte será constituída de 11 juízes, servin-
do em suas capacidades individuais, 135 nomeados pelos Estados-Partes do

130 Os documentos que conduzem à adoção do Protocolo da Corte sobre Direitos Humanos Africanos estão
reimpressos em Human Rights Law in Africa 1999, 233-296. O Protocolo está reimpresso em Human
Rights Law in Africa (2004) 170.
131 Protocolo da Corte de Justiça da União Africana, adotado pela AU Assembléia dos Chefes de Estado e
Governos, Maputo, Julho 2003.
132 Anistia Internacional “União Africana: O estabelecimento de uma Corte Africana independente e efetiva
referente aos Direitos do Povo e Direitos Humanos deve ser uma prioridade máxima”, IOR 30/002/2005, 28
de janeiro de 2005.
133 Decisão na fusão da Corte Africana em Direitos do Povo e Direitos Humanos e da Corte de Justiça da União
Africana, Assembléia/AU/dec.83 (v).
134 Artigo 2 do Protocolo da Corte Africana de Direitos Humanos.
135 Artigo 11.

324
O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos

Protocolo,136 e eleitos pela Assembléia. Apenas o presidente servirá por tempo


integral.137
O Protocolo estabelece que os juízes serão designados em suas capacidades indi-
viduais,138 e suas independências são garantidas.139 Provisão especial é feita de que ‘a
posição do juiz da Corte é incompatível com qualquer outra atividade que possa inter-
ferir com a independência e imparcialidade de tal juiz...’.140 Juízes não serão permiti-
dos a participar de um caso se aquele juiz é um nacional do Estado que é parte no
caso.141 A sede da Corte ainda será determinada,142 mas será na Região Leste.
Com relação às considerações da Corte, o Protocolo determina que ‘caso a Corte
conclua que houve uma violação dos direitos humanos ou dos povos, ela deve profe-
rir ordens apropriadas para remediar a violação, incluindo o pagamento de compen-
sação ou reparação justas.’143 A Corte é explicitamente outorgada com poderes para
tomar medidas provisórias.144
Pela ratificação do Protocolo, os Estados aceitam que a Comissão e os Estados
envolvidos estarão em uma posição de aceitarem levar um caso que tenha aparecido
diante deles para a Corte Africana de Direitos Humanos, para obterem uma decisão
legalmente vinculante.145 Indivíduos e aqueles que os representam poderão levar
casos à Corte, apenas em relação àqueles Estados que tenham feito uma declaração
adicional específica autorizando os mesmos a assim o fazer. Em tais circunstâncias, o
caso terá que ser levado ‘diretamente’ à Corte, presumidamente evitando a Comissão
ou, caso a Comissão tenha sido abordada em primeiro lugar, o caso pode ser levado à
Corte sem que seja necessária a autorização da Comissão.146
O Artigo 3(1) estabelece o seguinte:

A jurisdição da Corte deverá se estender a todos os casos e disputas subme-


tidos a ela, no que se refere à interpretação e à aplicação da Carta, deste

136 Artigo 12.


137 Artigo 15(4).
138 Artigo 11.
139 Artigo 17.
140 Artigo 18. Este é significativo pois um dos criticismos contra a Comissão tem sido que um número de
Comissários têm sido associados próximos com o poder executivo em seus países.
141 Artigo 22.
142 Artigo 25.
143 Artigo 27(1).
144 Artigo 27(2).
145 Artigo 5(1).
146 Artigo 5(3), ler com o artigo 34(6). Apenas Burkina Faso, tem, até o momento feito tal declaração, e seria
surpreendente se muitos Estados seguissem em breve. Onde um Estado não tenha feito a declaração adicio-
nal, o acesso do indivíduo à Corte será como é sob o Sistema Interamericano – o indivíduo não tem poder
de acessar a Corte ele mesmo ou ela mesma. Onde a declaração adicional foi feita, a situação do indivíduo
assemelha-se ao sistema Europeu em vigor, onde não há Comissão e o acesso à Corte é direto. Para críticas,
ver Heyns, número 41 acima.

325
Christof Heyns e Magnus Killander

Protocolo, e de qualquer outro instrumento relevante de direitos humanos rati-


ficados pelos Estados em questão.

A frase “qualquer outro instrumento relevante de direitos humanos ratificados


pelos Estados em questão”, de acordo com a maioria dos comentadores, significa que
mesmo litígios em relação a instrumentos de direitos humanos da ONU ou sub-regio-
nais irão recair sob a jurisdição da Corte Africana de Direitos Humanos, desde que tais
tratados tenham sido ratificados pelos Estados em questão.147
Alega-se que nada está errado com o fato da Corte Africana de Direitos Humanos
interpretar a Carta tendo em vista os parâmetros internacionais.148 Opiniões consul-
tivas149 também poderiam lidar com outros tratados.150 Contudo, se casos contencio-
sos possam ser trazidos para a Corte Africana de Direitos Humanos em razão de, por
exemplo, tratados das Nações Unidas que tenham sido violados, sem referência à Carta
Africana, isto poderia levar a decisões conflitantes em sistemas diferentes. Ao mesmo
tempo, deve-se reconhecer que o potencial de decisões conflituosas surgirá, na práti-
ca, apenas em casos de acesso ‘direto’ à Corte, em que a Comissão seja evitada, porque,
em outros casos, um dos critérios de admissibilidade perante a Comissão será a com-
patibilidade com a Carta.
Está decidido que a palavra ‘relevante’ na frase ‘instrumento relevante de direi-
tos humanos’ deve ser entendida de forma a restringir a jurisdição contenciosa da
Corte para além da Carta e do Protocolo, apenas para aquelas circunstâncias em que o
instrumento em questão tenha explicitamente reconhecido a jurisdição da Corte.151
A jurisdição da Corte Africana de Direitos Humanos para dar opiniões consulti-
vas foi mencionada acima. Em adição aos Estados-membros e aos órgãos da UA, qual-
quer “Organização Africana reconhecida pela UA” pode solicitar opiniões consultivas
da Corte.152 Jurisdição consultiva tem se mostrado útil no sistema Interamericano de
Direitos Humanos, e poderia, potencialmente, desempenhar o mesmo papel no siste-
ma Africano.

147 Ver Naldi & Magliveras (número 124 acima) 435; Udombana (número 124 acima) 90; e Mutua (número
124 acima) 354.
148 Deve ser percebido, contudo, que tecnicamente artigos 60 e 61 da Carta Patente Africana apenas previnem
que isto deva ser feito pela Comissão Africana.
149 AP van der Mei ‘The advisory jurisdiction of the African Court on Human and Peoples’ Rights’ (2005) 5
African Human Rights Law Journal 27.
150 A Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece no artigo 64 (1) que a Corte Interamericana pode
dar ‘interpretação sobre esta Convenção ou sobre outros tratados que dizem respeito a proteção dos direi-
tos humanos nos Estados Americanos’. A Corte Interamericana tem interpretado ‘outros tratados’ de manei-
ra a incluir ‘qualquer provisão que trate da proteção dos direitos humanos estabelecida em qualquer trata-
do internacional aplicável nos Estados Americanos...’ Veja Opinião Consultiva OC-1/82 de 24 de setembro
de 1982, Séries A No 1, parágrafo 52, citado em Van der Mei, número 145 acima, 38.
151 Heyns, número 41 acima, 166-167.
152 African Human Rights Court Protocol art. 4.

326
O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos

5.4 . Comitê Africano dos Direitos e Bem-Estar da Criança

A Carta Africana das Crianças, adotada em 1990, começou a vigorar em novem-


bro de 1999. Os 11 membros do Comitê Africano dos Direitos e Bem Estar da Criança,
previstos na convenção, foram eleitos em julho de 2001. O comitê realizou seu pri-
meiro encontro em 2002. O Comitê adotou suas Regras de Procedimento e Diretrizes
para os Relatórios Estatais. Os Estados devem relatar ao Comitê dentro de um perío-
do de dois anos, a partir da entrada em vigor da convenção para o Estado-membro em
questão, e, a partir de então, a cada três anos.153 Além de relatórios estatais, a Carta
Africana dos Direitos das Crianças, de maneira única dentre os demais intrumentos
internacionais de proteção dos direitos das crianças, também estabelece um procedi-
mento de comunicação. O Comitê recebeu, recentemente, um comunicado, mas ainda
não está claro como o Comitê irá lidar com isto.154
O Comitê não possui seu próprio secretariado, e é assistido pelo Departamento
de Assuntos Sociais. A UA está em processo de recrutamento de uma secretária para
o Comitê. O Comitê sofre de uma séria falta de recursos, e poder-se-ia perguntar se o
Comitê deveria fundir-se com a Comissão Africana.155

5.5. The African Peer Review Mechanism (APRM)

Em julho de 2002, em Durban, a Assembléia dos Chefes de Estado e Governo da


OUA adotou a Declaração sobre Democracia e Governança Política, Economia e
Empresarial (Declaração da Governança).156 A Declaração da Governança prevê a ins-
tituição de um African Peer Review Mechanism ‘para promover aderência aos e cum-
primento dos compromissos’ na Declaração.157 A iniciativa surgiu da Nova Parceria
para o Desenvolvimento Africano (NPDA), adotada pela UA, em 2001, como o mode-
lo de desenvolvimento para a união.
A Declaração da Governança, na seção 10, estabelece o que se segue:

À luz da recente história africana, o respeito pelos direitos humanos tem


que significar uma importância e urgência, toda particular. Um dos testes, por

153 Não está claro quantos Estados-partes têm de fato submetido relatórios estatais. Entretanto o Comitê tem
adotado seus procedimentos para considerar relatórios Estatais e tem indicado que comecará a considerar
relatórios Estatais em suas reuniões. Report of the African Committee on the Rights and Welfare of the
Child, EX.CL/200 (VII), relatório apresentado no encontro do Conselho Executivo da AU, 28 de junho – 2
de julho de 2005, 1.
154 Como mencionado acima, 11.
155 Isto estaria de acordo com a presente iniciativa de unir os Comitês dos tratados de direitos humanos das
Nações Unidas. Ver o plano de ação submetido pelo Alto Comissariado das Nações Unidas em Direitos
Humanos, A/59/2005/Add.3, parágrafo 99.
156 AHG/235(XXXVIII) Anexo I.
157 Como citado acima, parágrafo 28.

327
Christof Heyns e Magnus Killander

meio do qual pode-se julgar a qualidade da democracia, é a proteção que se pro-


porciona a cada um dos cidadãos e aos grupos vulneráveis e desfavorecidos.
Minorias étnicas, mulheres e crianças suportam a violência dos conflitos que
assolam o continente hoje. Nós nos incumbimos a fazer mais para avançar a
causa de direitos humanos na África de maneira geral e, especificamente, para
dar fim à vergonha moral exemplificada no sofrimento de mulheres, crianças,
deficientes e minorias étnicas em situações de conflito na África.

Sob o título ‘Democracia e Boa Governança Política’, a seção 13 estabelece:

Em defesa da democracia e do processo democrático, nós iremos: assegurar


que nossas respectivas constituições nacionais reflitam o ethos democrático e
proporcionem governança responsável demonstradamente; promover represen-
tação política, proporcionando assim que todos os cidadãos participem do pro-
cesso político, num ambiente político livre e justo; implementar adesão estrita a
posição da União Africana (UA) sobre mudanças inconstitucionais de governo e
outras decisões de nossa organização continental com o propósito de promover
a democracia, boa governança, paz e segurança; fortalecer e, quando necessário,
estabelecer uma administração eleitoral apropriada e organismos de supervisão,
em nossos países respectivos e fornecer os recursos e capacidades necessários
para conduzir eleições que sejam livres, justas e críveis; reexaminar e, quando
necessário, fortalecer os mecanismos e processos de monitoramento eleitorais
sub-regionais e da UA; e aumentar o conhecimento público da Carta Africana de
Direitos Humanos e Direitos dos Povos, principalmente em nossas instituições
educacionais.

No encontro de Durban, a Assembléia também adotou um documento que lida


especificamente com o processo do African Peer Review Mechanism, o chamado
Documento Base APRM:

O processo irá significar revisões periódicas das políticas e práticas dos


Estados-membros, para apurar o processo feito na direção de alcançar os objetivos
acordados mutuamente, e cumprimento dos valores, códigos e parâmetros de
governança política, econômica e empresarial acordados, da maneira delineada na
Declaração sobre Democracia e Governança Política, Econômica e Corporativa.158

O processo APRM consiste em uma auto-avaliação pelo país signatário a ser revis-
ta, e uma revisão feita por uma equipe de revisão internacional. Neste aspecto ele e

158 A Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD): Mecanismo de Revisão da Emergência
Africana (APRM), AHG/235(XXXVIII) Anexo II (APRM documento de base), parágrafo 15.

328
O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos

similar ao relatório estatal da Carta Africana. Entretanto, existem claras diferenças, tais
como visitas ao país pelo time de revisores da APRM; e o palco político, quando o líder
do país discute o resultado da revisão com seus iguais em outros países participantes.
O mais alto organismo decisório na APRM é o Fórum ARI, que consiste nos che-
fes de Estado e Governo dos Estados-membros. Um painel de pessoas eminentes, com
sete membros, inspeciona o processo de revisão e um membro deste painel é escolhi-
do para liderar o time de revisão em sua missão no país.
O processo internacional de revisão consiste em cinco etapas.159 Primeiro, um
estudo do histórico é conduzido pelo secretariado e amparado por seus consultores.
Este estágio também inclui uma missão de auxílio ao país que será examinado. Na
segunda etapa, um time de revisores liderado por uma das pessoas eminentes visita o
país para debates com todos os participantes envolvidos, em depois do que a equipe
prepara seu relatório (terceiro estágio). Algumas instituições parceiras e consultores
independentes auxiliam no processo. O quarto estágio consiste na submissão do rela-
tório para o Fórum da ARI e na discussão entre os iguais. O último estágio é a publi-
cação do relatório e demais discussões em outras instituições da UA, como o
Parlamento Pan-Africano.
A APRM lida com governança política, econômica e corporativa e desenvolvi-
mento sócio-econômico. Inicialmente, havia um debate quanto à inclusão de aspectos
da governança política, incluindo direitos humanos, mas como assinalado por Cilliers:
‘Sem que se faça da governança política o núcleo do foco da NPDA, a Parceira não
causará um impacto no continente’.160
A APRM é voluntária, e até o presente 23 dos 53 Estados-membros da UA assi-
naram o Memorando de Entendimento (ME)161 que forma a base legal para a revisão.
No parágrafo 24 da ME, o Estado signatário concorda em ‘tomar quantas providências
forem necessárias para a implementação das recomendações adotadas na conclusão do
processo de revisão...’ O ME não lida com o material contratual de seus signatários,
mas, em vez disto, refere-se a Declaração da Governança. A Declaração da
Governança faz referência a padrões que já foram empregados pelos Estados partici-
pantes em outras declarações e tratados, incluindo instrumentos de direitos humanos
globais e regionais. A Declaração da Governança compreende apenas 28 parágrafos e
abrange todas as áreas que estão sendo revistas, por exemplo: governança política,
econômica e corporativa, bem como desenvolvimento sócio-econômico. Documentos
adicionais têm sido desenvolvidos com a preocupação de padrões e indicadores,

159 Como mencionados acima, parágrafos 18-25.


160 J Cilliers ‘Peace and Security through Good Governance: A guide to the NEPAD African Peer Review
Mechanism’ ISS Occasional Paper 70, abril de 2003.
161 Memorandum of Understanding on the African Peer Review Mechanism, adotado no 6º Encontro do
NEPAD Comitê de Implementação dos Chefes de Estado e Governos, 9 de março de 2003, Abuja, Nigéria
NEPAD/HSGIC/03-2003/APRM/MOU.

329
Christof Heyns e Magnus Killander

incluindo um questionário para auxiliar os Estados participantes a completarem suas


próprias avaliações.
Muitos observadores têm expressado a necessidade da sociedade civil se engajar
no APRM, caso seja para que o mecanismo faça alguma diferença na realidade.162 As
possibilidades para tal engajamento variam muito entre os países participantes, assim
como as abordagens em relação a independência dos processos nacionais das interfe-
rências governamentais.
A APRM faz parte do plano político da UA/NDPA de uma maneira que as outras
partes do Sistema Africano de Direitos Humanos não fizeram.163 A situação poderia,
até certo ponto, ser comparada com o papel, percebido por muitos como um sucesso,
do Comitê de Ministros do Conselho da Europa, no que se refere à Convenção
Européia de Direitos Humanos e à Carta Social Européia. Contudo, tal qual demons-
trado pelas atividades dos órgãos políticos das Nações Unidas envolvidos com direitos
humanos, o envolvimento direto de outros Estados na proteção dos direitos não se dá
sem problemas.164
Assim como em outras partes do mundo, líderes africanos não têm demonstrado
um grande interesse em criticar seus iguais. Conseqüentemente, existem razões para
ceticismo em relação ao emprego da ‘pressão dos iguais’ no processo. Contudo, focali-
zar somente a pressão exercida neste nível seria subestimar o processo como um todo.
O documento de Base do APRM estabelece sanções como um último recurso, caso a
pressão de iguais não seja suficiente para convencer governos, com falta de vontade
política, a retificar falhas identificadas.165
Não houve muita cooperação entre o APRM e a Comissão Africana, o que é
lamentável. Uma análise da composição das missões a Gana e a Ruanda, os dois pri-
meiros Estados que foram submetidos ao processo do APRM, também deixa claro que
o foco é mais direcionado à governança econômica do que a política.

162 Veja, por exemplo, A Kajee ‘NEPAD’s APRM: A progress report’ in South African Yearbook of
International Affairs 2003/2004.
163 O principal organismo Africano de direitos humanos, a Comissão Africana de Direitos Humanos e Direitos
do Povos, submete seu Relatório Anual de Atividades ao Conselho Executivo da União Africana, o qual o
submete à Assembléia para a adoção. Embora o relatório em 2003 tenha provocado um certo debate, este
não se deu pela tentativa de implementação de sugestões do relatório mas em vez disso proteger o Zimbábue
do criticismo.
164 Em seu discurso dirigido à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas no dia 7 de abril de 2005,
o Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan declarou que o trabalho da Comissão tem ‘sido
minado pela politização de seus encontros e pela seletividade de seu trabalho’. Ele propôs a adoção do
Conselho Permanente de Direitos Humanos, o qual deveria ‘ter uma função explícita e definida como
uma chamber of peer review, e sua tarefa principal deveria ser avaliar todos as realizações dos Estados,
em relação a todas suas obrigações de direitos humanos...’ Secretary General elaborates on reform of
human rights structures in address to Commission on Human Rights’ United Nations press release, 7
April 2005, www.ohchr.org.
165 APRM, numero 154 acima, para. 24.

330
O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos

VI. Conclusão

O extensivo corpo de materiais (primários e secundários) sobre o sistema regional


africano, que existe agora, permite uma comparação das experiências na África com
aquelas vividas nos sistemas regionais da América e Europa, e o desenvolvimento de
um novo campo de estudos, focado nos diferentes aspectos do fenômeno de sistemas
regionais de direitos humanos. O engajamento nesta tarefa (com detalhes) vai além do
escopo deste estudo – no lugar disso, algumas observações explicativas serão feitas.166
Alguns dos assuntos que virão à tona num estudo como tal são como comparar a
eficácia dos diferentes sistemas e, procedendo daí, estabelecer porque alguns sistemas
são mais ou menos eficazes do que outros. Sistemas regionais de direitos humanos são
apropriados para todas as regiões? Seria factível estabelecer um sistema regional, por
exemplo, para a Ásia, ou para o mundo Árabe? Onde se encaixa o sistema de proteção
regional dos direitos humanos se comparado, de um lado, com o sistema global
(Nações Unidas) e, de outro, com a proteção doméstica dos direitos humanos? Qual o
papel que a sociedade civil tem em influenciar estes sistemas? Qual é o relacionamen-
to entre direitos humanos e as outras funções de organismos continentais (tais como
a União Africana).
Para começar a responder tais questões, uma comparação mais completa dos
diferentes sistemas regionais no mundo hoje, do que aquela existente, teria que ser
feita. Em grande medida, as comparações existentes pegam as características dos dife-
rentes sistemas regionais e as justapõem; as vêem em isolado; e as distanciam de seus
contextos.167 Tais comparações são rápidas em apontar que o caso retirado do sistema
Europeu é, por exemplo, muito mais elevado do que o do sistema africano; que as faci-
lidades de um sistema são superiores as do outro, etc. Este é um ponto de partida, mas
as análises terão que se mover para além destas comparações superficiais, e também
trazer para o contexto o fato de que os desafios enfrentados pelos respectivos sistemas
diferem em questões fundamentais, e isto deve por sua vez influenciar a maneira pela
qual eles serão examinados.
Por exemplo, diz-se, freqüentemente, que muitos dos problemas enfrentados
pelo sistema Europeu – em particular antes da expansão dos membros, após o final da
Guerra Fria – eram problemas de luxo, se comparados às graves e sistemáticas viola-
ções aos direitos humanos freqüentemente testemunhadas na África e nas Américas.
Na Europa, os pontos mais delicados de procedimento de julgamento justo ou de liber-
dade de expressão estão freqüentemente em jogo, envolvendo governos com fortes
comprometimentos para com os direitos humanos. No outro lado do espectro, viola-

166 Algumas das idéias desenvolvidas aqui estão contadas em LR Helfer and A Slaughter ‘Towards a theory of
effective supranational adjudication’ (1997) 107 Yale Law Journal 275. Ver também, H Koh ‘Why do
nations obey international law’ (1997) 106 Yale Law Journal 2599.
167 Veja por exemplo, C Heyns, D Padilla & L Zwaak ‘A schematic comparison of regional human rights
systems: An update’ (2005) 5 African Human Rights Law Journal.

331
Christof Heyns e Magnus Killander

ções de direitos humanos na África têm freqüentemente assumido a forma de viola-


ções massivas, em Estados onde os mecanismos básicos para a proteção dos direitos
humanos não funcionam adequadamente no plano doméstico. Um exame compreen-
sivo da eficácia relativa de um sistema regional de direitos humanos deveria levar em
consideração os diferentes contextos em consideração, e indagar a questão de como os
sistemas podem ser comparados no que se refere a satisfação dos, muitas vezes bastan-
te diferentes, desafios com os quais são confrontados.
Baseado em um resumo inicial, parece que as considerações, como as que se
seguem, podem ter um papel no que se refere ao impacto de um sistema regional, e é
importante investigar ainda mais:

Concentrando-se no papel desempenhado pelos Estados-Partes, as seguin-


tes questões podem vir à tona:

• Existem sistemas domésticos eficazes para a proteção dos direitos humanos


em funcionamento nos países que integram o sistema regional de direitos
humanos? Estes parecem ser os blocos fundadores de qualquer sistema
regional em funcionamento.
• Os Estados-membros têm vontade política para serem submetidos a um
exame em relação a direitos humanos? Isto está refletido na extensão com
a qual eles aceitam os tratados de direitos humanos submetidos a reservas
prejudiciais, e se eles estão dispostos a cumprir com as requisições formais
dos tratados (por exemplo, submeter relatórios estatais quando solicitado;
envolver-se com reclamações individuais; e implementação das recomen-
dações). Isto também tem um impacto sobre a questão deles estarem prepa-
rados para apoiar a criação de um sistema regional de direitos humanos
forte, por meio do papel que desenvolvem no outro organismo regional (ver
abaixo).
• Qual é o equilíbrio na região entre os países onde há um forte comprome-
timento para com os direitos humanos, e entre os países que não o tem? A
maioria dos países tem um registro ruim ou bom em direitos humanos, e em
que medida uma massa crítica foi alcançada em cada lado?

No âmbito regional, um número de considerações poderia afetar o impacto do


sistema:

• O sistema de direitos humanos faz parte de um conjunto de atividades do


outro órgão regional, o qual, tomado como um todo, é para o nítido bene-
fício dos Estados envolvidos? Se a proteção dos direitos humanos é parte de
um mandato mais amplo, o qual inclui, por exemplo, atividades diplomáti-
cas, ambientais e comerciais, ela pode ter mais chances de ter sucesso.

332
O Sistema Regional Africano de Direitos Humanos

Quanto mais atrativo for o conjunto de benefícios por ser membro do órgão
regional, mais provável será a disposição dos Estados em aceitar uma super-
visão efetiva de direitos humanos, como parte do acordo. Na Europa, o cri-
tério de direitos humanos para participação na Comunidade Européia, com
todos os benefícios financeiros associados, levou a reformas em diversos
Estados candidatos.
• O componente de “direitos humanos” das atividades do Órgão Regional de
Direitos Humanos é bem subsidiado, no que se refere a recursos financei-
ros e humanos (tanto em relação ao número de pessoas envolvidas, como
também suas habilidades em campo).
• Os Estados membros seguem uma abordagem de indicar especialistas inde-
pendentes e capazes para serem membros dos organismos de supervisão?
• Os membros dos organismos supervisores mantêm padrões elevados de
independência e imparcialidade, e eles desenvolvem uma jurisprudência
que seja persuasiva e atrativa em termos principiológicos?
• Existe correspondência suficiente ou ‘ressonância normativa’ entre os valo-
res das sociedades em questão e os valores reconhecidos nos sistemas regio-
nais? Por exemplo, se o conceito do grupo é importante entre as pessoas da
região, alguma ênfase nos direitos dos povos e seus deveres podem ser
importantes para assegurar a legitimidade e, como resultado, a aceitação
espontânea dos sistemas.
• Existe consonância entre caminhos tradicionais de resolução de disputas na
região e os métodos seguidos pelos organismos supervisores. Por exemplo,
na Europa a ênfase tradicional no processo judiciário poderia auxiliar o
papel central da Corte Européia dos Direitos Humanos naquele sistema,
enquanto a ênfase em métodos não-judiciais para resolução de conflitos, na
África, poderia requerer um sistema de supervisão mais misto, por exem-
plo, não apenas promovido por uma corte, mas também por uma comissão
quase judicial e também por instituições com um forte componente políti-
co como o APRM.
• Existe publicidade eficaz para o trabalho dos organismos regionais de direi-
tos humanos? Isto parece ser essencial em um sistema baseado na pressão
pública e na de iguais (peer).
• Existe comércio e outras ligações entre os Estados envolvidos? Sem tais liga-
ções, Estados parecem ter pouca influência uns sobre os outros, para imple-
mentar pressão de iguais (peer pressure).
• Os mecanismos em questão estão focados e bem-coordenados para assegu-
ras a máxima eficiência no uso de recursos? A primeira vista, parece haver
uma proliferação desnecessária de sistemas na região africana.
• A sociedade civil é ativa no campo de direitos humanos? Isto se aplica para
as ONGs, mas também a outras instituições como universidades.

333
Christof Heyns e Magnus Killander

• E necessário um certo nível de homogeneidade para que um sistema regio-


nal seja eficaz?

As questões levantadas acima servem apenas para introduzir a idéia de que um


estudo comparativo sobre sistemas regionais no mundo atual é agora um esforço
necessário e factível, dada a disponibilidade de informações sobre o sistema Africano
e outros sistemas regionais de direitos humanos. Estudos compreensivos e contínuos
de comparação de sistemas regionais de direitos humanos estão compelidos a abrir
avenidas para o aperfeiçoamento dos sistemas existentes, e irão dar suporte aos pro-
cessos de tomada-de-decisão sobre a conveniência do estabelecimento de sistemas
similares em outras partes do mundo. Tais estudos irão também servir para integrar,
ao entendimento geral do conceito de direitos humanos, um ponto muito importan-
te: a experiência adquirida na África, nos últimos 20 anos; numa situação em que o
conceito de direitos humanos é, em geral, fortemente desafiado, mas diante da qual
ele também pode fazer sua maior contribuição.

334
Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos
Humanos: Impacto, Desafios e Perspectivas à Luz
da Experiência Latino-Americana1
Flávia Piovesan2

Sumáárioo: I. Introdução II. Sistema interamericano de proteção dos direitos humanos: origem, perfil e objetivos
III. Impacto do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos na experiência latino-americana, sobretu-
do brasileira IV. Sistema interamericano de proteção dos direitos humanos: desafios e perspectivas.

I. Introdução

Como compreender o impacto do sistema interamericano na experiência latino-


americana? Em que medida a litigância perante o sistema interamericano tem permi-
tido avanços internos no campo dos direitos humanos? Quais são os atores deste ati-
vismo transnacional em prol dos direitos humanos, quais as suas demandas e quais as
respostas do sistema? Quais são os principais desafios e perspectivas do sistema inte-
ramericano?
São estas as questões centrais a inspirar este estudo.
Inicialmente, será introduzido o sistema interamericano, sua origem, seu perfil e
seus objetivos.
Em um segundo momento, será desenvolvida análise a respeito do impacto do
sistema interamericano na experiência latino-americana, com especial ênfase no caso
brasileiro.
Por fim, serão destacados os principais desafios e perspectivas do sistema intera-
mericano enquanto eficaz instrumento para o fortalecimento de direitos, a revelar
uma força catalizadora capaz de promover avanços e evitar retrocessos no regime
doméstico de proteção de direitos humanos.

1 Um especial agradecimento é feito à Alexander von Humboldt Foundation pela fellowship que tornou pos-
sível este estudo e ao Max-Planck Institute for Comparative Public Law and International Law por prover
um ambiente acadêmico de extraordinário vigor intelectual.
2 Professora doutora em Direito Constitucional e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, Professora de Direitos Humanos dos Programas de Pós Graduação da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e da Universidade Pablo de Olavide
(Sevilha, Espanha); visiting fellow do Human Rights Program da Harvard Law School (1995 e 2000), visi-
ting fellow do Centre for Brazilian Studies da University of Oxford (2005), visiting fellow do Max Planck
Institute (Heidelberg, 2007-2008), sendo atualmente Humboldt Foundation Georg Forster Research Fellow
no Max Planck Institute (Heidelberg - 2009-2011); procuradora do Estado de São Paulo, membro do
Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e membro da SUR – Human Rights University
Network.

335
Flávia Piovesan

II. Sistema interamericano de proteção dos direitos humanos:


origem, perfil e objetivos

A análise do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos


demanda sejam considerados o seu contexto histórico, bem como as peculiaridades
da região. Trata-se de uma região marcada por elevado grau de exclusão e desigual-
dade social ao qual se somam democracias em fase de consolidação. A região ainda
convive com as reminiscências do legado dos regimes autoritários ditatoriais, com
uma cultura de violência e de impunidade, com a baixa densidade de Estados de
Direitos e com a precária tradição de respeito aos direitos humanos no âmbito
doméstico.
Dois períodos demarcam, assim, o contexto latino-americano: o período dos
regimes ditatoriais; e o período da transição política aos regimes democráticos, mar-
cado pelo fim das ditaduras militares na década de 80, na Argentina, no Chile, no
Uruguai e no Brasil.
Ao longo dos regimes ditatoriais que assolaram os Estados da região, os mais bási-
cos direitos e liberdades foram violados, sob as marcas das execuções sumárias; dos
desaparecimentos forçados;3 das torturas sistemáticas; das prisões ilegais e arbitrárias;
da perseguição político-ideológica; e da abolição das liberdades de expressão, reunião
e associação.
Nas lições de Guillermo O’Donnell: “É útil conceber o processo de democratiza-
ção como um processo que implica em duas transições. A primeira é a transição do
regime autoritário anterior para a instalação de um Governo democrático. A segunda
transição é deste Governo para a consolidação democrática ou, em outras palavras,
para a efetiva vigência do regime democrático”.4 Neste sentido, sustenta-se que,
embora a primeira etapa do processo de democratização já tenha sido alcançada na
região — a transição do regime autoritário para a instalação de um regime democrá-
tico — a segunda etapa do processo de democratização, ou seja, a efetiva consolidação
do regime democrático, ainda está em curso.
Isto significa que a região latino-americana tem um duplo desafio: romper em
definitivo com o legado da cultura autoritária ditatorial e consolidar o regime demo-
crático, com o pleno respeito aos direitos humanos, amplamente considerados – direi-

3 Na Guatemala, após o golpe militar, estima-se que em média 30.000 pessoas tenham desaparecido. Na
Nicarágua a prática dos desaparecimentos forçados foi uma constante no governo Somoza; no Brasil, após o
golpe militar de 1964; no Chile, após o golpe militar de 1973; e na Argentina, particularmente após o golpe
militar de 1976, estima-se que mais de 9000 pessoas desapareceram. Na década de 80, estas práticas se esten-
deram a El Salvador, Peru e persistem ainda hoje na Colômbia. (Mario Novelli e Berenice Celeyta, Latin
America: The Reality of Human Rights, In: Rhona K.M.Smith e Christien van den Anker (eds). The essen-
tials of Human Rights. London, Hodder Arnold, 2005, p. 219)
4 Guillermo O’Donnell, Transitions, continuities, and paradoxes, In: Scott Mainwaring, Guillermo O’Donnel
e J. Samuel Valenzuela, Org., Issues in democratic consolidation: the new south american democracies in
comparative perspective, Notre Dame, University of Notre Dame Press, 1992, p. 18.

336
Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: Impacto,
Desafios e Perspectivas à Luz da Experiência Latino-Americana

tos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.5 Como reitera a Declaração de


Direitos Humanos de Viena de 1993, há uma relação indissociável entre democracia,
direitos humanos e desenvolvimento. Ao processo de universalização dos direitos
políticos, em decorrência da instalação de regimes democráticos, deve ser conjugado
o processo de universalização dos direitos civis, sociais, econômicos e culturais. Em
outras palavras, a densificação do regime democrático na região requer o enfrenta-
mento do elevado padrão de violação aos direitos econômicos, sociais e culturais, em
face do alto grau de exclusão e desigualdade social, que compromete a vigência plena
dos direitos humanos na região, sendo fator de instabilidade ao próprio regime demo-
crático. A América Latina é a região com o mais elevado índice de desigualdade no
mundo, considerando a distribuição de renda.6
É à luz destes desafios que há de ser compreendido o sistema interamericano de
proteção dos direitos humanos.
O instrumento de maior importância no sistema interamericano é a Convenção
Americana de Direitos Humanos, também denominada Pacto de San José da Costa
Rica.7 Esta Convenção foi assinada em San José, Costa Rica, em 1969, entrando em
vigor em 1978,8 contando em 2009 com 25 Estados-partes.9 Apenas Estados membros
da Organização dos Estados Americanos têm o direito de aderir à Convenção

5 A respeito, afirma Christina M. Cerna: “Todos os instrumentos internacionais de direitos humanos pressu-
põe um Estado democrático como condição para o exercício de direitos humanos. A Comissão
Interamericana tem sido um ator fundamental no processo de democratização das Américas. A OEA, cria-
da em 1959, foi o primeiro organismo internacional a definir os atributos de uma Democracia, em sua pri-
meira Declaração de Santiago, (...) embora muitos Estados da região à época não fossem democráticos.”
(Christina M. Cerna, The Inter-American Commission on Human Rights, In: Rhona K.M.Smith e Christien
van den Anker (eds). The essentials of Human Rights. London, Hodder Arnold, 2005, p.184).
6 Como realça o ECLAC: “A desigualdade na América Latina não é apenas a maior, se comparada com outras
regiões, mas permanece estável desde os anos 90.” (ECLAC, Social Panorama of Latin America - 2006, chap-
ter I, p.84. http://www.eclac.org/cgibin/getProd.asp?xml=/publicaciones/xml/4/27484/P27484.xml&xsl=/
dds/tpli/p9f.xsl&base=/tpl-i/top-bottom.xslt. Para Cesar P. Bouillon e Mayra Buvinic: “(…) No que se refe-
re à renda, os países da região latino-americana estão dentre os mais desiguais do mundo. Nos anos 90, os
20% mais ricos da população concentravam 60% da renda, enquanto que os 20% mais pobres apenas deti-
nha 3%.” (Cesar P. Bouillon and Mayra Buvinic, Inequality, Exclusion and Poverty in Latin America and
the Caribbean: Implications for Development, Background document for EC/IADB “Seminar on Social
Cohesion in Latin America,” Brussels, June 5-6, 2003, p. 3-4, par. 2.8). http://www.iadb.org/sds/doc/soc-
idb-socialcohesion-e.pdf, accessed on July 26, 2007.
7 Note-se que o sistema interamericano consiste em dois regimes: um baseado na Convenção Americana e o
outro baseado na Carta da Organização dos Estados Americanos. O enfoque do presente artigo se concen-
trará exclusivamente no regime instaurado pela Convenção Americana de Direitos Humanos.
8 Cf. Thomas Buergenthal: “A Convenção Americana de Direitos Humanos foi adotada em 1969 em uma
Conferência inter-governamental celebrada pela Organização dos Estados Americanos (OEA). O encontro
ocorreu em San José, Costa Rica, o que explica o porquê da Convenção Americana ser também conhecida
como “Pacto de San José da Costa Rica”. A Convenção Americana entrou em vigor em julho de 1978, quan-
do o 11º instrumento de ratificação foi depositado”. (The inter-american system for the protection of
human rights, In: Theodor Meron, Ed., Human rights in international law: legal and policy issues, Oxford,
Claredon Press, 1984, p. 440).
9 De acordo com: http://www.cidh.oas.org/Basicos/English/Basic4.Amer.Conv.Ratif.htm (acesso em
06/04/09)

337
Flávia Piovesan

Americana. Como observa Thomas Buergenthal: “Em 1978, quando a Convenção


Americana de Direitos Humanos entrou em vigor muitos dos Estados da América
Central e do Sul eram governados por Ditaduras, tanto de direita, como de esquerda.
Dos 11 Estados-partes da Convenção à época, menos que a metade tinha governos
eleitos democraticamente. A outra metade dos Estados havia ratificado a Convenção
por diversas razões de natureza política. (...) O fato de hoje quase a totalidade dos
Estados latino-americanos na região, com exceção de Cuba, terem governos eleitos
democraticamente tem produzido significativos avanços na situação dos direitos
humanos nesses Estados. Estes Estados ratificaram a Convenção e reconheceram a
competência jurisdicional da Corte”.10
Substancialmente, a Convenção Americana reconhece e assegura um catálogo de
direitos civis e políticos similar ao previsto pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos. No universo de direitos, destacam-se: o direito à personalidade jurídica; o
direito à vida; o direito a não ser submetido à escravidão; o direito à liberdade; o direi-
to a um julgamento justo; o direito à compensação em caso de erro judiciário; o direi-
to à privacidade; o direito à liberdade de consciência e religião; o direito à liberdade
de pensamento e expressão; o direito à resposta; o direito à liberdade de associação; o
direito ao nome; o direito à nacionalidade; o direito à liberdade de movimento e resi-
dência; o direito de participar do governo; o direito à igualdade perante a lei; e o direi-
to à proteção judicial.11
A Convenção Americana não enuncia de forma específica qualquer direito
social, cultural ou econômico, limitando-se a determinar aos Estados que alcancem,
progressivamente, a plena realização desses direitos, mediante a adoção de medidas
legislativas e outras medidas que se mostrem apropriadas, nos termos do artigo 26 da
Convenção. Posteriormente, em 1988, a Assembléia Geral da Organização dos Estados
Americanos adotou um Protocolo Adicional à Convenção, concernente aos direitos
sociais, econômicos e culturais (Protocolo de San Salvador), que entrou em vigor em
novembro de 1999, quando do depósito do 11º instrumento de ratificação, nos termos

10 Prefácio de Thomas Buergenthal, Jo M. Pasqualucci, The Practice and Procedure of the Inter-American
Court on Human Rights, Cambridge, Cambridge University Press, 2003, p.XV. Em 2009, 22 Estados havi-
am reconhecido a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. De acordo com:
http://www.cidh.oas.org/Basicos/English/Basic4.Amer.Conv.Ratif.htm (acesso em 06/04/09)
11 Na visão de Hector Gross Espiell: “Os direitos previstos no capítulo II são: o direito à personalidade jurídi-
ca, o direito à vida, o direito ao tratamento humano, a proibição da escravidão e servidão, o direito à liber-
dade pessoal, o direito a um julgamento justo, o princípio da não retroatividade, o direito à compensação, o
direito de ter a própria honra e dignidade protegidas, a liberdade de consciência e religião, a liberdade de
pensamento e expressão, o direito de resposta, o direito de assembléia, a liberdade de associação, o direito
de se casar e de fundar uma família, o direito ao nome, os direitos da criança, o direito à nacionalidade, o
direito à propriedade privada, a liberdade de movimento e residência, direitos políticos, igualdade perante
a lei e o direito à proteção judicial (arts. 4º a 25). (...) O artigo 26 trata dos direitos sociais, econômicos e cul-
turais”. (The Organization of American States (OAS), In: Karel Vasak (Editor), The international dimen-
sions of human rights, revisado e editado para a edição inglesa por Philip Alston, Connecticut, Greenwood
Press, 1982, vol. 1, p. 558-559). Ver ainda David Harris e Stephen Livingstone, The Inter-American System
of Human Rights, Oxford, Clarendon Press, 1998.

338
Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: Impacto,
Desafios e Perspectivas à Luz da Experiência Latino-Americana

do artigo 21 do Protocolo.12 Ressalte-se que a aprovação do Protocolo de San Salvador


ocorreu após quase 20 anos da adoção da Convenção Americana, contando, em 2009,
com 14 Estados-partes, enquanto a Convenção conta com 25 Estados-partes, o que,
por si, só revela as ambivalências e resistências dos Estados em relação à proteção dos
direitos sociais, econômicos e culturais.
Em face desse catálogo de direitos constantes da Convenção Americana, cabe ao
Estado-parte a obrigação de respeitar e assegurar o livre e pleno exercício desses direi-
tos e liberdades, sem qualquer discriminação. Cabe ainda ao Estado-parte adotar todas
as medidas legislativas e de outra natureza que sejam necessárias para conferir efeti-
vidade aos direitos e liberdades enunciados.
A Convenção Americana estabelece um aparato de monitoramento e proteção
dos direitos que enuncia, integrado pela Comissão e pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos, como será examinado a seguir.

III. Impacto do sistema interamericano de proteção dos direitos


humanos na experiência latino-americana, sobretudo brasileira

No caso latino-americano, o processo de democratização na região deflagrado na


década de 80 é que propiciou a incorporação de importantes instrumentos internacio-
nais de proteção dos direitos humanos pelos Estados latino-americanos. A título de
exemplo, note-se que a Convenção Americana de Direitos Humanos, adotada em
1969, foi ratificada pela Argentina em 1984, pelo Uruguai em 1985, pelo Paraguai em
1989 e pelo Brasil em 1992. Já o reconhecimento da jurisdição da Corte Interame-
ricana de Direitos Humanos deu-se na Argentina em 1984, no Uruguai em 1985, no
Paraguai em 1993 e no Brasil em 1998. Atualmente constata-se que os países latino-
americanos subscreveram os principais tratados de direitos humanos adotados pela
ONU e pela OEA.
Quanto à incorporação dos tratados internacionais de proteção dos direitos
humanos, observa-se que, em geral, as Constituições latino-americanas conferem a
estes instrumentos uma hierarquia especial e privilegiada, distinguindo-os dos trata-

12 Até 2009 o Protocolo de San Salvador contava com 14 Estados-partes. De acordo com:
http://www.cidh.oas.org/Basicos/English/Basic6.Prot.Sn%20Salv%20Ratif.htm (acesso em 06/04/09).
Dentre os direitos enunciados no Protocolo, destacam-se: o direito ao trabalho e a justas condições de tra-
balho; a liberdade sindical; o direito à seguridade social; o direito à saúde; o direito ao meio ambiente; o
direito à nutrição; o direito à educação; direitos culturais; proteção à família; direitos das crianças; direitos
dos idosos; e direitos das pessoas portadoras de deficiência. Note-se que, além do Protocolo de San Salvador
(1988), outros tratados de direitos humanos foram adotados no âmbito do sistema interamericano, com des-
taque ao Protocolo para a Abolição da Pena de Morte (1990); à Convenção Interamericana para Prevenir e
Punir a Tortura (1985); à Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas (1994);
à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994); e à
Convenção Interamericana sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra Pessoas com
Deficiência (1999).

339
Flávia Piovesan

dos tradicionais. Neste sentido, merecem destaque o artigo 75, 22 da Constituição


Argentina, que expressamente atribui hierarquia constitucional aos mais relevantes
tratados de proteção de direitos humanos e o artigo 5º, parágrafos 2º e 3º, da Carta
Brasileira que incorpora estes tratados no universo de direitos fundamentais constitu-
cionalmente protegidos.13
As Constituições latino-americanas estabelecem cláusulas constitucionais aber-
tas, que permitem a integração entre a ordem constitucional e a ordem internacional,
especialmente no campo dos direitos humanos. Ao processo de constitucionalização
do Direito Internacional conjuga-se o processo de internacionalização do Direito
Constitucional.
O sistema regional interamericano simboliza a consolidação de um “constitucio-
nalismo regional”, que objetiva salvaguardar direitos humanos no plano interamerica-
no. A Convenção Americana, como um verdadeiro “código interamericano de direi-
tos humanos”, acolhida por 25 Estados, traduz a força de um consenso a respeito do
piso protetivo mínimo e não do teto máximo de proteção. Serve a um duplo propósi-
to: a) promover e encorajar avanços no plano interno dos Estados; e b) prevenir recu-
os e retrocessos no regime de proteção de direitos.
Ao acolher o sistema interamericano, bem como as obrigações internacionais
dele decorrentes, o Estado passa a aceitar o monitoramento internacional no que se
refere ao modo pelo qual os direitos fundamentais são respeitados em seu território.
O Estado tem sempre a responsabilidade primária relativamente à proteção dos direi-
tos humanos, constituindo a ação internacional uma ação suplementar, adicional e
subsidiária. É sob esta perspectiva que se destaca a atuação da Comissão e da Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
Promover a observância e a proteção dos direitos humanos na América é a prin-
cipal função da Comissão Interamericana. Para tanto, cabe à Comissão fazer recomen-
dações aos governos dos Estados-partes, prevendo a adoção de medidas adequadas à
proteção desses direitos; preparar estudos e relatórios que se mostrem necessários;
solicitar aos governos informações relativas às medidas por eles adotadas concernen-
tes à efetiva aplicação da Convenção; e submeter um relatório anual à Assembléia
Geral da Organização dos Estados Americanos.14 É também da competência da

13 Ao julgar o Recurso Extraordinário 466.343, em 03 de dezembro de 2008, o Supremo Tribunal Federal


endossou que os tratados de direitos humanos têm um valor privilegiado no sistema jurídico brasileiro. A
atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal encontra-se dividida entre a tese majoritária que confe-
re aos tratados de direitos humanos hierarquia infra-constitucional, mas supra-legal e a tese que confere aos
tratados de direitos humanos hierarquia constitucional, nos termos do artigo 5º, parágrafos 2º e 3º, da
Constituição Federal. Esta autora defende a tese da hierarquia constitucional dos tratados de direitos huma-
nos à luz de uma interpretação sistemática e teleológica da Constituição, considerando a racionalidade e
integridade valorativa da Constituição de 1988. A respeito, ver Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o
Direito Constitucional Internacional, 10a edição, São Paulo, ed. Saraiva, 2009, p. 51-94.
14 Sobre os relatórios produzidos pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, leciona Monica Pinto:
“Diversamente do que ocorre no âmbito universal, em que o sistema de informes é um método de contro-
le regular, que consiste na obrigação dos Estados-partes em um tratado de direitos humanos de comunicar

340
Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: Impacto,
Desafios e Perspectivas à Luz da Experiência Latino-Americana

Comissão examinar as comunicações, encaminhadas por indivíduo ou grupos de indi-


víduos, ou ainda entidade não-governamental, que contenham denúncia de violação
a direito consagrado pela Convenção, por Estado que dela seja parte, nos termos dos
arts. 44 e 41. O Estado, ao se tornar parte da Convenção, aceita automática e obriga-
toriamente a competência da Comissão para examinar estas comunicações, não sendo
necessário elaborar qualquer declaração expressa e específica para este fim.
Atente-se que a Comissão exerceu um extraordinário papel na realização de
investigações “in loco”, denunciando, por meio de relatórios, graves e maciças viola-
ções de direitos durante regimes ditatorais na América Latina, especialmente na déca-
da de 70.15 A título de exemplo, cite-se o impacto de importantes relatórios sobre a
repressão no Chile (1973) e desaparecimentos forçados na Argentina (1979). A
Comissão tem sido um relevante ator no processo de democratização nas Américas.
Contudo, a partir da democratização na região, a Comissão tem tido uma função
cada vez mais jurídica e não política, se comparada com a sua marcada atuação políti-
ca no período dos regimes militares na América Latina.
Na experiência brasileira, até 2006, apenas 5 casos haviam sido submetidos à
Corte Interamericana em face do Estado Brasileiro, enquanto que mais de 70 casos
haviam sido submetidos à Comissão Interamericana. Do universo de casos submetidos
à Corte Interamericana, 2 são casos contenciosos e 3 envolvem medidas provisórias.16

ao competente órgão de controle o estado de seu direito interno em relação aos compromissos assumidos
em decorrência do tratado e a prática que tem se verificado com respeito às situações compreendidas no tra-
tado, no sistema interamericano, os informes são elaborados pela Comissão Interamericana de Direitos
Humanos. Além de se constituir em um método para determinar atos, precisar e difundir a objetividade de
uma situação, os informes da Comissão servem para modificar a atitude de Governos resistentes à vigência
dos direitos humanos, através do debate interno que eles proporcionam ou, a depender do caso, do debate
internacional. A CIDH elabora dois tipos de informes: um sobre a situação dos direitos humanos em um
determinado país e outro que encaminha anualmente à Assembléia da OEA. Os informes sobre a situação
dos direitos humanos em um Estado membro da OEA são decididos pela própria Comissão ante situações
que afetem gravemente a vigência dos direitos humanos. (...) Por outro lado, os informes anuais para a
Assembléia Geral da OEA, atualizam a situação dos direitos humanos em distintos países, apresentam o tra-
balho da Comissão, elencam as resoluções adotadas com respeito a casos particulares e revelam a opinião da
Comissão sobre as áreas nas quais é necessário redobrar esforços e propor novas normas”. (Derecho inter-
nacional de los derechos humanos: breve visón de los mecanismos de protección en el sistema interameri-
cano, In: Derecho internacional de los derechos humanos, Comision Internacional de Juristas, Colegio de
Abogados del Uruguay, 1993, p. 84-85).
15 Para Christof Heyns e Frans Viljoen: “Ao utilizar métodos inovadores, como as investigações in loco, a
Comissão Interamericana teve uma importante atuação na transição de ditaduras militares para regimes
democráticos na América Latina, na década de 80.” (Christof Heyns e Frans Viljoen, An Overview of
Human Rights Protection in Africa, South African Journal on Human Rights, vol.11, part 3, 1999, p. 427).
Note-se que, em 1961, a Comissão Interamericana começou a realizar visitas in loco para observar a situa-
ção geral de direitos humanos no país, ou para investigar uma situação particular. Desde então, foram rea-
lizadas 83 visitas a 23 Estados membros. A respeito de suas observações gerais sobre a situação de um país,
a Comissão Interamericana publica informes especiais, havendo publicado 57 até final de 2004.
16 São eles: a) caso Gilson Nogueira Carvalho, referente à denúncia de assassinato de defensor de direitos
humanos por grupo de extermínio no Rio Grande do Norte; b) caso Damião Ximenes Lopes, referente à
denúncia de morte por espancamento em clínica psiquiátrica no Ceará; c) caso Presídio Urso Branco, refe-

341
Flávia Piovesan

Em um dos casos contenciosos – caso Damião Ximenes Lopes – a Corte proferiu a pri-
meira sentença condenatória contra o Brasil, em 04 de julho de 2006, em virtude de
maus tratos sofridos pela vítima, portadora de transtorno mental, em clínica psiquiá-
trica no Ceará. A decisão da Corte condenou o Brasil pela violação aos direitos à vida,
à integridade física e à proteção judicial, eis que a vítima, pela violência sofrida, fale-
ceu três dias após sua internação na clínica.17 A sentença constitui uma decisão para-
digmática para a defesa dos direitos das pessoas com deficiência mental e para avan-
ços na política pública de saúde mental.
Quanto aos casos submetidos à Comissão Interamericana, foram encaminhados,
via de regra, por entidades não-governamentais de defesa dos direitos humanos, de
âmbito nacional ou internacional e, por vezes, pela atuação conjunta dessas entidades.
O universo destes casos pode ser classificado em 8 (oito) categorias, que correspondem
a casos de:

1) detenção arbitrária, tortura e assassinato cometidos durante o regime auto-


ritário militar;
2) violação dos direitos dos povos indígenas;
3) violência rural;
4) violência policial;
5) violação dos direitos de crianças e adolescentes;
6) violência contra a mulher;
7) discriminação racial; e
8) violência contra defensores de direitos humanos.

rente à denúncia de morte e maus tratos de detentos no presídio de Rondônia; d) caso relativo à Febem,
denunciando maus tratos sofridos por adolescentes; e e) caso relativo à penitenciária de Arararaquara, a res-
peito da violação aos direitos dos detentos. Os três últimos casos referem-se a medidas provisórias, em vir-
tude da extrema gravidade e urgência e para evitar dano irreparável à vítima (ver art. 63 (2) da Convenção
Americana e art.74 do Regulamento da Comissão Interamericana).
17 Caso Damião Ximenes Lopes vs. Brasil, Sentença e 04 de julho de 2006, Série C, n.150. A Corte ressaltou
que a sentença constitui per se uma forma de reparação. A Corte ainda determinou ao Estado: a) garantir,
em um prazo razoável, que o processo interno destinado a investigar e sancionar os responsáveis pelos fatos
deste caso surta seus devidos efeitos; b) publicar, no prazo de seis meses, no Diário Oficial e em outro jor-
nal de ampla circulação nacional, uma só vez, o Capítulo VII relativo aos fatos provados da sentença da
Corte; c) continuar a desenvolver um programa de formação e capacitação para o pessoal médico, de psi-
quiatria e psicologia, de enfermagem e auxiliares de enfermagem e para todas as pessoas vinculadas ao aten-
dimento de saúde mental, em especial sobre os princípios que devem reger o trato das pessoas portadoras
de deficiência mental, conforme os padrões internacionais sobre a matéria e aqueles dispostos na Sentença;
d) pagar em dinheiro para os familiares da vítima, no prazo de um ano, a título de indenização por dano
material e imaterial, as quantias fixadas em sentença; e e) pagar em dinheiro, no prazo de um ano, a título
de custas e gastos gerados no âmbito interno e no processo internacional perante o sistema interamericano
de proteção dos direitos humano. A Corte ressaltou também que supervisionará o cumprimento íntegro da
sentença, cabendo ao Estado, no prazo de um ano, apresentar à Corte relatório sobre as medidas adotadas
para o seu cumprimento.

342
Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: Impacto,
Desafios e Perspectivas à Luz da Experiência Latino-Americana

Note-se que 50% dos casos referem-se à violência da polícia militar, o que
demonstra que o processo de democratização foi incapaz de romper com as práticas
autoritárias do regime repressivo militar, apresentando como reminiscência um
padrão de violência sistemática praticada pela polícia militar, que não consegue ser
controlada pelo aparelho estatal. Tal como no regime militar, não se verifica a puni-
ção dos responsáveis. A insuficiência, ou mesmo, em alguns casos, a inexistência de
resposta por parte do Estado brasileiro é o fator que enseja a denúncia dessas violações
de direitos perante a Comissão Interamericana.
Ao lado dos casos de violência da polícia militar, constata-se que os casos restan-
tes revelam violência cometida em face de grupos socialmente vulneráveis, como os
povos indígenas, a população afro-descendente, as mulheres, as crianças e os adoles-
centes. Em 90% dos casos examinados, as vítimas podem ser consideradas pessoas
socialmente pobres, sem qualquer liderança destacada, o que inclui tanto aqueles que
viviam em favelas, nas ruas, nas estradas, nas prisões, ou mesmo, em regime de traba-
lho escravo no campo, com exceção aos casos de violência contra defensores de direi-
tos humanos e contra lideranças rurais. As denúncias se concentram fundamentalmen-
te em casos de violações a direitos civis e/ou políticos, sendo ainda incipiente a apre-
sentação de denúncias atinentes à violação a direitos sociais, econômicos ou culturais.
Quanto ao impacto da litigância internacional no âmbito brasileiro, os casos sub-
metidos à Comissão Interamericana têm apresentado relevante impacto no que tange
à mudança de legislação e de políticas publicas de direitos humanos, propiciando sig-
nificativos avanços internos. A título ilustrativo, cabe menção a 8 avanços:

a) os casos de violência policial, especialmente denunciando a impunidade de


crimes praticados por policiais militares, foram fundamentais para a adoção
da Lei 9.299/96, que determinou a transferência da Justiça Militar para a
Justiça Comum do julgamento de crimes dolosos contra a vida cometidos
por policiais militares;
b) os casos envolvendo tortura e desaparecimento forçado encorajaram a ado-
ção da Lei 9140/95, que estabeleceu indenização aos familiares dos mortos
e desaparecidos políticos;
c) o caso relativo a assassinato de uma jovem estudante por deputado
estadual foi essencial para a adoção da Emenda Constitucional n. 35/01, que
restringe o alcance da imunidade parlamentar no Brasil;
d) o caso envolvendo denúncia de discriminação contra mães adotivas e seus
respectivos filhos – em face de decisão definitiva proferida pelo Supremo
Tribunal Federal que negou direito à licença gestante à mãe adotiva – foi
também fundamental para a aprovação da Lei 10.421/02, que estendeu o
direito à licença maternidade às mães de filhos adotivos;
e) o caso que resultou na condenação do Brasil por violência doméstica sofri-
da pela vítima (Caso Maria da Penha Maia Fernandes) culminou na adoção

343
Flávia Piovesan

da Lei 11.340/2006 (“Lei Maria da Penha”), que cria mecanismos para coi-
bir a violência doméstica e familiar contra a mulher;
f) os casos envolvendo violência contra defensores de direitos humanos con-
tribuíram para a adoção do Programa Nacional de Proteção aos Defensores
de Direitos Humanos;
g) os casos envolvendo violência rural e trabalho escravo contribuíram para a
adoção do Programa Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo; e
h) casos envolvendo direitos dos povos indígenas foram essenciais para a
demarcação e homologação de suas terras.

Quanto à Corte Interamericana, órgão jurisdicional do sistema regional, apresen-


ta competência consultiva e contenciosa.
No plano consultivo, qualquer membro da OEA – parte ou não da Convenção –
pode solicitar o parecer da Corte relativamente à interpretação da Convenção ou de qual-
quer outro tratado relativo à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. A
Corte ainda pode opinar sobre a compatibilidade de preceitos da legislação doméstica em
face dos instrumentos internacionais, efetuando, assim, o “controle da convencionalida-
de das leis”. A Corte Interamericana tem desenvolvido análises aprofundadas a respeito
do alcance e do impacto dos dispositivos da Convenção Americana.18
No plano contencioso, a competência da Corte para o julgamento de casos é, por
sua vez, limitada aos Estados-partes da Convenção que reconheçam tal jurisdição
expressamente, nos termos do artigo 62 da Convenção. Apenas a Comissão
Interamericana e os Estados-partes podem submeter um caso à Corte Interameri-
cana,19 não estando prevista a legitimação do indivíduo, nos termos do artigo 61 da
Convenção Americana.
A Corte tem jurisdição para examinar casos que envolvam a denúncia de que um
Estado-parte violou direito protegido pela Convenção. Se reconhecer que efetivamen-
te ocorreu a violação à Convenção, determinará a adoção de medidas que se façam
necessárias à restauração do direito então violado. A Corte pode ainda condenar o
Estado a pagar uma justa compensação à vítima. Note-se que a decisão da Corte tem
força jurídica vinculante e obrigatória, cabendo ao Estado seu imediato cumprimen-

18 Até julho de 2005, a Corte havia emitido 18 opiniões consultivas.


19 Como afirma Monica Pinto: “Até a presente data, somente a Comissão tem submetido casos perante a
Corte: em 1987, três casos de desaparecimento forçado de pessoas em Honduras (casos Velasquez
Rodriguez, Godinez Cruz, Fairen Garbi e Solis Corrales); em 1990, um caso de desaparecimento de pes-
soas detidas no estabelecimento penal conhecido como El Frontón no Peru (caso Neira Alegria e
outros) e dois casos de execuções extra-judiciais no Suriname (caso Gangaram Panday e Aloeboetoe e
outros). Em 1992 a Comissão submeteu à Corte um caso a respeito da Colômbia. Previamente, a Corte
já havia se pronunciado em uma questão de conflito de competência, no caso Viviana Gallardo e
outras, submetido pela Costa Rica diretamente à Corte, renunciando ao esgotamento dos recursos
internos e ao procedimento ante a Comissão”. (Derecho internacional de los derechos humanos: breve
visión de los mecanismos..., op. cit., p. 94-95).

344
Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: Impacto,
Desafios e Perspectivas à Luz da Experiência Latino-Americana

to.20 Se a Corte fixar uma compensação à vítima, a decisão valerá como título execu-
tivo, em conformidade com os procedimentos internos relativos à execução de sen-
tença desfavorável ao Estado.21
Até 2009, dos 25 Estados-partes da Convenção Americana de Direitos Humanos,
22 Estados haviam reconhecido a competência contenciosa da Corte. O Estado
Brasileiro finalmente reconheceu a competência jurisdicional da Corte Interame-
ricana em dezembro de 1998, por meio do Decreto Legislativo n. 89, de 3 de dezem-
bro de 1998.22
Considerando a atuação da Corte Interamericana, é possível criar uma tipologia
de casos baseada em decisões concernentes a 5 (cinco) diferentes categorias de viola-
ção a direitos humanos:

1) Violações que refletem o legado do regime autoritário ditatorial

Esta categoria compreende a maioria significativa das decisões da Corte


Interamericana, que tem por objetivo prevenir arbitrariedades e controlar o excessi-
vo uso da força, impondo limites ao poder punitivo do Estado.
A título de exemplo, destaca-se o leading case – Velasquez Rodriguez versus
Honduras concernente a desaparecimento forçado. Em 1989 a Corte condenou o
Estado de Honduras a pagar uma compensação aos familiares da vítima, bem como
ao dever de prevenir, investigar, processar, punir e reparar as violações cometidas.23
Outro caso é o Loayza Tamayo versus Perú, em que a Corte em 1997 reconheceu
a incompatibilidade dos decretos-leis que tipificavam os delitos de “traição da pátria” e
de “terrorismo” com a Convenção Americana, ordenando ao Estado reformas legais.24
Adicionem-se ainda decisões da Corte que condenaram Estados em face de pre-
cárias e cruéis condições de detenção e da violação à integridade física, psíquica e moral
de pessoas detidas; ou em face da prática de execução sumária e extrajudicial; ou tortu-

20 Na lição de Paul Sieghart: “a Corte Européia de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos
Humanos têm o poder de proferir decisões juridicamente vinculantes contra Estados soberanos, condenan-
do-os pela violação de direitos humanos e liberdades fundamentais de indivíduos, e ordenando-lhes o paga-
mento de justa indenização ou compensação às vítimas”. (Paul Sieghart, International human rights law:
some current problems, op. cit., p. 35).
21 No exercício de sua jurisdição contenciosa, até julho de 2005, a Corte Interamericana havia proferido 127
sentenças – dentre as quais 28 são decisões sobre exceções preliminares; 57 são sentenças de mérito (que
avaliam fundamentalmente se houve violação ou não); 23 são sentenças sobre reparação; e 2 sentenças sobre
cumprimento das recomendações; 17 atêm-se a outros temas (interpretação de julgamento, pedido de inter-
pretação, etc). Em relação às medidas provisórias, foram publicadas 212 decisões versando sobre 56 casos.
22 O Decreto Legislativo n. 89, de 3 de dezembro de 1998, aprovou a solicitação de reconhecimento da com-
petência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpre-
tação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos, para fatos ocorridos a partir do reconhe-
cimento, de acordo com o previsto no parágrafo primeiro do artigo 62 da Convenção Americana.
23 Velasquez Rodriguez Case, Inter-American Court of Human Rights, 1988, Ser. C, No. 4.
24 Loayza Tamayo vs. Peru case. Judgment of 17 September 1997.

345
Flávia Piovesan

ra. Estas decisões enfatizaram o dever do Estado de investigar, processar e punir os res-
ponsáveis pelas violações, bem como de efetuar o pagamento de indenizações.
No plano consultivo, merecem menção as opiniões a respeito da impossibilidade
de adoção da pena de morte pelo Estado da Guatemala25 e da impossibilidade de sus-
pensão da garantia judicial de habeas corpus inclusive em situações de emergência, de
acordo com o artigo 27 da Convenção Americana.26

2) Violações que refletem questões da justiça de transição (transitional


justice)

Nesta categoria de casos estão as decisões relativas ao combate à impunidade, às


leis de anistia e ao direito à verdade.
No caso Barrios Altos (massacre que envolveu a execução de 15 pessoas por agen-
tes policiais), em virtude da promulgação e aplicação de leis de anistia (uma que con-
cede anistia geral aos militares, policiais e civis, e outra que dispõe sobre a interpreta-
ção e alcance da anistia), o Peru foi condenado a reabrir investigações judiciais sobre
os fatos em questão, relativos ao “massacre de Barrios Altos”, de forma a derrogar ou
a tornar sem efeito as leis de anistia mencionadas. O Peru foi condenado, ainda, à
reparação integral e adequada dos danos materiais e morais sofridos pelos familiares
das vítimas.27
Esta decisão apresentou um elevado impacto na anulação de leis de anistia e na
consolidação do direito à verdade, pelo qual os familiares das vítimas e a sociedade
como um todo devem ser informados das violações, realçando o dever do Estado de
investigar, processar, punir e reparar violações aos direitos humanos.
Concluiu a Corte que as leis de “auto-anistia” perpetuam a impunidade, propi-
ciam uma injustiça continuada, impedem às vítimas e aos seus familiares o acesso à
justiça e o direito de conhecer a verdade e de receber a reparação correspondente, o
que constituiria uma manifesta afronta à Convenção Americana. As leis de anistiam
configurariam, assim, um ilícito internacional e sua revogação uma forma de repara-
ção não pecuniária.
No mesmo sentido, destaca-se o caso Almonacid Arellano versus Chile28 cujo
objeto era a validade do Decreto-lei 2.191/78 – que perdoava os crimes cometidos entre
1973 e 1978 durante o regime Pinochet – à luz das obrigações decorrentes da
Convenção Americana de Direitos Humanos. Decidiu a Corte pela invalidade do men-
cionado decreto lei de “auto-anistia”, por implicar a denegação de justiça às vítimas,

25 Advisory Opinion No. 3/83, of 8 September 1983.


26 Advisory Opinion No. 08/87, of 30 January 1987.
27 Barrios Altos case (Chumbipuma Aguirre and others vs. Peru). Judgment of 14 March 2001.
28 Caso Almonacid Arellano and others vs. Chile. Judgment of 26 September 2006.

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Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: Impacto,
Desafios e Perspectivas à Luz da Experiência Latino-Americana

bem como por afrontar os deveres do Estado de investigar, processar, punir e reparar
graves violações de direitos humanos que constituem crimes de lesa humanidade.
Cite-se, ainda, o caso argentino, em que decisão da Corte Suprema de Justiça de
2005 anulou as leis de ponto final (Lei 23.492/86) e obediência devida (Lei 23.521/87),
adotando como precedente o caso Barrios Altos.

3) Violações que refletem desafios acerca do fortalecimento de instituições


e da consolidação do Estado de Direito (rule of law)

Esta terceira categoria de casos remete ao desafio do fortalecimento de institui-


ções e da consolidação do rule of law, particularmente no que se refere ao acesso à jus-
tiça, proteção judicial e fortalecimento e independência do Poder Judiciário.
Destaca-se o caso do Tribunal Constitucional contra o Peru (2001),29 envolven-
do a destituição de juízes, em que a Corte reconheceu necessário garantir a indepen-
dência de qualquer juiz em um Estado de Direito, especialmente em Cortes constitu-
cionais, o que demanda: a) um adequado processo de nomeação; b) um mandato com
prazo certo; e c) garantias contra pressões externas.
Tal decisão contribuiu decisivamente para o fortalecimento de instituições
nacionais e para a consolidação do Estado de Direito.

4) Violações de direitos de grupos vulneráveis

Esta quarta categoria de casos atém-se a decisões que afirmam a proteção de


direitos de grupos socialmente vulneráveis, como os povos indígenas, as crianças, os
migrantes, os presos, dentre outros.
Quanto aos direitos dos povos indígenas, destaca-se o relevante caso da comuni-
dade indígena Mayagna Awas Tingni contra a Nicarágua (2001),30 em que a Corte
reconheceu o direitos dos povos indígenas à propriedade coletiva da terra, como uma
tradição comunitária, e como um direito fundamental e básico à sua cultura, à sua vida
espiritual, à sua integridade e à sua sobrivivência econômica. Acrescentou que para os
povos indígenas a relação com a terra não é somente uma questão de possessão e pro-
dução, mas um elemento material e espiritual de que devem gozar plenamente, inclu-
sive para preservar seu legado cultural e transmiti-lo às gerações futuras.
Em outro caso – caso da comunidade indígena Yakye Axa contra o Paraguai
(2005)31 –, a Corte sustentou que os povos indígenas têm direito a medidas específi-
cas que garantam o acesso aos serviços de saúde, que devem ser apropriados sob a pers-
pectiva cultural, incluindo cuidados preventivos, práticas curativas e medicinas tradi-

29 Aguirre Roca and others vs. Peru case (Constitutional Court Case). Judgment of 31 January 2001.
30 Mayagna (Sumo) Awas Tingni Community vs. Nicaragua, Inter-American Court, 2001, Ser. C, No. 79.
31 Yakye Axa Community vs. Paraguay, Inter-American Court, 2005, Ser. C, No. 125.

347
Flávia Piovesan

cionais. Adicionou que para os povos indígenas a saúde apresenta uma dimensão cole-
tiva, sendo que a ruptura de sua relação simbiótica com a terra exerce um efeito pre-
judicial sobre a saúde destas populações.
No caso dos direitos das crianças, cabe menção ao caso Villagran Morales contra
a Guatemala (1999),32 em que este Estado foi condenado pela Corte, em virtude da
impunidade relativa à morte de 5 meninos de rua, brutalmente torturados e assassina-
dos por 2 policiais nacionais da Guatemala. Dentre as medidas de reparação ordena-
das pela Corte estão: o pagamento de indenização pecuniária aos familiares das víti-
mas; a reforma no ordenamento jurídico interno visando à maior proteção dos direi-
tos das crianças e adolescentes guatemaltecos; e a construção de uma escola em
memória das das vítimas.
Adicione-se, ainda, as opiniões consultivas sobre a condição jurídica e os direi-
tos humanos das crianças (OC 17, emitida em agosto de 2002, por solicitação da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos) e sobre a condição jurídica e os direi-
tos de migrantes sem documentos (OC18, emitida em setembro de 2003, por solicita-
ção do México).
Mencione-se, também, o parecer emitido, por solicitação do México (OC16, de
01 de outubro de 1999), em que a Corte considerou violado o direito ao devido pro-
cesso legal, quando um Estado não notifica um preso estrangeiro de seu direito à assis-
tência consular. Na hipótese, se o preso foi condenado à pena de morte, isso constitui-
ria privação arbitrária do direito à vida. Note-se que o México embasou seu pedido de
consulta nos vários casos de presos mexicanos condenados à pena de morte nos
Estados Unidos.
Com relação aos direitos das mulheres, destacam-se relevantes decisões do siste-
ma interamericano sobre discriminação e violência contra mulheres, o que fomentou
a reforma do Código Civil da Guatemala, a adoção de uma lei de violência doméstica
no Chile e no Brasil, dentre outros avanços.33

5) Violações a direitos sociais

Finalmente, nesta quinta categoria de casos emergem decisões da Corte que pro-
tegem direitos sociais. Importa reiterar que a Convenção Americana de Direitos
Humanos estabelece direitos civis e políticos, contemplando apenas a aplicação pro-
gressiva dos direitos sociais (artigo 26). Já o Protocolo de San Salvador, ao dispor sobre
direitos econômicos, sociais e culturais, prevê que somente os direitos à educação e à
liberdade sindical seriam tuteláveis pelo sistema de petições individuais (artigo 19,
parágrafo 6º).

32 Villagran Morales et al versus Guatemala (The Street Children Case), Inter-American Court, 19 November
1999, Ser. C, No. 63.
33 A respeito, ver caso María Eugenia versus Guatemala e caso Maria da Penha versus Brasil decididos pela
Comissão Interamericana.

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Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: Impacto,
Desafios e Perspectivas à Luz da Experiência Latino-Americana

À luz de uma interpretação dinâmica e evolutiva, compreendendo a Convenção


Americana como um living instrument, no já citado caso Villagran Morales contra a
Guatemala (1999),34 a Corte afirmou que o direito à vida não pode ser concebido res-
tritivamente. Introduziu a visão de que o direito à vida compreende não apenas uma
dimensão negativa – o direito a não ser privado da vida arbitrariamente –, mas uma
dimensão positiva, que demanda dos Estados medidas positivas apropriadas para pro-
teger o direito à vida digna – o “direito a criar e desenvolver um projeto de vida”. Esta
interpretação lançou um importante horizonte para proteção dos direitos sociais.
Em outros julgados, a Corte tem endossado o dever jurídico dos Estados de con-
ferir aplicação progressiva aos direitos sociais, com fundamento no artigo 26 da
Convenção Americana de Direitos Humanos, especialmente em se tratando de grupos
socialmente vulneráveis. No caso niñas Yean y Bosico versus Republica Dominicana
(2005), a Corte enfatizou o dever dos Estados no tocante à aplicação progressiva dos
direitos sociais, a fim de assegurar o direito à educação, com destaque à especial vul-
nerabilidade de meninas. Sustentou que: “en relación con el deber de desarrollo pro-
gresivo contenido en el artículo 26 de la Convención, el Estado debe prover educa-
ción primaria gratuita a todos los menores, en un ambiente y condiciones propicias
para su pleno desarrollo intelectual.”35
Há, ademais, um conjunto de decisões que consagram a proteção indireta de
direitos sociais, mediante a proteção de direitos civis, o que confirma a idéia da indi-
visibilidade e da interdependência dos direitos humanos.
No caso Albán Cornejo y otros versus Equador (2007)36 referente à suposta ne-
gligência médica em hospital particular – mulher deu entrada no hospital com quadro
de meningite bacteriana e foi medicada, vindo a falecer no dia seguinte, provavelmen-
te em decorrência do medicamento prescrito –, a Corte decidiu o caso com fundamen-
to na proteção ao direito à integridade pessoal e não no direito à saúde. No mesmo
sentido, no caso Myrna Mack Chang versus Guatemala (2003),37 concernente a danos
à saúde decorrentes de condições de detenção, uma vez mais a proteção ao direito à
saúde deu-se sob o argumento da proteção do direito à integridade física.
Outros casos de proteção indireta de direitos sociais atêm-se à proteção ao direi-
to ao trabalho, tendo como fundamento o direito ao devido processo legal e a prote-
ção judicial. A respeito, destaca-se o caso Baena Ricardo y otros versus Panamá
(2001),38 envolvendo a demissão arbitrária de 270 funcionários públicos que partici-
param de manifestação (greve). A Corte condenou o Estado do Panamá pela violação

34 Villagran Morales et al versus Guatemala (The Street Children Case), Inter-American Court, 19 November
1999, Ser. C, No. 63.
35 Caso de las ninas Yean y Bosico v. Republica Dominicana, Inter-American Court, 08 November 2005, Ser.
C, N.130
36 Albán Cornejo y otros v. Ecuador, Inter-American Court, 22 November 2007, serie C n. 171.
37 Myrna Mack Chang v. Guatemala, Inter-American Court, 25 November 2003, serie C n. 101.
38 Baena Ricardo y otros v. Panamá, Inter-American Court, 02 February 2001, serie C n. 72.

349
Flávia Piovesan

da garantia do devido processo legal e proteção judicial, determinando o pagamento


de indenização e a reintegração dos 270 trabalhadores. No caso Trabajadores cesados
del congreso (Aguado Alfaro y otros) versus Peru (2006),39 envolvendo a despedida
arbitrária de 257 trabalhadores, a Corte condenou o Estado do Peru também pela
afronta ao devido processo legal e proteção judicial. Em ambos os casos, a condenação
dos Estados teve como argumento central a violação à garantia do devido processo
legal e não a violação ao direito do trabalho.
Um outro caso emblemático é o caso “cinco pensionistas” versus Peru (2003),40
envolvendo a modificação do regime de pensão no Peru, em que a Corte condenou o
Estado com fundamento na violação ao direito de propriedade privada e não com fun-
damento na afronta ao direito de seguridade social, em face dos danos sofridos pelos
5 pensionistas.

IV. Sistema interamericano de proteção dos direitos humanos:


desafios e perspectivas

O sistema interamericano está se consolidando como importante e eficaz estra-


tégia de proteção dos direitos humanos, quando as instituições nacionais se mostram
falhas ou omissas. A Comissão e a Corte Interamericana contribuem para a denúncia
dos mais sérios abusos e pressionam os governos para que cessem com as violações de
direitos humanos, fortalecendo a accountability dos Estados.
Como foi examinado, o sistema interamericano invoca um parâmetro de ação
para os Estados, legitimando o encaminhamento de comunicações de indivíduos e
entidades não governamentais se esses standards internacionais são desrespeitados.
Nesse sentido, a sistemática internacional estabelece a tutela, a supervisão e o moni-
toramento do modo pelo qual os Estados garantem os direitos humanos internacional-
mente assegurados.
Verificou-se ainda que os instrumentos internacionais constituem relevante
estratégia de atuação para as organizações não governamentais, nacionais e interna-
cionais, ao adicionar uma linguagem jurídica ao discurso dos direitos humanos. Esse
fator é positivo na medida em que os Estados são convocados a responder com mais
seriedade aos casos de violação de direitos.
A experiência latino-americana revela que a ação internacional tem também
auxiliado a publicidade das violações de direitos humanos, o que oferece o risco do
constrangimento político e moral ao Estado violador, e, nesse sentido, surge como sig-
nificativo fator para a proteção dos direitos humanos. Ademais, ao enfrentar a publi-
cidade das violações de direitos humanos, bem como as pressões internacionais, o

39 Caso Trabajadores cesados del congreso (Aguado Alfaro y otros) v. Peru, Inter-American Court, 24
November 2006, serie C n. 158.
40 Caso “cinco pensionistas” v. Peru, Inter-American Court, 28 February 2003, serie C n. 98.

350
Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: Impacto,
Desafios e Perspectivas à Luz da Experiência Latino-Americana

Estado é praticamente “compelido” a apresentar justificativas a respeito de sua práti-


ca. A ação internacional e as pressões internacionais podem, assim, contribuir para
transformar uma prática governamental específica, no que se refere aos direitos
humanos, conferindo suporte ou estímulo para reformas internas. Como realça James
L. Cavallaro, “estratégias bem-articuladas de litigância internacional que diferenciem
vitórias meramente processuais de ganhos substantivos, mediante a adoção de medi-
das para mobilizar a mídia e a opinião pública, têm permitido o avanço da causa dos
direitos humanos no Brasil”.41 Na percepção de Kathryn Sikkink: “O trabalho das
ONGs tornam as práticas repressivas dos Estados mais visíveis e públicas, exigindo
deles, que se manteriam calados, uma resposta. Ao enfrentar pressões crescentes, os
Estados repressivos buscam apresentar justificativas. (...) Quando um Estado reconhe-
ce a legitimidade das intervenções internacionais na questão dos direitos humanos e,
em resposta a pressões internacionais, altera sua prática com relação à matéria, fica
reconstituída a relação entre Estado, cidadãos e atores internacionais”.42 Adiciona a
autora: “pressões e políticas transnacionais no campo dos direitos humanos, incluindo
network de ONGs, têm exercido uma significativa diferença no sentido de permitir
avanços nas práticas dos direitos humanos em diversos países do mundo. Sem os regi-
mes internacionais de proteção dos direitos humanos e suas normas, bem como sem a
atuação das networks transnacionais que operam para efetivar tais normas, transfor-
mações na esfera dos direitos humanos não teriam ocorrido”.43
O sucesso do sistema reflete o intenso comprometimento das ONGs (envolven-
do movimentos sociais e estratégias de mídia), a boa resposta do sistema e a imple-
mentação de suas decisões pelo Estado, propiciando transformações e avanços no regi-
me interno de proteção dos direitos humanos.
Considerando a experiência latino-americana, pode-se afirmar que, com o inten-
so envolvimento das organizações não governamentais, a partir de articuladas e com-
petentes estratégias de litigância, os instrumentos internacionais constituem podero-
sos mecanismos para a efetiva promoção e proteção dos direitos humanos no âmbito
nacional.
No âmbito regional, a jurisprudência da Corte Interamericana, a partir da tipo-
logia de casos apresentada, tem sido um valioso instrumento para a consolidação da
cultura de direitos humanos na região. Diversamente da experiência do sistema regio-
nal europeu, em que há uma associação imediata entre direitos humanos, democracia
e Estado de Direito, na experiência latino-americana estes termos encontram-se ainda

41 James L. Cavallaro, Toward Fair Play: A Decade of Transformation and Resistance in International Human
Rights Advocacy in Brazil, In: Chicago Journal of International Law, v. 3, n. 2, fall 2002, p. 492.
42 Ver Kathryn Sikkink, Human rights, principled issue-networks, and sovereignty in Latin America, In:
International Organizations, Massachusetts, IO Foundation and the Massacussetts Institute of Technology,
1993, p. 414-415.
43 Kathryn Sikkink e Thomas Risse, Conclusions, In: Thomas Risse, Stephen C. Ropp e Kathryn Sikkink, The
Power of Human Rights: International Norms and Domestic Change, Cambridge, Cambridge University
Press, 1999, p. 275.

351
Flávia Piovesan

apartados. Basta apontar que a Convenção Americana entrou em vigor em 1978,


quando a maior parte dos Estados do cone sul era governada por regimes autoritários
ditatoriais. A atuação da Corte tem enfatizado que a proteção dos direitos humanos é
condição essencial para a solidez democrática e para o fortalecimento do Estado de
Direito. Sob o prisma regional, a jurisprudência da Corte tem oferecido efetivas res-
postas a um padrão de violações de direitos que ainda refletem o legado do regime
autoritário ditatorial; envolvem questões da justiça de transição (transitional justice);
bem como refletem desafios acerca do fortalecimento de instituições e da consolida-
ção do Estado de Direito. Há também uma vertente decisória que consagra a proteção
a direitos de grupos vulneráveis, bem como a proteção de direitos sociais.
Entretanto, o fortalecimento do sistema interamericano requer a adoção de
medidas em duas direções: seja para o reforço e aprimoramento interno do sistema;
seja para a maior abertura dos regimes internos, assegurando-se a plena implementa-
ção das decisões internacionais no âmbito doméstico. Para tanto, destacam-se 7 pro-
postas:

1) Democratização do sistema interamericano

O acesso à Corte Interamericana remanesce restrito apenas à Comissão


Interamericana e aos Estados, sendo negado aos indivíduos e às ONGs. Note-se que,
no sistema regional europeu, mediante o Protocolo n. 11, que entrou em vigor em 01
de novembro de 1998, qualquer pessoa física, organização não-governamental ou
grupo de indivíduos pode submeter diretamente à Corte Européia demanda veiculan-
do denúncia de violação por Estado-parte de direitos reconhecidos na Convenção
(conforme o artigo 34 da Convenção Européia).
Como afirma Antônio Augusto Cançado Trindade: “O direito de acesso à justiça
no plano internacional é aqui entendido “lato sensu”, configurando um direito autô-
nomo do ser humano à prestação jurisdicional, a obter justiça, à própria realização da
justiça, no marco da Convenção Americana. Com efeito, o acesso direto dos indiví-
duos à jurisdição internacional constitui, em nossos dias, uma grande conquista no
universo conceptual do Direito, que possibilita ao ser humano reivindicar direitos,
que lhe são inerentes, contra todas as manifestações de poder arbitrário, dando, assim,
um conteúdo ético às normas tanto de direito público interno, como de direito inter-
nacional.”44 Acrescenta o autor: “(...) ao reconhecimento de direitos deve correspon-
der a capacidade processual de reivindicá-los, devendo o indivíduo peticionário estar
dotado de locus standi in judicio, em todas as etapas do procedimento perante a Corte.
(...) a cristalização deste direito de acesso direto dos indivíduos à jurisdição da Corte

44 Antônio Augusto Cançado Trindade e Manuel E. Ventura Robles, El Futuro de la Corte Interamericana de
Derechos humanos, 2ª ed. atualizada e ampliada, San José/Costa Rica, Corte Interamericana de Direitos
Humanos e ACNUR, 2004, p. 10-11.

352
Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: Impacto,
Desafios e Perspectivas à Luz da Experiência Latino-Americana

deve ser assegurado mediante um Protocolo Adicional à Convenção Americana de


Direitos Humanos para este fim”.45
O acesso direto à Corte, sendo mantida a atuação da Comissão Interamericana,
permitiria uma arena mais participativa e aberta à relevante atuação das ONGs e dos
indivíduos no sistema. O protagonismo da sociedade civil tem se mostrado vital ao
sucesso do sistema interamericano.

2) Composição da Corte e da Comissão Interamericana

Outra medida importante é assegurar a elevada independência dos membros


integrantes da Comissão e da Corte Interamericana, que devem atuar a título pessoal
e não governamental.
A sociedade civil deveria ter uma atuação mais atenta ao monitoramento do pro-
cesso de indicação de tais integrantes, doando-lhe maior publicidade, transparência e
accountability.

3) Jurisdição automática e compulsória da Corte Interamericana

O direito à proteção judicial é um direito humano não apenas sob a perspectiva


nacional, mas também sob a perspectiva internacional. O acesso à justiça deve, pois,
ser assegurado nas esferas nacional, regional e global.
O sistema interamericano deve estabelecer a jurisdição automática e compulsó-
ria da Corte, não mais aceitando seja o reconhecimento de sua jurisdição uma cláusu-
la facultativa. Reitere-se que, atualmente, dos 34 Estados membros da OEA, 22 acei-
tam a jurisdição da Corte.

4) Supervisão das decisões da Comissão e da Corte Interamericana

No sistema interamericano há uma séria lacuna concernente à supervisão das


decisões da Corte e da Comissão. No sistema europeu, a título exemplificativo, o
Comitê de Ministros (órgão político) tem a função de supervisionar a execução das
decisões da Corte Européia, atuando coletivamente em nome do Conselho da Europa.46
No sistema interamericano, são seus próprios órgãos que realizam o follow up
das decisões que eles próprios proferem. Isto porque a Convenção Americana não
estabelece mecanismo específico para supervisionar o cumprimento das decisões da

45 Antônio Augusto Cançado Trindade e Manuel E. Ventura Robles, El Futuro de la Corte Interamericana de
Derechos humanos, 2ª ed. atualizada e ampliada, San José/Costa Rica, Corte Interamericana de Direitos
Humanos e ACNUR, 2004, p. 36. Sobre o tema, defende o autor a necessidade de se avançar “no sentido da
evolução do locus standi in judicio ao jus standi dos indivíduos ante a Corte” (op. cit., p. 96).
46 Para uma análise comparativa dos sistemas regionais, ver Flávia Piovesan, Direitos Humanos e Justiça
Internacional: Um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano, São
Paulo, ed. Saraiva, 2006.

353
Flávia Piovesan

Comissão ou da Corte, embora a Assembléia Geral da OEA tenha o mandato genéri-


co a este respeito, nos termos do artigo 65 da Convenção Americana.47
Na avaliação de Antônio Augusto Cançado Trindade: “(...) a Corte Interamericana
tem atualmente uma especial preocupação quanto ao cumprimento de suas sentenças.
Os Estados, em geral, cumprem as reparações que se referem a indenizações de caráter
pecuniário, mas o mesmo não ocorre necessariamente com as reparações de caráter não
pecuniário, em especial as que se referem às investigações efetivas dos fatos que origi-
naram tais violações, bem como à identificação e sanção dos responsáveis, – imprescin-
díveis para por fim à impunidade (e suas consequências negativas para o tecido social
como um todo). (...) Atualmente, dada a carência institucional do sistema interameri-
cano de proteção dos direitos humanos nesta área específica, a Corte Interamericana
vem exercendo motu propio a supervisão da execução de suas sentenças, dedicando-
lhe um ou dois dias de cada período de sessões. Mas a supervisão – como exercício de
garantia coletiva – da fiel execução das sentenças e decisões da Corte é uma tarefa que
recai sobre o conjunto dos Estados-partes da Convenção.”48

5) Medidas logísticas e recursos

Uma quinta proposta, de natureza logística, seria a instituição de funcionamen-


to permanente da Comissão e da Corte, com recursos financeiros,49 técnicos e admi-
nistrativos suficientes.

6) Adoção de medidas internas visando à plena implementação das


decisões internacionais no plano doméstico

A sexta proposta atém-se à exigibilidade de cumprimento das decisões interna-


cionais no âmbito interno, com a adoção pelos Estados de legislação relativa à imple-

47 De acordo com o artigo 65 da Convenção: “A Corte submeterá à consideração da Assembléia-Geral da OEA,


em cada período ordinário de sessões, um relatório sobre as suas atividades no ano anterior. De maneira
especial, e com as recomendações pertinentes, indicará os casos em que um Estado não tenha dado cumpri-
mento a suas sentenças”.
48 Antônio Augusto Cançado Trindade e Manuel E. Ventura Robles, El Futuro de la Corte Interamericana de
Derechos humanos, 2ª ed. atualizada e ampliada, San José/Costa Rica, Corte Interamericana de Direitos
Humanos e ACNUR, 2004, p. 434. Propõe o autor: “Para assegurar o monitoramento contínuo do fiel cum-
primento de todas as obrigações convencionais de proteção, em particular das decisões da Corte, deve ser
acrescentado ao final do artigo 65 da Convenção Americana, a seguinte frase: “A Assembléia-Geral os reme-
terá ao Conselho Permanente, para estudar a matéria e elaborar um informe, a fim de que a Assembléia-
Geral delibere a respeito.” Deste modo, se supre uma lacuna com relação a um mecanismo, a operar em base
permanente (e não apenas uma vez por ano, ante a Assembléia-Geral da OEA), para supervisionar a fiel exe-
cução, por todos os Estados-partes demandados, das sentenças da Corte” (op. cit., p. 91-92).
49 A título ilustrativo, o orçamento da Corte Européia corresponde aproximadamente a 20% do orçamento do
Conselho da Europa, envolvendo 41 milhões de euros, enquanto que o orçamento conjunto da Comissão e
da Corte Interamericana corresponde aproximadamente a 5% do orçamento da OEA, envolvendo apenas 4
milhões de dólares norte-americanos.

354
Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: Impacto,
Desafios e Perspectivas à Luz da Experiência Latino-Americana

mentação das decisões internacionais em matéria de direitos humanos. Os Estados


devem garantir o integral cumprimento destas decisões, sendo inadmissível sua indi-
ferença, omissão e silêncio.
As decisões internacionais em matéria de direitos humanos devem produzir efei-
tos jurídicos imediatos e obrigatórios no âmbito do ordenamento jurídico interno,
cabendo aos Estados sua fiel execução e cumprimento, em conformidade com o prin-
cípio da boa fé, que orienta a ordem internacional. A efetividade da proteção interna-
cional dos direitos humanos está absolutamente condicionada ao aperfeiçoamento das
medidas nacionais de implementação.

7) Fortalecimento do regime doméstico de proteção dos direitos humanos

A última proposta refere-se ao fortalecimento da proteção dos direitos humanos


no plano local, a partir da consolidação de uma cultura de direitos humanos.
O desafio é aumentar o comprometimento dos Estados para com a causa dos
direitos humanos, ainda vista, no contexto latino-americano, como uma agenda con-
tra o Estado. Há que se endossar a idéia — tão vital à experiência européia — da indis-
soabilidade entre direitos humanos, democracia e Estado de Direito. Isto é, há que se
reforçar a concepção de que o respeito aos direitos humanos é condição essencial para
a sustentabilidade democrática e para a capilaridade do Estado de Direito na região.
Diversamente do contexto europeu, em que há uma relação indissociável entre
democracia, Estado de Direito e direitos humanos, a realidade latino-americana refle-
te democracias políticas incompletas e Estados de Direito de baixa densidade, que
convivem com um grave padrão de violação a direitos.
É neste cenário que o sistema interamericano se legitima como importante e efi-
caz instrumento para a proteção dos direitos humanos, quando as instituições nacio-
nais se mostram falhas ou omissas. Com a atuação da sociedade civil, a partir de arti-
culadas e competentes estratégias de litigância, o sistema interamericano tem a força
catalizadora de promover avanços no regime de direitos humanos. Permitiu a deses-
tabilização dos regimes ditatoriais; exigiu justiça e o fim da impunidade nas transições
democráticas; e agora demanda o fortalecimento das instituições democráticas com o
necessário combate às violações de direitos humanos.
Considerando o contexto latino-americano – marcado por graves e sistemáticas
violações de direitos humanos; por profundas desigualdades sociais; e por democra-
cias ainda em fase de consolidação, que intentam romper com o denso legado dos
regimes autoritários – pode-se concluir que o sistema interamericano salvou e conti-
nua salvando muitas vidas; tem contribuído de forma decisiva para a consolidação do
Estado de Direito e das democracias na região; tem combatido a impunidade; e tem
assegurado às vítimas o direito à esperança de que a justiça seja feita e os direitos
humanos respeitados.

355
Dignidad Humana y Protección de los Derechos
Económicos Sociales y Culturales en la Jurisprudencia
de la Corte Interamericana de Derechos Humanos:
el Nuevo Concepto del Derecho a una Vida Digna
Enzamaria Tramontana1

“...creio que o proprio direito fundamental à vida é de


primeira, segunda, terceira e de todas as gerações. E’ civil,
politico, economico-social y cultural...Os direitos se
ampliam, e os novos direitos enriquecem os direitos ante-
riores”. A.A. Cançado Trindade.*

Sumarioo: I. Introducción II. Los derechos económicos, sociales y culturales en el marco del sistema interamericano:
los instrumentos de tutela III. El enfoque interpretativo de la Corte IV. La protección jurídica de la vida en el siste-
ma interamericano V. La evolución del concepto de derecho a una vida digna en la jurisprudencia de la Corte de San
José: las orígenes en el caso de los Niños de la Calle VI. La obligación estatal de garantizar condiciones dignas de vida
a reclusos y personas bajo su tutela VII. Vida digna y comunidades indígenas: la protección del derecho a las tierras
ancestrales en el marco de la interpretación extensiva del derecho a la vida VIII. La indemnización del daño al pro-
yecto de vida como garantía de la autorrealización plena de la persona IX. Conclusiones

I. Introducción

El concepto del derecho a una vida digna representa una de las elaboraciones
más relevantes en el marco de la jurisprudencia de la Corte interamericana de dere-
chos humanos.
De acuerdo con esta noción, el alcance de protección del derecho a la vida no se
limita a la prohibición de la privación arbitraria de ésta, sino, también, incluye el
derecho de vivir en condiciones compatibles con la dignidad de la persona.
La especial significación de este concepto es, al mismo tiempo, teórica y practi-
ca. Desde el primer punto de vista, esta relevancia desciende del hecho que la protec-
ción ampliada de la vida consagrada por la Corte abarca, en el marco de tutela de un
derecho civil –el mas fundamental de ellos– , aspectos de los derechos económicos,
sociales y culturales. Se trata, por lo tanto, de un reconocimiento de la importancia

1 Doctoranda en Derecho internacional y de la Unión Europea Universidad de Roma “La Sapienza”.


* Entrevista al Juez de la Corte interamericana A.A. Cançado Trindade en la V Conferencia Nacional de
Direitos Humanos, 25 de mayo de 2000, Brasilia, http://www.dhnet.org.br/dados/conferencias/dh/br/rela-
torio_5conf.pdf.

357
Enzamaria Tramontana

del principio de la interrelación e indivisibilidad de todos los derechos humanos.


Desde el punto de vista practico, por otro lado, no pueden no saltar a la vista, en la
valoración de esta noción, las condiciones de extrema pobreza en las que viven
amplios segmentos de la población de los Estados Partes de la Convención americana
sobre derechos humanos.
El presente ensayo pretende reconstruir la evolución del derecho a una vida
digna en la jurisprudencia del Tribunal de San José.
El interés de esta investigación, sin embargo, no se limita a la ampliación con-
ceptual del derecho a la vida realizado por la Corte. Se pretende, además, reflexionar
sobre lo que nos parecería ser el eje de esta elaboración jurisprudencial: la noción de
dignidad humana.
Como es notorio, este es un concepto cargado de historia, habiendo sido, desde
la época clásica, el objeto de especulación filosófica de muchos grandes pensadores.2
Al fin que nos interesa, sin embargo, lo mas importante es destacar que, desde su
proclamación en la Carta de las Naciones Unidas y en la Declaración universal de los
derechos humanos,3 la dignidad humana se ha convertido en un elemento clave en la
grande mayoría de los instrumentos internacionales de tutela de los derechos huma-
nos y en muchas cartas constitucionales.4 Además, siempre mas frecuente ha sido su
utilización tanto por parte de tribunales o mecanismos de control internacionales
cuanto en foros nacionales.5

2 Imposible pensar de dar cuenta, en este lugar, de la variedad de significados que, desde Cicerón a Kant, les han
sido atribuidos. V. entre otros, Y. Arieli, On the Necessary and Sufficient Conditions for the Emergence of the
Doctrine of the Dignity of Man and his Rights, en D. Kretzmer and E.Klein (eds.), The Concept of Human
Dignity in Human Rights Discourse, The Hague, Kluwer Law International, 2002, p. 1 ss.; C. Ruiz Miguel,
Human Dignity: History of an Idea, en P. Häberle (ed.), Jahrbuch des öffentlichen Rechts der Gegenwart,
Neue Folge, 50, 2002, pp. 281-299. En el debatito contemporáneo, se señala, entre otros, R. Adorno, The
Paradoxical Notion of Human Dignity, en Rivista internazionale di filosofia del diritto, 2, 2001, pp. 151-168.
3 El Preámbulo de la Carta de la Naciones Unidas (San Francisco, 26 de junio de 1945) consagra el valor de
la dignidad humana al punto 2. La Declaración universal de los derechos humanos, adoptada por la
Resolución de la Asamblea General 217 A (iii) del 10 de diciembre de 1948, hace mención de la dignidad
en el Preámbulo y en los artículos 1, 22, 23; v., en argumento, K. Dicke, The Founding Function of Human
Dignity in the Universal Declaration on Human Rights, en D. Kretzmer and E.Klein (eds.), The Concept of
Human Dignity cit., p. 111 ss.
4 Sobre el punto, v. P. C. Carbonari, Human dignity as a Basic Concept of Ethics and Human Rights, en B.
Klein Goldewijk et al. (eds.), Dignity and Human Rights: the Implementation of Economic, Social and
Cultural Rights, Ardsley, Transational Publishers, p. 35 ss.; A. Chaskalson, Human Dignity as a
Constitutional Value, en D. Kretzmer and E.Klein (eds.), The Concept of Human Dignity cit., p. 133 ss.
5 En general v. C. McCrudden, Human Dignity and Judicial Interpretation of Human Rights, en EJIL, 19(4),
2008, p. 655 ss; sobre la jurisprudencia de la Corte Europea de Derechos Humanos v., entre otros, J. A.
Frowein, Human Dignity in International Law, en D. Kretzmer and E.Klein (eds.), The Concept of Human
Dignity cit., pp. 124-131; acerca de la jurisprudencia de la Corte de Justicia de las Comunidades Europeas,
v. A. Tancredi, L’emersione dei diritti fondamentali “assoluti” nella giurisprudenza comunitaria, Rivista di
diritto internazionale, 3, 2006, pp. 661 ss.; finalmente, sobre el uso del principio de dignidad por algunos
tribunales supremos nacionales, v. en general, D. Feldman, Human Dignity as a Legal Value: Part 1, en
Public Law, 1, 1999, p. 9 ss.

358
Dignidad Humana y Protección de los Derechos Económicos Sociales y Culturales en la Jurisprudencia
de la Corte Interamericana de Derechos Humanos: el Nuevo Concepto del Derecho a una Vida Digna

Coherentemente, el valor de la dignidad humana se encuentra proclamado en la


Convención americana, así como en la anterior Declaración de los derechos y debe-
res del hombre y en los instrumentos de carácter específico que forman parte del sis-
tema interamericano de protección;6 su importancia, como se verá, ha sido a menudo
reconocida por la Comisión y por la Corte.
En particular, lo que se pretende hacer aquí es evaluar, a través de un estudio de
la interpretación del derecho a la vida realizada por el Juez de San José, cuál es la con-
cepción y el rol de la dignidad humana en el marco del sistema interamericano.7
Finalmente, nos preguntaremos sí, y en este caso en particular, en qué medida,
la noción de dignidad juega un rol en el espacio de integración jurídica suramericana,
ámbito de interés de la presente obra colectiva.
Ahora bien, antes de comenzar propiamente con el desarrollo del tema, –parece
conveniente efectuar algunas consideraciones sobre dos cuestiones previas. Se trata de
la protección de los derechos económicos, sociales y culturales y de la tutela jurídica
de la vida en el marco del sistema interamericano. En ambos casos, se analizarán, sin-
téticamente, los instrumentos de tutela y el enfoque interpretativo de la Corte.

II. Los derechos económicos, sociales y culturales en el marco del


sistema interamericano: los instrumentos de tutela

La Convención americana sobre derechos humanos8 (‘CADH’) refleja la distin-


ción entre la categoría de los derechos civiles y políticos y la de los derechos econó-
micos, sociales y culturales, típica de la época de su elaboración.9 En ella, de hecho,
hay una separación formal entre la parte consagrada a los primeros –en el capítulo II–
y la dedicada a los segundos- en el capítulo III. Este último, no menos importante, se
compone de un sólo artículo, como es el artículo 26.10

6 Sobre le punto v., mas adelante, nota 79.


7 De hecho, es posible, según parte de la doctrina, identificar un corazón de sentido común en la idea de dig-
nidad generalmente empleada tanto a nivel internacional como nacional, pero, mas allá de este minimum
core, se registrarían muchas significativas diferencias en la manera de configurar y hacer uso de esta noción.
A la concepción de la dignidad como principio superior, fundacional de los derechos humanos, se contra-
pondría, por ejemplo, su configuración como un derecho entre los demás. En el primer sentido, a su vez,
esta noción sería talvez empleada como criterio interpretativo para explicar el contenido de derechos espe-
cíficos y, a veces, solo como una idea más política que jurídica, que nada añade a estos. C. McCrudden,
Human Dignity and Judicial Interpretation of Human Rights, cit., p. 655 ss.
8 Convención interamericana sobre derechos humanos, San José, Costa Rica, 7-22 noviembre 1969.
9 La referencia es a la histórica distinción entre derechos civiles y políticos o “de primera generación”, dere-
chos individuales y exigibles jurisdiccionalmente; y los derechos económicos, sociales y culturales o “de
segunda generación”, calificados como colectivos y habientes de carácter programático. Sobre el tema véase
a A. Eide and A. Rosas, Economic, Social and Cultural Rights: A Universal Challenge, en A. Eide et al.
(eds.), Economic, Social and Cultural Rights, The Hague, Kluwer Law International, 2001, pp. 3-4.
10 Esto ha determinado la frecuente caracterización de la Convención como un instrumento que protege úni-
camente los derechos civiles y políticos. V., por ejemplo, J.M. Pasqualucci, The Right to a Dignified Life
(Vida Digna): the Integration of Economic and Social Rights with Civil and Political Rights in the Inter-

359
Enzamaria Tramontana

Esta disposición, rubricada “Desarrollo progresivo”, se limita a establecer para los


Estados Partes la obligación de “adoptar providencias...para lograr progresivamente la
plena efectividad de los derechos que se derivan de las normas económicas, sociales y
sobre educación, ciencia y cultura, contenidas en la Carta de la Organización de los
Estados Americanos...en la medida de los recursos disponibles, por vía legislativa y
otros medios apropiados”.11
La interpretación de este precepto ha sido, y sigue siendo, objeto de un debate
bastante vivaz en la Doctrina.
Algunos Estudiosos, fundándose sobre el tenor literal del artículo y haciendo
referencia a los travaux préparatoires de la Convención, califican los derechos econó-
micos, sociales y culturales en ésta reconocidos como derechos “programáticos”, fuen-
te para los Estados Partes de una mera obligación de resultado y privados, por lo tanto,
de exigibilidad y justiciabilidad.12
Contra esta solución, otra parte de la literatura objeta que los artículos 62 y 63
de la CADH establecen, respectivamente, la competencia de la Corte para conocer de
cualquier caso relativo a la aplicación de las disposiciones de la Convención y el poder
del órgano de disponer la reparación en favor de la parte lesionada cuando decida que
hubo violación de un derecho protegido, sin exclusión alguna. De esto derivaría la
aplicación de las obligaciones generales establecidas en los artículos 1 y 2 de la
CADH13 también a los derechos reconocidos en el artículo 26 y, en consecuencia, la
afirmación del deber estatal, por un lado, de abstenerse da perjudicar estos derechos;
por el otro, de adoptar las medidas necesarias para asegurar su goce.14

American Human Rights System, en Hastings International and Comparative Law Review, 31 (1), 2008,
p.7. Contra T.Melish, The Inter-American Court of Human Rights. Beyond Progressivity, en J. Langford
(ed.), Social Rights Jurisprudence: Emerging Trends in Comparative and International Law, New York,
Cambridge University Press, 2007, p. 5. Para una exposición sistemática acerca de la evolución de los DESC
en el marco normativo interamericano v., entre otros, M. Pinto, Los derechos económicos, sociales y cul-
turales y su protecion en el sistema interamericano, en Revista instituto interamericano de derechos huma-
nos, 40, 2004, pp. 26-86.
11 El cursivo no es del original. Esta disposición refleja la formulación del artículo 2.1 del Pacto Internacional
sobre derechos económicos, sociales y culturales. Sobre el tema, véase, A. Eide, Economic, Social and
Cultural Rights as Human Rights, en A.Eide et al. (eds.), Economic, Social and Cultural Rights cit., p. 22 ss.
12 Este enfoque se encuentra en J.L. Cavallaro, E.J. Schaffer, Less as More: Rethinking Supranational Litigation
of Social Rights in the Americas, en Hastings Law Journal, 56, 2004, p. 268.
13 El artículo 1 y el artículo 2 establecen, respectivamente, el deber de los Estados Partes de respetar los dere-
chos y las libertades reconocidos en la Convención y la obligación de adoptar las medidas legislativas o de
otro carácter que fueren necesarias para hacer efectivos tales derechos y libertades.
14 Es la opinión, entre otros, de F. Costamagna, Corte interamericana e tutela dei diritti economici, sociali e
culturali: il diritto ad una vida digna, pendiente de publicacion, pp. 5-6, 8-9; y, también, T. Melish,
Rethinking the ‘Less as More’ Thesis: Supranational Litigation of Economic, Social and Cultural Rights in
the Americas, en New York Journal of International Law and Politics, 39 (2), 2006, pp.204-208. En esta
óptica, además, al fin de establecer el contenido de los DESC protegidos por la Convención, habría que
hacerse referencia, junto a las normas de la Carta de la OEA (principalmente sus artículos 34, 45 y 52), al
catálogo de derechos económicos, sociales y culturales reconocidos por la Declaracion Americana de los
Derechos y Deberes del Hombre. Esta, en efecto, según lo establecido por la Corte en su Opinion Consultiva
n. 10, determina los derechos humanos a los que se refiere la Carta de la Organización; v., H. Faundez

360
Dignidad Humana y Protección de los Derechos Económicos Sociales y Culturales en la Jurisprudencia
de la Corte Interamericana de Derechos Humanos: el Nuevo Concepto del Derecho a una Vida Digna

Un amplio catálogo de los DESC, al revés, es contemplado por el llamado


‘Protocolo de San Salvador’, entrado en vigor en noviembre de 1999.15
Dicho instrumento fue concebido para llenar la laguna dejada por la Convención
americana en la materia;16 sin embargo, su artículo 19, “Medios de Protección”, limita
el sistema de peticiones individuales ante el Sistema interamericano exclusivamente al
derecho de los trabajadores a organizarse en sindicatos y al derecho a la educación.
Único mecanismo de protección de lo demás derechos contemplados en el
Protocolo, es, por lo tanto, el de los informes periódicos.17 Ellos, pero, a la luz del arti-
culo 29 letra b) de la CADH, constituyen también parámetros interpretativos utiliza-
bles por el tribunal interamericano en el marco de su función contenciosa.18

III. El enfoque interpretativo de la Corte

El Juez de San José ha tomado parte en la dialéctica sobre el artículo 26 de la


Convención descartando su aplicación directa y privilegiando, para asegurar la pro-
tección de los DESC, el recurso a los derechos civiles y políticos.
La razón de este enfoque es la interpretación que la Corte hace de la menciona-
da disposición, que se encuentra explicada en la decisión del notorio caso “Cinco
Pensionistas” vs. Perú.19
El Tribunal estaba llamado a pronunciarse sobre la presunta violación de los
derechos de cinco ciudadanos peruanos causada por la modificación del régimen esta-
dal de pensiones.

Ledesma, El sistema interamericano de protección de los derechos humanos. Aspectos institucionales y pro-
cesales, San José, IIDH, 1999, p. 212.
15 Protocolo adicional a la Convención interamericana sobre derechos humanos en materia de derechos eco-
nómicos, sociales y culturales, San Salvador, El Salvador, 17 noviembre 1988.
16 A.A Cançado Trindade juzga positivamente la entrada en vigor del Protocolo, v. Reflexiones sobre el futu-
ro del sistema interamericano de protección de los derechos humanos, en J. Mendex-F.Cox (eds.), El futu-
ro del Sistema interamericano de protección de los derechos humanos, San José, IIDH, 1998, pp. 576-577;
de acuerdo con este enfoque también, F. Costamagna, Corte interamericana e tutela dei diritti economici,
sociali e culturali: il diritto ad una vida digna cit., p. 6. Contra C.Urquilla Bonilla, Los derechos económi-
cos, sociales y culturales en el contesto de la reforma del sistema interamericano de protección de los dere-
chos humanos, en Rev. IIDH, 2000, pp. 267-268.
17 Esta es la reconstrucción de la doctrina mayoritaria, v., por ejemplo, J.L. Cavallaro y E.J. Schaffer, Less as
More: Rethinking Supranational Litigation of Social Rights in the Americas cit., p. 268-269. Contra la tesis
según la cual el artículo 19.6 no sería suficiente para descartar la utilización de los otros derechos recono-
cidos en el Protocolo de acuerdo con el sistema de peticiones individuales ex artículo 44 de la convención
americana, v. H. Faundez Ledesma, El sistema interamericano de protección de los derechos humanos cit.,
p. 212.
18 Sobre el punto, M. Scalabrino, I diritti economici nel sistema interamericano di protezione dei diritti
dell’uomo: risultati e prospettive, en Jus, 2, 2002, p. 217; F. Costamagna, Corte interamericana e tutela dei
diritti economici, sociali e culturali: il diritto ad una vida digna cit., p. 6.
19 Caso “Cinco Pensionistas” vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28 de febrero de 2003. Serie
C No. 98. Todas las sentencias de la CIDH fueron retiradas de la página web de la Corte: www.cor-
teidh.or.ch.

361
Enzamaria Tramontana

No obstante la Comisión había pedido a la Corte que condenara a Perú por la


violación, inter alia, del articulo 26 de la CADH, la mayoría de los Jueces desestimó
dicha solicitud, a la luz del carácter progresivo de las obligaciones establecidas por
este artículo.20
La Corte, en particular, afirmó que el “desarrollo progresivo” de los derechos
económicos, sociales y culturales no se puede medir en relación a las circunstancias
de un grupo limitado de personas, sino solo en función de su creciente cobertura sobre
el conjunto de la población.21 Derivaría de esto que el artículo 26 quede excluido del
marco de la competencia contenciosa del órgano, limitada exclusivamente a casos de
violaciones individuales.22
Descartada la posibilidad de una protección directa, el Tribunal ha, todavía, con-
siderado el derecho a la pensión tutelable a través del derecho de propiedad, tratán-
dose el primero de un derecho adquirido, o sea, que se ha incorporado al patrimonio
de las personas. Según lo declarado por la Corte, esta interpretación sería conforme
con el artículo 29.b) de la Convención y con la interpretación evolutiva de los instru-
mentos internacionales de protección de derechos humanos.23
De esto ha derivado la condena del Estado peruano por la violación del artículo
21 de la CADH, en el que el derecho de propiedad se encuentra reconocido.24
La decisión del Juez de San José no ha sido inmune a las críticas.25 En el párrafo
anterior ya pusimos de relieve las justificaciones jurídicas utilizadas en doctrina para
sostener una tutela directa de los DESC ex artículo 26 de la Convención.
Nos queda de analizar, aunque sea de momento esquemáticamente, el enfoque
interpretativo utilizado por el Tribunal, consistente en una lectura extensiva de los
derechos civiles y políticos, tal de comprender en sus alcances de protección también
los derechos económicos, sociales y culturales.

20 La Comisión había, desde 2001, constantemente admitido su competencia ratione materiae para conocer de
peticiones individuales sobre violaciones presuntas a derechos económicos, sociales y culturales a través de
la infracción al artículo 26 de la Convencion (v., por ejemplo, Caso Jorge Odir Miranda Cortex et al. V El
Salvador, No. 12.249, Reporte No. 29/01, 2001, paras. 45-46). Para un análisis comprensivo del enfoque de
la Comisión en materia, antes y después de la decisión de la Corte en el caso “Cinco Pensionistas”, v. T. J.
Melish, The Inter-American Commission on Human Rights. Defending Social Rights through Case-Based
Petitions, en J. Langford (ed.), Social Rights Jurisprudence cit., pp. 16 ss.
21 Caso “Cinco Pensionistas” , cit., para. 147.
22 Ha sido convincentemente observado como, desde una óptica mas política que jurídica, este enfoque se
explicaría con la voluntad de la Corte de moverse con prudencia en un sector, el de la política en materia
económica y social, tradicionalmente considerado de dominio estadal y especialmente conflictivo en el
entorno latinoamericano, v. F. Costamagna, Corte interamericana e tutela dei diritti economici, sociali e
culturali: il diritto ad una vida digna cit., p. 7.
23 Caso “Cinco Pensionistas”, cit., para 103.
24 Ibidem, paras. 93-121.
25 V., por ejemplo, T. Melish, A Pyrrhic Victory for Peru’s Pensioners: Pensions, Property, and the Perversion
of Progressivity, en CEJIL Revista: Debates sobre derechos humanos y el sistema interamericano, 1(1),
2005, pp. 51-66.

362
Dignidad Humana y Protección de los Derechos Económicos Sociales y Culturales en la Jurisprudencia
de la Corte Interamericana de Derechos Humanos: el Nuevo Concepto del Derecho a una Vida Digna

Este enfoque, definido por la Doctrina “enfoque integrado” o “elements


approach”, considera los DESC elementos integrantes de los derechos civiles y políti-
cos, cuya realización resultaría imposible sin el goce de los primeros.26 Su base jurídi-
ca es, por lo tanto, el principio de la indivisibilidad e interdependencia de todos los
derechos humanos.27
Como es notorio, este principio fue elaborado ya en los años cincuenta con el
objetivo de superar la distinción entre derechos de “primera generación” y los de
“segunda”; éste, se ha desarrollado en la praxis internacional hasta su definitiva consa-
gración en la Declaración de Viena de 1993.28 Su formalización en el marco normati-
vo interamericano se debe al Protocolo de San Salvador, cuyo Preámbulo, cabe desta-
car, funda su esencia sobre el reconocimiento de la dignidad de la persona humana.29
La Corte interamericana ha utilizado el enfoque integrado difusamente, desde el
caso Baena Ricardo y otros v Panamá, en 2001, cuando ella consideró derechos de
carácter laboral en el marco de protección de la libertad de asociación, del derecho al
justo proceso y a la protección judicial, respectivamente, ex artículos 16, 8 y 25 de la
Convención.30
En la misma línea de razonamiento, sucesivamente, derechos culturales y socia-
les de comunidades indígenas han sido tutelados a través de la protección del derecho
de propiedad;31 o, como se verá extensivamente adelante, el derecho a la vida, confi-
gurado como “derecho a tener una vida digna”, ha sido interpretado como compren-
sivo del derecho a la salud, a una alimentación adecuada o a la educación.

26 V., entre otros, M.Feria Tinta, Justiciability of Economic, Social and Cultural Rights in the Inter-American
System of Protection of Human Rights: Beyond Traditional Paradigms and Notions, en Human Rights
Quarterly, 29, 2007, p.443 ss. Tambien la Corte Europea de Derechos Humanos ha hecho uso de este enfo-
que, considerándolo una aplicación del principio de la interpretación evolutiva y sistemática de las normas
de la Convención; v., entre otros, M. Scheinin, Economic, Social and Cultural Rights as Legal Rights, en
A.Eide et al. (eds.), Economic, Social and Cultural Rights cit, p. 34 ss. y C. Warbrick, Economic and Social
Interests and the European Convention on Human Rights, en M.A. Baderin and R. McCorquodale (eds.),
Economic, Social and Cultural Rights in Action, Oxford, Oxford University Press, 2007, pp. 241-252.
27 Sobre este principio, v. J. Benvenuto Lima Jr., The Expanding Nature of Human Rights and the Affirmation
of their Indivisibility and Enforceability, en B. Klein Goldewijk et al. (eds.), Dignity and Human Rights:
the Implementation of Economic, Social and Cultural Rights cit., p.45 ss; A.A. Cançado Trindade,
L’interdépendance de tous les droits de l’homme et leur mise en oeuvre: obstacles et enjeux, Revue inter-
nationale des sciences sociales, 158, 1998, pp. 571-582.
28 La referencia es al artículo 1.5 de la Declaración y Programa de Acción de Viena. La primera etapa de esta
evolución, como es notorio, fue marcada en la Conferencia de Teherán, de 22 de abril a 13 de mayo de 1968.
29 El principio en examen había ya sido afirmado por la Corte Interamericana, en su Informe Anual de 1986,
v. CIDH, Informe Anual de la Corte Interamericana de Derechos Humanos 1986, OEA/Ser.L/III.15.Doc.13
(1986), pp. 42-43.
30 Caso Baena Ricardo y otros vs. Panamá. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 2 de febrero de 2001.
Serie C No. 72; v. también, Caso Acevedo Jaramillo y otros vs. Perú. Excepciones Preliminares, Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentencia de 7 de febrero de 2006. Serie C No. 144.
31 El primer caso de esta serie es el Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua. Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentencia de 31 de agosto de 2001. Serie C No. 79; v., sobre el tema, J. M.
Pasqualucci, The Evolution of the International Indigenous Rights in the Inter-American Human Rights
System, en Human Rights Law Review, 2, 2006, pp. 295-306.

363
Enzamaria Tramontana

IV. La protección jurídica de la vida en el sistema interamericano

La segunda de las cuestiones preliminares a que hemos hecho alusión es referen-


te a la protección del derecho a la vida en el marco normativo interamericano.
El artículo 4 de la CADH, coherentemente con el enfoque tradicional en la
materia, establece el derecho a la vida como la negación de la privación arbitraria de
esta, o sea, básicamente, como una obligación de no hacer en cabeza del Estado.32
Desde el albor del ejercicio de su competencia contenciosa, sin embargo, la Corte
interamericana, acorde con el enfoque a nivel internacional,33 ha interpretado esta
disposición de manera extensiva, exigiendo de los Estados Partes la obligación positi-
va de tomar las medidas necesarias para prevenir las violaciones de este derecho.
Este enfoque se encuentra testimoniado ya en los casos de desaparición forzada
decididos por el Juez de San José a finales de los años ochenta. En la decisión del caso
Velásquez Rodríguez vs. Honduras, en 1988, la Corte hizo referencia a los artículos 1
y 2 de la Convención para derivar del articulo 4 el deber estatal, por un lado, de pre-
venir toda situación que pueda redundar en la violación del derecho a no ser privado
de la vida y, por el otro, de realizar una investigación oficial efectiva acerca de toda
situación en la que las violaciones hayan ocurrido.34
Esta línea ha sido, desde entonces, frecuentemente seguida por la Corte, también
en los casos de detenciones ilegales, tortura, ejecuciones extrajudiciales o masacres.35

32 El artículo 4.1 establece que “Toda persona tiene derecho a que se respete su vida. Este derecho esta-
rá protegido por la ley y, en general, a partir del momento de la concepción. Nadie puede ser privado
de la vida arbitrariamente”. El enfoque tradicional en materia se encuentra, en doctrina, en Y.
Dinstein, The Right to Life, Physical Integrity and Liberty, en L.Henkin (ed.), The International Bill
of Human Rights, New York, Columbia University, 1981, pp. 114-116; F.Przetacznik, The Right to Life
as a Basic Human Right, en Human Rights Journal, 9, 1976, pp. 585-609. Contra, F. Menghistu, The
Satisfaction of Survival Requirements, en B.G. Ramcharan (ed.), The Right to Life in International
Law, Dordrecht, Boston, M. Nijhoff, 1985, p. 6; B. G.Ramcharan, The Concept and Dimensions of the
Right to Life, ibidem, p.1.
33 Véase, por ejemplo, Comité de derechos humanos de la ONU, General Comment No. 06, 30 abril 1982, y,
también, S. Joseph y otros (eds.), The International Covenant on Civil and Political Rights, Oxford, 2005,
p. 184-185. El mismo enfoque había sido adoptado, ya en 1978, por la Comisión Europea de Derechos
Humanos, v. Decision sobre admisibilidad, Application no. 7154/75, de 12 de julio 1978, Decisions and
Reports 14, p. 31, y, también, F.G.Jacobs-R.White, The European Convention on Human Rights, Oxford,
Oxford University Press, 2006, pp.62-65. Acerca de la evolución del derecho a la vida en el marco jurídico
internacional, en general, v., entre otros, Bertrand Mathieu, The Right to Life in European Constitutional
and International Case-Law, Strasbourg, Council of Europe Publishing, 2006, p. 11 ss.
34 Caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras, Fondo. Sentencia de 29 de julio de 1988, Serie C No. 4, par.
188. En la misma línea de razonamiento, el mencionado General Comment n.06 del Comité de las
Naciones Unidas sobre derechos humanos, al par. 4. Lo mismo ha sido afirmado por la Corte Europea
de Derechos Humanos, por ejemplo, en McCann v United Kingdom, Series A, No.324, sentencia del 27
setiembre 1995, para.161.
35 V., por ejemplo, Caso de los Hermanos Gomez Paquiyauri vs Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia
de 8 de julio de 2004. Serie C No.110, paras. 129-33; Caso de la “Masacre Mapiripan” vs. Colombia. Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentencia de 15 de septiembre de 2005, Serie C No.134, paras 219-223.

364
Dignidad Humana y Protección de los Derechos Económicos Sociales y Culturales en la Jurisprudencia
de la Corte Interamericana de Derechos Humanos: el Nuevo Concepto del Derecho a una Vida Digna

Una ulterior etapa en la evolución del contenido del derecho a la vida en la juris-
prudencia de la Corte, sin embargo, se ha abierto a partir de la decisión del caso
Villagrán Morales y otros vs. Guatemala, en 1999.36
Juzgando este caso, de hecho, la Corte de San José ha inaugurado el enfoque
según lo cual el derecho a la vida se considera violado no solo en presencia de la
muerte física, sino también cuando no sean garantizadas condiciones dignas de vida.
Es un cambio de perspectiva profundo: el derecho a la vida, desde entonces, no
pertenece más, exclusivamente, a la categoría de los derechos civiles. Eso se sustan-
cia, también, de aquellos derechos económicos, sociales y culturales que componen
la noción básica de un nivel de vida compatible con la dignidad del ser humano.

V. La evolución del concepto de derecho a una vida digna en la


jurisprudencia de la Corte de San José: las orígenes en el caso
de los Niños de la Calle

La decisión del caso Villagrán Morales, denominado por la Corte —y, en su


momento, por los denunciantes y la Comisión- como el de los Niños de la Calle,
representa, por lo tanto, el comienzo de la elaboración del concepto del derecho a
una vida digna.
El Juez interamericano estaba llamado a pronunciarse sobre el secuestro, tor-
tura y muerte de cuatro menores y acerca del asesinato de otro niño en 1990, en
la Ciudad de Guatemala, por parte de miembros de las fuerzas de seguridad del
Estado. Estos hechos se inscribían en el dramático cuadro, extensivo a muchos
países latinoamericanos, de una práctica sistemática de amenazas, detenciones,
torturas y homicidios, cometidos como medio para contrarrestar la delincuencia y
vagancia juvenil.37
A pesar de que fuese evidente la responsabilidad de Guatemala en la muerte de
las víctimas, el Tribual, a la luz del carácter paradigmático del caso en examen, se ha
preocupado de precisar el contenido del derecho a la vida consagrado en el artículo 4
de la Convención.38
La Corte en primer lugar ha remarcado el carácter esencial de este derecho,
“cuyo goce es un prerrequisito para el disfrute de todos los demás derechos humanos”,

36 Caso de los “Niños de la Calle” (Villagran Morales y otros) vs. Guatemala. Fondo. Sentencia de 19 de
noviembre 1999. Serie C No.63.
37 Ibid., par.79. Comentario del caso v., M. Feria Tinta, The Landmark Rulings of the Inter-American Court
of Human Rights on the Rights of the Child, Leiden, M. Nijhoff Publishers, 2008, pp. 13-33; G. Citroni y
T. Scovazzi, “Vos vas a aparecer muerto como aparecieron tus amigos, los demas”, en L.Pineschi (ed.), La
tutela internazionale dei diritti umani. Norme, garanzie, prassi, Milano, Giuffrè Editore, 2006, pp. 616-635.
38 M. Scalabrino, I diritti economici nel sistema interamericano di protezione dei diritti dell’uomo: risultati e
prospettive, cit., p. 190; F. Costamagna, Corte interamericana e tutela dei diritti economici, sociali e cultu-
rali: il diritto ad una vida digna cit., p. 17.

365
Enzamaria Tramontana

y la inadmisibilidad de enfoques restrictivos del mismo. A la luz de esto, ha afirmado


posteriormente que “el derecho fundamental a la vida comprende...también el dere-
cho [de toda persona] a que no se le impida el acceso a las condiciones que le garan-
ticen una existencia digna”.39
Esta reconstrucción, como aclararon en su opinión concurrente los jueces
Cançado Trindade y Abreu Burrelli, se basa en la circunstancia que el desarrollo de
un “proyecto de vida”, o sea la realización psico-física integral de la persona, es “con-
sustancial del derecho a la existencia” y requiere condiciones de vida compatibles con
la dignidad humana.40
La Corte ha considerado como hechos comprobados las condiciones de miseria y
terror en la que vivían los niños de la calle en Ciudad de Guatemala y ha considera-
do que, en estas circunstancias, la muerte física de las víctimas había sido la culmina-
ción de la destrucción total del ser humano”, llegando cuando ellas ya habían sido pri-
vadas del derecho a la vida, o sea, de vivir dignamente.
De esto se ha derivado una doble violación del artículo 4 de la Convención por
parte del Estado de Guatemala: por serle imputables los homicidios perpetrados por
sus agentes y por no haber adoptado las medidas necesarias para asegurar a las vícti-
mas condiciones dignas de vida.
La nueva noción de derecho a una vida digna, en el caso en examen, se encuen-
tra definida también con referencia al artículo 19 de la Convención, relativo al dere-
cho de todo niño a ser destinatario de las medidas especiales de protección que por su
condición requiere.41
La Corte ha precisado los alcances de las “medidas de protección” a que alude
este artículo a la luz de los instrumentos internacionales en materia42 y, en consi-
deración de estos, ha juzgado Guatemala responsable de su violación, por haber
atentado contra la integridad física y psicológica de las víctimas y por no haber evi-
tado que ellas viviesen en la miseria, privadas de la posibilidad de desarrollar plena-
mente su personalidad.43 Todo esto, “a pesar de que todo niño tiene derecho a alen-

39 Caso de los “Niños de la Calle”, cit., para. 144.


40 Caso de los “Niños de la Calle”, cit., Voto concurrente conjunto de los jueces A.A. Cançado Trindade y A.
Abreu Burelli, para. 8. La noción de proyecto de vida había sido utilizada, por primera vez, en Caso Loayza
Tamayo vs. Perú. Reparaciones y Costas. Sentencia de 27 de noviembre de 1998. Serie C No. 42. Sobre el
punto, v. mas adelante, el parágrafo 7 del presente ensayo.
41 En argumento, v., entre otros, L. Burgorgue-Larsen, Les droits specifiques de certaines categories de per-
sonnes. Les droits de l’entant, en L. Burgorgue-Larsen, Ú. de Torres (eds.), Les grandes décisions de la Cour
interaméricaine des droits de l’homme, Bruxelles, Bruylant, 2008, p. 443-459. Sobre la utilización por la
Corte Europea de Derechos Humanos del principio de dignidad en ralacion a los derechos de los menores,
v. J. A. Frowein, Human Dignity in International Law, en D. Kretzmer and E.Klein (eds), The Concept of
Human Dignity cit., pp. 131-132.
42 El Tribunal hizo extensivamente referencia a la Convención de la ONU sobre Derechos del Niño, Caso de
los “Niños de la Calle”, cit., paras. 195-198.
43 Ibidem, para 196. Extensivamente sobre este punto, G. Citroni y T. Scovazzi, “Vos vas a aparecer muerto
como aparecieron tus amigos, los demás”, cit., p. 627 ss.

366
Dignidad Humana y Protección de los Derechos Económicos Sociales y Culturales en la Jurisprudencia
de la Corte Interamericana de Derechos Humanos: el Nuevo Concepto del Derecho a una Vida Digna

tar un proyecto de vida que debe ser cuidado y fomentado por los poderes públicos
para que se desarrolle en su beneficio y en el de la sociedad a la que pertenece”.44

VI. La obligación estatal de garantizar condiciones dignas de vida a


reclusos y personas bajo su tutela

Desde el caso de los Niños de la Calle, en la jurisprudencia de la Corte el concep-


to del derecho a una vida digna se ha venido especificando su alcance de protección.
En particular, la noción de vida digna ha sido utilizada para la protección de los
derechos de algunos grupos más débiles: junto a los menores, los reclusos, las perso-
nas internadas en estructuras estatales y las comunidades indígenas.
Empezando con las personas detenidas, hay que observar, en primer lugar, que
el Juez interamericano ha siempre manifestado particular atención acerca de ellas. A
partir de la decisión del caso Neira Alegría y otros, en 1995, en efecto, la Corte ha
enfatizado frecuentemente que “toda persona privada de libertad tiene derecho a vivir
en condiciones de detención compatibles con su dignidad personal”.45
En la misma línea de razonamiento, en la notoria decisión del caso “Instituto
de Reeducación del Menor” Vs. Paraguay, más conocido como Panchito López, la
Corte ha precisado que “frente a las personas privadas de libertad, el Estado se
encuentra en una posición especial de garante”. No pudiendo los reclusos satisfa-
cer por cuenta propia sus necesidades básicas, en efecto, el Estado “debe asumir una
serie de responsabilidades particulares y tomar diversas iniciativas especiales para
garantizar [les]... las condiciones necesarias para desarrollar una vida digna y con-
tribuir al goce efectivo de aquellos derechos que bajo ninguna circunstancia pue-
den restringirse”. La privación de libertad, de hecho, no despoja a la persona de su
titularidad respecto de todos los derechos humanos y no la priva del derecho a
desarrollar su proyecto de vida.46
El caso examinado concernía el centro de detención juvenil Panchito López en
Asunción, en el cual, según lo comprobado, los menores vivían en condiciones inhu-
manas: mal alimentados y sin ningún tipo de atención médica o psicológica, en una

44 Caso de los “Niños de la Calle” cit., para 191. V. también Caso de los Hermanos Gómez Paquiyauri Vs. Perú
cit., paras. 162-163 y Caso de la Masacre de Mapiripán Vs. Colombia cit., paras. 159-162.
45 Caso Neira Alegría y otros Vs. Perú. Excepciones Preliminares. Sentencia de 11 de diciembre de 1991. Serie
C No. 13, para. 60; v. también, Caso Durand y Ugarte Vs. Perú. Reparaciones y Costas. Sentencia de 3 de
diciembre de 2001. Serie C No. 89, para. 78. En la misma línea de razonamiento, v. Comité de las Naciones
Unidas sobre Derechos Humanos, Dermit Barbato v Uruguay (84/81), paras 9.2.-10-11 y Latsov v Russian
Federation (763/97), para 9.2, comentados en S. Joseph et al. (eds.), The International Covenant on Civil
and Political Rights: Cases, Materials and Commentary, 2005, Oxford, Oxford University Press, pp. 181-
184. Sobre la jurisprudencia de la Corte Europea de Derechos Humanos en argumento, v. J. A. Frowein,
Human Dignity in International Law, cit., pp. 128-129.
46 Caso “Instituto de Reeducación del Menor” vs. Paraguay. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones
y Costas. Sentencia de 2 de septiembre de 2004. Serie C No. 112, para. 164.

367
Enzamaria Tramontana

situación de hacinamiento permanente, sin adecuadas oportunidades de participar en


programas de educación o realizar actividades recreativas y constantemente someti-
dos a golpes y graves torturas.
De estos hechos se ha derivado la responsabilidad de Paraguay por la violación
de los derechos a la vida y a la integridad personal de los internos del Instituto.
Asimismo, al ser estos menores, la Corte ha afirmado que el Estado tenia, “además de
las obligaciones señaladas para toda persona, una obligación adicional establecida en
el artículo 19 de la Convención americana”.47
En este sentido, una especial importancia tiene, según la Corte, el deber estatal
de supervisar la implementación de programas de educación en los centros de deten-
ción juvenil. Una educación adecuada, de hecho, permite el desarrollo armonioso de
los niños, definido “de una manera amplia, holística, que abarca lo físico, mental, espi-
ritual, moral, psicológico y social”.48
Las mismas consideraciones ha hecho la Corte al respecto de niños excep-
cionalmente separados de sus familias y puestos bajo a la tutela del Estado. En la
opinión consultiva acerca de la Condición Jurídica y Derechos Humanos del
Niño, la Corte de San José ha afirmado la obligación estatal de garantizar a estos
jóvenes condiciones de vida digna, tutelando, en particular su derecho a la salud
y a la educación. Esta, ha reiterado la Corte, “favorece la posibilidad de gozar de
una vida digna y contribuye a prevenir situaciones desfavorables para el menor
y la propia sociedad”.49
En la misma discusión, la Corte ha utilizado la noción de dignidad para definir
los deberes del Estado acerca del trato de personas enfermas que se encuentren en
estructuras públicas, igualmente incapaces de satisfacer por cuenta propia sus nece-
sidades básicas.
Particularmente interesante es, en este sentido, el caso Ximenes Lopes vs.
Brazil, concerniente al tema de la discapacidad mental. El Juez interamericano, ha
tenido en este caso la oportunidad de precisar, en primer lugar, que todo tratamien-
to de salud dirigido a personas con esta forma de discapacidad “debe tener como
finalidad principal el bienestar del paciente y el respeto a su dignidad como ser
humano”; en segundo lugar, el deber estatal de garantizar cuidados mínimos y con-
diciones de internación dignas.50

47 Ibidem, para. 160.


48 Ibidem, para. 161. En argumento, F. Costamagna, Corte interamericana e tutela dei diritti economici, socia-
li e culturali, cit., pp.19-20.
49 Condición Jurídica y Derechos Humanos del Niño. Opinión Consultiva OC-17/02 del 28 de agosto de 2002.
Serie A No. 17, paras. 80-86.
50 Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil. Excepción Preliminar. Sentencia de 30 de noviembre de 2005. Serie C No.
139, par. 124-150.

368
Dignidad Humana y Protección de los Derechos Económicos Sociales y Culturales en la Jurisprudencia
de la Corte Interamericana de Derechos Humanos: el Nuevo Concepto del Derecho a una Vida Digna

VII. Vida digna y comunidades indígenas: la protección del derecho


a las tierras ancestrales en el marco de la interpretación
extensiva del derecho a la vida

Una etapa relevante en la especificación de la noción del derecho a la vida digna


ha sido, asimismo, marcada por la Corte en la decisión de dos casos referentes a comu-
nidades indígenas.51
No es una casualidad que la Corte y la Comisión, desde el albor de su actividad,
a la luz de la situación de especial vulnerabilidad, hayan reconocido a estas colectivi-
dades.52
En ambos casos en los que se hace referencia conciernen comunidades habitan-
tes del Chaco paraguayo, los Yakye Axa y los Sawhoyamaxa, víctimas, desde fin del
siglo XIX, de la progresiva colonización de sus tierras ancestrales por parte de pode-
rosos latifundistas e inversores extranjeros.
El origen de las controversias se circunscribe dentro del proceso emprendido por
estas comunidades para obtener la restitución y titulación de sus tierras tradicionales.
En base a la denuncia presentada por la Comisión, la Corte estaba llamada a pronun-
ciarse, básicamente, sobre la falta de protección efectiva por parte del Estado paragua-
yo, sobre los derechos territoriales de las mencionadas comunidades y acerca de las
consecuencias de esta conducta sobre el bienestar de las mismas.
Lo relevante en nuestro análisis es que frente a las pruebas presentadas por las
partes, la Corte, en ambos casos, ha considerado como hechos comprobados, por un
lado, las dramáticas condiciones alimentarias, higiénicas y médicas en las cuales los
miembros de las comunidades habían sido obligados a vivir durante la tramitación de
los procesos administrativos para obtener la titulación de sus tierras ancestrales; y por
el otro, la circunstancia que el Gobierno de Asunción conociese de estas situaciones
de emergencia.
Consecuentemente, el Juez de San José ha declarado al Estado de Paraguay res-
ponsable por la violación del artículo 4 de la Convención americana; esto, en primer
lugar, por no haber garantizado a los miembros de las comunidades interesadas la
efectiva realización de su derecho de propiedad sobre sus tierras, privándolos, por lo
tanto, de la posibilidad de acceder a los medios de subsistencias tradicionales;53 en

51 Caso Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 17 de junio
2005. Serie C No. 125; Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y
Costas. Sentencia de 29 de marzo 2006, Serie C No. 146.
52 De aquí la significativa atención que, estos órganos han constantemente dedicado al tema, dando vida al
mas avanzado de los sistemas regionales de protección de los derechos indígenas y contribuyendo al pro-
gresivo desarrollo de los estándares internacionales en materia.
53 La relación entre derecho a la vida y tierras ancestrales ha sido subrayada también por la Comisión Africana
de Derechos Humanos, v. Social and Economic Rights Action Centre and the Centre for Economic and
Social Rights vs Nigeria, Communication No 155/1996, 27 de mayo de 2002, para. 67.

369
Enzamaria Tramontana

segundo lugar, por no haber tampoco asegurado a estas comunidades, durante el


periodo en que permanecieron sin territorio, condiciones de vida compatibles con su
dignidad.
En particular, en la decisión del caso Yakye Axa, la Corte ha significativamente
especificado el contenido del concepto del derecho a una existencia digna, afirmando
que “las afectaciones especiales del derecho a la salud, e íntimamente vinculadas con
él, las del derecho a la alimentación y el acceso al agua potable impactan de manera
aguda el derecho a una existencia digna”.54
Dando lectura, también, del Convenio No.169 de la OIT, la Corte ha resaltado
que “la estrecha relación que los indígenas mantienen con la tierra debe ser recono-
cida .. como la base fundamental de su cultura, vida espiritual, integridad, superviven-
cia económica y su preservación y transmisión a las generaciones futuras”.55 Por lo
tanto, también aspectos de los derechos culturales han sido considerados como ínti-
mamente conexos al derecho de acceso a las tierras ancestrales y, a través de esto, con-
cebidos en el marco de aplicación del artículo 4 de la Convención.56
Otro elemento de interés, a nuestros fines, es que la Corte ha acentuado la gra-
vedad de la situación en relación a los niños y los ancianos de la Comunidad Yakye
Axa. En consideración a las obligaciones especiales que el Estado tiene en materia de
derecho a la vida de los niños, en particular, Paraguay tenía la obligación, inter alia,
de proveerles de las condiciones básicas para asegurar que la situación de vulnerabili-
dad en que se encuentra su Comunidad por la falta de territorio no limitara su desa-
rrollo o destruyese sus proyectos de vida.57
En la decisión del caso Sawhoyamaxa, la Corte interamericana ha ido aun más
allá, aclarando los presupuestos en los cuales surge la responsabilidad estatal por vio-
lación del artículo 4 de la Convención americana, en su concepción amplia como
fuente del derecho a una vida digna.
En particular, según la Corte, se trata de establecer sí, al momento de los hechos,
las autoridades sabían, o debían saber, la existencia de una situación de riesgo real e
inmediato para la vida de determinados individuos, y sí a pesar de esto, no tomaron
“las medidas necesarias que, juzgadas razonablemente, podían esperarse para prevenir
o evitar ese riesgo”.58

54 Caso Comunidad Indígena Yakye Axa cit., para. 168. Un comentario a la sentencia, v., entre otros, E.Salazar
Ortuño, Caso Comunidad Indígena “Yakye Axa” vs. Paraguay: los derechos colectivos a la vida y la identi-
dad étnica vs. Derecho a la propiedad privada: ¿una suerte de función ancestral de la propiedad privada?,
www.idea.org.py/rda/html/COMENTARIO.doc.
55 Caso Comunidad Indígena Yakye Axa cit., paras. 130-131.
56 Sobre el punto, v., también, la opinión crítica de F.Costamagna, según lo cual la decisión en examen, y asimis-
mo la decisión del Caso Sawoyamaxa, no parecen acabar todas la potencialidades del concepto del derecho a la
vida, omitiendo de configurarlo como elemento constitutivo el derecho de los pueblos indígenas a la propia
identidad cultural, en Corte interamericana e tutela dei diritti economici, sociali e culturali, cit., p. 22 y 27.
57 Caso Comunidad Indígena Yakye Axa cit., para 172. Sobre el punto, M. Feria Tinta, The Landmark Rulings
of the Inter-American Court of Human Rights on the Rights of the Child, cit., p. 284 ss.
58 Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa cit., para. 155. El cursivo no es original.

370
Dignidad Humana y Protección de los Derechos Económicos Sociales y Culturales en la Jurisprudencia
de la Corte Interamericana de Derechos Humanos: el Nuevo Concepto del Derecho a una Vida Digna

Por lo tanto, es en el test de racionabilidad que la Corte encuentra el medio para


evaluar si la conducta estatal constituye una violación a la Convención. En ese senti-
do la Corte ha afirmado, “un Estado no puede ser responsable por cualquier situación
de riesgo al derecho a la vida”, al fin de no imponerle “una carga imposible o despro-
porcionada”.59
El otro perfil novedoso de la decisión en examen es que el Juez de San José ha
hecho responsable al Estado paraguayo por la muerte de 19 miembros del pueblo
Sawhoyamaxa, considerando estos decesos como la consecuencia directa de la insufi-
ciencia de las medidas adoptadas por el gobierno por hacer frente a las dramáticas
condiciones de vida de la comunidad.
Esta afirmación significa un cambio de tendencia de la Corte. De hecho, en el
anterior caso Yakye Axa, a pesar de que fuese en presencia de los mismos presupues-
tos de hecho, había afirmado que las pruebas alegadas por las víctimas eran insuficien-
tes para demostrar la responsabilidad del Estado por la muerte de algunos de los
miembros del grupo; en particular, la Corte había concluido que no existía una cone-
xión casual adecuada entre estas muertes y la negligencia del Estado en la adopción
de medidas necesarias en favor de la comunidad. En la decisión Sawoyamaxa, en cam-
bio, la Corte ha afirmado que toca al Estado, una vez que haya sido comprobada una
situación de peligro para el derecho a la vida de determinados individuos, demostrar
de haber adoptado todas las medidas necesarias para su protección.
Como han subrayado los jueces García Ramírez y Cançado Trindade en este aspec-
to, la decisión del caso Sawhoyamaxa ha ofrecido a la Corte la oportunidad de corregir
la interpretación restrictiva aplicada en el caso Yakye Axa y afirmar, en conformidad
con su jurisprudencia en esta materia, la mas amplia tutela del derecho a la vida.60

VIII. La indemnización del daño al proyecto de vida como garantía


de la autorrealización plena de la persona

Hemos visto a lo largo del análisis efectuado, la obligación estatal de garantizar


el derecho a una vida digna tiene el objetivo de asegurar a los titulares de este dere-
cho el desarrollo y fortalecimiento de un proyecto de vida. Resulta, por lo tanto, inte-
resante, por último, ver brevemente como la Corte ha utilizado esta última noción
también en sus sentencias de reparación, al fin de garantizar la protección jurídica de
la vida.
Según lo afirmado por primera vez en la decisión del caso Loayza Tamayo vs.
Perù, la frustración del proyecto de vida implica un perjudico diferente al contempla-

59 Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa cit., para.176. El test es ampliamente utilizado en materia de
DESC, por ejemplo, por el Comité de los Derechos Económicos, Sociales y Culturales de la ONU; sobre el
tema, F. Costamagna, op. cit., pp. 24-26.
60 Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa cit., Voto Razonado del Juez Sergio García Ramírez, paras. 17-23;
Voto Razonado del Juez Cançado Trindade, paras. 67-74.

371
Enzamaria Tramontana

do por el “daño emergente” y el “lucro cesante”, que corresponden a la afectación


patrimonial derivada directamente de los hechos. El proyecto de vida, de hecho,
“atiende a la realización integral de la persona, considerando su vocación, aptitudes,
circunstancias, potencialidades y aspiraciones, que le permiten fijarse razonablemen-
te determinadas expectativas y acceder a ellas”. Al condenar una persona a condicio-
nes que frustren la posibilidad de esta realización integral, el Estado tiene, según el
Juez interamericano, la obligación de compensarla de manera adecuada.61
La decisión del caso de los Niños de la calle es emblemática del enfoque de la
Corte.
En la sentencia de reparación, de hecho, la Corte ha considerado la destrucción
del proyecto de vida como una de las distintas facetas del daño moral sufrido por las
victimas. Al efectuar la estimación de este último en términos económicos, la Corte
ha tenido en consideración la destrucción de “las condiciones generales adversas de
abandono padecidas por los cinco jóvenes en las calles, quienes quedaron en situación
de alto riesgo y sin amparo alguno en cuanto a su futuro”.62 Además, junto a una
indemnización pecuniaria, la Corte ha establecido la obligación del Estado de inves-
tigar los hechos que generaron las violaciones, de adoptar las medidas necesarias para
trasladar los restos mortales de las victimas y de designar un centro educativo con un
nombre alusivo a estas. Todo esto, a fin de contribuir “a despertar la conciencia para
evitar la repetición de hechos lesivos como los ocurridos”, recuperar la memoria de
las víctimas y, no por último, restablecer su dignidad.63

IX. Conclusiones

El derecho a una vida digna es, en primer lugar, fruto de la aplicación del prin-
cipio de la interpretación dinámica o evolutiva de las normas de protección de los
derechos humanos. Este, que permite extender la protección a situaciones nuevas en

61 Caso Loyaza Tamayo cit., paras. 144-154. En el caso en examen, sin embargo, la Corte no traduce este daño
en términos económicos. Es en el Caso Cantoral Benavides que se asistió, por primera vez, a una indemni-
zación referente al daño al proyecto de vida, v. Caso Cantoral Benivades v Perù, Reparaciones, Serie C No.
88, de 3 de diciembre de 2001, para.54. Cabe precisar que la Corte ha enfatizado constantemente que no
todas las lesiones al proyecto de vida merecen de ser indemnizadas, sino solo las que configuren una lesión
grave con amplia trascendencia. En argumento, vease, entre otros, C. Sessarego, El daño al proyecto de vida
en una reciente sentencia de la Corte Interamericana de derechos humanos, en Themis, 1995, p. 453 ss; S.
García Ramírez, Las reparaciones en el sistema interamericano de derechos humanos, en Anuario iberoa-
mericano de justicia constitucional, 3, 1999, pp. 342-343.
62 Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala. Reparaciones y Costas. Sentencia
de 26 de mayo de 2001. Serie C No. 77, para. 90.
63 Ibidem, paras. 101-103. Una respuesta adecuada, la de la Corte, a la miope postura del representante del
Gobierno paraguayano, que había afirmado que “en cuanto al proyecto de vida, la precaria situación de las
víctimas hace altamente previsible que no tuvieran un proyecto de vida por consumar y solicita que la Corte
desestime la petición planteada por la Comisión de establecer por separado reparaciones económicas por
este concepto”, Ibidem, para. 87 c); sobre el tema v. G. Citroni y T. Scovazzi, “Vos vas a aparecer muerto
como aparecieron tus amigos, los demas” cit., p. 630 ss.

372
Dignidad Humana y Protección de los Derechos Económicos Sociales y Culturales en la Jurisprudencia
de la Corte Interamericana de Derechos Humanos: el Nuevo Concepto del Derecho a una Vida Digna

base a derechos pre-existentes, se funda, según lo declarado por la Corte, en la cir-


cunstancia de que los tratados de derechos humanos son “instrumentos vivos, cuya
interpretación tiene que acompañar la evolución de los tiempos y las condiciones de
vida actuales”.64 En esta línea de razonamiento, al interpretarse el derecho a la vida,
no puede no tenerse en cuenta, en opinión del Juez de San José, el deterioro de las
condiciones de vida de amplios segmentos de la población de los Estados Partes en la
Convención Americana.65
En segundo lugar, la concepción amplia del derecho a la vida es una manifesta-
ción emblemática del principio de la interpretación sistemática o de integración argu-
mentativa, por un lado, al considerar aspectos de los derechos económicos sociales y
culturales como elementos integrantes del derecho a la vida; por el otro, al darle una
lectura unitaria a los instrumentos internacionales de protección de los derechos
humanos, considerándoles un “corpus juris” formado por un conjunto dinámico de
documentos de contenido y efectos jurídicos variados.66
El criterio de la interpretación sistemática permite demostrar la importancia del
principio de indivisibilidad e interrelación de todos los derechos humanos y marca la
definitiva proclamación de los DESC en el marco del sistema interamericano, tradi-
cionalmente orientado, según parte de la Doctrina, a privilegiar la protección de los
derechos civiles y políticos.67
En tercer lugar, hay que observar que, yendo mas allá de las previsiones conte-
nidas en algunos instrumentos internacionales de tutela de los derechos del hombre,68
la Corte interamericana ha configurado el derecho a la vida digna como una garantía

64 El Derecho a la Información sobre la Asistencia Consular en el marco de las Garantías del Debido Proceso
Legal. Opinión Consultiva OC-16/99 de 1 de octubre de 1999. Serie A No. 16, para. 114. V., sobre el punto,
la análisis de A.A. Cançado Trindade, en La interpretación de tratados en el derecho internacional y la espe-
cificidad de los tratados de derechos humanos, en Z. Drnas de Clement (coord.), Estudios de derecho inter-
nacional en homenaje al profesor Ernesto J. Rey Caro, Cordoba, Lerner, 2002, p. 768 ss. En la misma línea,
la Corte Europea de derechos humanos afirmó, en la decisión del caso Tyrer vs Regno Unido, que la
Convención Europea “es un instrumento vivo que debe ser interpretado a la luz de las condiciones de vida
actuales”, sentencia del 25 de abril de 1978, serie A, n. 26, para. 31, comentada en v. R. Bernhardt, Evolutive
Treaty Interpretation, especially of the European Convention on Human Rights, German Yearbook of
International Law, 42, 1999, pp. 11-25.
65 Caso de los “Niños de la Calle”, Fondo, cit., Voto concurrente conjunto de los jueces A.A. Cançado Trindade
y A. Abreu Burelli, para.6.
66 Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados. Opinión Consultiva OC-18/03 de 17 de
Septiembre de 2003. Serie A No. 18, para. 120. Se hace referencia, por ejemplo, a la lectura conjunta de los
artículos 4 y 19 de la Convención, este ultimo interpretado a la luz de la Convención de la ONU sobre lo
Derechos del Niño (para.5 del presente ensayo); o, ancora, la utilización del Convenio No. 169 de la OIT en
los casos pertinentes a comunidades indígenas (v. para.7). Todo esto es pertinente con el enfoque constan-
temente reiterado por la Corte, según lo cual, “al dar interpretación a un tratado no sólo se toman en cuen-
ta los acuerdos e instrumentos formalmente relacionados con éste (inciso segundo del artículo 31 de la
Convención de Viena), sino también el sistema dentro del cual se inscribe (inciso tercero del artículo 31)”,
v. El Derecho a la Información sobre la Asistencia Consular cit., para. 113.
67 Entre otros, T. Melish, The Inter-American Court cit., p. 3.
68 Se hace referencia, entre otros, al artículo 25.1 de la Declaración Universal de los derechos del hombre y al
artículo 11 del Pacto Internacional sobre Derechos Civiles y Políticos, sobre los cuales se envía a la análisis

373
Enzamaria Tramontana

no de la mera subsistencia de la persona sino de su desarrollo completo, tanto físico


como psíquico. En particular, no sólo el derecho a la salud, a la alimentación, al agua
potable y a la vivienda, sino también el derecho a la educación o la identidad cultural
están entre los elementos que, a lo largo de la evolución jurisprudencial en la mate-
ria, definen su alcance conceptual.
Cabe ahora, resaltar que, si bien otros organismos internacionales, como el
Comité sobre los derechos económicos, sociales y culturales de la ONU, han afirma-
do el derecho de toda persona a tener una existencia digna,69 es la Corte de San José
el primer tribunal internacional a en considera los DESC justiciables en el marco del
derecho a la vida.70
En particular, la Corte ha afirmado no sólo el deber del Estado de no crear deli-
beradamente condiciones de vida incompatibles con la dignidad de las personas, sino
también su obligación de adoptar las medidas necesarias para crear condiciones en las
que el ser humano viva con total dignidad.
Desde el punto de vista procesal, significativa es también, por un lado, la indivi-
dualización del test de racionabilidad como medio para evaluar si la conducta estatal
constituye una violación del artículo 4 de la Convención; por el otro, la inclusión del
perjuicio derivado de la frustración del proyecto de vida en el concepto de daño repa-
rable, con el objetivo de garantizar una reparación adecuada a las víctimas de viola-
ciones graves del derecho a la vida digna.
El único límite de la elaboración de la Corte en la materia parecería ser, por lo
tanto, el alcance subjetivo del mencionado derecho. Come hemos observado, en efec-
to, la noción de vida digna ha sido utilizada, hasta ahora, sólo afin de la protección de
los derechos de algunos grupos más débiles: menores, reclusos, internados en estruc-
turas estatales y comunidades indígenas.
Esta elaboración, según el Juez interamericano, encontraría su razón a la luz de la
especial protección a la que tienen derecho los grupos más vulnerables de la población.71
Parecería evidente, sin embargo, que nada impida reconocer el derecho a la vida
digna a toda persona.72 El carácter especial pero no exclusivo de la garantía de este

en A. Eide, The Right to an Adequate Standard of Living including the Right to Food, en A. Eide et al.
(eds.), Economic, Social and Cultural Rights cit., pp. 133-134. También la Declaración Americana y el
Protocolo de San Salvador hacen referencia a condiciones dignas de vida (respectivamente, en los términos
de “digna subsistencia” y “vida decorosa” - artículos 12 y 23 de la Declaración - y “vida digna y decorosa” -
artículos 6 y 9 - o “subsistencia digna y decorosa” - artículo 7 del Protocolo).
69 Comité sobre los derechos económicos, sociales y culturales de la ONU, General Comment no. 16 (Rev.1),
1991, para. 1.
70 El mismo enfoque ha sido frecuentemente utilizado por corte supremas nacionales, como la Corte Suprema
de la india, la Corte Costitucional úngara y la Corte Constitucional Surafricana; v., extensivamente, C.
McCrudden, Human Dignity and Judicial Interpretation of Human Rights, cit., pp. 693-694.
71 Caso Ximenes-Lopes Vs Brazil, cit. para.103. Sobre el tema, v. J.M. Pasqualucci, The rights to a Dignified
Life (Vida Digna) cit., pp. 17-22.
72 Ibidem.

374
Dignidad Humana y Protección de los Derechos Económicos Sociales y Culturales en la Jurisprudencia
de la Corte Interamericana de Derechos Humanos: el Nuevo Concepto del Derecho a una Vida Digna

derecho en favor de las personas mas débiles parece emerger, de hecho, de lo afirma-
do por la Corte en el caso Yakye Axa, o sea que “una de las obligaciones que ineludi-
blemente debe asumir el Estado en su posición de garante...es la de generar las condi-
ciones de vida mínimas compatibles con la dignidad de la persona humana...en espe-
cial cuando se trata de personas en situación de vulnerabilidad y riesgo, cuya atención
se vuelve prioritaria”.73
Finalmente, el análisis efectuado nos parece haber demostrado el asunto inicial de
este ensayo, o sea que la noción de dignidad humana es el eje de la ampliación jurispru-
dencial del derecho a la vida. Por lo tanto, cabe responder ahora, a la luz de los resulta-
dos alcanzados, a las preguntas puestas en el párrafo introductivo acerca de la concep-
ción y del rol que esta noción desarrolla en el marco del sistema interamericano.
La Corte de San José ha constantemente afirmado la estrecha vinculación entre
dignificación de la persona y reconocimiento de los derechos a esta inherentes, empe-
zando por la decisión Velásquez Rodríguez, cuando afirmó que “los derechos huma-
nos son atributos inherentes a la dignidad humana”.74
Este enfoque es coherente con el marco normativo interamericano. Los preámbu-
los de la Declaración americana y de otros instrumentos de carácter específico que for-
man parte del sistema, de hecho, hacen una genérica alusión a la dignidad del ser
humano. La formulación de estas normas, además de la mencionada colocación, indi-
ca absolutamente que la dignidad es entendida como un atributo esencial de la perso-
na y el eje de los derechos innatos de ésta. Lo demuestra, por otro lado, también la cir-
cunstancia que este concepto sea utilizado, asimismo, para explicar el contenido de
algunas garantías particulares, como el derecho a la integridad personal, la prohibición
de la esclavitud, el derecho a la educación, al trabajo o a una justa remuneración.75
En la misma línea, de las decisiones analizadas en las páginas anteriores parece
emerger la configuración de la dignidad no como un derecho humano entre los
demás, sino como un principio inspirador en el sistema de tutela de estos derechos.
Nos parece que esto sea demostrado por la utilización del concepto de dignidad huma-
na como un instrumento para la interpretación de estos últimos, con el fin de ampli-
ar su contenido en el marco de un catálogo abierto de garantías fundamentales para la
protección del ser humano.
El uso que la Corte hace de esta noción, merece la pena añadir finalmente, es
conforme a lo que, según parte de la doctrina, sería el contenido mínimo común del

73 Caso Yakye Axa cit., para. 162.


74 Caso Velásquez Rodríguez, cit., para. 135.
75 La Declaración Americana contiene referencia a la dignidad humana en el Preámbulo y en los artículos 12
(derecho a la educación), 14 (derecho al trabajo y a una justa retribución) y 23 (derecho a la propiedad). La
Convención Americana hace mención del concepto de “dignidad inherente al ser humano” en los artículos
5 (Derecho a la Integridad Personal), 6 (Prohibición de la Esclavitud y Servidumbre), 11 (Protección de la
Honra y de la Dignidad). Hay que mencionar que también la Carta de la Organización de los Estados
Americanos se refiere, en su capitulo VII, a la importancia de la dignidad cual fundamento de la legislación
en materia social.

375
Enzamaria Tramontana

concepto de dignidad humana empleado en el plano de la protección de los derechos


del hombres, a nivel tanto internacional como nacional, o sea la prohibición de ins-
trumentalización de la persona humana;76 y es coherente, además, con la configura-
ción del principio de dignidad como principio inspirador en el marco del derecho
internacional de protección de los derechos del hombre y del derecho humanitario,
que se ha recientemente afirmado en la praxis internacional.77
En el marco jurídico suramericano, ámbito de interés de la presente obra colec-
tiva, entre las pruebas de la existencia de esta concepción común de la dignidad
humana, parece tener relieve propio la difusión del concepto del derecho a condicio-
nes de vida dignas.
Este derecho, en efecto, se encuentra reconocido, de manera uniforme en las
decisiones del Juez de San José, también en la jurisprudencia de varios tribunales
constitucionales nacionales, como el de Colombia,78 el de Perú,79 el de Argentina80 o
el de Bolivia.81
El primero, por ejemplo, ha insistentemente afirmado que “..el concepto de dig-
nidad humana no constituye hoy... un recurso literario u oratorio, ni un adorno para
la exposición jurídica, sino un principio constitucional, elevado al nivel de fundamen-
to del Estado y base del ordenamiento”. Este concepto se traduce en la idea, que “...el
derecho a la vida debe mirarse en sentido amplio, entendida la connotación de exis-
tencia en condiciones dignas, es decir atendiendo el conjunto de circunstancias míni-
mas inherentes al individuo que le permitan vivir con dignidad”.82

76 Entre las utilizaciones de esta formulacion, hay que señalar la del Bundesverfassungsgericht (v., por ejem-
plo, la decisión del 15 de febrero de 2006, 1 BvR 357/05, en tema de abatimiento de aviones civiles secues-
trados por terroristas, Neue Juristische Wochenschrift, 2006, p. 751).
77 Esta configuración del principio de dignidad se encuentra afirmada por el Tribunal Penal Internacional para
la ex Yugoslavia (TPIY) en la decisión del caso Furundzija del 10 de diciembre de 1998. El Tribunal ha espe-
cificado que: “The general principle of respect for human dignity is the basic underpinning and indeed the
very raison d’être of international humanitarian law and human rights law; indeed in modern times it has
become of such paramount importance as to permeate the whole body of international law” (at para. 183).
78 Entre otras, Sentencia T-926/99 (18 noviembre de 1999) acerca del alcance del derecho a la vida digna;
Sentencia T-593/03 (17 junio de 2003), sobre el derecho a la vida digna del menor; T-928/03 (7 febrero de
2003) sobre el derecho a la vida digna de persona de tercera edad; T-092/03 (7 febrero de 2003), acerca del
derecho a la vida digna de persona invalida; T-626/04 (1 julio de 2004), acerca del derecho a la vida digna
del trabajador. Sentencias retiradas de la pagina web: http://www.corteconstitucional.gov.co/.
79 V, por ejemplo, Maria Cristina García Seminario de Canepa, EXP. N. 01384-2008 (8 agosto de 2008); Sixto
Guillermo Ludena Luque, EXP.N.3072-2006 (27 febrero de 2008). Sentencias retiradas de la página web:
http://www.tc.gob.pe/.
80 V., Sánchez, María del Carmen c/ ANSeS s/reajustes varios, S. 2758. XXXVIII, (17 mayo de 2005); R. A., D.
c/ Estado Nacional, R. 350. XLI (4 setiembre de 2007). Sentencias retiradas de la página web:
http://www.csjn.gov.ar/.
81 V., entre otras, las decisiones N. 0045/2007 (2 octubre de 2007), N. 0018/2007 (9 mayo de 2007), N.
0349/2007 (2 mayo 2007). Sentencias retiradas de la página web: http://www.tribunalconstitucio-
nal.gov.bo/.
82 Sentencia T-926/99 cit., paras. 3-4.

376
Dignidad Humana y Protección de los Derechos Económicos Sociales y Culturales en la Jurisprudencia
de la Corte Interamericana de Derechos Humanos: el Nuevo Concepto del Derecho a una Vida Digna

Esta referencia, más genérica es a la idea de dignidad humana y asimismo más


difundida tanto en las cartas constitucionales como en las decisiones de muchos tri-
bunales supremos.83
Ahora bien, junto a los estándares supranacionales fijados por la Corte interame-
ricana en la materia, esta praxis nos parece soportar la configuración de la dignidad
humana –especialmente considerada en el marco del derecho a condiciones dignas de
vida- como un elemento básico en el espacio de integración jurídica suramericana.

83 Como ejemplo, se puede considerar la jurisprudencia del Supremo Tribunal Federal de Brasil en materia de
derechos económicos y sociales, V. las decisiones en los casos RE 271286, RE 232335, AI 232469, RE-
236200, AI-236644, entre otros; en tema, v. F. Piovesan y R. Stanziola Vieira, Justiciabilidade dos direitos
sociais e economicos: desafios y perspectivas, Revista Iberoamericana de Filosofía, Política y Humanidades,
15, 2006, http://www.institucional.us.es/araucaria/nro15/monogr15_3.htm.

377
Los Derechos Sociales en Iberoamérica:
Estado de la Cuestión y Perspectivas de Futuro
Rodolfo Arango Rivadeneira1

Sumarioo: I. Introducción II. La situación actual de los derechos sociales III. La problemática de los derechos sociales
en América Latina IV. Estrategias para la realización de los derechos sociales V. Conclusiones

I. Introducción

En la última década los derechos sociales, a saber los derechos a la alimentación,


a la salud, a la educación, a la vivienda, al trabajo, a la seguridad social, han tenido un
creciente protagonismo en los países iberoamericanos,2 en la doctrina de tratadistas3
y organismos de derechos humanos,4 así como también, aunque en menor medida, en

1 Doctor en Filosofía del Derecho y Derecho Constitucional de la Universidad de Kiel Alemania. Master en
Filosofía de la Universidad Nacional de Colombia y abogado de la Universidad de los Andes. Ex Magistrado
Auxiliar de la Corte Constitucional; profesor asistente de la Facultad de Derecho, Ciencias Políticas y Sociales
de la Universidad Nacional de Colômbia. Profesor Asociado y Director de la Maestría en Filosofía de la
Universidad de los Andes, Bogotá. Agradezco especialmente al Max-Planck-Institut für Ausländisches
Öffentliches Recht und Völkerrecht de Heidelberg en cabeza de su director el Prof. Dr. Armin von Bogdandy
el apoyo para la elaboración de este escrito, así como a las editoras del libro Mariela Morales y Flavia Piovesan.
2 L. M. Diez-Picazo y M. C. Ponthoreau (eds.), The Constitutional Protection of Social Rights: Some
Comparative Remarks, Florence 1991; C. S. Nino, “On Social Rights”, en: A. Aarnio et al. (eds.),
Rechtsnorm und Rechtswirklichkeit, Berlin 1993, pp. 295-299; R. Arango, “Los derechos sociales funda-
mentales como derechos subjetivos”, en: Pensamiento Jurídico 8, Bogotá, 1997, pp. 63-72; J. J. Gomes
Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Comibra 1997; G. Peces-Barba, “Los derechos
económicos, sociales y culturales: su génesis y su concepto”, en: Revista Derechos y Libertades, Año III,
Num. 6, Madrid, 1998, pp. 15-34; G. Pisarello, “Los derechos sociales en el constitucionalismo moderno: por
una articulación compleja de la relaciones entre política y derecho”, en: M. Carbonell, J. A. Cruz Parcero y
R. Vazquez (comp.), Derechos sociales y derechos de las minorías, México, 2001, pp.113-138; C. R.
Sunstein, “Social and Economic Rights? Lessons from South Africa”, U. of Chicago Public Law Working
Paper No. 12, Chicago 2001; V. Abramovich y C. Courtis, Los derechos sociales como derechos exigibles,
Madrid, 2002; R. Arango, El concepto de derechos sociales fundamentales, Bogotá, 2005; C. Queiroz,
Direitos fundamentais sociais, Coimbra, 2006; C. Courtis, Ni un paso atrás. La prohibición de regresividad
en materia de derechos sociales, Buenos Aires, 2006; G. Escobar Roca, Protección de la Salud, Trama,
Madrid, 2006; G. Pisarello, Los derechos sociales y sus garantías. Elementos para una reconstrucción,
Madrid, 2007; L. E. Pérez, C. Rodríguez y R. Uprimny, Los derechos sociales en serio: hacia un diálogo entre
derechos y políticas públicas, Bogotá, 2007; A. M. Chacón Mata, Derechos económicos, sociales y cultura-
les. Indicadores y justiciabilidad, Bilbao, 2007; R. Alexy, Derechos sociales y ponderación, Madrid 2007; C.
Pereira De Souza Neto y D. Sarmiento (coords.), Direitos sociais, Río de Janeiro, 2008.
3 M. C. R. Craven, The international covenant on economic, social and cultural rights: a perspective on its
development, Oxford, 1995; C. Fabre, Social Rights under the Constitution. Government and the Decent
Life, Oxford 2000; A. Eide, C. Krause y A. Rosas (eds.), Economic, social and cultural rights: a textbook, 2ª
ed., Dordrecht, 2001; A. Chapman y S. Russell (eds.), Core obligations: building a framework for economic,
social and cultural rights, Mortsel, 2002.
4 Naciones Unidas. Consejo Económico y Social. El nuevo orden económico internacional y la promoción de
los derechos humanos. Los derechos económicos, sociales y culturales. Bogotá 1993; Oficina del Alto

379
Rodolfo Arango

la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derecho Humanos.5 Los derechos


sociales han adquirido importancia tanto en el discurso político como en la práctica
de los movimientos sociales hasta el punto de obtener un creciente reconocimiento
en los estratos judiciales.
En vista de estas transformaciones políticas y jurídicas, es posible afirmar que los
sistemas regional e internacional de protección de derechos humanos presentan un
avance perceptible pero insuficiente para la realización de los derechos sociales en
Iberoamérica. La insuficiente realización de los derechos sociales en la práctica puede
ser enfrentada, entre otras estrategias, con el establecimiento de los derechos sociales
a nivel nacional y su aseguramiento mediante un sistema de protección óptimo; con
la garantía adicional de los mismos a nivel regional e internacional; y con su apropia-
ción por parte de la población en la práctica política y jurídica. La anterior tesis será
sustentada a continuación en tres pasos: I. La situación actual de los derechos socia-
les. II. La problemática de los derechos sociales en Ibero América. III. Estrategias para
enfrentar los desafíos a su realización.
El interés teórico y práctico por los derechos sociales crece en forma directamen-
te proporcional al aumento de la desigualdad y de la pobreza en el mundo.6 El gran
reto político y teórico consiste en que estos derechos no se conviertan en una utopía
irrealizable más y en una nueva frustración para los excluidos de los beneficios del
progreso. Para evitarlo los avances doctrinarios son indispensables, siempre que se
acompañen de una movilización social activa, la cual puede ser promovida activamen-
te desde y por los organismos de defensa, protección, garantía y promoción de los
derechos humanos y fundamentales.

I. La situación actual de los derechos sociales

1. La actual depresión económica mundial, iniciada según algunos por la especu-


lación financiera con préstamos sin respaldo y, por otros, derivada de la sobreproduc-
ción industrial de las grandes potencias, evidencia una crisis del modelo librecambis-
ta y de mera acumulación de capital. Sea la avaricia especulativa de los grandes capi-
tales o la producción industrial a bajos precios en la competencia entre China, India
e Indonesia contra Occidente, lo cierto es que hoy en día el mundo es más pobre y los
pobres más pobres. Esta situación representa un tangible retroceso de los derechos
sociales, también en los países iberoamericanos.

Comisionado de las Naciones Unidas para los Derechos Humanos, Los derechos económicos, sociales y cul-
turales. Manual para las instituciones nacionales de derechos humanos, Nueva York y Ginebra, 2004.
5 Corte IDH, Caso Villagrán Morales y Otros (Caso de los “Niños de la Calle”), Sentencia del 19 de noviem-
bre de 1999 (Sec. C) No. 63.
6 T. Pogge, La pobreza en el mundo y los derechos humanos, Barcelona, 2005; B. Milanovic, La era de las
desigualdades, Madrid, 2006; A. Baderin y R. McCorquodale (eds.), Economic, social and cultural rights in
action, Oxford, 2007; E. S. Reinert, La globalización de la pobreza, Barcelona, 2007.

380
Los Derechos Sociales en Iberoamérica:
Estado de la Cuestión y Perspectivas de Futuro

1.1. Luego de décadas de avance del capitalismo transnacional la realidad es deso-


ladora. La privatización de los servicios públicos esenciales –acueducto y alcantarillado,
salud, telefonía y televisión, electricidad, aseo– denota un retroceso del Estado como
garante principal de la satisfacción de los derechos sociales para todos los miembros de
la población, no sólo para aquellos quienes pueden cancelar las crecientes tarifas de
dichos servicios. La alta participación de empresas transnacionales procedentes del
mundo industrializado es un signo claro del proceso de recolonización de los países de
Iberoamérica. Empresas españolas, como la Triple A, Sanitas o Telefónica, francesas
como Carrefour, a alemanas como Siemens, se apropian de la prestación de servicios
públicos y el suministro de bienes y servicios técnicos. Bien sabido es que las condicio-
nes tarifarias –así como los garantías de seguridad a la inversión que eliminan todo ries-
go a los operadores económicos– son impuestas por las multinacionales a los Estados
necesitados de inversión extranjera para la generación de empleo. En el caso de los ser-
vicios públicos esenciales tales tarifas garantizan el flujo de recursos económicos del Sur
al Norte, como también lo hace el sistema financiero internacional (Banco Mundial,
Banco Interamericano de Desarrollo), de forma que se asegure el buen nivel de vida de
la población de los países desarrollados, excluidos los inmigrantes.
1.2. No sólo la incapacidad económica o empresarial de los países de
Iberoamérica, sino también la competencia, cada vez más exigente y cerrada de las
grandes potencias, y la ideología del fin de los Estados de bienestar, explican el agra-
vamiento del acceso de la población pobre a los servicios sociales básicos. La mercan-
tilización del agua, de los alimentos básicos, de los servicios públicos esenciales de
aseo, acueducto, salud, comunicaciones, etc. pugna contra el principio constitucional
de universalidad de los derechos sociales, así como contra los compromisos interna-
cionales de los Estados miembros de la ONU y la OEA para la realización integral de
los derechos humanos.
1.2.1. El caso de la salud en Colombia es un buen ejemplo del retroceso en la pro-
tección de los derechos sociales.7 Pese a avances importantes en la primera década
luego de la reforma constitucional de 1991 que universalizó la garantía del derecho a
la salud, con un perceptible avance en el cubrimiento del servicio público de la salud,
lo cierto es que la privatización de la prestación del servicio público y el ánimo de
lucro que impera en las entidades prestadoras de la salud evidencian fallas significati-
vas del diseño institucional, bien sea en el diseño de la política pública como en su eje-
cución administrativa, en especial en materia de supervisión y control por parte de
agencias administrativas del Estado.8

7 Oscar Parra, El derecho a la salud en la Constitución, la jurisprudencia y los instrumentos internacionales,


Bogotá, 2002; J. Restrepo, “El seguro de salud en Colombia ¿Cobertura universal?”, en: Revista Gerencia y
Políticas de Salud, No. 2, Bogotá, 2002.
8 R. Arango, “El derecho a la salud en la jurisprudencia constitucional”, en: M. J. Cepeda y E. Montealegre
(eds.), Teoría constitucional y políticas públicas. Bases críticas para una discusión, Bogotá, 2007, pp. 87-163.

381
Rodolfo Arango

1.2.2 Una sentencia que diagnostica ampliamente las falencias de la prestación


del servicio público de la salud por particulares fue proferida por la Corte
Constitucional de Colombia. Se trata de la sentencia T-760 de 2008. En esta decisión
de control constitucional a la política pública en materia del derecho a la salud se ven
reflejadas todas las contradicciones en materia de garantía del derecho fundamental
en cabeza de todos los habitantes del país y el medio elegido por el constituyente
colombiano y el legislador para la realización de este derecho. En resumen, el ánimo
de lucro en la prestación, la ineficacia del control del Estado y la alta desprotección
de amplios sectores de la población debido a un inexistente o deficiente cubrimiento
del servicio, son factores que contribuyen a la violación sistemática y flagrante de los
derechos sociales.
1.3. El retroceso en la protección de los derechos sociales viene acompañado de
la reducción del tamaño del Estado como consecuencia de la ideología neoliberal y los
ajustes estructurales exigidos por organismos internacionales de crédito como el
Fondo Monetario y el Banco Mundial. Mientras que el Estado se desmonta de la pres-
tación de los servicios públicos básicos en los países emergentes, las reformas tampo-
co aciertan a dotar a las autoridades públicas de los instrumentos, procedimientos y
recursos adecuados para una vigilancia y control efectivos sobre las actividades de los
particulares en la materia.
1.4. La persistencia del neocolonialismo en el siglo XXI, de la mano de las multi-
nacionales, también se ve reflejada en la explotación minera y de recursos naturales con
destrucción de la selva amazónica y los páramos. En países de Latinoamérica son pan de
todos los días los megaproyectos de extracción minera (petróleo, carbón, zinc, níquel,
oro, aluminio, maderas preciosas, entre otros) con la aquiescencia de los gobiernos y la
presión del capital internacional que conducen al desplazamiento de comunidades abo-
rígenes o de campesinos, expulsados de sus tierras a manos de hábiles intermediarios.
Sólo la denuncia internacional por vía de Organizaciones No Gubernamentales o por la
movilización política de los indígenas o de las poblaciones tribales han permitido, en
ciertos casos, neutralizar el desenfreno del capital inversionista.
1.5 El aumento de la brecha entre ricos y pobres, entre incluidos y excluidos,
entre pocos partícipes del desarrollo capitalista y los muchos abandonados a su suer-
te por el retroceso del Estado Social de Derecho, conlleva un aumento de la crimina-
lidad y la destrucción del tejido social. El caso del tráfico de narcóticos y su penaliza-
ción fomentan la criminalidad en Colombia, México, el Caribe y recientemente
Venezuela, países donde se concentran las cadenas de producción y de transporte del
alcaloide. Mientras la comunidad internacional no entienda que la mejor manera de
combatir el fenómeno cultural de las drogas es la educación y no la represión, el con-
tinente americano estará condenado a librar una guerra perdida contra el poder cri-
minal de un negocio con réditos económicos superiores a los del petróleo.
2. La crisis del modelo liberal capitalista es aún más grave si tenemos en cuenta
la no disposición de un modelo político alternativo. La caída o la crisis del socialismo

382
Los Derechos Sociales en Iberoamérica:
Estado de la Cuestión y Perspectivas de Futuro

de Estado (en Cuba, en Alemania Oriental y en los países de la Cortina de Hierro) res-
tan esperanzas a esta opción histórica. La formula político-económica del Estado
social de derecho enfrenta en Europa los embistes de la globalización de la economía
desde hace décadas, la cual presiona por el desmonte de las garantías sociales a las cla-
ses trabajadoras y a los sectores deprimidos que van quedando en el camino de la
homogenización del mercado laboral así como de la sociedad (ver para la muestra la
generalización de la televisión gringa y la basura cultural que exporta homogénea-
mente a todos los rincones de la tierra).
2.1 La insuficiencia de la respuesta del Estado social de derecho en materia de
protección, promoción y garantía de los derechos sociales, es manifiesta frente a las
cifras de pobreza, trabajo informal (ca. el 60 por ciento de la población) o desnutri-
ción y mortalidad infantil.9 El aumento de las demandas ciudadanas y la manifiesta
incapacidad de los sistemas de justicia en Iberoamérica para tramitar las demandas por
realización mínima de Derechos sociales, esclarecen la situación real de estos dere-
chos en la práctica.
2.2 El abandono de la economía social de mercado y el desmonte del Estado
social de derecho en Europa son igualmente manifestaciones preocupantes del retro-
ceso de las garantías institucionales a los derechos sociales. Parece cuestión de tiem-
po que las conquistas políticas en el ámbito laboral y de seguridad social se desvanez-
can sin que encuentren un discurso, un proyecto y un modelo alternativo al liberalis-
mo capitalista compatible con la realización de los derechos sociales.
3. Ante el cierre de alternativas al modelo del capitalismo liberal y al del socia-
lismo de Estado, es comprensible el renacer del interés por las obras de Marx. No sólo
sus análisis sobre las crisis cíclicas del capitalismo o sobre la acumulación creciente de
capital en pocas manos en desmedro de la participación de las clases oprimidas cobran
decidida actualidad. También lo hace su denuncia de la manipulación que mediante
el discurso de los derechos humanos se hace con fines de legitimar regímenes políti-
cos despóticos.10 El renovado interés por Marx y el coqueteo con modelos totalitarios
de Estado asentados en economía centralizada y aparato burocrático administrativo,
se ven como una opción no del todo descartable para jóvenes desesperanzados frente
a la dureza e injusticia de la realidad actual.
3.1. Un primer hecho que reafirma el interés por Marx y por su denuncia de los
derechos individuales como expresión de la ideología burguesa, es la negativa a reco-
nocer el igual estatus de los derechos económicos, sociales y culturales (DESC) frente
a los derechos civiles y políticos (DCP).11

9 L. J. Garay y A. Rodríguez (eds.), Colombia: Diálogo pendiente. Bogotá 2005, pp. 225 ss.
10 K. Marx, “Sobre la cuestión judía”, en: id., Escritos de Juventud. Fondo de Cultura Económica, México 1982,
pp. 463-490.
11 Ver entre otros autores a E.-W. Böckenförde, “Los derechos fundamentales sociales en la estructura de la
Constitución”, en: Escritos sobre derechos fundamentales, Nomos 1993; F. Laporta, “Los derechos sociales
y su protección jurídica: introducción al problema”, en: Constitución y derechos fundamentales. J. Betegón
et al. (coords.), Madrid, 2004, pp. 297-326.

383
Rodolfo Arango

Los renovados pero fallidos intentos en Europa de dotar a los DESC de igual fun-
damentalidad que la reconocida a los DCP, por ejemplo al incorporar una ambiciosa
Carta de Derechos Sociales al proyecto de Constitución de Europa,12 reafirman el aná-
lisis de clases sociales y formas de producción popularizado en sus escritos por Marx.
Mientras que los derechos civiles y políticos son reconocidos como fundamentales en
cabeza de los nacionales con ciertos privilegios (clase burguesa), los derechos sociales
son degradados a meras aspiraciones del proletariado (clase proletaria), que deben
conquistarse en la arena política y recibir consagración legal como derechos de desar-
rollo progresivo, no exigibles directamente ante los jueces. Este trasfondo político e
ideológico que diferencia entre tipos de derechos ha sido proscrito a nivel de las decla-
raciones internacionales de derechos humanos.13 No obstante, falta aún mucho tre-
cho para que tal proscripción se traduzca en una efectiva igualdad de trato jurídico en
su reconocimiento judicial y su goce efectivo por parte de toda la población.
3.2. Las dificultades en la expedición de un tímido Protocolo Facultativo adicio-
nal al Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales (PISDEC)
para proteger más efectivamente los derechos sociales, entre otras mediante la consa-
gración de la posibilidad jurídica de elevar reclamaciones individuales por vulnera-
ción de los compromisos internacionales adoptados por los Estados que han ratifica-
do el Protocolo, también alimentan el escepticismo hacia la realización de estándares
mínimos de justicia social en el Estado capitalista.
3.3. La angustia social como consecuencia de los procesos de ajuste estructural que
buscan reducir el tamaño del Estado; el desmonte de garantías laborales por vía de la
tercerización de las relaciones laborales; el auge de las empresas de servicios temporales
que escamotean los derechos y las garantías sociales de los trabajadores; la pérdida de
poder adquisitivo del salario en estratos asalariados con ingresos laborales más bajos por
el hecho de que la inflación golpea con mayor fuerza a los sectores desfavorecidos de la
población; el abandono de los ideales y de los principios de una política social humanis-
ta; los retrocesos en el cubrimiento de la seguridad social en salud y pensiones; todos
estos son síntomas innegables de que la lógica de negocios y del enriquecimiento indi-
vidual triunfa por el momento sobre la vigencia efectiva de derechos humanos.
Pero veamos de qué forma se refleja la situación descrita sobre la realidad de los
países emergentes de Ibero América.

III. La problemática de los derechos sociales en América Latina

La situación de los derechos sociales en América Latina presenta síntomas adi-


cionales a los anteriores que tienen relación con las particularidades de la débil

12 C. M. Herrera, Les droits sociaux, Paris, 2009, pp. 99 ss.


13 ONU, Resolución 32/130 de la Asamblea General, 16 de diciembre de 1977 (en que se afirma que todos los
derechos humanos y libertades fundamentales son indivisibles e interdependientes); Conferencia Mundial
de Derechos Humanos de 1993 (Viena).

384
Los Derechos Sociales en Iberoamérica:
Estado de la Cuestión y Perspectivas de Futuro

posición negociadora de los países emergentes en el contexto de la globalización


económica.
1. Retrocesos concretos de las economías latinoamericanas ante el avance
del capitalismo global se ven reflejados en los Tratados de Libre Comercio firma-
dos por diferentes países. La asimetría entre las economías del Norte y las del Sur;
el desigual intercambio de materias primas por bienes industriales intensivos en
tecnología; los desequilibrios en el nivel de desarrollo económico, social y de
estabilidad política entre las poblaciones de los países industrializados y los paí-
ses no o incipientemente industrializados; la dependencia del crédito externo;
todos estos son elementos que llevan a poner en duda las posibilidades de univer-
salizar el goce y el disfrute de los derechos a la alimentación, a la salud, a la edu-
cación, a la vivienda, al trabajo, a la seguridad social, al trabajo, al esparcimien-
to en el tiempo libre.
2. A lo anterior es necesario adicionar las asimetrías existentes en las economías
del continente americano. Potencias como Brasil o México (salvo zonas abandonadas
y excluidas del progreso) no son comparables con economías menores como las de
Haití, Bolivia, El Salvador o Ecuador. Dichas asimetrías dificultan el proceso de inte-
gración latinoamericana con miras a mejorar la posición negociadora frente a otros
bloques económicos como los representados por Estados Unidos o la Comunidad
Europea.
3. Los procesos políticos en los países de Iberoamérica son igualmente desigua-
les, con las complejidades que ello trae aparejado en conciencia sobre la importancia
de los derechos humanos en las relaciones internas e internacionales. El ingreso per
cápita es también desigual en la región y al interior de los diferentes países, lo cual
hace necesario pensar en sistemas de compensación y cooperación económica aún no
disponibles en el continente americano. El proceso de integración europeo tiene
como condición economías industrializadas que jalonan el proceso político, incluso
hasta el extremo de poder incluir a los antes países socialistas. Si bien Brasil, México
y Argentina podrían jugar el papel de economías “jalonadotas de progreso”, lo cierto
es que el proceso de integración latinoamericano es aún incipiente y su posibilidad
dudosa ante el incipiente grado de desarrollo político y económico de los diferentes
países del área.
4. Las diferencias étnicas y culturales son igualmente considerables. Este hecho
sociológico exige de una visión diferenciada de los derechos sociales en lo que con-
cierne a su cumplimiento. Una visión diversificada que tenga en cuenta las particula-
ridades de los diferentes pueblos y culturas es un desafío adicional al proceso prima-
riamente económico que ha caracterizado la integración de las naciones europeas. La
ejecución de tratados de libre comercio firmados entre países no desarrollados y los
Estados Unidos, por ejemplo, puede conducir a la violación masiva de los derechos
humanos de comunidades étnicas y culturales, como ha quedado en claro con el

385
Rodolfo Arango

enfrentamiento entre fuerzas del orden en Perú y comunidades indígenas opuestas al


TLC con el país del Norte.14
5. Un quinto factor que agrava las posibilidades de realización plena de los dere-
chos sociales en la región obedece a la insuficiencia del diseño y del funcionamiento
institucional en nuestros países. Estas deficiencias llevan implícitas barreras u obstá-
culos conceptuales, ideológicos y presupuestales.
5.1. Las barreras conceptuales a los derechos sociales han sido señaladas insisten-
temente por teóricos del tema. En especial se ha anotado que no existe diferencia
estructural significativa entre DCP y derechos sociales15 para efectos de su reconoci-
miento judicial. Un problema conceptual más profundo es el teórico. Este tiene que
ver tanto con aspectos conceptuales como prácticos.
5.1.1. El concepto de derechos subjetivos sigue vinculado a las tradicionales teo-
rías de la voluntad y del interés. Frente a tal realidad teórica es necesario abstraer más
para definir el concepto de derechos sujetivos de forma que estos sean entendidos
como posiciones normativas de un sujeto (individual o colectivo) para las cuales es
posible dar razones válidas y suficientes y cuyo no reconocimiento injustificado oca-
siona un daño inminente a dicho sujeto.16
5.1.2 Respecto a los conceptos de derechos fundamentales y de derechos huma-
nos, al igual que en relación con el concepto de derechos sujetivos, han corrido ríos
de tinta en la literatura moderna y contemporánea, tanto jurídica, como ética y polí-
tica, y aún queda mucho por clarificar. Un concepto defendible, por lo practicable y
sencillo, es el que define los derechos fundamentales “como derechos subjetivos con
alto grado de importancia”,17 grado que se observa indiscutiblemente en la inclusión
de ciertas posiciones normativas en las Constituciones nacionales bajo la forma explí-
cita de derechos fundamentales.18
5.1.3 La no apropiación del discurso de los derechos por poblaciones excluidas y
la ausencia de una debida difusión de las posibilidades de estrategias combinadas y
coordinadas, son impedimentos adicionales que atentan contra la efectiva realización
para la realización de los derechos sociales. En el primer caso, el profesor Victor
Abramovich ha llamado la atención sobre la necesidad de diseñar estrategias jurídico-
políticas para asegurar la satisfacción de los derechos sociales.19 Otros teóricos han

14 http://www.losandes.com.pe/Nacional/20090523/22458.html (consultado 07.05.2009).


15 V. Abramovich y C. Courtis, op. cit. nota 2, pp. 47 ss.
16 R. Arango, op. cit. nota 2, p. 298.
17 R. Arango, op. cit. nota 2, p. 31.
18 Lo anterior no significa, claro está, la imposibilidad de defender y obtener reconocimiento de derechos fun-
damentales innominados a partir del texto constitucional. El ejemplo del derecho fundamental innomina-
do al mínimo vital necesario para la satisfacción de las necesidades básicas se encuentra en la jurispruden-
cia constitucional colombiana. Ver R. Arango y J. Lemaitre, “Jurisprudencia constitucional sobre el dere-
cho al mínimo vital”, en: Estudios Ocasionales CIJUS, Bogotá, 2002, pp. 7-74.
19 V. Abramovich, “Líneas de trabajo en derechos económicos, sociales y culturales: herramientas y aliados”,
en: Grupo de Reflexión regional. Temas de Derechos Humanos en Debate, J. Zalaquett (coord.), Santiago
de Chile, 2004; M. Alegre, “Protestas sociales: ¿violación o reivindicación del derecho?”, en: R. Gargarella
(ed.), El derecho a resistir el derecho, Madrid, 2005, pp. 59-78.

386
Los Derechos Sociales en Iberoamérica:
Estado de la Cuestión y Perspectivas de Futuro

subrayado además la existencia de un sistema de garantías de los derechos humanos,


en particular de los derechos sociales que se caracteriza por sus múltiples niveles y sus
mecanismos y procedimientos que aseguren su vigencia.20
5.1.4. Una limitante conceptual adicional tiene relación con el abuso de la retó-
rica de los derechos. Diferentes autores han advertido sobre los peligros que se cier-
nen sobre el disfrute real de los derechos como consecuencia de un uso exclusivamen-
te simbólico o legitimador del discurso jurídico.21
5.2. Las barreras ideológicas tienen que ver con la persistencia de la ideología
liberal de los derechos humanos. Es necesario superar la teoría liberal de los derechos,
construida sobre la noción de la propiedad privada y la concepción de los derechos
como titulaciones individuales,22 que debe ser reemplazada por una teoría social de
los derechos, construida a partir de la reflexión crítica del discurso de los derechos.23
A partir de una concepción integrada de los derechos es posible superar el unilatera-
lismo en la defensa de los derechos y el favoritismo hacia los DCP en desmedro de los
derechos sociales. La anotada necesidad de superación de la teoría liberal se funda-
menta, entre otras cosas, en el endeble fundamento filosófico de la distinción entre
los DCP y los DESC (también designados como DESCA cuando incluyen los derechos
ambientales).
5.3. A las barreras conceptuales e ideológicas se suman los obstáculos presupues-
tales, especialmente problemáticos en sociedades con altos niveles de pobreza y de
desigualdad. Los problemas de acceso a instancias de decisión política impiden a la
población ganar el reconocimiento de los derechos sociales en la arena política, como
lo pretenden entre otros autores Ernst Wolfgang Böckenförde,24 Jürgen Habermas,25
Francisco Laporta26 o Fernando Atria,27 este último en el ámbito latinoamericano. En
contextos de crasa desigualdad un activismo judicial a favor de los derechos sociales

20 G. Pisarello, “Los derechos sociales y sus garantías: por una reconstrucción democrática, participativa y
multinivel”, en: id., Los derechos sociales y sus garantías (…), op. cit. nota 2, pp. 123 ss.; C. Courtis, “Judicial
Enforcement of Social Rights: Perspectives from Latin America”, en: R. Gargarella et al. (eds.), Courts and
Social Transformation in New Democracies: an Institutional Voice for the Poor?, Aldershot, 2006, pp. 169-
184.
21 M. Tushnet, “An Essay on Rights”, en: Texas Law Review, vol. 62, No. 4. pp. 1363-1403; M. García, “El
derecho como esperanza: constitucionalismo y cambio social en América Latina, con algunas ilustraciones
a partir de Colombia”, en: ¿Justicia para todos? Sistema judicial, derechos sociales y democracia en
Colombia, R. Uprimny, C. Rodríguez y M. García (eds.), Bogotá 2006, pp. 201-233, aquí pp. 221 s.
22 R. Nozick, Anarquía, Estado y Utopía, 1ª reimpr., México 1990, p. 7.
23 A. K. Sen, “Economía del bienestar y dos aproximaciones a los derechos”, en: Estudios de Filosofía y
Derecho No. 2, Universidad Externado de Colombia, Bogotá, 2002, pp. 11-42. C. Ari Mello (coord.), “Os
Desafios dos Directos Sociais”, en: Revista do Ministerio Público do Rio Grande do Sul, no. 56- set./dez.
2005.
24 E.-W. Böckenförde, op. cit., nota 11.
25 J. Habermas, Facticidad y validez, Madrid 1998, p. 489; J. Habermas, La inclusión del otro, Barcelona 1999,
p. 197.
26 F. Laporta, op. cit., nota 11.
27 F. Atria, “¿Existen los derechos sociales?”, en: Doxa. Discusiones: Derechos Sociales, núm. 4 (2004), pp. 15-59.

387
Rodolfo Arango

no solo es bienvenido sino aconsejable.28 Esto porque el clientelismo, la apatía políti-


ca de buena parte de la población descreída del proceso democrático y la dificultad de
movilización popular por vía del derecho, están a la orden del día. Es necesario supe-
rar el escepticismo frente a la política tradicional que impide la participación en la
política económica y en las decisiones distributivas a buena parte de la población. Por
eso de la mano del reforzamiento de los mecanismos judiciales para proteger los dere-
chos sociales es necesario avanzar en un proceso de aumento de la conciencia moral,
de judicialización de los derechos y de activismo político para su efectiva realización.
Veamos, por último, algunas estrategias para enfrentar la problemática de los
derechos sociales y modificar gradualmente el contexto político, económico, social y
cultural necesario para su realización efectiva en Iberoamérica.

IV. Estrategias para la realización de los derechos sociales

Cualquier percepción de la realidad de nuestros países pasa por el conocimiento


de experiencias particulares que pueden contribuir en la búsqueda de salidas a la
situación de pobreza y de desigualdad. Un ejemplo que tengo a la mano y que deseo
mencionar es el caso colombiano. El relativamente exitoso diseño institucional de los
organismos y de los procedimientos constitucionales para la defensa de los derechos
sociales a nivel nacional justifica ocuparnos de esta experiencia constitucional, no sin
advertir que ella muestra aún enormes brechas entre ricos y pobres y alto grado de
desigualdad e inequidad sociales. No obstante, en términos generales la jurispruden-
cia constitucional colombiana es progresista,29 pese al contexto de conflicto armado
que vive hace más de cuarenta años el país. A continuación se exponen sintéticamen-
te algunas estrategias para enfrentar la problemática de la situación mundial y regio-
nal de los derechos sociales.30 Tal reflexión se inspirada en el caso colombiano pero
también toma en cuenta algunos casos de otros países latinoamericanos.
1. Las estrategias jurídicas versan básicamente con la determinación de cuá-
les son los derechos sociales reconocidos constitucionalmente, cuál es el alcance

28 R. Arango. “Basic Social Rights, Constitutional Justice, and Democracy”, en: Ratio Juris, Vol. 16, Num. 2,
Oxford, 2003, pp. 141-154; R. Uprimny, “The Enforcement of Social Rights by the Colombian Constitutional
Court: Cases and Debates”, en: R. Gargarella et al. (eds.), Courts and Social Transformation in New
Democracies: an Institutional Voice for the Poor?, Aldershot, 2006, pp. 127-152; R. Gargarella, “¿Los parti-
darios de la democracia deliberativa deben defender la protección judicial de los derechos sociales?” en: R.
Arango, Filosofía de la democracia. Fundamentos conceptuales, Bogotá, 2007, pp. 377-408; M. P. Saffon,
“Can Constitutional Courts be a Counter-Hegemonic Powers vis-à-vis Neoliberalism? The Case of the
Colombian Constitutional Court”, Seattle Journal for Social Justice. Volume 5, No. 2, 2007, pp. 533-567.
29 R. Uprimny, op. cit. nota 28; M.P. Saffón, op. cit. nota 28.
30 Sobre estrategias para realizar el Estado social de derecho, en general, y los derechos sociales, en particular,
ver K. Tomasevski, Education denied. Costs and Remedies, London 2003; V. Abramovich, op. cit., nota 19;
R. Arango, Derechos, constitucionalismo y democracia, Bogotá, 2004, pp. 59-94; L. E. Pérez, C. Rodríguez
y R. Uprimny, op. cit., nota 2; L. E. Pérez et al. (eds.), Seis ciudades, cuatro países, un derecho: análisis com-
parativo de políticas educativas, Bogotá 2007.

388
Los Derechos Sociales en Iberoamérica:
Estado de la Cuestión y Perspectivas de Futuro

de su contenido; quiénes son sus titulares y obligados; y cómo se establecen sus


límites.
1.1. La definición de los derechos sociales en la Constitución colombiana de 1991
no fue clara. Al ser enlistados en un capítulo diferente al capítulo de los derechos fun-
damentales, se pensó en un primer momento que el constituyente colombiano había
querido diferenciar entre los derechos civiles y políticos y los derechos sociales, eco-
nómicos y culturales, al reconocer a los primeros carácter de derechos fundamentales
mientras que a los segundos simplemente carácter de derechos de desarrollo legal pro-
gresivo. No obstante, la Corte Constitucional, desde sus primeras decisiones en el año
1992, restó fuerza normativa al argumento a rúbrica como criterio para la determina-
ción de los derechos fundamentales. La fundamentalidad de un derecho no depende,
así la jurisprudencia constitucional, de cómo estén organizados los derechos constitu-
cionales en el texto constitucional, esto es, cómo estén rubricados.
El debate sobre el carácter fundamental de los derechos sociales no es meramen-
te teórico. De esta propiedad depende en Colombia la posibilidad de acudir a la acción
de tutela para la protección de derechos fundamentales violados o amenazados por la
acción u omisión de autoridades públicas o particulares en posición jerárquica de
poder respecto del titular del derecho (artículo 86 de la Constitución Política). Por su
parte, la Corte Constitucional aplicó en una primera etapa la tesis de la conexidad
consistente en tutelar mediante decisiones de los jueces constitucionales los derechos
sociales cuando su no protección inmediata pudiera conllevar la vulneración de dere-
chos fundamentales indiscutibles. Con posterioridad a esta doctrina, la Corte ha reco-
nocido en sucesivas pronunciamientos con valor de precedente constitucional el
carácter fundamental de derechos como los de mínimo vital, educación, salud y segu-
ridad social.
1.2. El alcance de los derechos sociales ha sido establecido caso por caso en la
jurisprudencia constitucional. Mediante la aplicación de los parámetros internaciona-
les de interpretación de derechos humanos, en particular las observaciones generales
expedidas por el Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales de las
Naciones Unidas, la Corte ha fijado el contenido de los DESC que los Estados naciona-
les deben garantizar a partir del criterio del máximo de los recursos disponibles,
debiendo ser dicha protección progresiva, esto es, quedando prohibida la regresividad
en la garantía de los mencionados derechos.31 La Corte Constitucional, en su extensa
jurisprudencia sobre derechos sociales ha dejado en claro que, de cualquier forma, el
contenido mínimo de los derechos sociales debe ser asegurado por el Estado en cada

31 Sobre el particular consultar el libro de C. Coutis, Ni un paso atrás. La prohibición de regresividad en mate-
ria de derechos sociales, Buenos Aires, 2006.
32 La primera sentencia de la Corte Constitucional colombiana que reconoce el derecho innominado al míni-
mo vital, inspirada en la jurisprudencia alemana del Existenzminimum, es la T-426 de 1992, en la que se
ampararon los derechos a la vida, a la dignidad, a la integridad personal, a obtener una pronta y oportuna
respuesta a las peticiones, y al mínimo vital de un adulto mayor sin medios económicos a quien las autori-
dades públicas competentes no daban respuesta a una solicitud pensional.

389
Rodolfo Arango

caso concreto, y ello en virtud de la doctrina constitucional que reconoce carácter fun-
damental al derecho al mínimo vital como parte integrante de los derechos sociales.32
1.3. En relación con los derechos sociales, la Corte Constitucional diferencia
entre titulares individuales y titulares colectivos. En el primer caso, los titulares pue-
den ser todas las personas (titularidad universal), los nacionales y residentes en
Colombia (titularidad general abierta), los colombianos que hayan cumplido condi-
ciones establecidas en la ley (titularidad general cerrada), según se trate de derechos
económicos, sociales o culturales. En el caso de los derechos sociales de naturaleza
colectiva, la Corte Constitucional y el Consejo de Estado (máximo tribunal de la juris-
dicción del Contencioso Administrativo) han reconocido titularidad de derechos
sociales en cabeza de comunidades indígenas o grupos de personas organizados.33
1.4. Obligados de los derechos sociales en Colombia no son exclusivamente las
autoridades públicas por su acción u omisión, sino igualmente los particulares respec-
to de los cuales el titular del derecho está en una relación de subordinación o de inde-
fensión. Las autoridades públicas pasibles de acciones constitucionales por violación o
amenaza de los derechos sociales cuando estos exhiben naturaleza de derechos funda-
mentales incluyen a la administración, al legislador y a los jueces, así como a las demás
organismos o servidores públicos del Estado.
1.5. Principios fundamentales incluidos en los pactos y tratados internacionales
de derechos humanos (PIDESC, Convención Americana sobre Derechos Humanos,
etc.) establecen la obligación de los Estados que hacen parte del sistema mundial o
regional de derechos humanos de garantizar la efectividad de los derechos sociales
hasta el límite de los recursos disponibles. La jurisprudencia constitucional ha reco-
nocido igualmente que el ámbito de protección de los derechos sociales debe ser tan
amplio como lo determina el límite de lo posible fáctica y jurídicamente, sin que en
ningún caso dejen de asegurarse el derecho fundamental al mínimo vital.34
2. Las estrategias políticas se relacionan fundamentalmente con las reformas de
diseño institucional a favor de los derechos sociales y su mayor grado de realización;35
con el activismo de organizaciones sociales y la movilización ciudadana en el proceso
político y en la lucha por el reconocimiento de los derechos sociales;36 y con la pro-
tección multinivel utilizada para satisfacer este tipo de derechos.37

33 Por ejemplo, la Corte Constitucional en sentencia T-380 de 1993 reconoció el derecho fundamental colec-
tivo en cabeza de la comunidad indígena a la vida como comunidad cultural y étnica. En ella la Corte orde-
nó cesar la explotación maderera que una empresa venía adelantando en territorios de la comunidad indí-
gena.
34 Sobre la conexión entre derechos sociales y derecho al mínimo vital, ver R. Arango y J. Lemaitre, op. cit.,
nota 18.
35 T. Pogge, “Reconocidos y violados por la ley internacional: los derechos humanos de los pobres globales”, en:
F. Cortés y M. Giusti (eds.), Justicia global, derechos humanos y responsabilidades, Bogotá 2007, pp. 27-76.
36 J. Habermas, Facticidad y validez, op. cit., nota 25; V. Abramovich, op. cit., nota 19.
37 G. Pisarello, op. cit., nota 20.

390
Los Derechos Sociales en Iberoamérica:
Estado de la Cuestión y Perspectivas de Futuro

2.1 Para la teoría constitucional de sociedades donde los derechos sociales han
tenido un desarrollo legislativo y un reconocimiento efectivo por parte de la adminis-
tración pública, en particular los Estados sociales europeos, es difícilmente compren-
sible el apalancamiento y el activismo de la jurisdicción constitucional para la reali-
zación de los derechos sociales.38 A la falta de un contexto sociológico que explique el
auge de los derechos sociales y su relevancia constitucional, los teóricos del viejo con-
tinente carecen de igual forma de experiencia en el diseño y funcionamiento de una
jurisdicción constitucional que reconoce y protege esta clase de derechos sin por ello
convertirse en colegislador o coadministrador y hacer saltar por los aires los funda-
mentos del Estado de derecho democrático.
2.1.1 El diseño institucional consistente en un control difuso de constitucionali-
dad –todos los jueces del país son jueces constitucionales para la defensa de los dere-
chos fundamentales–, unificado mediante los pronunciamientos de una Corte
Constitucional encargada de la interpretación última de la Carta Política en su calidad
de órgano de cierre, ha mostrado sus bondades a la hora del reconocimiento de dere-
chos sociales como en materia salarial, pensional, de salud, de vivienda o de asisten-
cia pública. Desde sus inicios en el año 1992, la Corte Constitucional formuló la doc-
trina del mínimo vital con el fin de señalar el ámbito constitucional inaplazable y
directamente exigible de los derechos prestacionales y distinguirlo del ámbito legal de
desarrollo de los derechos sociales cuya protección corresponde a los jueces ordina-
rios. Trazar esta línea entre el derecho constitucional y el derecho ordinario no ha
sido tarea fácil, pero dieciocho años de jurisprudencia muestran ya sus frutos en el
campo. Es así como en una reciente sentencia la Corte Constitucional declaró contra-
rio a los derechos fundamentales (civiles y sociales) de recicladores de basuras la lici-
tación pública celebrada para la explotación del servicio público de aseo por firmas
privadas. Ello porque la administración, al diseñar y ejecutar el plan de privatización
de la prestación de dicho servicio público, no tuvo en cuenta el derecho constitucio-
nal fundamental de las personas que con su oficio digno se encargaban de la selección,
clasificación y reventa de desechos. Ya en otra ocasión la misma Corte había encon-
trado contraria a los derechos fundamentales de las personas con alguna discapacidad
el diseño y la ejecución de la política pública de servicio de transporte urbano
Transmilenio en la ciudad de Bogotá porque no se contemplaron suficientemente las
necesidades de las personas en situación de desventaja manifiesta.39
Una segunda exitosa decisión en el diseño de los mecanismos judiciales de pro-
tección de derechos fundamentales fue la adopción de una acción de tutela (de ampa-
ro en otros países) con alto grado de informalidad y generalidad para garantizar el
acceso efectivo de todos habitantes a la jurisdicción constitucional.40 Al no restringir-

38 Lo afirmado es manifiesto en los escritos, entre otros, de F. Laporta, op. cit., o de E.-W. Böckenförde, op.
cit., ambos en nota 11.
39 Corte Constitucional Colombiana, sentencia T-595 de 2002.
40 Constitución Política de Colombia, artículo 86, desarrollado legalmente por el Decreto 2591 de 1991.

391
Rodolfo Arango

se la acción de tutela a la defensa de derechos fundamentales de libertad sino admitir


conceptualmente la protección de derechos de igualdad y de prestación, la jurisdic-
ción constitucional a podido desarrollar caso a caso la exigibilidad de los derechos
sociales e impedir la sustitución integral de la justicia ordinaria por los jueces consti-
tucionales. En este proceso la aplicación de la Convención Americana sobre Derechos
Humanos y del PIDESC ha sido constante, en particular bajo la doctrina del bloque
de constitucionalidad.
2.1.2 Una tercera decisión que merece especial mención es la sentencia T-760 de
2008 con la cual la Corte Constitucional tuteló los derechos fundamentales a la salud
de multiplicidad de usuarios del servicio de salud quienes eran víctimas de las accio-
nes y omisiones, tanto de operadores privados de la prestación del servicio de salud
como de los agentes estatales encargados de la vigilancia y control de dicha actividad.
En esa ocasión el alto tribunal llevó acabo un minuncioso examen del funcionamien-
to del servicio ante las reiterada queja de los usuarios de la salud, estableció los casos
de violación de sus derechos fundamentales a la salud y a la integridad personal y
ordenó una extensa serie de medidas para superar el estado de cosas inconstitucional
generado por el alto incumplimiento de los mandatos constitucionales y legales.41
2.1.3 Un examen general de la jurisprudencia constitucional sobre derechos
sociales en Colombia muestra un claro uso de las acciones constitucionales de control
normativo abstracto (acción de inconstitucionalidad) y de control concreto de cons-
titucionalidad (acción de tutela) para impedir retrocesos en la realización de los dere-
chos fundamentales en general y de los derechos sociales en particular. Tal uso lo he
denominado “estrategia de resistencia constitucional”.42 La resistencia constitucional,
a diferencia de la civil que involucra un desafío a la legalidad, consiste en hacer uso
de los mecanismos que la misma constitución otorga a los ciudadanos para garantizar
la precedencia de sus derechos fundamentales sobre otros bienes públicos, intereses
generales u objetivos sociales. Las sentencias de constitucionalidad que protegieron a
los deudores de vivienda y ordenaron la expedición de una nueva legislación para el
financiamiento de la vivienda a largo plazo;43 la sentencia que declaró la inconstitu-
cionalidad de una reforma legal al régimen tributario por desconocer el derecho al
mínimo vital de la población más pobre;44 la sentencia de tutela que protegió a la
población desplazada45 o la que aseguró el derecho al mínimo vital de los reciclado-
res46 son una buena muestra de cómo se ejerce la resistencia constitucional por vía de

41 Un calificado comentario a esta sentencia se encuentra en A. E. Yamin y O. Parra, “How do Courts set
Health Policy? The case of the Colombian Constitucional Court”, en: PLoS Med 6(2): e1000032.doi:10.
1371/journal.pmed.1000032.
42 R. Arango, op. cit., nota 30, pp. 71-78; M.P. Saffon, op. cit., nota 28.
43 Corte Constitucional Colombiana, sentencias C-700 de 1999 y C-747 de 1999.
44 Corte Constitucional Colombiana, sentencia C-776 de 2003.
45 Corte Constitucional Colombiana, sentencia T-025 de 2004.
46 Corte Constitucional Colombiana, sentencia T-291 de 2009.

392
Los Derechos Sociales en Iberoamérica:
Estado de la Cuestión y Perspectivas de Futuro

la jurisdicción sin con ello subvertir el orden jurídico ni desconocer el principio de


separación del poder público y el principio democrático.
2.2. Destacados teóricos han puesto de presente y desarrollado lo que llaman una
protección de múltiples niveles de los derechos humanos y fundamentales, en parti-
cular los derechos sociales.47 La idea que se esconde detrás de esta garantía plural,
coordinada y escalonada es diseñar estrategias para optimizar la protección jurídica y
política de estos derechos. El uso de todos los mecanismos de protección de derechos
sociales a nivel nacional, regional y universal exige un conocimiento detallado no sólo
del Derecho Internacional de Derechos Humanos (incluidas las directivas, observa-
ciones y recomendaciones de los organismos encargados), del derecho constitucional
comparado, en particular la jurisprudencia constitucional, así como del contexto de la
realidad nacional, regional y mundial
2.2.1 La integración de los tres niveles de protección –nacional, regional e uni-
versal– permite un enriquecimiento mutuo mediante los progresos en alguno de los
niveles, una creciente convergencia de los mecanismos de garantía y una expansión
de las posibilidades de acción de los actores sociales y de los titulares de derechos.48
Experiencias vividas por grupos defensores de derechos humanos con el litigio estra-
tégico,49 así como con la internacionalización de los estándares de derechos humanos
y fundamentales,50 muestran cómo la integración de los múltiples niveles de garantía
de los derechos sociales no sólo es posible sino deseable.
2.2.2 Para el anterior desarrollo es de fundamental importancia la creación de
una doctrina iberoamericana en derechos sociales. En este punto no cabe sino saludar
con gran beneplácito la iniciativa adoptada por el Instituto-Max-Planck de Derecho
Internacional Público y de Derecho Comparado, bajo la dirección de los profesores,
doctores Armin von Bogdandy y Rüdiger Wolfrum, apoyados entre otros por la inves-
tigadora Mariela Morales Antoniazzi, encargada del área Iberoamericana.
3. Un peligro latente que se esconde tras el discurso de los derechos sociales con-
siste en la desmovilización social por vía del neo-populismo latino. Las experiencias
del Peronismo y del Fujimorismo no están lejanas. Actualmente el continente sufre

47 Ver supra nota 20.


48 Sobre el particular es importante mencionar el libro R. Gargarella et al. (eds.), Courts and Social
Transformation in New Democracies: an Institutional Voice for the Poor?, Aldershot, 2006. En la misma
dirección pero en sentido más práctico: International Commission of Jurists, “Courts and the Legal
Enforcement of Economic, Social and Cultural Rights. Comparative experiences of justiciability”, en:
Human Rights and the Rule of Law Series: No. 2, Geneva 2008. Una guía práctica para la defensa judicial
de los derechos sociales en el sistema interamericano se encuentra en T. Melish, La protección de los dere-
chos económicos, sociales y culturales en el Sistema Interamericano de Derechos Humanos: Manual para la
presentación de casos. New Haven/Quito 2003. Otros manuales de gran valor para la defensa de derechos
humanos en general y de derechos humanos sociales en particular pueden consultarse en: M. Sepúlveda et
al., Universal and Regional Human Rights Protection. Cases and Commentaries, Costa Rica 2004.
49 Una organización no gubernamental que ha promovido el litigio estratégico en materia de derechos socia-
les es CEJIL. Para consultas visitar la página su web (http://www.cejil.org).
50 M. Sepulveda et al., Human Rights Reference Handbook, Costa Rica 2004.

393
Rodolfo Arango

bajo la “democracia mediática” instaurada autoritariamente por los presidentes


Chavés y Uribe. Mandatarios que se aferran al poder pretenden institucionalizar prác-
ticas de clientelismo y de entrega de recursos estatales a personas y a poblaciones
según el arbitrio del presidente de turno. Claramente tales prácticas desvirtúan los
principios de Estado social de derecho, de dignidad humana y de igualdad. Por otra
parte, los avances de la doctrina del libre mercado sin restricciones (neoliberalismo)
y el desmonte del Estado social de derecho ante las presiones de la competencia eco-
nómica, han contribuido negativamente al retroceso de los derechos sociales,51 como
positivamente al crecimiento de los movimientos sociales que propugnan por la efec-
tiva realización de los derechos sociales de todos.
La movilización social emplea diferentes estrategias para alcanzar su objeto. Por
ejemplo, en Colombia se adelanta por iniciativa de un numeroso grupo de ciudadanos
un proyecto de referendo para preguntarle al pueblo si está de acuerdo en que el acce-
so al agua potable debe ser reconocido como derecho fundamental y un contenido
mínimo vital de agua debe ser asegurado constitucionalmente en forma gratuita a toda
persona, impidiendo su comercialización. En el país, grupos de ciudadanos también se
han organizado para iniciar una campaña nacional contra el hambre, un movimiento
nacional de la salud y una asociación nacional de deudores del sector financiero. Estas
iniciativas recientes contrastan con una larga tradición de lucha de sectores oprimi-
dos y discriminados de la sociedad representados en organizaciones sociales para la
defensa de los derechos laborales y de los derechos indígenas, de la población afroa-
mericana y de la población LGTB (lesbianas, gay, transexuales y bisexuales).
4. Finalmente estrategias económicas y culturales que favorezcan una mayor y
mejor (re)distribución económica se topan en la práctica con factores adversos, entre
ellos una situación prolongada de violencia; la existencia de intereses reales y poderes
de facto en la sociedad renuentes al cambio social; una incipiente industrialización del
país, con una economía extractiva de recursos naturales (renovables y no renovables)
y empleos poco intensivos en mano de obra; un bajo nivel educativo de la población;
deserción escolar y universitaria o deficiente calidad de la educación. Particularmente
grave resulta la creciente dependencia frente a países extranjeros (como Estados
Unidos que apoya la lucha contra las drogas pero a la vez la lucha contraguerrillera).
La realidad de pobreza y desigualdad no es muy diferente para la mayoría de los
países hermanos. Se hace cada día más importante la integración de los países latinoa-
mericanos con miras a alcanzar el objetivo común de crecimiento económico con
equidad. El derecho público, y no sólo el privado, tiene en este propósito gran peso.
El hecho de compartir casi en su totalidad una sola lengua, el castellano, constituye
una apreciable ventaja frente a la Comunidad Europea.
Prioritarios para los próximos años son el diseño y la ejecución de políticas públi-
cas para enfrentar las problemáticas que impiden la realización de los derechos socia-

51 M. E. Cárdenas, Justica pensional y neoliberalismo. Un estudio de caso sobre la relación entre derecho y
economía, Bogotá 2004.

394
Los Derechos Sociales en Iberoamérica:
Estado de la Cuestión y Perspectivas de Futuro

les. Estudios de expertos como “El Conflicto, callejón con salida”,52 o como
“Colombia: Diálogo pendiente. Documentos de política pública para la paz”,53 sumi-
nistran numerosos elementos para tal fin. En especial, la perspectiva del desarrollo
humano planteada con la participación de todos los actores sociales destinatarios de
las políticas públicas, así como una visión de los problemas sociales a la vez histórica-
mente fundada e imaginativa y científicamente estructurada para encontrar solucio-
nes a los múltiples problemas que impiden la realización plena de todos los derechos
humanos, permiten guardar esperanzas de un futuro mejor. Una buena muestra de
que la inteligencia con algo de voluntad política permite enfrentar viejos y complejos
problemas sociales es la sentencia de la Corte Constitucional de Colombia54 en la que
se adopta una amplia serie de medidas para tutelar a los millones de habitantes des-
plazados forzadamente como consecuencia de la acción de los grupos armados ilega-
les. En la mencionada decisión judicial, así como en los autos de cumplimiento de la
sentencia, se diseña, ordena y vigila la política pública de desplazamiento interno, se
involucra a la sociedad civil en el monitoreo y control de su ejecución, se protege en
forma prioritaria a las personas o a los grupos especialmente desfavorecidos y se
emplean criterios de cumplimiento sensibles a las diferencias de género, edad, cultu-
ra, identidad étnica y demás diferencias constitucionalmente relevantes.55

V. Conclusiones

La globalización económica, el aumento de la desigualdad y la pobreza en el


mundo arrojan sombras y dudas sobre las posibilidades de una realización integral de
los derechos humanos y fundamentales. La actual crisis económica, sobre la cual aún
se desconocen sus causas y sus efectos, presenta problemas adicionales para la satisfac-
ción de los derechos sociales entendidos como verdaderos derechos fundamentales.
La situación de los países latinoamericanos en materia de realización de los dere-
chos sociales presenta un panorama aún más oscuro que en los países desarrollados.
La dependencia económica, el incipiente nivel de industrialización de los países del
sur, las desigualdades en el poder de negociación comercial frente a potencias extran-
jeras y los devastadores efectos sobre la población más pobre de las políticas económi-
cas neoliberales acrecientan el desafío para los derechos sociales.
No obstante todo lo anterior, también existen avances importantes a diversos
niveles, sea político, jurídico o social, que permiten señalar posibles sendas para resol-

52 Informe Nacional de Desarrollo Humano – 2003, Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo,
Bogotá 2003.
53 Op. cit., nota 9.
54 Sentencia T-025 de 2004, Magistrado Ponente Manuel José Cepeda Espinosa.
55 Para una evaluación académica del cumplimiento de la sentencia T-025 de 2004, ver entre otros los artícu-
los de J. Cepeda, “The Constitutional Protection of Internal Displaced Persons” y C. E. Reales, “Design and
Implementation of the Orders Imparted in Decision T-025 of 2004: An Assessment of the Process”, ambos
artículos en: R. Arango (ed.), Internal Displacement in Colombia, Brookings Institute (en prensa).

395
Rodolfo Arango

ver las diferentes problemáticas que se ciernen sobre los derechos sociales. El voto de
confianza hacia el derecho constitucional (comparado), la doctrina y la jurisprudencia
de los organismos y tribunales nacionales e internacionales, así como el aumento de la
sensibilidad en la doctrina jurídica sobre la pobreza, la exclusión y la inequidad, per-
miten vislumbrar nuevos campos de investigación, con importantes aplicaciones en el
diseño, en la ejecución y en el control de las políticas públicas de derechos sociales.
La principal conclusión de este corto estudio puede formularse con ayuda de una
comparación: mientras que la historia es fuente de conocimiento y de acción para el
político, el derecho, internacional y constitucional comparado, de los derechos funda-
mentales es fuente de conocimiento y de acción para estadistas y reformadores que bus-
can por medio del derecho construir las condiciones que permitan la aclimatación y la
permanencia de la paz, así como una vida digna y plena en oportunidades para todos.
Las perspectivas de futuro para los derechos sociales, y con ellos para millones
de personas excluidas y condenadas a vivir con miedo por no poder salir de la trampa
de la pobreza, dependen de un uso óptimo e inteligente de diversas estrategias, tanto
políticas, sociales, jurídicas y económicas, con miras a realizar efectivamente los dere-
chos humanos en contextos desventajosos por ausencia del diseño institucional ade-
cuado, por la falta de voluntad política y por la carencia de un trabajo intelectual
constante e imaginativo para resolver los problemas sociales56 que aquejan el abiga-
rrado y complejo mundo actual.

56 En este contexto es imprescindible recordar la concepción de democracia de John Dewey. Para el filósofo
americano la democracia es la condición previa para la aplicación plena de la inteligencia a la solución de
los problemas sociales. Ver Hilary Putnam, Cómo renovar la filosofía, Madrid 1994, p. 247.

396
Emergencia y Consolidación de un Derecho
Americano de los Derechos Humanos
Gonzalo Aguilar Cavallo1

Sumarioo: I. Introducción II. Emergencia y consolidación del Derecho Americano de los Derechos Humanos III. La
influencia del sistema interamericano de protección de los derechos humanos sobre los órdenes nacionales y sus
interacciones IV. Conclusiones

I. Introducción

Una de las características más notables del proceso democratizador latinoameri-


cano, es la simetría entre la transición a la democracia de los años 80 y 90 y de nor-
malidad constitucional, y la aceptación por parte de los países de la región, de la juris-
dicción de la Corte Interamericana de Derechos Humanos (en adelante, la Corte
IDH). Esto último resulta de la más alta relevancia ya que el sometimiento de un
Estado al escrutinio de un órgano jurisdiccional internacional en cuanto al cumpli-
miento de los derechos humanos en la jurisdicción de dicho Estado, representa una
demostración patente y relevante de la madurez y solidez democrática constitucional
de ese Estado. En este sentido, se puede expresar que se entiende por sociedad demo-
crática aquella que funciona sobre la base de la división de poderes y cuyo eje princi-
pal lo constituyen los derechos fundamentales o derechos humanos.2 Así, el sistema
interamericano de promoción y protección de los derechos humanos en particular, se
erige como un catalizador del nivel de cumplimiento, por parte de los Estados, de los
derechos humanos garantizados en sus propias Constituciones, las cuales contienen
“la ventana por donde ingresa el haz de luz” del Derecho Internacional de los
Derechos Humanos (en adelante, el DIDH). Esta apertura, ampliación y optimización
de los derechos humanos a través del DIDH, refuerza la ya consolidada posición de
estos en el Derecho Constitucional contemporáneo.
En este sentido, Biaggini ha destacado la creciente importancia que ha jugado el
Derecho Internacional en relación con el Derecho Constitucional, cuando ha señala-
do que “[d]esde el final de la Segunda Guerra Mundial, el Derecho internacional
alcanza en la solución de los problemas del presente, que ya no se paran en su mayo-
ría en las fronteras nacionales, un enorme incremento de su significación. Sin embar-
go, parece exagerado, hoy, hablar de una verdadera disolución de la estatalidad o de

1 Profesor de Derecho Internacional Público y Derechos Humanos de la Universidad de Talca, Doctor en


Derecho, MA en Relaciones Internacionales, LLM en Derechos Humanos y Derecho Humanitario. gagui-
lar@utalca.cl.
2 Feddersen Martínez, Mayra: “Responsabilidad civil y actividad periodística en Chile”, en Cuadernos de
Análisis Jurídicos, IV, 2008, pp. 71-94, especialmente, p. 71.

397
Gonzalo Aguilar Cavallo

la Constitución, si bien los concretos Estados y sus estructuras constitucionales no


dejan de ser afectados por este proceso. La soberanía en el sentido clásico ya no cor-
responde a los Estados constitucionales iusinternacionalmente vinculados de formas
diversas”.3 A este último respecto, Ferrajoli ha señalado que “en la historia de las rela-
ciones internacionales con la institución de la ONU y de las cartas internacionales de
derechos humanos, se produjo una ruptura de las que hacen época. La ruptura de ese
Ancien Régime internacional nacido hace tres siglos de la paz de Westfalia, fundado
en el principio de la soberanía absoluta de los Estados y que fue a quebrar con la tra-
gedia de las dos guerras mundiales”.4
Con todo, sobre el carácter angular de los derechos humanos en el Derecho
Constitucional –comúnmente denominados ‘derechos fundamentales’ en esta disci-
plina- se debe señalar que ésta no es una idea novedosa. En efecto, Smend había seña-
lado ya en 1928 que los derechos fundamentales “representan la norma que rige a la
Constitución, la legislación y la Administración” y además que “la legitimidad que
proporciona el sistema de los derechos fundamentales constituye una definición del
ordenamiento jurídico positivo y (sic) una de las principales tareas del derecho con-
siste en concretar el tipo y el grado de legitimidad que posee un ordenamiento jurídi-
co positivo”.5 Por otra parte, tal como ha señalado Perez Luño, “[n]o es tampoco ocio-
so recordar que el célebre art. 16 de la Declaración de los derechos del hombre y del
ciudadano de 1789, considerada como uno de los textos fundacionales del Estado de
derecho, proclamaba: “toda sociedad en la cual la garantía de los derechos no está ase-
gurada, ni la separación de poderes establecida carece de Constitución. El Estado de
derecho es, a tenor de ello un Estado constitucional, pero no todo Estado que posee
una Constitución es un Estado de derecho”.6 En este sentido y respecto de los dere-
chos fundamentales, resulta muy asertivo cuando Ferrajoli señala que “[e]l paradigma
de la democracia constitucional no es otro que la sujeción del derecho al derecho”, y
nosotros precisaríamos, la sujeción del Derecho a los derechos.7
América Latina ha experimentado interesantes avances y también retrocesos en
su evolución política-constitucional de las últimas tres décadas. Sin embargo, uno de
los aspectos que merece mayor atención son los procesos constituyentes que han
experimentado recientemente Venezuela, Ecuador y Bolivia, y podrían experimentar
otros países de la región. Estos procesos han traído como consecuencia, nuevas cons-
tituciones con un grado avanzado de reconocimiento y desarrollo de los derechos

3 Biaggini, Giovanni: “La idea de constitución: ¿nueva orientación en la época de la globalización?”, en


Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional, núm. 7, 2003, pp. 43-75, especialmente, p. 51.
4 Ferrajoli, Luigi: Derechos y Garantías. La ley del más débil. Trotta, Madrid, 1999, p. 55.
5 Smend, Rudolf: Constitución y Derecho Constitucional. Traducción de José María Beneyto Pérez. Centro
de Estudios Constitucionales, Madrid, 1985, pp. 231 y 233.
6 Pérez Luño, Antonio-Enrique: “Estado constitucional y generaciones de derechos humanos”, en Corte
I.D.H.: Liber Amicorum Héctor Fix-Zamudio, Volumen II, Corte Interamericana de Derechos Humanos,
San José, 1998, pp. 1241-1264, especialmente, p. 1255.
7 Ferrajoli, Luigi: Derechos y Garantías. La ley del más débil. Trotta, Madrid, 1999, p. 52.

398
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

humanos, en particular, de los derechos económicos, sociales y culturales (en adelan-


te, DESC), configurándose así, desde una perspectiva formal, como constituciones
progresistas y muy avanzadas –incluso a nivel mundial- en esta materia. Por supues-
to, en términos simples, el problema es que mientras en otros países que han alcanza-
do un avanzado estado de cumplimiento de los DESC, ello se ha logrado sin necesidad
de una reforma a la constitución y muchas veces con simples y escuetas elaboraciones
de principios sociales generales contenidos en sus cartas fundamentales, en América
Latina, incluso mediante reformas constitucionales y amplios desarrollos normativos,
ni aún así se obtiene que los Estados –en la práctica, en el cotidiano constitucional-
cumplan y satisfagan plenamente los DESC.
Dicho de otro modo, de manera predominante, en América Latina, el problema
más acuciante es la brecha de implementación y el del goce efectivo de los derechos
humanos sin distinción alguna. En consecuencia, podemos enfrentarnos a
Constituciones que contengan un amplio catálogo de derechos, sin que estos derechos
sean efectivamente respetados y susceptibles de tutela en la práctica, y en este aspecto,
se podrían denominar Cartas Fundamentales ‘semánticas’. En este sentido, podemos
referirnos a la tipología de las Constituciones desarrollada por Loewenstein, quien
opone las Constituciones normativas, aquellas que son “efectivamente vividas” por des-
tinatarios y detentadores del poder, necesitando un ambiente nacional favorable para
su realización, a las Constituciones semánticas, que son una especie de “disfraz” retó-
rico de unas realidades del todo ajenas a las formas normativas constitucionales.8
Nosotros pretendemos abordar la interrogante de si, como consecuencia de la
evolución político, social e institucional de América Latina en las últimas tres déca-
das, y producto de la interacción del sistema de protección interamericano de dere-
chos humanos y de sus órganos con los Estados y sus ordenamientos, ha surgido, aun
de manera emergente, un cuerpo común de principios y reglas que es compartido por
los Estados Latinoamericanos. Nuestro planteamiento es que, al menos de manera
incipiente, comienza a consolidarse lo que podría denominarse un Derecho
Americano de los Derechos Humanos (en adelante, el DADH).
En este momento, conviene precisar, como una cuestión metodológica, que
nosotros hemos concentrado el área geográfica de referencia a los países
Latinoamericanos. Ahora bien, se excluye de esta hipótesis y, por tanto, del presente
análisis al mundo americano anglosajón, vale decir, Estados Unidos y Canadá y los
países angloparlantes del Caribe. Esta elección se ha hecho pensando que estos países
comparten raíces históricas, sociales y culturales –en gran medida- comunes y que,
además, tienen una visión y una aproximación a los derechos humanos compartida.
Por lo tanto, cuando en este trabajo se hable del Derecho Americano de los Derechos

8 Loewenstein, Karl: Teoría de la Constitución. Trad. Cast. de Alfredo Gallego Anabitarte, Ariel, Barcelona,
2ª ed., 3ª reimp., 1983, pp. 217 y 219.

399
Gonzalo Aguilar Cavallo

Humanos, debe entenderse efectuada dicha referencia al grupo de países y los órde-
nes jurídicos que se han mencionado.
Este estudio se encuentra dividido en dos partes principales, la primera aborda-
rá el desarrollo del proceso de emergencia del DADH y los rasgos o características
principales de este orden jurídico y, con posterioridad, se examinará la influencia e
interacción del sistema interamericano de promoción y protección de los derechos
humanos sobre los órdenes nacionales, como elemento principal en el surgimiento de
este DADH.

II. Emergencia y consolidación del Derecho Americano de los


Derechos Humanos

Para la verdadera creación y consolidación de un Derecho Americano de los


Derechos Humanos, es necesario superar la separación –que como se ha visto es pri-
mordialmente conceptual y política- entre derechos fundamentales y derechos huma-
nos, y reconocer que existe un sólo orden jurídico –unitario y coherente- de los dere-
chos humanos, y que este orden jurídico es el mismo para el individuo, los grupos y
pueblos, ya sea que se encuentren al interior de la jurisdicción y esfera de acción de
la Constitución o sujetos al ámbito de acción del Derecho Internacional. Como hemos
dicho, los Estados pueden tener especificidades en materia de derechos humanos,
frente al Derecho Internacional, representando de esta manera, Derecho
Constitucional y Derechos Internacional, dos trenes, pero con el objeto de mantener
la unidad y coherencia del sistema, ambos trenes deben correr por el mismo riel, esto
es, el Derecho de los Derechos Humanos y, en el ámbito americano, el DADH.
En este contexto, sobre la progresiva penetración y compenetración del Derecho
Internacional de los Derechos Humanos con el orden constitucional, Biaggini ha
señalado que “[f]unciones que hasta ahora la Constitución nacional cumplía ella sola
más o menos –protección de las libertades, garantía de la paz, limitación del poder,
etc– son prolongadas cada vez más a escala supraestatal en forma de agrupaciones de
Derecho Internacional y de organizaciones internacionales y supranacionales. Casi se
intenta hablar de una «outsourcing» parcial de funciones constitucionales. La
Constitución, a la que frecuentemente se califica como introvertida, se vuelve «hacia
fuera». La Constitución se hace más internacional y el Derecho Internacional se hace
más constitucional”.9
En el caso del continente americano, este Derecho de los Derechos Humanos ha
ido forjándose, moldeándose y consolidándose, como se verá a continuación, a raíz del
surgimiento del sistema interamericano de promoción y protección de los derechos
humanos, de la actividad de sus órganos y de la interacción con los ordenamientos

9 Biaggini, Giovanni: “La idea de constitución: ¿nueva orientación en la época de la globalización?”, en


Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional, núm. 7, 2003, pp. 43-75, especialmente, pp. 53-54.

400
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

estatales, primordialmente, a través de la interactividad con el orden constitucional y


la jurisdicción constitucional de los Estados.

1. Forjamiento

Toda esta normativa correspondiente al Derecho Internacional de los Derechos


Humanos ha penetrado con fuerza el orden interno de los Estados, permeando y, a su
vez, empapando el Derecho Constitucional –sus valores, principios y espíritu– y gene-
rando, desde la perspectiva de los derechos humanos, una unidad jurídica coherente
protectora del individuo, de los grupos y pueblos.10 En este contexto, tal como lo ha
afirmado el Tribunal Constitucional chileno, “todos los valores, principios y normas
articulados en [la Constitución] gozan de la supremacía que caracteriza a tal ordena-
miento jurídico-político”.11 Esto es lo que algunos autores han denominado la inter-
nacionalización del Derecho Constitucional.12
Así, el Derecho de los Derechos Humanos –en el orden interno de los Estados–,
se compone hoy, de la confluencia enriquecedora entre el Derecho Internacional y el
Derecho Constitucional.13 El profesor Martín-Retortillo lo ha dicho claramente cuan-
do se refiere a “la actual realidad de los derechos humanos, esa especie de polífonía
propia de la pluralidad de fuentes”.14 En otras palabras, desde la perspectiva de los

10 “El reconocimiento explícito, por parte de nuestra más elevada instancia jurisdiccional constitucional, del
carácter «sistemático» de nuestra tabla de derechos fundamentales deja abierta la consideración de impor-
tantes cuestiones” […] “La Constitución (sic), como norma suprema de un Estado de derecho desarrollado,
al apelar a la noción de ordenamiento jurídico no hace sino reconocer que el conjunto de reglas que inte-
gran su Derecho positivo objetivo responde a los principios básicos de: unidad, plenitud y coherencia”.
Pérez Luño, Antonio-Enrique: “Dogmática de los derechos fundamentales y transformaciones del sistema
constitucional”, en Teoría y Realidad Constitucional, núm. 20, 2007, pp. 495-511, especialmente, p. 498.
11 Tribunal Constitucional de Chile: Requerimiento de inplicabilidad deducido por Silvia Peña Wasaff respec-
to del artículo 38 ter de la Ley Nº 18.933, conocida como Ley de Isapres, en recurso de protección contra
Isapre ING Salud S.A., Rol de Ingreso Nº 4972-2007,de la Corte de Apelaciones de Santiago. Rol Nº 976-
2007. Sentencia de fecha 26 de junio de 2008, par. 25º.
12 “Hoy día es posible constatar todo un proceso de internacionalización e integración progresiva del sistema
de derechos fundamentales en los diferentes ordenamientos nacionales”. Álvarez Conde, Enrique y Tur
Ausina, Rosario: “Los derechos en el constitucionalismo: tipología y tutela «multilevel»”, en Teoría y
Realidad Constitucional, núm. 20, 2007, pp. 231-276, especialmente, p. 232; Vid. Aguilar Cavallo, Gonzalo:
“La internacionalización del Derecho Constitucional”, en Estudios Constitucionales, Año 5, núm. 1 (2007),
pp. 223 a 281
13 “[…] a partir del presente deberá acomodar su óptica de enfoque hacia unos ordenamientos jurídicos poli-
céntricos. Esta nueva perspectiva metodológica para asumir el significado actual de los sistemas jurídicos,
denuncia la crisis del iuspositivismo kelseniano. Impone sustituir la imagen piramidal, es decir, jerarquiza-
da del orden normativo, por un horizonte en el que la totalidad del sistema se obtendrá por la intersección
de una pluralidad de estructuras normativas, de procedencia heterogénea y que hacinadas formarán un
panorama del ordenamiento jurídico bastante parecido a una bóveda”. Pérez Luño, Antonio-Enrique:
“Dogmática de los derechos fundamentales y transformaciones del sistema constitucional”, en Teoría y
Realidad Constitucional, núm. 20, 2007, pp. 495-511, especialmente, p. 510.
14 Martín-Retortillo Baquer, Lorenzo: Vías concurrentes para la protección de los derechos huma-
nos.Thomson-Civitas, Navarra, 2006, p. 46.

401
Gonzalo Aguilar Cavallo

derechos fundamentales, y en el ámbito americano, el Derecho Constitucional corres-


ponde o debería corresponder al Derecho Americano de los Derechos Humanos. Por
lo tanto, se ha superado, aquella vieja concepción de que “los derechos fundamenta-
les nacen con la Constitución y se acaban con la Constitución”.15
También ha dado cuenta de este cambio radical de paradigma el profesor Pérez
Luño, aun cuando en un sentido ligeramente distinto. En efecto, el profesor español
ha señalado que “Si hasta el presente la teoría jurídica iuspositivista había padecido un
exceso de concentración en un punto de gravitación único y jerárquico (Grundnorm),
hacia el cual se hacían converger todos los procesos normativos, a partir del presente
deberá acomodar su óptica de enfoque hacia unos ordenamientos jurídicos policéntri-
cos. Esta nueva perspectiva metodológica para asumir el significado actual de los sis-
temas jurídicos, denuncia la crisis del iuspositivismo kelseniano. Impone sustituir la
imagen piramidal, es decir, jerarquizada del orden normativo, por un horizonte en el
que la totalidad del sistema se obtendrá por la intersección de una pluralidad de
estructuras normativas, de procedencia heterogénea y que hacinadas formarán un
panorama del ordenamiento jurídico bastante parecido a una bóveda”.16
Por otra parte, dentro de las razones que se pueden aportar para justificar la con-
formación de este Derecho Americano de los Derechos Humanos se encuentran las
siguientes: En primer lugar, experiencias comunes: en la época de los años 70 y 80, los
países del continente americano compartieron, en términos aproximados, las mismas
experiencias de quiebre constitucional y democrático, con graves violaciones a los
derechos humanos.
En segundo lugar, procesos políticos y constitucionales similares. Como conse-
cuencia de las experiencias vividas, las reacciones constitucionales y democráticas han
sido, mutatis mutandis, las mismas o similares. En general, el patrón seguido en los
países del continente fue el mismo. Por una parte, mantenimiento de las bases jurídi-
cas establecidas por los regímenes autoritarios, por otra parte, dificultades para llevar
adelante el procesamiento y juzgamiento de los responsables de las violaciones a los
derechos humanos y, finalmente, apertura hacia un sistema regional de supervisión
jurisdiccional de los derechos humanos.
En tercer lugar, gran actividad del sistema interamericano de promoción y pro-
tección de los derechos humanos. Sin lugar a dudas que el sistema interamericano de
promoción y protección de los derechos humanos se consolidó en la década de los
años 90. Diversos Estados del continente aceptaron su jurisdicción obligatoria y enri-
quecieron su doctrina y jurisprudencia constitucional con las enseñanzas de la Corte
IDH, órgano jurisdiccional internacional que se configura como el supremo intérpre-
te regional en materia de derechos humanos. Este último es un patrón común, que se

15 Cruz Villalón, Pedro: “Formación y Evolución de los Derechos Fundamentales”, en Revista Española de
Derecho Constitucional, Año 9. núm. 25 (1989), pp. 35-62, especialmente, p. 41.
16 Pérez Luño, Antonio-Enrique: “Dogmática de los derechos fundamentales y transformaciones del sistema
constitucional”, en Teoría y Realidad Constitucional, núm. 20, 2007, pp. 495-511, especialmente, pp. 510-511.

402
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

presenta con mayor o menor intensidad en los distintos países de América Latina. Con
todo, aun cuando este patrón se revele, en algunos Estados, ser de baja intensidad, es
un hecho que las sentencias de la Corte IDH y sus enseñanzas y jurisprudencia están
presentes en las experiencias constitucionales y en la jurisprudencia constitucional de
los países de la región.17
Finalmente, creciente interacción y sinergia entre la Corte IDH y las institucio-
nes constitucionales y democráticas de los Estados americanos. Luego de un inicio
complejo en cuanto a la relación entre la Corte IDH y los Estados, hoy en día se puede
argumentar que existe un verdadero diálogo entre la Corte IDH y sus enseñanzas y los
órganos de los Estados, en particular, con la justicia ordinaria y constitucional, aun-
que muchas veces no muy fluido o desprovisto de obstáculos. Este diálogo entre el
juez interamericano y el juez constitucional resulta singularmente relevante en la
construcción coherente y uniforme de este verdadero corpus iuris interamericano que
nosotros hemos denominado el Derecho Americano de los Derechos Humanos.

17 Por ejemplo, para el caso Argentino, vid. Simón, Julio Héctor y otros – Corte Suprema de Justicia de la
Nación (CS) -2005-06-14 – Fallos: 328:2056; Para el caso de Perú, el Tribunal Constitucional ha señalado
que “Para la resolución del caso es oportuno recordar que la Corte Interamericana de Derechos Humanos
ha tenido oportunidad de condenar y sancionar a Estados que han ratificado la Convención Americana de
Derechos Humanos por permitir que sus máximos órganos jurisdiccionales electorales se encuentren exen-
tos de un control jurisdiccional frente a aquellas decisiones que contravengan los derechos fundamentales
de las personas. En efecto, en el Caso Yatama vs. Nicaragua, la Corte Interamericana de Derechos Humanos
sostuvo que : “Si bien la Constitución de Nicaragua ha establecido que las resoluciones del Consejo Supremo
Electoral en materia electoral no son susceptibles de recursos ordinarios o extraordinarios, esto no signifi-
ca que dicho Consejo no deba estar sometido a controles judiciales, como lo están los otros poderes del
Estado. Las exigencias derivadas del principio de independencia de los poderes del Estado no son incompa-
tibles con la necesidad de consagrar recursos o mecanismos para proteger los derechos humanos.
Independientemente de la regulación que cada Estado haga respecto del órgano supremo electoral, éste
debe estar sujeto a algún control jurisdiccional que permita determinar si sus actos han sido adoptados al
amparo de los derechos y garantías mínimas previstos en la Convención Americana, así como los estableci-
dos en su propia legislación, lo cual no es incompatible con el respeto a las funciones que son propias de
dicho órgano en materia electoral. Este control es indispensable cuando los órganos supremos electorales,
como el Consejo Supremo Electoral en Nicaragua, tienen amplias atribuciones, que exceden las facultades
administrativas, y que podrían ser utilizados, sin un adecuado control, para favorecer determinados fines
partidistas. En este ámbito, dicho recurso debe ser sencillo y rápido, tomando en cuenta las particularida-
des del procedimiento electoral. Por todo lo expuesto, la Corte concluye que el Estado violó el derecho a la
protección judicial consagrado en el artículo 25.1 de la Convención Americana”. Tribunal Constitucional
de Perú: Caso Colegio de Abogados del Callao (demandante) c. Congreso de la República (demandado). Rol
00007-2007-PI/TC. Resolución del 19 de Junio de 2007; Para el caso de Chile, se ha indicado en el Informe
entregado al Consejo de Derechos Humanos para el Examen Periódico Universal, que “De acuerdo a la
reforma introducida al Art. 5 inciso 2 de la Constitución, ya mencionada, los derechos humanos estableci-
dos en los tratados internacionales de derechos humanos tienen rango constitucional. Así se ha reconocido
por los propios tribunales internos, los cuales han recurrido a la normativa internacional para fundamentar
sus fallos. Cabe mencionar que la Corte Suprema ha citado el fallo de la Corte Interamericana de Derechos
Humanos en el “Caso Almonacid”, reafirmando que la prohibición de crímenes de lesa humanidad es una
norma de ius cogens”. Informe nacional de Chile presentado de conformidad con el párrafo 15 a) anexo a
la resolución 5/1 del Consejo de Derechos Humanos. Doc. N.U. A/HRC/WG.6/5/CHL/1, de fecha 16 de
febrero de 2009, par. 18; Vid. Corte Suprema: Secuestro calificado de Ricardo Troncoso Muñoz y otros.
Causa Rol Nº 3452-06. Sentencia de fecha 10 de mayo de 2007.

403
Gonzalo Aguilar Cavallo

Además, este Derecho Americano de los Derechos Humanos tiene en sí mismo una
virtualidad propia de los derechos humanos, cual es asegurar el principio democráti-
co de no discriminación en el sentido que todos los individuos, grupos y pueblos de
América, tendrían asegurado, al menos, un estándar básico de respeto y goce de los
derechos humanos. En esta construcción del Derecho Americano de los Derechos
Humanos, el Derecho Constitucional -del Estado democrático y comunitario del ter-
cer milenio- juega un rol clave.

2. Principales características y elementos que lo componen

El Derecho Americano de los Derechos Humanos posee una normativa determi-


nada, una comunidad de destinatarios definida y órganos (cuasi-jurisdiccionales y
jurisdiccionales) de supervisión y control, lo cual modela y confirma la existencia de
este corpus iuris.
Desde el punto de vista de la normativa que lo compone, se pueden mencionar
los instrumentos regionales de derechos humanos, empezando por la Carta de la
Organización de Estados Americanos (en adelante, la OEA) en cuyo preámbulo se
señala que los pueblos de América están “[s]eguros de que el sentido genuino de la
solidaridad americana y de la buena vecindad no puede ser otro que el de consolidar
en este Continente, dentro del marco de las instituciones democráticas, un régimen
de libertad individual y de justicia social, fundado en el respeto de los derechos esen-
ciales del hombre”.18 Además, por supuesto, la Convención Americana sobre
Derechos Humanos, complementada con el Protocolo de San Salvador y otros instru-
mentos jurídicos regionales. A estos instrumentos vinculantes, hay que sumar otros
no vinculantes –al menos en cuanto tales- tales como la Declaración Americana de
Derechos y Deberes del Hombre (en adelante, la DADDH), cuyo preámbulo ya en
1948, adelantaba el surgimiento, en cierne, de este Derecho Americano de los
Derechos Humanos, al señalar que “la protección internacional de los derechos del
hombre debe ser guía principalísima del derecho americano en evolución”.19
Luego, desde la perspectiva de la comunidad a la que rige, el Derecho Americano
de los Derechos Humanos tiene como destinatario general todos los individuos, gru-
pos y pueblos que se encuentren dentro de la jurisdicción de alguno de los Estados
miembros de la OEA.
Finalmente, desde la óptica de los órganos de supervisión (jurisdiccionales y
cuasi-jurisdiccionales), los derechos humanos en América son supervisados por dos
órganos. En primer lugar, por la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (en

18 Preámbulo de la Carta de la Organización de los Estados Americanos, suscrita en Bogotá en 1948 y refor-
mada por el Protocolo de Buenos Aires en 1967, por el Protocolo de Cartagena de indias en 1985, por el
Protocolo de Washington en 1992, y por el Protocolo de Managua en 1993.
19 Preámbulo de la Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre (aprobada en la Novena
Conferencia Internacional Americana), Bogotá, Colombia, 1948.

404
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

adelante, la CIDH), que posee competencia para conocer de las denuncias de particu-
lares respecto de Estados miembros de la OEA y la Corte Interamericana de Derechos
Humanos (en adelante, la Corte IDH) que posee competencia para conocer de
demandas presentadas por la propia Comisión o por los Estados partes contra otros
Estados que han aceptado expresamente su jurisdicción.
En consecuencia, se puede observar la consolidación de un Derecho Americano
de los Derechos Humanos, cuyas características, en términos muy generales, se
podrían esbozar en las siguientes: a) se trata de un derecho dinámico, en permanente
creación y evolución. Tal como lo ha sostenido el juez Cançado Trindade, “al fin y al
cabo, tarde o temprano, aún frente a los más crueles crímenes de Estado, el Derecho
reacciona”,20 sobre todo el DADH por su carácter esencialmente vivo y dinámico,
aportando protección, reconocimiento y reparación al ser humano; b) el DADH con-
figura un derecho cuyo fin natural es penetrar e incorporarse en los órdenes jurídicos
internos por la vía del Derecho Constitucional de los Estados; c) por esta vía de recep-
ción natural, el Derecho Americano de los Derechos Humanos debiera tender a uni-
formar los contenidos y la aplicación de los derechos humanos en los diversos órde-
nes constitucionales americanos, el cual se configuraría como el estándar mínimo en
materia de derechos humanos exigible a los Estados del Continente.21
Por otra parte, esta suerte de umbral mínimo de derechos humanos, que el
Derecho Americano de los Derechos Humanos, por la vía del Derecho Constitucional
de los Estados, tiende a asegurar a todos los individuos y grupos de la región, permi-
tiría resolver las chocantes diferencias y discriminaciones que se presentan hoy en día
tanto a nivel intraestatal como a nivel extraestatal.
A nivel intraestatal, el estándar mínimo asegura un respeto homogéneo elemen-
tal de todos los derechos humanos, esto es, civiles y políticos y además, económicos,
sociales y culturales, respecto de todas las capas de la sociedad. De esta manera, en tér-
minos de derechos, se reduciría aunque no se eliminaría, la abismante diferencia de
desarrollo humano entre las capas de la sociedad, y este último, sería un avance en
relación con elevados índices de igualdad y combate a la discriminación, ya que esta-
ría asegurado, al menos, el acceso igualitario de todos a este umbral mínimo.

20 Corte I.D.H.: Caso Goiburú y otros vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 22 de septiem-
bre de 2006. Serie C No. 153. Voto razonado del juez A. A. Cançado Trindade, par. 68, p. 23.
21 Comparativamente hablando en relación con el sistema europeo de derechos humanos, la Corte Europea de
Derechos Humanos, argumentando respecto de la Carta de Derechos Fundamentales de la Unión Europea,
ha afirmado que pese a no ser plenamente vinculante, las disposiciones de la Carta se inspiraron esencial-
mente en las del Convenio Europeo de Derechos Humanos, reconociendo aquella que éste establece están-
dares mínimos de derechos humanos. “Although not fully binding, the provisions of the Charter of
Fundamental Rights of the European Union were substantially inspired by those of the Convention, and
the Charter recognises the Convention as establishing the minimum human rights standards”. ECHR: Case
of Bosphorus Hava Yollari Turizm Ve Ticaret Anonim Sirketi vs. Ireland (Application no. 45036/98).
Judgment, 30 June 2005, par. 156; Alonso García, Ricardo y Sarmiento, Daniel: La Carta de los Derechos
Fundamentales de la Unión Europea. Thomson-Civitas, Navarra, 2006, p. 47.

405
Gonzalo Aguilar Cavallo

Al mismo tiempo, a nivel extraestatal, la consolidación de este DADH entendido


como estándar mínimo de los derechos humanos, lo que a su vez implicaría, una con-
cepción elemental comúnmente compartida de los derechos del hombre en América,
estimula una suerte de justicia comunitaria, entre los Estados del continente, equipa-
rando o nivelando la situación de sus miembros, individuos y grupos, en términos de
derechos humanos, descartando, asimismo, las odiosas diferencias de derechos y, con-
secuentemente, de desarrollo humano, actualmente persistentes entre las sociedades
de América Latina. En este sentido, como ha señalado Solozabal Echavarría, “en la
medida en que los derechos fundamentales definen el status jurídico básico del indivi-
duo, actúan como un factor de homogeneización de todo el sistema jurídico”.22
En suma, el Derecho Americano de los Derechos Humanos se encontraría com-
puesto de las tradiciones constitucionales comunes de los Estados del Continente y de
los instrumentos internacionales de derechos humanos que obligan a los Estados de la
región, particularmente, la CADH, y, además, la Declaración Americana de Derechos
y Deberes del Hombre de 1948.

A/ Hacia la concretización de tradiciones constitucionales comunes de los


Estados de América Latina

El preámbulo de la Declaración Americana de Derechos y Deberes del


Hombre, deja entrever que este Derecho Americano de los Derechos Humanos se
forja en la confluencia mutuamente enriquecedora entre la protección internacional
y las tradiciones constitucionales nacionales comunes, al señalar que “los pueblos
americanos han dignificado la persona humana y que sus constituciones nacionales
reconocen que las instituciones jurídicas y políticas, rectoras de la vida en sociedad,
tienen como fin principal la protección de los derechos esenciales del hombre y la
creación de circunstancias que le permitan progresar espiritual y materialmente y
alcanzar la felicidad”.23 A este enriquecimiento mutuo –que acerca los procesos cons-
titucionales en materia de derechos fundamentales- se refiere Corchete Martín cuan-
do señala que a través de los tratados internacionales de derechos humanos “se pro-
duce, dentro de los Estados firmantes, una especie de proceso de integración a un
ámbito superior, en este caso, en materia de derechos fundamentales, que permite
enriquecer las perspectivas nacionales a través, entre otros mecanismos, de la expe-
riencia foránea”.24 Del mismo modo, tal como señala Zarini, “está reconocido univer-
salmente que los derechos esenciales del hombre no nacen del hecho de ser nacional
de determinado Estado, sino que se basan en los atributos inherentes a la persona

22 Solozábal Echavarría, Juan José: “Algunas cuestiones básicas de la teoría de los derechos fundamentales”, en
Revista de Estudios Políticos (Nueva Época), núm. 71, enero-marzo 1991, pp. 87-109, especialmente, p. 88.
23 Idem.
24 Corchete Martín, María José: “Los nuevos derechos”, en Teoría y Realidad Constitucional, núm. 20 (2007),
pp. 535-556, especialmente, p. 554.

406
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

humana, por lo que se justifica una protección internacional, de ‘naturaleza conven-


cional coadyuvante o complementaria de la que ofrece el derecho interno de los
Estados americanos’, como establece el Preámbulo de la Convención Americana sobre
Derechos Humanos”.25
El estándar mínimo americano, determinado por el sistema interamericano de
promoción y protección de los derechos humanos, y, en particular, por la actividad de
la Corte IDH e integrado, además, por las tradiciones constitucionales comunes de los
Estados, debiera incorporarse en las constituciones de los Estados americanos, confi-
gurando, a su vez, el estándar constitucional mínimo en materia de derechos huma-
nos del constitucionalismo democrático y comunitario americano del tercer milenio.
Así, parafraseando a Rawls, esta concepción común de la justicia de los derechos
humanos constituiría la base del modelo de democracia constitucional americana.26
Tomando en cuenta que el ordenamiento del Derecho Americano de los Derechos
Humanos tiene su origen en los instrumentos internacionales de derechos humanos, par-
ticularmente, en la Declaración Americana de Derechos y Deberes del Hombre y en la
Convención Americana de Derechos Humanos, y en las tradiciones constitucionales
comunes de los Estados Latinoamericanos, el contenido de este orden de los Derechos
Humanos se incardina en una cultura de los derechos humanos que no es desconocida en
la región ni en ninguno de los Estados constitucionales Latinoamericanos.27
Así, se puede afirmar la existencia de un parámetro americano de protección de
los derechos humanos, común a todos los Estados Americanos, proveniente de las tra-
diciones constitucionales comunes y de los instrumentos internacionales de derechos
humanos que los vinculan, particularmente, la DADDH y la CADH, y establecido en
forma viviente día a día a través de la actividad jurisprudencial de la Corte IDH.28
En este ámbito, los derechos fundamentales juegan un rol esencial de uniforma-
ción y homogeneización de los estándares de vida y condiciones de vida digna de los
seres humanos del continente americano.

B/ Los instrumentos internacionales de derechos humanos,


especialmente, la CADH

En las últimas décadas, se ha apreciado un notable aumento en la cantidad de


ratificaciones de instrumentos internacionales en los países de América Latina, lo cual

25 Zarini, Helio Juan: Derecho constitucional. Astrea, Buenos Aires, 2ª edición, 1999, p. 435.
26 Rawls, John: Teoría de la justicia. Trad. de María Dolores González Soler. Ed. Fondo de Cultura Económica,
México, Segunda Edición, 1995, p. 229.
27 Para un enfoque centrado en Europa, vid. Alonso García, Ricardo y Sarmiento, Daniel: La Carta de los
Derechos Fundamentales de la Unión Europea. Thomson-Civitas, Navarra, 2006, p. 27.
28 González González, Rossana: “Límites a la construcción de un «orden público europeo» en materia de dere-
chos fundamentales (A propósito de la sentencia del TJCE Krombach c. Bamberski, de 28 de marzo de
2000)”, en Revista de Derecho Comunitario Europeo, núm. 8, julio-diciembre 2000, pp. 593-617, especial-
mente, p. 614.

407
Gonzalo Aguilar Cavallo

se corresponde con la dinámica propia de la comunidad internacional en el período


posterior a la caída del Muro de Berlín donde también se aprecia, a nivel mundial, un
aumento en la ratificación de instrumentos internacionales. En este sentido, quizás
vale la pena agregar que también se observa un incremento sostenido en el debate y
producción normativa internacional, ya sea a través de la realización de Conferencias
Internacionales especializadas o Cumbres Regionales o Internacionales de Estados.
Esta mayor producción y suscripción de instrumentos internacionales de dere-
chos humanos se ve complementada con un incremento del proceso de incorporación
estatal de los instrumentos internacionales de derechos humanos, asignándoles en
forma creciente el rango constitucional. Esta confluencia entre Derecho Internacional
de los Derechos Humanos y Derecho Constitucional de los Derechos Humanos se pro-
duce justamente porque ambos órdenes reflejan la regulación de los derechos que
emanan de la dignidad humana.29 En este sentido, Corchete Martín, ha señalado que,
en definitiva, “el Derecho Internacional vendría a completar al Derecho interno, tra-
tando de crear un marco común en esta materia [derechos fundamentales] de claro
carácter internacional”.30
En consecuencia, necesariamente, tanto el orden internacional como el consti-
tucional de los derechos humanos, comparten rasgos comunes. En palabras del profe-
sor Pérez Luño, refiriéndose a la Constitución Española, “se desprende de la CE que
nuestros derechos fundamentales constituyen un sistema de valores objetivos dotados
de una unidad de sentido y que representan la suprema expresión del orden axiológi-
co de nuestra sociedad, así como también de la comunidad internacional a la que per-
tenecemos”.31
Por otro lado, los países de América Latina han reiterado en diversas ocasiones
su compromiso inequívoco por los derechos humanos y por el respeto y apego irres-
tricto al Derecho Internacional. Así, por ejemplo, en la Quinta Cumbre de las
Americas de 2009, los Estados del continente reiteraron su “compromiso para prote-
ger y promover los derechos humanos en nuestro Hemisferio, y el fortalecimiento del
sistema interamericano de derechos humanos, con debido respeto a su autonomía e
independencia. Expresamos nuestra voluntad de continuar profundizando el diálogo
constructivo con la participación de todos sus actores, incluyendo la Comisión
Interamericana de Derechos Humanos y la Corte Interamericana de Derechos
Humanos, en el marco del proceso de reflexión que contribuye al perfeccionamiento,
eficacia, universalización y el adecuado financiamiento de los órganos del sistema”.32

29 Vid. cómo el profesor Ortega Santiago habla de un Derecho Constitucional de los derechos fundamentales.
Ortega Santiago, Carlos: “Las nuevas fronteras de los derechos fundamentales en el ordenamiento italiano:
crónica de un lento avance”, en Teoría y Realidad Constitucional, núm. 20,2007, pp. 569-582.
30 Corchete Martín, María José: “Los nuevos derechos”, en Teoría y Realidad Constitucional, núm. 20 (2007),
pp. 535-556, especialmente, p. 556.
31 Pérez Luño, Antonio-Enrique: “Dogmática de los derechos fundamentales y transformaciones del sistema
constitucional”, en Teoría y Realidad Constitucional, núm. 20, 2007, pp. 495-511, especialmente, p. 500.
32 Vid. Declaración de Compromiso de Puerto España, Quinta Cumbre de las Americas, realizada del 17 al 19
de abril de 2009, en Puerto España, Trinidad y Tobago, par. 83.

408
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

Además, en la Cumbre de San Salvador de 2008, los Jefes de Estado y de


Gobierno reiteraron su “compromiso con los principios y propósitos reconocidos en
la Carta de Naciones Unidas, los valores esenciales de la democracia, la promoción y
el respeto de todos los derechos humanos, el fortalecimiento del multilateralismo, el
combate al terrorismo y a la delincuencia transnacional organizada y el rechazo a las
medidas coercitivas unilaterales, contrarias al derecho internacional, los cuales cons-
tituyen pilares fundamentales para que las y los jóvenes contribuyan como sujetos
activos a la construcción de sociedades basadas en la justicia social, la tolerancia y la
convivencia pacífica”.33
Por su parte, en la Declaración de Santiago (2007), los Jefes de Estado y de
Gobierno ya habían efectuado el compromiso de trabajar por la cohesión social a tra-
vés de un pleno respeto de los derechos humanos, cuando señalaron que se compro-
meten a “colaborar estrechamente para colocar en el núcleo central de la agenda
internacional el interés por la cohesión social y la necesidad de alcanzar sociedades
más inclusivas con pleno respeto a los derechos humanos, así como la promoción de
un entorno internacional favorable a los esfuerzos nacionales e internacionales en
materia de protección social y políticas para la superación de la pobreza, la desigual-
dad y el hambre en el mundo y el cumplimiento de los Objetivos de Desarrollo del
Milenio”.34
En forma reiterada, las Constituciones de América han ido incorporando diver-
sas referencias al Derecho Internacional de los Derechos Humanos, aun cuando, estas
referencias son desiguales o asimétricas entre un Estado y otro. La mayoría de las
Constituciones sólo hace esta referencia, restringiéndola a los instrumentos interna-
cionales de derechos humanos, como si los derechos humanos sólo se redujeran a la
fuente convencional. Esta mirada de la Constitución, cada vez más intensa, hacia el
orden internacional, contiene la reflexión de que “La idea de Constitución deja el
horizonte nacional atrás, avanza más allá hacia campos supraestatales”.35
La importancia que han adquirido los derechos humanos en el constitucionalis-
mo de las últimas tres décadas en América, queda en evidencia a través de los debates
y de las reformas constitucionales que han generado. De igual modo, en algunos casos,
las constituciones no se han contentado con referirse a los instrumentos internacio-
nales de derechos humanos, sino que además han hecho referencia a la jerarquía nor-
mativa que en el orden interno poseen dichos instrumentos.

33 Vid. Declaración de San Salvador “Juventud y Desarrollo”, efectuada con ocasión de la XVIII Cumbre
Iberoamericana de Jefes de Estado y de Gobierno, realizada en la ciudad de San Salvador, República de El
Salvador, el 29, 31 de octubre de 2008, par. 4.
34 Además, la Declaración de Santiago agrega, “Fortalecer la promoción y respeto de todos los derechos huma-
nos como un componente indispensable en la adopción y ejecución de las políticas destinadas a lograr la
cohesión social”.Vid. Declaración de Santiago, efectuada en la XVII Cumbre Iberoamericana de Jefes de
Estado y de Gobierno, realizada en Chile, 8, 9 y 10 de noviembre de 2007, pars. 3 y 13.
35 Biaggini, Giovanni: “La idea de constitución: ¿nueva orientación en la época de la globalización?”, en
Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional, núm. 7, 2003, pp. 43-75, especialmente, p. 47.

409
Gonzalo Aguilar Cavallo

Por ejemplo, en la Constitución Argentina se señala que “La Declaración


Americana de los Derechos y Deberes del Hombre; la Declaración Universal de
Derechos Humanos; la Convención Americana sobre Derechos Humanos; el Pacto
Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales; el Pacto Internacional
de Derechos Civiles y Políticos y su Protocolo Facultativo; la Convención sobre la
Prevención y la Sanción del Delito de Genocidio; la Convención Internacional sobre
la Eliminación de todas las Formas de Discriminación Racial; la Convención sobre la
Eliminación de todas las Formas de Discriminación contra la Mujer; la Convención
contra la Tortura y otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes; la
Convención sobre los Derechos del Niño: en las condiciones de su vigencia, tienen
jerarquía constitucional, no derogan artículo alguno de la primera parte de esta
Constitución y deben entenderse complementarios de los derechos y garantías por ella
reconocidos. Solo podrán ser denunciados, en su caso, por el Poder Ejecutivo nacional,
previa aprobación de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada
Cámara. Los demás tratados y convenciones sobre derechos humanos, luego de ser
aprobados por el Congreso, requerirán del voto de las dos terceras partes de la totali-
dad de los miembros de cada Cámara para gozar de la jerarquía constitucional”.36 Y,
por su parte, en la Constitución de Venezuela, se señala que “Los tratados, pactos y
convenciones relativos a derechos humanos, suscritos y ratificados por Venezuela, tie-
nen jerarquía constitucional y prevalecen en el orden interno, en la medida en que
contengan normas sobre su goce y ejercicio más favorables a las establecidas por esta
Constitución y la ley de la República, y son de aplicación inmediata y directa por los
tribunales y demás órganos del Poder Público”,37 En términos generales, actualmente,
existe la tendencia a asignarles rango constitucional.38 De todas maneras, en aquellos
Estados latinoamericanos en cuyas constituciones no se ha expresado el rango consti-
tucional de los instrumentos internacionales de derechos humanos, la jurisprudencia,
por vía pretoriana, se ha encargado de afirmar este principio, como es el caso de
México y Chile.39 Con todo, desde un punto de vista doctrinario, hay voces disidentes

36 Artículo 75, Constitución de la República de Argentina, 1994.


37 Artículo 23, Constitución de la República Bolivariana de Venezuela, 1999.
38 Un ejemplo de esta fuerte tendencia se puede encontrar en el ámbito europeo, en la Constitución del
Principado de Andorra de 1993. “Alors qu’il faut recourir au Préambule de la Constitution française pour
trouver une assise juridique aux droits de l’homme en France, la Constitution de la Principauté d’Andorre
consacre un chapitre entier à ces principes supérieurs que sont les droits fondamentaux» […] «la Constitution
andorrane ne se contente pas de décrire et de conférer ainsi directement une valeur constitutionnelle á ces
principes […]». Lacamp-Leplaë, Odile: «La sauvegarde des droits fondamentaux en Andorre», en Revue
Internationale de Droit Comparé, Vol. 53, núm. 2 (2001), pp. 483-493, especialmente, p. 485.
39 “De acuerdo a la reforma introducida al Art. 5 inciso 2 de la Constitución, ya mencionada, los derechos
humanos establecidos en los tratados internacionales de derechos humanos tienen rango constitucional. Así
se ha reconocido por los propios tribunales internos, los cuales han recurrido a la normativa internacional
para fundamentar sus fallos”. Informe nacional presentado de conformidad con el párrafo 15 A) Anexo a la
resolución 5/1 del Consejo de Derechos Humanos, Chile. Doc. A/HRC/WG.6/5/CHL/1, de fecha 16 de
febrero de 2009, par. 18, p. 5; “Que, de igual manera, el inciso segundo del artículo 5º de la Constitución

410
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

frente a la idea de reconocer supremacía a los derechos humanos reconocidos en el


Derecho Internacional, porque, se dice, que el Estado -y los derechos reconocidos en
el orden estatal- es el único espacio real de democracia y libertad, y, por tanto, donde
el individuo pueda gozar y ver protegidos plenamente sus derechos.40 Se descarta,
como imperfecto, cualquier sistema o mecanismo de protección supraestatal o supra-
nacional. Algunos autores, como Solozábal, han sostenido que posiciones como la ante-
rior se funda en una legitimación nacionalista como única justificación del poder.41

3. El espacio público americano

Utilizando estas dos herramientas –tradiciones constitucionales e instrumentos


internacionales de derechos humanos- como fuentes de inspiración, indudablemente
que se irá configurando el sistema de derechos humanos propio del ordenamiento
jurídico latinoamericano, el cual, en definitiva, será el sustento y fundamento de un
verdadero espacio público americano.42 Este espacio público americano se encuentra
dotado, desde un punto de vista jurídico, de un verdadero orden constitucional, esto

Política de la República, preceptúa que el ejercicio de la soberanía aparece limitado por "los derechos esen-
ciales de la persona humana" siendo "deber de los órganos del Estado respetar y promover tales derechos
garantizados por esta Constitución así como por los tratados internacionales ratificados por Chile que se
encuentren vigentes". Valores que son superiores a toda norma que puedan disponer las autoridades del
Estado, incluido el propio Poder Constituyente derivado, lo que impide que sean desconocidos (Fallos del
Mes Nº 446, sección criminal, página 2.066), aún en virtud de consideraciones de oportunidad en la políti-
ca social o de razones perentorias de Estado para traspasar esos límites. Otorgándole rango constitucional a
los tratados que garantizan el respeto de los derechos humanos, concediéndoles una jerarquía mayor que a
los demás tratados internacionales, en cuanto regulan los derechos esenciales que emanan de la naturaleza
humana”. “En definitiva los derechos humanos asegurados en un tratado se incorporan al ordenamiento
jurídico interno, formando parte de la Constitución material adquiriendo plena vigencia, validez y eficacia
jurídica, no pudiendo ningún órgano del Estado desconocerlos y debiendo todos ellos respetarlos y promo-
verlos, como asimismo, protegerlos a través del conjunto de garantías constitucionales destinadas a asegu-
rar el pleno respeto de los derechos. Esta obligación no sólo deriva del mentado artículo 5º, sino también
del 1º, incisos primero y cuarto, y 19, Nº 26º, de la Carta Magna y de los mismos tratados internacionales,
entre éstos del artículo 1º común a los Cuatro Convenios de Ginebra, que establece el deber de los Estados
Partes de respetar y hacer cumplir el derecho internacional humanitario”. Corte Suprema: Zapata Reyes,
Basclay H. y otros s/ Secuestro calificado. Recurso de casación en el fondo. Rol Nº 3452-06. Sentencia de
fecha 10 de mayo de 2007. Considerando 66º.
40 En este sentido Ruipérez ha señalado que “no puede ignorarse que se trata de un Derecho Internacional
que, al no poder presentarse como el fruto de la voluntad de un pueblo soberano mundial, que, por lo
demás, no existe, nunca podrá ocupar la posición que tenían las Constituciones estatales, y, en consecuen-
cia, carecerá de esa naturaleza de Derecho Fundamental que le permita conducir adecuadamente la vida
política y jurídica de la hipotética aldea global”. Ruipérez Alamillo, Javier: “El transfondo teórico-ideológi-
co de la “libertad civil” y su eficacia”, en Teoría y Realidad Constitucional, núm. 20 (2007), pp. 175-230,
especialmente, p. 228.
41 Solozábal Echavarría, Juan José: “Constitución y orden constitucional en la Unión Europea”, en Revista de
Estudios Políticos (Nueva Época), núm. 119, enero-marzo 2003, pp. 57-79, especialmente, p. 63.
42 Para un desarrollo de esta idea, aplicada al continente Europeo, vid. Innerarity Grau, Daniel: “El espacio
público europeo”, en Claves de razón práctica, núm. 175 (2007), pp. 24-31.

411
Gonzalo Aguilar Cavallo

es, de un ‘orden público americano’, compuesto por los valores y principios de los
derechos humanos, y en cuya cúspide se encontrarían las normas de ius cogens.
Así, como ha sido reconocido, tanto en el ámbito europeo como en el ámbito
americano, la existencia de un orden público constitucional, el sistema de derechos
humanos admite y reconoce las particularidades culturales de las distintas comunida-
des y pueblos.43 En virtud de este reconocimiento, es posible que las orientaciones o
los énfasis impresos al orden público europeo no sea el mismo que aquel aplicado al
orden público americano, si bien, en gran medida, ambos órdenes coincidirán en su
contenido. Con todo, en lo que dice relación con aquellas normas que se encuentran
fuera del acuerdo convencional, y que vinculan al individuo, a las comunidades y pue-
blos, en todo momento y bajo cualquier circunstancia, dichas normas imperativas
conforman omnium gentium un orden público internacional.
De este modo, la Declaración Americana de Derechos y Deberes del Hombre y
la Convención Americana de Derechos Humanos, son los instrumentos constitucio-
nales principales del orden público americano, por la particular naturaleza de estos
instrumentos, por el carácter objetivo de sus disposiciones y por la instauración de un
sistema de garantía colectiva del respeto a los derechos humanos. Este orden público
se funda, además, en que los Estados Americanos han declarado que “la consagración
americana de los derechos esenciales del hombre unida a las garantías ofrecidas por el
régimen interno de los Estados, establece el sistema inicial de protección que los
Estados americanos consideran adecuado a las actuales circunstancias sociales y jurí-
dicas, no sin reconocer que deberán fortalecerlo cada vez más”44 y que han tenido el
“propósito de consolidar en este Continente, dentro del cuadro de las instituciones
democráticas, un régimen de libertad personal y de justicia social, fundado en el res-
peto de los derechos esenciales del hombre”.45
En un cierto aspecto, más bien internacional, Pérez Luño se refiere a una
supraestatalidad normativa en el ámbito de los derechos humanos como un nuevo ius
comune.46 Sin embargo, nuestro enfoque no se queda en la supraestatalidad normati-

43 “Todos los derechos humanos son universales, indivisibles e interdependientes y están relacionados entre
sí. La comunidad internacional debe tratar los derechos humanos en forma global y de manera justa y equi-
tativa, en pie de igualdad y dándoles a todos el mismo peso. Debe tenerse en cuenta la importancia de las
particularidades nacionales y regionales, así como de los diversos patrimonios históricos, culturales y reli-
giosos, pero los Estados tienen el deber, sean cuales fueren sus sistemas políticos, económicos y culturales,
de promover y proteger todos los derechos humanos y las libertades fundamentales”. Vid. Declaración y
Programa de Acción de Viena, aprobada por la Conferencia Mundial de Derechos Humanos el 25 de junio
de 1993. Doc. A/CONF.157/23, de fecha 12 de julio de 1993, par. 5.
44 Cfr. Preámbulo, Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre (Aprobada en la Novena
Conferencia Internacional Americana, Bogotá, Colombia, 1948).
45 Cfr. Preámbulo, Convención Americana sobre Derechos Humanos, suscrita en la Conferencia Especializada
Interamericana sobre Derechos Humanos, San José, Costa Rica 7 al 22 de noviembre de 1969 (Pacto de San José).
46 “La supraestatalidad normativa supone la adopción de reglas jurídicas comunes en el ámbito de ordena-
mientos diferentes, por efecto de explícitos actos de aceptación de la estructura normativa de determinadas
organizaciones internacionales o supranacionales, o bien por el reconocimiento implícito de normas jurídi-

412
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

va, ya que el Derecho Americano de los Derechos Humanos del que hablamos se
encuentra en la confluencia entre el Derecho Internacional y el Derecho
Constitucional y en su enriquecimiento recíproco. ¿Qué Derecho Constitucional? Las
tradiciones constitucionales comunes de los Estados de América Latina.
En el ámbito europeo, De Salvia ha expresado esta idea, cuando ha señalado que
“[f]rente al ius propium de cada uno de los Estados Partes del CEDH, «aparecen cla-
ramente los contornos de un derecho europeo de los derechos humanos» (...) –«un ius
commune»– que representa el núcleo irreductible de los derechos fundamentales, en
continuo crecimiento, alrededor de los cuales puede y debe forjarse la unidad de
espíritus, condición necesaria de la unión política”.47 González, a pesar de manifes-
tar que la noción de orden público europeo es ambigua o incierta, se atreve a seña-
lar que esta noción “reflejaría una categoría sui generis de ius cogens europeo en
materia de derechos fundamentales, cuyo referente normativo es el Convenio
Europeo de Derechos Humanos, y su fuente de determinación, la jurisprudencia del
Tribunal Europeo de Derechos Humanos dictada en el marco de los contenciosos por
responsabilidad del Estado”.48
La jurisprudencia de la Corte Europea de Derechos Humanos ha expresamente
reconocido la noción de orden público europeo, basado, fundamentalmente, en la
Convención Europea de Derechos Humanos, en el caso Loizidou vs. Turquía y, pos-
teriormente, en el denominado caso Bosphorus, donde, bajo determinadas circunstan-
cias, las obligaciones derivadas de la cooperación internacional podrían ceder frente

cas fuera del área en la que inicialmente fueron promulgadas. Este fenómeno se ha expresado con particular
eficacia en las experiencias y tentativas dirigidas a establecer un nuevo ius commune, es decir, un Derecho
común que, a semejanza del forjado por las universidades medievales, representa una especie de tejido conec-
tivo que une los ordenamientos jurídicos modernos y que encuentra expresión en el plano del Derecho posi-
tivo en documentos y acuerdos sobre derechos humanos, persecución de organizaciones delictivas interna-
cionales y reglas generales del tráfico económico. Al propio tiempo que se afirma por vía jurisprudencial a
través de la presencia en distintos ordenamientos estatales nacionales de modelos jurídicos que tienen un ori-
gen cultural común. Puede concluirse, a partir de estas consideraciones, que en las actuales sociedades inter-
dependientes e interconectadas se ha erosionado y, en ocasiones, se ha llegado a abolir, el protagonismo
hegemónico y monopolístico de los Estados nacionales, en la creación del sistema de fuentes del derecho”.
Pérez Luño, Antonio Enrique: “Estado constitucional y generaciones de derechos humanos”, en Corte I.D.H.:
Liber Amicorum Héctor Fix-Zamudio, Volumen II, Corte Interamericana de Derechos Humanos, San José,
1998, pp. 1241-1264, especialmente, pp. 1243-1244; Delmas-Marty, Mireille et Izorche, Marie-Laure:
“Marge nationale d’appréciation et internationalisation du droit”, en Revue Internationale de Droit
Comparé, vol. 52, núm. 4 (2000), pp. 753-780; Halpérin, Jean-Louis: “L’approche historique et la probléma-
tique du jus commune”, en Revue Internationale de Droit Comparé, vol. 52, núm. 4 (2000), pp. 717-731.
47 De Salvia, M.: «L'élaboration d'un «ius commune» des droits de l'homme et des libertés fondamentales dans
la perspective de l'unité européenne: l'oeuvre accomplie par la Commission et la Cour européennes des
Droits de l'Homme», Protection des droits de l'homme: la dimension européenne, Mélanges en l'honneur
de G. J. Wiarda, Cari Heymanns Verlag KG, Berlín, 1988, pp. 555-563, p. 563.
48 González González, Rossana: “Límites a la construcción de un «orden público europeo» en materia de dere-
chos fundamentales (A propósito de la sentencia del TJCE Krombach c. Bamberski, de 28 de marzo de
2000)”, en Revista de Derecho Comunitario Europeo, núm. 8, julio-diciembre 2000, pp. 593-617, especial-
mente, p. 610.

413
Gonzalo Aguilar Cavallo

al rol de la Convención Europea de Derechos Humanos como instrumento constitu-


cional del orden público europeo, en el terreno de los derechos humanos.49
En este sentido, todos los niveles jurisdiccionales tienen un rol importante a
jugar en la construcción y fortalecimiento constante de un ‘orden público americano’,
primordialmente, los órganos jurisdiccionales constitucionales de los Estados y, esen-
cialmente, en su calidad de supremo intérprete de los derecho humanos en el
Continente, la Corte Interamericana de Derechos Humanos. En efecto, como ha seña-
lado el juez Cançado Trindade, la Corte IDH cumple una “función de órgano judicial
máximo de salvaguardia de los derechos humanos en el sistema interamericano de
protección, y en el marco de la universalidad de los derechos humanos”.50

4. Promoción y protección de los DESC y de la diversidad cultural

Dentro de los avances que se han producido en estas últimas tres décadas, se
encuentra el lento posicionamiento, en un lugar de relevancia en la agenda político-
constitucional de los países de la región, de los derechos económicos, sociales y cultu-
rales. No es que los Estados de la región hayan superado con éxito todas las exigencias
derivadas de la plena satisfacción de los derechos civiles y políticos, y muestra de ello
son los defectos que aun subsisten en muchos países en relación con el derecho al
debido proceso, pero se ha posicionado, en términos relativamente equivalentes, el
debate constitucional en torno a los derechos económicos, sociales y culturales.
En esta línea, la superación de la tradicional distinción entre derechos fundamen-
tales y derechos humanos contribuiría a la adquisición de ‘ciudadanía plena’ de los DESC
en el orden estatal y permitiría la desaparición definitiva de la distinción, que ha predo-
minado en los ordenes estatales, en cuanto al carácter mismo de derechos, de los DESC.
El orden internacional, mucho más dinámico que el orden constitucional en esta
materia, ha evolucionado progresivamente a través de la adopción de un nuevo
Protocolo Facultativo al Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y
Culturales, que contempla la posibilidad de aceptar la competencia del Comité de
Derechos Económicos, Sociales y Culturales, para recibir denuncias individuales.51

49 “In addressing this issue the Court must bear in mind the special character of the Convention as an instru-
ment of European public order (ordre public) for the protection of individual human beings and its mis-
sion, as set out in Article 19 (art. 19), "to ensure the observance of the engagements undertaken by the High
Contracting Parties”. ECHR: Case of Loizidou v. Turkey (Preliminary Objections) (Application no.
15318/89). Judgment, 23 March 1995, par. 93; “In such cases, the interest of international cooperation
would be outweighed by the Convention's role as a “constitutional instrument of European public order”
in the field of human rights”. ECHR: Case of Bosphorus Hava Yollari Turizm Ve Ticaret Anonim Sirketi vs.
Ireland (Application no. 45036/98). Judgment, 30 June 2005, par. 156.
50 Corte I.D.H.: Caso Del Penal Miguel Castro Castro vs. Perú. Interpretación de la Sentencia de Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentencia de 2 de agosto de 2008 Serie C No. 181. Voto razonado del juez Antônio
Augusto Cançado Trindade, par. 153.
51 El Protocolo Facultativo al Pacto Internacional de Derechos Económicos Sociales y Culturales fue adopta-
do por la Asamblea General de las Naciones Unidas, en ocasión del 60º aniversario de la Declaración Univer-

414
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

Desde la perspectiva interamericana, el Protocolo de San Salvador, adoptado en 1988


y entrado en vigor en 1999, representa una evolución cualitativa de los derechos eco-
nómicos, sociales y culturales. Esta normativa representa un paso importante en el
respeto y protección de los DESC en el sistema interamericano y viene a complemen-
tar la escasa normativa regional ya existente, entre otros instrumentos, la Carta
Internacional Americana de Garantías Sociales o Declaración de los Derechos Sociales
del Trabajador, aprobada en la 9ª Conferencia Internacional Americana, en Bogotá,
Colombia, en 1948. En este sentido, podría afirmarse junto con Cançado Trindade que
“[e]n nuestros días, la conciencia jurídica universal ha despertado para reconocer judi-
cialmente el sufrimiento humano y buscar su reparación mediante la garantía del pri-
mado de la Justicia en las relaciones humanas”.52
La jurisprudencia de la Corte IDH, tímidamente, ha intentado pronunciarse
sobre los DESC, en algunos casos contenciosos. Sin embargo, en nuestra opinión, los
avances más notables que se han producido en esta materia, en la Corte IDH, han pro-
venido del ejercicio de la competencia consultiva, por ejemplo, en el caso de los
Trabajadores Migrantes Indocumentados.53
En efecto, desde la perspectiva de los DESC, la actividad de la Corte IDH ha sido
más bien recatada, por la escasez de mención de estos derechos en la Convención
Americana sobre Derechos Humanos y por la debilidad que plantea el Protocolo de
San Salvador, el cual, si bien reconoce esta clase de derechos, sólo contempla la juris-
dicción de la Corte IDH y la posibilidad de presentar denuncias individuales, respec-
to de dos derechos.54 En efecto, el Protocolo de San Salvador redujo la posibilidad de

sal de los Derechos Humanos, el 10 de diciembre de 2008, mediante la resolución A/RES/63/117. En dicha
resolución, la Asamblea General recomienda que el Protocolo Facultativo sea abierto a la firma en una cere-
monia el año 2009; “Artículo 2. Comunicaciones: Las comunicaciones podrán ser presentadas por personas
o grupos de personas que se hallen bajo la jurisdicción de un Estado Parte y que aleguen ser víctimas de una
violación por ese Estado Parte de cualquiera de los derechos económicos, sociales y culturales enunciados
en el Pacto. Para presentar una comunicación en nombre de personas o grupos de personas se requerirá su
consentimiento, a menos que el autor pueda justificar que actúa en su nombre sin tal consentimiento”.
Protocolo Facultativo del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, adoptado por
la Asamblea General mediante resolución A/RES/63/117 adoptada el 10 de diciembre de 2008.
52 Corte I.D.H.: Caso Goiburú y otros vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 22 de septiem-
bre de 2006. Serie C No. 153. Voto razonado del juez A. A. Cançado Trindade, par. 68, p. 23.
53 Corte I.D.H.: Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados. Opinión Consultiva OC-
18/03 del 17 de septiembre de 2003. Serie A No. 18.
54 Todos los países de América del Sur, salvo Chile y Venezuela, han ratificado el Protocolo de San Salvador.
“Artículo 19: Medios de Protección: 6. En el caso de que los derechos establecidos en el párrafo a) del artí-
culo 8 y en el artículo 13 fuesen violados por una acción imputable directamente a un Estado parte del pre-
sente Protocolo, tal situación podría dar lugar, mediante la participación de la Comisión Interamericana de
Derechos Humanos, y cuando proceda de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, a la aplicación
del sistema de peticiones individuales regulado por los artículos 44 a 51 y 61 a 69 de la Convención
Americana sobre Derechos Humanos”. Protocolo Adicional a la Convención Americana sobre Derechos
Humanos en materia de Derechos Económicos, Sociales y Culturales "Protocolo de San Salvador" (Suscrito
en San Salvador, El Salvador, el 17 de noviembre de 1988, en el decimoctavo período ordinario de sesiones
de la Asamblea General). Entrada en vigor: 16 de noviembre de 1999.

415
Gonzalo Aguilar Cavallo

presentar denuncias individuales a ciertos derechos sindicales y al derecho a la edu-


cación.55
En consecuencia, desde la perspectiva jurisdiccional, la competencia contenciosa
de la Corte en materia de DESC ha sido discreta. Por ejemplo, en el caso del Tribunal
Constitucional vs. Perú, la Corte IDH, dentro de la reparación, ordenó al Estado pagar
los salarios devengados y demás derechos laborales que correspondan.56 En el caso
Baena Ricardo vs. Panamá, la Corte IDH condenó la aplicación retroactiva de una ley
que acarreó “el despido de un amplio número de dirigentes sindicales, con lo cual se
afectó gravemente la organización y la actividad de los sindicatos que agrupaban a los
trabajadores, y se vulneró la libertad de asociación sindical”.57 Además, en el caso de

55 “Artículo 8: Derechos Sindicales: 1. Los Estados partes garantizarán: a. el derecho de los trabajadores a orga-
nizar sindicatos y a afiliarse al de su elección, para la protección y promoción de sus intereses. Como pro-
yección de este derecho, los Estados partes permitirán a los sindicatos formar federaciones y confederacio-
nes nacionales y asociarse a las ya existentes, así como formar organizaciones sindicales internacionales y
asociarse a la de su elección. Los Estados partes también permitirán que los sindicatos, federaciones y con-
federaciones funcionen libremente”; “Artículo 13: Derecho a la Educación: 1. Toda persona tiene derecho
a la educación. 2. Los Estados partes en el presente Protocolo convienen en que la educación deberá orien-
tarse hacia el pleno desarrollo de la personalidad humana y del sentido de su dignidad y deberá fortalecer
el respeto por los derechos humanos, el pluralismo ideológico, las libertades fundamentales, la justicia y la
paz. Convienen, asimismo, en que la educación debe capacitar a todas las personas para participar efectiva-
mente en una sociedad democrática y pluralista, lograr una subsistencia digna, favorecer la comprensión,
la tolerancia y la amistad entre todas las naciones y todos los grupos raciales, étnicos o religiosos y promo-
ver las actividades en favor del mantenimiento de la paz. 3. Los Estados partes en el presente Protocolo
reconocen que, con objeto de lograr el pleno ejercicio del derecho a la educación: a. la enseñanza primaria
debe ser obligatoria y asequible a todos gratuitamente; b. la enseñanza secundaria en sus diferentes formas,
incluso la enseñanza secundaria técnica y profesional, debe ser generalizada y hacerse accesible a todos, por
cuantos medios sean apropiados, y en particular por la implantación progresiva de la enseñanza gratuita; c.
la enseñanza superior debe hacerse igualmente accesible a todos, sobre la base de la capacidad de cada uno,
por cuantos medios sean apropiados y en particular, por la implantación progresiva de la enseñanza gratui-
ta; d. se deberá fomentar o intensificar, en la medida de lo posible, la educación básica para aquellas perso-
nas que no hayan recibido o terminado el ciclo completo de instrucción primaria; e. se deberán establecer
programas de enseñanza diferenciada para los minusválidos a fin de proporcionar una especial instrucción
y formación a personas con impedimentos físicos o deficiencias mentales. 4. Conforme con la legislación
interna de los Estados partes, los padres tendrán derecho a escoger el tipo de educación que habrá de darse
a sus hijos, siempre que ella se adecue a los principios enunciados precedentemente. 5. Nada de lo dispues-
to en este Protocolo se interpretará como una restricción de la libertad de los particulares y entidades para
establecer y dirigir instituciones de enseñanza, de acuerdo con la legislación interna de los Estados partes”.
56 “Esta Corte ha manifestado, en relación al daño material en el supuesto de víctimas sobrevivientes, que el
cálculo de la indemnización debe tener en cuenta, entre otros factores, el tiempo que éstas permanecieron
sin trabajar. La Corte considera que dicho criterio es aplicable en el presente caso, y para tal efecto dispo-
ne que el Estado debe pagar los montos correspondientes a los salarios caídos y demás derechos laborales
que correspondan a los magistrados destituidos, de acuerdo con su legislación”. Corte I.D.H.: Caso del
Tribunal Constitucional vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 31 de enero de 2001. Serie C
No. 71, par. 121, p. 54.
57 “158. Esta Corte considera que la libertad de asociación, en materia sindical, reviste la mayor importancia
para la defensa de los intereses legítimos de los trabajadores y se enmarca en el corpus juris de los derechos
humanos. 159. La libertad de asociación, en materia laboral, en los términos del artículo 16 de la
Convención Americana, comprende un derecho y una libertad, a saber: el derecho a formar asociaciones

416
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

los Trabajadores Cesados del Congreso (Aguado Alfaro y otros) vs. Perú, la Corte, sin
pronunciarse derechamente sobre derechos sociales violados, ordenó, como medida
reparatoria, la creación de un órgano independiente e imparcial para que revise los des-
pidos de los trabajadores del Congreso.58 Finalmente, en el caso "Cinco Pensionistas"
vs. Perú, la Corte IDH tuvo la gran oportunidad –lamentablemente perdida- de pro-
nunciarse sobre una violación del derecho al desarrollo progresivo de los derechos eco-
nómicos, sociales y culturales, en particular, en lo relativo al derecho a la pensión.59 En
nuestra opinión, este último caso refleja una cautela excesiva respecto de los DESC.
Sin embargo, la competencia consultiva de la Corte IDH ha constituido una her-
ramienta eficaz para la construcción, en cierne, de una doctrina jurisprudencial sobre
los DESC, en particular, sobre los derechos sociales. En efecto, en su Opinión Consultiva
sobre la Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados, la Corte IDH
tuvo la oportunidad de afirmar que “son numerosos los instrumentos jurídicos en los
que se regulan los derechos laborales a nivel interno e internacional, la interpretación
de dichas regulaciones debe realizarse conforme al principio de la aplicación de la
norma que mejor proteja a la persona humana, en este caso, al trabajador”.60

sin restricciones distintas a las permitidas en los incisos 2 y 3 de aquel precepto convencional y la libertad
de toda persona de no ser compelida u obligada a asociarse. El Protocolo de San Salvador de 17 de noviem-
bre de 1988, en su artículo 8.3, recoge la misma idea y precisa que, en materia sindical, “[n]adie podrá ser
obligado a pertenecer a un sindicato”. Corte I.D.H.: Caso Baena Ricardo y otros vs. Panamá. Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentencia de 2 de febrero de 2001. Serie C No. 72, pars. 158 y 159, p. 101
58 “148. Sin embargo, en el presente caso el Tribunal considera que la reparación consecuente con las viola-
ciones declaradas es disponer que el Estado garantice a los lesionados en el goce de sus derechos o liberta-
des conculcados, a través del efectivo acceso a un recurso sencillo, rápido y eficaz, para lo cual deberá cons-
tituir a la mayor brevedad un órgano independiente e imparcial que cuente con facultades para decidir en
forma vinculante y definitiva si esas personas fueron cesadas regular y justificadamente del Congreso de la
República o, en caso contrario, que así lo determine y fije las consecuencias jurídicas correspondientes,
inclusive, en su caso, las compensaciones debidas en función de las circunstancias específicas de cada una
de esas personas”. Corte I.D.H.: Caso Trabajadores Cesados del Congreso (Aguado Alfaro y otros) vs. Perú.
Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24 de Noviembre de 2006. Serie C
No. 158, par. 148, p. 55.
59 “Los derechos económicos, sociales y culturales tienen una dimensión tanto individual como colectiva. Su
desarrollo progresivo, sobre el cual ya se ha pronunciado el Comité de Derechos Económicos, Sociales y
Culturales de las Naciones Unidas158, se debe medir, en el criterio de este Tribunal, en función de la cre-
ciente cobertura de los derechos económicos, sociales y culturales en general, y del derecho a la seguridad
social y a la pensión en particular, sobre el conjunto de la población, teniendo presentes los imperativos de
la equidad social, y no en función de las circunstancias de un muy limitado grupo de pensionistas no nece-
sariamente representativos de la situación general prevaleciente”. Corte I.D.H.: Caso "Cinco Pensionistas"
vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28 de febrero de 2003. Serie C No. 98, par. 147, p. 64.
60 “El Estado tiene la obligación de respetar y garantizar los derechos humanos laborales de todos los trabaja-
dores, independientemente de su condición de nacionales o extranjeros, y no tolerar situaciones de discri-
minación en perjuicio de éstos, en las relaciones laborales que se establezcan entre particulares (empleador
-trabajador). El Estado no debe permitir que los empleadores privados violen los derechos de los trabajado-
res, ni que la relación contractual vulnere los estándares mínimos internacionales”. Corte I.D.H.: Condición
Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados. Opinión Consultiva OC-18/03 del 17 de septiembre
de 2003. Serie A No. 18, par. 148, p. 128.

417
Gonzalo Aguilar Cavallo

Asimismo, en nuestra opinión, el tratamiento de los derechos de los pueblos


indígenas por la Corte IDH –debiendo necesariamente abordar las relaciones de estas
comunidades con su entorno natural-, ha abierto la posibilidad de la consideración de
los DESC, especialmente, en el ámbito del derecho del medio ambiente y del recono-
cimiento de la especificidad cultural indígena. Por ejemplo, en la solicitud de inter-
pretación de la sentencia, en el Caso del Pueblo Saramaka vs. Surinam, la Corte IDH
señaló que “la Sentencia establece que los EISAs [Estudios Previos de Impacto Social
y Ambiental] deben ser concluidos de manera previa al otorgamiento de la concesión,
ya que uno de los objetivos de la exigencia de dichos estudios es garantizar el derecho
del pueblo Saramaka a ser informado acerca de todos los proyectos propuestos en su
territorio. Por lo tanto, la obligación del Estado de supervisar los EISAs coincide con
su deber de garantizar la efectiva participación del pueblo Saramaka en el proceso de
otorgamiento de concesiones. Además, los EISAs deben ser asumidos por entidades
independientes y técnicamente capacitadas, bajo la supervisión del Estado.
Finalmente, uno de los factores que debiera tratar el estudio de impacto social y
ambiental es el impacto acumulado que han generado los proyectos existentes y los
que vayan a generar los proyectos que hayan sido propuestos. Este análisis permitiría
concluir de una manera más certera si los efectos individuales y acumulados de acti-
vidades existentes y futuras pueden poner en peligro la supervivencia de los pueblos
indígenas o tribales”.61
Paralelamente, en este contexto de una progresiva dinámica internacional, las
jurisdicciones nacionales han comenzado a ser más permeables a los derechos econó-
micos, sociales y culturales, particularmente, en el ámbito de los derechos sociales, del
derecho a la educación y del derecho a la salud. Debemos mencionar que este proce-
so de desarrollo jurisprudencial de los DESC, aunque es loable, es igualmente tardío.
Jurisdicciones constitucionales como la francesa hace años que llevan realizando este
proceso, por ejemplo, reconociendo el derecho al desarrollo del individuo y de la

61 “Para responder con mayor precisión a la preocupación del Estado relativa al estudio previo de impacto
social y ambiental ordenado en la Sentencia, la Corte desarrollará con mayor detalle dicha garantía. Los
EISAs sirven para evaluar el posible daño o impacto que un proyecto de desarrollo o inversión puede tener
sobre la propiedad y comunidad en cuestión. El objetivo de los EISAs no es sólo tener alguna medida obje-
tiva del posible impacto sobre la tierra y las personas, sino también, como se señaló en el párrafo 133 de la
Sentencia, “asegura[r] que los miembros del pueblo Saramaka tengan conocimiento de los posibles riesgos,
incluidos los riesgos ambientales y de salubridad, a fin de que acepten el plan de desarrollo o inversión pro-
puesto con conocimiento y de forma voluntaria”. Corte I.D.H.: Caso del Pueblo Saramaka vs. Surinam.
Interpretación de la Sentencia de Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 12
de agosto de 2008 Serie C No. 185, par. 40-41, p. 11; Previamente, en el caso del Pueblo Saramaka vs.
Surinam, la Corte IDH había establecido que “[…] el objetivo y el fin de las medidas requeridas en nombre
de los miembros de los pueblos indígenas y tribales es garantizar que podrán continuar viviendo su modo
de vida tradicional y que su identidad cultural, estructura social, sistema económico, costumbres, creencias
y tradiciones distintivas serán respetadas, garantizadas y protegidas por los Estados”. Corte I.D.H.: Caso del
Pueblo Saramaka. vs. Surinam. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28
de noviembre de 2007. Serie C No. 172, par. 121, p. 38.

418
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

familia,62 en materia de protección de la salud,63 en materia de seguridad material,


descanso y derecho a la recreación, en cuanto al derecho a los medios convenientes
de existencia para el individuo que se encuentra en la incapacidad de trabajar,64 en
materia de derecho a obtener un alojamiento decente en relación con el respeto de la
dignidad humana65 y el derecho a obtener un empleo.66 En este contexto, Luchaire
ha remarcado la interpretación constitucional en el sentido de que “la aplicación de
los ‘principios económicos y sociales que según el Preámbulo de 1946 son particular-
mente necesarios a nuestro tiempo’ permite derogar los derechos y libertades más clá-
sicos y más antiguos a los que se refiere el primer parágrafo del mismo preámbulo. El
objetivo de la vivienda decente permite derogaciones al derecho de propiedad; el
derecho a obtener un empleo puede limitar la libertad de emprender”.67
En el contexto latinoamericano, podemos citar dos ejemplos jurisprudenciales
notables, relativamente recientes, uno chileno y otro costarricense. En primer lugar,
el Tribunal Constitucional chileno se pronunció derechamente sobre el derecho a la
salud en el caso de Silvia Peña Wasaff, señalando que “es también base constitucional
y de orden público del contrato de salud la prevista en el artículo 19, Nº 9, de la Carta
Política, cuyo inciso final reconoce el derecho de la requirente a elegir el sistema de
salud al que desea acogerse. Acorde con la idea de sistema coherente de valores, prin-
cipios y preceptos ya expuesta, deviene irrebatible que todas las cláusulas del referido
contrato deben orientarse a materializar el goce real y legítimo de dicho derecho, más
todavía si el afiliado envejece y, a raíz de ello, sube considerablemente el factor res-
pectivo, lo cual repercute en el mayor costo de su plan de salud. Con ello, lejos de per-
mitir el acceso a las prestaciones correlativas, las dificulta y, en el caso extremo, cuan-
do el afiliado, no puede seguir pagando el nuevo costo del plan, cual sucede en la causa
aquí decidida, queda obligado a abandonar el sistema privado de salud que había esco-
gido para incorporarse al equivalente público. Obviamente, el hecho descrito signifi-
ca que el afectado se halla impedido de ejercer tales derechos, a pesar de estarle ase-
gurados por la Constitución en cualquier tiempo y circunstancia”.68
Por su parte, la Sala Constitucional de la Corte Suprema de Justicia de Costa Rica
se ha pronunciado reiteradas veces sobre el derecho a la seguridad social, apoyándose
en instrumentos internacionales de derechos humanos. En efecto, esta Sala señaló que

62 Vid. Décision Nº 325 DC du 13 avril 1993.


63 Vid. Décision Nº 117 DC du 22 juillet 1980.
64 Vid. Décision Nº 325 DC du 13 août 1993; Décision Nº 330 DC du 29 décembre 1993.
65 Vid. Décision Nº 353 DC du 19 janvier 1995.
66 Vid. Décision Nº 200 DC du 16 janvier 1986; Décision Nº 207 DC des 25-26 juin 1986.
67 Luchaire, François: «Le Conseil constitutionnel et l’alternance politique», en Revue Française de Droit
Constitutionnel, Vol. 57, núm. 1/2004, pp. 9-21, especialmente, p. 20.
68 Tribunal Constitucional de Chile: Requerimiento de inaplicabilidad deducido por Silvia Peña Wasaff res-
pecto del artículo 38 ter de la Ley Nº 18.933, conocida como Ley de Isapres, en recurso de protección con-
tra Isapre ING Salud S.A., Rol de Ingreso Nº 4972-2007,de la Corte de Apelaciones de Santiago. Rol Nº 976-
07. Sentencia de fecha 26 de junio de 2008. Considerando 63º.

419
Gonzalo Aguilar Cavallo

“[l]a seguridad social, esto es, el sistema público de cobertura de necesidades sociales,
individuales y de naturaleza económica desarrollado en nuestro país a partir de la
acción histórica de la previsión social, estructurada en nuestro país sobre la base de las
pensiones y jubilaciones, de la mano de la intervención tutelar del Estado en el ámbi-
to de las relaciones de trabajo ha llegado a convertirse con el tiempo sin la menor reser-
va, en una de las señas de identidad principales del Estado social o de bienestar”.69
Además de estos pronunciamientos jurisprudenciales, cabe mencionar los
modernos procesos constitucionales en países como Venezuela con su nueva
Constitución en 1999, Ecuador con su nueva Constitución 2008 y Bolivia en el año
2009, donde los derechos económicos, sociales y culturales, y el derecho al medio
ambiente, ocupan un lugar destacado.70 A pesar de las críticas que se le puedan for-
mular a los procesos constituyentes de estos países, debe destacarse, sin lugar a dudas,
los notables avances y desarrollos que estas constituciones introducen al modelo cons-
titucional latinoamericano, concretizando y encarnando realmente una transición
hacia una democracia constitucional comunitaria, donde el factor social y la preocu-
pación por el ser humano como centro de la comunidad, es la principal consideración.
Otro elemento característico de las modernas democracias constitucionales comuni-
tarias de América Latina es su claro componente multicultural.
En este sentido, los pueblos indígenas, como colectivo organizado, han irrumpi-
do definitivamente en la escena político-constitucional de América Latina, y lo han
hecho para quedarse. A lo largo de las últimas tres décadas, estos pueblos han dejado
sentir la reivindicación de sus derechos específicos y, particularmente, sus derechos a
las tierras y territorios que tradicionalmente les han pertenecido. Los pueblos indíge-
nas han sido particularmente exitosos no sólo en el reconocimiento constitucional de
su existencia y de sus derechos, sino además, en los litigios ante órganos jurisdiccio-
nales, donde han reivindicado sus derechos.
Fruto de esta movilización, la identidad cultural ha pasado a ser un elemento
identificador de las democracias constitucionales comunitarias y multiculturales,
donde el individuo no pasa a tener derechos conforme a un patrón de derechos abs-
tracto homogéneamente definidos, sino donde el individuo tiene los derechos funda-
mentales básicos que la Constitución asegura a todos y además aquellos que le corres-
ponde conforme a su identidad cultural.71 Así, el individuo se encuentra reconocido

69 Caso Exp: 06-009116-0007-CO, Res. Nº 2007017971, Sala Constitucional de la Corte Suprema de Justicia de
Costa Rica, 14:51 hrs., del 12 de diciembre de 2007. Parte IV.
70 “[…] el proceso de constitucionalización de algún tipo de derecho en relación con el medio ambiente ha
recibido un impulso cada vez mayor a medida que los estados que, saliendo de diversos tipos de experien-
cias autoritarias o totalitarias, se dotaban de un sistema democrático y constitucional iban redactando sus
nuevas cartas magnas de acuerdo con las tendencias de evolución en el reconocimiento de los derechos
humanos en el plano internacional”. Vernet, Jaume y Jaria, Jordi: “El derecho a un medio ambiente sano:
su reconocimiento en el constitucionalismo comparado y en el derecho internacional”, en Teoría y Realidad
Constitucional, núm. 20, 2007, pp. 513-533, especialmente, p. 528.
71 Los Estados del Continente, reunidos en la Quinta Cumbre de las Americas en 2009, han señalado, a este
respecto, lo siguiente: “Reconociendo la diversidad y el carácter tradicional y ancestral de las culturas, his-

420
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

como parte integrante de la sociedad estatal en cuanto ciudadano y además, confor-


me a su identidad cultural.
Además, la democracia constitucional multicultural, implica un reconocimiento
de las comunidades y pueblos y de los distintos grupos componentes de la sociedad,
tales como los pueblos indígenas, las minorías, los inmigrantes, etc. todos los cuales
merecen una protección especial, mediante el respectivo reconocimiento constitucio-
nal, debido a su particular situación de vulnerabilidad. En este contexto, la democra-
cia constitucional multicultural comprende, además, los derechos humanos colectivos
por contraposición a los derechos –eminentemente individuales- del constitucionalis-
mo liberal. En este sentido, es sintomática la aparición, en las diversas constituciones
de América Latina, de reconocimientos expresos del multiculturalismo y de derechos
colectivos. De este grupo, sin lugar a dudas, las constituciones más avanzadas en este
sentido son las Constituciones de Venezuela, Ecuador y Bolivia, lo cual, sin duda,
representa un progreso para el desarrollo humano en dichos Estados, a pesar de las crí-
ticas que se puedan hacer al proceso constitucional seguido o al régimen constitucio-
nal que dichas reformas pretenden instaurar. Desde el punto de vista chileno, la
Constitución Política puede ser destacada como una de las escasas constituciones de
América Latina que no ha incorporado el reconocimiento del multiculturalismo ni los
derechos de los pueblos indígenas, lo que demuestra el carácter claramente refracta-
rio de la clase política y de los operadores jurídicos, frente al constitucionalismo inclu-
yente y multicultural del tercer milenio, es decir, un multiculturalismo donde todos
tienen cabida, con el reconocimiento y respeto de sus propias especificidades.
A pesar de los avances y progresos logrados en materia de reforma constitucional
y de reconocimiento constitucional de los pueblos indígenas y de los derechos de los
pueblos indígenas, subsiste una cultura de exclusión, racismo y discriminación. Esta cul-
tura fue cimentada por el constitucionalismo liberal que a lo largo de siglos han olvida-
do a los pueblos indígenas asumiendo como parámetro constitucional la figura del colo-
nizador y enarbolando la bandera, que hoy se ha revelado falaz, de que todas las perso-
nas son iguales. En virtud de este principio de igualdad, se ha preterido al indígena, se
lo ha aislado y se lo ha excluido y se han cometido grandes violaciones de derechos
humanos. En virtud de este principio de igualdad se ha terminado de desposeer al indí-
gena de sus derechos. Esta cultura constitucional forjada en los albores de nuestra vida
republicana, subsiste hoy en día. Una reacción real, y concretamente posible, inspirada
por el motor de los derechos humanos, es reconocer que no todos los individuos se

torias y circunstancias demográficas, socioeconómicas y políticas de los pueblos indígenas, reafirmamos


nuestro compromiso de respetar sus derechos, y promoveremos la conclusión exitosa de las negociaciones
de la Declaración Americana sobre los Derechos de los Pueblos Indígenas. El reconocimiento de los dere-
chos de los pueblos indígenas es esencial para su existencia, bienestar y desarrollo integral. De acuerdo con
la legislación nacional de cada Estado, promoveremos el ejercicio de sus derechos, su plena participación en
las actividades nacionales y la creación de las condiciones que les permitan superar la pobreza, la exclusión
social y la desigualdad”. Vid. Declaración de Compromiso de Puerto España, Quinta Cumbre de las
Americas, realizada del 17 al 19 de abril de 2009, en Puerto España, Trinidad y Tobago, par. 86.

421
Gonzalo Aguilar Cavallo

encuentran en un pie de igualdad y que es necesario corregir las desigualdades de la


sociedad, a través tratamientos diferenciados –objetivos, razonables y proporcionados-
a fin de restablecer una igualdad de derechos, que en los hechos, no existe.
Según el DIDH, es deber del Estado diseñar sus políticas públicas e implementar
programas con base en las normas constitucionales e internacionales de derechos
humanos a fin de acortar paulatinamente la brecha entre desarrollo normativo y cul-
tura constitucional en el ámbito de la identidad cultural.
Como se ha visto, el desarrollo del sistema interamericano de promoción y protección
de los derechos humanos y la evolución al interior de los Estados de América Latina hacia
etapas más avanzadas en los procesos constitucionales, poniendo al ser humano –espe-
cialmente aquel más vulnerable– en el corazón de la razón de validez del orden constitu-
cional, se ha producido a ritmos similares y de manera paulatina y sistemática. Ahora, abor-
daremos las influencias, las conexiones y las interrelaciones entre estos dos procesos.

III. La influencia del sistema interamericano de protección de los


derechos humanos sobre los órdenes nacionales y sus interacciones

La influencia e interacción del sistema interamericano de promoción y protección


de los derechos humanos sobre los órdenes nacionales se ha convertido en un elemen-
to principal en el surgimiento de este DADH, al que nos estamos refiriendo, porque ha
contribuido a detectar los rasgos o tradiciones constitucionales comunes en materia de
derechos humanos, donde existían, y a crearlas o recrearlas -esas tradiciones constitu-
cionales comunes-, donde no existían. Dichas tradiciones constitucionales comunes en
América Latina, hoy en día, se hacen más fuertes, como se verá a continuación, gracias
a la guía y la égida de la Corte Interamericana de Derechos Humanos y a su interacción
con las jurisdicciones estatales, primordialmente, constitucionales.

1. Hacia el fortalecimiento de un Estado de Derecho con rostro humano


en América Latina

Casi todos los países de América Latina han aceptado la jurisdicción de la Corte
Interamericana de Derechos Humanos. Esto ha permitido que en pocas décadas, la
Corte IDH haya desarrollado un abundante cuerpo de jurisprudencia –que ilustra el
comportamiento y la decisión constitucional de los Estados- y que abarca en profundi-
dad diversos tópicos de los derechos civiles y políticos, proporciona interesantes reglas
de interpretación en materia de derechos humanos y dilucida relevantes debates sobre
Derecho Internacional de los derechos humanos, tales como el dominio del ius cogens.
En términos generales, la incorporación de los Estados de América del Sur al sis-
tema interamericano ha ido revelando los problemas heredados de los regimenes
autoritarios anteriores, en particular, los problemas derivados de la imposición por
esos regímenes a las nuevas transiciones democráticas, de Constituciones de amar-

422
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

re.72 Sin duda, ésta es la situación de Chile, en los cuatro casos que, hasta ahora, ha
sido condenado ante la Corte IDH, donde se han develado graves problemas en mate-
ria de derecho a la libertad de expresión y de información, de excesiva competencia
de los tribunales militares, y de la impunidad derivada asimismo de la aplicación de la
normativa de amnistía creada por el gobierno militar.73
Desde el punto de vista judicial, es posible apreciar que se ha desarrollado una
enriquecedora dialéctica entre los jueces interamericanos y los jueces constitucionales
de América Latina. Por ejemplo, en Argentina, la jurisprudencia de la Corte IDH sirvió
de sustento a la anulación de las leyes de punto final. En efecto, en el caso Simón, en el
año 2005, la Corte Suprema de Justicia argentina examinó la constitucionalidad de las
leyes 23.492 denominada de “punto final” y 23.521 denominada de “obediencia debida”
que impedía la investigación y persecución de los crímenes cometidos durante la dicta-
dura. Finalmente, la Corte Suprema argentina declaró inconstitucionales dichas leyes y
las privó de cualquier efecto jurídico así como a cualquier acto fundado en ellas.74 En
este caso, de modo notable, la Corte Suprema siguió las enseñanzas derivadas de la Corte
IDH, inter alia, en el caso Barrios Altos contra Perú, el cual afirmó que “La promulga-
ción de una ley manifiestamente contraria a las obligaciones asumidas por un Estado
parte en la Convención constituye per se una violación de ésta y genera responsabilidad
internacional del Estado. En consecuencia, la Corte considera que, dada la naturaleza de
la violación constituida por las leyes de amnistía No. 26479 y No. 26492, lo resuelto en
la sentencia de fondo en el caso Barrios Altos tiene efectos generales”.75
Además, en este último caso, la Corte IDH reiteró el principio de que “son inad-
misibles las disposiciones de amnistía, las disposiciones de prescripción y el estableci-
miento de excluyentes de responsabilidad que pretendan impedir la investigación y
sanción de los responsables de las violaciones graves de los derechos humanos tales

72 Borea O., Alberto: “Nuevas perspectivas para el tratamiento de los Decretos-Leyes de los gobiernos de
facto”, en Revista del IIDH, núm. 22, julio-diciembre 1995, pp. 51-63.
73 Corte I.D.H.: Caso “La Última Tentación de Cristo“ (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile. Fondo, Reparaciones
y Costas. Sentencia de 5 de febrero de 2001. Serie C No. 73; Corte I.D.H.: Caso Palamara Iribarne vs. Chile.
Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 22 de noviembre de 2005. Serie C No. 135; Corte I.D.H.: Caso
Claude Reyes y otros vs. Chile. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 19 de septiembre de 2006. Serie
C No. 151; Corte I.D.H.: Caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile. Excepciones Preliminares, Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentencia de 26 de septiembre de 2006. Serie C No. 154.
74 Simón, Julio Héctor y otros – Corte Suprema de Justicia de la Nación (CS) -2005-06-14 – Fallos: 328:2056.
75 El 3 de septiembre de 2001, la Corte Interamericana de Derechos Humanos se pronunció en el caso Barrios
Altos, respecto de los efectos de las leyes de amnistía, 26.479 y 26.492. El fallo se debió a una solicitud rea-
lizada por la Comisión Interamericana de Derechos Humanos en demanda de interpretación del fallo de la
Corte del 14 de marzo de 2001 (sentencia de fondo caso Barrios Altos), ya que el Estado peruano conside-
raba válidas las leyes de amnistía para todos los casos de violaciones de los derechos humanos, con excep-
ción del caso Barrios Altos. La Corte Interamericana resolvió que la sentencia de fondo en el caso Barrios
Altos tiene efectos generales, siendo nulas de nulidad absoluta las leyes de amnistía 26.479 y 26.492 para
todos los crímenes contra la humanidad cometidos por el Estado peruano, a través de sus subordinados. La deci-
sión de la Corte Interamericana zanjó así, definitivamente, el tema. Vid. Corte I.D.H.: Caso Barrios Altos vs. Perú.
Interpretación de la Sentencia de Fondo. Sentencia de 3 de septiembre de 2001. Serie C No. 83, par. 18, p. 6.

423
Gonzalo Aguilar Cavallo

como la tortura, las ejecuciones sumarias, extralegales o arbitrarias y las desaparicio-


nes forzadas, todas ellas prohibidas por contravenir derechos inderogables reconoci-
dos por el Derecho Internacional de los Derechos Humanos”.76 Esta misma jurispru-
dencia fue reiterada por la Corte IDH, respecto de Chile, en el caso Almonacid, de
2006.77 Uno de los efectos en Chile, derivados del caso Almonacid, fue que la Corte
Suprema de Chile dejó de aplicar, de facto, el Decreto Ley 2.191, denominado ley de
amnistía. Sin embargo, aun no se da cumplimiento íntegro a la sentencia de la Corte
IDH en cuanto dispone que “el Estado debe dejar sin efecto las citadas resoluciones y
sentencias emitidas en el orden interno, y remitir el expediente a la justicia ordinaria,
para que dentro de un procedimiento penal se identifique y sancione a todos los res-
ponsables de la muerte del señor Almonacid Arellano”.78
Desde la perspectiva de la actividad legislativa, las sentencias de la Corte I.D.H.
han generado cambios legislativos e incluso constitucionales en los Estados sujetos a
su jurisdicción, como por ejemplo en el caso de La Última Tentación de Cristo de
2001, donde la Corte ordenó al Estado de Chile adecuar su legislación interna a las
normas de la Convención Americana sobre Derechos Humanos (en adelante, la
CADH).79 De este modo, en el año 2001, Chile modificó su constitución en lo relati-
vo a la libertad de expresión, eliminando la posibilidad de la censura previa.80 En un

76 Corte I.D.H.: Caso Barrios Altos vs. Perú. Fondo. Sentencia de 14 de marzo de 2001. Serie C Nº 75, par. 41, p. 15.
77 “[…] la Corte estima que los Estados no pueden sustraerse del deber de investigar, determinar y sancionar
a los responsables de los crímenes de lesa humanidad aplicando leyes de amnistía u otro tipo de normativa
interna. Consecuentemente, los crímenes de lesa humanidad son delitos por los que no se puede conceder
amnistía”. Corte I.D.H.: Caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile. Excepciones preliminares, Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentencia de 26 de septiembre de 2006. Serie C Nº 154, par. 114, p. 50.
78 Además, la Corte I.D.H. dispuso que el “Estado no podrá argüir ninguna ley ni disposición de derecho inter-
no para eximirse de la orden de la Corte de investigar y sancionar penalmente a los responsables de la muer-
te del señor Almonacid Arellano. Chile no podrá volver a aplicar el Decreto Ley No. 2.191 […]. Pero ade-
más, el Estado no podrá argumentar prescripción, irretroactividad de la ley penal, ni el principio ne bis in
idem, así como cualquier excluyente similar de responsabilidad, para excusarse de su deber de investigar y
sancionar a los responsables”. Corte I.D.H.: Caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile. Excepciones preli-
minares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 26 de septiembre de 2006. Serie C Nº 154, par. 151, p.
60.Corte I.D.H.: Caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile. Excepciones preliminares, Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentencia de 26 de septiembre de 2006. Serie C Nº 154, par. 147, p. 59.
79 “97. Respecto del artículo 13 de la Convención, la Corte considera que el Estado debe modificar su ordena-
miento jurídico con el fin de suprimir la censura previa, para permitir la exhibición cinematográfica y la
publicidad de la película “La Última Tentación de Cristo”, ya que está obligado a respetar el derecho a la
libertad de expresión y a garantizar su libre y pleno ejercicio a toda persona sujeta a su jurisdicción.
98. En relación con los artículos 1.1 y 2 de la Convención, las normas de derecho interno chileno que regulan
la exhibición y publicidad de la producción cinematográfica todavía no han sido adaptadas a lo dispuesto por la
Convención Americana en el sentido de que no puede haber censura previa. Por ello el Estado continúa incum-
pliendo los deberes generales a que se refieren aquéllas disposiciones convencionales. En consecuencia, Chile
debe adoptar las medidas apropiadas para reformar, en los términos del párrafo anterior, su ordenamiento jurí-
dico interno de manera acorde al respeto y el goce del derecho a la libertad de pensamiento y de expresión con-
sagrado en la Convención”. Corte I.D.H.: Caso “La Última Tentación de Cristo“ (Olmedo Bustos y otros) vs.
Chile. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 5 de febrero de 2001. Serie C No. 73, pars. 97-98, p. 38.
80 Ley Nº 19.742 Reforma constitucional que elimina la censura cinematográfica sustituyéndola por un siste-
ma de calificación y que consagra el derecho a la libre creación artística, D.O. 25.08.2001.

424
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

caso más reciente, el Estado de Chile dictó la ley 20.285 de 20 de agosto de 2008 sobre
Acceso a la información pública, adecuando su legislación a las disposiciones de la
CADH en materia de libertad de información y acceso a la información pública, de
acuerdo con lo dispuesto por la Corte IDH en el caso Claude Reyes y otros, de 2006.81
Según la óptica del impacto y seguimiento en la jurisprudencia constitucional,
como se ha visto, las interpretaciones y razonamiento de la Corte IDH son seguidas
por los jueces constitucionales sobre una base de aumento progresivo.
En efecto, en el caso de Chile, ocasionalmente, el Tribunal Constitucional invoca y
se apoya en decisiones de la Corte IDH mientras que, con mayor frecuencia, la jurispru-
dencia interamericana aparece en los votos disidentes de sus ministros. Desde la perspec-
tiva de los fallos del Tribunal Constitucional chileno, es importante destacar el
Requerimiento de inconstitucionalidad deducido en contra de algunas disposiciones de
las “Normas Nacionales sobre Regulación de la Fertilidad”, en donde el Tribunal
Constitucional invocó la doctrina establecida por la Corte IDH, en su Opinión Consultiva
nº 5 de 1985, al señalar que “para dilucidar el conflicto constitucional planteado y ante la
evidencia de estar estos jueces frente a una duda razonable, ha de acudirse a aquellos cri-
terios hermenéuticos desarrollados por la teoría de los derechos fundamentales, por ser
ésa la materia comprometida en el presente requerimiento. En tal sentido, parece inelu-
dible tener presente el principio “pro homine” o “favor libertatis” definido en la jurispru-
dencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos de la siguiente forma: “Entre
diversas opciones se ha de escoger la que restringe en menor escala el derecho protegido
(...) debe prevalecer la norma más favorable a la persona humana”.82
En cuanto a las opiniones disidentes, se pueden mencionar los votos de los
Ministros señores Hernán Vodanovíc Schnake y Jorge Correa Sutil, en el Requeri-

81 En este fallo, la Corte le reiteró a Chile que “[…] el deber general comprendido en el artículo 2 de la
Convención implica la supresión tanto de las normas como de las prácticas de cualquier naturaleza que
entrañen violaciones a las garantías previstas en la Convención, así como la expedición de normas y el
desarrollo de prácticas conducentes a la efectiva observancia de dichas garantías. Por ello, Chile debe adop-
tar las medidas necesarias para garantizar la protección al derecho de acceso a la información bajo el con-
trol del Estado, dentro de las cuales debe garantizar la efectividad de un procedimiento administrativo ade-
cuado para la tramitación y resolución de las solicitudes de información, que fije plazos para resolver y
entregar la información, y que se encuentre bajo la responsabilidad de funcionarios debidamente capacita-
dos”. Corte I.D.H.: Caso Claude Reyes y otros vs. Chile. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 19 de
septiembre de 2006. Serie C No. 151, par. 163, p. 62.
82 Tribunal Constitucional: Requerimiento de inconstitucionalidad deducido en contra de algunas disposicio-
nes de las “Normas Nacionales sobre Regulación de la Fertilidad”, aprobadas por el Decreto Supremo Nº 48,
de 2007, del Ministerio de Salud. Rol Nº 740-2007. Sentencia de fecha 18 de abril de 2008. Considerando
66º, p. 140; “En consecuencia, si a una misma situación son aplicables la Convención Americana y otro
tratado internacional, debe prevalecer la norma más favorable a la persona humana. Si la propia
Convención establece que sus regulaciones no tienen efecto restrictivo sobre otros instrumentos interna-
cionales, menos aún podrán traerse restricciones presentes en esos otros instrumentos, pero no en la
Convención, para limitar el ejercicio de los derechos y libertades que ésta reconoce”. Corte I.D.H.: La
Colegiación Obligatoria de Periodistas (Arts. 13 y 29 Convención Americana sobre Derechos Humanos).
Opinión Consultiva OC-5/85 del 13 de noviembre de 1985. Serie A No. 5, par. 52, p. 16.

425
Gonzalo Aguilar Cavallo

miento de inaplicabilidad deducido por Carolina Gajardo Salazar respecto del inciso
segundo del artículo 387 del Código Procesal Penal, en la causa RIT Nº 2015-2005,
seguida ante el Juzgado de Garantía de Talcahuano, por cuasidelito de homicidio, de
2008, quienes estuvieron por acoger el requerimiento sólo en cuanto se inaplica el
acápite del inciso segundo del artículo 387 del Código Procesal Penal que establece lo
siguiente: “Tampoco será susceptible de recurso alguno la sentencia que se dictare en
el nuevo juicio que se realizare como consecuencia de la resolución que hubiere aco-
gido el recurso de nulidad”. Para resolver aquello, consideraron dentro de su razona-
miento la doctrina establecida, en 2004, por la Corte IDH (Herrera Ulloa con Costa
Rica), al declarar que el derecho de recurrir del fallo, consagrado por la Convención,
“no se satisface con la mera existencia de un órgano del grado superior al que juzgó y
condenó al inculpado, ante el que éste tenga o pueda tener acceso. Para que haya una
verdadera revisión de la sentencia, en los términos de dichos instrumentos interna-
cionales, es preciso que el tribunal superior reúna las características jurisdiccionales
que lo legitiman para conocer del caso concreto”.83
En el caso de Perú, el seguimiento de las decisiones de la Corte IDH y la adopción
de los criterios provenientes del Derecho Internacional de los Derechos Humanos es muy
interesante. Así, podemos mencionar el caso del Colegio de Abogados del Callao c.
Congreso de la República, de 2007, cuyo fallo se apoya en el Caso Tribunal Constitucional
vs. Perú, ante la Corte IDH, de 1999, en cuanto a la “interpretación de los derechos fun-
damentales a la luz de los tratados internacionales sobre derechos humanos y de las deci-
siones de los tribunales internacionales sobre derechos humanos como Derecho Interno”,
señalando que “El respeto a los derechos humanos constituye un límite a la actividad esta-
tal, lo cual vale para todo órgano o funcionario que se encuentre en una situación de
poder, en razón de su carácter oficial, respecto de las demás personas. Es así, ilícita, toda
forma de ejercicio del poder público que viole los derechos reconocidos por la
Convención. (...). De conformidad con la separación de los poderes públicos que existe en
el Estado de derecho, si bien la función jurisdiccional compete eminentemente al Poder
Judicial, otros órganos o autoridades públicas pueden ejercer funciones del mismo tipo. Es
decir que cuando la Convención se refiere al derecho de toda persona a ser oída por un
juez o tribunal competente para la determinación de sus derechos, esta expresión se refie-
re a cualquier autoridad pública, sea administrativa, legislativa o judicial, que a través de
sus resoluciones determine derechos y obligaciones de las personas. Por la razón mencio-
nada, esta Corte considera que cualquier órgano del Estado que ejerza funciones de carác-
ter materialmente jurisdiccional, tiene la obligación de adoptar resoluciones apegadas las
garantías del debido proceso legal en los términos del artículo 8º de la Convención

83 Tribunal Constitucional: Requerimiento de inaplicabilidad deducido por Carolina Gajardo Salazar respecto
del inciso segundo del artículo 387 del Código Procesal Penal, en la causa RIT Nº 2015-2005, seguida ante
el Juzgado de Garantía de Talcahuano, por cuasidelito de homicidio. Rol 1130-2007. Sentencia de fecha 7
de octubre de 2008. Voto disidente de los Ministros señores Hernán Vodanovíc Schnake y Jorge Correa
Sutil. Considerando 17º, p. 33.

426
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

Americana”.84 En esta misma línea, Solozábal ha resaltado el principio de lealtad que


nosotros podríamos denominar interamericana, en el sentido de que los Estados miembros
deben interpretar y aplicar el derecho nacional conforme a los instrumentos y a la juris-
prudencia interamericana de derechos humanos, derivado de su pertenencia a la
Organización de Estados Americanos y su libre aceptación de la Convención Americana
de Derechos Humanos y de la jurisdicción de la Corte Interamericana de Derechos
Humanos.85 Estos hechos generan y hacer surgir un deber de lealtad.
Asimismo, y de manera notable, la actuación jurisprudencial de la Corte
Interamericana de Derechos Humanos ha sido mucho más dinámica que la Corte
Europea de Derechos Humanos, lo cual queda en evidencia en temas tan destacados
como la apertura de la Corte Interamericana de Derechos Humanos a abordar la iden-
tidad cultural y los derechos humanos de los pueblos indígenas y en el tema de las repa-
raciones debidas a las víctimas por violaciones a los derechos humanos. En efecto, en
la primera situación, la Corte IDH ha conocido de casos sobre derechos indígenas espe-
cíficos, tales como, por ejemplo, el derecho del pueblo indígena a la propiedad colecti-
va de la tierra y territorios.86 Además, la Corte IDH ha conocido de casos que si bien,
no abordan violaciones de derechos indígenas específicos, los jueces interamericanos sí
consideran el elemento de la identidad cultural, al momento de razonar y resolver el
caso, como por ejemplo, en el caso Aloeboetoe, Escué Zapata o Yatama.87
Toda esta actividad de la Corte IDH ha producido un notable impacto en el orden
constitucional de los Estados, donde hoy, son innegables los esfuerzos hacia una mayor
tolerancia, pluralismo socio-cultural y jurídico y respeto del multiculturalismo.
En la segunda situación, la jurisprudencia de la Corte IDH ha sido fundamental
para el desarrollo, por ejemplo, del estudio que elaboró el profesor Theo van Boven
sobre el derecho de restitución, indemnización y rehabilitación de las víctimas de vio-
laciones graves de los derechos humanos y las libertades fundamentales y la subsi-
guiente aprobación de los Principios y directrices básicos sobre el derecho de las víc-
84 Corte I.D.H.: Caso del Tribunal Constitucional vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 31 de
enero de 2001. Serie C No. 71 pars. 68 y 71, pp. 40 y 41.
85 Para examinar el principio en el ámbito comunitario, vid. Solozábal Echavarría, Juan José: “Constitución y
orden constitucional en la Unión Europea”, en Revista de Estudios Políticos (Nueva Época), núm. 119,
enero-marzo 2003, pp. 57-79, especialmente, p. 65.
86 Corte I.D.H.: Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua. Fondo, Reparaciones y
Costas. Sentencia de 31 de agosto de 2001. Serie C No. 79; Corte I.D.H.: Caso de la Comunidad Moiwana
vs. Surinam. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia 15 de junio de 2005. Serie
C No. 124; Corte I.D.H.: Caso Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Fondo Reparaciones y Costas.
Sentencia 17 de junio de 2005. Serie C No. 125; Corte I.D.H.: Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa vs.
Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 29 de marzo de 2006. Serie C No. 146; Corte I.D.H.:
Caso del Pueblo Saramaka. vs. Surinam. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia
de 28 de noviembre de 2007. Serie C No. 172.
87 Corte I.D.H.: Caso Aloeboetoe y otros vs. Surinam. Reparaciones y Costas. Sentencia de 10 de septiembre
de 1993. Serie C No. 15; Corte I.D.H.: Caso Escué Zapata vs. Colombia. Fondo, Reparaciones y Costas.
Sentencia de 4 de julio de 2007. Serie C No. 165; Corte I.D.H.: Caso Yatama vs. Nicaragua. Excepciones
Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 23 de junio de 2005. Serie C No. 127.

427
Gonzalo Aguilar Cavallo

timas de violaciones de las normas internacionales de derechos humanos y del


Derecho Internacional Humanitario a interponer recursos y obtener reparaciones.88
En el tiempo presente, se aprecia una incorporación del lenguaje de los derechos
humanos, especialmente de aquel desarrollado por la Corte Interamericana de
Derechos Humanos y, en general, por el resto del sistema interamericano de promo-
ción y protección de los derechos humanos, en los debates constitucionales y en la
normativa constitucional. A su vez, esta incorporación de lenguaje, pero además, del
espíritu, de los principios y normas de los derechos humanos en las Constituciones de
América Latina y en la actividad jurisprudencial de sus órganos constitucionales,
queda plasmada en el hecho de que la propia Corte IDH cita e invoca las decisiones
pronunciadas por diversos tribunales constitucionales o supremos del continente, en
materia de derechos humanos, lo que da cuenta de la creciente dinámica de los dere-
chos humanos en el seno de los órganos jurisprudenciales constitucionales. Así, por
ejemplo, podemos mencionar al Tribunal Constitucional de Bolivia,89 a la Sala Penal
Nacional de Perú,90 a la Corte Constitucional de Colombia.91

88 Comisión des Droits de l’homme: Etude concernant le droit à restitution, à indemnisation et à réadaptation des
victimes de violations flagrantes des droits de l’homme et des libertés fondamentales. Rapport final présenté par
M. Theo van Boven, Rapporteur spécial. U.N. Doc. E/CN.4/Sub.2/1993/8, 2 juillet 1993, pars. 87-92; Vid.
Principios y directrices básicos sobre el derecho de las víctimas de violaciones manifiestas de las normas interna-
cionales de derechos humanos y de violaciones graves del derecho internacional humanitario a interponer recur-
sos y obtener reparaciones. Resolución 60/147 aprobada por la Asamblea General el 16 de diciembre de 2005.
89 “De otra parte, cabe observar que el Tribunal Constitucional de Bolivia ha sido consistente en declarar que los
instrumentos internacionales en materia de derechos humanos son parte del bloque de constitucionalidad, así
como la jurisprudencia emanada del sistema interamericano de protección a los derechos humanos es vinculan-
te para la jurisdicción interna de Bolivia. En este sentido, dicho Tribunal Constitucional ha considerado que “la
privación ilegal de la libertad […] es un delito permanente [y] consecuentemente para computar los delitos per-
manentes se debe empezar a contar desde el día en que cesa la ejecución del delito”. Esta Corte considera que el
Estado no podrá argüir ninguna ley ni disposición de derecho interno para eximirse de su obligación de investi-
gar y, en su caso, sancionar penalmente a los responsables de los hechos cometidos en perjuicio del señor Ticona
Estrada. En particular, al tratarse de graves violaciones de derechos humanos el Estado no podrá argumentar
prescripción o cualquier excluyente similar de responsabilidad, para excusarse de su deber de investigar y san-
cionar a los responsables”. Corte I.D.H.: Caso Ticona Estrada y otros vs. Bolivia. Fondo, Reparaciones y Costas.
Sentencia de 27 de noviembre de 2008. Serie C No. 191, par. 147, p. 42; “La jurisprudencia internacional refleja
también este entendimiento, al igual que varias Cortes Constitucionales de los Estados Americanos. Por ejemplo,
la Sala Penal Nacional del Perú ha declarado que “la expresión ‘desaparición forzada de personas’ no es más que
el nomen iuris para la violación sistemática de una multiplicidad de derechos humanos. […] Se distingue[n]
varias etapas en la práctica de la desaparición de personas como [pueden ser] la selección de la víctima, deten-
ción de la persona, depósito en un lugar de reclusión, eventual traslado a otro centro de reclusión, interrogato-
rio, tortura y procesamiento de la información recibida. En muchos casos ocurr[e] la muerte de la víctima y el
ocultamiento de sus restos”. Corte I.D.H.: Caso Heliodoro Portugal vs. Panamá. Excepciones Preliminares,
Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 12 de agosto de 2008. Serie C No. 186, par. 111, p. 31.
90 “Por tratarse de un delito de ejecución permanente, es decir, cuya consumación se prolonga en el tiempo, al
entrar en vigor la tipificación del delito de desaparición forzada de personas en el derecho penal interno, si
se mantiene la conducta delictiva, la nueva ley resulta aplicable. En este mismo sentido se han pronunciado
tribunales de la más alta jerarquía de los Estados del continente americano, como lo son, la Sala Penal
Nacional de Perú, el Tribunal Constitucional de Perú, la Suprema Corte de Justicia de México, el Tribunal
Constitucional de Bolivia, la Corte Suprema de Justicia de Panamá, el Tribunal Supremo de Justicia de
Venezuela y la Corte Constitucional de Colombia99, Estados que, al igual que Guatemala, han ratificado la
Convención Interamericana sobre Desaparición Forzada”. Corte I.D.H.: Caso Tiu Tojín vs. Guatemala.
Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 26 de noviembre de 2008. Serie C No. 190, par. 87, p. 30.
91 “Sobre la relación de esta jurisdicción [disciplinaria] con el derecho de acceso a la justicia, la Corte
Constitucional de Colombia ha entendido que “si bien la regla general indica que en el derecho disciplina-

428
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

Sin embargo, todo este proceso esperanzador, que tiende a alcanzar las condicio-
nes de plena autorrealización del ser humano, no ha estado ni está exento, como se
verá a continuación, de dificultades.

2. Luces y sombras

¿Cuál es uno de los problemas que presenta el funcionamiento del sistema inte-
ramericano de promoción y protección de los derechos humanos? El cumplimiento y
ejecución en el orden nacional de las sentencias de la Corte IDH. A pesar del grado de
evolución importante que han experimentado las Constituciones de los países de
América Latina, y del grado de reconocimiento que ellas le proporcionan al DIDH,
todavía en el tercer milenio surgen voces que esgrimen el argumento de la soberanía
nacional para rechazar el cumplimiento de las sentencias de la Corte IDH. Todo ello
a pesar del texto expreso que los propios Estados han aceptado de la CADH en el cual
se señala que las sentencias de la Corte IDH son obligatorias y, por lo tanto, ejecuto-
rias.92 Por lo demás, los países de la región deben tener presente que el record de satis-
facción pronta y oportuna de las sentencias de los tribunales internacionales de dere-
chos humanos, es un elemento relevante a considerar en el examen periódico univer-
sal que realiza el Consejo de Derechos Humanos.93
Digno de destacar es el caso reciente de Venezuela, con la sentencia dictada por
la Sala Constitucional de la Corte Suprema de Justicia que declara inejecutable la sen-
tencia de la Corte IDH y además, dispone que el Estado de Venezuela debe denunciar
la CADH. Además, existe el caso de Chile, que aun no da cumplimiento íntegro a la
sentencia Almonacid Arellano y a la sentencia Palamara Iribarne. En este contexto,
pero excediéndonos del marco geográfico del Cono Sur, resulta digno de destacar la
reciente sentencia de la Corte IDH, caso Tiu Tojin contra Guatemala, a raíz del reite-

rio no existen víctimas por cuanto las faltas remiten a infracciones de deberes funcionales y no a lesiones
de derechos, de manera excepcional puede hablarse de víctimas de una falta disciplinaria cuando de la
infracción del deber que la constituye surge, de manera inescindible y directa, la violación del derecho
internacional de los derechos humanos o del derecho internacional humanitario”. Corte I.D.H.: Caso de la
Masacre de la Rochela vs. Colombia. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 11 de de mayo de 2007.
Serie C No. 163, par. 207, p. 67.
92 “Artículo 68: 1. Los Estados Partes en la Convención se comprometen a cumplir la decisión de la Corte en
todo caso en que sean partes. 2. La parte del fallo que disponga indemnización compensatoria se podrá eje-
cutar en el respectivo país por el procedimiento interno vigente para la ejecución de sentencias contra el
Estado”.
93 “Chile mantiene una permanente cooperación con los mecanismos de supervisión del derecho internacio-
nal de los derechos humanos, presentando periódicamente sus informes a los órganos de tratados, procu-
rando hacer efectivas sus recomendaciones y adecuando su normativa interna a dichos instrumentos.
Asimismo, ha dado cumplimiento a las recomendaciones y sentencias de los órganos interamericanos de
derechos humanos, que en un caso significó reformar la Constitución (Caso “Última Tentación de Cristo”);
y en otro, la dictación de una Ley de Transparencia y Acceso a Información Pública (Caso “Claude Reyes y
otros”) que estableció procedimientos, recursos y un organismo -Consejo para la Transparencia- que vela-
rá por la aplicación de la citada ley”. Asamblea General: Informe Nacional presentado de conformidad con
el párrafo 15 A) Anexo a la resolución 5/1 del Consejo de Derechos Humanos. Doc. N.U.
A/HRC/WG.6/5/CHL/1, de fecha 16 de febrero de 2009.

429
Gonzalo Aguilar Cavallo

rado incumplimiento de un acuerdo sobre reparaciones y de los compromisos adqui-


ridos en el marco de una solución amistosa en el que el Estado reconoció su respon-
sabilidad internacional derivada de los hechos del presente caso.94
En el sistema interamericano de protección de los derechos humanos se han
planteado casos de denuncia de la Convención Americana de Derechos Humanos y,
también, de retiro del reconocimiento de la competencia contenciosa de la Corte
IDH. En materia de denuncia, el 26 de mayo de 1998, la República de Trinidad y
Tobago comunicó al Secretario General de la OEA su resolución de denunciar la
CADH, de conformidad con el artículo 78 de la Convención. Esta decisión se produ-
jo a raíz de la presentación de reiterados casos de imposición de la pena capital.
En cuanto al retiro del reconocimiento, en junio de 1999, la Corte Suprema de
Justicia de Perú, declaró inejecutable la sentencia de reparaciones de la Corte IDH, en
el caso Loayza Tamayo, de noviembre de 1988. A raíz de dicho caso y del caso Castillo
Petruzzi y otros vs. Perú, en julio de 1999, el Congreso Peruano aprobó por 60 votos
a favor un proyecto impulsado por el ex Presidente Fujimori, mediante el cual se deci-
de el retiro con efecto inmediato del reconocimiento de la competencia contenciosa
de la Corte IDH. En enero de 2001, el Congreso de Perú adoptó la resolución legisla-
tiva Nº 27.401, que pide restablecer, para Perú, a plenitud la competencia contencio-
sa de la Corte.
En efecto, en el caso de Perú, manifestó expresamente su deseo de “retirar” su
aceptación de jurisdicción de la Corte IDH, en el caso del Tribunal Constitucional. En
la sentencia de competencia, se señaló que “Mediante nota de 16 de julio de 1999,
recibida en la Secretaría de la Corte el 27 de los mismos mes y año, la Secretaría
General de la OEA informó que, con fecha 9 de julio de 1999, el Perú había presen-
tado un instrumento en el que comunicaba el retiro de su declaración de reconoci-
miento de la cláusula facultativa de sometimiento a la competencia contenciosa de la
Corte. Asimismo, transmitió copia del original de dicho instrumento, fechado en
Lima el 8 de julio de 1999. En éste, el Ministro de Relaciones Exteriores del Perú seña-
laba que el Congreso de la República, mediante Resolución Legislativa No. 27.152 de
la misma fecha, había aprobado el retiro en los siguientes términos: [...] que, de acuer-
do con la Convención Americana sobre Derechos Humanos, la República del Perú
retira la Declaración de reconocimiento de la cláusula facultativa de sometimiento a
la competencia contenciosa de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, hecha
en su oportunidad por el gobierno peruano”.95

94 Corte I.D.H.: Caso Tiu Tojín vs. Guatemala. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 26 de noviembre
de 2008. Serie C No. 190.
95 “[…] la Corte considera que es inadmisible el pretendido retiro por el Perú de la declaración de reconoci-
miento de la competencia contenciosa de la Corte con efectos inmediatos, así como cualesquiera consecuen-
cias que se busque derivar de dicho retiro, entre ellas, la devolución de la demanda, que resulta irrelevan-
te”. Corte I.D.H.: Caso del Tribunal Constitucional vs. Perú. Competencia. Sentencia de 24 de septiembre
de 1999. Serie C No. 55 pars. 27 y 53, pp. 9 y 14.

430
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

Recientemente, Venezuela ha amenazado con denunciar la CADH, después de


que la Sala Constitucional del Tribunal Supremo de Justicia declaró – con fecha 18 de
diciembre de 2008- inejecutable una sentencia de la Corte IDH a favor de tres ex jue-
ces. En efecto, el máximo Tribunal Venezolano expresó que “esta Sala Constitucional
declara inejecutable el fallo de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, de
fecha 5 de agosto de 2008, en la que se ordenó la reincorporación en el cargo de los
ex-magistrados de la Corte Primera de lo Contencioso Administrativo Ana María
Ruggeri Cova, Perkins Rocha Contreras y Juan Carlos Apitz B.; con fundamento en
los artículos 7, 23, 25, 138, 156.32, el Capítulo III del Título V de la Constitución de
la República y la jurisprudencia parcialmente transcrita de las Salas Constitucional y
Político Administrativa”.96
Además, más sorprendente aún en este caso, la Sala Constitucional venezolana
solicitó al Gobierno que denuncie la CADH, al expresar que “con fundamento en el
principio de colaboración de poderes (artículo 136 de la Constitución de la República
Bolivariana de Venezuela) y de conformidad con lo dispuesto en el artículo 78 de la
Convención Americana sobre Derechos Humanos, se solicita al Ejecutivo Nacional
proceda a denunciar este Tratado o Convención, ante la evidente usurpación de fun-
ciones en que ha incurrido la Corte Interamericana de los Derechos Humanos, con el
fallo objeto de la presente decisión”.97
Resulta muy interesante y esclarecedor, el voto disidente del Magistrado Pedro
Rafael Rondón Haaz, quien muestra las contradicciones de la sentencia arriba referi-
da, al señalar que “[c]on especial énfasis, por último, se aparta quien disiente de la soli-
citud al Ejecutivo Nacional de que “proceda a denunciar” la Convención Americana
sobre Derechos Humanos “en función de la evidente usurpación de funciones en que
ha incurrido la Corte Interamericana de Derechos Humanos, con el fallo objeto de la
presente decisión.” Más allá de que no se comparte la existencia de una evidente usur-
pación de funciones por parte de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, se
hace un flaco servicio al Estado cuando se le coloca en incumplimiento con sus obli-
gaciones nacionales (artículos 30 y 31 de la Constitución) e internacionales (artículo
68 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos) en materia tan sensible
como los derechos humanos que, paradójicamente, gozan de una protección ejemplar
en nuestra Constitución, cuyo texto se reduce a eso, sólo un texto, cuando se le des-
conoce. Por otra parte, resulta desconcertante que la sentencia reconozca la vigencia
de la Convención y su rango constitucional dentro del derecho interno; la diferencia
entre ese tratado y los informes, opiniones y decisiones que se dicten con ocasión de

96 Vid. Sala Constitucional del Tribunal Supremo de Justicia de Venezuela, Magistrado Ponente: Arcadio
Delgado Rosales, Expediente No. 08-1572. Sentencia de fecha 18 de diciembre de 2008; Corte I.D.H.: Caso
Apitz Barbera y otros (“Corte Primera de lo Contencioso Administrativo”) vs. Venezuela. Excepción
Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 5 de agosto de 2008. Serie C No. 182.
97 Vid. Sala Constitucional del Tribunal Supremo de Justicia de Venezuela, Magistrado Ponente: Arcadio
Delgado Rosales, Expediente No. 08-1572. Sentencia de fecha 18 de diciembre de 2008.

431
Gonzalo Aguilar Cavallo

su aplicación; que declare que “no se trata de interpretar el contenido y alcance de la


sentencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, ni de desconocer el tra-
tado válidamente suscrito por la República que la sustenta o eludir el compromiso de
ejecutar las decisiones según lo dispone el artículo 68 de la Convención Americana
sobre Derechos Humanos” y, en el mismo veredicto, los mismos sentenciadores esti-
men que debe denunciarse la Convención a causa de un supuesto exceso, no del
acuerdo multilateral en sí, sino de un acto distinto”.98
Es interesante resaltar que el no cumplimiento de las sentencias de la Corte IDH
es una fuente de impunidad, promovida por la actitud del Estado, que, además de no
perseguir al responsable de la conducta ilícita, puede generar la ausencia de satisfac-
ción de otras consecuencias jurídicas del fallo, tales como reformas legislativas, inva-
lidación de procesos, modificación de reglamentos, políticas y programas, entrega de
reparación a las víctimas, etc. Así, García Ramírez, explicando la impunidad ha seña-
lado que “[s]e trata de señalar el fenómeno que se presente cuando los delincuentes
no reciben el castigo -la pena, la punición- que corresponde a su conducta ilícita.
Ahora bien, en una acepción más amplia habría que reelaborar el concepto –y proba-
blemente redefinirlo- a fin de que abarque la omisión de cualquier medida que sea
consecuencia de la violación cometida y declarada por la autoridad competente”.99
La disconformidad interna con los fallos de la Corte IDH, no es un rasgo exclu-
sivamente del continente americano, ya que en el sistema europeo de protección de
los derechos fundamentales también se presentan. Sin embargo, hay dos diferencias
fundamentales, por un lado, este tipo de situaciones es esporádico o infrecuente. Por
otro lado, cuando ocurren estas disconformidades, nadie plantea siquiera abandonar
el sistema europeo de protección de los derechos humanos.100 En consecuencia, el
problema que surge en el continente americano y la preocupación que se puede mani-
festar dice relación con la insistencia de los Estados en cuanto a amenazar abandonar
el sistema interamericano de protección, lo cual no sólo resquebraja la fortaleza del
sistema sino que además, desde el punto de vista interno de los Estados, da cuenta de
una falta de madurez constitucional, de un posible retroceso en el proceso democra-
tizador y de una debilidad en las instituciones constitucionales. También surgen voces

98 Vid. Sala Constitucional del Tribunal Supremo de Justicia de Venezuela, Magistrado Ponente: Arcadio
Delgado Rosales, Expediente No. 08-1572. Sentencia de fecha 18 de diciembre de 2008. Voto disidente del
Magistrado Pedro Rafael Rondón Haaz, Considerando 9º.
99 Sergio García Ramírez, Sergio: “La jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos en
materia de reparaciones”, en Corte IDH: La Corte Interamericana de Derechos Humanos: Un cuarto de siglo:
1979-2004, Corte Interamericana de Derechos Humanos, San José, 2005, pp. 1-85, especialmente, p. 75.
100 Se debe tener presente que el consenso común en Europa, recordado por el Parlamento Europeo reiterada-
mente, es que “la democracia se basa en el pleno respeto de los derechos humanos y las libertades funda-
mentales y en la plena aplicación del principio de la legalidad y en el Estado de Derecho; pide, por consi-
guiente, a los Estados miembros y a las instituciones de la UE que garanticen el pleno respeto de las dispo-
siciones de los tratados internacionales en materia de derechos humanos y, en particular, el Convenio
Europeo para la Protección de los Derechos Humanos y de las Libertades Fundamentales (CEDH) y sus pro-
tocolos, junto con sus respectivas constituciones y legislaciones”. Resolución del Parlamento Europeo sobre
la situación de los derechos fundamentales en la Unión Europea (2001) (2001/2014(INI)).

432
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

que buscan argumentos para justificar el incumplimiento de las decisiones de los órga-
nos internacionales, en este caso, de la Corte IDH, por parte de los jueces nacionales,
apoyándose en la doctrina del margen de apreciación nacional, que eventualmente le
proporcionaría un grado de discrecionalidad al juez del foro para decidir si cumple o
no cumple, cómo y cuándo cumple.101
Para la consolidación de un verdadero Estado constitucional democrático es
necesario avanzar en los proceso de respeto y protección creciente de los derechos
humanos. En este sentido Pérez Luño ha señalado que “el Estado constitucional no
sólo se caracteriza por ser la forma política que consagra la primacía de la
Constitución, la reserva de Constitución y el protagonismo de la jurisdicción consti-
tucional, sino que es también el marco jurídico-político de reconocimiento y garantía
de los derechos de la tercera generación”.102
En este sentido, resultaría conveniente que los Estados del continente regularan,
deseablemente mediante reformas constitucionales, la obligación que han asumido de
cumplir y ejecutar las sentencias de la Corte IDH. Sólo algunos Estado han incorporado
en sus ordenamientos normas en esta línea. Por ejemplo, se pueden citar Costa Rica, en
el Convenio de sede entre el Gobierno de la República de Costa Rica y la Corte
Interamericana de Derechos Humanos, de 10 de septiembre de 1981, ratificado por ley
6.889; Colombia, por medio de la ley 288, de 5 de julio de 1996, y el Decreto 321, de 25
de febrero de 2000; y Perú, artículo 115 del Código Procesal Constitucional -aprobado
por ley 28.237, publicada el 31 de mayo de 2004 – y ley 27.775, publicada el 7 de julio
de 2002. Se han presentado algunas otras iniciativas en este sentido, entre las que cabe
destacar el proyecto chileno de Acciones Protectoras de derechos fundamentales, apro-
bado por la Comisión de Derechos Humanos de la Cámara de Diputados y en discusión
ante la Comisión de Legislación, Constitución y Justicia de la misma Cámara, el cual
señala en su artículo 128 que las “sentencias de Cortes Internacionales o
Supranacionales en materia de derechos humanos a la que el Estado de Chile le haya
reconocido jurisdicción contenciosa vinculante son de obligatorio cumplimiento por los
órganos del Estado de Chile”. En este contexto, junto con el profesor Bazán, podemos
señalar que la voluntad política debiera concurrir para complementar el orden consti-
tucional de los derechos fundamentales, a través de la generación de una norma que
indicara de forma clara el procedimiento interno de ejecución de las recomendaciones
de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos y de la Corte IDH.103

101 En el caso de la doctrina chilena, vid. Núñez Poblete, Manuel: “Introducción al concepto de identidad cons-
titucional y a su función frente al Derecho supranacional e Internacional de los Derechos de la persona”,
en Revista Ius et Praxis, año 14, núm. 2 (2008), pp. 331-372.
102 Pérez Luño, Antonio Enrique: “Estado constitucional y generaciones de derechos humanos”, en Corte
I.D.H.: Liber Amicorum Héctor Fix-Zamudio, Volumen II, Corte Interamericana de Derechos Humanos,
San José, 1998, pp. 1241-1264, especialmente, p. 1258.
103 Bazán, Victor: “La Corte Suprema de Justicia argentina y su rol en la articulación del Derecho Internacional
de los Derechos Humanos y el Derecho interno”, en Revista de Derecho Político, núm. 73, septiembre-
diciembre 2008, pp. 315-373, especialmente, p. 367.

433
Gonzalo Aguilar Cavallo

El individuo hoy ocupa un lugar preferente y privilegiado en la construcción del


Derecho Constitucional. En consecuencia, los Estados de América Latina, en virtud
del principio de cooperación leal con la Corte IDH, deben contribuir y facilitar leal-
mente el desempeño de la Corte y, luego, dar cumplimiento efectivo a las sentencias
de la misma.104

IV. Conclusiones

Creemos haber mostrado un proceso emergente de consolidación del DADH. Un


DADH que se nutre de las tradiciones constitucionales comunes, reconocidas ya en el
preámbulo de la Convención Americana de Derechos Humanos y de los valores y
principios recogidos en los instrumentos internacionales. Este orden jurídico de los
derechos humanos representa un umbral mínimo que determina el mínimo común
denominador para los Estados de América Latina, por lo que, evidentemente, sus pro-
pios ordenes constitucionales podrían, perfectamente, –y así sería deseable- estable-
cer un estándar de derechos humanos más elevado.
Este estándar mínimo de derechos humanos compone y configura un espacio
público americano, que desde el punto de vista normativo, se llena de contenido a tra-
vés del orden público americano. El orden público americano fija el marco jurídico
mínimo dentro del cual los Estados -constitucionales y democráticos- americanos
pueden moverse para alcanzar grados avanzados de justicia social. A través del
DADH, el Estado latinoamericano es un Estado democrático y comunitario, gracias al
fuerte contenido humanitario, que el especial sentido de comunidad existente en el
continente, le impregna a los derechos humanos, especialmente, a los DESC. Dicho de
otro modo, los derechos humanos, particularmente, los DESC, son leídos en América
Latina a la luz del fuerte sentido de comunidad que existe en la región, en cuyo seno
se aloja un poderoso componente de solidaridad. Esto último explica que el Estado
constitucional latinoamericano sea visto, desde la óptica del DADH, como un Estado
democrático y comunitario de derechos.
El desafío que se le plantea a los Estados de América Latina es seguir avanzando
en este proceso creciente de confluencia del orden constitucional con el orden inter-
nacional de los derechos humanos, dándole aplicabilidad práctica y efectividad real a
todos los derechos humanos, incluso, a los DESC, sin distinciones caprichosas. En este
sentido, el Estado, principalmente, a través de sus órganos jurisdiccionales, tiene el
deber primordial de proporcionar al individuo o grupo una tutela judicial rápida,
oportuna y eficaz de todos los DESC, y de esa manera, convertir a la Constitución –por
vía pretoriana- en una Constitución ‘efectivamente vivida’.

104 Sobre el principio de cooperación leal, vid. Nohlen, Nicolas: “Germany: The European Arrest Warrant
Case”, en International Journal of Constitutional Law, vol. 6, núm. 1 (2008), pp. 153-161; “26. "Pacta sunt
servanda". Todo tratado en vigor obliga a las partes y debe ser cumplido por ellas de buena fe”. Convención
de Viena sobre el derecho de los tratados, Viena, 1969.

434
Emergencia y Consolidación de un Derecho Americano de los Derechos Humanos

Para enfrentar estos desafíos en el tercer milenio, aparece como necesario seguir
avanzando por la senda del fortalecimiento y consolidación de una verdadera cultura
‘de a pie’ de los derechos humanos, en el sentido de que sean los individuos y pueblos
quienes se apropien de sus derechos y los reivindiquen ante los agentes del Estado y
ante terceros. En este ámbito, el Estado –ejecutivo, legislativo y judicial– tiene un rol
activo que jugar, precisamente en el área de los DESC, a través de la enseñanza de los
derechos humanos y la educación en derechos humanos.
Por último, un foco claro de preocupación dentro del espacio público americano
–que va contracorriente– son los episodios de rebeldía, y a veces de clara enemistad,
con respecto al sistema interamericano de derechos humanos, en particular, frente a
las sentencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. No deja de sorpren-
der, y esto marca una clara diferencia con la cultura jurídico-constitucional de los paí-
ses de Europa occidental, los episodios de puesta en tela de juicio del sistema intera-
mericano de derechos humanos, cuando, en la ocurrencia, el Estado resulta vencido y
condenado por violación de la Convención Americana sobre Derechos Humanos. No
puede sino dejarnos perplejos la falta de madurez constitucional y la fragilidad de los
compromisos y del Estado constitucional-democrático, que ello demuestra, cada vez
que un Estado condenado, esgrime el argumento del abandono del sistema interame-
ricano de derechos humanos. La reflexión que se puede hacer aquí es: ¿qué Estado es
más democrático? ¿Aquel que se somete al escrutinio jurídico internacional o aquel
que lo rechaza? Nuestra perspectiva es que aquellos que se someten a grados elevados
de escrutinio jurisdiccional representan estadios más avanzados del proceso democra-
tizador. En consecuencia, se plantea como un desafío muy importante, el acatamien-
to y cumplimiento de buena fe, de las decisiones provenientes del sistema interame-
ricano de promoción y protección de los derechos humanos.

435
PARTE III
O PAPEL DOS TRIBUNAIS
CONSTITUCIONAIS NACIONAIS
Jurisdicción Constitucional y Consolidación
de la Democracia
Dieter Nohlen1

Sumáárioo: I. Introducción II. Multidimensionalidad de los factores en el proceso de consolidación III. Multidimen-
sionalidad de los conceptos IV. La relación interdependiente de los factores V. Funciones de la jurisdicción consti-
tucional VI. Requisitos y condiciones para la jurisdicción constitucional VII. Ámbitos de la jurisdicción constitucio-
nal VIII. Consideraciones finales.

I. Introducción

El título de mi conferencia abre una perspectiva de análisis que es típica para


investigaciones politológicas. Consiste en establecer una relación causal entre los
fenómenos enfocados, es decir aquí entre la jurisdicción constitucional y la consoli-
dación de la democracia. ¿Cuál es el efecto que tiene la jurisdicción constitucional
sobre la consolidación de la democracia? De forma análoga, la Ciencia Política ha
estudiado la relación causal entre sistemas electorales y sistemas de partidos políticos,
llegando a precisar en qué condiciones la variable independiente ejerce tales u otros
efectos sobre la variable dependiente.2 ¿Podemos proceder analíticamente de forma
parecida respecto a nuestro tema de hoy? ¿Podemos esperar llegar a semejantes alcan-
ces, aunque la relación parezca más compleja y como tal menos susceptible a medicio-
nes empíricas?
La pregunta parece aún más pertinente dado que nuestro tema está prácticamen-
te ausente en la literatura politológica. Consideraciones sobre la consolidación de la
democracia se refieren al mundo de las democracias de la tercera ola y respecto a este
grupo de países, raras veces involucran la jurisdicción constitucional como objeto
relevante. En el ámbito del derecho público, allí sí encontramos este tipo de referen-
cias, incluso en rápido aumento, las que, sin embargo, se caracterizan por su grado de

1 Estudios de ciencia política, historia y literatura francesa en las universidades de Colonia, Montpellier y
Heidelberg. Doctor en Ciencias Políticas de la Universidad de Heildelberg y Profesor titular emérito de la
misma Universidad. Especialista en instituciones políticas,temas electorales y justicia constitucional. Autor
y coordinador de numerosas publicaciones, entre otras la Enciclopedia del Tercer Mundo, Diccionario del
Tercer Mundo, Diccionario de la Política, Diccionario de la Ciencia Política, Enciclopedia Electoral
Latinoamericana y del Caribe, Tratado de derecho electoral comparado de América Latina. Honores:
Premio Max Planck de Investigación (1990), Premio Libro del Año (1995), Premio de Investigación sobre
España y América Latina (2000) y Diploma honoris causa de Administración Electoral de la Universidad
Panthéon Paris II (2005).Profesor titular emérito de la Universidad de Heidelberg, Alemania. Agradezco el
apoyo de José Reynoso Núñez en la revisión de éste estudio.
2 Véase Nohlen, D., Sistemas electorales y partidos políticos, tercera ed., México, Fondo de Cultura
Económica, 2004.

439
Dieter Nohlen

generalización y una tendencia a sobre- o subestimar la importancia de la jurisdicción


constitucional en sus efectos sobre la consolidación de la democracia.
Nuestro conocimiento proveniente de la experiencia nos dice que la relevancia de
una variable tratada como independiente respecto a otra dependiente, en el campo de
las ciencias humanas es siempre relativa. Así, en la primera parte de mi conferencia,
me dedicaré a la multidimensionalidad del problema, refiriéndome a los factores que
influyen en el proceso de la consolidación de la democracia. Por experiencia sabemos
también que la relación enfocada depende de los conceptos que se aplican, en nuestro
caso, del concepto de democracia y del concepto de consolidación que tengamos. En
este sentido, en segundo lugar, introduciré en la multidimensionalidad de los concep-
tos y en la relevancia que dentro de los diferentes conceptos alcanza la jurisdicción
constitucional. Nuestro conocimiento proveniente de la experiencia nos dice, además,
que a menudo se establecen interdependencias entre las variables observadas. Así, en
tercer lugar, mis consideraciones apuntarán a la interrelación recíproca
(Wechselwirkung) entre democracia y jurisdicción constitucional, destacando el
carácter político de su relación. Por último, por experiencia sabemos que el contexto
importa. Tal vez conocen mi escrito “El contexto hace la diferencia”, publicado por el
Instituto de Investigaciones Jurídicas de la UNAM,3 en el que hice énfasis en la nece-
sidad de diferenciación4 entre instituciones y contexto, demostrando además cómo el
contexto interviene en los efectos que exhiben las instituciones.5 Lo mismo puede
hacerse valer para el derecho. Como apunta José Afonso da Silva,6 “la misma norma o
el mismo texto normativo tiene un sentido o significado diferente cuando está situado
en contextos diferentes”. Enfocando en seguida las funciones de la jurisdicción consti-
tucional, me dedicaré, primero, a los requisitos irrenunciables que tienen que darse y
las condiciones favorables que fomentan el cumplimiento de sus funciones por parte
de los tribunales constitucionales, y segundo, entraré en algunos ámbitos de jurisdic-
ción constitucional en búsqueda de su relevancia para la consolidación de la democra-
cia. Finalmente, terminaré mi charla afirmando el carácter circular de la relación entre
jurisdicción constitucional y consolidación de la democracia, resumiendo algunas de
las afirmaciones que de manera diferenciada se han hecho con respecto a ella.
De este programa se desprende que – aunque siendo institucionalista – no me va
interesar hoy el diseño institucional de los tribunales constitucionales (su modelo, su
composición, sus competencias, sus reglas procesales, que obviamente difieren según
los casos y sin lugar a duda tienen efectos relevantes), sino su relación funcional en el

3 Nohlen, D., El contexto hace la diferencia, México, UNAM, 2003.


4 Conforme con Spencer-Brown, G., Laws of Form, Londres, Allen and Unwin, 1969.
5 Véanse también Nohlen, D., El institucionalismo contextualizado. La relevancia del contexto en el análisis
y diseño institucionales, edición e introducción de R. Ortiz Ortiz, México, Editorial Porrúa/ UNAM, 2006
y Ortiz Ortiz, R. y Reynoso Núñez, J., “Dieter Nohlen y el estudio de la democracia y las instituciones polí-
ticas en América Latina”, López Rubí Calderón, J. R. (Coord.), Política y ciencia política en Dieter Nohlen,
Puebla, Benemérita Universidad Autónoma de Puebla, 2007, pp. 17-57.
6 da Silva, J. A, Comentário contextual à constituiçao, São Paulo, Malheoros Editores, 2005, p. 17.

440
Jurisdicción Constitucional y Consolidación de la Democracia

sistema y en el proceso político. Tampoco nos interesa aquí el origen kelseniano o aus-
triaco de la jurisdicción constitucional y la diferencia de su versión europea con el
judicial review estadounidense, objetos tantas veces tratados y recapitulados en los
recientes trabajos comparativos.7 El enfoque funcionalista tiene en su centro el papel
real de la jurisdicción constitucional en el sistema político.8 Su aplicación se ve aún
más fundamentada por la reciente tendencia en el derecho público de tematizar no
tanto el Estado, ni el Estado de derecho, ni el Estado social, sino el Estado constitu-
cional en sus dimensiones funcionales.9 De igual manera, se observa en la Ciencia
Política la tendencia de tematizar no el Estado, sino las instituciones y la estructura
institucional, o sea, de observar lo público en un nivel, en el que es posible precisar
más los objetos de estudio y tratarles como variables en su interrelación causal. Así,
los tribunales constitucionales se encuentran en el mismo nivel de las demás institu-
ciones constitucionales (aunque la jurisdicción constitucional en América Latina no
siempre tiene un estatus autónomo, separado de la jurisdicción ordinaria).

II. Multidimensionalidad de los factores en el proceso de consolidación

En el caso de la relación entre sistemas electorales y sistemas de partidos, inter-


vienen factores de contexto que explican el por qué no existe una relación lineal entre
ambos fenómenos. En el caso que estudiamos hoy, tampoco se da este tipo de relación
causal. Existen varios factores muy relevantes que a su manera pueden tener altísima
importancia para la consolidación de la democracia, incluso para el tipo de régimen
político. En comparación, de entre estos factores el papel de los tribunales constitu-
cionales parece débil. Sin embargo, esta consideración no debería irritarnos, pues con-
forme con la teoría del caos, factores de primer orden por sí mismos no tienen que
ejercer necesariamente grandes efectos, mientras que mínimas modificaciones prove-
nientes de factores secundarios pueden tenerlos, percibidos sobre todo si el análisis
integra perspectivas de mediano o largo alcance. Por otra parte, si nos damos cuenta
de la multidimensionalidad de factores que influyen en el proceso de la consolidación
democrática en América Latina y del reducido papel de los tribunales constituciona-
les, nos protegemos frente a la exageración de la importancia atribuida a la jurisdic-

7 Véanse el Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional y la Revista Iberoamericana de Derecho


Procesal Constitucional así como los recientes libros colectivos sobre la materia, por ejemplo García
Belaunde, D. y Fernández Segado, F. (Coord.), La jurisdicción constitucional en Iberoamérica, Madrid,
Dykinson y otras, 1997; Ferrer Mac-Gregor, E. (Coord.), Interpretación Constitucional, 2 tomos, México,
Porrúa/UNAM, 2005; Palomino Manchego, J. F. (Coord.), El derecho procesal constitucional peruano.
Estudios en homenaje a Domingo García Belaunde, 2 tomos, Lima, Editora Jurídica Grijley, 2005.
8 Grimm, D., “Jurisdicción Constitucional”, Diccionario de Ciencia Política. Teorías, métodos, conceptos, dos
tomos, Nohlen, D., et al., México, Porrúa, El Colegio de Veracruz, 2006, p. 793.
9 Véanse Valadés, D. y Carbonell, M. (Coord.), El Estado constitucional contemporáneo. Culturas y sistemas
jurídicos comparados, 2 tomos, México, UNAM, 2006; Salazar Ugarte, P., La democracia constitucional.
Una radiografía teórica, México, Fondo de Cultura Económica/ IIJ-UNAM, 2006.

441
Dieter Nohlen

ción constitucional en este proceso, cuya parte concomitante podría resultar en sobre-
cargarla con funciones que sencillamente no puede cumplir.
En las explicaciones causales que se han dado en la literatura científica para el
problema de la consolidación de la democracia en la región, se puede distinguir a
grandes rasgos entre (1) la hipótesis de la carencia económica que apunta al insufi-
ciente desarrollo económico, sustentada por la teoría de la modernización;10 (2) la
hipótesis de la carencia social, que se enfoca en la persistencia de la pobreza y la desi-
gualdad social;11 (3) la hipótesis de la carencia política, que se basa en los déficits de
la democracia de no cumplir, a los que los informes sobre el desarrollo humano de las
agencias de desarrollo llaman continuamente la atención; (4) la hipótesis de la caren-
cia político-institucional que hace hincapié en los problemas estructurales de los sis-
temas políticos, hipótesis con mayor consenso en el mundo académico, como señala
por ejemplo el estudio del PNUD12 sobre la democracia en América Latina; (5) la
hipótesis de la falta de confianza de la población en la democracia como el orden polí-
tico preferido y en la satisfacción con los resultados de la política;13 (6) la hipótesis de
la carencia de capital social que focaliza la sociedad y su capacidad de generar con-
fianza en los otros. Según esta última tesis tiene que existir una cierta medida de con-
fianza interpersonal para formar una comunidad eficiente, cuyo progreso económico
y social pueda producir un sistema político consolidado.14
En comparación con la variable jurisdicción constitucional, no cabe duda que los
seis factores o grupos de factores enumerados alcanzan un valor explicativo mayor
para el problema de la consolidación democrática. De esta manera no debe sorpren-
der que la jurisdicción constitucional – como ya decía antes – casi no entra en las con-
sideraciones politológicas sobre consolidación de la democracia en América Latina.
Véanse por ejemplo el libro más citado, el de Linz y Stepan15 sobre “Democratización
y consolidación de la democracia”, el estudio de J. Mark Payne y otros16 titulado “La
política importa”, así como el informe del PNUD17 sobre el desarrollo de la democra-

10 Jaguaribe, H., Political Development. A General Theory and a Latin American Case Study, Nueva York,
Harper & Row, 1973; Pasquino, G., Modernización y desarrollo político, Barcelona, Editorial Nova Terra,
1974; Graciarena, J. y Franco, R., Social Formation and Power Structures in Latin America, Londres/
Beverly Hills, Sage Publications, 1978.
11 Midlarsky, M. I. (Ed.), Inequality, democracy, and economic development, Cambridge, Cambridge
University Press, 1997; Lamounier, B., “Brazil: Inequalities against Democracy”, Diamond, L. et al. (Eds.),
Democracy in Developing Countries: Latin America, Boulder, Lynne Rienner, 1999, pp. 131-189.
12 UNDP, Democracy in Latin America. Towards a Citizens’ Democracy, Buenos Aires, Aguilar etc., 2004.
13 Véase Latinobarómetro de 1996 en adelante. Latinobarómetro 1996-2006, entregas anuales, Santiago de
Chile.
14 Putnam, R. D., Making Democracy Work: Civil Traditions in Modern Italy, Princeton, Princeton
University Press, 1993.
15 Linz, J.J. y Stepan, A., Problems of Democratic Transition and Consolidation, Baltimore, Johns Hopkins
University Press, 1996.
16 Payne, J.M./ Zovatto, D./ Carrillo Flórez, F./ Allamand, A., La política importa. Democracia y desarrollo en
América Latina, Washington, D.C., Banco Interamericano de Desarrollo, 2003.
17 UNDP 2004, op. cit., nota 11.

442
Jurisdicción Constitucional y Consolidación de la Democracia

cia en América Latina. Por cierto, se debate el control de las instituciones, especial-
mente del Ejecutivo, y la manera de poner límites al ejercicio del poder. Pero entran
en escena por sobre todo la sociedad civil y los medios de comunicación como prin-
cipales actores garantes del poder limitado. Por lo demás, se debate el ejercicio del
poder tal cual, no tanto el ejercicio del poder conforme a las normas constitucionales.

III. Multidimensionalidad de los conceptos

En el caso del sistema de partidos, existe un alto grado de consenso sobre el con-
cepto y sus dimensiones que hay que tomar en cuenta a la hora de medir el efecto que
el sistema electoral tenga sobre el mismo.18 En el caso de los conceptos de democra-
cia y de consolidación de la democracia no es así. Respecto a nuestras consideracio-
nes, lo importante es que la ambivalencia conceptual existente tiene altísima impor-
tancia sobre el posible efecto que puede atribuirse a la jurisdicción constitucional en
la vida política, así como a su medición y evaluación.
Si se define la democracia a la manera de Alain Touraine como “la lucha de los
sujetos, en su cultura y en su libertad, contra la lógica dominadora de los sistemas”,19
la jurisdicción forma parte del sistema a combatir. Cuando lo sustantivo de la demo-
cracia es la deconstrucción de su propia institucionalidad, no interesa la jurisdicción
constitucional, o sólo interesa desde un punto inverso, para pasar por encima de su
función en el proceso de liberación. Si se entiende la democracia en su sentido radi-
cal, de democracia directa, como la entienden algunos intelectuales y aquellos actores
que quieren sustituir la democracia representativa por la así llamada democracia par-
ticipativa, la jurisdicción constitucional tiene una importancia relativa, subordinada a
la toma de decisiones por parte del soberano popular mismo que en cada momento
puede imponerse sobre la constitución vigente y sus supuestos guardianes. Si se
entiende la democracia en su sentido representativo,20 entonces sí la jurisdicción
constitucional puede jugar un rol importante, sobre todo si se identifica la democra-
cia representativa con la democracia constitucional, tendencia que en los últimos años
ha recuperado fuerza ante la extensión del uso de los conceptos de contraste.
El concepto de la consolidación democrática, por su parte, es también multidi-
mensional y muy controvertido, vinculado por lo demás con diferentes conceptos de
legitimidad. Leonardo Morlino veía en 1986 la consolidación como un proceso que
tiene como consecuencia la continua adaptación de los actores políticos a las reglas del
juego democrático y, con ello, la continua ampliación de la legitimidad21 del orden

18 Véase Nohlen, D., Sistemas electorales y partidos políticos, op. cit., nota 1.
19 Touraine, A., ¿Podemos vivir juntos? Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 1997, p. 114.
20 Para este y otros conceptos de la democracia véase Nohlen, D. et al., Diccionario de Ciencia Política. Teorías,
métodos, conceptos, dos tomos, México, Editorial Porrúa/ El Colegio de Veracruz, 2006, pp. 338-356.
21 La pretensión de legitimidad de un orden político apunta a un concepto normativo del mismo. Se puede
entender como cualidad objetiva de un sistema social o sistema político (por ej., la legitimidad que se le atri-

443
Dieter Nohlen

político establecido. En el marco de este inicial concepto de consolidación que se fija


en los actores políticos, es fácil ubicar y evaluar alto el rol de la jurisdicción constitu-
cional: mantener encarriladas sus acciones, el caso dado, en lo que la constitución
prescribe. Diez años más tarde, Juan J. Linz y Alfred Stepan22 distinguían ya entre
varias dimensiones del problema de la consolidación: (1) la dimensión conductual:
ningún actor político, social o económico persigue sus objetivos con medios que ten-
gan como consecuencia el establecimiento de un sistema no democrático; (2) la
dimensión actitudinal: una gran mayoría de la opinión pública mantiene la valoración
de la democracia como la mejor forma de gobierno, aunque esté insatisfecha con los
logros de los gobiernos democráticos; (3) la dimensión constitucional: tanto el gobier-
no como la oposición se someten a la constitución y solucionan sus conflictos en el
marco de las reglas de juego del sistema político. Se observan grandes diferencias del
rol y posible impacto de la jurisdicción constitucional en la consolidación según las
dimensiones señaladas. En las dos primeras es extremamente relativo para no decir
quantité negligable. Sólo en la última dimensión, llamada constitucional, la jurisdic-
ción constitucional encuentra su enlace de forma muy explícita con el proceso de con-
solidación democrática. En la trilogía de dimensiones de Andreas Schedler,23 final-
mente, no se sostiene de igual manera este vínculo. Schedler, tras una amplia revisión
de los diferentes enfoques, destaca tres modelos de enfocar el problema de la consoli-
dación: (1) el procesual, en el que se afirma o no si las democracias son capaces de
imponerse y dominar los desafíos antidemocráticos; (2) el actitudinal, orientado a la
elite política, en el sentido de que sus miembros, y sobre todo los gobiernos, desarro-
llan normativamente los valores democráticos, diseñan estrategias racionales y desa-
rrollan las habilidades necesarias para mantener la democracia; y (3) el orientado a las
bases socioeconómicas, en el sentido de que su desarrollo sea propicio para la conti-
nuidad democrática. Ninguna de estas dimensiones es apta para poner de relieve la
función de la jurisdicción constitucional para la consolidación democrática.
Incluyendo la dimensión económica al problema de la consolidación de la democra-
cia, Schedler reintroduce no sólo una variable de alto valor explicativo cuya carrera
en ciencias sociales se remonta a los orígenes de la teoría de la modernización, sino
una variable que en nuestro contexto destaca por dos características: primero es la

buye como inherente a un sistema político democrático en el marco de los horizontes mentales correspondien-
tes, o la legitimidad entendida como el mantenimiento de la legalidad) o estar basada en escalas normativas
externas, respecto a las cuales se compara esta pretensión. De acuerdo con esto, la legitimidad puede ser defi-
nida como: (1) la coincidencia de un orden político con el Derecho, en el cual está garantizada la realización de
determinados principios (en la democracia, pluralismo político, derechos democráticos de participación, Estado
de Derecho, etc.), o (2) la capacidad de un orden político de ser reconocido como legítimo, por lo cual la pre-
tención de un sistema político de gozar de legitimidad sólo existe, cuando las expectativas de comportamiento
elevadas a norma expresan intereses capaces de ser generalizados (Cf. Habermas, J., Problemas de legitimación
en el capitalismo tardío, Buenos Aires, Amorrortu, tercera edición, 1989, véase también Heidorn, J., Legitimität
und Regierbarkeit [Legitimidad y gobernabilidad], Berlín, Duncker & Humblot, 1982).
22 Linz, J.J. y Stepan, A., Problems of Democratic Transition and Consolidation, op. cit., nota 14, p. 30.
23 Schedler, A., “Los cálculos de consolidación democrática”, Republicana. Política y Sociedad 1 (1) 2002, p. 20.

444
Jurisdicción Constitucional y Consolidación de la Democracia

variable con menores probabilidades de sufrir efectos provenientes de decisiones de


los tribunales constitucionales en su manera de incidir en la consolidación de la
democracia, y segundo es probablemente la variable más susceptible a la medición en
sus efectos sobre la consolidación democrática, de modo que facilita marcar diferen-
cias en la medición de efectos de distintos factores causantes de la consolidación. En
el caso de la variable económica se observa precisamente una correlación positiva
entre las tasas de crecimiento económico y el grado de satisfacción con la democracia,
como señalan las encuestas.24 Podemos concluir que el desempeño del gobierno
importa. Es el rendimiento político que aumenta la legitimidad de salida (output legi-
timacy) de la democracia y así su consolidación. Respecto al desempeño, la jurisdic-
ción constitucional, como vamos a ver a continuación, puede aportar algo, aunque
este algo será siempre difícil de medir. Por lo demás, es casi imposible establecer co-
rrelaciones directas y medibles entre jurisdicción constitucional y valoración o con-
solidación de la democracia. Por otra parte, se excluye también que una baja en la
aceptación de la democracia que se pudo observar en el último decenio, sea un efec-
to directo de la actuación (mal evaluada) de la jurisdicción constitucional. En otros
términos, tampoco existe una relación causal determinante de índole negativa entre
jurisdicción constitucional y consolidación de la democracia.

IV. La relación interdependiente de los factores

Estas observaciones invitan a llamar la atención a otro conocimiento provenien-


te de la experiencia que apunta a la relación recíproca de los fenómenos. Incluso en
el estudio de la relación causal entre sistema electoral y sistema de partidos, se obser-
van efectos circulares: el propio sistema de partidos tiene influencia sobre el efecto
que tiene el sistema electoral sobre el mismo. Este tipo de interdependencia es mucho
más fuerte en la relación que estudiamos, especialmente por el hecho de que la juris-
dicción constitucional así como el derecho público en general están percibidos como
eminentemente políticos, o sea dependientes de factores que provienen de la política.
Jorge Carpizo y Héctor Fix-Zamudio25 apuntan precisamente a esta reciprocidad,
cuando dicen que “a través del derecho constitucional el derecho penetra y se intro-
duce en la vida de la comunidad y a su vez los factores políticos, sociales y económi-
cos determinan en buena parte el derecho constitucional”. Aún más, con la creación
de órganos de jurisdicción constitucional ha entrado un nuevo actor en la escena polí-
tica. Respecto a su rol, Dieter Grimm26 enfatiza que “la jurisdicción constitucional no

24 Véase Latinobarómetro 2006.


25 Carpizo, Jorge y Fix-Zamudio, Héctor,. “Algunas reflexiones sobre la interpretación constitucional en el
ordenamiento mexicano”, Interpretación constitucional, 2 tomos, Ferrer Mac-Gregor, E. (Coord.), México,
Editorial Porrúa, tomo 1, 2005, p. 424.
26 Grimm, D., “Jurisdicción Constitucional”, Diccionario de Ciencia Política. Teorías, métodos, conceptos, op.
cit., nota 7, p. 793.

445
Dieter Nohlen

sólo hace valer en el caso concreto las decisiones generales previas de la constitución,
sino que toma también decisiones políticas por su cuenta. Puesto que muchas veces
estas decisiones tienen como objeto el comportamiento de los órganos superiores del
Estado y de los partidos políticos que actúan en ellos, la jurisdicción constitucional
participa, si se aplican criterios funcionales, en la dirección del Estado”. Siendo los tri-
bunales constitucionales instituciones políticas como las demás, aunque de legitimi-
dad democrática secundaria y carentes de un aparato propio para hacer ejecutar sus
decisiones, ellos disponen de importantes funciones en el proceso político con capa-
cidad de decisión última en asuntos de alta importancia en el juego político. Dolf
Sternberger27 puntualizó: “El derecho es en sí mismo un eminente factor político”.
En la perspectiva de la teoría de los jugadores de veto,28 los tribunales constitu-
cionales constituyen jugadores de veto institucionales dentro del sistema político.
Aunque en principio de racionalidad propia, pueden articularse dentro de ellos juga-
dores de veto individuales (o sea miembros de los tribunales) asociados con los parti-
dos políticos, de modo que se puede imponer la lógica de competencia política que a
su vez puede determinar decisiones en pro o en contra de otras instituciones del sis-
tema político, especialmente referidas a la voluntad política del gobierno. Es por esto
que se establece otra circularidad: al control constitucional que ejercen los tribunales
sobre el Ejecutivo se añade el intento por parte de los partidos políticos y especial-
mente del gobierno de hacerse del control del tribunal constitucional.
En la perspectiva de la teoría sistémica, se trata de una relación entre el sistema
político con su propia racionalidad, la racionalidad del poder, y de la jurisdicción
constitucional con la suya, la racionalidad del derecho, o sea entre un (marcado) sis-
tema y su entorno. Según el enfoque de la autopoiésis,29 la incidencia que tiene el fac-
tor externo, aquí la jurisdicción constitucional, es dependiente de la estructura del sis-
tema, aquí el sistema político, y del comportamiento de los actores institucionales. Las
decisiones de los tribunales constitucionales, en general (en el lenguaje sistémico) de
efecto “irritante”, pueden ser interpretadas como “estimulantes” y de esta manera asu-
midas por los actores, o percibidas como “perturbantes”. La última percepción puede
conducir a que el sistema (político) trate de compensarlas o impedir su cumplimiento
o tomar las precauciones pertinentes (por ejemplo sustitución de magistrados) para
que no se repitan situaciones “perturbantes” debido a decisiones del poder judicial.
De todos modos, resulta claro que la influencia del factor externo nunca será
determinante, sino relativo conforme a las estructuras del sistema y las mentalidades
de sus actores. Dentro de esta perspectiva sistémica es posible marcar diferencias entre
sistemas susceptibles de reaccionar acorde con la percepción “estimulante” o “pertur-
bante” de la labor de la jurisdicción constitucional. Respecto a esta disyuntiva, la

27 Sternberger, D., Lebende Verfassung [Constitución viviente], Meisenheim, Verlag Anton Hain, 1956, p. 24.
28 Tsebelis, George, Veto Players. How Political Institutions Work, Princeton, New Jersey, Russell Sage
Foundation New York, Princeton University Press, 2002.
29 Véase Maturana, H. y Varela, F., Der Baum der Erkenntnis [El árbol del conocimiento], Bern, Scherz, 1984.

446
Jurisdicción Constitucional y Consolidación de la Democracia

mayor diferencia que se impone es aquella entre democracias consolidadas y demo-


cracias que aún viven el problema de su consolidación. Mientras que el primer grupo
de países se puede asociar con una interpretación “estimulante”, el segundo grupo de
países tiende a una percepción “perturbante”. Otras diferencias pueden referirse a
características de menor calibre que pueden ser transversales a la anterior categoriza-
ción en grupos de países, por ejemplo una cultura de toma de decisiones jerárquica-
decisionista así como el presidencialismo y el bipartidismo. Estas mentalidades y
estructuras son especialmente proclives al intervencionismo político en la esfera de la
jurisdicción constitucional que por lo demás hace bien visible la interrelacionalidad
de los fenómenos observados. Inversamente, todos los atributos de la civilidad, o sea
“comprensión, moderación y gentileza, cualidades basadas en la estima y el respeto a
otras personas”,30 son favorables a la jurisdicción constitucional en su efecto sobre la
consolidación de la democracia, aunque lo son también directamente para tal objeti-
vo. Esta concordancia estriba en que “el pluralismo de los equilibrios dinámicos que
se nutre de moderación, reconocimiento, respeto y diálogo recíprocos”, de eminente
importancia para el desarrollo democrático, constituye también “el objetivo más pro-
fundo de los tribunales constitucionales”.31
Un aspecto relevante para el efecto de la consolidación de la democracia que se
espera de la jurisdicción constitucional, es crear y mantener cierto grado de indepen-
dencia de los tribunales constitucionales frente a los demás actores. Además, para que
se mejore el funcionamiento del sistema político y progrese la consolidación de la
democracia, el aumento de la cantidad de jugadores de veto en un sistema político
requiere que los principales actores políticos desarrollen comportamientos más acor-
des con el modelo de consenso de toma de decisiones. Me parece que México se
encuentra actualmente en esta encrucijada. Otro aspecto relevante consiste en modi-
ficar la percepción de las decisiones jurisdiccionales por parte de los actores políticos
de “perturbante” en “estimulante”. Sin embargo, el proceso de la consolidación invo-
lucra a ambos lados. En la democracia constitucional el fin de la Constitución y la fun-
ción de la jurisdicción constitucional no deben agotarse – acorde con la vieja tensión
entre Estado y sociedad en América Latina – en limitar al gobierno, sino tienen que
posibilitar y fomentar el gobierno democrático capaz de atender a las demandas de la
gente, procurando mayor legitimidad de salida al sistema de gobierno y apoyando por
este camino a la consolidación de la democracia. Es el camino más seguro para propi-
ciar relevancia a su propio quehacer.

30 Como lo definía en otro lugar, véase Nohlen, D. et al., Diccionario de Ciencia Política. Teorías, métodos,
conceptos, op. cit., nota 19, p. 204.
31 Zagrebelsky, G., “Jueces constitucionales”, Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Constitucional 6,
2006, p. 324. Respecto a los conceptos de política y su relevancia para la jurisdicción constitucional véase
también Córdova Vianello, P. “La contraposición entre derecho y poder desde la perspectiva del control de
constitucionalidad en Kelsen y Schmitt”, Cuestiones Constitucionales 15, 2006, pp. 47-68.

447
Dieter Nohlen

V. Funciones de la jurisdicción constitucional

En términos generales, existe alto consenso sobre la función de la jurisdicción


constitucional, de modo que no conviene demorarme en este foro de especialistas en
la materia mucho en esto. Sin embargo, conviene puntualizar que en principio, su
función no es ni debe ser de forma directa la consolidación de la democracia por la
simple razón que ya hemos dado a entender: tan exigente objetivo depende de tantos
otros factores mucho más importantes de modo que los tribunales constitucionales, en
caso de peligros de derrumbe inminente, son obviamente incapaces de contrarrestar
o contener el proceso.
Esta tesis no se ve deslegitimada por el reciente análisis de Ahumada Ruiz,32 que
afirma que la garantía de la Constitución no ha sido nunca la principal función de los
tribunales constitucionales. Ella considera que su contribución más notable se ha pro-
ducido en el plano político y tiene que ver con su participación en la consolidación
del sistema de democracia constitucional, orientando la actuación de los poderes
públicos y ayudando a generar usos y comportamientos democráticos tanto en el ejer-
cicio del poder como en la sociedad. Esta tesis presupone, sin embargo, la definitiva
consolidación de la democracia según patrones del constitucionalismo democrático.
La realidad política de América Latina es otra y no confirma el análisis: persisten los
retos a la democracia, y últimamente se han extendido especialmente aquellos referi-
dos a la democracia constitucional, como vamos a ver en adelante. Nuevamente el
contexto hace la diferencia. Ex ante de la consolidación democrática, la incertidum-
bre sobre su desenlace no permite un balance tan determinante de la actuación de los
tribunales constitucionales.
Conviene, además, cuidarse en individualizar demasiado las funciones de la
jurisdicción constitucional, pues con la precisión se expone su actuación a nivel empí-
rico a una prueba que no pasa fácilmente de forma positiva. Por ejemplo, es cierto que
la jurisdicción constitucional puede contribuir a la extensión de valores democráticos,
pero tampoco conviene establecerlo como objetivo directo, sino como efecto colate-
ral deseado. De otra manera, la medición de la aceptación de la democracia como
norma que ha exhibido una tendencia a la baja en América Latina en el último dece-
nio33 podría figurar como prueba empírica del fracaso de la jurisdicción constitucio-
nal en este su desempeño.
El posible aporte de la jurisdicción constitucional a la consolidación de la demo-
cracia puede resultar como efecto inherente del desempeño de su función principal:
de cuidar el cumplimiento de las normas de la Constitución por parte de los órganos

32 Ahumada Ruiz, M., La jurisdicción constitucional en Europa. Bases teóricas y políticas, Navarra,
Universidad de Navarra-Civitas, 2005, pp. 302 y ss.
33 Véanse las entregas anuales desde 1996 de Latinobarómetro.

448
Jurisdicción Constitucional y Consolidación de la Democracia

públicos. El cumplimiento de esta función por su parte está vinculado a diferentes


condiciones externas que interactúan con la jurisdicción constitucional.

VI. Requisitos y condiciones para la jurisdicción constitucional

Si hemos llegado a este punto de hacer depender la jurisdicción constitucional


de factores políticos, económicos y sociales, conviene indagar estos factores que qui-
siera diferenciar entre prerrequisitos irrenunciables y condiciones favorables, como se
dan en América Latina hoy.

Requisitos irrenunciables

Respecto a los requisitos irrenunciables, quisiera mencionar primero la existen-


cia de un Estado constitucional. La jurisdicción constitucional presupone la constitu-
cionalidad de la estructura del Estado. Sin constitución en el sentido material del con-
cepto no habrá constitucionalidad ni jurisdicción constitucional. Los respectivos
requisitos son bien conocidos: derechos humanos, principio democrático, separación
de poderes, como mínimos. Sólo el establecimiento de un Estado constitucional hace
posible el control de concordancia con la norma del proceso político y de las decisio-
nes emanadas de este proceso. Imponiendo límites al ejercicio del poder, este control
puede tener efectos positivos sobre la consolidación de la democracia. Por lo demás,
el Estado constitucional sustrae determinados principios consustanciales con sí mismo
a decisiones a través del proceso democrático, limitando las modificaciones constitu-
cionales y garantizando a través de las así llamadas “cláusulas de eternidad” la identi-
dad del Estado constitucional. Así, el tipo de Estado constitucional ha comenzado
–según Peter Häberle–34 a ‘institucionalizar’ y a ‘constitucionalizar’ el proceso cons-
tituyente, anteriormente concebido como ‘salvaje’, ‘originario’, que comenzaba explo-
sivamente desde ‘cero’.
Como observamos en América Latina, mientras se ha establecido el Estado cons-
titucional en términos formales, en términos materiales sigue siendo una aspiración.
Recientemente se escuchan voces que lo menosprecian, argumentando que un siste-
ma de democracia constitucional con una Constitución sustrae determinadas materias
a la decisión a través del proceso democrático y delega en los jueces la competencia
para decidir sobre el contenido y alcance de ciertos derechos considerados fundamen-
tales, y apuntando que la democracia constitucional constituye “una opción por un
sistema de democracia restringida, rebajada, más limitada y no de democracia sustan-
tiva”.35 Al mismo tiempo se observan reformas constitucionales y procesos constitu-

34 Häberle, P., El Estado constitucional, México, UNAM, 2001, p. 289.


35 Ahumada Ruiz, M., La jurisdicción constitucional en Europa. Bases teóricas y políticas, op. cit., nota 31, p. 125.

449
Dieter Nohlen

yentes que sobrepasan la constitucionalidad del orden político y el respectivo control


por parte de órganos pertinentes.
El segundo requisito irrenunciable consiste en que tiene que tratarse de una
democracia. Ya hemos señalado las diferencias en el concepto de democracia.
Quisiera estar bien claro en que la condición irrenunciable consiste en la existencia
de una democracia representativa que se define –según Robert Dahl–36 por la partici-
pación a través de elecciones libres y por el pluralismo político a través de la compe-
tencia entre diferentes partidos políticos para llenar los mandatos de representación y
para ocupar los puestos de gobierno. Se podría evocar también a Norberto Bobbio37
con su definición de la democracia como un conjunto de reglas de procedimiento para
la formación de decisiones colectivas, sin decir nada del contenido o resultado de las
mismas.38 Cuando se introducen principios, contenidos y funciones en la definición,
lo importante en nuestro contexto es que se relativiza con la importancia de las reglas
también la de cuidar por su cumplimiento. Recientemente, un constitucionalista39
atribuía a la democracia la principal función de “asegurar la libertad de los individuos
frente al Estado”. De allí concluía que “el sujeto protagónico es el individuo participa-
tivo”. Y seguía argumentado que es necesario promocionar una nueva ciudadanía,
centrada en la participación y la cultura política democrática para la consolidación de
estos sistemas. Así, decía que la participación está íntimamente ligada al acceso en la
toma de decisiones en los asuntos políticos y tiene como función legitimar los siste-
mas políticos democráticos. Estas ideas parecen inocentes pero sirven de antesala para
postular un concepto de democracia diferente que recientemente se está articulando
en forma de la democracia participativa. Sus protagonistas no se restringen a pedir que
se introduzcan mecanismos de democracia directa en la democracia representativa,
experiencia que han vivido ya muchos países con mayor o menor éxito.40 La idea que
se promueve es sustituir la democracia representativa por una de tipo participativa.
Repito: la jurisdicción constitucional sólo tiene sentido en una democracia constitu-
cional, con garantías constitucionales de los derechos humanos y los derechos políti-
cos, con separación de poderes dentro de un Estado de derecho, un bloque de consti-
tucionalidad que antecede las decisiones que pueda tomar el pueblo a través de los
canales de participación directa. Si al contrario, en una democracia participativa, toda
estructura y toda decisión están sujetas al veredicto del soberano popular, incluso de
liquidar derechos integrantes del bloque de constitucionalidad, de abdicar a la demo-

36 Dahl, R.A., Poliarchy. Participation and Opposition, New Haven, Yale University Press, 1971.
37 Bobbio, N., El futuro de la democracia, México, Fondo de Cultura Económica, 1996.
38 Véase Salazar Ugarte, P., La democracia constitucional. Una radiografía teórica, op. cit., nota 8, pp. 136 y ss.
39 Núñez Muñoz, I. K., “La ciudadanía y su desempeño en los sistemas políticos democráticos”, Cuestiones
Políticas 37, 2007, p. 52.
40 Para América Latina véanse Valadés, D., Constitución y democracia, México, UNAM, 2000, pp. 39-44, y
Zovatto, D., “Las instituciones de democracia directa”, Nohlen, D./ Zovatto, D./ Orozco, J./ Thompson, J.
(Comp.), Tratado de derecho electoral comparado de América Latina, segunda edición, México, Fondo de
Cultura Económica, 2007, pp. 134-161.

450
Jurisdicción Constitucional y Consolidación de la Democracia

cracia y de establecer una dictadura, no habrá jurisdicción constitucional. El Tribunal


Constitucional sería una farsa, como demuestra ya el caso venezolano, donde la Sala
Constitucional del Tribunal Nacional de Justicia se declaró incompetente en asuntos
de su competencia o interpreta actos obviamente inconstitucionales como legitimados
por el proceso que este país actualmente pasa de una democracia representativa a otra
participativa.41 Sin embargo, no es necesario citar casos extremos. Cuando el
Ejecutivo convoca a un referendo, sin haber cumplido con los requisitos constitucio-
nales – por ejemplo el de disponer del apoyo mayoritario, a veces calificado del par-
lamento – y el Tribunal (Conseil Constitutionelle) se declara incompetente – como
ocurrió en Francia en el referendo sobre la introducción de la elección directa del pre-
sidente en 1958, propulsado por el General de Gaulle – el resultado del referendo, si
es positivo, es considerado capaz de curar la inconstitucionalidad de su origen. La
democracia directa permite legitimar acciones inconstitucionales ex post. ¿Qué
importancia le queda para el control de constitucionalidad por un respectivo tribunal?
En resumen, concuerdo con Diego Valadés:42 el control del poder únicamente existe
en un sistema constitucional de orden democrático-representativo.
Como tercer requisito irrenunciable quisiera estipular que la jurisdicción cons-
titucional tiene que ser establecida de tal forma, a lo mejor autónoma, de modo que
pueda cumplir efectivamente con sus funciones. En América Latina es notable el
desarrollo de la jurisdicción constitucional en los últimos dos decenios. Se refleja tam-
bién en el auge de la jurisdicción constitucional como materia académica. Sin embar-
go, la autonomía de los órganos pertinentes sigue cuestionada. Se observan luchas por
el control político de los tribunales, intervencionismo del Ejecutivo, sustitución de
jueces que toman decisiones adversas al poder en ejercicio. La defensa de la constitu-
ción queda al margen por sobre todo por procesos constituyentes que recientemente
se han constituido en América Latina como el mecanismo más eficaz de cambio de las
relaciones de poder.

Condiciones favorables

Al lado de las condiciones irrenunciables, hay que considerar condiciones que


pueden fomentar el buen ejercicio de las funciones de la jurisdicción constitucional.
La primera condición favorable que me viene en mente es la existencia de un Estado
de derecho. En este foro, no conviene defender más esta opción. Por otra parte, se
podría argumentar – como lo hace Jorge Carpizo en su último libro43 – que el Estado

41 Véase Nohlen, D. y Nohlen, N., “El sistema electoral alemán y el Tribunal Constitucional Federal. La igual-
dad electoral a debate – con una mirada a Venezuela”, Revista de Derecho Público (Caracas), enero-marzo
2007, 109, pp. 7-26.
42 Valadés, D., El control del poder, México, Fondo de Cultura Económica, 1998, pp. 17 y 43.
43 Carpizo, J., Concepto de democracia y sistema de gobierno en América Latina, México, UNAM, 2007, pp.
99 y ss.

451
Dieter Nohlen

constitucional y el Estado de derecho forman un insoluble conjunto, aunque “el


Estado de derecho no es siempre la misma cosa”.44 Sin embargo, frente a la descon-
fianza que siguen teniendo los pueblos respecto al Poder Judicial – como constan las
encuestas de Latinobarómetros y sondeos nacionales – ,45 es tal vez conveniente dife-
renciar entre jurisdicción normal y jurisdicción constitucional, pues esta última como
órgano político en competencia con otros de origen democrático, necesita este tipo de
legitimidad para cumplir con sus funciones.
La segunda condición favorable consiste en la permanencia del orden constitu-
cional. Para que la constitución pueda formar una referencia con autoridad, es nece-
sario que tenga continuidad. Si los órganos, cuyos actos tienen que ser controlados por
la jurisdicción constitucional respecto a su concordancia con la norma, pueden modi-
ficar la constitución según les conviene, la función descrita está en el fondo obsoleta.
Por lo demás, “una constitución que sobrevive con incesantes modificaciones se
degrada al nivel de una ley ordinaria y la materia constitucional se confunde con la
lucha política cotidiana”.46 De la continuidad de la constitución dependen otras con-
diciones de la efectividad de la jurisdicción constitucional, por ejemplo el desarrollo
de una cultura de constitucionalidad, tal vez el factor más importante para el ejerci-
cio del poder conforme a la constitución, más importante tal vez que la propia cons-
titución. Es por eso que algunos países no tienen ni constitución ni jurisdicción cons-
titucional pero cumplen con el criterio de un Estado democrático constitucional. La
continuidad de las constituciones es – como demuestra una comparación sencilla
entre Europa y América Latina – tremendamente dependiente del contexto.
Estas consideraciones no involucran un concepto estático de la constitución.
Como señala la teoría sistémica, para que el sistema cumpla con su función clave de
sobrevivir, tiene que modificarse constantemente. Las Constituciones no son inertes,
viven también su vida, lo que se ha expresado en el concepto de constitución vivien-
te (lebende Verfassung),47 “sensible a las exigencias constitucionales del tiempo que
cambia”.48 En términos generales, las adaptaciones a los tiempos cambiantes pueden
producirse por diferentes caminos. El más ostentoso es el de las reformas constitucio-
nales, aunque constituyen a veces caminos bastante complicados por los procedimien-
tos especiales que se contemplan en las Constituciones para conservar la continuidad
normativa.
Estas precauciones a menudo conducen a efectos contraproducentes en térmi-
nos de que desencadenan un proceso de sustitución de la constitución inerte por
una nueva, iniciado por un referendo y el siguiente establecimiento de un constitu-

44 Zagrebelsky, G., “Jueces constitucionales”, op. cit., nota 30, p. 312.


45 Véase también Ahrens, H. y Nolte, D. (Coord.), Rechtsformen und Demokratieentwicklung in
Lateinamerika, [Sistemas de derecho y desarrollo de la democracia], Francfort, Vervuert, 1999.
46 Zagrebelsky, G., “Jueces constitucionales”, op. cit., nota 30, p. 318.
47 Sternberger, D., Lebende Verfassung, op. cit., nota 26.
48 Zagrebelsky, G., “Jueces constitucionales”, op. cit., nota 30, p. 316.

452
Jurisdicción Constitucional y Consolidación de la Democracia

yente, en el que se pierde todo sentido de continuidad. Últimamente, este proceso,


resultante de las crisis de gobernabilidad democrática en Venezuela, Bolivia y
Ecuador, tiende a la demolición institucional de las instituciones de la democracia
representativa y del Estado de derecho, sin que la jurisdicción constitucional tenga
medios para impedirlo.49
El otro camino es el de la interpretación constitucional por parte de los jueces
constitucionales.50 Es un proceso por cierto inverso: Según Héctor Fix-Zamudio y
Jorge Carpizo,51 por un lado “el cambio y las modificaciones de la realidad afectan y
deben afectar la interpretación de la Constitución”, por el otro, “la interpretación es
uno de los caminos para adecuar la norma a la realidad, es un esfuerzo para que las
normas no caigan avasalladas ante los constantes golpes de la vida”. Aunque la inter-
pretación ajustada a los cambios de la vida es menos ostentosa, sale fácilmente a la
vista la importancia de la jurisdicción constitucional para hacer viable la democracia.
Las alternativas descritas se observan nítidamente cuando las constituciones que
se introdujeron en tiempos autoritarios, enfrentan el cambio de régimen. Así, Chile
optó por continuas reformas de la constitución autoritaria de 1980, acordando en el
correr del tiempo 18 reformas constitucionales, hasta llegar a una constitución demo-
crática, en palabras del Presidente Ricardo Lagos a “Una Nueva Constitución...., acor-
de con el espíritu de Chile, con el alma permanente de Chile”.52 En Perú, en cambio,
fue la jurisdicción constitucional la que trató de adaptar las normas constitucionales a
la realidad. Samuel B. Abad Yupanqui53 destaca “cómo el aporte del Tribunal
Constitucional ha sido determinante para precisar el alcance de lo dispuesto en la
Constitución de 1993, e, incluso, para asumir un contenido distinto de la misma que
en varios aspectos se ha alejado de la intención de quienes en su momento la elabora-
ron”.54 El Tribunal como máximo intérprete de la Constitución rediseñó la
Constitución de 1993. “Diversas sentencias han permitido interpretar disposiciones
constitucionales en un sentido distinto al otorgado por el constituyente, operándose
verdaderas mutaciones constitucionales, con el argumento de adecuar los preceptos
constitucionales a las nuevas situaciones sociales”.55 Aunque no haya una reforma
constitucional, la interpretación constitucional y la creación por vía interpretativa de
nuevos derechos confieren dinamismo a las normas de la Constitución: concluimos

49 Brewer-Carías, A.R., Golpe de Estado y proceso constituyente en Venezuela, México: UNAM, 2002 y
Brewer-Carías, A. R., Estudio sobre la reforma constitucional de 2007, mimeo, aún no publicado, 2007.
50 Véase al respecto la compilación de estudios de Ferrer Mac-Gregor, E. (Coord.), Interpretación
Constitucional, 2 tomos, México, Porrúa/UNAM, 2005.
51 Carpizo, J. y Fix-Zamudio, H., “Algunas reflexiones sobre la interpretación constitucional en el ordena-
miento mexicano”, op. cit., nota 24, p. 425 ss.
52 Ríos Álvarez, L., “La reforma de 2005 a la constitución chilena”, Anuario Iberoamericano de Justicia
Constitucional 10, 2006, pp. 617 y 637.
53 Abad Yupanqui, S.B., Constitución y procesos constitucionales, Lima, Editorial Palestra, 2005.
54 Cit. según Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional, 2006, p. 559.
55 Ibid., p. 558.

453
Dieter Nohlen

con Gustavo Zegrebelsky56 que “la ley de la buena vida de las constituciones es el
desarrollo en la continuidad. El instrumento normal es la jurisprudencia; la reforma
es un instrumento excepcional”, que en su caso hay que llevar a cabo con criterio y
mesura. La continuidad de la Constitución como condición favorable fortalece e
intensifica el papel de la jurisdicción constitucional en el proceso de consolidación de
la democracia.
La tercera condición favorable consiste en la extensión de valores concordantes
con el Estado democrático constitucional. Esto se refiere a la cultura democrática y
sus normas,57 a la cultura de la legalidad,58 a la cultura jurídica,59 y a la cultura de la
jurisdicción constitucional.60 En América Latina se observa que en la lucha por el
poder, la constitución no alcanza a ser un argumento para mantener encarrilada la
acción. A menudo, los actores individuales y colectivos están dispuestos a actuar con-
tra la constitución, priorizando el objetivo por sobre el procedimiento. Tampoco la
permanencia de la constitución parece importar mucho, pues el proyecto de elabora-
ción de una nueva tiende a rendir políticamente, como demuestran los casos de
Venezuela, Bolivia y Ecuador. En el caso ecuatoriano, el Tribunal Constitucional,
metido de lleno en el conflicto político, desobedecía incluso a la constitución que
tenía que defender.
En este sentido, Peter Häberle61 llama la atención a los límites de la defensa jurí-
dica de la Constitución. Extiende la función de ser guardianes de la Constitución a
todos los ciudadanos y remite a Konrad Hesse, citándolo:62 “Una Constitución sola-
mente puede ser protegida políticamente o en la profundidad cultural. Si bien los ins-
trumentos jurídicos son importantes, solamente son eficaces cuando todos poseen una
‘voluntad de Constitución’ y ésta desenvuelve duraderamente su fuerza normativa”.
En los tratados de Ciencia Política, se habla de la importancia de la necesaria vitali-
dad de una sociedad civil que apoye a la democracia,63 o del objetivo de desarrollar
una sociedad de ciudadanos, prerrequisito de una democracia de ciudadanos.64
Respecto a la democracia ciudadana, conviene comentar que es una visión sim-
pática del futuro de la democracia, fundamentada en el reciente debate social-filosó-
fico europeo, de la cual dista mucho la realidad y especialmente la realidad latinoa-

56 Zagrebelsky, G., “Jueces constitucionales”, op. cit., nota 30, p. 319.


57 Véase Bertelsmann Stiftung (ed.), Bertelsmann Transformation Index 2006, Gütersloh, Bertelsmann
Stiftung, 2005, p. 227; Nohlen, D., El institucionalismo contextualizado, op. cit., nota 4, pp. 47-52.
58 Véase Laveaga, G., La cultura de la legalidad, México, UNAM, 2006.
59 Véanse Concha Cantú, H.A./ Fix-Fierro, H./ Valadés, D., Cultura de la Constitución en México. Una
encuesta nacional de actitudes, percepciones y valores, México, UNAM, 2004; Valadés, D. y Carbonell, M.
(Coord.), El Estado constitucional contemporáneo. Culturas y sistemas jurídicos comparados, op. cit., nota
8.
60 Véase Häberle, P., El Estado constitucional, op. cit., nota 33.
61 Häberle, P., El Estado constitucional, op. cit., nota 33, p. 287.
62 Häberle, P., Ibid., p. 286.
63 Véase Bertelsmann Stiftung (ed.), Bertelsmann Transformation Index 2006, op. cit., nota 56.
64 UNDP 2004, op. cit., nota 11.

454
Jurisdicción Constitucional y Consolidación de la Democracia

mericana. La mayoría de los investigadores que transmiten esas ideas a América


Latina como modelo y norte de la democracia en esta región, pecan de la falacia de no
diferenciar bien entre ideas y contexto y de allí de desconocer la importancia del con-
texto que constituye un elemento clave en el desarrollo de tales visiones.65 Fíjense
sólo en la sociedad civil, su estado y mentalidad en ambos lados del Atlántico.
Mientras que florece bien en Europa, en América Latina, en general, es débil su desar-
rollo y allí, donde despliega una cierta vida, se caracteriza por actitudes y moviliza-
ciones anti-institucionales. Sus actividades sustraen en última instancia las bases a la
democracia en vez de proporcionarle un fundamento seguro.66 En resumen, es lindo
invocar al ciudadano participante: en el desempeño de sus funciones, la jurisdicción
constitucional no puede contar con la sociedad civil como sería oportuno y necesario.

VII. Ámbitos de la jurisdicción constitucional

Evaluando la labor y el efecto de la jurisdicción constitucional, es imprescindi-


ble diferenciar por ámbitos. Sus incidencias varían por lo demás por lugar y por tiem-
po conforme a los problemas a los que la política y el derecho se ven enfrentados. Un
buen ejemplo es el estado de emergencia como ámbito de la constitucionalidad.67 Es
un ámbito muy importante de protección de los derechos fundamentales, pero ocupa
a la jurisdicción constitucional sólo donde el desafío político-militar al interior del
país conduce al Ejecutivo a declarar el estado de emergencia (o excepción) como una
de las medidas para poder manejar la situación. De esta manera, ha sido un objeto de
jurisdicción constitucional sólo en algunos países de América Latina, en especial
Colombia. En México sobresale – como en ningún otro país de América Latina – el
ámbito electoral. Este hecho – más allá del problema real que constituye el fenóme-
no electoral en la vida política del país debido a características político-culturales – se
ve fomentado por la inclusión de una gran parte de las reglas del proceso electoral en
la propia constitución. De esta manera, el papel de la jurisdicción constitucional
depende también de la amplitud de las materias que la sociedad política quiso que se
determinen en la Carta Magna. Podemos concluir que por estas y otras razones las
experiencias comparadas son ciertamente disímiles.68

65 Véase Simon, F.B., Einführung in Systemtheorie und Konstruktivismus [Introducción a la teoría sistémica
y al constructivismo], Heidelberg, Carl-Auer, 2006, p.65.
66 Véanse Bertelsmann Stiftung (ed.), Bertelsmann Transformation Index 2006, op. cit., nota 56, p. 228,
Nohlen, D., El institucionalismo contextualizado. La relevancia del contexto en el análisis y diseño institu-
cionales, op. cit., nota 4, p. 47 ss.
67 Véase Zovatto, D., Los estados de excepción y los derechos humanos en América Latina, San José, IIDH/
Editorial Jurídica de Venezuela, 1990.
68 Véase también Acuña, J.M., “Contribuciones de la jurisdicción constitucional para la eficacia jurídica de los
derechos sociales en la experiencia comparada”, Revista Iberoamericana de Derecho Procesal
Constitucional 6, (Julio-diciembre), 2006, pp. 7 ss.; Zagrebelsky, G., “Jueces constitucionales”, op. cit., nota
30, p. 312 ss.

455
Dieter Nohlen

Como primer ámbito se impone el de los derechos humanos y fundamentales:69


A través de las decisiones de los Tribunales Constitucionales, la gente percibe que las
instituciones le protegen. Pueden apoyar en sembrar una cultura institucional. Dado
que cada vez con más frecuencia las Constituciones incluyen en su contenido decla-
raciones sobre aspectos que persiguen derechos sociales, tales como el derecho al tra-
bajo, a la seguridad social, a la protección a la salud, a la educación, a la vivienda, etcé-
tera,70 se observa en América Latina una tendencia a admitir el activismo del juez
constitucional, que, sin importar su costo, hace efectivos directamente ese tipo de
derechos, los que afectan también el disfrute de otros derechos considerados funda-
mentales como la dignidad y la libertad del ser humano. Esta intromisión en la polí-
tica es fácilmente comprensible porque no se puede ignorar las expectativas económi-
cas y sociales de la gente si se quiere mantener su condición de norma fundamental
que provee las bases a todo el orden jurídico. No obstante, varios constitucionalistas
llaman a atención a los límites del intervencionismo social creativo. Carlos Bernal
Pulido,71 por ejemplo, señala que esta alternativa llevada al extremo parece conducir
a deestructurar el Estado, a negar las probabilidades de planeación económica a
mediano y largo plazo, y a limitar desmedidamente la democracia representativa.72
Jorge Miranda,73 por su parte, nos recuerda que el texto de la Constitución tiene su
eficacia condicionada por la realidad fáctica, por los hechos concretos de la sociedad
y no está en condiciones de cambiar de inmediato la realidad que tiene que regular.
Esto es especialmente cierto en el caso de América Latina, como apunta correctamen-
te José Manuel Acuña74 al señalarnos la paradoja, consistente en que “los países que
más necesitan del desarrollo de los derechos sociales son aquellos en los cuales justa-
mente la jurisdicción constitucional se ve limitada en (la tutela de estos derechos)
debido a la asunción conciente de las limitaciones económicas imperantes”. Es una de
las razones para consentir con Bernal Pulido75 que la coerción organizada mediante
la jurisdicción constitucional no resulta suficiente para promover el progreso, cons-
truir una sociedad más equitativa, o sea promover la legitimidad de salida y prevenir
reveses en el proceso de consolidación de la democracia.

69 Véase la compilación exhaustiva de estudios comparativos y nacionales de Fix-Zamudio, H. y Ferrer Mac-


Gregor, E. (Coord.), El derecho de amparo en el mundo, México, UNAM/ Editorial Porrúa/ Konrad
Adenauer Stiftung, 2006; para México en perspectiva comparada Fix-Zamudio, H. y Valencia Carmona, S.,
Derecho Constitucional mexicano y comparado, cuarta ed., México, Editorial Porrúa/ UNAM, 2005. Para
Colombia, véase el reciente estudio de Uprimny R., Fuentes, A., Botero, C. y Jaramillo, J.J. Libertad de pren-
sa y derechos fundamentales. Análisis de la jurisprudencia constitucional en Colombia (1992-2005), Bogotá,
Fundación Konrad Adenauer, etc., 2006.
70 Carpizo, J., Concepto de democracia y sistema de gobierno en América Latina, op. cit., nota 42, p. 105.
71 Bernal Pulido, C., “La democracia como principio constitucional en América Latina”, Cuestiones
Constitucionales 17, 2007, p. 51.
72 Id.
73 Miranda, J., Constituiçao e cidadania, Lisboa, Coimbra Editora, 2003, p. 190.
74 Acuña, J.M., “Contribuciones de la jurisdicción constitucional para la eficacia jurídica de los derechos socia-
les en la experiencia comparada”, op. cit., nota 67, p. 26 ss.
75 Ibid., p. 43.

456
Jurisdicción Constitucional y Consolidación de la Democracia

Como segundo ámbito se perfila el de la separación de poderes. Se trata de hacer


valer uno de los principios fundamentales de la constitucionalidad: que el gobierno es
limitado. Empíricamente, ha sido un principio poco respetado en América Latina, no
sólo pensando en su completa negación en tiempos autoritarios, sino también en
tiempos de democracia. Existe toda una tradición en el presidencialismo latinoameri-
cano de invadir o coaccionar por parte del Ejecutivo a los demás poderes. Respecto a
la propia jurisdicción constitucional, conviene recordar lo que hemos ya señalado
antes, el constante intento de controlar los respectivos tribunales para impedir su
posible papel de jugador veto o para prevenir posibles efectos “perturbantes”. Sobran
los ejemplos en América Latina. Se destacan últimamente como los más dramáticos
Venezuela76 y Bolivia.77 La conclusión es ambivalente. La constante intromisión con-
firma la importancia del rol que las demás instituciones, y especialmente el Ejecutivo
concede a los Tribunales Constitucionales. Por otra parte, es una muestra de su real
debilidad como institución autónoma.
El tercer ámbito es el de las normas electorales. Lo escogí por su relación íntima
con el proceso político mismo y su impacto directo sobre la consolidación de la demo-
cracia (relacionada con la legitimidad de entrada, input legitimacy), aunque es un
ámbito en general organizado independientemente de los tribunales constitucionales,
en órganos autónomos (a veces considerados como cuarto poder). Sin embargo, su
labor es similar en cuanto a que tiene que vigilar el proceso electoral y tratar de hacer
cumplir las normas constitucionales y legales y proveer justicia electoral. La impor-
tancia de la función de la justicia electoral es tanto mayor cuanto más disten de estas
normas los valores practicados por los individuos y los grupos de la sociedad.
En este sentido, Jesús Orozco Henríquez,78 refiriéndose a México, atribuye a la
Suprema Corte de Justicia de la Nación “un papel fundamental en la así denominada
transición democrática, toda vez que al ser un garante de la regularidad constitucio-
nal se ha constituido en un factor de estabilidad y seguridad jurídica”. Caben destacar
en este sentido las sentencias del Poder Judicial de la Federación en materia electoral.
La Suprema Corte de Justicia de la Nación en su función de tribunal constitucional79
ha resuelto diversos casos sobre distintos aspectos de esta materia: representación pro-
porcional, candidaturas independientes para ser Presidente de la República, o proce-
dimiento para la elección de gobernador interino, entre otros. Así por ejemplo, (a) la
acción de inconstitucionalidad 34/2005, presentada por el Partido del Trabajo (PT) en

76 Véase Brewer-Carías, A. R., Estudio sobre la reforma constitucional de 2007, op. cit., nota 48; Nohlen, D.
y Nohlen, N., “El sistema electoral alemán y el Tribunal Constitucional Federal. La igualdad electoral a
debate – con una mirada a Venezuela”, op. cit., nota 40.
77 Lazarte, J., Bolivia. Nueva constelación de poder y gobernabilidad, La Paz, mimeo, 2006.
78 Orozco Henríquez, J.J., “La Suprema Corte de Justicia de la Nación a partir de 1995 y el nuevo orden cons-
titucional”, Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional 10, 2006, p. 290.
79 Véase Fix-Zamudio, H., “La Suprema Corte como tribunal constitucional” Las nuevas bases constituciona-
les y legales del sistema judicial mexicano. La reforma judicial de 1986, México, Editorial Porrúa, 1987, pp.
345-390.

457
Dieter Nohlen

la que impugnó la Ley Electoral del Estado de Querétaro por considerarla violatoria
de los derechos de los partidos políticos minoritarios al aumentar el umbral de 2.5%
a 3% de la votación total estatal para tener derecho a la asignación de Diputados. La
Suprema Corte decidió que dicha acción era infundada y reconoció la validez de la
Ley declarando que no era violatoria del principio de representación proporcional. (b)
Igualmente el amparo en revisión 43/2005 promovido por Jorge Castañeda Gutman en
contra de la ley electoral, impugnando el derecho de ser votado previsto en el artícu-
lo 35, fracción II, de la Constitución Federal. Acción que fue sobreseída. (c)
Finalmente, la acción de inconstitucionalidad 28/2005 presentada por el Partido de la
Revolución Democrática (PRD) que impugnaba las reformas hechas a la Constitución
Política del Estado de Colima, las cuales establecían, entre otras cosas, el procedimien-
to para elección de un gobernador interino, en caso de falta absoluta del gobernador
dentro de los primeros dos años de su cargo, y el procedimiento que se seguiría enton-
ces para la elección extraordinaria para un nuevo gobernador. Respecto de lo prime-
ro, la Corte desestimó la acción de inconstitucionalidad por no reunir los ocho votos
necesarios para conformar la mayoría calificada; respecto de lo segundo, sí declaró la
invalidez de las normas que establecían un periodo de tiempo considerado muy breve
para la realización de las elecciones extraordinarias.
Por su parte, el Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación (TEPJF),
ha tomado decisiones (a) respecto a las candidaturas independientes, reconociéndoles
validez constitucional aunque las leyes electorales ordinarias omiten regular este
aspecto, (b) respecto a usos y costumbres en términos de admitir que los comicios se
llevan a cabo por usos, costumbres o derecho comunitario, siempre que estos no sean
incompatibles con los derechos fundamentales establecidos en la Constitución o ins-
trumentos internacionales suscritos y ratificados por México; (c) respecto a la desig-
nación de los integrantes del órgano de dirección de los procesos electorales, por
mayoría calificada de la respectiva asamblea legislativa, para evitar que un solo parti-
do político tome la decisión (como ocurrió en Yucatán en 2000/2001); (d) respecto a
la financiación de los partidos políticos. El Tribunal decidió que el Instituto Federal
Electoral (IFE) sí tiene atribuciones para acceder a la conformación bancaria, fiducia-
ria y fiscal para funciones de control, vigilancia y sanción del origen de los recursos
que reciben los partidos políticos.80 Sin embargo, a pesar de toda esta enorme labor
para procurar confiabilidad judicial, que debía generar seguridad y certeza jurídica, no
ha sido posible que las últimas elecciones generales en México quedaran fuera de
cualquier duda y protesta. La reforma electoral aprobada en septiembre de 2007 por
ambas cámaras y posteriormente por la mayoría de las legislaturas de las entidades
federativas, ampliando nuevamente el ámbito de control constitucional en materia
electoral, será un nuevo intento para superar realidades adversas a la consolidación a

80 Véase Orozco Henríquez, J.J. “Justicia constitucional electoral y democracia en México”, Anuario
Iberoamericano de Justicia Constitucional 7, 2003, pp. 340 ss.

458
Jurisdicción Constitucional y Consolidación de la Democracia

través del derecho. Sin duda, es este el camino que corresponde más, acorde con el
concepto europeo, articulado por la Comisión de Venecia del Consejo Europeo, cuyo
lema es: democratización por el derecho.
Es bien conocida la frase de Max Weber sobre la esencia de la política práctica,
que compara con la perforación de tablones gruesos (Bohren dicker Bretter). Hacer
justicia, hacer respetar la constitución, apoyar a la consolidación de la democracia a
través de los medios que son los pertinentes al quehacer jurisdiccional, es frente a los
retos de la política, de las demandas económicas y sociales de la gente y de la cultura
política de la elite, un proceso duro y paciente comparable al atribuido a la profesión
política.

VIII. Consideraciones finales

Al principio de la conferencia nos hemos preguntado si es posible medir el efec-


to que ejerce la jurisdicción constitucional sobre la consolidación de la democracia. El
proceso argumentativo que hemos recorrido para llegar a una suerte de respuesta ha
consistido en apuntar primero, que la consolidación de la democracia depende de
muchos otros factores, cada uno de mayor impacto en comparación con nuestra varia-
ble jurídico-constitucional; segundo que el efecto que queremos medir, depende del
tipo de democracia así como del aspecto de la consolidación que tenemos en mente.
Aplicando el enfoque funcionalista, el que pone luz sobre la interacción de las insti-
tuciones en el sistema político, hemos indagado más estas dependencias que determi-
nan en mayor o menor grado la actuación y efectividad de los tribunales constitucio-
nales, considerando algunos prerrequisitos irrenunciables y condiciones favorables
para que la jurisdicción constitucional pueda cumplir con sus funciones.
En términos metodológicos, podemos afirmar que existe una intensa relación
recíproca entre democracia y jurisdicción constitucional. Es la primera generalización
que se ha impuesto a lo largo de nuestras consideraciones. Otras se refieren a resulta-
dos de contenido. A nivel muy general podemos constatar que el sistema político en
el que la jurisdicción constitucional puede alcanzar reales efectos sobre el futuro de la
democracia es la democracia constitucional representativa. Este resultado parece de
alguna manera trivial. Sin embargo, permite concluir que las tendencias recientes de
priorizar la participación directa de los ciudadanos en la toma de decisiones e incluso
de sustituir la democracia representativa por la democracia participativa, corre en
contra de la constitucionalidad del orden político y así va en detrimento de la función
de su protección por parte de los tribunales constitucionales. No hay que equivocar-
se, el discurso participacionista incluye en su pensar antisistema no sólo las institucio-
nes políticas representativas sino también las judiciales que se perciben como depen-
dientes de ellas.
Otro resultado consiste en que la autoridad de los tribunales constitucionales
depende de la autoridad de la constitución. Esta tesis, nuevamente, suena trivial. Sin

459
Dieter Nohlen

embargo, constituye un fuerte antecedente teórico para dudar acerca de la convenien-


cia de cambiar continuamente la Constitución. La continuidad de la Constitución es en
sí misma un alto valor. Sin ella, sería además difícil pensar que se pudiera desarrollar
una cultura constitucional que según ciertos constitucionalistas sería el mayor aporte a
la constitucionalidad de la vida pública. En nuestras reflexiones sobre la adaptación de
las constituciones a los cambios de tiempo, necesaria para su supervivencia, hemos
concluido que las reformas constitucionales tendrían que ser cuidadosas y bien pensa-
das. Por otra parte, hemos llamado la atención a no subestimar la capacidad de los tri-
bunales constitucionales de interpretar la constitución según circunstancias cambian-
tes. Sin este constante ejercicio, y frente al dinamismo del mundo moderno, las cons-
tituciones perderían el contacto con la realidad. Es una labor a menudo no percibida
pero de vital importancia para mantener o generar sentimientos de afección con la
constitución y para arraigar la constitución en la conciencia de la gente. Es muy visi-
ble y muy apreciada, sin embargo, esta labor, cuando la interpretación de la constitu-
ción de origen autoritario por parte de un Tribunal Constitucional contribuye a que el
país pueda ser gobernado de forma democrática. Como último, hemos destacado el tra-
bajo de los órganos de justicia electoral en garantizar elecciones libres y honestas, un
aporte directo a la consolidación de la democracia.
La jurisdicción constitucional tiene efecto sobre la consolidación de la democra-
cia en América Latina, pero lo ejerce sólo sufriendo ella misma el efecto de un sinnú-
mero de factores que condicionan su quehacer – especialmente el estado de la propia
consolidación. Sólo el enfoque diferenciado nos permite darle el justo peso a la juris-
dicción constitucional en la región, aunque va a seguir dependiente del éxito final de
la consolidación. Ex post, las evaluaciones de los logros de la jurisdicción constitucio-
nal en Europa tienen un tenor mucho más enfático respecto a la contribución de los
Tribunales Constitucionales a la democracia. Del Tribunal Constitucional alemán se
ha dicho: “El Tribunal Constitucional Federal se ha mostrado como el garante más
importante de la observación del Derecho constitucional por los demás órganos esta-
tales. La contención del poder político resultante, en favor de la normatividad de la
Constitución, ha tenido la trascendencia decisiva de arraigar la Ley Fundamental en
la conciencia de la colectividad, participando esencialmente en la consolidación de la
nueva estructura estatal”.81 Espero que en América Latina en un futuro no tan lejano
el balance de la democracia en su proceso de consolidación así como el de la jurisdic-
ción constitucional en favor de la normatividad constitucional sea similar.

81 Starck, Ch., “Constitución, Jurisdicción constitucional, Interpretación constitucional”, Fernández Segado, F.


(Ed.), The Spanish Constitution in the European Constitutional Context, Madrid, Dykinson, 2003, p. 1158.

460
La Abritrariedad Procesal en el Estado de Derecho:
El Debido Proceso ante la Juridicidad y Práctica
de las Constituciones1
Mario Fernández Baeza2

Sumarioo: I. Introducción II. Protección de los Derechos Fundamentales III. El debido proceso como garantia y
comoderecho IV. El debido proceso en el Sistema Interamericano V. El debido proceso y la Constitución de Chile
VI. Conclusiones3

I. Introducción

Conviene comenzar afirmando que para el año de 1980 se vivía otro mundo en
materia de Derechos Humanos. Sólo 4 años llevaban en vigor los Pactos
Internacionales de Derechos Civiles y Políticos y de Derechos Económicos, Sociales y
Culturales, después de transcurrir casi una década desde su firma en 1966
(Kimminich/ Hobe 2000, 344). La Convención Americana de Derechos Humanos, por

1 Ponencia presentada en el Simposio “La integración jurídica en América del Sur. El sistema de protección
de los derechos humanos como modelo exitoso”, organizado por el Instituto Max Planck de Derecho
Internacional Público y Derecho Público Comparado de Heidelberg, el 28 de noviembre de 2008. La pre-
sentación en el Simposio ha sido corregida y ampliada con bibliografía y jurisprudencia hasta principios de
junio de 2009.
2 Ministro del Tribunal Constitucional de Chile, Profesor de Derecho Constitucional en la Universidad de
Chile y de Ciencia Política y Comunicaciones en la Universidad Católica de Chile, Dr. Phil. y MA por la
Universidad de Heidelberg, Abogado de la Universidad de Chile.
3 Es para mí un gran honor participar como expositor en este Simposio. No sólo por el prestigio de nuestros
anfitriones, por la importancia del tema y por la calidad de los colegas que han concurrido desde América
Latina y Alemania. También hay motivos personales, que no puedo dejar de mencionar al iniciar esta
ponencia. Hace más de 28 años, el 15 de julio de 1980 recibí mi doctorado en la Universidad de Heidelberg.
Y en este Instituto Max Planck, en su antigua sede de la Berliner- Strasse, escribí gran parte de mi tesis en
Ciencia Política para entregar a mi profesor Dieter Nohlen, y preparé el examen doctoral en Derecho
Internacional Público sobre el sistema internacional de los Derechos Humanos con el profesor Karl
Döhring, ex Director de este Instituto, que a sus noventa años me dicen, lo sigue visitando diariamente. Así,
pues, en este retorno en las riberas del Neckar, el recuerdo para mí está vivo, no sólo por el lugar en el que
nos reunimos, sino por el tema que nos congrega. Durante la preparación de esta ponencia, sostuve inter-
cambios de opiniones con varios colegas que iluminaron el camino para su formulación. Agradezco espe-
cialmente al Director y al Subdirector del Centro de Derechos Humanos de la Universidad de Chile, profe-
sores José Zalaquett Daher y Claudio Nash; al profesor Humberto Nogueira, Director del Centro de Estudios
Constitucionales de la Universidad de Talca, a mis colegas Ministros del Tribunal Constitucional de Chile,
profesora Marisol Peña y Marcelo Venegas, y muy especialmente al Presidente de esta Magistratura, profe-
sor Juan Colombo Campbell, así como el profesor Rodrigo Pica, abogado asistente del Tribunal, quien me
proporcionó un manuscrito de su autoría sobre la jurisprudencia en la CIDH que resultó muy útil para el
apartado IV de esta presentación. A todos ellos mi reconocimiento. Por cierto, este trabajo es de mi entera
responsabilidad.

461
Mario Fernández Baeza

su parte, firmada el 22 de noviembre de 1969, recién había entrado en vigor el 18 de


julio de 1978 y un año más tarde se instalaba la Corte Interamericana de Derechos
Humanos, contemplada en su texto.4 A este lado del Atlántico, las entonces
Comunidades Europeas, que como Consejo de Europa (Ehlers 2006, 24) habían pues-
to en vigor en 1953 la Convención Europea para la Protección de los Derechos
Humanos y las Libertades Fundamentales, firmada en 1950, contaba entonces sólo
con 9 países miembros y recién se había instalado en Estrasburgo el primer
Parlamento Europeo elegido directamente en 1979.
Junto con estas manifestaciones jurídicas formales, en aquel tiempo la realidad
de los Derechos Humanos era dramática en grandes extensiones del mundo, cuyas
poblaciones vivían bajo regímenes autocráticos de distinto sello.
Las violaciones de las garantías fundamentales era una cruda cotidianidad en sus
manifestaciones más crueles y masivas, y los mecanismos de protección internaciona-
les- a excepción de los europeos- disponían de un margen muy limitado para actuar
con eficacia, operando a través de mecanismos de escaso carácter vinculante para los
Estados en un escenario de guerra fría, pero de enorme valor y alcance jurídico y
ético, como fue el desarrollado por los mecanismos del sistema interamericano de pro-
tección de los Derechos Humanos (Medina/ Nash 2007, 95 y siguientes).5
En esos años, hace tres décadas, el contraste entre la práctica6 de los países bajo
el imperio del Estado de Derecho, entre ellos la Europa comunitaria, y aquellos bajo
el estado de arbitrariedad, entre los que se encontraba gran parte de América Latina,
era como el día y la noche en materia de derechos fundamentales, tanto en su consa-
gración jurídica efectiva como en la diferencia entre el grado de exigencia al que se
sometía la verificación de los derechos fundamentales en una y otra escenario.
Mientras en unos países la lucha consistía en obtener la mera y mínima existencia de
los derechos denominados de la primera generación, como los derechos de amparo y

4 La Corte fue instalada en San José de Costa Rica el 3 de septiembre de 1979. Véase los documentos sobre
esa ocasión en la Memoria de Instalación, publicada en: OEA/CIDH: La Corte Interamericana de Derechos
Humanos. Un Cuarto de Siglo: 1979-2004, San José, 2005, 415 y ss.
5 Estos autores reconocen que a pesar de las restricciones de sus propios estatutos , el despliegue de los meca-
nismos interamericanos fue obteniendo en la práctica más atribuciones o campo de acción que los entrega-
dos por los respectivos instrumentos jurídicos fundantes: “ La Comisión procedió, por lo tanto, a realizar
actividades que no estaban explícitamente contempladas en el Estatuto, pero que podían entenderse como
el ejercicio de facultades implícitas necesarias para el mejor cumplimiento de sus funciones.”, agregando:
“... la Comisión tuvo éxito en su intento de crear, dentro de sus escasas facultades, mecanismos para la pro-
tección de los derechos humanos” ( Véase Cecilia Medina Quiroga y Claudio Nash: Sistema Interamericano
de Derechos Humanos. Introducción a sus Instrumentos de Protección, Centro de Derechos Humanos,
Facultad de Derecho, Universidad de Chile, Santiago de Chile, 2007, 96 y 98.)
6 Hablamos de la práctica, pues en la consagración escrita de los derechos fundamentales no existía gran dife-
rencia entre ambos mundos, tanto entre las legislaciones nacionales como entre las convenciones interna-
cionales. Como un ejemplo de lo anterior hay que señalar que en la Europa comunitaria recién en el año
2000 se adoptó la Carta Europea de Derechos Fundamentales, un catálogo escrito de derechos de tal índo-
le, resultante de la fusión de los diferentes tratados fundantes de las comunidades europeas, que conserva
un carácter no vinculante para los países miembros.

462
La Abritrariedad Procesal en el Estado de Derecho: El Debido
Proceso ante la Juridicidad y Práctica de las Constituciones

voto, en los otros ya se avanzaba en los de la tercera generación, como el reconoci-


miento de la legitimidad activa de ciudadanos versus los Estados en materia conten-
ciosa ante los órganos comunitarios.7

II. Protección de los Derechos Fundamentales

Hoy la situación internacional presenta un cambio total, aunque, lamentable-


mente, no sólo positivamente. En efecto, por una parte la amplia democratización
experimentada por la mayor parte del mundo ha producido una cierta equiparidad
entre muchos Estados en cuanto a la consagración jurídica y respecto de la verifica-
ción práctica de los derechos fundamentales, en todas sus dimensiones. El sólo ejerci-
cio masivo de los derechos políticos es una manifestación elocuente y empírica de tal
tendencia, especialmente en América Latina (Nohlen 2005). Por otra parte, sin
embargo, especialmente después de los actos terroristas en Nueva York, Londres y
Madrid y en medio de la inestabilidad mundial de la seguridad personal, con sus con-
secuentes preocupaciones y paranoias colectivas, los estándares de libertad y de vigen-
cia de derechos se han deteriorado en todas partes, de un modo tan imperceptible
como profundo, incluyendo a las democracias norteamericanas y europeas.
Hace tres décadas lo usual era que básicamente, los derechos fundamentales se
violaban en las autocracias y se respetaban en las democracias. Hoy los derechos fun-
damentales se han empezado a violar, sutil, pero persistentemente, en las democra-
cias, con el propio sustento de normas formalmente jurídicas.
Hoy se vive en todas las latitudes una situación de democracia “orwelliana”, en
la que las personas se sienten más libres que nunca, aunque viven bajo la vigilancia y
la intromisión abusiva de la tecnología y de sus operadores, públicos o privados, en
todas sus actividades. Como nunca, las personas se pueden mover; pero, como nunca,
tan vigiladas. Se ha llegado a un óptimo entre libertad y control, entre ejercicio de
derechos y su restricción, en el que los ciudadanos se sienten bien y el Poder mejor.
Los registros de imagen, sin consentimiento alguno por parte de los afectados,
están presentes en las calles y carreteras, en los centros comerciales y en los servicios
sociales o financieros, en los estadios y salas de concierto y, para qué decir, en las fron-
teras, aeropuertos u otros centros de transporte. Los bancos de datos personales, públi-
cos y privados, han trasgredido de facto las medidas jurídicas de protección a la vida
privada, controlando sin cortapisas efectivas la esfera privada de las personas. Los
mecanismos de seguimiento electrónico, por su parte, han dejado en el olvido las for-
malidades de autorización judicial que enorgullecían tanto hasta hace poco a sistemas
jurídicos pulcros, como los europeos.

7 En el procedimiento litigioso establecido originalmente en 1950 intervenían La Comisión, el Tribunal y el


Consejo de Ministros, apegándose a una serie de limitaciones, que fueron flexibilizándose especialmente
hacia fines de 1970.

463
Mario Fernández Baeza

Finalmente, todo este complejo aparato de seguridad refinada, de control masi-


vo sin contacto físico, ha empezado a incursionar en el acoso directo de las personas,
y con ello, en la esfera de los derechos y garantías llamadas de defensa, tan antiguas
como sufridas en la historia de la humanidad. La atmósfera mundial de protección de
la seguridad en que vivimos, y que ha cobrado primacía sobre la justicia,8 ha concedi-
do espacios a los órganos del Estado y a operadores privados de seguridad9 para exce-
derse paso a paso en el trato con las personas y ha tentado a sus funcionarios a reali-
zar rutinariamente prácticas al borde de la legalidad, ayudados por el temor o la sim-
ple ignorancia de los afectados para reclamar de tales atropellos. La mera sospecha y
no la fundada presunción acompañada de denuncia acreditada ante un juez, se ha con-
vertido en base legitimada para búsquedas preventivas y detenciones provisorias, sin
respeto por sus exigencias mínimas de formalidad policial o judicial, con finalidades
disuasivas y de política criminal, más que de tributo a la justicia y a sus procedimien-
tos. Muchas de estas prácticas se ejecutan con respaldo jurídico meramente adminis-
trativo, y otras con la cobertura de normas legales nacionales y supranacionales dic-
tadas al calor de las coyunturas y de las presiones de la opinión pública.
Desde el punto de vista de los derechos, este peculiar fenómeno produce un
doble efecto de carácter socio-psicológico. Por una parte, se ha producido una amne-
sia colectiva respecto de la vigencia anterior de los derechos y una tolerancia pasiva
ante sus limitaciones, derivada del alivio de sentirse seguro: “qué importa ser desnu-
dado en un aeropuerto, si viajo tranquilo”. Esto, por cierto, hasta no ser abiertamen-
te víctima de una vejación evidente. Por otra parte, superado racionalmente ese esta-
dio y dentro de la misma condición artificial y aparente, las personas demandan per-
manentemente por niveles cada vez más altos de verificación de los derechos funda-
mentales, sin reparar que simultáneamente aquellos ya se han visto trasgredidos por
la exigencia de la seguridad.10 Se lucha denodadamente por más libertad aparente, sin
reparar, o sin importar, que ella está, en esencia, cada vez más coartada.

8 Esta primacía es elocuente en la convocatoria de la Unión Europea para la creación de la Agencia Europea
para la Gestión de la Fronteras Exteriores a través de la Propuesta del Reglamento del Consejo de 11 de
noviembre de 2003: “Esta propuesta se inscribe en el proceso de instauración de una política común en
materia de gestión integrada de las fronteras, una de las condiciones indispensables para el establecimien-
to de un espacio de libertad, seguridad y justicia”. En el texto se observa que la única lógica de a preemi-
nencia de la seguridad sobre la justicia es de importancia, no alfabética. http/Europa.eu.int/scad-
plus/leg/es/lvb/133216.htm.
9 En todo el mundo los centros comerciales y bancos la seguridad es provista por agencias privadas con auto-
rización de portar armas y mantener centros de detención provisorios. Incluso en los aeropuertos de
Norteamérica y Europa, la seguridad la provee una combinación de funcionarios policiales y aduaneros con
agencias privadas de seguridad dotadas de atribuciones punitivas. Las detenciones ilegales en los aeropuer-
tos han sido materia de incidentes diplomáticos cuando ellas han sido denunciadas o al ocurrir accidentes.
10 Este dilema es clásico en el pensamiento político. Recuérdese la advertencia de Thomas Hobbes en la dedi-
cación del Leviatán a Godolphin:” Pues estando amenazado por quienes reclaman una libertad demasiado
grande y, por el lado contrario, por quienes reclaman demasiada autoridad, se hace difícil cruzar indemne
ante las armas de ambos bandos.”

464
La Abritrariedad Procesal en el Estado de Derecho: El Debido
Proceso ante la Juridicidad y Práctica de las Constituciones

III. El debido proceso como garantía y como derecho

El debido proceso como garantía y como derecho se encuentra en medio de este


singular fenómeno.
Por cierto que el debido proceso en las autocracias no existe, pues su exclusión o
desconocimiento es inherente a la naturaleza y funcionamiento de tales regímenes. La
lucha por la democracia, en consecuencia, ha sido equivalente a la lucha por el justo
y debido proceso. Sin embargo, en el último tiempo se ha presentado una nueva y
amenazante variable en este tema: La amenaza de su vulneración en los Estados de
Derecho. Nos podemos preguntar con cándido asombro cómo es que pudiera ocurrir
tal situación, si el Estado de Derecho tiene como requisito básico, entre otros, el reco-
nocimiento y aseguramiento efectivo de los derechos fundamentales. Pero no es así.
Tanto por la atmósfera pro seguridad reinante, como por las carencias democráticas,
y por el atávico impulso burocrático de ampliar y blanquear sus espacios de poder dis-
crecional –o por esos tres factores unidos– las fisuras del debido proceso representan,
hoy en día, una amenaza a la juridicidad y una exigencia jurídica tan grave como inad-
vertida en todas las latitudes.
Recordemos que el debido y justo proceso es un derecho humano que surge níti-
damente de la naturaleza humana, más allá de las sofisticadas regulaciones a las que
se ha ido sometiendo durante siglos. Como sostiene Pereira Menaut: “El hombre
común que, sin ser héroe, ni sabio, ni sano, no abdica del todo de su entendimiento
racional ni de su conciencia moral, se da cuenta de que, por ejemplo, ese derecho a no
ser condenado sin ser juzgado es esencial para él, digan lo que digan leyes y constitu-
ciones.”11 Asimismo, ya en la dimensión de su establecimiento jurídico formal, el con-
cepto pareciera provenir de dos tradiciones jurídicas cuya distinción doctrinal se pro-
duce “entre el derecho a la jurisdicción o tutela judicial efectiva de los derechos que
tiene un origen europeo continental y el debido proceso de origen anglosajón, mien-
tras que otra doctrina los considera con contenidos análogos”.12
Ciertamente en el último siglo, el debido proceso se extendió también a la juris-
dicción constitucional, como lo destaca Colombo Campbell: “El debido proceso es la
culminación eficaz de la protección jurisdiccional de la Constitución, toda vez que si
consideramos solamente a la jurisdicción constitucional en abstracto y no al instru-
mento destinado a hacerla efectiva en el caso concreto, estaríamos frente a un siste-
ma imposible, incompleto e inoperante de justicia constitucional.”13

11 Véase Antonio- Carlos Pereira Menaut: Teoría Constitucional, Editorial LexisNexis, Santiago de Chile,
2006, 263.
12 Véase Humberto Nogueira: Derechos Fundamentales y Garantías Constitucionales, Librotecnia, CECOCH,
Santiago de Chile, Tomo II, 2008, 261.
13 Véase Juan Colombo Campbell: El debido proceso constitucional, Cuadernos del Tribunal Constitucional,
32, Santiago de Chile, 2006, 124.

465
Mario Fernández Baeza

La Grundgesetz alemana ha reducido el debido proceso a una garantía muy preci-


sa, formulada en el número 4 del artículo 19: “Toda persona cuyos derechos sean vul-
nerados por el poder público podrá recurrir a la vía judicial.”, que es considerada como”
la culminación de un Estado de Derecho libre y democrático” (Mussgnug 2005, 184) 14
En el plano netamente teórico, el debido y justo proceso presenta dos dimensio-
nes que nos interesa destacar. Por una parte, su dualidad de naturaleza; por la otra, su
status dentro de los derechos fundamentales. El debido proceso es, simultáneamente,
un derecho humano funcional o posibilitador de otros derechos, y un derecho huma-
no en sí mismo.15 Si se revisa el catálogo clásico de componentes del debido proceso, o
de requisitos coadyudantes, que en la Declaración Americana de los Derechos y
Deberes del Hombre (1948) está constituido por: a) el derecho de justicia, b) el dere-
cho de protección contra la detención arbitraria; y, c) derecho a proceso regular, sabe-
mos que ellos se dirigen a garantizar la vigencia de otros derechos fundamentales en el
evento de enfrentar el poder coercitivo del Estado. La detención arbitraria, por ejem-
plo – aun siendo provisoria y desformalizada, como se tolera en algunos modernos sis-
temas procesales penales - vulnera un conjunto de derechos esenciales, desde la propia
dignidad de la persona y a su integridad física y síquica, hasta el derecho a la salud o
de expresión. Actualmente este carácter habilitador de tales derechos ha sido amplia-
do a los derechos económicos, sociales y culturales en el sistema interamericano, espe-
cialmente a través de los estudios de Víctor Abramovich, tanto como elaborador de un
extenso informe de la Comisión, como en un reciente trabajo de su autoría.16
Y siendo el debido proceso un derecho humano complejo en sí mismo, pues se com-
pone por varios otros derechos de su misma naturaleza y jerarquía, la doctrina se inclina

14 Véase Reinhard Mussgnug: El control judicial del poder ejecutivo en la República Federal de Alemania, en:
Varios autores: Estado de Derecho y Reforma a la Justicia, Heidelberg Center y otros, Santiago de Chile,
2005. Esta garantía, sin embargo, como en toda la Unión Europea, no se hace efectiva para personas no
miembros de la Unión, detenidas en la zona de estadía de los aeropuertos. Allí las decisiones son discrecio-
nales administrativas, sin recurso posible.
15 Esta doble naturaleza está expuesta en un fallo de la Corte Suprema de Justicia de Chile de 31 de enero de
2003, y al cual volveremos en este trabajo. En la sentencia se lee, después de definir el debido proceso como
“ aquel, que cumpliendo con ciertos principios básicos y ritualidades elementales, garantiza a toda persona
un juicio justo”: “ En su expresión propiamente adjetiva, se le concibe como el conjunto de reglas que el
legislador y el ejecutor de la ley deben observar en el cumplimiento de sus funciones. A saber: la existen-
cia de un juicio oral y público, la prohibición de juzgar dos veces al mismo individuo por el mismo acto, la
prohibición de hacer declarar a una persona en contra de sí misma en causas criminales, el establecimien-
to de formalidades de notificación y audiencia del procesado en todo juicio o procedimiento. En su aspec-
to mas bien sustantivo se lo asume como un estándar o patrón de justicia que guía el actuar de los órganos
del Estado, considerando las circunstancias de tiempo y lugar en el que se desenvuelve el proceso.” Véase
referencias a este fallo en: Paulino Varas Alfonso, 2006, 32; y en: Pilar Fabiola Arellano Gómez, 2007, 479.
16 Véase publicación de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos de la OEA, preparado por Vïctor
Abramovich: El acceso a la justicia como garantía de los derechos económicos, sociales y culturales. Estudio
de los estándares fijados por el Sistema Interamericano de Derechos Humanos, OEA, 7 de septiembre de
2007. Véase, además, el trabajo del mismo autor: Los Estándares Interamericanos de Derechos Humanos
como Marco para la Formulación de las Políticas Sociales, en: Anuario de Derechos Humanos 2006, Centro
de Derechos Humanos, Facultad de Derecho de la Universidad de Chile, 13-51.

466
La Abritrariedad Procesal en el Estado de Derecho: El Debido
Proceso ante la Juridicidad y Práctica de las Constituciones

por ubicarlo dentro de aquellos derechos no limitables, entendiéndose el debate existen-


te en la doctrina sobre esta materia. Borowski (2000) ha presentado los dualismos reglas-
principios (Dworkin, Alexy) y limitables-no limitables o limitación- configuración, para
afrontar con criterios realistas los padrones absolutos inmersos en los derechos funda-
mentales. Pero aún así, refiriéndose a Häberle recuerda: “Los derechos fundamentales
siguen la teoría interna, o sea, son por definición, derechos no limitables” y agrega una
advertencia que transita por toda nuestra preocupación por el debido proceso en un
Estado de Derecho:” En todo caso, si se restringe un derecho fundamental por vía de una
regla general, ésta tiene que estar sustentada constitucionalmente.17
En la Convención Americana sobre Derechos Humanos se regula las restricciones
posibles a los Derechos Humanos, que no están entregadas a la discrecionalidad, sino a los
límites que impone el derecho internacional, que no son otros que los usuales para restrin-
gir los derechos en los derechos internos, pero con un nivel de precisión, tanto sobre la
legalidad de la restricción, como su ajuste a la Constitución y que además, sean “necesa-
rias en una sociedad democrática”, como ha sido interpretada en la Corte Europea de
Derechos Humanos (Medina/ Nash, 2007, 34). Además, las normas de interpretación de la
Convención, enumeradas en el artículo 29 de su texto, disponen que “ninguna de las nor-
mas de la Convención pueden ser interpretadas en el sentido de permitir a alguno de los
Estado partes, grupo o persona, suprimir el goce y ejercicio de los derechos y libertades
reconocidos en la Convención, o limitarlos en mayor medida que la prevista en ella”.
Estas limitantes a las restricciones, o a las “configuraciones” de los derechos fun-
damentales nos llevan a las interrogantes centrales de nuestra preocupación: ¿cómo se
establece la ponderación de la restricción de que se trate en referencia al orden demo-
crático y al Estado de Derecho? ¿Basta la legitimación de los órganos colegisladores al
formular una política criminal a la luz de una situación histórica coyuntural? ¿Cómo
se pondera el grado de perjuicio en la dignidad humana, en las relaciones sociales y
en la cultura política de una sociedad, producido por una política restrictiva de dere-
chos fundamentales, amparada por los mecanismos democráticos en una coyuntura
histórica amenazante? El punto central de estos dilemas vuelve a ser el peligro de
retornar a un antiguo vicio: el fundamento de las restricciones a la libertad comienza
por la seguridad, y termina con aquella sin aliviar a ésta.

IV. El debido proceso en el Sistema Interamericano

El Sistema Interamericano de protección de los Derechos Humanos presenta una


sostenida tradición de preocupación por el debido proceso. Los sustentos de derecho
positivo para ello residen en los artículos 8º y 25 de la Convención. El primero, deno-
minado “Garantías judiciales”; el segundo, “Protección judicial”, aún cuando el artí-

17 Véase Martin Borowski: La restricción de los derechos fundamentales, en: Revista Española de Derecho
Constitucional, 20, 59, 2000, 29-56.

467
Mario Fernández Baeza

culo 7º se refiere al derecho a la libertad personal, que dice relación directa con el
tema. El artículo 8º contiene una extensa y detallada enumeración de ocho “garantías
mínimas”, entre ellas la “comunicación previa y detallada al inculpado de la acusación
formulada”, así como varias concernientes al derecho a la defensa. El artículo 25, por
su parte, se concentra en el derecho de “toda persona” al recurso de amparo “contra
actos que violen sus derechos fundamentales reconocidos por la Constitución, la ley,
o la presente Convención, aún cuando tal violación sea cometida por personas que
actúen en ejercicio de sus funciones oficiales”.
La Corte Interamericana de Derechos Humanos, por su parte, no se ha delimita-
do al tenor de la Convención para procurar la debida protección concreta de los dere-
chos amparados por ella. A través de la dictación de Reglamentos, la Corte ha intro-
ducido desde 1980, mecanismos procesales y de procedimiento que han perfecciona-
do la tramitación de las causas de que conoce y que han significado avances también
materiales en su quehacer jurisdiccional. (Gialdino 2006)
Las consecuencias jurisdiccionales de las normas señaladas y del celo ejercido por
la Corte, se ha manifestado a través de una serie de fallos, en los cuales los magistra-
dos han extendido y profundizado las definiciones convencionales, aplicadas a casos
concretos, y especialmente, a través de las “opiniones consultivas” evacuadas en con-
formidad con el artículo 64.1. de la Convención, que habilita al órgano jurisdiccional
a interpretar normas de la Convención o de otro tratado concerniente “a la protección
de los derechos humanos en los Estados americanos”. Vale señalar entre estas opinio-
nes consultivas, la OC-8 sobre el Hábeas Corpus Bajo Suspensión de Garantías, la OC
9 /87, sobre Garantías Judiciales en Estados de Emergencia, y la OC 11/90, sobre
Excepciones al Agotamiento de los Recursos Internos.
En la citada Opinión Consultiva OC 9/87 la Corte interpretó el sentido del artí-
culo 8º de la Convención como “el conjunto de requisitos que deben observarse en las
instancias procesales”, entendiéndose el sentido de “mínimas” de las garantías, el que
“en circunstancias específicas, otras garantías adicionales pueden ser necesarias si se
trata de un debido proceso legal”.18
En un fallo de 24 de junio de 2005, la Corte Interamericana señaló en su consi-
derando 92: “Este tribunal ha establecido que la salvaguardia de la persona frente al
ejercicio arbitraria del poder público es el objetivo primordial de la protección inter-
nacional de los derechos humanos”.19 En el mismo caso, el juez Antonio A. Cançado
Trindade declaró en su considerando 11: “Una detención arbitraria (como lo estable-
ció la Corte en el presente caso), sea por cinco años, o por cinco meses, por cinco
semanas, en las condiciones carcelarias prevalecientes sea en el continente america-

18 Información consignada atribuida a la OC-11/90, en el manuscrito sin publicar de Rodrigo Pica F.: Notas
sobre Garantías judiciales y Debido Proceso en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos
Humanos, Santiago de Chile, 2008
19 La sentencia alude en este considerando a los casos Tibi, Caso “Instituto de Reeducación del Menor” y
Baena Ricardo y otros. Competencia de la misma Corte.

468
La Abritrariedad Procesal en el Estado de Derecho: El Debido
Proceso ante la Juridicidad y Práctica de las Constituciones

no, o en el europeo, o en los demás continentes del mundo (o sub-mundo “globaliza-


do” de las cárceles), no deja de causar traumas en los indebidamente privados de liber-
tad. No se requiere una “substatial evidence” (sic) para establecer una violación del
derecho a la integridad personal del individuo detenido arbitrariamente”.
Más allá de sus resoluciones directas sobre el debido proceso y del efecto que ellas
tengan sobre las partes afectadas, la Corte ha producido un efecto de irradiación con su
persistencia para defender el derecho a la justicia, para usar el ya citado concepto de
1948. Así, se puede observar en las referencias subyacentes en las argumentaciones
jurisprudenciales que sirven de base para dirigirse directamente a la materia sobre la
cual ha sido llamada a ejercer jurisdicción.20 Esa misma capacidad de irradiación se
advierte en los requerimientos de inaplicabilidad por inconstitucionalidad interpuestos
ante el tribunal Constitucional de Chile, desde que conoce de esa materia a partir de
2006, y en algunos considerandos de sus fallos, como se verá en el siguiente apartado.

V. El debido proceso y la Constitución de Chile

La Constitución de Chile agrupa los requisitos del debido proceso, como los hemos
descrito aquí, en el número 3º del artículo 19 de su texto, bajo el encabezamiento “La
Constitución asegura a todas las personas…La igual protección de la ley en el ejercicio
de los derechos”. En su parte medular, la referencia al debido proceso se formula así en
el inciso quinto del citado numeral:”Toda sentencia de un órgano que ejerza jurisdicción
debe fundarse en un proceso previo legalmente tramitado. Corresponderá al legislador
establecer siempre las garantías de un procedimiento y una investigación racionales y
justos.”. Como lo expresó la Corte Suprema de Chile en sentencia de 31 de enero de
2003 (véase nota 14), esta fórmula para ubicar el “derecho al debido proceso” se encuen-
tra acotada “con una exigencia de carácter jurisdiccional – “toda sentencia” y otra de
índole legislativa “corresponderá al legislador…”, agregándose el más completo de los
catálogos de las garantías mínimas para un “racional y justo proceso”21
Para el interés de nuestro tema, quiero detenerme en dos aspectos de esta defi-
nición constitucional chilena. Por una parte, la remisión al legislador para el estable-
cimiento de las garantías – que se suman a las ya establecidas en la propia
Constitución- y el agregado de la investigación al procedimiento racional y justo.

20 Véase reseñas de la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos en los Anuarios de


Derechos Humanos del Centro de Derechos Humanos de la Universidad de Chile, preparados por Claudio
Nash y Claudia Sarmiento.
21 Esta es la lista de garantías que se incluye en el fallo: “ la publicidad de los actos jurisdiccionales, el dere-
cho a la acción, el oportuno conocimiento de ella por la parte contraria,, el emplazamiento, la adecuada ase-
soría y defensa letrada, la producción libre de pruebas conforme a la ley, el examen y objeción de la evi-
dencia rendida, la bilateralidad de la audiencia, la facultad de interponer recursos que posibiliten la revi-
sión de las sentencias dictadas por tribunales inferiores, el pronunciamiento de los fallos dentro de los lazos
previstos y su fundamentación en el régimen jurídico vigente o, en su defecto, en los principios generales
del derecho y de la equidad natural.”

469
Mario Fernández Baeza

La remisión al legislador para establecer las reglas de un debido proceso trae


dos consecuencias relevantes para nuestro tema. La primera es la obligación de los
colegisladores de ajustarse, siempre, como lo señala la Constitución, a las restric-
ciones que ya hemos examinado para cuidar de no limitar ni restringir los derechos
fundamentales. La segunda se refiere a que abre la posibilidad para que las partes o
el juez de un asunto judicial pendiente puedan solicitar la decisión del Tribunal
Constitucional sobre la constitucionalidad de la aplicación del precepto legal que
se impugna. En otras palabras, la remisión al legislador para establecer las normas
del debido proceso, significa entregar al Tribunal Constitucional la facultad de
ponderar su conformidad con la Constitución, habiendo sido la norma en cuestión
impugnada como precepto cuya aplicación puede resultar contraria a la
Constitución de acuerdo al Nº 6 del artículo 93. Así se explica que el debido pro-
ceso, como derecho fundamental, ha venido siendo materia frecuente de conoci-
miento por parte del Tribunal Constitucional y ha entregado la posibilidad de pro-
nunciarse sobre su significado y alcance.22
En la causa 478-2006, la sentencia del Tribunal Constitucional señaló en sus con-
siderandos 13 y 14:

“Que la citada garantía se extiende, sin limitación alguna, al ejercicio de la


jurisdicción, esto es, el poder-deber de conocer y resolver cualquier conflicto de
carácter jurídico, por cualquier órgano, sin que importe su naturaleza, y se refie-
re a sentencia no en su sentido restringido, sino como a toda resolución que deci-
de una controversia de relevancia jurídica.”
“El concepto de jurisdicción incluye, pues, las facultades de conocimiento
y resolución, vinculadas entre sí, una consecuencia de la otra. A su vez, el cono-
cimiento comprende las fases de discusión y prueba.”

Y después de precisar la distinción entre proceso y procedimiento, el fallo agrega:

“Es una garantía del proceso que el procedimiento sea racional y justo,
objetivo cuyo cumplimiento le constituyente encomienda al legislador.”
“La Constitución prevé la exigibilidad de la garantía a todo proceso, cual-
quiera sea su forma u oportunidad en que se traduce, al exigir su concurrencia
“siempre”; se trata de un mandato categórico al legislador no susceptible de cali-
ficación interpretación.”23

22 El artículo 93, Nº6 señala: “ (Son atribuciones del Tribunal Constitucional.)..Resolver, por la mayoría de sus
miembros en ejercicio, la inaplicabilidad de un precepto legal cuya aplicación en cualquier gestión que se
siga ante un tribunal ordinario o especial, resulte contraria a la Constitución”
23 En el mismo fallo de la causa 478-2006, el Tribunal Constitucional, cita otras sentencias de a misma magis-
tratura, causas 376, 389, 481, entre otras y de la Corte Suprema de Chile ( 258 de 2001) en la que establece
cuáles son las garantías de un proceso previo, legalmente tramitado, racional y justo, que la Constitución
asegura a todas las personas”.

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La Abritrariedad Procesal en el Estado de Derecho: El Debido
Proceso ante la Juridicidad y Práctica de las Constituciones

Las invocaciones al artículo 8º de la Convención Interamericana ya mencionadas,


han encontrado eco en las decisiones del Tribunal Constitucional chileno, como ocurre
en la sentencia de 31 de agosto de 2007 recaída en las causas acumuladas 747 y 774 al
acogerse la acción de inaplicabilidad por vulnerar los preceptos impugnados el citado
artículo 19, Nº 3 de la Constitución, sin considerar necesario pronunciarse sobre la invo-
cación a los artículos 8º, nos. 1,2 letra h) y 5, 25 número 1 del Pacto de San José. Sin
embargo, como lo consigna un análisis sobre el tema (Peña 2008, 214-215) en la misma
sentencia el Tribunal abordó la invocación al artículo 9º del Pacto sobre la legalidad y
tipicidad de la ley penal por considerar tal norma como similar a la de la Carta chilena.
La persistencia de ejemplos como el referido, esto es, la incorporación indirecta
de las invocaciones a la Convención Americana sobre derechos Humanos en las sen-
tencias del Tribunal Constitucional recaídas en acciones de inaplicabilidad o en cues-
tiones de constitucionalidad, obedecen a dos problemas ajenos a lo que nos ocupa en
esta exposición. Uno de carácter doctrinario, la cuestión de jerarquía de los tratados
internacionales frente a la Constitución, con un especial ingrediente sobre los trata-
dos sobre Derechos Humanos (Henríquez Viñas 2008) otro, de carácter más restrin-
gido al Tribunal Constitucional y de pronta dilucidación jurisdiccional, sobre el pro-
nunciamiento de la magistratura acerca de la constitucionalidad de la prohibición de
la inaplicabilidad en materia de tratados que viene propuesta en la Ley Orgánica del
Tribunal Constitucional recién aprobada por el Congreso Nacional chileno.24
La inclusión de la expresión investigación junto a proceso, incorporada a la
Constitución por Ley 19.519 de 1997, tuvo lugar por exigencia de armonizarse con la
vasta reforma procesal penal que culminó con su puesta en marcha en el año 2000. La
investigación de los hechos constitutivos de delito, los que determinen la participa-
ción punible y los que acrediten la inocencia del imputado, junto con el eventual ejer-
cicio de la acción penal pública, tendría un rol fundamental y novedoso en la refor-
ma, pues representaba una de las actividades entregada de modo exclusivo al
Ministerio Público, separado de la actividad jurisdiccional de los nuevos jueces de
garantía. Como lo señalan dos teóricos de la institución (Riego/Duce 2000, 102): “Se
trata de actividades de averiguación y recopilación de antecedentes que, en general,
no está sujetas a reglas procesales y que no tienen valor mientras no sean incorpora-
das al proceso por el medio previsto en la ley”. En palabras de Damaska (2000, 255),
que coinciden con Vargas (2006, 188), respecto de lo que califica como la naturaleza
instrumental del derecho procesal:” En el Estado reactivo las decisiones se justifican
más en términos de la justicia de los procedimientos empleados que en los resultados
obtenidos. En el Estado activista las decisiones se legitiman en primer lugar en cuan-
to los resultados concretos que incorporan.”

24 Al momento de cierre de este manuscrito (8 de junio de 2009), aún no se dicta sentencia sobre la nueva Ley
Orgánica del Tribunal Constitucional de Chile.

471
Mario Fernández Baeza

Los legisladores estimaron que la inclusión de la investigación copulativamente


junto con el procedimiento, representaba una garantía de que las exigencias constitu-
cionales y sus derivaciones jurisprudenciales, ya anotadas, se extendieran también a
ella, especialmente por su carácter desformalizado y preparatorio del proceso estable-
cido por la ley. Así lo anota la fundamentación de la indicación en el Senado a la
reforma constitucional citada: “Si se tiene en cuenta que el proyecto en informe deja
claramente sentado que la pesquisa que realice el ministerio Público no tiene carác-
ter jurisdiccional, resulta imperativo entonces, sujetarla también, y expresamente, a
las exigencias que la Carta Fundamental impone al procedimiento.”25
En la reciente jurisprudencia del Tribunal Constitucional se observan interpreta-
ciones directas de la investigación según el mandato constitucional descrito. En la sen-
tencia de Rol Nº 815 dictada en agosto de 2008 se lee: “En consecuencia, interpretada
armónicamente después de la modificación del artículo 19, Nº 3 por la ley Nº 19.519,
debe necesariamente concluirse que la investigación está concebida como una vía para
llegar a un proceso jurisdiccional”. Por lo tanto la forma en que ella se lleva a cabo debe
ajustarse a las propias de la meta que persigue, esto es, un proceso. No podría entender-
se que la investigación previa al proceso vulnere los principios obligatorios de éste, aún
cuando formalmente aún no se encuentre formalizado como tal. Esto sería autorizar a
los funcionarios policiales o judiciales una fase de discrecionalidad abusiva previa al pro-
ceso para preparar su inicio con ventajas probatorias obtenidas indebidamente.

VI. Conclusiones

Nuestra preocupación acerca del debido proceso dentro de un Estado de


Derecho proviene del trauma por nuestro reciente pasado autoritario, en el que nada
fue más determinante en las violaciones de los Derechos Humanos, que la arbitrarie-
dad del poder político en el trato a los seres humanos. Del mismo modo como
Radbruch abdicó del positivismo extremo al reiniciarse las clases en la facultad de
Derecho de esta Universidad de Heidelberg después de la guerra,26 es necesario ser
extremadamente exigente en oponerse a tiempo, sin cálculos ni temor a no actuar
políticamente correcto, cuando las atmósferas societales se apoderan del miedo a la
inseguridad, que esconde toda persona.
En todos nuestros países, en mayor o menor medida, hemos pasado por tales
experiencias. Pero nunca este peligroso fenómeno ha sido tan sutil como en nuestros
tiempos, pues emerge bajo las formas de la democracia y del Estado de Derecho. En

25 Diario de Sesiones del Senado, Sesión Nº 53 ( anexo de documentos), de mayo de 1997, pág. 6200, citado en
Díez Urzúa, Sergio: Personas y Valores. Su Protección Constitucional, Editorial Jurídica de Chile, Santiago,
1999, 143
26 Véase la clase magistral: Arbitrariedad Legal y Derecho Supralegal: “ El principio “ la ley es la ley” no cono-
cía, al contrario, limitación alguna. Era la expresión del pensamiento jurídico positivista, que dominó
durante muchos decenios, casi sin ser contradicho, a los juristas alemanes” (Radbruch 1980, 127).

472
La Abritrariedad Procesal en el Estado de Derecho: El Debido
Proceso ante la Juridicidad y Práctica de las Constituciones

este contexto, creo que la defensa a todo trance del debido proceso, entendido desde
que el Estado empieza a actuar frente a una persona eventualmente imputada, es una
tarea que nos corresponde en primer lugar a los juristas. Es un deber profesional que
es necesario cumplir. Cada vez que se van admitiendo medidas seudo judiciales y poli-
ciales preliminares, que, por definición se encuentran fuera del proceso, es preciso
examinar su mérito constitucional y advertir en qué medida el poder del Estado se
desproporciona en relación con el de las personas y el de sus derechos fundamentales.
Cumplir con ese deber significará, también, restablecer día a día, por sobre el de la
seguridad, el reino de la libertad y de la justicia.27

27 Para ampliar las opiniones aquí contenidas, puede consultarse la siguiente bibliografía: Alexy, Robert:
Epílogo a la Teoría de los Derechos Fundamentales, en: Revista Española de Derecho Constitucional, 22,
66, 2002, 13-64; Arellano Gómez, Pilar Fabiola: Debido proceso material y control difuso de constituciona-
lidad: una revisión desde la nueva acción de inaplicabilidad, en: Revista de Derecho Público, 69, 2007, tomo
I, Santiago de Chile, 476-488; Abramovich, Víctor: Los Estándares Interamericanos de Derechos Humanos
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475
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales
y su Aplicación en Chile y América Latina
Humberto Nogueira Alcalá 1

Sumarioo: I. La dignidad humana como fundamento de los derechos fundamentales, los cuales constituyen límites a
la soberanía estatal II. Los derechos fundamentales como emanación de la dignidad humana III. El bloque constitu-
cional de derechos fundamentales en América Latina IV. El control de convencionalidad de las disposiciones de
derecho interno determinado por la Corte Interamericana de Derechos Humanos V. Consideraciones finales

I. La dignidad humana como fundamento de los derechos fundamentales,


los cuales constituyen límites a la soberanía estatal

En el derecho constitucional latinoamericano la afirmación de la dignidad de la


persona y de los derechos humanos como soporte del orden constitucional esta pre-
sente en la mayoría de las Cartas Fundamentales.2
La dignidad humana es una cualidad intrínseca, irrenunciable e inalienable de
todo y a cualquier ser humano, constituyendo un elemento que cualifica al individuo
en cuanto tal, siendo una cualidad integrante e irrenunciable de la condición huma-
na. Ella es asegurada, respetada, garantizada y promovida por el orden jurídico estatal
e internacional, sin que pueda ser concedida retirada a alguna persona, siendo inhe-
rente a su naturaleza humana; ella no desaparece por mas baja y vil que sea su con-
ducta y sus actos.3
El artículo 1º de la Declaración Universal de Derechos Humanos de Naciones
Unidas de 10 de diciembre de 1948, determina que todos los seres humanos nacen

1 El autor es Doctor en derecho por la Universidad Católica de Lovaina la Nueva, Bélgica. Profesor Titular de
Derecho Constitucional , Director Ejecutivo del Centro de Estudios Constitucionales de Chile de la
Universidad de Talca y del Magister de Derecho Constitucional de la misma Universidad, Campus Santiago.
Presidente de la Asociación Chilena de Derecho Constitucional. Vicepresidente del Instituto
Iberoamericano de Derecho Procesal Constitucional. Miembro Asociado de la Academia Internacional de
Derecho Comparado. nogueira@utalca.cl.
2 Esta posición es extendida en América Latina, pudiendo establecerse como ejemplo la Constitución de Brasil
de 1988, artículo 1º señala que la República Federal de Brasil tiene como fundamentos...III la dignidad de la
persona humana”; la Constitución de Colombia de 1991, artículo 1º, prescribe “Colombia es un estado social
de derecho [...] fundado en el respeto de la dignidad humana, en el trabajo y la solidaridad de las personas
que lo integran y en la prevalencia del interés general”; la Constitución Chilena, en su artículo 1º dedtermi-
na: “Las personas nacen libres e iguales en dignidad y derechos”; la Constitución Peruana de 1993, en su artí-
culo 1º, señala “la defensa de la persona humana y el respeto de su dignidad son el fin supremo de la socie-
dad y el Estado”; la Constitución de Honduras de 1982, artículo 5º, precisa: “la persona humana es el fin
supremo de la sociedad y del Estado. Todos tienen la obligación de respetarla y protegerla”; la Constitución
de Guatemala de 1985 establece en su artículo 1º “Protección de la persona. El Estado de Guatemala se orga-
niza para proteger a la persona y a su familia; su fin supremo es la realización del bien común”.
3 González Pérez, J. La dignidad de la persona. Ed. Civitas. Madrid, 1986, p. 25.

477
Humberto Nogueira Alcalá

libres e iguales en dignidad y derechos. Dotados de razón y de conciencia, deben


actuar unos con los otros en un espíritu de fraternidad.
A su vez, el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos de 19 de diciem-
bre de 1966, en su preámbulo afirma que “el reconocimiento de la dignidad inheren-
te a todos los miembros de la sociedad humana […] constituye el fundamento de la
libertad, la justicia y la paz mundial, en el reconocimiento que esos derechos derivan
de la dignidad inherente a los hombres”.
Asimismo, la Convención de Naciones Unidas contra la Tortura, de 1984, se pre-
cisa en el preámbulo el “reconocimiento que esos derechos derivan de la dignidad
inherente a los hombres”. En el mismo sentido se expresa la Convención sobre
Derechos del Niño de 1989, la que explicita la “dignidad inherente a todos los miem-
bros de la comunidad humana”.
El artículo 1º, inciso 1º de la Constitución chilena precisa: “Las personas nacen
libres e iguales en dignidad y derechos”
La dignidad de la persona es el rasgo distintivo de los seres humanos respecto de
los demás seres vivos, la que constituye a la persona como un fin en sí mismo, impi-
diendo que sea considerada un instrumento o medio para otro fin, además de dotarlo
de capacidad de autodeterminación y de realización del libre desarrollo de la perso-
nalidad. La dignidad es así un valor inherente a la persona humana que se manifiesta
a través de la autodeterminación consciente y responsable de su vida y que exige el
respeto de ella por los demás.
Von Wintrich sostiene que la dignidad del “hombre, como ente ético-espiritual,
puede, por su propia naturaleza, consciente y libremente, autodeterminarse, formar-
se y actuar sobre el mundo que lo rodea”.4 A su vez, González Pérez nos señalará que
la dignidad es la categoría que corresponde al ser humano por estar dotado de inteli-
gencia y voluntad, distinto y superior a todo lo creado, que establece un tratamiento
en toda circunstancia concordante con la naturaleza humana.5
La dignidad de la persona se constituye en el valor supremo y en el principio
jurídico que constituye la columna vertebral básica de todo el ordenamiento consti-
tucional y es fuente de todos los derechos fundamentales, irradiando todo el sistema
jurídico el que debe interpretarse y aplicarse conforme a las condiciones en que dicha
dignidad se realice de mejor forma.
Tal perspectiva ha sido asumida por el Tribunal Constitucional chileno, el cual
en su sentencia de 26 de junio de 2008, ha determinado:

4 Von Wintrich, Zur Problematik der Grundrecte (1957), citado por Fernández Segado, Francisco. 2003. “La
dignidad de la persona como valor supremo del ordenamiento jurídico español y como fuente de todos los
derechos”, en Revista Jus. Revista di Scienze Giuridiche, Anno L, Maggio-Agosto, 2003, Universita Católica
del Sacro Cuore, Milán, pág. 205.
5 González Pérez, J. 1986. La dignidad de la persona. Madrid, pág. 112.

478
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y América Latina

“VIGESIMOTERCERO. Que de la dignidad que singulariza a toda persona


humana se deriva un cúmulo de atributos, con los que nace y que conserva
durante toda su vida. Entre tales atributos se hallan los derechos públicos subje-
tivos o facultades que el ordenamiento jurídico le asegura con carácter de inalie-
nables, imprescriptibles e inviolables en todo momento, lugar y circunstancia.
De esos atributos se nombran aquí, por su vínculo directo con la causa a ser deci-
dida, el derecho a la vida, a la integridad física y psíquica y a la protección de la
salud cuyo ejercicio legítimo la Constitución exige respetar siempre incluyendo
la esencia inafectable de lo garantizado en ellos.”6

Günter Durig dirá que la dignidad de la persona humana consiste en el hecho de


que, cada individuo es humano por fuerza de su espíritu, que lo distingue de la natu-
raleza impersonal y que lo capacita para, con base en su propia decisión, volverse
consciente de si mismo, de autodeterminar su conducta, dar forma a su existencia y al
medio que lo rodea. Toda persona es un ser que desarrolla su libertad autonomía,
autodeterminando su conducta, considerado todo ello en abstracto, independiente-
mente de su efectiva realización en un caso concreto, por lo que los poseedores de gra-
ves enfermedades mentales o deficientes mentales, poseen la misma dignidad y son
merecedores del mismo respeto a esa dignidad que cualquier otro ser humano física y
mentalmente capaz.
Ingo Wolfgang Sarlet sostiene que la dignidad de la persona humana es una cua-
lidad intrínseca y distintiva reconocida a todo individuo que lo hace merecedor del
mismo respeto y consideración por parte del Estado y de la comunidad, implicando,
en este sentido, un complejo de derechos y deberes fundamentales que aseguran a la
persona tanto contra todo y cualquier acto de cuño degradante o deshumanizado,
como velan por garantizar las condiciones existenciales mínimas para una vida salu-
dable, además de propiciar y promover su participación activa y corresponsable en los
destinos de la propia existencia y de la vida en comunión con los demás seres huma-
nos, mediante el debido respeto a los demas seres que integran la red de la vida.7
Häberle señala que la dignidad de la persona humana consiste en el “valor y pre-
tensión de respeto intrínseco y simultáneamente social, al cual pertenece cada ser
humano por su condición humana”.8
Podemos sostener la primacía de la dignidad de la persona sobre los derechos
fundamentales, ya que estos tienen su fuente y fundamento en la primera, debiendo
rechazarse el ejercicio de cualquier derecho que suponga un atentado a ella. La digni-

6 Sentencia del Tribunal Constitucional, de 26 de junio de 2008, Rol Nº 976, considerando vigesimotercero.
7 Wolfgang Sarlet, Ingo. “Dignidade da pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de
1988”. Sétima edição revista e atualizada. Porto Alegre, Livraria Do Advogado, 2009, p. 67. Traducción libre
del autor.
8 Háberle. , Peter. “A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal”, en Wolfgang Sarlet, Ingo
(Org.). Dimensões da Dignidade. Ed. Livraria Do Advogado. Porto Alegre. 2005, p. 104.

479
Humberto Nogueira Alcalá

dad de la persona constituye una barrera insuperable en el ejercicio de los derechos


fundamentales. La dignidad humana se constituye en una barrera o límite inmanente
a toda reforma constitucional, que pretenda desconocerla, suprimirla, degradarla o
desnaturalizarla. La dignidad del ser humano es el minimum invulnerable que todo
ordenamiento y operador jurídico debe asegurar y garantizar, sin que nunca pueda
legitimarse un menosprecio del ser humano como persona digna.
La afirmación constitucional de la dignidad humana constituye un enunciado
constitucional de eficacia directa y de aplicabilidad inmediata, teniendo un efecto
anulatorio o invalidatorio de toda norma que contravenga o ignore dicha dignidad. El
valor y principio jurídico de la dignidad humana genera un efecto de irradiación que
se difunde sobre los otros principios e instituciones constitucionales.
Esta perspectiva ha sido asumida por el Tribunal Constitucional, el cual ha pre-
cisado en sentencia de 26 de junio de 2008:

“Que lo explicado en el considerando precedente resulta coherente con la


fuerza normativa que singulariza la Carta Fundamental, característica conforme
a la cual ésta se irradia al ordenamiento jurídico entero, al punto que ninguna de
sus disposiciones puede quedar al margen de o en pugna con la supremacía que
es propia de ella.”9

El artículo 1º, inciso 1º de la Constitución, constituye una norma directriz a tra-


vés de la cual debe iluminarse e interpretarse todo el resto del texto constitucional y
del ordenamiento jurídico nacional, constituye una pauta interpretativa que debe ser
seguida por todos los operadores jurídicos, en cuanto norma rectora suprema de nues-
tro ordenamiento jurídico. Asimismo, como señala Ríos Álvarez, la dignidad de la
persona tiene también el carácter de contenido integrador del vacío que puede llegar
a producir la falta de reconocimiento o la omisión de un derecho indispensable o
esencial a la preservación de la persona humana.10
El Tribunal Constitucional chileno, en su sentencia sobre la “Unidad de análisis
financiero y modificación del Código Penal en materia de lavados y blanqueo de acti-
vos”, ha establecido sobre la materia:

“Que en tal orden de ideas cabe recordar, primeramente, por ser base del
sistema constitucional imperante en Chile, el artículo 1º inciso primero de la
Constitución, el cual dispone que “las personas nacen libres e iguales en digni-
dad y derechos”. pues bien, la dignidad a la cual se alude es aquel principio capi-
tal de nuestro Código Supremo es la cualidad de ser humano que lo hace acree-

9 Sentencia del Tribunal Constitucional chileno, 26 de junio de 2008, Rol Nº 976, considerando 35º.
10 Ríos Álvarez, Lautaro. 1985. La dignidad de la persona en el ordenamiento jurídico español. En obra colec-
tiva, XV Jornadas Chilenas de Derecho Público, Valparaíso, Universidad de Valparaíso, página 205.

480
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y América Latina

dor siempre a un trato de respeto, porque ella es la fuente de los derechos esen-
ciales y de las garantías destinadas a obtener que sean resguardados.”11

El mismo Tribunal Constitucional ha señalado que:

“Que, como ya se ha señalado, el contenido del artículo 19 de la Carta


Fundamental, conjuntamente con sus artículos 1º, 4º y 5º, inciso segundo, de la
misma, configuran principios y valores básicos de fuerza obligatoria que impreg-
nan toda la Constitución de una finalidad humanista que se irradia en la prima-
cía que asignan sus disposiciones a la persona humana, a su dignidad y libertad
natural, en el respeto, promoción y protección a los derechos esenciales que
emanan de la naturaleza humana, que se imponen como limitación del ejercicio
de la soberanía y como deber de los órganos del Estado;
Que estos principios y valores, como ya se recordó -y lo hace manifiesto el
inciso segundo del artículo 6º de la Constitución, que precisa que sus preceptos
obligan no sólo a los titulares o integrantes de los órganos del Estado sino a toda
persona, institución o grupo-, no configuran meras declaraciones programáticas
sino que constituyen mandatos expresos para gobernantes y gobernados, debien-
do presidir la labor del intérprete constitucional, en cuanto normas rectoras y
vitales que coadyuvan a desentrañar el verdadero sentido y espíritu del resto de
las disposiciones de la Constitución;
Que, por lo recién expresado, debe desecharse toda interpretación de las
normas constitucionales que resulte contradictoria con los aludidos principios y
valores rectores de la Carta Suprema”.12

El respeto y protección de la dignidad del ser humano delimitan la potestad


constituyente y la potestad estatal.
Una Constitución que se compromete con la dignidad de la persona humana
establece una premisa antropológica-cultural y precisa los contornos de su compren-
sión del Estado Constitucional.
Los ámbitos de la dignidad humana que deben asumirse aplicando la pauta nor-
mativa de nuestro artículo 1º, inciso 1º, de la Carta Fundamental, son las dimensiones
ontológicas dadas por la racionalidad y libertad del ser humano (autodeterminación
conciente y responsable de su propia vida), como asimismo la de carácter ético o
deontológico constituidas por la autonomía y fin en si mismo, no siendo la persona un
medio o instrumento de nadie.

11 Sentencia del Tribunal Constitucional, Rol Nº 389, de fecha veintiocho de octubre de 2003, considerando 17º.
12 Sentencia del Tribunal Constitucional, Rol Nº 943-07, de fecha diez de junio de dos mil ocho, consideran-
do 30º al 32º.

481
Humberto Nogueira Alcalá

La noción de dignidad humana es producto del reconocimiento de la unicidad de


cada individuo humano y del hecho de que ella es creadora de un deber de igual res-
peto y protección en el ámbito de la sociedad.13
De la dignidad del ser humano emana la libertad y la igualdad como principios
básicos que, a su vez, concretan los derechos humanos.
El respeto y protección de la dignidad de la persona humana como deber jurídi-
co fundamental del Estado constituye una premisa para todas las cuestiones jurídico
dogmáticas particulares, como asimismo una norma estructural para el Estado y la
sociedad la cual es resistente a la ponderación, de allí la prohibición absoluta de la
esclavitud y de la tortura. El valor y principio de la dignidad humana tiene un carác-
ter absoluto y de obediencia irrestricta. La dignidad humana constituye el mínimo
invulnerable del ser humano que el ordenamiento jurídico debe asegurar, cada uno y
todos los derechos fundamentales tienen en ella su fundamento y base sustantiva, ya
que todos ellos contribuyen a desarrollar ámbitos propios de la dignidad de la perso-
na humana.
En esta materia, la Corte Interamericana de Derechos Humanos se ha pronun-
ciado en diversos casos específicos, mencionaremos a continuación uno de los prime-
ros pronunciamientos en la materia:

“La práctica de desapariciones, a mas de violar directamente numerosas dis-


posiciones de la Convención, […], significa una ruptura radical de este tratado,
en cuanto implica un craso abandono de los valores que emanan de la dignidad
humana y de los principios que mas profundamente fundamentan el sistema
interamericano y la misma Convención”.14

La dignidad de la persona humana determina una concepción instrumental del


Estado, una visión personalista del mismo, en la medida que este existe en función del
desarrollo de las personas y no al revés, excluyendo toda concepción sustancialista del
mismo y toda consideración de las personas como medios o instrumentos al servicio
del Estado.
La dignidad humana se vincula y relaciona con la soberanía estatal en la medida
que le fija su fundamento último, ya que ella se ejerce por el pueblo, que es el conjun-
to de personas dotadas de dignidad humana, espacialmente localizada y temporalmen-
te desarrollada, públicamente vivida y abierta al futuro.
La dignidad humana, se expresa también como derecho de participación en la
conformación política de la sociedad y el Estado, dando lugar a un principio que fun-

13 Wolfgang Sarlet, Ingo. “As dimensões da dignidade da Pessoa Humana”, en Wolfgang Sarlet, Ingo (Org.).
Dimensões da Dignidade. Ed. Livraria Do Advogado. Porto Alegre. 2005, p. 26.
14 Sentencia Corte Interamericana de Derechos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras. Serie C
Nº 4, fundamento 158.

482
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y América Latina

damenta la democracia y a un derecho de participación dentro de la sociedad políti-


ca, que se explicita como derechos políticos y ciudadanía activa.
La dignidad humana es, asimismo, compartido como concepción antropológica
filosófica y moral del humanismo cristiano y del humanismo laico, desde las concep-
ciones conservadoras y liberales a los socialismos democráticos.
Obviamente, el orden material de valores que implica la dignidad humana, como
asimismo la libertad e igualdad esencial de todos los seres humanos es considerado por
la Constitución chilena como anteriores a ella misma, en la medida que el texto de la
Carta Fundamental no crea dichos valores, sino que se limita a reconocerlos, asegu-
rarlos y garantizarlos, su fundamento último se encuentra en la idea de ser humano
que asume la cultura occidental.
La dignidad de la persona es la fuente y fundamento de los derechos a través de
los cuales se funda el consenso de la sociedad y se legitima el Estado, además de las
garantías básicas para el desarrollo de la República Democrática y del Estado de
Derecho.
La Corte Constitucional alemana ha precisado que el artículo 1º de la ley
Fundamental de Bonn conocido como intangibilidad de la dignidad humana, “no
puede ser modificado mediante una reforma constitucional tal y como lo dispone el
art. 79 inciso 3ºde la Ley Fundamental, dependerá ante todo de las circunstancias en
las cuales se considere violada la dignidad humana.
El trato que afecta la dignidad humana, otorgada por el poder público al ser
humano en cumplimiento de la ley, debe ser considerado como una minusvaloración
de las garantías de que goza el ser humano por virtud de ser persona, y en ese sentido
tiene también el carácter de un trato abyecto”.15
Ello no nos impide señalar que el concepto dignidad humana tiene contornos
imprecisos y es de naturaleza polisémica,16 en permanente proceso de desarrollo, el
que requiere de una constante concretización y delimitación.
La dignidad de la persona humana en cuanto ligada a la condición humana no
puede desconocer la dimensión comunitaria de la dignidad de cada y de toda perso-
na, ya que convivimos y coexistimos con otras personas en sociedad, existiendo en un
contexto de intersubjetividad que marcan las relaciones humanas y el reconocimien-
to de valores socialmente consagrados, donde los semejantes y la sociedad en su con-
junto reconozcan y respeten tal dignidad.17

15 BvF 1/69, 2 BvR 629/68 y 308/69, citada por Schawe, Jürgen. 2003. Cincuenta años de jurisprudencia del
Tribunal Constitucional Federal Alemán. Montevideo. Ediciones Jurídicas Gustavo Ibáñez y KAS, pág. 17.
16 Delperée, Francis. “O Derecho a dignidade humana”, en Barros, S.R., Zilveti, F.A. (Coords). Direito
Constitucional. Estudos en Homenagem a Manuel Goncalves Ferreira Filho, Ed. Dialetica, São Paulo, 1999,
p. 153.
17 Alegre Martínez, M. A. La dignidad de la persona como fundamento del ordenamiento constitucional espa-
ñol. Universidad de León, León, España, 1996, p. 19. Pérez Luño, A.E. Derechos Humanos, Estado de
Derecho y Constitución. Quinta edición. Ed. Tecnos, Madrid, 1995. p. 318.

483
Humberto Nogueira Alcalá

La dignidad de la persona humana tiene, asimismo, una doble dimensión, que se


expresa como autonomía de la persona y su autodeterminación y como necesidad de
protección y asistencia por parte de la sociedad y el Estado. Incluso esta segunda
dimensión puede prevalecer en algunos casos sobre la primera, cuando el ser humano
no se encuentra en condiciones de tomar sus propias decisiones en forma responsable,
en cuyo caso la sociedad y el Estado deben brindarle protección (personas deficientes
mentales, personas gravemente enfermas, nasciturus). Donde hay vida y ser humano
estos deben ser protegidos y asegurados en su dignidad, no siendo decisiva la existen-
cia de conciencia de tal dignidad por el sujeto, bastando la cualidades potenciales e
inherentes a todo ser humano.
La dignidad humana se convierte así en límite y tarea de la sociedad en general
y del Estado en particular, en efecto, la dignidad del ser humano tiene como límite el
no poder nunca ser convertido en una cosa o en un objeto, en un instrumento para
otros fines y no un fin en si mismo, generando derechos fundamentales respecto de
actos u omisiones que amenacen o vulneren dicha dignidad humana. Como tarea,
constitucionalmente implícita o explicita, la dignidad humana determina deberes
concretos de protección por parte de los órganos estatales para la protección de la dig-
nidad de todos los seres humanos, asegurándola a través de medidas positivas o pres-
tacionales como asimismo a través de actividades promocionales que implican parti-
cularmente, la remoción de obstáculos que impiden el desarrollo de la dignidad
humana y que creen las condiciones que posibiliten el mas pleno goce y ejercicio de
dicha dignidad, através de la satisfacción de sus necesidades existenciales.

II. Los derechos fundamentales como emanación de la dignidad


humana

La Constitución chilena, en su artículo 5º inciso 2º prescribe “El ejercicio de la


soberanía reconoce como limitación el respeto de los derechos esenciales que emanan
de la naturaleza humana”.
En el sistema constitucional chileno y de otros países latinoamericanos puede sos-
tenerse que los derechos no están en las normas (internas o internacionales),”no se cons-
tituyen” en la norma positiva sino que ellas sólo los asegura, los garantizan y los promue-
ven, los derechos emanan de la dignidad humana. Los derechos tampoco se realizan en
las normas sino que ellos se concretan en la vigencia sociológica, la que demuestra la
efectividad de los derechos. La norma positiva solo significa vigencia normonológica.18
Como sostenía Maritain, “se trata de establecer la existencia de derechos (...).
inherentes al ser humano, anteriores y superiores a las legislaciones escritas y a los
acuerdos entre los gobiernos, derechos que no le incumbe a la comunidad civil otor-

18 Bidart Campos, Germán. 1998. La interpretación de los derechos humanos en la jurisdicción internacional
e interna. En V Congreso Iberoamericano de Derecho Constitucional. Ed. UNAM, México, pág. 98.

484
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y América Latina

gar, sino el reconocer y sancionar como universalmente valederos, y que ninguna


consideración de utilidad social podría, ni siquiera momentáneamente, abolir o auto-
rizar su infracción”.19
Las constituciones explicitan un aseguramiento genérico a la existencia de dere-
chos esenciales lo que da lugar a un catálogo de derechos que no es taxativo y que se
encuentra abierto, ya que el constituyente reconoce sus eventuales limitaciones y está
conciente del desarrollo progresivo de los derechos y garantías acorde a la naturaleza
y necesidades esenciales del ser humano.
La denominación utilizada de derechos “esenciales” o fundamentales, considera-
mos que explicita la prioridad axiológica y su esencialidad, respecto de la persona
humana. Hay una sola fuente de la fundamentalidad de los derechos, su relación con
la dignidad humana, ya que son expresión inmediata y positiva de la misma, constitu-
yendo el núcleo básico irreductible e irrenunciable del status jurídico de la persona.
Por otra parte, tal denominación denota el carácter de fundamento del orden jurídi-
co y político de la convivencia en sociedad de tales derechos, constituyendo elemen-
tos básicos del ordenamiento jurídico.
El criterio de fundamentalidad de los derechos es esencialmente material o sus-
tantivo, dice relación con la dignidad humana, la libertad y la igualdad que son su
fuente y con los ámbitos que posibilitan la existencia y el desarrollo del ser humano,
en un contexto histórico y cultural determinado, dentro de una sociedad política
construida con su participación y a su medida.
Puede sostenerse que los derechos fundamentales se protegen por su importan-
cia intrínseca, desechando la concepción de que ellos son fundamentales porque son
protegidos. Como señala Ferrajoli, “Lo que no puede consentirse es la falacia realista
de la reducción del derecho al hecho y la determinista de la identificación de lo que
acontece con lo que no puede dejar de acontecer”.20
El nexo entre expectativas y derechos garantizados no es de naturaleza empírica
sino normativa, “La ausencia de garantías debe ser considerado como una indebida
laguna que los poderes públicos internos e internacionales tienen la obligación de col-
mar”,21 la cual puede ser superada por una interpretación integradora de los derechos
y sus garantías.

2.1. Los derechos fundamentales como expresión genérica que incluye


tanto los derechos constitucionales como los derechos humanos.

Por regla general en una perspectiva tradicional el concepto de derechos funda-


mentales se utiliza para referirse a los derechos asegurados en la Carta Fundamental

19 Maritain, Jacques. Acerca de la filosofía de los derechos del hombre. Ed. Debate. Madrid, España, 1991, pag. 116.
20 Ferrajoli, Luigi. Derechos y garantías. op. cit., pag. 65.
21 Ferrajoli, Luigi. Op. cit., pág. 63.

485
Humberto Nogueira Alcalá

de cada Estado en forma específica, sin considerar los derechos implícitos. A su vez,
derechos humanos ha sido utilizada tradicionalmente para identificar los derechos
asegurados por fuentes del derecho internacional.
Consideramos que esta perspectiva ha tendido a superarse en la doctrina y en el
derecho positivo, en la medida que en los ordenamientos constitucionales latinoame-
ricanos tradicionalmente han reconocido la existencia de derechos implícitos, ade-
más, se ha ido desarrollando una perspectiva de confluencia de los derechos asegura-
dos directamente en la Constitución con los derechos provenientes de fuente interna-
cional y constitucionalizados por la propia Carta Fundamental.

2.1.1. Los derechos implícitos como derechos fundamentales

Los derechos fundamentales no son únicamente los asegurados expresamente en


el texto constitucional, ya que además se encuentran los derechos implícitos y los
derechos contenidos en tratados internacionales ratificados y vigentes, además de las
otras fuentes del derecho internacional como el ius cogens y el derecho consuetudi-
nario internacional.
El concepto de derechos implícitos nos permite considerar que no es necesario
que un derecho esté configurado expresamente en la Constitución formal o en el
derecho internacional convencional para ser derecho esencial, humano o fundamen-
tal. Ellos pueden deducirse de valores, principios, fines y razones históricas que ali-
mentan el derecho positivo constitucional e internacional. El sistema de derechos
humanos pleno tiene carencias normativas e implicitudes que es necesario extraer de
los valores y principios, pudiendo faltar normas de reconocimiento. El constituciona-
lismo democrático chileno y americano así lo reconocen.
El Tribunal Constitucional chileno, en sentencia Rol Nº 226 de 30 de Octubre de
1995, considerando 25º, determina:

“ … la doctrina como nuestra Constitución Política reconocen la existencia


de derechos, aunque no estén consagrados en el texto constitucional, a menos
que esta consagración implique una violación a las normas fundamentales.
“Esta última expresión significa que los hombres son titulares de derechos
por ser tales, sin que sea menester que se aseguren constitucionalmente para que
gocen de la protección constitucional”.

En el mismo sentido, la Corte Constitucional de Colombia en sentencia 477/95,


determina:

“De un lado, el artículo 29 inciso c), de la Convención Americana, nos per-


mite comprender el efecto vinculante de otros derechos que, aún cuando no fue-

486
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y América Latina

ron expresamente recogidos por los pactos internacionales ratificados por


Colombia, quedaron implícitamente garantizados en virtud de tal disposición.
La disposición contenida en el literal c) del artículo 29, establece de un lado
la expresa prohibición de excluir los derechos inherentes al ser humano y, por
otra parte, otorga un amplio sentido de interpretación de los derechos inheren-
tes a la persona, tal significación permite considerar el derecho a la identidad
consagrado de manera implícita en todos los pactos o convenios de carácter
internacional, y en consecuencia objeto de protección jurídica.”

A su vez, el Tribunal Constitucional Peruano en sentencia de marzo de 2004,


precisa:

“Nuestra Constitución Política reconoce, en su artículo 3º, una “enumera-


ción abierta” de derechos fundamentales que, sin estar en el texto de la
Constitución, surgen de la dignidad del hombre, o en los principios de la sobe-
ranía del pueblo, del estado democrático de derecho o de la forma republicana
de gobierno.”
“Así, el derecho a la verdad, aunque no tiene un reconocimiento expreso en
nuestro texto constitucional, es un derecho plenamente protegido, derivado en
primer lugar de la obligación estatal de proteger los derechos fundamentales y
de la tutela jurisdiccional. Sin embargo, el Tribunal constitucional considera
que, en una medida razonablemente posible y en casos especiales y novísimos,
deben desarrollarse los derechos constitucionales implícitos, permitiendo así una
mejor garantía y respeto a los derechos del hombre, pues ello contribuirá a for-
talecer la democracia y el estado, tal como lo ordena la Constitución vigente”.22

Ello exige al intérprete una tarea de delimitación y configuración de los derechos


fundamentales considerando la fuente interna y la fuente internacional que los asegu-
ran, como asimismo, considerando la jurisprudencia de las Cortes supra o internacio-
nales cuya jurisdicción es obligatoria y vinculante para el Estado, ya que este último en
cuanto tal y sus órganos tienen una obligación de resultado respecto de ella, aplicada
de buena fe y en cumplimiento efectivo de las obligaciones internacionales asumidas
por el Estado, los que constituyen límites a la interpretación del operador jurídico.
Para hacer evidente y otorgar seguridad jurídica en tal sentido, diversas consti-
tuciones latinoamericanas han establecido normas constitucionales que hacen impe-
rativo este principio de interpretación de los derechos fundamentales, al efecto cita-
remos algunas de ellas a modo ejemplar:

22 Sentencia del Tribunal Constitucional de Perú, expediente 2488-2002-HC7TC, de 18 de marzo de 2004,


párrafos 12 y 13. Texto completo en Revista Diálogo Jurisprudencial Nº 1, julio-diciembre de 2006. Ed.
IIDH-KAS-Instituto de Investigaciones Jurídicas, UNAM, 2006, pp. 137 – 149.

487
Humberto Nogueira Alcalá

La Constitución argentina ya sostenía en su artículo 33, introducido por la


reforma de 1860, que “las declaraciones, derechos y garantías que enumera la
Constitución, no serán entendidos como negación de otros derechos y garantías
no enumeradas; pero que nacen del principio de la soberanía del pueblo y de la
forma republicana de gobierno”.

La Constitución Boliviana de 2009, en su artículo 13, II, precisa que “Los dere-
chos que proclama esta Constitución no serán entendidos como negación de otros
derechos no enunciados”.

La Constitución de Colombia de 1991, en su artículo 94, determina: “La


enunciación de los derechos ..(..).. no debe entenderse como negación de otros
que, siendo inherentes a la persona humana, no figuren expresamente en ellos”.
La Constitución de Ecuador de 2008, en su artículo 11, señala: “Los dere-
chos y garantías señalados en esta Constitución y en los instrumentos interna-
cionales, no excluirá los demás derechos derivados de la dgnidad de las personas,
comunidades, pueblos y nacionalidades, que sean necesarios para su pleno
desenvolvimiento”.

Una norma similar contiene la Constitución de Uruguay en su artículo 72, pre-


cisa: “La enumeración de derechos, deberes y garantías hecha por la Constitución, no
excluye los otros que son inherentes a la personalidad humana o se derivan de la
forma republicana de gobierno”.

La Constitución de Venezuela de 1999, en su artículo 22, señala que “La


enunciación de los derechos y garantías contenidas en esta Constitución y en los
instrumentos internacionales sobre derechos humanos no debe entenderse como
negación de otros que, siendo inherentes a la persona, no figuren expresamente
en ellos. La falta de ley reglamentaria de estos derechos no menoscaba el ejerci-
cio de los mismos”.

Otras constituciones de América Latina que consideran la existencia de derechos


implícitos son: párrafo II; Brasil, art. 5 Nº 2; Costa Rica, art. 74; Guatemala, art. 4; y
Paraguay, art. 80.

Los derechos implícitos o no enumerados se desprende también del artícu-


lo 29 de la Convención Americana de Derechos Humanos, literal c), la cual sos-
tiene que “ninguna disposición de la presente Convención puede ser interpreta-
da en el sentido de:
c) Excluir otros derechos y garantías que son inherentes al ser humano, o
que se derivan de la forma democrática representativa de gobierno […]”.

488
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y América Latina

La disposición contenida en el artículo 29 de la Convención Americana en su


literal c), permite comprender el efecto vinculante de otros derechos que, aún cuan-
do no fueron recogidos expresamente por los pactos internacionales o por la
Constitución, quedan implícitamente garantizados en virtud de la disposición anali-
zada. Esta norma constituye un reconocimiento explícito de la existencia de derechos
implícitos, los cuales no pueden ser desconocidos por el solo hecho de no estar esta-
blecidos en una norma positiva.
El artículo 29, literal a), de la CADH precisa adicionalmente que ninguna dispo-
sición de la Constitución, la Convención o las leyes deben ser interpretadas en el sen-
tido que permitan al Estado suprimir el goce y ejercicio de los derechos y libertades
reconocidas en la Convención o limitarlos en mayor medida que la prevista en ella.
Ello exige al Estado Parte y a sus operadores jurídicos aplicar el principio favor
persona o favor homine y el principio de progresividad, considerando la norma que
mejor protege u optimiza el derecho fundamental.
En materia de derechos humanos, habrá sólo interpretación cuando se señale
que fuera de las normas no hay otros derechos, mientras que además de interpreta-
ción habrá integración, cuando consideremos que fuera de las normas sobre derechos,
hay derechos que carecen de normas.
Es posible “proponer que cuando faltan normas sobre derechos y quien detecta
esa ausencia o laguna normativa cree o valora que, pese al vacío normativo, hay dere-
chos no formulados, la carencia se debe colmar a través de la integración, para cuya
efectividad también es menester “interpretar” (encontrar el sentido) del sistema com-
pleto de derechos, en el que algunos constan en normas y otros carecen de ellas”.23

2.1.2. La concepción de derechos fundamentales que incorpora los derechos


humanos

Asimismo, la doctrina ha empezado a utilizar el concepto de derechos funda-


mentales abarcando los derechos asegurados en el texto constitucional como los ase-
gurados por el derecho internacional.
Al efecto, Peter Häberle señalará que los derechos fundamentales constituyen
“el término genérico para los derechos humanos universales y los derechos de los ciu-
dadanos nacionales”.24

23 Bidart Campos, Germán, La interpretación del sistema de derechos humanos, Ed. Ediar, Buenos Aires,
Argentina, 1994 p. 58. En el caso chileno, ello ha sido aceptado por el Tribunal Constitucional, en su sen-
tencia ron nº 22 de 1995, en el que reconoció que si bien el texto literal constitucional del derecho a la liber-
tad de información (art. 19 Nº 12) no lo contempla, el derecho a ser informado es un derecho constitucio-
nal. Asimismo, la jurisprudencia de los tribunales superiores ordinarios (Cortes de Apelaciones y Corte
Suprema) en diversos fallos han reconocido el derecho a la propia imagen pese a no estar consignado en el
texto constitucional como derecho fundamental.
24 Häberle. Peter. El concepto de los derechos fundamentales. En Problemas actuales de los derechos funda-
mentales. Ed. Universidad Carlos III, Madrid, España, pág. 94.

489
Humberto Nogueira Alcalá

A su vez, el profesor francés Louis Favoreu considera que por derechos funda-
mentales es necesario comprender “el conjunto de los derechos y libertades reconoci-
dos a las personas físicas como a las personas morales (de derecho privado o de dere-
cho público) en virtud de la Constitución pero también de los textos internacionales
y protegidos tanto contra el poder ejecutivo como contra el poder legislativo por el
juez constitucional o el juez internacional”.25
En este artículo utilizaremos el concepto de derechos fundamentales como dere-
chos reconocidos y asegurados jurídicamente a nivel nacional o internacional y que
vinculan a los Estados y a las personas.
Los derechos fundamentales pueden ser conceptualizados así como el conjunto
de facultades e instituciones que, concretan las exigencias de la dignidad, la libertad,
la igualdad y la seguridad humanas en cuanto expresión de la dignidad de los seres
humanos -considerados tanto en su aspecto individual como comunitario-, en un con-
texto histórico determinado, las cuales deben ser aseguradas, respetadas, promovidas
y garantizadas por los ordenamientos jurídicos a nivel nacional, supranacional e inter-
nacional, formando un verdadero subsistema dentro de estos.
La normativa jurídica constitucional chilena y comparada latinoamericana nos
permiten sostener que el derecho constitucional y el derecho internacional de los
derechos humanos no pueden seguir siendo considerados en forma compartímentali-
zada,26 sino que deben ser abordados como fuentes de un único sistema de protección
de los derechos que tiene por fundamento la dignidad de la persona humana, abor-
dándolos en forma integral, realizando una tarea de armonización e integración, eli-
minando prejuicios y visiones conflictuales, otorgándoles una visión convergente y
optimizadora de los derechos fundamentales.
Los atributos de los derechos fundamentales en el ámbito normativo están con-
formados por los elementos precisados tanto por la fuente normativa constitucional
como por la del derecho internacional. El derecho constitucional queda así delimita-
do por los contenidos de ambas normativas, aplicando siempre aquella que mejor pro-
tege el derecho, dándole la mayor fuerza expansiva, que constituye una exigencia insi-
ta en los mismos derechos.
Como señala Bidart Campos: “La fuente interna y la internacional se retroali-
mentan. Los egoísmos interpretativos, cualquiera sea su origen y cualquiera el méto-
do que empleen para reducir el sistema en vez de procurar su ampliación y plenitud,
no obedecen ni responden condignamente a la génesis y a la razón histórica del siste-

25 Favoreu, Louis. L’élargissement de la saisine du Conseil constitutionnel aux jurisdictions administratives et


judiciaires, RFDC Nº4,1990, págs. 581 y siguientes. Traducción nuestra.
26 Cancado Trindade, Antonio. 1998. Reflexiones sobre la interacción entre el Derecho Internacional y
Derecho Interno en la protección de los Derechos Humanos. En AA. VV. V Congreso Iberoamericano de
Derecho Constitucional. México, Ed. UNAM, página 109.

490
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y América Latina

ma de derechos, que nunca fue ni pudo ser – ni debe ser – de estrechez o angostamien-
to, sino de optimización en el marco histórico y situacional.”27
El Derecho Internacional de los Derechos Humanos es fuente del Derecho
Interno cuando contiene elementos que enriquecen al Derecho Interno, cuando agre-
gan un “plus” al contenido normativo de los derechos delimitados y configurados en
el derecho interno y viceversa, el sistema nacional de derecho enriquece al Derecho
Internacional de derechos humanos, buscando siempre la integralidad maximizadora
del sistema de derechos esenciales o humanos, todo lo que está reconocido en el artí-
culo 29 de la Convención Americana de Derecho Humanos y en el artículo 5º del
Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos de Naciones Unidas.
El intérprete constitucional debe entender que existe una retroalimentación
recíproca entre fuente interna y fuente internacional recepcionada internamente en
materia de derechos fundamentales. En la misma perspectiva debe existir una retroa-
limentación entre el intérprete final del derecho interno y el intérprete final del dere-
cho regional o internacional de derechos humanos, especialmente, de aquel que el
Estado se ha comprometido a respetar y garantizar ante la comunidad internacional.
Por otra parte, los ordenamientos constitucionales latinoamericanos han ido
consolidando progresivamente en las constituciones del último tercio del siglo XX y
la primera década del siglo XXI la perspectiva que los derechos fundamentales no son
solo los derechos asegurados en el texto constitucional y los derechos implícitos, sino
que integran con rango constitucional los derechos en sus atributos y garantías que se
encuentran asegurados por los tratados internacionales ratificados y vigentes, sin per-
juicio de que una cantidad apreciable de constituciones otorgan a la fuente interna-
cional convencional de derechos humanos, en cuanto tal, jeraquía constitucional.
En esta perspectiva, a modo ejemplar pueden señalarse diversas constituciones
latinoaericanas.
La reforma constitucional argentina de 1994, incorpora a la Carta Fundamental,
en su artículo 75, numeral 22, que establece las atribuciones del Congreso, la especi-
ficación de los tratados de derechos humanos con jerarquía constitucional. Ellos son:
“la Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre, la Declaración
Universal de Derechos Humanos; la Convención Americana sobre Derechos
Humanos; el Pacto Internacional de Derechos Económicos Sociales y Culturales; el
Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y su protocolo Facultativo; la
Convención sobre la Prevención y la Sanción del delito de Genocidio; la Convención
Internacional sobre Eliminación de Todas las Formas de Discriminación Racial; la
Convención sobre la Eliminación de Todas las Formas de Discriminación contra la
Mujer; la Convención contra la Tortura y otros Tratos o Penas crueles, Inhumanas o
Degradantes; la Convención sobre los Derechos del Niño; en las condiciones de su
vigencia, tienen jerarquía constitucional, no derogan artículos alguno de la Primera

27 Bidart Campos, Germán. 1994. La interpretación de los derechos humanos, Buenos Aires, Ed. Ediar, pági-
nas 30-31.

491
Humberto Nogueira Alcalá

Parte de esta Constitución y deben entenderse complementarias de los derechos y


garantías por ellos reconocidas. Sólo podrán ser denunciados, en su caso por el Poder
Ejecutivo Nacional, previa aprobación de las dos terceras partes de la totalidad de los
miembros de cada Cámara.”
“Los demás tratados y convenciones sobre derechos humanos, luego de ser apro-
bados por el Congreso, requerirán del voto de las dos terceras partes de la totalidad de
los miembros de cada Cámara para gozar de la jerarquía constitucional”.
La Constitución de Bolivia de 2009, en su artículo 13.IV. determina que “los tra-
tados y convenios internacionales ratificados por la Asamblea Legislativa
Plurinacional, que reconocen los derechos humanos y que prohiben su limitación en
los Estados de Excepción prevalecen en el orden interno. Los derechos y deberes con-
sagrados en esta Constitución se interpretarán de conformidad con los Tratados inter-
nacionales de derechos humanos ratificados por Bolivia”.
La Constitución de Brasil de 1988, artículo 4, determina que “la República de
Brasil se rige en sus relaciones internacionales por los siguientes principios: II.-
Prevalencia de los Derechos Humanos”. A su vez, en la enmienda constitucional Nº
45 de 2004, estableció en su artículo 5º, LXXVIII Nº 3 que “Los tratados y convencio-
nes internacionales aprobados, en cada Cámara del Congreso Nacional, en dos vota-
ciones, por tres quintos de los votos de los respectivos miembros, serán equivalentes
a las enmiendas constitucionales”, con lo cual los tratados de derechos humanos tie-
nen rango constitucional.
La Constitución Chilena, reformada en 1989, artículo 5º, inciso 2º: “El ejercicio
de la soberanía reconoce como limitación el respeto a los derechos esenciales que
emanan de la naturaleza humana. Es deber de los órganos del Estado respetar y pro-
veer tales derechos, garantizados por la Constitución, así como por los tratados inter-
nacionales ratificados por Chile y que se encuentren vigentes”.
La Constitución de Colombia de 1991, artículo 93, establece:

“Artículo 93.- Los tratados y convenios internacionales ratificados por el


Congreso, que reconocen los derechos humanos y que prohíben su limitación en
los estados de excepción, prevalecen en el orden interno.”

La Constitución de Costa Rica, en su artículo 48, introducido por reforma del 18


de agosto de 1989, dispone “Toda persona tiene derecho al recurso de hábeas corpus
para garantizar su libertad e integridad personales, y al recurso de amparo para man-
tener o restablecer el goce de los otros derechos consagrados en esta Constitución, así
como de los de carácter fundamental establecidos en los instrumentos internaciona-
les sobre derechos humanos, aplicables en la República. Ambos recursos serán de
competencia de la Sala indicada en el Artículo 10”.

492
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y América Latina

La Constitución del Ecuador de 2008, en su artículo 11 Nº 3, precisa:

“los derechos y garantías establecidos en la Constitución y en los instru-


mentos internacionales de derechos humanos serán de directa e inmediata apli-
cación, por y ante cualquier servidora o servidor público, administrativo o judi-
cial, de oficio o a petición de parte”; agregando “Los derechos serán plenamente
justiciables. No podrá alegarse falta de norma jurídica para justificar su violación
o desconocimiento, para desechar la acción por esos hechos ni para negar su
reconocimiento”. el artículo 11 Nº 8, que “el contenido de los derechos se desa-
rrollará de manera progresiva a través de las normas, la jurisprudencia y las polí-
ticas públicas”, cerrándo el inciso siguiente con la determinación de que “será
inconstitucional cualquier acción u omisión de carácter regresivo que disminu-
ya, menoscabe o anule injustificadamente el ejercicio de los derechos.”

La Constitución Ecuatoriana de 2008, en su artículo 417 prescribe que “en el caso


de los tratados y otros instrumentos internacionales de derechos humanos se aplica-
rán los principios pro ser humano, no restricción de derechos, de aplicabilidad direc-
ta y de clausula abierta establecidos en la Constitución”.
La Constitución de Guatemala de 1985, en su artículo 46, establece el principio
de que “en materia de derechos humanos, los tratados y convenciones aceptados y
ratificados por Guatemala, tienen preeminencia sobre el Derecho Interno”.
La Carta Fundamental de Nicaragua de 1987, artículo 46, señala que se integran a la
enumeración constitucional de derechos, aquellos consagrados en la Declaración
Universal de Derechos Humanos; en la Declaración Americana de Derechos y Deberes del
Hombre; el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos; el Pacto Internacional de
Derechos Sociales Económicos y Culturales de Naciones; y en la Convención Americana
de Derechos Humanos, con objeto de darles adecuada protección.
La Constitución de Venezuela de 1999, en su artículo 23, determina:

Artículo 23.- Los tratados, pactos y convenciones relativos a derechos


humanos, suscritos y ratificados por Venezuela, tienen jerarquía constitucional
y prevalecen en el orden interno, en la medida en que contengan normas sobre
su goce y ejercicio más favorables a las establecidas por esta Constitución y la ley
de la República, y son de aplicación inmediata y directa por los tribunales y
demás órganos del Poder Público.

Asimismo, el reconocimiento del carácter fundamental de los derechos y su


carácter internacional y supraestatal, reconocido por los estados al ratificar los diver-
sos tratados, lleva a estos a la obligación de respetar, garantizar y promover los dere-
chos contenidos en las normas de derecho internacional vigentes en la materia, lo que
significa la subordinación a los estándares mínimos previstos por el derecho interna-

493
Humberto Nogueira Alcalá

cional en la materia y sus órganos jurisdiccionales de aplicación, a los cuales se les ha


reconocido jurisdicción vinculante.

III. El bloque constitucional de derechos fundamentales en América


Latina

Por bloque constitucional de derechos fundamentales entendemos el conjunto


de derechos de la persona ( atributos) asegurados por fuente constitucional o por fuen-
tes del derecho internacional de los derechos humanos (tanto el derecho convencio-
nal como el derecho consuetudinario y los principios de ius cogens) y los derechos
implícitos, expresamente incorporados a nuestro ordenamiento jurídico por vía del
artículo 29 literal c) de la CADH,28 todos los cuales, en el ordenamiento constitucio-
nal chileno, constituyen límites a la soberanía, como lo especifica categóricamente el
artículo 5º inciso segundo de la Constitución Chilena vigente.29
El bloque de derechos fundamentales queda configurado así por:
a) Los que asegura la Carta Fundamental explicita;
b) Los derechos implícitos;
c) Los que asegura el derecho internacional a través de los principios de ius
cogens.30
d) Los que asegura el derecho convencional internacional de derechos huma-
nos y derecho internacional humanitario,31 y
e) Los que asegura el derecho internacional consuetudinario.

El enfoque interpretativo de la Constitución y desde la Constitución, hecho en


materia de derechos fundamentales, se complementa con el derecho internacional de
los derechos humanos, el que viene de fuera pero se incorpora como fuente de dere-
chos esenciales o fundamentales, complementando los que asegura directamente la
Constitución, como lo establece explícitamente en Chile, el artículo 5º, inciso 2º.

28 Dicha disposición establece lo siguiente: “Artículo 29. Normas de interpretación. Ninguna disposición de la
presente Convención puede ser interpretada en el sentido de: C) Excluir otros derechos o garantías que son
inherentes al ser humano o que se derivan de la forma democrática representativa de gobierno”
29 Sobre esta materia consultar Nogueira Alcalá, Humberto. 2003. Los derechos esenciales o humanos conte-
nidos en los tratados internacionales y su ubicación en el ordenamiento jurídico nacional: doctrina y juris-
prudencia. En Revista Ius et Praxis, año 9 Nº 1, páginas 403-466.
30 Ellos han sido incorporados al derecho interno mediante la Convención de Viena sobre Derecho de los
Tratados, ratificada por Chile y vigente desde 1981, cuyo artículo 53 determina: “una norma imperativa de
derecho internacional general es una norma aceptada y reconocida por la comunidad internacional de
Estados en su conjunto como norma que no admite acuerdo en contrario y que sólo puede ser modificada
por una norma ulterior de derecho internacional general que tenga el mismo carácter”.
31 La Convención de Viena establece en el artículo 26: “Todo tratado en vigor obliga a las partes y debe ser
cumplido por ellas de buena fe”, y en el artículo 27: “Una parte no podrá invocar las disposiciones de su
derecho interno como justificación del incumplimiento de un tratado.”.

494
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y América Latina

El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales que limita la soberanía no


es una tabla cerrada, sino que se encuentra abierta al aseguramiento de nuevas exigen-
cias esenciales de la persona humana.
El artículo 29, literal b), de la CADH, exige aplicar al operador jurídico que se
encuentra frente a diversas normas de derechos humanos o fundamentales aquella
norma que mejor protege los derechos, aplicando la norma interna o la internacional,
dependiendo de cual sea aquella que optimice el goce y ejercicio del derecho.
Así puede sostenerse que tanto los derechos fundamentales (atributos) conteni-
dos en las normas constitucionales formales como los contenidos en los tratados inter-
nacionales, el derecho consuetudinario internacional y los principios de ius cogens
constituyen un bloque en materia de derechos fundamentales de acuerdo con el cual
deben ser interpretadas las leyes y demás normas infraconstitucionales, lo que cons-
tituye parte parámetro de control de constitucionalidad.
Distintos tribunales y Cortes constitucionales latinoamericanos así lo han deter-
minado, a modo ejemplar citamos algunos fallos de cortes latinoamericanas, los cua-
les consideran como parte de los derechos fundamentales, los atributos de estos ase-
gurados por el derecho convencional internacional:
En el caso de Argentina, la Corte Suprema tiene una linea jurisprudencial con-
solidada acerca de la integración del bloque constitucional con los derechos asegura-
dos por tratados internacionales, como asimismo, sostiene el seguimiento de la juris-
prudencia en la materia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos.
En el “caso Giroldi”, la Corte Suprema argentina se refirió al alcance del art. 75,
inciso 22, par. 2º de la Constitución agentina, determinando que el rango constitucio-
nal de la Convención Americana sobre Derechos Humanos, significa acatarla del
modo como ella rige en el derecho internacional y “considerando particularmente su
efectiva aplicación jurisprudencial por los tribunales internacionales competentes
para su interpretación y aplicación, de ahí que la aludida jurisprudencia deba servir
de guía para la interpretación de los preceptos convencionales en la medida que el
Estado argentino reconoció la competencia de la Corte Interamericana para conocer
de todos los casos relativos a la interpretación y aplicación de la Convención
Americana”.32
En el “caso Hooft”, la Corte Suprema en recurso extraordinario, admite la
demanda y argumentando la violación de los artículos 23 de la CADH y 25 del
PIDCyP de Naciones Unidas, ambos equiparados a la Constitución Nacional, declara
discriminatoria la disposición de la Constitución provincial de Buenos Aires, en su
artículo 177, que exige haber nacido en territorio argentino o ser hijo de ciudadano
nativo si hubiese nacido en país extranjero, como requisito para ser juez de Cámara o
de Casación.33

32 “Giroldi, Horacio y otro s/recurso de casación”, de 7 de abril de 1995. Fallos 318:514, considerandos 5 y 11º.
33 Hooft, Pedro Cornelio Federico c/ Buenos Aires, Provincia de s/ acción declarativa de inconstitucionalidad,
de 16 de noviembre de 2004. Fallos, 327:3294.

495
Humberto Nogueira Alcalá

En el “caso Simón”, la Corte Suprema argentina, en el considerando 23 de la


moción de mayoría determina que las dudas sobre el alcance concreto del deber del
Estado argentino en relación con las leyes de punto final y obediencia debida, habían
quedado esclarecidas a partir de la decisión de la Corte Interamericana de Derechos
Humanos en el caso “Barrios Altos”. En el considerando 24 precisa que la traslación
de las conclusiones del “caso Barrios Altos” al caso argentino “resulta imperativa” si es
que las decisiones de la Corte interamericana “han de ser interpretadas de buena fe
como pautas jurisprudenciales”.
En el “caso Mazzeo” la Corte Suprema argentina, en el considerando 26, deter-
mina:

“La Corte es conciente que los jueces y tribunales internos están sujetos al
imperio de la ley y, por ello, están obligados a aplicar las disposiciones vigentes
en el ordenamiento jurídico. Pero cuando un Estyado ha ratificado un tratado
internacional como la Convención Americana, sus jueces, como parte del aparta-
to del Estado, también están sometidos a ella, lo que les obliga a velar porque los
efectos de las disposiciones de la Convención no se vean mermadas por la aplica-
ción de leyes contrarias a su objeto y fin, y que desde un inicio carecen de efec-
tos jurídicos. En otras palabras, el Poder Judicial, debe ejercer una especie de ‘con-
trol de convencionalidad’ entre las normas jurídicas internas que aplican en los
casos concretos y la Convención Americana sobre Derechos Humanos. En esta
tarea el Poder Judicial debe tener en cuenta no solamente el tratado, sino también
la interpretación que del mismo ha hecho la Corte interamericana, intérprete
último de la Convención Americana”. Así la Corte suprema de Argentina aplica
la pauta de interpretación conforme a la Convención Americana como estandar
mínimo de respeto de derechos humanos, como asimismo el respeto y resguardo
de la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos.34

El Tribunal Constitucional de Bolivia, en Sentencia 1494/2004-R de 16 de sep-


tiembre de 2004, en fundamentos jurídicos III.1, segundo párrafo, precisó:
“Ahora bien, conforme lo ha reconocido la jurisprudencia de este Tribunal, los
derechos tutelables a través del amparo constitucional, son los siguientes: 1. los expre-
samente previstos en el catálogo de derechos señalado en el art. 7 de la CPE; 2. otros
derechos que si bien no están incluidos en el art. 7 aludido, por su naturaleza y ubi-
cación sistemática, son parte integrante de los derechos fundamentales que establece
el orden constitucional boliviano (así, SSCC 338/2003-R, 1662/2003-R, 686/2004-R,
entre otras); 3. los derechos contenidos en los tratados sobre derechos humanos sus-
critos por Bolivia; pues, como lo ha entendido la jurisprudencia de este Tribunal,

34 M.2333.XLII. “Mazzeo, Julio Lilo y otros s/ recurso de casación e inconstitucionalidad”, de 13 de julio de


2007.

496
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y América Latina

“…forman parte del orden jurídico del sistema constitucional boliviano como parte
del bloque de constitucionalidad, de manera que dichos instrumentos internacionales
tienen carácter normativo y son de aplicación directa…” (así, SSCC 1494/2003-R,
1662/2003-R, entre otras).
A su vez, el Tribunal Constitucional de Bolivia, ha reconocido en su Sentencia
Constitucional 0664/2004-R de 6 de mayo de 2004, que la jurisprudencia de la Corte
Interamericana de Derechos Humanos es obligatoria para la jurisdicción interna:

“El cumplimiento de estos requisitos que hacen al Juez natural permite


garantizar la correcta determinación de los derechos y obligaciones de las perso-
nas; de ahí que la Corte Interamericana de Derechos Humanos, cuya jurispru-
dencia es vinculante para la jurisdicción interna, en su Sentencia de 31 de enero
de 2001 (Caso Tribunal Constitucional del Perú, párrafo 77), ha establecido que
‘toda persona sujeta a juicio de cualquier naturaleza ante un órgano del Estado
deberá contar con la garantía de que dicho órgano sea competente, independien-
te e imparcial’”.

La sentencia de la Corte Constitucional colombiana C-225/95, determinó:

“el único sentido razonable que se puede conferir a la noción de prevalen-


cia de los tratados de derechos humanos y de derecho internacional humanita-
rio (CP 93 y 214 Nº 2) es que éstos forman con el resto del texto constitucional
un ‘bloque de constitucionalidad’, cuyo respeto se impone a la ley. En efecto, de
esa manera se armoniza plenamente el principio de supremacía de la
Constitución, como norma de normas (C.P. artículo 4º), con la prevalencia de los
tratados ratificados por Colombia, que reconocen los derechos humanos y pro-
híben su limitación en los estados de excepción (C.P., artículo 93)” (Fundamento
Jurídico Nº 12).

La Sala Constitucional de la Corte Suprema de Costa Rica, en sentencia V-282-90


del 13 de marzo de 1990 a las 17.00 hrs, determina: “sin embargo, la previsión del artí-
culo 8 de la CNACR no es innecesaria ni reiterativa, sino que constituye una garantía
más para la protección de los derechos fundamentales de las personas menores de edad.
En efecto, por medio de este precepto normativo se incorporan expresamente al orde-
namiento interno las declaraciones de derechos de carácter supranacional; lo que vin-
cula directamente al ordenamiento costarricense con tales declaraciones. De esta
manera, los Tratados internacionales relativos a esta materia no son sólo parte del orde-
namiento interno; son, además, un patrón de interpretación de cualquier precepto,
constitucional o legal, relativo al Código de la Niñez y la Adolescencia”.35

35 Citada por Armijo, Gilbert. 2003. “La tutela supraconstitucional de los Derechos Humanos en Costa Rica”.
En Revista Ius et Praxis, año 9 Nº 1, Talca, Chile. Ed. Universidad de Talca, pág. 51.

497
Humberto Nogueira Alcalá

A su vez, La Sala Constitucional antes mencionada, en su fallo 3435 de 1992 y su


aclaración N 5759-93 determina que “los instrumentos de derechos humanos, vigen-
tes en Costa Rica, tienen no solo un valor similar a la Constitución Política, sino que
en la medida en que otorguen mayores derechos o garantías a las personas, priman por
sobre la Constitución”.
A su vez, el Tribunal Constitucional chileno ha establecido como aplicación de
las bases fundamentales de nuestro ordenamiento constitucional, “ […] el respeto y
promoción de los derechos esenciales del hombre, que son superiores y anteriores al
Estado y a la Constitución, que no los crea sino que reconoce y asegura”, agregando
que “estos preceptos no son meramente declarativos sino que constituyen disposicio-
nes expresas que obligan a gobernantes y gobernados tanto en si mismas, como tam-
bién, en cuanto normas rectoras y vitales que cuadyuban a desentrañar el verdadero
sentido y espíritu de las disposiciones de la Constitución”36
El Tribunal Constitucional Chileno ha incorporado al parámetro de control de
constitucionalidad de los preceptos legales, los derechos fundamentales contenidos en
el derecho convencional internacional, entre ellos la Convención sobre derechos del
niño, utilizando el interés superior del menor como parámetro para controlar la cons-
titucionalidad del proyecto de ley sobre responsabilidad penal juvenil, en sentencia,
Rol Nº 786-2007, de fecha trece de junio de 2007, luego de requerimiento de incons-
titucionalidad del artículo único, número tres, del Proyecto de Ley modificatorio de
la Ley Nº 20.084, que establece un sistema de responsabilidad de los adolescentes por
infracciones a la ley penal, en la parte en que dicha norma modifica el artículo 23 nº
1 del citado cuerpo legal, ha aceptado entrar a conocer del vicio de inconstitucionali-
dad planteado por mas de una cuarta parte de los diputados en ejercicio, los cuales
planteaban que dicho proyecto infringía el artículo 5º inciso 2º de la Constitución en
cuanto este establecía como límite de la soberanía, por tanto, del ejercicio de la potes-
tad legislativa, los derechos del niño contenidos en la Convención de Derechos del
Niño que exige atender al interés superior del niño, el cual es asumido como parte del
parámetro de control de constitucionalidad empleado por el Tribunal Constitucional:

“Vigesimoquinto: Que, habiéndose rechazado las inconstitucionalidades de


forma alegadas en el requerimiento, corresponde pronunciarse sobre el vicio de
fondo invocado y que consiste en que el artículo 23 nº 1, contenido en el nume-
ral 3 del artículo único del proyecto de ley modificatorio de la Ley nº 20.084,
sobre responsabilidad de los adolescentes por infracciones a la ley penal, vulne-
raría el artículo 5º, inciso segundo, de la Carta Fundamental en relación con los
artículos 3.1, 37, 40 y 41 de la Convención sobre los Derechos del Niño y con el
principio de no retroceso en materia de derechos humanos;

36 Sentencia del Tribunal Constitucional, Rol Nº 943-07-INA, de 10 de junio de 2008, considerando 16º.

498
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y América Latina

“Vigesimosexto: Que la referida inconstitucionalidad consistiría, específi-


camente, a juicio de los requirentes, en que al establecer la norma impugnada del
proyecto modificatorio de la Ley nº 20.084, como única sanción posible, para el
tramo de penalidad superior a 5 años, la de internación en régimen cerrado, con-
figuraría una violación al artículo 5º, inciso segundo, de la Carta Fundamental
que consagra el deber de los órganos del Estado –como es el caso del legislador-
de respetar y promover los derechos esenciales del ser humano garantizados por
la Constitución y los tratados internacionales ratificados por Chile y que se
encuentren vigentes. Ello, porque el legislador no habría respetado el principio
del interés superior del niño, consagrado en el artículo 3.1 de la Convención
sobre los Derechos del Niño, así como los artículos 37, 40 y 41 de la misma, según
los cuales la privación de libertad de los adolescentes debe ser la ultima ratio e
imponerse por el menor tiempo posible;
“Vigesimoséptimo: Que planteada, en esos términos, la cuestión de consti-
tucionalidad sometida a la decisión de este Tribunal, ella debe ser necesariamen-
te desechada, por las razones que se expresarán.
Cabe destacar, en tal sentido, que todo el sistema de responsabilidad penal
del adolescente, en nuestro país, está basado en la necesidad del respeto a sus
derechos y, en particular, del “interés superior” del mismo. Ello se comprueba al
examinar en detalle la normativa contenida en la Ley Nº 20.084 […].
“Vigesimoctavo: Que, en ese contexto, no se divisa cómo una indicación
parlamentaria destinada a eliminar la opción del juez de aplicar la internación en
régimen semicerrado para aquellos adolescentes condenados por delitos que
merezcan penas superiores a 5 años de privación de libertad, al menos durante
los dos primeros años de la condena, pueda implicar una vulneración al inciso
segundo del artículo 5º de la Carta Fundamental

En efecto, ya se ha recordado de qué manera la protección de los derechos de los


adolescentes se ha encontrado especialmente presente en la gestación y desarrollo de
toda la legislación sobre responsabilidad penal en que ellos puedan incurrir, la que,
sin duda, ha tenido presente que, de conformidad con el artículo 37 letra b) de la
Convención sobre los Derechos del Niño, no prohíbe la privación de libertad de los
adolescentes, sino que impide que ella sea ilegal o arbitraria, exigiendo también que
sólo proceda conforme a la ley y en carácter de último recurso, por el período más
breve posible, a juicio del mismo legislador”.37
Asimismo, el Tribunal Constitucional, en su sentencia Rol Nº 740-07, de fecha
18 de abril de 2008, utiliza profusamente tanto enunciados normativos contenidos en
el derecho convencional internacional de los derechos humanos, como asimismo,

37 Sentencia del Tribunal Constitucional, Rol Nº 786-2007, de fecha trece de junio de 2007, considerandos 25º
a 28º.

499
Humberto Nogueira Alcalá

resoluciones de sus órganos de aplicación. A manera ejemplar pueden transcribirse los


siguientes considerandos:

“Cuadragesimoquinto: Que, sobre la base de lo afirmado, puede sostenerse


que el estatuto constitucional chileno se construye sobre la base del reconocimien-
to de la persona como sujeto de derecho y, en particular, como titular de los dere-
chos que se aseguran en el artículo 19 de la Carta Fundamental cuanto de aquellos
derechos esenciales que emanan de la naturaleza humana reconocidos por los tra-
tados internacionales ratificados por Chile y que se encuentran vigentes.
(…)
Quincuagesimotercero: Que, en la misma línea argumental, debe recordar-
se que la Convención Americana de Derechos Humanos –tratado internacional
ratificado por Chile y que se encuentra vigente– señala, en su artículo 4.1, que:
“Toda persona tiene derecho a que se respete su vida. Este derecho estará prote-
gido por la ley y en general, a partir del momento de la concepción. Nadie puede
ser privado de la vida arbitrariamente”.
De esta manera, este tratado internacional –que forma parte del ordena-
miento jurídico chileno- resalta que todo ser humano tiene derecho a la vida sin
que nadie pueda privarlo de ella arbitrariamente, lo que permite apreciar una
particular coincidencia entre la norma aludida y aquélla que se contiene en el
artículo 19, numeral primero, de nuestra Constitución;
Quincuagesimocuarto: Que, de esta forma, queda claro que, para el
Constituyente –y a diferencia de lo que pueda desprenderse del examen de nor-
mas legales determinadas-, el embrión o el nasciturus es persona desde el
momento de la concepción.
Corresponde ahora examinar la protección específica que aquél merece en
cuanto titular del derecho a la vida y a la integridad física y psíquica que se ase-
gura a todas las personas en el artículo 19, Nº 1, de la Ley Suprema;
Quincuagesimoquinto: Que, previo a consignar los alcances constituciona-
les de la protección de la vida y de la integridad física y psíquica a que tiene dere-
cho la persona desde su concepción, es menester ubicar la posición que tiene este
derecho en la estructura de los derechos fundamentales reconocidos y asegura-
dos por la Constitución”.
En este sentido, cabe observar que el derecho a la vida es, sin duda alguna,
el derecho fundante de todos los demás, pues sin vida, difícilmente tiene senti-
do referirse a otros derechos fundamentales.
Como ha señalado el Comité de Derechos Humanos de la Organización de
las Naciones Unidas, en su Observación General sobre el artículo 6º del Pacto
Internacional sobre Derechos Civiles y Políticos, el derecho a la vida es “el dere-
cho supremo respecto del cual no se autoriza suspensión alguna, ni siquiera en

500
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y América Latina

situaciones que pongan en peligro la vida de la nación”. Ha agregado, asimismo,


que “el derecho a la vida es el más esencial de estos derechos”.
La Comisión Interamericana de Derechos Humanos ha señalado, por su
parte, que “el derecho a la vida es ampliamente reconocido como el derecho
supremo del ser humano y conditio sine qua non para el goce de todos los demás
derechos”;
Quincuagesimosexto: Que el derecho a la vida asegurado por el artículo 19
Nº 1 de la Constitución, en consonancia con el artículo 3º de la Declaración
Universal de los Derechos Humanos; el artículo 6.1 del Pacto Internacional de
Derechos Civiles y Políticos; el artículo 1º de la Declaración Americana de los
Derechos y Deberes del Hombre, y el artículo 4º de la Convención Americana
de Derechos Humanos, asegura a toda persona –incluyendo al nasciturus- el
derecho a mantener la vida y a conservarla frente a los demás hombres. Si se
quiere, “es el derecho a que nadie nos la quite, y a que no pueda suprimirla ni
cercenarla su propio sujeto” (José Joaquín Ugarte Godoy. El derecho a la vida y
la Constitución. Revista Chilena de Derecho, Volumen 33, Nº 33, 2006, p. 514).
Resulta necesario advertir que el Constituyente chileno aseguró el derecho a
la vida y a la integridad física y psíquica de la persona, pues el derecho a conser-
var la vida como un todo incluye la posibilidad de exigir que ella no sea menosca-
bada, física o psíquicamente. De esta manera se trata de dos derechos que, aunque
diferentes, se relacionan y complementan de manera inescindible”.38

La Corte Suprema de Justicia chilena ha reconocido que los derechos esenciales


contenidos en los tratados constituyen límites al poder estatal, incluido el poder cons-
tituyente, lo que puede verse en los considerandos de los siguientes fallos:
En sentencia de 1998, la Corte Suprema determinó que:

“Que en la historia fidedigna del establecimiento de la norma constitucio-


nal del artículo 5º inciso segundo, queda claramente establecido que la soberanía
interna del Estado de Chile reconoce colmo límite los derechos que emanan de
la naturaleza humana; valores que son superiores a toda norma que puedan
imponer las autoridades del Estado, incluido el propio Poder Constituyente, lo
que impiden sean desconocidos (Fallos del Mes Nº 446, sección criminal, página
2066, considerando 4º)”.39

38 Sentencia del Tribunal Constitucional chileno, Rol Nº 740-07, de fecha 18 de abril de 2008, considerandos
45º, y 53º a 56º.
39 Sentencia de la Corte Suprema, Rol Nº 469-98, de fecha 9 de septiembre de 1998, citado por Cea Egaña, José
Luis. Derecho Constitucional Chileno. Tomo I, p. 236.

501
Humberto Nogueira Alcalá

A su vez, la Corte Suprema chilena, en sentencia de 25 de abril de 2005, Rol 740-


05, en recurso de nulidad de sentencia pénal por infracción de derechos fundamenta-
les, ha precisado:

“Que el derecho a la presunción de inocencia tiene en Chile rango consti-


tucional por estar incorporado en los tratados internacionales ratificados por
Chile, que nuestra Carta Fundamental asegura respetar y garantiza en el inciso
2º de su artículo 5º: Entre tales derechos cabe mencional la Convención
Americana sobre Derechos Humanos, publicada en el Diario Oficial de 5 de
enero de 1989, que en su artículo 8.2 establece: Toda persona inculpada de un
delito tiene derecho a que se presuma su inocencia mientras no se establezca
legalmente su culpabilidad, y el art 14.2 del Pacto Interancional de Derechos
Civiles y políticos, publicado en el Diario Oficial del 29 de abril de 1989, que dis-
pone: Toda persona acusada de un delito tiene derecho a que se presuma su ino-
cencia mientras no se pruebe su culpabilidad en conformidad a la ley.”

En otra sentencia de 2006, La Corte Suprema precisó que:

“Que, como lo ha señalado esta misma Corte Suprema en reiteradas senten-


cias, de la historia fidedigna del establecimiento de la norma fundamental con-
tenida en el artículo 5º de la Carta Fundamental, queda claramente establecido
que la soberanía interna del estado de Chile reconoce su límite en los derechos
que emanan de la naturaleza humana, ‘valores que son superiores a toda norma
que puedan disponer las autoridades del Estado, incluido el propio poder consti-
tuyente, lo que impide sean desconocidos’ (S.C.S. 30.1.2006)”.40
“Trigésimonono: Que, de igual manera, el inciso segundo del artículo 5º de
la Constitución Política de la República, preceptúa que el ejercicio de la sobera-
nía se encuentra limitado por “los derechos esenciales de la persona humana”
siendo “deber de los órganos del Estado respetar y promover tales derechos
garantizados por esta Constitución así como por los tratados internacionales rati-
ficados por Chile que se encuentren vigentes”. Valores que son superiores a toda
norma que puedan disponer las autoridades del Estado, incluido el propio Poder
Constituyente derivado, lo que impide que sean desconocidos (Fallos del Mes Nº
446, sección criminal, página 2.066), aún en virtud de consideraciones de opor-
tunidad en la política social o de razones perentorias de Estado para traspasar
esos límites. Otorgándole rango constitucional a los tratados que garantizan el
respeto de los derechos humanos, concediéndoles una jerarquía mayor que a los
demás tratados internacionales, en cuanto regulan los derechos esenciales que
emanan de la naturaleza humana.

40 Sentencia de la Corte Suprema, Rol Nº 559-04, de fecha 13 de diciembre de 2006, considerando 22º.

502
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y América Latina

“En definitiva los derechos humanos asegurados en un tratado se incorpo-


ran al ordenamiento jurídico interno, formando parte de la Constitución mate-
rial adquiriendo plena vigencia, validez y eficacia jurídica, no pudiendo ningún
órgano del Estado desconocerlos y debiendo todos ellos respetarlos y promover-
los, como asimismo, protegerlos a través del conjunto de garantías constitucio-
nales destinadas a asegurar el pleno respeto de los derechos. Esta obligación no
sólo deriva del mentado artículo 5º, sino también del 1º, incisos primero y cuar-
to, y 19, Nº 26º, de la Carta Magna y de los mismos tratados internacionales,
entre éstos del artículo 1º común a los Cuatro Convenios de Ginebra, que esta-
blece el deber de los Estados Partes de respetar y hacer respetar el derecho inter-
nacional humanitario.

Este carácter amplio de protección se desprende de la historia fidedigna del


establecimiento del precepto aludido, puesto que su integrante Jaime Guzmán
Errázuriz al recalcar que los derechos que arrancan de la naturaleza humana era “el
único límite a la soberanía desde un ángulo objetivo, habida consideración que él
debe proyectarse conceptualmente con la noción de bien común”, de tal suerte que
aun cuando esos derechos no estén en el texto constitucional “no por eso una dis-
posición jurídica cualquiera que atentara indebidamente en contra de ellos, dejaría
de ser ilegítima” (Actas de la Comisión de Estudios de la Nueva Constitución, sesión
49 de veintisiete de junio de mil novecientos setenta y cuatro).” 41

En otra sentencia Rol Nº 4183-06, de dieciocho de abril de dos mil siete, la Corte
Suprema, reitera la misma perspectiva, señalando:

“Décimo: Que, a lo anterior, y conforme la norma de reenvío contenida en


el artículo 5º de la Constitución, debe extenderse el reconocimiento con rango
constitucional del derecho de defensa, también a los derechos garantizados por
los tratados internacionales ratificados por Chile y que se encuentren vigentes,
como son los artículos 11.1 de la Declaración Universal de Derecho Humanos,
que señala: “Toda persona acusada de delito tiene derecho a que se presuma su
inocencia, mientras no se pruebe su culpabilidad, conforme a la ley, y en juicio
público en el que se hayan asegurado todas las garantías necesarias para su defen-
sa.”; el artículo 14.3 del Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos,
señalando: “Durante el proceso, toda persona acusada de un delito tendrá dere-
cho, en plena igualdad, a las siguientes garantías mínimas: b.- A disponer del
tiempo y los medios adecuados para la preparación de su defensa y a comunicar-
se con un defensor de su elección; “; el artículo 8.2 de la Convención Americana
de Derechos Humanos, en cuanto expresa: “Toda persona inculpada de delito

41 Sentencia de la Corte Suprema de Justicia, Sala Penal, Rol nº 3125 – 04, de fecha 13 de marzo de 2007. Las
negritas son nuestras.

503
Humberto Nogueira Alcalá

tiene derecho a que se presuma su inocencia mientras no se establezca legalmen-


te su culpabilidad. Durante el proceso, toda persona tiene derecho, en plena
igualdad, a las siguientes garantías mínimas: d.- Derecho del inculpado a defen-
derse personalmente o de ser asistido por un defensor de su elección y de comu-
nicarse libre y privadamente con su defensor.”; de todo lo anterior, se puede sos-
tener que se trata de un derecho fundamental, como gozar de la defensa técnica
que lleva a cabo el abogado defensor, y que comprende la facultad de intervenir
en el procedimiento penal y de llevar a cabo en él todas las actividades necesa-
rias para poner en evidencia la eventual falta de potestad penal del Estado o cual-
quier circunstancia que la excluya o la atenúe, por ello en interés de la transpa-
rencia del proceso penal, y para el hallazgo de la verdad, constituye un requisi-
to procesal esencial de todo juicio.”42

El Tribunal Constitucional del Ecuador en el fallo Nº 002-2002-CC de 12 de


febrero de 2003, en el cual aplicó la Convención Americana de Derechos Humanos y
la jurisprudencia de la Corte Interamericana para determinar el correcto sentido y
alcance del artículo 187 de la Carta Fundamental que establece la justicia militar para
el juzgamiento de infracciones cometidas por miembros de las Fuerzas Armadas en el
ejercicio de sus labores profesionales. Al respecto el Tribunal Constitucional sostuvo:

“Que tanto el artículo 187 del texto constitucional como su vigésimo sépti-
ma disposición transitoria deben ser interpretados en concordancia con la con-
sagración de las garantías judiciales del debido proceso que contiene la misma
Constitución ecuatoriana, que se han señalado en este fallo, y con las reconoci-
das en los instrumentos internacionales vigentes en materia de derechos huma-
nos, de obligatoria aplicación para el Ecuador y, por tanto, de todos los órganos
del Poder Público, incluyéndose, naturalmente, los que ejercen jurisdicción, tal
como lo ordenan los artículos 17 y 18 de la Constitución.
…………………
“Que, el artículo 8.1 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos,
dentro de las garantías judiciales, establece que el juez o tribunal encargado de la
sustanciación de cualquier acusación penal debe ser competente, independiente e
imparcial, como elementos esenciales del debido proceso legal;
“Que, como lo ha señalado la Corte Interamericana de Derechos Humanos
‘la jurisdicción militar ha sido establecida por diversas legislaciones con el fin de
mantener el orden y la disciplina dentro de las fuerzas armadas. Inclusive, esta
jurisdicción funcional reserva su aplicación a los militares que hayan incurrido
en delito o falta dentro del ejercicio de sus funciones y bajo ciertas
circunstancias’, agregando el Alto tribunal que, ‘cuando la justicia militar asume

42 Sentencia de la Corte Suprema de Justicia, Rol Nº 4183-06, de deiciocho de abril de dos mil siete, conside-
rando 10º.

504
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y América Latina

competencia sobre un asunto que debe conocer la justicia ordinaria, se ve afec-


tado el derecho al juez natural y, a fortiori, el debido proceso, el cual, a su vez,
encuéntrase íntimamente ligado al propio derecho de acceso a la justicia’, por lo
que el Estado no debe crear ‘tribunales que no apliquen normas procesales debi-
damente establecidas para sustituir la jurisdicción que corresponda normalmen-
te a los tribunales ordinarios”(Corte Interamericana de Derechos Humanos, Caso
Castillo Petruzzi y otros, Sentencia de 30 de mayo de 1999, Serie C Nº52),
“Que, por lo expuesto, en virtud de los principios de imparcialidad e inde-
pendencia que informan la administración de justicia, los delitos comunes,
incluso los cometidos por miembros de la Fuerza Pública, deben ser juzgados por
la justicia ordinaria”.43

La Corte Suprema de El Salvador, en sentencia de 2004, ha precisado:

“[…] corresponde al derecho interno, incluido el constitucional, asegurar la


implementación de las normas mas favorables a la dignidad de la persona huma-
na, lo que realza la importancia de su rol: la protección de los derechos de la per-
sona. Por tanto, si los tratados sobre derechos humanos implican la interacción
entre sus disposiciones y las del derecho interno, la Constitución atiende a la
necesidad de prevenir y evitar los conflictos normativos que vuelven nugatoria
la efectividad de las primeras. Con ello se contribuye a la reevaluación de la
amplia interacción entre el [derecho internacional de los derechos humanos] y
el derecho interno, con miras a la protección de los derechos vinculados a la dig-
nidad humana. En definitiva, la identidad común entre el [derecho internacio-
nal de los derechos humanos] y el derecho constitucional, es el trazo que mas
distingue al primero, en relación con el resto de la normativa internacional.
“En conclusión, la confluencia entre la Constitución y el [derecho interna-
cional de los derechos humanos], en la protección de los derechos humanos,
confirma que la relación entre ambos definitivamente no es de jerarquía, sino de
compatibilidad, y por tanto, el derecho interno, y eso vale para el derecho cons-
titucional y la jurisdicción constitucional, debe abrir los espacios normativos a la
regulación internacional de los derechos humanos”.44

43 Citada por Morales Tobar, Marcos. 2003. “Derechos Humanos y los tratados que los contienen en el dere-
cho constitucional y la jurisprudencia en el Ecuador”, en Revista Ius et Praxis, año 9 Nº 1, Talca, Chile, Ed.
Universidad de Talca, págs. 104-105.
44 Sala de lo Constitucional, Corte Suprema de Justicia de El Salvador, Caso Inconstitucionalidad de la ley anti
maras”, Sentencia 52-2003/56-2003/57-2003, de fecha 1º de abril de 2004, considerando 3º. Ver texto en
Revista Diálogo Jurisprudencial Nº 1 julio-diciembre 2006, Ed. IIDH-KAS-Instituto de Investigaciones
Jurídicas, UNAM, México, 2006, pp. 153-163.

505
Humberto Nogueira Alcalá

La Corte Constitucional de Guatemala ha determinado que los tratados de dere-


chos humanos ingresan al orden jurídico interno con carácter de norma constitucio-
nal pero sin potestad reformatoria o derogatoria (sentencia de 19 de octubre de 1990,
expediente Nº 280/90, considerando VIII).45

El Tribunal Constitucional del Perú, en sentencia de julio de 2006, ha determi-


nado:

“[…] La Constitución … exige a los poderes públicos nacionales que, a par-


tir del ejercicio hermenéutico, incorporen en el contenido protegido de los dere-
chos constitucionales los ámbitos normativos de los derechos humanos recono-
cidos en los referidos tratados. Se trata de un reconocimiento implícito de la
identidad nuclear sustancial compartida por el constitucionalismo y el sistema
internacional de protección de los derechos humanos: la convicción jurídica del
valor de la dignidad de la persona humana, a cuya protección y servicio se recon-
duce, en última y definitiva instancia, el ejercicio de todo poder”.46

Formas parte de este bloque constitucional de derechos fundamentales aquellos


derechos que están asegurados por principios imperativos de derecho internacional,
ya que ellos se imponen a los Estados de manera directa y automática, debiendo ser
aplicados por losd órganos estatales y las jurisdicción interna debe dotarlos de aplica-
bilidad directa e inmediata, como asimismo, el derecho consuetudinario internacio-
nal que asegura y garantiza derechos fundamentales, ya que este precede generalmen-
te al derecho convencional de derechos humanos.
Los tribunales superiores de justicia chilenos han reconocido jurisprudencial-
mente la integración de los principios de ius cogens y de derecho consuetudinario
internacional, los cuales se incorporan al derecho interno sin ningún acto de forma-
lización:

“Que, en efecto, tal razonamiento parte de la base que el Derecho nacional


y el derecho Internacional de los Derechos Humanos es uno solo, por ser un
fenómeno que abarca al Derecho en su totalidad, siendo recepcionado dicho
derecho internacional de los Derechos Humanos por el Derecho Interno
Nacional, tanto como Principio Internacional de los Derechos Humanos, como
por los tratados internacionales actualmente vigentes suscritos por Chile. Es así

45 Ver Dulitzky, Ariel. Los tratados de derechos humanos en el constitucionalismo iberoamericano, en


Buergenthal, Thomas y Cancado Trindade, Antonio, Estudios Especializados de derechos humanos. Tomo
I, Instituto Interamericano de Derechos Humanos, San José, Costa Rica, 1996, página 158.
46 Sentencia del Tribunal Constitucional del Perú, exp. N2730-2006-PA/CT – 21 de julio de 2006, caso de Arturo
Castillo Chirinos, considerando 9. Ver texto completo en Revista Diálogo Jurisprudencial Nº 2; Ed. IIDH-KAS-
Instituto de Investigaciones Jurídicas, UNAM, México, 2007. Texto completo del fallo, pp. 275 – 307.

506
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y América Latina

como nuestro ordenamiento jurídico no excluye el procedimiento de incorpora-


ción de los Principios Generales del Derecho Internacional de los Derechos
Humanos o ius cogens, que pasan a formar parte del derecho interno por su cali-
dad de tales, en tanto los Principios del Derecho Internacional tienen prevalen-
cia sobre éste como categoría de norma de Derecho Internacional General, con-
forme al acervo dogmático y convencional universal y a la aceptación en la prác-
tica judicial de los tribunales nacionales participes de la Naciones Unidas, ade-
más de los tribunales internacionales con jurisdicción respecto a crímenes de
lesa humanidad.
“Que, además, los principios internacionales referidos, los convenios, pac-
tos y tratados en que se reconocen los derechos humanos y las garantías a nivel
de tribunales nacionales, gozan de primacía constitucional, cuya consecuencias
– conforme a una interpretación progresiva y finalista de la Constitución – es
que prevalecen sobre la legislación interna, toda vez que se entiende que la pre-
fieren, perfeccionan y complementan. Siendo, por lo mismo, tal normativa invo-
cable por todos los individuos, atendiendo al compromiso moral y jurídico del
estado ante la comunidad internacional, de respetarlos, promoverlos y garanti-
zarlos”.47

La Corte Suprema de Justicia chilena lo ha explicitado en jurisprudencia reciente:

“Trigésimo Primero: Que la indicada consagración del derecho de gentes y


su aceptación permite considerar que existía a la época del hecho criminoso de
autos, un sistema de protección de derechos obligatorio para el Estado de Chile,
independientemente del consentimiento expreso de las naciones vinculadas y
que se conoce como reglas imperativas de derecho internacional o “ius cogens”.
Tales patrones se imponen a los Estados y prohíben los crímenes de lesa huma-
nidad, incluso durante el desarrollo de conflictos de carácter internacional o
internos. Este derecho perentorio internacional implica el rechazo “in limine”
por las naciones civilizadas de injustos que repugnan a la conciencia humana y
que constituyen crímenes contra la humanidad.
Dichas disposiciones conforman el derecho internacional preceptivo el cual
junto con el derecho internacional convencional, forman parte integrante del
derecho chileno.
Trigésimo Segundo: Que esta normativa deriva de conceptos jurídicos anti-
guos de un orden superior que las leyes del hombre y de las naciones no pueden
contravenir habiendo sido aceptadas, sea expresamente por tratados o tácita-
mente por la costumbre, para proteger la moral pública en ellas contenidas. Su

47 Sentencia de la Corte de Apelaciones de Santiago, Rol Nº 146-2006, de fecha 31 de julio de 2006, conside-
randos 5º y 6º. Revista Gaceta Jurídica Nº 313, Julio 2006, Ed. Lexis Nexis, Santiago, 2006, pp. 243-254. Las
negritas son nuestras.

507
Humberto Nogueira Alcalá

principal característica distintiva es su relativa indelebilidad, ya que son reglas


de derecho consuetudinario internacional que no pueden soslayarse por tratados
o voluntad, sino por la formación de una posterior disposición consuetudinaria
de efecto contrario. La contravención de estos preceptos afecta gravemente la
conciencia moral de la humanidad y obliga, a diferencia del derecho consuetu-
dinario tradicional, a la comunidad internacional como un todo, independiente-
mente de su rechazo, reconocimiento o aquiescencia.
El referido carácter obligatorio de los cánones de ius cogens concluyó con
su transformación en derecho convencional por obra de la Convención de Viena
sobre el Derecho de los Tratados de mil novecientos sesenta y nueve, ratificada
por Chile el nueve de mayo de mil novecientos ochenta y uno, la que dispone en
su artículo 53 que “es nulo todo tratado que, en el momento de su celebración,
esté en oposición con una norma imperativa de derecho internacional general.
Para los efectos de la presente Convención, una norma imperativa de derecho
internacional general es una norma aceptada y reconocida por la comunidad
internacional de Estados en su conjunto como norma que no admite acuerdo en
contrario y que solo puede ser modificada por una norma ulterior de derecho
internacional general que tenga el mismo carácter”. Es así como la doctrina las
ha conceptualizado como aquellos dogmas o principios estructurales del orden
internacional reflejo de valores fundamentales generalmente aceptados por la
comunidad internacional que, en virtud de su carácter dominante, obligan a
todos los Estados con independencia de su voluntad (Antonio Cassese: “Los dere-
chos humanos en el mundo contemporáneo”, Ariel, Barcelona, primera reimpre-
sión, año mil novecientos noventa y tres, página 241).
Las reglas ius cogens no son exclusivamente meros criterios directivos, ni
juicios de valor simplemente, ni escuetos dictados de la razón, son auténticas
normas jurídicas en sentido sustancial, pues suministran pautas o modelos de
conducta. Existen con independencia de su formulación y cuando las leyes las
recogen, o sea, las expresan en su fórmula, no quiere decir que se esté mudando
su naturaleza verdaderamente jurídica, la cual, en definitiva, es independiente y
autónoma de su consagración a nivel positivo.
Por lo tanto, las máximas de ius cogens son disposiciones a partir de las cua-
les surgen obligaciones erga omnes, las que no pueden ser dejadas sin efecto o
modificadas por un acuerdo entre Estados sino únicamente por una norma pos-
terior que, al mismo tiempo, ostente el carácter de imperiosa.
Trigésimo Tercero: Que si bien es cierto que una de las más severas críticas
que se plantean en contra de la noción de ius cogens es la vaguedad e indefinición
de aquellas que la componen, no lo es menos que existen un conjunto de precep-
tos cuya determinación como tal no presenta discusión llamado “núcleo duro de
normas de ius cogens de derechos humanos”, inderogables bajo cualquier circuns-
tancia o excepción que generan obligaciones erga omnes (Carlos Villán Durán:

508
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y América Latina

“Curso de Derecho Internacional de los Derechos Humanos”, Editorial Trotta,


Madrid, año dos mil dos, página 102), dentro del cual encontramos disposiciones
tales como la prohibición de la agresión o el uso de la fuerza en las relaciones
internacionales; la prohibición del genocidio, la esclavitud, la discriminación
racial y de las ejecuciones sumarias o extralegales; así como la prohibición de la
tortura. No parece que nadie –incluso sin ser letrado- podrá dudar que los princi-
pios enunciados no derivan su carácter propiamente jurídico de la circunstancia
meramente accidental de haber sido expresados en una determinada ley positiva.
Precisamente, ya en mil novecientos setenta y uno Roberto Ago considera-
ba que las reglas de ius cogens incluían “las normas fundamentales relativas a la
salvaguardia de la paz, y particularmente las que prohíben el recurso a la fuerza
o la amenaza de fuerza; las normas fundamentales de carácter humanitario: pro-
hibición del genocidio, la esclavitud y la discriminación racial, protección de los
derechos fundamentales de la persona humana en tiempo de paz y de guerra”
(citado por Vicente Chetail: “La contribución de la Corte Internacional de
Justicia al Derecho Internacional Humanitario”, en Revista Internacional de la
Cruz Roja, número 805, año dos mil tres, páginas 235 a 269)”.48

La misma sentencia de la Corte Suprema se refiere a la incorporación automáti-


ca del derecho consuetudinario internacional:

“Trigésimo Sexto: Que al respecto esta Corte ha reconocido en variadas


oportunidades que los principios del derecho internacional y las normas del
derecho consuetudinario forman parte del ordenamiento jurídico chileno con
primacía sobre las leyes internas. En efecto, en el caso denominado Lauritzen
con Fisco este tribunal sostuvo “que aún en el supuesto de que pudieren tener
aplicación las leyes internas, los principios del Derecho Internacional tienen
prevalencia en estos casos” (Revista de Derecho y Jurisprudencia, Tomo LVI,
segunda parte, sección cuarta, página 66).
Igualmente, se ha declarado que el derecho internacional, aun consuetudi-
nario, tiene prevalencia sobre la legislación nacional, a pesar que el primero no
se encuentre traducido en tratados o convenciones obligatorias para Chile, sino
solamente en los principios de derecho internacional generalmente aceptados, lo
que se entienden automáticamente incorporados en el derecho chileno, sin
necesidad de un acto de recepción por parte de los órganos del Estado.
Afirmando que es inaceptable en derecho que un tratado internacional pueda ser
modificado por un acto unilateral de uno de los contratantes (Revista de
Derecho y Jurisprudencia, tomo LII, segunda parte, sección primera, página 478;

48 Sentencia de la Corte Suprema de Justicia, Sala Penal, Rol Nº 3125 – 04, de fecha 13 de marzo de 2007, con-
siderandos 31 – 33.

509
Humberto Nogueira Alcalá

Revista Fallos del Mes, septiembre de mil novecientos sesenta y nueve, páginas
223 a 224 y junio de mil novecientos setenta y cinco, página 90 y Alfredo
Etcheberry O.: “El Derecho Penal en la Jurisprudencia”, tomo I, Parte General,
Editorial Jurídica de Chile, reimpresión de la segunda edición, Santiago, Chile,
año dos mil dos, páginas 38 y 39).
Del mismo modo, la doctrina autorizada asevera que cuando se presenta
un posible conflicto con el derecho internacional, sea convencional o consue-
tudinario, el juez tiene en primer término la regla externa, toda vez que no es
de presumir que el legislador nacional haya querido infringir el derecho inter-
nacional. (Adolfo Veloso: “Algunos problemas acerca de las relaciones entre el
derecho internacional y el derecho chileno”, en Revista de Derecho de la
Universidad de Concepción, Nº 165, enero – diciembre de mil novecientos
setenta y siete, página 272 y Santiago Benadava: “Derecho Internacional
Público”, Editorial Jurídica de Chile, segunda edición, año mil novecientos
ochenta y dos, página 13). También la primacía de los Principios Generales del
Derecho Internacional ha sido reconocida desde los albores de nuestra
República, así la Lei de Garantías Individuales, de veinticinco de septiembre de
mil ochocientos ochenta y cuatro, Título Primero, que trata De las
Restricciones a la Libertad Individual en Jeneral refiere en su artículo 5º: las
disposiciones contenidas en los tres artículos precedentes no se aplican: 2º A
los que se dictaren en conformidad a tratados celebrados con naciones extran-
jeras o a los principios jenerales de derecho internacional, como, por ejemplo,
en el caso de extradición de criminales i de aprehensión de marineros deserto-
res (Pedro Javier Fernández: “Código Penal de la República de Chile, Explicado
y Concordado”, Imprenta Barcelona, segunda edición, Santiago, Chile, año mil
ochocientos noventa y nueve, página 426). En el mismo sentido Manuel Egidio
Ballesteros sostiene “y con ser sólo un cuerpo de doctrinas, el derecho interna-
cional es sin embargo, de aplicación preferente a las leyes positivas de carácter
interno, en aquellas cuestiones regidas por él” (Manuel Egidio Ballesteros: “La
Ley de Organización y Atribuciones de los Tribunales en Chile”, tomo I,
Santiago, Chile, año mil ochocientos noventa, página 571).
El gobierno chileno ha tomado la misma posición tanto en lo atinente al
derecho internacional convencional como del consuetudinario. Así, la Asesoría
Jurídica del Ministerio de Relaciones Exteriores, por ejemplo, en el caso en que
un Tribunal de Menores había decretado orden de arraigo por dos muchachos
que se encontraban, junto a su madre, asilados en una embajada con posteriori-
dad al pronunciamiento militar de septiembre de mil novecientos setenta y tres,
al considerar que: “por sobre la resolución judicial emanada del referido tribunal
de menores corresponde aplicar las normas de Derecho Internacional que
gobiernan la institución del asilo”. (Informe Nº 96 de la Asesoría Jurídica del
Ministerio de Relaciones Exteriores de Chile, de catorce de noviembre de mil

510
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y América Latina

novecientos setenta y tres, citado en Hugo Llanos Mansilla: “Teoría y Práctica


del Derecho Internacional Público”, Tomo III, Editorial Jurídica de Chile,
Santiago, mil novecientos ochenta y tres, páginas 408 a 410)”.49

Otro fallo de la Corte Suprema de diciembre de 2006, sostiene la misma tesis:

23º- Que la jurisprudencia y doctrina nacionales, desde muy antiguo,


han reconocido la prevalencia del Derecho Internacional, en el supuesto de
contradecir éste el derecho interno. Valga, en apoyo de este aserto, la referen-
cia a las sentencias “Lauritzen con Fisco” o de los barcos daneses (R.D.J., T.52,
II, 1ª, p. 485 y ss.); el fallo recaído en un caso sobre extradición activa , en que
se explicitó que los principios de Derecho Internacional “priman siempre
sobre los preceptos del derecho interno del Estado” (en: R.D.J., T. 56, II, 4ª,
pág. 66); los casos Embajada de la República de China, de 1.969 (F.M. septiem-
bre de 1.969, págs. 223 y 224) y Embajada de Cuba, de 1.975 (F.M. junio de
1.975, pág. 90) y, en jurisprudencia posterior a los hechos de autos - pero
demostrativa de la continuidad del principio que interesa - las sentencias de
26.10.95 (Rol Nº 5.566),consid. 14º y 9.09.98 (Rol Nº 469/98), consid. 10º,
todas de esta Corte Suprema. Y para demostrar la amplia recepción de esta
misma tesis, en la doctrina nacional clásica, recordemos que ya don Manuel
E. Ballesteros, a fines del siglo XIX, sostenía que “con sólo ser un cuerpo de
doctrinas, el Derecho Internacional es, sin embargo, de aplicación preferente
a las leyes positivas de carácter interno, en aquéllas cuestiones regidas por él”
(La Ley de Organización y Atribuciones de los Tribunales, T.I, Stgo, 1.890,
pág. 571). Por cierto, los internacionalistas chilenos contemporáneos “Llanos,
Benadava, Bustos Valderrama, Nogueira, C. Medina, entre muchos otros- par-
ticipan plenamente de esta posición”.50

En tal virtud, las reglas del derecho internacional generalmente aceptadas se


entienden automática y globalmente incorporadas en el derecho interno, y deben ser
aplicadas por los tribunales nacionales con preferencia al derecho interno. Primacía
de las normas internacionales de Derecho Internacional General que determina que,
en los delitos de lesa humanidad, dichas disposiciones actualmente recepcionadas
constitucionalmente vía tratado internacional y vinculantes desde antes como
Principio General del Derecho Internacional de los Derechos Humanos, son obligato-
rias en la forma precedente.

49 Sentencia de la Corte Suprema de Justicia, Sala Penal, Rol Nº 3125 – 04, de fecha 13 de marzo de 2007, con-
siderando 36º. Las negritas son nuestras.
50 Sentencia de la Corte Suprema de justicia, Sala Penal, Rol Nº 559-04, de fecha 13 de diciembre de 2006,
considerandos 22 – 24.

511
Humberto Nogueira Alcalá

IV. El control de convencionalidad de las disposiciones de derecho


interno determinado por la Corte Interamericana de Derechos
Humanos

Por otra parte, es necesario tener presente la jurisprudencia emanada de la Corte


Interamericana de Derechos Humanos, interprete final de la Convencioón Americana
soibre Derechos Humanos y del Protocolo de San Salvador en materia de Derechos
Económicos, Sociales y Culturales, la cual refuerza la tesis del bloque constitucional
de derechos.

En tal sentido, la Corte Interamericana, en el caso Almonacid Arellano vs. Chile,


precisó:

“123. La descrita obligación legislativa del artículo 2 de la Convención


tiene también la finalidad de facilitar la función del Poder Judicial de tal forma
que el aplicador de la ley tenga una opción clara de cómo resolver un caso par-
ticular. Sin embargo, cuando el Legislativo falla en su tarea de suprimir y/o no
adoptar leyes contrarias a la Convención Americana, el Judicial permanece vin-
culado al deber de garantía establecido en el artículo 1.1 de la misma y, conse-
cuentemente, debe abstenerse de aplicar cualquier normativa contraria a ella. El
cumplimiento por parte de agentes o funcionarios del Estado de una ley violato-
ria de la Convención produce responsabilidad internacional del Estado, y es un
principio básico del derecho de la responsabilidad internacional del Estado,
recogido en el Derecho Internacional de los Derechos Humanos, en el sentido de
que todo Estado es internacionalmente responsable por actos u omisiones de
cualesquiera de sus poderes u órganos en violación de los derechos internacio-
nalmente consagrados, según el artículo 1.1 de la Convención Americana.
“124. La Corte es consciente que los jueces y tribunales internos están suje-
tos al imperio de la ley y, por ello, están obligados a aplicar las disposiciones
vigentes en el ordenamiento jurídico. Pero cuando un Estado ha ratificado un
tratado internacional como la Convención Americana, sus jueces, como parte del
aparato del Estado, también están sometidos a ella, lo que les obliga a velar por-
que los efectos de las disposiciones de la Convención no se vean mermadas por
la aplicación de leyes contrarias a su objeto y fin, y que desde un inicio carecen
de efectos jurídicos. En otras palabras, el Poder Judicial debe ejercer una especie
de “control de convencionalidad” entre las normas jurídicas internas que aplican
en los casos concretos y la Convención Americana sobre Derechos Humanos. En
esta tarea, el Poder Judicial debe tener en cuenta no solamente el tratado, sino
también la interpretación que del mismo ha hecho la Corte Interamericana,
intérprete última de la Convención Americana.

512
El Bloque Constitucional de Derechos Fundamentales y su Aplicación en Chile y América Latina

125. En esta misma línea de ideas, esta Corte ha establecido que “[s]egún
el derecho internacional las obligaciones que éste impone deben ser cumplidas
de buena fe y no puede invocarse para su incumplimiento el derecho interno”.
Esta regla ha sido codificada en el artículo 27 de la Convención de Viena sobre
el Derecho de los Tratados de 1969”.51

La Corte Interamericana establece así que constituye una obligación de las juris-
dicciones nacionales, a la luz del artículo 2º de la Convención Americana sobre
Derechos Humanos, aplicar preferentemente las normas convencionales sobre el
derecho interno cuando este último no alcanza los estándares mínimos exigidos por
el derecho internacional vinculante en materia de derechos humanos, estando dicha
obligación fundada en el cumplimiento de buena fe de las obligaciones internaciona-
les, el cual constituye principio imperativo de derecho internacional generando las
consiguientes responsabilidades internacionales.

V. Consideraciones finales

Los derechos esenciales, fundamentales o humanos, según el nomen iuris que


quiera utilizarse, y sus diversos atributos reconocidos por fuente nacional o interna-
cional, constituyen así, límites a la potestad constituyente derivada, legislativa, admi-
nistrativa y jurisdiccional, los cuales deben aplicarlos conforme al principio de pro-
gresividad y de irreversibilidad, además del principio favor persona. Ello implica en
definitiva, que tales derechos y sus atributos asegurados y garantizados por fuente
interna o internacional, forman parte necesariamente del parámetro de control de
constitucionalidad, en cuanto contenidos que constituyen principios jurídicos supre-
mos del ordenamiento jurídico, que debe asumir la jurisdicción constitucional respec-
tiva, al controlar los actos y normas emanados de los poderes constituidos.
La labor interpretativa constitucional requiere de una reconstrucción de todo el
contenido que establece el complejo normativo de la Constitución, la lectura e inter-
pretación de todo precepto de la Carta Fundamental debe ser hecho en su contexto,
teniendo en consideración los principios, valores, fines y razón histórica del ordena-
miento constitucional, lo que le da al Juez Constitucional, un espacio de movilidad
interpretativa e integradora que convierte al juez en un protagonista que realiza una
adecuada y necesaria mediación entre la Constitución y la situación específica.
Las Cartas Fundamentales y el derecho convencional internacional en materia
de derechos humanos, exigen a los agentes y órganos del Estado no solo una función
de respeto de los derechos, sino también una función promocional que exige a todos
los operadores jurídicos y, en especial, a los órganos de jurisdicción constitucional

51 Sentencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, de 26 de septiembre de 2006. Serie C Nº 154,


párrafos 123 - 125.

513
Humberto Nogueira Alcalá

dentro sus competencias, remover los obstáculos que posibiliten el libre y pleno ejer-
cicio de los derechos como asimismo maximizar el plexo de derechos y garantías de la
persona humana.
El deber de promover los derechos también se concreta a través de una adecua-
da interpretación de ellos, ya que los derechos no son las normas, por tanto, cuando
faltan normas debe producirse la integración para suplir la falta de reconocimiento
normonológico y no afirmar que porque no hay norma no hay derecho. El operador
jurídico debe tener la flexibilidad de buscar una solución acorde con el espíritu del sis-
tema de derechos, de acuerdo con su objeto y su finalidad, teniendo en consideración
el contexto y la razón histórica, como asimismo, los valores que explicita el sistema
jurídico. Ello implica negar la posición reduccionista para la protección de la persona
y de sus derechos esenciales.
Nada impide, en una perspectiva técnico jurídica, la introducción de garantías de
los derechos esenciales o humanos por vía de normas de derecho interno o provenien-
tes del derecho internacional que constituyan un “plus” respecto de las normas vigen-
tes, ya que ello cumple la finalidad de asegurar y de promover tales derechos que es
un deber constitucional de todos los órganos y agentes estatales. La introducción de
normas que mejoren el contenido de derechos y sus garantías no pueden ser conside-
radas inconstitucionales, si se aplican las reglas interpretativas “favor homine” o
“favor persona” y se tiene presente el desarrollo progresivo de los derechos.

514
Integração e Diálogo Constitucional na América do Sul
Virgílio Afonso da Silva1-2

“Courts are talking to one another


all over the world"?3

Sumáárioo: I. Duas dicotomias II. Integração institucional-legal e integração argumentativa III. O significado da inte-
gração argumentativa: diálogos constitucionais IV. A experiência do diálogo constitucional na América do Sul
V. Conclusão.

Em dezembro de 2006, um artigo de jornal descrevia uma das experiências musi-


cais e sociais mais interessantes da América do Sul, a Sinfónica de la Juventud
Venezolana Simón Bolívar, da Venezuela, regida pelo jovem e talentoso maestro
Gustavo Dudamel. Embora o projeto no qual essa orquestra se insere - o Sistema
Nacional de las Orquestas Juveniles e Infantiles de Venezuela - existisse desde 1975,
eu nunca havia lido nada a respeito até então. O detalhe irônico dessa descoberta é o
fato de que o artigo em questão fora publicado em um jornal alemão.4
Essa pequena experiência, estritamente pessoal, serve aqui como mote para ilus-
trar o quanto, em alguns âmbitos, falta diálogo, intercâmbio e integração na América
do Sul. Parece-me sintomático que tenhamos muitas vezes que sair do continente para
conhecê-lo melhor.
Neste breve texto, procurarei definir alguns pontos de partida para a análise do
fenômeno da integração jurídica regional por meio de premissas um pouco diversas
das usuais. Como será explicitado logo de início, não estou preocupado aqui com a
integração jurídica em seu sentido mais formal e vinculante, mas com outros fenôme-
nos de integração e interação entre os diversos atores jurídicos do continente. Na
medida em que aqui se pretende tão somente estabelecer algumas bases para uma
investigação ainda por ser realizada, não se pode esperar deste artigo uma análise mais
profunda do cenário que se quer apenas delinear. O que será exposto nos tópicos que
seguem são as mesmas provocações feitas por ocasião da apresentação oral deste texto

1 Gostaria de aqui expressar o meu agradecimento ao Instituto Max Planck de Direito Público Comparado e
Direito Internacional Público, na pessoa de seu diretor, Prof. Dr. Armin von Bogdandy, pelo convite para
participar, em novembro de 2008, do colóquio Anspruch und Realität der Integration in Südamerika: Das
Menschenrechtssystem als erfolgreiches Beispiel. Não poderia também deixar de expressar, de forma espe-
cial, minha gratidão a Mariela Morales Antoniazzi, pelo empreendedorismo, pela paciência e pela hospita-
lidade incomparáveis. Agradeço também a Conrado Hübner Mendes, Diogo R. Coutinho e Evorah Lusci
Costa Cardoso a atenta leitura e os comentários a versões preliminares deste texto.
2 Professor Titular de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
3 Anne-Marie Slaughter, "A Typology of Transjudicial Communication", University of Richmond Law
Review 29 (1994), p. 99.
4 Cf. Wolfram Goetz, "Kinder des Olymp", Die Zeit 61:50 (7.12.2006), p. 65.

515
Virgílio Afonso da Silva

no seminário que deu origem ao presente livro.5 Apenas procurei agregar alguns
dados concretos e números sobre a disseminação, no Brasil, de idéias constitucionais
produzidas nos outros países da América do Sul.
Para tentar alcançar seus modestos objetivos, este texto está estruturado em qua-
tro seções principais, às quais se segue uma conclusão. A primeira seção é dedicada a
expor brevemente as duas dicotomias que dominam o debate sobre integração jurídi-
ca. A seção seguinte procura demonstrar que essas dicotomias abrangem apenas aqui-
lo que aqui é chamado de integração institucional-legal, que, no entanto, não repre-
senta todo o processo de integração, que pode também adquirir formas que aqui foram
chamadas de argumentativas. A uma breve exposição do que poderia ser uma dessas
formas de integração formal - a livre migração de idéias constitucionais - é dedicada
a terceira seção. A quarta seção, por fim, ocupa-se com alguns fatos e números acerca
do livre trânsito de informações, idéias, teorias e critérios de decisão judicial entre o
Brasil e os outros países da América do Sul.

I. Duas dicotomias

O debate sobre integração regional, especialmente no âmbito da integração jurí-


dica, é normalmente marcado por duas indagações principais. A primeira delas diz
respeito ao nível hierárquico dos tratados internacionais e supranacionais na ordem
jurídica interna. A segunda está relacionada à vinculação da jurisdição interna de cada
país a decisões de tribunais internacionais ou supranacionais. As respostas a essas duas
indagações podem ser agrupadas, de forma simplificada, em duas dicotomias.
A pergunta acerca do nível hierárquico dos tratados costuma ser respondida ou
por meio da defesa de sua hierarquia constitucional (pelo menos nos casos de tratados
de direitos humanos),6 ou por meio da defesa de uma hierarquia infraconstitucional.
No caso brasileiro, essa foi, por muito tempo, a jurisprudência vencedora no Supremo
Tribunal Federal.7
Já a indagação sobre a vinculação das jurisdições internas de cada país às decisões
de um tribunal internacional ou supranacional costuma ser respondida de maneira
ainda mais dicotômica: essas decisões ou vinculam ou não vinculam.
Se a integração jurídica de determinada região for analisada a partir dessas pre-
missas, é possível afirmar que uma verdadeira integração ocorre quando há vincula-
ção às decisões de tribunais supranacionais. Além disso, uma hierarquia constitucio-
nal dos tratados (especialmente daqueles de direitos humanos) também seria um ele-

5 Nesse sentido, como o presente texto tem origem nas exposições orais que fiz no colóquio mencionado na
primeira nota de rodapé, ele mantém certo caráter de informalidade, ainda que seja um texto um pouco
mais desenvolvido do que aquele apresentado oralmente.
6 Cf., por todos, Flávia Piovesan, Direitos humanos e o direito constitucional internacional, 7ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2006, pp. 51-80.
7 Especialmente a partir de 1977, com a decisão no RE 80.004.

516
Integração e Diálogo Constitucional na América do Sul

mento fundamental para essa integração, especialmente se a aceitação de uma jurisdi-


ção supranacional estiver prevista em um tratado internacional dessa natureza, como
é o caso, por exemplo, da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Neste breve texto, pretendo defender a idéia de que esse debate, não obstante sua
grande importância, abarca apenas um aspecto da idéia de integração jurídica. Parece-
me que pensar essa integração apenas por meio dessas duas dicotomias (hierarquia e
vinculação judicial) faz com que os diálogos entre constitucionalistas, entre constitu-
cionalistas e internacionalistas e o diálogo jurídico em geral sejam, em alguns casos,
pouco produtivos. Meu objetivo é procurar outros caminhos para discutir a integra-
ção jurídica na América do Sul. Para tanto, faço aqui uma distinção entre integração
jurídica institucional-legal e integração jurídica argumentativa.

II. Integração institucional-legal e integração argumentativa

A Europa exerce um enorme fascínio sobre a literatura jurídica da América do


Sul. Não são poucos os trabalhos sobre a integração jurídica na União Européia publi-
cados por autores brasileiros.8 A existência de um sistema jurídico supranacional, com
normas igualmente válidas para todos os países membros; a existência de um Poder
Executivo e de um Poder Legislativo e, sobretudo, a existência de uma jurisdição
comum (seja da Europa em geral, seja da União Européia em particular) é algo que
muitos juristas brasileiros (talvez sul-americanos em geral) consideram como o obje-
tivo a ser perseguido pelos países da América do Sul. A tese que subjaz a essa idéia é a
de que, sem instituições comuns, sem uma legislação comum, sem um parlamento
comum, sem uma jurisdição comum e, talvez, sem uma constituição comum, não pode
haver integração digna desse nome.
Embora esse pensamento não seja necessariamente equivocado, é possível afir-
mar que ele se refere apenas à idéia de integração institucional-legal. Além disso, na
medida em que não são grandes as perspectivas de um desenvolvimento institucional
e legal similar na América do Sul em um futuro próximo, parece-me que concentrar
esforços apenas na idéia de integração institucional-legal pode ser contraproducente.
Para além da integração institucional-legal há uma outra forma possível de inte-
gração, que não depende de instituições comuns, de poderes comuns, de uma jurisdi-
ção comum e tampouco de uma constituição comum. Quando muito, esse tipo de
integração pressupõe realidades - sociais, econômicas, culturais - semelhantes. Isso -
essas realidades comuns - já existe na América do Sul. Diante disso, é possível indagar
se faz sentido aguardar a criação (ou um maior desenvolvimento) de instituições
comuns altamente desenvolvidas para poder iniciar o debate e impulsionar algum tipo

8 Cf., apenas como exemplo, Paulo Borba Casella, União Européia: instituições e ordenamento jurídico, São
Paulo: LTr, 2002; Alberto Amaral Júnior & Michelle Ratton (orgs.), União Européia, São Paulo: Aduaneiras,
2002.

517
Virgílio Afonso da Silva

de integração mais sólida. Essa pergunta parece ser ainda mais procedente se tivermos
em mente a dificuldade que os países da América do Sul têm com a consolidação de
suas próprias instituições nacionais.
Neste ponto, uma indagação surge naturalmente: que tipo de integração é possí-
vel sem (ou com poucas) instituições comuns? A resposta é: um tipo talvez mais tími-
do, mas não menos real e efetivo, de integração jurídica. Uma integração baseada em
um diálogo constitucional transnacional, que pretendo explorar a seguir.

III. O significado da integração argumentativa: diálogos


constitucionais

O diálogo constitucional transnacional pode ocorrer de diversas maneiras. Aqui


interessam duas das principais: os empréstimos e a migração de idéias constitucionais.

3.1. Empréstimos constitucionais

O debate sobre empréstimos constitucionais, ainda que não seja novo, cada vez
mais recebe a atenção dos constitucionalistas.9 Ainda assim, não há, até agora, um
conceito unívoco de empréstimo no âmbito constitucional. Em um sentido mais estri-
to, empréstimos constitucionais envolvem a importação de regras da constituição de
um país para a constituição de outro. Nesse sentido, empréstimo constitucional seria
o equivalente àquilo que Alan Watson, há mais de três décadas, chamou de transplan-
te legal.10 Ou seja: nesse sentido mais estrito, empréstimos constitucionais seriam o
mesmo que os transplantes legais sempre foram para o direito privado comparado em
geral.11 Ainda que essa idéia de empréstimo (como transplante) possa ter algum inte-
resse para a discussão sobre integração, esse interesse é muito limitado.
É possível, contudo, falar em empréstimo constitucional em um sentido mais
amplo. É nesse sentido mais amplo que já empreguei a expressão em outros traba-
lhos.12 Nessa acepção, empréstimos são mais do que um simples transplante de regras
escritas, e isso por duas razões principais: em primeiro lugar, porque os empréstimos
constitucionais podem se manifestar não apenas no âmbito constituinte, mas também,

9 Cf., por exemplo, os textos do simpósio "Constitutional Borrowing", publicados em International Journal of
Constitutional Law 1 (2003), pp. 177-324.
10 Cf. Alan Watson, Legal Transplants: An Approach to Comparative Law, Edinburgh: Scottish Academic
Press, 1974.
11 Para uma análise recente sobre transplantes constitucionais, cf. Morton J. Horwitz, "Constitutional
Transplants", Theoretical Inquiries in Law 10:2 (2009): 535-560.
12 Cf. Virgílio Afonso da Silva, A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre
particulares, São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 135-136; Virgílio Afonso da Silva, "Os direitos fundamentais
e a lei: a constituição brasileira tem um sistema de reserva legal?", in Cláudio Pereira Souza Neto, Daniel
Sarmento, & Gustavo Binenbojm (orgs.), Vinte anos da Constituição Federal de 1988, Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2009, pp. 607-615.

518
Integração e Diálogo Constitucional na América do Sul

por exemplo, no âmbito jurisprudencial; e, em segundo lugar, porque os empréstimos


constitucionais podem ser mais do que um simples transplante de regras escritas, por-
que podem envolver a importação de idéias ou de teorias constitucionais.
Para deixar mais clara essa segunda acepção da idéia de empréstimo, alguns auto-
res têm preferido falar em migração de idéias,13 expressão que, embora também não
unívoca, procuraria, dentre outras coisas, distinguir esse último tipo de empréstimo -
um livre fluxo de idéias, critérios interpretativos e teorias – do simples transplante
legal.14

3.2. Migração de idéias constitucionais

Como visto acima, a idéia de transplante é pouco interessante para os fins deste
trabalho porque implica tão-somente uma cópia de um texto constitucional (ou legal).
O que interessa aqui - e, assim me parece, o que mais interessa no debate sobre inte-
gração por meio do diálogo - é algo muito distinto. Integração implica algo mais livre
e multilateral. Por isso, a metáfora da migração talvez seja mais clara, especialmente
porque não se fala de migração de regras ou de textos, mas de idéias constitucionais.15
A importância dessa metáfora é bem resumida por Neil Walker:
"Migração [...] é um útil conceito ecumênico no contexto do movimento inte-
restatal de idéias constitucionais. Ao contrário do que ocorre com outros termos cor-
rentes na literatura de direito comparado, como 'empréstimo', 'transplante' ou
'intercâmbio', ele não supõe nada acerca das atitudes do doador e do receptor, ou acer-
ca das propriedades ou do destino do objeto legal transferido. Ao contrário [...] ele
refere-se a todos os movimentos entre os sistemas, evidentes ou velados, episódicos ou
incrementais, planejados ou evolvidos, iniciados pelo doador ou pelo receptor, aceitos
ou rejeitados, adotados ou adaptados, relativos a doutrinas substantivas ou a desenho
institucional ou a algum outro ethos ou sensibilidade constitucional mais abstratos ou
intangíveis".16
Nesse sentido, pode-se dizer que analisar a questão da integração jurídica por
meio do conceito de migração de idéias constitucionais pode libertar o jurista do deba-

13 Cf. Sujit Choudhry, "Migration as a New Metaphor in Comparative Constitutional Law", in Sujit Choudhry
(org.), The Migration of Constitutional Ideas, Cambridge: Cambridge University Press, 2006, pp. 13-25.
14 Muitos desses autores, no entanto, salientam que migração não é uma espécie de empréstimo, como ficará
claro na citação de Walker feita adiante.
15 Embora, como já mencionado acima, o termo "empréstimo" também possa ser utilizado nessa acepção. Cf.,
por exemplo, Virgílio Afonso da Silva, "Os direitos fundamentais e a lei: a constituição brasileira tem um
sistema de reserva legal?, p. 608, quando faço menção a três tipos de empréstimos: constitucional-legal (que
seriam os transplantes de regras positivas), teórico (que seria a migração de idéias e teorias) e jurispruden-
cial (que seria o diálogo entre tribunais).
16 Neil Walker, "The Migration of Constitutional Ideas and the Migration of the Constitutional Idea: the case
of the EU", in Sujit Choudhry (org.), The Migration of Constitutional Ideas, Cambridge: Cambridge
University Press, 2006, pp. 320-321.

519
Virgílio Afonso da Silva

te estritamente dicotômico entre vinculação e não-vinculação de instâncias nacional


a instâncias supranacionais, e também do debate exclusivamente sobre a hierarquia
das normas. A partir da perspectiva da integração por meio da migração de idéias, o
que importa é o livre câmbio de experiências, de idéias, de teorias. Esse livre câmbio
não pretende vincular ninguém, caso contrário não seria livre. Ele - e a integração que
dele pode resultar - ocorre no nível da argumentação e pode operar horizontalmente
entre ordens jurídicas nacionais ou verticalmente entre uma ordem jurídica nacional
e uma instância supranacional. Além disso, pode existir também entre várias ordens
jurídicas nacionais por meio de uma instância supranacional.17 A seguir, utilizarei três
exemplos para tentar ilustrar o que pretendo dizer quando falo em integração por
meio da argumentação.
Os dois primeiros exemplos estão baseados naquilo que Mattias Kumm chamou
de sentido fraco e sentido forte na consideração dos tratados internacionais sobre direi-
tos humanos pelos tribunais nacionais.18 Na verdade, os exemplos ilustram mais do que
a simples consideração de tratados. Eles ilustram diversas formas (que também podem
ser qualificadas como fortes e fracas) de diálogo entre cortes e experiências jurídicas.
O primeiro exemplo é o famoso voto do juiz Anthony Kennedy na decisão Roper
v. Simmons, da Suprema Corte dos Estados Unidos.19 Com o intuito de demonstrar a
incompatibilidade da pena de morte para menores de 18 anos com a oitava emenda da
constituição norte-americana, Kennedy recorreu a argumentos baseados na "opinião
internacional",20 em referências a "leis de outros países" e a "autoridades internacio-
nais",21 à "comunidade internacional" e à "comunidade européia ocidental".22 Em
determinado momento de seu voto, Kennedy expressamente faz referência ao peso da
opinião internacional: "É de se reconhecer o enorme peso da opinião internacional
contra a pena de morte para jovens [...] A opinião da comunidade mundial, embora
não controle nossa decisão, fornece uma confirmação respeitável e significativa para
as nossas conclusões".23
Como se percebe, nesse primeiro exemplo não se trata de discutir a vinculação
de um tribunal a tribunais ou a uma legislação supranacional. O que estava em jogo
era pura e simplesmente a utilização de idéias, critérios ou consensos internacionais
para interpretar uma constituição nacional e decidir um caso concreto. Ainda assim,
ou seja, mesmo tratando-se de um exemplo relativamente restrito de diálogo com a
comunidade internacional, a decisão no caso Roper v. Simmons causou enorme polê-

17 Cf. Anne-Marie Slaughter, "A Typology of Transjudicial Communication", p. 120-121.


18 Cf. Mattias Kumm, "Democratic Constitutionalism Encounters International Law: Terms of Engagement",
in Sujit Choudhry (org.), The Migration of Constitutional Ideas, Cambridge: Cambridge University Press,
2006, pp. 278-281.
19 Roper v. Simmons, 543 U.S. 551 (2005).
20 Idem, p. 554.
21 Idem, p. 575.
22 Idem, p. 561.
23 Idem, p. 578.

520
Integração e Diálogo Constitucional na América do Sul

mica nos Estados Unidos, a começar pelo voto dissidente do juiz Antonin Scalia,24
espalhando-se por diversos artigos publicados em revistas acadêmicas.25
O segundo exemplo é ainda mais interessante, porque é um exemplo claro de que
até mesmo o debate sobre vinculação pode ir além da resposta binária "vinculante x
não-vinculante". Este segundo exemplo é a decisão Görgülü, do Tribunal Constitu-
cional Federal alemão.26
Segundo o Tribunal Constitucional alemão, as decisões da Corte Européia de
Direitos Humanos não vinculam os tribunais alemães. Isso, no entanto, não faz com que
seja possível imaginar que a questão se resume - ao contrário do que afirmei acima - a
uma questão binária (ou existe ou não existe vinculação). O problema é mais complexo.
Segundo o Tribunal Constitucional alemão, embora não haja vinculação formal estrita,
desconsiderar as decisões da Corte Européia de Direitos Humanos não seria compatível
com a proteção dos direitos humanos e com o princípio do Estado de Direito.27 Nesse
sentido, não levar em consideração as decisões da Corte Européia seria tão equivocado
quanto tentar aplicá-las diretamente, como se houvesse uma supremacia pura e simples
das decisões dessa corte em face das decisões dos tribunais nacionais.28
O valor das decisões da Corte Européia seria, segundo o tribunal alemão, sobre-
tudo um valor argumentativo. É claro que, enquanto decisão judicial, ela vincula as
partes envolvidas em cada caso concreto, mas apenas no caso concreto. Para além
dessa vinculação no caso concreto, o dever dos tribunais nacionais é de levar em con-
sideração, na medida do metodologicamente sustentável, as normas da Convenção
Européia de Direitos Humanos, na forma como a Corte Européia as interpreta.29 Nesse
sentido, pode-se afirmar que as decisões da Corte Européia impõem sobretudo um
ônus argumentativo. Em outras palavras: o binômio "vinculação vs. não-vinculação"
entre jurisdições não é suficiente para compreender o problema. Trata-se de uma
questão de vinculação argumentativa, isto é, trata-se de receber e reprocessar idéias
supranacionais. Em resumo: a integração pode existir (e, de fato, existe) ainda que não
exista uma vinculação formal estrita às decisões supranacionais.

24 Idem, pp. 607 e ss.


25 Cf., por exemplo, Richard A. Posner, "Foreword: A Political Court", Harvard Law Review 119 (2005): 31-
102; Jeremy Waldron, "Foreign Law and the Modern Ius Gentium", Harvard Law Review 119 (2005): 129-
147; Kenneth Anderson, "Foreign Law and the U.S. Constitution", Policy Review 131 (2005): 33-50; Mark
Tushnet, "Referring to Foreign Law in Constitutional Interpretation: an Episode in the Culture Wars",
University of Baltimore Law Review 35 (2006): 299-312; Austen L. Parrish, "Storm in a Teacup: The U.S.
Supreme Court's Use of Foreign Law", University of Illinois Law Review 1 (2007): 637-680; Roger P. Alford,
"Roper v. Simmons and Our Constitution in International Equipoise", UCLA Law Review 53 (2005): 1-27.
26 BVerfGE 111, 307. Para uma análise desse caso e de suas implicações para a relação entre as ordens nacio-
nais e transnacionais, cf. Virgílio Afonso da Silva, "Colisões de direitos fundamentais entre ordem nacional
e ordem transnacional", in Marcelo Neves (org.), Em torno da transnacionalidade do direito: novas perspec-
tivas dos conflitos entre ordens jurídicas, São Paulo: Quartier Latin, 2009 (no prelo). Os parágrafos abaixo
no texto baseiam-se em grande medida no texto desse artigo.
27 Cf. BVerfGE 111, 307 (323).
28 Cf. BVerfGE 111, 307 (323-324).
29 Cf. BVerfGE 111, 307 (323).

521
Virgílio Afonso da Silva

O último exemplo é um exemplo de integração mediante a migração de critérios


interpretativos. Há muito tempo, a idéia de proporcionalidade (com seus testes de
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) tem sido um critério
adotado pelo Tribunal Constitucional Federal alemão. Mas essa idéia - esse critério
interpretativo - migrou para outros países e outros tribunais nacionais. O exemplo
inglês talvez seja o mais emblemático. Durante décadas, os tribunais ingleses aplica-
ram o critério da irrazoabilidade, desenvolvido na decisão Wednesbury, de 1948. Nos
últimos anos, contudo, cada vez mais a proporcionalidade tem sido aplicada também
pelos juízes ingleses.30 A migração, nesse caso, foi indireta, já que intermediada pela
jurisprudência da Corte Européia de Direitos Humanos. A proporcionalidade primei-
ro migrou da Alemanha para a Corte Européia e, após a entrada em vigor do Human
Rights Act na Inglaterra, continuou seu caminho em direção à jurisprudência dos tri-
bunais ingleses.
Se é possível afirmar que, em uma dada região, quanto mais os tribunais consti-
tucionais empregam os mesmos critérios interpretativos, tanto maior será a integra-
ção jurídica entre eles - e parece-me que é possível afirmar isso - então a migração de
idéias constitucionais pode ter um papel importantíssimo na integração jurídica dessa
região, porque, mesmo que não haja muita legislação comum ou instituições comuns,
os tribunais (e os ordenamentos jurídicos como um todo) aproximam-se por meio de
uma aproximação no discurso jurídico. A mim parece ser possível afirmar que isso é
integração, uma integração por meio daquilo que alguns autores chamam de "discur-
so entre tribunais", ou seja, de uma "conversação ou um diálogo entre tribunais".31
Isso leva ao objeto da próxima seção deste texto.

IV. A experiência de diálogo constitucional na América do Sul

Por várias razões, não é tarefa simples avaliar o quanto existe de diálogo na
América do Sul. A primeira delas é a possibilidade de haver mais diálogo entre deter-
minados países e menos diálogo entre outros. Uma segunda razão é a possibilidade de
maior diálogo em determinados âmbitos e menor em outros. Diante disso, a análise
que se segue nos próximos tópicos tem necessariamente um duplo viés: seu ponto de
vista é brasileiro e constitucionalista. Outros enfoques podem, portanto, levar a out-
ras conclusões.
Ao menos desse ponto de vista definido acima, parece-me que um claro déficit
na integração jurídica na América do Sul é uma grande ausência de diálogo constitu-
cional transnacional32 entre tribunais, o que resulta em uma quase total ausência de

30 Cf., por todos, Regina v. Secretary of State For The Home Department, Ex Parte Daly, [2001] UKHL 26.
31 Mattias Kumm, "Democratic Constitutionalism Encounters International Law: Terms of Engagement", p. 292.
32 É importante ressaltar que "diálogo constitucional transnacional" não é sinônimo de transconstitucionalis-
mo, embora ambos os fenômenos tenham ligações estreitas. Sobre este último, cf., por todos, Marcelo
Neves, Transconstitucionalismo, São Paulo: Tese USP, 2009.

522
Integração e Diálogo Constitucional na América do Sul

migração de idéias constitucionais na região. No Brasil, em boa parte dos casos, pouco
se sabe o que ocorre nos países vizinhos e o que decidem seus tribunais.33 Às vezes
sabemos o que é decidido no Tribunal Constitucional alemão ou na Suprema Corte
dos Estados Unidos, mas não temos a menor idéia do que (e como) se decide na Corte
Suprema de Justiça da Argentina, no Tribunal Constitucional do Chile ou na Corte
Constitucional da Colômbia.34 Nem mesmo por meio das decisões da Corte
Interamericana as idéias migram de um país a outro (como ocorreu, por exemplo, com
a idéia de proporcionalidade entre Alemanha e Inglaterra, por meio da jurisprudência
da Corte Européia de Direitos Humanos35). No Brasil, a jurisprudência da Corte
Interamericana de Direitos Humanos não tem ressonância nas decisões dos tribunais
nacionais.36 Como salienta Evorah Cardoso, "[a] principal deficiência do sistema inte-
ramericano hoje está no diálogo surdo que se estabelece entre suas decisões e as insti-
tuições domésticas",37 situação essa que, no caso brasileiro, é sedimentada pela falta de
familiaridade e, sobretudo, pela atitude refratária do judiciário brasileiro em relação
ao direito internacional em geral.38
Com isso, perde-se a oportunidade de, por meio da livre migração de idéias, forta-
lecer uma integração ainda insuficiente. Existem muitas causas para essa ausência de
diálogo. Pretendo aqui apenas apontar algumas, sem discutir possíveis soluções, porque
parece-me que, na maioria dos casos, a simples enunciação das possíveis causas é sufi-
ciente para imaginar as soluções. Como já foi ressaltado acima, meu foco de análise é a
experiência brasileira. Os 5 tópicos a seguir são bastante heterogêneos e pretendem
explorar diversas causas para o pequeno trânsito de idéias no continente. Inicia-se com
a causa mais geral, que não tem relação direta com o direito, mas que reflete a situação
com bastante precisão: o desconhecimento geral sobre nossos vizinhos (4.1). Os tópicos
seguintes (4.2 a 4.4) exploram diversas facetas desse desconhecimento no âmbito jurídi-

33 Embora com um pouco mais de freqüência se saiba o que escrevem os autores de alguns desses países vizi-
nhos, especialmente da Argentina.
34 Cf., sobre isso, o tópico 4.5, abaixo.
35 Cf. a decisão mencionada na nota 28. Cf. também Gordon Anthony, UK Public Law & European Law: The
Dynamics of Legal Integration, Oxford: Hart, 2002, pp. 170-177.
36 Para evitar mal-entendidos, é preciso salientar que essa afirmação restringe-se ao uso de decisões da
Corte Interamericana em âmbitos judiciais no Brasil. Não é objeto da análise a possível influência des-
sas e de outras espécies de decisões e recomendações - da Comissão Interamericana, por exemplo - na
elaboração de políticas públicas. Talvez o caso mais conhecido nesse último âmbito seja o da violência
contra as mulheres no Brasil, objeto de censura da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e que
culminou com a elaboração da lei 11.340/2006, conhecida como "Lei Maria da Penha". Sobre a questão,
cf. o relatório 54/01 da Comissão Interamericana, disponível em http://www.cidh.oas.org/annual-
rep/2000port/12051.htm.
37 Evorah Lusci Costa Cardoso, Litígio estratégico e sistema interamericano de direitos humanos: análise de
casos da Corte Interamericana, mestrado, FD-USP, 2008, p. 124.
38 Nesse sentido, cf. Flávia Piovesan, "Brazil: Impact and Challenges of Social Rights in Courts", in Malcolm
Langford (org.), Social Rights Jurisprudence: Emerging Trends in International and Comparative Law,
Cambridge: Cambridge University Press, 2008, p. 190.

523
Virgílio Afonso da Silva

co, até culminar, no último tópico (4.5) com a constatação da total ausência de interes-
se do Supremo Tribunal Federal por um diálogo entre cortes na América do Sul.39

4.1. Conhecer a América do Sul

Ao longo deste texto, já se falou que integração (não apenas jurídica) não impli-
ca necessariamente a existência de instituições comuns. Integrar pressupõe conhecer
e compreender. Da mesma forma que, no âmbito jurídico, estamos mais abertos a
conhecer e a estudar o que vem dos Estados Unidos e da Europa do que aquilo que
vem dos países vizinhos, em outros âmbitos - político, cultural, social - o mesmo fenô-
meno se repete. A criação de uma espécie de identidade sul-americana ou de um sen-
timento de pertencimento a uma comunidade supranacional supõe conhecer o que se
passa nos países vizinhos. A imprensa, nesse âmbito, tem um papel determinante. Nos
jornais, revistas, TVs e rádios europeus, as notícias do continente ocupam um lugar de
destaque. Há canais de TV dedicados quase que exclusivamente a notícias européias
(Euronews, por exemplo), além de projetos conjuntos binacionais, como o caso da
emissora de TV arte, produto de uma cooperação franco-germânica.
No que diz respeito ao Brasil e à América do Sul, a "integração por meio da notí-
cia" é praticamente inexistente. Nos jornais, nem mesmo nos cadernos especialmente
dedicados às notícias internacionais é possível encontrar com freqüência alguma
informação sobre os outros países da América do Sul. Embora sem pretender qualquer
relevância estatística, um pequeno exemplo pode ser elucidativo. Na primeira semana
de junho de 2009, o maior jornal do país – a Folha de São Paulo - publicou apenas 6
textos sobre a América do Sul, totalizando 1968 palavras. Nessa primeira semana, em
4 dias não houve notícia alguma da região.40 Apenas para se ter uma idéia do que isso
significa, o mesmo jornal publicou, no mesmo período, 10 textos sobre a Inglaterra,
totalizando 3818 palavras. Ou seja: sobre um único país europeu, houve praticamen-
te o dobro de conteúdo informativo. Sobre a Coréia do Norte, foram publicados 5 tex-
tos, totalizando 1751 palavras, quase o mesmo espaço dedicado, no mesmo período, a
todos os países da América do Sul. Dentre as notícias sobre a América do Sul, não
havia nenhuma notícia sobre o Chile, o Uruguai, o Paraguai e o Equador.41
Mas, se a leitura do caderno dedicado às notícias internacionais já não é muito
favorável para se saber o que ocorre nos países vizinhos, o cenário é ainda menos pro-
missor nos cadernos de cultura, por exemplo. No mesmo período mencionado acima,
não se pode encontrar nenhuma notícia sobre a América do Sul. E o resultado não
seria muito diferente se o período fosse ampliado para um mês ou um ano de notícias.

39 Neste ponto, é interessante notar que, embora o STF e seus ministros estejam em freqüente contato com
membros de outros tribunais do continente, isso parece não refletir em sua jurisprudência.
40 Nos dias 1º, 2, 4 e 5 de junho.
41 E, claro, também nenhuma notícia sobre a Guiana, a Guiana Francesa e o Suriname.

524
Integração e Diálogo Constitucional na América do Sul

Com essas constatações, não se pretende demonstrar que o diálogo jurídico ou


que a migração de idéias constitucionais tenha direta relação com a quantidade de
notícias da América do Sul que podem ser encontradas nos jornais brasileiros. O que
se pretende, com esse primeiro tópico particularmente genérico e despretencioso, é
apontar para o fato de que, por mais que a integração (ou a falta de integração) possa
ser também uma conseqüência da existência (ou da inexistência) de instituições e de
legislação comum, ela não é totalmente explicada apenas por esse aspecto institucio-
nal. Outros aspectos também podem ser fatores determinantes. Um deles é justamen-
te a quantidade de informação que se tem sobre os outros, que influencia diretamen-
te a capacidade de conhecê-los e compreendê-los.

4.2. A América do Sul no ensino jurídico brasileiro

Duas importantes maneiras de fomentar uma maior integração por meio da


migração de idéias constitucionais é oferecer aos estudantes de direito a possibilidade
de: (1) tomar contato com decisões de tribunais ou com trabalhos de autores sul-ame-
ricanos; e (2) discutir questões ligadas à integração regional ou ao sistema regional de
proteção de direitos humanos.
No primeiro caso - contato com decisões de tribunais ou com trabalhos de auto-
res sul-americanos – não há, pelo menos a partir de um determinado ponto de vista,
grandes diferenças entre o que ocorre no Brasil e a prática em países europeus: nos
cursos de graduação em direito não se costuma, nem aqui nem lá, ter contato com
decisões judiciais ou textos de autores de países vizinhos. Há, contudo, um dado rele-
vante neste ponto: no Brasil, são lidas muitas obras e decisões judiciais estrangeiras,
mas quase que exclusivamente européias e norte-americanas. Diante disso, talvez seja
até mais fácil incorporar leituras de autores da região nos cursos brasileiros do que em
cursos em países europeus, visto que a presença de obras estrangeiras já faz parte do
cotidiano do nosso ensino jurídico. É preciso, no entanto, enfrentar e vencer um certo
eurocentrismo que está presente por toda parte.
Com relação ao segundo caso - discutir questões ligadas à integração regional ou
ao sistema regional de proteção de direitos humanos – há ainda pouquíssimo espaço,
nos cursos de graduação em direito, para um debate sobre a integração jurídica na
América Latina em geral ou na América do Sul em especial. Uma pesquisa nos currí-
culos de algumas das principais universidades públicas brasileiras é suficiente para
perceber isso. Foram pesquisados os currículos das seguintes universidades:
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),42 Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE),43 Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),44

42 http://www.direitouerj.org.br/2005/index.php?id_pagina=1040200.
43 http://www.proacad.ufpe.br/cursos/perfis_08/direito_perfil_0805.pdf.
44 http://www1.ufrgs.br/graduacao/xInformacoesAcademicas/curriculo.php?CodCurso=310&
CodHabilitacao=57&CodCurriculo=177&sem=2009012.

525
Virgílio Afonso da Silva

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),45 Universidade de Brasília (UnB)46 e


Universidade de São Paulo (USP).47 Em todas elas, os debates sobre integração, siste-
ma regional de proteção aos direitos humanos ou sobre direito comparado, quando
presentes, estão relegados a pouquíssimas disciplinas, todas elas optativas. A tabela a
seguir resume os resultados:48

universidade disciplina optativa?? observaçção


UERJ Tópicos de direito internacional: o sim 1 tópico sobre a Corte
direito internacional dos direitos dos Interamericana
homens
Tópicos especiais de direito sim 1 tópico sobre o Sistema
internacional: direito internacional Interamericano (em conjunto
dos direitos humanos com o europeu e o africano)
UFPE Direito comunitário 2 sim disciplina específica sobre o
Mercosul
UFRGS Direito comparado sim referências ao direito europeu,
sem referências ao direito
latino-americano
Direito da integração sim ênfase em União Européia, mas
com referências ao Mercosul
UFRJ Direito da integração sim ênfase em União Européia, mas
com referências ao Mercosul
UnB Direito internacional dos direitos sim sem ementa, não oferecida
humanos
USP Direito da integração sim inclui Mercosul

4.3. O Sistema Interamericano na pesquisa acadêmica

A produção acadêmica brasileira também não começou a se ocupar com a fre-


qüência desejada com o sistema interamericano de proteção aos direitos humanos e,
especialmente, com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Os trabalhos sobre a Corte Européia parecem ainda ser mais freqüentes do que aque-
les sobre a Corte Interamericana. Uma pesquisa no banco de dados da página do
Senado Federal na internet, que inclui o acervo de diversas bibliotecas,49 ilustra a

45 https://www.siga.ufrj.br/sira/temas/zire/frameConsultas.jsp?mainPage=/repositorio-curriculo/9BAE61EE-
92A4-F713-002D-7A1004A03372.html.
46 http://www.serverweb.unb.br/matriculaweb/graduacao/curso_dados.aspx?cod=43.
47 http://sistemas2.usp.br/jupiterweb/jupColegiadoMenu.jsp?codcg=2&tipo=D&nomclg=Faculdade
+de+Direito.
48 Essa pesquisa não tem pretensão de relevância estatística. Em primeiro lugar, porque se ocupa de apenas
poucas faculdades de direito; e, em segundo lugar, porque não é possível saber com certeza, apenas pela lei-
tura de ementas e programas, o que de fato é ensinado, lido e discutido nos cursos em questão.
49 Além das bibliotecas do próprio Senado Federal, a base de dados inclui as bibliotecas da Advocacia Geral da
União, da Câmara dos Deputados, da Câmara Legislativa do Distrito Federal, do Ministério da Justiça, do
Ministério do Trabalho e Emprego, da Procuradoria Geral da República, do Superior Tribunal de Justiça, do
Superior Tribunal Militar, do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal de Contas do Distrito Federal, do
Tribunal de Contas da União, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e do Tribunal Superior do Trabalho.

526
Integração e Diálogo Constitucional na América do Sul

situação. Aqui, de novo, não há pretensões estatísticas. O intuito é apenas apresentar


alguns indícios da situação atual da produção acadêmica brasileira. Foram feitas duas
pesquisas, ambas na base de dados de periódicos publicados em português (excluídos
os artigos publicados em jornais não acadêmicos): a primeira usou como termo de
busca "corte interamericana"; a segunda, os termos "tribunal europeu" e "corte euro-
péia". Em ambos os casos, a pesquisa não se limitava ao título dos trabalhos, ou seja,
abrangia também campos como "assunto". O resultado foi o seguinte:

termo de busca quantidade de artigos


corte interamericana 43
tribunal europeu; corte européia 54

Embora seja possível tentar explicar a pouca quantidade de artigos sobre a Corte
Interamericana por meio do fato de que o Brasil reconheceu a jurisdição da CIDH ape-
nas em 1998, essa explicação seria incompatível com a existência de um número maior
de artigos sobre a Corte Européia, já que, nesse caso, nem ao menos faz sentido em se
falar em reconhecimento de jurisdição.
A produção em nível de pós-graduação de uma das principais faculdades de
direito do país - a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - também é sin-
tomática. Uma pesquisa por "Corte Interamericana" no banco de dados de teses dessa
faculdade50 retorna apenas 3 obras.51

4.4. Direito constitucional x direito internacional

No Brasil há uma rígida separação, sobretudo nas universidades, entre direito


constitucional, de um lado, e direito internacional público e direito comunitário, de
outro. Por mais que os internacionalistas eventualmente se esforcem em fortalecer
uma visão um pouco mais cosmopolita do direito interno (embora muitas vezes essa
visão mais cosmopolita esteja mais orientada para Estrasburgo e Luxemburgo do que
para San Jose da Costa Rica), essa visão não encontra eco nos tribunais brasileiros. O
material normativo manuseado pelos juízes é quase que exclusivamente um material
de direito interno, com algumas poucas exceções.
No âmbito do direito constitucional, o principal debate envolvendo normas
internacionais foi a aplicabilidade do Pacto de San José da Costa Rica como uma forma
de impedir a prisão civil por dívidas nos casos dos depositários infiéis. Como já se

50 http://dedalus.usp.br:4500/ALEPH/por/FDI/FDI/FD/find-a? (pesquisa pela expressão "corte interamerica-


na", base: "Teses USP").
51 Monica Aquino de Muro, Sistema interamericano em matéria de direitos humanos: uma sentença, mestra-
do, FD-USP, 1991; Heloisa Estellita, Integração regional e direito penal, doutorado, FD-USP, 2004; Evorah
Lusci Costa Cardoso, Litígio estratégico e sistema interamericano de direitos humanos: análise de casos da
Corte Interamericana, mestrado, FD-USP, 2008.

527
Virgílio Afonso da Silva

mencionou, a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal sempre havia


sido pela não-aplicação do Pacto nesses casos, por considerá-lo hierarquicamente
equivalente às leis ordinárias e, portanto, inferior à Constituição. Talvez ainda mais
simbólico para a separação estrita entre o nível internacional e o nível constitucional
- e para a a predominância deste último - é o fato de que a mudança de orientação do
STF sobre a prisão dos depositários infiéis (especialmente a partir das decisões no RE
466.343 e no HC 90.172, que sustentam a supralegalidade dos tratados internacionais
de direitos humanos) tenha sido causada não por uma aceitação maior da interação
entre o direito constitucional e o direito internacional, mas pura e simplesmente em
razão de uma mudança no texto constitucional, por meio da EC 45/2004.

4.5. Utilização de decisões da CIDH e de tribunais sul-americanos

Por fim - e, de certa forma, como conseqüência das quatro razões anteriores - é
possível afirmar que há uma utilização muito pouco significativa de idéias constitu-
cionais desenvolvidas em outros países da América do Sul ou da América Latina, bem
como uma ínfima atenção às decisões da Corte Interamericana e de tribunais nacio-
nais de outros países da América do Sul no discurso jurídico brasileiro, sobretudo no
âmbito dos tribunais.
Uma pesquisa no banco de dados do Supremo Tribunal Federal52 dá uma idéia
do cenário atual. Foram procuradas decisões que fizessem menção à jurisprudência
dos seguintes tribunais: Corte Interamericana de Direitos Humanos,53 Corte Suprema
de Justiça da Argentina,54 Tribunal Constitucional do Chile55 e Corte Constitucional
da Colômbia.56 Além desses tribunais, foram também pesquisadas referências à
Suprema Corte dos Estados Unidos57 e ao Tribunal Constitucional Federal da
Alemanha,58 para se ter uma idéia da freqüência com que se citam decisões de tribu-
nais estrangeiros. Esse último passo é necessário porque um pequeno número de refe-
rências a decisões de tribunais de países da América do Sul ou à própria Corte
Interamericana de Direitos Humanos poderia significar apenas e tão-somente uma
prática decisória refratária à consideração de decisões estrangeiras em geral, como
ocorre em alguns países do mundo, especialmente nos Estados Unidos. O resultado,

52 http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp.
53 Expressão de busca utilizada: corte adj interamericana.
54 Expressão de busca utilizada: corte adj2 suprema adj3 argentina.
55 Expressões de busca utilizadas: tribunal adj2 constitucional adj3 chile; tribunal adj2 constitucional adj3 chi-
leno; corte adj2 constitucional adj3 chile; corte adj2 constitucional adj3 chilena.
56 Expressões de busca utilizadas: tribunal adj2 constitucional adj3 colômbia; tribunal adj2 constitucional adj3
colombiano; corte adj2 constitucional adj3 colômbia; corte adj2 constitucional adj3 colombiana.
57 Expressões de busca utilizadas: suprema adj corte adj americana; suprema adj corte adj norte-americana;
"supreme court"; "suprema corte dos estados unidos".
58 Expressões de busca utilizadas: tribunal adj2 constitucional adj3 alemão; corte adj2 constitucional adj3
alemã; bundesverfassungsgericht.

528
Integração e Diálogo Constitucional na América do Sul

no entanto, parece mostrar que o cenário não é exatamente esse. A tabela a seguir
resume a situação:59

tribunal quantidade de referências


Corte Interamericana de Direitos Humanos60 0
Corte Suprema de Justiça da Argentina 0
Tribunal Constitucional do Chile 0
Corte Constitucional da Colômbia 0
Suprema Corte dos Estados Unidos61 80
Tribunal Constitucional Federal da Alemanha62 58

Aqui, mais uma vez, não faz sentido procurar explicar os dados por meio do
argumento segundo o qual o Brasil reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana
de Direitos Humanos apenas em 1998 e que, desde então, foi parte em apenas duas
decisões contenciosas.63 Quando aqui se fala em referência a decisões de outros tri-
bunais, não se quer fazer menção à idéia de precedente vinculante. O que se preten-
deu aqui explicitar foi o uso argumentativo de decisões de outros tribunais, razão
pela qual foram incluídas decisões não apenas da Corte Interamericana, mas tam-

59 Três ressalvas são aqui necessárias: (1) Foram excluídas da amostra de análise as decisões em extradições e
cartas rogatórias, porque as referências a tribunais estrangeiros, nesses casos, não se relacionam com o obje-
to do presente estudo; (2) A presença de um dos termos de pesquisa mencionados nas notas anteriores em
alguma decisão do STF não significa necessariamente que haja uma referência específica a alguma decisão
dos tribunais em questão, porque (a) a referência pode ser genérica; e (b) o termo de pesquisa pode ser o
título de alguma obra sobre esses tribunais; e (3) o banco de dados do STF não abarca todas as suas decisões,
especialmente no caso das decisões monocráticas; isso significa que pode haver outras referências a decisões
de tribunais estrangeiros na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
60 Entre a exposição oral deste trabalho no seminário mencionado na primeira nota de rodapé do texto e o pre-
sente momento, foi proferida a decisão no RE 511.961, sobre a exigência de diploma de curso superior para
o exercício da profissão de jornalista. Em seu voto nessa decisão, o Min. Gilmar Mendes faz menção a prece-
dente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Opinião Consultiva OC-5/85). No entanto, a decisão
no RE 511.961 não foi ainda publicada, razão pela qual não aparece nos resultados da pesquisa realizada.
61 Algumas das decisões citadas: Dread Scott v. Sandford (1857), Garrity v. New Jersey (1967), Linkletter v.
Walker (1965), Marbury v. Madison (1803), Mapp v. Ohio (1961), McCulloch v. Maryland (1819), Murray
v. United States (1988), Nardone v. United States (1939), Nix v. Williams (1984), Panhandle Oil Co. v. State
of Mississippi, (1928), Payton v. New York (1980), R.A.V. v. City of St. Paul (1992), Schenck v. United
States (1919), Segura v. United States (1984), Shaare Tefila Congregation v. Cobb (1987), Silverthorne
Lumber Co. v. United States (1920), Stovall v. Denno (1967), Sweezy v. New Hampshire (1957),
Terminiello v. Chicago (1949), Texas v. Johnson (1989), Virginia v. Black et al. (2003), Weeks v. United
States (1914), Wong Sun v. United States (1963).
62 Algumas das decisões citadas: BVerfGE 6, 32; BVerfGE 7, 198; BVerfGE 11, 218; BVerfGE 12, 113; BVerfGE
13, 318; BVerfGE 16, 130; BVerfGE 18, 85; BVerfGE 19, 268; BVerfGE 38, 288; BVerfGE 62, 117; BVerfGE
62, 230; BVerfGE 62, 338; BVerfGE 64, 389; BVerfGE 70, 288; BVerfGE 91, 93.
63 Nos casos Ximenes Lopes vs Brasil (julgado em 4 de julho de 2006) e Nogueira de Carvalho e outro vs Brasil
(julgado 28 de novembro de 2006). O Brasil também já foi parte em outros três casos que tramitam na
Comissão Interamericana e foram objeto de medidas provisórias por parte da Corte Interamericana: caso
Penitenciária Urso Branco, caso Penitenciaria "Dr. Sebastião Martins Silveira" e caso Complexo Tatuapé
(Febem).

529
Virgílio Afonso da Silva

bém de tribunais de cúpula de outros países. Os números parecem ser auto-explica-


tivos: a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é altamente permeável a argu-
mentos utilizados em alguns tribunais de outros países, mas ignora por completo a
jurisprudência dos tribunais dos países vizinhos, que são justamente aqueles que, em
alguns âmbitos, têm problemas - como a efetivação de direitos humanos - muito
semelhantes aos brasileiros.64

V. Conclusão

Com a timidez que ainda domina o diálogo constitucional na América do Sul -


ou, ao menos, entre o Brasil e os outros países da região -, perdemos a oportunidade
de aprender juntos e de criar sinergias e, assim, a oportunidade de nos integrar.65
Embora o conceito clássico de constituição seja algo intimamente ligado ao
Estado nacional, isso não implica que, contemporaneamente, a interpretação consti-
tucional também tenha que se limitar às fronteiras de cada país. O constitucionalismo
- e a interpretação constitucional - não são apenas questões estritamente nacionais
porque os problemas são internacionalmente comuns,66 e muitas vezes as realidades e
as experiências jurídicas também o são. Nesse sentido, é possível afirmar que mesmo
que não houvesse no mundo nenhum órgão (ou tribunal) supranacional, a integração,
por meio do livre fluxo de idéias, poderia ser riquíssima e intensa.
Não é exagero afirmar que simplesmente conhecer os outros, conhecer suas
idéias, discutir e transformar juntos essas idéias podem ser também poderosas formas
de integração. Por mais que seja um pouco irônico que o encontro que reuniu boa
parte dos autores deste livro tenha ocorrido na Alemanha, talvez fosse provinciano
preocupar-se com isso agora. Se os problemas do mundo são comuns, se o diálogo tem
que ser amplo, pouco importa que uma discussão sobre integração da América do Sul
ocorra em país fora do continente, da mesma forma que talvez pouco importe que
meu primeiro contato com uma orquestra venezuelana tenha sido por meio de um
jornal alemão. O que importa é que, da mesma forma que a música dessa orquestra
migrou para o meu aparelho de som e agora ecoa nesta chuvosa manhã paulistana,
também esses encontros para conhecer melhor nossos vizinhos, onde quer que ocor-
ram, possam fomentar uma integração mais sólida.

64 Na América do Sul, talvez um dos casos mais atuais de diálogo fomentado por problemas jurídicos comuns
a vários países seja o debate sobre revisão de leis de anistia. Em alguns países - a Argentina talvez seja o prin-
cipal -, é perceptível a disposição para a interação com a jurisprudência da Corte Interamericana. Sobre a
questão, cf. Evorah Lusci Costa Cardoso, Litígio estratégico e sistema interamericano de direitos humanos:
análise de casos da Corte Interamericana, pp. 89-102.
65 O uso da primeira pessoa do plural, aqui, não é por acaso. Neste texto, sempre que se disse que há pouco
diálogo constitucional e menos trânsito de idéias entre o Brasil e os outros países da América, a intenção
não era simplesmente falar "dos outros", como se houvesse alguns culpados por esse fato, e como se o autor
do texto fosse uma ilha nesse mar de culpados. O texto, portanto, mais do que fazer uma crítica generaliza-
da "aos outros", faz uma auto-crítica.
66 Cf. Anne-Marie Slaughter, "A Typology of Transjudicial Communication", p. 119.

530
A Assim Designada Proibição de Retrocesso Social
e a Construção de um Direito Constitucional
Comum Latino-Americano1
Ingo Wolfgang Sarlet2

Sumáárioo: I. Considerações introdutórias II. Direitos Sociais e Proibição de Retrocesso: algumas aproximações
III. Conceito, fundamentação jurídico-constitucional e significado da proibição de retrocesso em matéria de direitos
sociais IV. Alguns parâmetros para aferição do alcance do princípio da proibição de retrocesso em matéria de direi-
tos sociais, com destaque para a evolução doutrinária e jurisprudencial latino-americana. V. Considerações finais:
alguns limites e desafios à formação de um direito constitucional comum latino-americano.

I. Considerações introdutórias

A formação daquilo que se pode designar de um direito constitucional comum,


seja no plano internacional, seja nos planos regionais da Europa e da América Latina,
cada vez mais ocupa um local de destaque na agenda jurídica e política contemporâ-
nea, estando vinculada ao debate em torno do estabelecimento de uma espécie de
“gramática” jurídico-constitucional comum, mas necessariamente responsiva às pecu-
liaridades histórico-culturais dos estados que integram a comunidade internacional,
além de estar submetida ao contexto nem sempre amistoso e favorável em termos
sociais e econômicos, mas também em termos culturais e políticos. Com efeito, não há
como desconsiderar que a formação de um direito constitucional comum ou interna-
cional guarda relação também com a necessária afirmação, no plano global, do mode-
lo do Estado Constitucional, o que assume a posição de uma verdadeira condição de
possibilidade.
Antes de avançarmos e procedendo já a uma primeira delimitação da abordagem,
enfatizamos que o que se busca, mediante recurso ao assim designado princípio da
proibição de retrocesso social (ou proibição de regressividade), é ilustrar como já se
pode detectar a presença de alguns elementos importantes que indicam que, a despei-
to de seu caráter ainda embrionário, o processo de formação de um direito constitu-

1 O texto constitui versão ligeiramente adaptada do original elaborado para integrar coletânea a ser publica-
da na Espanha em homenagem ao Professor Doutor Peter Häberle, mas que, considerando a temática e o
enfoque da abordagem, guarda intensa conexão com o tema da presente obra coletiva.
2 Doutor e Pós-Doutor pela Universidade de Munique, Alemanha. Professor Titular de Direito
Constitucional na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, Brasil. Juiz de Direito e Professor da Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul.
Professor Visitante da Universidade Pablo de Olavide (Sevilha) e da Universidade Católica Portuguesa
(Lisboa). Bolsista e Pesquisador Visitante do Instituto Max-Planck de Direito Social Estrangeiro e
Internacional (Munique) e visiting researcher nas Faculdades de Direito da Universidade de Georgetown
e Harvard.

531
Ingo Wolfgang Sarlet

cional comum na esfera da América Latina, é algo que já iniciou, oferecendo um leque
de possibilidades viáveis, mas que segue esbarrando em dificuldades de expressiva
monta, que por vezes tendem a fazer fraquejar mesmo os mais otimistas. De qualquer
modo, é preciso reconhecer que a definição do que pode ser considerado um direito
constitucional comum não encontra necessariamente uma única resposta correta, a
depender dos parâmetros invocados.
Importante, ainda mais considerando o contexto no qual se situa a presente abor-
dagem, é a verificação de que, embora qualquer paralelismo direto e apressado entre
o quadro regional da Europa e o da América Latina seja equivocado, se não for objeto
de cuidadosa diferenciação e contextualização, se não é possível (ainda) se falar na
existência de um direito constitucional comum latino-americano similar ao que já
existe na Europa (embora mesmo no Velho Continente nem tudo esteja a correr da
forma idealizada por muitos!), a aproximação cada vez maior entre as diversas ordens
constitucionais nacionais constitui um fenômeno cada vez mais presente. Tal proces-
so ganhou relevo em especial após a derrocada (quase integral, já que não se podem
fechar os olhos em relação às manifestações autoritárias e populistas que seguem ocor-
rendo em alguns lugares) das ditaduras civis e militares que marcaram sua presença
por toda a América Latina em especial nos anos de 1960, 1970 e 1980, mediante a pro-
mulgação de um número expressivo de novas constituições, que demonstram a utili-
dade, não apenas, mas com particular destaque, da utilização mais efetiva, embora
sempre cautelosa, do direito comparado.
A demonstração, por sua vez, de que existem referenciais que indicam a forma-
ção de um direito constitucional comum no espaço latino-americano pode, por sua
vez, ser efetuada de diversas maneiras. Numa determinada perspectiva, é certo que a
análise dos textos constitucionais permite traçar um quadro comparativo e identificar
convergências e divergências. Em outro plano, também o labor da doutrina e da juris-
prudência, podem tanto contribuir para a construção de pontes e sua fortificação,
quanto ser causa de desintegração, mediante a recusa de um olhar atento e receptivo
para os lados. Em outras palavras, a sinergia textual pouco vale se não for correspon-
dida no plano da doutrina e (o que acaba, na prática, sendo inclusive mais grave) se
não for acompanhada de uma concretização pelo processo político e aplicação pela
jurisdição constitucional. Assim, é a partir da tríade dinâmica constituída de textos
normativos, doutrina (teorias) e jurisprudência, metódica difundida por Peter
Häberle,3 que necessariamente se poderá obter e avaliar adequadamente o processo
evolutivo do constitucionalismo, inclusive no que diz respeito à formação de um
direito constitucional comum.
De outra parte, é bom frisar que iremos nos centrar na análise de um instituto
jurídico em particular, objeto de incursões anteriores da nossa autoria, mas que agora

3 Cf. Peter Häberle, “Neue Horizonte und Herausforderungen des Konstitutionalismus”, in: EuGRZ 2006, p.
535, apenas para referir uma das mais recentes referências a respeito do tópico.

532
A Assim Designada Proibição de Retrocesso Social e a Construção
de um Direito Constitucional Comum Latino-Americano

será visualizado pela perspectiva de um direito constitucional comum latino-america-


no, qual seja, o da proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais, por sua vez,
conectado a outros princípios gerais e comuns aos estados constitucionais contempo-
râneos, como é o caso da dignidade da pessoa humana e da segurança jurídica (com
destaque para a tutela dos direitos adquiridos e a proteção à confiança), assim como
com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, apenas para mencionar
alguns dos mais relevantes. Antecipando já algumas das conclusões que haverão de
seguir ao final, o que se busca demonstrar é que a proibição de retrocesso em matéria
de direitos sociais, a despeito de não ter sido expressamente agasalhada por nenhuma
das constituições latino-americanas, representa hoje, ainda que não necessariamente
sob este rótulo e com sentido variável, uma categoria reconhecida e em processo de
crescente difusão e elaboração doutrinária e jurisprudencial em várias ordens jurídi-
cas, inclusive em função da sua consagração no âmbito do direito internacional.
No que diz com a estrutura do texto, iniciaremos com algumas observações sobre
a constitucionalização dos direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais, dora-
vante designados, em caráter genérico, como direitos sociais, e a correlata noção de
uma proibição de retrocesso, para, na seqüência, abordarmos o conteúdo e alcance
jurídicos de tal proibição de retrocesso, sempre buscando identificar, mediante recur-
so a exemplos, aspectos comuns entre os diversos países latino-americanos a respeito
dos quais foi possível acessar textos doutrinários e referências jurisprudenciais, com
ênfase para os Tribunais Superiores ou Constitucionais e os casos do Brasil e da
Colômbia. Antes de prosseguirmos, todavia, registramos o nosso profundo agradeci-
mento aos coordenadores da presente coletânea pela lembrança do nosso nome e pela
oportunidade de participar deste encontro acadêmico.

II. Direitos Sociais e Proibição de Retrocesso: algumas aproximações

Como bem averbou Peter Häberle, por ocasião de conferência organizada pelo
Instituto para o Federalismo de Friburgo, Suíça, em 1989, versando precisamente
sobre o tema dos direitos sociais no âmbito da reforma constitucional, embora o
necessário cuidado com uma inflação indesejável em matéria de direitos sociais (noção
que para ou autor abrange também os direitos culturais), tais direitos, em virtude de
sua umbilical relação com a dignidade da pessoa humana e a própria democracia,
constituem parte integrante de um autêntico Estado Constitucional de Direito,4 que,
por sua vez, assume a posição de tipologia modelar do moderno constitucionalismo, à
exceção daquilo que se pode designar de um constitucionalismo meramente textual ou
aparente.5 Com efeito, ainda de acordo com Peter Häberle, ao mesmo tempo em que

4 Cf. Peter Häberle, “Dignita’Dell’Uomo e Diritti Sociali nelle Costituzioni degli Stati di Diritto”, in:
Costituzione e Diritti Sociali, Éditions Universitaires Fribourg Suisse, 1990, p. 99-100-102.
5 Cf. Peter Häberle, in: EuGRZ 2006, cit., p. 533-34.

533
Ingo Wolfgang Sarlet

a dignidade da pessoa humana, na sua condição de “premissa antropológica” do Estado


Constitucional e do Direito estatal, implica o dever do Estado de impedir que as pes-
soas sejam reduzidas à condição de mero objeto no âmbito social, econômico e cultu-
ral, o princípio democrático-pluralista, como conseqüência organizatória da própria
dignidade da pessoa humana, assim como os direitos político-participativos que lhe
são inerentes, exige um mínimo de direitos sociais, que viabilizem a efetiva participa-
ção do cidadão no processo democrático-deliberativo de uma autêntica sociedade
aberta.6 De outra parte, em um dos mais instigantes e influentes ensaios do constitu-
cionalismo contemporâneo sobre o tema, o mesmo Peter Häberle sublinha que preci-
samente tal vínculo entre dignidade, democracia e direitos sociais (entre outros aspec-
tos, importa frisar) evidencia o quanto, em certo sentido, todos os direitos fundamen-
tais são sempre também direitos sociais, visto sempre terem uma dimensão comunitá-
ria, mas em especial por serem todos, em maior ou menor medida, dependentes de
concretização também por meio de prestações estatais. Ao mesmo tempo, tais víncu-
los revelam a natureza meramente gradual e relativa das distinções entre os diversos
tipos, manifestações e funções de direitos fundamentais, de tal sorte que tais funções
e tipologias devem ser compreendidas e concretizadas em conjunto, no sentido de se
complementarem e reforçarem mutuamente.7
Embora as premissas lançadas mereçam maior desenvolvimento, nos parece
aceitável, para o efeito de introduzir o ponto mais diretamente enfocado neste estu-
do, proceder a uma simplificação, mormente quando não se pretende aprofundar a
problemática do conteúdo e eficácia dos direitos sociais de um modo geral. De qual-
quer modo, uma análise já no plano da evolução textual (ou melhor, dos níveis –
degraus - textuais, para sermos fiéis à proposta de um “Textstufenparadigma”, tal
como formulado por Peter Häberle8), demonstra que os direitos sociais são hoje –
embora com importantes variações quanto à amplitude deste reconhecimento expres-
so - uma constante nas constituições latino-americanas vigentes, especialmente nas
que foram promulgadas nos últimos vinte a trinta anos.9 De outra parte, também para
os direitos sociais, de acordo com entendimento amplamente difundido, vale a noção

6 Cf., novamente, Peter Häberle, in: Costituzione e Diritti Sociali, cit., p. 100-101.
7 Cf. Peter Häberle, “Grundrechte im Leistungsstaat”, in: VVDStrL 30, 1972, p. 76.
8 Cf. Peter Häberle, in: EuGRZ 2006, p. 535
9 Com exceção da Constituição da Argentina, que não dispõe propriamente de um catálogo de direitos soci-
ais, além da previsão (artigo 14) da proteção do trabalho, bem como a previsão da competência do Congresso
para legislar em matéria de promoção de ações positivas para assegurar a igualdade de oportunidades em
diversos campos (art. 75, nº 23), as demais constituições latino-americanas consagraram, em menor ou
menor número, direitos sociais. Apenas para ilustrar, pois inviável a transcrição dos dispositivos de todas as
constituições, refere-se, por último, a nova Constituição da Bolívia (2009), que consagra, dentre outros, o
direito à proteção ambiental, o direito à saúde, o direito à seguridade social, a proteção do trabalhador, assim
como o direito à educação. Precisamente os direitos à saúde, educação, seguridade social e os direitos à pro-
teção do trabalhador são os direitos sociais mais reconhecidos no âmbito das constituições latino-america-
nas, com expressiva referência também à proteção da família e das crianças, assim como com crescente
inserção da proteção da cultura.

534
A Assim Designada Proibição de Retrocesso Social e a Construção
de um Direito Constitucional Comum Latino-Americano

de abertura material (ou seja, da não-taxatividade, portanto, da inexistência de um


numerus clausus) a outros direitos, além dos expressamente previstos nas constitui-
ções,10 seja pela integração ao direito constitucional dos diversos estados latino-ame-
ricanos dos direitos sociais, econômicos e culturais contemplados nos diversos pactos
internacionais,11 seja pelo reconhecimento de direitos sociais implicitamente positi-
vados, como dá conta, de modo especial, o exemplo da direito ao mínimo existen-
cial,12 tão caro, aliás, também para a problemática da proibição de retrocesso.
Por outro lado, para além da circunstância de que também na América Latina
algumas constituições, dada a amplitude de seu catálogo constitucional de direitos
sociais, talvez de fato tenham prometido mais do que o desejável ou mesmo possível
de ser cumprido,13 aspecto que também diz respeito ao que já se designou de uma
banalização da noção de direitos fundamentais (fenômeno que não se manifesta ape-
nas na seara dos direitos sociais),14 há que reconhecer que, transitando do plano tex-
tual para o da realidade social, econômica e cultural, a ausência significativa de efeti-
vidade do projeto social constitucional para a maioria das populações dos países lati-
no-americanos, marcados por níveis importantes de desigualdade e exclusão social,

10 Neste sentido, também a lição de Peter Häberle, in: Costituzione e Diritti Sociali, cit., p. 99. Dentre as cons-
tituições latino-americanas que contemplam cláusulas de abertura a outros direitos (embora não especifica-
mente em matéria de direitos sociais), citam-se, em caráter exemplificativo: Constituição da Nação
Argentina de 1853 (amplamente reformada em 1994): art. 33; Constituição Política do Estado da Bolívia de
2009: art. 13, II; Constituição Política da República do Chile de 1980 (com a reforma de 2005): art. 5º;
Constituição Política da Colômbia de 1991 (com a reforma de 2005): art. 94; Constituição Política da
República da Guatemala de 1985 (com a reforma de 1993): art. 44; Constituição Política da República da
Nicarágua de 1987 (com a reforma de 2007): art. 46; Constituição Política do Paraguai de 1992: art. 45;
Constituição Política do Peru de 1993 (com a reforma de 2005): art. 3º; Constituição da República do
Uruguai de 1967 (com as reformas até 1996): art. 6º; Constituição da República Bolivariana da Venezuela
de 1999: art. 22. Importante sinalar, que a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, além de
uma cláusula geral de abertura a outros direitos (art. 5º, parágrafo 2º), refere expressamente uma abertura a
outros direitos dos trabalhadores (art. 7º, caput).
11 Com efeito, já se pode apontar como característica comum das constituições latino-americanas uma aber-
tura aos tratados internacionais em matéria de direitos humanos, mediante a previsão, em muitos casos, de
cláusulas expressas de recepção, ainda que variável a hierarquia atribuída aos documentos internacionais em
relação ao direito interno. Podemos citar, a título exemplificativo, a Constituição da República de Honduras
de 1982, disposto no artigo 16; a Constituição Política da República da Nicarágua de 1987, especificamente
no seu artigo 5º; a Constituição da Nação Argentina, no artigo 31; a Constituição Política do Estado da
Bolívia de 2009, no art. 13, IV, 410, II; a Constituição Política da República do Chile de 1980 ( reformada
de acordo com o plebiscito realizado em 1989), expresso no artigo 5º; a Constituição Bolivariana da
Venezuela de 1999, no art. 23; a Constituição Política do Paraguai de 1992, expresso no art. 145; a
Constituição Política da República do Equador de 2008, em seu art. 11.3, dentre outras.
12 Sobre o tema, v., em língua portuguesa, por último, Ricardo Lobo Torres, O Direito ao Mínimo Existencial,
Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
13 Cf. a ponderação de Peter Häberle, in: Costituzione e Diritti Sociali, cit., p. 102, mediante expressa referên-
cia aos exemplos de Portugal e do Brasil, embora a possibilidade de ampliar o leque de exemplos, em se con-
siderando a evolução constitucional latino-americana mais recente.
14 Sobre José Casalta Nabais, Por uma liberdade com responsabilidade. Estudos sobre direitos e deveres fun-
damentais, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 103, que aponta para os riscos daquilo que designa de uma
panjusfundamentalização.

535
Ingo Wolfgang Sarlet

segue sendo um elemento caracterizador de uma face comum negativa. Tal crise, no
sentido de uma crise de efetividade, por sua vez, é comum – em maior ou menor esca-
la – a todos os direitos fundamentais, não podendo ser considerada uma espécie de
triste privilégio dos direitos sociais, precisamente pela conexão entre os direitos
sociais e o gozo efetivo dos assim designados direitos civis e políticos. Com efeito, tam-
bém a democracia, a cultura e o ambiente se ressentem da fragilidade dos direitos
sociais no que concerne à sua realização efetiva pelo menos para a ampla maioria dos
cidadãos latino-americanos.
Tais considerações, por sua vez, remetem já ao enfoque específico do nosso estu-
do, visto que também a noção de uma proibição de retrocesso, como se verá, é, em
certo sentido, comum a todos os direitos fundamentais. De outra parte, se considerar-
mos que a proibição de retrocesso em matéria de proteção e promoção dos direitos
sociais guarda relação com a previsão expressa de um dever de progressiva realização
contido em cláusulas vinculativas de direito internacional (como é o caso do pacto
internacional de direitos sociais, econômicos e culturais, de 1966, ratificado pela
ampla maioria dos estados latino-americanos, igualmente vinculados pela Convenção
Americana de 1969 e pelo Protocolo de San Salvador, que, por sua vez, complementa
a Convenção Americana ao dispor os direitos sociais15), poder-se-á mesmo afirmar
que pelo menos tanto quanto proteger o pouco que há em termos de direitos sociais
efetivos, talvez o que importa mesmo é priorizar o dever de progressiva implantação
de tais direitos e de ampliação da de uma cidadania inclusiva. Com efeito, progresso
como desenvolvimento sustentável, conciliando os eixos econômico, social e ambien-
tal, segue sendo possivelmente o maior desafio não apenas, mas especialmente para
Estados Constitucionais tidos como periféricos ou em fase de desenvolvimento.
De outra parte, independentemente de o quanto os deveres de progressividade
(em matéria de direitos sociais) e desenvolvimento possam (ou mesmo devam) ocupar
um lugar de destaque, segue sendo necessária uma preocupação permanente com a
consolidação e manutenção pelo menos dos níveis de proteção social mínimos, onde
e quando alcançados, nas várias esferas da segurança social e da tutela dos direitos
sociais compreendidos em toda a sua amplitude, inclusive como condição para a fun-
cionalidade da própria democracia e sobrevivência do Estado Constitucional. Ainda
mais em vista da instabilidade econômica que se verifica em escala global, assim como
em virtude dos efeitos perversos (já que não se pode desconsiderar uma série de con-
seqüências positivas16) da globalização, em particular no plano econômico, não se
pode simplesmente negligenciar a relevância do reconhecimento de uma proibição de
retrocesso como categoria jurídico-constitucional, ainda mais quando a expressiva

15 Sobre a evolução da proteção internacional dos direitos humanos, abrangendo o sistema interamericano, v.,
em especial, Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, São Paulo:
Saraiva, 2006, designadamente p. 107 e ss. (parte I e II).
16 A própria formação de um direito constitucional comum, especialmente pela globalização da gramática dos
direitos humanos e fundamentais, pode ser citada como um exemplo.

536
A Assim Designada Proibição de Retrocesso Social e a Construção
de um Direito Constitucional Comum Latino-Americano

maioria das reformas não dispensa mudanças no plano das políticas públicas e da legis-
lação. Com efeito, dentre os diversos efeitos perversos da crise e da globalização eco-
nômica (embora não se possa imputar à globalização todas as mazelas vivenciadas na
esfera social e econômica), situa-se a disseminação de políticas de flexibilização e até
mesmo supressão de garantias dos trabalhadores (sem falar no crescimento dos níveis
de desemprego e índices de subemprego), redução dos níveis de prestação social,
aumento desproporcional de contribuições sociais por parte dos participantes do sis-
tema de proteção social, incremento da exclusão social e das desigualdades, entre
outros aspectos que poderiam ser mencionados. Assim, esquematizada, em termos
gerais e conscientemente sumários e incompletos, a relação entre os direitos sociais e
a assim designada proibição de retrocesso, passaremos, no próximo segmento, a enfo-
car mais de perto a proibição de retrocesso e seu possível papel no contexto da forma-
ção (e preservação) de um direito constitucional comum latino-americano.

III. Conceito, fundamentação jurídico-constitucional e significado


da proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais

3.1. Aspectos terminológicos e conceituais

Se tomarmos a idéia da proibição de retrocesso em um sentido amplo, significan-


do toda e qualquer forma de proteção de direitos fundamentais em face de medidas do
poder público, com destaque para o legislador e o administrador, que tenham por
escopo a supressão ou mesmo restrição de direitos fundamentais (sejam eles sociais, ou
não) constata-se, em termos gerais, que, embora nem sempre sob este rótulo, tal noção
já foi recepcionada no âmbito do constitucionalismo latino-americano.
Com efeito, desde logo se verifica que, num certo sentido, a garantia constitucio-
nal (expressa ou implícita) dos direitos adquiridos, dos atos jurídicos perfeitos e da
coisa julgada, assim como as demais vedações constitucionais de atos retroativos, ou
mesmo – e de modo todo especial – as normas constitucionais, em especial, todavia, a
construção doutrinária e jurisprudencial, dispondo sobre o controle das restrições de
direitos fundamentais, já dão conta de o quanto a questão da proteção de direitos con-
tra a ação supressiva e mesmo erosiva por parte dos órgãos estatais encontrou resso-
nância. Da mesma forma, a proteção contra a ação do poder constituinte reformador,
notadamente no concernente à previsão de limites materiais à reforma, igualmente
não deixa de constituir uma relevante manifestação em favor da manutenção de
determinados conteúdos da Constituição, em particular de todos aqueles que integram
o cerne material da ordem constitucional ou – para os que ainda teimam em refutar a
existência de limites implícitos – pelo menos daqueles dispositivos (e respectivos con-
teúdos normativos) expressamente tidos como insuscetíveis de abolição mediante a
obra do poder de reforma constitucional, limites que também (embora, é certo, com

537
Ingo Wolfgang Sarlet

significativa variação) já constituem um elemento comum ao direito constitucional


latino-americano.17
De outra parte, importa referir o reconhecimento, como se verifica, com parti-
cular agudeza, no direito constitucional brasileiro, de um direito subjetivo negativo,
ou seja, da possibilidade de impugnação de qualquer medida contrária aos parâmetros
estabelecidos pela normativa constitucional, mesmo na seara das assim designadas
normas constitucionais programáticas (impositivas de programas, fins e tarefas) ou
normas impositivas de legislação, o que também aponta para a noção de uma proibi-
ção de atuação contrária às imposições constitucionais, tal qual adotada no âmbito da
proibição de retrocesso.18 Neste sentido, o reconhecimento de uma proibição de
retrocesso situa-se na esfera daquilo que se pode chamar, abrangendo todas as situa-
ções referidas, de uma eficácia negativa das normas constitucionais. Assim, indepen-
dentemente da exigibilidade dos direitos sociais como direitos positivos, ou seja, direi-
tos subjetivos a prestações sociais, no âmbito da assim designada eficácia negativa, se
está em face de uma importante possibilidade de exigibilidade judicial dos direitos
sociais como direitos subjetivos de defesa, em outros termos, como proibições de
intervenção ou proibições de eliminação de determinadas posições jurídicas.
A partir do exposto, já se percebe que não podem soar tão mal os argumentos
daqueles que sustentam que a problemática da proibição de retrocesso social consti-
tui, em verdade, apenas uma forma especial de designar a questão dos limites e restri-
ções aos direitos fundamentais sociais no âmbito mais amplo dos direitos fundamen-
tais, visto que os direitos sociais, precisamente por serem também direitos fundamen-

17 Sobre o tema, v. o nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 9ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado,
p. 404 e ss. Para uma perspectiva de direito comparado, embora centrada na experiência norte-americana e
européia, v., em especial, Sergio M. Diaz Ricci, Teoria de la Reforma Constitucional, Buenos Aires, 2004.
No âmbito das constituições latino-americanas, verifica-se que pelo menos oito contemplam expressamen-
te limites materiais, como dão conta: Constituição da República de Honduras de 1982, art. 374; a
Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos de 1917, previsto no art. 136; a Constituição do Estado
Livre Associado de Porto Rico de 1952, art. 7º, seção 3; a Constituição Política da República do Equador de
2008, art. 441; a Constituição da República Dominicana de 1994, disposto no art. 119; a Constituição
Política de El Salvador de 1983, art. 248; a Constituição da República do Haiti, previsto no art. 284.4 e a
Constituição da República Bolivariana da Venezuela de 1999, art. 342. A Constituição Política da Colômbia
de 1991, da mesma forma como a Constituição da República de Cuba de 1976, embora não prevejam limi-
tes materiais, exigem, respectivamente nos artigos 337 e 137, um referendo quando as reformas se referi-
rem a direitos e garantias fundamentais.
18 Para o caso do Brasil, basta aqui recordar as contribuições indispensáveis, inclusive por terem influenciado
fortemente o discurso da efetividade constitucional que tem caracterizado especialmente o momento cons-
titucional posterior a 1988, de José Afonsa da Silva. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 7ª ed., São
Paulo: Malheiros, 2007, p. 117 e ss., neste particular, embora a significativa atualização da obra, mantendo-
se fiel, em termos gerais, ao entendimento sustentado nas edições publicadas ainda sob a égide da
Constituição de 1967-69. Trilhando a mesma linha argumentativa, v. Luís Roberto Barroso, O Direito
Constitucional e a Efetividade de suas Normas, Rio de Janeiro: Renovar, 1990, p. 106 e ss. (em edições mais
recentes, o autor também se refere à proibição de retrocesso como princípio implícito do direito constitu-
cional brasileiro). Igualmente associando a proibição de retrocesso à noção de eficácia negativa dos princí-
pios constitucionais, v. também Ana Paula de Barcellos, A eficácia jurídica dos princípios constitucionais,
O principio da dignidade da pessoa humana, Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 70 e ss.

538
A Assim Designada Proibição de Retrocesso Social e a Construção
de um Direito Constitucional Comum Latino-Americano

tais, encontram-se sujeitos, em termos gerais, ao mesmo regime jurídico-constitucio-


nal no que diz com os limites às restrições impostas pelo poder público.19 Com efeito,
admitir que apenas os direitos sociais estejam sujeitos a uma tutela contra um retro-
cesso poderia, inclusive, legitimar o entendimento de que existe uma diferença rele-
vante no que diz com o regime jurídico (no caso, a tutela) constitucional dos direitos
sociais e dos demais direitos fundamentais, visto que a estes se aplicariam os critérios
convencionais utilizados para legitimar (limites) e controlar (limites dos limites) a
constitucionalidade de medidas restritivas, reforçando, inclusive, a idéia – que segue
encontrando adeptos – de que os direitos sociais, especialmente em relação aos direi-
tos civis e políticos, ou não são sequer fundamentais, ou estão sujeitos a um regime
jurídico diverso, seja ele menos reforçado, seja ele mais forte.
Justamente pelo fato de que importa reconhecer a força dos argumentos referi-
dos, reitera-se a nossa posição em prol da possibilidade de uma aplicação da noção de
proibição de retrocesso, desde que tomada em sentido amplo, no sentido de uma pro-
teção dos direitos contra medidas de cunho restritivo, a todos os direitos fundamen-
tais. Assim, verifica-se que a designação proibição de retrocesso social, que opera pre-
cisamente na esfera dos direitos sociais, especialmente no que diz com a proteção
“negativa” (vedação da supressão ou diminuição) de direitos a prestações sociais, além
de uma idéia-força importante (a iluminar a idéia de que existe de fato um retrocesso
- e não um simples voltar atrás, portanto, uma mera medida de cunho regressivo)
poderia ser justificada a partir de algumas peculiaridades dos direitos sociais, o que,
importa sempre frisar, não se revela incompatível com a substancial equivalência – de
modo especial no que diz com sua relevância para a ordem constitucional - entre
direitos sociais (positivos e negativos) e os demais direitos fundamentais. Em primei-
ro lugar, o repúdio da ordem jurídica a medidas que, de algum modo, instaurem um
estado de retrocesso (expressão que por si só já veicula uma carga negativa), sinaliza
que nem todo ajuste, ainda que resulte em eventual restrição de direito fundamental,
configura uma violação do direito, mesmo no campo da reversão (ainda mais quando
parcial) de políticas públicas, mas que haverá retrocesso, portanto, uma situação cons-
titucionalmente ilegítima, quando forem transpostas certas barreiras.
No campo dos direitos sociais tal fenômeno talvez seja ainda mais perceptível,
especialmente quando se trata de alterações legislativas que afetam um determinado
nível de concretização de tais direitos. Ainda que se diga que no campo das restrições
aos direitos fundamentais sociais a noção de limites dos limites dos direitos fundamen-
tais (gênero ao qual pertencem os direitos sociais) substitui por completo e com van-
tagens a de proibição de retrocesso, percebe-se que a noção de proibição de retroces-
so (aqui afinada com a idéia de proibição de regressividade difundida no direito inter-
nacional), especialmente quando empregada para balizar a tutela dos direitos sociais,
assume uma importância toda especial, mesmo que, como já frisado, atue como um

19 Cf. Jorge Reis Novais, Direitos Fundamentais: Trunfos contra a maioria, Coimbra: Coimbra Editora, 2006,
p. 200.

539
Ingo Wolfgang Sarlet

elemento argumentativo adicional, a reforçar a necessidade de tutela dos direitos


sociais contra toda e qualquer medida que implique em supressão ou restrição ilegíti-
ma dos níveis vigentes de proteção social. Também pelas razões ora colacionadas, jus-
tifica-se a nossa opção em seguir privilegiando, no plano terminológico, a expressão
proibição de retrocesso, justamente pelo fato de que não será qualquer medida restri-
tiva ou regressiva (que, de certa forma, sempre veicula uma restrição) que ensejará
uma censura por força da violação da proibição de retrocesso, consoante, aliás, será
examinado mais adiante. De outra parte, é preciso reconhecer que os termos proibi-
ção de retrocesso e proibição de regressividade, seguramente os mais difundidos (e
usualmente considerados como sinônimos), têm encontrado crescente receptividade
no âmbito da doutrina constitucional latino-americana, como instrumento (garantia)
jurídico de defesa dos direitos sociais.20
O que já resulta do exposto, é que também a proibição de retrocesso, como cate-
goria jurídico-normativa de matriz constitucional, está a reclamar uma definição jurí-
dica, para que possa alcançar uma adequada aplicação e não se transformar – como, de
resto, se suspeita já esteja sendo o caso – em mais um rótulo que se presta a toda a sorte
de arbitrariedades, e que, não sendo devidamente compreendido e delimitado, acaba
por inserir – de forma paradoxal - mais insegurança no sistema, justamente aquilo que
pretende (também e em certa medida!) combater. Da mesma forma, não poderá a
proibição de retrocesso servir para a chancela de privilégios por si só já questionáveis
no que diz com a sua legitimidade constitucional, o que remete novamente à proble-
mática do conteúdo e dos limites da proteção dos direitos adquiridos, que aqui não
será enfrentada.
De outra parte, é preciso enfatizar que mesmo em se reconhecendo uma função
autônoma para a proibição de retrocesso, especialmente na seara dos direitos sociais,
tal autonomia sempre será parcial e relativa. Com efeito, se é verdade que a noção de
proibição de retrocesso não se confunde com a de segurança jurídica e suas respecti-
vas manifestações (com destaque para os direitos adquiridos e a proteção à confiança),
o que sempre fizemos questão de sublinhar,21 também resulta evidente que se regis-
tra, conforme já lembrado, uma incensurável conexão entre ambas as figuras (proibi-
ção de retrocesso e segurança jurídica), assim como incontornável o liame entre a
proibição de retrocesso e outros princípios e institutos jurídico-constitucionais, com

20 Cf., em especial, se pode inferir da maior parte das contribuições sobre o tema, versando sobre a experiên-
cia de diversos países, além da perspectiva internacional, que integram a excelente e atualizada coletânea
coordenada e organizada por Christian Courtis, Ní un paso atrás. La prohibición de regresividad en maté-
ria de derechos sociales, Buenos Aires, 2006 (com destaque para os relatórios da Argentina, Colômbia e
Perú), assim como, mais recentemente, com destaque igualmente para o caso colombiano, Rodrigo
Uprimny e Diana Guarnizo, “Es posible una dogmática adecuada sobre la prohibición de regresividad? Um
enfoque desde la jurisprudencia constitucional colombiana”, in: Revista Direitos Fundamentais & Justiça nº
3, 2008, Porto Alegre: HS Editora, p. 37 e ss.
21 Confira-se o nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais, op. cit., p. 436 e ss.

540
A Assim Designada Proibição de Retrocesso Social e a Construção
de um Direito Constitucional Comum Latino-Americano

destaque para o da proporcionalidade e razoabilidade, assim como com a própria dig-


nidade da pessoa humana.
Desenvolvendo um pouco mais o ponto, é preciso reconhecer que embora a proi-
bição de retrocesso, segurança jurídica (incluindo a proteção da confiança, os direitos
adquiridos e as expectativas de direitos) e dignidade da pessoa humana não se confun-
dem, de tal sorte que o princípio da proibição de retrocesso poderá assumir algum
contorno autônomo, não se poderá afirmar que tal autonomia implica uma aplicação
isolada e sem qualquer relação com outros institutos, como, de resto, demonstram
absolutamente todos os exemplos encontrados na doutrina e jurisprudência. Assim,
como princípio implícito que é – já que não foi expressamente consagrada com este
rótulo nas constituições latino-americanas em vigor no momento – a proibição de
retrocesso se encontra referida ao sistema constitucional como um todo, incluindo
(mediante referência à noção de um bloco de constitucionalidade em sentido amplo)
o sistema internacional de proteção dos direitos humanos, como bem atesta o dever
de progressividade na promoção dos direitos sociais e a correlata proibição de regres-
sividade.22 Aliás, é precisamente a abertura das constituições latino-americanas (ainda
que variável em sua intensidade) ao sistema internacional de reconhecimento e tute-
la dos direitos humanos, que permite, juntamente com a ampla positivação de direi-
tos sociais, identificar na proibição de retrocesso (regressividade) um elemento
comum ao direito constitucional latino-americano.
Resulta perceptível, portanto, que a proibição de retrocesso atua como baliza
para a impugnação de medidas que impliquem supressão ou restrição de direitos
sociais e que possam ser compreendidas como efetiva violação de tais direitos, os
quais, por sua vez, também não dispõem de uma autonomia absoluta no sistema cons-
titucional, sendo, em boa parte e em níveis diferenciados, concretizações da própria
dignidade da pessoa humana. Assim, na sua aplicação concreta, isto é, na aferição da
existência, ou não, de uma violação da proibição de retrocesso, não se poderiam –
como, de resto, tem evidenciado toda a produção jurisprudencial sobre o tema - dis-
pensar critérios adicionais, como é o caso da proteção da confiança (a depender da
situação, é claro), da dignidade da pessoa humana e do correlato mínimo existencial,
do núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais, da proporcionalidade, apenas
para citar os mais relevantes. Tais princípios e categorias, por sua vez, têm sido igual-
mente objeto de reconhecimento crescente e cada vez mais expressivo no âmbito do
que se poderia designar de um direito constitucional comum latino-americano, segu-
ramente não apenas no âmbito de suas relações com a proibição de retrocesso temati-
zada neste ensaio.

22 Sobre o tópico, na perspectiva internacional e do direito constitucional comparado, v. em especial,


Christian Courtis, “La prohibición de regresividad en matéria de derechos sociales: apuntes introductorios”,
in: Christian Courtis (Comp.), Ní un paso atrás, op. cit., p. 3 e ss. Analisando detidamente o problema na
perspectiva do direito internacional público, v. Magdalena Sepúlveda, The Nature of Obligations under the
International Covenant on Economic, Social and Cultural RIghts, Antwerp: Intersentia, 2003.

541
Ingo Wolfgang Sarlet

Por outro lado, é preciso admitir que a própria segurança jurídica e os institutos
que lhe são inerentes, com destaque aqui para o direito adquirido, exigem uma com-
preensão que dialogue com as peculiaridades dos direitos sociais, inclusive no que diz
com a própria proibição de retrocesso, abandonando-se uma perspectiva individualista
e privilegiando-se, sem prejuízo da tutela dos direitos individuais, uma exegese afinada
com a noção de justiça social, razão pela qual, há quem sustente a necessidade de se
reconhecer um direito adquirido social,23 aspecto que, todavia, aqui não temos condi-
ções de aprofundar, mas que guarda relação com desenvolvimentos similares, como foi
o caso, na Alemanha, da releitura e ampliação do âmbito de proteção da garantia da pro-
priedade, no sentido de abranger algumas modalidades de direitos subjetivos públicos a
prestações na esfera da seguridade social, justamente com o intuito de atribuir a tais
posições jurídicas uma proteção jurídico-constitucional contra eventuais retrocessos.24
Neste mesmo contexto, afirmar que a proibição de retrocesso encontra funda-
mento também (embora jamais exclusivamente) na segurança jurídica e na dignidade
da pessoa humana, com as quais, embora guarde relação, não se confunde, também
não implica reconhecer à proibição de retrocesso caráter meramente instrumental.
Com efeito, além da circunstância de que a proibição de retrocesso não protege ape-
nas a dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial, o que se afirma é que a pró-
pria noção de segurança jurídica, no âmbito de uma constituição que consagra direi-
tos sociais, não pode ficar reduzida às tradicionais figuras da tutela dos direitos adqui-
ridos ou da irretroatividade de certas medidas do poder público, exigindo, portanto,
uma aplicação em sintonia com a plena tutela e promoção dos direitos fundamentais
em geral, incluindo os direitos sociais. O reconhecimento de uma proibição de retro-
cesso como princípio-garantia jurídico (seja qual for o rótulo utilizado), se revela, por-
tanto, como necessário, pois parte das medidas que resultam em supressão e diminui-
ção de direitos sociais ocorre sem que ocorra uma alteração do texto constitucional,
sem que se verifique a violação de direitos adquiridos ou mesmo sem que se trate de
medidas tipicamente retroativas.
Dando seqüência à tentativa de definir os contornos da proibição de retrocesso,
é preciso lembrar aqui da hipótese – talvez a mais comum em se considerando as refe-
rências feitas na doutrina e jurisprudência – da concretização pelo legislador infra-
constitucional do conteúdo e da proteção dos direitos sociais, especialmente (mas não
exclusivamente) na sua dimensão positiva, o que nos remete diretamente à noção de
que o conteúdo essencial dos direitos sociais deverá ser interpretado (também!) no

23 Cf. Marcos Orione Gonçalves Correia, “Direito Adquirido Social”, in: Érica Paula Barcha Correia e Marcos
Orione Gonçalves Correia, Curso de Direito da Seguridade Social, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 01 e ss.
24 Para maior desenvolvimento, v., de nossa autoria, “O Estado Social de Direito, a Proibição de Retrocesso e
a Garantia Fundamental da Propriedade”, in: Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, nº 17, Porto
Alegre, 1999, p. 111 e ss., trabalho no qual, contudo, centramos a nossa atenção na apresentação da “solu-
ção” germânica, com algumas considerações juscomparativas, inclusive apontando para a inadequação (pelo
menos em termos gerais) do modelo alemão ao sistema constitucional brasileiro.

542
A Assim Designada Proibição de Retrocesso Social e a Construção
de um Direito Constitucional Comum Latino-Americano

sentido dos elementos nucleares do nível prestacional legislativamente definido, o


que, por sua vez, desemboca inevitavelmente no já anunciado problema da proibição
de um retrocesso social. Em suma, a questão central que se coloca neste contexto espe-
cífico da proibição de retrocesso é a de saber, se e até que ponto pode o legislador
infraconstitucional (assim como os demais órgãos estatais, quando for o caso), voltar
atrás no que diz com a concretização dos direitos fundamentais sociais, assim como
dos objetivos estabelecidos pelas constituições em matéria de promoção da justiça
social, designadamente no âmbito das normas impositivas de programas, fins e tarefas
na esfera social, ainda que não o faça com efeitos retroativos e que não esteja em causa
uma alteração do texto constitucional.
Desde logo, à vista do que foi colocado, nos parece dispensar maiores considera-
ções o quanto medidas tomadas com efeitos prospectivos podem representar um grave
retrocesso, não apenas (embora também) sob a ótica dos direitos de cada pessoa con-
siderada na sua individualidade, quanto para a ordem jurídica e social como um todo.
Além disso, percebe-se nitidamente a complexidade da temática, especialmente no
âmbito daquilo que pode ser designado como constituindo uma “eficácia protetiva”
dos direitos fundamentais. Portanto, mais uma vez vale repisar que estamos diante de
um fenômeno, que, compreendido em sentido amplo, à feição, por exemplo, da pro-
posta de acordo com a qual se trata de um problema de limites dos limites próprio de
todos os direitos fundamentais, não se manifesta apenas na seara dos direitos funda-
mentais sociais, pelo menos se tomados em sentido estrito, como direitos a prestações
sociais.25 Assim, por exemplo, dentre as diversas possibilidades que envolvem uma
noção abrangente de proibição de retrocesso, designadamente em face das peculiari-
dades do direito ambiental, é possível, como bem aponta Carlos Alberto Molinaro,
falar de um princípio de vedação da retrogradação, já que o direito ambiental cuida
justamente da proteção e promoção dos bens ambientais, especialmente no sentido de
impedir a degradação do meio ambiente, o que corresponde, por sua vez, a uma pers-
pectiva evolucionista (e não involucionista) da vida.26
Verifica-se, portanto, que insistir no fato de que a blindagem dos direitos funda-
mentais contra medidas retrocessivas (ou regressivas, se preferirmos) seja um “privi-
légio” dos direitos sociais, como se apenas nesta esfera se colocasse o problema (por
mais que haja peculiaridades a serem consideradas e que justificam o reconhecimen-
to de uma proibição de retrocesso social), significaria, ao fim e ao cabo, ou a exclusão
dos demais direitos fundamentais de tal proteção (como se aqui a proteção com base
na segurança jurídica fosse suficiente), ou a constatação – evidentemente equivocada
– de que o sistema de limitações às restrições de direitos, designadamente a propor-

25 Neste sentido, v. também Luis Fernando Calil de Freitas, Direitos Fundamentais: limites e restrições, Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 216.
26 Cf. Carlos Alberto Molinaro, Direito Ambiental. Proibição de Retrocesso, Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007, especialmente p. 91 e ss.

543
Ingo Wolfgang Sarlet

cionalidade e a garantia do núcleo essencial, apenas para citar os mais importantes,


nada teria a ver com a proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais.
Sem que se pretenda, todavia, avançar no debate sobre o quão autônoma é (ou
não) a garantia constitucional contra um retrocesso em relação a outros institutos jurí-
dico-constitucionais, partiremos aqui do pressuposto de que o principio da proibição
de retrocesso, em diálogo permanente com outros princípios e regras, tem assumido
uma posição de destaque, seja na esfera constitucional, seja na esfera do direito inter-
nacional dos direitos humanos, como importante ferramenta contra uma evolução
regressiva (retrocessiva) em matéria de direitos sociais, econômicos, culturais e
ambientais. Aliás, apenas para que fique consignado, a possibilidade de se controlar
medidas de cunho regressivo com base numa proibição jurídica de retrocesso pressu-
põe avaliação sempre em caráter relacional, pois um retrocesso (no sentido de uma
supressão, diminuição, um voltar atrás, um regresso) somente se pode dar em relação
a um estado anterior, que sirva de referência para tal avaliação. De outra parte, enfa-
tizando a nossa opção (sumariamente justificada acima) pelo termo proibição de retro-
cesso, renunciamos à pretensão de aprofundar a querela em torno da terminologia
mais apropriada, especialmente no que diz com a possibilidade de atribuição de um
conteúdo e significado distintos aos demais rótulos convencionais, no caso, proibição
de regressividade, proibição de evolução reacionária, princípio da não-reversibilida-
de, ou mesmo outros que possam ser utilizados. Tais expressões, para efeitos deste tra-
balho, serão tidas como equivalentes à proibição de retrocesso, não apenas pelo fato
de a considerarmos a expressão mais apropriada, mas também em função da necessi-
dade de um acordo semântico.

3.2. Elementos para a fundamentação de uma proibição de retrocesso no


direito constitucional latino-americano

De partida, aderindo ao justificado ceticismo em relação à importação acrítica e


muitas vezes inadequada de institutos oriundos de outras experiências jurídicas,27
convém sublinhar que, ao mesmo tempo em que a discussão em torno da redução (e
até mesmo do desmonte) do Estado social de Direito e dos direitos sociais que lhe são
inerentes apresenta proporções mundiais, não há como desconsiderar que as dimen-
sões da crise e as respostas reclamadas em cada Estado individualmente considerado
são inexoravelmente diversas, ainda que se possam constatar pontos comuns.
Diferenciadas são, por outro lado, as soluções encontradas por cada ordem jurídica
para enfrentar o problema, diferenças que não se limitam à esfera da natureza dos ins-
trumentos, mas que, de modo especial, abrangem a intensidade da proteção outorga-

27 Cf., especialmente na seara dos direitos sociais, bem destaca Andreas Krell, Direitos Sociais e Controle
Judicial no Brasil e na Alemanha: os (Des) caminhos de um Direito Constitucional “Comparado”, Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 42.

544
A Assim Designada Proibição de Retrocesso Social e a Construção
de um Direito Constitucional Comum Latino-Americano

da por àqueles aos sistemas de seguridade social, o que, à evidência, não poderá dei-
xar de ser considerado nas linhas que se seguem. Assim, também a temática da proi-
bição de retrocesso reclama um tratamento constitucionalmente adequado e, portan-
to, nos termos da lição de Peter Häberle, também exige uma interpretação contextua-
lizada, referida à realidade (kontextbezogene Auslegung).28
Tal enfoque – diferenciado e contextualizado – assume feições ainda mais emer-
genciais quando nos damos conta que as constituições latino-americanas inserem-se
num ambiente significativamente diverso, por exemplo, do experimentado pelo cons-
titucionalismo europeu. Com efeito, além de as constituições terem, em boa parte e de
modo diferenciado entre si, um caráter marcadamente compromissário e dirigente,
importa endossar as palavras de Lenio Streck no sentido de que as promessas da
modernidade sequer foram minimamente cumpridas para a maioria dos habitantes da
América Latina, de tal sorte que a concepção de um Estado Constitucional, que mere-
ça a qualificação de um autêntico Estado Democrático (e social) de Direito, compreen-
dido como Estado da justiça material e que assegura uma igualdade de oportunidades
não passa, no mais das vezes, de um simulacro.29 Já por tais razões, verifica-se que se
a discussão em torno da proibição de retrocesso na esfera dos direitos sociais constitui
tarefa permanente, pelas mesmas razões resulta evidente que para as populações e
para o direito constitucional latino-americano, o problema maior ainda é o de dar
cumprimento eficiente e eficaz ao dever de progressiva concretização dos objetivos
sociais e dos direitos sociais constitucionalmente reconhecidos e assegurados, o que
não afasta a necessidade de se levar (muito) a sério a proibição de retrocesso, naquilo
onde mesmo o pouco que foi alcançado possa estar em risco. Pelo contrário, onde a

28 Cf. Peter Häberle, “Neue Horizonte und Herausforderungen des Konstitutionalismus”, in: EuGRZ 2006, p. 535
29 Neste contexto insere-se a (entre nós) célebre discussão a respeito da “sobrevivência” do constitucionalis-
mo dirigente, tal qual sustentado, originariamente, por José Joaquim Gomes Canotilho na sua obra
Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra: Coimbra Editora, 1982, justamente em fun-
ção da revisão crítica levada a efeito pelo próprio Gomes Canotilho em diversos trabalhos mais recentes,
especialmente a contar da década de 1990, no que diz com as premissas basilares de sua antiga tese, bastan-
do aqui remeter o leitor ao prefácio redigido para a segunda edição da obra ora citada. Não sendo o caso de
adentrar aqui esta controvérsia, o que se verifica é que as mudanças no âmbito do pensamento do Professor
Gomes Canotilho sem dúvida devem ser enquadradas no seu devido contexto, já que nem o texto da
Constituição Portuguesa de 1976 guarda o mesmo perfil revolucionário e dirigente que lhe foi originaria-
mente atribuído, já que objeto de várias e relativamente profundas revisões, notadamente em face da inser-
ção de Portugal na União Européia e, portanto, seu enquadramento em uma ordem jurídica supranacional.
Por isso também nós – embora não de modo necessariamente coincidente com o de outros autores – segui-
mos sustentando que o paradigma da Constituição dirigente ainda cumpre um relevante papel no âmbito
do constitucionalismo pátrio e apresenta – mesmo hoje (e talvez por isso mesmo) – todo um potencial a ser
explorado. A respeito dessa temática, v., ainda, além do indispensável contributo de Lenio Luiz Streck,
Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, Porto Alegre: Livraria do Advogado, especialmente p. 106 e ss.,
também as lições de Gilberto Bercovici, “A Problemática da Constituição Dirigente: algumas considerações
sobre o caso brasileiro”, in: Revista de Informação Legislativa, nº 142, Brasília: Senado Federal, abril/junho
de 1999, p. 35-51, assim como a oportuna coletânea organizada por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho,
Canotilho e a Constituição Dirigente, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, obra que reúne aportes de diversos
autores nacionais e retrata uma discussão sobre o tema travada com o próprio Gomes Canotilho.

545
Ingo Wolfgang Sarlet

ampla maioria da população se situa na faixa do assim designado mínimo existencial


ou mesmo aquém deste patamar, maior vigilância de impõe em relação a toda e qual-
quer medida potencialmente restritiva ou mesmo supressiva de proteção social. O
dever de progressividade e a proibição de retrocesso (de uma evolução regressiva)
constituem, portanto, dimensões interligadas e que reclamam uma produtiva e dinâ-
mica compreensão e aplicação.
Por outro lado, embora se trate de instituto que recebeu ampla acolhida na
comunidade internacional (pelo menos, no âmbito dos direitos sociais, econômicos e
culturais), não se pode afirmar que a proibição de retrocesso, especialmente na pers-
pectiva aqui privilegiada, esteja ocupando um lugar de destaque similar nos diversos
ordenamentos jurídicos, visto que não se pode afirmar que represente um amplo con-
senso no direito comparado. Pelo menos, há que reconhecer que em muitos países a
proibição de retrocesso tem sido aplicada ou com outro rótulo ou mediante recurso a
outras figuras jurídicas, embora cumprindo a função de garantia contra uma supres-
são e mesmo redução, a depender das circunstâncias, de conquistas na esfera dos direi-
tos sociais. Assim, convém que se avance na identificação dos principais argumentos
que sustentam, no plano da dogmática jurídico-constitucional, o reconhecimento de
uma proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais, no sentido de uma catego-
ria que seja, em termos gerais, comum ao ambiente constitucional latino-americano.
Como ponto de partida, é possível recolher a lição de Luís Roberto Barroso, que,
aderindo à evolução doutrinária precedente, pelo menos no que diz com a literatura
luso-brasileira, bem averba que, “por este princípio, que não é expresso, mas decorre
do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um
mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patri-
mônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido”.30 Embora tal
fundamentação seja insuficiente para dar conta da complexidade da proibição de
retrocesso, ela demonstra que a noção de proibição de retrocesso segue, como já frisa-
do acima, sendo vinculada à noção de um direito subjetivo negativo, no sentido de que
é possível impugnar judicialmente toda e qualquer medida que se encontre em con-
flito com o teor da Constituição (inclusive com os objetivos estabelecidos nas normas
de cunho programático), bem como rechaçar medidas legislativas que venham, pura
e simplesmente, subtrair supervenientemente a uma norma constitucional o grau de
concretização anterior que lhe foi outorgado pelo legislador.31 Em suma, colacionan-

30 Cfr. Luís Roberto Barroso, O Direito Constitucional e a Efetividade de suas normas, 5ª ed., Rio de Janeiro:
Renovar, 2001, p. 158.
31 Neste sentido, aponta-se, entre outros, além do já referido entendimento de Luís Roberto Barroso, a lição
já clássica (mantida em edições mais recentes de sua obra) de José Afonso da Silva, Aplicabilidade das nor-
mas constitucionais, op. cit., p. 147 e 156 e ss.; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, vol. IV,
op. cit., p. 397-99, Lenio Luiz Streck, Hermenêutica Jurídica e (m) crise, op. cit., p. 31 e ss., assim como,
Ana Paula de Barcellos, A eficácia dos princípios constitucionais..., op. cit., p. 68 e ss., que sustenta tratar-
se de um desdobramento de uma eficácia negativa dos princípios constitucionais. José Vicente dos S.
Mendonça, Vedação do Retrocesso..., op. cit., p. 218 e ss., muito embora sinalando que não se trata de uma
questão apenas atrelada à eficácia negativa das normas constitucionais.

546
A Assim Designada Proibição de Retrocesso Social e a Construção
de um Direito Constitucional Comum Latino-Americano

do, para este efeito, a lição de Gomes Canotilho e Vital Moreira, as normas constitu-
cionais que reconhecem direitos sociais de caráter positivo implicam uma proibição
de retrocesso, já que “uma vez dada satisfação ao direito, este se transforma, nessa
medida, em direito negativo, ou direito de defesa, isto é, num direito a que o Estado
se abstenha de atentar contra ele”.32
De acordo com tal linha de entendimento, não é possível, portanto, admitir-se
uma ausência de vinculação do legislador (assim como dos órgãos estatais em geral) às
normas de direitos sociais, assim como, ainda que em medida diferenciada, às normas
constitucionais impositivas de fins e tarefas em matéria de justiça social, pois, se assim
fosse, estar-se-ia chancelando uma fraude à Constituição, pois o legislador – que ao
legislar em matéria de proteção social apenas está a cumprir um mandamento do
Constituinte – poderia pura e simplesmente desfazer o que fez no estrito cumprimen-
to da Constituição. Valendo-nos aqui da lição de Jorge Miranda (que, todavia, admite
uma proibição apenas relativa de retrocesso), o legislador não pode simplesmente eli-
minar as normas (legais) que concretizam os direitos sociais, pois isto equivaleria a
subtrair às normas constitucionais a sua eficácia jurídica, já que o cumprimento de um
comando constitucional acaba por converter-se em uma proibição de destruir a situa-
ção instaurada pelo legislador.33 Em outras palavras, mesmo tendo em conta que o
“espaço de prognose e decisão” legislativo seja variável, ainda mais no marco dos direi-
tos sociais e das políticas públicas para a sua realização,34 não se pode admitir que em
nome da liberdade de conformação do legislador o valor jurídico dos direitos sociais,
assim como a sua própria fundamentalidade, acabem sendo esvaziados.35 Tudo soma-
do, constata-se que também a problemática da proibição de retrocesso acaba guardan-
do forte relação com o tema da liberdade de conformação do legislador (em outras
palavras, da margem de ação legislativa) e as possibilidades e limites de seu controle,
em especial por parte da assim chamada jurisdição constitucional, no marco do Estado
Democrático de Direito.
A partir desta perspectiva e renunciando desde logo ao esgotamento e aprofun-
damento individualizado de todo o leque de razões passíveis de serem referidas, veri-
fica-se que, numa perspectiva jurídico-constitucional que pode ser considerada como
sendo substancialmente comum às diversas constituições latino-americanas, o princí-
pio da proibição de retrocesso social decorre – como já sinalizado – de modo implíci-
to do sistema constitucional,36 designadamente dos seguintes princípios e argumentos

32 Cfr. José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, Coimbra: Coimbra
Editora, 1991, p. 131.
33 Cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, vol. IV, Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 397 e ss.
34 Cf. Cristina Queiroz, Direitos Fundamentais Sociais, Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 75.
Desenvolvendo o tópico no âmbito da proibição de retrocesso, v., da mesma autora, O Princípio da Não
Reversibilidade dos Direitos Fundamentais Sociais, Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 83 e ss., cuidando
da vinculação do legislador aos direitos sociais.
35 Cf. Jorge Reis Novais, Direitos Fundamentais: Trunfos contra a maioria, op. cit., p. 190.
36 Neste sentido também Felipe Derbli, O Pricípio da Proibição de Retrocesso Social..., op. cit., p. 199 e ss.,
igualmente adotando a concepção de que se cuida de um princípio implícito e bem desenvolvendo o ponto.

547
Ingo Wolfgang Sarlet

de matriz jurídico-constitucional, o que não vale dizer (insista-se!) que a proibição de


retrocesso se confunda com tais institutos ou mesmo que deles decorra exclusivamen-
te, ainda mais quando considerados de modo isolado.
a) Dos princípios do Estado Democrático e Social de Direito, em suma, daqui-
lo que hoje corresponde ao modelo do Estado Constitucional, que exige a
promoção e manutenção de um patamar mínimo tanto em termos de pro-
teção social quanto em termos de segurança jurídica, o que necessariamen-
te, dentre outros aspectos, abrange a garantia de um mínimo existencial,
assim como a proteção contra medidas retroativa, e, pelo menos em certa
medida, contra atos de cunho retrocessivo – ainda que de efeitos prospec-
tivos - de um modo geral;
b) Do princípio da dignidade da pessoa humana que, exigindo a satisfação –
por meio de prestações positivas (e, portanto, de direitos fundamentais
sociais) – de uma existência condigna para todos, tem como efeito, na sua
perspectiva negativa, a inviabilidade de medidas que fiquem aquém deste
patamar;37 Embora o conteúdo em dignidade da pessoa humana dos direi-
tos fundamentais não possa, ainda mais no caso de constituições analíticas
e muito pródigas em direitos, ser pura e simplesmente equiparada ao con-
teúdo essencial dos direitos fundamentais, é certo que tanto a dignidade da
pessoa humana quanto o núcleo essencial operam como limites dos limites
aos direitos fundamentais, blindando tais conteúdos (dignidade e/ou núcleo
essencial) em face de medidas restritivas, o que se aplica, em termos gerais,
tanto aos direitos sociais quanto aos demais direitos fundamentais;
c) Do dever de assegurar a máxima eficácia e efetividade às normas definidoras
de direitos fundamentais, que necessariamente abrange também a maximiza-
ção da proteção dos direitos fundamentais, exigindo um sistema de tutela
isento de lacunas; Aliás, neste sentido convém colacionar a lição de Peter
Häberle, ao sustentar a necessidade de se ter sempre presente a máxima do
desenvolvimento de uma “eficácia protetiva” dos direitos fundamentais.38
d) O princípio da proteção da confiança, na condição de elemento nuclear do
Estado de Direito (já em função de sua íntima conexão com a própria segu-
rança jurídica) impõe aos órgãos estatais – inclusive (mas não exclusivamen-
te) como exigência da boa-fé nas relações com os particulares – o respeito
pela confiança depositada pelos indivíduos em relação a um determinado
nível de estabilidade e continuidade da ordem jurídica objetiva, assim como

37 Aderindo a tal entendimento e enfatizando a relação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o
da proibição de retrocesso social, v., mais recentemente, Dayse Coelho de Almeida, “A fundamentalidade
dos direitos sociais e o princípio da proibição de retrocesso”, in: Inclusão Social, vol. 2, n. 1, out. 2006/mar.
2007, p. 118-124.
38 Cf. Peter Häberle, Nueve ensayos constitucionales y una lección jubilar, Lima: Palestra Editores, 2004, p.
95 e ss.

548
A Assim Designada Proibição de Retrocesso Social e a Construção
de um Direito Constitucional Comum Latino-Americano

dos direitos subjetivos atribuídos às pessoas. A proteção da confiança, por-


tanto, atua menos no sentido de um fundamento propriamente dito da proi-
bição de retrocesso do que como critério auxiliar para sua adequada aplica-
ção. Com efeito, parece evidente que os órgãos estatais, inclusive (mas não
só!) por força da segurança jurídica e da proteção à confiança, encontram-se
vinculados não apenas às imposições constitucionais no âmbito da sua con-
cretização no plano infraconstitucional, mas devem observar certo grau de
vinculação em relação aos próprios atos já praticados.39 Tal obrigação, por
sua vez, alcança tanto o legislador, quando os atos da administração e, em
certa medida, os órgãos jurisdicionais, aspecto que, todavia, carece de maior
desenvolvimento do que o permitido pelos limites do presente estudo;
f) Além do exposto, constata-se que negar reconhecimento ao princípio da
proibição de retrocesso significaria, em última análise, admitir que os
órgãos legislativos (assim como o poder público de modo geral), a despeito
de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos fundamentais e às
normas constitucionais em geral, dispõem do poder de tomar livremente
suas decisões mesmo em flagrante desrespeito à vontade expressa do
Constituinte.40 Com efeito, como bem lembra Luís Roberto Barroso,
mediante o reconhecimento de uma proibição de retrocesso, está a se impe-
dir a frustração da efetividade constitucional, já que, na hipótese de o legis-
lador revogar o ato que deu concretude a uma norma programática ou tor-
nou viável o exercício de um direito, estaria acarretando um retorno à
situação de omissão (inconstitucional, como poderíamos acrescentar) ante-
rior.41 Precisamente neste contexto, insere-se também a argumentação
deduzida pelos votos condutores (especialmente do então Conselheiro Vital

39 Cfr., dentre outros, Harmut Maurer,”Kontinuitätsgewähr und Vertrauensschutz”, in: Josef Isensee/Paul
Kirchhof (Org.), Handbuch des Staatsrechts der Bundesrepublik Deutschland, vol. III, p. 244 e ss., não obs-
tante o autor – assim como a doutrina e jurisprudência em geral – sejam bastante restritivos no que diz com
a admissão de uma auto-vinculação do legislador, temática que aqui não iremos desenvolver mas que tem
sido objeto de uma certa discussão na Alemanha, sob a rubrica de uma vinculação sistêmica do legislador,
desenvolvida essencialmente à luz do princípio da igualdade. Neste sentido, v., entre outros, Uwe Kischel,
“Systembindung des Gesetzgebers und Gleichheitssatz”, in: Archiv des öffentlichen Rechts, vol. 124, 1999,
p. 174-211. Entre nós, confira-se, sobre a proteção da confiança no Direito Público, o paradigmático con-
tributo de Almiro do Couto e Silva, “O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito
Público brasileiro e o direito da administração pública de anular os seus próprios atos administrativos: o
prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei nº 9.784/99)”, in: Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, nº 237, jul./set. 2004; Mais recentemente, v. Também a monografia
de Rafael Maffini, Princípio da Proteção Substancial da Confiança no Direito Administrativo Brasileiro,
Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006.
40 Tal ponto de vista apenas poderia ser sustentado, em tese, em se partindo da premissa de que os direitos
sociais não podem (mesmo no que diz com seu conteúdo essencial) ser definidos em nível constitucional, a
exemplo do que parece propor Manuel Afonso Vaz, Lei e Reserva de Lei..., op. cit., p. 383-4, o que contra-
ria até mesmo a lógica do sistema jurídico-constitucional, notadamente no que diz com a função concreti-
zadora exercida pelo legislador e demais órgãos estatais.
41 Cfr. Luís Roberto Barroso, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, op. cit., p. 158-9.

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Ingo Wolfgang Sarlet

Moreira) do conhecido leading case do Tribunal Constitucional de


Portugal, versando sobre o Serviço Nacional de Saúde, sustentando que “as
tarefas constitucionais impostas ao Estado em sede de direitos fundamen-
tais no sentido de criar certas instituições ou serviços não o obrigam apenas
a criá-los, obrigam também a não aboli-los uma vez criados”, aduzindo que
“após ter emanado uma lei requerida pela Constituição para realizar um
direito fundamental, é interdito ao legislador revogar esta lei, repondo o
estado de coisas anterior.” Daí se extrai, na linha de pensamento do autor,
que as instituições, serviços ou institutos jurídicos, uma vez criados pela lei
ou por ato da administração pública, com o intuito de concretizar a prote-
ção e promoção de direito fundamental ou finalidade constitucional, pas-
sam a ter a sua existência constitucionalmente garantida, de tal sorte que
uma nova lei pode vir a alterá-los ou reformá-los nos limites constitucio-
nalmente admitidos, mas não pode pura e simplesmente revogá-los.
g) Os argumentos esgrimidos restam enrobustecidos por um importante funda-
mento adicional extraído do direito internacional, notadamente no plano dos
direitos econômicos sociais e culturais. Com efeito, de acordo com arguta
observação de Victor Abramovich e Christian Courtis,42 sustentando que o sis-
tema de proteção internacional impõe a progressiva concretização da proteção
social por parte dos Estados, encontra-se implicitamente vedado o retrocesso
em relação aos direitos sociais já concretizados. Neste plano, aliás, percebe-se
que a proibição de retrocesso (regressividade) atua como relevante ponto de
encontro entre o direito constitucional dos estados e o direito internacional dos
direitos humanos, operando, além disso, como elemento que impulsiona preci-
samente não apenas a formação, neste particular, de um direito constitucional
interno (estatal) comum na esfera regional (no caso que nos interessa de perto,
da América Latina), mas também de um direito constitucional internacional.
Como já referido, a adesão por parte dos estados latino-americanos ao Pacto
Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais e ao Protocolo de San
Salvador por si só já implica um comprometimento jurídico-constitucional com
o dever de progressiva realização de tais direitos e, por via de conseqüência,
com a correlata proibição de regressividade.43

42 Cf. Victor Abramovich e Christian Courtis, Los derechos sociales como derechos exigibles, Madrid: Trotta,
2002, p. 92 e ss. Aprofundando o tema, com destaque para o direito internacional e comparado, v., ainda,
Christian Courtis, “La prohibición de regresividad en materia de derechos sociales: apuntes introductorios”,
in: Christian Courtis (Ed), Ni un paso atrás, op. cit., p. 03-52., além dos demais ensaios constantes da cole-
tânea, destacando-se os trabalhos de Julieta Rossi (p. 79-116) e Magdalena Sepulveda (P. 117-152), ambos
versando sobre a jurisprudência do Comitê de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, e de Magdalena
Sepúlveda, portanto, com especial atenção para a perspectiva internacional.
43 Em especial, v. a relação da noção de regressividade com a interpretação da noção de progressividade ado-
tada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos, no âmbito das normas para a confec-
ção dos informes periódicos previstos no artigo 19 do Protocolo de San Salvador. Sobre o tema, v., por todos,

550
A Assim Designada Proibição de Retrocesso Social e a Construção
de um Direito Constitucional Comum Latino-Americano

Se em favor do reconhecimento de uma proibição de retrocesso em matéria de


direitos fundamentais sociais podem ser – para além da controvérsia sobre a termino-
logia - colacionados fortes argumentos de matriz jurídico-constitucional, também é
verdade que há, ainda, considerável espaço para controvérsia em torno da amplitude
da proteção outorgada pelo princípio da proibição de retrocesso social no direito com-
parado. Este, contudo, o tema do próximo segmento.

IV. Alguns Parâmetros para Aferição do Alcance do Princípio


da Proibição de Retrocesso em Matéria de Direitos Sociais,
com Destaque para a Evolução Doutrinária e Jurisprudencial
Latino-Americana

Se parece correto apontar a existência de considerável aceitação, pelo menos no


Brasil e em alguns outros países latino-americanos, assim como, de modo geral, na
esfera do direito internacional, quanto à necessidade de uma proteção jurídica contra
o retrocesso em matéria de realização dos direitos sociais e das imposições constitu-
cionais na esfera da justiça social, igualmente é certo que tal consenso (como já foi
lembrado) abrange o reconhecimento de que tal proteção não pode assumir um cará-
ter absoluto, notadamente no que diz com a concretização dos direitos sociais a pres-
tações. Para além desse consenso (no sentido de que existe uma proibição relativa de
retrocesso em matéria de direitos sociais), constata-se intensa discussão em torno da
amplitude da proteção contra o retrocesso, sendo significativas as diferenças de enten-
dimento registradas no âmbito doutrinário e jurisprudencial, mas também na seara
das soluções adotadas pelo direito positivo de cada ordem jurídica individualmente
considerada. Assim, ilustrando as principais tendências no que diz com o reconheci-
mento de um valor jurídico à proibição de retrocesso, pode-se partilhar do entendi-
mento de que entre uma negativa total da eficácia jurídica do princípio da proibição
de retrocesso (que, ao fim e ao cabo, teria a função de mera diretriz para os agentes
políticos) e o outro extremo, o que propugna uma vedação categórica de toda e qual-
quer ajuste em termos de direitos sociais, também aqui o melhor caminho é o do meio,
ou seja, o que implica uma tutela efetiva, mas não cega e descontextualizada dos direi-
tos fundamentais sociais.44
Que o reconhecimento de uma proibição de retrocesso não pode resultar na
transformação do legislador em órgão de mera execução das decisões constitucionais e

Christian Courtis, in: Ni un paso atrás, op. cit., p. 3-8, apresentando as diversas facetas da noção de regres-
sividade, bem como p. 11-17, onde apresenta a compreensão da noção de proibição de regressividade no sis-
tema americano de tutela dos direitos sociais.
44 Neste sentido, v. Rodrigo Uprimny e Diana Guarnizo, “Es posible uma dogmática adecuada sobre la prohi-
bición de regresividad? Un enfoque desde la jurisprudencia constitucional colombiana”, in: Direitos
Fundamentais & Justiça, Ano 2 – Nr. 3 – Abr./Jun. 2008, especialmente p. 40 e ss.

551
Ingo Wolfgang Sarlet

nem assegurar (caso compreendida como absoluta vedação de qualquer alteração ou


ajuste) aos direitos fundamentais sociais a prestações legislativamente concretizados
uma eficácia mais reforçada do que a atribuída aos direitos de defesa em geral, já que
estes podem ser restringidos pelo legislador, desde que preservado seu núcleo essencial,
já foi objeto de referência na doutrina.45 Posta a questão em outros termos, a aplicação
de uma proibição de retrocesso por si só não veda uma diminuição dos níveis de pro-
teção e promoção de direitos sociais, especialmente na perspectiva subjetiva, para asse-
gurar outros interesses públicos urgentes e relevantes, pois do contrário poderia levar
a uma proteção maior dos direitos sociais em relação aos direitos civis e políticos.46 Em
síntese, se uma posição preferencial das liberdades há de ser afastada, pelo menos no
sentido de um caráter secundário dos direitos sociais, no Estado Democrático de
Direito também não se poderia justificar uma posição preferencial dos direitos sociais,
tema que, à evidência, merece maior reflexão do que aqui se pode oferecer.
Aliás, bastaria esta linha argumentativa para reconhecer que não se pode enca-
rar a proibição de retrocesso como tendo a natureza de uma regra de cunho absolu-
to,47 seja pelo fato, já apontado, de que a atividade legislativa não pode ser reduzida à
função de execução pura e simples da Constituição, seja pelo fato de que esta solução
radical, caso tida como aceitável, acabaria por conduzir a uma espécie de transmuta-
ção das normas infraconstitucionais em direito constitucional, além de inviabilizar o
próprio desenvolvimento deste.48 Além disso, resulta evidente que a admissão de uma
vedação absoluta de retrocesso – especialmente no sentido estrito aqui versado – ine-
xoravelmente resultaria na procedência das críticas formuladas pelos seus adversários.
Resta, contudo, avaliar o mais difícil, qual seja, o como deve ocorrer o controle
da limitação da aplicação da proibição de retrocesso. Nesta perspectiva, importa des-
tacar a orientação doutrinária e jurisprudencial, de acordo com a qual qualquer redu-
ção do alcance de um direito social deverá, pelo menos prima facie, ser considerada
como constituindo uma violação do dever de progressiva realização dos direitos
sociais e, portanto, tida como ofensa à proibição de retrocesso, de tal sorte que a res-
trição do conteúdo protegido de um direito social apenas se revela constitucionalmen-
te legítima quando cuidadosamente avaliada pelo órgão estatal (no mais das vezes, o
legislador) que a promove e que se revela como razoável e proporcional, sendo mesmo
necessária para alcançar propósitos constitucionais relevantes ou até cogentes.49 Tal

45 Cf. José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais..., op. cit., p. 391 e ss.
46 Cfr. Andreas Krell, Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha..., op. cit., p. 40.
47 Neste sentido, v. também, a reflexão de Patrícia do Couto Villela Abbud Martins, “A proibição do retroces-
so social como fenômeno jurídico”, in: Emerson Garcia, (Coord), A Efetividade dos Direitos Sociais, Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 408 e ss.
48 Neste sentido v. também João Caupers, Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição,
Coimbra: Almedina, 1985, p. 44, que, apesar de favorável à proibição de retrocesso social, considera que a
proteção dos sistemas prestacionais existentes não pode ser maior do que a concedida aos direitos de liber-
dade (direitos de defesa).
49 Cf., por todos, Rodrigo Uprimny e Diana Guarnizo, in: Direitos Fundamentais & Justiça, op. cit., p. 44 e ss.

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A Assim Designada Proibição de Retrocesso Social e a Construção
de um Direito Constitucional Comum Latino-Americano

orientação, como se percebe sem esforço, guarda relação com a dogmática de há muito
praticada no plano do controle das restrições dos direitos fundamentais em geral, visto
que condiciona a liberdade de conformação do legislador e a discricionariedade admi-
nistrativa aos critérios da proporcionalidade e razoabilidade, que balizam toda e qual-
quer restrição de direito fundamental. Neste sentido, verifica-se que (aqui sem maior
preocupação no que diz com a precisão terminológica) que a proibição de retrocesso
opera como espécie de limite dos limites dos direitos fundamentais sociais. Por outro
lado – o que inclusive é apontado como uma das principais vantagens desta metódica
de controle das medidas supressivas ou restritivas de direitos sociais – preserva-se a
necessária margem de ação e adequação do poder público em face dos câmbios sociais
e econômicos e mesmo no que diz com a manutenção do equilíbrio e coerência inter-
na do sistema jurídico-constitucional, além de se fomentar uma ampla e responsável
deliberação pública no sentido de justificar a necessidade dos ajustes no campo dos
direitos sociais.50
Precisamente neste contexto assume relevância o resgate e valorização da noção
de um status activus processualis, tal qual cunhada por Peter Häberle,51 visto que a
garantia da participação efetiva dos cidadãos nos processos de deliberação e decisão
sobre as prioridades a serem atendidas na esfera das políticas públicas, assim como na
discussão a respeito de eventuais ajustes e mesmo restrições, deveria necessariamente
ser considerada tanto no que diz com a implantação, pela via da organização e proce-
dimento, de mecanismos de participação e controle social, quanto por ocasião da
maior ou menor intensidade do controle jurisdicional dos atos do poder público quan-
do em causa uma medida de cunho regressivo.
Embora não se pretenda desenvolver aqui com a necessária profundidade os
aspectos ventilados, vinculados aos critérios da proporcionalidade e razoabilidade e ao
dever de justificação das medidas restritivas, assume-se como correta, pelo menos em
termos gerais, tal linha de entendimento, até mesmo pelo fato de que, em se cuidan-
do de controlar a atuação do poder público resultante em restrições de direitos funda-
mentais sociais, não se poderia aqui deixar de operar com os correlatos critérios para
o controle de tais restrições, ainda que com a eventualmente necessária adequação ao
regime e peculiaridades dos direitos sociais e do contexto jurídico-constitucional,
social, político e econômico.
De outra parte, também é perceptível que reduzir a proibição de retrocesso a um
mero controle da razoabilidade e proporcionalidade, assim como de uma adequada jus-
tificação das medidas restritivas, poderá não ser o suficiente, ainda mais se ao controle
da proporcionalidade não for agregada a noção de que qualquer medida restritiva deve-
rá preservar o núcleo (ou conteúdo essencial) do direito fundamental afetado, o que,

50 Sobre o tópico, v. também Rodrigo Uprimny e Diana Guarizo , in: Direitos Fundamentais & Justiça, op. cit.,
p. 55 e ss., à luz de diversos exemplos extraídos da rica jurisprudência constitucional colombiana.
51 Cf., por todos, Peter Häberle, Grundrechte im Leistungstaat, in: VVDStrL 30, 1972, em especial, p. 86 e ss.

553
Ingo Wolfgang Sarlet

por sua vez, guarda relação com a opção, no que diz com os limites aos limites dos direi-
tos fundamentais, entre a teoria externa e a teoria interna, sem prejuízo de outros
aspectos relevantes a serem considerados e que aqui não serão desenvolvidos. É preci-
samente aqui, no que diz com o alcance da proteção assegurada por conta de uma proi-
bição de retrocesso, que a dignidade da pessoa humana e o assim designado mínimo
existencial (assim como a garantia do núcleo essencial dos direitos) podem assumir par-
ticular relevância, tal como tem apontado relevante doutrina e jurisprudência.
Com efeito, adentrando a problemática central deste capítulo, colaciona-se lição
de Gomes Canotilho, a sustentar que o núcleo essencial dos direitos sociais concreti-
zado pelo legislador encontra-se constitucionalmente garantido contra medidas esta-
tais que, na prática, resultem na anulação, revogação ou aniquilação pura e simples
desse núcleo essencial, de tal sorte que a liberdade de conformação do legislador e a
inerente auto-reversibilidade encontram limitação no núcleo essencial já realizado.52
O legislador (assim como o poder público em geral) não pode, portanto, uma vez con-
cretizado determinado direito social no plano da legislação infraconstitucional,
mesmo com efeitos meramente prospectivos, voltar atrás e, mediante uma supressão
ou mesmo relativização (no sentido de uma restrição), afetar o núcleo essencial legis-
lativamente concretizado de determinado direito social constitucionalmente assegu-
rado. Assim, é em primeira linha o núcleo essencial dos direitos sociais que vincula o
poder público no âmbito de uma proteção contra o retrocesso e que, portanto, repre-
senta aquilo que efetivamente se encontra protegido.53
Muito embora tal concepção possa servir como ponto de partida para a análise da
problemática do alcance da proteção contra o retrocesso em matéria de direitos sociais,
não nos parece dispensável algum tipo de aprofundamento, notadamente no que diz
com a vinculação do problema às noções de dignidade da pessoa e da garantia das con-
dições materiais mínimas para uma vida digna, que, por sua vez, guardam relação com
a noção de núcleo essencial dos direitos sociais, embora não se confundam necessaria-
mente. Além disso, a noção de mínimo existencial, compreendida, por sua vez, como
abrangendo o conjunto de prestações materiais que asseguram a cada indivíduo uma
vida com dignidade, no sentido de uma vida saudável,54 ou seja, de uma vida que cor-
responda a padrões qualitativos mínimos, nos revela que a dignidade da pessoa atua
como diretriz jurídico-material tanto para a definição do núcleo essencial (embora não
necessariamente em todos os casos e da mesma forma), quanto para a definição do que
constitui a garantia do mínimo existencial, que, na esteira de farta doutrina, abrange
bem mais do que a garantia da mera sobrevivência física, não podendo ser restringido,
portanto, à noção de um mínimo vital ou a uma noção estritamente liberal de um míni-

52 Cfr. José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Coimbra: Al-
medina, 2007, p. 338 e ss.
53 Neste sentido também, Cristina Queiroz, Direitos Fundamentais Sociais, op. cit., p. 81 e ss. e p. 101 e ss.
54 Sobre o ponto, v. o nosso Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal
de 1988, 6ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 63.

554
A Assim Designada Proibição de Retrocesso Social e a Construção
de um Direito Constitucional Comum Latino-Americano

mo suficiente para assegurar o exercício das liberdades fundamentais,55 ainda mais em


se tratando de um “ambiente constitucional”, como é o caso do latino-americano, mar-
cado – em termos majoritários, embora não uniformes – por um constitucionalismo
socialmente comprometido, pelo menos no plano formal.
Com efeito, em se partindo do pressuposto que as prestações estatais básicas des-
tinadas à garantia de uma vida digna para cada pessoa constituem parâmetro para a
própria exigibilidade dos direitos sociais na sua condição de direitos subjetivos a pres-
tações, que, neste caso, prevalecem, em regra, até mesmo em face de outros princípios
constitucionais (como é o caso da “reserva do possível” [e da conexa reserva parlamen-
tar em matéria orçamentária] e da separação dos poderes),56 resulta evidente – ainda
mais em se cuidando de uma dimensão negativa (ou defensiva) dos direitos sociais (e
neste sentido não apenas dos direitos a prestações) – que este conjunto de prestações
básicas não poderá ser suprimido ou reduzido (para aquém do seu conteúdo em dig-
nidade da pessoa) nem mesmo mediante ressalva dos direitos adquiridos. Com isso
também se percebe nitidamente que a proibição de retrocesso no sentido aqui versa-
do representa, em verdade, uma proteção que vai além da proteção tradicionalmente
imprimida pelas figuras do direito adquirido, da coisa julgada, bem como das demais
vedações específicas de medidas retroativas.
Por outro lado, independentemente da discussão em torno da maior ou menor
autonomia (se é que tal autonomia – no sentido de uma autonomia absoluta – de fato
existe, dada a evidente conexão da proibição de retrocesso com outras categorias,
como a segurança jurídica e a proporcionalidade, por exemplo) da proibição de retro-
cesso em relação ao regime jurídico dos limites dos direitos fundamentais, no contex-
to do qual a proibição de retrocesso atuaria, segundo já se apontou, como limite dos
limites, merece acolhida a já lembrada tese de que uma medida restritiva em matéria
de direitos sociais em princípio deve ser encarada com reservas, isto é, como uma
medida “suspeita” e submetida a uma presunção (sempre relativa) de inconstituciona-
lidade, de tal sorte que sujeita a controle no que concerne à sua proporcionalidade ou
mesmo no que diz com a observância de outras exigências.57 Dentre tais exigências,
situa-se precisamente a salvaguarda do núcleo essencial e, de modo especial, do con-

55 A respeito da noção de mínimo existencial, remetemos ao indispensável e pioneiro estudo – atualizado e


aprofundado em contribuições mais recentes - de Ricardo Lobo Torres, “O Mínimo Existencial e os Direitos
Fundamentais”, in: Revista de Direito Administrativo, nº 177, 1989, p. 29 e ss., muito embora o autor – a
partir de uma profunda análise especialmente da doutrina norte-americana e germânica – esteja aparente-
mente a se inclinar em prol de uma noção liberal (embora não necessariamente reducionista) de mínimo
existencial, já que bem destaca o papel da dignidade da pessoa na construção do conceito de mínimo exis-
tencial. Dentre as contribuições mais recentes, importa referir, além do nosso A Eficácia dos Direitos
Fundamentais, op. cit., p. 330 e ss., o já citado estudo de Ana Paula de Barcellos, A Eficácia Jurídica dos
Princípios Constitucionais, especialmente p. 247 e ss., assim como Paulo Gilberto Cogo Leivas, Teoria dos
Direitos Fundamentais Sociais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. Por último, v. Ricardo Lobo
Torres, O Direito ao Mínimo Existencial, Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
56 Sobre o tema, remetemos ao nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais, especialmente p. 299 e ss.
57 Cf. também Jorge Reis Novais, Direitos Fundamentais: trunfos contra a maioria, op. cit., p. 201.

555
Ingo Wolfgang Sarlet

teúdo em dignidade humana do direito social objeto de restrição. Assim, se uma medi-
da restritiva de direito social deve passar pelos testes da razoabilidade e da proporcio-
nalidade, desafiando a declaração da sua ilegitimidade constitucional se não for ade-
quada e necessária, também deverá – ainda que adequada e necessária – respeitar as
barreiras do núcleo essencial e da dignidade da pessoa humana.58
Tais premissas, ainda que não mencionadas da mesma forma na fundamentação,
encontram-se na base de julgado do Tribunal Constitucional de Portugal, que, embo-
ra se trate de uma fonte externa ao constitucionalismo latino-americano, tem sido
amplamente referida pela doutrina brasileira, além de fornecer importantes subsídios
para o debate na América Latina. Trata-se do Acórdão nº 509/2002, que versa sobre
a inconstitucionalidade (por violação do princípio da proibição de retrocesso) do
Decreto da Assembléia da República que, ao substituir o antigo rendimento mínimo
garantido por um novo rendimento social de inserção, excluiu da fruição do benefício
(ainda que mediante a ressalva dos direitos adquiridos) pessoas com idade entre 18 e
25 anos. Em termos gerais e para o que importa neste momento, a decisão, ainda que
não unânime, entendeu que a legislação revogada, atinente ao rendimento mínimo
garantido, concretizou o direito à segurança social dos cidadãos mais carentes
(incluindo os jovens entre os 18 e 25 anos), de tal sorte que a nova legislação, ao
excluir do novo rendimento social de inserção as pessoas nesta faixa etária, sem a pre-
visão e/ou manutenção de algum tipo de proteção social similar, estaria a retroceder
no grau de realização já alcançado do direito à segurança social a ponto de violar o
conteúdo mínimo desse direito já que atingido o conteúdo nuclear do direito a um
mínimo de existência condigna, não existindo outros instrumentos jurídicos que o
possam assegurar com um mínimo de eficácia. Destaque-se, ainda, que o Tribunal
Constitucional português reiterou pronunciamentos anteriores, reconhecendo que no
âmbito da concretização dos direitos sociais o legislador dispõe de ampla liberdade de
conformação, podendo decidir a respeito dos instrumentos e sobre o montante dos
benefícios sociais a serem prestados, sob pressuposto de que, em qualquer caso a esco-
lha legislativa assegure, com um mínimo de eficácia jurídica, a garantia do direito a
um mínimo de existência condigna para todos os casos.59
Da análise da paradigmática decisão ora citada, que guarda harmonia com a argu-
mentação desenvolvida ao longo do presente texto, resulta que uma medida de cunho
retrocessivo, para que não venha a violar o princípio da proibição de retrocesso, deve,

58 Importa destacar que não desconhecemos a controvérsia que existe (cada vez mais forte) em relação à figu-
ra do núcleo essencial dos direitos fundamentais, que, para significativa doutrina, acaba sendo sempre
reconduzido ao controle da proporcionalidade, notadamente no que diz com a terceira fase, da assim desig-
nada proporcionalidade em sentido estrito. Neste sentido, precisamente questionando a noção de um núcleo
essencial na perspectiva de uma proibição de retrocesso (embora sem questionar o reconhecimento, em si,
de uma proibição de retrocesso), v. Rodolfo Arango, “La prohibición de retroceso en Colombia” in:
Christian Courtis (Comp), Ni un paso atrás, op. cit., p. 153 e ss.
59 Para quem deseja aprofundar a análise, vale a pena conferir na íntegra a fundamentação do já citado Acórdão
nº 509/2002, Processo nº 768/2002, apreciado pelo Tribunal Constitucional de Portugal em 19.12.2002.

556
A Assim Designada Proibição de Retrocesso Social e a Construção
de um Direito Constitucional Comum Latino-Americano

além de contar com uma justificativa de porte constitucional, salvaguardar – em qual-


quer hipótese – o núcleo essencial dos direitos sociais, notadamente naquilo em que
corresponde às prestações materiais indispensáveis para uma vida com dignidade para
todas as pessoas. De tal sorte não há, de fato, como sustentar que o reconhecimento de
uma proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais (nos termos expostos) resul-
taria numa aniquilação da liberdade de conformação do legislador, que, de resto – e
importa relembrar tal circunstância – nunca foi e nem poderia ser ilimitada no contex-
to de um Estado constitucional de Direito, como bem revelam os significativos limites
impostos na seara das restrições legislativas ao exercício dos direitos fundamentais.
Considerando que o núcleo essencial dos direitos fundamentais, inclusive
sociais, nem sempre corresponde ao seu conteúdo em dignidade (que poderá ser variá-
vel, a depender do direito fundamental em causa) é de se admitir até mesmo a even-
tual inconstitucionalidade de medidas que – mesmo não afetando diretamente a dig-
nidade da pessoa humana – inequivocamente estejam a invadir o núcleo essencial.
Que também no âmbito da proibição de retrocesso importa que se tenha sempre pre-
sente a circunstância de que o conteúdo do mínimo existencial para uma vida digna
encontra-se condicionado pelas circunstâncias históricas, geográficas, sociais, econô-
micas e culturais em cada lugar e momento em que estiver em causa, mas varia tam-
bém conforme a natureza do direito social em particular (moradia, saúde, assistência
social, apenas para mencionar alguns exemplos) resulta evidente e vai aqui assumido
como pressuposto de nossa análise.
Com relação à objeção de que em função da incidência da assim designada “reser-
va do possível”, isto é, de uma justificativa calcada na falta de recursos e, portanto, fun-
dada na necessidade de promover ajustes para menos ou mesmo a supressão de certos
prestações sociais, não haveria como invocar, com sucesso, a proibição de retrocesso,
importa ter presente alguns fatores que no mínimo não deveriam ser negligenciados.
Em primeiro lugar, se tem sido geralmente admitido que na esfera da garantia do míni-
mo existencial existe um direito subjetivo definitivo às prestações que lhe são ineren-
tes, ou seja, que eventual obstáculo de ordem financeira e orçamentária deverá ceder
ou ser removido, inclusive mediante a realocação de recursos, fixação de prioridades,
ou mesmo outras medidas, também – e neste caso com maior razão ainda – não se
poderá pretender suprimir ou esvaziar, pelo menos não aquém do mínimo existencial,
a concretização já levada a efeito dos direitos sociais. Como exemplo desta tutela nega-
tiva do mínimo existencial colaciona-se a sua função como limite material ao poder de
tributar do Estado, já que este, em regra, não pode tributar o mínimo existencial (no
âmbito do imposto sobe a renda, por exemplo), ainda que mediante a alegação da
necessidade de reforçar a arrecadação para promover os direitos sociais.60 O que se per-

60 Sobre o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana como limites ao poder de tributar, v., no direi-
to brasileiro, Ricardo Lobo Torres, Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: os direitos
humanos e a tributação – imunidades e isonomia, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 144 e ss., bem como
Humberto Ávila, Sistema Constitucional Tributário, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 331 e ss.

557
Ingo Wolfgang Sarlet

cebe, à vista do exposto, é que o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana


operam tanto como fundamentos para a limitação de direitos, quando tal se revelar
indispensável à salvaguarda da dignidade, quanto atuam como limites dos limites, pois
constituem, ao mesmo tempo, o marco a ser respeitado pelas medidas restritivas.61
Por outro lado, o que importa, nesta quadra, é enfatizar que embora a alegação
da falta de recursos para a manutenção de determinados benefícios sociais ou, o que é
mais comum, para a preservação de determinado patamar de proteção social, seja um
possível fundamento para justificar uma medida restritiva, não poderá servir de justi-
ficativa para a afetação do núcleo essencial dos direitos sociais, ainda mais quando em
causa as exigências mínimas para uma vida com dignidade. Com efeito, se o mínimo
existencial é aquilo que o Estado em todo o caso deve assegurar positivamente, tam-
bém é aquilo que o estado deve respeitar por força de um dever de não-intervenção.62
Precisamente nesta perspectiva (ainda que não idêntica a argumentação) vale referir
decisão do Tribunal Constitucional da Colômbia, de acordo com o qual a decisão de
reduzir os recursos destinados a subsidiar habitações para a população de baixa renda,
promovida pelo poder público municipal, embora em abstrato justificada pela neces-
sidade de contenção de despesas (pela carência de recursos) e atendimento a outras
demandas de cunho social, não resultou convincente no caso concreto, especialmen-
te quando as dificuldades financeiras apontadas podem ser atribuídas à falta de plane-
jamento e gestão deficiente do próprio poder público.63
Em face do exposto, importa reafirmar, também no contexto da proteção dos
direitos sociais na esfera de uma proibição de retrocesso, que uma violação do míni-
mo existencial (mesmo em se cuidando do núcleo essencial legislativamente concre-
tizado dos direitos sociais) significará sempre uma violação da dignidade da pessoa
humana e por esta razão será sempre desproporcional e, portanto, inconstitucional, o
que, à evidência, não afasta a discussão sobre qual o conteúdo do mínimo existencial
em cada caso e no contexto de cada direito social.64
Ainda no que diz com relevância do princípio da proporcionalidade na esfera da
assim designada proibição de retrocesso e da salvaguarda dos direitos sociais vincula-
dos ao mínimo existencial, importa lembrar que a proporcionalidade opera tanto
como uma proibição de excesso, quanto naquilo em que, vinculada aos deveres de
proteção – com os quais não se confunde –, proíbe uma proteção insuficiente – exi-

61 Cf. o nosso Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, op. cit.,
p. 123 e ss.
62 Aqui bastaria apontar para o exemplo da proteção do mínimo existencial contra o poder de tributar do
Estado, atuando como um limite constitucional nesta seara.
63 Cf. sentença T-1318 de 2005, referida e comentada por Rodrigo Uprimny e Diana Guarizo, in: Direitos
Fundamentais & Justiça, op. cit., p. 48-49.
64 Sobre o princípio da proporcionalidade e a função da dignidade da pessoa humana neste contexto, v., entre
outros, Heinrich Scholler, “O princípio da proporcionalidade no direito constitucional e administrativo da
Alemanha”, in: Revista Interesse Público nº 2, 1999, p. 93-107.

558
A Assim Designada Proibição de Retrocesso Social e a Construção
de um Direito Constitucional Comum Latino-Americano

gindo, pelo contrário, uma proteção social compatível com as exigências da dignida-
de da pessoa humana no marco de um Estado Democrático e Social de Direito.65 A
conexão entre a proibição de retrocesso social e a assim designada proibição de prote-
ção insuficiente ou deficiente (o que abrange, no caso, a proteção social, em geral
representada pela concretização dos direitos sociais) resulta evidente, pois atua tanto
como parâmetro para o controle das omissões e ações insuficientes do poder público,
quanto serve de critério para o controle de medidas que venham a resultar na supres-
são ou diminuição de direitos sociais antes concretizados em nível satisfatório, ou seja,
em patamares correspondentes às exigências do mínimo existencial. Em outras pala-
vras, a proibição de retrocesso implica – como já frisado – não apenas a vedação da
recriação de um estado de omissão inconstitucional, mas também a proibição de uma
ação insuficiente.66
Em sintonia com tal linha argumentativa (de modo especial com a noção de uma
garantia de um mínimo existencial), embora a ausência de referência direta a uma
proibição de proteção insuficiente, como fundamento da decisão, é possível citar jul-
gado proferido por Tribunal da Argentina (Câmara de Apelações do Contencioso
Administrativo e Tributário da Cidade de Buenos Aires), onde igualmente estava em
causa a garantia de uma habitação (moradia) digna para pessoas submetidas a condi-
ções de vida precárias em ambiente marcado por forte exclusão social. No caso con-
creto (que envolvia a negação do acesso à moradia por parte do autor da demanda
judicial), o Tribunal argumentou que a descontinuidade das prestações sociais viola o
princípio da proibição de retrocesso, pois uma vez reconhecido e efetivado um direi-
to social, designadamente quando se trata de pessoas que se encontram em situação
econômica e social precária, não é possível eliminar pura e simplesmente esta condi-
ção básica de inclusão social, ainda mais quando da falta de alternativas razoáveis ado-
tadas por parte do poder público.67
Para além do exposto e tendo em conta que a dignidade da pessoa humana e a
correlata noção de mínimo existencial, a despeito de sua transcendental e decisiva
relevância, não são os únicos critérios a serem considerados no âmbito da aplicação do
princípio da proibição de retrocesso, importa relembrar aqui as noções de segurança
jurídica e proteção da confiança, igualmente referidas em muitas das decisões sobre o
tema, inclusive na decisão do Tribunal Constitucional de Portugal, já citada.68 Assim

65 Cf. bem apontado por Cristina Queiroz, Direitos Fundamentais Sociais, op. cit., p. 117. Da mesma autora,
com maior desenvolvimento, O Princípio da Não Reversibilidade dos Direitos Fundamentais Sociais, op.
cit., p. 76 e p. 100 e ss.
66 Cf., por todos, Jorge Pereira da Silva, Dever de legislar e protecção jurisdicional contra omissões legislati-
vas, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2003, p. 282 e ss.
67 Cuida-se de caso julgado em 08.10.2003, referido por Christian Courtis, in: Ni un paso atrás, op. cit., p. 22-
23. Igualmente desenvolvendo o tema, com ênfase na experiência argentina, v. Horácio González, El desa-
rolllo de los derechos a la seguridad social y la prohibición de regresividad en Argentina, in: Christian
Courtis (Comp), Ni un paso atrás, op. cit., p. 193-253, mediante referência a outros casos.
68 Para o caso da Colômbia, v. o elenco de decisões referido por Rodrigo Uprimny e Diana Guarnizo, in:
Direitos Fundamentais & Justiça, op. cit., p. 37 e ss.

559
Ingo Wolfgang Sarlet

– mesmo que não se pretenda desenvolver estes aspectos – é certo que também na
esfera da proibição de retrocesso tal como versada, a noção de segurança jurídica pres-
supõe a confiança na estabilidade de uma situação legal atual.69 Com efeito, a partir
do princípio da proteção da confiança, eventual intervenção restritiva no âmbito de
posições jurídicas sociais exige, portanto, uma ponderação (hierarquização) entre a
agressão (dano) provocada pela lei restritiva à confiança individual e a importância do
objetivo almejado pelo legislador para o bem da coletividade.70 Que tais questões –
consoante já frisado – nos remetem novamente aos princípios da proporcionalidade e
da razoabilidade, mas também dizem respeito ao princípio da isonomia, os quais igual-
mente devem ser observados neste contexto, salta aos olhos embora aqui não venha a
ser mais desenvolvido.
De outra parte, na esfera das possíveis relações entre a proibição de retrocesso e
a segurança jurídica, relembre-se aqui a lição de Hartmut Maurer, ao afirmar que
segurança jurídica acaba por significar igualmente alguma garantia de continuidade
da ordem jurídica, que, evidentemente, não se assegura exclusivamente com a limita-
ção de medidas estatais tipicamente retroativas.71 Que o princípio da proibição do
retrocesso atua como relevante fator assecuratório também de um padrão mínimo de
continuidade no plano do ordenamento jurídico objetivo, constitui mais um dado ele-
mentar a ser levado em conta, que apenas reforça as demais dimensões exploradas
neste estudo. Com efeito, parece ter sido suficientemente demonstrado o quanto levar
a sério a eficácia e efetividade de um direito à segurança (incluindo a segurança jurí-
dica) também reclama certa proteção contra medidas do poder público que venham a
aniquilar ou reduzir de modo desproporcional e/ou ofensivo à dignidade da pessoa (já

69 Cfr. Winfried Boecken, Der verfassungsrechtliche Schutz von Altersrentenansprüche und Anwartschaften
in Italien und in der Bundesrepublik Deutschland sowie deren Schutz im Rahmen der Europäischen
Menschenrechtskonvention, Berlin: Duncker & Humblot, 1987, p 80.
70 Cfr., dentre tantos, Dietrich Katzenstein, “Die bisherige Rechtsprechung des Bundesverfassungsgerichts
zum Eigentumsschutz sozialrechtlicher Positionen”, in: Festschrift für Helmut Simon, Baden-Baden:
Nomos, 1987, p. 862, com apoio na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal. Neste contexto,
Hans-Jürgen Papier, “Der Einfluss des Verfassungsrechts auf das Sozialrecht”, in: Bernd Baron von
Maydell/Franz Ruland (Org), Sozialrechtshandbuch, 3ª ed., Baden-Baden: Nomos, 2003, p. 120, lembra que
no âmbito da ponderação de bens e interesses a ser procedida em cada caso, a regulação legislativa será
inconstitucional apenas quando se verificar que a confiança do indivíduo na continuidade da situação legal
atual pode ser tida como prevalente em face dos objetivos almejados pelo legislador com as alterações pro-
postas, destacando, todavia, que tais critérios assumem um papel secundário na aferição da constitucionali-
dade de medidas retroativas. Tal fórmula tem sido largamente adotada pelo Tribunal Constitucional Federal
da Alemanha (especialmente desde BVerfGE 24, p. 220, 230 e ss.), no sentido de que importa ponderar, em
cada caso, entre a extensão do dano à confiança do indivíduo e o significado da medida adotada pelo poder
público para a comunidade.
71 Cfr. Hartmut Maurer, “Kontinuitätsgewähr und Vertrauensschutz,”, in: Handbuch des Staatsrechts der
Bundesrepublik Deutschland, op. cit., p. 243 e ss., sinalando, todavia, a existência de uma distinção entre
proteção de confiança e a garantia de continuidade da ordem jurídica, aspecto que aqui não iremos desen-
volver e a respeito do qual, inclusive na doutrina germânica, não existe pleno consenso.

560
A Assim Designada Proibição de Retrocesso Social e a Construção
de um Direito Constitucional Comum Latino-Americano

que as duas situações nem sempre são coincidentes) os níveis já concretizados de pro-
teção social.

V. Considerações finais: alguns limites e desafios à formação de um


direito constitucional comum latino-americano

Cientes de que deixamos muitas questões em aberto, pois a pretensão não era a
de efetuar um inventário completo dos aspectos apresentados, seguem algumas con-
clusões e proposições, que, talvez, possam contribuir para o avanço no debate sobre as
possibilidades e limites da proibição de retrocesso no contexto da formação de um
direito constitucional comum latino-americano. Já que no que diz respeito ao reco-
nhecimento em si de uma proibição de retrocesso, a crescente convergência entre o
sistema internacional dos direitos humanos e a gradativa incorporação da noção de
proibição de retrocesso (insista-se, muitas vezes sob rótulo diverso e com manifesta-
ções distintas) à gramática jurídico-constitucional dos diversos países da América
Latina, revelam que já se trata de uma noção suficientemente compartilhada para fins
de caracterização de um direito constitucional comum, ainda que se trate de uma
noção carente de desenvolvimento em vários níveis.
De modo especial, atentando especialmente para os expressivos níveis de exclu-
são social e os correspondentes reclamos de proteção contra medidas que venham a
corroer, ainda mais, os deficitários patamares de segurança social vigentes no
“ambiente” latino-americano, é de reafirmar que a análise sóbria e constitucionalmen-
te adequada da temática ora versada neste ensaio (que não possui mais do que caráter
exploratório) assume caráter emergencial e segue reclamando uma atenção constante
da doutrina e da jurisprudência, em especial no que diz com a construção de uma sóli-
da e adequada dogmático jurídico-constitucional, definindo os contornos, os limites e
possibilidades da proibição de retrocesso.
Da mesma forma, se faz necessária também a reconstrução (mas não o abando-
no) da noção de constitucionalismo dirigente, que, portanto, impõe uma vinculação
do legislador ao postulado de uma eficiente e eficaz promoção e garantia dos direitos
fundamentais, mesmo (e talvez por isso mesmo, como já o lembramos ao tratar da
segurança jurídica) numa sociedade em constante processo de mudança. Com efeito,
considerando os desenvolvimentos antecedentes, seguimos acreditando que o reco-
nhecimento de um princípio constitucional (implícito) da proibição de retrocesso
constitui – pelo menos no que diz com a vinculação do legislador aos programas de
cunho social e econômico (nos quais se insere a previsão dos próprios direitos sociais,
econômicos, culturais e ambientais) – uma manifestação possível de um dirigismo
constitucional,72 que além de vincular o legislador de forma direta à Constituição,

72 Cf. o nosso “Proibição de retrocesso, dignidade da pessoa humana e direitos sociais: manifestação de um
constitucionalismo dirigente possível”, in: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,
vol. LXXXII, 2006.

561
Ingo Wolfgang Sarlet

também assegura uma vinculação, que poderíamos designar de mediata, no sentido de


uma vinculação do legislador à sua própria obra, especialmente no sentido de impedir
uma frustração da vontade constitucional. Ainda que a concepção de uma constitui-
ção dirigente corresponda ao modelo originalmente assumido por muitas das consti-
tuições latino-americanas, é certo, por outro lado, que o dirigismo constitucional deve
ser devidamente contextualizado e adequado à realidade normativa e fática da
América Latina e dos diversos países que a integram, pena de chegarmos a resultados
constitucionalmente inadequados e, portanto, ilegítimos, não sendo à toa que se fala
em um constitucionalismo dirigente adequado aos países de modernidade tardia.73
Nesta mesma perspectiva, é necessário vincular o dever de desenvolvimento susten-
tável e a obrigação de uma progressiva realização (tutela e promoção) dos direitos
sociais, econômicos, culturais e ambientais à concepção de um constitucionalismo
dirigente possível, já que somente neste contexto, como já frisado ao longo do texto,
faz sentido insistir com uma proibição de retrocesso nesta seara.
Por outro lado, se o manejo constitucionalmente adequado e responsável do prin-
cípio da proibição de retrocesso (que definitivamente não se presta a blindar privilégios
injustificáveis, pelo simples fato de terem sido, em determinado contexto, assegurados a
certo grupo de pessoas) não constitui certamente a única via para proteger os direitos
fundamentais sociais, também não restam dúvidas de que se trata de uma importante
conquista da dogmática jurídico-constitucional (notadamente mediante o labor da dou-
trina e crescente incidência na esfera jurisprudencial) para assegurar, especialmente no
plano de uma eficácia negativa, a proteção dos direitos sociais contra a sua supressão e
erosão pelos poderes constituídos, ainda mais num ambiente marcado por acentuada
instabilidade social e econômica, como é o caso – também – do espaço latino-america-
no. Aliás, é a referida instabilidade, somada à tímida realização do dever de uma efetiva
(embora progressiva) promoção pelo menos do mínimo existencial em matéria de direi-
tos sociais, econômicos, culturais e ambientais, que atua também como um fator de dis-
túrbio, assumindo a feição de obstáculo à afirmação de um direito constitucional
comum latino-americano, que não seja meramente identificado pela convergência em
matéria textual ou no plano da teorização por parte da doutrina.
Neste contexto, convém não esquecer que nem a afirmação de um dirigismo
constitucional, nem a proibição de retrocesso como categoria jurídico-constitucional

73 Neste sentido, v. a referencial proposta de Lenio Luiz Streck, “A Concretização de Direitos e a Validade da
Tese da Constituição Dirigente em Países de Modernidade Tardia”, in: António Avelãs Nunes e Jacinto
Nelson de Miranda Coutinho (orgs), Diálogos Constitucionais: Brasil/Portugal, Rio de Janeiro: Renovar,
2004, p. 334, onde aponta – neste passo em sintonia com as lições de José Joaquim Gomes Canotilho – que
a noção de constituição dirigente não implica a admissão da possibilidade de um normativismo constitucio-
nal revolucionário, capaz de, por si só, operar transformações emancipatórias, mas sim, uma vinculação do
legislador aos ditames da materialidade constitucional e a afirmação do papel do Direito (notadamente do
direito constitucional) como instrumento de implementação de políticas públicas.

562
A Assim Designada Proibição de Retrocesso Social e a Construção
de um Direito Constitucional Comum Latino-Americano

vinculante (que, por si só, na sua qualidade de normas jurídicas, não implicam subs-
tancial e efetiva mudança da realidade social), dispensam o resgate do verdadeiro
papel da cidadania.74 Com efeito, sem o fortalecimento das bases da cidadania,
mediante a superação também da instabilidade político-institucional que ainda se
manifesta em boa parte do território latino-americano, um direito constitucional
comum terá dificuldades de frutificar em sua desejável extensão. Aliás, como já ante-
cipado, um direito constitucional comum pressupõe a existência de estados constitu-
cionais autênticos e não meros simulacros, como ainda se encontram disseminados
pelo Globo, inclusive na América Latina.
Tais considerações, ainda que singelas, demonstram, por sua vez, que tanto a
consagração do modelo do Estado Constitucional, quanto a formação de um direito
constitucional comum, de acordo com a lição de Peter Häberle, dependem de cons-
tante (re) afirmação, visto que permanentemente colocados à prova, de tal sorte que
também aqui se faz necessário ter em conta a relevância dos princípio da esperança
(Ernst Bloch) e da responsabilidade (Hans Jonas).75 Se este caminho será efetivamen-
te trilhado com o sucesso desejável não se pode antever; considerando, todavia, que se
trata de uma jornada já iniciada (como esperamos ter demonstrado à luz da problemá-
tica da proibição de retrocesso), há razões para crer que a esperança possa vir a ser
recompensada.

74 Cf. aponta, com acuidade, Gilberto Bercovici, Ainda Faz Sentido a Constituição Dirigente?, in: Revista do
Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, 2008, p. 155 e ss.
75 Cf. Peter Häberle, in: EUGRZ 2006, p. 537.

563
La Protección de los Derechos Humanos en Argentina
Alberto Ricardo Dalla Vía1

Sumáárioo: I. La jerarquía constitucional de algunos tratados de derechos humanos y su interpretación. II. Condiciones
y limites de la jerarquía constitucional otorgada. III. La jurisdicción internacional en materia de Derechos Humanos.

I. La jerarquía constitucional de algunos tratados de derechos humanos


y su interpretación

El debate sobre la incorporación de los tratados de derechos humanos a la


Constitución Nacional fue uno de los que generó mayores intervenciones en la
Convención Nacional reformadora de 1994, tanto en los discursos pronunciados en el
recinto, como en las inserciones incorporadas a los diarios de sesiones y que hicieron
que este fuera uno de los temas que contó con mayor tratamiento, si se exceptúa el
debate que demandó la discusión del reglamento de la Convención (art. 5 ley 24.309).
Esa amplitud de discusión no refleja, sin embargo, una justificación técnica sobre
el fundamento de la decisión de otorgar “jerarquía constitucional” a algunos tratados
y no a otros. Las intervenciones de los Señores Convencionales en general se han refe-
rido a resaltar la gran importancia que tenía tratar este tema después de los años oscu-
ros vividos en nuestro país como consecuencia de la violación de los derechos funda-
mentales durante la última dictadura militar.2
Al fin y al cabo, los tratados incorporados al texto del inciso 22 del artículo 75 ya
tenían reconocimiento en nuestro ordenamiento jurídico desde la firma, aprobación
y ratificación de cada uno de ellos y no es menos cierto que la parte dogmática de la
Constitución Nacional los amparaba ampliamente. Podría cuestionarse –a contrario
sensu- que la ideología demoliberal de la constitución histórica no contemplaba el
avance progresivo en materia de los derechos denominados de “segunda” y de “terce-
ra generación”; pero tal objeción caía ante el marco amplio del artículo 33 que permi-

1 Presidente de la Asociación Argentina de Derecho Constitucional. Presidente de la Asociación Argentina


de Derecho Comparado. Profesor Titular de Derecho Constitucional Facultad de Derecho de la Universidad
de Buenos Aires.
2 El Convencional Constituyente Doctor Iván José María CULLEN sostuvo en el recinto que “…lo fundamen-
tal en esta temática no es el problema de la protección internacional de los derechos humanos o que incor-
poremos una cláusula en la Constitución o no, porque siempre van a estar protegidos con la ratificación de
los pactos que establecen tribunales internacionales a tal fin, como el Pacto de San José de Costa Rica. El
problema se vincula con el sentido docente que puede tener la norma y con la necesidad de que los jueces
argentinos apliquen estas disposiciones fundamentales…” (CONVENCION NACIONAL CONSTITUYEN-
TE “Diario de Sesiones” versión taquigráfica correspondiente a la 23ª. Reunión .3ª Sesión Ordinaria del 3 de
agosto de 1994, p. 3040)

565
Alberto Ricardo Dalla Vía

tía considerar la validez de los derechos no enumerados que encontrasen fundamen-


to en el principio de soberanía del pueblo y en la forma republicana de gobierno.
Pero al hecho del pasado reciente con sus recuerdos de estado de sitio con sus-
pensión de garantías, detenciones ilegales y desapariciones forzadas de personas,
donde era lógico esperar que el constituyente argentino ratificara el compromiso
democrático dando una clara señal, se suma el contexto ideológico que ubica a los
derechos humanos como una “nueva ética” dentro del derecho occidental. Los dere-
chos humanos así entendidos tienen en nuestro tiempo el valor de un nuevo iusnatu-
ralismo, de manera que un autor alemán, el profesor KRUGER, ha llegado a señalar
que en nuestro tiempo no es la ley (positiva) la que legitima a los derechos frente a la
sociedad, sino que es el respeto a los derechos humanos quien da legitimidad y senti-
do a la ley.3
En cuanto a la enumeración de algunos tratados de derechos humanos y no de
otros, el tema parece explicarse por la dispersión del debate hacia algunos temas en
particular fuera del núcleo de protección internacional conformado por la
Declaración de las Naciones Unidas, la Declaración Americana de Derechos del
Hombre de Bogotá, el Pacto de San José de Costa Rica y la Convención de Nueva York
de 1966 que dio origen a los dos “pactos” de Derechos Humanos de las Naciones
Unidas: el Pacto de Derechos Civiles y Políticos y el Pacto de Derechos Económicos
Sociales y Culturales.
De manera tal que algunos convencionales pusieron el acento en la Convención
Internacional de Derechos del Niño con el fin implícito de proteger la vida humana a
partir de la concepción en el seno materno (ej.: posición del convencional Rodolfo
BARRA), mientras que otros lo hicieron buscando otorgar una protección explícita a
los derechos de la mujer (convencional Elisa CARRIO), y así sucesivamente, como
puede corroborarse en los diarios de sesiones de la Convención Constituyente y donde
sobresalen los distintos énfasis, ej.: convencional Eduardo BARCESAT: Derechos
Humanos en general, tortura y discriminación; convencional Eduardo PETTIGIANI:
protección de la familia; convencional Eduardo ROMERO FERIS: protección de la
libertad de prensa, etc.
Fue así como el acuerdo alcanzado en la comisión correspondiente y perfeccio-
nado por la comisión redactora sometió a aprobación del cuerpo el artículo que fue
aprobado, donde se enumeran los siguientes documentos internacionales:

La Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre.


La Declaración Universal de Derechos Humanos.
La Convención Americana sobre Derechos Humanos (Ley 23.054)

3 Citado por PEREZ LUÑO, Antonio en “Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución”. Tecnos.
Madrid

566
La Protección de los Derechos Humanos en Argentina

El Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales (Ley


23.313)
El Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y su Protocolo
Facultativo (Ley. 23.313)
La Convención sobre la Prevención y Sanción del Delito de Genocidio
(Dec. Ley 6286/56).
La Convención Internacional sobre Eliminación de todas las formas de
Discriminación Racial (Ley 17.722)
La Convención sobre la Eliminación de todas las formas de Discriminación
contra la Mujer (Ley 23.179).
La Convención contra la Tortura y otros Tratos o Penas Crueles,
Inhumanos o Degradantes (Ley 23.338)
La Convención sobre los Derechos del Niño (Ley 23.849)

Como bien ha observado Ernesto DE LA GUARDIA, los dos primeros no son tra-
tados propiamente dichos, por cuanto las declaraciones carecen de un elemento esen-
cial en ellos, cual es el acuerdo de voluntades destinado a producir efectos jurídicos y
cuyo incumplimiento acarrea responsabilidades internacionales.4 En cuanto al núme-
ro de convenciones, los autores difieren sobre si la constitución enumera ocho
(COLAUTTI) o nueve (CASTORINA DE TARQUINI). El primer criterio, del que par-
ticipamos, considera que el Protocolo Facultativo del Pacto de Derechos Civiles y
Políticos debe considerarse incluido en aquél por aplicación de las reglas internacio-
nales que rigen para los tratados (Convención de Viena), en tanto que el segundo cri-
terio parte de la enumeración por separado que realiza el texto constitucional.5
Entendemos que una regla hermenéutica apropiada en este caso impone interpretar
la relación protocolo-tratado conforme se realiza en el ámbito propio de las
Relaciones Internacionales, donde tales palabras tienen jerarquías y usos universal-
mente aceptados y no, necesariamente, caer en un apego de tipo textualista.
La primera observación evidente al sistema adoptado por la constitución en el
inciso 22 del artículo 75 ha sido, sin lugar a dudas, la diferencia que ha quedado esta-
blecida entre algunos tratados de derechos humanos con “jerarquía constitucional” ,
que son los de la lista antes expuesta más los que se vayan agregando por el sistema de
mayorías especiales del mismo inciso (2/3 de la totalidad de los miembros de ambas
cámaras), “…para gozar de la jerarquía constitucional”, conforme lo expresa la

4 DE LA GUARDIA, Ernesto “El Nuevo Texto Constitucional y los Tratados”. El Derecho año XXXII nº 8613
pag. 3.
5 COLAUTTI, Carlos “Los Tratados Internacionales y la Constitución Nacional”. La Ley. 1999, pag. 69. CAS-
TORINA DE TARQUINI, María Celia “Supremacía de la Constitución”. Trabajo publicado en la obra colec-
tiva del Instituto Argentino de Estudios Constitucionales y Políticos dirigido por Dardo PEREZ GUILHOU,
titulada “Derecho Constitucional de la Reforma de 1994”. Ediciones Depalma. Buenos Aires.

567
Alberto Ricardo Dalla Vía

Constitución en la norma de referencia y los demás tratados de derechos humanos


aprobados y ratificados por nuestro país que no gozan de tal jerarquía.
Durante los debates de la Convención Reformadora el Convencional Doctor
Iván CULLEN expresó “ …Señor presidente: la redacción impresa al inciso 19 del artí-
culo 67 tiene serias deficiencias que en mi opinión debemos corregir. En primer lugar,
es absolutamente incompatible con una jerarquización de los tratados sobre derechos
humanos la discriminación entre tratados que tienen jerarquía constitucional y trata-
dos que no la tienen. Debo señalar que la Argentina ha ratificado más de cien trata-
dos en esta materia. En este sentido, solicito que se inserte en el Diario de Sesiones un
trabajo realizado por uno de mis colaboradores, el profesor CARRILLO BASCARY, en
el que figura toda la nómina.

“Esta primera observación que hago al despacho de la mayoría debería ser


atendida, porque la unicidad de la protección internacional de los derechos
humanos no puede ser desconocida por esta Convención. Al respecto, cuando
RENE CASSIN –que es muy conocido porque fue uno de los redactores de la
Declaración Universal de los Derechos del Hombre, junto con ELEONORA
ROOSEVELT- intervino activamente en los debates sobre el Pacto de San José
de Costa Rica, en la sesión del 10 de noviembre de 1969 advirtió la necesidad de
considerar los sistemas protectorios de derechos humanos como una unidad. Sin
embargo estamos distinguiendo entre tratados que van a tener jerarquía consti-
tucional y aquéllos que no la tienen…”6

También el Dr. Germán BIDART CAMPOS, en un dictamen dirigido al


Presidente del Bloque de la Unión Cívica Radical, Dr. Raúl ALFONSIN, se manifesta-
ba a favor de una formula más abierta ,que se refiriera a los tratados sobre derechos
humanos en general y no a una lista que podría generar alguna confusión entre trata-
dos incluidos y tratados no incluidos en la misma. A pesar de esa cuestión de carácter
técnico –normativa, en el mismo texto señalaba el mencionado constitucionalista que
consideraba la inclusión del inciso en la Constitución como un gran paso adelante.7
Un primer problema que se nos aparece es qué califica o define a un tratado
internacional como un tratado de derechos humanos? Podría presentarse el caso hipo-
tético en que tratados autotitulados como de “derechos humanos” contengan restric-
ciones a derechos fundamentales contenidos en la Constitución Nacional, de donde
debe concluirse que la intención del constituyente al limitar la lista de tratados de
derechos humanos con jerarquía constitucional y fijar un mecanismo de admisión, fue
la de dejar tal decisión en manos del Congreso de la Nación por imperio del art. 27

6 CONVENCION NACIONAL CONSTITUYENTE “Diarios de Sesiones” (versión taquigráfica) 23ª reunión.


3ª sesión ordinaria del 3 de agosto de 1994. Pag. 3038.
7 El Dr. BIDART CAMPOS elaboró el citado dictámen por pedido de los Doctores Antonio María HERNAN-
DEZ, Humberto QUIROGA LAVIE y Alberto Ricardo DALLA VIA.

568
La Protección de los Derechos Humanos en Argentina

C.N. No existiendo en nuestro derecho el control previo de constitucionalidad de los


tratados, dicho control previo es un control político que corresponde al Congreso con
la aprobación o con la admisión de tratados de derechos humanos y el otorgamiento
de la correspondiente “jerarquía constitucional”.
Conforme ha quedado redactada la norma, los tratados con sus protocolos y las
declaraciones enumeradas gozan de “jerarquía constitucional” categoría que también
alcanzan los tratados que se sumen por decisión de una mayoría especial de los 2/3 de
los miembros totales de cada una de las Cámaras. Hasta la fecha ha alcanzado esa
jerarquía la Convención Internacional sobre Desaparición Forzada de Personas, apro-
bada por el Congreso según el método expresado en 1997.
Tal atribución de jerarquía convierte a los tratados de derechos humanos en los
tratados internacionales de más calificado rango dentro de nuestro ordenamiento
positivo, aún por encima de los tratados de integración que deleguen competencias en
organismos supraestatales (art. 75. inc. 24) al tiempo que genera un importante deba-
te sobre el alcance de esa “jerarquía” toda vez que no se trata de una jerarquía consti-
tucional plena (soberana) sino sujeta a condiciones que resultan del propio texto del
art. 75 inc. 22:

los tratados sobre derechos humanos adquieren jerarquía constitucional


“en las condiciones de su vigencia”.
no derogan ningún artículo de la primera parte (parte dogmática), y
son “complementarios” de las declaraciones, derechos y garantías.

Nos referiremos a estas tres condiciones en particular en el punto siguiente, pero


aquí es nuestra intención concentrarnos en cuál es el alcance y naturaleza de esa jerar-
quía constitucional condicionada o limitada con respecto al principio de Supremacía
del artículo 31, cuya interpretación resulta directamente de su carácter de constituir
una manifestación de la Soberanía del Estado.8
Algunos autores que podemos ubicar en una posición extrema sostienen que con
la novedad introducida por la reforma de 1994 se ha ensanchado la cima de la pirámi-
de de la supremacía para dar cobijo tanto a la Constitución como a los tratados de dere-
chos humanos, convirtiendo en una meseta aquello que antes era un pico o transfor-
mando la arquitectura egipcia desde la pirámide geométrica a la pirámide escalonada.
Se trata de una concepción coincidente con las tradicionales posturas monistas
de recepción directa del derecho internacional en el derecho interno de los Estados
que quedan de este modo “abiertos” a los cambios producidos a escala internacional.
Para el Dr. Germán BIDART CAMPOS, el constitucionalista más representativo de
esa posición, se ha ampliado el contenido del principio de supremacía del artículo 31
de la Constitución Nacional, de modo que en el vértice no se ubica solamente la

8 VANOSSI, Jorge Reinaldo A. “Teoría Constitucional”. Depalma. Buenos Aires.

569
Alberto Ricardo Dalla Vía

Constitución, sino el denominado “bloque de constitucionalidad federal” que incluye


al sistema internacional de derechos humanos con base en la Declaración Universal
de Derechos del Hombre de las Naciones Unidas.9
La tesis del denominado “bloque de constitucionalidad” ha sido sostenida en el
derecho comparado por distintos autores que le asignan significados diferentes, aun-
que las acepciones más frecuentes son las elaboradas por los profesores Francisco
RUBIO LLORENTE, de España y Luis FAVOREAU, de Francia; de manera que el pri-
mero de los nombrados ha debido aclarar “…Es un simple nombre, y aunque es
lamentable que el mismo nombre se utilice para denotar realidades diversas, cada cual
es muy dueño de emplearlo como quiera, con tal de que precise qué es lo que con él
quiere significar”10
En la doctrina francesa, la expresión bloc de constitutionnalité se utiliza para
designar el conjunto de normas que el Consejo Constitucional aplica en el control pre-
vio de constitucionalidad de las leyes y de los reglamentos parlamentarios. Este con-
junto está integrado por la Constitución y, por remisión del Preámbulo de ésta, la
Declaración de Derechos del Hombre y del Ciudadano de 1798 y el Preámbulo de la
Constitución de 1946, que es realmente una declaración de derechos, sobre todo de
carácter social.11 En tanto que en el derecho español y en la versión atribuida a
RUBIO LLORENTE, se hace referencia a la noción de “bloque de constitucionalidad”
como el conjunto de normas de delimitación competencial entre el Estado y las
Comunidades Autónomas.12
En nuestro derecho, y conforme utiliza la expresión BIDART CAMPOS, podría
entenderse que el “bloque de constitucionalidad” no es esencialmente distinto del
derecho federal enunciado en el artículo 31 en rango jerárquico superior al derecho
de las Provincias, de manera que los tratados internacionales se integran en tal bloque
en la medida, límites y condiciones que la Constitución establece. Tal circunstancia
no excluye –a nuestro juicio- la vigencia del artículo 27 de la Constitución Nacional.
Del carácter abierto de nuestro principio de supremacía participan también otros
constitucionalistas como SAGUES y EKMEKDJIAN. Para el último de los nombrados,
la jerarquía constitucional otorgada a los tratados sobre derechos humanos no sola-
mente impacta en el artículo 31, sino también en el artículo 30 toda vez que, sostie-
ne, al lado del sistema rígido de reforma constitucional, coexistiría ahora un sistema
de carácter más flexible que consistiría en incorporar determinados tratados interna-

9 BIDART CAMPOS, Germán J. ”La Interpretación del Sistema de Derechos Humanos” .EDIAR Buenos
Aires.
10 RUBIO LLORENTE, Francisco “El Bloque de Constitucionalidad”. Revista Española de Derecho
Constitucional nº 27 pag. 15. Centro de Estudios Constitucionales. Madrid.
11 FAVOREAU, Louis “Le principe de constitutionnalité” en Recueil d’études en Hommage á Charles
Eisenman. Cujas. Paris 1977
12 RUBIO LLORENTE, Francisco , op. cit. pag. 15

570
La Protección de los Derechos Humanos en Argentina

cionales o, por el contrario, denunciarlos con las mayorías especiales que determina
el art. 75 inc. 22 de la Constitución Nacional.13
Es un hecho que puede comprobarse en la jurisprudencia de nuestros tribunales
que, a partir de la reforma de 1994 se ha producido una importante receptividad
directa del derecho internacional en el derecho interno que aplican los jueces en
muchas materias, como la referida a la pauta del “interés superior del menor” en los
procesos de familia y minoridad, como consecuencia de su consideración en la
Convención Internacional de los Derechos del Niño, como así también en cuanto al
derecho de los menores a ser oídos y a conocer su historia que han sido materia de
notoria receptividad convirtiéndose en verdaderos “paradigmas” que han llevado a
que el orden público establecido en la Constitución Nacional haya tornado hacia una
afirmación notable de la autonomía personal.14
Muchos temas como la adopción, así como las garantías en materia tributaria y
penal han recibido un impacto directo e inmediato de los principios consagrados en
los tratados sobre derechos humanos y que han producido importantes cambios de
posición y de criterio en nuestro orden jurídico, como el ocurrido en la sentencia de
la Corte Suprema de Justicia de la Nación en la causa “Giroldi” a la que nos referire-
mos más adelante.
Pero el importante valor moral de los derechos humanos y su indudable coinci-
dencia con los principios humanistas de nuestro ideario constitucional, no deben
hacernos perder de vista que el constituyente mantuvo incólume la vigencia del artí-
culo 27 que ocupa un lugar central en el régimen constitucional de los tratados, al ubi-
carse en la parte que la constitución dedica a los grandes principios y declaraciones.
Según el mismo, ningún tratado puede contrariar el orden público (interno), princi-
pio que ha reiterado el art. 75 inc. 22 al establecer que los tratados de derechos huma-
nos no pueden derogar ningún artículo de la primera parte y que deben considerarse
complementarios.
De tal manera que si bien la “jerarquía constitucional” tiene efectos jurídicos en
cuanto a que ningún juez podría declarar inconstitucional un tratado del art. 75 inc.
22 en las condiciones de su vigencia, tal jerarquía no significa identificación con el
principio de supremacía porque, como está dicho, supremacía es sinónimo de sobera-
nía y esta no admite condiciones ni limitaciones jerárquicas.
Los Tratados Internacionales de Derechos Humanos con jerarquía constitucional
(art. 75 inc. 22) están en el piso superior de la pirámide jurídica pero no exactamente
en el vértice porque, como indica el mismo inciso, están un escalón debajo del texto
constitucional al no poder derogar ningún artículo de la primera parte y tener carác-
ter complementario, que significa “accesorio”, y no principal como la Constitución

13 SAGUES, Néstor Pedro “Elementos de Derecho Constitucional”. Astrea. Buenos Aires. EKMEKDJIAN,
Miguel Angel “Tratado de Derecho Constitucional”. Depalma. Buenos Aires.
14 Véanse en tal sentido las conclusiones del X CONGRESO INTERNACIONAL DE DERECHO DE FAMILIA
realizado en la Ciudad de Mendoza en 1998.

571
Alberto Ricardo Dalla Vía

Nacional. Tal interpretación es también la que mejor se concilia con la supremacía


constitucional en cuanto reserva la última decisión en materia internacional.

II. Condiciones y limites de la jerarquía constitucional otorgada

Existe marcada coincidencia en nuestra doctrina en cuanto a las siguientes carac-


terísticas, que a la vez constituyen condiciones y límites de los tratados internaciona-
les sobre derechos humanos con jerarquía constitucional, CASTORINA DE TARQUI-
NI ha enumerado las siguientes:
Tienen jerarquía constitucional “en las condiciones de su vigencia”,. Esto es en
la forma en que han sido aprobados o ratificados por el gobierno argentino. O sea con
las reservas y aclaraciones de todo tipo que se hayan realizado.
No derogan artículo alguno de la primera parte de esta Constitución. Por consi-
guiente, cualquier tratado cuyos preceptos se opusieran a lo establecido en la parte
dogmática, quedaría automáticamente invalidado. No así en lo que respecta a la parte
orgánica la que podría verse alterada por esta vía, según lo han entendido algunos
autores.
Deben entenderse como complementarios de los derechos y garantías reconoci-
dos en la primera parte de nuestra Constitución. El término complementario, ya
sugiere una idea de completitud, de perfeccionamiento de lo complementado que es
el conjunto de declaraciones derechos y garantías de la parte dogmática.
Finalmente, pueden ser denunciados por el Poder Ejecutivo, pero requieren en
tal caso, previamente la aprobación de las dos terceras partes de la totalidad de los
miembros de cada cámara.15
Determinar si las condiciones de vigencia de los tratados incluyen o no a las
reservas es de gran importancia en cuando a su alcance jurídico final. Así, por ejem-
plo, resulta erróneo afirmar, como lo han hecho algunos autores en nuestro país, que
la denominada Ley Penal Tributaria era inconstitucional porque dicha Convención
prohibe la prisión por deudas en su art. 7º, toda vez que nuestro país formuló una
reserva al respecto que debe entenderse como parte del compromiso asumido a la
firma del mismo. La Ley Penal Tributaria plantea cuestiones de inconstitucionalidad
en todo caso en otros aspectos, pero no especialmente al recién referido.
Durante los debates de la Convención Reformadora se refirió al tema el conven-
cional Rodolfo BARRA, posteriormente Ministro de Justicia de la Nación, en estos tér-
minos: “…sólo en los términos de la ley que los aprueba y sólo en los términos de las
reservas y declaraciones interpretativas que se introducen en el momento de realizar-
se el depósito por parte del Poder Ejecutivo, los tratados tienen validez para nosotros.

15 CASTORINA DE TARQUINI, María Celia “Supremacía de la Constitución” en “Derecho Constitucional de


la reforma de 1994”. Instituto Argentino de Estudios Constitucionales y Políticos. Tomo I. Depalma. Buenos
Aires.

572
La Protección de los Derechos Humanos en Argentina

“Si no fuese así, importantes reservas, por ejemplo, las establecidas por el ex
presidente ALFONSIN al momento de ratificar el Pacto de San José de Costa Rica
o los pactos internacionales de Nueva York relativos a elementos tan importan-
tes como la soberanía sobre las Islas Malvinas y otras Islas del Atlántico Sur o
cómo se deben interpretar los términos de prisión por deudas, referencias a la
propiedad, al sistema de expropiación –que están en el Pacto de San José de Costa
Rica- no tendrían validez para nuestro sistema interno y estaríamos dando rango
constitucional a normas que pueden ser interpretadas en perjuicio de nuestros
derechos soberanos sobre las islas del sur o en contradicción con nuestro sistema
jurídico en relación con los puntos antes señalados.”16

No obstante, debe aclararse que se entiende por reserva toda aquélla que respon-
de a esa definición conforme la Convención de Viena sobre Derecho de los Tratados, de
modo que no son tal las meras declaraciones de un país a la firma de un Tratado. La
reserva debe revestir el mismo carácter contractual de los tratados y no ser meras mani-
festaciones unilaterales, como la que pretendió hacer valer el convencional antes citado
en relación a la firma de la Convención Americana de Derechos Humanos o Pacto de
San José de Costa Rica por parte de nuestro país, con el fin de justificar un principio
anti-abortista a partir de la consagración de derecho a la vida desde la concepción, cosa
que no está dicha en el texto del referido tratado internacional (arts. 3 y 4).
En la sentencia recaída en la causa “Giroldi, Horacio D. y otro” del 7 de abril de
1995, referida a un problema de doble instancia con respecto a la casación penal, la
Corte Suprema de Justicia de la Nación tuvo la oportunidad de aclarar al respecto que
“…la jerarquía constitucional de la Convención Americana ha sido establecida por la
voluntad expresa del constituyente en las condiciones de su vigencia.”, aclarando que
“…en las condiciones de su vigencia implica tal como la Convención citada efectiva-
mente rige en el ámbito internacional y considerando particularmente su efectiva
aplicación jurisprudencial por los tribunales internacionales competentes para su
interpretación y aplicación.”17
En cuanto a la denominada “complementariedad” de los tratados internaciona-
les sobre derechos humanos, cabe recordar que esa cualidad fue agregada por la
Comisión Redactora para dar respuesta a las prevenciones que se hacían sobre la liber-
tad de prensa y los temores de ciertos sectores a una consagración del “derecho de
réplica” o de rectificación o respuesta (art. 14 Convención Americana de Derechos
Humanos), como derivación directamente operativa de los tratados internacionales en
materia de derechos humanos.

16 CONVENCION NACIONAL CONSTITUYENTE. ”Diario de Sesiones”.


17 CSN abril 7 de 1995 “Giroldi, Horacio D. y Otro” LL 1995-D-462. Voto de los Ministros Doctores Nazareno,
Moliné O’Connor, Fayt, Belluscio, Petracchi y Boggiano.

573
Alberto Ricardo Dalla Vía

Sobre la naturaleza de tal complementariedad, algunos autores como el ex con-


vencional BARRA y la antes citada CASTORINA DE TARQUINI, entienden que esa
condición no afectaría la jerarquía constitucional y sólo si existiera contradicción con
algún artículo de la primera parte del texto constitucional, cedería el texto del trata-
do a favor del texto constitucional. Desde nuestro punto de vista, ese razonamiento
no hace sino más que ratificar la idea en cuanto a que los tratados de derechos huma-
nos se encuentran en un escalón levemente inferior a la constitución.
De lo contrario, y si la complementariedad no significara accesoriedad, la armo-
nización e interpretación entre ambas normas debería realizarse conforme a la pauta
hermenéutica sostenida por la Corte Suprema de Justicia de la Nación repetida en
innumerables fallos y convertida en pauta de interpretación con el caso “Antonio
Sofía”, conforme a la cual las normas constitucionales no deben ser puestas en pugna
entre sí, sino que debe buscarse la manera de armonizarlas, de manera que todas
(o ambas) conserven igual valor y efecto.
Sobre la complementariedad de los tratados en materia de derechos humanos,
cabe citar el pronunciamiento de la Corte en la causa “Chocobar” referida a la conva-
lidación de un límite o tope al pago de los beneficios correspondientes al sistema de
previsión social, por razones de caja, pero que el Alto Tribunal fundamentó en el
carácter “complementario” del sistema de derechos humanos con respecto al sistema
constitucional. Se trata de un criterio interpretativo objetable porque va en el sentido
de una restricción y no de una ampliación del sistema garantista en materia de dere-
chos fundamentales.
Se ha dicho también en nuestra doctrina que la limitación de la complementa-
riedad sólo alcanza a la primera parte del texto constitucional, cuestión que también
nos presenta diferentes problemas interpretativos: ¿Cuál es la primera parte? Nos refe-
rimos a la antigua “parte dogmática” ( arts. 1 a 35) o incluimos también al incorpora-
do capítulo sobre “Nuevos Derechos y Garantías) (arts. 36 a 43). Creemos que debe
incluirse a esta última porque la parte dogmática se ha ampliado.
Algunos autores, como EKMEKDJIAN insisten en que la posibilidad de que los
tratados modifiquen la segunda parte, ha flexibilizado a la Constitución Nacional, qui-
tándole parte de la rigidez del sistema originario. Si bien compartimos que el paso de
un sistema dualista a un sistema de tipo monista implica “per se” uma mayor flexibili-
dad y apertura del orden jurídico interno para con el orden internacional, esto no
necesariamente implica concluir en una modificación del sistema de reforma o en pen-
sar que la Constitución ha quedado como una norma de textura abierta en este campo.
Los tratados de derechos humanos con jerarquía constitucional y en las condi-
ciones de su vigencia no pueden derogar ningún artículo de la primera parte, pero la
complementariedad resulta con respecto a toda la Constitución por aplicación del
artículo 27, que es la norma más importante que contiene el texto constitucional en
esta materia y que por lo tanto la orienta en la medida en que no sea suprimido por
una reforma constitucional. Por lo demás y como lo ha enseñado GARCIA DE

574
La Protección de los Derechos Humanos en Argentina

ENTERRÍA, el principio de unidad, es un principio fundamental e insoslayable en


materia de interpretación constitucional.18
Una última cuestión necesaria es la de referirnos a la “operatividad” (self execu-
ting) de los tratados internacionales incorporados a nuestro sistema jurídico (arts. 27
y 31 C.N.) y que también relativiza el valor de complementariedad, condición incor-
porada a la Constitución con el alcance y valor político señalado “ut supra” y vincu-
lado con las cuestiones relativas a la libertad de prensa que en todo caso deberán ser
pasibles de una consideración particularizada por el intérprete, conforme se despren-
de de la intención del legislador constituyente. Ratificamos lo dicho en la primera
parte de esta obra en cuanto a esa cualidad y condición esencial de los tratados inter-
nacionales en nuestro régimen constitucional.
La plena operatividad de los tratados internacionales en materia de derechos
humanos ha sido sostenida por la Corte Suprema de Justicia de la Nación en el ya cita-
do caso “Ekmekdjián c/ Sofovich”, que trató justamente de la aplicación del derecho
de rectificación o respuesta previsto en el art. 14 del Pacto de San José de Costa Rica
como norma sujeta a reglamentación legal por cada país signatario (programática)
pero a la que el Alto Tribunal otorgó carácter operativo sosteniendo que los derechos
humanos no podían quedar suspendidos sine die en el tiempo a merced de la volun-
tad del legislador ordinario. Se trata de una sentencia dictada antes de la reforma de
1994 y del párrafo expreso sobre la complementariedad y no derogación de la prime-
ra parte. Teniendo en cuenta que su inclusión fue direccionada justamente a ese inte-
rés tutelado (la libertad de prensa frente al derecho de réplica), habrá de estarse a la
espera de cuál sería la posición del Alto Tribunal en una cuestión similar.

III. La jurisdicción internacional en materia de Derechos Humanos

La consagración constitucional de un sistema especial de tratados internaciona-


les sobre derechos humanos lleva aparejada, de manera consecuente, el reconoci-
miento de una jurisdicción internacional específica, que surge del Derecho
Internacional Público, conforme los compromisos asumidos por la Nación con la
firma, aprobación y ratificación de los mismos. Tal instancia jurisdiccional produce
efectos jurídicos sobre nuestro derecho interno, conformándose una fuente de aplica-
ción y de interpretación del derecho constitucional de los derechos humanos y del
régimen constitucional de los tratados en cuanto a esa materia respecta.
Tal jurisdicción internacional, en cuanto a nuestro país se refiere, opera particu-
larmente en el ámbito del sistema interamericano de derechos humanos que tiene
fundamento jurídico en la Carta de la Organización de Estados Americanos (OEA) y

18 GARCIA DE ENTERRIA, Eduardo “La Constitución como Norma y el Tribunal Constitucional”. Tecnos.
Madrid.

575
Alberto Ricardo Dalla Vía

en la Convención Americana de Derechos Humanos o “Pacto de San José de Costa


Rica” (Ley nº 23.054).
Ello no implica, sin embargo, desconocer otros mecanismos de protección como
los que establece de manera particular cada Convención o Tratado firmado y aproba-
do por nuestro país, entre los que se destacan el Comité de derechos Humanos crea-
do por el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y el de Derechos
Económicos Sociales y Culturales, el Comité para la eliminación de la Discriminación
Racial, el Comité contra la Tortura, el Comité para la Eliminación de la
Discriminación contra la Mujer y el Comité de los Derechos del Niño. Especialmente,
debe destacarse la Comisión de Derechos Humanos dependiente del Consejo
Económico y Social de las Naciones Unidas, la que a su vez estableció la denominada
Subcomisión de Prevención de Discriminaciones y Protección de Minorías.
La Convención Americana de Derechos Humanos establece las instancias de
denuncia ante la Comisión Interamericana de Derechos Humanos de la Organización
de Estados Americanos (OEA), con sede en Washington y compuesta por siete miem-
bros, quienes deben ser personas de alta autoridad moral y reconocida versación en
materia de derechos humanos (art. 34). Es de destacar al respecto que al sancionarse
la Ley 23.054, nuestro país reconoció especialmente la competencia de la Comisión
Interamericana y de la Corte Interamericana de Derechos Humanos.
Cualquier persona o grupo de personas, o entidad no gubernamental reconocida
en uno o más Estados Miembros de la Organización puede presentar a la Comisión
peticiones que contengan denuncias o quejas de violación a esta Convención por un
Estado Parte (art. 44). A tal efecto, para que una petición sea admitida por la
Comisión, es requisito que se hayan interpuesto y agotado los recursos de jurisdicción
interna, conforme a los principios del derecho internacional generalmente reconoci-
dos y que sea presentada dentro de seis meses a partir de la fecha en que el presunto
lesionado en sus derechos haya sido notificado de la decisión definitiva y que la mate-
ria no esté pendiente de otro procedimiento internacional.
Tal requisito de admisibilidad que manda agotar las vías en el derecho interno,
en nuestro caso ante la Corte Suprema de Justicia de la Nación (arts. 31 y 116), resal-
tan la pertenencia al ámbito del derecho internacional que revisten los medios de pro-
tección de la Convención Americana, con apego a la Convención de Viena de
Derecho de los Tratados; de modo que no deben desnaturalizarse interpretándolos
como una suerte de cuarta instancia de derecho común, una vez que haya recaído
decisión de la Corte Suprema de Justicia de la Nación. Para que se abra la jurisdicción
internacional no solamente es necesario agotar los procedimientos internos, sino que
el denunciado sea un Estado, en el marco de una causa y de una materia propia del
derecho internacional de los derechos humanos.
Sólo en el caso en que la cuestión no pueda ser resuelta por la Comisión, esta la
somete a la jurisdicción contenciosa de la Corte Interamericana de Derechos
Humanos, compuesta por siete jueces, nacionales de los Estados Miembros de la

576
La Protección de los Derechos Humanos en Argentina

Organización, elegidos a título personal entre juristas de la más alta autoridad moral,
de reconocida competencia en materia de derechos humanos, que reúnan condicio-
nes requeridas para el ejercicio de las más elevadas funciones judiciales, conforme a la
ley del país del cual sean nacionales o del Estado que los proponga como candidatos.
No debe haber dos jueces de la misma nacionalidad (art. 52)
La Corte Interamericana de Derechos Humanos, con sede en San José de Costa
Rica ejerce su competencia en materia contenciosa (jurisdiccional strictu-sensu) y en
materia consultiva, que en opinión de Hector GROS ESPIELL, también constituiría
un procedimiento de carácter jurisdiccional.19
La competencia contenciosa de la Corte está regulada por los arts. 61 a 63 del
Pacto de San José y se manifiesta en su potestad de decidir respecto de la “interpreta-
ción y aplicación de la Convención”. Sólo los Estados Partes y la Comisión tienen
derecho a someter un caso a la Corte, de manera que no tienen tal capacidad, ni los
individuos, ni los organismos internacionales, ni ningún otro órgano del Sistema
Interamericano, ni ninguna entidad gubernamental.
El artículo 68 de la Convención Americana dispone: “1. Los Estados Partes en la
Convención se comprometen a cumplir la decisión de la Corte en todo caso en que
sean partes”.
2. La parte del fallo que disponga indemnización compensatoria se podrá ejecu-
tar en el respectivo país por el procedimiento interno vigente para la ejecución de sen-
tencias contra el Estado”.
Este último párrafo guarda relación con el art. 63 párrafo 1 de la misma
Convención, que dispone “…Cuando decida que hubo violación de un derecho o
libertad protegidos en la Convención, la Corte dispondrá que se garantice al lesiona-
do en el goce de su derecho o libertad conculcados. Dispondrá asimismo, si ello fuera
procedente, que se reparen las consecuencias de la medida o situación que ha confi-
gurado la vulneración de esos derechos y el pago de una justa indemnización a la parte
lesionada”.
La misma Convención prevé un recurso de interpretación contra la sentencia en
su artículo 67. En cuanto a la posibilidad de interponer un recurso de revisión ante la
misma Corte, coincidimos con GROS ESPIELL en cuanto a que el mismo es proceden-
te por aplicación de los principios generales del Derecho Internacional.20
En tal sentido, cabe resaltar que el estatuto de la Corte Internacional de Justicia
prevé la revisión de los fallos en el artículo 61, aunque es requisito fijar de manera
muy precisa la existencia de un hecho nuevo capaz e ejercer una influencia decisiva
y que antes del pronunciamiento del fallo fuera desconocido por la Corte y por la
parte que solicitó la revisión. El recurso de revisión está también previsto en el regla-

19 GROS ESPIELL, Héctor “Estudios sobre Derechos Humanos” Instituto Interamericano de Derechos
Humanos. Ed. Civitas.
20 GROS ESPIELL, Héctor. Op. cit.

577
Alberto Ricardo Dalla Vía

mento de la Corte Europea de Derechos Humanos (art. 57) y en el estatuto del


Tribunal Administrativo de las Naciones Unidas (art. 12).
En cuanto a la competencia en razón de la materia, cabe señalar que la Corte
puede dar opiniones en relación con la interpretación de la Convención o de Otros
Tratados concernientes a la protección de los Derechos Humanos en los Estados
Americanos.21
La expresión “Otros Tratados” fue interpretada por la misma Corte en el sentido
de que se refiere a “Toda disposición concerniente a la protección de los derechos
humanos, de cualquier tratado internacional aplicable en los Estados Americanos, con
prescindencia de que sea bilateral o multilateral, de cuál sea su objeto principal o de
que sean o puedan ser partes del mismo Estados ajenos al sistema interamericano…”
“…La Corte podrá abstenerse de responder una consulta si aprecia que la petición
excede los límites de su función”.22
En el caso “Maqueda” resuelto el 17 de enero de 1995, la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, presidida en la ocasión por el Dr. Héctor FIX ZAMUDIO,
admitió el desistimiento de la acción deducida por la Comisión Americana de
Derechos Humanos contra nuestro país; que tuvo como base un acuerdo firmado con
la Comisión en Washington, que incluía un decreto de conmutación de pena que le
permitía iniciar un régimen de libertad condicional al ciudadano argentino Guillermo
Maqueda, miembro del Movimiento Todos por la Patria (MTP) condenado a diez años
de prisión por la Cámara Federal de San Martín por aplicación de la Ley 23.077 de
Defensa de la Democracia, al considerarlo copartícipe del ataque a la unidad militar
de La Tablada ocurrido el 22 de enero de 1989.
Al someter el caso a la Corte mediante nota del 25 de mayo de 1994, a la que
acompañó el informe Nº 17/94 (caso 11.086) del 9 de febrero de 1994, la Comisión
Interamericana sostuvo que Guillermo Maqueda no tuvo posibilidad de interponer un
recurso de revisión de la sentencia debido a que la ley 23.077 no contempla apelación
ni recurso amplio ante ningún tribunal de alzada. Por lo tanto, la única alternativa

21 Opinión Consultiva O.C.-1/82 parágrafo 40.


22 Además de la mencionada, La Corte Interamericana de Derechos Humanos ha emitido las siguientes
Opiniones Consultivas: OC/2 82 “El Efecto de las Reservas sobre la entrada en vigencia de la Convención
Americana de Derechos Humanos”, OC 3/83 “Restricciones a la pena de muerte(arts. 4.2 y 4.4)”; OC 4/84
“Propuesta de modificación de la Constitución Política de Costa Rica relacionada con la naturalización”; OC
5/85 “La colegiación obligatoria de periodistas (arts. 13 y 29)”; OC 6/96 “La expresión Leyes en el art. 30”;
OC 7/86 “Exigibilidad del derecho de rectificación o respuesta (14.1,1.1 y 2)”; OC 8/87 “El hábeas corpus
bajo suspensión de garantías”; OC 9/87 “Garantías Judiciales en Estados de Emergencia”; OC 10/89
“Interpretación de la Declaración Americana de Derechos del Hombre en el marco del art. 64 de la
Convención Americana”; OC 11/90 “Excepciones al agotamiento de los recursos internos”; OC 12/91
“Compatibilidad de un proyecto de ley con el artículo 8.2.h”; OC 13/ 93 “Ciertas Atribuciones de la
Comisión Interamericana de Derechos Humanos”; OC 14/94 “Responsabilidad internacional por expidición
y aplicación de leyes violatorias de la Convención Americana”, etc.

578
La Protección de los Derechos Humanos en Argentina

que quedaba al acusado era recurrir ante la Corte Suprema utilizando la vía del
Recurso Extraordinario, un recurso de tipo excepcional y sujeto a restricciones.23
Es de destacar que para superar el déficit señalado, nuestro país instrumentó un
sistema de casación en materia penal, que cumple con el requisito de la doble instan-
cia en materia penal (art. 8.2.h de la Convención Americana), en media en que la
facultad de revisión sea amplia, conforme lo ha determinado la Corte Suprema de
Justicia de la Nación en el ya citado caso “Giroldi”, de trascendente importancia para
el régimen constitucional de los tratados.
Un punto de particular interés es el que se refiere a la aplicación directa de las
disposiciones de la Convención en el orden jurídico interno de cada uno de los
Estados. El artículo 2 de la Convención Americana señala al respecto que los Estados
Partes se comprometen a adoptar, internamente, todas las medidas legislativas u otras
necesarias para hacer efectivos los derechos o libertades protegidos por ellas.
En ese sentido, destaca Rafael NIETO NAVIA que el denominado carácter “self
executing” de la Convención significa que, en los Estados en que un tratado ratifica-
do y en vigor adquiere el carácter de ley interna, como sucede en muchos Estados lati-
noamericanos, un juez podría aplicar directamente las disposiciones de la
Convención, destacando asimismo que el artículo fue una propuesta chilena de acuer-
do con la cual era necesario incluir una disposición que expresara la obligación de los
Estados Partes de adoptar todas aquéllas leyes internas necesarias para hacer efectivos
los derechos que la Convención protege.24
El carácter “self executing”, depende, en definitiva de la legislación interna de
cada país; en tal sentido los Estados Unidos consideran a la Convención “non self exe-
cuting”, circunstancia que reduce considerablemente su utilidad según se ha señala-
do.25 En nuestro país, la operatividad de la Convención fue consagrada por la Corte
Suprema de Justicia de la Nación en el caso “Ekmedkjián c/Sofovich”, conforme ya
fuera expuesto “ut supra”.

23 ALBANESE, Susana “Derechos Humanos. Estudio de casos y Opiniones Consultivas”. Vol II. Editorial de
Belgrano. Buenos Aires. 1997.
24 NIETO NAVIA, Rafael “Introducción al Sistema Interamericano de Protección de los Derechos Humanos”.
Instituto Interamericano de Derechos Humanos. Pontificia Universidad Javeriana. Programa de Estudios
Politicos. 1988.
25 BUERGENTHAL, Thomas “The Inter-American System for the Protection of Human Rights” en OEA.
Anuario Jurídico Interamericano. 1981. Washington.

579
La Defensa Judicial de la Constitución:
La Gran Fortaleza Colombiana1
Manuel José Cepeda2

Sumáárioo: I. Introducción II. Reformismo y control constitucional: la lucha por la supremacía de la Constitución y la
contribución del poder judicial a la pacificación III. La efectividad del principio de sometimiento a la Constitución:
la contribución del poder judicial a la estabilidad de las instituciones democráticas colombianas IV. Conclusión.

I. Introducción

Colombia ha sido un estado marcado por diferentes violencias en distintos


momentos de su historia republicana, pero también se ha distinguido en América
Latina por la importancia que se le otorga al derecho. De ahí que dentro del conjun-
to de percepciones generales, acertadas o equivocadas, sobre lo que es nuestro país,
convivan dos estereotipos aparentemente contradictorios: Colombia, país violento;
Colombia país legalista. Sin embargo, son pocos los estudios que analizan eso que des-
pectivamente calificamos de legalismo colombiano. En este ensayo no se suplirá dicho
vacío, sino que se resaltará un aspecto positivo de las instituciones colombianas aso-
ciado a este legalismo: la importancia que ha tenido en Colombia el sometimiento a la
Constitución como expresión del Estado de Derecho, defendido por un poder judicial
con la facultad de invalidar los actos del Congreso y del Ejecutivo cuando violen la
norma suprema.
Sin duda habría otras manifestaciones del apego al derecho en Colombia que
podrían ser exaltadas, en contravía con la tendencia a resaltar el “leguleyismo” como
la desviación extrema y nociva del legalismo. Tan solo se mencionan algunas de ellas.3
Primero, el lugar que ocupa “la ley” en la conformación de la naciente repúbli-
ca a principios del siglo XIX, simbolizada en Francisco de Paula Santander, apodado

1 Este ensayo fue publicado en 2004. Ver: Fernando, Cepeda Ulloa (ed.), Fortalezas de Colombia, Ariel
Ciencia Política – Banco Interamericano de Desarrollo, Bogotá, 2004. Se agradece que hubiere autorizado
la publicación de este ensayo en la presente obra.
2 Abogado (Magna Cum Laude) Universidad de los Andes. Master of Laws, Harvard Law School. Presidente
de la Corte Constitucional de Colombia (2005-2006). Magistrado de la Corte Constitucional de Colombia
(2001-2009). Ex-Decano de la Facultad de Derecho - Universidad de los Andes. Consejero Presidencial para
la Asamblea Constituyente. Embajador de Colombia ante la UNESCO (1993-1995) y, luego, ante la
Confederación Helvética (1995-1996). Profesor de Derecho Constitucional Universidad de los Andes.
3 Jesús María, Henao y Gerardo, Arrubla, Historia de Colombia, 2 vols. Academia de Historia/Plaza & Janés,
Bogotá, 1984. Manuel Antonio, Pombo y José Joaquín, Guerra. Constituciones de Colombia, 2 vols.,
Imprenta de la Luz, Bogotá, 1911. Diego, Uribe Vargas. Las Constituciones de Colombia, 2 vols., Ediciones
Cultura Hispánica, Madrid, 1977. Hernando, Valencia Villa. Cartas de Batalla, Universidad Nacional de
Colombia. Bogotá. 1987. Rivadeneira V. Antonio José. Historia Constitucional de Colombia 1510-1978.
Editorial Horizontes. Bogotá, 1978.

581
Manuel José Cepeda

precisamente el “hombre de las leyes”. Su trascendencia también se refleja en las divi-


siones políticas marcadas por su influencia en Colombia, aún frente a figuras de talla
universal como el Libertador Simón Bolívar. La presencia de Santander se ha prolon-
gado naturalmente hasta la rama judicial, donde es lugar común citar su conocida
frase según la cual “si las armas os han dado la independencia, las leyes os darán la
libertad”, que preside la entrada al Palacio de Justicia donde sesionan las más altas cor-
poraciones judiciales.
Segundo, muchos de los momentos calificados como hitos en los orígenes de la
independencia constituyen expresión de ese apego por el derecho como pueden serlo
el “memorial de agravios”, la traducción de los derechos del hombre y del ciudadano
efectuada por el Precursor Antonio Nariño, la traducción de las Constituciones fran-
cesas o, inclusive, la Constitución Bolivariana. Las etapas en la historia nacional tam-
bién se delimitan frecuentemente con base en referentes jurídicos, como una nueva
Constitución o una reforma constitucional.
Tercero, la importancia y el poder que ha tenido la comunidad jurídica a lo largo
de la historia nacional.4 En el ámbito académico cabe resaltar que las primeras facul-
tades de derecho coinciden con la fundación de las primeras universidades, y la pro-
ducción de libros jurídicos se remonta a mediados del siglo XIX, así como en los albo-
res del siglo XXI estas facultades ocupan un lugar destacado en las universidades y las
editoriales jurídicas son las más sólidas de la región. Pero dicha importancia rebasa el
medio intelectual para proyectarse en la actividad política. Los presidentes, ministros
y congresistas han sido mayoritariamente abogados. En la administración pública los
altos funcionarios administrativos han sido predominante abogados hasta la década de
los setentas cuando los economistas y los ingenieros empezaron a jugar un papel cada
vez más relevante en la administración de la cosa pública.
Cuarto, la presencia de “lo jurídico” en los debates nacionales y en la formula-
ción de las políticas públicas, inclusive en la política exterior de Colombia. Dicha pre-
sencia ha opacado o desplazado argumentos políticos que no se expresan como tales
sino que se traducen -algunos dirán se escudan o esconden- en tesis jurídicas que a su
turno desatan controversias sobre lo que el derecho prohíbe, permite u ordena respec-
to de un punto álgido en la agenda nacional.
Quinto, la fe en la capacidad del derecho para incidir en la vida social, la cual
alcanza en algunos casos grados elevados de fetichismo porque se piensa que la mane-
ra más eficaz de cambiar la realidad es cambiando leyes, decretos o resoluciones, o que
la forma adecuada de afrontar un problema es dictando una norma jurídica, general-
mente un decreto presidencial. Los cambios constitucionales no han escapado a este
fetichismo, aunque con la Constitución de 1991 se produjo un viraje profundo en la
concepción de la relación entre el mundo de las normas y el mundo de los hechos.

4 Víctor, Uribe-Uhán. Honorable Lives: Lawyers, Family and Politics in Colombia (1780-1850). University
of Pittsburgh Press, Pittsburgh, 2000.

582
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

Sexto, aunque menos presente en el imaginario colectivo, los conflictos armados


han estado acompañados por siglos de propuestas para humanizarlos acudiendo a ins-
trumentos jurídicos. No es casual que uno de los primeros acuerdos humanitarios en
la historia de occidente haya sido suscrito en Colombia (Tratado de regularización de
la guerra firmado en Trujillo (Venezuela) el 26 de noviembre de 1820 entre los
“Gobiernos de Colombia y España” por Bolívar y el Pacificador Morillo).
Sin embargo, si bien estas manifestaciones del apego al derecho en Colombia
merecerían ser cuidadosamente analizadas y reflejan la trascendencia de “lo jurídico”,
es discutible si algunas de ellas también son constatables en otros países de América
Latina. Pero hay una expresión de ese apego al derecho que sí tiene en Colombia una
peculiaridad excepcional, la cual curiosamente no ha sido cabalmente estudiada ni
figura en el imaginario colectivo. Se trata de la defensa de la supremacía de la
Constitución por medio de órganos judiciales, aún frente a los actos del Congreso
Nacional y el Presidente de la República. Ningún país de América Latina goza de una
tradición de control constitucional tan antigua, ininterrumpida, amplia e, inclusive,
en ocasiones activista. Con razón se ha hablado de un déficit de constitucionalismo
democrático en América Latina y se ha resaltado que una institución crucial para
superar dicho déficit es un poder judicial independiente que asegure la efectividad de
los derechos.5 Este ensayo tiene por objeto describir los rasgos principales de esa for-
taleza institucional cuya larga tradición es una peculiaridad colombiana.
Si fuere necesario señalar por qué la tradición de control constitucional es una
fortaleza institucional, basta recordar que la democracia constitucional depende de
que la norma suprema sea efectivamente respetada, para lo cual es indispensable que
un órgano la haga cumplir.6 De lo contrario, el constitucionalismo no es sino un vano
ideal. Gradualmente se ha formado un consenso en occidente acerca de que es mejor
que dicho órgano sea judicial. Por eso, a la bicentenaria tradición estadounidense de
judicial review en cabeza de la Corte Suprema de Justicia, se ha sumado la creación de
cortes constitucionales en las democracias europeas durante la segunda postguerra y,
luego, la expansión de esta institución a las nacientes democracias de Europa del este.
A su turno, en el ámbito europeo, los órganos judiciales supranacionales se han trans-
formado en especies de cortes constitucionales dentro de su ámbito de competencia:
los derechos humanos en lo que respecta al Tribunal de Estrasburgo, y la creación de

5 Fernando, Carrillo Flórez (Ed.). Democracia en déficit: gobernabilidad y desarrollo en América Latina y el
Caribe, BID, Washington D.C., 2001, pág. 12.
6 Sobre el “éxito” del control constitucional ver C. Neal, Tate and Torbjörn, Vallinder, The Global Expansion
of Judicial Power, New York University Press, New York and London, 1995. Kenney J. Sally, M. William
Reisinger and C. John Reitz, Constitutional Dialogues in Comparative Perspective, ST. Martin’s Press, Inc.
New York, 1999. Héctor, Fix Zamudio, Los Tribunales Constitucionales y los Derechos Humanos, Editorial
Porrúa, S.A., México, 1985. Groupe d’Etudes et de Recherches sur la Justice Constitutionnelle Equipe asso-
ciée au CNRS (UMR 6055) Aix-en-Provence. Annuaire International de Justice Constitutionnelle. Ed.
Economica, París. Publicado anualmente. Luc, Heuschling, État de droit, Rechtsstaat, Rule of Law, Éditions
Dalloz, París. 2002.

583
Manuel José Cepeda

un mercado común europeo en lo que respecta a la Corte de Luxemburgo. En América


Latina, la Corte Interamericana también ha emulado al Tribunal de Estrasburgo en el
ámbito de los derechos humanos. Finalmente, países de tradición parlamentaria
anglosajona han incorporado en diferentes momentos de su historia institucional
mecanismos de judicial review con alcances constitucionales, no meramente adminis-
trativos. Inclusive en Gran Bretaña, cuna del principio de la soberanía del parlamen-
to, se introdujo en 1998 la posibilidad de que los jueces ejerzan una función de pro-
tección de derechos humanos con alcances constitucionales a pesar de lo limitado de
su atribución meramente declarativa y se está debatiendo la creación de una Corte
Suprema por fuera de la Cámara de los Lores como parte de la agenda de reforma
constitucional del gobierno laborista. Estos desarrollos parecen indicar que la tesis
visionaria de Alexis de Tocqueville según la cual el poder judicial cumple una función
crucial en el mantenimiento de la democracia se ha propagado en occidente. Decía el
más agudo observador de la “Democracia en América”: “Tres cosas parecen concurrir
más que todas las demás al mantenimiento de la república democrática en el Nuevo
Mundo: (…) la tercera se encuentra en la constitución del poder judicial. He mostra-
do cómo los tribunales sirven para corregir los extravíos de la democracia y cómo sin
poder detener jamás los movimientos de la mayoría, logran hacerlos más lentos así
como dirigirlos”.7
En suma, no se entiende la democracia constitucional, que es la más ambiciosa
concreción del estado de derecho en cualquiera de sus modalidades, sin un órgano
judicial con el poder y la independencia suficientes para defender la supremacía de la
Constitución. En este ensayo se muestra que en Colombia esa idea que empezó a
ponerse de moda en el mundo hace cincuenta años, ha estado no solo viva desde el
siglo XIX sino que se materializó en un ejercicio temprano del control judicial de
constitucionalidad con una amplitud, una trascendencia y una estabilidad tan sor-
prendentes como subvaloradas.
La descripción avanzará por etapas, tomando como referentes las principales
Constituciones sobre la materia: antes de 1886; entre 1886 y 1991; y después de 1991.
Interesa no solo lo que dicen los textos constitucionales sino si el poder judicial de
control constitucional fue efectivamente ejercido para lo cual se resaltarán algunas
sentencias hito o polémicas, inclusive algunas ahora olvidadas. Cabe advertir que no
se trata de escribir sobre nuestra historia constitucional y política. Por eso, este ensa-
yo es ante todo descriptivo de normas y sentencias, y las alusiones al contexto histó-
rico de cada momento importante de la evolución de la defensa judicial de la
Constitución solo buscan situar el paso que se dio en la construcción de un control
constitucional amplio y sólido. Este ensayo no se detiene en el origen, ni en el impac-
to de cada paso en dicha evolución. Solo se resalta la relación que el control constitu-
cional ha tenido con la ascendencia del constitucionalismo en Colombia y los pactos

7 Alexis de, Tocqueville, La Democracia en América (1835), Edición de Fondo de Cultura Económica,
México, 1996, pág. 286.

584
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

de paz, así estos hayan sido parciales. El objetivo es más sencillo: mostrar el desarrol-
lo de una de las fortalezas institucionales de Colombia.
Como este escrito está dirigido principalmente a personas que no conocen la evo-
lución de las normas constitucionales colombianas, la primera parte de este ensayo con-
tiene una descripción de lo relevante para colocar en contexto la presentación del ejer-
cicio de la función de control constitucional, primero, por la Corte Suprema de Justicia
y, segundo, por la Corte Constitucional. Quienes estén familiarizados con las reformas
constitucionales que se llevaron acabo en el siglo XX respecto de las instituciones de
control constitucional, pueden pasar directamente a la segunda sección de este ensayo
(La efectividad del principio de sometimiento a la Constitución: la contribución del
poder judicial a la estabilidad de las instituciones democráticas colombianas).

II. Reformismo y Control Constitucional: la Lucha por la Supremacía


de la Constitución y la Contribución del Poder Judicial a la
Pacificación

Antes de describir las reformas que sufrió la Constitución de 1886, el lugar que
ocupó la defensa judicial de la Constitución en tales reformas y su significado para los
intentos, exitosos o fallidos, de pacificación, es importante resaltar que antes de 1886
se presentó, grosso modo, un fenómeno distinto: en lugar de reformismo hubo dife-
rentes constituciones que se sucedían las unas a las otras, todo ello al vaivén de quie-
nes resultaran triunfadores en la guerras civiles.
Sin embargo, rebasaría el objeto de este escrito detenerse en lo que sucedió antes
de 1886 en esta materia. A manera de síntesis, se indican en el cuadro 1 los principa-
les eventos que marcan la diferencia entre lo que sucedió antes de 1886 y después de
esa fecha.8

CUADRO 1: EVOLUCION CONSTITUCIONAL Y PAZ (1810 - 1991)

Siglo XIX. Inestabilidad constitucional y guerras civiles

1810 Declaración de independencia.


1811 Primera Constitución (regional, en Cundinamarca).
1821 Primera Constitución nacional y centralista.
1830-1862 Sucesión de seis constituciones.
1863 Constitución federalista y liberal; conflictos entre estados federales.
1886 Constitución centralista y conservadora. Fin de los conflictos interestatales. Dos
guerras civiles entre partidos. Otros conflictos armados.

8 Este cuadro es una adaptación del publicado en Olivier, Duhamel y Manuel José, Cepeda Espinosa. Las
Democracias Entre el Derecho Constitucional y la Política. T.M. Editores, Universidad de los Andes,
Bogotá, 1997.

585
Manuel José Cepeda

Siglo XX. Estabilidad constitucional, con reformismo y pactos de paz

1886 Constitución centralista que durará 105 años. Reformada muchas veces para
encontrar la paz en una democracia representativa.9
Reforma 1910
Elección directa del presidente por 4 años sin reelección inmediata: garantías
electorales para encontrar la paz entre los partidos.

Reforma 1936 Intervención del Estado en el mercado; garantías sociales.


Reforma 1945 Reorganización de los tres poderes.
Reforma 1953 Golpe de estado contra el gobierno conservador represivo.
Reforma 1957 Retorno por plebiscito al régimen constitucional.
Frente Nacional: alternación presidencial (16 años); paridad política (12 años).
Voto de las mujeres. Paz entre los partidos tradicionales, pero la violencia de las
guerrillas comunistas continúa.
Reforma 1968 Fortalecimiento del poder presidencial en la política económica y control cons-
titucional oficioso de los decretos de estado de sitio y emergencia económica.
Reforma 1975 Mayoría de edad baja de 21 a 18 años.
Reforma 1977 Separación de la fecha de elecciones presidenciales y parlamentarias.
Reforma 1977 Convocatoria de una asamblea constituyente, pero invalidada por la Corte
Suprema de Justicia.
Reforma 1979 Reforzamiento del Congreso y de la justicia, pero invalidada por la Corte
Suprema de Justicia.
Reforma 1986 Elección directa de los alcaldes. Un grupo de guerrilleros de las FARC se con-
vierte en partido político.
Reforma 1990 Asamblea Constituyente es elegida por el pueblo por iniciativa ciudadana e
impulso presidencial, con el aval de la Corte Suprema de Justicia. Cuatro grupos
guerrilleros se convierten en partidos políticos; dos siguen.
1991 Nueva Constitución.

De manera sucinta, se recuerdan a continuación los principales rasgos del control


constitucional encaminado a asegurar la supremacía de la Constitución antes de 1886.

El control constitucional antes de 1886

Al respecto, es pertinente resaltar los elementos que permiten marcar un con-


traste con la transformación que se presentó a partir de 1886, así como aquellos que
sean útiles para evocar antecedentes de las instituciones actualmente vigentes.

Predominio del control constitucional político

En primer lugar, a lo largo del siglo XIX -desde el acta de independencia de


Santafé del 20 de julio de 1810 en la cual se hizo por primera vez utilización del voca-

9 Se omiten otras reformas relativas a temas económicos o administrativos.

586
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

blo Constitución-10 los mecanismos de control constitucional fueron predominante-


mente de carácter político, e inclusive en algunas Constituciones no se previó expre-
samente un procedimiento de control para preservar la supremacía de la Carta. Por
ejemplo, la Constitución de la República de Colombia de 30 de agosto de 1821 reco-
noció dicho principio en su artículo 188,11 pero no estableció órganos ni procedimien-
tos para garantizarlo. Lo mismo puede decirse, con algunas variantes respecto de la
controversia entre el Ejecutivo y el Congreso sobre el cumplimiento de los requisitos
para la formación de las leyes, respecto de las Constituciones de 1830, 1832 y 1843.
En la Constitución de 1853 se reguló de manera más formal este conflicto previéndo-
se de manera especifica la facultad del poder ejecutivo de objetar los proyectos de ley
por razones de inconstitucionalidad (artículos 38 y 39).12 En la Constitución de 1858
tampoco se previó un mecanismo de control judicial de las leyes o de los proyectos de
ley puesto que la doctrina de la soberanía del Congreso tenía prevalencia.
En la Constitución federal de 1863 se reiteró lo dicho anteriormente de tal mane-
ra que el conflicto entre el Ejecutivo y el Congreso se resolvía políticamente, no judi-
cialmente. Si el Congreso insistía en el proyecto de ley el Ejecutivo estaba obligado a
sancionarlo (artículo 57). Sin embargo, en dicha Constitución se admitió que los actos
del Congreso Nacional o del poder ejecutivo de los Estados Unidos de Colombia pudie-
ran ser anulados. Esto podía suceder solamente cuando tales actos violaran los derechos
garantizados en el artículo 15 o cuando atacaran la soberanía de los estados federados.
El órgano de anulación no era judicial sino político. Las “respectivas legislaturas”, es
decir los órganos legislativos de cada uno de los estados federados (artículo 25).

Antecedentes remotos y excepcionales del control judicial

El control constitucional por medio de mecanismos y órganos políticos tuvo


algunas excepciones. La primera, se refiere al control judicial de la constitucionalidad

10 “Se deposite en toda la Junta el Gobierno Supremo de este Reino interinamente, mientras la misma Junta
forma la Constitución que afiance la felicidad pública…; que protesta no abdicar los derechos imprescrip-
tibles de la soberanía del pueblo a otra persona que a la de su augusto y desgraciado Monarca don Fernando
VII, siempre que venga a reinar entre nosotros, quedando por ahora sujeto este nuevo Gobierno a la
Superior Junta de Regencia, interin exista en Península, y sobre la Constitución que le dé el pueblo…”
(…)
“‘Juramos por el Dios que existe en el Cielo, cuya imagen está presente y cuyas sagradas y adorables máxi-
mas contiene este libro, cumplir religiosamente la Constitución… trabajar con infatigable celo para formar
la Constitución bajo los puntos acordados…’” (Texto en Proceso histórico del 20 de Julio de 1810, Bogotá,
Banco de la República, 1960).
11 “En su artículo 188 que declaró ‘…en su fuerza y vigor las leyes que hasta aquí han regido en todas las mate-
rias y puntos que directa o indirectamente no se opongan a esta Constitución’…”
12 Lo mismo sucedió en las constituciones de las provincias en las cuales se reconoció el principio de supre-
macía constitucional y se contempló un mecanismo de objeción por el Ejecutivo. Sin embargo, las
Constituciones de algunas provincias consagraron el derecho de pedir ante el respectivo tribunal del distri-
to la anulación de todas o parte de las ordenanzas provinciales por razones de inconstitucionalidad. Por
ejemplo, ver la Constitución de Santander de 1853 (artículo 55).

587
Manuel José Cepeda

de los actos de las legislaturas de los estados federados. Este correspondió, por ejem-
plo, a la Corte Suprema de Justicia en la Constitución de 1863, pero en la modalidad
suspensiva. Entonces, la Corte podía suspender los actos de las legislaturas estaduales
dando cuenta al Senado para que éste decidiera “definitivamente sobre la validez o
nulidad de dichos actos”.13 La segunda excepción es anterior a esta fecha y se remon-
ta a los orígenes mismos de la República. Se trata, de un control ejercido por un órga-
no de carácter jurisdiccional al cual se le había confiado expresamente la función de
sostener la Constitución. Así sucedió en la primera Constitución de la provincia de
Cundinamarca adoptada el 4 de abril de 1811. Si bien esta Constitución fue monár-
quica, tiene el significado de ser la primera dentro del ámbito territorial de lo que
luego se denominaría “República de Colombia”, así como de ser la primera
Constitución en América Hispana. Cabe subrayar que este órgano jurisdiccional (artí-
culos 3 y 4), denominado “senado de censura y protección”, estaba compuesto de 5
miembros y ejercía su competencia no sólo de oficio sino a solicitud de “cualquiera
ciudadano” (artículo 9), lo cual es un antecedente claro de la acción popular de
inconstitucionalidad, luego consagrada en 1910. El control versaba sobre “cualquiera
infracción o usurpación de todos o cada uno de los tres poderes ejecutivos, legislativo
y judicial” (artículo 9). El Senado también obraba como una especie, en verdad no
muy clara, de árbitro en caso de conflicto entre el poder ejecutivo y el legislativo res-
pecto de los proyectos de leyes que fueren objetados tanto por vicios materiales como
por defectos de procedimiento (artículo 25).14
En conclusión, antes de 1886, durante varios momentos de la historia constitu-
cional colombiana marcada por guerras civiles y constituciones que se sucedían las
unas a las otras según quien fuera el triunfador, el principio de respeto a la
Constitución por parte del legislativo y del ejecutivo nacionales, no fue garantizado
por un órgano judicial, si bien en las constituciones se encuentran numerosas cláusu-

13 Artículo 50. Carlos, Restrepo Piedrahita, Tres Ideas Constitucionales, Universidad Externado de Colombia,
Bogotá, 1978, subraya que “esta modalidad de control bioorgánico (jueces y legislativo) fue practicada con
relativa frecuencia para la época. Entre los años 1875 y 1878, fueron tramitados cincuenta y dos (52) casos
de suspensión de leyes de los Estados Soberanos, de los cuales veintisiete (27) fueron resueltos por el Senado
con declaración de nulidad. Veinticuatro (24) resoluciones declararon la validez de las leyes demandadas y
en uno (1) el Senado se declaró en acuerdo con la Corte en el sentido de que “…estando derogada la leí de
que hacía parte la disposición denunciada, no había sobre qué ejercer la facultad reclamada”. Cfr. Estados
Unidos de Colombia, Resoluciones del Senado de la Unión, dictadas en los años de 1875 a 1878, sobre la
nulidad o validez de Actos Legislativos de los Estados. Edición Oficial, Bogotá, Imprenta de Agustín Núñez,
1878, 2 Tomos.”
14 Cabe anotar que en las otras constituciones de lo que se conoce como la Primera República también se pre-
vió la institución del Senado con atribuciones de sostener la Constitución, como sucedió en la Constitución
del estado de Cartagena de Indias de 1812 (“Senado conservador”) o en la segunda Constitución de
Cundinamarca de 1812 (“Senado”) y la Constitución del Estado de Mariquita de 1815 (“Senado”). Sin
embargo en estas Constituciones no es tan marcada la ubicación del Senado dentro de la Rama Judicial. Por
el contrario, se trata de la Primera Cámara del Legislativo, con excepción de la Constitución de Cartagena
de Indias (artículo 3). Esta institución del senado conservador proviene de la influencia francesa en espe-
cial de la Constitución del año VIII.

588
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

las que expresan la necesidad de respetar la norma superior. Generalmente, el ejecu-


tivo controlaba al legislativo pero en caso de insistencia en el Congreso prevalecía teó-
ricamente la decisión política del legislativo.

El control constitucional entre 1886 y 1991

Esta situación cambió completamente con la Carta de 1886. Desde entonces el


principio de respeto a la Constitución ha sido defendido por un órgano judicial. La
amplitud del control judicial de la Constitución, y sus modalidades, han evolucionado
gradualmente durante un siglo al ritmo de reformas constitucionales encaminadas a
superar conflictos, inclusive violentos. Dicha evolución siempre ha consistido en una
expansión del control judicial de constitucionalidad y ha estado orientado a contribuir
en mayor o menor grado a la pacificación. Nunca la Corte Suprema fue suspendida o
cerrada, ni el ejercicio de su poder de control constitucional prohibido, aún durante
agudos periodos de violencia ni cuando, excepcionalmente, gobernó un dictador.
Después de mostrar esta relación desde 1886, se señalarán los aspectos de la
Constitución de 1991 que preservan esta tradición centenaria, así como los que repre-
sentan una ruptura inspirada en la importancia que en dicha Constitución tienen los
derechos.

Los orígenes del control judicial abstracto erga omnes: conciencia


de la innovación en 1886

La Constitución de 1886 era conservadora aún desde el punto de vista de la época:


era centralista; con un presidente fuerte, jefe de un ejército nacional; consagraba dere-
chos restringidos y protegía el confesionalismo. Fue concebida bajo la influencia ideo-
lógica de un filólogo conservador, Miguel Antonio Caro. El fin de esta Constitución,
pieza clave de “la Regeneración” liderada por Rafael Núñez, fue restablecer el orden en
un país donde los estados federados guerreaban continuamente, cada uno dotado de su
propio ejército. Con la reforma constitucional cesaron las guerras entre estados (trans-
formados en departamentos) pero a costa de un irremediable sentimiento de exclusión
por parte de los liberales, quienes en la práctica no podían acceder al Congreso. De allí
resultó la corta guerra civil de 1895 y luego la más larga y más encarnizada guerra civil
colombiana, la guerra de los Mil Días (1899-1902). Luego, vinieron otras violencias que
impidieron que el objetivo fundamental para el cual fue diseñada dicha Constitución
se lograra a plenitud, como se verá posteriormente.
No obstante, los orígenes del sistema de control constitucional colombiano, tal y
como existe hoy en día, pueden trazarse hasta la Constitución de 1886. En ella se le
otorgó al Presidente de la República el poder de objetar los proyectos de ley aproba-
dos por el Congreso, cuandoquiera que los considerara contrarios al texto constitucio-
nal. Si el Congreso rechazaba la objeción, la Corte Suprema de Justicia era la llamada

589
Manuel José Cepeda

a resolver el conflicto, adoptando una decisión obligatoria para todos sobre la consti-
tucionalidad del proyecto objetado.15 De esta manera la cabeza del poder judicial
cumplía dos funciones que contribuían indirectamente a la pacificación: resolvía defi-
nitiva e institucionalmente el conflicto entre las dos ramas políticas del poder públi-
co y, en la visión de la época, aseguraba que el Congreso no prevaleciera, como suce-
día antes, sobre el Presidente de la República, en cuya autoridad la Constitución de
1886 confiaba para restablecer y mantener el orden.
Dos características de este control constitucional ilustran su trascendencia.
Primero, se trata de un control abstracto en el cual la Corte Suprema compara la ley
con la Constitución, al margen de cualquier controversia en un caso concreto. Para la
época, en los Estados Unidos ya existía un control constitucional pero éste sólo podía
efectuarse en caso de controversias concretas, usualmente entre un particular y el
Estado. En Europa aún faltaban cerca de cuatro décadas para que el Tribunal
Constitucional austriaco fuera creado con funciones de control abstracto.16 La segun-
da característica es que la sentencia de inconstitucionalidad proferida por la Corte
Suprema tenía efectos erga omnes, no inter pares como en el sistema estadounidense.
Al ser declarado inexequible un proyecto de ley, las normas incompatibles debían ser
excluidas, “archivadas”, y, por lo tanto, no podían ingresar al ordenamiento jurídico.
Estas innovaciones no fueron casuales. Por ellas ya había abogado en 1878 un
prestigioso jurista que estimaba que el control existente en Estados Unidos era dema-
siado limitado.17 Miguel Antonio Caro elogió el avance que esto significaba. Si bien
reconocía que el control judicial de constitucionalidad representaba la adopción del
“principio norteamericano que da al juez la facultad de aplicar la Constitución de pre-
ferencia a la ley, poniendo así un límite judicial a las leyes promulgadas”, exaltó que
convertir a la Corte Suprema en árbitro del desacuerdo entre el Congreso y el
Presidente, en caso de objeción de un proyecto de ley por razones de inconstitucio-
nalidad, era una innovación que “no se registra en ninguna Constitución, colombiana
ni extranjera.” Justificó su adopción “porque, aunque en otras constituciones no exis-
ta, no es contrario, antes conforme con los sanos principios de derecho constitucio-
nal, y se ha considerado como una preciosa garantía contra el contenido de las leyes

15 Artículo 90 de la Constitución de 1886: “Exceptúase de lo dispuesto en el artículo 88 el caso en que el pro-


yecto fuere objetado por inconstitucionalidad. En este caso, si las Cámaras insistieren, el proyecto pasará a
la Corte Suprema, para que ella, dentro de seis días, decida sobre su exequibilidad. El fallo afirmativo de la
Corte obliga al Presidente a sancionar la ley. Si fuere negativo, se archivará el proyecto”.
16 Pedro, Cruz Villalón, La Formación del Sistema Europeo del Control de Constitucionalidad (1918-1939),
Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1987. Dominique, Rousseau, La Justice Constitutionnelle en
Europa, Montchrestien, París, 1992.
17 Justo Arosemena escribió: “Tal ha sido, en efecto, la práctica constante de aquel alto tribunal, i la manera
como se ha entendido siempre su atribución, más bien tácita que expresa, de invalidar las leyes declarán-
dolas inconstitucionales; pero no vemos claramente por qué no habría de tener la corte suprema de una
federación la facultad expresa de hacer aquella declaratoria, aun cuando no se presente ninguna controver-
sia particular en que la ley haya de aplicarse” (Estudios constitucionales, tomo II, París, 1878, Librería espa-
ñola i americana de E. Denne, p. 85).

590
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

antijurídicas, dado que la Constitución es la más alta y autorizada expresión del dere-
cho”.18 De esta manera Caro consideró que el poder del Presidente sería la garantía de
que “no habrá posibilidad moral de que se expidan leyes inconstitucionales”. Otros
pensadores, también de estirpe conservadora, expresaron su preocupación por la
amplitud de esta facultad atribuida a la Corte Suprema que consideraron “peligrosísi-
ma” y recordaron que en los Estados Unidos la Corte Suprema puede aplicar en un
caso concreto la Constitución de preferencia a la ley, “pero nunca la declara expresa-
mente nula”.19
Aunque la Constitución de 1886 no fue la primera en establecer un control de
las leyes previo, abstracto y con efecto erga omnes, sí es excepcional la claridad con la
cual se definió la atribución de la Corte Suprema de Justicia como único y exclusivo
juez de constitucionalidad, así como que esta competencia singular no se hubiera que-
dado en el papel sino que se haya empezado a ejercer desde 1887, como se verá pos-
teriormente, en procesos que llegaron a tener trascendencia para la resolución de con-
flictos entre fuerzas políticas.20

El control de leyes vigentes por acción pública: otra originalidad


en 1910

El esquema de 1886 fue ampliado significativamente por el Acto Legislativo No. 3 de


1910, cuando ya había terminado el quinquenio del Presidente, el General Rafael Reyes.
En 1910 una asamblea constituyente dominada por los sectores republicanos y
civilistas, que reunían a liberales y conservadores, suprimió algunas de las causas
constitucionales del conflicto al adoptar la reducción del mandato presidencial de seis
a cuatro años, la prohibición de la reelección inmediata del presidente, la reunión
anual del Congreso, la representación parlamentaria de las minorías políticas median-
te una nueva legislación electoral, la elección de los magistrados de la Corte Suprema
de Justicia por el Congreso a partir de las listas propuestas por el presidente y, por últi-

18 Diario oficial, No 6720-6721, julio 1 de 1886, p. 649. Carlos Restrepo Piedrahita critica el entusiasmo de
Caro respecto de esta innovación puesto que en las constituciones ecuatorianas de 1869 (art. 43) y 1878 (art.
60) la Corte Suprema ya obraba como árbitro en esta hipótesis. J.A.C. Grant, también considera que dicho
sistema no tenía especial novedad. Ver Judicial review by executive reference prior to promulgation: The
Colombian experience, Southern California Law Review, vol. 21, P.154, 1948. Sobre el origen y evolución
del control constitucional en Colombia ver del mismo autor: Judicial control of the constitutionality of
Statutes and administrative legislation in Colombia: Nature and evolution of the present system, Southern
California Law Review, vol. 23, July, 1950. Nº 4. El control de la constitucionalidad de las leyes a petición
del ejecutivo previamente la promulgación: la experiencia de Colombia, En Revista Mejicana de Derecho
Público, nº 3 enero-marzo de 1947, México, p. 244.
19 Son las palabras de Sergio Arboleda, citado por Carlos Restrepo Piedrahita, op. cit.
20 Lo anterior no significa que durante la regeneración la Corte Suprema hubiera asegurado la efectividad de
la Constitución. Recordando la llamada ley de los caballos (Ley 61 de 1888), Carlos Restrepo Piedrahita con-
cluye: “En la historia del Derecho Constitucional Colombiano el período llamado La Regeneración se des-
taca como el único durante el cual el principio de supremacía de la Constitución no tuvo vigencia”, op. cit.

591
Manuel José Cepeda

mo, herramienta no despreciable para la pacificación, la instauración de la acción


pública de inconstitucionalidad que le permite a todo ciudadano demandar ante la
Corte Suprema de Justicia la inconstitucionalidad de las leyes vigentes contrarias a la
Constitución. Así se buscó restablecer la paz entre los dos partidos, de 1910 a 1945.
En dicho acto legislativo se introdujo (i) un sistema muy accesible de control
constitucional abstracto de las leyes nacionales vigentes, ya no de proyectos de ley,
por medio de una “acción pública de inconstitucionalidad” -que, hasta donde tengo
conocimiento, fue la primera de su tipo en el mundo en hacerse efectiva a nivel nacio-
nal-, en ejercicio de la cual todo ciudadano podía interponer, en defensa del interés
público, una demanda contra cualquier ley del Congreso Nacional ante la Corte
Suprema, cuyas decisiones tenían por ende efectos erga omnes.21 También contempló
expresamente (ii) una “excepción de inconstitucionalidad”, por medio de la cual todo
juez o funcionario público podía decidir no aplicar disposiciones legales que se consi-
deraran inconstitucionales en casos concretos.22 Las decisiones adoptadas por la Corte
en relación con tales “excepciones de inconstitucionalidad”, que rara vez eran invo-
cadas, sólo tenían efectos inter partes, por lo cual las disposiciones relevantes podían
ser aplicadas a otras situaciones distintas.
Cabe resaltar algunos rasgos relevantes de las innovaciones adoptadas en 1910. La
acción pública contra leyes y decretos consagró tempranamente en occidente el con-
trol posterior sobre actos del Congreso y del Presidente que ya hubieren entrado en
vigor. En esto se anticipó en casi dos décadas a las tesis de Hans Kelsen considerado el
padre del modelo de control constitucional abstracto y concentrado europeo.23 Cabe
anotar que en Colombia esta modalidad de control constitucional no se fundamentó
primordialmente en teorías sobre la coherencia del ordenamiento jurídico, si bien pro-
pendía por ello, por supuesto. Su función primordial fue política, en el contexto en que
fue propuesta y adoptada. A menudo se olvida que seis años antes, la acción pública de
inconstitucionalidad había sido concebida como un instrumento útil para la reconci-
liación, con un doble rol. Primero, servía de canal de acceso a quienes pertenecían a

21 De hecho, desde 1904 una ley había creado la acción pública de inconstitucionalidad (Ley 2 de 1904); pero
sólo podía dirigirse contra decretos presidenciales expedidos durante estados de sitio. Sin embargo, los orí-
genes de esta acción pública se remontan incluso hasta las primeras constituciones de Colombia y
Venezuela. Ver, a este respecto: A. R, Brewer – Carias, “Judicial Review in comparative law”; Cambridge
University Press, Cambridge, 1989, p. 279, y Carlos, Restrepo Piedrahita: “Constituciones Políticas de
Colombia”. Universidad Externado de Colombia, Bogotá, 1995.
22 El debate sobre la excepción de inconstitucionalidad ya estaba presente en los círculos jurídicos colombia-
nos desde el siglo XIX. En efecto, desde 1887 una ley nacional (Ley 153 de 1887, art. 6) había obstaculiza-
do indirectamente la aplicación de las excepciones de inconstitucionalidad, al ordenar que las disposiciones
legales adoptadas después de la Constitución de 1886 se presumirían constitucionales, y debían ser aplica-
das incluso si aparentemente contradecían lo dispuesto por la Carta Política. Esta disposición normativa se
introdujo para modificar una ley previa (Ley 57 de 1887, art. 5) según la cual, en casos de conflicto entre la
Constitución y la ley, prevalecería aquella.
23 Los primeros artículos de Kelsen sobre el tema datan de finales de los años veintes. Hans, Kelsen. La
Giustizia Costituzionale. Giuffrè Editore. Milano, 1981.

592
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

fuerzas políticas que se sentían excluidas o perseguidas por el Gobierno y el Congreso


que lo apoyaba. Así se refleja en un documento de la Junta de Conciliación de
Antioquia que propuso las “bases” para reconstruir la concordia entre los colombianos.
De lo que se trataba era de permitir que fuerzas de la oposición no dependieran del
conflicto entre el Presidente y el Congreso, algo eventual para que la Corte Suprema
actuara como árbitro en una confrontación respecto de un acto del Congreso o del
Ejecutivo.24 Segundo, también en 1904, la acción pública fue vista como un mecanis-
mo para controlar el poder presidencial cuando éste se manifestara en decretos de esta-
do de sitio con fuerza de ley, algo que ya había sucedido con frecuencia.25 El propio
José Vicente Concha propuso una enmienda a la Constitución durante el Congreso de
1909, recogiendo la ley que en 1904 había consagrado la acción pública de inconstitu-
cionalidad contra los decretos legislativos de estado de sitio.26
Se puede afirmar que a partir de 1910 se consolida en Colombia la defensa judi-
cial de la supremacía de la Constitución con una amplitud extraña para la época en
occidente, pero funcional a la necesidad sentida en nuestro país de crear garantías ins-
titucionales para el retorno a la convivencia pacífica dentro de la democracia.

La ampliación de los referentes sustantivos del control constitucional

Por esos mismos años, los movimientos sociales ganaban fuerza con la industria-
lización de ciertas regiones, las migraciones en búsqueda de mejores salarios, el cam-
bio de las estructuras agrarias debido a la exportación del café y el desarrollo de las
corrientes socialistas. En 1910 se produjo la primera gran huelga en el puerto de
Barranquilla. Hubo muchas otras, hasta 1928, año de la masacre de los obreros de la
zona de producción bananera de la United Fruit, en Santa Marta. En 1916 los indíge-
nas se sublevaron en el Cauca bajo la dirección de Quintín Lame. En 1919 los campe-
sinos se unieron a los movimientos de reivindicación social. Los logros en materia de
pacificación política no respondían a las nuevas tensiones sociales. Hasta que llegó la
segunda gran reforma constitucional.
En 1936 el presidente liberal Alfonso López Pumarejo obtuvo de un Congreso
liberal (los conservadores habían rehusado participar en las elecciones), la introduc-
ción en la Constitución de la libertad religiosa, así como importantes garantías socia-
les: el derecho a la huelga, la asistencia pública, la libertad de asociación, la expropia-

24 “Organizar los poderes públicos, guardando la independencia y separación recíproca entre ellos; y hacer a
la Corte Suprema de Justicia árbitro e intérprete de la inteligencia y constitucionalidad de las leyes, a pedi-
mento del Ministerio Público o de los ciudadanos” (Texto en Orientación republicana del Dr. Carlos E.
Restrepo, Tomo I, Medellín, sin fecha, p. 176. Tales ‘bases’ fueron preparadas por Fidel Cano (liberal) y
Carlos E. Restrepo (conservador)).
25 Se trata de la Ley 2 de 1904 que tuvo una vigencia de meses puesto que fue derogada por la Ley 8 de 1905
cuando se estaba iniciando el quinquenio de Reyes.
26 Anales de la Cámara de Representantes Nº 3, 14 de agosto de 1909, pág. 22.

593
Manuel José Cepeda

ción por razones de interés social, y sin indemnización si ello fuese ordenado por
razones de equidad. Siguiendo al jurista francés Leon Duguit, la propiedad fue defini-
da como función social y la intervención del Estado en la economía fue legitimada
constitucionalmente. Estos cambios constituyeron el New Deal colombiano. El obje-
tivo era incorporar los movimientos sociales al aceptar estas reivindicaciones y al que-
brarle una vértebra ideológica a la Constitución de 1886. La revisión constitucional
favoreció las reformas sociales y agrarias, las cuales permitieron la paz con los movi-
mientos sociales de banderas socialistas. Los activistas de los movimientos sociales
volvieron a integrarse al Partido Liberal. El Partido Socialista de 1919 y el Partido
Revolucionario Socialista de 1926 desaparecieron rápidamente. Apenas subsistió su
escisión de 1930, el Partido Comunista de Colombia.
La reforma de 1936 no modificó el órgano de control constitucional, los meca-
nismos de acceso a la Corte Suprema, ni su competencia. Sin embargo, transformó un
elemento esencial del sistema de control constitucional: el referente constitucional de
dicho control. Este sufrió dos cambios cruciales: (i) hubo un aumento en los derechos
y garantías ciudadanas, lo cual incrementó las normas que establecen límites sustan-
tivos al ejercicio del poder público en especial en lo que respecta a las políticas eco-
nómicas y sociales, y (ii) se incorporó a la Carta una filosofía distinta a la predominan-
te en 1886 que en algunos casos convivía con la anterior, lo cual le ofreció al juez
constitucional un mayor margen de libertad en la interpretación constitucional y lo
responsabilizó de promover el desarrollo de esa nueva filosofía sobre cuyos alcances y
fuentes aún existe controversia.
Posteriormente, durante el periodo correspondiente al segundo mandato incon-
cluso del presidente Alfonso López Pumarejo, sí se modificó un aspecto orgánico y
competencial del sistema de control constitucional. En 1945,27 se atribuyó al Consejo
de Estado funciones de control constitucional, en particular con respecto a las accio-
nes públicas contra actos administrativos.28 Con ello se circunscribió la competencia
de la Corte Suprema de Justicia respecto del ejecutivo a sólo tres categorías de decre-
tos: los decretos de estado de sitio, los decretos extraordinarios dictados en ejercicio
de una delegación legislativa expresa, precisa y temporal, y los decretos que desarrol-
laran autorizaciones concedidas por el Congreso para negociar empréstitos y ejercer
otras funciones dentro de la órbita constitucional del Presidente. El origen de esta
reforma fue el conflicto que se suscitó entre la Corte Suprema de Justicia y el Consejo

27 Acto Legislativo N 1 de 1945 (artículo 41). Dicha reforma también describió de manera más detallada las
competencias de la Corte Suprema de Justicia con miras a distribuir claramente las competencias de esta y
del Consejo de Estado. También facultó a los gobernadores de departamento para objetar por motivos de
inconstitucionalidad, ilegalidad o inconveniencia los proyectos de ordenanzas (artículo 85 num. 6).
28 El Consejo de Estado también conocía de las “excepciones de ilegalidad”, raramente aplicadas por los jue-
ces y por otras autoridades en relación con actos administrativos que se consideraban incompatibles con la
ley en casos concretos, y podía aplicar una “excepción de inconstitucionalidad” frente a leyes y actos admi-
nistrativos. En 1945 también se le atribuyeron competencias contenciosas en relación con las peticiones de
indemnización de perjuicios presentadas por las víctimas de abusos estatales.

594
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

de Estado en torno a cuál de las dos corporaciones era competente para conocer de un
decreto dictado en 1942 sobre un tema de alta sensibilidad política.29 Por medio de
dicho decreto el ejecutivo cambió la fecha en la cual habrían de reunirse las asambleas
departamentales. Como para entonces ya estaba en vigor el Código Contencioso
Administrativo30 que regulaba las competencias de los tribunales administrativos y
del Consejo de Estado, éste suspendió provisionalmente el decreto. A su turno, la
Corte Suprema de Justicia le planteó al Consejo de Estado un conflicto de competen-
cias, acogiendo la solicitud del Procurador General de la Nación en el sentido de que
era ella la que debía revisar la constitucionalidad de dicho decreto. La controversia de
gran intensidad, tanto política como jurídica, se resolvió el mismo año cuando la
Corte Suprema de Justicia declaró inexequible el artículo del Código Contencioso
Administrativo que había servido de fundamento al Consejo de Estado para asumir
competencia como órgano de control constitucional de los decretos del ejecutivo.31
Tres años después de esta reforma, cuando el 9 de abril de 1948 fue asesinado el
caudillo liberal Jorge Eliécer Gaitán, empezó un lapso crítico para la defensa judicial
de la Constitución: “La Violencia” entre liberales y conservadores y, luego, la dicta-
dura del General Gustavo Rojas Pinilla (1953-1957).

Los avatares de la independencia judicial para controlar el poder

“La Violencia” terminó por un golpe de Estado llamado “golpe de opinión” por-
que era sostenido por una corriente moderada del Partido Conservador y por el
Partido Liberal. El presidente conservador, Laureano Gómez, fue obligado al exilio en
1953, y se refugió en la España franquista. Después del golpe de Estado, el general
Gustavo Rojas Pinilla ordenó un cese al fuego unilateral de los militares y ofreció una
amnistía general e incondicional. Al cabo de un año numerosos jefes de las guerrillas
abandonaron sus armas. Un pacto entre los dirigentes de los dos grandes partidos fue
entonces inscrito en la Constitución: alternación obligatoria de la presidencia entre
liberales y conservadores inicialmente durante doce años que luego se extendieron a
dieciséis años (1958-1974); repartición paritaria de las carteras ministeriales, de los
escaños en la Corte Suprema de Justicia, en el Consejo de Estado, en el Congreso, en
los Concejos Municipales y en las Asambleas Departamentales durante doce años, y
restauración de la Constitución de 1886, con sus reformas sucesivas. Lo esencial de
este pacto fue ratificado por plebiscito el 1 de diciembre de 1957 y luego por una
reforma constitucional. La junta militar provisional cedió entonces el poder al primer
presidente del Frente Nacional del gobierno de “responsabilidad compartida”, el libe-
ral Alberto Lleras Camargo.

29 Decreto 970 de 1942.


30 Ley 167 de 1941 (artículo 62).
31 Sentencia del 7 de julio de 1942. Gaceta Judicial, Tomo LII, pág. 5.

595
Manuel José Cepeda

Así terminó el breve régimen militar y, sobre todo, la violencia entre liberales y
conservadores, una vez más gracias a un pacto constitucional. Pero los conflictos con-
tinuaron en algunos municipios. En la elección presidencial de 1970, la última bajo el
régimen del Frente Nacional, el movimiento político creado por el general Gustavo
Rojas (Alianza Nacional Popular, Anapo) estuvo a punto de ganar las elecciones.
Entonces una nueva guerrilla apareció, el M-19 (Movimiento 19 de Abril, fecha de las
elecciones). Las FARC y el ELN habían emergido en la década anterior como grupos
guerrilleros con banderas predominantemente rurales.

La cooptación y la paridad como garantías contra la politización

Con el Frente Nacional se buscó reducir la confrontación, aún política, entre los
partidos. Esto redundó en la despartidización de la Corte Suprema de Justicia con
miras a asegurar su independencia frente tanto al Congreso como al ejecutivo. Para
ello, como se anotó, se acudió a dos mecanismos: la paridad liberal conservadora y la
cooptación que marginó a las ramas políticas del poder público de la selección de los
magistrados. Con ello se avanzó en independencia judicial. La propia Corte Suprema
ejerció su misión de guardián de la Carta no solo para preservar el consenso constitu-
cional bipartidista sino para garantizar su gobernabilidad en un contexto de conviven-
cia entre las fuerzas políticas tradicionales.
Una de las consecuencias saludables de la paridad y de la cooptación fue la de
aumentar la independencia del juez constitucional ante los cambios en las tendencias
de la opinión política, sin bien su composición siempre habría de reflejar el predomi-
nio bipartidista. Este cambio también marca la culminación de la evolución de las
garantías a la independencia de la Corte Suprema de Justicia, que fue uno de los pro-
pósitos del constituyente de 1886.32 Es necesario subrayar que en 1991 se presentó
una transformación radical en todo el sistema de control constitucional, la cual estu-
vo acompañada de una recombinación de las garantías de independencia con el fin de
permitir la participación del Ejecutivo y el Legislativo en la integración de la Corte
Constitucional, sin disminuir su autonomía ni amenazar su imparcialidad. Por ello, las
dos terceras partes de los magistrados son postulados por la rama judicial, su periodo
es de ocho años sin posibilidad de reelección y el régimen de inhabilidades e incom-
patibilidades se hizo más severo. A su turno, la legitimidad de la Corte Constitucional
se fortaleció al ser todos sus miembros elegidos directamente por el Senado, e indirec-

32 Al respecto José María Samper dijo en su comentario de la época (1881): “Pero es claro que los jueces o magis-
trados, no son gobernantes, en la acepción constitucional de la palabra gobierno y de la función gubernati-
va, ni tienen carácter político, ni cosa alguna que hacer con la política, esto es, con la lucha de los partidos y
el predominio que la opinión nacional da a determinadas ideas en la dirección de la república. Por el contra-
rio, el juez o magistrado debe apartarse totalmente de las cosas políticas, no tomarlas en cuenta para sus fal-
los o resoluciones, cerrar ojos, oídos y boca delante de los partidos, y hacer cuenta que estos no existen. El es
una conciencia neutral e impasible que juzga sobre hechos que le son extraños personalmente (…). José
María, Samper. Derecho Público Interno de Colombia. Editorial Temis, 1982. (reimpresión)

596
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

tamente por el pueblo ya que la cámara alta es elegida en circunscripción nacional por
todos los electores que conforman el censo electoral. Dicho fortalecimiento ha redun-
dado en una mayor independencia de la Corte Constitucional para adoptar decisiones
en casos difíciles y polémicos, como se verá posteriormente.

El control judicial de los decretos de estado de sitio

Tan solo tres años después de iniciado el Frente Nacional, se hizo manifiesto el
abuso del ejercicio de las facultades presidenciales basadas en el estado de sitio, el cual
se extendió desde 1944, con motivo del golpe frustrado de cuartel en la ciudad de
Pasto contra el Presidente Alfonso López Pumarejo, hasta 1957, cuando terminó la
dictadura militar. La respuesta ante esta fuente de confrontación política fue reformar
el mecanismo de acceso a la Corte Suprema de Justicia para controvertir tales decre-
tos. Antes de 1960 éstos podían ser demandados por cualquier ciudadano ante la
Corte. En 1960 se introdujeron dos cambios que revelan la importancia del control
constitucional para contribuir o mantener la convivencia pacífica. Primero, se facul-
tó al Congreso, por medio de proposición aprobada por mayoría absoluta de una y otra
cámara, para decidir que dichos decretos pasaran a la Corte Suprema de Justicia para
que se pronunciara sobre su constitucionalidad. De nuevo se establecía el acceso a la
Corte como un mecanismo de garantía para las fuerzas políticas que se sintieran lesio-
nadas por el poder presidencial, pero esta vez se hizo explícita su función política que
no era notoria en 1910. Segundo, ante la decisión del Congreso, la Corte quedaba obli-
gada a fallar dentro del término de 6 días. La consecuencia de no hacerlo era que los
magistrados incurrían en causal de mala conducta y podían ser destituidos. Además,
el decreto quedaba automáticamente suspendido, lo cual reforzaba el carácter garan-
tista del acceso a la Corte desde el punto de vista de los afectados.33
Después de una década de Frente Nacional, en 1968 una reforma introdujo el con-
trol de oficio, por la Corte Suprema de Justicia, de los decretos legislativos expedidos por
el Presidente de la República en ejercicio de sus poderes excepcionales bajo el estado de
sitio, y lo hizo extensivo por esta vía automática al nuevo estado de excepción creado en
esa misma reforma con el nombre de emergencia económica y social.34 La instauración
de un control oficioso de los decretos con fuerza de ley dictados por el Presidente de la
República durante el estado de sitio obedeció a la poca utilización por parte del
Congreso de la facultad que se le confirió en 1960 así como al propósito de erigir a la

33 Acto Legislativo N 1 de 1960 (artículo 1).


34 Los “Estados de Sitio” (creados en 1886) y los “Estados de Emergencia Económica y Social” (introducidos en
1968) eran figuras previstas en la Constitución anterior (hoy denominadas “Estados de Excepción”), por
medio de las cuales el Presidente era investido temporalmente de poderes legislativos extraordinarios, así
como de mayores atribuciones que las ordinarias, para efectos de lidiar con circunstancias específicas para
las cuales eran insuficientes los poderes presidenciales normales. Ver, a este respecto, la sección 2 de este
documento.

597
Manuel José Cepeda

Corte Suprema como órgano de control del poder presidencial. Sin embargo, el balance
del control judicial de los decretos de estado de sitio apunta a que en realidad la Corte
fue deferente con el Ejecutivo y en no pocas ocasiones obró, quizás sin proponérselo,
como legitimador de la constitucionalidad de medidas excepcionales en extremo restric-
tivas de los derechos e invasoras de las competencias de la rama judicial.

Plazos perentorios para fallar y control de los vicios de forma

En 1968 también35 se establecieron términos constitucionales perentorios para


que la Corte Constitucional profiriera sus sentencias. Dichos plazos son relativamen-
te breves, a la luz del derecho comparado, y continúan existiendo hasta hoy. Los tér-
minos ordinarios se recortaban a la tercera parte cuando el acto controlado fuera un
decreto de estado de sitio o de emergencia económica.36 Fueron introducidos para
impedir que la Corte Suprema postergara los asuntos polémicos, a veces hasta por
catorce años,37 y prefiriera discrecionalmente decidir con antelación las cuestiones de
menor trascendencia jurídica y política, algo que el propio General Rojas Pinilla le
reclamó a la Corte en una carta pública.38 El detonante de esta innovación fue la inu-
sitada demora de la Corte Suprema en pronunciarse sobre la demanda que se presen-
tó contra el Decreto 3520 del 9 de noviembre en 1949, de estado de sitio, mediante el
cual el Presidente Mariano Ospina Pérez cerró el Congreso de la República, suspen-
diendo sus sesiones “hasta la fecha que determine el Gobierno”. Con dicho decreto
también se cerraron las asambleas departamentales y los concejos municipales. En
efecto, la sentencia correspondiente sólo se profirió en 1970 cuando un demandante
pidió que se declarara la inconstitucionalidad de la ley que le dio carácter permanen-
te a dicho decreto.39 O sea que la Corte Suprema sólo se pronunció sobre este espino-
so asunto después de la reforma de 1968.
Finalmente, es importante resaltar que en 1968 se permitió expresamente que la
Corte controlara por vicios de forma el cumplimiento de los requisitos de procedi-

35 Otras reformas al control constitucional fueron: la ampliación de decretos presidenciales sometidos a con-
trol, puesto que se agregaron los decretos para poner en vigencia los proyectos de leyes sobres planes y pro-
gramas de desarrollo económico así como los dictados con base en el estado de emergencia económica y
social; la creación de la sala constitucional, la exclusión de la acción pública para los decretos dictados con
base en el estado de excepción.
36 Los términos ordinarios eran los siguientes: 30 días para que el Procurador General de la Nación rindiera
su concepto sobre la constitucionalidad del acto controlado; 30 días para que la Sala Constitucional, creada
también en 1968, rindiera ponencia ante la Sala Plena y 60 días para que el Pleno de la Corte profiriera sen-
tencia (artículo 214 de la codificación de 1968).
37 Así sucedió con la demanda instaurada por Luis E. Nieto Arteta contra los decretos 1381 y 1382 de 1940
(Gaceta Judicial n. 2150, Tomo LXXIX, p. 412).
38 Carta de 14 de septiembre de 1956 dirigida a juristas de Medellín (Gaceta Judicial Nos 2171-2172-2173,
Tomo LXXXIII, p. 421).
39 Sentencia de septiembre 30 de 1970 (M.P. José Gabriel de la Vega). Gaceta Judicial 2338 Bis, Tomo
CXXXVII, p. 386 y ss. La sentencia de la Corte fue inhibitoria por sustracción de materia. La Corte argu-
mentó que el Congreso ya había reanudado sus sesiones desde 1951 y que el decreto había sido derogado

598
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

miento en la formación de las leyes. Este avance, estimulado por los fallos inhibito-
rios de la Corte frente a cargos formales, también responde al propósito de conceder-
le a las minorías políticas garantías en los procesos decisorios que conducen a la expe-
dición de normas jurídicas, lo cual se inspira en la función de pacificación política que
cumple el control constitucional.
En cambio, en 1968 no se aprobó la propuesta de crear una Corte Constitucional
inspirada en el modelo europeo de control concentrado. La idea de introducir esta
transformación reapareció en varios momentos y tan solo se materializó parcialmen-
te en 1979 cuando una reforma constitucional atribuyó a la Sala Constitucional de la
Corte Suprema funciones autónomas de decisión. No obstante, esta reforma solo estu-
vo en vigor unos cuantos meses porque la Corte Suprema de Justicia la declaró incons-
titucional por vicios de forma.40
En resumen, para 1990 con el fin de cumplir sus funciones de trascendencia polí-
tica, en especial en lo atinente al mantenimiento de la convivencia pacífica mediante
la resolución institucional de conflictos y desacuerdos, las competencias básicas de la
Corte Suprema de Justicia - paritaria, elegida por cooptación, independiente, y com-
puesta de 24 magistrados - eran: (a) revisar los proyectos de ley objetados por motivos
de inconstitucionalidad por el Presidente de la República ante la insistencia del
Congreso; (b) llevar a cabo el control constitucional oficioso de los decretos legislati-
vos dictados por el Gobierno en ejercicio de sus poderes bajo estados de sitio o de emer-
gencia económica; y (c) resolver las acciones públicas de inconstitucionalidad presen-
tadas por los ciudadanos contra las leyes o contra los decretos con fuerza de ley adop-
tados por el Presidente en ejercicio de poderes legislativos expresamente delegados a él
por el Congreso mediante leyes de “facultades extraordinarias”. Adicionalmente, la
Corte Suprema expandió el alcance de sus propias funciones de control constitucional
en varias decisiones notorias, incluyendo las que declararon su jurisdicción sobre (d)
las acciones públicas de inconstitucionalidad contra reformas constitucionales aproba-
das por el Congreso,41 y (e) las leyes aprobatorias de tratados internacionales, que sólo
eran controladas en cuanto a la validez de su proceso de formación.42

El control constitucional después de la Constitución de 1991

En 1991 este sistema sufrió una transformación radical, también como parte de
un cambio constitucional orientado a conseguir la paz, esta vez con los grupos guerri-

porque se le “privó de efectos”, con el decreto que señaló la fecha para reanudar las sesiones en 1951.
También alegó la Corte que la demanda había sido presentada después de la reanudación de las sesiones del
Congreso. Respecto de la constitucionalidad de la ley que le dio carácter permanente, la Corte acogió la tesis
del Procurador de que se trataba de una “inadvertencia” del legislador. El fallo fue unánime.
40 Sentencia del 3 de noviembre de 1981, (M.P. Fernando Uribe Restrepo).
41 Sentencia del 5 de mayo de 1978, M.P. (José María Velasco Guerrero).
42 Sentencia del 12 de diciembre de 1986 (M.P. Jairo E. Duque Pérez).

599
Manuel José Cepeda

lleros que nacieron durante el Frente Nacional. Dicho cambio fue el más grande y pro-
fundo del siglo XX puesto que se tradujo en una Constitución completamente nueva y
diferente adoptada por una Asamblea Constituyente convocada por iniciativa ciudada-
na y elegida popularmente, lo cual fue propiciado y orientado por los gobiernos suce-
sivos de los presidentes Virgilio Barco (1986-1990) y César Gaviria (1990-1994).
Ambos presidentes acudieron a decretos de estados de sitio para facilitar que el
pueblo, como constituyente primario, convocara, eligiera y definiera el perfil de la
asamblea constituyente. La Corte Suprema de Justicia avaló la validez de tales decre-
tos con el argumento de que la convocatoria de la Asamblea contribuiría a la recon-
ciliación de los colombianos y podría conducir a la adopción de esos tratados de paz
denominados constituciones. La Constitución de 1991 fue también un tratado de paz
en un sentido mucho más amplio y de largo plazo: fue una tentativa de reformulación
del contrato social.
El argumento de la Corte sin duda se inspiró tácitamente en dos siglos de histo-
ria nacional, pero también respondió al contexto del momento puesto que había veni-
do avanzando con altas probabilidades de éxito un proceso de paz con el grupo gue-
rrillero M-19 y con el EPL.43
En efecto, dos decenios después de convertirse en partido político, el grupo gue-
rrillero M-19 se encuentra militarmente golpeado y casi sin apoyo popular después de
su toma por asalto en 1985 del Palacio de Justicia, donde tenía su sede la Corte
Suprema de Justicia, seguido del secuestro de un líder conservador en 1988 (Álvaro
Gómez Hurtado). El presidente Virgilio Barco Vargas dirige entonces un gobierno
liberal e invita a las demás fuerzas políticas a practicar una oposición leal. Critica la
permanencia de la coalición liberal-conservadora y preconiza paralelamente un plan
de lucha contra la pobreza. El M-19 firma un acuerdo de paz y participa en las elec-
ciones legislativas y presidenciales de 1990. Obtiene pocos votos pero suscita la con-
fianza en la seriedad de su mutación cívica. Ocho meses más tarde logra un amplio
progreso en el momento de la elección de una asamblea constituyente, al obtener 19
de los 70 escaños, y entra a formar parte de la troika que presidió la Asamblea.
Otros ex guerrilleros manifestaron también algunos meses después de la elección
de la Asamblea Constituyente (diciembre de 1990) su deseo de firmar la paz. El
Presidente César Gaviria Trujillo había liderado un proceso de acuerdos políticos para
definir las reglas de juego de convocatoria de la Asamblea Constituyente, así como la
agenda de la cual ésta habría de ocuparse.44 En dicho acuerdo, luego respetado en ese
punto por el reglamento de funcionamiento que adoptó autónomamente la Asamblea
Constituyente después de iniciar sus sesiones el 5 de febrero de 1991, se previó la posi-
bilidad de asignarle, por decisión presidencial, participación a los grupos guerrilleros

43 Rafael, Pardo Rueda, De primera mano. Colombia 1986-1994: entre conflictos y esperanzas, Cerec, Norma,
Bogotá, 1996.
44 Para una descripción detallada de este proceso ver Manuel José, Cepeda Espinosa, Introducción a la
Constitución de 1991, Presidencia de la República, Bogotá, 1992.

600
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

que se reincorporaran a la vida civil o avanzaran significativa y seriamente hacia dicha


meta. Dos escaños les fueron reservados para estimularlos a entregar las armas. Estos
se le atribuyeron al Ejército Popular de Liberación (EPL) el cual se volvió partido polí-
tico con el nombre de Esperanza, Paz y Libertad (EPL también). Otros dos grupos
(PRT y el Frente Quintín Lame) recibieron dos escaños adicionales pero sin derecho
al voto. Colombia encontraba así de nuevo, aunque parcialmente, la paz por la vía de
una transformación constitucional. Dos grupos (FARC y ELN) permanecen aún en la
lucha armada. A comienzos de 1994 uno de los frentes del ELN (la Corriente de
Renovación Socialista) firmó a su vez la paz. Pero FARC y ELN continúan desplegan-
do acciones violentas, como también lo han hecho desde mediados de los ochentas
grupos ilegales de autodefensa conocidos con el nombre de paramilitares y agrupados
en organizaciones nacionales como las AUC (Auto Defensas Unidas de Colombia).
Conforme a la experiencia anteriormente descrita el cambio constitucional ayudó
a resolver los enfrentamientos que minan la sociedad. La Constitución de 1991 fue
adoptada en ese espíritu, por consenso de todas las fuerzas políticas, tanto de los parti-
dos tradicionales como de los nuevos movimientos políticos procedentes de la guerri-
lla, o derivados de la proyección de grupos étnicos, de minorías religiosas o de movi-
mientos sindicales y fuerzas independientes. La elección libre de una Asamblea
Constituyente muy pluralista permitió realizar una vez más la alquimia constitucional.
Lo excepcional es que por primera vez en la historia de Colombia no hubo vencedores
ni vencidos después de la adopción de una Constitución enteramente nueva y distinta.
También dentro de este espíritu la Asamblea Constituyente decidió cambiar sus-
tancialmente el sistema de defensa judicial de la supremacía de la Constitución. A
continuación se sintetizan las principales modificaciones y su significado.

La creación de la Corte Constitucional

Las principales innovaciones del constituyente de 1991, que explicaré en detalle


más adelante, fueron (i) la creación de la Corte Constitucional como un tribunal espe-
cializado para encabezar la nueva “jurisdicción constitucional”, de la cual forman
parte todos los jueces colombianos,45 (ii) la aplicación del control constitucional a

45 La Rama Judicial colombiana ha sido organizada tradicionalmente en “jurisdicciones”, esto es, segmentos
especializados del aparato judicial, que se ubican jerárquicamente bajo una de las dos “altas Cortes”: la Corte
Suprema de Justicia (que encabeza la jurisdicción “ordinaria”, que abarca a los jueces civiles, penales, labo-
rales, agrarios, especializados de comercio y de familia) y el Consejo de Estado (que se ubica a la cabeza de
la jurisdicción “contencioso-administrativa”, a cargo de la resolución de los conflictos derivados del ejerci-
cio de la función pública administrativa). La Constitución de 1991 creó una nueva jurisdicción “constitu-
cional”, encabezada por la Corte Constitucional, que abarca a todos los jueces del país cuando deciden casos
de tutela, incluyendo a la Corte Suprema de Justicia y el Consejo de Estado. Otras “jurisdicciones” del país
incluyen la jurisdicción penal militar, la jurisdicción especial indígena y los “jueces de paz” (compuesta por
ciudadanos particulares a quienes la Constitución confiere funciones jurisdiccionales específicas para resol-
ver asuntos menores).

601
Manuel José Cepeda

situaciones particulares y concretas por medio de la creación de una acción judicial


específica para la protección de derechos fundamentales, la acción de tutela, (iii) la
expansión del control constitucional abstracto de las leyes (esto es, de las normas que
tengan la jerarquía y la fuerza jurídica de las leyes adoptadas por el Congreso), tanto
de oficio por la Corte como al resolver la acción pública de inconstitucionalidad, y (iv)
la adopción de medios para contextualizar las decisiones proferidas en ejercicio del
control abstracto de constitucionalidad.
A pesar de las bondades del sistema de control constitucional proveniente de
1886, el esquema contaba con significativas desventajas, que gradualmente se acumu-
laron en el tiempo y motivaron su transformación. Entre ellas, se podrían citar (i) el
sistema poco representativo de elección de los Magistrados por cooptación, (ii) la poca
relevancia de la Constitución de 1886 para la vida y las necesidades ordinarias de las
personas, incluso después de importantes enmiendas en 1936, 1945 y 1968,46 en con-
traste con su importancia para la vida política e institucional (iii) la ausencia de un sis-
tema eficaz de protección de los derechos fundamentales,47 (iv) la definición impreci-
sa del alcance de las funciones de la Corte, que generaba frecuentes choques con otros
organismos estatales que sentían invadidas sus órbitas,48 (v) la falta de mecanismos para

46 Aunque la acción de inconstitucionalidad era pública en teoría, en la práctica hacían uso de ella principal-
mente los grupos económicos más poderosos, u otros grupos de presión (cuando ello fuera ventajoso para
sus intereses), demostrando así que el canal jurídico públicamente accesible que había sido diseñado origi-
nalmente se había convertido, de alguna manera, en un instrumento para la promoción de intereses priva-
dos encubiertos (La acción pública de inconstitucionalidad también era utilizada por los estudiantes de
Derecho para cumplir con requisitos académicos de sus cursos de Derecho Constitucional o con sus prácti-
cas de consultorio jurídico y judicatura en derecho público).
47 En consecuencia, varias medidas que hoy en día serían consideradas inaceptables encontraron una toleran-
cia judicial significativa –y sorprendente– (Como ocurrió, por ejemplo, con la represión de protestas por
medio de poderes presidenciales bajo un estado de sitio (decisión del 30 de octubre de 1978, M.P. Luis
Carlos Sáchica Aponte, y del 1º de diciembre de 1986, M.P. Fabio Morón Díaz). Pero tal vez la falla más
protuberante del sistema en este campo era la ausencia de mecanismos e instrumentos adecuados y accesi-
bles para asegurar la protección directa de los derechos fundamentales en situaciones concretas de la vida
cotidiana. La idea misma de derechos fundamentales de aplicación directa era ajena a nuestro sistema de
derecho constitucional, y en consecuencia, a la jurisprudencia de la Corte Suprema (Para un balance de las
decisiones de la Corte Suprema de Justicia sobre derechos fundamentales, en el que se resalta la importan-
cia de la carta de derechos y la acción de tutela que se introdujeron en 1991, se puede consultar: Manuel
José, Cepeda, Los Derechos Fundamentales en la Constitución de 1991, Editorial Temis, Bogotá, 1997).
48 Por ejemplo, cuando la Corte Suprema declaró la inexequibilidad de las reformas constitucionales promo-
vidas por los presidentes Alfonso López Michelsen (Sentencia del 5 de mayo de 1978, M.P. José María
Velasco Guerrero; la reforma constitucional preveía la convocatoria de una Asamblea Constituyente) y
Julio César Turbay Ayala (Sentencia del 3 de noviembre de 1981, M.P. Fernando Uribe Restrepo; la refor-
ma se refería principalmente a las ramas legislativa y judicial), cuando declaró inconstitucional la reforma
tributaria adoptada por el presidente Belisario Betancur en ejercicio de sus poderes bajo un estado de emer-
gencia económica (Sentencia del 23 de febrero de 1982, MM.PP. Ricardo Medina Moyano, Manuel Gaona
Cruz y Carlos Medellín Forero), cuando declaró la constitucionalidad del controvertido “Estatuto de
Seguridad” del presidente Julio César Turbay Ayala (Sentencia del 30 de octubre de 1978, M.P. Luis Carlos
Sáchica Aponte), cuando respaldó la validez de una ley que limitaba la inversión extranjera en el sector
financiero (la controvertida “ley de nacionalización de la banca”) (Sentencia del 16 de junio de 1976, M.P.
Eustorgio Sarria Morcillo), o cuando se declaró competente para examinar la constitucionalidad de las leyes

602
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

armonizar los pronunciamientos de la Corte Suprema y del Consejo de Estado cuando


se contradecían en materias similares49 y (vi) el predominio de un enfoque interpreta-
tivo orgánico – formalista que contribuyó a ampliar la distancia existente entre la
Constitución y la vida sociopolítica de la Nación.50 De estas falencias sobresalía la pre-
caria protección que el juez constitucional le brindaba a los derechos humanos, en
especial frente a las medidas de estado de sitio y en situaciones concretas.51

aprobatorias de tratados internacionales, lo cual condujo eventualmente a la imposibilidad de dar aplica-


ción al tratado de extradición entre Colombia y los Estados Unidos (Sentencia del 12 de diciembre de 1986,
M.P. Jairo Duque Pérez), con serias consecuencias para la fluidez de las relaciones externas colombianas y
para la efectividad de las acciones en contra del crimen organizado internacional.
49 Esto ocurrió, por ejemplo, en relación con los procesos de extradición, que fueron concebidos por la Corte
Suprema como actuaciones de naturaleza administrativa –y, por ende, como procedimientos a ser adelan-
tados en su totalidad por el Ejecutivo-, mientras que el Consejo de Estado consideraba que tenían un com-
ponente judicial que hacía necesaria la opinión previa de la Corte Suprema (Después de que se declaró la
inconstitucionalidad del tratado de extradición entre Colombia y Estados Unidos, y de que fuera asesinado
el candidato presidencial Luis Carlos Galán, el presidente Virgilio Barco expidió un decreto de estado de
sitio autorizando la extradición por vía administrativa. Ver, a este respecto: Virgilio, Barco, Una Nueva
Concepción del Orden Público, Presidencia de la República, Bogotá, 1990). En el mismo sentido, la posibi-
lidad de celebrar un referendo para modificar la Constitución fue aceptada por la Corte Suprema en varias
decisiones, pero rechazada por el Consejo de Estado en la ratio decidendi de una providencia que frenó las
etapas iniciales de un tal referendo en 1988 (En 1988, el Consejo de Estado declaró la inconstitucionalidad
de un acuerdo político firmado por el presidente Barco y el líder de la oposición Misael Pastrana, en el que
los pasos para convocar un referendo para modificar la Constitución fueron delineados. Para mayores detal-
les sobre la forma en que esta decisión contribuyó a crear el contexto en el que se convocó a la Asamblea
Constituyente de 1991, se puede consultar: Manuel José, Cepeda, Introducción a la Constitución de 1991,
Presidencia de la República, Bogotá, 1993).
50 La aproximación formalista de la Corte hacia la protección y la interpretación de los derechos humanos dio
pie a decisiones tales como la providencia de 1978 (Sentencia del 9 de marzo de 1978, M.P. Guillermo
González Charry.) en la que se declaró la constitucionalidad de un decreto legislativo de estado de sitio en
virtud del cual todo acto delictivo cometido por miembros de la fuerza pública estaría justificado, si se
cometía en el curso de operaciones previamente planeadas contra el secuestro y las actividades relaciona-
das con el tráfico de drogas. Varios magistrados expresaron en su salvamento de voto su preocupación sobre
el hecho de que esta disposición exonerante, vaga y abierta, equivalía a una autorización de la imposición
de la pena de muerte de facto por los miembros de las fuerzas armadas.
51 El sistema de control constitucional que operaba antes de 1991 puede también ser evaluado desde una pers-
pectiva distinta. A pesar de la profunda y acelerada transformación del derecho constitucional en los
Estados Unidos y varias democracias europeas durante la segunda mitad del siglo XX, la jurisprudencia
constitucional colombiana pareció quedarse atrás, ignorando los avances obtenidos en otros países. Los
grandes temas del derecho constitucional de Postguerra no inspiraron la reflexión judicial -ni la académi-
ca- en torno a la Constitución de 1886; entre la amplia gama de silencios y omisiones elocuentes que
podrían citarse, son especialmente notorios los que se refieren a la interpretación de los derechos, en par-
ticular el principio de igualdad, la libertad de expresión y la intimidad. Ello puede deberse en parte al hecho
de que bajo la anterior Constitución, la cercana cooperación existente entre las tres ramas del poder públi-
co probablemente inhibió el desarrollo de líneas jurisprudenciales fuertes en este campo. Pero dos factores
adicionales pueden ser mencionados:
(1) El primero se refiere al contexto latinoamericano. El impacto de la oposición entre capitalismo y comu-
nismo en el subcontinente, esto es, la guerra fría y las doctrinas y políticas que la siguieron en el hemisfe-
rio occidental, generaron como resultado una falsa representación y una subvaloración generalizadas del
tema de los derechos humanos, que eran ubicados hacia el lado izquierdo del espectro ideológico. El con-
flicto armado acentuó este efecto nocivo de la guerra fría en Colombia, aunque el país no sucumbió a las
opciones autoritarias de corte militar, como lo hicieron varios países vecinos. Con la Asamblea Consti-

603
Manuel José Cepeda

Al final, estas desventajas demostraron que el sistema colombiano de control


constitucional requería serios ajustes, y muy pocas voces asumieron la defensa del
esquema tal y como estaba formulado.52 Los líderes de los dos principales partidos
políticos, así como las figuras más sobresalientes de sus facciones internas, considera-
ban que dicho sistema se había salido de su cauce. Los sectores progresistas, tales como
las ONGs de derechos humanos y los movimientos obreros, consideraban que la Corte
Suprema había sido demasiado permisiva hacia los abusos de los poderes gubernamen-
tales bajo el Estado de Sitio, mientras que la ciudadanía permanecía indiferente a los
debates técnicos sobre asuntos constitucionales, que resultaban marcadamente irrele-
vantes para su vida ordinaria.
Sin embargo, las razones más poderosas que llevaron a la Asamblea Consti-
tuyente a optar por la creación de un tribunal constitucional independiente y espe-
cializado, no se relacionaban tanto con las controversias del pasado, como con las
necesidades y esperanzas del futuro, especialmente la de asegurar que la nueva
Constitución fuera desarrollada por una Corte nacida dentro del mismo espíritu que
inspiró a los constituyentes de 1991.
La propuesta de crear una Corte Constitucional fue, curiosamente, sólo incluida
en el proyecto de Constitución presentado a la Asamblea por el gobierno del
Presidente Gaviria,53 El Presidente apoyaba activamente su creación, por (i) conside-
raciones prácticas –es decir, la incapacidad material de la Corte Suprema de soportar
el aumento previsible en sus funciones como juez constitucional, ya que ahora estaría
a cargo de revisar todas las decisiones judiciales que protegieran los derechos funda-
mentales mediante el novedoso mecanismo de la acción de tutela-, y (ii) la necesidad
de encomendar a una nueva Corte la misión de preservar el espíritu innovador que

tuyente, los derechos se convirtieron en un asunto de consenso nacional, y su protección efectiva una cues-
tión de interés general, no ideológico.
(2) El segundo se refiere a la influencia prevaleciente de la escuela jurídica francesa. Aunque no cabe duda
de que la cultura jurídica francesa ha inspirado varias instituciones clave y algunas evoluciones importantes
dentro del orden jurídico colombiano, el derecho constitucional francés perdió su preeminencia global luego
de la década de los sesenta. El derecho constitucional francés fue sustituido en varias áreas cruciales, prime-
ro por el derecho constitucional italiano y alemán, y luego por el derecho constitucional español, luego de
la caída de Franco y de la instalación del Tribunal Constitucional. Aunque algunos constitucionalistas fran-
ceses –tales como Louis Favoreu y Olivier Duhamel, entre otros- se dieron cuenta de lo que estaba sucedien-
do y promovieron un progreso radical, no eran tan bien conocidos en Colombia como sus colegas del dere-
cho administrativo, por lo cual su influencia sólo empezó a sentirse después de 1991. Puede consultarse, en
este sentido, Manuel José, Cepeda, Derecho Constitucional Jurisprudencial, LEGIS, Bogotá, 2001.
52 Los miembros de la Corte Suprema, por supuesto, se opusieron, pero con base en argumentos centrados en
el desempeño pasado de la institución como guardiana de la agonizante Constitución de 1886.
53 También existieron serios desacuerdos al interior del gobierno del Presidente Gaviria sobre si el proyecto
que se iba a presentar a la Asamblea Constituyente debía incluir la propuesta de crear una Corte
Constitucional, o si era preferible mantener los poderes de control constitucional en manos de la Corte
Suprema de Justicia. Esta divergencia –que de hecho constituyó la discrepancia interna más intensa dentro
del Gobierno- fue finalmente resuelta por el Presidente Gaviria a favor de la creación de una Corte
Constitucional, en contra de la posición apoyada, entre otros, por su Ministro de Justicia, un exmagistrado
de la Corte Suprema.

604
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

inspiraba la nueva Constitución de tal forma que pudiera desarrollar gradualmente los
contenidos específicos de la Constitución hasta su máxima amplitud, con base en el
origen ampliamente democrático e inclusivo de la Carta Política, y dentro del espíri-
tu de pluralismo, participación, igualdad y respeto por la dignidad humana que la
había inspirado; orientar con autoridad la interpretación, por los jueces de inferior
jerarquía, de las disposiciones constitucionales relativas a los derechos fundamentales;
y adoptar decisiones legítimas y definitivas para resolver disputas de alta trascenden-
cia política sobre el contenido y el alcance de la nueva Constitución. Aunque esta pro-
puesta se encontró con la oposición de algunos sectores conservadores, eventualmen-
te fue aceptada por un corto margen, y así se creó el nuevo tribunal constitucional.54
Un discurso contundente, oportuno y persuasivo por el Presidente Gaviria a los
delegados, en el cual los llamó a redefinir el sistema de control constitucional al que
iban a confiar la preservación de su principal creación, contribuyó a construir las
mayorías indispensables para efectuar este profundo cambio.55 Ello, junto con una

54 Para una comparación entre ciertas votaciones fáciles y otras difíciles en la Asamblea Constituyente, se puede
consultar: Manuel José, Cepeda, La Asamblea Constituyente por Dentro: Mitos y Realidades, Presidencia de
la República, Bogotá, 1993. La idea de crear una Corte encargada de la delicada y crítica función de salvaguar-
dar la integridad y supremacía de la Constitución ya había sido propuesta en varias oportunidades a lo largo
de las cuatro décadas precedentes (Entre las propuestas –fallidas- más notorias para crear un tribunal consti-
tucional independiente, se pueden incluir: (i) la que lanzó el Senador y jurista Carlos Restrepo Piedrahita
durante el proceso de reforma constitucional de 1968, que no obstante dio pie a la creación de una Sala
Constitucional en la Corte Suprema de Justicia (la cual, hasta entonces, había cumplido sus funciones de con-
trol constitucional a través de la Sala Plena, sin que ninguna sala especializada estuviera a cargo de proyectar
las decisiones); (ii) la que se había incluido en la propuesta de reforma constitucional abanderada por el pre-
sidente Alfonso López Michelsen y aprobada por el Congreso en 1976; y (iii) la que se había incluido inicial-
mente en el proceso de reforma constitucional iniciado por el presidente Julio César Turbay Ayala en 1979, la
cual fue rechazada por el Congreso durante la segunda vuelta de los debates correspondientes. Otras figuras
políticas notorias habían lanzados propuestas similares (como hizo el candidato presidencial Álvaro Gómez en
la década de los setenta, y el designado a la Presidencia Darío Echandía en los años cincuenta); sus defensores
la habían promovido con argumentos que iban desde la prevención de un “gobierno de los jueces”, hasta la
designación de expertos en derecho público para llevar a cabo el control constitucional. Sin embargo, desde
los años cincuenta estas propuestas habían sido presentadas simplemente como soluciones a determinados
excesos o deficiencias específicos en el trabajo de la Corte Suprema, y eran ideas meramente ocasionales que
no generaban mayor controversia pública, y rápidamente se desvanecían. A pesar de estos antecedentes, nin-
guno de los partidos y movimientos políticos representados en la Asamblea Constituyente presentó la pro-
puesta de establecer un tribunal constitucional – excepto el Gobierno del Presidente Gaviria. El Ministro de
Gobierno de ese momento, Humberto de la Calle Lombana, también jugó un rol crucial en la defensa de la
propuesta. Los debates relevantes pueden seguirse en la publicación oficial de la Asamblea Constituyente:
Gaceta Constitucional, números 36 (p. 7, 26), 56 (p. 5), 64 (p. 11), 72 (p. 9), 74 (p. 3), 75 (p. 16), 81 (p. 16), 82
(p. 2), 84 (p. 7), 85 (ps. 12, 14), 91 (p. 4), 95 (p. 2), 102 (p. 2), 109 (p. 31), 113 (p. 17), 115 (p. 19), 124 (ps. 3,
12), 127 (p. 32), 135 (p. 7), 137 (p. 4), 141 (p. 10), y 143 (ps. 7, 8).
55 “…Tarde o temprano habrá que responder las siguientes preguntas: ¿En manos de quién va a quedar la
inmensa responsabilidad de interpretar y desarrollar por vía jurisprudencial la nueva Constitución? ¿A
quién le van ustedes a confiar la tarea de impulsar en las próximas décadas las innovaciones constituciona-
les que surgirán del seno de esta asamblea? ¿Quién será el guardián de que esta Constitución nueva perdu-
re y que la adapte a la realidad dinámica de Colombia? Y sobre todo, ¿qué organismo tendrá a cargo la
misión de impedir que cualquier autoridad poderosa mediante leyes, decretos, resoluciones, órdenes u otros
actos o hechos administrativos detenga esta transformación que ustedes impulsan? …Pensemos en el futu-
ro. La nueva Constitución requiere, para su cabal aplicación, un nuevo sistema de control constitucional”

605
Manuel José Cepeda

negociación considerable, llevó a la aprobación final de su creación – por voto secre-


to, con 44 delegados a favor, 26 en contra, y un voto públicamente negativo.56
La Corte Constitucional debe estar compuesta por un número impar de magis-
trados, según determine la ley.57 Actualmente está integrada por nueve magistra-
dos.58 El sistema de nombramiento de sus miembros es radicalmente distinto al
método preexistente de elección de magistrados, que fue modificado para aumen-
tar la representatividad de la Corte, y fortalecer su legitimidad. El sistema de coop-
tación y el requisito de paridad política fueron abolidos por su incompatibilidad
con el espíritu pluralista y abierto de la nueva Constitución; los integrantes de la
Corte no deben ser expertos en derecho público (deben tener diferentes especiali-
dades jurídicas), y ahora son elegidos por el Senado de la República (la cámara del
Congreso, elegida popularmente por circunscripción nacional), entre listas de tres
candidatos elaboradas por la Corte Suprema, el Consejo de Estado y el Presidente
de la República, cada uno de los cuales elabora y presenta tres ternas. Dado que el
Senado es elegido popularmente, los Magistrados resultan nombrados por votación
popular indirecta. Deben cumplir un período no renovable de ocho años, con una
alta independencia de las ramas Legislativa y Ejecutiva del poder público,59 cuyos
miembros tienen períodos de cuatro años.

(En: Manuel José, Cepeda, Los derechos fundamentales en la Constitución de 1991, Editorial Temis, Bogotá,
1997, p. 341).
56 Antonio Navarro Wolff, el líder del M-19 y co-presidente de la Asamblea Constituyente, emitió públi-
camente su voto negativo por las razones simbólicas atinentes a que en 1985 el M-19, siendo grupo
guerrillero, se tomó por asalto el Palacio de Justicia. En la actualidad, como miembro del Congreso, ha
apoyado activamente la existencia y el rol de la Corte Constitucional, como lo hizo cuando fue alcalde
de la ciudad de Pasto.
57 El número de magistrados, su sistema de elección y su período se encuentran regidos por los artículos 239
y 240 de la Constitución.
58 La primera Corte de transición (1992-1993) tenía siete magistrados, nombrados para un período de un
año como sigue: dos por el Presidente de la República, uno por la Corte Suprema de Justicia, uno por
el Consejo de Estado, uno por el Procurador General de la Nación, y dos por estos cinco magistrados,
de entre listas de tres candidatos elaboradas por el Presidente de la República (Artículo Transitorio 22
de la Constitución).
59 La independencia de la Corte Constitucional es garantizada adicionalmente por varias disposiciones
constitucionales específicas. Primero, un principio general de independencia que obedece a una tradición
de cincuenta años. Segundo, la autonomía financiera, ya que su presupuesto es presentado e implemen-
tado por otro organismo judicial (el Consejo Superior de la Judicatura). Tercero, los magistrados no pue-
den ser nombrados por el Ejecutivo para ningún cargo gubernamental, sino hasta un año después de su
retiro de la Corte. Cuarto, la remuneración de los magistrados debe aumentar al mismo ritmo que el pro-
medio de los incrementos anuales de todos los servidores públicos. Quinto, los magistrados no pueden
aceptar nombramientos para cargos, recompensas ni honores por parte de gobiernos extranjeros u orga-
nizaciones internacionales, ni pueden celebrar contratos con ellos sin autorización previa (artículo 129
de la Constitución). Sexto, a los Magistrados les está prohibido celebrar contratos ex parte. Séptimo, la
Corte Constitucional adopta sus propias reglas de procedimiento interno. Octavo, los Magistrados no
pueden ser destituidos ni suspendidos de sus cargos, a menos que tales medidas sean adoptadas luego de
un juicio político por el Congreso de la República –una vez el Senado acepte una acusación formal por la
Cámara de Representantes en pleno.

606
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

Un nuevo sistema de control constitucional para una nueva


Constitución. La importancia de la acción de tutela para el goce
efectivo de los derechos fundamentales

Además de la creación de la Corte Constitucional,60 encargada de preservar la


integridad y la supremacía de la Constitución, la Asamblea Constituyente de 1991
introdujo otros cambios al sistema preexistente de control constitucional, para corre-
gir sus disfuncionalidades y adaptarlo a la nueva Carta y los retos que planteaba. Estos
ajustes pueden agruparse en cuatro categorías amplias: (i) una expansión del sistema
de control constitucional en casos concretos a través de la acción de tutela, (ii) una
extensión del sistema de control constitucional de oficio hacia nuevos tipos de nor-
mas, y una definición más precisa de los tipos de actos y decisiones sujetos al examen
de la Corte;61 (iii) una ampliación general del campo de aplicación de la acción públi-

60 Una serie de mecanismos e instituciones innovadores fueron introducidos con miras a garantizar que la
nueva Constitución, en particular su generosa Carta de Derechos, trascendiera el ámbito de las palabras para
permear directamente la realidad social. Este sistema de aplicación de la Constitución habría de estar com-
puesto de nuevos organismos, nuevos procedimientos y nuevos criterios para orientar la interpretación
constitucional: (i) se crearon nuevas entidades públicas, con las misiones específicas de salvaguardar la inte-
gridad y supremacía de la Carta Política –la Corte Constitucional (Título VIII, Capítulo 4 de la
Constitución)–, o promover y proteger los derechos fundamentales –tales como la Defensoría del Pueblo
(Artículos 281-283 de la Constitución)–; (ii) se introdujeron nuevos procedimientos para proteger distintos
tipos de derechos e intereses amparados por la Constitución, incluyendo aquellos diseñados para proteger
derechos fundamentales –acción de tutela (Artículo 86 de la Constitución) -, para ordenar a las autoridades
administrativas que cumplan con sus cometidos propios en situaciones específicas –acción de cumplimien-
to (Artículo 87 de la Constitución) -, para proteger derechos colectivos –acción popular (Artículo 88 de la
Constitución) -, y para garantizar los derechos de grupos sociales específicos –acción de grupo (Id)-; adicio-
nalmente, la Constitución dejó abierta la puerta para que el Congreso creara cualquier otro mecanismo o
procedimiento que considerara apropiado para resguardar los derechos constitucionalmente protegidos
(Artículo 89 de la Constitución); y (iii) nuevos criterios para orientar la interpretación de la Constitución,
que no fueron adoptados inicialmente por la Asamblea Constituyente (La propuesta de nueva Constitución
presentada por el Presidente Gaviria a la Asamblea Constituyente incluía algunos de esos criterios. En este
sentido, se puede consultar: “Proyecto de Acto Reformatorio de la Constitución Política” (Presidencia de la
República, Bogotá, 1991). Sin embargo, dos criterios sugeridos por el Gobierno sí fueron incluidos expresa-
mente en la Constitución: la aplicación directa e inmediata de ciertos derechos (aunque la lista finalmente
adoptada por la Asamblea es incompleta y antitécnica – ver Artículo 85 de la Carta), y la proporcionalidad
en el marco de los estados de excepción (art. 214, C.P.)) (y por ende no fueron incluidos en el texto cons-
titucional), pero que han sido desarrollados y aplicados por la Corte Constitucional, incluyendo los crite-
rios de proporcionalidad, razonabilidad, protección del “núcleo esencial” de los derechos fundamentales,
aplicación directa de derechos constitucionales incluso en ausencia de regulaciones legales que los desa-
rrollen, y referencia obligatoria a los tratados internacionales en relación con la interpretación de los dere-
chos fundamentales (este último criterio sí fue incluido en el artículo 93 de la Carta).
61 Bajo la Constitución de 1886, este procedimiento de revisión estaba restringido a los decretos expedidos
bajo estados de sitio o de emergencia económica, y se llevaba a cabo después de su promulgación. Hoy en
día, además de (i) los decretos adoptados bajo cualquiera de los “estados de excepción”, la Corte
Constitucional debe llevar a cabo un control automático de los siguientes tipos de normas: (ii) todas las leyes
que aprueban tratados internacionales, así como los tratados en sí mismos, que después de ser aprobados por
el Congreso son revisados por la Corte antes de que el Ejecutivo pueda ratificarlos; (iii) las leyes estatuta-

607
Manuel José Cepeda

ca de inconstitucionalidad; y (iv) la adopción de medios para contextualizar el control


constitucional abstracto de las leyes.62
De estas innovaciones cabe resaltar la creación de la acción de tutela. El control
constitucional en casos individuales y específicos, o “control constitucional concreto”,
fue expandido sustancialmente en 1991 con la creación de esta acción,63 mecanismo
judicial para la protección rápida de derechos fundamentales64 que ha tenido gran
impacto y ha sido calificado como herramienta de paz.
La acción de tutela permite a cualquier persona cuyos derechos fundamentales
sean amenazados o violados solicitar a cualquier juez con jurisdicción territorial, sin
formalidades de ningún tipo, que proteja sus derechos, y preserve así la integridad de
la Constitución en esa situación particular. Los ciudadanos pueden presentar peticio-
nes respetuosas en este sentido, sin necesidad de contratar un abogado, ante cualquier
juez individual del país, el cual quedará legalmente obligado resolver este tipo de peti-
ciones en forma prioritaria frente a cualquier otro asunto que se tramite ante su des-
pacho. Los jueces tienen un término estricto de diez días para adoptar una decisión y,
cuando sea apropiado, emitir una orden que debe ser cumplida en forma inmediata y
obligatoria por su(s) destinatario(s). Es digno de mención el hecho de que el proceso
de tutela faculta a los jueces para ordenar la adopción de cualquier medida que sea
necesaria para proteger los derechos fundamentales amenazados, incluso antes de

rias –esto es, las leyes que regulan ciertos temas específicos enumerados en a Constitución, tales como los
derechos fundamentales, los mecanismos de participación, los estados de excepción, la Administración de
Justicia y otros temas importantes, que se consideran mejor protegidos dado el procedimiento especial de for-
mación de las leyes estatutarias, las cuales son revisadas por la Corte antes de que el Presidente las sancione–;
(iv) las leyes que convocan a una asamblea constituyente o a un referendo para modificar la Constitución,
que sólo pueden ser revisadas en cuanto a su validez procedimental; (v) los referendos celebrados para apro-
bar o derogar leyes, así como otros mecanismos de participación democrática, tales como las consultas popu-
lares nacionales o los plebiscitos nacionales (estos últimos sólo en relación con su validez formal).
62 La Corte tiene amplio acceso a cualquier fuente de información especializada que pueda contribuir a la
adopción de sus decisiones, incluida la posibilidad de solicitar opiniones expertas a individuos, universida-
des u organizaciones – una alternativa ampliamente utilizada cuando se requieren datos técnicos o valora-
ciones profesionales. La Corte también puede tener en cuenta la opinión de los Ministros del Gabinete, a
quienes se notifica toda acción pública de inconstitucionalidad, y convocar audiencias públicas para enri-
quecer sus decisiones con información sobre el contexto socio-político del tema a decidir. La introducción
de medios para estimular la participación de expertos, organizaciones sociales y funcionarios públicos en el
proceso de control constitucional también buscaba traer a la atención de la Corte los hechos y las percep-
ciones conflictivas de la realidad social, para así ayudarle al tribunal a cumplir con su función de evaluar la
constitucionalidad de las normas en el contexto real del país.
63 Artículo 86 de la Constitución.
64 El control constitucional concreto también fue ampliado a través de la creación de otros tres tipos de accio-
nes judiciales diseñadas para proteger tipos específicos de derechos o intereses: la acción de cumplimiento
(creada para exigir a los funcionarios públicos administrativos el cumplimiento de sus deberes legales en
casos particulares), la acción popular (creada para proteger derechos e intereses colectivos tales como el
medio ambiente o el patrimonio cultural), y la acción colectiva o de grupo (similar a las “acciones de clase”
–class actions- de los sistemas de derecho consuetudinario o common law). Sin embargo, los principales
pronunciamientos de la Corte en relación con el control constitucional concreto han sido adoptados en
relación con el primero de estos mecanismos, la acción de tutela.

608
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

proferir una sentencia definitiva, de conformidad con las necesidades de cada situa-
ción concreta. Adicionalmente, cualquier decisión de tutela puede ser revisada por la
Corte Constitucional, que seleccionará aquellas que considere necesario corregir, o
que sean pertinentes para el desarrollo de su propia jurisprudencia, y proferirá el fallo
correspondiente. Salvo por las decisiones en las que la Corte busca unificar su doctri-
na sobre un tema específico, que se conocen como “SU” (Sentencias de Unificación) y
son adoptadas por la Sala Plena, las sentencias son proferidas por Salas de Revisión
compuestas de tres magistrados cada una, en orden alfabético; hay nueve Salas de
Revisión, cada una de las cuales es presidida por uno de los nueve magistrados.65
El acceso de los ciudadanos al sistema de control constitucional también es fácil
para pedir el control abstracto de normas. La acción pública de inconstitucionalidad
preexistente no solo se mantuvo sino que su alcance fue ampliado significativamente
en 1991. La acción pública de inconstitucionalidad puede ser ejercida por cualquier
ciudadano - con pocas formalidades, sin tener que actuar por medio de un apoderado,
y sin el deber de demostrar un interés jurídico específico en el tema objeto de la
demanda– contra las leyes, las reformas constitucionales (en relación con su validez
procedimental), y los decretos expedidos por el Gobierno en ejercicio de poderes
legislativos delegados. Las leyes anteriores a 1991 que aprueban tratados internacio-
nales también pueden ser demandadas por esta vía,66 pero no las leyes expedidas con
el mismo fin después de 1991 (éstas se someten a control automático por la Corte
desde antes de su promulgación).
Colombia tiene el sistema de control constitucional más abierto y de más fácil
acceso que existe en occidente. En resumen, según el artículo 241 de la Constitución,
existen cuatro mecanismos de acceso a la Corte: (i) la acción pública de inconstitucio-
nalidad, abierta a todo ciudadano, que puede dirigirse en contra de cualquier ley, refor-
ma constitucional, o decreto expedido por el Presidente de la República en ejercicio de
funciones legislativas delegadas;67 (ii) el control oficioso de cierto tipo de disposicio-
nes, principalmente de los decretos presidenciales expedidos bajo los estados de excep-
ción –o declarándolos-, las leyes que convocan a un referendo constitucional o a una
asamblea constituyente, las leyes que aprueban los tratados internacionales y las leyes
estatutarias; (iii) la revisión de los proyectos de ley en calidad de árbitro, cuandoquie-
ra que el Congreso rechaza las objeciones presidenciales formuladas contra tales pro-

65 El Decreto Legislativo 2591 de 1991 regula la acción de tutela. El Decreto Legislativo 2067 de 1991 regula
el procedimiento para el control constitucional abstracto de las leyes. La Ley Estatutaria 270 de 1996 regu-
la la organización y el funcionamiento de la Administración de Justicia, e introdujo algunas reformas a los
decretos citados.
66 Sentencia C-400 de 1998, M.P. Alejandro Martínez Caballero (salvamentos de voto por los Magistrados
Vladimiro Naranjo Mesa, Hernando Herrera Vergara y José Gregorio Hernández Galindo).
67 La Corte también puede revisar los referendos legislativos, las consultas populares y los plebiscitos, estos
últimos únicamente en relación con su validez formal. Pero hay debate en torno a si estos deben ser revi-
sados en forma oficiosa, o sólo cuando se ha presentado una demanda de inconstitucionalidad en su contra
(art. 241-3 de la Constitución).

609
Manuel José Cepeda

yectos por motivos de inconstitucionalidad; y (iv) la revisión discrecional de cualquier


sentencia de tutela proferida por cualquier juez del país. Los primeros tres mecanismos
activan el sistema de control constitucional abstracto; el cuarto activa el mecanismo de
control constitucional en casos concretos en los cuales se alegue que cualquier autori-
dad publica, así como los particulares en situación especial de poder, amenazaron o
violaron un derecho fundamental, concepto interpretado en sentido amplio por la
Corte Constitucional para proteger algunos derechos sociales y colectivos.
No debe causar sorpresa, entonces, que la Corte haya adoptado miles de decisio-
nes en las que se ha pronunciado sobre la mayor parte de los aspectos de la diversa y
compleja realidad colombiana. Para efectos de apreciar la magnitud y la influencia de
su trabajo, es pertinente efectuar una breve presentación de (i) algunos aspectos cuan-
titativos de su desempeño durante la última década, y (ii) recordar sus decisiones más
polémicas. Previamente, se hará lo mismo con la actividad y las sentencias de la Corte
Suprema de Justicia entre 1886 y 1991.

III. La efectividad del principio de sometimiento a la Constitución:


la contribución del poder judicial a la estabilidad de las instituciones
democráticas colombianas

Si bien la Constitución de 1991 ha sido tomada muy en serio por el juez consti-
tucional, la Constitución de 1886 distó mucho de ser una Constitución de papel.

Cien años de ejercicio del poder de control constitucional: un


panorama global de la actividad de la Corte Suprema de Justicia

Es cierto que la jurisprudencia de la Corte Suprema de Justicia entre 1886 y 1991


fue demasiado deferente frente al poder presidencial, poco sensible al desarrollo de los
derechos constitucionales y se quedó rezagada, tanto respecto de la evolución del
derecho constitucional en occidente durante la segunda postguerra como ante las
expectativas de numerosos grupos sociales que dejaron de ver en la Constitución una
garantía de que sus peticiones serían escuchadas. También es verdad que estas falen-
cias que se acumularon a lo largo de un siglo, pudieron ser superadas en tan solo una
década por la Corte Constitucional.
No obstante, la Corte Suprema de Justicia cumplió una tarea meritoria durante
cien años, la cual no ha sido adecuadamente valorada.

Una visión cuantitativa

Empecemos por las estadísticas. Entre 1886 y 1991 la Corte Suprema profirió
2496 sentencias como juez constitucional, sin contar los fallos de simple cosa juzgada.

610
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

Durante los 104 años en que ejerció efectivamente el poder de revisar la constitu-
cionalidad de normas, la Corte profirió 24 sentencias por año en promedio. Su carga de
trabajo creció en las últimas décadas en que ejerció dicho poder. En los 16 años com-
prendidos entre la terminación formal del Frente Nacional y la expedición de la
Constitución de 1991 (1975-1991), la Corte Suprema profirió cerca de 94 sentencias por
año. Desde que se inició el período de “La Violencia” hasta 1991, profirió 2085 senten-
cias, es decir, un promedio de 48 sentencias por año. Lo anterior significa que tan solo
el 16% de las sentencias de la Corte Suprema (411 fallos) como juez constitucional, fue-
ron proferidas entre 1887 y 1948. O sea, cerca de 7 sentencias por año en promedio.
Los actos sometidos con mayor frecuencia a control de la Corte Suprema de
Justicia fueron los decretos legislativos dictados al amparo de los estados de excepción
y de las leyes de facultades extraordinarias. 1489 sentencias versan sobre este tipo de
decretos, es decir, el 60%. Sin embargo, a pesar de que los decretos legislativos gene-
ralmente representan limitación de derechos o ejercicio presidencial de competencias
usualmente asignadas al Congreso de la República, solo en el 25% de las sentencias
hubo un pronunciamiento de inconstitucionalidad. El 60% de las sentencias sobre este
tipo de decretos encontraron las normas ajustadas a la Constitución. Donde la Corte fue
menos deferente, fue en el control de los proyectos de ley objetados por el Presidente
por razones de inconstitucionalidad. Aunque fueron relativamente pocas las sentencias
en estos casos (79), en el 71% de los fallos se declaró alguna inexequibilidad.
Cabe subrayar que las sentencias de inconstitucionalidad, vistas en conjunto,
representan una proporción elevada del total de fallos. Esto indica que la Corte Suprema
de Justicia en muchos casos tomó posiciones independientes frente a los poderes públi-
cos y a las fuerzas políticas predominantes. Del total de sentencias, un poco más de la
cuarta parte fueron de inexequibilidad. No es despreciable que más de la mitad de ellas
hayan recaído sobre decretos legislativos. Por otra parte, a lo largo del siglo, en 187 sen-
tencias se declaró inconstitucional, en todo o en parte, la norma de la ley acusada por
algún ciudadano. De tal manera que la quinta parte de las acciones públicas de incons-
titucional condujeron a un fallo favorable a lo pedido por los ciudadanos.
Resulta interesante observar la distribución de los fallos de inconstitucionalidad
a lo largo del siglo. Para ello las sentencias han sido agrupadas por periodos, tomando
como límites los momentos claves del desarrollo constitucional. También se separa
expresamente el periodo de “La Violencia” (1948-1953). Vale la pena resaltar un dato
sorprendente: entre 1886 y 1910, el 71% de las sentencias fueron de inconstitucionali-
dad. Ello muestra que desde sus inicios a finales del siglo XIX, el principio de someti-
miento a la Constitución fue aplicado de manera efectiva por la Corte Suprema.
Posteriormente se aludirá a los casos en que ello sucedió y se indicarán las controver-
sias sobre las cuales no pudo pronunciarse en razón a que durante dicho periodo sólo
estaba previsto el control previo de los proyectos de ley. También cabe anotar que en
todos los periodos anteriores a “La Violencia” el porcentaje de decisiones de inconsti-
tucionalidad supera el promedio del siglo. No debe sorprender que durante la dictadu-

611
Manuel José Cepeda

ra (1954-1957) se registra el porcentaje más bajo de decisiones de inconstitucionalidad.


Pero sí es inusual que durante un gobierno militar el juez constitucional haya conti-
nuado ejerciendo sus atribuciones (profirió 53 sentencias) y hayan sido invalidadas
normas. Durante este periodo 37 decisiones controlaron decretos legislativos (el 60%
del total de decisiones) y 5 de ellas fueron pronunciamientos de inconstitucionalidad
(el 83% del total de decisiones de inconstitucionalidad). No obstante, tan solo en una
de estas decisiones fue declarado inconstitucional un artículo contenido en un decreto
dictado durante el gobierno militar.68 Las demás sentencias de inconstitucionalidad
versaron sobre leyes y decretos anteriores a 1954, lo cual no le resta importancia a algu-
nas de ellas como la referente al cuociente electoral y al llamado “arrastre”.69
Durante “La Violencia” el número de sentencias (39) fue especialmente bajo. No
obstante, lo más significativo desde el punto de vista de la continuidad del ejercicio del
poder judicial aún en las situaciones más críticas, es que a lo largo de dicho periodo la
Corte Suprema funcionó, declaró inconstitucionales cuatro normas legales vigentes y
cuatro proyectos de ley. Como ya se dijo, la Corte Suprema no se pronunció sobre
decretos legislativos abiertamente inconstitucionales como el que suspendió las sesio-
nes del Congreso, de las Asambleas Departamentales y los Concejos Municipales.
Durante ese periodo ninguno de los 10 fallos relativos a decretos legislativos dictados
por el Presidente concluyó en un pronunciamiento de inconstitucionalidad.70
Es importante, finalmente, resaltar que a partir de la introducción de la acción
pública de inconstitucionalidad la carga de trabajo de la Corte Suprema de Justicia
aumentó considerablemente. Profirió 247 sentencias entre 1911 y 1936, es decir, un
promedio de 10 sentencias por año, lo cual contrasta con el promedio de los años ante-
riores a 1910 (menos de 1 por año).
Aunque se ve una tendencia al incremento en el número de inexequibilidades a
partir de 1970, en ningún año las sentencias de inconstitucionalidad llegaron a 45. El
pico se presentó en 1983. A la luz de la tendencia en la época, sobresale un año en el
cual hubo un aumento inusitado en las inexequibilidades: 1913, o sea, tres años des-
pués de la introducción de la acción pública de inconstitucionalidad.

68 Sentencia de marzo 21 de 1955, Gaceta Judicial, LXXXIV, pág. 27. Se trataba del artículo 4 del Decreto 251
de 1954. La Corte consideró que era inconstitucional modificar los requisitos para acceder a una asignación
de retiro de los miembros de la fuerza pública en perjuicio de los derechos adquiridos.
69 Una de estas sentencias fue especialmente importante. En 1955 la Corte Suprema declaró inconstituciona-
les las normas de la Ley 39 de 1946 (artículo 1 inc. 3 y 4) que establecían el sistema de acumulación de los
votos de los residuos menores que no recibieron curul a las listas que hubieren alcanzado más votos siem-
pre que pertenecieran al mismo partido. Sentencia de 14 de septiembre de 1955, Gaceta Judicial, Tomo
LXXXI, pág. 596. En esa misma sentencia la Corte declaró exequible el método del cociente electoral.
70 Dentro de los fallos de inconstitucionalidad cabe mencionar dos: el que invalidó una norma legal que hacía
efectivo los aumentos en las dietas y en los viáticos de los congresistas en la misma legislatura en que fue
votado (sentencia de noviembre 30 de 1950 Gaceta Judicial, Tomo LXVIII, pág. 519); así como la sentencia
en la cual se declaró inconstitucional una norma que facultaba al Presidente para nombrar los empleados
de inmediata dependencia del Procurador General (sentencia de enero 15 de 1953, Gaceta Judicial, Tomo
LXXIV, pág. 3).

612
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

Esta visión cuantitativa de la actividad de la Corte Suprema de Justicia, presen-


tada con el fin de valorar en su cabal dimensión el ejercicio del poder judicial de revi-
sar la constitucionalidad de las normas para defender la supremacía de la
Constitución, es insuficiente. Por eso, se resaltarán a continuación algunos fallos,
obviamente sin entrar en detalles y sin la pretensión de cubrir todos los más impor-
tantes, ni mucho menos de ser exhaustivos.

Una muestra de fallos especialmente significativos

Para exaltar los fallos especialmente significativos de un siglo de jurisprudencia


constitucional, es pertinente tomar tres criterios. Estos se pueden resumir en las
siguientes preguntas: a) ¿Cuándo fue la primera vez que la Corte Suprema de Justicia
declaró inconstitucional una norma y qué sucedió después de esta decisión? b) ¿Si se
toma en cuenta la expansión del poder de la Corte, cuáles fueron los hitos en el ejer-
cicio de sus competencias? y c) Cuáles fueron las sentencias que suscitaron mayor
polémica en perspectiva histórica?

La primera sentencia de inconstitucionalidad y otros fallos


sorprendentes (1887-1910)

La respuesta a la primera pregunta es particularmente ilustrativa de la adhesión


de Colombia a la idea moderna del constitucionalismo. Tempranamente en nuestra
tradición republicana la Corte Suprema de Justicia invalidó con efectos erga omnes
una norma legal mediante el ejercicio de control previo sobre un proyecto de ley obje-
tado por el Presidente. Se trata de una sentencia poco citada a pesar de ser un hito en
la construcción del estado constitucional. Así como en los Estados Unidos la Corte
Suprema declaró por primera vez inconstitucional una norma adoptada por el
Congreso a principios del siglo XIX, en el famoso caso Marbury v. Madison (1803), en
Colombia esto sucedió a finales de dicho siglo, en 1887, en lo que podría denominar-
se el caso de la pensión de O’Levy.71
El proyecto de ley objetado había sido expedido por el Consejo Nacional de
Delegatarios, actuando ya no como cuerpo constituyente sino como órgano legislati-
vo. En él se concedió a la viuda y a las hijas del sargento mayor Ricardo O’Levy una
pensión mensual de cincuenta pesos a cargo del tesoro público. Dos días después de
aprobado, el Ejecutivo objetó el proyecto de ley por inconstitucional. Prontamente el
Consejo de Delegatarios declaró infundadas las objeciones y le devolvió el proyecto al
Presidente para que se lo remitiera a la Corte Suprema de Justicia. A pesar de que el
conflicto se planteó en febrero, sólo hasta finales de junio del mismo año el ministro

71 La sentencia lleva el nombre de acuerdo como se usaba en la época para las decisiones del pleno en estas
materias. Se trata del Acuerdo Nº 45 adoptado el 6 de julio de 1887. Gaceta Judicial, Tomo I, pág. 235.

613
Manuel José Cepeda

del tesoro envío el proyecto a la Corte para que ella se pronunciara sobre su constitu-
cionalidad. La remisión se realizó por fuera del término establecido en la Ley 61 de
1886 para el efecto. En la audiencia convocada por la Corte, el miembro del Consejo
de Delegatarios que representó al cuerpo legislativo trató de impedir que la Corte se
pronunciara de fondo, seguramente temiendo que le diera la razón al Presidente.
Sostuvo que al haber sido enviado extemporáneamente el proyecto de ley a la Corte,
había “caducado la jurisdicción” de ésta para decidir. Los temores del delegatario no
eran infundados. La Corte le dio la razón al Presidente de la República y declaró
inconstitucional el proyecto porque la pensión concedida había violado la prohibición
constitucional de que el Congreso decretara a favor de una persona pensiones que no
estén destinadas a satisfacer derechos reconocidos con arreglo a ley preexistente (artí-
culo 78, num. 5). La prohibición buscaba impedir el otorgamiento de pensiones lla-
madas “gratuitas”. La Corte concluyó que la pensión decretada para O’Levy no era
remuneratoria a pesar de haber sido ascendido en los grados militares y “haber muer-
to de muerte natural estando en servicio de guarnición”, porque no había ley preexis-
tente aplicable ni se ajustaba a las condiciones generales de las leyes sobre la materia.
En uno de los pasajes de la sentencia la Corte Suprema defiende vehementemen-
te la vigencia del régimen constitucional e inclusive la integridad del poder legislati-
vo frente al ejecutivo. Sostuvo la Corte que de aceptarse el argumento del delegatario
que le pedía que se declarara incompetente para conocer del proyecto, se violaría el
principio según el cual “el ejercicio de la facultades inherentes a la soberanía nacio-
nal, en todos sus ramos y manifestaciones, no prescribe, sino tratándose de derecho
penal”. Agregó que la demora del ministro del tesoro “a lo más podrá aparejar respon-
sabilidad a dicho funcionario, pero no embaraza las atribuciones de este Supremo
Tribunal para dictar la resolución respectiva” sobre la validez del proyecto. Y en una
frase relativa a la supremacía de la Constitución que los jueces debían defender dijo:
“Si la Corte se declarara sin jurisdicción en un caso como el presente, la ley acusa-
da quedaría sin efecto (puesto que no había sido sancionada por el Presidente); pero
también quedaría establecido el más pernicioso antecedente en contra del régimen
constitucional, pudiéndose después anular el Poder Legislativo, con sólo retardar la pre-
sentación a la Corte de un proyecto objetado” (agregado y subrayado fuera de texto).
Uno de los siete magistrados salvó el voto.72 En su lenguaje fuerte se trasluce su
inquietud acerca de sí después de este fallo el poder ejecutivo volvería a enviar, así
fuere de manera extemporánea como en este caso, los proyectos de ley que hubiere
objetado de inconstitucionalidad. Advirtió que el Presidente no volvería a exponerse
a que la Corte Suprema de Justicia obrara como árbitro, ya que si no remitía el pro-
yecto después de la insistencia del Congreso en todo caso éste nunca podría entrar en

72 Los siete magistrados eran R. Antonio Martínez (Presidente), José María Samper (Vicepresidente), Manuel
J. Angarita, Francisco A Fernández, Antonio Morales, Benjamín Noguera y Manuel A Sanclemente.
Actuaba como Secretario Ramón Guerra A.

614
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

vigor por carecer de la sanción presidencial. Por eso, concluyó, ante la actuación
extemporánea del ministro, que “es preferible que este respetable Tribunal llamé la
atención pública sobre la violación de la ley por parte del Gobierno”73, en lugar de
haberse pronunciado de fondo.
En conclusión, en la primera oportunidad que se le presentó a la Corte Suprema
de Justicia para obrar como juez constitucional ésta profirió una sentencia de incons-
titucionalidad, defendiendo la supremacía de la Constitución y el sometimiento del
poder al derecho. El hecho de que se le hubiere dado la razón al Presidente no le resta
trascendencia histórica a esta sentencia. Es más, como se ha resaltado hasta la sacie-
dad en el célebre caso Marbury v Madison, la Corte Suprema de los Estados Unidos
también llegó a un resultado favorable al más poderoso en la coyuntura política, lo
cual ha sido exaltado como una jugada maestra para afirmar el poder judicial de inter-
pretar la Constitución con autoridad frente todas las ramas del poder público, sin que
este paso gigante despierte la furia del poder.74
También se recuerda frecuentemente la prudencia con la cual la Corte Suprema
Norteamérica ejerció inicialmente esta facultad, puesto que pasaron cinco décadas antes
de que volviera a declarar inconstitucional una ley en el caso Dred Scott, donde deplo-
rablemente falló a favor de los esclavistas, lo cual contribuyó a desatar la guerra de sece-
sión.75 No sucedió lo mismo en Colombia. Después de la primera inexequibilidad no
hubo un prolongado silencio. Tan sólo doce años después, en 1898, cuando por segun-
da vez se le presentó la oportunidad de controlar la constitucionalidad de un proyecto
objetado, la Corte Suprema de Justicia volvió a declarar inexequibles las normas.76
El caso también versó sobre una pensión. En este evento se trataba de un traspa-
so de la que disfrutaba un coronel, a su viuda. La objeción también se basó en la pro-
hibición constitucional de que el Congreso decretara pensiones gratuitas. La Corte
sostuvo que las pensiones y recompensas por servicios prestados a la República eran
esencialmente personales y por lo mismo intrasmisibles, ya que son “una gracia que la
Nación concede”. Además, estimó que detrás del vocablo traspaso de pensión se
escondía “la esencial legal de las cosas”: “se ha tratado de crear una nueva pensión” a
favor de la viuda. Nadie salvó el voto. Tampoco se extiende la Corte en reafirmar la
supremacía de la Constitución. Ese mismo año se profieren otras dos sentencias, tam-
bién de inexequibilidad e igualmente sobre la violación de la misma prohibición cons-
titucional.77 En estas dos sentencias dos magistrados salvaron el voto puesto que esti-
maron que los familiares de los militares pensionados no estaban recibiendo una gra-

73 Salvamento de voto de Manuel J. Angarita.


74 Nelson, William E. Marbury v. Madison: The Origins and Legacy of Judicial Review. University Press of
Kansas, Kansas, 2000.
75 Dred Scott v Sanford, 60 U.S. 307, (1857).
76 Acuerdo Nº 853 del 12 de diciembre de 1898. Gaceta Judicial, Tomo XII, pág. 377.
77 Acuerdos Nº 584 y 585 del 12 de diciembre de 1898. Gaceta Judicial, Tomo XII, pág. 378 y 379 respectiva-
mente.

615
Manuel José Cepeda

cia, sino que como deudos tenían derecho a recibir la pensión de conformidad con las
leyes expedidas sobre la materia en 1890.78
Ante la frecuencia de inexequibilidades, es pertinente advertir que la primera
sentencia en la cual se declaró exequible el proyecto de ley controlado fue en 1909.
Se trataba también de una pensión, pero la Corte Suprema estimó que esta vez el caso
era distinto. Después de explicar la jurisprudencia sobre el tema, concluyó que en este
caso se había aplicado otra norma constitucional que permite rendir honores a perso-
nas ilustres. La dificultad del caso residió en que el homenajeado falleció antes de que
el proyecto de ley hubiere sido votado y, por lo tanto, la pensión fue asignada a sus
deudos. La Corte afirma que en materia de honores públicos la atribución del
Congreso es “alta e ilimitada” y que todo honor “implica erogaciones del tesoro”. Cabe
preguntarse si la decisión de la Corte hubiere sido la misma si el homenajeado no
hubiere sido Miguel Antonio Caro,79 expresidente y principal inspirador de la
Constitución de 1886.
No obstante, antes de ese año, en 1900, se declaró exequible un decreto de carác-
ter legislativo dictado por el Vicepresidente de la República, José Manuel Marroquín
encargado del poder ejecutivo, en reemplazo del Presidente Manuel Antonio
Sanclemente. Esta sentencia80 tiene tres peculiaridades desde el punto de vista histó-
rico. Primero, fue proferida en medio del conflicto entre estos dos personajes de la
historia nacional, que reflejó una crisis debido tanto al enfrentamiento entre dos fac-
ciones del partido conservador como a la guerra partidista “De los Mil Días”. Segundo,
la sentencia no recae sobre un proyecto de ley, que era el tipo de acto sobre el cual
tenía competencia la Corte Suprema según la Constitución vigente, sino sobre un
decreto presidencial que ya estaba en vigor y que tenía fuerza de ley. Ejerció enton-
ces la Corte Suprema un control posterior, respecto de una norma que ya había ingre-
sado al ordenamiento jurídico. Tercero, como no existía la acción pública de incons-
titucionalidad, la Corte asumió de oficio el conocimiento de la constitucionalidad del
decreto. La Corte argumentó que “para poder dar cumplimiento a este decreto, es pre-
ciso resolver antes sobre su exequibilidad”.
La guerra de los Mil Días había estallado el año anterior (17 de Octubre de 1899).
Para el periodo 1898-1904 había sido elegido Presidente Manuel Antonio
Sanclemente, en representación de una de las facciones conservadoras (los nacionalis-
tas), y Vicepresidente José Manuel Marroquín, en representación de la otra (los his-
tóricos). El Presidente tenía para entonces 85 años y su estado de salud hacia aconse-
jable que no gobernara desde Bogotá. Tardó en posesionarse y por eso el
Vicepresidente ejerció el Poder Ejecutivo del 7 de Agosto al 3 de Noviembre. Cuando
Sanclemente decidió posesionarse, por la insistencia de Miguel Antonio Caro, quienes
apoyaban a Marroquín, (los liberales unidos a los históricos) trataron de impedirlo.

78 Salvamento de voto de los magistrados Luis M Isaza y Jesús Casas Rojas.


79 Acuerdo 57 de 1909, Gaceta Judicial XVIII, pág. 305. El fallo fue unánime.
80 Acuerdo 865 de septiembre 21 de 1900, que revisó el Dec. Leg. 46 de 1900. T. 14 P. 257.

616
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

Los magistrados de la Corte Suprema de Justicia decidieron, “exponiéndose al peligro


que amenazaba”,81 darle posesión para asegurar la estabilidad del poder legítimo y “el
imperio de la Constitución”.82 No obstante, ocho meses después, el 31 de Julio de
1900, Sanclemente fue recluido con su familia en la morada desde la cual ejercía la
Presidencia, en Villeta. Allí murió en 1902. Los militares insurrectos llamaron al
Vicepresidente Marroquín a ejercer el poder ejecutivo, el cual aceptó, sin tomar pose-
sión ante la Corte Suprema. Así el golpe de estado en medio de la guerra quedó con-
sumado. Marroquín dictó varios decretos legislativos de estado de sitio, entre ellos
uno sobre términos judiciales en Agosto en ese año. La Corte Suprema tenía que deci-
dir si cumplía o no el decreto expedido por un Presidente encargado, que no se había
posesionado ante ella y que había asumido el poder después de un golpe de cuartel,
así hubiere sido elegido legítimamente Vicepresidente de la República.
En ese contexto, se profirió la primera sentencia sobre la validez de una norma
legal en vigor y con alcances políticos claros en medio de un conflicto armado y una
tormenta política. La Corte se dividió 4 contra 3. Si bien todos los magistrados estaban
de acuerdo en que debían aplicar los términos judiciales previstos en el decreto de esta-
do de sitio, un magistrado propuso que la cuestión previa a resolver era si el decreto era
o no compatible con la Constitución. Con esta tesis lo que estaba en juego era si el
Vicepresidente tenía competencia para dictar un decreto que solo el Presidente podía
expedir. O sea, lo que optó decidir la Corte es si Marroquín había asumido legítima-
mente la Presidencia o si, por el contrario, era un gobernante de facto.
La mayoría de la Corte decidió que Marroquín había asumido legítimamente la
Presidencia porque Sanclemente había abandonado, sin licencia del Senado, el poder
al ausentarse permanentemente de Bogotá para despachar desde Buga, Anapoima o
Villeta. La Corte fundó su competencia para pronunciarse sobre esta explosiva cues-
tión en varios argumentos, de los cuales cabe destacar dos que son relevantes para
apreciar cómo concibió su poder judicial: primero, que la Corte era la competente
según el Código de Organización Judicial para llamar al que habría de remplazar al
Presidente y, segundo, que las leyes oscuras han de “entenderse en el sentido más con-
forme con la Constitución”. Los tres magistrados que salvaron el voto sostuvieron que
la Corte no tenía jurisdicción sobre la validez de normas legales vigentes ni mucho
menos para aprobar o improbar gobiernos. Incluso uno de ellos sostuvo que la ley
supuestamente oscura sobre si el Presidente podía gobernar desde cualquier lugar de
Cundinamarca era clara (Ley 149 de 1888, artículo 65) y representaba una interpreta-
ción constitucional del Congreso “a quien de derecho corresponde la facultad de
interpretar la Constitución expresando el alcance y el genuino sentido de sus disposi-
ciones”. Inclusive llegó a afirmar que dicha ley “se presume Constitucional y debe
aplicarse aun cuando pareciera contraria a la misma Constitución”.83 Otro advirtió

81 S.V. de Baltasar Botero Uribe.


82 Idem.
83 S.V. de Carmelo Arango M.

617
Manuel José Cepeda

que la Corte era “incompetente para resolver la cuestión más política que jurídica”.84
Así, quienes abogaron porque la Corte fijara posición sobre el gobierno de Marroquín
invocaron el poder judicial para interpretar la Constitución y resolver las dimensio-
nes constitucionales de las cuestiones políticas. En cambio, quienes propusieron que
la Corte no se metiera en una cuestión política ni tomara partido, invocaron la auto-
ridad del Congreso par interpretar la Constitución y la primacía de la ley clara sobre
la Constitución. Una paradoja.
Al margen de quien tenía la razón, lo relevante para mostrar la importancia de
la Constitución para la vida política en Colombia es que unos y otros invocaron razo-
nes constitucionales, y que aún después de un golpe de Estado, en medio de una guer-
ra civil, se busco darle legitimidad constitucional a un gobierno de facto. Para eso, la
Corte Suprema aplicó por primera vez la facultad oficiosa de verificar la compatibili-
dad de las normas que habría de aplicar con la Constitución. Lo anterior sin perjuicio
de subrayar que en este caso los argumentos constitucionales obraron como escudo de
posiciones políticas que se hacen explícitas, tanto en la aclaración de voto de un
magistrado de la mayoría,85 como en los salvamentos individuales de voto de cada uno
de los tres disidentes, uno de los cuales hizo público que dos colegas que antes esta-
ban con su tesis, habían cambiado de opinión, “en materia de tanta gravedad”.86 Por
eso, uno de los disidentes concluyó: “La Corte Suprema (…) no puede, aunque lo
intente, convertir la razón política en razón jurídica, erigir el hecho en derecho”.87
Eran tiempos difíciles para ejercer el control constitucional, máxime frente a
leyes expedidas por el Congreso. Entonces, ninguna ley vigente fue juzgada por la
Corte Suprema. Tampoco invocó la excepción de inconstitucionalidad para ejercer un
control oficioso e incidental sobre leyes vigentes. Por eso, una de las leyes más repre-
sivas de que se haya tenido noticia en la historia nacional nunca fue controlada en su
validez. Se trata de la tristemente célebre “Ley de los Caballos”, restrictiva de las liber-
tades y garantías básicas que concedía poderes arbitrarios a las autoridades ejecutivas.

Otros hitos en el ejercicio efectivo de la defensa judicial de la


supremacía de la Constitución

Si luego de esta primera etapa del control constitucional, se toma la expansión


del poder de la Corte, ¿Cuáles fueron los hitos en el ejercicio de sus competencias?

84 S.V. de Otoniel Navas.


85 A.V. de Jesús Casas Rojas, invocando la lógica, la razón de estado y el derecho natural. A él se unieron: Luis
M. Isaza, Abraham Fernández de Soto, y Lucio A. Pombo, quien fuera el ponente.
86 S.V. de M. Arango. Con nombre propio se refirió a sus colegas Luis M. Isaza (Presidente) y Abraham
Fernández de Soto (Vicepresidente).
87 S.V. de Baltasar Botero Uribe.

618
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

Para responder esta pregunta se tomó como criterio la primera vez que sucedió algo
nuevo, en virtud de una reforma constitucional o de una tesis de la Corte Suprema
sobre el alcance de sus competencias. Algunas de estas sentencias fueron polémicas
pero otras han pasado inadvertidas por la poca importancia que se le ha dado en nues-
tro medio al estudio de la jurisprudencia constitucional anterior a 1991.
La acción pública de inconstitucionalidad fue empleada por los ciudadanos a par-
tir del mismo año en que entró en vigor, 1911. El primer fallo sobre una ley vigente
fue de exequibilidad, pero en ese mismo año una ley fue declarada inconstitucional y,
además, interpretada de manera conforme a la Constitución, mediante un condicio-
namiento por el cual parte de la ley fue reinterpretada para armonizar la Constitución.
Al año siguiente se declaró inconstitucional el primer decreto legislativo. También
tempranamente la Corte Suprema se inhibe de pronunciarse sobre las leyes aprobato-
rias de tratados, en el caso del tratado con Estados Unidos sobre Panamá. En todos los
años al menos una norma ha sido invalidada por la Corte Suprema, con excepción de
tres: 1956, 1959 y 1968. Tercero, después de 1968 cuando se previó expresamente el
control constitucional por vicios de forma, las inhibiciones anteriores de desvanecen
lenta y gradualmente: primero respecto de reformas constitucionales (1978) y, segun-
do, respecto de leyes aprobatorias de tratados (1986).

Sentencias que causaron polémica

Rebasaría el propósito de este escrito entrar a analizar el contenido de las sen-


tencias proferidas durante un siglo por la Corte Suprema. Por razones de espacio tam-
poco podrían mencionarse las más importantes, aún en temas cruciales como la eco-
nomía o el orden público. Por lo tanto, se ha optado por seleccionar algunas senten-
cias polémicas que ilustran de manera general la multiplicidad de temas sobre los cua-
les se pronunció la Corte Suprema y su importancia para la vida nacional, así como
decisiones que tuvieron gran impacto. Sobre todo, las sentencias seleccionadas mues-
tran que el control constitucional fue ejercido en ocasiones de manera activa e inde-
pendiente, si bien en otras la Corte fue demasiado deferente ante el Ejecutivo, como
por ejemplo en materia de Estado de Sitio.
Los fallos más polémicos de la Corte Suprema versaron sobre tres materias: la
intervención del Estado en la economía, las medidas para restablecer el orden públi-
co y las reformas a la Constitución. En la primera materia la Corte Suprema profirió
sentencias que limitaron las facultades de intervención estatal tanto por vía de leyes
como por medio de decretos legislativos. En la segunda la Corte Suprema legitimó
decretos de estados de sitio restrictivos de las libertades públicas. En la tercera la Corte
frenó las reformas constitucionales durante la década de los setentas, pero le dio vía
libre a la Asamblea Constituyente de la cual surgió la Constitución de 1991. En el
ámbito electoral la Corte Suprema también profirió fallos importantes aunque no
tuvieron la trascendencia pública de los anteriormente mencionados.

619
Manuel José Cepeda

En lo que respecta a la convivencia pacífica los fallos mencionados se enmarcan


dentro de la filosofía predominante en la Constitución de 1886. Por eso, la Corte avaló
los poderes presidenciales para restablecer el orden, salvo contadas excepciones
durante los años ochentas cuando el estado de sitio ya se había desprestigiado y había
perdido su capacidad intimidatoria.88 No obstante, procuró mantener reglas de juego
en materia electoral que fueran equilibradas y dieran garantías a las minorías, lo cual
responde a la orientación de las reformas de 1910 y 1957 para mantener la conviven-
cia pacífica entre los partidos. En cambio, en materia de política socioeconómica, los
fallos de la Corte Suprema no desarrollaron todos los alcances de la reforma de 1936,
salvo algunos fallos como el de la retrospectividad de las normas laborales.89 Lo ante-
rior no significa que las sentencias en estos ámbitos hayan carecido de profundos
impactos económicos.90
En conclusión, esta muestra de fallos especialmente significativos ilustran que en
Colombia se ha ejercido durante un siglo, de manera ininterrumpida, amplia e inde-
pendiente el control judicial de normas legales dictadas por el Congreso, o el
Ejecutivo en circunstancias excepcionales o extraordinarias, con el fin de someter el
poder al derecho y salvaguardar la supremacía de la Constitución. Sobre esa fortaleza
institucional se construyó la Corte Constitucional y el sistema de defensa judicial de
la Constitución creado en 1991, cuyos resultados se resumen a continuación.

Una década de actividad de la Corte Constitucional: elementos


básicos para apreciar su profundo impacto.

Para presentar un panorama general de la actividad de la Corte Constitucional se


seguirá la misma metodología y se responderán las mismas preguntas. Ello se justifi-
ca, a pesar de que el lapso a describir es mucho menor: una década larga (1992-2002),
no un siglo largo (1886-1991). En efecto, desde el punto de vista cuantitativo, en dicha
década la Corte Constitucional profirió tres veces más sentencias que la Corte
Suprema durante un siglo. Este dato revela, por sí solo, el gigante paso que se dió en
1991 para asegurar la supremacía de la Constitución y procurar su proyección a todos
los ámbitos de la vida nacional con miras a estimular la resolución institucional y
pacífica de los conflictos. También indica que la Corte Constitucional esta más pre-
sente que lo que estuvo la Corte Suprema en los procesos decisorios y tiene mayor

88 Fernando, Cepeda Ulloa, Instituciones Civiles y Militares, Cartagena de Indias, 3 a 5 de octubre de 2003.
Manuel José, Cepeda Espinosa, La Corte Constitucional y el Orden Público: Mitos y Realidades, pág 170 a
221.
89 Manuel José Cepeda Espinosa,. La Reforma de 1936 y las Libertades Públicas: ¿Qué ha hecho la Corte
Suprema?, en el libro de Álvaro Tirado Mejía, Estado y Economía 50 años de la Reforma del 36. Contraloría
General de la República, 1986.
90 Manuel José, Cepeda Espinosa, Las Sentencias de la Corte con Implicaciones Económicas: reflexiones con
ánimo constructivo (XXVIII Jornadas Colombianas de Derecho Tributario), Febrero de 2004.

620
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

incidencia en el devenir nacional, lo cual se apreciará al observar la selección de fa-


llos más polémicos.

Una visión cuantitativa

Es útil mirar brevemente las estadísticas para apreciar la evolución de la carga de


trabajo de la Corte Constitucional. En síntesis, las conclusiones que pueden ser extraí-
das de las cifras que se presentan más adelante son las siguientes: (i) la carga de traba-
jo de la Corte es verdaderamente inmensa (9442 sentencias), y ha aumentado en forma
constante (de 235 decisiones en 1992 a 1123 decisiones en 2002 – un incremento de
aproximadamente 477%); (ii) ha habido una escalada especialmente aguda en el núme-
ro de decisiones de tutela (en 1992, llegaron 8060 sentencias de tutela a la Corte para
su revisión discrecional; para 2001, tal número se había elevado a 133273 – un aumen-
to de casi dieciséis veces el número original), como consecuencia de factores sociales y
políticos que han llevado a la gente a usar este mecanismo con cada vez mayor frecuen-
cia; (iii) el número de decisiones proferidas en ejercicio del control abstracto de cons-
titucionalidad también se ha incrementado (de 53 en 1992, a 339 en 2002 – un aumen-
to de aproximadamente 639%), más que todo porque la acción pública de inconstitu-
cionalidad ha sido usada con cada vez mayor frecuencia por los ciudadanos, no sólo
para proteger la compatibilidad abstracta entre las leyes y la Constitución, sino tam-
bién para promover temas relacionados con los derechos fundamentales (en 2002, se
interpusieron 561 demandas de inconstitucionalidad, y la Corte rechazó el 45% por
razones de forma); (iv) el control constitucional abstracto da cuenta del 32% del total
de decisiones proferidas por la Corte, mientras que el control constitucional concreto
en casos de tutela representa el 68% de dicho total; (v) la Corte ha protegido los dere-
chos del demandante en el 58% del total de casos de tutela que ha decidido y ha nega-
do el 42% de las tutelas, manteniendo una posición equilibrada en un asunto muy sen-
sible; (vi) el porcentaje de decisiones adoptadas en ejercicio del control abstracto de
constitucionalidad en las que la ley, el decreto legislativo o el acto bajo revisión han
sido declarados inexequibles, en todo o en parte, es considerable: el 23%; y (vii) la vota-
ción de los Magistrados, aunque ha sido dividida en los casos más controvertidos,
puede considerarse relativamente unánime (en el 77% de las decisiones de constitucio-
nalidad, no se emitieron salvamentos o aclaraciones de voto).
La magnitud numérica de los resultados del trabajo de la Corte Constitucional
sólo puede ser calificada como impresionante. En once años, ha adoptado un total de
9442 decisiones, esto es, un promedio aproximado de 840 sentencias anuales, ocho
veces superior al de la Corte Suprema en su periodo más activo y también ocho veces
superior al que registra actualmente la Corte Suprema de los Estados Unidos. Esta
cifra demuestra su eficiencia, pero también indica que su carga de trabajo ha alcanza-
do niveles realmente altos.

621
Manuel José Cepeda

Las decisiones de tutela han crecido considerablemente, especialmente desde


1998, cuando se registró un aumento del 48% frente a los cinco años precedentes. En
1999 la cifra continuó aumentando, pero el salto se presentó en 2000, cuando el
número de sentencias de tutela llegó a 1340, casi duplicando las del año anterior, en
el cual se había llegado a un pico de 705 decisiones. Este aumento, se debe a una serie
de razones de índole política y social. La principal es el uso frecuente de la acción de
tutela, tal vez como resultado de (i) la rápida comprensión, por la ciudadanía, de que
la protección constitucional de los derechos fundamentales podía generar efectos rea-
les sobre sus problemas y conflictos de todos los días, y (ii) la recesión económica, que
llevó a números cada vez más altos de personas a reclamar por esta vía judicial el res-
peto de sus derechos sociales, especialmente la salud, las pensiones de jubilación y los
salarios. Sin embargo, esto no significa que la Corte siempre adopte decisiones a favor
del demandante. Del total de decisiones de tutela que ha proferido, sólo en el 58% de
los casos la Corte ha concedido lo que el peticionario estaba solicitando.
En lo que respecta al control abstracto de normas, la actividad de la Corte
Constitucional también ha sido muy intensa. Si solo se toma este tipo de sentencias,
excluyendo de la estadística las tutelas, se aprecia que en una década ha proferido
2923 sentencias, o sea más que la Corte Suprema en un siglo (2496).
Como se ha acudido menos a los estados de excepción y la institución de las leyes
de facultades extraordinarias se restringió, y como los ciudadanos están acudiendo con
mayor frecuencia a la acción pública de inconstitucionalidad, el control constitucio-
nal sobre las leyes vigentes expedidas por el Congreso ha cobrado mayor importancia.
Además, la expansión del control automático ha contribuido a esta reorientación del
control constitucional. La Corte Constitucional ha proferido más sentencias sobre tra-
tados internacionales y sus leyes aprobatorias, que sobre decretos legislativos. Por otra
parte, cabe subrayar que, entre 1992 y 2002 el número de demandas de inconstitucio-
nalidad aumentó más de dos veces – en 1992, se presentaron 247 demandas ciudada-
nas ante la Corte, mientras que en 2002 este número subió a 561. Más del 40% fueron
rechazadas por no llenar los requisitos procedimentales mínimos.
Sobre el número de sentencias de inconstitucionalidad, la tendencia ha sido
ascendente, hubo un pico de inexequibilidades en 1999, cuando se llegó a 112 deci-
siones de inconstitucionalidad. Desde 1996, cada año se han proferido un poco más de
70 sentencias de invalidación de normas, salvo en 1998 cuando el número de este tipo
de fallos fue de 61. Es importante subrayar, que el porcentaje de sentencias de incons-
titucionalidad proferidas por la Corte Constitucional (23%) es ligeramente inferior al
porcentaje correspondiente a la Corte Suprema de Justicia (27%), lo cual puede pare-
cer sorprendente dada la percepción de que la Corte Constitucional ha sido más acti-
va y estricta en el ejercicio de sus funciones. Donde sí hay un incremento porcentual
significativo es en materia de fallos con condicionamientos, puesto que el porcentaje
de este tipo de sentencias en el caso de la Corte Constitucional (5.26%) es más del
doble al correspondiente a la Corte Suprema de Justicia (2.2%).

622
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

Estas estadísticas y breves comentarios demuestran que el trabajo de la Corte ha


sido bastante eficiente, que ésta ha ejercido vigorosamente su independencia, y que
también ha sido muy sensible a la protección efectiva de los derechos fundamentales.
Sin embargo, las evaluaciones numéricas resultan insuficientes para comprender la
importancia de los cambios introducidos por la Corte como guardiana e intérprete de
la Constitución. Es necesario prestar atención a las decisiones que ha adoptado al dar
cumplimiento a sus objetivos institucionales. Esto demostrará la complejidad de los
problemas que la Corte debe resolver, así como la trascendencia de sus decisiones.

Una muestra de fallos especialmente significativos

Miremos las primeras decisiones en las cuales se concretaron los avances intro-
ducidos en 1991.
Las innovaciones introducidas en 1991 no se han quedado escritas y que la Corte
ha sido una defensora independiente del respeto al Estado de Derecho y de la supre-
macía de la Constitución.
La contribución de la Corte Constitucional a la materialización y desarrollo de la
Constitución de 1991 ha tenido profundas implicaciones para la mayor parte de los
aspectos de la vida colombiana; sus sentencias, que han versado sobre todas las áreas del
derecho y todas las facetas de nuestra complicada realidad nacional, han llevado a la
Corte a convertirse en un punto de referencia necesario para quienquiera que busque
conocer en detalle lo que ha sucedido en nuestro país en el curso de la última década.
En primer lugar, la Corte ha ejercido una influencia sustancial sobre el fortale-
cimiento del Estado de Derecho y la transformación del ordenamiento jurídico como
un todo – una transformación que se hace evidente en asuntos tales como (i) el cam-
bio fundamental en el enfoque interpretativo general del derecho y los problemas
jurídicos, (ii) una profunda incorporación del derecho constitucional a las ramas
penal, civil, administrativa y otras especialidades jurídicas; (iii) la introducción de
temas y debates contemporáneos al constitucionalismo colombiano; (iv) el surgimien-
to, gracias a la acción de tutela, de una nueva “jurisdicción de equidad” en Colombia,
y (v) el ejercicio de una presión considerable para el desarrollo de cambios adiciona-
les en el sistema jurídico, en asuntos tan novedosos como la introducción de prece-
dentes judiciales en un sistema jurídico de tradición romano-germánica.
En segundo lugar, la Corte ha generado un impacto visible en el campo político.
En resumen, ha contribuido a la conversión de conflictos sociales en problemas cons-
titucionales, y en esa medida, a la resolución pacífica de conflictos dentro de la socie-
dad. Esto significa, en breve, que (i) la Constitución ha dejado de ser un código abstrac-
to, y ha permeado la realidad social; (ii) la Corte se ha convertido en un árbitro polé-
mico pero legítimo a quien se acude para que adopte decisiones difíciles; y (iii) la Corte
se ha convertido en un foro en el que la mayor parte de las controversias se someten a
una “segunda ronda” de decisión, con base en argumentos constitucionales.

623
Manuel José Cepeda

En términos generales, el impacto que ha tenido la Corte sobre la vida colombia-


na se puede sintetizar así:
Ha contribuido a la construcción del Estado de Derecho, expandiendo sus alcan-
ces y efectividad en un contexto en el que el imperio de la fuerza a menudo parece
prevalecer, y fortaleciendo las instituciones públicas, amenazadas por todo tipo de
obstáculos y riesgos. Ello ha generado fuertes debates sobre temas tales como el grado
de poder –para algunos demasiado amplio- que fue otorgado a la Corte, o sobre las
consecuencias de un proceso de intensificación de la judicialización de la política en
el país.
Ha modificado, en ciertos casos, el equilibrio de poder social y político, entre
otras al otorgar más poder a los débiles, los vulnerables, los marginados y los desorga-
nizados, cuando éstos cuentan con un derecho constitucional que los protege. Y
Ha hecho todo eso, sin privar al Estado de sus medios legítimos de acción para
contrarrestar los diferentes tipos de retos que deben afrontar las instituciones colom-
bianas, y atender a los múltiples problemas sociales y políticos de la nación.
En el curso de su primera década de existencia, la Corte no sólo ha adoptado
decisiones sobre los problemas nacionales de mayor urgencia, sino que también ha
proferido sentencias que versan sobre los grandes temas del derecho constitucional
contemporáneo. Estos se pueden clasificar en tres grupos: (i) las controversias tradi-
cionales asociadas con el control constitucional de las leyes, (ii) los grandes debates de
posguerra en el constitucionalismo occidental, y (iii) los temas que han surgido duran-
te la transición del Siglo XX al XXI.
En primer lugar, la Corte se ha aproximado a las controversias tradicionales
sobre el rol de un tribunal constitucional, mediante el establecimiento de criterios
transparentes para guiar su propia actividad. Varios conceptos deben ser apreciados
desde esta perspectiva: “margen de configuración del Legislador”, “margen de aprecia-
ción del Gobierno” al declarar un estado de excepción, y “grados de intensidad del test
de igualdad”, por mencionar sólo tres nociones en las que la actitud prudente de la
Corte se hace evidente. Otros ejemplos, tales como los distintos tests de razonabilidad,
así como los numerosos criterios-guía que la Corte ha identificado para resolver casos
difíciles, tales como el principio pro-libertatis, el principio pro-infans o la regla de
maximización de la autonomía de las comunidades indígenas, ejemplifican los esfuer-
zos que ha hecho esta Corte para hacer que su interpretación constitucional sea más
rigurosa –aunque aún falta mucho por hacer en este sentido-.
En segundo lugar, los debates de la post-guerra, que habían sido ignorados por la
jurisprudencia colombiana, también han sido estudiados por la jurisprudencia colom-
biana, en lo que podría visualizarse como una “actualización acelerada” de la doctri-
na constitucional. Como puede apreciarse con las múltiples decisiones que he citado,
en un lapso de diez años, este tribunal se ha visto llevado a decidir sobre temas que
han sido discutidos durante cuatro décadas en Europa o los Estados Unidos. En rela-
ción con el debate sobre el carácter normativo de las diferentes disposiciones consti-

624
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

tucionales, por ejemplo, la Corte arrancó su recorrido afirmando que absolutamente


todas las palabras de la Constitución son verdaderos mandatos jurídicos que obligan a
todas las autoridades del país. En cuanto a la cuestión sobre la existencia de temas
esencialmente políticos sobre los cuales el juez constitucional no debería estar llama-
do a decidir, la Corte ha rechazado consistentemente la posibilidad de que existan
esferas del poder inmunes al deber general de respetar la Constitución. Sin embargo,
es tal vez en el campo de los derechos fundamentales y libertades básicas que nuestro
derecho constitucional ha sido actualizado en forma rápida y notable. Por medio de
sus fallos, la Corte no sólo ha asimilado los avances jurisprudenciales de la tradición
occidental actual, sino que ha ido más allá, en temas tales como la autonomía perso-
nal, la discriminación sexual, la exclusión social. De ahí que los fallos sobre aborto,
eutanasia, dosis personal de estupefacientes sigan generando polémica. Sin embargo,
aún queda un largo camino por recorrer, tales como la igualdad racial, los derechos de
los homosexuales y los derechos reproductivos.
En tercer lugar, algunos de los debates constitucionales contemporáneos más
salientes también han sido afrontados por la Corte. En particular, cuatro áreas de
debate deben ser subrayadas: (i) el multiculturalismo y el derecho a la diferencia
colectiva: en lugar de imponer concepciones individualistas y occidentales sobre los
pueblos indígenas, la Corte ha abandonado cualquier tipo de perspectiva asimilacio-
nista, y ha hablado de diálogo intercultural entre culturas igualmente dignas, así como
de la libre determinación de los grupos étnicos, en tanto pre-requisito para la preser-
vación de la diversidad-; (ii) la exigibilidad de los derechos sociales: la Corte ha reco-
nocido el derecho al “mínimo vital” requerido para subsistir dignamente ha creado la
doctrina del estado de cosas inconstitucional y ha protegido el derecho a la salud, así
como otros derechos sociales, por medio de la acción de tutela en ciertas condiciones;
(iii) el problema de la aplicación de las disposiciones sobre derechos fundamentales a
las relaciones entre particulares: la Corte ha aceptado que cuandoquiera que una per-
sona particular se encuentra en posición de poder o ventaja ante otra, la Constitución
se debe aplicar directamente para proteger a la parte más débil, entre otras a través de
la tutela-; y (iv) el problema del status activo de los derechos fundamentales: la Corte
ha afirmado consistentemente que los derechos fundamentales no sólo representan
una forma de defensa del individuo frente a actuaciones arbitrarias, sino también les
facultan para exigir actuaciones positivas de parte de las autoridades para satisfacer sus
necesidades.
Además de su inmensa influencia en la esfera del derecho, la Corte también ha
generado efectos visibles en la vida política y social del país. Para decirlo en términos
coloquiales: no es que la Corte se meta en todo; lo que sucede es que a la Corte la
meten en todo. Ello es así por una combinación de factores políticos, sociales, cultu-
rales e institucionales. Resaltaré únicamente los que tienen un alcance nacional. En
primer lugar, la así llamada “crisis política” ha llevado a que los problemas que no son
resueltos por medio de decisiones políticas sean presentados a la Corte por ciudada-

625
Manuel José Cepeda

nos interesados en encontrar una respuesta a las situaciones que les afectan. Lo ante-
rior es posible por una razón institucional: se puede afirmar que Colombia cuenta con
el sistema de control constitucional más abierto y accesible del mundo, como ya se
advirtió. A estos factores políticos e institucionales se añade un tercero, que ha con-
tribuido a la movilización de toda la estructura de preservación de la Constitución: el
hecho de que algunos grupos sociales y un puñado de ciudadanos activistas rápida-
mente comprendieron las implicaciones de un sistema así de abierto, e hicieron uso
casi inmediato de los canales constitucionales para presentar sus peticiones a la Corte,
ya no en términos políticos sino jurídicos. No se trata de una movilización masiva,
puesto que las reglas del procedimiento constitucional no exigen que un número sig-
nificativo de ciudadanos se una en torno a una determinada demanda o petición. Dado
que los derechos protegen a cada individuo, es suficiente que un ciudadano activo se
tome el tiempo de redactar una breve demanda ante la Corte, o una corta petición de
revisión de una sentencia de tutela, para que la Corte quede obligada a adoptar una
decisión sobre el tema, incluso si no siempre entra a estudiar el fondo del asunto.
Esta transformación simple de los asuntos políticos y sociales en controversias
constitucionales puede ser explicada por un elemento cultural: Colombia ha sido tra-
dicionalmente un país de leyes. Es cierto que muchas de ellas no se aplican, pero están
ahí, y constantemente se están adoptando nuevas leyes con la ilusión de que los prin-
cipales problemas del país puedan ser resueltos con la promulgación de normas nue-
vas. Dado que casi cualquier problema tiene una ley correspondiente, es fácil formu-
lar cualquier conflicto social o político como un problema de regulación, y cuestionar
las normas pertinentes ante la Corte. Lo anterior se suma al hecho de que los derechos
constitucionales fundamentales son aplicables en todas las fases y aspectos de la vida
cotidiana, lo que permite que cualquier situación concreta sea formulada como un
caso constitucional.
Esto no ocurriría si quienes son responsables de la resolución de tales problemas
ejercieran en forma efectiva su autoridad para adoptar una decisión; pero cuando ello
no ocurre, por los motivos más diversos, se le pide a la Corte que lo haga, aplicando el
derecho constitucional. Sin embargo, una de las consecuencias persistentes y visibles
de este sistema es el que la Corte está sujeta a la formulación de duras críticas en su
contra: temas tales como la admisibilidad de las acciones de tutela contra sentencias, la
revisión de los decretos declarativos de estados de excepción, o la intervención del juez
constitucional en asuntos económicos, han generado una oposición abierta, significati-
va y sostenida por parte de otros tribunales, el Congreso y el Gobierno por igual. Pero
la tendencia se orienta claramente hacia un nivel creciente de legitimidad con cada
avance en la promoción de los derechos fundamentales por parte del tribunal.
Esta dinámica, y el sistema como un todo, generan interrogantes recurrentes. ¿La
Corte cuenta con la capacidad institucional necesaria para responder a tantos proble-
mas diferentes? ¿Cómo puede resolverlos sin invadir la esfera de competencias de
otras autoridades? ¿Es legítimo que la Corte intervenga en temas en los cuales hay

626
La Defensa Judicial de la Constitución: La Gran Fortaleza Colombiana

diversas soluciones posibles y las opiniones están divididas? ¿La Corte debe tener en
cuenta elementos extra-jurídicos al adoptar sus decisiones, tales como las visiones de
las partes en conflicto sobre la interpretación constitucional, o los costos políticos y
económicos de sus sentencias?
Tales preguntas no solo han sido objeto de reflexiones académicas durante déca-
das, sino que también han sido estudiadas por la propia Corte cuando ello ha sido per-
tinente. En torno de ellas, algunos de los fallos más sensibles, han dado pie a propues-
tas aisladas para reestructurar la Corte, o limitar sus poderes. Ninguna ha avanzado en
el Congreso de la República.

IV. Conclusión

Después de esta visión de conjunto de lo que ha sido un siglo de control constitu-


cional, se puede concluir que Colombia ha gozado de una tradición de defensa judicial
de la supremacía de la Constitución no solo centenaria sino ininterrumpida. Sin duda,
ha habido periodos durante los cuales dicho control fue ejercido tímidamente así como
ha habido otros en los cuales se constata una dosis de activismo judicial. Igualmente,
ciertos fallos pueden ser vistos, en perspectiva histórica como sentencias de legitima-
ción del poder, más que de control o limitación del poder. No obstante, lo esencial es
que durante un siglo el órgano judicial de control constitucional ha ejercido con inde-
pendencia, mayor o menor según la época, el poder de declarar inconstitucionales
leyes y decretos con fuerza de ley, lo cual ha significado que el poder público ha sido
sometido al respeto de la Constitución, pacto político fundamental para la paz.
A lo largo del siglo XX se constató un proceso de ascendencia del constituciona-
lismo paralelo a las reformas constitucionales mediante las cuales se busco crear con-
diciones de convivencia pacífica en Colombia. Las aperturas democráticas estuvieron
entonces acompañadas de la expansión del sistema de protección judicial de la
Constitución. Al ritmo de esta evolución gradual, el control constitucional que en 1886
dependía de que el Presidente de la República objetara un proyecto de ley se fue trans-
formando en una defensa de la supremacía de la Constitución frente al poder ejecuti-
vo y al poder legislativo, impulsado principalmente por los ciudadanos, no por órganos
públicos. En el mismo sentido, el control constitucional que originalmente estaba
orientado a superar el conflicto entre órganos ha llegado a convertirse en una garantía
de la efectividad de los derechos constitucionales, lo cual es otra forma de contribuir
al mantenimiento de la democracia y a la resolución pacífica de los conflictos.

627
Constitucionalismo Brasileiro:
Avanços, Desafios e Perspectivas
Marcelo Figueiredo1

Sumáárioo: I. De 1964 a 1988 II. A reforma do Estado no Brasil III. O sistema de governo e os partidos políticos
IV. O Poder Judicial, Constitucional e a Defesa dos Direitos Fundamentais V. Os Mecanismos de Defesa da
Constituição VI. Avanços e ameaças à Democracia VII. Conclusões.

I. De 1964 a 1988

Podemos dizer que a Constituição de 1988 inaugurou uma nova era no constitu-
cionalismo brasileiro rompendo com o ciclo autoritário que dominou o Brasil de 1964
(data da revolução militar que se implantou no país por mais de vinte anos), a meados
da década de 80.
As eleições dos Governadores em 1982 marcam o início do processo de abertura
política e institucional que culminou com a aprovação da Emenda Constitucional
número 26 (promulgada em 27.11.1985), convocando os membros da Câmara de
Deputados e do Senado Federal para se reunirem, em Assembléia Nacional
Constituinte, livre e soberana, no dia 01.02.1987, na sede do Congresso Nacional.
Em 05 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição de 1988. No dizer de
José Afonso da Silva,2 “um texto razoavelmente avançado. É um texto moderno, com
inovações de relevante importância para o constitucionalismo brasileiro e até mun-
dial. Bem examinada, a Constituição Federal, de 1988, constitui, hoje, um documen-
to de grande importância para o constitucionalismo em geral.
Sua estrutura difere das constituições anteriores. Compreende nove títulos, que
cuidam: (1) dos princípios fundamentais; (2) dos direitos e garantias fundamentais,
segundo uma perspectiva moderna e abrangente dos direitos individuais e coletivos,
dos direitos sociais dos trabalhadores, da nacionalidade, dos direitos políticos e dos
partidos políticos; (3) da organização do Estado, em que estrutura a federação com
seus componentes; (4) da organização dos poderes: Poder Legislativo, Poder Executivo
e Poder Judiciário, com a manutenção do sistema presidencialista, derrotado o parla-
mentarismo, seguindo-se um capítulo sobre as funções essenciais à Justiça, com minis-
tério público, advocacia pública (da União e dos Estados), advocacia privada e defen-
soria pública; (5) da defesa do Estado e das instituições democráticas, com mecanis-

1 Diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP, onde é também seu professor nos cursos de graduação e pós-
graduação. Presidente e Fundador da ABCD- Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas e
membro do Executive Comite do IACL.
2 Silva ,José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 29ª edição, 2006, São Paulo, Malheiros
Editores, página 89 e 90.

629
Marcelo Figueiredo

mos do estado de defesa, do estado de sítio e da segurança pública; (6) da tributação e


do orçamento; (7) da ordem econômica e financeira; (8) da ordem social; (9) das dis-
posições gerais. Finalmente, vem o Ato das Disposições Transitórias. Esse conteúdo,
distribui-se por 245 artigos na parte permanente, e mais 73 artigos na parte transitó-
ria, reunidos em capítulos, seções e subseções”.

II. A reforma do Estado no Brasil

Após a Constituição de 1988 e, sobretudo, ao longo da década de 90, o tamanho


e o papel do Estado passaram para o centro do debate institucional. E a verdade é que
o intervencionismo estatal não resistiu à onda mundial de esvaziamento do modelo no
qual o Poder Público e as entidades por ele controladas atuavam como protagonistas
do processo econômico.
É a lição de Luís Roberto Barroso que adotamos e passamos a transcrever por sua
excelente sistematização do fenômeno das reformas. O modelo dos últimos vinte e
cinco anos se exaurira. O Estado brasileiro chegou ao fim do século XX grande, inefi-
ciente, com bolsões endêmicos de corrupção e sem conseguir vencer a luta contra a
pobreza. Um Estado da direita, do atraso social, da concentração de pobreza. Um
Estado que tomava dinheiro emprestado no exterior para emprestar internamente, a
juros baixos, para a burguesia industrial e financeira brasileira. Esse Estado, portanto,
que a classe dominante brasileira agora abandona e do qual quer se livrar, foi aquele
que a serviu durante toda a sua existência. Parece, então, equivocada a suposição de
que a defesa desse Estado perverso, injusto e que não conseguiu elevar o patamar
social no Brasil seja uma opção avançada, progressista, e que o alinhamento com o dis-
curso por sua desconstrução seja a postura reacionária.
As reformas econômicas brasileiras envolveram três transformações estruturais
que se complementam, mas não se confundem. Duas delas foram precedidas de emen-
das à Constituição, ao passo que a terceira se fez mediante a edição de legislação infra-
constitucional e a prática de atos administrativos.3
A primeira transformação substantiva da ordem econômica brasileira foi a extin-
ção de determinadas restrições ao capital estrangeiro. A Emenda Constitucional núme-
ro 6, de 15.08.95, suprimiu o artigo 171 da Constituição, que trazia a conceituação de
empresa brasileira de capital nacional e admitia a outorga a elas de proteção, benefícios
especiais e preferências. A mesma emenda modificou a redação do art. 176, caput, para
permitir que a pesquisa e lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais
de energia elétrica sejam concedidos ou autorizados a empresas constituídas sob as leis
brasileiras, dispensada a exigência do controle do capital nacional. Na mesma linha, a
Emenda Constitucional número 07, de 15.08.95, modificou o art.178, não mais exigin-

3 Segundo Barroso, Luís Roberto Temas de Direito Constitucional, Tomo II, Editora Renovar, Rio de Janeiro,
2003, página 274 e seguintes.

630
Constitucionalismo Brasileiro:
Avanços, Desafios e Perspectivas

do que a navegação de cabotagem e interior seja privativa de embarcações nacionais e


a nacionalidade brasileira dos armadores, proprietários e comandantes e, pelo menos,
de dois terços dos tripulantes. Em seguida, foi promulgada a Emenda Constitucional
número 36, de 28.05.02, que permitiu a participação de estrangeiros em até trinta por
cento do capital das empresas jornalísticas e de radiodifusão.
A segunda linha de reformas que modificaram a feição da ordem econômica bra-
sileira foi a chamada flexibilização dos monopólios estatais. A Emenda Constitucional
número 5, de 15.08.95, alterou a redação do § 2º do art. 25, abrindo a possibilidade de
os Estados-membros concederem às empresas privadas a exploração dos serviços
públicos locais de distribuição de gás canalizado, que, anteriormente, só podiam ser
delegados a empresa sob controle acionário estatal. O mesmo se passou com relação
aos serviços de telecomunicações e de radiodifusão sonora e de sons e imagens. É que
a Emenda Constitucional número 08, de 15.08.95, modificou o texto dos incisos XI e
XII, que só admitiam a concessão a empresa estatal. E, na área do petróleo, a Emenda
Constitucional número 9, de 09.11.95, rompeu, igualmente, com o monopólio estatal,
facultando à União Federal a contratação com empresas privadas de atividades relati-
vas à pesquisa e lavra de jazidas de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluí-
dos , a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro, a importação, exportação e
transporte dos produtos e derivados básicos de petróleo.
A terceira transformação econômica de relevo- a denominada privatização- ope-
rou-se sem alteração do texto constitucional, com a edição da Lei número 8.031, de
12.04.90, que instituiu o Programa Nacional de Privatização, depois substituída pela
Lei número 9.491, de 9.09.97, Entre os objetivos fundamentais do programa incluí-
ram-se, nos termos do artigo 1º, incisos I e IV: (i) reordenar a posição estratégica do
Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente
exploradas pelo setor público; (ii) contribuir para a modernização do parque industrial
do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial dos
diversos setores da economia.
O programa de desestatização tem sido levado a efeito por mecanismos como (a)
alienação, em leilão nas bolsas de valores, do controle de entidades estatais, tanto as
que exploram atividades econômicas como as que prestam serviços públicos e (b) a
concessão de serviços públicos a empresas privadas. No plano federal inicialmente
foram privatizadas empresas dos setores petroquímico, siderúrgico, metalúrgico e de
fertilizantes, seguindo-se a privatização da infra-estrutura, envolvendo a venda da
empresa com a concomitante outorga do serviço público, como tem se passado com as
empresas de energia e telecomunicações e com rodovias e ferrovias.
Acrescente-se, em desfecho do levantamento aqui empreendido, que, além das
Emendas Constitucionais números 05, 06, 07, 08 e 09, assim como na Lei nº 8.031/90,
os últimos anos foram marcados por uma fecunda produção legislativa em temas eco-
nômicos, que inclui diferentes setores, como energia, telecomunicações, criação de
agências reguladoras, modernização de portos, concessões e permissões, dentre outros.

631
Marcelo Figueiredo

Afirma Barroso que a redução expressiva das estruturas públicas de intervenção


direta na ordem econômica não produziu um modelo que possa ser identificado com
o de Estado mínimo. Pelo contrário, apenas deslocou-se a atuação estatal do campo
empresarial para o domínio da disciplina jurídica, com a ampliação de seu papel na
regulação e fiscalização dos serviços públicos e atividades econômicas. O Estado, por-
tanto, não deixou de ser um agente econômico decisivo. Para demonstrar a tese, basta
examinar a profusão de textos normativos editados nos últimos anos.
De fato, a mesma década de 90, na qual foram conduzidas a flexibilização de
monopólios públicos e a abertura de setores ao capital estrangeiro, foi cenário da cria-
ção de normas de proteção ao consumidor em geral e de consumidores específicos,
como os titulares de planos de saúde, os alunos de escolas particulares e os clientes de
instituições financeiras. Foi também nesse período que se introduziu no país uma
política específica de proteção ao meio ambiente, limitativa da ação dos agentes eco-
nômicos, e se estruturou um sistema de defesa e manutenção das condições de livre
concorrência que, embora longe do ideal, constituiu um considerável avanço em rela-
ção ao modelo anterior. Nesse ambiente é que despontaram as agências reguladoras da
atuação estatal.

III. O sistema de governo4 e os partidos políticos

a) O sistema de governo e temas correlatos

Com o regime autoritário instalado em 1964, afastou-se qualquer perspectiva de


reconsiderar o modelo parlamentarista para o país, pois o pensamento militar rejeita-
va a idéia de um poder compartilhado com o parlamento. Aliás, um regime centrado
no parlamento era a antítese do que os então governantes defendiam.
A redemocratização deu alento aos parlamentaristas, que se animaram com a
convocação da Assembléia Nacional Constituinte. A comissão constituída para elabo-
rar o anteprojeto da nova Carta foi presidida por Afonso Arinos de Mello Franco, um
conhecido defensor do parlamentarismo.
Na versão final do anteprojeto, prevaleceu a idéia de parlamentarismo dual. O
presidente da república seria eleito diretamente, por maioria absoluta, para mandato
de seis anos. Caber-lhe-ia indicar o presidente do Conselho de Ministros, após consul-
ta às correntes partidárias que compõem a maioria do Congresso Nacional. O
Presidente da República, por sua vez, poderia exonerar por iniciativa própria o presi-

4 Nesta seção utilizaremos a argumentação e as conclusões (que encampamos) de Antônio Octávio Cintra,
retiradas do seu texto, “O sistema de Governo no Brasil”, Capítulo 2, da obra, “Sistema Político Brasileiro”
– Uma introdução, 2ª edição, Organizada por Lúcia Avelar e Antônio Octávio Cintra, Konrad Adenaur
Stiftung e Editora Unesp, página 59 a 77.

632
Constitucionalismo Brasileiro:
Avanços, Desafios e Perspectivas

dente do Conselho, que também poderia cair por moção de censura ou recusa de con-
fiança votada pela maioria absoluta da Câmara de Deputados.
Neste anteprojeto, previa-se ainda o gabinete duplamente responsável, perante a
Câmara, mas também perante o Presidente da República. Não se contemplavam
decretos –leis, medidas provisórias ou medidas de urgência.
Entretanto a opção final da Assembléia Nacional Constituinte foi pelo sistema
presidencialista. Prevista na mesma Constituição, realizou-se um plebiscito, cinco
anos após a sua promulgação, onde o eleitorado confirmou a opção republicana e pre-
sidencialista em detrimento à monarquia constitucional.
À ocasião, a decisão dos constituintes de levar a opção entre sistemas de gover-
no a plebiscito foi altamente questionável, pois essa consulta serve quando o assunto
a ser votado é redutível a quesitos simples, para resolver com o “sim” ou “não”, nunca
para assuntos extremamente complexos, sobre cujas opções divirjam, e muito, os pró-
prios especialistas, como é o caso de sistema de governo. Os delegados não quiseram
usar de sua delegação e se omitiram de decidir, devolvendo a responsabilidade ao
mandante. O plebiscito, realizado em setembro de 1993, deu a vitória ao presidencia-
lismo, por ampla margem.
Por que se deu a recusa ao parlamentarismo? São várias as causas, são fortes os
preconceitos relativos a esse sistema, que levam à sua previsível rejeição. Se, no plano
da elite, logra o parlamentarismo razoável apoio, seja em sua forma mais pura, seja,
crescentemente, sob a forma dos modelos híbridos, esse apoio não se repete na opi-
nião pública.
Acredita-se que a tarefa de desenvolver o país, modernizá-lo, romper os blo-
queios a seu progresso e desenvolvimento, requeira concentração de poder em um
líder carismático, ungido pelo mandato popular para mudar o sistema. Não se vê, no
parlamentarismo, liderança forte. Parece um sistema de poder muito diluído, um
governo de deputados que fazem e desfazem governos a seu livre critério. Os parla-
mentares representariam, em contraposição de interesses circunscritos, paroquiais,
em contraposição aos presidentes, supostamente mais sensíveis aos interesses moder-
nos, do país como um todo, pelo fato mesmo de se elegerem, em contraposição aos
deputados e senadores, na circunscrição nacional.
Junte-se a tais percepções o desprestígio do Poder Legislativo perante a opinião
pública, problema, aliás, de ordem mundial nas democracias contemporâneas. O
governo parlamentarista nos prenderia, portanto, de acordo com essas percepções, ao
atraso, aos poderes oligárquicos regionais e à inoperância institucional.
São percepções enganosas e, no seu conjunto, deixam transparecer exigências
conflitantes sobre nosso sistema de governo presidencial. Um presidente portador de
uma missão revolucionária, demiurgo, esbarraria no sistema político cheio de pontos
de bloqueio à tomada de decisões e, sobretudo, à implementação delas. O presidente
brasileiro tem de compor uma base de sustentação em um congresso pluripartidário,
sem uma agremiação majoritária suficiente, sequer, para garantir a aprovação de leis

633
Marcelo Figueiredo

ordinárias. As decisões exigentes de quorum especial podem dar, a cada parceiro da


coalizão, mesmo às pequenas agremiações, poder de barganha incomensurável em
votações conflituosas. Ademais, o Legislativo é bicameral, com o Senado equiparado à
Câmara em suas competências e significando mais uma instância legislativa a superar
na aprovação de um projeto.
Há um federalismo em que podem prevalecer interesses oligárquicos regionais
nos estados menos desenvolvidos. Ademais, a organização do Judiciário é descentrali-
zada e o Ministério Público tem ampla autonomia.
O presidencialismo brasileiro, segundo Abranches e Cintra5 trabalha em um sis-
tema de composição partidária nos Ministérios. Se nos regimes parlamentaristas euro-
peus se tecem as coalizões segundo a regra da proporcionalidade, dando-se a cada par-
tido uma fatia do ministério aproximadamente proporcional a seu peso na base parla-
mentar, no caso brasileiro a partilha dos postos ministeriais nem sempre segue essa
norma, por terem os presidentes a faculdade constitucional de nomear livremente seus
ministros. Entretanto, o conjunto, a correspondência entre o peso parlamentar dos par-
tidos e sua representação ministerial traria solidez legislativa ao gabinete. Quanto
maior essa correspondência, tanto maior seria a disciplina dos partidos integrantes do
gabinete no apoio às votações de interesse do Executivo. A medida estatística dessa cor-
respondência é o índice de coalescência, tanto maior quanto mais justa a proporciona-
lidade da distribuição de pastas ministeriais entre os partidos de apoio ao governo.
Os dados de Amorim Neto indicam que o governo de Fernando Henrique
Cardoso teria estado muito mais próximo de um governo de coalizão de estilo euro-
peu do que os de Fernando Collor e Itamar Franco. Ou seja, o presidencialismo de coa-
lizão não constitui um modelo estático, mas sim uma situação variável, conforme,
sobretudo, para esse autor, o grau de coalescência atingido.
Estudos mais recentes, do próprio Amorim Neto e de outros autores, já incorpo-
ram os dados do governo Lula. Amorim Neto observa terem os ministérios organiza-
dos, desde o governo Sarney até o de Lula, sido arranjos multipartidários com maior
ou menor grau de fragmentação e heterogeneidade ideológica. Mas o de Lula e o que
mais ampliou o número de partidos, chegando a nove. Quanto à heterogeneidade
ideológica, apenas o segundo e o terceiro de Collor dela escaparam, por se concentra-
rem mais à direita. Contudo, no caso do governo Lula, como acentua Fabiano Santos,
essa heterogeneidade aumentou bastante.
Há ainda que considerar o poder do Presidente da República para editar medidas
provisórias. Santos discute as conseqüências dessa prerrogativa sobre o padrão de rela-
ção entre o Executivo e o Legislativo. Se os presidentes optam pelo governo de coali-
zão, sendo os postos principais distribuídos proporcionalmente entre os partidos de
apoio, tentarão, ao editar as medidas provisórias (MPs), observar o interesse da maio-
ria governativa e tentarão governar por meios ordinários. É o caso de Cardoso, com

5 Ob. cit., Cintra, página 67.

634
Constitucionalismo Brasileiro:
Avanços, Desafios e Perspectivas

gabinetes coalescentes e ideologicamente menos heterogêneos, que permitiram que os


textos das MPs, nas diversas reedições, sofressem alterações negociadas, mas não o de
Collor, cujo ministério não era inclusivo e que abusou de MPs originais. No governo
Collor, o Congresso acenou, num certo ponto, com a possibilidade de uma lei discipli-
nadora do uso das MPs pelo Executivo, de que resultou o arrefecimento de seu uso. No
segundo mandato de Cardoso, aprovou-se a Emenda Constitucional 32/2001, que
impõe nova disciplina ao uso da medida provisória, ao limitar-lhe a reedição a uma só
vez. A não deliberação sobre a MP, decorridos quarenta e cinco dias de sua publicação,
leva-a ao regime de urgência, sob o qual ficam “sobreestadas, até que se ultime a vota-
ção, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando”. É o
chamado “trancamento de pauta”. Como mostra Santos, em vez de diminuir o uso das
MPs, passou-se a editar mais, e maior número delas passou a ser rejeitado.
Por fim, em relação à composição da “classe política”, são 513 deputados federais.
Em teoria, a Câmara de Deputados representaria o povo, cabendo ao Senado a repre-
sentação dos Estados. Não é bem assim, porém. Em primeiro lugar, não há deputados
nacionais, eleitos na circunscrição do país como um todo, mas sim bancadas estaduais
de deputados federais, o que faz que estes também se vejam como representantes das
unidades da Federação no plano nacional.
Em segundo lugar, mais importante, a representatividade popular da Câmara é
em parte invalidada por não se respeitar, na fixação do tamanho das bancadas esta-
duais, a proporcionalidade com o tamanho das populações estaduais. Ao contrário,
ao fixar um mínimo de oito representantes por Estado, não importa quão reduzida
sua população, e um máximo de setenta, a Carta de 1988 apenas deu continuidade
ao que tem prevalecido em nossa história republicana. Trata-se da desproporção
entre representação e tamanho populacional das unidades da Federação e, conse-
quentemente, a existência de pesos diferentes aos votos dos eleitores, contrária à
regra democrática de “um homem, um voto”. Apesar de o problema estar muito
claro no debate público sobre a matéria, basta compulsar os Anais da Assembléia
Nacional Constituinte que elaborou a vigente Carta, para nos darmos conta de que
a desproporcional distribuição de cadeiras entre os Estados passou a representar na
prática, como que uma “cláusula pétrea” de nossa organização política. Os parla-
mentares dos Estados sobre-representados não admitem a hipótese de redução de
sua representação. A grande desigualdade regional, dada a força de São Paulo na
Federação, dá peso político aos argumentos dos que defendem uma representação,
na Câmara, dos Estados menores e menos desenvolvidos, que não seja estritamente
proporcional a suas populações. Considera-se insuficiente a compensação federati-
va obtida no Senado, que, por ser ele a “Câmara dos Estados”, dá a todos eles o
mesmo peso na representação, independentemente de sua população.6

6 Conforme Cintra, Antonio Octávio e Lacombe, Marcelo Barroso “A Câmara dos Deputados na Nova
República: a visão da Ciência Política”, Capítulo 6 da obra já citada, “Sistema Político Brasileiro”, página 143
e seguintes.

635
Marcelo Figueiredo

b) Os partidos políticos7

O Brasil é uma federação com 26 estados e um Distrito Federal, com eleições


diretas em três níveis (federal, estadual e municipal). Tem eleições de dois em dois
anos não totalmente coincidentes, e as eleições municipais são defasadas das eleições
gerais. Para compreender o sistema partidário brasileiro atual, temos que buscar suas
raízes no período pós- 1945. Nestes últimos quase 60 anos, o sistema partidário sofreu
dois “realinhamentos” forçados pelo regime militar, em 1965-1966 e em 1979-1980.
Com o retorno aos governos civis em 1985, o sistema partidário passou por uma gran-
de expansão até 1993, quando se iniciou um certo “encolhimento”. Mas, o sistema
fragmentou-se de novo no final dos anos 90, com 18 partidos, elegendo pelo menos
um deputado em 1998 e 2002, e 21 em 2006.
Diferentemente dos outros regimes militares no Cone Sul (Chile, Uruguai e
Argentina), os generais – presidentes brasileiros não fecharam o Congresso Nacional
nem prescreveram os partidos políticos; mantiveram as eleições em intervalos regula-
res, embora com várias restrições autoritárias - num esforço para vender a imagem de
uma “democracia relativa”. Assim, a transição (ou transação) para a democracia se
processou sem rupturas entre 1974 e 1985. Por essa razão, com a abertura do sistema
partidário e com a liberdade de organizar novos partidos (ou reorganizá-los), não res-
surgiram os partidos tradicionais do período anterior ao golpe militar de 1964- como
reapareceram a Unión Cívica Radical e o Partido Justicialista na Argentina, os Blancos
e Colorados no Uruguai e o Partido Democrata Cristão no Chile, com o fim dos seus
respectivos regimes militares.
No período de 1945 a 1965, o Brasil chegou a ter treze partidos representados no
Congresso Nacional e dois médios e oito pequenos. Se considerarmos o período de
1980 a 1997, veremos um novo sistema partidário. Nos últimos cinco anos do regime
militar (1980-1985), manteve-se um pluripartidarismo moderado, com seis partidos e
depois cinco. Com o retorno dos governos civis (Sarney, 1985-1990; Collor, 1990-
1982; Itamar, 1992-1994; e F. H. Cardoso, 1995- 1998), modificou-se a legislação, o
que facilitou a criação e o registro de legendas novas. Como conseqüência, em 1991,
mais de quarenta partidos estavam registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
vinte dos quais representados no Congresso. Com a nova Lei Orgânica dos Partidos
Políticos – LOPP, sancionada em agosto de 1995, anteciparam-se várias fusões entre
1993 e 1996, com um certo encolhimento do sistema, o que promoveu um pluralismo
ligeiramente mais moderado nas eleições de 1998 e 2002. Hoje temos aproximada-
mente 9 (nove) partidos grandes e médios com projeção nacional.
Do ângulo do eleitorado, podemos acompanhar a análise de Reis,8 para quem as
estatísticas revelam o alheamento de grandes parcelas do eleitorado popular brasilei-

7 Segundo Fleischer, David “Os Partidos Políticos”, Idem, página 303 e seguintes.
8 Reis, Fábio Wanderley, “Dilemas da Democracia no Brasil”, São Paulo, ob. cit., página 476 e seguintes.

636
Constitucionalismo Brasileiro:
Avanços, Desafios e Perspectivas

ro perante a política e os assuntos públicos, alheamento este que se liga com a tendên-
cia geral ao desapreço pela democracia. Pesquisas por amostragem realizadas em 2002
em 17 países latino-americanos pelo Latinobarômetro, instituição sediada em Santiago
do Chile, mostram o Brasil com o país com menor proporção de respostas em que se
aponta a democracia como preferível a qualquer outra espécie de regime (37 por
cento). Não obstante certa recuperação relativamente a 2001, também nas pesquisas
de anos anteriores realizadas pelo mesmo instituto as proporções brasileiras de apoio
à democracia se situam entre as mais baixas da América Latina. É é talvez especial-
mente revelador observar que, no ano de 2002, a proporção de brasileiros que decla-
ram não saber o que significa a democracia ou simplesmente não responderam à per-
gunta a respeito é destacadamente mais alta que a dos nacionais de todos os demais
países latino-americanos, alcançando 63 por cento (em El Salvador, o segundo coloca-
do, a proporção correspondente não passa de 46 por cento).
Tais constatações têm certamente a ver com a grande desigualdade social brasi-
leira e seus reflexos nas deficiências educacionais do país, e pesquisas diversas mos-
tram a clara correlação positiva entre o apego à democracia (ou, em geral, a atenção e
o interesse pela política e o ânimo participante e cívico) e a escolaridade ou a sofisti-
cação intelectual geral dos eleitores.
De qualquer forma, duas observações permitidas por outros dados merecem des-
taque por sua relevância. A primeira mostra o substrato sociopsicológico com que apa-
rentemente continua a contar o populismo no Brasil, solapando a idéia de uma demo-
cracia capaz de operar institucionalmente de forma estável: somente entre os entre-
vistados de nível universitário não se encontrava, nos dados em questão, a concordân-
cia da ampla maioria com um item de claro ânimo antiinstitucional, e mesmo autori-
tário, em que se desqualificavam os partidos políticos e se afirmava que, em vez deles,
o que o país necessitava é “um grande movimento de unidade nacional dirigido por
um homem honesto e decidido”, abrindo assim uma margem para líderes “fortes”.
Esse tipo de mentalidade incrementa e incentiva a adoção de programas assisten-
cialistas, como o implementado no governo Lula. O “bolsa família”, que atinge 11
milhões de pessoas (aproximadamente 40 milhões de eleitores), serviu claramente
como instrumento poderoso de reeleição do Presidente, além dos resultados positivos
obtidos no cenário econômico (baixa inflação, mais acesso ao crédito, menos desem-
prego,etc).

IV. O Poder Judicial, Constitucional e a Defesa dos Direitos


Fundamentais

Como sabemos o Estado Democrático de Direito é a síntese histórica de duas


idéias originalmente antagônicas: democracia e constitucionalismo. Com efeito,
enquanto a idéia de democracia se funda na soberania popular, o constitucionalismo
tem sua origem ligada à noção de limitação do poder.

637
Marcelo Figueiredo

A supremacia da Constituição e a jurisdição constitucional são mecanismos pelos


quais determinados princípios e direitos, considerados inalienáveis pelo poder consti-
tuinte originário, são subtraídos da esfera decisória ordinária dos agentes políticos
eleitos pelo povo, ficando protegidos pelos instrumentos de controle de constitucio-
nalidade das leis e atos do poder público.
Assim, a jurisdição em geral e a jurisdição constitucional em particular9 fazem
parte da administração da justiça que tem como objetivo específico a matéria jurídi-
co-constitucional de um Estado.
O Direito prescrito pela Constituição de 1988, em vez de manutenção, em mui-
tas passagens postula uma transformação do status quo. A lei, sabemos, deixa de ser
apenas a simples reguladora de conflitos intersubjetivos e passa a assumir também
uma feição de um instrumento político de governo.
Essa mudança de paradigmas modifica o papel e a função desempenhada pelo
Poder Judiciário. Em vez de tratar apenas de conflitos intersubjetivos de menor com-
plexidade, agora tem o judiciário que resolver litígios coletivos. As chamadas “class
action”, as ações públicas (civis públicas), as diversas ações fundadas no direito coleti-
vo e no direito difuso fazem parte dessa nova realidade.

IV.1. O Ativismo do Judiciário Brasileiro e seus exemplos

O Supremo Tribunal Federal, com sua mais recente composição e principalmen-


te em razão da omissão legislativa sobre importantes questões para a vida nacional –
em especial no tocante a problemas políticos e de eficácia dos direitos fundamen-
tais –, vem se revelando como um Tribunal com menos receio de assumir um papel
politicamente ativo no exercício da função jurisdicional.
Como explica Gisele Cittadino,10 se o ativismo judicial é mais favorecido nos paí-
ses da common law – onde se tem a criação jurisprudencial do direito e uma maior
influência política do juiz –, nos países da civil law tal ativismo também é adotado,
especialmente em razão da incorporação dos princípios ao texto constitucional e da
fixação dos objetivos fundamentais do Estado na Constituição.
No Brasil, a referida autora menciona que o fortalecimento do ativismo judicial
se deve, principalmente, pela incorporação da linguagem do direito ao debate políti-
co e ao ordenamento jurídico, com a emergência do movimento dos direitos huma-
nos, nos anos 70, combatendo o regime militar, a luta pela reconquista dos direitos
políticos, na primeira metade dos anos 80, a participação, na segunda metade dos anos
80, de setores organizados da sociedade civil no processo constituinte e as freqüentes

9 Temos plena consciência que a rigor não existem duas jurisdições, apenas ressaltamos o aspecto didático-
estrutural da justiça.
10 CITTADINO, Gisele. “Judicialização da política, constitucionalismo democrático e separação de poderes”. In:
VIANNA, Luiz Werneck (Org.). A democracia e os três poderes no Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ/FAPERJ e
Belo Horizonte: UFMG, 2002, p. 17-42.

638
Constitucionalismo Brasileiro:
Avanços, Desafios e Perspectivas

denúncias, a partir dos anos 90, das violações dos direitos fundamentais das camadas
populares.
Além disso, segundo Cittadino, o ativismo judicial teria se fortalecido também
em razão dos seguintes fatores: (a) o reforço das instituições garantidoras do Estado de
Direito, como a Magistratura e o Ministério Público, após o período autoritário; (b) a
constitucionalização de valores da comunidade, exigindo um compromisso da
Constituição no sentido de concretizá-los; (c) a conversão dos direitos fundamentais
no núcleo básico do ordenamento constitucional brasileiro e em critério de interpre-
tação constitucional; (d) a percepção dos cidadãos não apenas como destinatários, mas
como autores de seus direitos; (e) o alargamento do círculo de intérpretes da
Constituição (cidadãos, partidos políticos, associações, etc.); (f) a ampliação do rol dos
direitos fundamentais, que exigem não só a abstenção do Estado, mas, também, um
dever de ação estatal; (g) a ampliação das ações coletivas; (h) a inércia do Poder
Legislativo; (i) o incremento dos instrumentos de controle da constitucionalidade das
leis e dos atos normativos; (j) o controle da omissão do Estado pelo Poder Judiciário;
(k) a atividade construtiva da interpretação constitucional.
Contudo, o protagonismo dos tribunais traz problemas ligados especialmente ao
princípio da Separação dos Poderes e da legitimidade democrática do Poder Judiciário,
ou seja, acerca da neutralidade política deste órgão estatal.
Rebatendo as críticas dirigidas à judicialização da Política, Ana Paula de
Barcellos advertindo, de início, que a separação dos Poderes tem natureza instrumen-
tal, na medida em que existe para realizar o controle do poder, evitando o arbítrio.
Dessa forma, não se mostra como um obstáculo lógico ao controle pelo Judiciário das
omissões inconstitucionais do Poder Público.11 No tocante à democracia, a mesma
autora acentua que, para além da fórmula majoritária, é imprescindível o respeito “aos
direitos fundamentais de todos os indivíduos, façam eles parte da maioria ou não”.12
E, então, conclui que o Judiciário tem legitimidade para conferir eficácia positiva aos
direitos prestacionais pelos seguintes motivos: (a) o Judiciário, tendo em vista que foi
criado pela própria Constituição, compõe o poder político nacional da mesma forma
que o Legislativo e o Executivo; (b) os órgãos de cúpula do Judiciário têm alto grau de
representatividade, na medida em que são formados pela vontade do Executivo e do
Legislativo; (c) os magistrados estão aptos a agir com independência, pois, para tanto,
gozam de prerrogativas asseguradas constitucionalmente; (d) as atividades jurisdicio-
nais, além de públicas e motivadas, encontram fundamento e limites nas normas jurí-
dicas; (e) as decisões judiciais são passíveis de revisão por outros órgãos do Judiciário;
(f) o processo jurisdicional, uma vez que garante às partes amplo contraditório, é mais
participativo do que qualquer outro processo público; (g) os grupos minoritários “sem-
pre terão acesso ao Judiciário para a preservação de seus direitos”.13

11 BARCELLOS, Ana Paula A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa
humana, p. 215-217.
12 Ibid., p. 227.
13 Ibid, p. 231-232.

639
Marcelo Figueiredo

IV. 2. Alguns Casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal no Brasil

a) Mandado de Injunção e o direito de greve dos servidores públicos

No Brasil, o mandado de injunção surge como um mecanismo de controle difu-


so da constitucionalidade por omissão. A Constituição de 1988, a primeira do ordena-
mento constitucional brasileiro a prever o mandado de injunção, estabelece, em seu
art. 5º, LXXI, o seguinte: “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de
norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitu-
cionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.
Por meio do mandado de injunção, pretende-se viabilizar o exercício de um
direito previsto na Constituição que, por falta de norma regulamentadora, o impetran-
te não consegue praticar.
Contudo, até recentemente não tinha sido esse o entendimento predominante
do Supremo Tribunal Federal, que, na maioria das vezes, ao julgar procedente o pedi-
do formulado em mandados de injunção, reconhecia a mora do órgão encarregado de
regulamentar o dispositivo constitucional e deferia o writ para que tal situação fosse
comunicada ao referido órgão.14
Flávia Piovesan identifica três correntes doutrinárias que buscam explicar os
efeitos da decisão proferida no mandado de injunção. Segundo essa autora, ao conce-
der o mandado de injunção, caberia ao Poder Judiciário: (a) elaborar a norma regula-
mentadora faltante, suprindo, deste modo, a omissão do legislador; ou (b) declarar
inconstitucional a omissão e dar ciência ao órgão competente para a adoção das pro-
vidências necessárias à realização da norma constitucional; ou (c) tornar viável, no
caso concreto, o exercício de direito, liberdade ou prerrogativa constitucional que se
encontrar obstado por faltar norma regulamentadora.15
Admitir que o Poder Judiciário, ao conceder o mandado de injunção, elaboraria
a norma regulamentadora faltante, suprimindo a omissão do legislador,16 afrontaria o
princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal.

14 Mandado de Injunção n. 585/TO, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 15.05.2002. Em casos isolados o entendimento
não vinha sido esse, como se pode verificar das decisões proferidas no Mandado de Injunção 283/DF, rel.
Min. Sepúlveda Pertence, j. 20.03.1991; e no Mandado de Injunção n. 562/RS, rel. Min. Carlos Velloso, rel.
do acórdão Min. Ellen Gracie, j. 20.02.2003. Neste último caso, parte da ementa do acórdão tem o seguinte
teor: “Reconhecimento da mora legislativa do Congresso Nacional em editar a norma prevista no parágra-
fo 3º do art. 8º do ADCT, assegurando-se, aos impetrantes, o exercício da ação de reparação patrimonial, nos
termos do direito comum ou ordinário, sem prejuízo de que se venham, no futuro, a beneficiar de tudo
quanto, na lei a ser editada, lhes possa ser mais favorável que o disposto na decisão judicial. O pleito deve-
rá ser veiculado diretamente mediante ação de liquidação, dando-se como certos os fatos constitutivos do
direito, limitada, portanto, a atividade judicial à fixação do ‘quantum’ devido”.
15 PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas: ação direta de inconstitucionalidade por
omissão e mandado de injunção, p. 148.
16 Essa é a posição, por exemplo, de GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades, p. 182-4.
Esse autor afirma o seguinte: “Uma solução intermediária seria a de se admitir que, procedente o pedido, o

640
Constitucionalismo Brasileiro:
Avanços, Desafios e Perspectivas

Aceitar que o mandado de injunção se prestaria, simplesmente, a declarar


inconstitucional a omissão e a dar ciência ao órgão omisso para adotar as providências
necessárias à realização da norma constitucional, sem possibilidade de imposição de
sanção a este, significaria reconhecer a dois instrumentos constitucionais distintos —
o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão17 — os
mesmos efeitos.18
Ademais, concordar com a argumentação de que o mandado de injunção é um
instrumento desprovido de força para viabilizar o exercício do direito previsto na
Constituição é o mesmo que negar a esse instrumento a natureza de ação constitucio-
nal, o que também não se pode admitir.
Nas palavras de Luís Roberto Barroso — no que é acompanhado por grande parte
da doutrina —, o provimento judicial, no mandado de injunção, tem “natureza cons-
titutiva, devendo o juiz criar a norma regulamentadora para o caso concreto, com efi-
cácia inter partes, e aplicá-la, atendendo, quando seja o caso, à pretensão veiculada”.19
Assim, o mandado de injunção deveria ser entendido como uma ação constitucional
voltada a tornar viável, no caso concreto, o exercício do direito previsto constitucio-
nalmente e que se encontra obstado por falta de norma regulamentadora.20
O art. 37 da Constituição Federal, ao tratar das disposições gerais da administra-
ção pública, estabelece, em seu inciso VII, que o direito de greve do servidor público
civil será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica.
As decisões do Supremo Tribunal Federal, há mais de uma década, caminhavam
no sentido de interpretar o art. 37, VII, da Constituição, como uma norma de eficácia
limitada. Nossa Suprema Corte vinha entendendo que o advento da lei constituiria
requisito de aplicabilidade do art. 37, VII, da Constituição Federal. O direito público
subjetivo de greve, outorgado aos servidores civis, só se revelaria possível depois da

tribunal poderia determinar prazo para que a norma fosse elaborada sob pena de, passado esse lapso tempo-
ral, ser devolvida ao Judiciário a atribuição de fazê-la. É certo que, passado o prazo, retornar-se-ia à segun-
da alternativa, ou seja, o tribunal é que deveria fazer a norma. A solução adequada, portanto, parece a pri-
meira, admitida a alternativa de, antes, ser dada a oportunidade para que o poder competente elabore a
norma. Se este não a fizer o Judiciário a fará para que possa ser exercido o direito constitucional”.
17 O art. 103, § 2º, da Constituição, ao disciplinar a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, prevê o
seguinte: “§ 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma consti-
tucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratan-
do de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias”.
18 Nas palavras de Barroso, Luís Roberto (in: O controle da constitucionalidade no direito brasileiro cit. p.
106), essa interpretação seria inadmissível porque aceitaria a existência de “dois remédios constitucionais
para que seja dada ciência ao órgão omisso do Poder Público, e nenhum para que se componha, em via judi-
cial, a violação do direito constitucional pleiteado”.
19 BARROSO, Luís Roberto. O controle da constitucionalidade no direito brasileiro cit., p. 104.
20 Esse é o entendimento, por exemplo, de PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial cit., p. 157 e segs.; TEMER,
Michel. Elementos de direito constitucional cit. p. 205; SILVA, José Afonso da. Curso de direito consti-
tucional positivo cit., p. 450 e também sempre foi o nosso entendimento, Cf. Figueiredo, Marcelo “O
mandado de injunção e a inconstitucionalidade por omissão”, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais
1991, (esgotado).

641
Marcelo Figueiredo

edição da lei especial reclamada pela Constituição. “A mera outorga constitucional do


direito de greve ao servidor público civil não basta[ria] — ante a ausência de auto-
aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição — para justificar o
seu imediato exercício.” (Mandado de Injunção 20-4/DF e, no mesmo sentido, MI
485-4/MT, 585-9/TO e 438/GO).
Contudo, recentemente, ao julgar os Mandados de Injunção 670, 708 e 712, todos
de 2007, o Supremo Tribunal Federal determinou a aplicação, aos servidores públicos
civis, da Lei nº 7.783/89, que regulamenta o direito de greve para os trabalhadores da
iniciativa privada, naquilo que não for colidente com a natureza estatuária do víncu-
lo estabelecido entre os funcionários e a Administração Pública, enquanto o Poder
Legislativo não promulgar o diploma legal específico, previsto no art. 37, VII, da CF.
Como se percebe, o Supremo Tribunal Federal passou de um extremo a outro,
contrariando, em ambos os casos, a doutrina majoritária sobre a matéria. Antes, o STF
reconhecia a inconstitucionalidade por omissão e comunicava o órgão omisso acerca
disso. Agora, com os Mandados de Injunção 670, 708 e 712, resolveu a questão não
somente para as partes envolvidas, mas suprimiu a omissão, resolvendo a questão para
todos os casos, abstratamente.

b) Número de vereadores proporcional à população

Em 2002, o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário 197.917,


decorrente de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público com o objetivo
de reduzir de 11 para 9 o número de Vereadores da Câmara Municipal de Mira
Estrela, Estado de São Paulo.
A alegação do Ministério Público era a de que a previsão da Lei Orgânica do
Município violaria o art. 29, IV, alínea “a”, da CF,21 acarretando prejuízo ao erário
local, visto que o Município tinha menos de 3.000 habitantes.
Em resposta, a Câmara Municipal de Mira Estrela alegara que tinha autonomia
para fixar o número de Vereadores, observados os parâmetros mínimo e máximo fixa-
dos pela Constituição.
O Supremo Tribunal Federal criou parâmetros aritméticos para a composição das
Câmaras Municipais, levando em conta o disposto no art. 29, IV, letras “a” a “c”, da
CF. Segundo o STF, tais parâmetros preservariam os princípios da igualdade e da pro-
porcionalidade (devido processo legal substantivo), bem como os princípios da

21 Tal artigo da Constituição brasileira estabelece o seguinte: “Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgâni-
ca, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros
da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na
Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: [...] IV – número de Vereadores proporcional à
população do Município, observados os seguintes limites: a) mínimo de nove e máximo de vinte e um nos
Municípios de até um milhão de habitantes; b) mínimo de trinta e três e máximo de quarenta e um nos
Municípios de mais de um milhão e menos de cinco milhões de habitantes; c) mínimo de quarenta e dois e
máximo de cinqüenta e cinco nos Municípios de mais de cinco milhões de habitantes”.

642
Constitucionalismo Brasileiro:
Avanços, Desafios e Perspectivas

Administração Pública (art. 37, caput, CF), como a moralidade, a impessoalidade e a


economicidade dos atos administrativos.
Na mesma ocasião, o Supremo Tribunal Federal modulou os efeitos da decisão
tomada no controle difuso da constitucionalidade e determinou que eles seriam pro-
duzidos pro futuro. Sob o argumento da preservação da segurança jurídica, o
Município somente teria reduzido o número de vereadores de 11 para 9 a partir da
legislatura seguinte.
Como nessa decisão do STF, o Tribunal Superior Eleitoral editou, em 2004, as
Resoluções 21.702 e 21.803, por meio das quais fixou o número de vereadores em
todos os Municípios do Brasil.

c) Verticalização das coligações partidárias

Em 2002, o Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução 20.993 estabelecendo


que os partidos que lançassem, isoladamente ou em coligação, candidato a Presidência
da República, em 2002, não poderiam formar coligação para eleição de Governadores,
Senadores, Deputados Federais e Estaduais, com partido político que tivesse lançado,
isoladamente ou em aliança diversa, candidato à eleição presidencial.
O Partido da Frente Liberal (PFL) ingressou no Supremo Tribunal Federal com
Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADIN 2.628), alegando que a referida
Resolução do TSE violaria o princípio da anualidade (art. 16, CF),22 da legalidade (art.
5º, II, CF),23 do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF),24 da autonomia dos partidos
políticos (art. 17, § 1º, CF, antes da Emenda 52/2006),25 bem como da competência da
União para legislar sobre direito eleitoral (arts. 22, I, e 48, caput, CF).26
Não havia, na ocasião, previsão constitucional que se ocupasse diretamente das
coligações partidárias. O STF, por maioria de votos, não conheceu da ADIN, porque a
Resolução do TSE seria um ato normativo secundário, de interpretação da
Constituição, que apenas poderia violá-la indiretamente.

22 “Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando
à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.”
23 “II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
24 “LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
25 A redação do art. 17, § 1º, da CF, era a seguinte: “É assegurada aos partidos políticos autonomia para defi-
nir sua estrutura interna, organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fide-
lidade e disciplina partidárias.” A Emenda Constitucional 52, de 2006 alterou tal dispositivo, que passou a
ter o seguinte teor: “§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna,
organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais,
sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou munici-
pal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.”
26 O art. 22, inciso I, estabelece a competência da União para legislar sobre direito eleitoral: “Art. 22. Compete
privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marí-
timo, aeronáutico, espacial e do trabalho”. O caput do artigo 48 tem a seguinte redação: “Art. 48. Cabe ao
Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts.
49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União [...].”

643
Marcelo Figueiredo

Como resposta às atitudes do Poder Judiciário (TSE e STF), o Congresso


Nacional, em 2006, produziu a Emenda Constitucional nº 52/2006, que alterou o art.
17, § 1º, permitindo expressamente a coligação sem necessidade de respeitar a verti-
calização: “É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura
interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime
de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas
em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabele-
cer normas de disciplina e fidelidade partidária”.

d) Cláusula de barreira

A cláusula de barreira, também conhecida como cláusula de exclusão ou de


desempenho, é a disposição normativa que nega a existência ou a representação par-
lamentar ao partido que não tenha alcançado um determinado número ou percentual
de votos numa eleição.
Os objetivos de tal cláusula são os de coibir um número elevado de partidos, evi-
tar o enfraquecimento partidário, impedir as legendas de aluguel e evitar que se afete
a governabilidade
O artigo 17 da Constituição Federal de 1988 prevê a liberdade de criação, fusão,
incorporação e extinção dos partidos, resguardadas: (a) a soberania nacional; (b) o
regime democrático; (c) o pluralismo partidário; (d) os direitos fundamentais da pes-
soa; (e) funcionamento parlamentar na forma da lei.
Portanto, apesar de a Constituição remeter o funcionamento parlamentar à legis-
lação ordinário, não faz menção expressa à cláusula de barreira.
A Lei 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos), no art. 12, prevê que o “partido polí-
tico funciona, nas Casas Legislativas, por intermédio de uma bancada, que deve cons-
tituir suas lideranças de acordo com o estatuto do partido, as disposições regimentais
das respectivas Casas e as normas desta Lei”. E o art. 13 da mesma lei estabelecia que
o partido teria direito ao funcionamento parlamentar o partido que, em cada eleição
para a Câmara dos Deputados tivesse obtido o apoio de, no mínimo, 5% dos votos apu-
rados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço
dos Estados, com um mínimo de 2% do total de cada um deles.
Na ocasião, somente 7 dos 26 partidos políticos brasileiros teriam funcionamen-
to parlamentar, participando do rateio do saldo do fundo partidário e gozando de 80
minutos por ano de propaganda eleitoral gratuita em cadeias nacional e estadual, por
exemplo.
Em 2006, o PSC (Partido Social Cristão), um dos partidos que seriam excluídos
do funcionamento parlamentar em razão da cláusula de barreira, ingressou com a
ADIN 1.354.
O Supremo Tribunal Federal julgou a cláusula de barreira inconstitucional pelos
seguintes motivos: (a) seria o fim das minorias políticas e a consagração do despotis-

644
Constitucionalismo Brasileiro:
Avanços, Desafios e Perspectivas

mo da maioria; (b) um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é o plura-


lismo político (art. 1º, V, CF); (c) a distinção entre partidos fere o direito de associa-
ção (art. 5º, XVII, XVIII e XIX, CF); (d) ao reduzir a representatividade dos parlamen-
tares eleitos, cassa os direitos políticos dos que os elegeram; (e) haveria violação da
cláusula do voto igual para todos (art. 14, CF); (f) seria ferido o princípio da igualda-
de de chances e oportunidades, bem como da igualdade de condições no exercício dos
mandatos; e (g) ocorreria a violação da igualdade entre partidos e entre eleitores.

e) Fidelidade partidária

No ano de 2007, o Partido da Frente Liberal (PFL, atualmente DEM – Demo-


cratas), formulou a seguinte a Consulta 1.398 ao Tribunal Superior Eleitoral: os parti-
dos políticos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleito-
ral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferên-
cia do candidato eleito por um partido para outra legenda? Em outras palavras, o man-
dato pertence ao eleito ou ao partido?
O TSE, respondendo à consulta, estabeleceu que a Candidatura depende de filia-
ção partidária (art. 14, § 3º, V, CF) e o princípio da moralidade administrativa (art. 37,
caput, CF) repudia o uso de qualquer prerrogativa pública no interesse particular ou
privado. Assim, o mandato pertenceria ao partido e não ao candidato eleito, apesar de
o art. 55, da CF, não prever a mudança de partido como causa de perda do mandato.
Em 2007, três partidos políticos (DEM – Democratas, PPS – Partido Popular
Socialista e PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira) impetraram os Mandados
de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604 perante o Supremo Tribunal Federal com o
intuito de reaver os mandatos de parlamentares que foram eleitos por eles e depois
mudaram de legenda.
O STF entendeu que o mandato pertence ao partido, mas a declaração de vacân-
cia depende de se garantir, ao parlamentar, o direito à ampla defesa (art. 5º, LIV, CF).
Estabeleceu, ainda, que os efeitos da decisão seriam produzidos a partir da resposta do
TSE à Consulta 1.398, de 27/03/2007, com o objetivo de respeitar o princípio da segu-
rança jurídica, visto que nessa data o TSE mudou de entendimento acerca da matéria.
O TSE, então, ampliou o entendimento sobre a fidelidade partidária aos eleitos
pelo sistema majoritário, em consulta respondida no dia 16 de outubro de 2007. E o
mesmo Tribunal editou a Resolução 22.610/07, disciplinando o processo de perda do
cargo eletivo em razão da desfiliação partidária. Segundo esta Resolução, o parlamen-
tar tem justa causa para se desfiliar de seu partido, sem o risco de perder o mandato,
nos casos de: incorporação ou fusão do partido; criação de novo partido; mudança
substancial ou desvio reiterado do programa partidário; grave discriminação pessoal

645
Marcelo Figueiredo

f) Interrupção da gravidez de feto anencefálico

No Brasil, há vários anos, discute-se a possibilidade de realização de aborto quan-


do a mulher grávida depara com a má-formação do feto, que inviabiliza a vida extra-
uterina.
Como noticia José Afonso da Silva,27 durante a última Constituinte, houve três
tendências sobre a questão do aborto: “Uma queria assegurar o direito à vida, desde a
concepção, o que importava em proibir o aborto. Outra previa que a condição de
sujeito de direito se adquiria pelo nascimento com vida, sendo que a vida intra-uteri-
na, inseparável do corpo que a concebesse ou a recebesse, é responsabilidade da
mulher, o que possibilitava o aborto. A terceira entendia que a Constituição não deve-
ria tomar partido na disputa, nem vedando nem admitindo o aborto.”
Com efeito, a Constituição Federal, no caput do art. 5º, estabelece que, entre
outros direitos, é inviolável o direito à vida e à liberdade, mas deixou para a legislação
ordinária a possibilidade de criminalizar o aborto.
O art. 2º do Código Civil de 2002 prevê que a “personalidade civil da pessoa
começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos
do nascituro”. Por sua vez, a Parte Especial do Código Penal, decretada durante a dita-
dura getulista, pune a prática do aborto provocado pela gestante ou com seu consen-
timento, bem como o aborto provocado por terceiro, com ou sem a anuência dela. Já
o art. 128 do Código Penal prevê que não se pune o aborto praticado por médico se
não há outro meio de salvar a vida da gestante ou se a gravidez é resultante de estu-
pro e o aborto é precedido de consentimento da gestante.
Nota-se que não há permissão legal expressa para a prática de aborto na hipóte-
se de se constatar a má-formação do feto. Mas a jurisprudência, apesar de alguma
divergência, passou a admitir tal prática, nos últimos anos.
Algumas decisões judiciais, realizando uma interpretação evolutiva da norma
jurídica, consideram que, por ocasião da promulgação do Código Penal, em 1940, não
existiam os recursos técnicos que atualmente permitem a detecção de anomalias fetais
severas. Assim, não se poderia prever, naquela ocasião, a má-formação do feto entre
as causas de exclusão de ilicitude do aborto.
Alguns juízes também passaram a fazer uma interpretação extensiva do art. 128,
I, do Código Penal, para admitir a exclusão da ilicitude do aborto não só quando rea-
lizado para salvar a vida da gestante, mas quando se mostrar necessário para preser-
var-lhe a saúde, inclusive psíquica.
Como decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo,28 se a lei admite o aborto para
preservar os sentimentos da mãe, no caso de gravidez resultante de estupro — mesmo
quando o feto é sadio e perfeito —, por maior razão deve-se autorizar a interrupção

27 Curso de direito constitucional positivo, p. 206.


28 Mandado de Segurança n. 329.564-3/3-00, rel. Des. David Haddad, j. 20.11.2000.

646
Constitucionalismo Brasileiro:
Avanços, Desafios e Perspectivas

da gravidez quando constatada uma grave má-formação fetal. Com isso, evita-se o
sofrimento físico e psicológico não só da gestante, mas também dos outros membros
da família.
Ademais, o art. 5º, caput, da Constituição Federal procura garantir a inviolabili-
dade do direito à vida, mas, constatada a inviabilidade de vida extra-uterina do feto,
não há que se falar em preservação de tal direito. Aliás, o art. 1º, III, da Constituição,
também prevê que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a digni-
dade da pessoa humana. E não parece digno exigir que uma mulher grávida, sabendo
que dará à luz um natimorto, não possa ter a liberdade de optar pela interrupção da
gravidez.
Aliás, em países onde existem restrições legais à interrupção da gravidez, os
abortos provocados têm sido apontados como uma das principais causas de mortalida-
de materna. Tais restrições levam mulheres de alta renda a clínicas particulares, que
utilizam técnicas modernas de interrupção da gravidez, ao passo que induzem mulhe-
res de baixa renda a recorrer a práticas de alto risco à saúde, como procurar um “abor-
teiro” ou se automedicar com drogas abortivas de eficácia não comprovada e, muitas
vezes, vendidas em farmácias, sem prescrição médica.
Contudo, houve casos, espalhados por vários Estados da Federação brasileira, em
que o Judiciário não admitiu a interrupção da gravidez, mesmo constatada a inviabi-
lidade de vida extra-uterina do feto.
Em junho de 2004, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS)
propôs, perante o Supremo Tribunal Federal, uma Argüição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADFP) com o intuito de fazer cessar a divergência de decisões
judiciais sobre a possibilidade de gestantes de fetos anencefálicos (ausência total ou
parcial do cérebro) interromperem a gravidez.
Em abril de 2005, o Supremo Tribunal Federal admitiu, por 7 votos a 4, que a
ADPF proposta pela CNTS sobre a descriminalização do aborto nos casos de fetos
anencefálicos é um meio hábil para solucionar a divergência de jurisprudência, mas
ainda não apreciou o mérito da demanda.

V. Os Mecanismos de Defesa da Constituição

A Constituição brasileira de 1988 contém vários mecanismos para que suas nor-
mas possam, quando violadas, serem o quanto possível restabelecidas. Tem no Poder
Judiciário em geral, e no Supremo Tribunal Federal em particular, o guardião de suas
normas e valores.29

29 Sobre o tema, confira-se o nosso trabalho: Figueiredo, Marcelo, “Una visión del control de constituciona-
lidad en Brasil”, Revista Jurídica de Castilla –La –Mancha, Toledo, número 41, Noviembre 2006, páginas
69 a 135.

647
Marcelo Figueiredo

Em primeiro lugar, destaque-se o amplo leque de legitimados do artigo 103 para


propor ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) ou ações declaratória de consti-
tucionalidade, a primeira, (por ação- positiva) ou (por omissão – negativa), a saber:
1) O Presidente da República, 2) a Mesa do Senado Federal, 3) a Mesa da Câmara dos
Deputados; 4) A Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito
Federal; 5) o Governador de Estado ou do Distrito Federal; 6) o Procurador Geral da
República; 7) o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; 8) Partido
Político com representação no Congresso Nacional;9) Confederação sindical ou enti-
dade de classe de âmbito nacional.
Dois são os sistemas de controle judicial de constitucionalidade de leis e atos nor-
mativos no Brasil.
Temos o sistema difuso (de origem norte-americana) pelo qual qualquer juiz e
qualquer Tribunal podem suspender a norma tida por inconstitucional e o sistema
concentrado (de origem européia) segundo o qual o Supremo Tribunal Federal deve,
objetivamente, controlar a constitucionalidade de leis e atos normativos (via abstrata
ou direta).
Há ainda a chamada ADPF - Argüição de Descumprimento de Preceito
Fundamental, prevista no artigo 102, § 1º e na Lei 9.882/99 tem por objeto na moda-
lidade de ação autônoma, evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante
de ato do Poder Público.
Até o momento o Supremo Tribunal não definiu o que entende por preceito fun-
damental. Em algumas hipóteses, disseram o que não é preceito fundamental. A dou-
trina, entretanto, vem apresentando adequados cenários de encaixe do novo instituto.
Lenio Luiz Streck, por exemplo, afirma: “Muito embora os problemas que a nova
Lei apresente, importa ressaltar que a argüição de descumprimento de preceito fun-
damental se coloca - enquanto direito de acesso à jurisdição constitucional - ao lado e
como complemento do mandado de injunção, da ação de inconstitucionalidade por
omissão e dos próprios mecanismos de controle de constitucionalidade. Isto porque,
enquanto o mandado de injunção é remédio contra a ineficácia de normas não regu-
lamentadas, podendo/devendo o Poder Judiciário suprir, no caso concreto, o direito
não realizado, a argüição de descumprimento de preceito fundamental objetiva com-
pelir o Poder Público a abster-se de realizar um ato abusivo e violador do Estado.
No que se relaciona ao controle de constitucionalidade stricto sensu, releva notar
que a argüição de descumprimento de preceito fundamental abrange a ambivalência
própria do sistema misto de controle de constitucionalidade vigorante no Brasil, isto
é, ao mesmo tempo em que é uma ação autônoma (art. 1, caput, da Lei 9.882/90), é
também mecanismo apto a provocar incidentalmente a constitucionalidade de leis ou
atos normativos difusamente (art. 1, parágrafo único, I).
Releva notar que a nova ação veio preencher antiga lacuna existente em nosso
ordenamento ao permitir que o STF examine a constitucionalidade de atos normati-
vos anteriores à Constituição de 1988 (inconstitucionalidade superveniente). Como se

648
Constitucionalismo Brasileiro:
Avanços, Desafios e Perspectivas

sabe, a partir do julgamento das ADIns números 2 e 438, o STF passou a firmar posi-
ção no sentido de não aceitar ações de inconstitucionalidade de leis anteriores à
Constituição. Agora, pelo disposto no inciso I do parágrafo único do artigo 1 da nova
Lei, também os atos normativos anteriores à Constituição são passíveis de declaração
de inconstitucionalidade. Também será possível que se intente argüição de descum-
primento de preceito fundamental preventivamente. A ADPF terá por objeto evitar
ou reparar lesão. Ou seja, o sistema passa a admitir não somente a modalidade repres-
siva, mas também a modalidade preventiva de controle de atos que possam colocar em
xeque preceitos fundamentais da Constituição.
De qualquer sorte, em face das peculiaridades que revestem a ADPF, no seu cará-
ter incidental, tudo está a indicar que a sede privilegiada desta nova ação será mesmo
o controle concentrado. É nessa direção que apontam as ações intentadas até este
momento no STF, podendo ser arroladas alguma delas, como a ADPF número 4, que
buscava desconstituir a Medida Provisória 2.019/2000, que fixou o valor do salário
mínimo, ainda sem decisão; a ADPF número 1, ajuizada contra ato do Prefeito do Rio
de Janeiro, por ter aposto veto parcial, de forma imotivada, a projeto de lei aprovado
na Câmara Municipal, elevando o valor do Imposto Predial e Territorial Urbano –
IPTU, que não foi conhecida sob o argumento de que o veto não se enquadra no con-
ceito de ato do poder público de que fala a lei, e a ADPF número 3, proposta pelo
Governador do Ceará, contra ato do Tribunal de Justiça daquele Estado que deferira o
pagamento de gratificações em “cascata”, a qual não foi conhecida sob o fundamento
de que não foi cumprido o esgotamento de todos os meios aptos a solver o conflito”.30
Entendeu ainda o STF que a ADPF pode ser conhecida como Ação Direta de
Inconstitucionalidade.
Portanto, além dos dois possíveis caminhos para se controlar a constitucionali-
dade de leis e atos normativos (sistema difuso e sistema concentrado), com suas
variantes, positiva e negativa, temos ainda a possibilidade da intervenção.
A ADIN interventiva apresenta-se como um dos pressupostos para a decretação
da intervenção federal, ou estadual, pelos Chefes do Executivo, nas hipóteses previs-
tas na Constituição de 1988.
Na ação direta de inconstitucionalidade interventiva, o Judiciário exerce, um
controle da ordem constitucional tendo em vista um caso concreto que lhe é subme-
tido a análise. O Judiciário não nulifica o ato, mas apenas verifica se estão presentes
os pressupostos para a futura decretação de intervenção pelo Chefe do Executivo.
É possível a intervenção da União nos Estados e dos Estados nos Municípios
desde que lei ou ato normativo, ou omissão, ou ato governamental desrespeitem os
princípios sensíveis da Constituição (forma republicana, sistema representativo e regi-
me democrático, direitos da pessoa humana, autonomia municipal, prestação de con-

30 Streck, Lênio Luiz, “Jurisdição Constitucional e Hermenêutica”, 2ª ed., revista, Editora Forense, Rio de
Janeiro, 2004, página 817.

649
Marcelo Figueiredo

tas da administração pública; aplicação do mínimo exigido da receita na manutenção


do ensino e da saúde).
Finalmente ressalte-se que a Constituição Federal, mercê da Emenda
Constitucional número 45/2004, passou a prescrever a possibilidade de o Supremo
Tribunal Federal editar súmula dotada de efeito vinculante em relação aos órgãos do
Judiciário e à Administração Pública, nas esferas federal, estadual e municipal.
O dispositivo constitucional, no entanto, é claro ao indicar a reserva de matéria
capaz de abrigar a edição da súmula: apenas matéria constitucional.

VI. Avanços e ameaças à Democracia

O sistema político-constitucional brasileiro avançou ao estabelecer, por meio de


sua atual Constituição, que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado
Democrático de Direito.31 Trata-se de um avanço porque demonstra a escolha pelo
Poder Constituinte de um caminho revolucionário para o Brasil, à época ainda macu-
lado pelo passado ditatorial. È que a configuração deste novo Estado não se resume à
simples junção de termos (Estado Democrático + Estado de Direito = Estado
Democrático de Direito). Como afirma José Afonso da Silva, “consiste, na verdade, na
criação de um conceito novo, que leva em conta os conceitos dos elementos compo-
nentes, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de
transformação do status quo”.32
Atente-se para o fato de que na expressão “Estado Democrático de Direito”, o
“democrático” qualifica o Estado e não o Direito, diferentemente, por exemplo, da
Constituição portuguesa, que instaura o Estado de Direito Democrático, com o “demo-
crático” qualificando o Direito. Essa opção terminológica, que a princípio soa como
eventual, reflete, na verdade, a preocupação política em irradiar os princípios da
democracia por toda a estrutura do Estado e da ordem jurídica.33
Nesse contexto, é possível depreender da Constituição Federal de 1988 os prin-
cípios norteadores da Democracia, os quais, de acordo com Dalmo de Abreu Dallari,
consistem em três pontos fundamentais: a supremacia da vontade popular, a preserva-
ção da liberdade e a igualdade de direitos.34

31 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
(...)”.
32 Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 119.
33 Ibid.
34 Elementos de teoria geral do Estado. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 151.

650
Constitucionalismo Brasileiro:
Avanços, Desafios e Perspectivas

A soberania popular é lembrada logo no primeiro artigo da Constituição, a qual


dispõe que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.35 Esta norma retrata a demo-
cracia semi-direta, que alia a democracia representativa à democracia participativa.
Nessa ótica, vale destacar os instrumentos de participação direta eleitos pelo
Constituinte: o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, consoante o artigo 14,
incisos I, II e III, da CF.
O plebiscito consiste numa consulta prévia ao ato legislativo ou administrativo,
cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido. O
referendo, ao contrário, é convocado posteriormente ao ato legislativo ou administra-
tivo, de tal forma que a manifestação popular consistirá na sua ratificação ou rejeição.
Tais instrumentos devem ser utilizados quando estiverem em debate matérias de
acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.
De acordo com a legislação que regulamenta o procedimento do plebiscito e do
referendo (lei nº 9.709/98), estes serão convocados por decreto legislativo, por propos-
ta de um terço, no mínimo, dos membros que compõem qualquer das Casas do
Congresso Nacional. Se aprovado o ato convocatório, o Presidente do Congresso
Nacional informará a Justiça Eleitoral, que deverá fixar a data da consulta popular,
tornar pública a cédula respectiva, expedir instruções para a realização do plebiscito
ou referendo e assegurar a gratuidade nos meios de comunicação de massa concessio-
nários de serviço público, aos partidos políticos e às frentes suprapartidárias organiza-
das pela sociedade civil em torno da matéria em questão, para a divulgação de seus
postulados referentes ao tema sob consulta. Para aprovação ou rejeição do plebiscito
ou referendo, exige-se o quórum de maioria simples, devendo o resultado ser homo-
logado pelo Tribunal Superior Eleitoral.
A iniciativa popular, por sua vez, pode ser exercida pela apresentação à Câmara
dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitora-
do nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três déci-
mos por cento dos eleitores de cada um deles (art. 61, §2º, CF).
Outro requisito exigido para apreciação do projeto de lei de iniciativa popular é
que seu objeto esteja circunscrito a um só assunto. Por outro lado, dispensam-se maio-
res formalidades, uma vez que não poderá ser rejeitado por vício de forma, cabendo à
Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de even-
tuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação. Com isso, acertadamente,
privilegia-se a legitimidade popular, liquidando-se obstáculos de ordem meramente
técnica.
Apesar da enorme relevância desses mecanismos de participação direta, são raras
as hipóteses em que vemos sua utilização na democracia brasileira. Basta constatar que
durante os quase vinte anos de vigência da atual Constituição, houve apenas um ple-

35 Art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal.

651
Marcelo Figueiredo

biscito, um referendo e três projetos de lei de iniciativa popular que se converteram


em lei.
O plebiscito a que nos referimos foi realizado em sete de setembro de 1993, por
determinação do Constituinte, que incluiu no Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias36 a realização de consulta popular para definição da forma (república ou
monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencia-
lismo) que deveriam vigorar no país.
Já o referendo foi realizado recentemente, em outubro de 2005, por determina-
ção da Lei 10.826 de 2003, conhecida como “Estatuo do desarmamento”, e consistiu
em consulta popular sobre a proibição ou não da comercialização de arma de fogo e
munição em todo o território nacional. É que a referida lei condicionou a aplicação do
seu artigo 35, que continha a proibição do comércio de armas, à aprovação mediante
referendo popular.37
Houve grande mobilização no país em torno do debate criado pelo referendo,
sendo que 59.109.265 eleitores (63,94%) votaram pela “não proibição do comércio de
armas e munição”, contra 33.333.045 eleitores (36,06%) a favor da proibição.
O primeiro projeto de lei de iniciativa popular convertido em lei teve como obje-
to a criação do Fundo de Moradia Popular e do Conselho Nacional de Moradia
Popular para subsidiar a construção de moradias populares. Apresentado no ano de
1992 na Câmara dos Deputados, o projeto tramitou durante 13 anos no Congresso
Nacional, convertendo-se na Lei nº 11.124 de 2005.38
Em 1993 foi apresentado o segundo projeto de lei de iniciativa popular conver-
tido em lei, tendo resultado na lei 8.930 de 1994. Sua matéria consistia em transfor-
mar o homicídio qualificado em crime hediondo.
A curiosa diferença do período de tramitação entre um e outro projeto não é
mera coincidência. Como se sabe, alterações legislativas que visam criminalização de
condutas ou endurecimento do Estado na esfera penal tendem a tramitar mais rapida-
mente em virtude de pressões momentâneas da mídia. Por outro lado, proposições que
podem resultar em gastos governamentais maiores e que não atendem os interesses de
grupo restrito da sociedade perdem-se no tempo.

36 “Art. 2º No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebisicito, a forma (república ou
monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigo-
rar no país. §1º Será assegurada gratuidade na livre divulgação dessas formas e sistemas, através dos meios
de comunicação de massa cessionários de serviço público. § 2º O Tribunal Superior Eleitoral, promulgada a
Constituição, expedirá as normas regulamentadoras deste artigo”.
37 “Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para
as entidades previstas no art. 6º desta Lei. § 1º Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprova-
ção mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005. § 2º Em caso de aprovação do refe-
rendo popular, o disposto neste artigo entrará em vigor na data de publicação de seu resultado pelo Tribunal
Superior Eleitoral”.
38 Conforme informação disponível no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados (www.camara.gov.br) e do
Senado Federal (www.senado.gov.br).

652
Constitucionalismo Brasileiro:
Avanços, Desafios e Perspectivas

Por fim, o terceiro projeto de lei de iniciativa popular foi proposto em 1997 e con-
verteu-se na lei 9.840 de 1999, que alterou o Código Eleitoral para incluir disposição
que pune com a cassação o candidato acusado de comprar votos durante o pleito elei-
toral. O referido projeto foi encampado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,
que lançou o projeto na campanha nacional “Combatendo a corrupção eleitoral”.
Na tentativa de reverter esse quadro de pouca participação popular nos rumos
legislativos do país, a Câmara dos Deputados criou em 2001 a Comissão de Legislação
Participativa (CLP) com o objetivo de facilitar a participação da sociedade no proces-
so de elaboração legislativa. Através da CLP, a sociedade, por meio de qualquer enti-
dade civil organizada, ONGs, sindicatos, associações, órgãos de classe, apresenta à
Câmara dos Deputados suas sugestões legislativas, que envolvem propostas de leis
complementares e ordinárias e até sugestões de emendas ao Plano Plurianual (PPA)
e à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).39
Os outros dois pontos fundamentais da Democracia mencionados por Dallari –
preservação da liberdade e à igualdade de direitos - são facilmente percebidos no
extenso rol de direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal, mais especi-
ficamente em seu artigo 5º.40
É bem verdade, pois, que não existe governo democrático onde não existe res-
peito aos direitos fundamentais. Nem mesmo espectro de democracia. É o que conclui
Jorge Carpizo: “Los derechos humanos possen fuerza expansiva, la democracia goza de
esa misma característica y es natural, porque no puede existir democracia onde no se
respeten los derechos humanos, y éstos realmente solo se encuentran salvaguardados
y protegidos em um sistema democrático”.41

39 Conforme informação disponível em http://www2.camara.gov.br/comissoes/clp/comissao.html.


40 O art. 5º, caput, possui a seguinte redação: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natu-
reza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”. A título de exemplo, podemos
citar alguns incisos do referido artigo que abordam os valores “liberdade” e “igualdade”:
“I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
(...)
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
(...)
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente
de censura ou licença;
(...)
XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da
lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
(...)
XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;
(...)
XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos fundamentais e liberdades fundamentais;
(...)
LIII – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
(...)”.
41 Carpizo, Jorge. Concepto de democracia y sistema de gobierno em América Latina. México: Universidade
Nacional Autônoma de México, Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2007, p. 100.

653
Marcelo Figueiredo

Sob uma perspectiva de exercício efetivo da democracia, esses valores se expres-


sam como garantia da soberania popular, por meio do sufrágio universal e do voto
direto e secreto, com valor igual para todos, consoante o disposto no artigo art. 14,
caput,42 da Constituição brasileira. São esses requisitos essenciais para o desenvolvi-
mento de eleições imparciais e sem qualquer espécie de coação, preservando o direi-
to de cada cidadão em escolher livremente seu candidato e expressar suas opiniões
políticas, sem exclusões por sexo, religião, raça, renda etc.
Além dos mecanismos, direitos e garantias mencionados, o sistema político-
constitucional brasileiro prevê, com o intuito de propiciar maior participação popular
no desenvolvimento da coisa pública, outros instrumentos capazes de assegurar os
princípios democráticos. Essa atuação popular poderá, por exemplo, resultar na
impugnação de um mandato eletivo recém iniciado, na fiscalização da atuação do
representante durante seu mandato/governo ou, ainda, para auxiliar o Supremo
Tribunal Federal na defesa da Constituição.
Vejamos.
A Constituição brasileira permite que o mandato eletivo do candidato eleito seja
impugnado perante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diploma-
ção, na hipótese de ter ocorrido abuso do poder econômico, corrupção ou fraude
durante as eleições (art. 14, § 10, CF). Por meio desta ação, permite-se à população a
fiscalização do pleito eleitoral, de modo a preservar a imparcialidade das eleições e a
igualdade entre os candidatos.
Após eleito, o representante da vontade popular não escapa à atuação fiscaliza-
dora da população. É que a Constituição assegura a qualquer cidadão a possibilidade
de propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entida-
de de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural (art. 5º, LXXIII, CF). Com objetivo de facilitar a pro-
positura da ação, a Constituição isenta o autor de custas judiciais e do ônus de sucum-
bência, salvo comprovada má-fé.
Por fim, a Suprema Corte brasileira tem admitido amplamente a participação de
órgãos ou entidades na qualidade de “amicus curiae” ao apreciar a constitucionalida-
de/incostitucionalidade dos atos legislativos. Certamente, esse fato contribui para a
efetivação do Estado Democrático de Direito, vez que possibilita o acompanhamento
de maneira mais incisiva pela sociedade do exercício da jurisdição constitucional. A
figura do “amigo da corte” é objeto de disposição legal. De acordo com a lei nº
9.868/99, que regulamenta o procedimento da ADIn43 e da ADECon,44 o relator, con-
siderando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por

42 “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor
igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:”.
43 Ação declaratória de inconstitucionalidade.
44 Ação declaratória de constitucionalidade.

654
Constitucionalismo Brasileiro:
Avanços, Desafios e Perspectivas

despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a


manifestação de outros órgãos ou entidades.
Oportuna a manifestação do Ministro Gilmar Mendes sobre a figura do “amigo
da corte”: “Evidente, assim, que essa fórmula procedimental constitui um excelente
instrumento de informação para a Corte Suprema. Não há dúvida, outrossim, de que
a participação de diferentes grupos em processos judiciais de grande significação para
toda a sociedade cumpre uma função de integração extremamente relevante no
Estado de Direito. (...) Ao ter acesso a essa pluralidade de visões em permanente diá-
logo, com este Supremo Tribunal Federal passa a contar com os benefícios decorren-
tes dos subsídios técnicos, implicações político-jurídicas e elementos de repercussão
econômica que possam vir a ser apresentados pelos “amigos da Corte”.45
De maneira geral, são esses os instrumentos disponíveis à sociedade para o efeti-
vo exercício democrático, consagrando, assim, a Constituição Federal como o grande
avanço da democracia no Brasil.
Contudo, não podemos olvidar as ameaças que circundam o sistema político bra-
sileiro. Como demonstrado, se por um lado há um leque variado de mecanismos que
buscam assegurar os princípios democráticos, por outro lado é preocupante o afasta-
mento do povo brasileiro do cenário político. Pode-se apontar, assim, como grande
ameaça à Democracia brasileira a ausência de “cultura política” ao país.
Sem dúvida alguma, é a partir desse fator – a incipiente cultura política do país
– que tantas outras ameaças podem advir, como o fortalecimento exacerbado do Poder
Executivo. Com isso, corre-se o sério risco de permanecer em uma democracia formal,
mero simulacro da democracia substancial. No dizeres de Celso Antônio Bandeira de
Mello, “Estados apenas formalmente democráticos são os que, inobstante acolham
nominalmente em suas Constituições modelos institucionais – hauridos dos países
política, econômica e socialmente mais evoluídos – teoricamente aptos a desemboca-
rem em resultados consonantes com os valores democráticos, neles não aportam.
Assim, conquanto seus governantes (a) sejam investidos em decorrência de eleições,
mediante sufrágio universal, para mandatos temporários; b) consagrem uma distinção,
quando menos material, entre as funções legislativa, executiva e judicial; c) acolham,
em tese, os princípios da legalidade e da independência dos órgãos jurisdicionais, nem
por isto, seu arcabouço institucional consegue ultrapassar o caráter de simples facha-
da, de painel aparatoso, muito distinto da realidade efetiva”.46
Com efeito, para realizar a democracia substancial há apenas uma solução: pro-
duzir o mínimo de cultura política indispensável ao Estado Democrático de Direito.
Nos dizeres de Bandeira de Mello: “... as sociedades de incipiente cultura política para
poderem vir a se configurar como Estados democráticos, demandariam mais do que
apenas reproduzir em suas Constituições os traços especificadores de tal sistema de

45 Informativo do STF nº 406. ADI nº 2548.


46 Bandeira de Mello, Celso Antônio. A democracia e suas dificuldades contemporâneas. In: Revista de Direito
Administrativo. Nº 212. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, abr/jun. 1998, p. 58.

655
Marcelo Figueiredo

governo. Com efeito, de um lado, teriam que ajustar suas instituições básicas de
maneira a prevenir ou dificultar os mecanismos correntes de seu desnaturamento e,
de outro – o que ainda seria mais importante – empenhar-se na transformação da rea-
lidade social buscando concorrer ativamente para produzir aquele mínimo de cultura
política indispensável à prática efetiva da democracia, única forma de superar os
entraves viscerais ao seu normal funcionamento”.47
Surge, portanto, a seguinte questão: Como produzir o mínimo de cultura políti-
ca indispensável à prática efetiva da democracia? Ao contrário do que pode parecer, a
resposta é conhecida de todas. Com o mínimo de renda para desenvolver uma vida
digna, educação de qualidade e acesso amplo à cultura e à informação diversificada. É
que afirma Bandeira de Mello: “Uma vez que a democracia se assenta na proclamação
e reconhecimento da soberania popular, é indispensável ‘que os cidadãos tenham não
só uma consciência clara, interiorizada e reivindicativa deste título jurídico político
que se lhes afirma constitucionalmente reconhecido como direito inalienável, mas
que disponham das condições indispensáveis para poderem fazê-lo valer de fato. Entre
estas condições estão não apenas (a) as de desfrutar de um padrão econômico-social
acima da mera subsistência (sem o que seria vã qualquer expectativa de que suas preo-
cupações transcendam as da mera rotina da sobrevivência imediata), mas também, as
de efetivo acesso (b) è educação e cultura (para alcançarem ao menos o nível de dis-
cernimento político traduzido em consciência real de cidadania) e (c) à informação,
mediante o pluralismo de fontes diversificadas (para não serem facilmente manipulá-
veis pelos detentores dos veículos de comunicação de massa)’”.48
Assim, exige-se do Estado uma postura ativa, pois a ele cumpre possibilitar aos
cidadãos condições mínimas para o exercício da democracia. Ao levar em conta a
Constituição Federal de 1988, é possível concluir que se trata de uma boa
Constituição. Necessário, contudo, efetivá-la. Nesse contexto, são valiosas as conclu-
sões de Jorge Carpizo, ao ponderar sobre a necessidade ou não de uma nova
Constituição no México: “No es correcto atribuir a la ley suprema los vícios y proble-
mas de nuestra realidad política, econômica, social e jurídica. Aquellos han crecido
precisamente por la inaplicación de la norma y por la falta de respeto al Estado de
derecho, tanto por parte de los gobernantes como de los gobernados. Ni en México,
ni em ninguna parte del mundo, los problemas se superan exclusivamente con el cam-
bio de la ley, sino primordialmente com la aplicación de la norma adecuada porque,
em caso contrario, se puede repetir la situación que nuestro país ya vivió en el siglo
XIX: la constante sustitución de Constituciones, al creerse ingenuamente que la expe-
dición de una nueva resolveria los problemas en forma mágica”.49

47 Ibid., p. 60.
48 Ibid, p. 60 e 61.
49 Concepto de democracia y sistema de gobierno em América Latina. México: Universidade Nacional
Autônoma de México, Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2007, p. 130.

656
Constitucionalismo Brasileiro:
Avanços, Desafios e Perspectivas

Não se pretende com isso postular a impossibilidade de reformas da Constituição.


Ao contrário, será esse mecanismo eficiente para adequar o sistema político-constitu-
cional à realidade. Aliás, como afirma Carpizo, “... no existe ninguna institución ni
norma que sea inmutable, no la puede Haber. El orden jurídico es, por naturaleza,
dinâmico, cambiante y debe colocarse a la vanguardia de lãs ideas protectoras del ser
humano y de sus relaciones sociales”.50
Contudo, deve-se ter em mente que a Constituição representa um sistema nor-
mativo, com todas suas normas interligadas e vinculadas umas às outras. Deverão per-
manecer intocáveis os princípios e dispositivos caracterizados pela imutabilidade - as
cláusulas pétreas – sob pena de descaracterizar a Constituição e, conseqüentemente, o
sistema político-constitucional e a Democracia. Nossa Constituição proíbe que seja
objeto de deliberação a proposta tendente a abolir i) a forma federativa de Estado, ii) o
voto direto, secreto, universal e periódico, iii) a separação de Poderes e iv) os direitos
e garantias fundamentais, consoante artigo 60, §4º, da CF.
Nessa esteira, qualquer mutação constitucional apenas poderá ocorrer respeita-
dos os limites constitucionais impostos pelo Poder Constituinte. E nesse ponto resi-
dem nossas preocupações. Tendo em vista a importância da Constituição para o esta-
belecimento do Estado Democrático de Direito e os impactos sociais e legislativos
acarretados por uma alteração constitucional, afigura-nos insuficiente apenas a ins-
tância legislativa para aprovações de Emenda à Constituição.
Considerando a consagração da “soberania popular” pelo Estado Democrático de
Direito, parece-nos interessante proposta de Jorge Carpizo, guardadas a particularida-
des de cada país (Brasil e México) de submeter a reforma constitucional a referendo
popular posterior. Passamos a descrever os argumentos levantados pelo jurista:

“Mis argumentos son:


1) El procedimento de la reforma constitucional adquiriría mayor rigidez que
el que actualmente posee. Es por esta razón que esta propuesta se relaciona
con la de la existência de leyes constitucionales, orgânicas y reglamentarias,
y los efectos erga omnes de lãs sentencias de amparo, respecto a la consti-
tucionalidad de normas generales, que fortalecerían la interpretación cons-
titucional de útlima instancia.
2) El Congresso de la Unión y las legislaturas locales aprobarían un proyecto
de reformas. En este caso se constituirían en asamblea proyectista. La apro-
bación en cada una de lãs Câmaras sería por mayoría absoluta, no califica-
da, de los legisladores presentes, precisamente porque se trata de un pro-
yecto, y debido a que la experiência demuestra que tan inconveniente es la
flexibilidad como la regidez extrema de la Constitución.

50 Ibid., p. 130.

657
Marcelo Figueiredo

3) La participación de las legislaturas locales en el proyecto es una garantia


para la existência del próprio sistema federal.
4) La reforma constitucional sería más meditada y ponderada por el Congresso
y las legislaturas locales al saber que la última palabra la dirán los votantes.
5) Los votantes se beneficiarían de los argumentos favorables y en contra del
proyecto, lo que les auxiliaria a considerar los méritos de aquél.
6) Una Constitución o sus reformas únicamente deben ser aprobadas por la
sociedad política en ejercicio directo de su soberania. Los Congresos o
Asambleas Constituyentes corresponden únicamente a la sociedad política,
al pueblo, quien, al decidir la estructura político-social básica, está otorgan-
do a sus representantes las facultades que poseen y los limites a esas facul-
tades, así como las modalidades de su ejercicio.
7) El titular del Poder Constituyente es el mismo que el de la soberanía. En
este sentido, Poder Constituyente, soberanía y pueblo son términos inter-
cambiales, y la decisión sobre la Constitución y sus reformas debe provenir
precisamente de ese titular, fuente última del poder y creador del orden
jurídico.
8) Aunque existen antecedentes – como Francia em 1793 y Suiza em 1848 –,
es a partir de la terminación de que las Constituciones nuevas y sus refor-
mas debe ser aprobadas por el pueblo a través de referendos, como ejerci-
cio directo de su soberania”.51
Em suma, deve-se prestigiar a soberania popular como estabelecido na
Constituição Federal, que não hesitou em explicitar que “todo poder emana do povo”.
Sem olvidar, contudo, a urgente e constante necessidade de propiciar o desenvolvi-
mento da “cultura política” no país, sem a qual será inócuo qualquer mecanismo que
objetive expandir os meios de participação direta da população.

VII. Conclusões

1 – A Constituição de 1988 inaugurou uma nova era no constitucionalismo


brasileiro rompendo com o ciclo autoritário que dominou o Brasil de 1964
(data da revolução militar que se implantou no país por mais de vinte anos),
a meados da década de 80. Além disso, constitui, hoje, um documento de
grande importância para o constitucionalismo em geral.
2 – Após a Constituição de 1988 e, sobretudo, ao longo da década de 90, o tama-
nho e o papel do Estado passaram para o centro do debate institucional. As
reformas econômicas brasileiras envolveram três transformações estrutu-
rais que se complementam, mas não se confundem. Duas delas foram pre-
cedidas de emendas à Constituição, ao passo que a terceira se fez mediante

51 Ibid., p. 158 e 159.

658
Constitucionalismo Brasileiro:
Avanços, Desafios e Perspectivas

a edição de legislação infraconstitucional e a prática de atos administrati-


vos. A primeira transformação substantiva da ordem econômica brasileira
foi a extinção de determinadas restrições ao capital estrangeiro. Em segui-
da, a flexibilização dos monopólios estatais. Por fim, as privatizações.
3– A mesma década de 90, na qual foram conduzidas a flexibilização de mono-
pólios públicos e a abertura de setores ao capital estrangeiro, foi cenário da
criação de normas de proteção ao consumidor em geral e de consumidores
específicos, como os titulares de planos de saúde, os alunos de escolas par-
ticulares e os clientes de instituições financeiras. Foi também nesse perío-
do que se introduziu no país uma política específica de proteção ao meio
ambiente, limitativa da ação dos agentes econômicos, e se estruturou um
sistema de defesa e manutenção das condições de livre concorrência que,
embora longe do ideal, constituiu um considerável avanço em relação ao
modelo anterior. Nesse ambiente é que despontaram as agências regulado-
ras da atuação estatal.
4– A redução das estruturas públicas de intervenção direta na ordem econômi-
ca não produziu um modelo que possa ser identificado com o de Estado
mínimo. Pelo contrário, apenas deslocou-se a atuação estatal do campo
empresarial para o domínio da disciplina jurídica, com a ampliação de seu
papel na regulação e fiscalização dos serviços públicos e atividades econô-
micas;
5– A Assembléia Nacional Constituinte optou pelo sistema republicano e pre-
sidencialista, em detrimento da monarquia constitucional, o que foi confir-
mado pelo plebiscito de 1993. Se nos regimes parlamentaristas europeus se
tecem as coalizões segundo a regra da proporcionalidade, dando-se a cada
partido uma fatia do ministério aproximadamente proporcional a seu peso
na base parlamentar, no caso brasileiro a partilha dos postos ministeriais
nem sempre segue essa norma, por terem os presidentes a faculdade cons-
titucional de nomear livremente seus ministros.
6– Com o retorno dos governos civis, modificou-se a legislação, o que facilitou
a criação e o registro de legendas novas. Como conseqüência, em 1991, mais
de quarenta partidos estavam registrados no Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), vinte dos quais representados no Congresso. Com a nova Lei
Orgânica dos Partidos Políticos – LOPP, sancionada em agosto de 1995,
anteciparam-se várias fusões entre 1993 e 1996, com certo encolhimento do
sistema, o que promoveu um pluralismo ligeiramente mais moderado nas
eleições de 1998 e 2002. Hoje temos aproximadamente 9 (nove) partidos
grandes e médios com projeção nacional.
7– O Direito prescrito pela Constituição de 1988, em vez de manutenção, em
muitas passagens postula uma transformação do status quo. O Supremo
Tribunal Federal, com sua mais recente composição e principalmente em

659
Marcelo Figueiredo

razão da omissão legislativa sobre importantes questões para a vida nacio-


nal — em especial no tocante a problemas políticos e de eficácia dos direi-
tos fundamentais —, vem se revelando como um Tribunal com menos
receio de assumir um papel politicamente ativo no exercício da função
jurisdicional.
8 – No Brasil, no tocante aos mecanismos de defesa da Constituição, adotamos
o sistema difuso, pelo qual qualquer juiz e qualquer Tribunal podem sus-
pender a norma tida por inconstitucional, e o sistema concentrado, segun-
do o qual o Supremo Tribunal Federal deve, objetivamente, controlar a
constitucionalidade de leis e atos normativos. Há ainda a chamada ADPF
(Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) e a possibilidade
da intervenção (ADI interventiva), segundo a qual os Chefes do Executivo
podem decretar a intervenção federal, ou estadual, nas hipóteses previstas
na Constituição de 1988.
9 – O sistema político-constitucional brasileiro avançou ao estabelecer, por
meio de sua atual Constituição, que a República Federativa do Brasil cons-
titui-se em Estado Democrático de Direito, sendo seus princípios norteado-
res: a supremacia da vontade popular, a preservação da liberdade e a igual-
dade de direitos.
10 – Apesar da previsão constitucional dos instrumentos de participação direta,
são raras as hipóteses em que vemos sua utilização na democracia brasilei-
ra. Basta constatar que durante os quase vinte anos de vigência da atual
Constituição, houve apenas um plebiscito, um referendo e três projetos de
lei de iniciativa popular que se converteram em lei.
11 – Pode-se apontar como ameaça à Democracia brasileira a ausência de “cul-
tura política” ao país, fato este propiciador de tantas outras ameaças, como
o fortalecimento exacerbado do Poder Executivo. Há apenas uma solução
para realizar efetivamente a democracia: produzir o mínimo de cultura
política indispensável ao Estado Democrático de Direito, o que ocorrerá por
meio da garantia do mínimo de renda à população para desenvolver uma
vida digna, educação de qualidade e acesso amplo à cultura e à informação
diversificada.
12 – Tendo em vista a importância da Constituição para o estabelecimento do
Estado Democrático de Direito e os impactos sociais e legislativos acarreta-
dos por uma alteração constitucional, afigura-nos insuficiente apenas a ins-
tância legislativa para aprovações de Emenda à Constituição. Considerando
a consagração da “soberania popular” pelo Estado Democrático de Direito,
parece-nos interessante proposta de Jorge Carpizo, guardadas a particulari-
dades de cada país (Brasil e México) de submeter a reforma constitucional
a referendo popular posterior.

660
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales
de América Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la
Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela
Allan R. Brewer-Carías1

Sumáárioo: I. La Internacionalización y la Constitucionalización de los Derechos Humanos, y el Principio de la


Progresividad II. La Constitucionalización de los Instrumentos Internacionales sobre Derechos Humanos y Su
Aplicación por los Tribunales Constitucionales III. La Aplicación de los Tratados Internacionales de Derechos
Humanos por los Tribunales Constitucionales Conforme a las Cláusulas Abiertas sobre Derechos Protegibles IV. Los
Principios de Interpretación Constitucional sobre Derechos Humanos y la Aplicación de los Tratados Internacionales
V. El Tema de los Efectos de las Opiniones Y Recomendaciones de los Organismos Internacionales sobre Derechos
Humanos en los Paises Miembros. VI. La Obligatoriedad de las Decisiones de la Corte Interamericana de Derechos
Humanos y la Declaratoria de su "Inejecutabilidad" en Algunos Casos de Regímenes Autoritarios.

I. La Internacionalización y la Constitucionalización de los


Derechos Humanos, y el Principio de la Progresividad

La interrelación entre los Tribunales Internacionales y los Tribunales


Constitucionales se ha hecho cada vez más estrecha en el mundo contemporáneo par-
ticularmente en materia de protección de los derechos humanos, entre otros factores
por el desarrollo progresivo del principio de la progresividad que persigue que la
interpretación que se debe dar a dichos derechos siempre tiene que ser la más favora-
ble y no resulte en alguna disminución respecto de su goce, ejercicio y protección
efectivos.2 Como lo destacó la antigua Corte Suprema de Justicia de Venezuela, “el
principio jurídico de progresividad envuelve la necesidad de aplicar con preferencia
la norma más favorable a los derechos humanos, sea de Derecho Constitucional, de
Derecho Internacional o de derecho ordinario”.3 Y de allí, precisamente, la interrela-

1 Advogado e Doutor em Direito, summa cum laude pela Universidad Central de Venezuela. Professor da
Universidad Central de Venezuela, da Universidad de Cambridge (Inglaterra), aonde foi Fellow do Trinity
College, e das Universidades de Rosario e Externado de Colombia en Bogotá. Professor Adjunto na
Universidade de Paris II; em Columbia Law School e na Universidad de Columbia em Nova York. Vice-pre-
sidente da Academia Internacional de Direito Comparado (Haya), e Membro da Academia de Ciências
Políticas e Sociales de Venezuela, da qual foi Presidente.
2 Véase Pedro Nikken, La protección internacional de los derechos humanos. Su desarrollo progresivo,
Instituto Interamericano de Derechos Humanos, Ed. Civitas, Madrid, 1987; Mónica Pinto, “El principio pro
homine. Criterio hermenéutico y pautas para la regulación de los derechos humanos”, en La aplicación de
los tratados sobre derechos Humanos por los tribunales locales, Centro de Estudios Legales y Sociales,
Buenos Aires, 1997, p. 163. Véase además, Humberto Henderson, “Los tratados internacionales de derechos
humanos en el orden interno: la importancia del principio pro homine”, en Revista IIDH, Instituto
Interamericano de Derechos Humanos, no. 39, San José 2004, p. 92.
3 Sentencia de 30-07-1996, en Revista de Derecho Público, No. 67-68, Editorial Jurídica Venezolana, Caracas
1996, p. 170.

661
Allan R. Brewer-Carías

ción entre Tribunales Internacionales y Tribunales Constitucionales, que en materia


de derechos Humanos no es otra cosa que una manifestación, por una parte, de la pro-
gresiva internacionalización de la protección de los derechos; y por la otra de la cons-
titucionalización de esta.
El principio de la progresividad, incluso, se ha incorporado expresamente en
algunas Constituciones como ha ocurrido en la de Venezuela de 1999, en cuyo artí-
culo 19 se dispone que el Estado garantiza a toda persona “el goce y ejercicio irrenun-
ciable, indivisible e interdependiente de los derechos humanos…conforme al princi-
pio de progresividad y sin discriminación alguna.” Con esta norma se recogió una tra-
dición jurisprudencial de la antigua Corte Suprema de Justicia, que había desarrolla-
do este principio para la protección de derechos no expresamente enumerados en el
texto constitucional, aplicando para ello lo dispuesto en normas internacionales más
favorables.4
Otras Constituciones como la de Ecuador (2008), no sólo establecen el principio
de que “los derechos y garantías establecidos en esta Constitución y en los instrumen-
tos internacionales de derechos humanos serán de directa e inmediata aplicación por
y ante cualquier servidora o servidor público, administrativo o judicial, de oficio o a
petición de parte”(art. 11,3), sino que se dispone expresamente la progresividad como
principio de interpretación, al prescribir que “en materia de derechos y garantías
constitucionales, las servidoras y servidores públicos administrativos o judiciales,
deberán aplicar la norma y la interpretación que más favorezca su efectiva vigencia”
(art. 11,5). Agrega el artículo 11.8 que “será inconstitucional cualquier acción u omi-
sión de carácter regresivo que disminuya, menoscabe o anule injustificadamente el
ejercicio de los derechos.”
El principio también se ha considerado incorporado en la Constitución de Perú
al disponer que “la defensa de la persona humana y el respeto de su dignidad son el
fin de la sociedad y del Estado” (art. 1); y en la Constitución de Chile al disponer como
“deber de los órganos del Estado respetar y promover tales derechos, garantizados por
esta Constitución, así como por los tratados internacionales ratificados por Chile y que
se encuentren vigentes” (art. 5).5
Este principio de la progresividad en la interpretación de los derechos humanos
ha sido fundamental para asegurar su protección judicial, no sólo por los tribunales

4 Sentencia de la antigua Corte Suprema de Justicia de Venezuela de 3 de diciembre de 1990, Caso: Mariela
Morales de Jiménez. Véase en Revista de Derecho Público, N0. 45, Editorial Jurídica Venezolana, Caracas,
1991, pp. 84-85. Véanse las referencias en la sentencia de 30-07-1996 en Revista de Derecho Público, No.
97-98, Editorial Jurídica Venezolana, Caracas 1996, p. 170.
5 Véase Iván Bazán Chacón, “Aplicación del derecho internacional en la judicialización de violaciones de
derechos humanos” en Para hacer justicia. Reflexiones en torno a la judicialización de casos de violaciones
de derechos humanos, Coordinadora Nacional de Derechos Humanos, Lima, 2004, p. 27; Humberto
Henderson, “Los tratados internacionales de derechos humanos en el orden interno: la importancia del
principio pro homine”, en Revista IIDH, Instituto Interamericano de Derechos Humanos, no. 39, San José
2004, p. 89, nota 27.

662
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

nacionales sino por los tribunales internacionales, en particular por los Tribunales
Constitucionales y por la Corte Interamericana de Derechos Humanos.
En efecto, en cuanto a los Tribunales Constitucionales, los mismos se han esta-
blecido en America Latina después de una larga tradición en materia de control de la
constitucionalidad de las leyes y demás actos estatales que se remonta al siglo XIX.
Desde 1865, por tanto, se comenzó a atribuir a los tribunales ordinarios en la gran
mayoría de los países, el control difuso de constitucionalidad; e igualmente, desde
1858 se comenzó a atribuir a muchas de las Cortes Supremas, la potestad de declarar
la nulidad de leyes inconstitucionales con efectos erga omnes, lo que a partir de 1965
se comenzó a asignar a Tribunales Constitucionales especialmente creados para tal fin.
Además, desde el mismo siglo XIX también se comenzó a desarrollar la acción de
amparo, de protección o de tutela, específicamente para la protección de los derechos
humanos, que hoy existe en todos los países latinoamericanos excepto en Cuba. Por
tanto, si en algún Continente hay una tradición de casi 200 años en materia de Justicia
Constitucional, es en America Latina; al menos en los textos.
En cuanto a los tribunales creados específicamente para ejercer la jurisdicción
constitucional, los mismos se han establecido en tres formas: sea como Tribunales
Constitucionales separados, como Salas Constitucionales de las Cortes Supremas
existentes; o atribuyendo a estas dicha Jurisdicción. En el primer caso, de Tribunales
y Cortes Constitucionales, las mismas se han establecido dentro o fuera del Poder
Judicial, en Guatemala, Chile, Perú, Ecuador, Colombia y Bolivia; En el segundo
caso, de Salas Constitucionales establecidas dentro de las Cortes o Tribunales
Supremos de Justicia, las mismas se han creado en Costa Rica, El Salvador, Paraguay,
Venezuela, y en Honduras, aún cuando en este último caso, con potestad decisoria
limitada por la regla de la unanimidad. El tercer caso, de Cortes Supremas de Justicia
que ejercen la Jurisdicción constitucional, están las de Nicaragua, aún cuando en
este país haya una Sala Constitucional como entidad ponente; y las de Brasil,
Panamá, Uruguay y México.
Además, como se dijo, dada la tradición de control difuso de la constitucionali-
dad de las leyes, los tribunales ordinarios actúan como jueces constitucionales en
Argentina, y en paralelo con el control concentrado, en Brasil, Perú, Colombia y
Venezuela; y en todos los países, cuando conocen de las acciones de amparo, como
sucede en todos los países suramericanos.
En todos esos supuestos, el rol de los tribunales constitucionales es garantizar la
Constitución y su supremacía,6 y a través de ella, la democracia, el control del poder
y la vigencia de los derechos humanos.
Por lo que se refiere a la Corte Interamericana de Derechos Humanos, la misma
fue creada en la Convención Americana de Derechos Humanos (Pacto de San José)

6 Véase Allan R. Brewer-Carías, “La Justicia Constitucional”, Revista Jurídica del Perú, Nº 3, 1995, Trujillo,
Perú, pp. 121 a 160.

663
Allan R. Brewer-Carías

de 1969, como culminación de una importante evolución de la internacionalización


de los derechos humanos en el Continente que reinició con el importante preceden-
te mundial en la materia que fue la Declaración Americana de Derechos Humanos
de 1948, expedida en el seno de la Organización de Estados Americanos pocos meses
antes que la Declaración Universal de Naciones Unidas. Veinte años después los paí-
ses americanos adoptaron en el mismo marco del sistema interamericano, la
Convención Americana, la cual fue ratificada por todos los países de America Latina
excepto Cuba. En cuanto a los otros países americanos, algunos países del Caribe no
ratificaron la Convención, el único país que no firmó la Convención fue Canadá, y
Estados Unidos aunque la firmó en 1977, aún no la ha ratificado.7
La Corte Interamericana de Derechos Humanos fue instalada en 1979, y es la
institución judicial del sistema interamericano para la protección de los derechos
humanos, con competencias consultivas y, además, las de carácter contencioso o liti-
gioso que mediante demanda le planteen la Comisión Interamericana de Derechos
Humanos o los Estados Partes de la Convención, por violaciones a los derechos huma-
nos consagrados en la misma. La jurisdicción de la Corte Interamericana ha sido reco-
nocida por todos los países latinoamericanos que han ratificado la Convención,
habiendo cumplido una labor importantísima en materia de protección de derechos
humanos en el Continente americano.
El desarrollo progresivo de estas dos jurisdicciones constitucional e internacional,
sin duda ha consolidado una estrecha interrelación entre la protección internacional y la
protección constitucional de los derechos humanos, la cual se ha manifestado en diver-
sas formar que queremos precisar en estas líneas, por ejemplo, (i) en la asignación en los
ordenes constitucionales internos de rango superior a los Tratados internacionales en
materia de derechos humanos, (ii) en la aplicación por los tribunales constitucionales de
los instrumentos internacionales para la protección de los derechos en el orden interno,
(iii) en la interpretación de las normas constitucionales sobre derechos humanos confor-
me a lo establecido en los tratados internacionales, y (iv) en la aceptación de la jurisdic-
ción de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, como institución transnacional,
cuyas decisiones son obligatorias para los Estados partes en la Convención.

II. La Constitucionalización de los Instrumentos Internacionales


sobre Derechos Humanos y su Aplicación por los Tribunales
Constitucionales

Siguiendo una tendencia universal contemporánea, que ha permitido a los tribu-


nales constitucionales la aplicación directa de los tratados internacionales en materia de

7 Los siguientes Estados miembros de la Organización de Estados Americanos no ratificaron la Convención


Americana: Antigua y Barbuda, Bahamas, Belize, Canada, Cuba, Estados Unidos de América, St. Kitts y Nevis,
St. Lucia, St. Vincent y las Grenadines. Trinidad y Tobago ratificó la Convención pero en 1998 la denunció.

664
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

derechos humanos para su protección, ampliando progresivamente el elenco de los mis-


mos, en el propio texto de las Constituciones progresivamente se ha venido reconocien-
do en forma expresa el rango normativo de los referidos tratados, de manera que en la
actualidad pueden distinguirse cuatro rangos diversos reconocidos en el derecho inter-
no: rango supra constitucional, rango constitucional, rango supra legal o rango legal.8

1. La jerarquía supra constitucional de los tratados internacionales


en materia de derechos humanos

En primer lugar, algunas Constituciones latinoamericanas han otorgado rango


supra constitucional a los derechos declarados en instrumentos internacionales ratifi-
cados por los Estados, lo que ha implicado otorgarles un rango superior a los tratados
respecto de las mismas normas constitucionales, los cuales deben prevalecer sobre las
mismas en caso de regulaciones más favorables a su ejercicio.
Es el caso de la Constitución de Guatemala, en cuyo artículo 46 se estableció “el
principio general de que en materia de derechos humanos, los tratados y convencio-
nes aceptados y ratificados por Guatemala, tienen preeminencia sobre el derecho
interno”, dentro del cual debe incluirse además de las leyes, la Constitución misma.
Con fundamento en esta prevalencia de los tratados internacionales, la Corte
Constitucional de Guatemala que fue el primer Tribunal Constitucional creado en
América Latina, ha decidido en sus sentencias aplicar la Convención Americana de
Derechos Humanos, como sucedió en el caso decidido con motivo de una acción de
amparo ejercida en relación con la libertad de expresión del pensamiento y el dere-
cho de rectificación.9

8 En relación con esta clasificación general, véase: Rodolfo E. Piza R., Derecho internacional de los derechos
humanos: La Convención Americana, San José 1989; y Carlos Ayala Corao, “La jerarquía de los instrumen-
tos internacionales sobre derechos humanos”, en El nuevo derecho constitucional latinoamericano, IV
Congreso venezolano de Derecho constitucional, Vol. II, Caracas 1996 y La jerarquía constitucional de los
tratados sobre derechos humanos y sus consecuencias, México, 2003; Humberto Henderson, “Los tratados
internacionales de derechos humanos en el orden interno: la importancia del principio pro homine”, en
Revista IIDH, Instituto Interamericano de Derechos Humanos, No. 39, San José 2004, pp. 71 y ss. Véase
también, Allan R. Brewer-Carías, Mecanismos nacionales de protección de los derechos humanos, Instituto
Internacional de Derechos Humanos, San José, 2004, pp.62 y ss.
9 En la sentencia de 27 de mayo de 1997, en efecto, la Corte Constitucional resolvió una acción de amparo
presentada por una persona buscando protección judicial en relación con las noticias publicadas en dos
periódicos que se referían a ella como formando parte de una banda de criminales. El accionante solicitó a
la Corte que se respetara su derecho a exigir rectificación de las noticias por parte de los periódicos; y aún
cuando el derecho constitucional a la rectificación y respuesta en casos de noticias en periódicos que afec-
ten el honor, reputación o vida privada de las personas no estaba expresamente establecido en la
Constitución Guatemalteca, la Corte Constitucional aplicó directamente los artículos 11, 13 y 14 de la
Convención Americana que garantiza el derecho de las personas afectadas por informaciones o noticias
publicadas en periódicos, a la rectificación o respuesta “por el mismo órgano de difusión”, considerando
tales previsiones como formando parte del ordenamiento constitucional de Guatemala. Véase en Iudicum
et Vita, Jurisprudencia nacional de América Latina en Derechos Humanos, No. 5, Instituto Interamericano
de Derechos Humanos, San José, Costa Rica, Diciembre 1997, pp. 45 y ss.

665
Allan R. Brewer-Carías

En Honduras, el artículo 16 de la Constitución también dispone que todos los


tratados suscritos con otros Estados (y no sólo los relativos a derechos humanos) for-
man parte del derecho interno; y el artículo 18 del mismo texto establece que en caso
de conflicto entre las leyes y los tratados, estos tienen preeminencia sobre aquellas.
Adicionalmente, la Constitución de Honduras admite la posibilidad de que se puedan
incluso ratificar tratados internacionales contrarios a lo dispuesto en la Constitución,
en cuyo caso aquellos deben aprobarse conforme al procedimiento para la reforma
constitucional (Artículo 17). Una regulación similar se establece en el artículo 53 de
la Constitución del Perú.
En Colombia, la Constitución también ha establecido una previsión similar a
las de las Constituciones de Guatemala y Honduras, al establecer en el artículo 93
que: “Los tratados y convenios internacionales ratificados por el Congreso, que
reconocen los derechos humanos y que prohíben su limitación en los estados de
excepción, prevalecen en el orden interno”. En este caso, por “derecho interno”
también debe entenderse como comprendiendo no solo las leyes sino la
Constitución misma. La norma ha permitido a la Corte Constitucional, aplicar
directamente los tratados internacionales en materia de derechos humanos para la
solución de casos, como sucedió en materia de derecho a la identidad reconocido
por la Corte Constitucional como derecho inherente a la persona humana el dere-
cho de toda persona a la identidad, para lo cual la Corte se fundamentó en lo esta-
blecido en los tratados y convenios internacionales, respecto de los cuales la Corte
reconoció su rango supra constitucional y supra legal, integrando “a la normativi-
dad, al momento de tomar sus decisiones, los derechos reconocidos en la
Constitución y en los Pactos”.10
La Constitución de Venezuela de 1999 también puede ubicarse en este primer
sistema que otorga jerarquía supra constitucional a los derechos humanos declarados
en dichos tratados internacionales cuando contengan previsiones más favorables. El
artículo 23 de dicho texto constitucional, en efecto, dispone lo siguiente:

Artículo 23. Los tratados, pactos y convenciones relativos a derechos


humanos, suscritos y ratificados por Venezuela, tienen jerarquía constitucional
y prevalecen en el orden interno, en la medida en que contengan normas sobre
su goce y ejercicio más favorables a las establecidas en esta Constitución y en las
leyes de la República, y son de aplicación inmediata y directa por los tribunales
y demás órganos del Poder Público.

10 Véase la decisión No. T-447/95 de la Corte Constitucional de 23 de octubre de 1995, en Derechos


Fundamentales e interpretación Constitucional, (Ensayos-Jurisprudencia), Comisión Andina de Juristas,
Lima, 1997; y en Carlos Ayala Corao, “Recepción de la jurisprudencia internacional sobre derechos
humanos por la jurisprudencia constitucional” en Revista del Tribunal Constitucional, No. 6, Sucre,
Bolivia, Nov. 2004, pp. 275 y ss.

666
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

La inclusión de este artículo en la Constitución venezolana, sin duda, fue un paso


importante en la protección de los derechos humanos,11 estableciendo además la apli-
cabilidad inmediata y directa de dichos tratados por los tribunales y demás autorida-
des del país. La norma, por ello, desde la entrada en vigencia de la Constitución se
aplicó por los tribunales nacionales declarando la prevalencia de las normas de
Convención Americana de Derechos Humanos en relación con normas constitucio-
nales y legales, hasta que la Sala Constitucional del Tribunal Supremo comenzara a
dictar decisiones restrictivas.
Fue el caso, por ejemplo, del derecho a la revisión judicial de sentencias, a la ape-
lación o derecho a la segunda instancia que en materia contencioso administrativa se
excluía en la derogada Ley Orgánica de la Corte Suprema de Justicia de 1976,12 res-
pecto de la impugnación de actos administrativos emanados de institutos autónomos
o Administraciones independientes. En esos casos se establecía una competencia de
única instancia de la Corte Primera de lo Contencioso Administrativa, sin apelación
ante la Sala Político Administrativa de la Corte Suprema. La Constitución de 1999 solo
reguló como derecho constitucional el derecho de apelación en materia de juicios
penales a favor de la persona declarada culpable (art. 40,1); por lo que en el mencio-
nado caso de juicios contencioso administrativos, no existía una garantía constitucio-
nal expresa a la apelación, habiendo sido siempre declarada inadmisible la apelación
contra las decisiones de única instancia de la Corte Primera de lo Contencioso.
Sin embargo, después de la entrada en vigencia de la Constitución de 1999, al
ejercerse recursos de apelación contra decisiones de la Corte Primera de lo
Contencioso Administrativa para ante la Sala Político Administrativa del Tribunal
Supremo, alegándose la inconstitucionalidad de la norma de la Ley Orgánica que limi-
taba el derecho de apelación en ciertos casos, la Corte Primera, en ejercicio del con-
trol difuso de constitucionalidad, comenzó a admitir la apelación basándose en que el
derecho de apelar las decisiones judiciales ante el tribunal superior se establece en el
artículo 8,2,h de la Convención Americana de Derechos Humanos, la cual se conside-
ró como formando parte del derecho constitucional interno del país. El tema final-
mente también llegó a decisión por la Sala Constitucional del Tribunal Supremo, la
cual en 2000 resolvió reconocer y declarar con fundamento en la disposición previs-
ta en el artículo 23 de la Constitución:

“que el artículo 8, numerales 1 y 2 (literal h), de la Convención Americana sobre


Derechos Humanos, forma parte del ordenamiento constitucional de Venezuela;
que las disposiciones que contiene, declaratorias del derecho a recurrir del fallo,

11 La incorporación de este artículo en el texto de la Constitución, se hizo a propuesta nuestra. Véase Allan R.
Brewer-Carías, Debate Constituyente, (Aportes a la Asamblea Nacional Constituyente), Fundación de
Derecho Público, Caracas 1999, pp. 88 y ss y 111 y ss.
12 Véase los comentarios en Allan R. Brewer-Carías y Josefina Calcaño de Temeltas, Ley Orgánica de la Corte
Suprema de Justicia, Editorial Jurídica Venezolana, Caracas 1978.

667
Allan R. Brewer-Carías

son más favorables, en lo que concierne al goce y ejercicio del citado derecho,
que la prevista en el artículo 49, numeral 1, de dicha Constitución; y que son de
aplicación inmediata y directa por los tribunales y demás órganos del Poder
Público”.13

Sin embargo, desafortunadamente, la clara disposición constitucional del artícu-


lo 23, tres años después fue interpretada por la Sala Constitucional del Tribunal
Supremo de Justicia, en una forma abiertamente contraria a este precedente, al texto
de la norma y a lo que fue la intención del constituyente. En efecto, en la sentencia
No. 1492 del 7 de julio de 2003,14 al decidir una acción popular de inconstitucionali-
dad intentada contra varias normas del Código Penal contentivas de normas llamadas
“leyes de desacato” por violación de libertad de expresión y, en particular, de lo dis-
puesto en tratados y convenciones internacionales, la Sala Constitucional de dicho
Tribunal Supremo asumió el monopolio en la materia y resolvió que siendo la misma
el máximo y último intérprete de la Constitución, “al incorporarse las normas sustan-
tivas sobre derechos humanos, contenidas en los Convenios, Pactos y Tratados
Internacionales a la jerarquía constitucional…a la efectos del derecho interno es esta
Sala Constitucional [la] que determina el contenido y alcance de las normas y princi-
pios constitucionales (artículo 335 constitucional), entre las cuales se encuentran las
de los Tratados, Pactos y Convenciones suscritos y ratificados legalmente por
Venezuela, relativos a derechos humanos”.
En esta forma, la Sala Constitucional concluyó su decisión señalando que “es la
Sala Constitucional quien determina cuáles normas sobre derechos humanos de esos
tratados, pactos y convenios, prevalecen en el orden interno; al igual que cuáles dere-

13 Sentencia No. 87 del 13 de marzo de 2000, Caso: C.A. Electricidad del Centro (Elecentro) y otra vs.
Superintendencia para la Promoción y Protección de la Libre Competencia. (Procompetencia), en Revista
de Derecho Público, No. 81, Editorial Jurídica Venezolana, Caracas 2000, pp. 157. La Sala Constitucional
incluso resolvió el caso estableciendo una interpretación obligatoria, que exigía la re-redacción de la Ley
Orgánica, disponiendo lo siguiente: “En consecuencia, visto que el último aparte, primer párrafo, del artí-
culo 185 de la Ley Orgánica de la Corte Suprema de Justicia, dispone lo siguiente: “Contra las decisiones
que dicto dicho Tribunal en los asuntos señalados en los ordinales 1 al 4 de este artículo no se oirá recurso
alguno”; visto que la citada disposición es incompatible con las contenidas en el artículo 8, numerales 1 y 2
(literal h), de la Convención Americana sobre Derechos Humanos, las cuales están provistas de jerarquía
constitucional y son de aplicación preferente; visto que el segundo aparte del artículo 334 de la
Constitución de la República establece lo siguiente: “En caso de incompatibilidad entre esta Constitución y
una ley u otra norma jurídica, se aplicarán las disposiciones constitucionales, correspondiendo a los tribu-
nales en cualquier causa, aun de oficio, decidir lo conducente”, ésta Sala acuerda dejar sin aplicación la dis-
posición transcrita, contenida en el último aparte, primer párrafo, del artículo 185 de la Ley Orgánica en
referencia, debiendo aplicarse en su lugar, en el caso de la sentencia que se pronuncie, de ser el caso, sobre
el recurso contencioso administrativo de anulación interpuesto por la parte actora ante la Corte Primera de
lo Contencioso Administrativo (expediente Nº 99-22167), la disposición prevista en el último aparte, segun-
do párrafo, del artículo 185 eiusdem, y la cual es del tenor siguiente: ‘Contra las sentencias definitivas que
dicte el mismo Tribunal ... podrá interponerse apelación dentro del término de cinco días, ante la Corte
Suprema de Justicia (rectius: Tribunal Supremo de Justicia)’. Así se decide.” Idem p. 158.
14 Véase en Revista de Derecho Público, No 93-96, Editorial Jurídica Venezolana, Caracas 2003, pp. 136 y ss.

668
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

chos humanos no contemplados en los citados instrumentos internacionales tienen


vigencia en Venezuela,” limitando así el poder general de los jueces al ejercer el con-
trol difuso de la constitucionalidad, de poder aplicar directamente y dar prevalencia
en el orden interno a las normas de la Convención Americana.
Finalmente, en sentencia No. 1.939 de 18 de diciembre de 2008 (Caso Gustavo
Álvarez Arias y otros), que se comenta más adelante, en la cual la Sala Constitucional
a petición del propio Estado venezolano, declaró inejecutable la sentencia de la Corte
Interamericana de Derechos Humanos, de fecha 5 de agosto de 2008, dictada en el
caso de los ex-magistrados de la Corte Primera de lo Contencioso Administrativo
(Apitz Barbera y otros (“Corte Primera de lo Contencioso Administrativo”) vs.
Venezuela), la Sala Constitucional ya ha resuelto definitivamente que “el citado artí-
culo 23 de la Constitución no otorga a los tratados internacionales sobre derechos
humanos rango “supraconstitucional”, por lo que, en caso de antinomia o contradic-
ción entre una disposición de la Carta Fundamental y una norma de un pacto inter-
nacional, correspondería al Poder Judicial determinar cuál sería la aplicable, toman-
do en consideración tanto lo dispuesto en la citada norma como en la jurisprudencia
de esta Sala Constitucional del Tribunal Supremo de Justicia, atendiendo al conteni-
do de los artículos 7, 266.6, 334, 335, 336.11 eiusdem y el fallo número 1077/2000 de
esta Sala,” a cuyo efecto aclaró los siguientes conceptos:

Sobre este tema, la sentencia de esta Sala Nº 1309/2001, entre otras, aclara
que el derecho es una teoría normativa puesta al servicio de la política que sub-
yace tras el proyecto axiológico de la Constitución y que la interpretación debe
comprometerse, si se quiere mantener la supremacía de la Carta Fundamental
cuando se ejerce la jurisdicción constitucional atribuida a los jueces, con la mejor
teoría política que subyace tras el sistema que se interpreta o se integra y con la
moralidad institucional que le sirve de base axiológica (interpretatio favor
Constitutione). Agrega el fallo citado: “en este orden de ideas, los estándares para
dirimir el conflicto entre los principios y las normas deben ser compatibles con
el proyecto político de la Constitución (Estado Democrático y Social de Derecho
y de Justicia) y no deben afectar la vigencia de dicho proyecto con elecciones
interpretativas ideológicas que privilegien los derechos individuales a ultranza o
que acojan la primacía del orden jurídico internacional sobre el derecho nacio-
nal en detrimento de la soberanía del Estado”.

Concluye la sentencia que:

“no puede ponerse un sistema de principios supuestamente absoluto y


suprahistórico por encima de la Constitución” y que son inaceptables las teorías
que pretenden limitar “so pretexto de valideces universales, la soberanía y la
autodeterminación nacional”.

669
Allan R. Brewer-Carías

En el mismo sentido, la sentencia de esta Sala Nº 1265/2008 estableció que en


caso de evidenciarse una contradicción entre la Constitución y una convención o tra-
tado internacional,

“deben prevalecer las normas constitucionales que privilegien el interés


general y el bien común, debiendo aplicarse las disposiciones que privilegien los
intereses colectivos…(…) sobre los intereses particulares…”.15

Al contrario de esta jurisprudencia restrictiva, por ejemplo en Costa Rica, a


pesar de que la Constitución asigna a los tratados en materias de derechos humanos
rango “supra legal”, el reconocimiento del rango constitucional de la Convención
Americana ha sido admitido por la Sala Constitucional de la Corte Suprema, parti-
cularmente en su sentencia No. 2313-95, de 1995, en la cual declaró la inconstitu-
cionalidad del artículo 22 de la Ley Orgánica del Colegio de Periodistas que estable-
cía la colegiación obligatoria de los mismos para poder ejercer dicha profesión,
basándose en lo que previamente había decidido la Corte Interamericana de
Derechos Humanos en la Opinión Consultiva No OC-5 de 1985.16 Para ello, la sala
Constitucional decidió que:

“...si la Corte Interamericana de Derechos Humanos es el órgano natural para inter-


pretar la Convención Americana sobre Derechos Humanos (Pacto de San José de
Costa Rica), la fuerza de su decisión al interpretar la Convención y enjuiciar las
leyes nacionales a la luz de esta normativa, ya sea en caso contencioso o en una
mera consulta, tendrán -de principio- el mismo valor de la norma interpretada”.17

Por ello, la Sala concluyó en el caso concreto, que como Costa Rica había sido el
país que había requerido la Opinión Consultiva:

“Cuando la Corte Interamericana de Derechos Humanos, en su OC-05-85 uná-


nimamente resolvió que la colegiación obligatoria de periodistas contenida en la

15 Véase en http://www.tsj.gov.ve/decisiones/scon/Diciembre/1939-181208-2008-08-1572.html.
16 Opinión Consultiva OC-5/85 de 13 de noviembre de 1985. La colegiación obligatoria de periodistas (arts. 13
y 29 Convención Americana sobre Derechos Humanos). En la misma, la Corte Interamericana fue de la opi-
nión: “que la colegiación obligatoria de los periodistas, en cuanto impida el acceso de cualquier persona al uso
pleno de los medios de comunicación social como vehículo para expresarse o para transmitir información, es
incompatible con el artículo 13 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos”; y “que la Ley Nº 4420
de 22 de septiembre de 1969, Ley Orgánica del Colegio de Periodistas de Costa Rica, objeto de la presente con-
sulta, en cuanto impide a ciertas personas el pertenecer al Colegio de Periodistas y, por consiguiente, el uso -
pleno- de los medios de comunicación social como vehículo para expresarse y transmitir información, es
incompatible con el artículo 13 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos”.
17 Sentencia No. 2312-05 de 09-05-1995. Consultada en original. Citada además en Rodolfo Piza R., La justi-
cia constitucional en Costa Rica, San José 1995; y en Carlos Ayala Corao, “Recepción de la jurisprudencia
internacional sobre derechos humanos por la jurisprudencia constitucional” en Revista del Tribunal
Constitucional, No. 6, Sucre, Bolivia, Nov. 2004, pp. 275 y ss.

670
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

Ley Nº 4420, en cuanto impide el acceso de las personas al uso de los medios de
comunicación, es incompatible con el artículo 13 de la Convención Americana
sobre Derechos Humanos, no puede menos que obligar al país que puso en mar-
cha mecanismos complejos y costosos del sistema interamericano de protección
de los derechos humanos”.

En dicha sentencia de la Sala Constitucional de la Corte Suprema de Costa Rica,


reconoció incluso rango supra constitucional a los tratados en materia de derechos huma-
nos, si contienen normas más favorables en la materia, al decidir que “como lo ha reco-
nocido la jurisprudencia de esta Sala, los instrumentos de Derechos Humanos vigentes en
Costa Rica, tienen no solamente un valor similar a la Constitución Política, sino que en
la medida en que otorguen mayores derechos o garantías a las personas, priman por sobre
la Constitución (vid. sentencia Nº 3435-92 y su aclaración, Nº 5759-93).”18

2. La jerarquía constitucional de los tratados internacionales en


materia de derechos humanos

En segundo lugar, otro de los mecanismos para que se produzca la aplicación


directa de los tratados sobre derechos humanos en el orden interno, es el derivado del
otorgamiento de rango constitucional a los mismos, con lo cual adquieren igual jerar-
quía que la Constitución. En este grupo se pueden distinguir dos tipos de regímenes
constitucionales: los que confieren rango constitucional a todos los instrumentos
internacionales sobre derechos humanos, o los que sólo otorgan dicho rango a un
determinado grupo de tratados enumerados en las Constituciones.
En el primer grupo se destaca el caso de la Constitución del Perú de 1979, dero-
gada en 1994, en cuyo artículo 105 se establecía que “los preceptos contenidos en los
tratados sobre derechos humanos, tienen jerarquía constitucional” y en consecuencia,
“no pueden ser modificados excepto mediante el procedimiento vigente para la refor-
ma de la Constitución”.
En el segundo grupo se puede ubicar la Constitución de Argentina, en la cual se
otorga a un importante grupo de tratados y declaraciones internacionales que estaban

18 Para arribar a esta conclusión, la Sala Constitucional costarricense, al precisar su competencia para ejercer
el control de constitucionalidad de normas, indicó que: “La Sala Constitucional no solamente declara vio-
laciones a derechos constitucionales, sino a todo el universo de derechos fundamentales contenidos en los
instrumentos internacionales de derechos humanos vigentes en el país. Desde ese punto de vista, el reco-
nocimiento por la Sala Constitucional de la normativa de la Convención Americana de Derechos Humanos,
en la forma en que la interpretó la Corte Interamericana de Derechos Humanos en su Opinión Consultiva
OC-05-85, resulta natural y absolutamente consecuente con su amplia competencia. De tal manera, sin
necesidad de un pronunciamiento duplicado, fundado en los mismos argumentos de esa opinión, la Sala
estima que es claro para Costa Rica que la normativa de la Ley Nº 4420… es ilegítima y atenta contra el
derecho a la información, en el amplio sentido que lo desarrolla el artículo 13 del Pacto de San José de Costa
Rica, tanto como de los artículos 28 y 29 de la Constitución Política”. Ídem.

671
Allan R. Brewer-Carías

vigentes en 1994, específicamente enumerados en el artículo 75.22 de la Constitución,


una jerarquía superior a las leyes, es decir, rango constitucional:

“La Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre; la


Declaración Universal de Derechos Humanos; la Convención Americana sobre
Derechos Humanos; el Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y
Culturales; el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y su Protocolo
Facultativo; la Convención sobre la Prevención y la Sanción del Delito de
Genocidio; la Convención Internacional sobre la Eliminación de todas las
Formas de Discriminación Racial; la Convención sobre la Eliminación de todas
las Formas de Discriminación contra la Mujer; la Convención contra la Tortura
y otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes; la Convención sobre
los Derechos del Niño”.

De acuerdo con esta previsión constitucional, la Corte Suprema de Justicia de la


Nación ha aplicado la Convención Americana de Derechos Humanos, dando preva-
lencia a sus previsiones en relación con las leyes, como sucedió respecto de normas
del Código de Procedimiento Penal, también en relación con el derecho de apelación.
Al contrario de lo que se establece en la Convención Americana, dicho Código excluía
el derecho de apelación respecto de algunas decisiones judiciales de acuerdo a la cuan-
tía de la pena. La Corte Suprema de la Nación declaró la invalidez por inconstitucio-
nalidad de dichas normas limitativas de la apelación, aplicando precisamente el artí-
culo 8,1,h de la Convención Americana que garantiza, como se ha dicho, el derecho
de apelar las decisiones judiciales por ante un tribunal superior”.19
Debe mencionarse, por otra parte, el caso de Panamá, donde a pesar de que no
se establece en el texto Constitucional expresamente el rango constitucional de los
tratados, de la jurisprudencia de la Corte Suprema ello puede deducirse, al considerar
que cualquier violación a un tratado internacional es una violación del artículo 4 de
la Constitución que sólo dispone que “La República de Panamá acata las normas del
Derecho Internacional” (art. 4). Ello, sin embargo, ha permitido a la Corte Suprema
de Justicia, considerar como una violación constitucional la violación de cualquier
norma de tratados internacionales”.20

19 Sentencia de 04-04- 1995, Caso Giroldi, H.D. y otros. Véase en Aida Kemelmajer de Caqrlucci y Maria
Gabriela Abalos de Mosso, “Grandes líneas directrices de la jurisprudencia argentina sobre material consti-
tucional durante el año 1995”, en Anuario de Derecho Constitucional latinoamericano 1996, Fundación
Konrad Adenauer, Bogotá, 1996, pp. 517 y ss.; y en Carlos Ayala Corao, “Recepción de la jurisprudencia
internacional sobre derechos humanos por la jurisprudencia constitucional” en Revista del Tribunal
Constitucional, No. 6, Sucre, Bolivia, Nov. 2004, pp. 275 y ss.
20 En una sentencia del 12 de marzo de 1990, en efecto, se declaró la inconstitucionalidad de un decreto ejecu-
tivo que establecía un condicionamiento arbitrario de carácter global al ejercicio de las libertades de expre-
sión y de prensa, para lo cual la Corte Suprema estableció que: “Con ese proceder se viola el artículo 4 de la
carta magna, que obliga al acatamiento de las normas de Derecho internacional por parte de las autoridades
nacionales. En el caso bajo examen, tal como lo señala el recurrente, se trata de la violación del pacto

672
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

3. La jerarquía supra legal de los tratados internacionales en materia


de derechos humanos

En tercer lugar, la aplicación en el orden interno de los tratados y convenios


internacionales de derechos humanos, se ha logrado en los casos en los cuales las
Constituciones han atribuido rango supra legal a los tratados y convenciones interna-
cionales en general, incluyendo los relativos a derechos humanos. En estos sistemas,
los tratados están sujetos a la Constitución pero prevalecen sobre lo dispuesto en las
leyes. Esta fue la modalidad que se siguió por ejemplo en las Constituciones de
Alemania (artículo 25), Italia (artículo 10) y Francia (artículo 55), y en América Latina
es la solución adoptada en la Constitución de Costa Rica (reforma de 1968), en la cual
se dispuso que:

“Los tratados públicos, los convenios internacionales y los concordatos, debi-


damente aprobados por la Asamblea Legislativa, tendrán desde su promulgación o
desde el día que ellos designen, autoridad superior a las leyes” (Artículo 7).

Como antes se dijo, sin embargo, la jurisprudencia de la Sala Constitucional de


Costa Rica le ha otorgado a los tratados internacionales en materia de derechos huma-
nos, rango constitucional e incluso supra constitucional de contener disposiciones
más favorables al ejercicio de los mismos. La Sala Constitucional, también en relación
con el derecho de apelación, ha aplicado directamente la Convención Americana de
Derechos Humanos con prevalencia sobre las leyes, al considerar que las normas
“legales que contradigan [un tratado] deban tenerse simplemente por derogadas, en
virtud precisamente del rango superior del tratado”.21
En esta forma, al considerar que el artículo 8.2 de la Convención Americana de
Derechos Humanos “reconoce como derecho fundamental de todo ser humano, impu-
tado en una causa penal por delito, el de recurrir del fallo” la Sala consideró que el
artículo 472 del Código de Procedimientos Penales que limitaban el ejercicio del
recurso de casación debían tenerse “por no puestas” y entender “que el recurso de
casación a que ahí se alude está legalmente otorgado a favor del reo condenado a cual-
quier pena en sentencia dictada en una causa penal por delito”.
La Sala Constitucional, en una sentencia posterior No. 719-90 declaró con lugar
el recurso de inconstitucionalidad intentado contra el artículo 474 del Código de

Internacional de Derechos Civiles y Políticos y de la Convención Americana sobre Derechos humanos, apro-
bados por las leyes 14 de 1976 y 15 de 1977, respectivamente, convenios que rechazan el establecimiento de
la censura previa al ejercicio de las libertades de expresión y de prensa, en tanto que derechos humanos fun-
damentales”. Véase en Iudicum et Vita, Jurisprudencia nacional de América Latina en Derechos Humanos,
No. 5, Instituto Interamericano de Derechos Humanos, San José, Costa Rica, Diciembre 1997 pp. 80-82.
21 Sentencia 282-90, caso violación del artículo 8.2 de la Convención Americana por el derogado artículo 472
del Código de Procedimientos Penales. Consultada en original.

673
Allan R. Brewer-Carías

Procedimientos Penales, anulándolo y considerando en consecuencia, como “no pues-


tas las limitaciones al derecho a recurrir en casación a favor del imputado contra la
sentencia penal por delito, establecidas en el artículo”.22
Ahora bien, en cuanto al rango supra legal de los tratados y su prevalencia res-
pecto de las leyes en caso de conflicto, en sentido similar, el artículo 144 de la
Constitución de El Salvador dispone que: “Los tratados internacionales celebrados por
El Salvador con otros estados o con organismos internacionales, constituyen leyes de
la República al entrar en vigencia, conforme a las disposiciones del mismo tratado y
de esta Constitución” agregando que “La ley no podrá modificar o derogar lo acorda-
do en un tratado vigente para El Salvador” y que “En caso de conflicto entre el trata-
do y la ley, prevalecerá el tratado”.
De acuerdo con estas previsiones, la Sala Constitucional de la Corte Suprema de
Justicia de El Salvador también ha aplicado los tratados internacionales en materia de
derechos humanos, con preferencia respecto de la legislación interna. En 1994, en
particular, resolvió que la Convención Americana y el Pacto Internacional de
Derechos Civiles y Políticos prevalecen sobre la legislación interna, particularmente
en relación a la libertad personal y al derecho a ser juzgado en libertad;23 y en 1995,

22 Idem. Para ello, la Sala partió de la consideración de que:“Lo único que, obviamente, impone la Convención
Americana es la posibilidad de recurso ante un Tribunal Superior contra la sentencia penal por delito, de
manera que al declararse inconstitucionales las limitaciones impuestas por el artículo 474 incisos 1) y 2) del
Código de Procedimientos Penales, los requerimientos del artículo 8.2 inciso h) de la Convención estarían
satisfechos, con la sola salvedad de que el de casación no fuera el recurso ante juez o tribunal superior, en
los términos de dicha norma internacional” (Consultada en original). Se destaca, sin embargo, que en otra
sentencia No. 1054-94, la Sala Constitucional declaró sin lugar la impugnación por inconstitucionalidad del
artículo 426 del Código de Procedimientos Penales, por las mismas razones antes señaladas de negativa del
recurso en materia de contravenciones y no de delitos, por considerar que en su jurisprudencia, lo que ha
establecido la Sala con claridad es “que la citada Convención Americana establece la doble instancia como
derecho fundamental de todo ser humano, imputado en una causa penal por delito, de recurrir del fallo ante
un superior, y no indistintamente en todas las materias”
23 Es el caso de la sentencia de 17 de noviembre de 1994, dictada en un proceso en el cual un tribunal penal
decidió la detención preventiva de un antiguo comandante de las fuerzas armadas irregulares, en un juicio
que se le seguía por el delito de difamación. Véase en Iudicum et Vita, Jurisprudencia nacional de América
Latina en Derechos Humanos, No. 5, Instituto Interamericano de Derechos Humanos, San José, Costa Rica,
Diciembre 1997. La Sala decidió que “para la adecuada comprensión de las instituciones de la detención
provisional en nuestro sistema, debemos tener en cuenta además con fundamento en el artículo 144 de la
Constitución, los tratados internacionales ratificados por El Salvador” (p. 157), y en consecuencia, pasó a
analizar el artículo 11,1 de la Declaración Universal de Derechos Humanos y el artículo 9,3 del Pacto
Internacional de Derechos Civiles y Políticos que se refieren al derecho a la presunción de inocencia y al
carácter excepcional de la detención preventiva, la cual no debe considerarse como la regla general. La Sala
Constitucional también analizó el artículo XXVI de la Declaración Americana de Derechos Humano, que
también se refiere a la presunción de inocencia, y a los artículos 7,2 y 8,2 de la Convención Americana de
Derechos Humanos los cuales regulan los derechos de las personas en relación con las detenciones, parti-
cularmente el principio nulla pena sine lege. Conforme a todo ese análisis del derecho internacional de los
derechos humanos, la Sala concluyó señalando que “Es en ese contexto –constitucional e internacional- que
se ha de encuadrar el examen de la detención provisional, por cuanto tales normas, dada su superior ubica-
ción en la jerarquía normativa, obligan a su cumplimiento” (p. 157). En consecuencia, y fundamentándose
en las regulaciones internacionales en relación con la detención preventiva y los derechos de las personas,

674
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

en sentencia de 13 de junio de 1995, la Sala declaró la inconstitucionalidad de una


Ordenanza municipal que había establecido restricciones al ejercicio del derecho de
reunión y manifestación, fundamentándose en lo dispuesto en los artículos 15 de la
Convención Americana de Derechos Humanos y 21 del Pacto Internacional de
Derechos Civiles y Políticos, conforme a los cuales las limitaciones a dichos derechos
sólo podía establecerse por ley.
A tal efecto, la Sala partió de la consideración de que “Los tratados internaciona-
les vigentes en nuestro país, con supremacía respecto de las leyes secundarias, entre
ellas, el Código Municipal, reconocen la libertad de reunión y manifestación pública
y establecen que este derecho solo podrá estar sujeto a limitaciones o restricciones
previstas por la ley, que sean necesarias en una sociedad democrática”, la cual “tiene
que ser emitida por la Asamblea Legislativa observando el formalismo” establecido en
la Constitución; y además dispuso la Sala, que dicha ley, de acuerdo con el artículo
XXVIII la Declaración Americana de Derechos Humanos solo puede establecer limi-
taciones sujetas al “principio de razonabilidad de manera que ”sea intrínsecamente
justa: es decir, que debe responder a ciertas pautas de valor suficientes, o sea dar el
contenido material de justicia consagrado en la Constitución”
En cuanto a la Constitución de México, a pesar de que la Constitución asigna a
los tratados rango legal, la jurisprudencia de la Suprema Corte también conforme al
principio de la progresividad, les ha otorgado rango supra legal. En efecto, al referir-
se a los tratados internacionales, siguiendo la orientación de la Constitución
Norteamericana, la Constitución de México dispone:

Artículo 133.- Esta Constitución, las leyes del Congreso de la Unión que
emanen de ella y todos los Tratados que estén de acuerdo con la misma, celebra-
dos y que se celebren por el Presidente de la República, con aprobación del
Senado, serán la Ley Suprema de toda la Unión. Los jueces de cada Estado se
arreglarán a dicha Constitución, leyes y tratados, a pesar de las disposiciones en
contrario que pueda haber en las Constituciones o leyes de los Estados.

Se trata de la misma llamada cláusula de supremacía, conforme a la cual, tradi-


cionalmente se había considerado que los tratados tenían la misma jerarquía norma-
tiva que las leyes. Así lo decidió la Suprema Corte de la Nación en sentencia de Pleno

la Sala concluyó que “ésta no puede nunca constituir la regla general de los procesos penales –circunstan-
cia además expresamente prohibida en el artículo 9,3 del Pacto Internacional de Derechos Civiles y
Políticos- por lo que la misma , no puede funcionar automáticamente”(p. 158), porque no puede entender-
se como una sanción anticipada. Al contrario, a los efectos de decretar la detención, el juez en cada caso
necesita evaluar las circunstancias sobre la necesidad y conveniencia de la privación de la libertad para pro-
teger el interés público fundamental. Con fundamento en lo anterior, la Sala Constitucional concluyó en
relación con el caso que como en el mismo se había decidido la detención provisional, y “no se consignó
justificación alguna para dicha orden, esta deviene en inconstitucional” (158).

675
Allan R. Brewer-Carías

C/92, de 30 de junio de 1992, al señalar que ocupando las leyes y los tratados interna-
cionales, el mismo “rango inmediatamente inferior a la Constitución en la jerarquía
de las normas en el orden jurídico mexicano”, un

“tratado internacional no puede ser criterio para determinar la constitucionali-


dad de una ley ni viceversa. Por ello, la Ley de las Cámaras de Comercio y de las
de Industria no puede ser considerara inconstitucional por contrariar lo dispues-
to en un tratado internacional.”24

Pero este criterio ha sido abandonado por la propia Suprema Corte, en una sen-
tencia de revisión de amparo No. 1475/98, en la cual, al interpretarse el artículo 133
constitucional conforme a la Convención de Viena sobre Derecho de los Tratados de
1969, se determinó que en virtud de que “los compromisos internacionales son asu-
midos por el Estado mexicano en su conjunto y comprometen a todas sus autoridades
frente a la comunidad internacional” los tratados internacionales “se ubican jerárqui-
camente por encima de las leyes federales y, en un segundo plano, respecto de la
Constitución Federal”, adquiriendo entonces rango supra legal.25
Por otra parte, en este grupo de países que otorga rango supra legal a los tratados
en materia de derechos humanos también se puede ubicar el caso de Paraguay. La
Constitución contiene una cláusula de supremacía similar a la mexicana, con el
siguiente texto:

Artículo 137. De la supremacía de la Constitución. La ley suprema de la


República es la Constitución. Esta, los tratados, convenios y acuerdos internacio-
nales aprobados y ratificados, las leyes dictadas por el Congreso y otras disposi-
ciones jurídicas de inferior jerarquía, sancionadas en consecuencia, integran el
derecho positivo nacional en el orden de prelación enunciado.

Dicha cláusula, sin embargo, tiene la peculiaridad de indicar el orden de prela-


ción de las fuentes, por lo que los tratados, si bien están por debajo de la Constitución,
están por encima de las leyes. Además, esta norma se complementa con el artículo 141
de la misma Constitución que dispone que “los tratados internacionales validamente
celebrados, aprobados por ley del Congreso, y cuyos instrumentos de ratificación fue-

24 Tesis P. C/92, publicada en la Gaceta del Semanario Judicial de la Federación, No. 60, diciembre de 1992,
p. 27.
25 Véase la referencia en Guadalupe Barrena y Carlos Montemayor “Incorporación del derecho internacional
en la Constitución mexicana”, Derechos Humanos. Memoria del IV Congreso Nacional de Derecho
Constitucional, Vol. III, Instituto de Investigaciones Jurídicas, UNAM, México 2001; y en Humberto
Henderson, “Los tratados internacionales de derechos humanos en el orden interno: la importancia del
principio pro homine”, en Revista IIDH, Instituto Interamericano de Derechos Humanos, No. 39, San José
2004, p. 82, nota 15.

676
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

ran canjeados o depositados, forman parte del ordenamiento legal interno con la jerar-
quía que determina el Artículo 137.”26

4. La jerarquía legal de los tratados internacionales en materia de


derechos humanos

En cuarto lugar, en relación con la jerarquía de los tratados internacionales sobre


derechos humanos en el ámbito interno y su aplicación por los tribunales, otro siste-
ma que quizás es el más común, es el de la atribución a los mismos del mismo rango
que las leyes. Es el sistema clásico del constitucionalismo moderno, generalizado
según lo que dispuso la Constitución de los Estados Unidos en su artículo VI. 2:

Esta Constitución y las leyes de los Estados Unidos que deben sancionarse
conforme a la misma; y todos los tratados suscritos o que deban suscribirse bajo
la autoridad de los Estados Unidos, serán la suprema ley del país; y los jueces en
cada Estado se sujetarán a la misma, aún cuando exista algo en contrario en la
Constitución o leyes de los Estados.

En estos sistemas, en consecuencia, los tratados son parte de la legislación del


país, teniendo entonces el mismo rango que las leyes. Están sujetos a la Constitución,
y en su aplicación en relación con las leyes se rigen por los principios de la ley poste-
rior y de la ley especial a los efectos de su prevalencia o efectos derogatorios.
En el caso de Uruguay, el artículo 6 de la Constitución sólo hace referencia a los
tratados internacionales a los efectos de indicar que se debe proponer “la cláusula de
que todas las diferencias que surjan entre las partes contratantes, serán decididas por
el arbitraje u otros medios pacíficos”; no haciendo referencia alguna ni a la jerarquía
en el derecho interno ni al tema de los derechos humanos. Ello, sin embargo, no ha
sido impedimento para que la Corte Suprema de Justicia, por ejemplo, en la sentencia
de 23 de octubre de 1996, al resolver sobre una excepción de inconstitucionalidad
opuesta por el Ministerio Público contra normas de la Ley de Prensa que permiten ser
juzgado en libertad por delitos de prensa, fundamentara su argumento en lo dispues-
to en tratados internacionales, para desestimar la excepción.27

26 Conforme a estas previsiones, por ejemplo, el Tribunal de Apelaciones en lo Criminal, Primera Sala de
Paraguay, en sentencia de 10 de junio de 1996, revocó una sentencia de un tribunal inferior que había dic-
tado una condena por el delito de difamación en el cual el querellante era una persona política y pública,
argumentando que “en una sociedad democrática los políticos están más expuestos a la crítica de la ciuda-
danía”, por lo que “en ningún caso el interés de los particulares primará sobre el interés público”, invocan-
do para la sentencia revocatoria, las normas constitucionales pertinentes así como el artículo 13 de la
Convención Americana de Derechos Humanos. Véase en Iudicum et Vita, Jurisprudencia nacional de
América Latina en Derechos Humanos, No. 5, Instituto Interamericano de Derechos Humanos, San José,
Costa Rica, Diciembre 1997 pp. 82-86.
27 El caso concreto trató sobre un delito de imprenta por críticas formuladas al Presidente del Paraguay, en el
cual el denunciante fue el Embajador del Paraguay en el Uruguay. El Ministerio Público denunció viola-

677
Allan R. Brewer-Carías

El sistema constitucional de la República Dominicana también puede ubicarse


en este grupo constitucional, donde los tratados tienen el mismo rango que las leyes.
Por ello, y precisamente por el hecho de que la República Dominicana es uno de los
pocos países de América Latina que no tiene consagrado en el texto constitucional el
recurso o acción de amparo como medio judicial de protección de los derechos huma-
nos, la Corte Suprema aplicó la Convención Americana de Derechos Humanos para
admitir jurisprudencialmente la acción o recurso de amparo antes que se regulara
mediante Ley.
En efecto, el artículo 3 de la Constitución de la Republica Dominicana establece
que “La República Dominicana reconoce y aplica las normas del Derecho
Internacional general y americano en la medida en que sus poderes públicos las hayan
adoptado”. Conforme a ello, en 1977 el Congreso aprobó la Convención Americana de
Derechos Humanos, en cuyos artículo 8,2 y 25,1 se regulan los principios generales
del debido proceso y, en particular, la acción o recurso de amparo para la protección
de los derechos humanos declarados en la Convención, en las Constituciones y en las
leyes de los Estados miembros.
De acuerdo con estas previsiones, si bien era cierto que la Constitución no regu-
laba expresamente la acción o recurso de amparo, el mismo estaba consagrado en la
Convención Americana, por lo que dicho recurso podía ejercerse por toda persona en
protección de sus derechos. El problema, sin embargo, radicaba en la ausencia de las
reglas de procedimiento relativas al amparo, incluyendo la ausencia de normas lega-
les atributivas de competencia judiciales para conocer de la acción. Ello explica por
qué hasta 1999 no se habían intentado acciones de amparo. Ese año, sin embargo, una
empresa privada, la empresa Productos Avon S.A., intentó un recurso de amparo ante
la Corte Suprema contra una sentencia dictada por un juzgado con competencia en
materia laboral, alegando violación de derechos constitucionales, y fue dicha acción
la que originó la admisibilidad jurisprudencial de la acción de amparo en la República
Dominicana sin que hubiera disposición constitucional o legal sobre la misma., lo que
se produjo mediante sentencia de la Corte Suprema del 24 de febrero de 1999, que
admitió la acción de amparo intentada por la mencionada empresa Avon, declarando

ciones al principio de igualdad contenidas en normas constitucionales y en los artículos 7 de la Declaración


Americana de Derechos Humanos y 24 de la Convención Americana de Derechos Humanos. La Corte
Suprema para decidir analizó extensivamente el derecho humano a la libre expresión del pensamiento
haciendo referencia, precisamente, al artículo 19 del Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y
el artículo 13.1 de la Convención Americana de Derechos Humanos; a la Opinión Consultiva OC-5 sobre
incompatibilidad del derecho a la libre expresión del pensamiento y la colegiación obligatoria de los perio-
distas; y al derecho a la presunción de inocencia “consagrado expresamente, en todo caso, en las
Convenciones y Declaraciones internacionales a las que ha adherido el país o que de otro modo le obligan
(Declaración Universal de los Derechos del Hombre, art. 11; Pacto Internacional de Derechos Civiles y
Políticos, art. 14.4 y Convención Americana de Derechos Humanos, art. 8.2.), lo que permitía al querella-
do en el caso, el ser juzgado en libertad. Véase en Iudicum et Vita, Jurisprudencia nacional de América
Latina en Derechos Humanos, No. 5, Instituto Interamericano de Derechos Humanos, San José, Costa Rica,
Diciembre 1997 pp. 72-79.

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La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

al amparo como “una institución de derecho positivo” y prescribiendo en la decisión


las reglas básicas de procedimiento para el ejercicio de tales acciones de amparo.28
Para este último fin, la Corte Suprema conforme se establece en el artículo 29,2
de la Ley Orgánica Judicial, y a los efectos de evitar la confusión que podría ocasio-
nar la ausencia de reglas de procedimiento, invocó su potestad de establecerlas, resol-
viendo en definitiva: “Declarar que el recurso de amparo previsto en el artículo 25,1
de la Convención Americana de Derechos Humanos de San José, Costa Rica, del 22
de noviembre de 1969, es una institución de derecho positivo dominicano, por haber
sido adoptada y aprobada por el Congreso Nacional, mediante Resolución No. 739
del 25 de diciembre de 1977, de conformidad con el artículo 3, de la Constitución de
la República.”29
Esta sentencia de la Corte Suprema de la República Dominicana, adoptada en
ausencia de regulaciones constitucionales y legales sobre la acción de amparo, admitien-
do este medio judicial de protección de los derechos humanos de acuerdo con lo esta-
blecido en la Convención Americana de derechos Humanos, sin duda, es una de las más
importantes sentencias de dicha Corte en la materia, no sólo en relación con la admisi-

28 El caso se desarrolló como sigue: 1. La empresa demandante alegó que la decisión judicial del tribunal labo-
ral había violado su derecho a ser juzgado por el juez natural, a cuyo efecto solicitó a la Corte Suprema que:
primero, declarara en su sentencia que el amparo debía considerarse como una institución dominicana de
derecho público; y segundo, que la Corte Suprema, de acuerdo con las disposiciones de la Ley Orgánica
Judicial que le atribuye a la Corte el poder de resolver sobre el procedimiento aplicable en caso de que no
exista uno legalmente prescrito, disponiendo las normas respectivas, que en consecuencia estableciera dichas
normas en relación con los recursos de amparo. Adicionalmente, el recurrente solicitó a la Corte que dicta-
ra una medida cautelar suspendiendo los efectos de la sentencia laboral impugnada mientras durase el juicio
de amparo. 2. La Corte Suprema, a los efectos de decidir, estableció el criterio que los tratados internaciona-
les invocados por el recurrente, particularmente los artículos 8 y 25,1 de la Convención Americana de
Derechos Humanos, eran parte del derecho interno de la República Dominicana, y tenían la finalidad de
garantizar la protección judicial de los derechos fundamentales reconocidos en la Constitución, en la ley y
en la indicada Convención, contra todo acto violatorio de dichos derechos, cometido por cualquier persona
actuando o no en el ejercicio de funciones públicas, por lo que incluso se admitía contra actuaciones de par-
ticulares. En este aspecto, la Corte Suprema resolvió que: “Contrariamente a como ha sido juzgado en el sen-
tido de que los actos violatorios tendrían que provenir de personas no investidas con funciones judiciales o
que no actúen en el ejercicio de esas funciones, el recurso de amparo, como mecanismo protector de la liber-
tad individual en sus diversos aspectos, no debe ser excluido como remedio procesal específico para solucio-
nar situaciones creadas por personas investidas de funciones judiciales ya que, al expresar el artículo 25.1 de
la Convención, que el recurso de amparo está abierto a favor de toda persona contra actos que violes sus dere-
chos fundamentales, “aún cuando tal violación sea cometida por personas que actúen en ejercicio de sus fun-
ciones oficiales”, evidentemente incluye entre éstas a las funciones judiciales ”. Igualmente, la Corte resol-
vió que la vía del amparo: “Queda abierta contra todo acto u omisión de los particulares o de los órganos o
agentes de la administración pública, incluido la omisión o el acto administrativo, no jurisdiccional. Del
poder judicial, si lleva cualquiera de ellos una lesión, restricción o alteración, a un derecho constitucional-
mente protegido. Véase en Iudicum et Vita, Jurisprudencia nacional de América Latina en Derechos
Humanos, No. 7, Tomo I, Instituto Interamericano de Derechos Humanos, San José, Costa Rica, Diciembre
2000 p. 329 y ss. Véanse los comentarios a dicha sentencia en Allan R. Brewer-Carías, “La admisión jurispru-
dencial de la acción de amparo en ausencia de regulación constitucional o legal en la República Dominicana”,
idem, pp. 334 y ss; y en Revista IIDH, Instituto Interamericano de Derechos Humanos, San José, 2000.
29 Idem, p. 333.

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Allan R. Brewer-Carías

bilidad de la acción de amparo,30 sino en cuanto a la aplicabilidad directa en el orden


interno de las disposiciones de la Convención Americana de Derechos Humanos.

III. La aplicación de los tratados internacionales de derechos


humanos por los tribunales constitucionales conforme a las
cláusulas abiertas sobre derechos protegibles

En el proceso de garantizar la efectiva vigencia de los derechos humanos, los


Tribunales Constitucionales de América Latina, en muchos casos han recurrido ade-
más de a los principios y valores establecidos o derivados del texto de las
Constituciones, a lo que se dispone en los tratados internacionales sobre derechos
humanos, de manera que una de las características más destacadas del derecho de los
derechos humanos en América Latina, es el de la progresiva aplicación por los tribu-
nales constitucionales, de los instrumentos internacionales de derechos humanos a los
efectos de su protección en el orden interno. Ello es consecuencia, por supuesto, del
carácter meramente declarativo de las declaraciones constitucionales de derechos
humanos, en las cuales, en definitiva, sólo se reconoce la existencia de los mismos, los
cuales son considerados en las Constituciones y en los propios tratados internaciona-
les como derechos inherentes a la persona humana.
Esto ha sido posible por la aplicación de las llamadas cláusulas abiertas sobre
derechos humanos que se han incorporado en las Constituciones latinoamericanas.
Estas, por supuesto, tienen su origen remoto en la Enmienda IX de la Constitución de
los Estados Unidos de América (1791), que dispuso que “La enumeración de ciertos
derechos en la Constitución no debe construirse como la negación o derechos de otros
que el pueblo conserva”. Con ello se buscaba confirmar que la lista de los derechos
constitucionales no termina en aquellos expresamente declarados y enumerados en
los textos constitucionales.
Esta técnica, enriquecida en el constitucionalismo latinoamericano, ha permiti-
do considerar como derechos humanos todos los otros inherentes a la persona huma-
na declarados en los instrumentos internacionales sobre derechos humanos, lo que ha
permitido su aplicación inmediata en el orden interno.
Cláusulas abiertas de este tipo se han incorporado en casi todas las Constitu-
ciones de América Latina, con escasas excepciones (Cuba, Chile, México y Panamá),
en las cuales expresamente se dispone que la declaración o enunciación de los dere-
chos contenida en la Constitución, no debe ser entendida como la negación de otros
no enumerados en el texto constitucional, que sean “inherentes a la persona humana”
o “a la dignidad humana”. Así se establece en las Constituciones de Argentina
(Artículo 33), Bolivia (Artículo 33), Colombia (Artículo 94), Costa Rica (Artículo 74),

30 Idem, p. 334 ff.

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La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

Ecuador (Artículo 11,7), Guatemala (Artículo 44), Honduras (Artículo 63), Paraguay
(Artículo 45), Perú (Artículo 3), República Dominicana (Artículo 2), Uruguay
(Artículo 72) y Venezuela (Artículo 22); incluso, en algunos casos, con remisión
expresa a los tratados internacionales, como sucede en Colombia (Artículo 44);
Nicaragua (Artículo 46); Brasil (Artículo 5,2) y Venezuela (Artículo 22).
La Constitución de Costa Rica, por su parte, hace mención a que la enunciación
de los derechos y beneficios contenidos en la misma no excluye otros “que se deriven
del principio cristiano de justicia social” (Artículo 74); expresión que entendemos
debe interpretarse en el sentido occidental de la noción de dignidad humana y justi-
cia social; y en otras Constituciones, las cláusulas abiertas se refieren a la soberanía
popular y a la forma republicana de gobierno, haciendo énfasis en relación con los
derechos políticos que con los inherentes a la persona humana, tal como ocurre en
Argentina (Artículo 13), Bolivia (Artículo 35), Uruguay (Artículo 72) y Honduras
(Artículo 63)
Ahora bien, en relación con el significado de estos “derechos inherentes a la per-
sona humana” indicados en estas cláusulas abiertas de derechos, por ejemplo, la anti-
gua Corte Suprema de Justicia de Venezuela, en una sentencia de 31 de enero de 1991,
señaló lo siguiente:

“Tales derechos inherentes de la persona humana son derechos naturales,


universales, que tienen su origen y son consecuencia directa de las relaciones de
solidaridad entre los hombres, de la necesidad del desarrollo individual de los
seres humanos y de la protección del medio ambiente”.
En consecuencia, la misma Corte concluyó disponiendo que:
”Dichos derechos comúnmente están contemplados en Declaraciones
Universales y en textos nacionales o supranacionales y su naturaleza y conteni-
do como derechos humanos no debe permitir duda alguna por ser ellos de la
esencia misma del ser y, por ende, de obligatorio respeto y protección”.31

Ha sido en virtud de estas cláusulas abiertas que se ha logrado la identificación


de los derechos constitucionales no enumerados en el texto de las constituciones con-
siderados como inherentes a la persona humana en virtud de la inclusión en los ins-
trumentos internacionales. Así sucedió, por ejemplo, en Venezuela, donde en la déca-
da de los ochenta del siglo pasado, la antigua Corte Suprema de Justicia de Venezuela,
como tribunal constitucional anuló diversas disposiciones legales basando su decisión
en la violación de los derechos establecidos en la Convención Americana de Derechos
Humanos, considerados de acuerdo con lo establecido en el artículo 50 de la

31 Caso: Anselmo Natale. Consultada en original. Véase el texto en Carlos Ayala Corao, “La jerarquía de los
instrumentos internacionales sobre derechos humanos”, en El nuevo derecho constitucional latinoamerica-
no, IV Congreso venezolano de Derecho constitucional, Vol. II, Caracas 1996, y La jerarquía constitucional
de los tratados sobre derechos humanos y sus consecuencias, México, 2003.

681
Allan R. Brewer-Carías

Constitución (equivalente al articulo 22 de la Constitución de 1999), como “derechos


inherentes a la persona humana”.
Así ocurrió, por ejemplo, en 1996, cuando la antigua Corte Suprema de Justicia,
al decidir la acción popular de inconstitucionalidad que se había intentado contra la
Ley de División Político Territorial del Estado Amazonas, por no haberse respetado
los derechos de participación política de las comunidades indígenas, decidió que sien-
do dicho Estado de la federación uno mayormente poblado por dichas comunidades
indígenas, la sanción de dicha Ley sin previamente haberse oído la opinión de las mis-
mas, mediante consulta popular, significó la violación del derecho constitucional a la
participación política que aún cuando no estaba expresamente enumerado en la
Constitución de 1961, siendo considerado por la Corte como un derecho inherente a
la persona humana, como un “principio general de rango constitucional en una socie-
dad democrática”, aplicando la cláusula abierta del artículo 50 constitucional y la
Convención Americana de derechos Humanos.32
De acuerdo con esta decisión, la antigua Corte Suprema venezolana decidió que en
el caso sometido a su consideración, había ocurrido una violación a los derechos consti-
tucionales de las minorías establecidos en la Constitución y en los tratados y convencio-
nes internacionales, en particular, al derecho a la participación política en el proceso de
elaboración de leyes, debido a la ausencia de consulta popular a las comunidades indíge-
nas, como consecuencia de lo cual, declaró la nulidad de la ley estadal impugnada.
El año siguiente, en 1997, la antigua Corte Suprema dictó otra importante decisión,
en este caso anulando una ley nacional, la llamada Ley de Vagos y Maleantes, por con-
siderarla inconstitucional por violación de las garantías judiciales y al debido proceso,
basándose de nuevo en el “proceso de constitucionalización de los derechos humanos de
acuerdo con el artículo 50 de la Constitución”, y considerando que dicha ley “vulnera

32 En dicha sentencia del 5 de diciembre de 1996, la Corte señaló que:“En el presente caso no se demostró el
cumplimiento cabal de la normativa en cuanto a la participación ciudadana, restándole al acto impugnado la
legitimación originaria conferida por la consulta popular. Alegan los oponentes al recurso intentado que fue-
ron consultados los órganos oficiales, como el Ministerio del Ambiente y de los Recursos Naturales Renovables
y el Servicio Autónomo Ambiental de Amazonas y se recibieron observaciones de diferentes organizaciones
indígenas, asimismo, antes de la promulgación de la Ley, el Gobernador explicó a la Organización
Regional de Pueblo Indígenas las razones de la Ley. Estima la Corte que este procedimiento constituye una
expresión tímida e insignificante del derechos constitucional de participación ciudadana en la formación de
la ley. Tal participación debe manifestarse antes y durante la actividad legislativa y no tan solo en el momen-
to de su promulgación por parte del Gobernador del Estado. Por otra parte, el hecho que se consultaron los
referidos organismos nacionales (actuación idónea) no exime la obligatoriedad de cumplimiento de la consul-
ta popular sobre todo en una materia en la cual está involucrada: el régimen de excepción de las comunidades
indígenas (de rango constitucional) el carácter multiétnico y pluricultural, la biodiversidad, la cultura, religión
y lengua propia de las comunidades indígenas, el derecho a la tierra que respecto a dichas comunidades es de
interés social e inalienable, en definitiva, la organización municipal (como lo es el acto impugnado) constitu-
tivo del marco institucional de tales realidades preexistentes, permanentes y objetivas. La participación es un
fenómeno de la vida democrática, que al manifestarse antes de dictarse la norma, instruye a la autoridad sobre
los intereses legítimos y necesidades de la comunidad y produce, a posteriori, consecuencias positivas, que se
revelan en el respaldo democrático de su aplicación”. Caso: Antonio Guzmán, Lucas Omashi y otros, en
Revista de Derecho Público, No. 67-68, Editorial Jurídica venezolana, Caracas, 1996, pp. 176 ss.

682
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

ipso jure, Convenciones Internacionales y Tratados, sobre los derechos del hombre, en
la medida en que dichos instrumentos adquieren jerarquía constitucional”.33
Posteriormente, en relación con las dudas que se habían planteado, en 1998, en
varios recursos de interpretación, sobre la posibilidad de que el Presidente electo de la
República convocara un referéndum consultivo para resolver sobre la convocatoria a una
Asamblea Constituyente que no estaba regulada en la Constitución de 1961, como meca-
nismo para la reforma constitucional, la antigua Corte Suprema de Justicia en Sala
Político Administrativa dictó sendas decisiones de 19 de enero de 1999, admitiendo la
posibilidad de que se convocara dicho referéndum consultivo, fundamentando su deci-
sión en el derecho a la participación política de los ciudadanos, para lo cual se fundamen-
tó, de nuevo, en el artículo 50 de la Constitución de 1961, conforme al cual consideró tal
derecho como un derecho implícito y no enumerado, inherente a la persona humana.34

IV. Los Principios de Interpretación Constitucional sobre Derechos


Humanos y la Aplicación de los Tratados Internacionales

Pero la aplicación de los tratados internacionales sobre derechos humanos por


los tribunales nacionales, no sólo han tenido como fundamento las cláusulas abiertas
33 En su sentencia del 6 de noviembre de 1997, la antigua Corte Suprema consideró a la ley impugnada como
infamante, al permitir detenciones ejecutivas o administrativas de personas consideradas como vagos o
maleantes, sin garantía alguna del debido proceso, basando su decisión en el artículo 5 de la Declaración
Universal de los Derechos Humanos y en la Convención Americana sobre Derechos Humanos, la cual “se
ha incorporado a nuestro Derecho Interno como norma ejecutiva y ejecutable reforzada por la jurispruden-
cia, la cual le ha dado el carácter de parámetro de constitucionalidad. Ello entraña la incorporación a nues-
tro ordenamiento jurídico interno del régimen previsto en convenciones internacionales. La Corte consi-
deró que la ley impugnada era inconstitucional en virtud de que omitía las garantías de un juicio justo esta-
blecidas en los artículo 7 y 8 de la Convención Americana y en los artículos 0 y 14 del Pacto Internacional
de Derechos Civiles y Políticos, y porque además era discriminatoria, violando el artículo 24 de la misma
Convención Americana, cuyo texto íntegro se transcribió en la sentencia. Véase en Revista de Derecho
Público No. 71-72, Editorial Jurídica Venezolana, Caracas, 1997, pp. 177 y ss.
34 La Corte entonces consideró al referéndum como un derecho inherente a la persona humana, decidiendo
lo siguiente: “Ello es aplicable, no sólo desde el punto de vista metodológico sino también ontológicamen-
te, ya que si se considerara que el derecho al referendo constitucional depende de la reforma de la
Constitución vigente, el mismo estaría supeditado a la voluntad del poder constituido, lo que pondría a éste
por encima del poder soberano. La falta de tal derecho en la Carta Fundamental tiene que interpretarse
como laguna de la Constitución, pues no podría admitirse que el poder soberano haya renunciado ab initio
al ejercicio de un poder que es obra de su propia decisión política.” Véase en Revista de Derecho Público,
No. 77-80, Editorial Jurídica Venezolana, Caracas 1999, p. 67. La conclusión de la decisión de la Corte
Suprema fue que no era necesario que se reformara previamente la Constitución a los efectos de reconocer
como un derecho constitucional el referéndum o la consulta popular sobre la convocatoria a una Asamblea
Constituyente, con lo que se abrió la posibilidad judicial de convocar la Asamblea nacional Constituyente
sin previsión constitucional expresa (Véase los comentarios en Allan R. Brewer-Carias, “La configuración
judicial del proceso constituyente o de cómo el guardián de la Constitución abrió el camino para su viola-
ción y para su propia extinción”, en Revista de Derecho Público, No. 77-80, Editorial Jurídica Venezolana,
Caracas 1999, pp. 453 y ss.), con todas las consecuencias institucionales que ello produjo y continúa produ-
ciendo. Véase Allan R. Brewer-Carías, Golpe de Estado y proceso constituyente en Venezuela, Instituto de
Investigaciones Jurídicas, UNAM, México 2002.

683
Allan R. Brewer-Carías

establecidas en las Constituciones, sino las previsiones constitucionales que imponen


la obligación de interpretar las previsiones nacionales sobre derechos humanos con-
forme a los tratados.
Algunas Constituciones, en efecto, expresamente disponen como principio, que la
interpretación de sus normas relativas a derechos humanos debe hacerse atendiendo a
lo establecido en los instrumentos internacionales sobre la materia. Esta fue la técnica
seguida por la Constitución de España (Artículo 10,2) y Portugal (Artículo 16,2) y en
América Latina en la Constitución de Colombia de 1991, cuyo artículo 93 dispone que
“Los derechos y deberes consagrados en esta Carta, se interpretarán de conformidad con
los tratados internacionales sobre derechos humanos ratificados por Colombia”.
De acuerdo con esta previsión constitucional, los órganos del Estado y no solo los
tribunales, están obligados a interpretar las regulaciones constitucionales sobre dere-
chos humanos de conformidad con lo dispuesto en los tratados internacionales sobre
la materia; siendo el resultado de ello, tanto el reconocimiento de los derechos decla-
rados en dichos tratados como teniendo igual rango y valor constitucional que los
derechos declarados en la Constitución misma como su aplicabilidad directa en el
ámbito interno, ya que aquellos son los que deben guiar la interpretación de estos.
Esta técnica interpretativa, en todo caso, ha sido utilizada frecuentemente por
los tribunales en Colombia al interpretar el ámbito y extensión de los derechos cons-
titucionales, como fue el caso de la sentencia de la Corte Constitucional de 22 de
febrero de 1996, dictada con motivo de decidir la impugnación por inconstitucionali-
dad de una ley destinada a regular las trasmisiones de televisión, que el impugnante
consideró contraria al derecho constitucional a informar. La Corte Constitucional, en
la sentencia, consideró que “La norma constitucional declara sin rodeos que los dere-
chos y deberes consagrados en el Estatuto Fundamental se interpretarán de conformi-
dad con los tratados internacionales sobre derechos humanos ratificados por
Colombia,35 procediendo a a referirse a la libertad de expresión del pensamiento y al
derecho constitucional a informar de acuerdo con lo establecido en el artículo 19,2 del
Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y en el artículo 13,2 de la
Convención Americana de Derechos Humanos, particularmente en relación con la
universalidad del ejercicio de tales derechos, “sin consideraciones de fronteras”.36
En este mismo orden de ideas, igual resultado se ha obtenido en otros países en
virtud de las declaraciones generales contenidas en los Preámbulos de los textos cons-
titucionales en los cuales se hace referencia a las declaraciones internacionales de

35 De ello concluyó la Corte señalando que “Prohibir en el territorio nacional se instalen o pongan en funcio-
namiento estaciones terrenas destinadas a la captación y posterior difusión, transmisión o distribución de
señales de satélites, bien que su procedencia sea nacional o internacional, implicaría flagrante vulneración
del derecho a la información, que cobija a toda persona en los términos del artículo 20 de la Constitución.
Véase en Iudicum et Vita, Jurisprudencia nacional de América Latina en Derechos Humanos, No. 5,
Instituto Interamericano de Derechos Humanos, San José, Costa Rica, Diciembre 1997 pp. 34-35.
36 Idem, p. 37.

684
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

derechos humanos o a los derechos humanos como valor universal. Sabemos que
muchos de los Preámbulos de las Constituciones dictadas después de la Segunda
Guerra Mundial, hacen referencia a los derechos humanos y en particular a las decla-
raciones internacionales, como valores fundamentales de la sociedad. El ejemplo más
clásico es el de la Constitución francesa de 1958 en la cual, sin que en su texto se
hubiera incorporado una declaración de derechos humanos, se estableció la siguiente
declaración general contenida en el Preámbulo:

El Pueblo Francés proclama solemnemente su dedicación a los Derechos del


Hombre y a los principios de soberanía nacional definidos en la Declaración de
1789, reafirmados y complementados en el Preámbulo de la Constitución de 1946.

Con fundamento en esta declaración, en los años setenta, el Consejo


Constitucional francés pudo extender el bloque de la constitucionalidad,37 atribuyen-
do rango y valor constitucional a los derechos humanos consagrados en la Declaración
de los Derechos del Hombre y del Ciudadano de 1789,38 con lo cual, al decir de Jean
Riveró, “La Constitución francesa dobló su volumen con la sola voluntad del Consejo
Constitucional”.39
En América Latina, muchas Constituciones también contienen declaraciones
generales en las cuales se definen los propósitos de la organización política y de la san-
ción de la propia Constitución, estableciendo una orientación general para la actua-
ción de los órganos del Estado en relación con el respeto y garantía de los derechos
humanos. Por ejemplo, la Constitución de Venezuela declara que dicho texto se ha
sancionado con el fin de que se “asegure el derecho a la vida, al trabajo, a la cultura,
a la educación, a la justicia social y a la igualdad sin discriminación ni subordinación
alguna”, promoviendo “la garantía universal e indivisible de los derechos humanos”.
La Constitución de Guatemala, por su parte, también expresa en su Preámbulo
que dicho texto se ha dictado “afirmando la primacía de la persona humana como
sujeto y fin del orden social” y “decididos a impulsar la plena vigencia de los Derechos
Humanos dentro de un orden institucional estable, permanente y popular, donde
gobernados y gobernantes procedan con absoluto apego al derecho”.
Siendo en estos casos, el objetivo general de las Constituciones, el garantizar,
promover e impulsar el efectivo goce y ejercicio de los derechos humanos referidos
en el contexto universal, los derechos incorporados en las declaraciones y tratados
internacionales pueden ser considerados o interpretados como teniendo el mismo

37 Véase L. Favoreu, «Le principe de constitutionalité. Essai de définition d’après la jurisprudence du Conseil
constitutionnel”, en Recueil d’études en 1’honneur de Charles Eisenmann, Paris 1977, p. 33.
38 Véase Allan R. Brewer-Carías, Judicial Review in Comparative Law, Cambridge University Press, 1989.
39 Véase J. Rivero, «Rapport de Synthèse” en L. Favoreu (ed.), Cours constitutionnelles européennes et droit
fondamentaux, Aix-en-Provence 1982, p. 520.

685
Allan R. Brewer-Carías

rango y valor de los que se han incorporado en el texto de las declaraciones constitu-
cionales.
Otras Constituciones contienen declaraciones de principio similares, aún cuan-
do no el de sus preámbulos, sino en el propio texto constitucional, al regularse aspec-
tos específicos del funcionamiento de los órganos del Estado, imponiéndoseles como
obligación, por ejemplo, el garantizar efectivamente el derecho de todas las personas
para el goce y ejercicio de sus derechos constitucionales. En estos casos, al establecer-
se como obligación estatal el necesario respeto a los derechos humanos o el garanti-
zar que puedan ser efectivamente ejercidos, ello se ha interpretado como reconocien-
do el valor universal de los derechos, y su rango constitucional, aún cuando no estén
en el texto constitucional.
Es el caso de la Constitución de Chile, en la cual, en la reforma de 1989, se incor-
poró una declaración general en la cual se reconoció que el ejercicio de la soberanía
está limitado por “el respeto a los derechos esenciales que emanan de la naturaleza
humana”, prescribiendo además, como un “deber de los órganos del Estado respetar y
promover tales derechos, garantizados por esta Constitución, así como por los trata-
dos internacionales ratificados por Chile y que se encuentren vigentes” (art. 5). En
consecuencia, si es un deber de los órganos del Estado el respetar y promover los dere-
chos humanos que están garantizados en los tratados internacionales, dichos derechos
adquieren igual rango y valor constitucional que el de los derechos constitucionales
enumerados en el texto fundamental. Incluso la referencia constitucional a los “dere-
chos esenciales que emanan de la naturaleza humana” permite y exige que no solo los
declarados en el texto constitucional tengan el carácter de derechos constitucionales,
sino los enumerados en los tratados internacionales, e incluso, por ejemplo, que tam-
bién tengan tal carácter aquellos no enumerados en texto expreso pero que sean esen-
ciales a la naturaleza humana.
La Constitución de Ecuador también prescribe en su artículo 11,9, en el misma
orientación, que “El más alto deber del Estado consiste en respetar y hacer respetar
los derechos humanos garantizados en la Constitución”, disponiendo que “las perso-
nas, comunidades, pueblos, nacionalidades colectivos son titulares y gozarán de los
derechos garantizados en la Constitución y en los instrumentos internacionales”(art
10); obligándose el Estado, además, a garantizar “el efectivo goce de estos derechos
establecidos en la Constitución y en los instrumentos internacionales” (Art. 3).
En consecuencia, en estos casos, las obligaciones del Estado se refieren no solo a
garantizar el ejercicio de los derechos enumerados en la Constitución, sino en los ins-
trumentos internacionales, los cuales por tanto puede considerarse que adquieren el
mismo rango y valor que aquellos.
En este sentido, también debe hacerse especial referencia a la Constitución de
Nicaragua, en la cual se incorporó una declaración general en el artículo 46, confor-
me a la cual, en el territorio nacional, toda persona goza no solo “de la protección esta-
tal y del reconocimiento de los derechos inherentes a la persona humana, del irres-

686
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

tricto respeto, promoción y protección de los derechos humanos” sino además, de la


protección del Estado respecto “de la plena vigencia de los derechos consignados en
la Declaración Universal de los Derechos Humanos; en la Declaración Americana de
Derechos y Deberes del Hombre, en el Pacto Internacional de Derechos Económicos,
Sociales y Culturales, en el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos de la
Organización de las Naciones Unidas y en la Convención Americana de Derechos
Humanos de la Organización de Estados Americanos”.
En este caso, la referencia constitucional a ciertos tratados internacionales de
derechos humanos, dada la dinámica internacional en la material, debe entenderse
como una enumeración no restrictiva, particularmente por la referencia previa a los
derechos inherentes a la persona humana.40
Finalmente, también debe hacerse mención a la Constitución de Brasil, en la
cual se proclamó que el Estado en sus relaciones internacionales se rige por el princi-
pio de la prevalencia de los derechos humanos (Artículo 4,III); y se indicó que como
el Estado es un Estado democrático de derecho, tiene como uno de sus fundamentos
la dignidad de la persona humana (Artículo I, III).
En relación con los derechos humanos, en particular, el artículo 5,2 de la
Constitución dispone que “los derechos y garantías establecidos en esta Constitución
no excluye otros que pueden resultar del régimen y de los principios por ella adopta-
dos, o de los tratados internacionales en que la República Federativa del Brasil sea
parte”(Art. 5,2).
Este artículo también se ha interpretado, en la misma línea general de las otras
Constituciones latinoamericanas, como un mecanismo para reconocer en el orden
interno, el rango y valor de los derechos humanos declarados en los instrumentos
internacionales, que por ello, pueden tener aplicación directa por los tribunales.41

40 Con fundamento en este artículo 46 de la Constitución de Nicaragua, y alegándose la violación de derechos


consagrados en tratados internacionales, por tanto, se han impugnado leyes por inconstitucionalidad, como
fue el caso de la Ley General sobre los medios de la Comunicación Social (Ley. No. 57) de 1989. En la sen-
tencia respectiva de la Corte Suprema de Justicia de Nicaragua de fecha22 de agosto de 1989, si bien se
declaró sin lugar el amparo por inconstitucionalidad que se había intentado, para resolver la Corte consi-
deró extensivamente las violaciones denunciadas no sólo respecto de artículos constitucionales como el
artículo 46, sino a través del mismo, de normas de la Declaración Universal de Derechos Humanos, del
Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y de la Convención Americana de Derechos Humanos.
Véase el texto de la sentencia en Iudicum et Vita, Jurisprudencia nacional de América Latina en Derechos
Humanos, No. 5, Instituto Interamericano de Derechos Humanos, San José, Costa Rica, Diciembre 1997, pp.
128-140. Véanse los comentarios de Antonio Cancado Trindade, “Libertad de expresión y derecho a la
información en los planos internacional y nacional”, idem, p. 194.
41 Antonio Cancado Trindade ha considerado que la con estas normas, la Constitución de Brasil le otorga a los
tratados de derechos humanos, naturaleza constitucional, inmediatamente exigibles en el derecho interno.
Véase, Directo internacional e directo interno: Sua Interacão dos dereitos humanos, San José, 1996 citado
por Humberto Henderson, “Los tratados internacionales de derechos humanos en el orden interno: la
importancia del principio pro homine”, en Revista IIDH, Instituto Interamericano de Derechos Humanos,
No. 39, San José 2004, p. 78, nota 12.

687
Allan R. Brewer-Carías

V. El Tema de Los Efectos de Las Opiniones y Recomendaciones de


los Organismos Internacionales sobre Derechos Humanos en los
Paises Miembros

El cuarto aspecto de la interrelación entre los tribunales nacionales y los tri-


bunales internacionales en materia de protección a los derechos humanos se refie-
re al valor de las decisiones de los Tribunales internacionales en el orden interno.
Las decisiones de la Corte Interamericana de Derechos Humanos en materia con-
tenciosa, por supuesto, tienen carácter obligatorio para los Estados partes, los cua-
les tienen el deber de darle cumplimiento. Sin embargo, distinto es el caso respec-
to de las Recomendaciones de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos
y de las Opiniones Consultivas, las cuales por su propia naturaleza no tienen efec-
to vinculante. Corresponde por tanto a los Estados, en este último aspecto, darle
aplicación a las mismas adaptando su legislación y jurisprudencia a dichos crite-
rios interpretativos.
Sin embargo, conforme al principio de la progresividad, en algunos países
mediante ley se le ha dado valor a dichas recomendaciones. Es el caso, por ejemplo,
de la Ley Federal de Transparencia y acceso a la información pública Gubernamental
de México de 2002, que dispone que sus normas se deben interpretar no sólo confor-
me a la Constitución y a los tratados internacionales sobre derechos humanos, sino
conforme “a la interpretación que de los mismos hayan realizado los órganos interna-
cionales especializados“ (art. 6).
Igualmente con base en el principio de progresividad, en muchos casos ha sido la
propia jurisprudencia de los tribunales nacionales la que le ha dado valor a las reco-
mendaciones de los organismos internacionales en materia de derechos humanos. Por
ejemplo, la Corte Suprema de Argentina ha considerado que “la interpretación del
Pacto debe, además guiarse por la jurisprudencia de la Corte Interamericana de
Derechos Humanos, uno de cuyos objetivos es la interpretación del Pacto de San José
(Estatuto, artículo 1).”42 En 1995, la misma Corte Suprema de Argentina consideró que
debido al reconocimiento por el Estado de la jurisdicción de la Corte Interamericana
para resolver casos de interpretación y aplicación de la Convención Americana, sus

42 En tal sentido decidió la Corte Suprema de Argentina antes de que los tratados internacionales de derechos
humanos fueran constitucionalizados en la reforma constitucional de 1994, en sentencia de 7 de julio de
1992, aplicando la Opinión Consultiva OC-7/86 (Opinión Consultiva OC-7/86 de 29 de agosto de 1986.
Exigibilidad del derecho de rectificación o respuesta (arts. 14.1, 1.1 y 2 de la Convención Americana sobre
Derechos Humanos).Sentencia caso Miguel A. Ekmkdjiam, Gerardo Sofivic y otros, en Ariel E. Dulitzky,
“La aplicación de los tratados sobre derechos humanos por los tribunales locales: un estudio comparado” en
La aplicación de los tratados sobre derechos Humanos por los tribunales locales, Centro de Estudios Legales
y Sociales, Buenos Aires, 1997; y en Carlos Ayala Corao, “Recepción de la jurisprudencia internacional
sobre derechos humanos por la jurisprudencia constitucional” en Revista del Tribunal Constitucional, No.
6, Sucre, Bolivia, Nov. 2004, pp. 275 y ss.

688
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

decisiones “deben servir de guía para la interpretación de los preceptos convenciona-


les”.43 En otras decisiones, la Corte Suprema revocó decisiones de tribunales inferiores
por considerar que las interpretaciones que las sustentaban eran incompatibles con la
doctrina de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos.44
En contraste con esta posición, en otros casos, como ha sucedido en Venezuela,
la Sala Constitucional en sentencia No. 1492 de 7 de julio de 2003, al decidir una
acción popular de inconstitucionalidad intentada contra varias normas del Código
Penal contentivas de normas llamadas “leyes de desacato” por violación de relativas a
la libertad de expresión y, en particular, de lo dispuesto en tratados y convenciones
internacionales, resolvió que el artículo 23 constitucional que otorga jerarquía supra
constitucional a los tratados sobre derechos humanos, sólo “se refiere a normas que
establezcan derechos, [y] no a fallos o dictámenes de instituciones, resoluciones de
organismos, etc., prescritos en los Tratados”, agregando que “se trata de una prevalen-
cia de las normas que conforman los Tratados, Pactos y Convenios (términos que son
sinónimos) relativos a derechos humanos, pero no de los informes u opiniones de
organismos internacionales, que pretendan interpretar el alcance de las normas de los
instrumentos internacionales”.45
Esta interpretación restrictiva se adoptó en una decisión de la Sala
Constitucional que fue dictada para negarle todo valor o rango constitucional a las
“recomendaciones” de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos, rechazan-
do en consecuencia a considerar que los artículos impugnados del Código Penal limi-
tativos de la libertad de expresión del pensamiento en relación con funcionarios
públicos, eran inconstitucionales por contrariar las recomendaciones de la Comisión
Interamericana, que el accionante había argumentado que eran obligatorias para el
país. La Sala Constitucional venezolana, al contrario, consideró que de acuerdo con la
Convención Americana, la Comisión puede formular “recomendaciones” a los gobier-
nos a los efectos de que adopten en su derecho interno medidas progresivas a favor de
los derechos humanos, al igual que tomen provisiones para promover el respeto de los
derechos (art. 41,b) considerando que:

“Si lo recomendado debe adaptarse a la Constitución y a las leyes de los


Estados, es porque ello no tiene naturaleza obligatoria, ya que las leyes internas
o la Constitución podrían colidir con las recomendaciones. Por ello, el articula-
do de la Convención nada dice sobre el carácter obligatorio de la recomenda-

43 Sentencia caso H Giroldi/ recurso de casación, 17-04-1995. Véase en Jurisprudencia Argentina, Vol. 1995-
III, p. 571; y en Carlos Ayala Corao, “Recepción de la jurisprudencia internacional sobre derechos huma-
nos por la jurisprudencia constitucional” en Revista del Tribunal Constitucional, No. 6, Sucre, Bolivia, Nov.
2004, pp. 275 y ss.
44 Caso Bramajo, September 12, 1996. Véase en Jurisprudencia Argentina, Nov. 20, 1996; y en Carlos Ayala
Corao, “Recepción de la jurisprudencia internacional sobre derechos humanos por la jurisprudencia cons-
titucional” en Revista del Tribunal Constitucional, No. 6, Sucre, Bolivia, Nov. 2004, pp. 275 y ss.
45 Véase en Revista de Derecho Público, No 93-96, Editorial Jurídica Venezolana, Caracas 2003, pp. 136 y ss.

689
Allan R. Brewer-Carías

ción, lo que contrasta con la competencia y funciones del otro órgano: la Corte,
la cual -según el artículo 62 de la Convención- puede emitir interpretaciones
obligatorias sobre la Convención siempre que los Estados partes se la pidan, lo
que significa que se allanan a dicho dictamen.
Si la Corte tiene tal facultad, y no la Comisión, es forzoso concluir que las
recomendaciones de ésta, no tienen el carácter de los dictámenes de aquélla y,
por ello, la Sala, para el derecho interno, declara que las recomendaciones de la
Comisión Interamericana de Derechos Humanos, no son obligatorias.
Ahora bien, a juicio de esta Sala, las recomendaciones de la Comisión como
tales, deben ser ponderadas en lo posible por los Estados miembros. Estos deben
adaptar su legislación a las recomendaciones, siempre que ellas no colidan con
las normas constitucionales, pero para esta adaptación no existe un término
señalado y, mientras ella se practica, las leyes vigentes que no colidan con la
Constitución o, según los tribunales venezolanos, con los derechos humanos
contemplados en las Convenciones Internacionales, siguen siendo aplicables
hasta que sean declaradas inconstitucionales o derogadas por otras leyes”.46

En definitiva, la Sala Constitucional venezolana concluyó resolviendo que las


recomendaciones de la Comisión en relación con las leyes de desacato, solo eran pun-
tos de vista de la Comisión sin efectos imperativos u obligatorios, es decir, manifesta-
ciones de alerta dirigida a los Estados para que en el futuro derogasen o reformasen
dichas leyes a los efectos de su adaptación al derecho internacional. Lamentablemente,
la Sala Constitucional se olvidó tomar en cuenta lo que los Estados están obligados a
hacer en relación con las recomendaciones, que es adoptar las medidas para adaptar su
derecho interno a la Convención; medidas que por supuesto no se agotan con la sola
derogación o reforma de leyes, siendo una de dichas medidas, precisamente, la inter-
pretación judicial que podía y debía ser dada por el juez constitucional conforme a las
recomendaciones, que fue lo que la Sala Constitucional venezolana eludió hacer.
Al contrario, en la misma materia, en la Argentina, por ejemplo, luego de que la
Comisión Interamericana de Derechos Humanos considerara que las leyes de amnis-
tía (Punto Final y Obediencia Debida) dictadas en ese país, así como las medidas de
perdón aprobadas por el gobierno en relación con los crímenes cometidos por la dic-
tadura militar eran contrarias a la Convención Americana, los tribunales comenzaron
a considerar tales leyes como inconstitucionales por violar el derecho internacional,
siguiendo lo recomendado por las instancias internacionales.47
En todo caso, la Sala Constitucional de Venezuela, en la antes mencionada sen-
tencia, al contrario concluyó su aproximación restrictiva señalando que

46 Véase en Revista de Derecho Público, No. 93-96, Editorial Jurídica Venezolana, Caracas 2003, p. 141.
47 Sentencia de 4-03-2001, Juzgado Federal No. 4, caso Pobrete Hlaczik, citado en Kathryn Sikkink, “The
transnacional dimension of judicialization of politics in Latin America”, en Rachel Sieder et al (ed), The
Judicalization of Politics in Latin America, Palgrave Macmillan, New York, 2005, pp. 274, 290.

690
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

“Una interpretación diferente es otorgarle a la Comisión un carácter supra-


nacional que debilita la soberanía de los Estados miembros, y que -como ya lo
apuntó la Sala- lo prohíbe la Constitución vigente.
Consecuente con lo señalado, la Sala no considera que tengan carácter vin-
culante, las recomendaciones del Informe Anual de la Comisión Interamericana
de los Derechos Humanos, correspondiente al año 1994 invocado por el recur-
rente. Dicho Informe hace recomendaciones a los Estados Miembros de la
Organización de los Estados Americanos para derogar o reformar las leyes, para
armonizar sus legislaciones con los tratados en materia de derechos humanos,
como lo es la Convención Americana sobre Derechos Humanos, Pacto San José
de Costa Rica; por lo que el Informe con recomendaciones no pasa de ser esto:
un grupo de recomendaciones que los Estados acatarán o no, pero que, con res-
pecto a esta Sala, no es vinculante, y así se declara.48

La verdad, sin embargo, es que después de la sentencia de la Sala Constitucional


de Venezuela, el Código Penal fue efectivamente reformado, pero no en relación con
las normas que encajan dentro de las llamadas “leyes de desacato” respecto de las cua-
les no se produjo adaptación alguna.
De nuevo, en contraste con esta desatención del Estado a las recomendaciones
de la Comisión Interamericana, se encuentra en cambio el caso de Argentina, donde
en 1995, el Congreso decidió en relación con las mismas materias derogar las normas
que establecían los mismos delitos sobre “leyes de desacato”, precisamente en cumpli-
miento de las recomendaciones de la Comisión Interamericana en la materia.49
Otro aspecto de la mencionada aproximación restrictiva de la Sala
Constitucional del Tribunal Supremo de Justicia de Venezuela en relación con el valor
en el derecho interno de las decisiones de la Comisión Interamericana de Derechos
Humanos, se refiere al tema de las medidas cautelare. En tal sentido, con anterioridad,
la misma Sala Constitucional en una sentencia de 17 de mayo de 2000, objetó los
poderes cuasi-jurisdiccionales de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos.
El caso, referido a la Revista Exceso, fue el siguiente:
El director y una periodista de dicha Revista intentaron una acción de amparo
constitucional contra una sentencia de un tribunal penal dictada en un proceso por
difamación e injuria contra ellos, pidiendo protección a su derecho a la libre expre-

48 Sentencia No. 1942 de 15 de Julio de 2003, en Revista de Derecho Público, No 93-96, Editorial Jurídica
Venezolana, Caracas 2003, pp. 136 y ss.
49 Caso Verbistky, Informe No. 22/94 de la Comisión de 20-09-1994, caso 11.012 (Argentina). Véase los
comentarios de Antonio Cancado Trindade, “Libertad de expresión y derecho a la información en los pla-
nos internacional y nacional”, en Iudicum et Vita, Jurisprudencia nacional de América Latina en Derechos
Humanos, No. 5, Instituto Interamericano de Derechos Humanos, San José, Costa Rica, Diciembre 1997,
pp.194-195. Véase el “Informe sobre la compatibilidad entre las leyes de desacato y la Convención
Americana sobre Derechos Humanos de 17 de febrero de 1995”, en Estudios Básicos de derechos Humanos,
Vol. X, Instituto Interamericano de Derechos Humanos, San José 2000, pp. 303 y ss.

691
Allan R. Brewer-Carías

sión del pensamiento y a la libertad de información. Ante la falta de decisión de la


acción de amparo, los accionantes acudieron ante la Comisión Interamericana denun-
ciando el mal funcionamiento del sistema judicial venezolano, solicitando protección
internacional contra el Estado venezolano por violación al derecho a la libre expre-
sión del pensamiento y al debido proceso, así como contra las amenazas judiciales
penales contra el director y la periodista de la Revista. La Comisión Interamericana,
en el caso, adoptó algunas medidas preventivas de protección.
La Sala Constitucional, en su momento, al decidir sobre la acción de amparo
intentada, consideró que este caso efectivamente se habían violado los derecho de los
accionantes al debido proceso, pero no así su libertad de información; y en relación
con las medidas cautelares adoptadas por la Comisión Interamericana, las calificó de
inaceptables, señalando que:

“Igualmente considera inaceptable la instancia de la Comisión


Interamericana de Derechos Humanos de la Organización de los Estados
Americanos en el sentido de solicitar la adopción de medidas que implican una
crasa intromisión en las funciones de los órganos jurisdiccionales del país, como
la suspensión del procedimiento judicial en contra de los accionantes, medidas
que sólo pueden tomar los jueces en ejercicio de su competencia e independen-
cia jurisdiccional, según lo disponen la Carta Fundamental y las leyes de la
República Bolivariana de Venezuela, aparte lo previsto en el artículo 46, aparte
b) de la Convención Americana de Derechos Humanos o Pacto de San José
(Costa Rica), que dispone que la petición sobre denuncias o quejas de violación
de dicha Convención por un Estado parte, requerirá que “se haya interpuesto y
agotado los recursos de jurisdicción interna, conforme a los principios del dere-
cho internacional generalmente reconocidos”, lo cual fue pretermitido en el caso
de autos, por no haber ocurrido retardo judicial imputable a esta Sala según lo
indicado en la parte narrativa de este fallo.”50

Esta desafortunada decisión puede considerarse como contraria al artículo 31 de


la Constitución de Venezuela, que consagra expresamente el derecho constitucional
de toda persona de poder acudir ante los organismos internacionales de derechos
humanos como la Comisión Interamericana, solicitando amparo respecto de sus dere-
chos violados. Por tanto, es difícil imaginar cómo es que este derecho constitucional
se podría ejercer, si es la misma Sala Constitucional ha rechazado la competencia de
la Comisión Interamericana de Derechos Humanos y la jurisdicción misma de la Corte
Interamericana de derechos Humanos.

50 Caso Faitha M. Nahmens L. y Ben Ami Fihman Z. (Revista Exceso), Exp. Nº 00-0216, Sentencia No. 386 de
17-5-2000. Consultada en original. Véase en Carlos Ayala Corao, “Recepción de la jurisprudencia interna-
cional sobre derechos humanos por la jurisprudencia constitucional,” en Revista del Tribunal
Constitucional, No. 6, Sucre, Bolivia, Nov. 2004, pp. 275 y ss.

692
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

VI. La Obligatoriedad de las Decisiones de la Corte Interamericana


de Derechos Humanos y la Declaratoria de su "Inejecutabilidad"
en Algunos Casos de Regímenes Autoritarios

En efecto, una vez que los Estados Partes de la Convención Americana de


Derechos Humanos han reconocido la jurisdicción de la Corte Interamericana de
Derechos Humanos, conforme al artículo 68.1 de la Convención, los mismos “se com-
prometen a cumplir la decisión de la Corte en todo caso en que sean partes”.
Como lo señaló la Corte Interamericana en la decisión del Caso Castillo Petruzzi,
sobre “Cumplimiento de sentencia” del 7 de noviembre de 1999 (Serie C, núm. 59),
“Las obligaciones convencionales de los Estados parte vinculan a todos los poderes y
órganos del Estado,” (par. 3) agregando “Que esta obligación corresponde a un prin-
cipio básico del derecho de la responsabilidad internacional del Estado, respaldado
por la jurisprudencia internacional, según el cual los Estados deben cumplir sus obli-
gaciones convencionales de buena fe (pacta sunt servanda) y, como ya ha señalado
esta Corte, no pueden por razones de orden interno dejar de asumir la responsabili-
dad internacional ya establecida” (par. 4).51
No han faltado Estados, sin embargo, que se han rebelado contra las decisio-
nes de la Corte Interamericana y hay pretendido eludir su responsabilidad en el
cumplimiento de las mismas. Fue el caso del Perú que se evidenció en la antes cita-
da sentencia de la Corte Interamericana de 7 de noviembre de 1999, dictada con
motivo de la ejecución de la sentencia del mismo Caso Castillo Petruzzi del de 30
de mayo de 1999 (Serie C, núm. 52), en la cual la Corte Interamericana declaró que
el Estado peruano había violado los artículos 20; 7.5; 9; 8.1; 8.2.b,c,d y f; 8.2.h; 8.5;
25; 7.6; 5; 1.1 y 2, declarando además “la invalidez, por ser incompatible con la
Convención, del proceso en contra de los señores Jaime Francisco Sebastián
Castillo Petruzzi” y otros, ordenando “que se les garantice un nuevo juicio con la
plena observancia del debido proceso legal,” y además, ordenando también “al
Estado adoptar las medidas apropiadas para reformar las normas que han sido
declaradas violatoria de la Convención Americana sobre Derechos Humanos en la
presente sentencia y asegurar el goce de los derechos consagrados en la
Convención Americana sobre derechos Humanos a todas las personas que se
encuentran bajo su jurisdicción, sin excepción alguna”.52
En relación con esa decisión de la Corte Interamericana, la Sala Plena del
Consejo Supremo de Justicia Militar del Perú se negó a ejecutar el fallo, considerando
entre otras cosas:

51 Sergio García Ramírez (Coord.), La Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos,


Universidad Nacional Autónoma de México, Corte Interamericana de Derechos Humanos, México, 2001,
pp. 628-629.
52 Idem, pp. 626-628.

693
Allan R. Brewer-Carías

“que el poder judicial “es autónomo y en el ejercicio de sus funciones sus miem-
bros no dependen de ninguna autoridad administrativa, lo que demuestra un cla-
moroso desconocimiento de la Legislación Peruana en la materia”; que “preten-
den desconocer la Constitución Política del Perú y sujetarla a la Convención
Americana sobre Derechos Humanos en la interpretación que los jueces de dicha
Corte efectúan ad-libitum en esa sentencia”; que el fallo cuestionado, dictado por
el Tribunal Supremo Militar Especial, adquirió la fuerza de la cosa juzgada, “no
pudiendo por lo tanto ser materia de un nuevo juzgamiento por constituir una
infracción al precepto constitucional”; que “en el hipotético caso que la senten-
cia dictada por la Corte Interamericana fuera ejecutada en los términos y condi-
ciones que contiene, existiría un imposible jurídico para darle cumplimiento
bajo las exigencias impuestas por dicha jurisdicción supranacional”, pues “sería
requisito ineludible que previamente fuera modificada la Constitución” y que “la
aceptación y ejecución de la sentencia de la Corte en este tema, pondría en grave
riesgo la seguridad interna de la República”.53

Fue precisamente frente a esta declaratoria por la Sala Plena del Consejo
Supremo de Justicia Militar del Perú sobre la inejecutabilidad del fallo de 30 de mayo
de 1999 de la Corte Interamericana de Derechos Humanos en el Perú, que la misma
Corte Interamericana dictó el fallo subsiguiente, antes indicado, de 7 de noviembre de
1999, declarando que “el Estado tiene el deber de dar pronto cumplimiento a la sen-
tencia de 30 de mayo de 1999 dictada por la Corte Interamericana en el caso Castillo
Petruzzi y otros”.54 Ello ocurrió durante el régimen autoritario que tuvo el Perú en la
época del Presidente Fujimori, y que condujo a que dos meses después de dictarse la
sentencia de la Corte Interamericana del 30 de mayo de 1999, el Congreso del Perú
aprobase el 8 de julio de 1999 el retiro del reconocimiento de la competencia conten-
ciosa de la Corte, lo que se depositó al día siguiente en la Secretaría General de la
OEA. Este retiro fue declarado inadmisible por la propia Corte Interamericana, en la
sentencia del caso Ivcher Bronstein de 24 de septiembre de 1999, considerando que
un “Estado parte sólo puede sustraerse a la competencia de la Corte mediante la
denuncia del tratado como un todo”.55
En Venezuela, la Sala Constitucional del Tribunal Supremo también ha declara-
do como inejecutable en su sentencia No. 1.939 de 18 de diciembre de 2008 (Caso

53 Esta cita es extraída de la sentencia No. 1.939 de la Sala Constitucional del Tribunal Supremo de Venezuela
de 18 de diciembre de 2008 (Caso Abogados Gustavo Álvarez Arias y otros), en la cual también se declaró
inejecutable una sentencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. Véase en
http://www.tsj.gov.ve/decisiones/scon/Diciembre/1939-181208-2008-08-1572.html.
54 Sergio García Ramírez (Coord.), La Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos,
Universidad Nacional Autónoma de México, Corte Interamericana de Derechos Humanos, México, 2001,
p. 629.
55 Idem, pp. 769-771. En todo caso, posteriormente en 2001 Perú derogó la Resolución de julio de 1999, res-
tableciéndose a plenitud la competencia de la Corte interamericana para el Estado.

694
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

Abogados Gustavo Álvarez Arias y otros), la sentencia de la Corte Interamericana de


Derechos Humanos Primera de 5 de agosto de 2008 en el caso Apitz Barbera y otros
(“Corte Primera de lo Contencioso Administrativo”) vs. Venezuela, en la cual decidió
que el Estado Venezolano había violado las garantías judiciales establecidas en la
Convención Americana de los jueces de la Corte Primera de lo Contencioso
Administrativo que habían sido destituidos, condenando al Estado a pagar las com-
pensaciones prescritas, a reincorporarlos en sus cargos o en cargos similares y a publi-
car el fallo en la prensa venezolana.56 En su sentencia, además de declarar inejecuta-
ble dicho fallo, la Sala Constitucional solicitó al Ejecutivo Nacional que denunciara la
Convención Americana de Derechos Humanos y acusó a la Corte Interamericana de
haber usurpado el poder del Tribunal Supremo.
Puede decirse, por otra parte, que el tema ya lo había adelantado la Sala
Constitucional en su conocida sentencia No. 1.942 de 15 de julio de 2003 (Caso:
Impugnación de artículos del Código Penal, Leyes de desacato),57 en la cual al referir-
se a los Tribunales Internacionales “comenzó declarando en general, que en
Venezuela “por encima del Tribunal Supremo de Justicia y a los efectos del artículo 7
constitucional, no existe órgano jurisdiccional alguno, a menos que la Constitución o
la ley así lo señale, y que aun en este último supuesto, la decisión que se contradiga
con las normas constitucionales venezolanas, carece de aplicación en el país, y así se
declara.”
La Sala continuó su decisión distinguiendo, respecto de los Tribunales
Internacionales, aquellos de carácter supranacional como los de integración, basados
en los artículos 73 y 153 de la Constitución que “contemplan la posibilidad que puedan
transferirse competencias venezolanas a órganos supranacionales, a los que se recono-
ce que puedan inmiscuirse en la soberanía nacional;”58 de aquellos de carácter
Multinacionales y Transnacionales “que nacen porque varias naciones, en determina-
das áreas, escogen un tribunal u organismo común que dirime los litigios entre ellos, o
entre los países u organismos signatarios y los particulares nacionales de esos países sig-
natarios,” considerando que en estos casos “no se trata de organismos que están por
encima de los Estados Soberanos, sino que están a su mismo nivel.” En esta última cate-
goría clasificó precisamente a la Corte Interamericana de Derechos Humanos, conside-
rando que en estos casos, “un fallo violatorio de la Constitución de la República

56 See in www.corteidh.or.cr. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas, Serie C No. 182.
57 Véase en Revista de Derecho Público, No. 93-96, Editorial Jurídica Venezolana, Caracas 2003, pp. 136 ss.
58 En este caso de tribunales creados en el marco de un proceso de integración supranacional, la Sala puntua-
lizó que “Distinto es el caso de los acuerdos sobre integración donde la soberanía estatal ha sido delegada,
total o parcialmente, para construir una soberanía global o de segundo grado, en la cual la de los Estados
miembros se disuelve en aras de una unidad superior. No obstante, incluso mientras subsista un espacio de
soberanía estatal en el curso de un proceso de integración y una Constitución que la garantice, las normas
dictadas por los órganos legislativos y judiciales comunitarios no podrían vulnerar dicha área constitucio-
nal, a menos que se trate de una decisión general aplicable por igual a todos los Estados miembros, como
pieza del proceso mismo de integración”. Idem, p. 140.

695
Allan R. Brewer-Carías

Bolivariana de Venezuela se haría inejecutable en el país. Ello podría dar lugar a una
reclamación internacional contra el Estado, pero la decisión se haría inejecutable en el
país, en este caso, en Venezuela.” La Sala, insistió en esta doctrina señalando que:

“Mientras existan estados soberanos, sujetos a Constituciones que les crean el


marco jurídico dentro de sus límites territoriales y donde los órganos de admi-
nistración de justicia ejercen la función jurisdiccional dentro de ese Estado, las
sentencias de la justicia supranacional o transnacional para ser ejecutadas dentro
del Estado, tendrán que adaptarse a su Constitución. Pretender en el país lo con-
trario sería que Venezuela renunciara a la soberanía.”59

De esta afirmación resultó la otra afirmación general de la Sala Constitucional de


que fuera de los casos de procesos de integración supranacional, “la soberanía nacio-
nal no puede sufrir distensión alguna por mandato del artículo 1 constitucional, que
establece como derechos irrenunciables de la Nación: la independencia, la libertad, la
soberanía, la integridad territorial, la inmunidad y la autodeterminación nacional.
Dichos derechos constitucionales son irrenunciables, no están sujetos a ser relajados,
excepto que la propia Carta Fundamental lo señale, conjuntamente con los mecanis-
mos que lo hagan posible, tales como los contemplados en los artículos 73 y 336.5
constitucionales, por ejemplo”.60
Esta doctrina fue la que precisamente fue aplicada en la sentencia No. 1.939 de
18 de diciembre de 2008, en la cual la Sala Constitucional se apoyó expresamente en
una extensa cita, y que fue dictada como respuesta a una “acción de control de la cons-
titucionalidad” formulada por abogados representantes de la República de Venezuela,
“referida a la interpretación acerca de la conformidad constitucional del fallo de la
Corte Interamericana de Derechos Humanos, de fecha 5 de agosto de 2008,” en el caso
de los ex-magistrados de la Corte Primera de lo Contencioso Administrativo (Apitz
Barbera y otros (“Corte Primera de lo Contencioso Administrativo”) vs. Venezuela).
Lo primero que destaca de este asunto, es que quien peticionó ante la Sala
Constitucional fue el propio Estado, a través de la Procuraduría General de la
República, el cual está obligado a ejecutar las sentencias internacionales, y la petición
se formuló a través de un curiosa “acción de control constitucional” para la interpre-
tación de la conformidad con la Constitución de la misma, no prevista en el ordena-
miento jurídico venezolano.
La fundamentación básica de la acción interpuesta por el Estado fue que las deci-
siones de los “órganos internacionales de protección de los derechos humanos no son
de obligatorio cumplimiento y son inaplicables si violan la Constitución,” ya que lo
contrario “sería subvertir el orden constitucional y atentaría contra la soberanía del

59 Idem, p. 139.
60 Idem, p. 138.

696
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

Estado”, denunciando ante la Sala que la sentencia de la Corte Interamericana de


Derechos Humanos viola “la supremacía de la Constitución y su obligatoria sujeción
violentando el principio de autonomía del poder judicial, pues la misma llama al des-
conocimiento de los procedimientos legalmente establecidos para el establecimiento
de medidas y sanciones contra aquellas actuaciones desplegadas por los jueces que
contraríen el principio postulado esencial de su deber como jueces de la República”.
El Estado en su petición ante su Sala Constitucional, además, alegó que “la sen-
tencia de manera ligera dispone que los accionantes no fueron juzgados por un juez
imparcial, -no obstante señalar previamente que no fue debidamente comprobada tal
parcialidad- y que por el supuesto hecho de no existir un procedimiento idóneo pre-
visto en el ordenamiento jurídico venezolano para investigar y sancionar la conducta
denunciada por los Ex Magistrados, entonces concluye que no solo tales ciudadanos
no incurrieron en motivo alguno que justifique su destitución”. Y concluyó afirman-
do que el fallo de la Corte Interamericana era inaceptable y de imposible ejecución
por parte del propio Estado peticionante.
La Sala Constitucional, para decidir, obviamente tuvo que comenzar por encua-
drar la acción propuesta por el Estado, deduciendo que la misma no pretendía “la nuli-
dad” del fallo de la Corte Interamericana “por lo que el recurso de nulidad como meca-
nismo de control concentrado de la constitucionalidad no resulta el idóneo”. Tampoco
consideró la Sala que se trataba de “una colisión de leyes, pues de lo que se trata es de
una presunta controversia entre la Constitución y la ejecución de una decisión dictada
por un organismo internacional fundamentada en normas contenidas en una
Convención de rango constitucional, lo que excede los límites de ese especial recurso”.
En virtud de ello, la Sala simplemente concluyó que de lo que se trataba era de
una petición “dirigida a que se aclare una duda razonable en cuanto a la ejecución de
un fallo dictado por la Corte Interamericana de Derechos Humanos, que condenó a la
República Bolivariana de Venezuela a la reincorporación de unos jueces y al pago de
sumas de dinero,” considerando entonces que se trataba de una “acción de interpreta-
ción constitucional” que la propia Sala constitucional creó en Venezuela, a los efectos
de la interpretación abstracta de normas constitucionales a partir de su sentencia de
22 de septiembre de 2000 (caso Servio Tulio León).61
A tal efecto, la Sala consideró que era competente para decidir la acción inter-
puesta, al estimar que lo que peticionaban los representantes del Estado en su acción,
era una decisión “sobre el alcance e inteligencia de la ejecución de una decisión dic-
tada por un organismo internacional con base en un tratado de jerarquía constitucio-
nal, ante la presunta antinomia entre esta Convención Internacional y la Constitución
Nacional,” estimando al efecto, que el propio Estado tenía la legitimación necesaria

61 Véase Revista de Derecho Público, No. 83, Editorial Jurídica Venezolana, Caracas 2000, pp. 247 ss. Véase
Allan R. Brewer-Carías, “Le recours d’interprétation abstrait de la Constitution au Vénézuéla”, en Le renou-
veau du droit constitutionnel, Mélanges en l’honneur de Louis Favoreu, Dalloz, Paris, 2007, pp. 61-70.

697
Allan R. Brewer-Carías

para intentar la acción ya que el fallo de la Corte Interamericana había ordenado la


reincorporación en sus cargos de unos ex magistrados, había condenado a la República
al pago de cantidades de dinero y había ordenado la publicación del fallo. El Estado,
por tanto, de acuerdo a la Sala Constitucional tenía interés en que se dictase “una sen-
tencia mero declarativa en la cual se establezca el verdadero sentido y alcance de la
señalada ejecución con relación al Poder Judicial venezolano en cuanto al funciona-
miento, vigilancia y control de los tribunales”.
A los efectos de adoptar su decisión, la Sala reconoció el rango constitucional de
la Convención Americana sobre Derechos Humanos conforme al artículo 23 de la
Constitución (ratificada en 1977), y consideró que el Estado desde 1981, había reco-
nocido expresamente las competencias de la Comisión Interamericana y de la Corte
Interamericana de Derechos Humanos, respectivamente. Sin embargo, precisó que la
Corte Interamericana de Derechos Humanos no podía “pretender excluir o descono-
cer el ordenamiento constitucional interno,” pues “la Convención coadyuva o com-
plementa el texto fundamental que, en el caso de nuestro país, es “la norma suprema
y el fundamento del ordenamiento jurídico” (artículo 7 constitucional).
La Sala para decidir, consideró que la Corte Interamericana, para dictar su fallo,
además de haberse contradicho62 al constatar la supuesta violación de los derechos o
libertades protegidos por la Convención:

“dictó pautas de carácter obligatorio sobre gobierno y administración del


Poder Judicial que son competencia exclusiva y excluyente del Tribunal
Supremo de Justicia y estableció directrices para el Poder Legislativo, en materia
de carrera judicial y responsabilidad de los jueces, violentando la soberanía del
Estado venezolano en la organización de los poderes públicos y en la selección
de sus funcionarios, lo cual resulta inadmisible.”

La Sala consideró entonces que la Corte Interamericana “al no limitarse a orde-


nar una indemnización por la supuesta violación de derechos, utilizó el fallo analiza-
do para intervenir inaceptablemente en el gobierno y administración judicial que cor-
responde con carácter excluyente al Tribunal Supremo de Justicia, de conformidad
con la Constitución de 1999,” haciendo mención expresa a los artículos 254, 255 y
267. Además, estimó la Sala Constitucional que la Corte Interamericana “equipara de

62 La Sala Constitucional consideró que la Corte Interamericana decidió que la omisión de la Asamblea
Nacional de dictar el Código de Ética del Juez o Jueza Venezolano, “ha influido en el presente caso, puesto
que las víctimas fueron juzgadas por un órgano excepcional que no tiene una estabilidad definida y cuyos
miembros pueden ser nombrados o removidos sin procedimientos previamente establecidos y a la sola dis-
creción del TSJ,” pero luego “sorprendentemente, en ese mismo párrafo [147] y de manera contradictoria,
afirma que no se pudo comprobar que la Comisión de Emergencia y Reestructuración del Poder Judicial
haya incurrido en desviación de poder o que fuera presionada directamente por el Ejecutivo Nacional para
destituir a los mencionados ex jueces y luego concluye en el cardinal 6 del Capítulo X que “no ha quedado
establecido que el Poder Judicial en su conjunto carezca de independencia”.

698
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

forma absoluta los derechos de los jueces titulares y los provisorios, lo cual es absolu-
tamente inaceptable y contrario a derecho”. reconociendo que respecto de los últimos
(citando su sentencia Nº 00673-2008), sin estabilidad alguna, están a regidos por la
Comisión de Funcionamiento y Reestructuración del Sistema Judicial,” como un órga-
no creado con carácter transitorio hasta tanto sea creada la jurisdicción disciplinaria”.
Pero ello no impide, de acuerdo con la Sala Constitucional que se pueda “remover
directamente a un funcionario de carácter provisorio o temporal, sin que opere algu-
na causa disciplinaria” por parte de la “Comisión Judicial del Tribunal Supremo de
Justicia,” en forma completamente “discrecional.”
Además, destacó la Sala, la “sentencia cuestionada” de la Corte Interamericana
“pretende desconocer la firmeza de decisiones administrativas y judiciales que han
adquirido la fuerza de la cosa juzgada, al ordenar la reincorporación de los jueces des-
tituidos.” En este punto, la Sala recurrió como precedente para considerar que la sen-
tencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos era inejecutable en
Venezuela, a la decisión antes señalada de 1999 de la Sala Plena del Consejo Supremo
de Justicia Militar del Perú, que consideró inejecutable la sentencia de la Corte
Interamericana de 30 de mayo de 1999, dictada en el caso: Castillo Petruzzi y otro.
En sentido similar, la Sala Constitucional venezolana concluyó que:

En este caso, estima la Sala que la ejecución de la sentencia de la Corte


Interamericana de Derechos Humanos del 5 de agosto de 2008, afectaría princi-
pios y valores esenciales del orden constitucional de la República Bolivariana de
Venezuela y pudiera conllevar a un caos institucional en el marco del sistema de
justicia, al pretender modificar la autonomía del Poder Judicial constitucional-
mente previsto y el sistema disciplinario instaurado legislativamente, así como
también pretende la reincorporación de los hoy ex jueces de la Corte Primera de
lo Contencioso Administrativo por supuesta parcialidad de la Comisión de
Funcionamiento y Reestructuración del Poder Judicial, cuando la misma ha
actuado durante varios años en miles de casos, procurando la depuración del
Poder Judicial en el marco de la actividad disciplinaria de los jueces. Igualmente,
el fallo de la Corte Interamericana de Derechos Humanos pretende desconocer
la firmeza de las decisiones de destitución que recayeron sobre los ex jueces de
la Corte Primera de lo Contencioso Administrativo que se deriva de la falta de
ejercicio de los recursos administrativos o judiciales, o de la declaratoria de
improcedencia de los recursos ejercidos por parte de las autoridades administra-
tivas y judiciales competentes.” (énfasis añadido)

Por todo lo anterior, la Sala Constitucional del Tribunal Supremo de Venezuela,


a petición del propio Estado venezolano declaró entonces “inejecutable el fallo de la
Corte Interamericana de Derechos Humanos, de fecha 5 de agosto de 2008, en la que
se ordenó la reincorporación en el cargo de los ex-magistrados de la Corte Primera de

699
Allan R. Brewer-Carías

lo Contencioso Administrativo Ana María Ruggeri Cova, Perkins Rocha Contreras y


Juan Carlos Apitz B.; con fundamento en los artículos 7, 23, 25, 138, 156.32, el
Capítulo III del Título V de la Constitución de la República y la jurisprudencia par-
cialmente transcrita de las Salas Constitucional y Político Administrativa. Así se deci-
de”. Esto, acompañado de la afirmación de que la sala Constitucional, por “notoriedad
judicial” ya sabía que el Tribunal Supremo había nombrado a otras personas como
magistrados de la Corte Primera.
Pero no se quedó allí la Sala Constitucional, sino en una evidente usurpación de
poderes, ya que las relaciones internacionales es materia exclusiva del Poder
Ejecutivo, solicitó instó “al Ejecutivo Nacional proceda a denunciar esta Convención,
ante la evidente usurpación de funciones en que ha incurrido la Corte Interamericana
de los Derechos Humanos con el fallo objeto de la presente decisión; y el hecho de
que tal actuación se fundamenta institucional y competencialmente en el aludido
Tratado.”
Finalmente, la Sala Constitucional instó a “la Asamblea Nacional para que pro-
ceda a dictar el Código de Ética del Juez y la Jueza Venezolanos, en los términos alu-
didos en la sentencia de esta Sala Constitucional Nº 1048 del 18 de mayo de 2006”.
Y así concluye el proceso de desligarse de la Convención Americana sobre
Derechos Humanos, y de la jurisdicción de la Corte Interamericana de Derechos
Humanos por parte del Estado Venezolano, utilizando para ello a su propio Tribunal
Supremo de Justicia, que lamentablemente ha manifestado ser el principal instrumen-
to para la consolidación del autoritarismo en Venezuela.63
En efecto, con esta decisión, la Sala Constitucional en el Venezuela ha dispues-
to una ilegítima mutación constitucional, reformando el artículo 23 de la
Constitución al eliminar el carácter supranacional de la Convención Americana de
Derechos Humanos en los casos en los cuales contenga previsiones más favorables al
goce y ejercicio de derechos humanos respecto de las que están previstas en la propia
Constitución.
Debe advertirse que esa fue una de las propuestas de reforma que se formularon
por el “Consejo Presidencial para la Reforma de la Constitución”, designado por el
Presidente de la República,64 en su informe de junio de 2007,65 en el cual en relación

63 Véase Allan R. Brewer-Carias, “La progresiva y sistemática demolición institucional de la autonomía e inde-
pendencia del Poder Judicial en Venezuela 1999-2004,” in XXX Jornadas J.M Domínguez Escovar, Estado
de derecho, Administración de justicia y derechos humanos, Instituto de Estudios Jurídicos del Estado Lara,
Barquisimeto, 2005, pp. 33-174; “La justicia sometida al poder (La ausencia de independencia y autonomía
de los jueces en Venezuela por la interminable emergencia del Poder Judicial (1999-2006)),” in Cuestiones
Internacionales. Anuario Jurídico Villanueva 2007, Centro Universitario Villanueva, Marcial Pons, Madrid,
2007, pp. 25–57; “Quis Custodiet ipsos Custodes: De la interpretación constitucional a la inconstitucionali-
dad de la interpretación”, in VIII Congreso Nacional de derecho Constitucional, Peru, Fondo Editorial
2005, Colegio de Abogados de Arequipa, Arequipa, September 2005, pgs. 463-489.
64 Véase Decreto No. 5138 de 17-01-2007, Gaceta Oficial Nº 38.607 de 18-01-2007.
65 El documento circuló en junio de 2007 con el título Consejo Presidencial para la Reforma de la Constitución
de la República Bolivariana de Venezuela, “Modificaciones propuestas”. El texto completo fue publicado

700
La Interrelación Entre los Tribunales Constitucionales de America Latina y la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, y la Cuestión de la Inejecutabilidad de sus Decisiones en Venezuela

con el artículo 23 de la Constitución, se buscaba eliminaba totalmente la jerarquía


constitucional de las previsiones de los tratados internacionales de derechos humanos
y su prevalencia sobre el orden interno, formulándose la norma sólo en el sentido de
que: “los tratados, pactos y convenciones relativos a derechos humanos, suscritos y
ratificados por Venezuela, mientras se mantenga vigentes, forma parte del orden
interno, y son de aplicación inmediata y directa por los órganos del Poder Público”.
Esa propuesta de reforma constitucional que afortunadamente no llegó a crista-
lizar, era un duro golpe al principio de la progresividad en la protección de los dere-
chos que se recoge en el artículo 19 de la Constitución, que no permite regresiones en
la protección de los mismos. La intención regresiva de la reforma propuesta se agra-
vaba además, con la idea de agregarle a la norma la indicación de que “corresponde a
los tribunales de la República conocer de las violaciones sobre las materias reguladas
en dichos Tratados”, con lo que se buscaba establecer una prohibición constitucional
para que la Corte Interamericana de Derechos Humanos pudiera conocer de las vio-
laciones de la Convención Americana de Derechos Humanos. Es decir, con una
norma de este tipo, Venezuela hubiera quedado excluida constitucionalmente de la
jurisdicción de dicha Corte internacional y del sistema interamericano de protección
de los derechos humanos.66
Sin embargo, lo que no pudo hacer el régimen autoritario mediante una reforma
constitucional, la cual al final fue rechazada por el pueblo, lo hizo la Sala Cons-
titucional del Tribunal Supremo en su larga carrera al servicio del autoritarismo.67

como Proyecto de Reforma Constitucional. Versión atribuida al Consejo Presidencial para la reforma de la
Constitución de la república Bolivariana de Venezuela, Editorial Atenea, Caracas 01 de julio de 2007, 146 pp.
66 Véase sobre la proyectada reforma constitucional Allan R. Brewer-Carías, Hacia la consolidación de un
Estado Socialista, Centralizado, Policial y Militarista. Comentarios sobre el sentido y alcance de las pro-
puestas de reforma constitucional 2007, Colección Textos Legislativos, No. 42, Editorial Jurídica
Venezolana, Caracas 2007, pp. 122 ss.
67 Véase entre otros, Allan R. Brewer-Carías, Crónica sobre la “In” Justicia Constitucional. La Sala
Constitucional y el autoritarismo en Venezuela, Colección Instituto de Derecho Público, Universidad
Central de Venezuela, No. 2, Caracas 2007.

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