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Marialice Foracchi e a Formação da Sociologia da Juventude no Brasil

Nilson Weisheimer

Marialice Mencarini Foracchi tem seu e significação teórica, constituindo, por


nome gravado na história do pensamento so- essa razão, pontos de referência para ques-
cial brasileiro por ter legado uma obra que é tionamento e investigações sobre os pro-
considerada um marco na formação da So- cessos contemporâneos. É esse o estatuto
ciologia da Juventude no Brasil. O cinquen- que atribuímos ao trabalho de Foracchi
tenário da primeira edição de O estudante e no campo de estudos sobre a juventude
a transformação da sociedade brasileira é uma no Brasil. Augusto (2005) destaca que,
ocasião propícia para revisitar sua obra, com em sua obra, essa autora abordou questões
o propósito de buscar nela alguns recursos complexas, como a situação, o papel e po-
pertinentes à análise de fenômenos juvenis na lissemia da noção de juventude, o conceito
atualidade1. No conjunto de seus trabalhos, Fo- de geração e a coexistência de gerações, os
racchi forneceu-nos análises simultaneamente processos de transição para a vida adulta, a
amplas e profundas sobre os jovens, a condição socialização, os projetos e a autonomia dos
de estudante universitário e o movimento es- jovens, o estudante como categoria social e
tudantil. É necessário concordar com Martins o significado dos movimentos juvenis e es-
(1982), que afirma ser “impossível escrever tudantis, temas que receberam “tratamen-
honestamente sobre os movimentos estudantis to deveras apurado, que ainda pode servir
e os conflitos de gerações em nosso país sem de estímulo e diretriz para os(as) analistas
ampla referência aos trabalhos dessa autora” (p. contemporâneos(as)” (Ibid., p. 11).2
VIII). Trata-se, como já demonstrou Augusto O presente ensaio representa uma
(2005), de uma “obra clássica”, “na medida em tentativa de sistematização da contribui-
que seus estudos permanecem centrais para a ção de Marialice Foracchi à Sociologia da
discussão atual desses temas e ainda hoje é pos- Juventude, tendo como base sua principal
sível aprender com seus textos” (p. 12). publicação. O objetivo é colaborar para
As obras dos autores clássicos, apesar que a teoria social que ela elaborou possa
de produzidas em outros contextos histó- inspirar a reflexão das novas gerações de
ricos e sociais, caracterizam-se por preser- pesquisadores interessados no tema. Ini-
varem sua atualidade, ao passo que suas ciamos por apresentar ao leitor uma expo-
interpretações detêm um longo alcance sição sintética da trajetória da Sociologia

1 O autor expressa seu agradecimento a Maria Helena Oliva Augusto pela leitura atenta dos originais e pelo incen-
tivo durante a trajetória deste estudo, ao tempo que assume total responsabilidade sobre o conteúdo apresentado.
2 Apesar de passar por um relativo esquecimento, a obra de Marialice Foracchi tem sido retomada por jovens pes-
quisadores como Tavares (2008), Martins (2011) e Silva (2014).

BIB, São Paulo, n. 77, 1º semestre de 2014 (publicada em dezembro de 2015), pp. 91-117. 91
da Juventude para, posteriormente, na dela se constituir como ciência autônoma e
segunda sessão, apresentar de modo pa- institucionalizada, a juventude era objeto de
norâmico sua obra, objetivos e métodos, investigação nos estudos de levantamento
a fim de mostrar como sua perspectiva social que marcaram a pré-história das Ciên-
interpretativa se delineia, por meio da ar- cias Sociais, no século XVIII.
ticulação de três eixos interdependentes e No momento de gênese da Sociologia da
complementares: as relações interpessoais, Juventude, quando os precursores buscavam
as histórico-estruturais e a práxis estudan- apontar os traços distintivos do processo de
til. Depois abordaremos a transformação maturação social, predominava a imprecisão
do jovem em estudante, a partir da relação nas categorias utilizadas. Segundo Flitner
dele com a família; destacam-se, então, os (1968), “não é possível ignorar a falta de pre-
vínculos de manutenção e os estilos de de- cisão com que são aplicados os conceitos ‘ju-
pendência atribuídos a situação de classe ventude’, ‘rapazes e moças’, ‘os jovens’ que são
do estudante. Na sessão posterior é reto- utilizados como contraste para ‘criança’” (p.
mada a análise do processo de transição da 40). As pesquisas iniciais foram marcadas por
dependência à autonomia, sobressaindo perspectivas educacionais, normativas e psico-
sua manifestação no âmbito do trabalho, lógicas sobre a condição juvenil, situação que
da profissionalização e dos projetos de car- só seria alterada em meados do século XX.
reira que expressam os anseios de mobi- Na época que corresponde ao início do
lidade social das famílias de classe média século XX e se estende ao período entre as
da época de seu estudo. A revisão aborda guerras mundiais, o campo de estudo da
finalmente sua análise da práxis estudan- juventude ainda permanecia, em grande
til, apontando as oscilações e inconsistên- medida, dominado pela Educação e pela
cia do radicalismo pequeno-burguês que Pedagogia. A constituição de uma sociolo-
caracterizou o movimento estudantil por gia específica se realizaria lentamente como
ela estudado. Esperamos que esta revisão resultado direto da maior visibilidade social
possa servir de estímulo à leitura de seus adquirida pela juventude, que passou a ser
textos originais, que é a melhor forma para considerada um segmento diferenciado e
conhecer a autora e sua obra. um grupo socialmente distinto. Para isso, foi
decisivo o surgimento de um “movimento
Antecedentes da Sociologia juvenil” e da “cultura juvenil” que aparece-
da Juventude ram, principalmente, nos primeiros anos do
século XX. As manifestações dos traços cul-
A juventude figura como tema de pes- turais e políticos juvenis fizeram-se presentes
quisa já nos primeiros estudos empíricos pre- em movimentos culturais modernistas e nas
cursores da Sociologia3, sendo, desde então, vanguardas políticas. Com efeito, ainda na
uma pauta recorrente do interesse sociológi- primeira década desse século, tiveram início
co. Em linhas gerais deve ser posto que a ju- as primeiras experiências de institucionaliza-
ventude surge como tema de pesquisa social ção das pesquisas sociais sobre juventude na
nos primórdios da Sociologia. Antes mesmo Alemanha. No período entre as duas grandes

3 Flitner (1968) cita como percursosres dos estudos sobre juventude autores como Jonhn Loock, David Fordyce,
Jean-Jacques Rosseu, Johann Heinrich Pestalozzi, Stanley Hall, entre outros.

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guerras, a produção da pesquisa social deslo- também podem atribuir significados dis-
cou-se para o outro lado do Oceano Atlân- tintos ao mesmo contexto histórico. Com
tico, encontrando na Escola de Chicago sua efeito, a geração, assim como a classe social,
expressão mais avançada. apresenta-se mais como uma potencialidade
Com a implantação dos regimes fas- do que como um grupo concreto que resul-
cistas, e depois da eclosão da II Guerra taria da transformação dialética do grupo em
Mundial, as pesquisas sociológicas sobre si em um grupo para si. Mannheim (1982)
juventude foram suspensas no continente produziu então uma importante distinção
europeu. Apenas o sociólogo húngaro Karl entre geração enquanto realidade e unidade
Mannheim, em seu exílio na Inglaterra, de geração. A geração enquanto realidade im-
desenvolveria sistematicamente uma teoria plica algo mais do que copresença em uma
sociológica das gerações. Sua contribuição tal região histórica e social; implica a criação
foi decisiva para a formação de Sociologia de um vínculo concreto entre os membros
da Juventude, fornecendo o conceito socio- que a compõem mediante a sua exposição
lógico de geração, que rompeu com resquí- aos mesmos sintomas sociais e intelectuais
cios naturalistas da explicação do fenômeno, de um processo de desestabilização dinâmi-
definindo-o como uma condição situacional ca. Por sua vez, a unidade de geração implica
ante o processo histórico e social. Em sua vi- um vínculo ainda mais concreto do que o
são, uma geração é constituída por aqueles verificado na geração enquanto realidade: ela
que vivem uma “situação” comum perante refere-se a um compartilhar de experiências
às dimensões históricas do processo social, o comuns que lhe confere unidade. Essa uni-
que caracteriza uma “situação de geração”. dade de geração ocorre quando os jovens
De acordo com Mannheim (1982), “para se compartilham conteúdos mais concretos e
participar da mesma situação de geração, isto específicos, formados por uma socialização
é, para que seja possível a submissão passiva similar, e desenvolvem, em função disso,
ou o uso ativo das vantagens e dos privilégios laços mais estreitos, levando à identificação
inerentes a uma situação de geração, é preci- e ao reconhecimento mútuo devido às si-
so nascer dentro da mesma região histórica e milaridades das situações e das experiências,
cultural” (p. 85). A situação de geração cor- constituindo uma comunidade de destino
responderia a certos locais geracionais que (Mannheim, 1968).
estruturam posições sociais compartilhadas Uma unidade de geração não é um gru-
por indivíduos de um mesmo grupo etário, po concreto, embora possa ser acompanhada
mas que não se reduz à idade deles. Deste de grupos concretos nos quais a similaridade
modo, compreende-se que geração é um con- de situação possibilita atividades integradoras
ceito situacional. que provocam a participação e os capacita a
Sucedendo-se no tempo, as gerações se expressarem exigências relativas a essa situa-
apresentam como a não simultaneidade do ção comum. Os grupos concretos das novas
simultâneo, o que significa que cada ponto gerações encontrariam no movimento juvenil
do tempo é um espaço de tempo que não a expressão de sua localização na configuração
se reduz a uma única e homogênea relação histórica prevalecente (Mannheim, 1968).
com o tempo histórico. Ou seja, indivíduos Percebe-se que essa abordagem confe-
de gerações diferentes passam por processos re importância central às experiências dos
históricos simultâneos de modos diferencia- jovens. Eles são identificados como agentes
dos. Os membros de uma mesma geração propulsores das dinâmicas da sociedade,

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como importantes promotores de mudan- durante a estagnação do debate europeu.
ças e transformações culturais e de relações Nesse novo ambiente, a Sociologia da Juven-
sociais. Isso porque uma nova geração “não tude foi constituída como especialidade dis-
está completamente enredada no status quo ciplinar, abandonando a tendência anterior
da sociedade”, (Mannheim, 1968, p. 73). em generalizar para toda população juvenil o
A juventude passa a ser percebida como que era verificado apenas numa amostra dos
parte dos recursos latentes de que a sociedade jovens. Ou seja, nesse novo espaço social e
dispõe, e a vitalidade da própria sociedade institucional, a juventude seria estudada em
depende de seu engajamento. O maior ou o vínculo estreito com a sua comunidade.
menor grau desse potencial de mudança é Ainda na década de trinta, ganharam
atribuído às sociedades dinâmicas, enquan- destaque na Universidade de Chicago os
to as que buscam conter a juventude podem estudos sobre a delinquência juvenil que
ser entendidas como sociedades estáticas analisavam o fenômeno das gangues ur-
(Mannheim, 1968). banas. Nessas análises, a tensão racial e a
Os jovens, como parte dos “recursos la- demarcação da territorialidade provocada
tentes” de que dispõem as sociedades, apare- por filhos de imigrantes italianos, judeus
cem como grupo estratégico não apenas na e irlandeses aparecem como aspectos fun-
reprodução das relações sociais, mas também damentais da constituição da problemática
para a sua transformação. Como mencionado, de pesquisa sobre juventude. Nessa linha
as gerações são ainda “uma potencialidade”, temática destaca-se o trabalho de Frederic
sem que a elas corresponda uma consciência, M. Thraste, que publicou The Gang em
tal qual às classes que não se tornam para si. O 1936 e que constitui referência para os es-
potencial transformador da juventude, para tudos posteriores sobre o assunto. O mes-
ser exercido em toda sua força, necessita que mo tema é abordado por William Foote
ela se constitua em “geração para si”, com alto Whyte entre os anos de 1936 e 1940, que
nível de identidade e capacidade de organi- investigou gangues de jovens filhos de imi-
zação. Isso só ocorre quando a juventude se grantes italianos em uma região segregada
encontra ciente de si mesma, percebendo sua de Boston, trabalho que resultou em uma
unidade de geração e avançando na direção da tese de doutorado e um livro sob o título
construção de grupos concretos. Mannheim Sociedade de Esquina.
(1982, p. 71), em uma nota de rodapé, su- Conforme indicam Cardoso e Sampaio
gere que uma questão para a pesquisa social (1995) nesses estudos, a delinquência juvenil
pode ser identificar em quais condições os é tratada como uma subcultura das “classes
membros individuais de uma geração se tor- baixas” que rejeitam os valores das “classes
nam conscientes de sua situação comum e médias”. A ideia de subcultura delinquente é
fazem dessa consciência a base da solidarieda- central nos estudos da Escola de Chicago, da
de grupal. A abordagem das gerações por sua mesma forma que as noções de papéis sociais
dimensão dialética permite perceber que, so- e da função mediadora exercida pelos símbo-
ciologicamente, a juventude é um veículo de los; ao atribuir sentidos às interações sociais
ligação entre o passado e o futuro; por meio constitui um dos principais aportes dessa ge-
dela, a sociedade se renova permanentemente. ração à Sociologia, em geral, e à Sociologia
Todavia, foi nos Estados Unidos da da Juventude, em particular.
América que se desenvolveram os estudos A juventude seria tematizada ao longo
sociológicos sistemáticos sobre juventude, da segunda metade do século XX a partir de

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uma ótica reativa e “depositária de um certo No início dos anos de 1960, o soció-
medo” (ABRAMO, 1997, p. 30), ou seja, logo norte-americano Parsons publicou A
como problema social. Os estudos socioló- classe como sistema social, em que opera uma
gicos dos anos de 1950 percebem os jovens a análise dos grupos juvenis em instituições
partir do recorte de grupos de idade e enfati- de ensino. Nesse artigo, Parsons (1968)
zam a predisposição juvenil à transgressão e discute o desenvolvimento de uma “cultura
à delinquência. Nesse sentido, apresentam- juvenil” como decorrência do processo de
-se em grande parte como continuidade dos expansão do sistema educacional a toda a
estudos iniciados nos anos trinta pela Escola população infanto-juvenil norte-america-
de Chicago, passando, porém, a ser desen- na. Para esse autor, a “cultura juvenil” é ne-
volvidos nos marcos teóricos do estrutural- cessariamente ambígua, uma vez que, na es-
-funcionalismo. cola, os grupos de pares surgem como meio
Ainda nos anos cinquenta, influencia- de proteção à aculturação para os jovens das
do pelo estrutural funcionalismo parsonia- classes baixas, preservando seus vínculos
no, Eisenstadt publicou o livro De geração indentitários de origem familiar e étnico.
a geração. Nesse estudo, o autor objetivou Parsons identificava nesse comportamento
analisar vários fenômenos sociais, conheci- uma postura “anti-intelectualista”, enquan-
dos como grupos etários, movimentos juve- to que, no ensino médio, os pares de ida-
nis etc., e averiguar se era possível especifi- de exerceriam outra função, estando agora
car as condições sociais sob as quais surgem, vinculados à diversificação dos papéis so-
ou os tipos de sociedade em que ocorrem ciais. Desse modo, a ambiguidade reside no
(EISENSTADT, 1976, p. XI). duplo caráter da cultura juvenil, que pode
Eisenstadt buscou entender em quais assumir funções tanto progressivas quanto
condições a idade era decisiva para a aloca- regressivas no que diz respeito à incorpo-
ção de papéis e a definição de fronteiras entre ração dos valores da sociedade envolvente,
grupos, verificando se as graduações etárias se por intermédio dos processos de socializa-
traduziam em interações concretas, produ- ção no ambiente escolar (Ibid., 1968).
zindo efeitos integrativos. Para ele, os papéis A ênfase dos estudos do final dos anos
desempenhados pelos indivíduos em qualquer de 1960 seria conferida ao comportamento
etapa de sua vida na interação com indiví- político dos jovens e, mais precisamente, aos
duos de outras gerações deveriam “aguçar” e movimentos estudantis. As pesquisas de en-
reforçar sua função como transmissores e re- tão buscavam explicar essas novas manifesta-
ceptores da herança cultural e social (EISENS- ções culturais e políticas da juventude como
TADT, 1976). As relações entre gerações e a formas de “comportamento desviante”,
ênfase dada às diferenças etárias decorreriam também atribuindo a essa categoria a pos-
das características básicas do processo de so- sibilidade de transformação social. Naquele
cialização. Portanto: “A função das definições contexto de transformações sociais e cultu-
de idade é tornar o indivíduo capaz de apren- rais e de modernização produtiva acelerada,
der e adquirir novos papéis para tornar-se um a juventude aparecia como uma categoria
adulto, e desta maneira manter a continuidade portadora de possibilidades de transforma-
social” (Ibid., p. 7). Nessa perspectiva, a socia- ção social em diferentes graus e propósitos.
lização aparece como um mecanismo de mo- Isso, porém, não significou o abandono do
delagem das personalidades, que estrutura as enfoque da juventude enquanto problema.
condutas essenciais ao funcionamento social. No conjunto, nesse período, predominam

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pesquisas com base teórica no funciona- seu livro Industrialização e desenvolvimento
lismo, que identificavam na geração jovem social no Brasil, constituiu um dos primeiros
uma ameaça à ordem social nos planos polí- registros no país de uma reflexão sociológica
tico, cultural e moral, atribuindo o compor- sobre a juventude. Nele é analisada a con-
tamento contestador às novas dinâmicas de dição juvenil na sociedade capitalista a par-
socialização que permitiriam o afrouxamen- tir de uma visão estrutural das implicações
to dos vínculos estruturais.4 decorrentes das determinações político-eco-
nômicas e de classes sobre o jovem, o que
A Sociologia da Juventude resultaria, do ponto de vista do autor, numa
chega ao Brasil tomada de posição do jovem como radical
ou conservador.
Foi na década de 1960, no Brasil, que o No final da década de 1960, destacam-se
tema da juventude entrou na pauta de inte- duas publicações. Uma é O poder jovem, do
resses dos cientistas sociais. Nessa época, por historiador Artur José Poerner, que trata da
meio do rock ’n’ roll, da liberação sexual, da história da participação política dos estudan-
contracultura, do movimento estudantil, da tes brasileiros. Nesse trabalho historiográfico é
luta por direitos civis e pela paz, a juventude evidenciada a longa trajetória de participação
criticava a ordem social estabelecida. Porém, política dos jovens, em dois períodos, antes
a efervescência democrática e popular do iní- e depois da fundação da UNE. Esse livro foi
cio dos anos sessenta seria interrompida com lançado em 26 de julho de 1968 e seria um
o golpe militar de 31 de março de 1964. Um dos primeiros oficialmente proibidos com
dos primeiros atos dos militares foi perpe- a edição do Ato Constitucional n. 5, de de-
trado contra o movimento estudantil, repre- zembro daquele ano. A outra é a coletânea
sentado nacionalmente pela União Nacional Sociologia da juventude, organizada por Sula-
dos Estudantes (UNE) e pela União Brasi- mita de Brito em quatro volumes, publicados
leira dos Estudantes Secundaristas (UBES). igualmente no ano de 1968. A organizadora
Evidência disso foi a invasão da sede da da coletânea procurou, de um lado, repro-
UNE no Rio de Janeiro, saqueada e queima- duzir trabalhos que revelavam o esforço de
da pelos militares, no dia seguinte ao golpe. constituir uma Sociologia da Juventude, e de
Os jovens estudantes foram encarados pelo outro trazer exemplos característicos dos mé-
regime militar como elementos de alta peri- todos adotados (BRITTO, 1968). Devido à
culosidade para a “segurança nacional”, sen- vasta relação de autores que reúne e dos temas
do classificados como “subversivos” e mesmo que aborda, esse conjunto figura como refe-
“terroristas” (POERNER, 1995). rência obrigatória para os pesquisadores do
Nessa conjuntura de “rebelião da juven- tema. Apesar disso, não caracteriza a produ-
tude” (FORACCHI, 1972), os estudos vol- ção de um pensamento social brasileiro sobre
taram-se principalmente para as formas de juventude, com exceção dos artigos de Octá-
engajamento culturais e políticos dos jovens. vio Ianni, citado acima, e outro, do cientista
O artigo de Octávio Ianni “O jovem radi- político Glaúcio Dilon Soares, sobre ideolo-
cal”, publicado originalmente em 1963, em gia e participação política estudantil.

4 Encontramos exemplos desse debate na coletânea organizada por Sulamita de Brito (1968), Sociologia da Juven-
tude IV: os movimentos juvenis.

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Com efeito, seria Marialice Foracchi quem em fevereiro de 1962, no qual antecipou as-
realizaria um trabalho original, de maior fôle- pectos que receberiam tratamento mais apu-
go e envergadura analítica, sobre a construção rado em sua tese de doutorado.
social das categorias jovem e estudante e o mo- Ela voltaria seus esforços para responder
vimento estudantil brasileiro. Martins (1982) uma questão proposta por Mannheim (1982)
resume como se processou sua breve trajetória: sobre as condições nas quais os membros indi-
viduais de uma geração se tornam conscientes
Marialice M. Foracchi inicia-se como socióloga
preocupada com a educação e com a sociologia da
de sua situação comum e fazem dela a base da
educação. Dos estudos sobre a situação de ensino solidariedade grupal produzindo grupos con-
e a eficácia do trabalho do professor, ela progride cretos, como os que se expressam no movi-
para o estudo sobre o estudante, suas relações, seu mento estudantil. Essa questão estaria presente
mundo, sua história, suas aspirações, suas limita-
ções. Esse avanço deslocou o centro das preocupa-
nos dois principais trabalhos de Foracchi, O
ções de Marialice para as relações de classe, para estudante e a transformação da sociedade brasilei-
o lugar central do trabalho na história humana, ra (1965) e A juventude na sociedade moderna
para a exclusão daqueles que não estão no núcleo (1972). Entre esses dois livros destacam-se os
de recriação da sociedade capitalista que é a pro-
dução. Foi o que lhe permitiu desenvolver preocu-
artigos publicados na Revista Civilização Brasi-
pações na etapa final da vida, com os movimentos leira nos anos de 1966 e 1968 e na Revista La-
sociais, suas lutas, suas tentativas de participação tino-americana de Sociologia, em 1966, com
na construção de uma sociedade democrática. textos que retomam as conclusões de sua tese
(MARTINS, 1982, p. VIII)
de doutorado e atualizam os recursos teóricos
para explicar as mudanças substanciais havidas
O interesse de Foracchi pela temática no movimento estudantil ao longo daquela
da juventude dar-se-ia a partir da influência década. Em seu conjunto, essas publicações
recebida de Karl Mannheim, primeiramente podem ser percebidas como exemplos paradig-
no campo da educação, como demonstra a máticos da produção teórica sobre “juventude”
publicação de Educação e planejamento: aspec- que se iniciava no Brasil. No primeiro, ela se
tos da contribuição de Karl Mannheim para a propôs a “caracterizar o conjunto de mecanis-
analise sociológica da educação (FORACCHI, mos e processos que presidem à constituição
1960). Nesse trabalho inicial, ela buscou sis- do estudante como categoria social” (FORAC-
tematizar as contribuições de Mannheim na CHI, 1965, p. 3), a fim de caracterizar a ação
análise do campo educacional, retomando a do estudante no processo de transformação da
questão a partir das teorias do conhecimento sociedade brasileira. No segundo livro, propôs-
e do planejamento. Seu interesse deslocou-se -se a “analisar, sociologicamente, a rebelião da
então para as condições sociais do estudante. juventude, como manifestação da crise da so-
Ela participaria de um estudo realizado pela ciedade moderna, na forma predominante de
Universidade de São Paulo com vista a levan- que o fenômeno se revestiu que é o movimento
tar informações sobre as condições socioeco- estudantil” (Id., 1972, p. 11). Ao longo de seus
nômicas do estudante universitário, trabalho trabalhos, a noção de juventude se constituiria
que resultou no artigo “O Estudante Univer- como categoria histórica e social por intermé-
sitário: resultados iniciais de uma investigação dio do movimento de juventude.5
sociológica” publicado na Revista Anhembi

5 Marialice Foracchi também publicaria outras duas obras de referência, a saber: Foracchi e Pereira (1971) e Foracchi
e Martins (2004).

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Com seus trabalhos, Foracchi se des- seguiu legar uma contribuição original à
tacaria no pensamento social brasileiro por Sociologia da Juventude, distinta da abor-
fornecer uma explicação sociológica para a dagem estrutural-funcionalista predomi-
condição juvenil e o movimento estudantil nante no período, mesmo que se perceba
de sua época. Ela conferiu um tratamento em seus textos sobre o tema um frequente
sociológico ao movimento estudantil expli- debate com autores como Parsons, Merton
cando-o a partir das condições estruturais da e Eisenstadt. Preferindo as abordagens dia-
sociedade de classes. A própria autora esta- léticas e influenciada principalmente por
beleceu o diferencial de seu trabalho em rela- Florestan Fernandes e Karl Mannheim, ela
ção aos demais. “Nele a classe, como catego- articulou, em um mesmo empreendimen-
ria explicativa, é o eixo básico da exposição, to analítico, as dimensões da estrutura e da
já que a compreensão objetiva do processo ação social.
de constituição do estudante como categoria Como resultado, ela identificou de ma-
social, não dispensa a elucidação da natureza neira original os vínculos de classe do estu-
e do vínculo de classe” (FORACCHI, 1965, dante universitário tanto como classe média
p. 6), na medida em que, “na sociedade bra- em ascensão, ao enfocar o processo de trans-
sileira, a mobilização dos recursos educacio- formação do jovem em estudante, quanto
nais de nível superior é definitivamente mar- como pequena-burguesia radicalizada ao
cada pela estrutura de classe.” (Ibid., p. 6). interpretar as práticas e as limitações do
Como salienta a autora, as relações de classe movimento estudantil universitário. Tendo
representam objetivamente “os padrões de presente a distinção entre essas categorias,
pensamento e de experiência inerentes ao ela reconhece a pluralidade do estrato in-
estilo de convivência na sociedade moderna” termediário da formação social brasileira.
(Ibid., p. 66), e fundamenta sua análise do Isso não significa qualquer ambiguidade ou
movimento estudantil na vinculação do es- imprecisão nos termos utilizados pela au-
tudante universitário com as classes médias. tora – classe média e pequena burguesia –,
“O comportamento político do estudante mas a amplitude e radicalidade presente em
brasileiro pode ser compreendido, num pri- seu horizonte teórico. A concepção de clas-
meiro momento da análise, como produto se social adotada por Foracchi apoia-se em
‘revolucionário’ da frustração das aspirações Mannheim e Fernandes, que foram atentos
da classe média” (Id., 1966, p. 10). Com leitores de Marx, indicando que esse con-
efeito, o movimento estudantil poderia ser ceito “compreenderia, então, relações de
explicado pela origem socioeconômica do localização, caracterizadas por padrões pe-
estudante universitário de tal maneira que culiares de pensamento e de experiência”
ele seria a expressão radical da práxis peque- (FORACCHI, 1965, p. 66), os quais se
no-burguesa, visto que a origem de classe do manifestam em diferentes esferas das rela-
estudante universitário era essa. ções sociais, isto é, “das relações decorrentes
É necessário registrar que Foracchi da localização dos agentes na escala socioe-
promove em seus escritos um diálogo conômica” (Ibid., p. 66). Assim, na primei-
contínuo, aberto e crítico com os princi- ra parte de “O Estudante…”, ao discutir
pais sociólogos ou cientistas sociais que as relações interpessoais do estudante no
poderiam apresentar contribuições para a âmbito da família, apoia sua análise prin-
compreensão dos fenômenos e processos cipalmente em autores norte-americanos
sociais investigados. Com efeito, ela con- críticos ao estrutural-funcionalismo, como

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Wright Mills6, de quem recolhe elementos Seu insight original foi perceber que “a
da problemática da “nova classe média”, no análise objetiva da sociedade brasileira” não
contexto das mudanças sociais provocadas poderia “prescindir da determinação preci-
pelo desenvolvimento do capitalismo no sa do significado da participação do estu-
pós II Guerra Mundial. Já na segunda par- dante no processo de transformação social”
te do livro, ao tratar das relações dos estu- (FORACCHI, 1965, p. 3). Em razão disso,
dantes nos processos histórico-estruturais compreendia que:
que resultariam em seu engajamento po-
Uma das principais tarefas com que se depara a
lítico, baliza a análise da práxis estudantil abordagem sociológica é, pois, caracterizar o con-
nas contradições inerentes à pequena bur- junto de mecanismos e processos que presidem à
guesia, sendo evidente que recorre ao tra- constituição do estudante como categoria social.
tamento conferido por Karl Marx ao com- Isso significa que o estudante deve ser focalizado
tanto em termos das condições sociais que balizam
portamento político dessa classe em “O 18 o seu comportamento, vinculado a ordem social
de Brumário de Luís Bonaparte”. Ou seja, existente; quanto em termos das modalidades pos-
ela recorre aos conceitos adequados aos pro- síveis de ampliação dos seus horizontes de ação
pósitos explicativos de cada nível da análise (Ibid., p. 3).
empreendida, que mantêm entre si laços de
conexão e complementariedade. Seu método de investigação articula
Como mencionado, também sobressai num mesmo empreendimento as dimensões
no pensamento de Foracchi a influência de objetivas e subjetivas do comportamento do
Florestan Fernandes, uma vez que ele foi seu estudante, ou seja, as determinações estrutu-
professor e orientador acadêmico. Ela recorre rais dos sentidos da ação estudantil. Como
a Fernandes principalmente para desvendar o a própria Foracchi (1965, p. 3) destaca, sua
pano de fundo dos processos sociais que in- perspectiva interpretativa “pode ser compre-
vestiga, ou seja, as transformações em curso endida como uma tentativa de integração
na sociedade brasileira, em termos de urba- analítica das relações interpessoais com as
nização, industrialização, migrações internas, formas de atuação concreta”, por meio da
emergência de movimentos sociais e a con- qual a autora busca “fundir a trama das re-
sequente formação/transformação das classes lações com o significado concreto da ação,
sociais, em particular o papel da pequena subordinando-as a uma modalidade de apre-
burguesia no caráter na revolução burguesa ensão unívoca”. Dessa forma, a autora busca-
no Brasil. Essa base teórica é complementada va “desvendar tanto aquilo que nas represen-
com as abordagens de Celso Furtado sobre as tações dos estudantes surge como o motivo
dinâmicas do desenvolvimento e subdesen- real da ação, quanto aquilo que, no contexto
volvimento e da realizada por Octavio Ianni, da situação global, impõe-se, objetivamente,
sobre o radicalismo político juvenil. Em resu- como resultado de sua ação”. (FORACCHI,
mo, a partir dessas influências Foracchi pro- 1965, p. 3-4).
moveu um amplo diálogo com autores de sua Sua pesquisa empírica foi desenvolvida
época forjando uma perspectiva teórica ampla ao longo de três etapas sequenciais. Teve iní-
e crítica, o que resultou numa contribuição cio em 1960, quando foram aplicados ques-
analítica paradigmática. tionários padronizados a 5% da população

6 A esse respeito consultar: Mills (1979).

99
estudantil da Universidade de São Paulo, a pequena burguesia como um dos com-
como se distribuíam pelas faculdades que ponentes constitutivos do comportamento
integravam esse organismo universitário, o e da ação do estudante universitário. Desse
que abrangeu 377 estudantes de todos os modo:
seus institutos e faculdades. A sistematiza-
O conteúdo singular dessa vinculação patenteou-
ção dos dados dessa primeira fase propiciou -se, porém, quando focalizado em termos da
a elaboração de algumas categorias empíri- problemática atual da sociedade brasileira, ou
cas essenciais à abordagem sociológica do seja, da sua luta pertinaz contra as limitações do
estudante universitário. Com base nessas subdesenvolvimento. Comprovou-se, assim, a
necessidade de operar, no nível da reconstrução
condições, foi efetuado um reagrupamento interpretativa, com três ordens de manifestações,
da população estudantil, tomando como va- geradas em planos distintos da realidade social e
riável básica a sua condição de manutenção e da explanação teórica, quais sejam: a) relacionadas
obtendo três categorias empíricas compostas com o comportamento do estudante e focalizadas
no nível das relações interpessoais; b) relativas à
pelos estudantes totalmente mantidos pela fa- situação de classe e apreendidas ao nível das co-
mília, os parcialmente mantidos pela família nexões histórico – estruturais; e c) que dizem
e os estudantes que trabalhavam (FORAC- respeito aos fatores constitutivos do processo de
CHI, 1965). transformação do sistema e formulados no nível
da objetivação da práxis (FORACCHI, 1965, p.
Na segunda etapa procedeu a um le- 11, grifos meus).
vantamento em amostra constante de 15%
dos estudantes incluídos em cada uma das A condição do estudante seria caracte-
categorias de manutenção anteriores, o que rizada por uma posição ambígua, ao ter de
resultou num total aproximado de 55 es- conjugar presente e futuro simultaneamente:
tudantes de diferentes faculdades. Já tendo sua existência sendo definida pelas condições
respondido o formulário, foram submetidos sociais que balizam suas possibilidades de
a uma entrevista aberta, com roteiro previa- ação futura e aparecendo como um elo na
mente testado e reformulado. Os resultados sucessão entre gerações, o jovem se projeta
contribuíram para o conhecimento “dos no futuro a partir da situação de classe de sua
processos e situações que moldam o com- família. A autora, assim, articula, como sen-
portamento e a atitude do estudante, mas do determinantes, três níveis de análise dos
nada acrescentaram quanto às implicações mecanismos que presidem a construção do
presumíveis da sua participação política” estudante como categoria social: as relações
(FORACCHI, 1965, p. 9). interpessoais, a situação de classe e os proces-
A pesquisa foi concluída com o recurso sos de transformação da sociedade inclusiva
de uma terceira fase, em que a pesquisadora (AUGUSTO, 2005).
buscou suprir a lacuna da fase anterior so-
bre o comportamento político do estudante A transformação do jovem em
universitário paulista recorrendo à realização estudante: manutenção, dependência
de entrevistas com líderes estudantis, repre- e classe
sentantes das diferentes correntes políticas
atuantes no movimento estudantil da época. Ao analisar o processo social de trans-
Como resultado desse procedimento de co- formação do jovem em estudante, Foracchi
leta de dados primários, aos quais se acres- (1965) demonstrou como operavam os me-
centou a observação sistemática, ela pôde canismos e processos de vinculação do jovem
identificar empiricamente os vínculos com

100
ao sistema social, efetivado pelas relações en- um processo de ascensão social por conta
tre jovens e adultos tais como ocorrem no do processo de industrialização e urbaniza-
âmbito da família. Assim, demonstrou que ção, revelou uma ideologia de valorização
os jovens se vinculam ao sistema global ini- da juventude e da educação (FORACCHI,
cialmente por meio da família, que ocupa 1966) que se objetivava no investimento na
uma posição nas relações sociais de produ- educação superior dos filhos como estraté-
ção. Portanto, essa é a primeira instituição gia de mobilidade social ascendente ou, ao
a promover a adesão do jovem ao sistema e, menos, de reprodução da situação de classe
por consequência, a uma determinada situ- da família. Como salienta Augusto (2005) a
ação de classe. Os mecanismos dessa vincu- esse respeito:
lação resultam da peculiaridade das relações
Há, portanto, um compromisso de retribuição
interpessoais geradas no âmbito da família, que é amplo e permanente, e envolve o papel con-
ou seja, realizam-se por meio das relações de ferido ao jovem nos planos familiares de ascensão
manutenção e dependência. (ou de manutenção de posição) social. Assim, essa
Foracchi percebe o jovem como um ser obrigação implica responsabilidade, tanto em
relação ao seu próprio destino pessoal como em
em formação, cujo destino depende de um relação ao destino familiar. Seu compromisso é o
jogo incerto de fatores. Sempre que possível, de fazer efetivas as conquistas e de propiciar novos
a família tenta dirigir esse processo. Dessa avanços. Ainda que configurada no presente, a dí-
forma, o jovem aparece como um “ser so- vida pode ser deslocada para o futuro, na medida
em que existe a expectativa de que sua realização
cialmente dependente, em busca de recursos profissional possibilite a manutenção ou a melho-
eficientes de autonomia ou de emancipação” ra da posição relativa da família em termos de es-
(FORACCHI, 1965, p. 18). Diante disso, a tratificação social (p. 15).
condição juvenil é compreendida pela autora
como sendo marcada pela posição subalterna Chama a atenção que nesse jogo de
do jovem em relação ao adulto – ele ainda relações recíprocas se processam formas de
não tendo concluído a transição social da si- valorização da inexperiência que caracteriza-
tuação de dependência à autonomia. Por sua ria o estudante mantido pela família. Nesse
vez, o adulto manipularia um sistema sutil caso, a inexperiência converte-se em fator de
de controles com vista a controlar e direcio- superioridade quando se opõe à experiência
nar os jovens. Apesar de todos os mecanis- do adulto, quando a reprodução dela deixa
mos de controle mobilizados, esse processo de ser um objetivo e é reconhecida como
não é isento de conflitos e contradições. As uma limitação (FORACCHI, 1965, p. 24).
tensões geradas não se esgotariam no sistema Ela conclui que a dependência econômica
de relações recíprocas presente nas relações da família equivale, para o jovem estudante
do estudante com a família, mas transcen- universitário, a submeter-se a um sistema de
deriam para o questionamento da própria compromissos e pressões, estando de tal for-
ordem vigente, ao mesmo tempo que re- ma vinculado a ele que até as manifestações
forçariam e renovariam constantemente os da vontade individual são contidas. Confor-
vínculos existentes. Esse seria mais um ele- me a autora:
mento a reforçar o caráter ambíguo da con-
Aqui está o sentido ambíguo da dependência a
dição social do jovem estudante e da própria que antes nos referimos: só na qualidade de to-
condição juvenil. Esse processo, observado a talmente mantido é que o jovem dispõe de condi-
partir do relato de jovens provenientes de fa- ções para ser um estudante. E são paradoxalmente
mílias de classe média, que experimentaram esses mesmos fatores que criam obstáculos à sua

101
realização pessoal porque reprimem, inclusive, as dante, o trabalho significa somente um novo
mais simples manifestações de vontade autônoma. setor de atividade, necessário, não podendo ser
Como ser estudante, e portanto categoria social
independente, se não é possível deixar de ser, ao dispensado, mas que não lhe acrescenta qual-
mesmo tempo, jovem dependente, submisso e quer dimensão inédita. Pelo contrário, chega a
comprometido? (FORACCHI, 1965, p. 27-28) ser irritante pela falta de sentido, pela pobreza
de contatos e pela rotina. (Ibid., p. 48). No
O jovem estudante experimenta, assim, segundo caso, seu sentido emancipador pode
a ambivalência de sua condição social como ser enunciado sobre aspectos como: quando
jovem e de sua posição social como estudante o trabalho faz que o curso tenha importância
universitário. Com base nessa observação, Fo- acessória, razão pela qual Foracchi se refere a
racchi caracterizou o estilo de vida peculiar do esse jovem como trabalhador-estudante, ou
jovem a partir da “valorização da inexperiên- quando a experiência do trabalho propicia ao
cia como atributo positivo, pela subordinação estudante-trabalhador elaborar seu projeto
da vontade como recurso de afirmação e pela profissional ou projeto de carreira, como men-
tentativa de mobilização das condições sociais ciona. A necessidade de trabalho também se
existentes, no sentido de proceder à transfor- mostra positiva num outro plano: mediante
mação do jovem em estudante” (FORAC- um compromisso informal, mas tácito, o tra-
CHI, 1965, p. 31). Se isso for colocado em balho mantém os vínculos entre o estudante e
termos da distribuição dos tipos de estudan- a família, porém alterando a posição do jovem
tes, teríamos a valorização da inexperiência que se positiva como alguém que obtém os
como traço marcante do estudante totalmente recursos necessários a sua autonomia, mesmo
mantido pela família e os vínculos da depen- que parcialmente.
dência limitando a conquista de autonomia, Nesse ponto importa reter que a análise
como característica do estudante parcialmen- pela autora das relações de manutenção revelou
te mantido pela família. O sentido manifesto dois aspectos principais do ajustamento dos jo-
nas relações do jovem com o adulto seria, por vens ao adulto. Primeiramente, no plano das
conseguinte, o de provocar formas mútuas de atitudes, foi destacada a valorização da inex-
ajustamento que acarretariam a subordinação periência pela eficiência com que opera como
criadora do jovem e a distensão dos canais de fator de acomodação. Conforme Foracchi con-
participação social do adulto. duz sua análise, ela demonstra que o jovem, ao
Por sua vez, o jovem que estuda e traba- desenvolver essa atitude, se colocaria perante ao
lha teria como traço distintivo a difícil tarefa adulto como um ser em formação capaz de dis-
de desdobrar-se entre duas atividades intensa- cernir as inconsistências do seu próprio com-
mente socializadoras. Nesse caso, a inserção no portamento. Ela enfatiza igualmente o caráter
mundo do trabalho tanto pode ser um “recurso recíproco desse processo, uma vez que “a va-
de subordinação” (FORACCHI, 1965, p. 47), lorização da inexperiência só se objetiva quan-
como pode propiciar “consequências emanci- do confrontada com a experiência do adulto”
padoras” (Ibid., p. 50). No primeiro caso, o (FORACCHI, 1965, p. 32). Depois, no plano
trabalho representaria apenas o prolongamen- do comportamento efetivo, a acomodação se
to da dependência em um outro nível. Porém, constitui no sentido ambíguo de subordinação
isso tem um agravante: a fragmentação da pró- da vontade. Desse modo, estaria confirmada a
pria condição do estudante, que se encontra contradição inerente à inexperiência que se va-
agora dividindo em tempos distintos e concor- loriza e à vontade que se subordina, tal como se
rentes de trabalho e de estudo. Para esse estu- caracterizaria a condição social do jovem estu-

102
dante mantido pela família. Isso porque “as re- identificação e a compensação, como justifi-
lações de manutenção pressupõem vínculos de cação ética da responsabilidade (FORACCHI,
retribuição que são a manifestação visível das 1965, p. 45). Assim, as relações dos jovens
formas de dependência que unem o estudante com os adultos desenvolvem-se de acordo com
à família.” (Ibid., p. 36). Percebe-se que as rela- um padrão de dependência, sendo fenômeno
ções de manutenção operam como dispositivo nitidamente social. Validamente, as pressões
de ajustamento do jovem ao sistema a partir da modeladoras do adulto ao longo dos proces-
família, e que nas relações de dependência esse sos de socialização visam a induzir “o jovem a
ajustamento se processa a partir do jovem para formar-se de acordo com os padrões e a pro-
com a família e sua situação de classe. blemática incorporada pelo grupo com o qual
Por sua vez, “a dependência adquire o adulto se identifica.” (Ibid., p. 61). Por isso,
sentido de relação social, na qual os laços de a socialização representaria necessariamente
reciprocidade se transformam em compro- uma dimensão antecipada do comportamento
misso de retribuição (FORACCHI, 1965, orientado pela aspiração de mobilidade social.
p. 86). A dependência do estudante em re- Pode-se deduzir que as agências socializadoras
lação à família é descrita, então, como “sis- pelas quais os jovens são inseridos na socieda-
tema de controle criando, incessantemente, de e por meio das quais a sociedade é incutida
novos laços para prender o estudante à sua nos jovens – família, instituições de ensino e
condição de manutenção” (Ibid., p. 36). É o trabalho – providenciariam a incorporação
ainda descrita como “sistema de prestação de de normas de comportamento, valores e dis-
contas, que une o estudante à família, pelo posições com os quais os adultos se encontram
ativo e pelo passivo.” (Ibid., p. 37). Tal seria comprometidos e querem que a nova geração
o conteúdo das relações de dependência que leve adiante. No caso das famílias de classe
procuraria incorporar nos jovens a ideologia média, esse processo tem como objetivo criar
da ascensão social típica da situação da classe condições favoráveis a sua própria ascensão
média no sistema de classes. Aliás, a própria social, expressão de sua dependência da classe
situação da classe média, diante da classe dominante, a qual sonha integrar. As relações
dominante, seria de subordinação e depen- de dependência, que visam a comprometer
dência, expressando-se nas representações os jovens com o projeto dos adultos, revelam-
ideológicas da mobilidade social ascendente. -se como situação de existência social na qual
Na abordagem sociológica desenvolvida vínculos firmados reproduzem, a seu modo, as
por Foracchi, a dependência do estudante as- tensões existentes no sistema.
sume feições integrativas ao sistema global, que Com efeito, as relações de dependência
opera no nível das relações interpessoais e se assumiriam expressões bastante diferenciadas
traduz como um estilo de convivência peculiar entre si. Foracchi refere-se a essa pluralidade
do grupo no qual se manifesta. No contexto de compromissos de retribuição do jovem
das relações familiares, os mecanismos que para com a família como compondo diferen-
sustentam os vínculos de dependência são a tes estilos de dependência7. Eles podem variar

7 Foracchi recorre à noção de estilo de pensamento de Mannheim para propor um estilo de dependência, afirmando
que “há, então, um estilo de relações sociais, no qual está compreendido aquilo que poderíamos designar como
estilo do grupo” (FORACCHI, 1965, p. 63). Ainda como argumenta a autora: “A noção de estilo é bastante
adequada, pois, afirmamos, envolve tanto variações no modo dos indivíduos se relacionarem entre si, quanto os
fatores sociais responsáveis por tais variações” (Ibid., p. 66).

103
tanto quanto forem as situações de classe do que conduz à ampliação das atividades, per-
grupo familiar. Com isso se evidenciam dife- manecendo, não obstante, restrita à área de
rentes estilos de dependência, os quais expres- influência da família. Porém, é por meio des-
sariam os diferentes momentos de afirmação se mecanismo que se consuma uma modifi-
da família na estratificação social. Isso se pro- cação fundamental. A família passa a viver a
cessa de tal modo que é “legitimo afirmar que situação de classe, já que, na ampliação de
os estilos de dependência constituem uma contatos, são criadas condições para a sua in-
manifestação social das condições de manu- tensificação e diversificação, com vista à re-
tenção, no nível das relações interpessoais, na alização de um objetivo preciso: vincular-se
medida em que estas são uma expressão da si- pela situação de classe ao momento presente,
tuação de classe no nível da situação familiar” elaborando e desenvolvendo as potencialida-
(FORACCHI, 1965, p. 88). des nele contidas (Ibid., p. 112-113).
É, portanto, entendida como crônica Há, no entanto, uma nítida contradi-
de avanços e recuos na escala social na his- ção entre essas determinações do sistema e o
tória da família de classe média que Foracchi conteúdo da atuação do jovem que se envol-
encontrou os elementos necessários para ca- ve em mobilizações estudantis, contradição
racterizar a situação de classe da família do que expressaria a própria distinção entre o
estudante. Por isso o ponto de partida de jovem e o estudante.
sua análise do comportamento do estudan-
O que estaria implícito nessa distinção? Que o
te universitário é a sua situação de classe tal estudante seja o jovem que se nega a si próprio,
como pôde ser percebida em diferentes mo- na medida em que age em contradição com todas
mentos da história familiar. Alinhando tais as determinações sociais do seu comportamento.
situação na sequência em que se produzem, Mas, cumpre ainda indagar, que fatores explicam
que ação do jovem se contrapusesse a ação do
ela procedeu ao mapeamento da trajetória estudante quando, na realidade, ambos são um
social percorrida pelas famílias. Em síntese, só? É precisamente esse ponto que procuraremos
essa trajetória é iniciada por um “retorno às elucidar. A situação de classe, tal como repercute
origens”, movimento que a família realiza sobre a família, entra aqui como fator definitivo de
cisão. Servindo-se do jovem como instrumento da
sobre si mesma e que mostra as condições sua vinculação à situação de classe, nele colocan-
de isolamento e de arrojo com que foi con- do a problemática crucial da continuidade da sua
duzida a transformação da situação de ori- posição no sistema, a família cria as condições ne-
gem. No momento seguinte, verifica-se uma cessárias para que ele se transforme em estudante
e, portanto, para que ele próprio se realize como
ampliação dos contatos e desenvolvem-se jovem. Esta, a contradição fundamental que, re-
as “condições objetivas” para o alcance de fletindo sobre o comportamento do jovem, parece
“novas dimensões sociais”. “À dimensão es- estar no próprio cerne das contradições inerentes à
pecial, originada pelo desejo de ‘melhorar de constituição da classe média (FORACCHI, 1965,
p. 115).
vida’ conjuga-se o deslocamento ocupacio-
nal, como demissão especificamente socio-
econômica” (FORACCHI, 1965, p. 112). A transformação do jovem em estudan-
A classe passa, então, a ser vivenciada como te é uma forma de vinculação da família ao
algo distinto da situação familiar, embora sistema de classes, na qual é reconhecido o
com características ainda imprecisas para papel do jovem como agente da mobilidade
os agentes. O mecanismo social básico res- social, ou, minimamente, da manutenção
ponsável por essa transição é a ampliação de da posição da família de classe média na
contatos, apoiada na redefinição de papéis, o estratificação social. Inicialmente, do pon-

104
to de vista da transformação do jovem em que visam a controlar o jovem para que
estudante, isso significa que as alterações da cumpra o desígnio familiar de mobilida-
unidade familiar adquiriram também um de ascendente na estrutura de classes. Isso
novo significado: a incorporação da dimen- corresponde ao reconhecimento do jovem
são educacional como um dos requisitos do como agente de transformação da família
processo de ascensão. Ao estabelecer o estu- em situação de classe e elemento por meio
dante como categoria social, a família tende do qual se realiza a continuidade ou alte-
a negar sua situação de origem e a si própria ração de sua posição no sistema de clas-
como família, já que o processo de transfor- ses. Ao mesmo tempo, o jovem redefine
mação dos vínculos familiares é produzido sua situação de dependência no interior
por fatores extrafamiliares, ou seja, por con- da família e procede a afirmação da classe
dições que não são controladas pela família, como situação de existência. A partir des-
delegando funções às instituições da educa- sa situação, o jovem tende a buscar canais
ção formal e se submetendo às dinâmicas de eficientes de autonomia, o que surge como
reprodução do modo de produção vigente. imperativo após a alteração da condição
Por isso, o sentido real da manutenção não social do jovem em estudante.
poderia ser outro senão o de manter os vín-
culos de dependência, visto que a família A busca por autonomia: trabalho,
tenta manipular o processo de transforma- projeto de carreira e profissionalização
ção do jovem em estudante. Ao fazê-lo, a
família acaba negando o conteúdo emanci- O estudante universitário, que busca
pador possibilitado pela mudança de situ- superar as relações de dependência com a fa-
ação do jovem. A transformação do jovem mília e constituir-se como unidade autôno-
em estudante implica na transformação da ma de manutenção, necessariamente terá de
família em classe, a qual só pode, por sua efetivar isso ao nível das conexões histórico-
vez, tornar-se consciente de sua situação de -estruturais, ou seja, inserir-se nas relações
classe por intermédio do estudante. Forac- sociais de produção. A investigação volta-se
chi revela que o sentido oculto da manuten- assim para as vinculações que se estabelecem,
ção do jovem como estudante é o de man- por intermédio do trabalho, entre o jovem
ter os vínculos de dependência no limiar da e o sistema global. A análise sociológica do
transformação da situação familiar em si- trabalho estudantil é realizada por Foracchi
tuação de classe. Todavia, no momento em em dois níveis complementares: a) no nível
que esse processo se consuma, o estudante da constituição do sistema global, quando
deixa de estar vinculado à família, passando enfatiza as condições e os efeitos da ação re-
a negar-se como parte dela para integrar-se levantes para a consolidação da ordem com-
ao sistema como agente de classe. Percebe- petitiva do sistema de classes e; b) no nível
-se que na concretização da sua condição das situações interpessoais, ao interpretar
social específica de estudante universitário os efeitos socializadores e as perspectivas de
está inscrita a marca da camada que o pro- autonomia próprios aos papéis que o jovem
duziu e a negação parcial do grupo que o estudante desempenha nos setores extrafa-
constituiu (FORACCHI, 1965). miliares.
Como vimos nesta sessão, a consti- A autora demonstra que, no caso dos
tuição do estudante como categoria social estudantes que trabalham, eles se libertam
envolve todo um conjunto de mecanismos das relações de dependência da família, em

105
diferentes níveis, e passam a experimentar O trabalho do estudante interfere nas ho-
uma emancipaçao parcial conquistada com ras de estudo, reduzindo-as, e dificultando a
o trabalho. Sua abordagem sociológica sobre realização da condição de estudante. Em con-
a situação de trabalho procura, preliminar- trapartida, ressalta a autora, “amplia experiên-
mente, destacar os elementos do processo de cias, enseja novas relações e coloca o jovem
trabalho, ou seja, as condições objetivas em em contato com setores sociais diversificados”
que a atividade se desenvolve e as caracte- (FORACCHI, 1965, p. 129). Ou seja, o tra-
rísticas sociais do contingente humano que balho interfere no aproveitamento do curso;
nela é mobilizado. Considera, ainda, os fa- contudo, produz efeitos formativas dos quais
tores sociais que definem não só a natureza Foracchi extrai uma segunda característica
do trabalho executado, mas também a forma geral da situação de trabalho: “o significado
de elaboração dos seus resultados, os meca- formativo do curso acentua-se em função das
nismos reguladores do consumo e da distri- peculiaridades emancipadoras do trabalho”
buição e também as perspectivas de autono- (Ibid., p. 129). Com efeito, conclui que “o
mia e de dependência que constituem focos conteúdo emancipador do trabalho é parcial
orientadores da ação dos jovens envolvidos porque, nas condições dadas, as suas potencia-
nessa situação. lidades emancipadoras também são relativas e
Inicialmente, ela constata que o tra- reduzidas.” (Ibid., p. 130, grifos no original).
balho representa para o jovem a possibili- Conforme evidencia, o estudante sente
dade efetiva de manter-se como estudante os efeitos emancipadores do trabalho na me-
porque lhe proporciona recursos materiais dida em que o percebe como fonte de recur-
para assegurar sua reprodução pessoal e sos de ajustamento às novas situações. Com
posição social. Contudo, também repre- isso, ele demonstra não atribuir importância
senta uma garantia para manutenção de ao seu trabalho, ou seja, ao trabalho concreto
estudante quando o trabalho é realizado que realiza, mas passa a valorizar o trabalho
de modo parcial, revestindo-se, por isso, em si como meio de emancipação. “Isso faz
de um conteúdo emancipador apenas pro- com que se dilua, na situação de trabalho,
visório, já que é visto pelo jovem estudante o aspecto, porventura mais característico da
como uma atividade transitória. “Se o tra- atividade que está sendo desenvolvida e que
balho como recurso social de emancipação é a qualificação potencial” (FORACCHI,
só pode ser um trabalho parcial, é admissí- 1965, p. 157). Com efeito, a ideologia do
vel concluirmos desde já que a emancipa- trabalho compartilhado pelo jovem tende a
ção assim obtida será, pelas mesmas razões, acentuar o conteúdo emancipador da situa-
também parcial” (FORACCHI, 1965, p. ção do trabalho, conforme pode ser apreen-
128). Com base nessas afirmações, Forac- dido por suas consequências mais imediatas.
chi identifica uma primeira característica A relativa autonomia na própria manuten-
geral da situação de trabalho: “as poten- ção, a experiência e a ampliação de contatos
cialidades emancipadoras do trabalho de- são os efeitos sociais imediatos contidos nas
pendem das condições sociais sob as quais representações construídas sobre o traba-
o trabalho se desenvolve e que estariam, lho. Contudo, Foracchi alerta para o fato de
por sua vez, diretamente relacionados com que os efeitos socializadores do trabalho só
a natureza do trabalho executado e com o apresentam uma implicação emancipadora
significado que ele apresenta para o estu- quando suscitam a formação de novos vín-
dante” (Ibid., p. 128). culos. Esse seria, pois, o sentido paradoxal

106
da emancipação obtida com o trabalho: “a formação do jovem em estudante foram
possibilidade de estabelecer ou de criar no- focalizadas no plano da transformação e da
vos vínculos”(Ibid., p. 158). A autora então consolidação da ordem social. Conforme
questiona qual seria o significado do proces- nossa autora de referência, as determinações
so de transformação do jovem em estudante, sociais de classe, que se encontravam ape-
tal como foi evidenciado pela análise socio- nas esboçadas nas dimensões socializadoras
lógica da situação de trabalho. do processo de trabalho passam a ser ple-
Em primeiro lugar, focalizando apenas namente demarcadas, tornaram-se nítidas
as implicações socializadoras, esse processo quando investigadas no plano da expansão e
acarreta na redefinição de papéis, na elabo- da consolidação das relações sociais de pro-
ração de novos estilos de vínculo não mais dução vigentes. Chama-se a atenção para os
restritos às relações interpessoais, mas no requisitos da constituição do sistema global,
nível da classe. Foracchi destaca, então, os para os recursos de afirmação social da classe
efeitos positivos desse processo que, focali- média, para a ação que desenvolve com vistas
zado nas suas implicações socializadoras, não à implantação da ordem social competitiva,
corresponderia a uma modalidade de opres- para os efeitos e proporções da mobilidade
são do adulto sobre o jovem. Entretanto, ocupacional, segundo a qual se revelaria “a
suas implicações negativas são as que mais marca de uma camada em ascensão que pro-
se impõem à análise e as que mais reforçam cura expandir-se, consolidar-se e deter – não
a alienação do jovem estudante em face dos importando a que preço – o controle do pro-
objetivos que lhe são socialmente oferecidos. cesso de transformação social (FORACCHI,
Em segundo lugar, os efeitos desse mes- 1965, p. 169).
mo processo no plano da situação de traba- Para compreender o significado da ação
lho são sociologicamente encarados como estudantil, Foracchi interpretou as represen-
situações de convivência. A experiência que o tações do jovem estudante, relativas à formu-
jovem adquiriu com o trabalho proporciona- lação de um projeto de carreira profissional.
-lhe nova percepção dos limites sociais da au- A resposta possível e a resposta adequada à
tonomia. Foracchi ressalta que, por tratar-se sua indagação inicial (Por que o jovem es-
de um agente social específico, o jovem estu- tudante se engaja numa ação de conteúdo
dante universitário, a natureza e o significado radical?) são obtidas no exame da sua pró-
social da atividade por ele desenvolvida são pria condição social de estudante, isto é, nas
plasmados, de um lado, por sua condição de fronteiras do seu vinculamento e envolvi-
estudante e, de outro, pela situação de clas- mento no sistema que o produz. Conforme
se. Trata-se, como se observa, de um trabalho suas palavras:
socialmente determinado que corresponde ao
É enquanto projeto de profissional, é, enquanto cate-
trabalho de classe média e, como tal, é frag- goria transitória, ciente da sua transitoriedade, con-
mentado, parcial e subsidiário. Com efeito, “o vencida, por isso mesmo, que sua razão de ser é o seu
jovem que se transforma em estudante através projeto e que a carreira é o seu projeto, que o estudante
do trabalho, é o jovem de classe média empe- pode desvendar, no ato de superação da sua própria
condição restrita, os caminhos da emancipação,
nhado, consciente ou inconscientemente, em como meta e como destino. Por essa razão, importa
objetivar o projeto de ascensão social de sua investigar os fatores e as condições sociais presentes
camada de origem” (Foracchi, 1965, p. 169). na elaboração do seu projeto de carreira e como atra-
Em terceiro lugar destaca-se que algu- vés dele, o estudante atinge o limite da sua condição
transitória. (FORACCHI, 1965, p. 172-173)
mas manifestações do processo de trans-

107
Sua análise volta-se para as condições assim as representações da carreira e do curso
sociais em que se desenvolve o projeto de “como dois universos distintos e estanques”.
carreira ou, em outras palavras, para as ex- “O profissional opõe-se então, ao estudante,
pectativas e exigências da situação que o jo- conspurcando inclusive a pureza da forma-
vem incorpora ou rejeita no seu projeto de ção profissional pelo tipo de prática que se
atuação profissional. A autora identifica um vê obrigado a desenvolver” (Ibid., p. 191).
conflito latente, atribuído ao caráter pessoal O padrão profissional vigente é analisa-
da escolha do jovem que se opôs às aspira- do pelo estudante com base em sua experi-
ções familiares e à interferência da família ência de trabalho ou como antecipação da
na escolha da profissão. Nesse contexto, as atuação profissional. A formulação antecipa-
dimensões básicas da formação universitária da de concepções sobre a profissão, apoiada
expressam as formas possíveis de participa- na experiência proporcionada pelo curso e os
ção social que o curso proporciona ao jovem. contrastes verificados entre este e o padrão
Convergem, assim, ambas as dimensões para profissional, colabora para que sejam ela-
uma única situação concreta e insatisfatória borados projetos profissionais com base nas
que é o curso, enquanto limite do projeto de exigências imediatas da situação e a realida-
carreira. O curso passa a ser, então, “o quadro de concreta dos valores profissionais que, de
de referência sobre o qual o estudante projeta certo modo, repudiam as aspirações contidas
os seus anseios de participação. Representaria, nas representações de carreira. No caso do
assim, o modo possível e efetivo de o estudante estudante, parece haver como que um con-
negar, dentro da especificidade da sua condição, trole deliberado dos mecanismos perceptivos
a ordem social que o produz” (FORACCHI, que postergaria o reconhecimento dos fato-
1965, p. 190, grifos no original). Diante das res subjacentes ao êxito profissional.
limitações do curso para assegurar o alcance O aspecto decisivo é que as reivindica-
da carreira, ele passa a ser questionado em ções de carreira levam o estudante a perceber,
seus fundamentos. Desse modo, o estudante gradativamente, que as implicações sociais da
engaja-se na luta pela reforma universitária sua ação são amplas, ou seja, que mais que o
não por uma questão meramente pedagó- padrão vigente de carreira, o que ele realmen-
gica, mas por seus aspectos supostamente te deseja transformar é a ordem que o produz.
secundários que se sustentam num propósi- Contudo, é preciso saber por que e como o
to amplo de transformação do jovem e do padrão de carreira se corrompe. Em primeiro
profissional. Em resumo: as reformas que lugar, as implicações monetárias do êxito não
os estudantes reputam indispensáveis não se apresentam como dados; muito pelo con-
incidem única e diretamente sobre o curso. trário, ele supõe conquistar, por intermédio
Conforme transparecem nas representações, da carreira, sucesso profissional acompanhado
elas são somente o quadro social de referên- de êxito financeiro. Em segundo lugar, na an-
cia, a situação mediadora na qual as necessi- tevisão do profissional, em razão de sua con-
dades de formação intelectual e os requisitos dição de estudante, ele comprova que o êxito
da atuação profissional são projetados sem na carreira deve ser precedido por êxito finan-
que possam ser atendidos. As deficiências ceiro, e não vice-versa. Então, o que ressalta a
atribuídas ao curso relacionam-se, por con- análise não é tanto o momento da escolha da
seguinte, à limitação das modalidades exis- carreira, mas principalmente o fato de que ela
tentes de participação na sociedade global e não se processa, para o estudante, com seus
com o propósito de redefini-las. Revelam-se reais pressupostos, os quais, só depois de qua-

108
se consumados os processos de aprendizagem se realiza através do seu projeto de carreira” (FO-
surgiriam com toda a nitidez. Com efeito, con- RACCHI, 1965, p. 205, grifos no original).
tra tais pressupostos se insurgirá o estudante: Em resumo: o estudante não aceita o padrão
contra os requisitos econômicos da carreira e profissional vigente, que tem o sucesso econô-
as consequentes restrições a que se encontram mico como condição prévia, e deseja modificá-
submetidos aqueles que não podem incorporá- -lo, pois não conta com os requisitos materiais,
-los e manipulá-los em seu próprio benefício. considerados indispensáveis à realização de
Veem-se, então, reduzidos a uma única possi- uma carreira profissional autônoma, ao con-
bilidade: a de voltarem à condição de assalaria- trário do que acontece com os estudantes das
dos, desmascarando, nesse retorno, o conteúdo classes altas.
dito emancipador da carreira profissional. O A autora reconhece, assim, dois momen-
projeto de carreira constituído no âmbito das tos definidos na constituição do projeto de
relações sociais propiciadas por sua condição carreira. Numa primeira etapa, o objetivo,
de classe média repete, apenas, a ilusão eman- incorporado como projeto, consuma-se na
cipadora que já fora contrariada no trabalho. transformação da pessoa, o que proporciona
Percebe então o jovem, que o seu futuro é limi- ao jovem um novo conhecimento de si e, em
tado pela própria situação de classe, enquanto consequência, uma nova visão de mundo. A
manifestação de uma estrutura de classes. carreira a que o jovem se destinava é excluída
Com efeito, se considerarmos que os es- de seu projeto pessoal por intermédio de uma
tudantes, em razão de sua própria condição opção que a nega, já que ela representa mais
social, desenvolvem uma participação social uma imposição exterior das circunstâncias do
comum, estabelecem contatos intensos e com- que um apelo interior inerente à própria perso-
partilham de uma mesma situação existencial, nalidade do jovem. Negando seu percurso an-
concluiremos que eles reúnem algumas condi- terior por identificar nele a marca da imposição
ções objetivas para se perceberem como parte das circunstâncias, o estudante nega também
representativa de uma classe social. Na origem as circunstâncias que o impuseram. Nega, so-
da consciência da situação encontra-se a luta bretudo, sua vinculação à família e, ao mesmo
ou a negação daquilo que representa o funda- tempo, a legitimidade do sistema que as impôs
mento da situação de classe: a condição das ba- como aspirações. Num segundo momento, a
ses econômicas que definem os canais do êxito opção feita pelo estudante não pressupõe so-
profissional. Justamente esse fundamento lhe mente a negação da carreira como tal, mas é
é negado no reconhecimento da classe, como estendida à realidade que o produz. Dessa for-
categoria, e de si próprio, como elemento da ma, ele passa a negar a realidade dada e o modo
classe. Definindo as aspirações da classe, o es- de atuação profissional, criticado e negado pelo
tudante deixa, também, de se identificar com projeto. A realidade negada seria, portanto,
elas, só reconhecendo o fundamento econômi- o perfil da realidade global, visualizado pela
co da ascensão de classe no momento em que atuação profissional. Nesse caso, o projeto de
este se apresenta como limitação ao seu projeto carreira formulado pelo estudante revestir-se-á
de carreira. Ao desenvolvê-lo, ou seja, ao orien- de um sentido que transcende sua profissiona-
tar sua ação em termos de luta pela carreira, lização e passa a ser percebido como o modo de
o estudante apreende as limitações da classe a transformar as exigências da situação.
que pertence. Tendo isso em vista, Foracchi O reconhecimento da magnitude da ta-
afirma que “a forma de consciência possível para refa a que se propôs – modificar o atual esta-
o estudante, enquanto categoria da classe média, do de coisas – faz que o estudante reconheça

109
as precárias condições que tem para realizá-la jeto de carreira que delineou assume os con-
apenas com seu esforço pessoal. Por isso é da tornos de projeto de ascensão de classe. O pro-
maior importância o diálogo que se estabelece jeto de carreira passa a ser, então, o momento
entre o estudante e o profissional. Nele ficam preliminar da práxis efetiva, que transforma o
formulados os propósitos, e ao mesmo tempo estudante em força do futuro, em agente dina-
se tornam mais objetivos e concretos os fatores, mizador do projeto de classe. Conclui-se, a esse
que interferem sobre a realização da carreira. respeito, que os caminhos da profissionalização
Isso permite, por sua vez, imprimir ao projeto são percebidos como veios condutores ao êxito
de carreira contornos mais objetivos e menos e ao prestígio social como parte integrante do
pessoais. Dito de outro modo, a distensão dos projeto de classe, como meio de preservação de
limites da ação sobre as condições da carreira sua situação de classe intermediária na estratifi-
esbarra na amplitude e na profundidade das cação social, contendo assim todas as contradi-
pressões vinculadoras do sistema. Além disso, ções, ambivalências e limitações da classe social
nesse diálogo, o estudante encontra com a difi- de onde se origina o estudante universitário.
culdade maior, expressa na constatação de que Esse vínculo com as classes médias teria refle-
“as possibilidades existentes de alterar o padrão xos nas formas de ação do estudante, como as
profissional, em termos da ordem e do sistema, só que nossa autora evidencia estarem presentes
poderão concretizar-se nos limites da sua própria no movimento estudantil.
condição de estudante e na atuação que, enquan-
to tal, for capaz de desenvolver” (FORACCHI, A práxis estudantil: os limites do
1965, p. 209, grifos no original). radicalismo pequeno burguês
Foracchi demonstra que as limitações ao
projeto de carreira do jovem são, em última Como demonstrou Foracchi (1965), o
análise, os limites da situação de classe. Outros- estudante, ao elaborar seu projeto de car-
sim, é a partir da condição de estudante que o reira, depara-se com um padrão de atuação
jovem de classe média percebe que o seu futuro profissional que nem sempre é compatível
profissional é instável e incerto. “Ser estudante com o que almeja ou com o que lhe é pro-
é, sob esse aspecto, uma condição especial que piciado em termos de aprendizado. Isso,
pressupõe o preparo gradativo e dosado a uma inicialmente, o leva a defender mudanças
atividade profissional futura, o que equivale curriculares em seu curso. A crítica ao currí-
a dizer, a um modo definido de participar da culo converte-se em crítica à universidade e
sociedade do seu tempo. É portanto, uma vir- adesão à luta pela reforma universitária8. Ao
tualidade, eminentemente voltada para o futu- adquirir consciência de que os obstáculos à
ro” (Ibid., p. 211). Assim, o futuro revelado ao realização de seu projeto profissional se de-
estudante universitário seria necessariamente o vem ao “subdesenvolvimento”9, o estudante
futuro possível no contexto da classe, e o pro- já não se limita a reivindicar as “modifica-

8 A proposta de reforma universitária se integraria a um conjunto de reformas estruturais, “as reformas de base”, que
setores populares demandavam, tais como a reformas agrária, urbana e tributária, que marcaram os primeiros anos
da década de 1960 e foram bloqueadas com o golpe militar de 1964.
9 “O subdesenvolvimento, entendido em termos estruturais, não deixa larga margem à concretização de projetos
de ascensão elaborados em escala social. O sistema social não dispõe de requisitos suficientemente flexíveis para
absorver as reinvindicações estudantis embora não possa ao mesmo tempo impedi-las de se manifestarem.”
(Foracchi, 1982, p. 60)

110
ções de curso ou de currículo, mas já está -se-ia nessa conjuntura política como expressão
em condições de radicalizar o seu engaja- radical da práxis pequeno-burguesa. Seu pro-
mento, ou seja, de identificar-se com gru- jeto de transformação da sociedade, contido
pos que lutam pela transformação da socie- na luta pela Reforma Universitária, teria como
dade” (FORACCHI, 1965, p. 218). limites os interesses defendidos pela pequena
A análise alcança por essa via duas for- burguesia, o que leva a autora a deter-se nas
mulações: “as possibilidades de atuação só características da atuação política dessa cama-
poderão concretizar-se nos limites da condi- da. Afastada da alternativa proletária e margi-
ção de estudante e a de que as proporções da nalizada no processo capitalista de produção,
ação, quando colocadas em termos de carrei- a classe média é a categoria intermediária que
ra, transcendem os limites socialmente defi- se comprime entre as contradições do sistema,
nidos pela condição de estudante” (Ibid., p. não contando com um estilo de atuação que
220). Na primeira, a autora procura enfati- a singularize ou com uma filosofia prática que
zar a existência de uma ação especificamente lhe descortine perspectivas imediatas de futu-
estudantil, de cunho reivindicativo, fundada ro10. Isso porque, ao constituir-se como classe
nas aspirações por reformulação dos padrões emergente, a classe média estaria posicionada
da carreira e no projeto de carreira. Na se- em relação às demais classes em uma posição
gunda, indica que o jovem estudante, ao de dependência.
engajar-se no movimento estudantil, apre-
Com efeito, a condição assalariada a vincula,
ende as limitações sociais de sua condição positivamente, às camadas populares, fazendo-a,
de estudante enquanto categoria vinculada à não raro, compartilhar das suas reivindicações
classe média ascendente. Por essa via, ela di- nem que seja, exclusivamente nos moldes de um
reciona a investigação para a ação dos jovens tímido ou subjetivo apoio. Por outro lado, essa
mesma condição de assalariada a vincula em ter-
nos marcos do movimento estudantil, anali- mo de dependência e subordinação à experiência
sando as condições sociais da participação do acumulada e à visão histórica das camadas do-
estudante, a luta pela reforma universitária minantes, incapacitando-a para efetiva tomada
e a práxis estudantil, que passa a ser carac- de posição que exija ruptura desses vínculos. O
vínculo de dependência, inerente a sua condição
terizada como a expressão do radicalismo assalariada, faz com que a pequena burguesia
pequeno burguês. aja compelida pelo temor de perder a situação
Retomando o ponto de partida da análi- de dependência e os escassos benefícios que ela
se de Foracchi sobre o Movimento Estudantil desfruta (FORACCHI, 1965, p. 222).
encontramos a origem de classe do estudante.
As condições sociais da participação do estu- Isso denotaria a incapacidade do movi-
dante no processo político brasileiro são inter- mento estudantil, por seu vínculo de classe,
pretadas tendo como referência a “sua classe de de oferecer primeiramente uma saída revo-
origem que é, predominantemente, a pequena lucionária à situação nacional. A fragilida-
burguesia ascendente, denominadas por alguns de ideológica e organizativa do movimento
autores de ‘nova classe média’” (FORACCHI, teria, assim, a marca da pequena burguesia,
1965, p. 221). A práxis estudantil desenvolver- essa classe ambígua que não tem unidade

10 “O que os torna representantes da pequena-burguesia é o fato de que sua mentalidade não ultrapassa o limites que
essa não ultrapassa na vida, de que são consequentemente impelidos, teoricamente, para os mesmos problemas e
soluções para os quais o interesse material e a posição social impelem, na prática, a pequena –burguesia” (Marx,
1958, p. 43. Apud. Foracchi, 1965, p. 225)

111
política por ser produto da polarização das exploradas nas relações sociais de produção,
classes. Foracchi se interessa por compreen- notadamente da operária e camponesa. Por-
der como essa ambiguidade de orientações se tanto, a atuação radical só seria virtualmente
reflete no comportamento político do estu- revolucionária na medida em que os estudan-
dante e nas feições do movimento estudantil. tes negassem seus vínculos com a classe média
Importa-nos nesse aspecto apenas reter e aderissem ao projeto do proletariado urbano
que a autora problematizou o significado da e dos trabalhadores rurais.
politização, visto a partir da perspectiva do Diante desses aspectos a autora salien-
jovem, que seria o de propiciar a formação ta que é imperativo reter que o movimen-
de laços de solidariedade interna, fazendo to estudantil deve ser considerado dentro
que ele percebesse, com maior nitidez, as dos limites da condição de estudante, que,
dimensões sociais da condição de jovem e como vimos, é transitória e parcial. Assim,
de estudante. O que ressalta de sua análise sua potencialidade revolucionária estaria li-
é o fato de que “esse mundo novo, aber- mitada pelas próprias características sociais
to às suas aspirações de jovem, essa inédita da condição de estudante universitário. Isso
oportunidade de diálogo com iguais, cor- quer dizer que o mesmo processo social que
responderia, em termos de conhecimento e preside a constituição do estudante atuaria
de ação, à contrapartida radical da atuação como força limitadora da práxis estudantil.
da classe que só agora o jovem passa a per-
Ao lado do processo de constituição do estudante
ceber como possibilidade” (FORACCHI, como categoria social, engendra-se um estilo de
1965, p. 224). Como a autora destaca, o práxis política que desvenda, ao mesmo tempo, a
convívio no ambiente universitário é que peculiaridade da sua própria condição e aspectos
propiciará ao jovem estudante a elabora- da situação global que a constitui. Transforman-
do-se em estudante, o jovem é levado a agir e,
ção de uma nova representação de si e dos agindo, torna-se capaz de compreender e criar dis-
papéis que deve desempenhar. Ou seja, so- posições positivas para modificar as condições que
mente na condição de estudante ele é capaz o transformam em estudante, impedindo-o porém
de reconhecer, com maior êxito do que ou- de sê-lo com autonomia: as condições inseridas na
problemática da sua classe de origem. Em outras
tros jovens, o sentido da vinculação de sua palavras, isso quer dizer que as mesmas condições
camada de origem às camadas dominantes sociais que presidiram o processo de constituição
e de percebê-la como obstáculo à concreti- do estudante e que estavam, portanto, integradas
zação do seu projeto profissional. ao projeto familiar de ascensão e de transformação
da ordem social exercem uma influência limitado-
Se o movimento estudantil adquirisse a ra sobre a ação do estudante como tal. [...] Ou
conotação de enfrentamento radical ao siste- seja, ser estudante equivale a viver, nos limites de
ma, ele se daria por intermédio e influência de uma condição social particular, a ambiguidade da
uma vanguarda materializada nas organiza- situação de classe (FORACCHI, 1965, p. 241).
ções partidárias e correntes políticas atuantes
no movimento estudantil, que cumpririam Torna-se evidente que em suas conside-
a função de politizar as lutas dos estudantes, rações a ação pequeno-burguesa traduz uma
promovendo a vinculação da luta estrita- modalidade de consciência da situação deli-
mente estudantil a uma crítica do sistema de mitada pelas características sociais da sua pró-
classes. Contudo, isso só se efetivaria com o pria situação de classe. É por conta dessa am-
estabelecimento de uma aliança popular a ser biguidade (a situação vacilante entre a adesão
formada pelo alinhamento das lutas estudan- a um projeto de desenvolvimento nacional
tis às acusadas pautas das classes subalternas e que altere as relações vigentes entre as clas-

112
ses sociais e a preservação de seus privilégios o sentido paradoxal de seu engajamento equiva-
como classe intermediária e dependente da leriam a manifestações sócias da impossibilidade
estrutural de reconhecer-se e de agir política e
classe capitalista) que o movimento estudan- unitariamente como classe; 3) a delimitação do
til teria limitações para contrapor-se à ordem alcance social da ação se expressaria através da
social. Com efeito, segundo Foracchi, a ação atomização desse estilo de práxis em categorias
do estudante só adquire amplitude societária socialmente transitórias, como o estudante, por
exemplo (FORACCHI, 1965, p. 291).
“sob condição de estar conjugada com a ação das
demais forças sociais de renovação, que se mani-
Podemos, assim, concluir que a peque-
festam na sociedade brasileira” (FORACCHI,
na burguesia, dadas as condições do seu in-
1965, p. 249). Somente na medida em que
sulamento estrutural e dado o teor das suas
a ação do estudante estiver identificada com
relações de dependência com as camadas
um processo de ampla luta social por transfor-
dominantes, não pode formular qualquer
mações e em aliança com outros setores po-
reivindicação global que lhe seja própria en-
pulares é que ela poderá se revestir de alguma
quanto classe. “Há um processo de reifica-
conotação “revolucionária”.
ção das forças de renovação que fragmenta a
O movimento estudantil, expressão
capacidade reivindicativa em setores sociais
radical da ambígua polarização ideológica
específicos, criando obstáculos para a incor-
da pequena-burguesia, é percebido por Fo-
poração de uma reivindicação unitária e para
racchi como um setor propício a compor o
a elaboração de um estilo correspondente de
movimento de massas urbanas que estariam
luta política” (Ibid., p. 294).
interessadas na transformação do status quo.
Como se observa, a autora situa sua aná-
Com efeito, ela identifica, de um lado, a ra-
lise no contexto político e social de sua época
dicalização como componente necessário do
para poder identificar os limites e os alcances
comportamento do jovem na sociedade ca-
do movimento estudantil universitário. Sendo
pitalista, e de outro a própria situação social
um tipo de ação específica, sua ação emergiria
da pequena-burguesia que estaria envolvida
a partir de condições determinadas pela estru-
na luta pela transformação da ordem vigen-
tura social. A abordagem difere de posições
te. Ela descortina, assim, o significado social
voluntaristas que não percebiam a ação dos
da ação radical tal como se desenvolvia na
estudantes a partir de seus vínculos de classe.
sociedade de sua época. Como conclusão da
É justamente essa vinculação que caracteri-
análise da práxis estudantil, Foracchi (1965)
zaria o movimento estudantil. Com isso ela
destaca a ambiguidade da pequena burguesia
pode concluir que, por seus vínculos com a
tal como entrevista na análise do movimento
perspectiva de classe média, o radicalismo es-
estudantil. Ela apresentaria, portanto, algu-
tudantil não teria feição revolucionária. Com
mas características singulares, a saber:
efeito, a particularidade desse radicalismo não
a) negação da classe como condição determinan- estaria na superação revolucionária dos anta-
te da ação; b) afirmação da prioridade necessária gonismos de classe que impedem o desenvol-
da consciência sobre a ação; c) a preocupação de vimento das forças produtivas nacionais, mas
lastrear a ação em reivindicações específicas e par-
ciais. Essa esquematização sumária nos possibilita apenas na tentativa de superar os obstáculos
reconhecer, em linhas gerais, alguns limites so- aos projetos de mobilidade social das classes
cialmente interpostos à práxis pequeno-burguesa: médias. O que leva Foracchi a identificar que
1) o confinamento estrutural lhe permitiria atin- a função transformadora das camadas médias,
gir, apenas de modo indireto, a sociedade como
um todo; 2) a ambígua polarização ideológica e manifesta pelo setor radicalizado da pequena

113
burguesia, não comprometeria o status quo vi- O movimento estudantil é interpretado
gente. Ou seja, no movimento estudantil uni- pela autora por um prisma diverso daquele
versitário se evidenciariam as características com que analisa o movimento de juventude.
mais nítidas do radicalismo pequeno burguês, Acentua-se, como característica dele, a identifi-
tal como este poderia ser apreendido na cons- cação política com correntes radicais de esquer-
tituição do estudante como categoria social. da, o qual retira conteúdos “revolucionários” às
A análise da condição social do estudan- suas reivindicações e se avalia, com pessimismo,
te e do movimento estudantil universitário, a consistência das suas posições políticas (Ibid.,
presente na tese de Foracchi, refere-se à con- p. 109). Contudo, como a própria autora es-
juntura dos anos iniciais de 1960 e observa clarece, “não se trata de questionar a vinculação
a atuação estudantil no período do governo pequeno-burguesa ou diluir a sua importância
João Goulart. Esse quadro de referência so- explicativa, pois ela é um dado que remonta à
freria profunda alteração com o golpe militar origem social do estudante. Trata-se na verdade
em 1964, reposicionando o papel do movi- de assumi-la teoricamente, reequacionando o
mento estudantil, sua força e suas formas de seu sentido analítico” (Id., 1968, p. 67).
ação. Isso foi marcado pela mudança de status
do movimento estudantil – de força impul- Considerações finais
sionadora das reformas de base no governo de
João Goulart em uma das principais forças de A obra de Foracchi insere-se no pensa-
oposição ao regime militar. Com efeito, essa mento social brasileiro marcando o momento
mudança redefiniria o âmbito de atuação e os de formação da Sociologia da Juventude. Em
quadros de referência do movimento estudan- seus trabalhos se encontra uma concepção
til, conferindo um caráter menos abstrato ao dialética sobre a juventude. Essa é percebida
seu radicalismo e projetando novas formas de simultaneamente como uma fase de vida, uma
engajamento na luta política, comprometendo força de renovação social e um determinado
a luta daquela geração para com a restauração estilo de existência. O jovem adquire feições
da democracia no Brasil. Isso levou Foracchi a concretas como ser socialmente dependente
recolocar em novos quadros teóricos a análise em busca de recursos que lhe permitam efetivar
do movimento estudantil nos textos de 1968 a conquista da autonomia. Vive sua condição
e de 1972. Entre as inovações interpretativas juvenil a partir de certa posição na estrutura so-
posteriores, Foracchi especificaria a distinção cial que é propiciada por sua classe de origem
entre os movimentos estudantil e juvenil. de tal modo que o conhecimento da juventude
pressupõe o reconhecimento de sua situação
O movimento hippy, na sua impotência e na sua
limitação é, por excelência, o movimento de ju-
de classe. Sua compreensão da condição ju-
ventude que leva às últimas consequências as venil enfatiza a posição subalterna do jovem
virtualidades sociais e intelectuais da condição de diante do adulto e da ambivalência que marca
jovem. O movimento estudantil, na sua virulên- esse processo de transição. Ao longo dessa tran-
cia revolucionária ou reformista, na proporção em
que refina a sua prática contestadora, balizando-a,
sição se efetuam os processos de socialização
sempre, por considerações táticas ou estratégicas, nos quais se evidencia a construção social do
negocia conciliações e compromissos, aceita os jovem como categoria sociológica. Com isso,
termos da luta, propondo-se alvos políticos, sendo demonstra que a juventude, os jovens, os es-
político e fazendo política, entrando, em última
análise, no jogo dos adultos, acatando um estilo de
tudantes e o movimento estudantil constituem
contestação adulta” (FORACCHI, 1972, p. 93). categorias sociológicas específicas que trazem as
contradições das relações sociais que os consti-

114
tuem. Com efeito, sua obra oferece a possibi- tretanto, como movimento social de massas,
lidade para diferenciarmos as situações juvenis ele se revela inconstante, registrando períodos
e reconhecermos a existência de múltiplas ju- de ascensão e de refluxos de mobilização, assim
ventudes por conta das condições de classe e como assume formas e conteúdos diferencia-
dos processos de socialização experimentados dos conforme a conjuntura política. Levando
pelos jovens. isso em consideração é possível compreender
No caso do seu estudo clássico, a categoria as mudanças pelas quais passou o movimento
singular foi o jovem estudante universitário. estudantil brasileiro e o movimento juvenil em
Por força das contradições de sua vinculação ao sua apreensão mais ampla.
modo de produção capitalista ele se constitui Retomar os temas estudados por Ma-
sujeito histórico por meio do movimento estu- rialice Foracchi, atualizando-os à luz das
dantil. Compreende-se esse movimento como contradições atuais da sociedade brasilei-
essencialmente político, que daria expressão a ra ou, ainda, valer-se de seu legado teórico
um radicalismo pequeno burguês devido à ori- para pensar as condições sociais de jovens e
gem de classe do estudante universitário. Deste suas formas de ação em outros contextos são
debate é mister reter que, por intermédio do exercícios igualmente desafiadores. Poderão
movimento estudantil, os jovens passaram a ser realizados por quem aceitar o desafio de
figurar como agentes na luta política nacional retomar essa vertente crítica no desenvolvi-
e incidir na definição da agenda do Estado. En- mento da Sociologia da Juventude no Brasil.

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116
Resumo

Marialice Foracchi e a formação da Sociologia da Juventude no Brasil

Neste ensaio se interpretam as principais contribuições teóricas legadas por Marialice Foracchi à Sociologia da Juven-
tude. Inicialmente aborda a origem desse campo disciplinar e os autores que a influenciaram. Segue apresentando o
conjunto de sua obra e debatendo sua perspectiva interpretativa. Aborda o processo social de transformação do jovem
em estudante, destacando os vínculos de manutenção e os estilos de dependência atribuídos à situação de classe. Reto-
ma sua análise do processo de transição da dependência à autonomia por meio da inserção no trabalho, da profissio-
nalização e dos projetos de carreira. Discute o movimento estudantil, por meio do qual os jovens se constituem como
sujeitos históricos, apontando os limites do radicalismo de pequeno burguês que o caracteriza. Conclui que a obra
dessa autora possibilita diferenciar as situações juvenis por conta das situações de classe e dos processos de socialização.

Palavras-Chave: Marialice Foracchi; Sociologia da Juventude; Situação de Classe; Profissionalização; Movimento


Estudantil.

Abstract

Marialice Foracchi and the formation of the Sociology of Youth in Brazil

This essay discusses the main theoretical contributions bequeathed by Marialice Foracchi to the Sociology of Youth.
It deals initially with the origins of such disciplinary field and the authors who influenced it. In continuation, it pro-
vides a presentation of Foracchi’s work and discusses her interpretative perspective. In so doing, the paper approaches
the process of social transformation of a young person into a student, highlighting the ties of maintenance and the
dependency styles attributed to its class situation, and resumes her analysis of the process of transition from the situ-
ation of dependence to that of autonomy through the youth’s insertion into the labor market, its professionalization
and career projects. Furthermore, the essay discusses the student movement, whereby the youths become historical
subjects, pointing to the limits of the petit bourgeois radicalism that characterizes it. In its conclusions, the essay
points out that Foracchi’s work offers the possibility of differentiating juvenile situations based on class situation and
socialization processes.

Keywords: Marialice Foracchi; Sociology of Youth; Class Situation; Professionalization; Student Movement.

Résumé

Marialice Foracchi et la formation de la sociologie de la jeunesse au Brésil

Cet article interprète les principales contributions théoriques léguées par Marialice Foracchi à la Sociologie de la
Jeunesse. L’auteur aborde initialement l’origine de ce domaine disciplinaire et les auteurs qui l’ont influencé. Il pré-
sente, ensuite, l’ensemble de son travail et débat sa perspective interprétative. Il aborde le processus de transformation
sociale du jeune en étudiant, en soulignant les liens de transition de dépendance attribués à la situation de classe. Il
reprend son analyse du processus de transition de la dépendance à l’autonomie par l’insertion, dans son travail, de la
formation professionnelle et de la carrière. Il analyse le mouvement étudiant, par lequel les jeunes se constituent en
sujets historiques, soulignant les limites du radicalisme petit-bourgeois qui le caractérise. Il conclut que le travail de
Marialice Foracchi offre la possibilité de différencier les situations juvéniles en raison des situations de classe et des
processus de socialisation.

Mots-clés: Marialice Foracchi; Sociologie de la jeunesse; situation de classe; formation professionnelle; mouvement
étudiant.

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