Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
PRODUÇÃO
E GESTÃO
DO ESPAÇO
ORGANIZADORAS
Maria de Lourdes Costa
Maria Lais Pereira da Silva
PRODUÇÃO
E GESTÃO
DO ESPAÇO
Livro comemorativo de10 anos
do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal Fluminense
PRODUÇÃO
E GESTÃO
DO ESPAÇO
organizadoras
1a Edição
Niterói, 2015
PPGAU/EAU/UFF
Rua Passo da Pátria 156, Bloco D, 5º andar, sala 541 Programa de Pós-graduação
em Arquitetura e Urbanismo
Campus Praia Vermelha, São Domingos
24210-240 Niterói Rio de Janeiro RJ
7
SUMÁRIO 4 CIDADE CONTEMPORÂNEA: IDEOLOGIA E MERCADO
Niterói e a enseada de São Lourenço como local estratégico: Significados e representações em favelas:
a aldeia, o porto e a ponte 35 o que é e o que não é próprio, o que é? 261
Marlice Nazareth Soares de Azevedo Maria Laís Pereira da Silva com João Paulo Oliveira Huguenin
Memória e patrimônio na cidade: o caso do Rio de Janeiro 55 6 PERCEPÇÃO, OCUPAÇÃO E EXPANSÃO DO AMBIENTE NATURAL
Nireu Oliveira Cavalcanti
E CONSTRUÍDO
O telefone sobre a mesa do século XVIII, ou como os arquitetos modernistas Notas sobre a dispersão urbana: o exemplo de Maricá, RJ 279
brasileiros pensaram a conservação dos centros históricos 77 Werther Holzer | Camila Quevedo dos Santos
José Simões de Belmont Pessôa
Niterói e a ponte: transformações urbanas e impactos produzidos:
O urbanismo moderno na cidade do Rio de Janeiro: uma avaliação à luz da percepção ambiental 295
dos princípios à oficialização 89 Lelia Mendes de Vasconcellos
Vera Lucia Ferreira Motta Rezende
O projeto e avaliações de conforto ambiental e eficiência energética do
projeto do prédio do centro de informações do CRESESB, Rio de Janeiro 313
3 CULTURA, MORFOLOGIAS E MEIO SOCIAL
Louise Land Bittencourt Lomardo
Do kitsch à metafísica: arquitetura, estética e imagética 109 com Ingrid Chagas L. da Fonseca | Carla Cristina da Rosa de Almeida | Estefânia Neiva Mello
Dinah Papi Guimaraens
A arquitetura de papel: os desenhos sedutores 127 7 PLANEJAMENTO E GESTÃO DO TERRITÓRIO: PERSPECTIVA URBANA E REGIONAL
Eduardo Mendes de Vasconcellos Globalização e metrópole.
A relação entre as escalas global e local: o Rio de Janeiro 337
(Buscando) os efeitos sociais da morfologia arquitetônica 143
Glauco Bienenstein
Vinicius M. Netto | Júlio Celso Vargas | Renato Saboya
O projeto de cidade para os megaeventos:
Espaços livres públicos: uma análise multi dimensional
atores, escalas de ação e conflitos no Rio de Janeiro 359
de apropriações e conflitos 165
Fernanda Ester Sánchez Garcia
Lucia Capanema Alvares
A cidade dos megaeventos como laboratório neoliberal 373
O passado tem futuro? Um estudo sobre a
Christopher Thomas Gaffney
persistência dos espaços públicos 183
Thereza Christina Couto Carvalho | Aline Lima Santos
Reflexos da exploração do petróleo no trritório fluminense.
Impactos, normativas e intervenções urbanísticas 393 Apresentação
Maria de Lourdes Costa | Aline Couto da Costa | Diana Bogado Corrêa da Silva
ARTIGOS
Este livro é comemorativo de 10 anos de existência do Programa de Pós-gra-
duação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense – PPGAU/
A construção da imagem urbana nos grandes eventos:
Potemkinismo, a mídia e a periferia 428 UFF – que cresceu e consolidou-se no período. Ele objetiva apresentar diversos
Anne-Marie Broudehoux | Canadá aspectos e temas da produção científica de seus docentes, reunindo tanto textos
inéditos quanto outros, recuperados, revistos ou ampliados, de modo a mostrar o
La universidad y sus acciones en el Municipio Cerro 441
perfil de seu corpo docente e áreas de atuação. Apresenta, ainda, a contribuição de
Ada Esther Portero Ricol | Cuba
pesquisadores externos que vêm colaborando com o Programa através de inter-
Repensar La Habana: câmbios com diversas universidades e outras instituições de diferentes países, que
En búsqueda de la sustentabilidad del desarrollo urbano 455
se dedicam ao estudo de campos e temas de grande interesse para o Programa.
Gina Rey | Cuba
A primeira publicação coletiva dos docentes do Programa tem início com a
Historic centers under pressure. apresentação de seu resumo, seguido pelo depoimento conjunto de três professo-
Lights and shadows from the italian experience 481 res, que participaram da estruturação e desenvolvimento do PPGAU, e que revelam
Giorgio Piccinato | Itália
a trajetória do Programa em sua primeira decenia. Segue-se um texto das organi-
Ciudades para todos. Por qué el género es importante 495 zadoras do livro, em que destacam o teor dos artigos produzidos, segundo seções
Inés Sánchez de Madariaga | Espanha que congregam teorias e práticas de atuação profissional, abrangendo a variedade
Do bom uso (político) da cidade em imagens 519 de experiências que compõem a vertente da produção e gestão do espaço em dife-
Laurent Vidal | França rentes escalas territoriais.
O documento foi dividido em duas partes: a primeira traz artigos dos profes-
Importância da história para as pesquisas sobre arquitetura e urbanismo 531
Nestor Goulart Reis | Brasil sores do Programa; a segunda é composta pelas contribuições de autores externos,
provenientes de diferentes continentes, condizente com a internacionalização em-
Espacios publicos lineales en las ciudades latinoamericanas 545
preendida pela Universidade, em que se destacam trabalhos voltados tanto para
Silvia Arango | Colômbia
as atividades de ensino e pesquisa, quanto de extensão. Esses autores colaboraram
Quando as aldeias vieram à cidade, quando as cidades foram até às aldeias. com o desenvolvimento do Programa ao proferirem conferências, organizarem
Da Exposição do Mundo Português ao “Inquérito”: 1940-1961 559 workshops ou participarem de projetos junto a Grupos de Pesquisa e Laboratórios
Tânia Beisl Ramos | Portugal
constituídos pelos corpos docente e discente do PPGAU.
Urban mobility and the death of the automobile era (EAU) 577
Walter Hook | Estados Unidos Na Parte 1, os artigos foram organizados em sete seções de acordo com suas afini-
dades em linhas de pesquisa, de temáticas, de áreas de atuação e de interesse, assim
constituídos:
Identificação dos autores 597
1 EXPERIÊNCIA DIDÁTICO-PEDAGÓGICA
A seção trata de educação e atuação profissional, com a apresentação de
atividade característica e fortalecimento de um dos pontos altos do Programa em
36 Niterói e a enseada de São Lourenço como local estratégico Marlice Nazareth Soares de Azevedo 37
suíta Antônio Lousada, nomeado procurador dos índios, por mais terras, pois eram çada pela expulsão dos jesuítas em 1759, pelo Marques de Pombal, a aldeia só foi
poucas para os que lá viviam e para os que descessem. A solicitação foi atendida e extinta em 1866.
quatro léguas da banda d’ Além, depois do rio Macacu, foi dada em 1578. Como se
constata, havia um interesse especial dos jesuítas pela expansão dessas terras, que
correspondia a maior número de índios para catequisar, contingente maior de mão As terras e o patrimônio territorial
de obra para cultivar e indiretamente, maiores possibilidades de comercializar as
terras através das concessões de posse aos colonizadores europeus. A testada de terras parece estender a sesmaria indígena do morro do Gra-
goatá até o porto de Maruí (Maraguhi). Uma demanda de terras que data de 1656
exigiu uma composição amigável entre os jesuítas e o procurador dos índios de um
A Igreja e a catequização Jesuíta lado, e seis ocupantes de terras pertencentes a Antônio Mariz de outro. Os domínios
indígenas iniciavam no termo da légua de testada medida a partir do marco das
O projeto de colonização foi bem sucedido nesses primeiros anos nos aldea- barreiras vermelhas. (FIGURA 1, desenho de Seixas).
mentos da capitania do Rio de Janeiro. O número de novos cristãos era expressivo Em 1866 este marco foi encontrado enterrado no Gragoatá pelo engenhei-
e chegava a três milhões de índios cristãos, segundo informações do padre José de ro José Maria de Almeida Portugal, encarregado de demarcar as terras do antigo
Anchieta e Fernão Cardim. Na Aldeia de Araribóia, em carta datada de 1570, o padre aldeamento. O patrimônio indígena foi objeto de venda, troca, arrendamento e in-
Gonçalo de Oliveira cita a existência de uma pequena capela em taipa, em honra a vasões intermediadas pelos procuradores jesuítas tornando necessário, na segunda
São Lourenço, que é substituída em 1586 por outra mais robusta, mas ainda modes- metade do século XVII, por solicitação das autoridades do Colégio, um levantamen-
ta, onde no dia do Santo Padroeiro, em 10 de agosto do ano seguinte, é representa- to das escrituras emitidas pelos cartórios de notas, confirmando o encolhimento
do pela primeira vez o “Auto de São Lourenço” do Padre Anchieta. O episódio revela desse patrimônio. Essa situação foi sistematicamente agravada, o que pode ser ve-
a importância que assume o projeto de catequização. Essa construção foi substitu- rificado pelo documento de 13 de janeiro de 1835 emitido pelo juiz de órfãos, na
ída por outra de pedra e cal em 1627, e reformada em 1769 com as características condição de juiz dos índios dirigido ao presidente da província: “As propriedades da
arquitetônicas dos jesuítas, conservadas até hoje. aldeia consistem em uma sesmaria de uma légua de testada e duas de sertão neste
A prioridade de catequização vai perdendo significado, pois no período da município (Niterói), na igreja de São Lourenço, e da casa onde reside o seu pároco,
construção da igreja o aldea- situados no morro de mesma denominação e dentro da sesmaria. Esta se acha
mento se torna de visita, condi-
ção que significa que a cada 15
dias os padres do colégio vão
administrar os sacramentos, e
a aldeia de São Lourenço está
excluída da categoria de aldeia
de Missão do Colégio do Rio de
Janeiro ( Abreu, 2010). Poucas
década depois, o governador
considera essa aldeia útil pela sua localização perto do Rio de Janeiro, mas peque-
na para poder contar com a ajuda deles. Se no século XVI a aldeia de São Louren-
ço aponta uma população de 800 almas, no século XVII a população diminui para
330 almas e no XVIII são pouco mais de 100 almas. Abreu (2010) aponta três causas
principais para a redução da população dos aldeamentos indígenas: a mortandade
causada pelas epidemias, fugas e vícios como o uso de aguardente, e, perda das
terras comercializadas pelos procuradores jesuítas. Apesar dessa decadência, refor- FIGURA 1 Desenho de Romeu de Seixas Mattos (desenhista da Prefeitura). Fonte: Acervo do Labo-
ratório de Pesquisa LDUB – Niterói
38 Niterói e a enseada de São Lourenço como local estratégico Marlice Nazareth Soares de Azevedo 39
quase que totalmente usurpada por diversos avarentos, abastados preponderan- terras passou para a União e a municipalidade recebeu as terras devolutas, e no final
tes, que, pelo influxo de suas riquezas, conseguiram apossar-se das terras e tecer a dessa mesma década também o foro. Esses arrendamentos eram denominados “foro
enredada teia com que procuram mascarar sua usurpação com o mais escandaloso dos índios”, ainda que não pertencessem mais aos antigos donos. A República (1899)
manifesto dano aos infelizes índios.” (Maia Forte, 1935). Essa perda foi se dando ao veio sedimentar a localização e o desenho do centro da cidade de autoria de Pallière
longo do tempo e as iniciativas de regularização não tiveram êxito. (1819). O esquecimento de São Lourenço como origem está representado na tendên-
Segundo documentos citados por Abreu, no início do século XVII, os descen- cia que se observa a partir do início do século XX, expressa na tese de Attilio Correia
dentes de Araribóia buscaram as áreas litorâneas e planas das terras do aldeamento e Lima (1930) “Avant-Projet d’aménagement et d’extensione de la ville de Niterói”, que
começaram a invadir a sesmaria vizinha de Icaraí, o que foi alvo de litígios com os her- aponta a chegada das barcas, no centro, como primeiro local de referência na cidade.
deiros dessa sesmaria (Abreu, 2010). Quanto às terras do sertão foram pouco aprovei-
tadas pelos índios e invadidas por outros proprietários, o que gerou muitos conflitos.
Esses fatos se acumulam e os índios vão perdendo terras e direitos paulatinamente. 2. A enseada e o porto
A população indígena vai se rarefazendo, e, em 1820, Milliet de Saint Adolphe
estimava a população em 200 índios que viviam da venda do peixe que pescavam A primeira ideia de se intervir na enseada do bairro de São Lourenço, área de
e dos poucos víveres que cultivavam, e alguns como remeiros dos escaleres d’el mangue da cidade, data de 1886, quando se cogitou pela primeira vez a construção
Rei. Algumas mulheres fabricavam uma louça de barro, muito estimada no Rio de de um porto. Essa localização era respaldada por argumentos higienistas: aterrar o
Janeiro. Dessa mesma época, segundo a descrição do príncipe Maximilien: desem- manguezal e remover casebres (“ferida cancerosa da cidade”). Essa imagem mostra
barca-se a pouca distância de São Lourenço e se coloca a subir morro de altitude a deterioração que atinge o núcleo da aldeia indígena.
medíocre por um caminho sombreado de espécies de plantas elegantes. O texto Na época, parte da enseada era um extenso mangue que margeava os fundos
desse pesquisador europeu descreve a vegetação, o índio, seu trabalho, sua casa e das casas da rua limítrofe ao morro (atual rua Marechal Deodoro). Segundo o poeta e
seu aspecto físico, e, principalmente, o impacto da paisagem tropical. jornalista Luiz Antônio Pimentel, o mangue era reforçado pela existência de uma pe-
Outras descrições reiteram o aspecto de abandono que vai tomando essa quena Lagoa (a dos Passarinhos), formada pela água recebida do Rio dos Passarinhos
aldeia, sendo que em 1831 é extinta a capitania mor das aldeias indígenas, e o Impé- e de duas fontes existentes na Chácara do Vintém e na Praça da República (FIGURA 2).
rio coloca os índios sob a tutela do juizado de órfãos. As terras vendidas ou cedidas Apesar desse mangue, a partir da Rua Visconde de Sepetiba, ter sido quase
mediante o pagamento de foros tinham pagamentos irregulares ou não efetivados. todo aterrado no período de 1903 a 1911, a enseada de São Lourenço resistiu por
Apesar do número cada vez mais restrito de índios, que chegaram a 46 na conta- muito tempo e só veio a desaparecer com a construção do Porto (FIGURA 3).
gem de 1835, esses acontecimentos mostravam que a renda não dava conta das Em 1911, a ideia do porto volta a ser discutida quando o então prefeito da
despesas. O último capitão mor dos índios, José Cardoso de Souza, e também juiz cidade, Feliciano Sodré, encaminha projeto à Câmara Municipal. Somente em 1924,
de Paz, era considerado descendente de Araribóia e também vivia do comércio de é lançada a pedra fundamental das obras projetadas, que incluíam um aterro com
cerâmicas, praticamente a única atividade econômica da aldeia. Com a sua morte o lodo retirado da enseada e, com o material resultante do desmonte parcial de
em 1837, encerrou-se o pouco prestígio que a aldeia ainda detinha por conta da res- morros da cidade. No entanto, o projeto só é concretamente levado adiante quando
peitabilidade que ele exercia. O seu prestígio era considerável, pois participou dos Feliciano Sodré assume o governo do estado do Rio de Janeiro e, preocupado com a
atos comemorativos da instalação da Vila Real de Praia Grande em 1819, cuja locali- salubridade e aparência da capital do estado, viabiliza a construção do porto, que é
zação veio suplantar a aldeia de São Lourenço. Anos depois (1854), a sua viúva rece- aberto em 1929. As questões higienistas somavam-se a razões econômicas: terrenos
beu a visita de D. Pedro II e a pensão de 240 mil réis anuais do Império.. O primeiro ganhos ao mar, dinamização da circulação de mercadorias com a conexão com a rede
cemitério da cidade foi autorizado nesta freguesia em terreno próximo a igreja, mas ferroviária, descongestionamento do Porto do Rio de Janeiro, entre outras. Nesse mo-
ainda naquele ano essa freguesia foi extinta, constituindo mais um passo para o fim mento, a Estrada de Ferro The Leopoldina Railway cumpre os compromissos assumidos
do aldeamento em 1866. em 1911 com o governo estadual e prolonga suas linhas da estação de Maruí (existente
Os moradores remanescentes receberam lotes que passaram a ser de sua pro- desde 1827) até o novo cais, onde é construída uma estação de passageiros, aberta ao
priedade desde que neles morassem, e para administrá-los foi criada a Inspetoria público em 1930.
de Terrenos do Extinto aldeamento dos índios, que sobreviveu até 1880. O foro das Para a construção do porto foi criada a “Comissão Construtora do Porto de
40 Niterói e a enseada de São Lourenço como local estratégico Marlice Nazareth Soares de Azevedo 41
situavam-se em meio a ruas circulares, predominou”1.
Do ponto de vista espacial, o aterrado proporcionado pela construção do
porto teve importante significado no traçado da cidade, como um novo espaço, ele-
mento de ligação interurbana. Do ponto de vista histórico, teve relevante interesse
por remontar à origem da cidade.
A aposta na construção do porto representava, além da promessa de unificar
o escoamento da produção agrícola e industrial do interior do Estado, a dinamização
da circulação de mercadorias. A taxação das mercadorias que passassem por Niterói
exigiria a instalação da alfândega, que possibilitaria, segundo argumentos políticos, a
geração de novos empregos, o desafogo do porto do Rio e a ligação com os trilhos da
Leopoldina Railway, capaz de chegar ao interior dos estados de Minas e Espírito Santo.
Na Enseada de São Lourenço, a nova estação ferroviária a 1,5 km da velha
estação de Maruí, estendia o ramal ferroviário até o porto e, dessa maneira, desviava
o fluxo de mercadorias que costumeiramente iam direto à Capital Federal.
A construção do porto teve como pressuposto a emancipação econômica do
FIGURA 2 Foto da Enseada de São Lourenço antes do aterro, no início da década de 1920. Série Cartão Estado e anunciou a possibilidade de se superar a “falta de identidade” que sofria o
Postal, Fonte: Acervo do Laboratório de Pesquisa LDUB – Niterói
município de Niterói, considerado “nada mais que uma zona rural do Rio de Janeiro”.
Foi uma tentativa de promover o estado fluminense e sua capital, Niterói.
O aterro da Enseada de São Lourenço ficou sob a responsabilidade do en-
genheiro Felipe dos Santos Reis, presidente da comissão construtora. A Praça Re-
nascença localizar-se-ia em frente à futura Estação Ferroviária e seria o tronco do
novo sistema viário. O novo espaço criado teria destinação institucional e industrial,
destacando-se, inicialmente, a construção de três edifícios: a Estação Ferroviária
Central, o Fomento Agrícola2, o Quartel da Polícia Militar e, posteriormente, o Mer-
cado de Niterói. No início de seu funcionamento, em 1927, o Porto de Niterói, com
mais de 30 mil metros quadrados de área, foi entregue à Companhia Brasileira de
Portos, passando em 1941 para o Estado, que o entregou, em 1960, ao Departamen-
to de Portos e Navegação do Rio de Janeiro. O movimento portuário de Niterói, no
entanto, esvaziou-se em quase 50% no período de 1964-1967, com a decadência
da economia cafeeira do Norte Fluminense. O setor têxtil, tradicional na economia
fluminense, também foi perdendo competitividade. Desde então, do ponto de vista
FIGURA 3 Perspectiva do arruamento projetado para o porto. Ilustração da Comissão Construtora do Porto, econômico, o porto se tornou um imenso fracasso.
Fonte: Livro da Comissão Construtora do Porto, 1927
Depois de 1964, com a expansão do sistema rodoviário, o Porto de Niterói
entrou em declínio, fato agravado também pelo assoreamento do canal e a proxi-
Niterói e Saneamento da Enseada de São Lourenço” e, entre as obras de natureza
midade do Porto do Rio de Janeiro. Em 1967, o canal que dá acesso ao porto ficou
portuária, estava previsto o aterro da enseada, a abertura de ruas e a conexão com
reduzido a uma profundidade de três metros e meio (dos 8 metros mínimos), contri-
a malha existente. O arruamento proposto seguia o traçado radial concêntrico, cujo
buindo para amedrontar os comandantes dos navios cujos porões vinham carrega-
ponto de confluência era a Praça da Renascença, tronco do novo sistema viário que
interligaria a recém-aberta Avenida Feliciano Sodré à Alameda São Boaventura, via-
1. MARY, 1988, p. 4.
bilizando a ligação do centro com o bairro do Fonseca. “Aqui, como na cidade do Rio
2. Atual prédio do Centro Cultural do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro – TCE-RJ. Em 1927, foi inaugurado
de Janeiro, a influência francesa que concebia desenhos de bairros, onde parques o primeiro trecho de cais com 120 metros e, em 1929, ficou pronto o cais de 562 metros e os dois armazéns.
42 Niterói e a enseada de São Lourenço como local estratégico Marlice Nazareth Soares de Azevedo 43
dos, e forçando-os a optar por atracar no Rio. ano, iniciaram-se as obras de restauração da antiga Estação Ferroviária, que seria
O porto, em crise, passou a movimentar apenas trigo, trazido da Argentina, transformada em centro cultural. 5
Estados Unidos e Canadá pela empresa Moinho Atlântico, única usuária do terminal, A movimentação de trigo, única atividade do porto, definhou nos últimos anos
e a receber também sardinhas congeladas para as indústrias da região. até ser paralisada por completo em 2005. A retomada da operação portuária foi firmada
em agosto daquele ano, quando a área foi arrendada às empresas Nitporte Nitshore.6
“Sua linha de cais foi reduzida de 1700 para 465 metros em virtude da
ponte Rio-Niterói (inaugurada em 1974), que suprimiu a parte destinada
Para o setor portuário, a revitalização do Porto de Niterói, com 23.000 m² de
à atracação de navios de cabotagem. Também foi atingida a linha férrea, área aberta e 3.300 m² de área coberta, é estratégica ao desenvolvimento da pro-
que transportava diretamente para a plataforma de embarque os produ- dução industrial local, em especial a relacionada à indústria de construção e reparo
tos oriundos do interior. Então, um porto que tinha capacidade de receber naval, em franco crescimento.
oito cargueiros de 10 mil toneladas, passou a receber apenas dois de 6 mil Por outro lado, o Aterrado São Lourenço, destinado inicialmente a uma ocu-
toneladas, pois a bacia de evolução recebeu tanto detrito vindo do canal
pação institucional e industrial, que nunca se consolidou, teve como principais en-
da Alameda São Boaventura, e de outras partes da baía, que reduziu os 24
pés de profundidade para apenas 20”3. traves ao seu desenvolvimento, de um lado, a própria situação fundiária, na qual a
maioria dos lotes é público, e de outro, a morfologia. Neste primeiro aspecto, obser-
Em 1981, a falência do porto foi reconhecida e, sob o domínio da Companhia va-se que prevalecem os lotes públicos estaduais, herança de quando a cidade era
Docas do Rio de Janeiro, foi arrendado à Enavi Engenharia Naval e Industrial Ltda uma capital do estado do Rio de Janeiro, que se encontram atualmente subutilizados.
área equivalente a 75% de todo o porto. O contrato de aluguel da área, que incluiu Sobre o segundo aspecto, observa-se que a própria conformação das quadras, de
também os dois únicos armazéns, terminou em dezembro de 1991 e não foi reno- grandes dimensões, favoreceu um parcelamento interno irregular, de lotes em for-
vado. A Companhia Docas, com interesses na privatização, entrou com mandato de mato trapezoidal e com extensas testadas, nos quais as edificações ora ocupam as
reintegração de posse. divisas, ora o centro do terreno, gerando uma difícil leitura.
O sindicato dos portuários era contrário à privatização, alegando que resul- Somada à questão das quadras, a desintegração viária entre as ruas em se-
taria em desemprego para a categoria. No meio do fogo cruzado, a prefeitura ma- micírculo do Aterrado e as ortogonais do entorno sinaliza a ruptura entre esses dois
nifestava sua intenção em discutir o uso adequado do porto, mas se opunha à ideia tecidos da cidade. Em alguns casos, nos locais de intercepção dos dois tecidos, for-
de transformá-lo em terminal pesqueiro. Em 1998, Docas e o sindicato concordam mam-se pontos de inflexão; em outros casos, ocorrem situações em que uma via
que o melhor destino para o porto é o mercado offshore. Para o presidente da Com- interrompe o prolongamento da outra, induzindo o seu fechamento pela falta de
panhia Docas “foi uma falha de modelagem querer dar o mesmo destino aos dois uso. A indefinição fundiária deu margem à ocupação irregular em área do projeto
portos (Rio e Niterói). Em vez de competir com o Rio, Niterói pode investir em uma que se consolidou como a favela do sabão.
atividade que para o porto carioca não é vantajosa”. Segundo ele: Mais recentemente, certamente influenciado pela nova dinâmica do porto,
observa-se o retrofit de edificações existentes e a construção de prédios residenciais
“O Porto de Niterói tem peculiaridades que favorecem as atividades de na avenida principal, retomando uma vocação identificada nos anos de 1950, em que
apoio à indústria naval, como por exemplo, o calado (profundidade), consi-
se observa antigos casarões dessa época na Av. Feliciano Sodré, reutilizados para ati-
derado pequeno para suportar grandes embarcações, mas ideal para abri-
vidades de serviço. O que se constata oito décadas depois é um aterrado com projeto
gar os equipamentos da indústria naval e de petróleo”4.
bem definido se constituir ainda como área periférica ao centro da cidade.
Nesse sentido, em 2001, estava prevista a abertura de licitação para a entrega
do terminal à iniciativa privada através de concessão. No entanto, impasses políticos
adiaram os planos e enquanto não se aprovava nenhum projeto de revitalização, a
prefeitura e a Companhia Docas promoveram eventos na área, incluídos no calen-
dário oficial da cidade.
Além da ideia de ocupação dos armazéns com variadas atividades, no mesmo
3. Jornal O Fluminense, novembro de 1977. 5. Hoje a obra encontra-se parada sem definição sobre seu término.
4. O Fluminense, 16 e 17 agosto de 1998 6. O arrendando tem prazo de 10 anos, podendo ser estendido por igual período.
44 Niterói e a enseada de São Lourenço como local estratégico Marlice Nazareth Soares de Azevedo 45
3. Ponte: Utopias, debates, propostas e realização da de 2700 m de comprimento entre as pontas de Calabouço e de Gragoatá. Em 1932,
Mello Marques propôs o mesmo traçado de P. W. Barlow, mas defendendo a cons-
ligação Rio – Niterói
trução de uma ponte como sendo a melhor opção. Mas, o túnel era mais bem visto
naquele momento, pois tinha o apoio das Forças Armadas por questões de ordem
A ligação das cidades do Rio de Janeiro e Niterói é um tema que remonta o
estratégica e de segurança nacional.
século XIX e dois pontos estiveram sempre presentes nos debates, como e onde:
Um projeto datado de 1937, de Leon D’Escoffier, destaca a ponte em concre-
ponte ou túnel e a possível localização dos acessos. A primeira questão permeou
to e composta por seis pavimentos, com 102 elevadores. A obra previa uma mini
as discussões até a decisão final pela ponte e a sua localização foi concretizada em
cidade: dois teatros dividindo o espaço com lojas e apartamentos e vias de tráfego
1974, Ponta do Caju e Ilha da Conceição/Enseada São Lourenço, preterindo a menor
com níveis diferenciados segundo o tipo de transporte. (PITTA, Luciano, 1998).
distância – Ponta do Calabouço e Gragoatá.
O tema voltou à tona em 1943, quando o engenheiro e deputado Duarte de
Entre a primeira iniciativa e a efetivação da ligação foram 100 anos de tentati-
Oliveira, embasado num estudo de vinte anos, levantou novamente a bandeira da
vas e propostas das mais diversas naturezas. Sabe-se que em 1875, o Imperador deu
ponte e mais uma vez as autoridades e as Forças Armadas a rejeitaram.
ao engenheiro inglês Hamilton Linsday Bucknall7 a concessão, através do decreto
Nove anos se passaram, quando em dezembro de 1952 a lei 1793 permitiu
Nº. 6138, para a construção de um túnel ferroviário submarino transpondo a Baía
a abertura de concorrência pública internacional para a construção do túnel que
de Guanabara. O projeto, de autoria do também engenheiro inglês P. W. Barlow,
transporia a Baía de Guanabara (VERRY, C., 1974). Études et Enterprises, empresa fran-
teria entre cinco e seis metros de diâmetro e cinco quilômetros e meio de extensão.
cesa, venceu a concorrência, adotando o traçado sugerido pelo governo do Rio de
O trajeto escolhido ligaria o Calabouço, no Rio de Janeiro, ao Gragoatá, em Niterói
Janeiro: Praça Mauá – Avenida Feliciano Sodré, com um túnel de 6.105 m de exten-
(DNER, 1984).
são. Um ano mais tarde, o Ministério de Obras Públicas assinou contrato com a em-
O tema era objeto de inspiração para os caricaturistas dos periódicos da Ca-
presa francesa para a execução da obra. A ligação entre o Rio de Janeiro e Niterói já
pital do Império. Ângelo Agostini, por exemplo, publicou em dezembro de 1871, na
parecia consumada sob a forma de túnel quando problemas de âmbito econômico
Vida Fluminense, uma caricatura em que era possível vislumbrar a ligação física entre
e de praticabilidade inviabilizaram o processo.
as duas cidades. Essa visão do artista era compartilhada pela sociedade, que consi-
Com a ruptura do contrato com a Études et Enterprises, a credibilidade da li-
derava uma verdadeira utopia tal projeto. A ponte metálica elevada dava passagem
gação entre as duas principais cidades da Baía de Guanabara parecia encontrar-se
a um trem, que de tão moderno, reciclava a sua própria fumaça (COTRIN, A., 1974).
abalada. Em 1959, nova concorrência internacional foi aberta através do decreto Nº.
Constata-se que efetivamente não houve nenhum outro projeto levado a discus-
47168. Havia a expectativa de dezenas de inscrições de firmas e consórcios, mas
sões durante o Império.
apenas uma concorreu: a Sailav. A empresa argentina era estranha à engenharia e à
indústria nacional e por isso a comissão julgadora pediu a anulação da concorrência
Debates e iniciativas no século XX e a consideração da construção de uma ponte.
As discussões intensificaram-se a partir de meados de 1962. A divisão de edifícios
Tem-se conhecimento através de Charles Dunlop, em sua publicação, “Meios públicos do D.A.S.P. promoveu um ciclo de conferências sob a tutela do engenheiro Al-
de Transportes do Rio Antigo”, que houve projetos datados de junho de 1903 e outro berto Lélio Moreira. A “Revista do Serviço Público” trouxe, de outubro de 1962 a março de
de 1920, prevendo o trânsito de veículos e de pedestre entre as duas cidades. 1963, reportagens mensais acerca dos debates realizados na cidade do Rio de Janeiro.
Mas, a partir de 1930, com o avanço tecnológico e experiências já concretiza- Ainda em março de 1963, o governo federal, através do Ministério de Viação
das em outros países, o tema toma uma dimensão mais concreta e consequente. A de Obras Públicas, criou um Grupo de Trabalho presidido pelo seu chefe de Trans-
tese do arquiteto Attilio Correa Lima, defendida em 1930 no IUP de Paris aborda a portes, o engenheiro Luis Augusto da Silva Vieira. Após dez meses, baseados em
ligação Rio-Niterói debatendo o dilema, túnel ou ponte? No caso de ponte recorre pareceres de ordem técnica e econômica, o grupo decide essa questão centenária:
a estudos do engenheiro Alpheu Diniz que propõe uma ponte suspensa metálica “O grupo de trabalho, após cuidadosos estudos de diversas soluções para a
travessia Rio-Niterói, optou pela ligação por meio de uma ponte entre a ponta do
7. Objetivando a obtenção de recursos, Linsday fez várias viagens à Inglaterra. Publicou, em 1878, o livro “A Search
for Fortune”, no qual concluía seus estudos de viabilidade do projeto e suas alternativas. Os seus esforços de nada
Caju e a ilha da Conceição – Feliciano Sodré”. (DNER, 1984).
adiantaram e o projeto, sem financiamento, não saiu do papel. Quinhentas mil libras, valor estimado da obra, era um
montante considerável em 1875.
46 Niterói e a enseada de São Lourenço como local estratégico Marlice Nazareth Soares de Azevedo 47
A ponte se impunha como a melhor solução em razão do menor custo de financiamento se deu pelo convênio DNER – FINEP, tendo o BNDES como agente
construção, operação e manutenção; maior facilidade de construção; maior vazão financeiro e de repasse de recursos oriundos da USAID.
de tráfego em condições equivalentes; circulação livre a todos os tipos de carga, O relatório, concluído em meados do ano seguinte, traz em seu texto a ponte
constituindo a primeira vez na história que a solução através de ponte é cogitada como melhor solução técnica e econômica e sua construção amplamente justificá-
por um órgão oficial. vel. O trajeto Ponta do Caju – Ilha da Conceição foi considerado o mais conveniente.
No ano seguinte, o engenheiro Luiz Vieira é incumbido pelo ministro Juarez A forma de obtenção de financiamento, através de agências internacionais para o
Távora de estudar a questão e sugerir medidas a serem tomadas. Em dezembro de desenvolvimento também são apontadas, bem como sua amortização num prazo
1964, na sequência das investigações, o engenheiro relata sete possíveis traçados de 10 anos possibilitado pela cobrança de pedágio. A estimativa do tempo de cons-
através da Baía de Guanabara aos Estados Maiores da Armada e da Aeronáutica, das trução (e de carência) era de três anos.
quais apenas duas mereceram considerações. (Relatório do GT). A captação de recursos começou antes mesmo da entrega oficial dos estu-
A seguir, o Ministério de Viação e de Obras Públicas solicita estudos detalhados dos, baseada na estimativa inicial do custo total do empreendimento. O conjunto
e um novo Grupo de Trabalho, tendo à frente novamente o engenheiro Luiz Augusto de bancos ingleses, liderados pela Casa Rothschild, que viria a financiar parte da
da Silva Vieira, nomeado pela portaria nº 51, de 5 de fevereiro de 1965. Em 21 de julho obra, passou a figurar entre os possíveis financiadores. Outro Grupo de Trabalho,
de 1965, o engenheiro Sérgio Marques de Souza envia, como colaborador, um rela- com membros do Ministério dos Transportes, da Fazenda e do Branco Central, foi
tório ao presidente do Grupo de Trabalho, em que propõe uma nova abordagem de constituído através do Decreto nº. 62.303 de 22 de fevereiro de 1968, para pesquisar
projeto e outra solução. Baseado em dados estatísticos de fluxo de pedestres e de ve- as fontes para o financiamento da obra, baseado na estimativa inicial, que girava em
ículos da época propõe a ligação em dois eixos de travessia e duas soluções técnicas. torno de 141 bilhões de cruzeiros, moeda da época.
Uma ponte dando prosseguimento ao Plano Rodoviário Nacional, através da Com o relatório do Grupo de Trabalho responsável pela pesquisa das fontes
BR 101 e atendendo principalmente ao fluxo de caminhões de carga e de ônibus de recursos e o apoio das entidades envolvidas, os ministros do Transporte, do Pla-
intermunicipais e interestaduais, e um túnel submarino objetivando o atendimento nejamento e da Fazenda apresentam exposição de motivos ao então presidente da
da demanda do tráfego urbano. O GT concluiu que realizar duas obras seria inviável República Arthur da Costa e Silva, sugerindo “a inclusão do projeto de construção da
e que o traçado Caju-Ilha da Conceição seria mais conveniente por interferir menos ponte Rio-Niterói no programa governamental”.
no trânsito, e possivelmente mais aceito pela população, ainda respondia aos inte- A seguir, uma mensagem do presidente foi enviada ao Congresso solicitando a
resses das Forças Armadas e oferecia melhores condições de exequibilidade devido aprovação do projeto de lei autorizando a construção da ponte. Em 17 de outubro de
à tranquilidade das águas da baía naquele trecho. 8 1968, a Lei nº 5.512 foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente.
Seguindo recomendações do GT, o governo federal constituiu através
do decreto nº. 57.555/65, a Comissão Executiva da Ponte Rio-Niterói, com re-
presentantes do Ministério da Viação e Obras Públicas, do DNER, do Ministério Os contratempos da construção
do Planejamento, dos governos dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro.
A execução da obra da ponte sofreu diversos obstáculos, especialmente de
natureza técnica e jurídica, mas foi objeto de uma ação firme e autoritária do governo
O Estudo de Viabilidade federal, uma vez que correspondeu a um dos períodos mais duros da ditadura militar.
Em 1968, foi realizada a licitação para a construção da estrutura de concreto
O estudo de viabilidade foi promovido após a seleção internacional do con- armado. Foi vencida por um consórcio de empresas brasileiras, encabeçado pela
sórcio consultor. Duas firmas nacionais e duas firmas americanas foram escolhidas Companhia Construtora Brasileira de Estradas. Em segundo lugar foi escolhido outro
para a formação do consórcio. Howard Needles, Tammen&Bergendoff Inc., Wilbur consórcio nacional, liderado pela Construtora Camargo Correa, muito próxima das
Smith and Associetes Inc., Escritório de Engenharia Antônio Alves Noronha Ltda. e autoridades de Brasília. O prazo proposto era de 850 dias, inferior ao máximo previs-
Eletroprojetos – Consultores Técnicos. O contrato data de 17 de julho de 1967 e o to, satisfazendo uma das condições de viabilidade financeira da obra – era inferior
aos três anos correspondente a duração do empréstimo.
8. “(...) imprescindível sob muitos aspectos, inclusive militar, ligação esta prevista no Plano Nacional de Viação já apro-
vado pelo Senado e em tramitação na Câmara Federal e que tomará designação de BR-101”.(VON RANKE, Félix Ernest
– 1963).
48 Niterói e a enseada de São Lourenço como local estratégico Marlice Nazareth Soares de Azevedo 49
No ano seguinte, foi lançada a licitação para a seleção de empresas inglesas
que deferiam realizar a superestrutura metálica das partes centrais, de acordo com
as condições do empréstimo. O controle técnico da obra foi confiado às empresas
que realizaram o projeto, empresas brasileiras especializadas e a uma comissão de
consultores para questões relacionadas à mecânica dos solos e fundações.
Os primeiros obstáculos surgem: atraso na liberação dos equipamentos im-
portados, defeitos técnicos exigindo o reforço de elementos estruturais e a substi-
tuição de outros elementos. Em consequência, a empresa responsável pelas obras
obtém uma prorrogação para 1070 dias e é autorizada a modificar a pressão ad-
missível para cada pilar, o que deveria ser confirmado pela realização de provas de
carga. No primeiro teste, um acidente mata mais de uma dezena de pessoas, enge-
nheiros e operários, o que cria um clima de desconfiança em relação aos aspectos
técnicos da obra. Aos problemas técnicos somam-se o descumprimento dos prazos
de execução dos trabalhos. O DNER tenta resolver a situação transferindo parte dos
trabalhos para outras empresas especializadas. O consórcio recusa essa solução e o
contrato é rompido unilateralmente, em dezembro de 1970. As obras são confiadas FIGURA 4 Situação atual da área da enseada. Fonte: Laboratório LDUB. Imagem elaborada por Gabriel Costa
com os dados levantados, com uso do Google, agosto de 2013
ao consórcio que ficou em segundo lugar, sem novo processo licitatório.9
A empresa desapropriada tornou-se uma empresa pública, ligada ao DNER século XX. Algumas hipóteses podem ser consideradas para essa aparente coinci-
e denominada “Empresa de Construção e Exploração da Ponte Presidente Costa e dência, a principal é a expulsão dos jesuítas do Brasil no final do século XVIII, ou
Silva” (ECEX), com o objetivo de realização e exploração da obra graças à cobrança ainda o abandono dos colonizadores portugueses do modelo de ocupação em áreas
de pedágio. elevadas. O que se observa é uma descida dos morros em favor das áreas planas no
O decreto presidencial de desapropriação (decreto n° 68 110 de 26/01/1971) século XIX, e podemos exemplificar com o papel relevante que a Praça XV tomou no
permitiu a continuidade das obras e previu seu final para o segundo semestre de Rio de Janeiro e da Praça. Araribóia em Niterói. A chegada da corte do Rei D. João VI
1973, mas as obras se estenderam até o início do ano de 1974, e a ponte foi inaugu- trouxe possivelmente outro modelo urbano que iria alimentar o traçado das cidades
rada em 4 de março deste mesmo ano. (FIGURA 4). no século XIX. A organização de alguns núcleos urbanos valorizaram localizações de
mais fácil acesso vinculadas diretamente a trocas comerciais mais sofisticadas, uma
vez que a economia local passava de uma categoria extrativista, como a exploração
Considerações finais
da madeira, para outro tipo de comércio baseado na produção agrícola.
Por outro lado, os gentios vão perdendo suas terras e se interiorizando. No caso
O texto foi desenvolvido no sentido de analisar o papel da enseada e do
exemplar de Niterói, as terras ganhas para constituir a aldeia, vão sendo transferidas ou
morro de São Lourenço, origem da cidade, lembrados especialmente pela sua re-
invadidas pelos europeus, especialmente as áreas litorâneas e planas, restando o morro
lação legendária com Niterói. A reflexão sobre o legado da aldeia indígena para a
de origem, de acesso mais difícil, para os moradores remanescentes. A área indígena
sua formação e a posterior reiteração da enseada de São Lourenço como porta de
neste final do século XIX estava distanciada do novo centro projetado para abrigar a Vila
entrada de Niterói, está ainda em curso.
Real da Praia Grande, que se firmou como centro da cidade e, com o passar do tempo
No que concerne ao morro de São Lourenço pode-se fazer um paralelo com
esse centro se confundiu com a própria cidade – ir a Niterói era sinônimo de ir ao centro.
o morro do Castelo no Rio também deixado abandonado e arrasado no início do
Quando a enseada foi escolhida para dar lugar ao aterrado do porto, a margem
9. O presidente Médici, conta o diálogo sobre o episódio: “Foi uma decisão pessoal, a obra demorava. As empresas já estava ocupada por casebres insalubres, como bem descreve o documento da Co-
construtoras estavam em situação insolvável. Chamei o Andreazza e disse: nós vamos retomar a obra, constituir uma
missão do Porto. Esse porto constituía uma promessa de reforma renovadora e revi-
empresa e terminá-la. Ele perguntou: Temos recursos? Eu respondi: eu posso. Eu tenho o decreto AI-5 na mão e com
ele posso fazer tudo. Se eu não posso, ninguém pode. Se nós não nos encarregássemos das obras da ponte, a questão talizadora da economia fluminense com seu traçado contemporâneo de forma radial
da insolvabilidade das antigas empresas teriam ido para os tribunais (...). O processo estaria ainda em curso, e a ponte
não existiria’’. (Veja, 16/05/1984).
concêntrica. O projeto inovador foi pouco ocupado restringindo-se a preencher a
50 Niterói e a enseada de São Lourenço como local estratégico Marlice Nazareth Soares de Azevedo 51
avenida reta e diametral de ligação, a Avenida Feliciano Sodré, e a sua perpendicu- LIMA, Attilio Correa. Avant Projet d’Ámenagementet d’ Extension – Niterói au Brésil, IUUP, Paris,
lar Avenida Jansen de Melo, que constituíam os raios principais do desenho. Nessa 1932.
avenida principal em direção ao centro pode-se até hoje encontrar vestígios de ca- COSTA, Milena. Possibilidades e perspectivas de um espaço em transição: a área portuária de
sarões ecléticos, de elevado padrão construtivo, hoje ocupados por prestadores de Niterói e os vazios urbanos: Dissertação de mestrado. Niterói, 2010.
serviços variados. Esse projeto tinha como objetivo a criação de um setor dinâmico COTRIM, Álvaro. “Realização de um sonho centenário”, Jornal do Brasil, 3 de março de 1974,
de serviços, uma vez que o centro e os bairros como Icaraí e Fonseca já se distinguiam Caderno B.
por abrigar a classe média emergente. Constituindo uma área predominantemente DIRIGENTE CONSTRUTOR. “Os problemas da ligação Rio-Niterói vistos da ponte”. Volume XI –
pública não teve um plano urbanisticamente adequado para sua ocupação, e com a Nº 3, São Paulo, março de 1974.
perda do papel de capital da cidade as áreas tornaram-se mais ociosas. DNER – Departamento Nacional de Estradas e Rodagens. “Ponte Presidente Costa e Silva”.
Em 1974 chega à ponte superpondo-se com seus acessos em trevos e viadu- DNER, 1984.
tos, como centopeias viárias seccionam o antigo traçado radial, tornando o aterra- ENGENHARIA. “Rio-Niterói: Concluída a grande travessia”. Revista do Instituto de Engenharia,
do um local de passagem a grande velocidade e intensificando o papel da avenida nº 366, São Paulo, dezembro de 1973.
principal como corredor de ônibus, predominantemente intermunicipais, reiteran- FORTE, José Mattoso Maia,. Notas para a História de Niteroy, 1835 – 1935, Officinas Graphicas
do a pouca vocação da área para os planejados serviços públicos, e usos comercial do Diario Official, Niterói, 1935.
ou industrial. Mas, recentemente, parece que um novo papel lhe foi atribuído e o MARY, Cristina Pessanha. Porto de Niterói: uma promessa de autonomia: Tese de doutorado.
aterrado do porto começa a ser reutilizado como residencial para classe média (três Rio de Janeiro, UFRJ, 1988.
lançamentos imobiliários) e porto offshore de apoio à indústria da construção naval, MOREIRA, Alberto Lélio. “Considerações sobre a ligação Rio-Niterói”. Ciclo de Conferências
reabilitada para construir as plataformas petrolíferas, cuja utilização está se expan- promovido pela Divisão de Edifícios Públicos do D.A.S.P (Departamento Nacional de
dindo com a exploração do petróleo na costa norte fluminense. Esse movimento Imprensa), Rio de Janeiro, 1963.
recente não foi ainda capaz de resgatar a antiga enseada de São Lourenço de seu NEUWIED, Maximilien, Voyage au Brésil,dans les années 1815,1816,1817. Traduit de l’allemand
estatuto de periferia da área central, e certamente a sua valorização pode se dar par J.B. B. Eyriès, Tome Premier, Arthur Bertrand Libraire, Paris, 1821.
com amplos e substanciais estímulos públicos e investimentos privados. NITERÓI 400 ANOS. Revista Álbum. Rossijór Propaganda Ltda., Rio de Janeiro, 1973.
PREFEITURA MUNICIPAL DE NITERÓI. Programa Viva-Centro. Niterói, 2007.
52 Niterói e a enseada de São Lourenço como local estratégico Marlice Nazareth Soares de Azevedo 53
Rio-Niterói: Do projeto de túnel à realidade da ponte. Revista do clube de Engenharia. Rio de
Janeiro. fevereiro de 1981, Edição especial. Memória e patrimônio na cidade:
o caso do Rio de Janeiro
SOUZA, Sérgio Marques de. “A ligação Rodoviária Rio – Niterói: uma solução racional, técnica e
econômica”. Revista do Clube de Engenharia, nº 374, julho/setembro, Rio de janeiro,
1965.
VERRY, Carlos. “Ponte Presidente Costa Silva: Extraordinário êxito da engenharia nacional”.
Revista do Clube de Engenharia, nº 392, janeiro/fevereiro, Rio de Janeiro, 1974.
Nireu Oliveira Cavalcanti
WEHRS, Carlos, Niterói, Cidade Sorriso, história de um lugar. Editora Vida Doméstica, Rio de
Janeiro, 1984.
Resumo | Iniciando com a imagem simbólica do bíblico Jardim do Éden, no qual a har-
monia entre o homem e a natureza era perfeita, buscamos verificar os momentos e ações
ocorridas na história da cidade do Rio de Janeiro que a fez afastar-se ou aproximar-se do
sonho de seu quadro paradisíaco. Vista sob perspectiva histórica, a cidade muito se trans-
formou em função de ações governamentais e da sociedade, desde sua fundação em 1565,
passando pelo período colonial, governos monárquico, imperial e republicano. De cons-
trução complexa, guarda importantes elementos da memória coletiva sob as mais diversas
representações. Teve seu belo patrimônio natural explorado por colonizadores europeus
que, entre conquistas de território aos índios e batalhas para a implantação da cidade por-
tuguesa assumiu configurações diferenciadas no meio construído e em sua relação com a
natureza, resultando na atual realidade de seus espaços públicos e privados. Este trajeto
a afasta daquela utopia em relação aos meios urbano e ambiental, ao passar por transfor-
mações fruto de uma sociedade de origem escravista, com privilegiamento de pequena
elite titulada, uma sociedade historicamente desigual, que foi composta por três principais
segmentos formadores – índios, negros e brancos de diferentes procedências. No decorrer
do século XIX, teve incentivada a imigração proveniente de outros países europeus, além
da de Portugal e países africanos, com o objetivo de se chegar ao “branqueamento” da
população e à substituição da mão de obra escrava e dos forros. Dos elementos que in-
fluenciaram transformações e morfologia da urbe, destacam-se as permanentes políticas
públicas excludentes, a desigual distribuição de renda e, em decorrência, uma população de
extrema pobreza, que se alojou precariamente em cortiços e favelas, ocupando as encostas
dos morros, margens de rios e lagoas, manguezais e áreas insalubres. Mesmo sob muitos
governos responsáveis por planos de ordenamento e contando com incalculáveis recursos
humanos, financeiros e técnicos, públicos e privados nela aplicados, o resultado não condiz
com o montante de investimentos, ações e obras realizadas. Hoje, o Rio de Janeiro tornou-
-se contraditório, com ilhas ambientalmente agradáveis ao viver humano, mas com espaços
fragmentados, desiguais, violentos e sumamente desconfortáveis. E é neste caleidoscópio
que se insere a questão do patrimônio histórico, artístico, arquitetônico, urbanístico, cultu-
ral, material e imaterial
54 Niterói e a enseada de São Lourenço como local estratégico Nireu Oliveira Cavalcanti 55
Abstract | Our text begins with the symbolic biblical image Garden of Eden, where har- cios públicos y privados. Este trayecto le aleja de la utopía en relación a los medios urbano
mony between man and Nature was perfect; in order to observe in which historical mo- y ambiental, al pasar por transformaciones fruto de una sociedad de origen esclavista, con
ments and actions the city of Rio de Janeiro came nearer or more distant from a dream of a privilegios de una pequeña elite titulada, una sociedad históricamente desigual, que estaba
heavenly harmony. The city is visualized, in this paper, through an historical approach, it’s compuesta por tres principales segmentos formadores – indios, negros y blancos de dife-
changes due to actions of government and society ever since it’s foundation in 1565, and rentes procedencias. Durante el siglo XIX, se incentivó la inmigración proveniente de otros
running through the colonial period, the years of monarchy, and the imperial and republi- países europeos, además de la de Portugal y países africanos, con el objetivo de conseguir
can periods. Its complexity involves important elements of collective memory integrated by un “blanqueamiento” de la población y de la substitución de la mano de obra esclava. De
a diversity of representations. los elementos que influenciaron las transformaciones y la morfología de la urbe, destacan
Rio de Janeiro had it’s beautiful natural patrimony explored by European colonists and the las permanentes políticas públicas excluyentes, la desigualdad en la distribución de renta
conquests of native territories and battles for the establishment of a Portuguese city result- y, como resultado, una población de extrema pobreza, que se alojó precariamente en “cor-
ed in different configurations of the built and natural environment, which explains today’s tiços” y “favelas”, ocupando las laderas de los montes, márgenes de ríos y lagos, manglares
reality of its public and private spaces. However, the historical course led the city farther e áreas insalubres. Incluso bajo muchos gobiernos responsables por planes de ordenación
away from the Garden of Eden utopia, the city evolution was the product of a slave-oriented y contando con incalculables recursos humanos, financieros y técnicos, públicos y privados
society that privileged the titled few, a historical unequal society, unjust, and structured by aplicados en ella, el resultado no coincide con el montante de las inversiones, acciones y
three main social groups: natives, black and white men from different origins. During the XIX obras realizadas. Hoy día, Rio de Janeiro se volvió contradictorio, con islas ambientalmente
the century, migration from other European countries was encouraged with the objective of agradables para la vida humana, pero con espacios fragmentados, desiguales, violentos y
“whitening” the population and in order to substitute the slave labor. sumamente incómodos. Y es en este caleidoscopio que se inserta la cuestión del patrimonio
histórico, artístico, arquitectónico, urbanístico, cultural, material e inmaterial.
Among the important factors that influenced the urban transformations, including changes
in the city’s morphology, were the permanent public policies of social exclusion and an
extremely unequal distribution of wealth. This resulted in a population of extreme poverty
that lodged precariously in favelas and low rent tenements occupying the hillsides, rivers
and lagoons banks, mangroves and unhealthy areas in general. Even under some Govern-
Começo este texto com citação de trecho da Bíblia, livro fonte de sabedoria e
ments responsible for urban plans and counting with a great amount of human, financial
sagrado para os colonizadores portugueses.
and technical, public and private resources applied in the city, the results obtained did not
match the amount of investments and actions made. So nowadays, the city of Rio de Janeiro 1o Dia – No princípio Deus criou os céus e a terra, porém estava informe
presents contradictory aspects, with pleasurable “islands” to live insided by fragmentary, vi- e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as
águas.
olent and extremely uncomfortable areas. It is in this kind of “kaleidoscope” that is inserted
Deus disse: “Faça-se a luz!” E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa, e
the theme of our historical, artistic, architectural and cultural patrimony. separou a luz das trevas.
Resumen | Iniciando con la imagen simbólica del bíblico Jardín del Edén, en el cual la har- 6o Dia – Deus disse: “Produza a terra seres vivos segundo a sua espécie:
monía entre el hombre y la naturaleza era perfecta, buscamos verificar los momentos y ac- animais domésticos, répteis e animais selvagens, segundo a sua espécie.”
E assim se fez. Então Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem e
ciones ocurridas en la historia de la ciudad de Rio de Janeiro que la hace alejarse o aproxi-
semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre os pássaros dos
marse del sueño de su cuadro paradisíaco. Vista bajo la perspectiva histórica, la ciudad se céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os
transformo mucho en función de acciones gubernamentales y de la sociedad, desde su répteis que se arrastam sobre a terra!”
fundación en 1565, pasando por un período colonial, gobierno monárquico, imperial y re-
publicano. De construcción compleja, guarda importantes elementos de la memoria colec- O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden para que ele
tiva bajo las más diversas representaciones. Su bello patrimonio natural fue explorado por o cultivasse e o guardasse. Deu-lhe este preceito: “Podeis comer do fruto de todas
colonizadores europeos que, entre conquistas de territorio a los indios y batallas para la as árvores do jardim; mas não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do
implantación de la ciudad portuguesa asumió configuraciones diferenciadas en el medio mal; porque no dia em que dele comeres, morrerás indubitavelmente.” (grifo meu)
construido y en su relación con la naturaleza, resultando en la realidad actual de sus espa- Para que o homem pudesse multiplicar-se, Deus criou a mulher, à sua semelhan-
Referências bibliográficas CURY, Isabelle (Org.). Cartas patrimoniais. 2 ed. rev. aum. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000.
DIAS, Ondemar. O índio no recôncavo da Guanabara. In: Revista do Instituto Histórico e
ABREU, Maurício de Almeida. (Org.). Rio de Janeiro: formas, movimentos, representações: estudo Geográfico Brasileiro, a.159, n. 399, separata, 1998.
de geografia histórica carioca. Rio de Janeiro: Da Fonseca Comunicações, 2005. ECO, Umberto. (Org.). História da Beleza. Tradução: AGUIAR, Eliana. Rio de Janeiro – São
AGACHE, Alfred. Extensão, remodelação, embelezamento da cidade do Rio de Janeiro. Tradução: Paulo: Record, 2004.
SOUZA, Francesca de. Paris: Foywer Brésilien – Prefeitura do Distrito Federal, 1930. KÜHL, Beatriz Mugayar. Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo: reflexões sobre
ANDREATTA, Verena. Cidades quadradas, paraísos circulares: os planos urbanísticos do Rio de a sua preservação. São Paulo: Ateliê Editorial: Fapesp: Secretaria da Cultura, 1998.
76 Memória e patrimônio na cidade: o caso do Rio de Janeiro José Simões de Belmont Pessôa 77
Resumen | La preservación del patrimonio histórico y artístico en Brasil tuvo la singulari- A preservação na visão do grupo de arquitetos modernos brasileiros não de-
dad de tener como protagonistas de su nacimiento la vanguardia del movimiento moderno veria ser um empecilho ao desenvolvimento do país e à produção da nova arquite-
en el país. Esta dualidad señaló particularmente las estrategias de conservación de edificios tura. A conservação dos testemunhos do passado colonial servia para forjar a identi-
y centros históricos brasileño, así como influenció en una parte sustancial de la producción dade da nação, que se completava com a imagem de presente, ou melhor dizendo,
arquitectónica de vanguardia, responsable de un carácter regional del movimiento moder- de futuro que para eles a arquitetura moderna anunciava ao País. As primeiras dé-
no en Brasil. Analizar cómo los arquitectos modernos dentro del Patrimônio Histórico e Ar- cadas do século XX são marcadas na America Latina pela construção de identidades
tístico Nacional trataron edificios antiguos en nuevos centros y las nuevas construcciones nacionais que tem na difusão dos estilos neocoloniais a resposta arquitetônica ao
en los viejos centros es una excelente manera de entender la relación entre la arquitectura problema. A partir da década de 1920, o neocolonial brasileiro vai se firmando como
moderna y la conservación en Brasil. ?Quales los paradigmas que guiaran esta acción y es- a resposta arquitetônica à demanda de um estilo nacional. Os arquitetos modernos
tableceran un estándar responsable por la construcciones del paisaje de las ciudades brasi- no Brasil iriam, na década seguinte, contrapor essa ideia com o estudo e a conserva-
leñas contemporáneas. ção da verdadeira arquitetura colonial, e a produção de construções modernas que
teriam a “identidade” do futuro da nação.
Portanto, analisar como os arquitetos modernos dentro do Patrimônio His-
tórico e Artístico Nacional trataram os velhos edifícios nos novos centros e as novas
construções nos velhos centros é um excelente modo para compreendermos a rela-
A preservação do patrimônio histórico e artístico brasileiro teve a singula- ção entre arquitetura moderna e preservação no Brasil.
ridade de ter como protagonista do seu nascimento a vanguarda do movimento A imagem proposta pelo título foi usada por Lucio Costa numa carta redigida em
moderno do país. Esta dualidade marcou particularmente as estratégias de conser- 1939, em defesa do projeto moderno de Oscar Niemeyer para o novo Grande Hotel da
vação de prédios e centros históricos brasileiros, bem como influiu numa parte con- cidade colonial setecentista de Ouro Preto.4 A legislação federal brasileira de preserva-
siderável da produção arquitetônica desta vanguarda, responsável por um caráter ção do patrimônio histórico e artístico começara a vigorar dois anos antes, e o debate
regional do movimento moderno no Brasil. em torno da forma que deveria assumir um novo hotel dentro da antiga cidade vai esta-
A criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN)1 dá belecer as diretrizes iniciais para os novos projetos nas cidades tombadas.
inicio em 1937 a uma efetiva ação federal de proteção no Brasil. Pode-se atribuir ao A ideia de que o moderno telefone estivesse artisticamente integrado em
fato de os arquitetos integrantes do SPHAN serem modernos2, a opção pela prote- cima de uma mesa do século XVIII é o paradigma que vai caracterizar as intervenções
ção dos centros históricos brasileiros ter-se inicialmente restringido às pequenas ci- dos anos 1930 aos anos 1950 nas pequenas cidades coloniais brasileiras consideradas
dades coloniais que estavam de fora das zonas de maior desenvolvimento econômi- patrimônio histórico e artístico. Essa ideia nos remete ao ensaio escrito e publicado
co do país. Nas décadas de 1930, 40 e 50 foram protegidas onze pequenas cidades3 por Erwin Panofsky na Alemanha em 1930, intitulado The first Page of Giorgio Vasari’s
que tinham em comum uma paisagem marcada pela arquitetura do século XVIII e libro, e que será traduzido e publicado em inglês somente 25 anos depois. 5 Nesse
por se encontrarem economicamente estagnadas. Já nos grandes centros urbanos, texto que considero de fundamental interesse para o entendimento das questões
nas capitais regionais vistas por eles como o lugar da construção do “Brasil Moder- relativas ao desenvolvimento da restauração como disciplina, Panofsky analisa como
no”, só foram protegidos edifícios isolados, isso pelo menos até 1959 quando uma os artistas do Renascimento enfrentaram o problema da unidade estilística, diante
parte do centro histórico de Salvador, capital do estado da Bahia, foi reconhecida da necessidade de concluir os edifícios inacabados da arquitetura gótica.
como patrimônio nacional. Quando os humanistas dos séculos XV e XVI tomam a arquitetura da antigui-
dade clássica greco-romana como modelo, eles se distanciam da arquitetura gótica
1. Criado para reconhecer e proteger federalmente o patrimônio histórico e artístico teve vários nomes ao longo da sua
história: Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, SPHAN, de 1937 a 1946; Diretoria do Patrimônio Histórico até então produzida tornando impensável a prática com que na Idade Média se jun-
e Artístico Nacional, DPHAN, de 1946 a 1970; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN, de 1970 a
tavam estilos diversos.
1979; Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, SPHAN, de 1979 a 1990; Instituto Brasileiro do Patrimônio
Cultural, IBPC, de 1990 a 1994; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN, desde 1994. O estilo gótico não poderia ser mais admitido por se tratar de uma “arte bár-
2. A equipe técnica inicial era constituída de arquitetos e engenheiros integrantes da vanguarda modernista brasileira: bara”, mas era ainda menos admissível, para os artistas do Renascimento, a violação
Lucio Costa (1902-1998), Renato Soeiro (1911-1984), José de Souza Reis (1909-1986), Alcides da Rocha Miranda (1909-
2001), Luís Saia (1911-1975), Carlos Leão (1906-1983), Joaquim Cardozo (1897-1978).
3. São elas: Ouro Preto (1938), Mariana (1938), Tiradentes (1938), São João Del Rei (1938), Serro (1938), Diamantina (1938), 4. A esse respeito ver o ensaio de Lauro Cavalcanti Brazilian Modern Heritage.
Congonhas (1941), Alcântara (1948), Goiás Velho (1951), Pilar de Goiás (1954) e Parati (1958). 5. In: PANOFSKY E. Meaning in the Visual Arts. Papers in and on Art History, 1955.
1. Este artigo é resultado da pesquisa “Levantamento Documental do Urbanismo no Brasil-Sub-Projeto Rio de Janeiro
16. COSTA, Lucio. Tombamento do Prédio a Rua Mayrink Veiga, n. 9. Parecer, Processo de tombamento, 25/02/1972, –1900-1990”, parte da rede de pesquisa “ Urbanismo br “ que integra cidades brasileiras e é coordenada por Maria
Arquivo Central do IPHAN, Rio de Janeiro. Cristina da S. Leme – FAU-USP.
8. Na cidade ideal, as artérias têm a largura maior que a soma das alturas das edificações dos lados, para permitir em
caso de desmoronamento a passagem de turmas de salvamento. A orientação dos ventos auxilia na evaporação dos
10. Sobre esse conteúdo de universalidade e de verdade científica dos princípios dos CIAM, ver TSIOMIS, 1998.
gases. O modelo não permite centro comercial ou industrial para diluir os prejuízos de bombardeios, ESTELITA, 1934.
11. Sobre o assunto, ver SILVA PEREIRA et al, 1987.
9. COSTA, Lúcio. Entrevista para a Folha de São Paulo, São Paulo: 23/07/1995. O arquiteto, contudo, utiliza o termo
“modernista” ao se referir a Atílio Masieri Alves como o “primeiro modernista rebelado” em Muita Construção, alguma 12. LE CORBUSIER,1937, p. 284. A densidade proposta para Paris é de 1000 hab/ha, seis vezes a das cidades jardins e três
arquitetura e um milagre, Correio da Manhã, Rio de Janeiro: 15/06/1951. É interessante, ainda, observar a utilização por vezes a dos quarteirões parisienses. Este estudo se tornou mais preciso quando da construção do Pavilhão dos Tempos
Lúcio Costa de “modernístico” no sentido pejorativo (“grotescas feições modernísticas”) em Razões da nova arquitetura, Novos na Exposição de Paris de 1937.
Revista da Diretoria e Engenharia, Rio de Janeiro: nº 1, janeiro 1936. 13. Essa questão também é apontada por LEME, 2000.
108 O Urbanismo Moderno na Cidade do Rio de Janeiro Dinah Papi Guimaraens 109
trazer a tona aspectos irracionais através de um procedimento técnico e criativo razoável. metaphor, to finally refuse it. If the dating of the vanguard and even futuristic surrealism
Ao contrário da “fantasmática” dos meios de comunicação audiovisuais, a “pintura meta- with totalitarian regimes is a notorious fact that composes the modernist avant-garde and
física” (1909-1919) de Giorgio De Chirico é contemporânea à “pintura pura” de Paul Klee, can be represented by the surrealist-inspired metaphysics of De Chirico, one can consider
pintor-músico que explora os limites da metáfora musical, para finalmente recusá-la. Se os here the case of the University within a cross-cultural dialogue. Rio de Janeiro calls “samba
namoros da vanguarda futurista e mesmo do Surrealismo com os regimes totalitários é um schools” their carnival institutions. Thus, it is possible that the academies can learn some-
fato notório, e se a vanguarda modernista pode ser representada pela inspiração surrealista thing new with the Rio samba schools?
e metafísica de De Chirico, pode-se considerar aqui o caso da universidade no seio de um Resumen | La relación entre la imagen y el ser como estructura social en el espacio-tiempo
diálogo transcultural. O Rio de Janeiro denomina de “escolas de samba” suas instituições de define las diferentes prácticas artísticas como la arquitectura. Visto como un todo, la arqui-
carnaval. Assim, será possível que as academias de ensino possam aprender algo de novo tectura es un ambiente donde las relaciones sociales son posibles y “espacializadas”. En el
com as escolas de samba cariocas? movimiento moderno, fueron concebidos nuevos principios basados en imágenes en bús-
Abstract | The relationship between image and being as social structure in space-time queda de una totalización que engloba el arte, la funcionalidad y la tecnología, que son los
defines the different artistic practices such as architecture. Seen as a whole, the architecture responsables de la creación de la gran narrativa de la arquitectura del siglo XX. Nuestra pre-
is an environment where social relations are possible and “spatialized. New imagery prin- gunta es: “¿Hay tantos estatutos de imagen como las imágenes proliferan en el mercado?”
ciples have been designed in modern movement, in search of a totalization encompassing De ahí la dificultad del discurso crítico basarse únicamente en las obras maestras del arte,
art, functionality and technology, which are responsible for creating the grand narrative con sus “valores universales” que puede representar una especie de “evolución pictórica.”
of twentieth century architecture. Our question is: “There are so many image statutes as Es posible hablar de una “pequeña estética” para referirnos a eventos artísticos en la era
images proliferate on the market?” Hence the difficulty of critical discourse based solely digital, como las propias de kitsch híbrido de la cultura erudita y popular? La imágen de la
on masterpieces of art, with their “universal values” that may represent a kind of “pictorial Arquitectura kitsch en los suburbios de Río de Janeiro, e incluso en el nordeste brasileño,
evolution.” It is possible to speak of a “small aesthetic” to refer to artistic events in the digital expresa una estética que combina los principios constructivos de la arquitectura moderna
age, as those characteristic of kitsch hybrid of classical and popular culture? The imagery de Niemeyer, que a su vez incorpora posturas barrocas al funcionalismo de Le Corbusier.
of architectural kitsch in the suburbs of Rio de Janeiro, and even in the Brazilian Northeast, Situaciones consumistas de una arquitectura kitsch están presentes, en cualquier momento,
expresses an aesthetic that had merged the constructive principles of modern architec- en la relación entre el objeto y el espectador, y todo edificio actual debe aceptar que en el
ture by Niemeyer, which in turn incorporates baroque postures with the functionalism of mismo territorio están incluidos elementos meta-artísticos del arte y del no-arte. El arte con-
Le Corbusier. Situations of a consumerist kitsch architecture are present at any time in the temporáneo combate lo kitsch cuando pretende trascender el papel que le es dado por el
relationship between the object and the viewer, and all current building must accept that mercado, mediante la creación o el descubrimiento de nuevos papeles, tratando de encajar
in the same territory are included meta-artistic elements of art and non-art. Contemporary en otras áreas y, sobre todo, tratando de negar su participación en la industria del entreteni-
art combat kitsch when it try to transcend the role given to it by the market, by creating miento. Lo posmoderno se ha definido como una continuidad / ruptura con la modernidad.
or discovering new roles, trying to fit in other areas and, especially, to seek to deny his in- El arquitecto posmoderno vuelve a vivir un nuevo eclecticismo típico del siglo XIX, con las
volvement in the entertainment industry. Postmodernism has been defined as a continuity corrientes de vuelta al historicismo que reviven el pasado y miran atrás para burlarse de la
/ rupture with modernity. The postmodern architect returned to live a new eclecticism typi- alta tecnología.
cal of the nineteenth century, with the currents return to historicism reliving the past and Este es el esteticismo extremo de la deconstrucción como intento de dar autonomía al re-
look back to mock the high technology. This is the extreme aestheticism of deconstruction pertorio moderno, con la desmaterialización de la arquitectura formal. Se constituiría en-
as an attempt to empower the modern repertoire, with the dematerialization of the formal tonces lo moderno – y por tanto, también lo posmoderno – una ruptura con todos los ele-
architecture. Would then constitute the modern – and therefore also the postmodern – a mentos estéticos señalados? Lo “encontrado” (trouvé) en la obra del arquitecto surrealista
break with all the aesthetic elements pointed? The “found” (trouvé) in the work of the sur- americano Frank O. Gehry revela un nuevo método de diseño de la arquitectura inspirado
realist American architect Frank O. Gehry reveals a new design method for architecture –, en el método “crítico-paranoico” de Salvador Dalí, que puede poner de manifiesto aspectos
inspired on the method “paranoiac-critical” by Salvador Dali, which can bring out irrational irracionales a través de un procedimiento técnico y creativo razonable. Al contrario de los
aspects through a reasonable procedure both technical and creative. Unlike the “ghostly” “fantasmas” de los medios de comunicación audiovisuales, la “pintura metafísica” (1909-
audiovisual media, the “metaphysical painting” (1909-1919) by Giorgio De Chirico is the con- 1919) de Giorgio De Chirico es contemporáneo de la “pintura pura” de Paul Klee, pintor-
temporary “pure painting” of Paul Klee, painter-musician who explores the limits of musical músico que explora los límites de la metáfora musical, para finalmente rechazarla. Si la rela-
A transição do mundo real, nas artes visuais, decorre do papel fundamen- eliminação da “alma anima, humana ou animal”, mas sob uma ordem de “proto-sub-
tal desempenhado pela atividade criadora do olho como órgão que estabelece um jetividade” que permite que se imprima uma função de coerência na máquina, tanto
espaço comum para a arquitetura, a escultura e a pintura artística. O essencial entre em relação a ela mesma quanto em uma relação de alteridade com o ser humano
as três artes da arquitetura, escultura e pintura encontra-se no elemento que o teó- (Guattari, 1993).
rico de arte e escultor alemão Hildebrand (apud Poulain, 2001) chama de impressões Se “a imagem poética é superior por sua facilidade transcendental” (Cany,
“arquitetônicas” e que representa a confluência da verticalidade, da horizontalidade 2012), é possível falar de arte maquínica no caso de artistas visuais como Nam June
e da profundidade como lei geral que constitui o espaço de composição. Tal lei geral Paik. É ele um artista coreano que discorre sobre a dualidade entre arte e ciência
pode ser descrita a partir da teoria de autores como Wölfflin (2000: 1915). 4 apropriando-se das invenções da Renascença, como a pintura de Leonardo da Vinci
Sobre a percepção visual, pode-se estabelecer uma conexão com o mundo “fresco secco” (“Última Ceia”). Além disso, Paik incorpora as invenções da biologia,
para responder a pergunta: o que é (re)apresentado pela imagem (real ou imaginá- da medicina e da engenharia para estabelecer um uso inovador da tecnologia da
ria)? (Cany, 2008, p. 47-48). A resposta clássica é que “o plano da consciência gráfica televisão e dos meios de comunicação de massa, de forma a “humanizar” a máquina
é que formaliza”, já a resposta tradicional afirma que “é o plano do inconsciente e discutir o novo ambiente criado pela “tecnologia maquínica” (cf. Ori, 2002). 5
que se materializa” (Bachelard, in op. cit.), enquanto a resposta filosófica diz que “é o A “política de despolitização” da globalização (Bourdieu, 2003) fez com que a
nível de consciência abstrata que conceitua.” A conclusão deste autor é que “a visão independência duramente conquistada da produção cultural – tanto no mundo de-
que pensa, ou o pensamento que vê, pode enxergar para além da presença do visí- senvolvido quanto no mundo subdesenvolvido – e a circulação das necessidades da
vel.” A imagem poética é, assim, a palavra como “a imagem do assombro invisível” economia fossem ameaçadas pela intrusão da lógica de negócios em todas as fases
(Cany, in op. cit., p. 49). da produção e circulação de bens culturais. A Escola de Frankfurt já discorrera sobre
Neste quadro antropológico que é “o pensamento que se pensa como visão”, a perda da “aura” da arte com a mecanização. Citando Paul Valéry, Walter Benjamin
a tese de Cany (2012) é que o moderno pensamento-artista é o pensamento visual. revela que a reprodutibilidade das obras de arte só recentemente mudou de fato a
Se o cinema iniciou uma revolução antropológica e civilizacional, a imagem poética noção da arte, na medida em que técnicas apropriadas começaram a emergir como
tem a vantagem de não estar presa na esfera técnica. Atualmente nos encontramos formas originais de arte representadas pela fotografia e pelo cinema. A função da
em uma inevitável encruzilhada, onde a máquina é tratada como um anátema a obra de arte (representada pela unicidade, evidência histórica, contemplação, ado-
uma situação de desumanidade e de ruptura com qualquer tipo de projeto ético. ração, etc) é incidental em relação à reprodutibilidade técnica, e o cinéfilo é “um
A reação à idade maquínica, de maneira a recomeçar novamente não a partir de examinador que se distrai” (Benjamin, 1994, p. 27). 6
uma “territorialidade primitiva” ou de um modo de pensamento “animista”, somen-
te torna-se possível se consideramos que a interface maquínica não existe enquanto 5. “Fluxofilmes” são curtas-metragens de artistas associados à Fluxus. Nam June Paik fez “Zen para o filme” (1962-64),
instalação de mesa com tela de cinema, com piano vertical e baixo em rolo de 1.000 pés de filme de 16 mm, em branco,
projetado na tela por 30 minutos.
4. Wölfflin (2000, 1915) estabelece cinco pares opostos de estilos da arte a partir daqueles estabelecidos nos séculos 6. O processo de “empoderamento” das áreas artísticas e literárias, emancipadas das regras financeiras e de interesse,
XVI e XVII, os quais são: 1) do linear ao pictórico; 2) do plano à profundidade; 3) da forma aberta à forma fechada; 4) da é destruído pela homogeneidade que traz novas plateias de todas as origens em todos os países para assistir filmes de
multiplicidade à unidade. Hollywood, novelas e best-sellers produzidos diretamente para o mercado global (Bourdieu, 1992).
1. Este texto é uma versão reduzida do artigo publicado em Netto, Vargas e Saboya (2012). Para a versão integral, veja
http://www2.pucpr.br/reol/index.php/urbe?dd1=7400&dd99=view
142 A arquitetura de papel: os desenhos sedutores Vinicius M.Netto | Julio Celso Vargas | Renato Saboya 143
bilistic theory of the social effects of architecture, an approach proposed to help answer- ciado ao tema da interatividade e inovação, enfatizado recentemente na economia
ing more precisely a question that puzzles the spatial imagination: how does architecture urbana – de modo contraditório – por Glaeser (2010), Gordon e Ikeda (2011) e Florida
matter to urban vitality? (2012). 2
Resumen | Una de las ideas más centrales y tal vez más claras en arquitectura y estudios Entretanto, teria a forma da edificação algum papel na vitalidade? Ou, mais es-
urbanos – sobre todo desde el trabajo seminal de Jacobs hasta los recientes énfasis de la pecificamente, teriam morfologias arquitetônicas distintas efeitos também distintos
economía urbana – habla sobre el papel de la forma arquitectónica en la “vitalidad urbana”, sobre o que ocorre nos espaços públicos? Se há tal influência, qual sua extensão? O
un conjunto de cualidades sociales y microeconómicas de nuestras ciudades. Sin embar- quanto a arquitetura impacta seus entornos urbanos?
go, ¿Los edificios pueden realmente afectar a su entorno urbano? ¿Distintas morfologías O presente trabalho desenvolve uma abordagem para identificar os efeitos
arquitectónicas tendrían también efectos diferentes sobre lo que ocurre en los espacios da forma arquitetônica sobre processos socioeconômicos locais com implicações de
públicos? El articulo explora la tensión entre formas construidas manifestadas fundamental- ampla escala – de modo a distingui-los dos efeitos de outros aspectos da estrutura
mente sobre el cuerpo, como condición para la copresencia y actividad social en el espacio urbana como o sistema viário, e verificar de fato sua existência e extensão.
urbano – dinámicas locales con implicaciones de amplias escalas en la ciudad. Propone un Entender os impactos de diferentes morfologias arquitetônicas sobre a vita-
abordaje para identificar los efectos de la forma arquitectónica, de modo que se distingan lidade de entornos urbanos significa entender as implicações entre essa morfologia
de los efectos de otros aspectos de la estructura urbana, como accesibilidad, verificar su e dinâmicas mais amplas. Está no cerne de uma definição mais precisa e consistente
existencia y, si se confirma, su extensión. El abordaje se aplica en un estudio empírico de 24 do termo “sustentabilidade urbana”. Essa preocupação ganha maior sentido no con-
aéreas de Rio de Janeiro. Por último, el artículo establece las bases para una teoría probabi- texto brasileiro, uma vez que podemos observar em nossas cidades a reprodução
lística de los efectos de la arquitectura, un enfoque propuesto para ayudar a responder con de tipos de arquitetura e padrões de urbanização fixados por modelos espaciais e
mayor precisión a una pregunta que captura la imaginación espacial: ¿cómo la arquitectura preceitos de produção imobiliária, a partir de critérios usualmente limitados à otimi-
importa a la vitalidad urbana? zação dos processos construtivos e sua rentabilidade.
Há, entretanto, desconhecimento da real extensão das possíveis influências
da tipologia e configurações urbanas sobre as condições da apropriação social do
Introdução espaço. Gravemente, temos observado ainda uma dissolução do tecido urbano em
cidades brasileiras – uma substituição progressiva de tipos de edifícios tradicionais
por um tipo predominante no mercado de produção, de ligações mais frágeis com
...há dois tipos de densidade [...] A “densidade crua” é encontrada em
o espaço público. Essa crescente rarefação urbana, suspeita-se, seria acompanhada
áreas repletas de edifícios mais e mais altos que, sozinhos, não geram
inovação ou desenvolvimento econômico. Diferentemente, a “densida- do aumento das distâncias intraurbanas, diluição do movimento de pedestres e da
de Jacobs” estimula a interação ao nível da rua e amplia o potencial de vida microeconômica local, problemas de segurança pública e novas formas de se-
contato informal entre pessoas em espaços públicos a qualquer momen- gregação socioespacial.
to. Ela torna encontros e a construção de redes [sociais] mais prováveis. Buscamos examinar se a dissolução do tecido urbano implicaria em uma dis-
(Richard Florida, For creative cities, the sky has its limits, 2012). solução da apropriação do espaço público – e retornar a uma questão que tem cap-
turado a imaginação arquitetônica e urbana: o quanto a arquitetura importa para a
Uma das ideias mais centrais e talvez menos esclarecidas em arquitetura e nos vitalidade urbana?
estudos urbanos diz respeito ao papel da forma arquitetônica e urbana na “vitalida-
de” de nossas cidades. A vitalidade dos espaços urbanos é um fenômeno que vem
sendo abordado com ênfase, sobretudo desde o trabalho seminal de Jane Jacobs
(2000 [1961]). Um número de autores se dedicou a refletir sobre quais aspectos das
edificações e dos espaços públicos teriam a capacidade de estimular vitalidade, en-
tendida como um conjunto de condições encontradas em espaços em que há inten-
sa presença de pessoas nas ruas, grupos em interação e trocas microeconômicas. O
2. Embora todos esses autores concordem sobre a importância da densidade, Glaeser afirma que a verticalização é o
papel das densidades e da forma urbana retorna agora à atenção, sobretudo asso- fator chave de cidades interativas e criativas, o que os estudos empíricos de Gordon e Ikeda apontam como não sendo
o caso: apoiados por Florida, insistem no papel das densidades horizontais que chamam “jacobianas”.
144 (Buscando) os efeitos sociais da morfologia arquitetônica Vinicius M.Netto | Julio Celso Vargas | Renato Saboya 145
Vitalidade urbana como efeito da demonstrável empiricamente. 4 É o que buscamos fazer neste trabalho: desenvolver
um caminho teórico e metodológico para verificar se há e, em caso positivo, qual a
morfologia arquitetônica
extensão dos efeitos da morfologia edificada sobre o que ocorre em seus entornos.
Uma nota sobre a definição de “efeitos” e “vitalidade urbana”, o recorte social
A possibilidade da arquitetura ter efeitos refere-se aos impactos da edificação
e espacial e a metodologia aqui adotados. A possibilidade e natureza dos efeitos
para além do estético e perceptivo – sobre as ações que ocorrem fora do seu períme-
sociais da arquitetura são temas mais intuídos que problematizados explicitamente.
tro, mas atreladas a ela, tais como o movimento e acesso a atividades, a intensidade
São de longe menos tematizados que os aspectos estéticos. Sua captura é difícil:
variada de apropriação do espaço público e a densidade de encontros no âmbito da
terminam rejeitados em interpretações pejorativas como sendo “subjetivos” (e, por-
rua. Esses fenômenos são ancorados na interface espaço aberto-construído, entre a
tanto, supostamente descartáveis quando conveniente) quando na verdade se re-
pele do edifício e a rua. São componentes elementares na relação espaço urbano-vida
ferem a fatores que envolvem as pessoas em suas interações mediadas pelo espaço
social, no status do espaço como condição para a produção dos fatores basilares da
e não apenas suas percepções. Por envolver o que ocorre fora de nossas mentes,
vida social. Ao envolver encontros no espaço público e a possibilidade de acesso ao
podemos, contudo, reconhecer seus traços, evidenciar sua existência. É o que de-
espaço construído, essa relação envolve também potencial de comunicação e a consti-
sejamos fazer neste trabalho. Mas precisamos capturar esses traços do modo mais
tuição de trocas sociais, políticas e microeconômicas que se manifestam localmente.3
direto possível – e mostrar objetivamente sua importância. Usaremos um caminho
As relações entre ação, espaço público aberto, espaço interno da edificação
estatístico para tentar reconhecer os efeitos da arquitetura, na forma de possíveis
e as atividades que esta abriga consistem na verdade na ponta visível de uma rede
regularidades das coincidências entre fatores espaciais e sociais presentes em áreas
de alta complexidade, conectada a uma infinidade de atores cujas ações são reali-
urbanas e diferentes cidades e contextos.
zadas em outros lugares e tempos – uma rede de ações e circulação de informação
Aqui reside um primeiro mal-entendido frequente no campo dos estudos
e artefatos que se completa no momento da interação e troca final no interior da
arquitetônicos e urbanos: o entendimento da análise “quantitativa” de fenômenos
arquitetura e na sua relação com oscanais do espaço público. A escala do edifício
como uma redução do simbólico e experiencial, o descarte de tudo o que não é
e suas imediatas relações em complexos urbanos colocam-se por extensão como
visível e mensurável como não existente ou irrelevante – uma visão dessa análise
uma das forças estruturantes da cidade, sobre as quais as relações macroscópicas
como menos “humana” que, digamos, os métodos interpretativos ou “qualitativos.”
tornam-se reconhecíveis e onde dinâmicas cotidianas reproduzem processos sociais
Na verdade, a análise estatística é tão humana quanto uma interpretação subjeti-
e microeconômicos geograficamente mais amplos.
va. Nem mais, nem menos. Mas ela tem especificidades: é útil para lidarmos com
A atenção a essa escala da constituição das estruturas urbanas e seus impac-
duas coisas com as quais temos natural dificuldade usando palavras. A linguagem
tos não é exatamente nova. Jacobs (2000) já atentava para a importância dos ele-
discursiva é poderosa para definir significados conotativos e denotativos, mas seu
mentos de “constituição”, os componentes da forma arquitetônica diretamente liga-
léxico é surpreendentemente pequeno e impreciso para lidar com o problema das
dos à rua, como aberturas e fachadas. Gehl (2011) defende a conexão visual e física
intensidades (palavras como “muito”, “pouco”, etc. são muito vagas). A natureza
entre edificação e espaço público através de espaços de transição. Aborda também
sequencial da fala e escrita ainda nos coloca dificuldades para capturar cognitiva-
a posição da edificação no lote, diferenciando edificações afastadas das ruas da-
mente as teias de relações em fenômenos complexos como cidades, onde aspectos
quelas diretamente conectadas a elas. No Brasil, a atenção a essa problemática tem
e eventos influenciam outros em várias direções, de modo sincrônico (ocorrem ao
aparecido sob forma de observações empíricas como a relação entre ocasiões de
mesmo tempo), processual (transcorrem no tempo) e em lugares distintos – tramas
contato face a face, o uso de grades e a distância entre a casa e a rua em Santos,
impossíveis de serem descritas discursivamente. Precisamos do complemento de
Vogel e Mello (1985). Holanda (2002) aponta a ligaçãoentre o número de portas
outras linguagens para incorporar completamente o problema das intensidades e
voltadas para o espaço público e a relação fachada-rua necessária à sua animação.
das relações – sob pena de não entendermos a riqueza e a extensão das relações
Vargas (2003) trata da forma do quarteirão e ruas de alta centralidade como fatores
entre espaço e prática social.
de vitalidade, ao passo que o papel do tipo e seus efeitos sociais sobre o entorno são
conceituados em Netto (2006). Entretanto, essas leituras do papel da forma arqui-
tetônica-urbana não formulam o problema em um enunciado teórico sistemático e 4. A ideia de que a arquitetura tenha impactos sociais, apesar de vista em certos autores menos ou mais sistematica-
mente, não é um pressuposto no campo: a ênfase na prática e no ensino segue nos aspectos da funcionalidade interna
e estética externa. De fato, não temos verificação empírica dessa relação e sua extensão, com exceção ao nível das
3. Veja Netto (2013). densidades de trabalhos como de Gordon e Ikeda (2011).
146 (Buscando) os efeitos sociais da morfologia arquitetônica Vinicius M.Netto | Julio Celso Vargas | Renato Saboya 147
Buscaremos estudar a vitalidade urbana em um recorte específico. Esse re- Agora uma nota sobre o recorte espacial. Reconhecemos que a vitalidade
corte não incluirá nesse momento as formas de sociabilidade em si, mas aspectos urbana inclui formas de interação e proximidade entre atores e geração de comu-
sociais anteriores a elas, que as subjazem: a presença dos corpos no espaço urbano. nidades que certamente podem se manifestar mesmo em espaços de diferentes
Reconhecemos que a riqueza das particularidades simbólicas, seus aspectos inter- formas e tipologias, como os subúrbios e os espaços rurais. Focaremos, entretanto,
pretativos, as formas de relacionamento e afetos serão dimensões da vitalidade. em áreas urbanas com a presença (não exclusiva) de tipologias arquitetônicas mul-
Entretanto, essas dimensões estão além do foco jacobiano do presente trabalho, tifamiliares, analisadas em diferentes níveis de densidade – de modo a evitarmos
ligado, sobretudo, ao problema das intensidades da copresença no espaço urbano morfologias e tipologias radicalmente diferentes.
como condição para produção das interações sociais e microeconômicas – dinâmicas
que só podem emergir quando há intensidades mínimas de presença humana e que
têm a diversidade como consequência. Queremos destacar que a dimensão das in-
Identificando diferenças na morfologia arquitetônica
tensidades de fenômenos como a copresença é certamente tão relevante quanto a
dimensão hermenêutica das trocas sociais e suas motivações. A primeira é condição Investigamos os impactos da morfologia arquitetônica por meio do reconhe-
para a vida social emergir plenamente, em sua diversidade. cimento de diferenças ao mesmo tempo profundas e evidentes no tecido urbano
É curioso notar como tradições de pesquisa são assentadas em uma dicoto- (FIGURA 1).
mia epistemológica – o “qualitativo” e o “quantitativo” – que implica em trazer des- Tecidos urbanos apresentam diferentes graus de continuidade e desconti-
continuidades a coisas que são, na verdade, profundamente ligadas. Tal dualismo nuidade, proximidades e afastamentos entre edificações, implicando diferentes
se relaciona a uma limitação em reconhecer a posição da teoria frente ao mundo: relações entre espaços construídos e o espaço livre público. O elemento essencial
intensidades são parte dos fenômenos à volta e operam em conjunção com suas nesse tecido é o próprio edifício e suas relações. A imensa variedade da forma edi-
diferenças, incluindo aquelas de natureza simbólica. Ele evidencia uma dificuldade ficada encontra,entretanto,
da epistemologia (o modo como entendemos as coisas) mais do que descontinuida- reduções usuais na literatura
des ontológicas (na natureza das coisas em si). Essa é uma dicotomia a ser superada. e no planejamento urbano,
Precisamos reconhecer essas diferenças como dualidades e não como dualismos. A como a dos tipos arquitetô-
dimensão das intensidades das presenças e interações, e a dimensão dos conteú- nicos, entre eles:(a) o edifício
dos simbólicos da interação e valores subjetivos são complementares e igualmente cujos limites coincidem com
importantes para a vitalidade urbana. Aqui, trataremos do aspecto presencial que as divisas do lote urbano, es-
subjaz processos comunicativos e intersubjetivos. pecialmente na parte lateral
Diferenças espaciais e sociais entre áreas em uma cidade são parte funda- (chamado aqui “contínuo”);
mental deste estudo, dado que desejamos detectar efeitos arquitetônicos que (b) o edifício livre no lote,
possam estar presentes e ativos mesmo em diferentes contextos. Entendemos que caracterizado por afasta-
diferentes formas de sociabilidade ocorram e possam intensificar ou reduzir a pre- mentos laterais, explorado
sença no espaço público. Certamente, diferenças de valores, cultura e classe podem sobretudo a partir do Mo-
afetar hábitos de uso do espaço público. Mas como Jacobs, entendemos que a co- dernismo (“isolado”); e (c)
presença e a interação social e microeconômica são fatores que atravessam diferen- um terceiro tipo, “híbrido”,
tes campos sociais e emergem em diferentes contextos. São efeitos que se referem composto por uma justapo-
a relações entre arquitetura, corpo e dinâmicas sociais profundas,constitutivos de dife-
renças sociais e desdobramentos psicossociais. Nosso objetivo é verificar se o efeito FIGURA 1 Diferenças morfológicas
da arquitetura sobre a copresença pode ser reconhecido mesmo com todas essas teriam impactos sobre a apropriação
social do espaço? Áreas na cidade
diferenças em jogo. Por outro lado, os impactos dessas diferenças sobre o presencial do Rio de Janeiro: trechos do Centro,
podem e devem ser tema de outros trabalhos. Botafogo e Barra da Tijuca. (Fonte:
Google Street View e Google Maps)
148 (Buscando) os efeitos sociais da morfologia arquitetônica Vinicius M.Netto | Julio Celso Vargas | Renato Saboya 149
sição dos dois anteriores apresentando um volume basal horizontalizado colado nas Aspectos arquitetônicos, como o grau de porosidade das fachadas (densida-
divisas, e um volume superior isento de contato lateral.Essestrês tipos de formas ar- de de aberturas), fechamento do lote, densidade construída etc. se colocariam como
quitetônicas, definidos pela posição no lote, o grau de continuidade de suas fachadas itens que intensificariam ou não as tensões entre formas construídas, e entre estas e o
e suas relações de permeabilidade com o espaço público, representam uma grande corpo, potencialmente relevantes para a copresença nas ruas e a atividade social e
parte das formas produzidas em nossas cidades, contempladas e mesmo prescritas econômica urbana.
pelos planos diretores municipais. Buscaremos evidências da existência dessas tensões em um estudo empíri-
Agora tentemos relacionar essa diferenciação inicial entre edifícios a fenôme- co, em queconfrontaremos estatisticamente as distribuições de diferentes arranjos
nos sociais reconhecíveis em seus entornos. Nossa hipótese é que, mantidas relati- dessas características espaciais e a presença da atividade social nesses espaços.
vamente constantes propriedades como acessibilidade e densidade, o tipo contínuo
(a) ampararia mais adequadamente a vida social e microeconômica na escala local,
ao relacionar-se mais diretamente aos espaços públicos e permitir uma relação in-
Caminhos para encontrar os efeitos
tensa entre atividades e pedestres, por meio das fachadas contíguas (FIGURA 2). sociais da arquitetura
150 (Buscando) os efeitos sociais da morfologia arquitetônica Vinicius M.Netto | Julio Celso Vargas | Renato Saboya 151
das, obviamente, pela eficácia do método empregado para avaliar a acessibilidade,
assim como pela consideração das diferentes escalas de acessibilidade ativas simul-
taneamente em um mesmo lugar. Ao minimizarmos os efeitos da configuração do
sistema viário em áreas sob estudo, poderemos comparar as variações nos aspectos
sociais e econômicos locais com as variações nas características arquitetônicas, e exa-
minar se correlações entre elas podem ser encontradas. A consideração das densi-
dades pode fazer uso da mesma lógica.
Apesar da lógica desse método ser simples, ela implica em outras questões
metodológicas. Controlar a influência da acessibilidade na vitalidade urbana é uma
tarefa difícil, dado que ela é penetrante, potencialmente combinada com a de outros
padrões urbanos e imersa em contingências. Medidas de acessibilidade topológica
parecem ferramentas adequadas para esse propósito, por terem sido bem-sucedi-
das em prover descrições detalhadas de diferenciação espacial em cidades em uma
variedade de contextos e culturas urbanas. Entretanto, a descrição da acessibilidade
FIGURA 3 Relação acessibilidade-vitalidade: quando a acessibilidade aumenta, fatores de vitalidade urbana implica em mais questões, como (i) qual a medida a ser utilizada para representar
como o movimento pedestre tendem a aumentar. Mas não tão simplesmente. Ruas (pontos no gráfico) a acessibilidade proporcionada pela malha (como as medidas de integração ou es-
de mesmo nível de acessibilidade podem ter substancial diferença em fatores de vitalidade. A relação não
pode ser explicada, portanto, apenas pela acessibilidade. colha); (ii) o entendimento de distância como caminhos mínimos (métrica, geomé-
trica ou topológica); (iii) o raio de acessibilidade a ser considerado (dos raios mais
distintos. E nem poderia ser o caso de uma equivalência perfeita: cidades têm inú- globais da cidade aos mais locais); e (iv) a unidade espacial usada para representar
meros fatores intervindo no movimento pedestre, incluindo fatores imprevisíveis as ruas e espaços públicos (linhas axiais ou segmentos).Selecionamos neste estudo
como as decisões de cada pedestre. (Na verdade, considerando tantos outros veto- o conjunto composto pela combinação: Integração + Distância Topológica + Raio
res urbanos, é surpreendente que haja uma relação consistente entre acessibilidade Global (RR)5 + Linhas Axiais, representando trechos retilíneos de ruas e segmentos. 6
e movimento pedestre, como de fato é encontrada empiricamente). Estaremos atentos ao papel de outras escalas de acessibilidade fazendo uso de um
Assim, nem toda variação no movimento é explicada pela acessibilidade pro- monitoramento estatístico – correlacionando-as com os aspectos socioeconômicos.
porcionada pela malha. Podemos ver isso claramente ao selecionarmos uma faixa Uma última questão sobre acessibilidade: falamos em olhar para a variação
bastante estreita de variação de acessibilidade, e ver que ela corresponde a uma arquitetônica nas ruas de uma mesma faixa de acessibilidade como modo de iden-
faixa nem tão estreita de intensidades de movimento (veja a figura 2 novamente). tificarmos os possíveis efeitos dela sobre os fenômenos socioeconômicos que ocor-
Essas variações no movimento não são explicadas pela acessibilidade. Mesmo as rem nessas ruas. Mas será que o nível de acessibilidade em si não influenciaria esses
distribuições das atividades na cidade se mostram com variações similares. fenômenos? Ruas de alta acessibilidade poderiam ter naturalmente mais pedestres
Aqui está o ponto central do problema que queremos capturar. Propomos do que ruas de baixa acessibilidade, independentes da morfologia arquitetônica,
que exatamente nessas diferenças “mais que proporcionais” entre acessibilidade e quem sabe interferindo assim na possível influência da arquitetura? Pode haver li-
movimento pedestre estaria o lugar ativo da arquitetura e das diferenças na morfo- miares de acessibilidade a partir dos quais a arquitetura pode estimular a vitalidade,
logia arquitetônica. Nessas diferenças estariam “os efeitos da arquitetura”. ou não. Para verificarmos essas possíveis interferências, analisaremos áreas e ruas
Vejamos como podemos verificar se esse seria de fato o caso. Nosso método em três faixas distintas de acessibilidade (baixa, média e alta) – e, seguindo o mesmo
implica que, se analisarmos um conjunto de ruas em uma cidade dentro de uma
5. Entendido como equivalente à profundidade média da linha axial mais integrada do sistema, utilizado para minimi-
mesma faixa de acessibilidade, as diferenças de movimento pedestre encontradas zar o efeito de borda (Hillier, 2007).
nessas ruas estariam aproximadamente livres dos efeitos da acessibilidade – limita- 6. Para detalhes sobre as razões desta seleção de medida, propriedade e entidade, veja Netto et al. (2012).
152 (Buscando) os efeitos sociais da morfologia arquitetônica Vinicius M.Netto | Julio Celso Vargas | Renato Saboya 153
raciocínio, em três faixas de densidade. Devemos buscar áreas que atendam às com- lares. Entendemos que a razão para tal divergência seja a rápida expansão urbana,
binações de acessibilidade e densidade, de modo a termos áreas de características que impacta a hierarquia de acessibilidade sem o acompanhamento imediato da
distintas e garantir a representatividade dessas diferenças face ao conjunto morfo- densificação, visível especialmente em áreas na zona norte do Rio. 8
logicamente diverso da cidade em estudo. É importante analisar áreas diferentes entre si para verificarmos se tais di-
Não há condição – ou necessidade – de estudar todas as áreas de uma cidade. ferenças são ativas, e o quão basilar é o papel da morfologia arquitetônica para a
Mas as áreas que atendam essas combinações devem ser selecionadas de forma intensidade da copresença e atividade emergindo nesses espaços. As 24 áreas sele-
aleatória e não arbitrariamente, para reduzir riscos de indução das conclusões. Cada cionadas aleatoriamente no Rio de Janeiro incluem 250 segmentos e cerca de 3800
uma das combinações, entretanto, deve conter um número de ruas grande o bas- edifícios. Observamos pedestres nesses segmentos em seis horários durante um dia
tante para permitir: (i) uma análise estatisticamente significante; (ii) certa concen- de semana. Um mapa final mostra sua localização (FIGURA 4).
tração dos trechos de ruas a serem analisados para facilitar o levantamento; e (iii)
boa presença dos tipos arquitetônicos de interesse para o estudo.
7. Usamos a medida de acessibilidade “integração” adotando o raio equivalente à profundidade do sistema de ruas
(linhas axiais) a partir da linha axial mais acessível ou integrada (RR). 8. Veja Netto et al. (2012).
154 (Buscando) os efeitos sociais da morfologia arquitetônica Vinicius M.Netto | Julio Celso Vargas | Renato Saboya 155
e suas intensidades (cerca de 50 variáveis arquitetônicas e urbanas e 15 variáveis ASPECTOS VARIÁVEIS
socioeconômicas resumidas na tabela 1) com as ferramentas da estatística: colidi- Atividade Pedestre Movimento de Pedestres (médio no segmento)
mos variáveis e observamos o comportamento desses confrontos, por vias gráficas Grupos de pessoas paradas
e correlações numéricas. Indivíduos parados
Atividade Microeconômica Residencial
ASPECTOS VARIÁVEIS
Comercial
Tipologia Arquitetônica Tipo Contínuo (a)
Serviço
Tipo Isolado (b)
Comércio e Serviço
Tipo Híbrido (c)
Índice de Diversidade Tipológica Institucional / Índice de Diversidade de Atividades
156 (Buscando) os efeitos sociais da morfologia arquitetônica Vinicius M.Netto | Julio Celso Vargas | Renato Saboya 157
Variáveis Pedestres Atividades socioeconômicas Tipo Arquitetônico Investigamos ainda a relação entre diversidade de atividades (residencial, co-
nos Térreos mércio, serviços e institucional) tanto em térreos quanto em pavimentos superiores,
Mov. Grupos Indiv. Resid. Comerc. Comerc + Diversid Contín. Isolado Híbrido e variáveis pedestres como movimento e presença de grupos estáticos no espaço
Pedestres Estat. Estat. Serviçoes
público da rua. A correlação entre diversidade de atividades em térreos e movimen-
Tipo Contí- 0.327 0.447 0.407 -0.413 0.293 0.422 0.428 1 -0.983 -0.054
arq. nuo
to pedestre é positiva, assim como com grupos estáticos. Fora da tabela – resumo
Isolado -0.342 -0.469 -0.415 0.446 -0.318 -0.449 -0.456 -0.983 1 -0.128
acima, nossos dados mostram que a diversidade de atividades em pavimentos supe-
Híbrido 0.094 0.140 0.060 -0.200 0.146 0.163 0.172 -0.054 -0.128 1
riores também é um fator que coincide com movimento pedestre (0,345) e, de modo
Ind. 0.418 0.430 0.462 -0.316 0.353 0.380 0.276 0.460 -0.436 0.017
mais marcante, com a presença de grupos estáticos na rua (0,475),11 dando suporte à
Cont. hipótese jacobiana da associação urbana entre diversidade de atividades e vitalidade.
Afast. -0.424 -0.393 -0.394 0.2275 -0.386 -0.290 -0.217 -0.317 0.339 -0.129 E quanto às relações entre diversidade de atividades e tipos arquitetônicos?
Front.
Encontramos correlações bastante positivas entre diversidade no térreo e o tipo con-
Lote: Muro -0.477 -0.506 -0.460 0.472 -0.454 -0.496 -0.449 -0.428 0.423 0.012 tínuo, e negativas para o tipo isolado. Temos assim outra reversão entre o compor-
Limite Grade -0.196 -0.096 -0.113 0.150 -0.272 -0.199 0.078 0.227 -0.207 -0.099 tamento apontando a redução drástica de diversidade para áreas de predominância
Rua
Lote 0.627 0.589 0.554 -0.592 0.657 0.650 0.410 0.286 -0.295 0.055 do tipo (b). A correlação entre diversidade de atividades em pavimentos superiores e
aberto
tipos intensifica essa tendência.
Portas e Dens. 0.683 0.446 0.499 -0.533 0.610 0.577 0.408 0.551 -0.567 0.111
janelas Portas A porosidade da fachada é um dos itens clássicos da ideia jacobiana de vitali-
Dens. 0.725 0.512 0.677 -0.466 0.486 0.524 0.338 0.298 -0.301 0.028 dade urbana. Nossos dados confirmam isso. A densidade de portas tem fortes corre-
Janelas lações com movimento de pedestres (MP), grupos estáticos, comércios, comércio e
Densida- Dens. 0.517 0.473 0.508 -0.223 0.326 0.284 0.216 0.428 -0.436 0.060 serviços e diversidade de atividades no térreo. A densidade de janelas também apre-
de Arq
senta altíssimas correlações com movimento de pedestres, altas com grupos estáti-
Dens. 0.652 0.369 0.498 -0.360 0.390 0.427 0.256 0.173 -0.172 0.003
Econ
cos, atividades comerciais e serviços, e em menor grau com diversidade de ativida-
Vari- Mov. 1 0.553 0.628 -0.682 0.796 0.839 0.336 0.327 -0.342 0.094 des no térreo. A correlação entre a densidade de janelas dos pavimentos superiores
áveis Pedest. e MP é 0,420. As janelas do térreo, sozinhas, pouco estimulam o pedestre (0,158). Mas
pedes- Grupos 0.553 1 0.776 -0.646 0.669 0.658 0.510 0.447 -0.469 0.140 em associação, fazem muita diferença: a correlação com MP somando as janelas de
tres Estat.
todos os andares é das mais altas encontradas. O pedestre parece preferir caminhar
Indiv. 0.628 0.7763 1 -0.563 0.599 0.616 0.459 0.407 -0.412 0.060
onde há janelas presentes nos dois níveis. Ainda, a densidade de janelas coincide
Estat.
fortemente com lotes abertos (0,674) e com a continuidade de fachadas (0,549).
TABELA 2 Correlações de Pearson entre variáveis arquitetônicas e variáveis socioeconômicas (faixa de acessibi-
lidade baixa): a graduação de cinzas mostra diferenças na intensidade das correlações. Agora vejamos como itens de fachada se relacionam aos tipos arquitetônicos.
A correlação da densidade de portas com o tipo contínuo é expressivamente positiva, e
Temos correlações positivas entre edifícios do tipo (a) contínuo com o movi- o inverso para o tipo isolado. Já entre densidade de janelas e tipos temos ligeira queda.
mento pedestre e com a presença de térreos com comércios ou serviços. Já a correla- A combinação de correlações entre variáveis socioeconômicas, fatores de fa-
ção entre o edifício tipo (b) isolado e movimento pedestre e comércios ou serviços em chada e tipos mostra que o tipo contínuo favorece a porosidade entre arquitetura e
térreos é significantemente negativa,9 revertendo quase diametralmente o tipo (a). espaço público, e que essa porosidade é associada positivamente com a presença
Também dando suporte às hipóteses que apontamos, o tipo (c) híbrido apresenta de pedestres e atividades – em proporção inversa a do tipo isolado.
correlação quase nula ou ligeiramente positiva com movimento pedestre e ativida- Tal tendência é similar para a interface edifício x espaço público sob forma
des comerciais e serviços.10 dos afastamentos frontais e das bordas entre lote e passeio. As correlações entre
9. Todas as correlações tem significância com valor p<0,001. O teste de significância estatística (o “valor p” de cada muros e movimento de pedestres e muros e grupos estáticos na rua são bastante
correlação) examina a probabilidade de um resultado observado se repetir ou surgir por mera coincidência. Valores negativas, assim como entre muros e atividades comerciais e serviços de térreo e
p iguais ou maiores que 0.05 não têm significância estatística, segundo o parâmetro convencionalmente adotado de
95% de confiança. diversidade. Grades apresentam correlações negativas, mas em menor grau com
10. As correlações de fatores socioeconômicos com o tipo híbrido não obtiveram significância estatística (os valores p
encontrados foram superiores a 0.05) em função de sua baixa presença nas 24 áreas examinadas. 11. Todas as correlações com p<0,05 exceto onde indicado.
158 (Buscando) os efeitos sociais da morfologia arquitetônica Vinicius M.Netto | Julio Celso Vargas | Renato Saboya 159
movimento pedestre, grupos estáticos na rua, comércio e serviços de térreo e di- àquele encontrado nas áreas de acessibilidade alta com os mesmos fatores, um R2
versidade. Já as correlações entre lotes abertos, movimento de pedestres e grupos ajustado de 0,497.
estáticos são fortemente positivas, assim como em atividades comerciais e serviços O resultado para a amostra agregada (todas as faixas) traz um R2 ajustado de
de térreo e diversidade. 0,585, bastante alto, com significância estatística atestada e capacidade preditiva
Essas observações confirmam a impressão do senso comum de que muros e dos fatores arquitetônicos analisados sobre a intensidade do movimento pedestre.14
grades impactam negativamente o uso de pedestres no espaço público e as ativi- Essencialmente, essa análise mostra que um número pequeno de fatores arquitetô-
dades comerciais ao nível do térreo, sendo mais intensos os impactos do primeiro. nicos pode responder por parte substancial das distribuições do movimento pedes-
As correlações entre muros e tipos mostram forte associação entre recuos,muros e o tre no Rio de Janeiro. Uma das utilidades da análise é entender o quanto um fator
tipo isolado – hoje o preferido pelo mercado imobiliário –, fatores de permeabilida- não apenas coincide com outros, mas tem potencial preditivo em relação ao seu
de entre arquitetura e rua que terminam por apresentar estatisticamente uma rela- comportamento e intensidades, mesmo em outras situações.
ção problemática com aspectos sociais e econômicos locais. Contrariamente, lotes Alguns fatores reunidos parecem explicar grande parte do movimento pe-
abertos correlacionam positivamente com tipos contínuos. destre. Como podemos entender o peso de cada um deles, e todos no conjunto,
Como as características das edificações se relacionam entre si? As correlações entre si? Há ferramentas interessantes capazes de mostrar exatamente o grau de
entre tipos e densidade arquitetônica são consideravelmente positivas com o tipo contribuição de arranjos de características arquitetônicas na explicação do movi-
contínuo e negativas com o isolado. Os dados mostram uma combinação positiva mento pedestre. Utilizamos de forma experimental um tipo de regressão múltipla
para a vitalidade entre densidades, lotes abertos e proximidade de fachadas entre si (PLS) que, à maneira de uma análise de componentes principais, reconhece agrupa-
e com a rua. (veja Netto, Vargas e Saboya, 2012) mentos de variáveis altamente correlacionadas entre si, e com elas gera construtos
capazes de representar a quase totalidade das variáveis independentes. Essa análise
mostra graficamente as intensidades das variáveis em seus papéis no movimento
Quais os aspectos arquitetônicos mais relevantes no pedestre a partir da distribuição de eixos (gráfico 1), fatores positivos à direita, ne-
movimento pedestre? gativos à esquerda.
160 (Buscando) os efeitos sociais da morfologia arquitetônica Vinicius M.Netto | Julio Celso Vargas | Renato Saboya 161
A análise confronta o papel de todos os fatores entre si, inclusive as próprias Esses resultados sugerem que a arquitetura faz diferença nos fenômenos so-
variáveis “respostas” – movimento pedestre, indivíduos e grupos estáticos e em in- cioeconômicos locais: aspectos como a proximidade entre edifício e passeio, entre
teração – para a explicação de qualquer outra variável. Lotes abertos, comércios edifícios, sua permeabilidade e atividades da forma parecem adicionar tensão entre
e serviços, diversidade, densidade de janelas, a continuidade de fachadas e o tipo espaço construído e aberto, entre arquitetura e corpos usando o espaço público – as
contínuo aparecem agrupados em um componente com papel claramente positi- condições materiais do potencial de copresença e interação social e microeconômi-
vo. Muros, uso residencial exclusivo, afastamentos lateral e frontal e o tipo isolado ca. Por outro lado, arranjos caracterizados por espaçamentos entre edifícios e entre
aparecem no componente com impactos negativos sobre o movimento pedestre. estes e os canais da rua enfraquecem-se como suporte e atração para a manifesta-
O que essa informação significa em termos das relações entre características ção da copresença. As distribuições encontradas são assim consistentes com nossa
arquitetônicas e estímulos ou danos à vitalidade urbana? Do ponto de vista de uma teoria das tensões entre espaços e corpo. Esses achados permitem que se possa
busca por um arranjo de características que melhor responda à vitalidade, encontra- avançar também na teoria probabilística dos efeitos sociais da arquitetura. O fato
mos concentrações em torno de um tipo contínuo, aberto e bastante permeável em de que, entre todas essas complexidades, encontramos regularidades e relações não
sua fachada:15 a continuidade da linha de interface edifício-rua é a chave da tipologia deixa de ser surpreendente – fortes indícios do papel da morfologia arquitetônica, e
enquanto elemento ativo na vitalidade. A queda da presença de pedestres e ativida- fortes traços da existência de relações não contingenciais entre sociedade e espaço
des microeconômicas aparece consistentemente associada a arquiteturas que apre- operando já na escala do edifício e seu entorno.
sentam descontinuidade de fachadas, afastamentos, lotes de maior largura e muros. Mas esses achados colocam outra pergunta chave: eles seriam os mesmos em
Em outras palavras, ainda que itens como muros possam ser encontrados em dife- diferentes contextos sociais e geográficos? Encontramos relações marcantes entre
rentes tipos arquitetônicos, a análise mostra sua associação mais frequente com um aspectos sociais e espaciais em diferentes contextos em uma mesma cidade, ainda
tipo particular. A combinação dessas análises de regressão nos leva a concluir que que com diferentes intensidades. Um segundo momento desta pesquisa buscará
“pacotes” de características arquitetônicas aparecem bastante distinguíveis entre si, entender se diferenças contextuais em outras cidades, bem como diferenças de
e ambos têm relacionamentos também bastante distintos com o uso pedestre do grupo social, hábitos e valores e formas de sociabilidade podem afetar a extensão
espaço público. dos efeitos sociais da arquitetura.
Mais importante, esses resultados sugerem a necessidade da urgente atenção
à tipologia sendo hoje produzida em nossas cidades – predominantemente isolada,
Cidade: contingência, causalidade, contexto: conclusão empiricamente associada a condições de diluição da vitalidade urbana – na esfera
do planejamento urbano e seu debate franco na esfera pública.
Cidades são fenômenos onde há um enorme número de fatores ativos, com
implicações e interdependências e efeitos mútuos. Reconhecendo os cuidados do
argumento antideterminismo, devemos rejeitar a tese de implicações simples de Referências bibliográficas
causa e efeito entre fatores. Processos urbanos têm particularidades e diferenças as-
sentadas em condições contingenciais, como em contextos distintos e nas implica- FLORIDA, R. For Creative Cities, the Sky Has Its Limit. Wall Street Journal, 27 jul. 2012.
ções de ações cujas trajetórias são impossíveis de prever. A morfologia arquitetônica GEHL, J. Life between buildings: using public space. Washington, DC: Island Press, 2011.
é colhida em emaranhados dos quais reconhecemos apenas parte. GLAESER, E. (2010) The triumph of the city: how our greatest invention makes us richer, smarter,
Entretanto, o estudo das relações entre certos fatores espaciais e sociais apon- greener, healthier and happier. New York, Penguim
tam para a possibilidade de termos ao mesmo tempo indeterminação e causalidade GORDON, P.; IKEDA, S. Does density matter? In: ANDERSSON, D.; ANDERSSON, A.; MELLANDER,
nas relações entre arquitetura e a vitalidade urbana. Nosso método de confrontos C. (Eds.). Handbook of Creative Cities. [S.l.] Edward Elgar Pub, 2011.
entre aspectos urbanos via o rigor da estatística tem mostrado que fluxos pedestres HILLIER, B. et al.Natural movement: or, configuration and attraction in urban pedestrian
e a presença de atividades econômicas variam acompanhando em extensão consi- movement. Environment and Planning B: Planning and Design, v. 20, n. 1, p. 29-66,
derável as variações de componentes da arquitetura. 1993.
HILLIER, B.; HANSON, J. The social logic of space. Cambridge: University Press, 1984.
HOLANDA, F. DE. O espaço de exceção. Brasília: Editora da UNB, 2002.
15. Veja Saboya, Netto e Vargas (2013).
162 (Buscando) os efeitos sociais da morfologia arquitetônica Vinicius M.Netto | Julio Celso Vargas | Renato Saboya 163
JACOBS, J. Morte e Vida de Grandes Cidades. Martins Fontes, São Paulo, 2000 [1961].
NETTO, V.M. “O efeito da arquitetura: impactos sociais, econômicos e ambientais de
Espaços livres públicos:
uma análise multi dimensional
diferentes configurações de quarteirão”Arquitextos079.07, 2006.
NETTO, V.M. Cidade e Sociedade: As Tramas da Prática e seus Espaços. Porto Alegre: Editora
Sulina, 2013.
NETTO, V.M., VARGAS, J.C., SABOYA, R.T. “(Buscando) Os efeitos sociais da morfologia de apropriações e conflitos
arquitetônica”. Revista Brasileira de Gestão Urbana (Brazilian Journal of Urban
Management), v. 4, n. 2, p. 261-282, 2012.
PENN, A. et al.Configurational modelling of urban movement networks. Environment and Lucia Capanema Alvares
Planning B: Planning and Design, v. 25, n. 1, p. 59-84, 1998.
SABOYA, R., NETTO, V.M.; VARGAS, J. C. “Tipologias edilícias e vitalidade urbana: um estudo
de caso em Florianópolis.” In: Anais do XV Encontro da Associação Nacional de Pesquisa
Resumo | O conceito de espaços livres públicos (ELPs) está ainda em aberto e estrutura-
e Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional. Recife: UFPE, 2013.
-se nas vertentes do estudo da paisagem e das ciências sociais, da prática físico-ambiental,
SANTOS, C. N.; VOGEL, A.; MELLO, M. (1985) Quando a rua vira casa. São Paulo: Projeto.
da prática social e transdisciplinar. É no encontro de tais estudos e práticas que o conceito
VARGAS, J. C. “Densidade, paisagem urbana e vida da cidade: jogando um pouco de luz em construção surge: num primeiro momento significam aqueles espaços de livre acesso
sobre o debate porto-alegrense.” Arquitextos, v. 039, 2003.
do povo, e que recaem na maioria das vezes nos espaços livres de edificações, mas não
estão restritos a eles. É onde se podem observar as relações entre elementos construídos e
livres, os fluxos de pessoas e mercadorias, as interações sociais, conflituosas ou não. Serão
mais relevantes ambientalmente quando forem espaços vegetados ou residuais, economi-
camente quando se sobrepuserem à infraestrutura ou forem alvo da cobiça imobiliária, cul-
turalmente quando se associarem às identidades dos cidadãos e socialmente quando forem
espaços onde se conforma a esfera de vida pública. Este estudo propõe uma releitura das
representações, imaginários, apropriações e conflitos existentes nos ELPs, tomando-se por
base três dimensões não exaustivas e suas relações com os aspectos políticos e externos:
socioambiental, socioeconômica e sociocultural.
Como estudo de caso, escolheu-se uma comparação entre o Centro do Rio de Janeiro, por
sua riqueza identitária e como lócus principal da vita activa da cidade, e São Cristóvão, pela
disponibilidade de dados físico-ambientais coletados em estudos anteriores. Consideran-
do-se cada dimensão em seus aspectos principais, o estudo revela o que o projeto institu-
cional propõe histórica e atualmente para os espaços livres públicos do Centro do Rio e do
bairro de São Cristóvão e o que resulta das apropriações populares na realidade cotidiana.
Tanto no bairro como na região central o que se vai ler é uma apropriação que passa ao largo
do pretendido pelo poder público; a esfera pública se faz em ambos os espaços, em escalas
diferenciadas e diante de possibilidades também diferenciadas.
Abstract | The concept of open public spaces (OPS) is itself open and structured within
landscape studies, the social sciences, environmental and social practice and transdisci-
plinary. It is in the convergence of such studies and practices that the concept arises mean-
ing, at first, free access spaces, which fall mostly in spaces free of buildings, but are not
restricted to them. It is where one can observe the relationships between built elements
164 (Buscando) os efeitos sociais da morfologia arquitetônica Lucia Capanema Alvares 165
and flows of people and goods, social interactions, conflicting or not. They will be more Introdução
environmentally relevant when they are vegetated, economically relevant when overlap-
ping infrastructure lines or at real estate valued areas, culturally relevant when associated to Aos urbanistas parece ainda faltar uma metodologia de compreensão da pai-
local identities and socially relevant when they support a public sphere. This study proposes sagem urbana como lócus da vita activa, como produtora e produto da sociedade
a fresh look at representations, imaginaries, appropriations and conflicts in OPS taking on da diferença, como vêm demandando estudiosos da categoria de Milton Santos
three non-exhaustive dimensions and their relations to political and externalaspects: socio- – com sua abordagem de conteúdo socioespacial – e vêm tentando responder
environmental, socioeconomic, and sociocultural. alguns pesquisadores. Nessa perspectiva, este ensaio procura analisar sob a lógica
As a case study, we present a comparison between the Center of Rio de Janeiro, due to its do conflito urbano e das apropriações dos espaços livres públicos, como os cida-
identity as the mainlocus for vita activa in the city, and São Cristóvão, due to the availability dãos conformam a cidade e como esta última conforma as desigualdades de luga-
of physical and environmental data collected in previous studies. Considering each dimen- res, possibilidades e comportamentos. A desigualdade, marca inexorável da cidade,
sion in their main aspects, the study reveals 1) what, historically and up to this date, the é demonstrada e enfrentada de diversas formas, seja por caminhos institucionais,
institutional project proposes for the public spaces in both areas and 2) what follows from como nos Conselhos Populares ou no Ministério Público, seja através de manifesta-
popular appropriations in everyday reality. Both in the district and in the central region what ções em espaços urbanos ou de movimentos sociais organizados.
can be seen is an appropriation far from the desired by the government; the public sphere Como e onde são gerados e manifestos os conflitos? Que reivindicações, anseios
realizes itself in both areas, in different scales and under different possibilities. e frustrações emergem? É possível determinar as desigualdades socioespaciais criado-
Resumen | El concepto de espacios libres públicos (ELPs) todavía está abierto y se estructu- ras e criaturas dos conflitos através dos estudos de qualidade ambiental e urbanística?
ra en las áreas de estudio del paisaje, de las ciencias sociales, la práctica físico – ambiental, Como os conflitos se relacionam a essas qualidades da cidade? Como os múltiplos usos
la práctica social y transdisciplinar. Y en el encuentro de tales estudios y prácticas se deriva reais e potenciais estão ou estariam em conflito entre si e com as instituições? De que
el concepto en construcción: en un primer momento vale decir aquellos espacios de libre maneira a desigualdade socioespacial se expõe? Eis algumas das questões que este pro-
acceso del pueblo, y que recaen la mayoría de las veces en los espacios libres de edificacio- jeto procurou elucidar, aprofundar e contextualizar territorialmente.
nes, pero no se limita a ellos. Es el lugar donde se puede observar la relación entre los ele- A adoção de uma perspectiva crítica requer ainda a contextualização das prá-
mentos construidos y libres, flujo de bienes y personas, interacciones sociales conflictivas ticas políticas para e no espaço público urbano sob a ótica do capital e do trabalho;
o no. Serán más relevantes ambientalmente cuando sean espacios con vegetación o resi- melhor dizendo, e lançando mão das ideias de Lefébvre, Harvey e outros, a luta que se
duales, económicamente cuando se superpongan a la infraestructura o sean objetivos de la trava no espaço urbano é, em última instância, entre o capital em suas diversas formas
codicia inmobiliaria, culturalmente cuando se asocien las identidades de los ciudadanos y e o trabalho. Grandes empreiteiras, sistema financeiro, conglomerados multinacionais,
socialmente cuando sean espacios donde se conforma la esfera de vida pública. Este estu- especuladores imobiliários e todo um conjunto de atores capitalistas têm e exercem in-
dio propone una relectura de las representaciones, imaginarios, apropiaciones y conflictos teresses diretos e indiretos na cidade e, por conseguinte, nos espaços públicos urbanos.
existentes en los ELPs tomando como base tres dimensiones no exhaustivas y su relación Do outro lado está o trabalho, que tem no espaço não só seu meio de produção, mas
con los aspectos políticos y externos: socio ambiental, socioeconómica y sociocultural. também seu meio de reprodução, dependendo dele para exercer grande parte de suas
atividades e delas sobreviver. O terceiro grande componente da equação é o Estado,
Como estudio de caso, se optó por una comparación entre el Centro de Río de Janeiro, por
que embora teoricamente possa se aproximar de qualquer um dos lados, tem se colo-
su riqueza de identidades y como principal locus de vita activa de la ciudad, y el barrio de
cado sistematicamente junto ao capital – oscilações no caso brasileiro, consideradas em
São Cristóvão, por la disponibilidad de datos físicos y ambientales obtenidos en estudios
seus objetivos e consequências, serão foco de absoluto interesse.
previos. Considerando cada dimensión en sus aspectos principales, el estudio revela 1) lo
Como estudo de caso, escolheu-se uma comparação entre o Centro do Rio de
que propone históricamente y en la actualidad el proyecto institucional a los espacios públi-
Janeiro e o bairro de São Cristóvão. O primeiro, por sua riqueza identitária e como
cos del centro de Río y al distrito de San Cristóbal y 2) lo que resulta de las apropiaciones po-
lócus principal da vita activa da cidade, como atesta o Mapa de Conflitos Urbanos do
pulares en la realidad cotidiana. Tanto en el barrio como en la región central se va a leer una
Rio de Janeiro (www.observaconflitos.ippur.ufrj.br); o segundo, pela disponibilidade de
apropiación que está lejos de ser el deseado por el poder público; la esfera pública se hace
dados físico-ambientais, dada a já longa pesquisa realizada pelo Laboratório Qualida-
en ambos espacios, en diferentes escalas y delante de posibilidades también diferentes.
de do Lugar e Paisagem.
tóvão e de Santana, áreas verdes conservadas em meio a regiões 100% urbanizadas BENI, Mário Carlos. Análise Estrutural do Turismo (7ª Ed.). São Paulo: Senac, 2002.
e valorizadas, que se prestam mais como refúgio de outcasts que como amenidades BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz (14ª Ed). Rio de Janeiro:
para a reprodução do sistema lazer-trabalho. Parece-nos que as áreas de lazer sob Bertrand Brasil, 2010.
o reinado neoliberal tomam uma nova função, para além das já conhecidas e en- CÂMARA, Breno P. Insegurança pública e conflitos urbanos na cidade do Rio de Janeiro (1993-
gendradas pelo capital: a possibilidade higienista de esconder os não trabalhadores 2003). Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado, UFRJ, 2006.
1. Este texto foi publicado nos Anais do I Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo. Simpósio Temático: Espaço Público, Cidade e Equidade.
182 Espaços livres públicos Thereza Christina Couto Carvalho | Aline Lima Santos 183
sedimentação do referido capital genético da paisagem, com foco nos espaços públicos. simultánea de la gente, do medio ambiente físico y com sus numerosas relaciones. Estas
Para demonstrar o argumento, um conjunto de largos, praças e eixos viários foram selecio- relaciones definen combinaciones particulares (que se distinguen como un DNA) y que tien-
nados em Juiz de Fora, Minas Gerais, são eles o Parque Halfeld, a Av. Rio Branco, a Praça do den a persistir a lo largo de la permanencia de esos espacios en la malla y las relaciones que
Riachuelo, a Av. Getúlio Vargas, a Praça António Carlos, a Rua Independência e a Praça da se construyen, heredadas y nuevas, intercaladas en el tejido urbano de la ciudad. Las condi-
Estação. Todos localizados no Centro de Juiz de Fora. A gênese de cada um desses espaços ciones históricas, sociales y econômicas, morfológicas y ambientales, que caracterizan los
está relacionada a diferentes contextos específicos da formação da cidade, e a seus dife- contextos en los que se generaron, influíran en la definición de esos elementos, así como em
rentes agentes, tendo em comum o papel estruturador do tecido urbano que cada um dos sus combinaciones. Su percepción no puede prescindir sin embargo, de la perspectiva fun-
eixos de acesso então configurados desempenhou. A persistência dos largos e praças está cionalista que aborda esas condiciones sin dejar de reconocer que la inercia de las formas
associada à vitalidade daqueles eixos viários e das redes de ligação que construíram entre urbanas les da cierta autonomía que las simplificaciones funcionalistas tienden a descuidar.
si, com as pessoas que atraíram para a sua apropriação e com a cidade. La importancia y la necesidad de análisis histórico, por outro lado, no se adhiere al estudio
Abstract | Public spaces, meaning squares and streets in the environment – “intersecting de la ciudad del pasado para ignorar las relaciones que la preexistente formas urbanas tie-
public and private, individual and society, movement and place, the built and the unbuilt, nen con el presente, con otros elementos de la ciudad, reforzando combinaciones herdadas
architecture and planning”, the symbolic and the utilitarian – demands that simultaneous o recientes. És en este sentido que la ciudad de ló presente se afirma, donde las formas
attention be given to people, to physical environment, and to their numerous interrelations. urbanas, las calles, las plazas, el ancho, son mucho más que simples tradiciones o las traduc-
Roads turned into high streets, and open public spaces have been made useful, in differ- ciones de intenciones políticas del presente o pasado y están en constante proceso diná-
ent historic periods, for multiple economic purposes establishing, when certain conditions mico de sedimentación con perspectivas de futuro, a pesar de que profetizan su extinción
were preserved, new functional spatial links between different urban areas, and allowed new por obsolescencia. A partir da la investigación en curso, este artículo pretende presentar
social practices of survival. algunas perspectivas que pueden contribuir al estudio de las relaciones y las combinaciones
que conforman el capital genético de la sedimentación del paisaje con un enfoque en los
Changes that were made have, in some circumstances, helped to aggregate new uses,
espacios públicos. Para demostrar el argumento, un conjunto de plazas, plazas y carreteras
and to consolidate them, allowing necessary links between the existing grid – with all its
fueron seleccionados en Juiz de Fora, Minas Gerais. Estos son el parque Halfeld, AV. Rio Bran-
multiple functions, shapes and values, and new urban expansions. In other circumstances,
co, la Plaza del Riachuelo, AV. Getúlio Vargas, Praça Antônio Carlos, calle Independencia y
other changes have helped to condemn and to lose functional urban tissue and related
Plaza de la estación. Todos ellos situados en el centro de Juiz de Fora. La génesis de cada uno
networks of uses, meanings and values and social related constructions and expectations.
de estos espacios se relaciona con diferentes contextos específicos de la formación de la ciu-
This chapter adopts a network view to the matter of how humans relate to space as it ad-
dad y sus diversos agentes, y tienen en común el papel estructurador del tejido urbano que
dresses the role that the physical environment plays intertwining our lives to places and to
cada uno de los ejes de acceso configurados configuró. La persistencia de ancho y plazas
place-making.
están asociados con la vitalidad de lós ejes de vias y de las redes de conexión que construyó
Based on this perspective and on the preliminary results of the ongoing research the pro- uno con el otro, con gente atraída para La su apropiación, y con la ciudad.
posed chapter identifies on selected public spaces and routes in the city of Juiz de Fora, a
set of spatial and functional patterns of linkage, linking different genetic (qualitative) di-
mensions. It takes on board six here called genetic dimensions of the cultural heritage of a Introdução
city and its grid, how they are intertwined in the landscape. They are the economic, social,
morphological, environmental, and organizational dimensions together with accessibility A constituição de espaços públicos, aqui entendidos como largos, praças e
as a determinant condition. eixos viários de ligação, tem na sua forma física e inserção na malha da cidade, rela-
Resumen | La Constitución de espacios públicos, entendida acá como plazas amplia y eje ções recíprocas de intercomplementaridade. Da mesma forma, a localização desses
de conexión de vías, en su forma física e inserte en el tejido de la ciudad, las relaciones re- elementos no tecido urbano, materializando a interseção entre o público e o pri-
cíprocas de inter-complementaridade. El mismo fueron la ubicación de estos elementos en vado, o individual e o coletivo, entre “movimento e lugar, os âmbitos distintos do
el tejido urbano, materializando la intersección entre público y privado, lo individual y lo espaço edificado e aberto, entre arquitetura e planejamento”, entre o simbólico e o
colectivo, entre “movimiento y lugar, los diferentes ambitos del espacio construído y abier- utilitário e – demanda a atenção simultânea às pessoas, ao ambiente fisco e às suas
to, entre arquitectura y planificación”, entre lo simbólico y la utilidad y demanda atención numerosas relações.
184 O passado tem futuro? Thereza Christina Couto Carvalho | Aline Lima Santos 185
Essas relações definem combinações particulares (que as distinguem como Rio Janeiro (RJ), com a BR-267, que vai de Leopoldina (MG), passa pelo estado de São
um DNA) e que tendem a perdurar ao longo da permanência daqueles espaços na Paulo, indo até o Mato Grosso do Sul, na fronteira do Brasil com o Paraguai.
malha, e das relações que constroem herdadas e novas, entremeadas no tecido Ocupando uma área de 1.429,875 Km² e com uma população de 509.125 habi-
urbano da cidade. As condições históricas, sociais, econômicas, morfológicas e am- tantes3, Juiz de Fora é o município mais extenso e populoso da Zona da Mata. É consti-
bientais que caracterizaram os contextos em que foram gerados, influíram na defini- tuído por quatro distritos: Juiz de Fora – distrito sede, Torreões, Rosário de Minas e Sa-
ção daqueles elementos assim como também nas suas combinações. A sua percep- randira, e cerca de 99 % de sua população reside na área urbana (PREFEITURA, 2007).
ção não pode, todavia, prescindir da perspectiva funcionalista que trate daquelas A sua mancha urbana abrange aproximadamente 93,5 km², que correspon-
condições, sem deixar de reconhecer que a inércia das formas urbanas lhes confere dem a pouco mais de 23% da área urbana legal do município, deixando livres quase
certa autonomia que as simplificações funcionalistas costumam negligenciar. A im- 77% do espaço legalmente considerado urbano. Ainda assim, nem toda a mancha
portância e a necessidade da análise histórica, por outro lado, não podem se ater ao urbana está ocupada ou homogeneamente ocupada, fundamentalmente por conta
estudo da cidade do passado pretendendo ignorar as relações que as formas urba- da natureza geográfica da topografia do sítio.
nas pré-existentes têm com o presente, com outros elementos da cidade, reforçan- O município também se destaca no contexto regional pelo alto índice de de-
do combinações herdadas ou recentes. É nesse sentido que a cidade do presente se senvolvimento humano, de 0,828 (PREFEITURA, 2007). Em relação à economia, apre-
afirma, onde as formas urbanas, as ruas, as praças, os largos são muito mais do que senta significativa representatividade no setor de serviços e indústria, com ênfase
simples tradições ou traduções de intenções políticas do presente ou do passado, para as atividades de ensino superior, siderurgia, produção alimentar e têxtil4 (FUN-
e estão em permanente processo de sedimentação dinâmica com perspectivas de DAÇÃO João Pinheiro, 2006).
futuro, a despeito dos que profetizam a sua extinção por obsolescência.
A partir de pesquisa em andamento, este artigo2 busca apresentar algumas
perspectivas que possam contribuir para os estudos das relações e das combinações Área analisada – as praças escolhidas
que formam a sedimentação do referido capital genético da paisagem, com foco
nos espaços públicos. Para demonstrar o argumento, um conjunto de largos, praças Em 1854, o Largo da Câmara, atual Parque Halfeld, surge com o traçado da Es-
e eixos viários foram selecionados em Juiz de Fora, Minas Gerais, são eles o Parque trada Nova do Paraibuna, próximoà Câmara Municipal e Cadeia. A Companhia União
Halfeld, a Av. Rio Branco, a Praça do Riachuelo, a Av. Getúlio Vargas, a Praça Antônio e Indústria aparece como segundo agente de formação da cidade com a construção
Carlos, a Rua Independência e a Praça da Estação. Todos localizados no Centro de Juiz da Rodovia União e Indústria, a partir da qual se configura o Largo da União e Indús-
de Fora. A gênese de cada um desses espaços está relacionada a diferentes contextos tria, atual Praça do Riachuelo, na mesma época. A Praça Antônio Carlos, antigo Largo
específicos da formação da cidade, e a seus diferentes agentes, tendo em comum o da Alfândega Seca (alfândega ferroviária), surge de um aterro e da singularidade e
papel estruturador do tecido urbano que cada um dos eixos de acesso então confi- importância estratégica dessa função. Por fim, o Largo da Estação, atual Praça da
gurados desempenhou. A persistência dos largos e praças está associada à vitalidade Estação, que a chegada da Estrada de Ferro do Brasil, em 1875, define pontuando
daqueles eixos viários e das redes de ligação que construíram entre si, com as pessoas uma nova área de expansão da cidade.
que atraíram para a sua apropriação e com a cidade.
Morfologia – algumas dimensões
Contexto
Os caminhos de acesso criados por iniciativas voluntaristas de diferentes em-
A cidade de Juiz de Fora possui uma localização privilegiada, por conta da preendedores transformaram-se em corredores estruturadores da cidade de Juiz de
proximidade com as principais metrópoles do Sudeste brasileiro, no entroncamen- Fora. A época em que esses espaços foram configurados corresponde à segunda
to da BR-040, que liga o município às capitais Brasília (DF), Belo Horizonte (MG) e metade do século XIX. Faziam-se sentir no Brasil de então as repercussões da indus-
trialização de processos produtivos que tinham lugar na Europa, particularmente na
área da geração de energia e dos transportes de longa distância. A região da Zona
2. Este artigo sintetiza alguns dos resultados e reflexões que serviram de base para a criação da Rede de Cooperação
para o Urbanismo em Escala Regional e Ordenamento Territorial, da qual hoje fazem parte um conjunto de professores, 3. De acordo com a estimativa do IBGE, em 01 de julho de 2006.
pesquisadores e alunos da UFF, UFRJ e UFRV no Rio de Janeiro. 4. Dados referentes ao ano de 2004.
186 O passado tem futuro? Thereza Christina Couto Carvalho | Aline Lima Santos 187
da Mata, onde as mencionadas repercussões materializavam mudanças significati- minhos de desenvolvimento e de crescimento econômico que diferentes empreen-
vas na morfologia urbana da cidade de Juiz de Fora, destacava-se pela força da sua dedores buscaram para si naquele território, literalmente, ou seja, rotas e percursos,
economia agrícola. Principal produtora e exportadora de café no estado de Minas com tipologias de parcelamentos distintos direcionados para diferentes propósitos.
Gerais, responsável por 60% da arrecadação provincial na década de 1870 (Pinheiro, O “motor” da industrialização imprime maior velocidade aos fluxos de mercado-
2005), os padrões espaciais de uso e ocupação do seu território representam uma rias que a rodovia em primeiro lugar, e a ferrovia depois, passam a permitir sobre o
ruptura com o passado histórico de Minas Gerais, marcado pelo ciclo do ouro. Apre- eixo que liga a Praça do Riachuelo ao Largo da Alfândega Seca. Essa nova dinâmica
senta características do século XIX como o liberalismo, a iniciativa privada, a crença marca a paisagem com novos padrões relacionais arquitetura/ funções produtivas/
no progresso, a evolução trazida pela máquina a vapor e pela eletricidade, o ecletis- novas comunidades de trabalhadores migrantes.
mo do estilo arquitetônico e outras manifestações de um pensamento com tendên- A Estrada Nova, posteriormente renomeada Av. Rio Branco, apresenta uma ti-
cia a romper com o estabelecido. Essa mesma mentalidade vai também repercutir pologia de quarteirões e lotes pequenos traçados pelo engenheiro Heinrich Halfeld.
sobre a morfologia urbana de Juiz de Fora sob as formas de novas tipologias urba- A doação de áreas em locais estratégicos para a destinação de funções públicas sin-
nísticas e arquitetônicas. gulares na cidade proporciona a Halfeld as condições para transformar a Estrada Nova
A fragilidade do Poder Público, associada ao empreendedorismo ‘voluntario- em Rua Direita, organizadora do espaço urbano da vila e alavanca da valorização do
so’ dos três agentes privados – H. Halfeld, Mariano Procópio e Bernardo Mascare- assentamento que passa a ser reconhecido como cidade de Paraibuna, em 1856. Apa-
nhas, reforçou as condições que permitiram aquelas variadas formas de apropriação rentemente o propósito do investimento era a valorização imobiliária que a nobreza
do território. arquitetônica dos prédios remanescentes, hoje, indica em contraste com a simplicida-
Contextos tão distintos de geração de riquezas têm diferentes “pegadas” de da tipologia arquitetônica constatada à época da abertura da estrada.
no território, aqui entendidas como matrizes espaciais relacionais que marcam a A constituição de outro caminho desviando aproximadamente 45 graus da
morfologia da cidade, abrangendo um conjunto de fatores de diferentes dimen- Estrada Nova, iniciativa capitaneada por Mariano Procópio, faz a primeira rodovia
sões qualitativas. Emergem da pesquisa as seguintes dimensões – legal ou institu- da America Latina – chamada Estrada União Indústria e marca no território um novo
cional nas regras de permissão dos usos e apropriações do território ali praticadas; eixo de evolução. Inaugurada em 1860, cria uma tensão entre as duas tendências
a dimensão ambiental nas formas de exploração do potencial geo-morfológico do de expansão e adensamento com a formação de outro Centro, de natureza bem di-
local e dos recursos naturais demandados pelos processos de produção; a dimen- versa, com a convergência de fábricas de tecido, de cerveja, entre outras, e introduz
são morfológica nas tipologias e padrões de ocupação do solo, nas redes formadas outra tipologia com lotes e quarteirões grandes para atrair indústrias. Os migrantes
pelas intercomplementaridades funcionais e contiguidades espaciais; a dimensão alemães trazidos para a construção da primeira rodovia da América Latina também
da acessibilidade nos caminhos definidos e nos fluxos que se seguiram de matéria contribuem para o enriquecimento daquela morfologia.
prima, de pessoas e de mercadorias; a dimensão econômica dos processos de produ- A rede ferroviária construída posteriormente em área próxima e paralela à ro-
ção escolhidos para a geração de riquezas e sua distribuição entre poderes públicos dovia concorre e reforça, ao mesmo tempo, a atração que as inovações tecnológicas
e privados; a dimensão social percebida nas respostas da população à atração que que para ali convergem, aplicadas em novos processos de produção, exerciam. Essa
aquelas novas iniciativas exerciam, na apropriação e na agregação de novas funções concentração estimula a expansão da produção industrial, da comercialização e da
e padrões de ocupação que geraram, e a dimensão cultural que o reconhecimento circulação de mercadorias, ao mesmo tempo em que repercutem sobre a atração
social do conteúdo simbólico atribuído às práticas de uso e apropriação do território de novas apropriações correspondentes do território da cidade, que se agregam e
anteriormente descritas imprimiram. consolidam um novo Centro, de predominância fabril, com dinâmica própria.
A convergência das singularidades nas várias dimensões econômica, insti-
tucional, morfológica, ambiental, social, cultural e de acessibilidade que passam a
Morfologia e Gênese – repercussões sobre as tipologias distinguir a cidade, atrai outros interesses que imprimem àquele território, novos
saberes, novos valores e novas expectativas. A primeira hidrelétrica da América
A Praça do Riachuelo, situada na divisão do caminho original de acesso à Latina é ali construída em 1889, chamada de Usina de Marmelos, fato que por sua
cidade que a Estrada Nova indicava, marca na paisagem a atração e a convergência vez amplifica ainda mais a atração de novas apropriações e agregações associadas,
de interesses que se seguem, ao mesmo tempo em que sinaliza a disputa pelos ca- consolidando-se a identidade e o valor dos processos industriais de produção.
188 O passado tem futuro? Thereza Christina Couto Carvalho | Aline Lima Santos 189
O triângulo composto pela Estrada Nova (Av. Rio Branco), pela União Indústria constituem, hoje, aproximadamente 3.000m de caminhos pedonais, em sua grande
(Av. Getúlio Vargas) como direção e pela linha ferroviária paralela fechava a tercei- maioria concentrados no triângulo menor constituído pelas praças Riachuelo, Parque
ra aresta com um dos braços do Rio Paraíbuna, aterrado em 1890, dando lugar ao Halfeld e Antônio Carlos.
Largo da Alfândega Seca. Esta função de cobrança das taxas sinaliza a presença do
Poder Público e a sua participação na configuração daquela área.
O Córrego Independência foi parcialmente canalizado em 1934, data que marca Gênese 1 – Os agentes produtores do espaço no tempo
a mudança de nome, de forma e de função do Largo da Alfândega – que passa a ser a
Praça António Carlos, em meio a quarteirões grandes industriais – a quem ela serve? Halfeld constitui-se como o primeiro agente no processo de origem dos espa-
Uma intervenção realizada pelo Poder Público em 1960 aterra o restante do córrego ços públicos estudados. A Companhia União e Indústria, representada por Mariano
e faz a Rua da Independência, e com ela introduz outra tipologia no território. Rua Procópio, aparece como segundo agente, em 1861, ao propiciar a construção da Ro-
com escala de desenho maior que as anteriores, parâmetros distintos de ocupação dovia União e Indústria, a partir da qual se forma o Largo da União e Indústria – atual
e destinação mista – residência, comércio e serviços – liga o Centro a vários bairros Praça do Riachuelo. O terceiro agente é constituído pela Estrada de Ferro D. Pedro
da zona sul e serve, também, como um dos caminhos de entrada e saída da cidade, II, em 1875, investimento privado com o beneplácito do Poder Público que estabe-
chegando até a BR-040, que liga o município às capitais Brasília (DF), Belo Horizonte lece outro eixo de crescimento demarcando outra área de expansão da cidade em
(MG) e Rio Janeiro (RJ). Equipamentos de maior porte como a Universidade Federal direção ao Rio Paraibuna, proporcionando o surgimento do Largo da Estação – atual
de Juiz de Fora (na cabeceira da rua), várias escolas, supermercados e hospitais sina- Praça da Estação. Dessa maneira, assim como nos casos anteriormente citados, a
lizam a significativa mudança dimensão acessibilidade dispara mais um eixo/vetor de formação do espaço.
N
de escala do desenho urbano
e na tipologia. A inserção do
Shopping Independência, o
maior da cidade, marca a pai- Praça do Riachuelo
distinta é introduzida na
cidade com a primeira galeria Praça Halfeld
pedestres, ao comércio e ao
consumo, por dentro de edi-
ficações privadas. Inaugurada
em 1925 por migrantes ita-
lianos (muito provavelmente
segundo modelo Milanês de
referência), permite e promo-
ve a densificação do uso co-
mercial com menores custos Planta do Centro de Juiz de Fora, com a marcação dos espaços Vista do Parque Halfeld, no início do século XX; Vista da Praça da Estação, na década de 1930; Vista da Praça
0 100 250 500
adicionais. Foi seguida de públicos do estudo. 0 do Riachuelo, em 1934 e Vista da Praça Antônio Carlos, em 1934
190 O passado tem futuro? Thereza Christina Couto Carvalho | Aline Lima Santos 191
Por fim, a construção da Alfândega Seca do Estado, iniciada por volta de 1893, 3. Relações entre eixos, largos e praças e a grande escala física de espaços/
deu origem à constituição do último largo do núcleo histórico da cidade, o Largo da edificações monofuncionais – na Rua da Independência e Praça Antônio Carlos.
Alfândega Seca – atual Praça Antônio Carlos, para o exercício da cobrança mencio-
nada. Porém, antes da edificação da Alfândega, a instalação da Companhia Têxtil
Bernardo Mascarenhas e da Companhia Mineira de Eletricidade impulsionaram o As Praças – as transformações e as persistências
desenvolvimento da área. Dessa forma, Bernardo Mascarenhas, junto com o Poder
Público, pode ser considerado o quarto agente de formação dos espaços analisados. Por conta das singularidades em termos de localização (em frente à Estação
Ferroviaria), funções econômicas e o reconhecimento social e político, o comércio
logo se desenvolveu ao redor da praça. Esta passou a assumir, por agregações su-
Gênese 2 – Largos, eixos e praças, escalas de transição e cessivas, a função centralizadora de diversas atividades produtivas e de serviços.
de permissão No final do século XIX, foi construído o Grande Hotel Renascença, famoso em todo
o país pelo requinte e luxo. Várias personalidades em visita a Juiz de Fora, como os
Cabe aqui uma breve explanação sobre largos e como estes estão sendo aqui presidentes Getúlio Vargas e Arthur Bernardes, além de Rui Barbosa e o Rei Alberto,
entendidos. Um grande número dos largos visitados na etapa da pesquisa realizada da Bélgica, hospedaram-se no hotel. A praça tornou-se ponto de referência e palco
em Lisboa parece constituir espaços intersticiais de transição entre distintas morfo- de grandes acontecimentos públicos da cidade, como a chegada de autoridades, os
logias e suas respectivas lógicas de configuração. A permissividade é característica comícios e as manifestações políticas e sociais. A obsolescência permitida do trans-
fundamental e necessária dos espaços de transição.5 Percebida como condição obri- porte ferroviário gerou repercussões negativas sobre as áreas que anteriormente
gatória de evolução, a relativa leniência pode proporcionar as condições necessárias ‘irrigou’.
para abrigar diferentes formas e propósitos de apropriação (assim como as variadas A Praça Antônio Carlos, como foi renomeado o Largo da Alfândega Seca,
funções que abrigaram) que, em muitos casos, se consolidam em ritmos distintos constitui um exemplo da anulação da centralidade por eliminação de singularida-
para reconhecimentos e valorizações futuras. Ao Poder Público caberia reconhecer e des atrativas. Uma vez polo de atração pela singularidade da função pública estra-
valorizar o mencionado patrimônio genético, ainda vivo no presente, e as múltiplas tégica que desempenhava para a dinâmica econômica da região, o Largo apresen-
relações de intercomplementaridades que este exerce e abriga, e nas quais os usu- tava relativa fragilidade na sua ligação com a cidade, uma vez que tangenciava um
ários e residentes se apóiam para estabelecer suas relações com a cidade. Portanto, córrego não navegável e parcialmente canalizado. Duas forças de transformação se
neste artigo, contesta-se a definição de largo como “espaço residual” (Lamas, 2004), colocam em campo. A eliminação gradativa da centralidade se dá em decorrência
uma vez que o significado de ‘sobras’ não corresponde ao papel articulador de mu- da “morte” da ferrovia e das suas repercussões sobre as atividades econômicas que
danças e transformações que os largos exercem. ela apoiava e vice-versa, e, consequentemente, a obsolescência da Alfândega Seca e
Os eixos, largos e praças encontrados em Juiz de Fora apresentaram relações a sua absorção por outra função pública, esta, no entanto, com muito menor poder
espaciais e funcionais distintas com as áreas onde estavam inseridos. de atração – o quartel do exército, que ocupa toda uma aresta da Praça, de formato
1. Relações entre eixos, largos e praças e atributos físico-morfológicos distin- aproximadamente triangular. Essa aresta e sua interface com os fluxos da cidade
tos: tipologias de quarteirões, de ruas e de passeios distintas; escalas de diferentes deixam de ser atrativas e a inércia em trechos de um tecido urbano não significa
grandezas que caracterizavam esses elementos, os espaços abertos e as edificações neutralidade, mas sim estagnação e sua repercussão imediata – a deterioração. Em
lindeiras – na Praça Riachuelo e na Av.Presidente Vargas. termos de dinâmica dos processos de configuração urbana, não importa quão bem
2. Relações de atributos físico-morfológicos e múltiplas funcionalidades atra- pintado esteja o muro que a cerca, quando deixa de atrair funções socialmente re-
ídas pelas singularidades morfológicas dos eixos, largos e praças: o pequeno, o conhecidas como legítimas, começa a atrair as outras, as negativas.
médio e o grande comércio, rótulas viárias, equipamentos de serviços públicos com
diferentes patamares de atração – no Parque Halfeld e na Av. Rio Branco.
5. Em alguns casos essas apropriações temporárias se manifestavam sob a forma de estacionamentos na área integral
do espaço público aberto.
192 O passado tem futuro? Thereza Christina Couto Carvalho | Aline Lima Santos 193
Linha-do-tempo zamento da cidade, prometendo fazer doações de terra aos proprie-
tários da Rua Direita que construíssem jardins gradeados em frente às
Século XIX Com o fim do ciclo do ouro e a expansão da economia cafeeira, o go- suas casas.
verno de Minas Gerais contrata o engenheiro prussiano Heinrich Wi- 1856 A cidade recebe a primeira leva de imigrantes alemães, para constru-
lhelm Halfeld para construir uma nova estrada em 1836. ção da Estrada.
1838 Inaugurada a Estrada Nova do Paraibuna, que agregou em grande 1860 A Câmara Municipal solicita ao engenheiro alemão Gustavo Dodt a
parte o trajeto já existente do Caminho Novo, ampliando-o. Começa elaboração da primeira planta cadastral da cidade e de um plano para
a se formar o povoado de Santo Antônio do Paraibuna, que em seu ordenar a expansão da cidade, no qual as ruas perpendiculares à Rua
trecho de reta, consolidar-se-ia como um dos principais eixos de ocu- Direita deveriam ser abertas até a Serra adjacente à cidade, o Morro do
pação da localidade, provocando o abandono progressivo da região à Imperador. Tanto as ruas existentes quanto as novas deveriam adequar-
margem oposta do Rio Paraibuna, onde se situava o sobrado do juiz de -se ao novo percurso entre Juiz de Fora e o Rio de Janeiro constituído
fora. pela União e Indústria.
1840 Halfeld se casa com Cândida Carlota, filha de Antônio Tostes, e imple- 1861 Inauguração da Rodovia Companhia União e Indústria, que ligava Juiz
menta um processo de desenvolvimento para a ocupação das terras do de Fora a Petrópolis, encurtando o caminho entre Minas e a Corte, com
sogro, inclusive com a doação de terrenos. o objetivo de facilitar o transporte de mercadorias e, principalmente,
1850 O povoado é elevado à categoria de vila, ainda com a denominação de do café. É considerada a primeira rodovia da América Latina.
Santo Antônio do Paraibuna. Por conta de um erro na publicação da lei, 1863 É formada a Colônia Dom Pedro II, nas terras de Mariano Procópio, onde
a instalação da vila só ocorreu em 1853. No início da década de 1850 a foram construídas casas para as famílias alemãs. É estabelecido outro
malha urbana da localidade foi se constituindo a partir de um desenho Centro urbano (conhecido como Estação de Juiz de Fora) por Mariano
de ruas riscado por Halfeld, que se apropriou da Estrada do Paraibuna, Procópio, independente e distante daquele desenhado por Halfeld.
tornando-a a principal rua da localidade – Rua Direita, atual Avenida
1865 A cidade é nomeada, por lei provincial, como Juiz de Fora.
Rio Branco.
1868 Início das obras de abertura e calçamento de ruas, de escavação e ca-
1855 De acordo com a planta desenhada por Halfeld, o engenheiro traçou
peamento de canais para a evasão de esgotos e drenagem das águas
uma perpendicular, que deu origem às ruas da Califórnia e da Câmara
pluviais.
(as duas formam a atual Rua Halfeld) e a um largo (atual Parque Hal-
feld), onde doou terrenos para a construção da Câmara Municipal e 1870 – 1920 A cidade assistiu a um crescimento de 277 % em relação aos estabeleci-
do Fórum. Também previu loteamentos para casas e uma área para a mentos industriais e comerciais. O capital acumulado na cidade, com as
localização da Igreja Matriz – atual Catedral Metropolitana. Começa atividades agroexportadoras, permitiu direta ou indiretamente, o surto
a ser desenvolvido outro eixo de expansão urbana, incentivado pelo de industrialização local.
Comendador Mariano Procópio Ferreira Lage: a Rodovia Companhia
1875 A Ferrovia Dom Pedro II chega à cidade, que se tornou um relevante
União e Indústria, cujo desenho foi orientado pelo curso do Rio Parai-
centro ferroviário de Minas Gerais.
buna e que propiciou a formação da Praça ou Largo da União e Indús-
tria, onde hoje é a Praça do Riachuelo. 1877 É inaugurada a Estação de Juiz de Fora, que permitiu o surgimento
do Largo da Estação e consolidou as ruas Halfeld e Marechal Deodoro
1856 A vila passou a ser a cidade do Paraibuna e para comemorar o fato
como eixos comerciais. Com o desenvolvimento da lavoura cafeeira, o
também foram abertas, perpendiculares à Rua Direita, as ruas Imperial
eixo ferroviário se expande e a cidade passa a ser servida também pela
(ou da Imperatriz, atual rua Marechal Deodoro) e do Cano (rua Sam-
Estrada de Ferro Leopoldina, que a atravessa no sentindo norte-sudes-
paio), e paralelas, as ruas Santo Antônio e Formosa (rua do Comércio,
te, enquanto a Estrada de Ferro Dom Pedro II segue no sentido leste-
atual rua Batista de Oliveira). A Câmara Municipal incentiva o embele-
194 O passado tem futuro? Thereza Christina Couto Carvalho | Aline Lima Santos 195
-oeste. O estabelecimento da ferrovia, ainda mais próximo às margens um largo – atual Parque Halfeld, ao longo dos quais alguns terrenos foram apropria-
do rio Paraibuna, se comparado com o da União e Indústria, salientou dos para a construção dos prédios públicos com funções singulares como a Câmara
o avanço tecnológico sobre a sinuosidade do rio, considerando que as Municipal e o Fórum. Também previu loteamentos para casas e uma área para a
inundações no local já podiam ser controladas. localização da Igreja Matriz – atual Catedral Metropolitana. Em 1856, a vila passou
a ser a Cidade do Paraibuna e para comemorar o fato, também foram abertas, per-
1881 Foram inaugurados os bondes à tração animal na cidade, cujas linhas
pendiculares à Rua Direita, as ruas Imperial ou da Imperatriz – atual Rua Marechal
iam da Rua Direita à Estação, servindo as ruas Halfeld, da Imperatriz, do
Deodoro – e do Cano – atual Rua Sampaio –, e paralelas, as ruas Santo Antônio e For-
Comércio e Espírito Santo.
mosa – Rua do Comércio, atual Rua Batista de Oliveira (PASSAGLIA, 1983). A Câmara
1888 Montagem da Tecelagem Bernardo Mascarenhas. Municipal incentiva o embelezamento da cidade, prometendo fazer doações de
A instalação da fábrica, junto à União Indústria e em um ponto perifé- terra aos proprietários da Rua Direita que construíssem jardins gradeados em frente
rico da malha urbana, no desaguadouro do córrego da Independên- às suas casas. Nove anos depois, a cidade é nomeada, por lei provincial, como Juiz
cia, trouxe mudanças significativas para o local, pela necessidade de de Fora (OLIVEIRA, 1966).
retificação do Rio Paraibuna para evitar inundações e para permitir a
expansão posterior da tecelagem.
Considerações finais
1889 Construção da primeira usina hidroelétrica do país, a Usina de Marme-
los, que possibilitou a iluminação da cidade e a atracão de novas indús- Desde a sua implantação, os espaços públicos analisados sofreram inúme-
trias, por iniciativa e com investimentos do industrial Bernardo Masca- ras intervenções, mas é possível perceber que alguns aspectos marcantes da sua
renhas. gênese continuaram refletindo no seu uso, até os dias de hoje.
Os pensamentos dos agentes de formação dos espaços – Halfeld, Mariano
1893 Instalação da Alfândega Ferroviária, cujo pátio fronteiro definiu a con-
Procópio e Bernardo Mascarenhas – deixaram marcas e influências no território. O
formação do último largo na área central histórica da ciade, o Largo da
Parque Halfeld, estabelecido a partir de um traçado regular de ruas proposto por
Alfândega.
Halfeld, com seu desenho que buscava uma identificação com o paisagismo inglês,
1906 Foram instalados bondes elétricos, que utilizam os mesmos trilhos dos apesar das formas um tanto rígidas, diferencia-se das outras praças que tinham a
antigos movidos à tração animal. modernidade e a industrialização trazidas por Mariano Procópio e Bernardo Masca-
Década 1920 Limitações do setor industrial e o declínio da economia cafeeira contri- renhas como referência.
buíram para a modificação do perfil da cidade, que passou de Centro A questão do transporte acompanha a Praça do Riachuelo desde a sua cons-
comercial atacadista para um polo prestador de serviços. tituição até as modificações de trânsito e a incorporação das ilhas da Praça, para
orientar o tráfego. A união dessas já está sendo implementada pela prefeitura para
1925 Inaugurada a Galeria Pio X, primeira galeria de Juiz de Fora, idealizada
impedir o estacionamento na área.
e executada por imigrantes italianos – Rosino Baccarini e a Construtora
A Praça Doutor João Penido carrega desde a sua gênese até a atualidade sua
Pantaleone Arcuri.
ligação com a ferrovia, que é expressa inclusive em sua denominação, sendo mais
A transformação da antiga fábrica de tecidos do Bernardo Mascarenhas em conhecida pela população como Praça da Estação. O fator transporte também apa-
Centro Cultural, e a subsequente apropriação da Praça como extensão do Centro, rece nas alterações sofridas na Praça Antônio Carlos, quando ela se tornou uma ro-
começa a reverter essa tendência, ainda que parcialmente, pela falta de “dialogo” tatória, na década de 1960, com a conclusão das obras da Avenida Independência.
com a face integralmente murada correspondente ao quartel. Ao longo da Av. Getú- Apesar da última intervenção realizada, que buscou a integração do Centro Cultural
lio Vargas, próximo à Praça, subsistem lojas e usos comerciais diversificados, alimen- Bernardo Mascarenhas com a Praça, seu esvaziamento reflete até hoje o isolamen-
tados, também, pela parada de ônibus. to característico de uma rotatória, sem ligação com o entorno, servindo apenas de
Com base na Rua Direita, o engenheiro traçou uma perpendicular, que deu passagem para os pedestres.
origem às ruas da Califórnia e da Câmara – as duas formam a atual Rua Halfeld – e a
196 O passado tem futuro? Thereza Christina Couto Carvalho | Aline Lima Santos 197
O declínio das áreas do entorno e das três praças – Riachuelo, Doutor João ção e facilidade de acesso, um número maior de usuários do que a Praça Antônio
Penido e Antônio Carlos – aparece relacionado com a redução da primazia da Carlos. Essa Praça, com a transformação da antiga Fábrica Bernardo Mascarenhas
Rodovia União Indústria e com a decadência do transporte ferroviário e da indus- em Centro Cultural e com a intervenção nela realizada, teve grande parte do seu uso
trialização. condicionado à ocorrência de eventos, permanecendo praticamente vazia durante
A dimensão da acessibilidade aparece como a dimensão de formação e de- quase todo o tempo.
senvolvimento que une os quatro espaços, já que, além das modificações ocorridas Com poucas opções de lazer e de atração, esses locais abrem espaço para
ao longo do tempo nas praças, o Parque Halfeld foi implantando dentro da regula- a ocupação por moradores de rua, expondo a apropriação seletiva e diferencia-
ridade do esquema de ruas feito a partir do traçado da Estrada Nova do Paraibuna, da de territórios. A prefeitura tenta atrair novo público, através de eventos cultu-
que ligava a Vila Rica ao Rio de Janeiro. rais, solução paliativa que vem sendo empregada também na Praça do Riachuelo,
Apesar da proximidade entre os quatro espaços, o Parque Halfeld é o que onde os moradores de rua se estabelecem na área em volta e nas proximidades do
possui a localização mais privilegiada, sendo que seu entorno se destaca pela diver- Monumento em homenagem aos pracinhas, que permanece fechado por grades
sidade de usos. A Praça do Riachuelo, por conta de sua localização, com intenso uso e vazio durante a maior parte do tempo. O que esta pesquisa também questiona
comercial e de prestação de serviços existente ao redor, privilegia as classes mais é qual a frequência dos acontecimentos culturais a ser adotada para que ocorra a
populares. Os pontos de ônibus existentes no entorno do Parque Halfeld e da Praça mudança desejada, e se é realmente possível alterar o uso diário desses espaços
do Riachuelo contribuem efetivamente para a movimentação das pessoas nesses apenas com eventos.
espaços, ao contrário do que acontece nas Praças da Estação e Antônio Carlos, onde Nos quatro espaços são apontados problemas relacionados à presença de
os pontos das proximidades pouco interferem na concentração de usuários. As duas moradores de rua, que ocupam, nos espaços públicos, áreas de menor articulação
últimas praças mencionadas apresentam características comuns quanto ao entorno, com o entorno, gerando sensações de insegurança, desordem e desconforto, preju-
com um rico conjunto arquitetônico que, entretanto, não está integrado às mesmas, dicando a manutenção e vitalidade desses espaços e afastando muitos usuários. No
em termos de atividades. Parque Halfeld, os moradores de rua destacam-se pela sua quantidade e se situam
Os usos e apropriações podem servir tanto para atrair, como também para em sua margem posterior, menos movimentada, voltada para a Igreja de São Se-
afastar as pessoas dos espaços. As áreas nesses espaços, onde as condições de uso e bastião, cujo uso é restrito aos dias e horários de celebração, demonstrando como o
abandono foram encontradas, reafirmaram as etapas do processo de sedimentação entorno interfere no uso ou esvaziamento dos espaços.
dinâmica (Carvalho e Dias Coelho, 2009). Além disso, foi possível constatar como o
conforto físico, psicológico e social podem reduzir as ameaças ao convívio público
(CARR et al., 1992). Referências Bibliográficas
Dos quatro espaços analisados, o Parque Halfeld é o que apresenta a maior
CARVALHO SANTOS, T. C. Espaço Público, Morfologia e Fragmentação – Rupturas e Mutações
diversidade de equipamentos e atividades para seus usuários, assim como a maior
no Ordenamento do Território. In: 6º Fórum de Pesquisa FAU – Mackenzie, Anais...,
possibilidade de usos e apropriações. Além disso, é o espaço que foi melhor adap- outubro de 2010, CD – Rom.
tado, de acordo com as mudanças de comportamento da população, apesar das
DIAS COELHO Carlos. A Praça em Portugal. Lisboa: DGOT, 2007.
inúmeras críticas recebidas depois de cada intervenção que sofreu. Em seguida,
ESTEVES, Albino. Álbum do Município de Juiz de Fora. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1915.
aparece a Praça do Riachuelo, que apesar de não apresentar grande diversidade do
seu mobiliário urbano, possui uma relação muito forte com o entorno e comporta FUNDAÇÃO João Pinheiro. PIB Minas Gerais – Municípios e Regiões 1999 – 2004. Informativo
CEI – Centro de Estatística e Informações. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro,
diversos usos e apropriações.
2006.
As duas Praças que apresentam menor uso são aquelas que sofreram grandes
GIROLETTI, Domingos. A industrialização de Juiz de Fora: 1850 a 1930. Juiz de Fora: Editora da
intervenções mais recentes, o que traz de volta o questionamento da compatibili-
Universidade Federal de Juiz de Fora, 1988.
dade dos critérios de desenho urbano nessas reformas com as ações e atividades
LESSA, Jair. Juiz de Fora e seus pioneiros: do Caminho Novo à Proclamação. Juiz de Fora: UFJF/
da população anteriormente ali realizadas. A Praça da Estação, essencialmente ca-
FUNALFA, 1985.
racterizada como local de passagem e cenário para seu conjunto arquitetônico, não
oferece variedade de atividades. Mesmo assim, recebe, por conta da sua localiza-
198 O passado tem futuro? Thereza Christina Couto Carvalho | Aline Lima Santos 199
MANGIN David; PANERAI Philippe. Projet urbain. Marseille: Éditions Parenthèses, 2005. 4. CIDADE CONTEMPORÂNEA: IDEOLOGIA E MERCADO
OLIVEIRA, Paulino de. História de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Gráfica Comércio e Indústria LTDA,
1966.
Arquitetura da violência:
PREFEITURA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA. Atlas Social: Diagnóstico. Juiz de Fora: Editora
Biblioteca Municipal de Juiz de Fora, 2007.
200 O passado tem futuro? Sonia Maria Taddei Ferraz | Bruno Amadei Machado | Juliane G. Baldow 201
posed by the market unveil and allow one to note how public space has been “narrowed”, minares, de como o mercado tem conciliado a demanda por segurança patrimonial
not only on its essential meaning, but also physically, given the advance of private interests com as tendências estéticas da atualidade, particularizadas nas edificações residen-
and spaces, pointing to the intensification of an excluding urban sociability, as an expression ciais multifamiliares.
of the architecture of violence.
Resumen | Este artículo actualiza el análisis y las observaciones sobre los cambios forma-
1. Niterói: “uma cidade rica é uma cidade sem pobreza”1
les y funcionales de la arquitectura en el nombre de la seguridad y sus repercusiones en la
sociabilidad urbana. El universo de análisis se desplaza hacia Niterói, lo que refleja el creci-
Em posição privilegiada no Índice de Desenvolvimento Humano, Niterói é
miento de las ciudades de tamaño médio y sus desarrollos a nivel nacional. El enfoque pri-
também a cidade com o maior número percentual de ricos no país. De acordo com
vilegiado se convierte en el aumento de la violencia y el mercado inmobiliário en la ciudad,
um estudo da Fundação Getúlio Vargas, datado de 2011, 30,7% da população do
fenômenos similares y simultâneos observados en noticias recientes, y nos lleva a investigar
município se insere na classe A2. A proximidade com o Rio de Janeiro implica não
cómo ambos concilian la demanda de seguridad patrimonial, que se he caracterizado por la
somente na facilidade de acesso à infraestrutura construída para receber os jogos
transparência como unsímbolo de la actualidad. Cuando se considera la arquitectura como
de 2014 e 2016 que serão realizados na capital, mas faz de Niterói destinatária de
un reflejo de la realidad, la estética contemporánea también vuelve a dibujar el paisaje ur-
investimentos e movimentos populacionais na metrópole. A condição de vizinha da
bano, construído por el mercado inmobiliário. Las formas actuales de arquitectura y de la
sede dos megaeventos, no entanto, exige recursos públicos para atrair benefícios à
ciudad que impone el mercado revelan y nos permiten observar cómo el espacio publico se
cidade. No campo urbanístico, o “horizonte de oportunidades” que se produz com
ha “reducido”, no solo en su significado esencial, así como fisicamente, como la promoción
vista aos megaeventos tem servido de pretexto para flexibilizar a legislação muni-
de los intereses y espacios privados, que apunta a la intensificación de la sociabilidad urbana
cipal. O jornal O Globo, de 17 de junho de 2012, noticiou o projeto de lei em vias de
excluyente, como otra expresión de la arquitectura de la violencia.
aprovação que altera o gabarito construtivo de determinadas áreas de Niterói para
até 30 andares, visando “atrair investimentos de olho no turista que visitará o Rio de
Janeiro durante a Copa do Mundo e as Olimpíadas”.
Introdução
Via de regra, a política para esses megaeventos tem sido marcada pelo em-
belezamento e limpeza da cidade, com ênfase nas políticas de segurança pública
O presente trabalho tem por objetivo atualizar as observações e análises re-
capitaneadas pela instalação de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), prometen-
ferentes às alterações formais e funcionais da arquitetura em nome da segurança
do extirpar a violência das favelas e, consequentemente, do Rio. O noticiário jorna-
patrimonial e suas repercussões no âmbito da fragmentação espacial e sociabilida-
lístico, paulatinamente, passa a revelar o destino da “sujeira” carioca indesejável e
de urbana. O universo de análise da pesquisa se desloca das grandes cidades – Rio
sua expulsão das áreas mais valorizadas da cidade, elucidando a transferência da
de Janeiro e São Paulo – para aquelas de médio porte como reflexo do crescimen-
criminalidade para cidades de médio porte.
to apontado pelos dados do IBGE, divulgados pela Folha de São Paulo em matéria
Como efeito colateral dessa expulsão, nos últimos dois anos Niterói tem vi-
publicada no dia 1 de setembro de 2012. No período entre 2000 a 2010, as cidades
venciado a migração da criminalidade. A partir de fevereiro de 2011, a mídia noti-
médias – de 100 mil a 500 mil habitantes – registraram no Brasil as maiores taxas de
ciou indícios de “fracassos” da ação das UPPs pelo aumento do número de roubos e
crescimento populacional.
assaltos em cidades menores da região metropolitana. A situação atinge seu ápice
A escolha recaiu sobre Niterói, situada na região metropolitana do Rio de
quando, em 12 de abril de 2012, o secretário estadual de segurança, José Mariano
Janeiro. A localização da Universidade Federal Fluminense na cidade também nos
Beltrame, confirma a migração de bandidos para Niterói, oficializando o fenôme-
motiva a deslocar as atenções dos grandes centros para a sua dinâmica cotidiana
no e garantindo o aumento do efetivo policial no combate à violência. Nos meses
e seus problemas, como uma responsabilidade acadêmica e cidadã em relação à
cidade que nos acolhe.
Assim, o trabalho se divide em duas partes. A primeira caracteriza a cidade
1. A expressão foi extraída do vídeo-divulgação da “Operação Urbana Morro do Estado”. Proposta pela Secretaria de
de Niterói no contexto metropolitano contemporâneo, com foco no aumento da Urbanismo de Niterói, o projeto prevê a remoção de duas favelas entre as mais populosas da cidade e, como alternati-
violência e no crescimento do mercado imobiliário, fenômenos observados simulta- va, a realocação da população em conjuntos habitacionais.
neamente no noticiário recente. A segunda apresenta o resultado das análises preli- 2. (Online) Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/niteroi-lidera-lista-da-riqueza-segundo-fgv-2757154>.
(Acesso em: 24 de outubro 2012).
202 Arquitetura da violência Sonia Maria Taddei Ferraz | Bruno Amadei Machado | Juliane G. Baldow 203
de 2012, a criminalidade aumenta, e a população protesta. Esse processo pode ser sensação de insegurança contra a delinquência e a percepção de que Niterói está
exemplificado pelas extrações jornalísticas abaixo: mais vulnerável e mais perigosa intensificam a adoção de estratégias novas e tradi-
cionais de segurança e proteção no redesenho da cidade.
O GLOBO Rio 10/02/2011: Prisão confirma migração de bandidos de favelas
Paralelamente, Niterói tem crescido e recebido vultosos investimentos imo-
ocupadas para pacificação. Traficante do Morro de São Carlos é capturado
biliários, como no caso do Jardim Icaraí, bairro de classe média situado na zona sul.
pela PM de São Gonçalo.
Segundo a Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (ADEMI),
O GLOBO Rio 12/04/2012: Beltrame admite: bandidos migraram para Niterói. o bairro teve um incremento de 58% no número de unidades lançadas no período
O GLOBO 16/04/2012: Denúncias sobre ação de bandidos no Morro do Pre- de 2010-2011. Sob o título “Contrariando previsões negativas, mercado imobiliário
ventório (Niterói) crescem mais de 1.400% segue aquecido”, O Fluminense noticiou, em 10/06/2012, a valorização constante dos
imóveis em Niterói. No site Zapmoveis, de 2008 a 2012, a valorização imobiliária nos
PM decidiu instalar até a próxima segunda-feira um posto de comando bairros nobres do Rio de Janeiro e nos bairros nobres de Niterói girou em torno de
móvel na comunidade. O Morro do Preventório, antes local pacato, en-
100%. A dinâmica urbana do Jardim Icaraí, conhecida até 2009 pela presença pre-
frenta um crescimento da violência: comunidade concentra 70% da po-
pulação de Charitas. (...) Apontado como um dos destinos de traficantes dominante de residências unifamiliares de baixo gabarito, tem sido alterada, signifi-
que fugiramda Mangueira (RJ) após o início da pacificação, o Preventório cativamente, nos últimos dois anos. Os engarrafamentos constantes e a interrupção
experimenta um aumento do número de denúncias sobre a ação de ban- na distribuição de água sentidos no local são indícios da saturação na infraestrutura
didos. (...) Do fim de 2011 para o início deste ano, o clima se tornou ainda que não está preparada para receber tamanha quantidade de novos moradores.
mais tenso. As denúncias que chegam dão conta de que traficantes da
A divulgação de índices de violência influi não somente na sensação de in-
Rocinha (RJ), de uma facção rival à que domina o Preventório, estariam
segurança dos moradores, mas também nas decisões do mercado imobiliário. Se,
tentando invadir o local. (grifos nossos)
por um lado, o Estado tem tentado tranquilizar a população aumentando o efetivo
policial, como revela a matéria publicada pelo jornal O Globo, em 13/04/2012, inti-
O GLOBO 16/04/2012: Niterói protesta contra a escalada de violência. Mora- tulada “Niterói: mais 244 PMs para tentar frear violência”, a iniciativa privada reser-
dores fazem nova manifestação pedindo segurança, em fim de semana que va gastos ascendentes na adoção de novas tecnologias e estratégias de segurança
teve mais dois mortos na cidade. patrimonial. O Sindicato das
O GLOBO 13/10/2012: Cidade tem uma queixa Empresas de Segurança Pri-
por dia sobre ação do tráfico. Comunidades mais vada, Vigilância Patrimo-
afetadas são as ocupadas por criminosos do Rio. nial e Sistema de Segurança
(Sindesp-RJ) estima que, no
“As comunidades mais citadas são exata-
último ano, a venda de pro-
mente aquelas em que há denúncias da presença
dutos de segurança privada
de traficantes que migraram do Rio, após a im-
tenha aumentado 15% no
plantação das Unidades de Polícia Pacificadora
município, como aponta a
(...) 2.436 denúncias só este ano – uma média de
FIGURA 2 Divulgação de lançamentos imobiliários recentes no notícia publicada pelo jornal
270 por mês”. Jardim Icaraí (fotos de publicidades imobiliárias) O Fluminense, em 06/05/2012,
A onda de violência, o aumento de assaltos
intitulada: “Segurança privada e eletrônica em alta”.
e a intensificação dos protestos apontados acima
FIGURA 1 Protesto contra Protesto Nesse quadro, inquestionavelmente, o mercado imobiliário enfrenta o cons-
são reflexos da crescente sensação de inseguran-
contra violência em Niterói. O Globo, tante desafio de conciliar a volumosa oferta de imóveis residenciais, que precisam
16/04/2012 ça em determinadas áreas e passam a constituir
ser vendidos, com a inquestionável oferta de segurança residencial patrimonial que
Legenda da notícia: “Com cartazes pedindo uma ameaça à boa imagem da “Cidade-sorriso”3.
policiamento, moradores de Niterói fazem, represente ao mesmo tempo modernidade, atualidade e desenvolvimento.
na orla de São Francisco, mais uma manifes- Uma vez que a frequência de notícias aumenta, a
tação contra a onda de violência”
204 Arquitetura da violência Sonia Maria Taddei Ferraz | Bruno Amadei Machado | Juliane G. Baldow 205
2. Segurança, mercado e transparência do, seus desenhos orgânicos, ou geométricos, os transformavam em elementos
também decorativos; os acabamentos, quase sempre em forma de lanças, reprodu-
O noticiário sobre as migrações da criminalidade do Rio para Niterói e o con- ziam simbolicamente a proteção, a defesa e o limite territorial da propriedade.
sequente aumento do medo da violência nos colocam frente ao crescimento das A proposta da arquitetura moderna subtraiu esse tipo de limites territoriais,
medidas de segurança, e, como decorrência, frente a três tipos de transparência: a caracterizando, grosso modo, os edifícios residenciais multifamiliares, no auge do
transparência ética proposta pelos movimentos sociais, a transparência dos muros período modernista, que exibiam elementos arquitetônicos como paredes de vidro,
de vidro que limitam os territórios da classe média e a transparência digital, tal qual planta livre e pilotis que liberavam o solo para usos coletivos, circulação e ventilação
nos apresenta Virilio (1993): – no Rio de Janeiro o Ed. Finúsia & Dona Fátima, o Ed. Angel Ramirez e Ed. João M. de
Magalhães, dos arquitetos MMM Roberto e o Ed. Jarau, do arquiteto Firmino Salda-
(...) não se trata mais, como no passado, de isolar pelo encarceramento nha, em São Paulo o Ed. Prudência, do arquiteto Rino Levi e o Ed. Louveira, do Arqui-
o contagioso ou o suspeito, trata-se, sobretudo, de interceptá-lo em seu
teto Vilanova Artigas. O uso dos pilotis permitia ainda a permeabilidade urbana e o
trajeto a tempo de auscultar seus trajes e bagagens, daí a súbita prolife-
ração de câmeras, radares e detetores nos locais de passagem obrigatória livre trânsito, ampliando o espaço da cidade, já que não interpunha barreiras físicas.
(VIRILIO, 1993, p.8). A implantação progressiva, nas últimas décadas, de altos muros e grades
(complexas, agressivas e sequenciais) de proteção e segurança tornou os espaços
A primeira transparência é expressa nos convites enviados pelo CCOB – Con- dos pilotis “impenetráveis”, como um retorno “à estrutura espacial dos mundos do
selho Comunitário da Orla da Baía de Niterói, para duas reuniões em 31/10/2012 passado”, como afirmou Norberg-Schulz (2005 p.):
sobre segurança e transparência política, como revelam os temas: “Fórum de trans- Entendendo que a arquitetura é, de modo peculiar, reflexo da realidade,
parência e controle social de Niterói” e “Conselho Comunitário de Segurança Públi- como constata Duayer (2008), é possível afirmar que na sua contemporânea subor-
ca de Niterói”; a segunda transparência é expressa pelos muros de vidro instalados dinação à perversa lógica do mercado, a arquitetura residencial multifamiliar, como
em praticamente todos os novos empreendimentos imobiliários; a terceira transpa- qualquer mercadoria, “advém antes de tudo da necessidade de valorização do capi-
rência, através das câmeras, vigia as ruas, dispensa políticas públicas de segurança tal e do seu instrumento de inovação estética que se expressa com a utilização de-
e “oficializa” o abandono dos espaços públicos, na medida em que as imagens cap- corativa repentina, sob a qual objetos de uso não guardam nenhuma estabilidade
turadas por elas oferecem confiabilidade suficiente para, por exemplo, desvendar rotineira e racional”, como afirma Haug (1997, p. 127).
crimes que ali acontecem, dada a sua incontestabilidade de registro imagético. O mesmo autor evidencia ainda que “cada nova tendência estética leva auto-
A análise das relações entre segurança, mercado e transparência na arquitetu- maticamente a um mercado”, e assim:
ra da violência contemporânea implica na percepção de que o redesenho urbano se (...) “uma mercadoria puxa outra mercadoria e uma compra puxa outras
dá pela renovação de elementos e equipamentos de proteção residencial. As grades compras. Essa dinâmica tem uma tendência totalitária; ela ambiciona to-
de ferro, por exemplo, têm sido substituídas, extensivamente, por muros de vidro talidades dirigidas respectivamente por gerações de mercadorias. Estas
e complementos digitais, evidenciando a preferência por determinada concepção mostram a dinâmica pretendida por meio de conceitos tais como ‘moda
entre espaços públicos e privados. O consubstanciamento dessa análise sugere um total’ e ‘design total’, oriundos das linguagens dos agentes do capital e
que são alcançados somente de modo insuficiente. Pois esses conceitos
voo por formas pretéritas de arquitetura que implicavam de modo relevante em
atingem primeiramente determinados grupos de mercadoria, por exem-
outra concepção das relações entre espaços públicos e privados da cidade. plo, a ‘moda feminina’ (roupas, perucas, acessórios) ou a ‘cultura habita-
Apesar das resistências iniciais à subordinação das artes e da arquitetura aos cional’ (móveis, tapetes, cortinas, luminárias, vasos, quadros, etc.). Se no
processos de produção industrial, o uso do ferro na arquitetura, ainda no século XIX, mundo humano as gerações coexistem, o mesmo ocorre no mundo das
começou com experimentações determinadas pela produção industrial e em série mercadorias com os ‘estilos’, cada qual cobrindo respectivamente um
que procuravam se adequar à estética da época, subordinando as propriedades na- segmento do mercado e no âmbito dos quais as gerações de mercadoria
se sucedem” e “a única coisa determinada nessa configuração é que eles
turais do material à criação de elementos construtivos orgânicos florais, incorpo-
precisam ser novos e homogêneos estimulando a compra”. (HAUG, 1997,
rando beleza à sua função. No Brasil, a evolução da ocupação dos lotes nas cidades p.124 e 126)
introduziu o uso de gradis de ferro nos limites e acessos aos terrenos residenciais.
Além de sua função reguladora e explicitadora das relações entre público e priva-
206 Arquitetura da violência Sonia Maria Taddei Ferraz | Bruno Amadei Machado | Juliane G. Baldow 207
Assim sendo, a estética dos elementos e equipamentos de proteção e seguran- vidro vem se popularizando nas cidades, no mesmo período. Em segundo lugar, o
ça residencial tem sido progressivamente substituída pela moda dos muros ou panos muro de vidro, que em 2007 chamava atenção pelo seu caráter singular em contras-
de vidro combinados com grades tubulares de alumínio, associadas a equipamentos te com o gradeamento convencional dos edifícios entorno, agora é, via de regra, a
digitais e tecnológicos, como que inaugurando uma nova cultura habitacional. solução mais “rotineira” observada nos novos edifícios da elite e da classe média
Portanto, na perspectiva da “moda total” e do “design total”, oriundos da lin- niteroiense.
guagem do capital, a transparência, como moda e design, aliada à transparência da Ao considerar a transparência como propriedade fundamental do vidro, sua
Era Digital, da qual fala Virílio (1993), significa a constante conexão, vendo e ouvindo aplicação na cidade e na arquitetura residencial poderia então ser entendida como
tudo o tempo inteiro, e traz para o campo do consumo todo tipo de transparên- uma resposta física do mercado à tendência da transparência na era digital. Mas,
cia. No campo ético, o Portal da Transparência do Governo Federal e as revelações para que o vidro se viabilize como barreira, sua fragilidade e devassamento devem
do Wikileaks; na moda feminina, o Fashion Rio 2013 apresentando bolsas, sapatos e ser complementados por um aparato digital e tecnológico altamente sofisticado.
roupas transparentes; no campo da cultura habitacional, de que fala HAUG, pode- Tamanha sofisticação, tida como diferencial nos anúncios publicitários de
riam ser ainda incorporados os revestimentos, os estilos de fachadas, de muros e condomínios residenciais da década de 1990, já deixou de ser um privilégio para se
seus materiais. À independência das estruturas espaciais dos “mundos do passado”, tornar requisito essencial nos novos empreendimentos, que incluem, “obrigatoria-
poderia ser acrescentada a ampliação dos limites dos lotes numa apropriação indé- mente”, sistemas de monitoramento remoto 24h, interfones, portões automáticos,
bita dos espaços públicos. alarmes e serviços privados de segurança. Comprovadamente, as visitas ao Jardim
No que concerne à proteção e segurança, na arquitetura contemporânea de Icaraí confirmam que nenhum empreendimento de classe média e alta tem sido
habitações multifamiliares, o vidro surge como o dernier cri na confecção dos muros, entregue sem esse sistema.
inaugurando um redesenho urbano marcado pela transparência. Sem dúvida, a sofisticação do mercado de segurança permite, cada vez mais,
Já na cidade do Rio de Janeiro, o uso do vidro como barreira tem se popu- que os muros sejam transparentes e que as cidades sejam de vidro. A necessidade que
larizado nos últimos cinco
anos. Em 2007, o fenômeno
foi noticiado pelo jornal O
Globo, que em matéria intitu-
lada “Fortalezas de vidro” (O
GLOBO, 22/04/2007), revelou
a substituição que se iniciava
nos prédios da orla carioca, em
especial em Ipanema.
No mesmo ano, levanta-
mentos fotográficos do acervo
do grupo de pesquisa registra-
ram os primeiros empreendi-
FIGURA 4
mentos com características si- Transparência
milares em Niterói, um conjunto e aparatos de
segurança ob-
multifamiliar de alto padrão em servados nos
frente ao Museu de Arte Con- novos edifícios
multifamiliares
temporânea.
no Jardim Icaraí
O registro e observa- (acervo da pes-
FIGURA 3 Grade de ferro (fonte: Google Earth) substituída na ções empíricas já nos levam a quisa)
2ª imagem por painel de vidro na Rua Presidente Pedreira. concluir, primeiramente, que o
(acervo da pesquisa)
208 Arquitetura da violência Sonia Maria Taddei Ferraz | Bruno Amadei Machado | Juliane G. Baldow 209
o vidro cria na ampliação do mercado de equipamentos de segurança vai ao encontro com reflexos do público. Tal reflexo não amplia a importância do espaço público
da notícia publicada pelo jornal O Fluminense, citada anteriormente, a qual divulgou o como campo de trocas e interações, ao invés disso, ajuda a reduzi-lo de significação,
aumento de 15% em um ano do mercado de segurança no município. De certa forma, como aponta Chauí5: “Uma das características mais impressionantes do neolibera-
a consolidação do uso de novas estratégias de segurança fecha um ciclo, pois insere lismo é que ele opera pelo encolhimento do espaço público, do alargamento do
produtos que valorizam a transparência e nos induzem a crer que estamos mais co- espaço privado, seja o espaço privado do mercado, seja o espaço da vida privada”.
nectados com o exterior – o público, e que o público está mais conectado conosco. Observa-se assim um tipo de redesenho urbano que retraça os caminhos dos
O uso do vidro tem sido vendido sob a justificativa de que o material pro- pedestres e corrobora para a afirmação de que o espaço público tem encolhido,
porciona integração. Contudo, as barreiras urbanas continuam presentes e mais não só fisicamente como também do seu sentido ético essencial. A hostilidade do
intransponíveis, fazendo com que a dita integração seja estritamente visual, se li- mercado às estéticas dos “mundos do passado” certamente se funda na sua corres-
mitando a uma simulação. A permeabilidade visual que o vidro oferece contrasta pondência à outra ética.
com a definitiva separação física, que impossibilita qualquer contato real entre os Nota-se também que a aplicação do vidro encontra um campo fértil na au-
dois lados, pois, como afirma Bernadette Panek (2010), o que se forma é “um espaço sência de normatização, em todas as escalas de poder. A despeito da Lei Municipal
acessível apenas à tentação do olhar”. A autora, complementarmente, afirma ainda Carioca de nº 5119/2009 que determina a “instalação de sinalização nas vitrines e
que “a fronteira concretizada pelas enormes vidraças impõe um território, enquanto portas de vidros translúcidos nos imóveis”, e abre precedente para a regulação, ainda
pretende deixar a vista tudo o que ali se passa – a transparência mostra-se como a que tímida, do uso de portas de vidro de edifícios residenciais multifamiliares, o mu-
própria simbologia da hipocrisia”. nicípio de Niterói não dispõe de qualquer legislação que trate do tema. A cartilha,
Essa tamanha ambiguidade do vidro tem sido também explorada no campo recentemente publicada pela Secretaria Municipal de Urbanismo, que traz diretrizes
das artes, como por exemplo, na obra recente do artista americano Robert Morris, de projeto e trata da ocupação de passeios públicos, em nenhum momento men-
exposta na Praça Cinelândia da cidade do Rio de Janeiro, onde o visitante é con- ciona o uso do vidro como muro. O método “caso-a-caso”, adotado pela secretaria
vidado a penetrar num labirinto de vidro. O comentário de Ryan Roa sobre a obra na aprovação de projetos de instalação de elementos de delimitação dos lotes, e as
em que chama atenção para a qualidade refletiva do vidro e pela desorientação no observações empíricas levam a questionar até onde a segurança do pedestre e o
espaço que ele provoca nos ajuda a melhor perceber o significado do uso dos muros respeito ao dimensionamento do passeio público têm sido levados em consideração.
de vidro na cidade: Conclusivamente, o conjunto de ideias aqui apresentado leva a crer que a
substituição das grades por vidros desvela, mais uma vez, o papel do mercado imo-
Um aspecto realmente legal do vidro é a sua boa qualidade refletiva. Além
disso, obtem-se uma espécie de filtro, por ter uma peça de vidro aqui,
biliário como lugar de representação simbólica e de imposições da sociedade de
depois outra peça ali e a próxima peça de vidro aqui, e isso começa a criar mercado, apontando para a intensificação de uma sociabilidade urbana excludente
um pouco de desorientação no espaço. A ideia por detrás de um labirinto como mais uma expressão da “arquitetura da violência”.
é que, ao caminhar por ele, você está vivenciando o espaço. Mas com a
transparência você não apenas vivencia o espaço, com também vivencia
todo o espaço ao redor do labirinto. 4 Referências bibliográficas
A fala expõe o enorme potencial oferecido pelo uso do vidro em um contexto Davis, M.: A escobazo limpio, 2005. Disponível em: <http://www.sinpermiso.info/textos/
artístico e experimental, mas também os riscos inerentes à sua aplicação em um index.php?id=277> (Acesso em: 25 de outubro 2011).
contexto urbano, que não se limita à experiência singular da obra de arte, conside- Duayer, J.: Lukács e a Arquitetura, Niterói, Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008.
rando aspectos referentes à legibilidade urbana, clareza e facilidade de orientação, Featherstone, M.: Cultura de consumo e pós-modernismo, São Paulo, Studio Nobel, 1995.
como nos lembra Kevin Lynch. Ferraz, S. M., Brondani, D.& Guimarães G.: Arquitetura da violência: Medo individual e nova
Quando observamos um lote envidraçado, aquilo que percebemos é uma coletividade, resumo publicado nos Anais do 13º Seminário de Iniciação Científica e
imagem distorcida do real. O que se forma é um espaço que sobrepõe o privado Prêmio Vasconcellos Torres, Niterói/RJ, 2003.
210 Arquitetura da violência Sonia Maria Taddei Ferraz | Bruno Amadei Machado | Juliane G. Baldow 211
Ferreira, L. P. & Cardoso N. P.: Arquitetura da violência: cidade limpa e segura para turista
ver, resumo publicado nos anais do III Seminário Internacional de Derechos Humanos, Projeto, ideologia e hegemonia
Violencia y Pobreza, Montevidéu, 2010.
Ferraz, S. Furloni, C. & Madeira, C.: Arquitetura da Violência – Os (des)caminhos da
arquitetura moderna, resumo publicado nos Anais do 16º Seminário de Iniciação
na cidade brasileira contemporânea
Científica e Prêmio Vasconcellos Torres, Niterói/RJ, 2006.
. & Possidônio, E. dos R.: Violência, medo e mercado: uma
Pedro da Luz Moreira
análise da publicidade imobiliária. RevistaImpulso, 15, 87-97, 2004.
. & Santiago A., Gonçalves C. & Miranda F.: Arquitetura da
Violência: A cidade é uma casa. A casa é uma cidade. Resumo publicado nos Anais do
17º Seminário de Iniciação Científicae Prêmio Vasconcellos Torres, Universidade Federal Resumo | O presente artigo se utiliza dos conceitos de plano, projeto, ideologia e hege-
Fluminense, Niterói, 2007. monia para construir uma proposição concreta para as cidades brasileiras. O texto preten-
Lynch, K. A imagem da cidade, São Paulo, Martins Fontes, 2006. de apontar a necessidade de reversão dos condicionantes que hoje determinam a maneira
como a cidade brasileira vem sendo construída, notadamente: dispersão urbana, constru-
Muñoz, J. A. J. & Massera, C. A.: La transparencia y la exclusión: ver pero no estar. Revista
arquitetura, 6, 27-36, 2010. ção de novas habitações sem mistura de classes, mobilidade baseada no automóvel e des-
consideração com relação a biomas naturais complexos próximos ou inseridos nas malhas
Norberg-Schulz, C.: Los Principios de la Arquitectura Moderna: Sobre la nueva tradición del
urbanas. Pretende-se dar protagonismo ao plano e ao projeto a partir da sua caracterização
siglo XX, Barcelona, Editorial Reverté, 2005.
como o instrumental mais apropriado para avaliar custos e benefícios.
Panek, B.: Estética dos reflexos: a amplitude mas também a hipocrisia da transparência.
Palíndromo, 3, 171-189, 2010. Abstract | This article uses the concepts of: plan, design, ideology and hegemony to build
Sennet, R.: O declínio do homem público: as tiranias da intimidade, São Paulo, Ed. Companhia a concrete proposal for Brazilian cities. The paper aims to highlight the need for reversing
das Letras, 1988. the conditions that now determine how the Brazilian city has been built, notably, urban
Severiano, M. de F. V. & Benevides, P. S.: A lógica do mercado e as retóricas de inclusão: sprawl, new housing construction without mixture of classes, mobility-based on automo-
articulações entre a crítica Frankfurteana e a Pós-Estruturalista sobre as novas formas tive and disregard in relation to complex natural biomes next or inserted in urban networks.
de dominação. Estudos e Pesquisas em Pscicologia, 11, 2011, 103-124. It is intended to give prominence to the plan and the project from its characterization as the
Virilio, P.: O espaço crítico e as perspectivas do tempo real, Rio de Janeiro, Editora 34, 1993. most appropriate instrument to assess costs and benefits.
Haug, W. F.: Crítica da estética da mercadoria, São Paulo, Fundação Editora da UNESP, 1997. Resumen | En este artículo se utilizan los conceptos de plan, proyecto, ideología y hege-
Jornais diários monía para construir una propuesta concreta para las ciudades brasileñas. El texto tiene
como objetivo poner de relieve la necesidad de revertir los condicionantes que ahora deter-
Folha de São Paulo, O Globo e O Fluminense – diversas edições impressas e online.
minan la forma en que la ciudad brasileña viene siendo construida, en particular, la expan-
sión, la construcción de nuevas viviendas sociales sin mezcla de clases, la movilidad basada
en el automóvil y desconsideración en relación a complejos biomas naturales próximos o
insertados en redes urbanas. Se pretende dar protagonismo al plan y al proyecto a partir de
su caracterización como el instrumento más adecuado para evaluar los costes y beneficios.
214 Projeto, ideologia e hegemonia na cidade brasileira contemporânea Pedro da Luz Moreira 215
de forma convincente e persuasiva para a sociedade, convencendo-a de que suas antes depois
2. O ofício e a cidade
216 Projeto, ideologia e hegemonia na cidade brasileira contemporânea Pedro da Luz Moreira 217
gem também os bairros ricos e sofisticados, onde a presença de infraestrutura varia- A ideologia do morar moderno contamina todas as partes do mundo, de-
da garante padrões de vida urbana adequada e salubre. Há nesse desenvolvimen- senvolve-se a ideia de um progresso unidirecional, capaz de superar o arcaísmo.
to um problema de escala, tamanho e de tempo de desenvolvimento. As cidades A ideologia modernista torna-se hegemônica, colonizando mentalidades em todas
perdem seu caráter comunitário e assumem o caráter de federação de comunidades. as partes da terra. A redenção propiciada pela padronização, estruturada pelo de-
Desenvolvem-se padrões de salubridade que determinam o substancial declínio da senvolvimento de uma indústria moderna e autônoma contamina as vanguardas
taxa de mortalidade infantil e a ampliação da expectativa de vida, desenvolvem-se modernistas no Brasil. Desenvolve-se a crença de que a industrialização do país pos-
diferentes concepções do que é o bem viver. A cidade aumenta numa escala popu- sibilitará a ruptura com um passado recente colonial e escravagista impulsionando
lacional jamais vista, numa aceleração cada vez mais intensa. Manchester cresce em uma mudança estrutural. A presença dessa ideologia pode ser sentida no texto do
90 anos de 12 mil para 400 mil habitantes no século XIX. São Paulo cresce no espaço então prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek, a respeito do novo bairro
de 70 anos, de 900 mil para 20 milhões de habitantes no século XX. Nos próximos 20 da Pampulha em 1944, no qual fica claro o compromisso de construir o “domínio
anos está previsto que a China terá um êxodo rural de 800 milhões de pessoas, ou do homem sobre a natureza”. O texto também é testemunho da constante melan-
seja, o correspondente a quarenta São Paulos. colia mineira que vive apartada do mar, pois faz uma analogia da Pampulha com
um “sonho Atlântico entre as montanhas”, que ao final também denota esta mesma
capacidade de transformar a natureza em favor dos desígnios humanos...
3. A ideologia modernista
“Centro geográfico de Minas, Belo Horizonte condensa a vida econômica,
política e social do Estado. Entre menina e moça, caracteriza-se pela mo-
Para enfrentar este cenário que se iniciara na Inglaterra do século XIX, mas que
dernidade de suas linhas e relevos. Com efeito, delineada há quarenta e
se generalizara pela Europa na passagem do século XIX para o XX, e na Europa Central
cinco anos, à beira do sertão virgem, é tão nova que ainda se lhe percebe
assumira uma dinâmica particular, emerge um conjunto ideológico de proposições o cheiro da terra lavrada de pouco. Mas já exubera em realizações: grande
que pode ser caracterizado como a síntese modernista. A síntese inteligente da ide- cidade povoada de cerca de duzentos e cinquenta mil habitantes, agita-
ologia modernista, gestada pelas vanguardas no centro da Europa, notadamente na -se, produz, estuda, diverte-se, amplia-se e prospera.
Alemanha, proclamam que a arquitetura não deve mais se restringir aos monumen- Obra de audácia e tenacidade, Belo Horizonte assenta-se no domínio do
tos, mas deve projetar a casa do operário, o conjunto habitacional, a casa anônima. A homem sobre a natureza, que a emoldura de híspidas montanhas de ferro. Os
arquitetura e o urbanismo devem se voltar para a produção do cotidiano, da cidade elementos essenciais, de que já dispõe a fartar a cidade azul e verde, foram
extensiva, da moradia, e não mais apenas ao edifício monumento, da exceção. A lin- acumulados e disciplinados pela energia de suas administrações,e não re-
presentamumadádiva fácildas circunstâncias naturais.
guagem empostada do ecletismo, que havia se reduzido a um conjunto de receitas
automáticas, numa mera montagem mecanicista da história, pretende ser substituída A dez quilômetros do centro da cidade, a Pampulha corresponde a uma
por uma nova objetividade que deixe transparente as formas do construir. Desenvol- destas concepções do gênio e do esforço dos homens que a edificaram:
um lago artificial circundado por uma avenida de quase vinte quilômetros
ve-se uma crença ingênua na capacidade produtiva da indústria como redentora das
de extensão, ali rebrilha, como uma placa de cristal, à luz do céu – espelho
mazelas da humanidade, que passa a ser agrupada em tipos padronizados. O discurso do mar longíquo – com uma dupla função utilitária e decorativa.
das vanguardas mais radicalizadas determina que a prioridade do projeto passe a ser
Reserva de milhões de litros d´água para a cidade que se agiganta, a Pam-
as periferias intermináveis, um homem tipo, um standart, um padrão. O monumento
pulha realiza, ali, um sonho do Atlântico entre as montanhas. O Cassino, o
passa a ser o túmulo da arquitetura8, os padrões mínimos de existência passam a ser Baile, o Iate Golfe Clube e o Parque em construção, em meio das viven-
estudados, o canteiro de obra passa a ser encarado como o local da montagem de das que se debruçando sobre o lago, completam, no soberbo conjunto,
uma série de componentes pré-fabricados. A construção passa a ser a possibilidade o núcleo turístico, em função do qual os homens submetem, por fim Belo
de reunião de todas as artes. Há uma crença desmedida no industrialismo e sua capa- Horizonte, integralmente, ao seu signo de modernidade”.9
cidade de tornar acessível uma série de bens e confortos, generalizando seu acesso.
Esta nova esperança do Brasil acaba mudando a capital federal de lugar no
final da década de 1950, cravando no coração do país uma cidade moderna, onde a
8. LOOS, Adolf.Ornamento y Delito.Barcelona: Gustavo Gilli, 1989. 9. KUBISTCHECK, Juscelino. Pampulha. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1944.
218 Projeto, ideologia e hegemonia na cidade brasileira contemporânea Pedro da Luz Moreira 219
que chega e chegará às nossas metrópoles. Agora as principais metrópoles procu-
radas estão localizadas no Terceiro Mundo, dominadas pela autoconstrução e pelas
favelas. Portanto, os desafios colocados para os arquitetos – ideólogos do habitar
humano – são a customização da casa urbana, uma ideia de interação mais positiva
com o meio ambiente, certa consciência da diversidade e da multiplicidade de pos-
sibilidades do desenvolvimento, que deixou de ser unidirecional.
Aqui cabe também uma pequena consideração sobre as formas tradicionais
de operar da política e da própria arquitetura contemporânea, em que se perce-
be nos últimos tempos uma clara hegemonia da sociedade do espetáculo10, frente
ao cotidiano. As revistas especializadas consagraram um time de arquitetos do star
sistem, que agem como pop star, repetem-se em formulações consagradas, diante
de contextos locais que demandam pensamentos particularizados. Os megaeven-
tos globais, que estão para ser realizados em nosso país nos próximos anos, pre-
cisam ser geridos a partir da busca de uma infraestrutura urbana transformadora
FIGURA 2 Getulio Vargas, Benedito Valadares e Juscelino Kubitcshek sobem a rampa do Iate Clube na Pam-
pulha e planta e imagem da superquadra em Brasilia do cotidiano das nossas cidades. Os interesses da macro escala global, e da micro
escala comunitária podem ser acomodados no projeto e no plano, desde que os
superquadra idealizada por Lucio Costa é a nova referência do morar brasileiro.
agentes dessas vertentes atuem de forma transparente, com a premissa da nego-
O progresso parece assumir uma dimensão unidirecional, uma sucessão linear de
ciação incansável. Esses megaeventos globais estão no âmbito do espetáculo de-
etapas, que alinham práticas e países arcaicos e modernos num etapismo linear.
mandando a construção de monumentos. O habitar, o trabalho, a mobilidade das
pessoas, o lazer, a educação e a cultura estão no âmbito do cotidiano. Ambas as
4. Sociedade contemporânea esferas demandam a construção do bem viver. Um faz parte do excepcional e está
vinculado à economia global, o outro conforma o corriqueiro e está vinculado à
Ao final da Segunda Guerra Mundial, essa crença desmesurada na capaci- economia local. Em nosso mundo há uma constante tensão entre as formas de es-
dade redentora da industrialização começa a demonstrar certo esgotamento. As truturação dos estados nacionais, a emergência de comunidades étnico-locacionais
bombas de Nagasaki e Hiroshima demonstram a enorme capacidade destrutiva e, ainda, uma forma de operar impulsionada pelas novas tecnologias de informação
dessa mesma lógica industrial. Os desequilíbrios ambientais e variados acidentes e comunicação e que se utiliza de vínculos transnacionais. Uma tensão clara entre
ecológicos começam a provar a limitação dos recursos do planeta. A padronização universalismo e culturalismo, que só poderá ser superada na medida em que os dois
é substituída pela emergência da especificidade de cada ser humano, uma maior polos sejam vistos como funcionais, como mutuamente inerentes para sua própria
valoração da alteridade. Há um declínio do vanguardismo e a emergência de uma definição, como contrapontos mútuos que devemos apreender na medida em que
sociedade de massas, onde o acesso à cultura e informação se generaliza de forma postulamos o seu oposto. O universalismo é um importante fórum para reafirmar a
marcante. Portanto, a sociedade contemporânea sofre algumas mudanças de para- absoluta centralidade da sustentabilidade do planeta e da vida, é a única possibi-
digmas, notadamente a descrença na industrialização, a emergência da alteridade lidade de todas as comunidades garantirem a permanência da espécie. Enquanto
e da sociedade de massas. Desenvolve-se a consciência da finitude dos recursos da o culturalismo, além de fornecer o sentimento de pertença, é a forma de regular o
terra, um impulso no tema da sustentabilidade, uma descrença com relação à pa- macro poder, desenvolvendo vínculos orgânicos entre comunidade e suas repre-
dronização, uma emergência da ideia de alteridade, um incrível desenvolvimento sentações. O legado mais importante é a construção da ponte de interligação entre
da acessibilidade à cultura e informação. Apesar dessas mudanças, a cidade perma- universalismo e culturalismo.
nece sendo o destino de grande parte da humanidade, que se urbaniza rapidamen-
te, conserva-se ainda que de maneira perplexa o reconhecimento da incompletude
do projeto moderno. Essa imcompletude se manifesta principalmente na incapaci-
dade da arquitetura contemporânea de responder a imensa demanda populacional, 10. DEBORD, Guy.A sociedade do espetáculo.Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
220 Projeto, ideologia e hegemonia na cidade brasileira contemporânea Pedro da Luz Moreira 221
5. Princípios luntarista, que privilegia a empreitada não dirigida pelo plano ou pelo projeto. As
obras para a Copa do Mundo foram realizadas a partir de planilhas orçamentárias
A crítica da jornalista americana Jane Jacobs11 da década de 1960 ainda per- que geram projetos, quando deveriam ser projetos de arquitetura e urbanismo que
manece operando, talvez por que estejamos diante de um mundo pós-hegemônico, geram planilhas. É papel da universidade a crítica dessa forma de operar, para rever-
onde os modelos únicos não são mais possíveis. Ganhamos a consciência de que ter essa dimensão perversa da prática de nossas construções e das nossas cidades.
nossas realidades são particulares e exigem formas de pensar independentes, em A partir dessas reflexões e no contexto da cidade brasileira, torna-se de suma
que o projeto busca uma autojustificativa que seja socialmente compartilhada. A importância definir para o campo do projeto e do plano uma série de objetivos
partir da crítica da jornalista americana, identificamos princípios norteadores que claros a serem atingidos. A explicitação desses objetivos coloca-os sobre debate,
nos auxiliam a formular uma agenda contra as formas de operar das cidades brasi- confrontando formas de habitar particulares, que devem ser constratadas com
leiras. Um conjunto ideológico de princípios capaz de fazer frente ao modus operan- interesses gerais. A habitação representa um papel fundamental, uma vez que a
di tradicional da cidade brasileira, que procura romper com sua inércia construtiva cidade é constituída em sua maioria pelo morar. Quais ordenações ideológicas his-
instalada. toricamente orgânicas possuem capacidade para se transformarem em hipóteses
1. A dimensão do cotidiano, sua concretude na determinação da nossa quali- convincentes e persuasivas? Quais as hipóteses de caráter científico que podem ser
dade de vida, a práxis como critério da verdade. verificadas pelo estágio atual de desenvolvimento das nossas cidades, e que pos-
2. A convivência entre classes sociais, como valor, como fator de segurança e suem potência para assumir um caráter educativo inequívoco para mudar a inércia
de aprendizado efetivo, que restaura o sentido da cidade como oportunidade didá- instalada? Os nossos projetos e planos para a cidade precisam ser claros e objetivos
tica de perceber a diferença. oferecendo à sociedade um discurso sintético, capaz de convencer esta mesma so-
3. A compreensão do valor da mobilidade, como possibilidade de acessar ciedade de sua operacionalidade. No meu entendimento quatro princípios claros e
novas oportunidades que transformam nossos condicionamentos e pré-diposições. objetivos devem nortear o projeto da cidade brasileira no século XXI:
A noção de que a emergência da hegemonia do carro a partir da década de 1950/60 Cidade compacta e densa, que inicie o combate a sua dispersão interminável,
pode determinar a congestão completa de nossas cidades. enfatizando o papel articulador do antigo Centro da cidade.
4. A cidade onde a convivência de funções e usos demonstra sua vitalidade Cidade baseada na convivência da diversidade de classes, que combata a ten-
econômica e de acessos à oportunidades. Habitar junto a uma diversidade de usos, dência de gerar guetos da cidade brasileira.
comerciais e industriais, muitas vezes significa a ampliação do horizonte de oportu- Cidade de mobilidade ampliada, que combata a exclusão determinada a
nidades. partir da ausência ou tarifação cara do transporte público.
5. A cidade densa, onde o solo urbano – isto é, solo infraestruturado – adota Cidade que amplie a visibilidade e a aproximação dos seus biomas naturais
padrões de vizinhança que compense os investimentos da sociedade em infraestru- particulares com seus cidadãos.
tura. Portanto, a mística da casa urbana isolada deve ser combatida de forma siste- Acredita-se, portanto, que a ordenação do espaço urbano pode garantir
mática, porque ela é a forma de operar que privilegia a especulação da terra urbana maior acessibilidade à cultura, às infraestruturas, à educação e ao emprego, pro-
e, além disso, gera contínuos urbanos onde o controle social é impossível. vocando transformações efetivas no social, melhorando inclusive a distribuição de
6. Por último, o projeto e o plano precisam ser utilizados como forma de renda. É claro também que a cidade em seu estágio atual está conformada pelo
debate, em que acesso diferenciado às vantagens e desvantagens do construído, e que é papel do
os agentes atingidos tomam consciência das transformações. poder público equilibrar estas no seu território. Portanto, o que se pretende neste
Neste quesito, precisamos reconhecer que a sociedade brasileira ainda misti- debate é formular uma imagem/mensagem simples do vir a ser das cidades brasilei-
fica o improviso. Ainda não temos o plano e o projeto como protagonistas de nossas ras, que seja capaz de ser compreendida pelo conjunto da sociedade.
obras, como formas privilegiadas de avaliação da adequação entre transformações, Existe nessa construção uma clara vinculação com uma premissa operativa,
benefícios e custos. As transformações só podem ser corretamente avaliadas onde que reconhece que os instrumentos atuantes sobre as cidades brasileiras são evolu-
opera o protagonismo do plano e do projeto, únicos instrumentos capacitados para ídos e eficientes, isto é, não há necessidade de criação de novas leis. O desafio neste
avaliar os benefícios e os custos. Ainda estamos governados por uma vertente vo- momento é colocá-los em operação, convencendo a sociedade com exemplos con-
cretos da sua capacidade de construir o bem viver. Na dimensão do plano temos
11. JACOBS, Jane.Morte e Vida de Grandes Cidades.São Paulo: Martins Fontes, 2000.
222 Projeto, ideologia e hegemonia na cidade brasileira contemporânea Pedro da Luz Moreira 223
de emprego, lazer, cultura não sejam acessíveis. Os modais de grande capacidade
como trens, barcas e corredores de ônibus articulados devem estar implantados de
forma a construir uma rede interdependente, que possibilite a população transi-
tar entre eles de forma articulada, rápida e segura. Há necessidade de se promover
ações de glamourização do transporte coletivo, pois este possui um potencial ci-
vilizatório inestimável, que demonstra o esforço de promover maior equidade de
oportunidades.
Por último, no campo da aproximação positiva com diferenciados biomas é
muito importante garantir visibilidade dos arranjos ecológicos próximos ou inseri-
dos na cidade. Pois, na medida em que se promove essa aproximação, a população
passa a lutar por sua conservação e a compreender as dinâmicas ali instaladas. A
cidade do Rio de Janeiro certamente é um exemplar único neste tema e com um
potencial demonstrativo inesgotável. A presença de complexos biomas inseridos
FIGURA 4 A malha de trilhos da cidade do Rio de Janeiro, em cinza Metrô e em preto trens metropolitanos.
e a cidade metropolitana do Rio de Janeiro e sua convivência com biomas diferenciados dentro de sua malha, como a Floresta da Tijuca, a Floresta da Pedra Branca, a Flores-
ta do Tinguí em Nova Iguaçú, as lagoas de Jacarepaguá, Rodrigo de Freitas e Pira-
como instrumentos os Planos Diretores. Na experiência, tanto no município quanto tininga em Niterói, a Baía de Guanabara mostram como essa aproximação é capaz
no estado do Rio de Janeiro, esses planos têm se revelado como instrumentos bu- de promover a sensibilização para a preservação de diferenciados sistema de vida.
rocratizados, desvinculados de sua base regional, elaborados a partir de uma par- Portanto, há com relação ao futuro das cidades brasileiras uma ausência de
ticipação instrumentalizada. Além disso, vêm sendo realizados no nível municipal, clareza com relação aos objetivos que queremos alcançar, que cidade pretendemos
de forma extremamente fragmentada, quando deveriam assumir uma dimensão re- construir? Que tipo de assentamento humano estamos construindo? A metodologia
gional, abarcando de forma completa nossas cidades metropolitanas. Deveriam ser que envolve os conceitos de ideologia, hegemonia, projeto e planejamento coloca
pensados de forma articulada os eixos dos modais de transporte público e a locação de forma clara e objetiva para o conjunto da sociedade, e não só para os arquitetos
da habitação, a contenção da mancha urbana, o reforço da antiga centralidade e e urbanistas, o desenho das nossas cidades que queremos. Esse desenho precisa
sua reocupação pela habitação. E, por último, a aproximação de biomas comple- se comunicar com o conjunto da sociedade brasileira, garantindo para essa mesma
xos como a Baía de Guanabara, ou as lagoas de Jacarepaguá ou as matas do Tinguí instância a melhoria do seu cotidiano, no que se refere a mobilidade, saneamento,
em Nova Iguaçu. É importante que busquem ações concretas demonstrativas, que habitação, acesso a natureza, comodidades e serviços urbanos. A cidade brasileira
ganhem a população para suas formulações. De certa forma, o plano deve se deixar precisa passar a ter um caráter inclusivo, que garanta as amplas faixas da sua po-
contaminar pelo projeto, buscando implantar transformações que demonstrem as pulação o acesso às comodidades urbanas, pois essas garantem a possibilidade de
direções pretendidas. melhora das vidas particulares de várias famílias.
No âmbito do projeto surge uma série de ações que devem ser desenvolvidas
de forma coordenada com os quatro princípios descritos. Nos campos da promoção
da cidade densa e compacta e da cidade da convivência de classes sociais, o tema da Referências Bibliográficas
habitação emerge de forma inequívoca. A urbanização de favelas, a regularização
Coulanges, Fustel de. A Cidade Antiga, São Paulo, Martins Fontes, 1987
de loteamentos clandestinos, a produção de novas unidades, o morar no centro, os
cortiços e a reforma de conjuntos habitacionais são ações primordiais, que devem Debord, Guy. A sociedade do espetáculo, Rio de janeiro, Contraponto, 1997
estar orientadas para a obtenção de uma cidade densa e com diversidade de classe. Gramsci, Antonio. Cadernos do cárcere volume 4, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001
No campo da mobilidade precisamos de maneira veemente determinar o fim Habermas, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade, São Paulo, Martins Fontes, 2002
da hegemonia do automóvel particular, criando redes de transportes públicos que Jacobs, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades, São Paulo, Martins Fontes, 2000
garantam deslocamentos rápidos e com tarifas acessíveis. O grau de imobilidade das Kubistcheck, Juscelino. Pampulha, Rio de Janeiro, Imprensa Oficial, 1944
populações das cidades brasileiras é alto, determinando que muitas oportunidades
Lefebvre, Henry. A revolução urbana, Belo Horizonte, UFMG, 2004
224 Projeto, ideologia e hegemonia na cidade brasileira contemporânea Pedro da Luz Moreira 225
Loos, Adolf. Ornamento y Delito, Barcelona, Gustavo Gilli, 1989 5. HABITAÇÃO: POLÍTICAS, GESTÃO E REPRESENTAÇÕES
Moreira, Pedo da Luz. Projeto, Ideologia e Hegemonia, em busca de uma conceituação
operativa para a cidade brasileira, Tese de doutorado defendida em 2007 na UFRJ/
FAU/PROURB
Portas, N.: Urbanismo e Sociedade: construindo o futuro em Cidade e Imaginação – org
MACHADO, D. P. UFRJ/FAU/PROURB, Rio de Janeiro 1996. Nuno discute os tempos e
Reconfiguração territorial urbana
os graus de precisão do projeto e do plano.
Tafuri, Manfredo. Teorias e História da Arquitetura, Lisboa, Editorial Presença, 1979. Tafuri
em tempo de grandes projetos
identifica numa parte da crítica uma dimensão de propositiva, que a aproxima da
projetação. regionais: o caso do leste
metropolitano do Rio de Janeiro
Regina Bienenstein
Eloisa Helena Barcelos Freire
Natalia Oliveira
Daniela Amaral
226 Projeto, ideologia e hegemonia na cidade brasileira contemporânea Regina Bienenstein | Eloisa Helena Barcelos Freire | Natalia Oliveira | Daniela Amaral 227
Abstract | This paper deals with the processes of urban territorial reconfiguration as a Introdução
result of the implementation of the Petrochemical Complex of Rio de Janeiro (Comperj), in
the city of Itaboraí, Rio de Janeiro east metropolitan area. The analysis is circumscribed to Este trabalho se concentra na reflexão sobre os processos de reconfiguração
the cities of Itaboraí, Niterói, São Gonçalo and Maricá, where the impacts of this large scale territorial urbana resultante da instalação do Complexo Petroquímico do Rio de Ja-
regional project have already occurred, on one hand, linked to the gentrification of some neiro (Comperj), no município de Itaboraí, região do Leste Metropolitano do estado
urban upper income neighbourhoods and, in the other, in the increasing the number of do Rio de Janeiro, discutindo a atuação do gestor municipal no enfrentamento da
informal settlements. Thus, it discusses the main challenges which local governments have questão habitacional. A análise está circunscrita aos municípios de Itaboraí, Niterói,
been facing due to the implementation of the Comperj. Announced in 2006 and predicted São Gonçalo e Maricá, onde os impactos desse grande projeto regional se manifes-
planned for starting in 2014, the repercussions of the Comperj can already be felt in the tam, de um lado, com a elitização do ambiente construído e, de outro, com o cresci-
region, with important ruptures in the standard of urbanization, growth of the housing in- mento da informalidade habitacional (Mapa 1).
formality and the increasing of the precariousness linked to the lack of environmental sani-
tation. In this scene, local administrations have been incapable of controlling, leading and
guiding land use process, giving up their role and their prerogative to plan the urban devel-
opment taking into account the social function of the property and the city. As to housing
policies, the actions are concentrated on building new housing, relegating the urbanisation
os less-favoured regions to worthless numbers. The formal initiatives of regional organiza-
tion seem to be the way of building an effective agenda for confronting the inequalities and
the social and spatial exclusion.
Resumen | Este trabajo se centra en la reflexión sobre los procesos de reconfiguración
del suelo urbano derivados de la instalación del Complejo Petroquímico de Rio de Janeiro
(Comperj) en Itaboraí, ciudad de la región Este Metropolitana del estado de Rio de Janeiro.
En el análisis se incluyen las ciudades de Itaboraí, Niterói, São Gonçalo y Maricá, donde los
impactos de este proyecto de gran envergadura regional revelan, por un lado, la gentrifi-
cación del entorno construido y por otro, el crecimiento de la informalidad urbana. En este Mapa 1 Localização do Comperj e municípios estudados Fonte: Arquivo NEPHU, 2013.
contexto, se plantean discusiones sobre el funcionamiento del gobierno municipal con res- O texto está estruturado em quatro partes: a primeira recupera os principais
pecto a estos asuntos. Anunciado en 2006 con el propósito de su operación en el año 2014, traços e características da urbanização local; a segunda discute os impactos do Com-
las repercusiones del Comperj ya se pueden sentir en la región, con importantes interrup- perj no padrão de urbanização e na informalidade habitacional; a terceira aborda
ciones en el estándar de la urbanización, del crecimiento de la informalidad y la precariedad a estrutura municipal disponível para o tratamento da informalidade habitacional,
urbana, este último derivado de la ausencia o deficiencia de saneamiento. En este escenario, debruçando-se sobre a atuação do gestor municipal em termos de planejamento ha-
los municipios siguen no estructurados e incapaces de completar y dirigir el proceso de uso bitacional; e a última apresenta algumas considerações à guisa de conclusão.
de la tierra, renuncian a sus prerrogativas para planificar el desarrollo urbano en desacuer- O Comperj é aqui entendido como um Grande Projeto Regional (GPR), a que
do con la función social de la propiedad y de la ciudad. Acciones se han concentrado en se associam diversos níveis de rupturas. Efetivamente, a literatura se refere ao tema
la producción de viviendas progresivas, destacando los números y sin valorar las acciones como um conjunto de intervenções que envolvem a articulação de expressivos inves-
dirigidas a los asentamientos populares. La formalización de la construcción de una agenda timentos financeiros, institucionais, políticos, simbólicos, urbanísticos e logístico-ter-
regional parece ser eficaz para equiparar la informalidad y la exclusión socioespacial. ritoriais e promovem rupturas e impactos em múltiplas dimensões (econômicas, ur-
banístico-territoriais, políticas, fundiárias, simbólicas e escalares) (Novais et al., 2007).
Lançado em 2006 e com previsão de início de funcionamento em 2014, as re-
percussões do Comperj podem ser sentidas na região, já aparecendo rupturas impor-
tantes no padrão de urbanização, no crescimento da informalidade habitacional e da
precariedade derivada da ausência ou deficiência do saneamento ambiental.
228 Reconfiguração territorial urbana em tempo de grandes projetos regionais Regina Bienenstein | Eloisa Helena Barcelos Freire | Natalia Oliveira | Daniela Amaral 229
A partir de seu anúncio em 2006, os municípios do entorno se organizaram margem do processo de desenvolvimento e de industrialização em curso no país.
em um consórcio (Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento – Conleste)1, evi- No lugar da agricultura, a economia passa a se basear nas olarias que geram em
denciando um redesenho das articulações políticas e sociais do território, em prol seu entorno novos aglomerados populacionais. É um ciclo de rápida duração, pois
de uma nova estratégia para fazer frente aos impactos antevistos. No entanto, essas das 82 empresas existentes em 1978, restavam somente 45 em 1994. Mesmo assim,
municipalidades permanecem desestruturadas e incapazes de controlar, conduzir e apesar da crise decorrente da falta de modernização, da concorrência com a cidade
orientar o processo de uso e ocupação do solo. Frequentemente abrem mão dessa de Campos dos Goytacazes e da escassez de energia (lenha), a cerâmica artesanal
prerrogativa e facilitam a implantação de novos empreendimentos, que pouco ou resiste e se mantém presente nas margens da BR-101 até os dias de hoje.
nada dialogam com essas cidades. No tratamento da moradia de interesse social, Entre as décadas de 1970 e 1990, a região foi afetada por grandes obras, volta-
as ações têm se restringido quase que unicamente à produção de novas unidades, das para facilitar o acesso entre a cidade do Rio de Janeiro e os municípios do Leste
sempre em número insuficiente para atender ao déficit habitacional, geralmente Metropolitano, Região dos Lagos e Norte Fluminense, resultando na aceleração da
implantadas em locais sem prévio planejamento. Os esforços para o tratamento do urbanização. A inauguração da Ponte Presidente Costa e Silva (Ponte Rio-Niterói),
estoque de moradias (representado pelos assentamentos populares precários, uma em 1974, provocou um fluxo migratório intenso em direção aos quatro municípios
das bandeiras do movimento popular e alternativa importante reconhecida no Plano estudados e facilitou o movimento pendular trabalho (Rio de Janeiro) e casa (Leste
Nacional da Habitação) parecem ter sido abandonados, sendo desprezível o número Metropolitano), com destaque para Maricá, cujo acesso já havia sido facilitado pela
de experiências realizadas nesses municípios. rodovia RJ-106. A construção do novo traçado da BR-101, no trecho Niterói-Manilha,
na década de 1980, gerou surpreendente crescimento urbano em Itaboraí, passan-
do de 23.645 para 147.249 pessoas (IBGE, Censo 1980 e 1991). Surgem inúmeros lo-
1. O Comperj e o Processo de Urbanização no teamentos, gerando um fabuloso estoque de lotes, dos quais parcela significativa,
Leste Metropolitano cerca de 80 mil lotes, permanece desocupada (SMP-ITA). Em menor grau, Maricá
também foi uma vez mais impactado, apresentando um aumento da população
A região de Itaboraí, que hoje abriga o Comperj, teve grande importância do urbana de 67% à época e percentuais ainda mais expressivos nas décadas de 1990
século XVII até o XIX, entrando em seguida em acentuado declínio. e 2000 (94% e 98%, respectivamente). Enquanto isso, Niterói e São Gonçalo, os mais
A região foi destaque como fornecedora de mercadorias nos períodos áureos populosos, tiveram percentuais menores de crescimento, mas que correspondem a
da cana-de-açúcar, da citricultura e da indústria cerâmica, e importante porto de um número muito superior de habitantes.
escoamento da produção regional para a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. O ano de 2006 marca o início de um período de
Configurou-se, assim, sua importância geopolítica, como influente entreposto co-
[...] grande mudança e refuncionalização, a partir do lançamento do Com-
mercial (Bienenstein et al., 2008, p.12).
plexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ, bem como de uma nova
Em 1940, a população de Itaboraí havia alcançado 15 mil habitantes e as ex-
logística de mobilidade e fluidez, associada a grandes obras de engenha-
posições agroindustriais refletiam a influência da agricultura na vida social do mu- ria, dentre as quais se destaca o Arco Metropolitano, ligando o porto de
nicípio. No decorrer das décadas de 1950 e 1960, a agricultura tornou-se a principal Sepetiba a Maricá. Essa nova onda que sinaliza “desenvolvimento” e “pu-
atividade econômica de Itaboraí, ao lado da manufatura cerâmica, marcando de jança” recai sobre essas mesmas terras [Itaboraí] com uma curiosa coinci-
forma irreversível a identidade local. Os laranjais, com elevada produtividade, con- dência: a nova atividade econômica, que anuncia grandes transformações
na região, acena com um recomeço no mesmo lugar aonde “tudo come-
verteram o município no maior exportador de laranja do Brasil, período em que a
çou” (Bienenstein et al., 2008, p.17).
população dobrou, passando para aproximadamente 30 mil habitantes.
A partir da década de 1970, Itaboraí sofreu os efeitos da eclosão sucessiva de
Tudo indica que irá se repetir na região mais um ciclo de monocultura, agora
pragas agrícolas, das dificuldades de financiamento da produção e da concorrência
direcionado para a cadeia petroquímica. Mas os efeitos dessa nova dinâmica cer-
dos laranjais paulistas, o que levou a citricultura à decadência. Dada a proximidade
tamente não serão uniformes, na medida em que se trata de região com situações
com a cidade do Rio de Janeiro, o município se afirma como cidade dormitório, à
extremamente diversificadas, desigualdades intra e intermunicipais importantes e
1. Inicialmente eram onze municípios, a saber, Cachoeiras de Macacu, Casimiro de Abreu, Itaboraí, Guapimirim, Magé, desafios de natureza e proporções também diferenciadas, em termos, entre outros,
Maricá, Niterói, Rio Bonito, São Gonçalo, Silva Jardim e Tanguá. Mais recentemente se agregaram os municípios Araru-
ama, Nova Friburgo, Saquarema e Teresópolis. do nível de pobreza e riqueza e do índice, ritmo e características da urbanização.
230 Reconfiguração territorial urbana em tempo de grandes projetos regionais Regina Bienenstein | Eloisa Helena Barcelos Freire | Natalia Oliveira | Daniela Amaral 231
Em 2000, Niterói, um município urbanizado, já aparecia com o melhor Índice nização e o redirecionamento de investimentos públicos para áreas até o momento
de Desenvolvimento Humano do estado do Rio de Janeiro (IDH de 0,886). Segundo não contempladas sequer com serviços básicos. Por outro lado, poderá se transfor-
estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV, 2010), é o mais rico município do país, mar em indutor de problemas sociais, como os vinculados aos limites de absorção da
com 30,7% de sua população inserida na classe “A” (renda familiar de R$ 14.400,00) mão de obra pelo mercado de trabalho, ao aumento exacerbado do valor da terra e à
e 42,9%, nas classes A e B (renda entre R$ 14.400,00 e R$ 8.100,00). No outro ex- facilitação do acesso e da ocupação do solo, seja ela formal ou informal, com o agra-
tremo, Itaboraí aparece em 660 lugar (0,737 de IDH), tendo 31,74% dos domicílios vamento da precariedade das condições de saneamento ambiental, especialmente
urbanos ocupados por famílias da classe “C1” (renda de R$ 1.400,00) e apenas 0,25% no que se refere à disponibilidade hídrica da região.
pertencente à classe “A1”. Em posição média encontram-se Maricá e São Gonçalo, Por outro lado, as expectativas associadas ao projeto tendem a desencadear
respectivamente com 0,786 e 0,782 de IDH, em que predominam domicílios ocu- um processo de grande atração de uma população com diversos níveis de carência,
pados por famílias com renda mensal entre R$ 1.400,00 e R$ 950,00 (50,22% e 51%, acirrando as contradições já presentes na área. Análises pretéritas das repercussões
respectivamente). de outros empreendimentos ligados à produção de petróleo indicam que agera-
Neste cenário de estagnação econômica, permeado pela pobreza, se instala ção de postos de trabalho, desde a etapa das obras, é sempre inferior ao fluxo de
o Comperj. O discurso oficial do empreendimento aponta para a criação de cerca de mão de obra. Inicialmente, trabalhadores com pouca ou nenhuma qualificação são
212 mil postos de trabalho diretos, indiretos e por efeito de renda. A construção do atraídos por postos de trabalho ligados à construção civil. Quando não se inserem
Comperj vem associada à renovação tecnológica, à busca de qualificação da força nesta fase, porque as vagas são insuficientes ou por falta de capacitação mínima,
de trabalho, às tecnologias de comunicação, bem como à logística das infraestrutu- essa mão de obra entra na informalidade. Além disso, as obras geralmente atraem
ras viárias, capazes de permitir rápida movimentação de mercadorias. Nesse senti- homens jovens, alterando a estrutura populacional, o que resulta no aparecimen-
do, passa a ser prioridade a construção do novo eixo rodoviário estruturante, o Arco to de problemas sociais como a favelização, prostituição e criminalidade (Serra e
Metropolitano, há 30 anos projetado (Mapa 2). Piquet, 2006, p. 292-294).
Relevante projeto para a logística regional e a mais expressiva das muitas in- Na fase seguinte, de operação do empreendimento, esses grandes projetos
tervenções previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para o Estado, geram contradições ainda mais profundas. De um lado, por empregarem altas tecno-
o Arco Metropolitano articula rodovias, facilita o transporte de cargas para os portos logias, exigem uma mão de obra qualificada, que raramente é encontrada no local.
do Rio de Janeiro e de Itaguaí e a ligação a diversos projetos, como a Siderúrgica do Apesar da oferta de cursos de capacitação, o número de vagas nunca é suficiente para
Atlântico (zona oeste do Estado) e as novas instalações da Companhia Siderúrgica toda a massa de trabalhadores da região e os benefícios do empreendimento não
Nacional (Itaguaí). Este investimento do governo federal, da ordem de U$14 bilhões, chegam a atingir amplamente a população local, agora acrescida por novos contin-
anunciado em 2006 e aplicado entre 2007 e 2010, é certamente um potencializador gentes. Nessa mesma etapa, uma nova classe social passa a transitar na região, for-
do crescimento das atividades econômicas, podendo provocar a expansão da urba- mada pelos técnicos do empreendimento principal e das indústrias que se instalam
no seu entorno. Isso provoca a modernização, diversificação e ampliação de serviços
e o lançamento de novos objetos imobiliários com padrão urbano superior. Na outra
ponta, o pessoal de baixa qualificação aumenta as fileiras dos desempregados e o
quadro geral de pobreza. Os resultados desse processo são, entre outros, a valoriza-
ção fundiária, acompanhada da tendência à expulsão “branca” da população mais
pobre para uma periferia cada vez mais distante e desprovida de recursos.
232 Reconfiguração territorial urbana em tempo de grandes projetos regionais Regina Bienenstein | Eloisa Helena Barcelos Freire | Natalia Oliveira | Daniela Amaral 233
era de menos de 30%, quadro que rapidamente se alterou em função das grandes nísticas, com a implantação de grandes objetos arquitetônicos, que contrastam com
obras viárias ocorridas no período. No ano 2000, somente Maricá ainda apresentava o padrão atual (ocupação horizontal em lotes individuais habitadas por famílias de
mais de 10% de sua população classificada como rural, enquanto Itaboraí não pas- renda média baixa). São enclaves como resorts, shopping centers, condomínios resi-
sava de 5%. denciais de alto padrão, como os recém-lançados, principalmente em Maricá e Ita-
Essa urbanização se manifesta em formas e padrões diversos, que expressam boraí, que fragmentam as cidades e começam a disputar espaço com a urbanização
com nitidez a desigualdade e disparidade social aí presentes. A ocupação em Niterói que prevaleceu nas últimas décadas. Esse modelo de ocupação do solo aumenta
e São Gonçalo é mais densa, enquanto em Itaboraí e Maricá é esgarçada e permeada bruscamente a densidade, forçando a adoção de novos parâmetros urbanísticos e
de lotes vazios, o que demanda uma ampliação excessiva da infraestrutura. Enquanto ambientais que atendem aos interesses das empresas que aí se instalam e se insta-
Niterói apresenta mais de 90% dos domicílios permanentes urbanos com acesso à larão. Eles respondem também a novos padrões de consumo resultantes da atração
rede de abastecimento de água, Itaboraí tem pouco mais de 20%. São Gonçalo chega de outra classe social formada pelos técnicos de alto nível que irão ocupar os postos
a 60%, porém com qualidade bastante precária (sistema totalmente obsoleto, tubu- superiores de trabalho. Essa tendência pode ser observada nos anúncios dos lança-
lações perfuradas e sangradas, abastecimento intermitente ou inexistente, perda ex- mentos imobiliários voltados para a faixa de clientes de alta renda, que destacam,
cessiva). A situação da rede de esgotamento sanitário é ainda mais precária. Itaboraí e com uso ostensivo da língua inglesa, a proximidade ao empreendimento e à infra-
São Gonçalo, por exemplo, têm menos de 10% dos domicílios com acesso ao serviço. estrutura de suporte a ele conectada.
Repete-se aí o padrão brasileiro de urbanização, em que espaços de riqueza,
plenos de infraestrutura e serviços, convivem lado a lado com espaços de pobreza à
margem de direitos, com evidente precarização das condições de vida, informalida- Foto 2 Urbanização
de habitacional e quase nenhuma infraestrutura urbana (Lago, 2007, p. 22). inacabada e local de
veraneio da classe
Por influência da instalação do Comperj, a configuração urbana no Leste Me- média São Gonçalo e
tropolitano começa a se modificar. Já se manifestam tendências de rupturas urba- Maricá
Fonte: Google Earth,
2012
234 Reconfiguração territorial urbana em tempo de grandes projetos regionais Regina Bienenstein | Eloisa Helena Barcelos Freire | Natalia Oliveira | Daniela Amaral 235
Foto 3 Novos padrões de empreendimentos imobiliários, lançamentos imobiliários em São Gonçalo, Ita- gráfico 1 Número de domicílios em assentamentos precários
boraí e Maricá. Fonte: IBGE, Censo 2000 e 2010.
Fonte: Google Earth, 2012.
mentos residenciais nos EUA, por exemplo (prospecto da Brasil Brokers, novembro pp. 53-57), este é um cenário propício para a geração de um círculo vicioso onde,
de 2012). Esses novos espaços contrastam fortemente com a urbanização atual, ca- por um lado, incorporadores imobiliários e novas empresas, atraídas pelo bom clima
racterizada pela horizontalidade das construções e precariedade do saneamento de negócios, pacotes favoráveis, legislações flexíveis, ofertas irrecusáveis, pré-condições
ambiental, onde vive uma população de renda média baixa e baixa, conforme apon- para um investimento lucrativo, tendem a conduzir o Estado para a aplicação do re-
tado anteriormente. Esses investimentos representam um evidente fator de conflito, ceituário por elas estabelecido. Por outro lado, os gestores locais passam a governar
expresso, entre outras formas, pela valorização da terra, pressão por deslocamentos para atrair esse capital para suas cidades e competir por esses investimentos.
populacionais e alterações introduzidas nas normativas urbanísticas. Essas novas re- Frente à urbanização acelerada e às antigas e agora crescentes demandas
ferências permitem ao capital e seus agentes redefinirem maneiras e estratégias de por serviços, esses municípios, cujos gestores públicos não têm tradição de tratar
produção do espaço social e de organização do território, conforme seus interesses. a questão da habitação e, historicamente, não têm exercido seu papel de controle
Simultaneamente, tem ocorrido a expansão de ocupações não planejadas do uso e ocupação do solo, dificilmente conseguirão resolver os graves problemas
nas beiras de rios, margens de estradas, encostas etc., isto é, o crescimento de bol- sociais presentes na região e atender a esta nova população que aí se instala.
sões de pobreza urbana, repetindo a exclusão socioespacial presente na maior
parte das cidades brasileiras. A análise de dados referentes ao período entre 2000 e
2010 mostra que a média de aumento do número de domicílios em assentamentos
3. Atuação do gestor municipal
nos quatro municípios foi de 57%, os maiores índices ocorrendo em São Gonçalo
Habitação, saneamento, mobilidade e desenvolvimento urbano voltam à
(101%) e Maricá (95%), seguidos de Itaboraí (79%).
pauta política em âmbito nacional, após longo período de esquecimento, passando
A imagem urbana dessas cidades tem se alterado e sua população passa a
a serem vistos como um dos pilares estratégicos para a economia nacional. Tratar
disputar os recursos destinados para a melhoria da infraestrutura da região, na es-
das questões urbanas prementes, dotando as cidades de infraestrutura, significa
perança de ser beneficiada pela transformação urbana. Isso tende a gerar grandes
propiciar novos ambientes de negócios e ampliar a possibilidade de crescimento
expectativas e até mesmo orgulho cívico nos habitantes, facilitando a aceitação de
econômico. Nesse contexto, o Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU) e
possíveis efeitos negativos da instalação do empreendimento, na esperança de que
o Plano Nacional de Habitação (PLANHAB) objetivam formular estratégias e orientar
as políticas públicas adotadas possam beneficiá-los. Conforme alerta Harvey (1996,
236 Reconfiguração territorial urbana em tempo de grandes projetos regionais Regina Bienenstein | Eloisa Helena Barcelos Freire | Natalia Oliveira | Daniela Amaral 237
os diferentes níveis de governo para o equacionamento, a médio e longo prazos, da fato, não está sendo aproveitado seu potencial para coibir a retenção de terras com
exclusão socioespacial e das necessidades habitacionais que agora compreendem fins especulativos e facilitar a regularização urbanística e fundiária de assentamen-
também o direito à infraestrutura, saneamento ambiental, mobilidade e transporte tos informais precários.
coletivo, equipamentos e serviços urbanos (Política Nacional de Habitação, 2004). O Plano Local de Habitação de Interesse Social tinha por função preencher as
Com a adesão dos municípios ao Sistema Nacional de Habitação (SNHIS), lacunas do Plano Diretor, aprofundando o conhecimento sobre as demandas quan-
prefeituras e governos de Estado se comprometeram a contribuir para o Fundo titativa e qualitativa por habitação. Nos quatro municípios, esses planos estão em
Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), a criar seus respectivos Fundos fase de conclusão, mas não chegam a propor, delimitar e regulamentar os instru-
e Conselhos e elaborar seus respectivos Planos Locais de Habitação de Interesse mentos voltados para garantir espaço nas cidades para as parcelas mais pobres da
Social (PLHIS), marcos necessários para a formulação de políticas públicas voltadas população. Em nenhum deles são atualizadas as Zonas Especiais de Interesse Social
para o enfrentamento do déficit habitacional no país. Esse arcabouço institucional, já ocupadas, e nos casos das ZEIS anteriormente identificadas, como em parte do
somado ao instrumental jurídico representado pela Constituição Federal de 1988 e município de Niterói e Itaboraí, elas não foram regulamentadas. Na verdade, até
pelo Estatuto da Cidade (2001), ofereceria a base necessária e suficiente para a estru- 2007, apenas esses dois municípios conheciam a extensão e as características da
turação de ações nos municípios. ocupação informal em seu território. Assim, adia-se, uma vez mais, o desafio de exer-
No caso do Leste Metropolitano, esse novo contexto provocou a criação da cer a função social da propriedade e da cidade.
estrutura técnica, administrativa e financeira voltada para o trato da questão da ha- A adoção do conjunto de instrumentos de planejamento e os possíveis avan-
bitação de interesse social. Cumprindo as exigências básicas que lhes habilitam aos ços em sua implementação encontram, no quadro institucional desses municípios,
recursos federais, esses municípios criaram seus fundos municipais e respectivos um obstáculo difícil de ser transposto. O levantamento de suas estruturas político-
conselhos gestores e passaram a inserir o tema da habitação em suas respectivas -administrativas aponta uma situação precária e de grande fragilidade. Em todos os
estruturas institucionais. No entanto, apesar dessa resposta imediata, a análise mais municípios foram definidas instituições responsáveis pela política pública de habi-
detalhada da situação em cada um dos quatro municípios revela uma realidade ra- tação. No entanto, as frequentes mudanças no organograma das administrações,
ramente favorável para o efetivo enfrentamento dos desafios do déficit e da infor- aliada à insuficiência e/ou falta de quadros técnicos permanentes, a uma infraes-
malidade habitacional. trutura inadequada, a informações inexistentes e/ou desatualizadas conformam o
Apesar de os quatro municípios estudados terem cumprido todas as deter- quadro em que as políticas de habitação são geradas e desenvolvidas, evidenciando
minações do Ministério das Cidades, a falta de recursos persiste, pois, ao criarem o ainda presente descaso com o tema. De fato, pesquisa realizada nesses municí-
seus Fundos, não indicaram suas respectivas fontes, exceto Niterói que destina os pios permitiu observar formas variadas de associação desses órgãos. Ora aparece
recursos gerados pelo solo criado ao Fundo. No entantocomo os recursos são desti- como Secretaria de Habitação, autônoma para implementar a política de habitação,
nados para qualquer obra descrita como urbanização, mesmo neste caso, a habita- ora como uma subsecretaria ou diretoria, com menor poder na escala do governo.
ção é mantida sem os recursos necessários para o enfrentamento do desfio presen- O resultado é o tratamento da questão habitacional de forma fragmentada, seus
te no município. Quanto ao Conselho Gestor, como sua composição é definida por elementos (questão fundiária, produção de novas moradias e a recuperação de as-
proposição do prefeito e aprovação pelo Legislativo Municipal, em Niterói resultou sentamentos) distribuídos entre diferentes setores da administração, que raramente
na presença majoritária de técnicos do Executivo Municipal, o que tem impedido o se integram. Em Niterói e Itaboraí, a questão fundiária é descolada da produção de
efetivo controle social da aplicação dos recursos. Nos demais municípios, a compo- moradias e da recuperação dos assentamentos populares, algumas vezes com parte
sição aprovada tem maior representação social, mas seus membros não chegaram de sua atribuição ligada diretamente ao gabinete do prefeito (Niterói).
a ser designados. A composição da equipe técnica do setor da habitação é outro ponto que
No que se refere ao principal instrumento de planejamento, o Plano Dire- merece ser detalhado. Nos municípios estudados, o corpo técnico é insuficiente
tor Participativo (PDP), em 2011, apenas Maricá havia concluído sua revisão. Em São frente aos desafios presentes na região e antevistos com a instalação do Comperj,
Gonçalo e Itaboraí, os planos estavam em processo de revisão e em Niterói, o PDP, exceto em Maricá cuja equipe contava com dezessete profissionais. Em Itaboraí, a
datado de 1992, foi apenas adaptado, em 2002, ao Estatuto da Cidade. No entanto, equipe é formada apenas por três técnicos, além dos secretários; em São Gonça-
em nenhum dos quatro municípios, os instrumentos de democratização da cidade, lo, não havia qualquer técnico alocado na subsecretaria e Niterói possuía somente
apesar de citados nas respectivas leis do Plano Diretor, foram regulamentados. De quatro técnicos, além da subsecretária, mas contava com a estrutura da Secretaria
238 Reconfiguração territorial urbana em tempo de grandes projetos regionais Regina Bienenstein | Eloisa Helena Barcelos Freire | Natalia Oliveira | Daniela Amaral 239
de Urbanismo. Mas esse não é o único obstáculo a ser enfrentado. Outro elemen- A observação das ações voltadas para recuperar os assentamentos precá-
to que dificulta uma ação de médio e longo prazos, e a própria continuidade dos rios evidencia que o gestor público nesses municípios continua a dar pouca ou ne-
projetos e captação de recursos hoje disponíveis nos diferentes programas do Mi- nhuma atenção para as regiões da cidade onde se concentra a população de baixa
nistério das Cidades, é o fato de a maioria dos técnicos não pertencer ao quadro renda. O número de famílias beneficiadas por processos de regulação fundiária e
permanente, predominando cargos comissionados que, por sua natureza, têm alta por urbanização é irrisório. Na verdade, apenas Niterói e Maricá realizaram regu-
rotatividade. Soma-se a isso a falta de informações atualizadas sobre a realidade larização fundiária, beneficiando, respectivamente, 17 de um total de 38.621 e 30
municipal e regional e de investimentos em estrutura física, capacitação de pessoal de 3.909 moradias em assentamentos precários, além da urbanização de um único
e equipamentos necessários para o desenvolvimento do processo de planejamento. assentamento com 1.653 famílias, em Niterói.
Esse cenário institucional obstaculiza e dificulta a ação dos governos locais no Outros dois aspectos que merecem destaque nos processos de regularização
sentido de garantir condições adequadas de moradia para a população mais pobre. fundiária e de urbanização referem-se à sua lentidão e à sua abrangência. O acom-
Mesmo assim, é possível observar que, com a aprovação do Programa Nacional de panhamento desses projetos mostra que eles têm se estendido por cerca de cinco
Desenvolvimento Urbano e do Plano Nacional de Habitação de Interesse Social e a dez anos. São exemplos disso, os assentamentos Palmeiras (2009), Vila Esperança
com as exigências colocadas pelo Ministério das Cidades, a situação de completo (2007), Araçatiba, Bananal, Marquês (2005), São José do Imbaçaí (2007) e Alecrim
descaso em relação ao tema vem lentamente se alterando, pelo menos no sentido (2010), todos em São Gonçalo, onde a elaboração dos projetos foi concluída, mas
da produção de novas moradias, aliás, como tem sido enfatizado pelo governo fede- em nenhum deles as obras foram iniciadas. Em Itaboraí, a situação não é diferente,
ral, a partir do lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida. alguns projetos vêm sendo recorrentemente apresentados ao Ministério das Cida-
No período entre 2000 e 2011, as ações empreendidas por esses municípios des, sem resultados efetivos. Este é o caso dos assentamentos Rato Molhado e En-
têm enfatizado e se concentrado quase que exclusivamente na produção de novas genho Velho, este último com projeto de urbanização e processos de regularização
moradias. São Gonçalo e Niterói foram os que produziram mais habitações (3.701 e fundiária totalmente prontos desde 2009 e reinscritos no PAC 2, em 2010. Em Nite-
992 unidades habitacionais, respectivamente), reduzindo em 17,53% e 9,22%, res- rói, existem também processos em andamento, desde 2010, em três assentamentos,
pectivamente seus déficits habitacionais. A produção em Itaboraí e Maricá foi mais Capim Melado, Morro da Cocada e Vila Ipiranga.
tímida, somando apenas 271 e 24 unidades habitacionais, com uma também peque- Os poucos exemplos de urbanização realizados na região têm ocorrido fora
na redução dos seus déficits (5,96% e 1,34%, respectivamente), situação que tende dos padrões exigidos pelo Ministério das Cidades, se restringindo a intervenções
a ser modificada em Maricá, onde foram iniciadas 1.636 unidades no último ano. pontuais. Em Maricá, por exemplo, obras de construção de quadra poliesportiva,
Importante ressaltar a demora na conclusão das unidades habitacionais, o que re- ponte e pavimentação nos assentamentos Araçatiba, Zacarias, Mambuca são des-
presenta um agravante, devido à rapidez das transformações na região, em especial critas como urbanização.
a atração de mão de obra assalariada.
240 Reconfiguração territorial urbana em tempo de grandes projetos regionais Regina Bienenstein | Eloisa Helena Barcelos Freire | Natalia Oliveira | Daniela Amaral 241
de financiamento federais, não se tem conseguido dar conta do passivo habitacional das Cidades: Secretaria Nacional de Habitação, 2009. Disponível em: <http://www.
e de serviços. Essas municipalidades permanecem desestruturadas e incapazes de cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNH/ArquivosPDF/Publicacoes/Publiicacao_
PlanHab_Capa.pdf> [Acesso em5 de novembro de 2012].
controlar, conduzir e orientar o processo de uso e ocupação do solo. Frequentemente
abrem mão dessa prerrogativa e facilitam a implantação de novos empreendimentos, Bienenstein, R., Sanchez, F., Amaral, D., Barros, D., Gomes, F., Gutterman, B., Pandiá, E..
Vila Santo Antônio de Sá: as heranças de um território em transformação. Niterói:
que pouco ou nada dialogam com essas cidades e que têm perfil excludente.
Universidade Federal Fluminense, 2008 (inédito).
No tratamento da moradia de interesse social, a recuperação dos assentamen-
tos populares precários continua negligenciada, sendo desprezível o número de ex- Bienenstein, R., Sánchez, F., Amaral, D., Reis, E. 2009. Urbanismo e Habitação nos Municípios
do Conleste, 2000-2008. In: Seminário Internacional Direito à Cidade nos Municípios
periências aí realizadas. Na verdade, percebe-se que esse tipo de ação não chega a
do Conleste e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – (ODMs), 2009, Niterói-
fazer parte da pauta dos gestores locais. A atuação municipal, quando acontece, tem RJ, Objetivos de Desenvolvimento do Milênio Municípios do Conleste 2000-2008,
se restringido à produção de novas unidades, sempre em número inferior ao déficit Relatório de Acompanhamento. Niterói: ONU HABITAT, 2009. v. 02, pp. 28-44.
habitacional. Arquivos da Caixa Econômica Federal 2011. Demanda habitacional no Brasil [Em linha].
Apesar de iniciativas formais, são poucas, até o momento, as perspectivas de Brasília:CAIXA. Disponível em: <http://downloads.caixa.gov.br/_arquivos/habita/
construção de agendas efetivas para o enfrentamento das desigualdades e da exclu- documentos_gerais/demanda_habitacional.pdf> [Acesso em8 de novembro de
são socioespacial. Os municípios estudados (e outros) constituíram o Consórcio Inter- 2012].
municipal de Desenvolvimento (Conleste), como forma de buscar respostas comuns Cardoso, A. L. 2011. Habitação de Interesse Social: Política ou Mercado? Reflexos sobre a
para os desafios gerados pela presença deste grande projeto regional, o Comperj. construção do espaço metropolitano.Anais do Encontro Nacional da ANPUR [Em linha],
Também o governo do estado criou o Forum Comperj, que reúne diferentes insti- ano XIV. Disponível em: <http://www.observatoriodasmetropoles.net/download/
adauto_cardoso.pdf> [Acesso em7de novembro de 2012].
tuições de escalas diversas (Ministérios da Cidade e de Ciência e Tecnologia, BNDES,
governos municipais, representantes da sociedade civil, entre outros) que periodica- Corrêa, R. L. O Espaço Urbano, São Paulo: Ática, 5ª edição, 2000.
mente acompanham a evolução da situação na região. Essas articulações, ainda que Feema-Serla-PDBG. Plano diretor de recursos hídricos da região hidrográfica da baía de
não tenham avançado o suficiente até o momento, parecem ser o caminho para a Guanabara. Consórcio Ecologus – Agrar, 202, 2005.
construção de uma realidade diferente da observada em outros locais que também Harvey, D. O trabalho, o capital e o conflito de classes em torno do ambiente construído nas
receberam grandes projetos regionais. sociedades capitalistas avançadas. Espaço & Debates, 1982, no 6, pp. 6-35.
Harvey, D. Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração
urbana no capitalismo tardio. Espaço e Debates, 1996, ano XVI, n. 39, pp. 48-64.
Referências bibliográficas Herrera, B. Vetores de Desenvolvimento Industrial em Áreas Protegidas: A Relação do
Mosaico Central Fluminense com o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro.
Amaral, D. Sánchez, F. e Bienenstein, R. O Leste Fluminense, o COMPERJ e a questão urbano- Anais do II Seminário de Pesquisa e Iniciação Científica do Instituto Chico Mendes de
habitacional. In: Oliveira, F. et al. (org.)Grandes projetos metropolitanos: Rio de Janeiro e Conservação da Biodiversidade – ICMBio, 2010, ano II, 9.
Belo Horizonte. Rio de Janeiro: Letra Capital Editora, 2012.
Hwa, C. S.& HORA, M. Projeto Macacu, Planejamento Estratégico da Região Hidrográfica dos
Anexos da Firjan. EIA-RIMA. Estudo de Impacto Ambiental. Projeto de Implementação do Arco Rios Guapi-Macacu e Caceribu-Macacu, FEC/UFF, Petrobrás Ambiental, 151, 2009.
Metropolitano do Rio de Janeiro BR-493/RJ-109. [Em linha]. Riode Janeiro: FIRJAN, 2007.
Lago, L. C.. A “periferia” metropolitana como lugar do trabalho: da cidade-dormitório à
Disponívelem:<http://www.firjan.org.br/site/anexos/Decisaorio/2012-2014/RIMA-_
cidade plena. Cadernos IPPUR, 2007, n. 2, pp. 9-28.
Arco_Metropolitano.pdf> [Acesso em 1de novembro de 2012].
Lei Federal 10.257. Estatuto da Cidade, 2001 [Em linha] Disponível em: <http://www.planalto.
Arquivos da Secretaria Nacional de Habitação, Publicações do Ministério das Cidades e
gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm> [Acesso em1 de novembro de 2012].
do Centro de Estudos da Metrópole,Capacidades administrativas dos municípios
brasileiros para a política habitacional [Em linha]. Brasília: Cebrap, 2012. Disponível em: Novais, P., Oliveira, F., Sánchez, F., Bienenstein, G. Grandes Projetos Urbanos: Panorama
<http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNH/ArquivosPDF/Publicacoes/ da experiência brasileira. Anais do XII Encontro Nacional da ANPUR: Integração Sul-
livro_capacidades_administrativas_dos_municipios_brasileiros_para_a_politica_ Americana, Fronteiras e Desenvolvimento Urbano e Regional. [Em linha], Ano XII,
habitacional_2012.pdf> [Acesso em1de novembro de 2012]. 2007. Disponível em: <http://www.ufpa.br/xiienanpur/CD/ARQUIVOS/GT1-565-522-
20070320171656.pdf> [Acesso em7de novembro de 2012].
Arquivos da Secretaria Nacional de Habitação. Publicações do Ministério das Cidades.
Plano Nacional de Habitação (Versão para debates) [Em linha]. Brasília. Ministério Oliveira, F. Reestruturação econômica, planos de desenvolvimento e mudanças territoriais
242 Reconfiguração territorial urbana em tempo de grandes projetos regionais Regina Bienenstein | Eloisa Helena Barcelos Freire | Natalia Oliveira | Daniela Amaral 243
no Estado do Rio de Janeiro. Revista de Economia Fluminense, 2006, pp. 06-16.
Oliveira, F. Reestruturação produtiva, território e poder no Estado do Rio de Janeiro. Rio de
O Programa Morar Carioca:
novos rumos na urbanização
Janeiro: Garamond, 2008.
Piquet, R. (Org.) Petróleo, Royalties e Região. Rio de Janeiro: Garamond, 2003.
Publicações, Resultados do 4º Balanço do Minha Casa, Minha Vida 2012. Biblioteca do PAC [Em
linha]. Brasília: 4ª Edição. Disponível em: <http://www.pac.gov.br/pub/up/relatorio/ das favelas cariocas?
b1c18336f596331575e07d616004f208.pdf>. [Acesso em7 de novembro de 2012]
Publicações, Resultados do 4º Balanço do PAC 2012. Biblioteca do PAC [Em linha]. Brasília:
4ª Edição. Disponível em: <http://www.pac.gov.br/pub/4o_Balanco_do_PAC_ Gerônimo Leitão
PRINCIPAIS_RESULTADOS.pdf>. [Acesso em7de novembro de 2012].
Jonas Delecave
Santos, M. O retorno do território. In: Santos, M., Sousa, M. & Silveira, M. Território:
Globalização e Fragmentação. São Paulo: Hucitec – ANPUR, 1996, pp. 15-21.
Serra, R. Economia Política da Distribuição dos Royalties Petrolíferos no Brasil, 2006. Ciclo de Resumo | O presente artigo tem o objetivo de discutir os programas de urbanização de fa-
Palestras de História, Universidade Salgado de Oliveira; Campos dos Goytacazes, RJ,
velas que têm sido desenvolvidos nas últimas décadas no Rio de Janeiro, com destaque para
2006.
o Programa Morar Carioca, apresentado pela Prefeitura Municipal em 2011. Em um primeiro
Silveira, D. Contradição Espacial na Região Metropolitana do Rio de Janeiro/Brasil: o rural e o
momento, são expostas as mudanças ocorridas nas relações entre o Estado e as comunida-
urbano no município de São Gonçalo. Publicações EasyPlanners, 2009. Disponível em:
des faveladas, entre as décadas de 1960 e 1990. Posteriormente, são expostos e analisados
<http://egal2009.easyplanners.info/area05/5545_Silveira_Debora_Mendonca.pdf>
[Acesso em 7 de novembro de 2012]. os programas Favela-Bairro – implementado durante a segunda metade da década de 1990
–, e Morar Carioca – que foi anunciado em 2011 e pretende integrar o conjunto de inves-
Vainer, C.; Arantes, O; Maricato; E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos.
Petrópolis-RJ, Vozes, 3ª Edição, 2002. timentos que estão sendo realizados na cidade do Rio de Janeiro, em função da Copa do
Mundo, em 2014, e das Olimpíadas, em 2016. Por último, é realizada uma reflexão sobre os
Vetter, D. M. A apropriação dos benefícios das ações do Estado em áreas urbanas: seus
determinantes e análise através de ecologia fatorial. Revista Espaços e Debates, 1981, desafios deste programa, que parte da consolidação da favela como um habitat legítimo da
ano 43, n. 4, pp. 457-477. cidade, e que deveria ser alvo de projetos urbanísticos e de promoção social.
Abstract | This article intends to discuss the programs of slum upgrading that have
been developed in recent decades in the city of Rio de Janeiro, with emphasis on the
“MorarCarioca”program, launched in 2011. Changes in the relationship between State and
slum communities, between the 1960’s and 1990’s, will be exhibited at first. Afterwards, it
will be presented the Favela Bairro program, which was developed during the 1990’s, and
the Morar Carioca program, which would be implemented from 2011 on, and will integrate
the efforts to prepare the city of Rio de Janeiro for the 2016 Olympics and the 2014 World
Cup Championship. Finally, it will be presented a conclusion considering the challenges of
this program, which represents a consequence of the slum’s consolidation as a legitimate
dwelling in the city, and must be target of urban projects and social improvement programs.
Resumen | Este artículo tiene como objetivo discutir los programas de mejora de las favelas
que se han desarrollado en las últimas décadas en Río de Janeiro, destacando el programa
Morar Carioca, presentado por el Ayuntamiento en el año 2011. Al principio, son expuestos los
cambios en las relaciones entre el Estado y las comunidades marginales, entre las décadas de
1960 y 1990. Posteriormente, se exponen y analizan los programasFavela-Bairro – implemen-
tado durante la segunda mitad de la década de 1990 – y el Morar Carioca – que fue anunciado
244 Reconfiguração territorial urbana em tempo de grandes projetos regionais Gerônimo Leitão | Jonas Delecave 245
en 2011 y que pretende integrar el conjunto de inversiones que están siendo realizadas en la militares (1964-1985), o combate às favelas mostrou-se bastante forte, resultando
ciudad de Rio de Janeiro en función del Mundial de Futbol en 2014 y de los Juegos Olímpicos daí a erradicação forçada de muitas delas, enquanto que, por outro lado, “o advento
en 2016. Por último, se realiza unareflexión sobre los retos de este programa, que parte de la das fases de liberdade política (1946-1964 e 1985 até hoje) deram ensejo (...) às lutas
consolidación dela favela como un hábitat legítimo de la ciudad, y que debería serel objetivo pela permanência dessas áreas da cidade, e valorizaram a principal arma com que
de los proyectos urbanísticos y de promoción social. contam os favelados para melhorar a sua sorte: o voto”.
Na primeira metade do século XX, as favelas eram vistas como um fenôme-
no transitório, cuja erradicação seria um processo natural do desenvolvimento da
1. Introdução cidade. Posteriormente, nas décadas de 1960 e 1970, as favelas passaram a ser com-
preendidas como assentamentos “subnormais”, sendo sua erradicação promovida
As favelas constituem um fenômeno urbano contemporâneo associado aos ativamente pelo Estado através de políticas de remoção, com a transferência de sua
processos de segregação socioespacial impostos pela ausência de mecanismos população para conjuntos habitacionais situados em áreas periféricas. Essas políti-
de redistribuição da riqueza, e de políticas habitacionais que garantam o acesso à cas, porém, foram se revelando ineficientes, sobretudo quanto ao atendimento das
moradia para as camadas mais pobres da população. No Rio de Janeiro, as favelas necessidades das populações removidas, bem como pela carência de recursos para
encontram-se fortemente incorporadas à paisagem urbana, representando uma das dar continuidade aos programas de remoção.
mais graves questões sociais enfrentadas pela cidade. A partir de meados da década de 1970, porém, surgem programas habita-
Embora compondo um quadro extremamente complexo e diversificado, de- cionais alternativos que, implementados pelo Estado, têm em comum o reconhe-
corrente dos condicionantes históricos, socioeconomicos e geográficos, as favelas cimento e a parcial adoção das práticas de produção do ambiente construído das
cariocas podem ser genericamente caracterizadas como assentamentos informais favelas. A maioria dos programas se voltava para a construção de moradias pelos
que apresentam precariedade de redes de infraestrutura urbana, como acessibili- regimes de mutirão e/ou de ajuda mútua, porém, é possível observar também que
dade, esgotamento sanitário e drenagem, e de serviços públicos, como educação, alguns se destinavam, inclusive, a promover a efetiva urbanização de comunidades
saúde e lazer, além da posse irregular da terra. Em função de sua lógica de localiza- faveladas, como é o caso da intervenção urbanística realizada na favela de Brás de
ção, que busca áreas desocupadas próximas aos mercados de trabalho e serviços, Pina, na cidade do Rio de Janeiro, iniciada no final dos anos 1960.
as favelas acabam por ocupar regiões impróprias para habitação, como as encostas No final da década de 1970, o esgotamento do regime autoritário e o crescen-
de morros ou as margens de rios e lagoas. Essa localização precária potencializa as te movimento pela redemocratização do país determinaram mudanças na atitude
carências de infraestrutura e de serviços, criando péssimas condições de habitabili- oficial do governo federal em relação à população favelada dos grandes centros
dade e fragilizando socialmente a população desses assentamentos. urbanos – o fim da política de remoções é um desdobramento desse quadro político
Do surgimento das primeiras favelas, no início do século XX, à estruturação (Valladares, 1980). Na primeira metade da década de 1980, com as primeiras eleições
de grandes núcleos favelados, quase oitenta anos depois, as relações entre a popu- livres desde 1964, observa-se um novo discurso político que considera necessário
lação que vive nestes assentamentos e o Estado têm passado por diferentes fases. resgatar a dívida social existente junto às comunidades faveladas.
Sobre essas relações, Davidovich (1997) comenta: “A preocupação oficial com a pro- No estado do Rio de Janeiro, uma das propostas de Leonel Brizola, eleito
blemática da favela tem se associado a momentos de abertura política”, enquanto para o governo do estado em novembro de 1982, era transformar as favelas em
que “situação oposta tem caracterizado fases de “fechamento” do regime, quando bairros populares. Destaca-se, nesse período, a intervenção urbanística nas favelas
prevalecem medidas de remoção acopladas à construção de conjuntos habitacio- Pavão-Pavãozinho e Cantagalo – localizadas em área de encosta, entre os bairros de
nais de baixo custo, financiados pelo governo e localizados em periferias distantes Copacabana e Ipanema –, que foram “escolhidas para um ‘projeto demonstração’,
do núcleo central da metrópole”. concentrando os principais programas de urbanização anunciados pelo governo”,
Abordando a mesma questão, Abreu afirma que “(...) a história recente das segundo Treiger e Faerstein (1988). Esse projeto, iniciado em 1984 e concluído em
favelas demonstra que (...) estabeleceu-se uma nítida correlação entre a vigência do 1986, pretendia contemplar 12mil pessoas, prevendo obras de infraestrutura, aces-
regime democrático e a permanência das favelas na cidade” (Abreu, 1994). Por essa sibilidade e transporte, além de unidades habitacionais para as famílias desalojadas
razão, prossegue esse autor, “em tempos de fechamento político”, como ocorreu pelas obras de urbanização.
na ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945) e no período de vigência dos governos
adoção imediata de soluções não convencionais, outras equipes participantes do Cavallieri, F. Favelas Cariocas: Mudanças na Infraestrutura. In: 4 Estudos. Rio de Janeiro:
concurso as restringiram aos equipamentos públicos, na expectativa de uma difu- IPLANRIO, 1986.
são gradual desses novos elementos junto aos moradores. . Favela-Bairro: Integração de Áreas Informais no Rio de Janeiro. In: Abramo, P.
Deve ser ressaltada, ainda, a relevância da real incorporação dos moradores (Org.). A Cidade da Informalidade: O desafio das cidades latino-americanas. Rio de
Janeiro: Editora Sette Letras, 2003.
das comunidades faveladas, atendidas pelo novo programa de urbanização apre-
sentado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, às diferentes etapas do proces- Coelho, F. D. Projetos Habitacionais do Setor Público e Iniciativa Popular: a construção
de uma esfera pública politicamente ativa. In: Anais do Seminário sobre a questão
so de desenvolvimento e execução dos projetos urbanísticos anunciados. Somente
habitacional no Brasil. Rio de Janeiro: Universidade Santa Úrsula, 1992.
assim, será possível afirmar que foi construído um “morar carioca”, que traduz a in-
Davidovich, F. Programa Favela-Bairro e as tendências de restruturação da metrópole – o
tegração das favelas à cidade oficial, através da extensão de infraestrutura e de ser-
caso do Rio de Janeiro. In: Anais do 7° Encontro Nacional da ANPUR, Recife, 1997.
viços públicos aos que vivem nessas comunidades – e isto só será possível através
Duarte, C. R.; Silva, O; Brasileiro, A. (Orgs). Favela, Um Bairro. Rio de Janeiro: Propostas
de projetos de urbanização que reconheçam o que é comum e o que é particular em
Metodológicas para Intervenção Pública em Favelas Cariocas. Rio de Janeiro: Pro
cada favela da cidade do Rio de Janeiro.
Editores, 1996.
Os desafios para o desenvolvimento do Programa Morar Carioca são muitos
Freire, A.; Oliveira, L. L. (Orgs). Capítulos da memória do urbanismo carioca. Rio de Janeiro:
e de diversas naturezas, desafios técnicos, teóricos e políticos que deverão ser supe-
Fundação Getúlio Vargas, 2002.
rados a fim de implementar um programa amplo e participativo de urbanização de
Frossard, E. Housing the Urban Poor – The Loteamentos populares in Rio de Janeiro, Boston,
favelas no Rio de Janeiro. A conjuntura municipal específica dos anos 2010, desen-
1984.
cadeada pela Copa Mundial da FIFA e pelos Jogos Olímpicos, parece favorecer um
Lago, L. C. do; Ribeiro, L. C. de Q. A casa própria em tempo de crise: os novos padrões de
direcionamento de esforços no sentido de viabilizar esse importante legado para a
provisão de moradia nas grandes cidades. In: Ribeiro, L. C. de Q.; Azevedo, S. de
cidade. Caso algum desses desafios se mostre insuperável, será uma oportunidade (Orgs.). A Crise da Moradia nas Grandes Cidades: da questão da habitação à reforma
que, possivelmente, tardará a ressurgir. urbana. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1996.
Magalhães, S. Novo Futuro para as favelas do Rio. Entrevista BIDExtra – Publicação do Banco
Interamericano de Desenvolvimento, 1997.
Pasternak Taschner, S. Tendências Recentes na Política de Desfavelamento Brasileira. In:
Anais evento ISA, Montreal, 1998.
Perlman, J. The Myth of Marginality: Urban poverty and politics in Rio de Janeiro. University of
California Press: Berkeley, EUA, 1979.
.Movimentos urbanos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
Resumo | O presente texto deriva de pesquisa realizada em 2010 e enfoca algumas impor-
tantes representações dos moradores dos Bairros Laboriaux e Barcelos, na Rocinha, Rio de
Janeiro, sobre a questão fundiária e de ocupação. Argumenta-se que, embora as represen-
tações se diferenciem com relação às condições de sítio do histórico da ocupação e das tra-
jetórias dos moradores, pode-se identificar categorias gerais que as articulam. Parte-se da
premissa de que embora as favelas tenham sido, em geral, vistas como “informais” dentro dos
processos urbanos, pode-se verificar que existe certa “formalidade” dentro da informalida-
de. Essa formalidade reporta-se à existência de códigos que se estruturam de forma paralela
à ordem jurídica, e cujo entendimento é fundamental tanto para a compreensão da ordem
urbana, quanto para a elaboração e gestão de políticas públicas. A metodologia baseou-se no
levantamento das histórias fundiárias e entrevistas com moradores e lideranças locais.
Abstract | This articlewas developed during a research implemented in 2010, and deals
with some important urban and social representations about ownership, rent, and other
concepts, by residents of the localities of Barcelos and Laboriaux, at Favela da Rocinha, in
Rio de Janeiro. Although the localities differ in physical conditions, historical land occupa-
tion, and the resident’s particular stories, there can be identified general categories that
articulates them. On the other way, although favelas have been generally considered infor-
mal settlements within the urban processes, it’s possible to verify a certain “formality” in
the informal. This formality refers to the existence of unwritten/invisible rules /codes paralel
to the legal urban order, that have to be aknowledged not only for the understanding of
the urban order, but also in regard to the planning and management of public policies. The
methodology employed was grounded on the survey of land histories and interviews with
residents and local leaders.
Resumen | Este artículo es fruto de la investigación llevada a cabo en 2010, y se centra en al-
gunas representaciones importantes de los residentes de los barrios Laboriaux y Barcelos, en
1. Este texto foi apresentado pelos autores no XIV Encontro Nacional da ANPUR em 2011, no Rio de Janeiro, e consta
dos Anais do Encontro. Para a presente publicação alguns ajustes foram realizados principalmente através de notas
ao texto.
260 O Programa Morar Carioca Maria Laís Pereira da Silva | João Paulo Oliveira Huguenin 261
Rocinha, Rio de Janeiro, sobre la cuestión fundiaria y de ocupación. Se argumenta que aun- rados informais, e a necessidade de ajustar os instrumentos legais a estas3; por outro
que las representaciones se diferencian con respecto a las condiciones del sitio, la historia de lado, também existem trabalhos recentes que discutem os aspectos econômicos e
la ocupación y las trayectorias de los residentes, se pueden identificar categorías generales as formas com que se apresentam as informalidades nas favelas, discutindo as carac-
que se articulan. Se parte de la premisa de que aunque las favelas hayan sido generalmente terísticas de um mercado imobiliário “informal” e seus desenvolvimentos recentes4.
vistas como “informales” dentro de los procesos urbanos, se puede verificar que existe cierta Há que se observar, entretanto, que existe uma abordagem que escapa do
“formalidad” dentro de la informalidad. Esta formalidad se refiere a la existencia de códigos enfoque referente ao aparato jurídico legal, bem como não se atém ao aspecto eco-
que se estructuran de forma paralela al orden legal y cuya comprensión es fundamental nômico. Esta abordagem, que ora propomos, vincula-se à forma como os morado-
tanto para la comprensión del orden urbano, como para la elaboración y gestión de políticas res dessas áreas representam as principais categorias da questão: o que significa a
públicas. La metodología se basó en el levantamiento de las historias de las historias fundia- propriedade? A posse? A cessão? Essas perguntas aparentemente simples remetem-
rias y entrevistas con algunos residentes y líderes locales. -se a um dos pressupostos deste trabalho: o de que as formas de ocupação nessas
áreas relacionam-se, entre outros aspectos, às representações e percepções dos
moradores acerca daqueles conceitos referentes à posse, à propriedade e às diver-
Introdução sas condições de ocupação de terrenos e imóveis (além da propriedade, também a
cessão, o aluguel, a invasão, entre outros). Esses aspectos têm um importante papel
Há algum tempo, tanto a prática em assentamentos precários como os es- não só no conhecimento particular da “ordem urbana” das favelas, e nas suas rela-
tudos teóricos sobre as favelas vêm mostrando que a questão fundiária se coloca ções mais gerais como parte da cidade, como também no conhecimento necessário
como um obstáculo para as intervenções nessas áreas. Nas palavras de Carlos Nelson para as práticas de intervenção voltadas para a regularização fundiária e políticas
Ferreira dos Santos, o acesso à terra se constitui no maior dos problemas urbanos: mais abrangentes de habitação, que, via de regra, baseiam-se nos conceitos do apa-
De vez em quando me perguntam qual o maior problema urbano brasilei-
rato jurídico-legal.
ro. Nem é preciso pensar duas vezes: é terra! Todo mundo precisa morar, Assim é que o trabalho proposto vincula-se, de um lado, às particularidades
inclusive a massa predominante dos que não têm recursos (...) No que diz fundiárias e de ocupação das favelas, e de outro, às representações que delas fazem
respeito à urbanização, o essencial é terra. Uma redefinição nos conceitos seus moradores. Centramos nosso estudo em relação a favelas do Rio de Janeiro.
de propriedade, ainda impregnados de visões rurais e remontando a eras Como referência empírica principal utilizamos a favela da Rocinha, pelas suas di-
manuelinas, já bastaria (SANTOS, 1988, p.100).
mensões, diversidade interna de sítio – o que pode permitir comparações inter-
-favela –, pela sua consolidação histórica e por estar sendo objeto, atualmente, de
Do ponto de vista das políticas públicas, há de certa forma um avanço. Em
um projeto de Regularização Fundiária5. A pesquisa de origem trabalhou com ma-
épocas recentes vem sendo mais visível a importância e a abrangência da questão
terial levantado pela Fundação Bento Rubião, em que se consultou 836 históricos
fundiária focada nas áreas ditas informais, em especial as favelas, através de debates
de posse do bairro Barcelos, 177 do Laboriaux e com entrevistas semi-estruturadas
de significativa produção científica e de programas concretos no campo das políticas
realizadas em campo nestes bairros, com moradores e lideranças locais. Trabalhou-
públicas. Na verdade a questão é antiga, e talvez o que seja mais inovador, atualmen-
-se também com documentação relativa às políticas fundiárias, especialmente com
te, refira-se à estruturação, em nível nacional, de programas e projetos de regulari-
programas de regularização.
zação para tais áreas e, em algumas cidades, as suas tentativas de implementação2.
Observamos que os trabalhos têm se intensificado na questão relacionada às
favelas, especialmente na dimensão jurídico-legal, no bojo do desenvolvimento do
direito urbanístico. Neste sentido, boa parte dos autores acentua a necessidade de
se considerar a especificidade das áreas faveladas e outros assentamentos conside-
3. Referimo-nos a alguns autores como Edésio Fernandes e Betânia Alfonsín, que têm uma reflexão profundamente
inserida na questão urbana.
4. Este é o caso do professor Pedro Abramo, que vem desenvolvendo uma série de trabalhos no campo da informali-
2. Na verdade registram-se, pelo menos desde o início da década de 1980, alguns programas no nível municipal, e dade. Observe-se que o projeto que ora apresentamos relaciona-se à mesma temática. Lembramos, ainda, a linha de
mesmo no estadual, que já avançavam na questão. Destaca-se, neste sentido, a criação da Procuradoria de Terras trabalho do professor Nelson Baltrusis, que também está focado nas particularidades de um mercado informal, em
do Rio de Janeiro, considerada uma iniciativa pioneira, juntamente com programas em Belo Horizonte, Porto Alegre, especial nos assentamentos de São Paulo.
Recife, entre outros, que se iniciaram ou estavam em elaboração neste período. 5. “Rocinha Mais Legal”, projeto desenvolvido pela Fundação Bento Rubião para o Ministério das Cidades.
262 Significados e representações em favelas Maria Laís Pereira da Silva | João Paulo Oliveira Huguenin 263
As políticas de regularização fundiária – que garantisse a função social da propriedade, o direito à moradia e a segurança da
uma breve indicação posse e, portanto, o direito à cidade e à sua gestão democrática (FERNANDES, 2009).
Outras importantes leis foram aprovadas posteriormente, entre elas a Lei Fe-
deral de 2007 (Lei Nº 11.481, de 31 de maio de 2007) que facilitou a transferência de
As áreas de favelas são partes integrantes da dinâmica das cidades, no entan-
terras públicas da União para que os municípios pudessem regularizar a situação
to, no que se refere à questões legais, ficaram à margem do direito oficial, não pos-
dos ocupantes de terrenos e imóveis pertencentes a ela, e a Lei Federal de 2008 (Lei
suindo, os moradores, qualquer segurança jurídica. Os programas de regularização
Nº 11.888, de 24 de dezembro de 2008) que reconheceu o direito das comunidades
fundiária visam, a princípio, solucionar essa situação, garantindo a seguridade da
à assistência técnica para o avanço dos programas de regularização.
posse dos moradores juntamente com uma integração socioespacial dessas áreas
No plano governamental, destaca-se ainda a criação do Ministério das Ci-
com o restante da cidade.
dades, em 2003. Através desse ministério foi posto em ação o Programa Nacional
Segundo Fernandes “o princípio jurídico subjacente básico das políticas de
de Apoio à Regularização Fundiária Sustentável, que se propõe a criar as bases ju-
regularização fundiária é garantir (por razões pragmáticas, financeiras, sociopolíti-
rídicas, institucionais, urbanísticas e financeiras para que os municípios e estados
cas e jurídicas) que as comunidades fiquem onde estão, naturalmente em condições
possam atuar, além de dar apoio às comunidades para que tenham seus direitos
melhores, e que tenham seus direitos reconhecidos” (FERNANDES, 2009, p. 68).
reconhecidos pelos juízes nos casos de ocupações de terras privadas (via usucapião
Mesmo sendo tratadas como algo novo, as políticas de regularização fundiá-
especial urbano), ou de concessão de uso especial para fins de moradia (nos casos
ria já são empregadas no Brasil há algum tempo, como é o caso dos programas pio-
de terras públicas).
neiros Pró-Favela, de Belo Horizonte, e Prezeis, do Recife, ambos de 1983. É impor-
Apesar das muitas dificuldades que os projetos de regularização fundiária
tante ressaltar que esses programas ocorreram antes mesmo de existir um marco
encontram para sua efetivação, é inegável que o quadro institucional federal tem
legal federal que desse suporte a essa política, o que só veio a existir em 1988, com
avançado de maneira muito significativa. Por exemplo, com os recursos do PAC na
a promulgação da Constituição Federal. Deve-se ressaltar que existiu também no
implementação de infraestrutura urbana, espera-se avanços maiores na urbaniza-
estado do Rio de Janeiro uma iniciativa pioneira, que foi o programa “Cada Família
ção de assentamento informais e que venham a se somar a projetos de legalização
1 Lote” e a Constituição da Procuradoria de Terras, durante a primeira gestão de
desses assentamentos.
Leonel Brizola.
Após receber críticas, o programa Minha Casa Minha Vida, que inicialmen-
Apesar da promulgação da Constituição Federal em 1988, não houve a regu-
te só considerava a construção de novas unidades habitacionais, passou a realizar
lamentação do seu capítulo sobre Política Urbana. Sendo assim, durante a década
também projetos de regularização fundiária através da Medida Provisória nº 459.
de 1990 houve dificuldades para efetivar programas dessa natureza em razão de,
Com essa MP espera-se que seja possível avançar na legalização dos assentamentos
entre outros, fatores políticos e mesmo de inadequação jurídico-legal (uso da Legis-
informais de interesse social6.
lação de Direito Privado para solucionar os problemas de Direito Público).
Finalmente, cabe observar que dentre os projetos de regularização fundiária
Essa situação levou certa insegurança às iniciativas municipais, que inclusive
em andamento está o “Rocinha Mais Legal”, em realização pela Fundação Centro
não possuíam preparo para lidar com um objeto interdisciplinar de forma integrada,
de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião. O projeto foi iniciado em 2004, com
e para estabelecer diálogo com outras esferas governamentais e atores importantes
recursos do Orçamento Geral da União, no bairro Barcelos. Em etapas seguintes, foi
como o Ministério Público, o Poder Judiciário e os cartórios de Registro de Imóveis.
iniciada a regularização de outros setores como o do Laboriaux e Vila Cruzado.
Nesse período, como exceções, destacam-se as experiências dos municípios do Rio
Atualmente, o projeto está desenvolvendo uma experiência piloto, utilizando
Grande do Sul, que através da Legislação Municipal criou instrumentos para a regu-
o Auto de Demarcação e a Legitimação da Posse, instrumentos inovadores para a
larização fundiária, e de Diadema (SP), que conseguiu uma maior interação adminis-
regularização fundiária previstos na Medida Provisória 4597.
trativa agilizando os projetos.
Em 2001 começa a se desenhar novas possibilidades, não só para os progra-
mas de regularização fundiária como para toda a gestão das cidades brasileiras. Essa
mudança no cenário deu-se com a promulgação do Estatuto das Cidades (Lei Nº 6. Mais recentemente, têm sido levantadas críticas por vários autores sobre como a questão fundiária foi inicialmente
situada. Para uma análise mais completa, ver ANDRADE, Eliana (2011), entre outros.
10.257, de 10 de julho de 2001), que fez uma ruptura pragmática com a Ordem Jurídi-
7. No período em que foi elaborado este texto, no projeto inicial estava previsto o benefício para os seguintes bairros:
ca Brasileira ao trazer diretrizes e instrumentos para uma política urbana inovadora, Cachopa, Cachopinha, Pastor, Almir, Trampolim, Vila Verde e Vila União/Paula Brito e parte da Dionéia.
264 Significados e representações em favelas Maria Laís Pereira da Silva | João Paulo Oliveira Huguenin 265
A Rocinha e a questão da terra uma vez o loteamento do local não atendia às normas urbanísticas municipais, fi-
cando também irregular. Cabe ressaltar que alguns dos moradores que compraram
A ocupação do território da Rocinha seus lotes conseguiram registrá-los no Registro Geral de Imóveis.
Em trecho de entrevista realizada por Gerônimo Leitão (LEITÃO, 2009), José
A ocupação do território da Rocinha iniciou–se na década de 1920, anos em
Martins de Oliveira, uma importante liderança local, ex-presidente da Associação de
que gradualmente a área foi perdendo suas características rurais devido a um lote-
Moradores do bairro Barcelos e o primeiro administrador regional, aponta fatores
amento feito pela Companhia Castro Guidão, proprietária das terras, em especial
que tornam o bairro Barcelos distinto dos demais da favela:
entre os anos de 1927 e 1930. Esse empreendimento comercializou lotes de aproxi-
madamente 270 metros quadrados ao longo da Estrada da Gávea (LEITÃO, 2009). A Quando vendeu aqueles terrenos, a Companhia de terrenos Cristo Reden-
ocupação foi relativamente rápida, sendo que em 1933 o levantamento das edifica- tor passou essa ideia para os moradores: vocês são diferentes, são me-
lhores do que o restante da Rocinha. O segundo ponto é que, bem ou
ções do Distrito Federal já assinala para a Estrada da Gávea cerca de 450 casebres.
mal, existia esgoto no bairro Barcelos (...) As casas do bairro Barcelos eram
Contudo, esse loteamento nunca foi completamente regularizado pelo poder
todas em alinhamento, o arruamento era bom. O pessoal de cima tinha
público, visto que o parcelamento das terras não atendia às exigências da legisla- raiva do pessoal de baixo, que queria ser diferente.
ção urbanística vigente. A companhia tentou promover a legalização do loteamento
junto a Prefeitura do Distrito Federal, entretanto essa legalização não ocorreu por Um fato marcante na história local foi a canalização do valão localizado entre
uma série de fatores, entre os quais problemas financeiros da Companhia Castro o Largo do Boiadeiro (centro comercial da área) e a Rua II em 1981. A canalização
Guidão, que declarou falência em 1937, e, mais tarde, pelas intenções da Prefeitura do acabou por provocar a retirada de algumas casas aí localizadas. Ao todo eram 76 fa-
Distrito Federal de implementar nesse local outro tipo de urbanização. (SILVA, 2005) mílias que foram relocadas para casas construídas pelo poder público no Laboriaux.
De acordo com Leitão, a falência da companhia, a melhoria da infraestrutura Tal relocação levou à ocupação de áreas impróprias para o uso, tanto por estarem
da Estrada da Gávea, que passou a contar com iluminação e pavimentação, junta- dentro da área de proteção permanente da Floresta da Tijuca, como por serem áreas
mente com os boatos de que estas seriam “terras do governo” ou “terras sem dono” consideradas de risco geotécnico.
foram determinantes na ocupação informal da área, tendo como origem as ruas pre- Essa ocupação de áreas impróprias também ocorreu nas vertentes do Morro
vistas no parcelamento feito pela Companhia Castro Guidão (Ruas I, II, III e IV). Dois Irmãos, como o bairro da Macega, que está localizado parcialmente em área
As lembranças dos moradores citadas no Varal de Lembranças: Histórias e considerada de risco e de preservação ambiental, e só não se expandiu mais devido
Causos da Rocinha (1983) expressam com clareza a forma de ocupação que veio ao enorme afloramento rochoso do sítio.
acontecendo: Nos anos 1990, a expansão da Rocinha prosseguiu tanto pela verticalização
Primeiro era mais sossegado, depois foi enchendo, foi enchendo, e hoje tá dos setores já consolidados quanto pela ocupação de áreas vizinhas da favela, que
aí o que a senhora tá vendo. Tudo diferente. Virou bagunça. Não obede- acabaram por constituir novos setores, como Vila Verde e Vila Cruzado. Podemos
ceram mais alinhamento nem coisa nenhuma. Fizeram assim uma espécie sintetizar a ocupação do território da Rocinha através do mapa. (página 270)
de dominó. Assim taí, difícil de urbanizar, derruba três partes, porque ge- A década de 2000 é fortemente marcada pela mudança morfológica das edi-
ralmente nunca pega uma casa em alinhamento (depoimento de Bernar-
ficações da favela, que vão gradualmente se transformando de unidades térreas e
dino Francisco de Souza – 30/06/81).
assobradadas em prédios destinados a apartamentos e quitinetes. São muitos os
prédios que surgiram na área, e em 2009 a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro
Nas décadas de 1940 e 1950 as diferentes áreas da favela vão se adensan-
demoliu o chamado “Minhocão”, um edifício de quitinetes que estava sendo cons-
do cada vez mais e esse adensamento passa a se dar de forma muito mais intensa
truído próximo à Estrada da Gávea, fato amplamente divulgado pela imprensa.
na década seguinte, com a abertura do túnel Dois Irmãos (atualmente Túnel Zuzu
Essa década também está sendo marcada por grandes investimentos do
Angel) em 19718. Já nos anos de 1960 começara a comercialização generalizada dos
poder público na favela9. Além da regularização fundiária de alguns setores que
lotes do bairro Barcelos (parte plana da Rocinha), feita pela Companhia Cristo Re-
estão sendo realizadas pelo governo federal juntamente com a Fundação Bento
dentor, que parcelou a área já inicialmente ocupada ainda na década de 1930. Mais
8. Na contagem do IBGE para o censo de 1960, a favela já se situava como a segunda de maior população na cidade, 9. A Rocinha contabiliza inúmeras intervenções pontuais, inclusive remoções parciais, entretanto a marca mais recente
contando com cerca de 14.000 habitantes, apenas superada pelo Jacarezinho (SILVA, 2005). é a de ações em maior escala.
266 Significados e representações em favelas Maria Laís Pereira da Silva | João Paulo Oliveira Huguenin 267
Mapa representativo da maioria através do presidente “Zé do Queijo”, importante liderança local no início
ocupação dos setores da
Rocinha
dos anos de 1980.
Concurso de Ideias para Além da Associação de Moradores, outras importantes instituições fizeram
Urbanização da Rocinha doações de imóveis na Rocinha, em especial as igrejas. Estas doaram principalmente
– Escritório Mayerhofer &
Toledo terrenos em seu entorno direto, como é o caso da Igreja Católica no bairro Barcelos,
mas, principalmente, a Igreja da Restauração no mesmo bairro. É de se notar que
também é comum a doação de lajes ou quartos para parentes.
Rubião, em 2005 No Laboriaux, por sua vez, a maioria das residências foram obtidas através de
houve um concurso um “Termo de Cessão” dado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro quando da
para a urbanização da relocação das famílias que viviam no Valão da Rocinha.
área, promovido pelo Por outro lado, os dados indicaram que o aluguel vem ganhando grande im-
governo do estado portância dentro da Rocinha, que por suas dimensões e por sua peculiar localização
em parceria com o na cidade do Rio de Janeiro, ocupa lugar de destaque no mercado imobiliário “in-
Instituto de Arquite- formal”. Esse mercado interno gerou, inclusive, o surgimento de algumas agências
tos do Brasil do Rio imobiliárias no interior da favela.
de Janeiro. O projeto No que se refere à invasão, a grande parte dos moradores não declara que
vencedor é de autoria do escritório Mayerhofer & Toledo e vem sendo executado ocupa terreno invadido, e até mesmo condena esta prática. Um fato interessante de
desde 2008 com recursos do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento. se destacar é que aqueles que obtiveram permissão para ocupar, ou que compra-
ram um terreno invadido não consideram que sua casa esteja em área de invasão.
As formas de acesso à moradia na Rocinha – Ou seja, a negociação ou a transação de um terreno ou imóvel acaba por legitimá-lo
A complexidade fundiária frente às regras da favela.
Essas diferentes formas de acesso à moradia acabaram por gerar uma grande
Analisando os históricos de posse de moradores do bairro Barcelos e do La- fragmentação no que o urbanismo trata como lote. Em um mesmo lote podemos en-
boriaux, encontra-se uma grande diversidade na forma de acesso à moradia por contrar um sem número de situações, desde proprietários de andares inteiros, a famílias
parte dos entrevistados. que possuem uma única quitinete. Sendo assim os programas de regularização fundi-
A forma de acesso mais simples é a compra de um terreno ou um imóvel. ária encontram uma grande dificuldade de interpretar essas diferentes realidades, e de
Nesses casos as pessoas sentem-se proprietárias, pois a conquistaram como qual- as enquadrarem dentro dos conceitos empregados pela ordem jurídica vigente.
quer outro bem do mercado, através do seu pagamento. Essa é uma situação que As situações descritas acima formaram o quadro em que se destacou algu-
ocorre, sobretudo, no bairro Barcelos, que, conforme visto, foi resultante de um pro- mas representações sobre posse/propriedade e aluguel.
jeto de parcelamento que comercializou os lotes.
No entanto a simples compra do imóvel ou terreno sofreu grandes variações
As representações da questão fundiária
ao longo do desenvolvimento da comunidade. A vertiginosa verticalização do bairro
Barcelos, e em menor escala do Laboriaux, levou à intensa comercialização imobi- Dentre as construções sociais que mais marcaram a formação das represen-
liária de “partes” como lajes, andares de uma casa, quitinetes e frações de terrenos tações estigmatizadas sobre a favela, encontra-se a que coloca a sua origem, ou
entre outras. Um aspecto que impressiona é, por exemplo, caminhar pela favela e melhor, situa sua característica principal como resultante de invasão de terra alheia,
observar em vários pontos o anúncio de venda de lajes. seja pública ou privada, portanto caracterizando uma transgressão a uma das bases
Outra forma recorrente de acesso à moradia é pela doação de casas e, prin- do regime, que é o da propriedade.
cipalmente, de terrenos. Essa prática foi observada no Laboriaux, já nas áreas pró- A generalização mais intensa da caracterização da favela enquanto “invasão”
ximas ao limite da Floresta da Tijuca, onde muitos moradores declararam que o ter- parece começar a ser mais insistente e publicizada entre os anos de 1940 e de 1950,
reno onde construíram suas casas foram doados pela Associação de Moradores, a quando, efetivamente, começa a se transformar o mercado imobiliário e de terras na
268 Significados e representações em favelas Maria Laís Pereira da Silva | João Paulo Oliveira Huguenin 269
cidade, com o desenvolvimento das incorporações e a formação cada vez maior de da forma de perceber e dar significado a fatos, objetos e, no caso deste trabalho, a
um mercado de compra e venda, em detrimento do aluguel (RIBEIRO, 1997; SILVA, conceitos que se originaram no campo jurídico (propriedade) e de outras formas
2005). Nos anos de 1960, o sentido do aluguel será praticamente desestruturado, de acesso ao morar. Para indicar alguns desses aspectos, registramos, no capítulo
quando o aparato estatal do Banco Nacional da Habitação estabeleceu e consoli- anterior, as categorias que surgiram da análise das histórias fundiárias nos bairros
dou, como quase que a única forma de acesso oficial à habitação pública, a “casa Barcelos e Laboriaux da favela da Rocinha, mostrando a sua complexidade. As si-
própria”. Esta é colocada como aspiração máxima. As gerações seguintes, portanto, tuações encontradas, bem como as representações sobre a posse e a propriedade
crescerão no que se chamou de “ideologia da casa própria”. Este é um dos aspectos diferenciam-se segundo as especificidades de cada localidade como sítio, condição
importantes que (juntamente com a vulnerabilidade social dessas áreas)10 explica inicial de ocupação e histórico da população residente, entre outros.
por que, na experiência de campo de muitos pesquisadores, e no grande número No entanto, também foi possível perceber que, embora sejam distintas as
de pesquisas e estudos que se desenvolveram desde os anos de 1950 até hoje11, a representações sobre a casa/morar, a posse/propriedade, as formas e condições de
questão de considerar como própria a moradia e mesmo a terra é, muitas vezes, rea- ocupação (invasão, aluguel, cessão, etc.) e a sua legitimação, essas representações
firmada por moradores das áreas favelizadas, independente de sua forma de acesso. também se articulam a partir de significados relacionados a planos diferentes de
Em questionários e enquetes essa é uma resposta comum de ser encontrada, dualidades, entre as quais destacamos: estabilidade x instabilidade (no plano da
sendo, muitas vezes, pressuposta pelos próprios pesquisadores. Quais os significa- segurança percebida quanto à permanência no local), a casa como endereço: “lugar
dos que podem ocorrer em torno dessas respostas? Quais as noções e demais concei- no mundo” x casa / “mundo privado”, (a percepção quanto ao campo das relações
tos relacionados, e quais os seus desdobramentos no cotidiano dos moradores e nas socioespaciais). Por outro lado, na contraposição da posse/propriedade com o alu-
demais formas encontradas de ocupação do terreno e do imóvel? Como vem sendo guel, surgem representações diferenciadas segundo o ator o qual se está referindo:
construída essa noção? São indagações que parecem ter sua importância nas repre- o poder público ou os agentes do mercado imobiliário. Nesse sentido, uma dualida-
sentações intermediárias entre o que é atribuído pela sociedade, o que é delimitado de importante é a visibilidade x invisibilidade dos inquilinos.
no quadro jurídico-legal, o que é efetivamente a questão fundiária para o morador Finalmente surgiram diferentes aspectos no significado do próprio aluguel.
e qual a representação que está informando a ocupação, a ação deste morador. Este Esses são os pontos que serão comentados nos próximos itens.
último aspecto foi o enfoque principal desta pesquisa. Por outro lado, embora não
seja o direcionamento principal neste momento, deve-se assinalar como consequên-
Estabilidade x Instabilidade
cia, e fazendo parte do quadro geral, que a percepção dos moradores rebate-se na
forma como ocupa a terra e nas inúmeras e cotidianas delimitações que realizam – Nos locais pesquisados verificou-se que a representação da estabilidade atri-
no caso de vizinhanças, por exemplo – e as práticas daí decorrentes. buída à casa própria contrapõe-se à percepção da vulnerabilidade nas situações de
Finalmente deve-se observar que no que se refere ao significado de “repre- aluguel e invasão. Quando perguntados sobre a melhor e a pior situação de mora-
sentações” como vem sendo indicado, considera-se, numa primeira aproximação, dia, os moradores foram enfáticos em destacar a importância da casa própria e da
que este significado está relacionado, de um lado ao imaginário dos grupos sociais, sensação de segurança que ela traz consigo:
e de outro lado, através deste imaginário, à memória individual e coletiva. De qual- “Se fosse para escolher o melhor, claro, seria ser proprietário... O melhor é
quer forma, e seguindo Georges Gurvitch (conforme Henri Lefebvre), “as represen- a questão da segurança, você está morando em um lugar que é definitiva-
tações vêm de dentro, contemporâneas da constituição do sujeito, tanto na história mente seu.” M. P., moradora do bairro Barcelos.
de cada individuo, como na gênese do indivíduo em escala social” (LEFEBVRE, 1983,
p. 20). Por outro lado, e ainda conforme especialmente Lefebvre, as representações A percepção acima se contrapõe a do aluguel, que muitos moradores entre-
não podem se reduzir nem “ao seu veiculo linguístico (...) nem a seus suportes so- vistados quase sempre o identificaram como algo instável, pois somente em imó-
ciais” (LEFEBVRE, 1983, p. 24). Trata-se, na nossa concepção e simplificando bastante, veis próprios não haveria risco de remoções:
270 Significados e representações em favelas Maria Laís Pereira da Silva | João Paulo Oliveira Huguenin 271
De fato, encontramos indícios mais antigos da representação de estabilidade reconhecimento do direito de propriedade é determinante na condição cidadã dos
da casa própria na década de 1930, quando, conforme já indicado, há uma mudança moradores:
na abordagem do problema habitacional para a baixa renda. Até 1930, sem qualquer
“Eu não me sinto cidadã se o solo em que eu deito e habito não é meu
questionamento das formas de acesso à habitação, enfatizava-se a “salubridade da ainda de direito, se ele não está documentado.”
moradia”. Em torno dessa data, com a política do Estado Novo “a questão principal
passou a ser viabilizar o acesso à casa própria” (Bonduki, 1998:88), sendo difundido É importante observar que este direito está relacionado a estar “documenta-
o ideal da casa própria como forma de ascensão social, que assumirá especial impor- do”, ou seja, ao “papel” que garante para a ordem urbana a sua propriedade.
tância nos anos de 1960, conforme já indicado. Outro aspecto intimamente ligado Assim a casa, além de demonstrar um posicionamento geográfico, possui um
à representação de estabilidade é a questão da garantia contra as remoções, que valor simbólico de posicionamento do indivíduo perante à sociedade:
voltam sempre com intervalos históricos muito significativos12.
Além do significado de estabilidade atribuído ao “morar em casa própria”, “É um sonho realizado a gente ter o título de posse da nossa casa. Pelo
menos posso dizer assim: Eu tenho um endereço!”
os entrevistados ressaltam como importante a estabilidade financeira, na medida
em que a moradia passa a constituir um bem que possui valor no mercado, poden-
do servir de garantia em várias situações como necessidades emergenciais, como Por outro lado, ao mesmo tempo em que a casa é o posicionamento do cidadão
bem a ser hipotecado, como garantia para empréstimos e compras em geral, entre no mundo e também o mundo particular do indivíduo, as coisas que ali acontecem
outros. Além disso, a casa própria é um bem que pode ser transmitido aos seus des- pertencem ao universo privado de cada um, particularizando-o das demais pessoas.
cendentes, constituindo também uma segurança futura para a família: A casa não é só um abrigo para o homem, mas também um porto seguro
para seus sonhos e devaneios, é um canto do mundo onde ele se reen-
“Isso sempre vai me garantir que o dia que eu não tiver dinheiro eu vou ter
contra com sua intimidade. Morar não se restringe às circunstâncias de
pelo menos um lugar para morar.” S., morador da Rocinha.
alojar o corpo. Uma casa quando se revela habitável é sempre um pedaço
de universo, construído de singularidades onde seu morador se sente à
Por isso mesmo, percebemos no discurso dos entrevistados que ser dono de vontade (BACHELARD, 1989).
um imóvel é algo desejável, e que os moradores buscam essa estabilidade assim que
têm condições de compra, nem que seja um terreno para construir: O resguardo da privacidade encontra-se, por exemplo, na frase tão recorren-
te que se diz ao mostrar a sua casa: “é aqui que me escondo”...
“Cheguei no Laboriaux em 1994, morando de aluguel. Em 97 comprei o
terreno do Sr. Francisco Barbosa” (A. V. S., morador do Laboriaux).
Visibilidade x Invisibilidade
Por outro lado, discutindo a questão do aluguel, percebe-se a existência de
A casa “lugar no mundo” x A casa “mundo particular” representações onde o locatário é “visível” para o mercado imobiliário interno, mas
A representação da casa como um “lugar no mundo” refere-se muitas vezes é “invisível” frente às políticas públicas. Embora as políticas públicas habitacionais,
ao plano da cidadania e posicionamento social, um tipo também de visibilidade sobretudo as de regularização fundiária, tenham desconsiderado os locatários, o
frente aos outros no mundo dos direitos que compõem a cidadania, contrapondo- mercado imobiliário interno confere uma posição de destaque a eles, como forma
-se ao mundo particular (privado). Possuir um endereço consiste em algo que po- de potencializar o lucro do imóvel, e da parte dos locatários como a possibilidade do
siciona a pessoa no mundo, e isso não é diferente nas situações relacionadas ao acesso à moradia, sempre aumentando o número de ofertas para aluguel, e sendo
campo da ocupação em favelas. sinal de uma dinâmica imobiliária que em determinados momentos é identificada
Para a líder comunitária Maria Helena, militante que se sobressai na imple- como especuladora:
mentação do projeto de regularização fundiária na favela da Rocinha, a questão do “Aqui ninguém empresta, só aluga. Virou especulação imobiliária” (A. O.
N., Laboriaux).
12. Boa parte dos moradores de favela tem uma experiência própria, ou de alguém da família que foi removido. Esta
memória “de desespero” permanece viva. Observe-se que, entre 1968 e 1973, a população removida atingiu mais de
100 mil pessoas (VALLADARES, SILVA 2005; LEEDS e LEEDS, 1978).
272 Significados e representações em favelas Maria Laís Pereira da Silva | João Paulo Oliveira Huguenin 273
“Nos prédios que tem perto de onde eu moro é assim: o proprietário mora cidade. É interessante observar que o aluguel adquire sentidos muito diversos: res-
em um andar e divide os outros para alugar” (M.P., bairro Barcelos). ponde à liberdade do deslocamento e do trabalho, e pode representar uma “explo-
ração” aprisionadora.
Mike Davis, em seu livro Planeta Favela (DAVIS, 2006), afirma que os locatários Finalmente observa-se que a legitimidade da condição de ocupação é confe-
de imóveis em favelas são, em todo o mundo, os moradores mais invisíveis e impo- rida, na visão dos moradores, por meios formais dentro da informalidade: o registro
tentes dessas localidades. Porém o autor não considera a visibilidade do locatário pe- na associação de moradores, ou declarações de próprio punho e ainda o registro
rante um mercado interno, apesar de afirmar que o aluguel se constitui no “principal em cartório com documento particular, entre outros, são os procedimentos formais
modo para os pobres urbanos gerarem renda com seu patrimônio, mas com frequên- mais utilizados no quadro da informalidade. Segundo Boaventura de Souza Santos
cia, numa relação de exploração de pessoas ainda mais pobres”. (DAVIS, 2006, p. 52) (1999), “pode detectar-se a vigência não oficial e precária de um direito interno e in-
É importante ressaltar que o pagamento de alugueis ou taxas é recorrente formal, gerido, entre outros, pela associação de moradores, e aplicável à prevenção
na história das favelas cariocas. De acordo com o primeiro censo das favelas do Rio e resolução de conflitos no seio da comunidade decorrente da luta pela habitação”.
de Janeiro, em 1948 38 % dos domicílios pagava aluguel pela casa e 6,4% pela terra Relembrando o que já foi assinalado, é interessante observar que nas áreas
(Prefeitura do DF, 1949). No censo de favelas do IBGE em 1960, ainda contabilizava- pesquisadas que possuem uma estrutura interna consolidada, os entrevistados, em
-se 21% de domicílios alugados (SILVA, 2005). sua maioria, consideram a invasão um modo de transgressão do direito de proprie-
Na Rocinha essa representação de visibilidade dos locatários levou, junta- dade, condenando, portanto, o ato. No entanto, esses mesmos entrevistados de-
mente com outros fatores, a uma transformação das tipologias habitacionais de monstram que muitas vezes a posse de terrenos invadidos legitima-se através da
barracos de madeira a prédios de quitinete (LEITÃO, 2009). No Laboriaux, por exem- permissão para ocupação do imóvel / terreno ou, para o novo morador, pela compra
plo, as tipologias iniciais vêm sendo gradualmente modificadas, sendo comuns as do mesmo, como já indicado.
situações abaixo:
Analisando a questão do aluguel por outro aspecto, temos a sua representa-
ção relacionada ao plano da mobilidade. Segundo entrevistados na favela da Maré13, Palavras finais
um complexo de favelas marcado pela violência entre facções criminosas rivais, o
aluguel, para alguns entrevistados, pode significar uma maior mobilidade nos casos Como parte de uma pesquisa mais ampla, trabalhamos neste texto com
de ameaça de violência no interior da favela(invasão de casas, expulsão de famílias); alguns aspectos dos temas tratados e que nos pareceram mais significativos, tendo
também pode significar a possibilidade de novos empregos em diferentes partes da em vista, conforme assinalado, certo avanço com relação às políticas habitacionais,
do viés da regularização fundiária. Nesse sentido, identificamos propostas de pro-
gramas que pelo menos chegaram a uma formulação (mas não necessariamente
a uma implementação), e centramos nosso trabalho de campo no programa que
efetivamente vem sendo implementado no complexo da Rocinha, Rio de Janeiro.
A evidência empírica mostrou um complexo de situações fundiárias que escapam
ao enquadramento jurídico-legal, e que oferecem, segundo os planejadores e exe-
cutores do programa, dificuldades até mesmo de entendimento de determinadas
situações. Numa das entrevistas realizadas, o representante do programa na área
Casa térrea com um Esse proprietário vende a Quando possui renda o
indicou que a escolha do bairro Barcelos como fase inicial da regularização fundiária
proprietário laje a outro. Muitas vezes, a proprietário do térreo baseou-se no fato de sua aparente regularidade, espacial e urbanística. Entretan-
condição de venda e de que constrói um terceiro to, logo no começo, percebeu-se que ali, contrariamente ao esperado, havia uma
a laje que venha a ser cons- pavimento para locar
truída continue pertencendo complexidade de situações com alta consolidação, o que tornou lento e custoso o
ao proprietário de antes desenvolvimento da pesquisa fundiária.
Por outro lado, ao problematizarmos a questão da “casa própria”, aparente-
13. Na pesquisa origem deste texto, a segunda etapa previa a comparação com outras favelas. Neste sentido chegou-se
a realizar entrevistas no complexo da Maré, zona norte do Rio. Na época a continuidade foi inviável, devido às condi-
mente tão óbvia, e certamente a ideologia predominante no discurso dos entrevis-
ções de insegurança que se desenvolveram.
274 Significados e representações em favelas Maria Laís Pereira da Silva | João Paulo Oliveira Huguenin 275
tados, até como projeto de vida, sua colocação é desafiada pela crescente situação processo de segregação espacial no Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século
de aluguel encontrada. No caso do aluguel, por sua vez, pode-se hipotetizar que XX. In: Anais do VIII Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Niterói: UFF/
ANPUR/UFRJ, 09 a 12 de Novembro de 2004 – CD ROM.
seu significado tem certa ambiguidade. De uma avaliação bastante negativa – nas
entrevistas na Rocinha – ao se buscar outras favelas (no caso o complexo da Maré) CARVALHO, Eduardo Guimarães. O negócio da terra. A questão fundiária e a Justiça. Rio de
Janeiro: editora UFRJ, 1991.
começaram a ocorrer outros significados e representações, mesmo algumas positi-
vas. Uma possível explicação – dentro inclusive do quadro em que se desenvolveu CASTRO, Celso. Uma viagem pelos mapas do Rio. In PREFEITURA DA CIDADE DO Rio de
a pesquisa – é de que essas avaliações positivas são bastante conjunturais, mas que Janeiro. Do Cosmógrafo ao Satélite. Mapas da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
CAU/UFRJ, 2000, p 8-15.
podem, de certa forma, comprometer ou mesmo exigir um trabalho mais apurado
com relação a programas que propugnam a locação social, por exemplo. CONN, Stephen. The squatters rights of favelados. Ciências Econômicas e Sociais,
O que fica finalmente patente é, mais uma vez, a importância de se desen- v.3, n.2, São Paulo, 1968, pp. 50-142.
volver uma compreensão das complexidades (e ambiguidades) nos significados e CORREIA, Telma de Barros. A construção do habitat moderno no Brasil-1870-1950. São Carlos:
representações sociais, no sentido de aperfeiçoar de forma mais adequada os pro- RiMa/FAPESP, 2004.
gramas de regularização fundiária. Buscar uma observação “de dentro para fora”, CORRÊA, Ricardo Gouvêa (coord e texto). Direito à terra e à habitação: uma experiência no Rio
ou seja, as regras/representações sociais como principais bases para a conformação de Janeiro. Rio de Janeiro: FUNDAÇÃO CDDH BENTO RUBIÃO, 2006.
daqueles programas. E de seus instrumentos. DAVIS, Mike. Planeta favela. São Paulo: Boitempo, 2006.
FERNANDES, Edésio. Do Código Civil ao Estatuto da Cidade: algumas Notas sobre a
Trajetória do Direito Urbanístico no Brasil. In: VALENÇA, Márcio Moraes (Ed./org).
Referências bibliográficas Cidade Ilegal. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008, p.44-62.
FERNANDES, Edésio. Os desafios da Regularização fundiária de assentamentos informais
ABREU, Mauricio de Almeida. Reconstruindo uma história esquecida; origem e expansão
consolidados. In: Revista AU, ano 24, nº 186, setembro de 2009, pp.66-69.
inicial das favelas do Rio. São Paulo: Espaço e Debates. V.14, n.37,, 1994, p 34-46.
FERNANDES, Fernando Lannes, Os discursos sobre as favelas e os limites ao direito à cidade.
ABRAMO, Pedro. Mobilidade residencial no Rio de Janeiro, Coleção Estudos da Cidade. Rio de
In: GRUPO DE ESTUDOS URBANOS-GEU, Cidades, V.2, n.3, Rio de Janeiro: GEU, jan-
Janeiro: PEFEITURA DO RIO DE JANEIRO, Janeiro de 2003 (xerox).
jun, 2005, pp. 37-62.
.(org) A cidade da informalidade, O desafio das cidades latino – americanas.
FUNDAÇÃO BENTO RUBIÃO. Relatório de Diagnóstico do Bairro da Rocinha – Plano de Regularização
Rio de Janeiro: FAPERJ/Sete Letras/UFRJ, 2003.
Fundiária Sustentável apresentado ao PNUD: FUNDAÇÃO CDDH BENTO RUBIÃO, 2007.
ALFONSIN, Betânia, O Significado do Estatuto da Cidade para os Processos de Regularização
GOMES, Manuel. As lutas do povo do Borel. Rio de Janeiro: Muro, 1980.
Fundiária no Brasil. In: ROLNIK, Raquel et al. Regularização Fundiária Plena.
Referências Conceituais. Brasília: Ministério das Cidades, 2007, p. 69-98. GOMES, Paulo César da Costa. A Condição Urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
ANDRADE, Eliana Santos Junqueira. Política habitacional no Brasil: ”Do sonho da casa KNAUSS, Paulo. Imagem do espaço, imagem da história. A representação espacial do Rio de
própria à minha casa, minha vida”. Niterói: Dissertação apresentada no PPGAU/UFF, Janeiro. In: DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE/UFF
setembro de 2011. Revista Tempo. Vol2 – n.3, Rio de Janeiro: Relume Dumará, Junho de 1997, pp. 135-148.
ANDRADE, Luciana da Silva. Espaço público e favelas. Uma análise da dimensão pública dos LEFEBVRE, Henri. La presencia y la ausencia México: Fondo de Cultura Economica, 1983.
espaços coletivos não edificados da Rocinha. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado LEITÃO, Gerônimo. Dos Barracos de madeira aos prédios de quitinetes: uma análise do
apresentada no Programa de Pós–graduação em Geografia, 2002. processo de produção da moradia na favela da Rocinha, ao longo de cinquenta anos.
ARAUJO, Maria Sílvia Muylaert de. Regularização fundiária de favelas – imóveis alugados: o Rio de Janeiro: Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em
caso do programa Cada Família um Lote no Rio de Janeiro. Revista de Administração Geografia /UFRJ, 2004.
Municipal., v. 7, n. 195, Rio de Janeiro, abril-junho de 1990, pp. 26-35. LIMA SOBRINHO, Barbosa. Favelas. Situação Jurídica e situação de fato. Revista de Direito da
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1989. Procuradoria Geral, Rio de Janeiro, 1957, pp.515-518.
BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato MESQUITA, Zilá: SILVA, Valéria Pereira. Lugar e imagem. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
e difusão da casa própria. São Paulo: Estação da Liberdade, 1998. Vargas, Julho-Setembro, 2004.
CARDOSO, Elizabeth Dezouzart. A invenção da zona sul e a construção de um novo
276 Significados e representações em favelas Maria Laís Pereira da Silva | João Paulo Oliveira Huguenin 277
OLIVEIRA, Denize Cristina de; CAMPOS; Pedro Humberto Faria (orgs) Representações sociais, 6. PERCEPÇÃO, OCUPAÇÃO E EXPANSÃO DO
uma teoria sem fronteiras. Rio de Janeiro: Museu da República, 2005.
PANDOLFI, Dulce e GRYNSPAN, Mario. A Favela fala. Depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: AMBIENTE NATURAL
FGV, 2003.
RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. Dos cortiços aos condomínios fechados: as formas de
produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira/ FASE, 1997. Notas sobre a dispersão urbana:
o exemplo de Maricá – RJ
RIBEIRO, Paulo Jorge; STROZENBERG, Pedro, Balcão de Direitos. Resoluções de conflitos em 1
favelas do Rio de Janeiro. Imagens e Linguagens. Rio de Janeiro: Mauad, 2001.
SÁ, Celso Pereira (org). Imaginário e representações sociais Rio de Janeiro: Museu da
República, 2005. Werther Holzer
SANTOS, Boaventura de Souza. The law of the oppressed: the construction and reproduction Camila Quevedo dos Santos 2
of legality in Pasargada. Lawand society review, v.12, n.1, out. 1977, pp 5-126.
SANTOS, Boaventura de Souza. Notas sobre a história jurídico–social de Pasárgada. In:
SOUTO, Cláudio; FALCÃO, Joaquim (orgs). Sociologia e direito: textos básicos para a Resumo | O objetivo deste trabalho é relatar os resultados preliminares de uma in-
disciplina de Spciologia Jurídica. São Paulo: Pioneira, 1999, pp. 87-95.
vestigação sobre o fenômeno da expansão urbana na “Região dos Lagos”, no li-
SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos. Está na hora de ver as cidades como são de verdade. In: toral do Rio de Janeiro. Passaram-se dez anos desde que começamos a desen-
Revista Projeto (113), São Paulo: Ed Projeto, 1988, pp. 99-102. volver este projeto: o primeiro passo foi avaliar qualitativamente o processo de
.(1984 A) Rio de Janeiro, O que transforma e em que é urbanização em áreas de restinga, em seguida, pesquisa sobre a aplicação de instrumen-
transformado. In: TURKIENICZ, Benamy (org). Desenho urbano 1. I Seminário sobre tos de intervenção urbana nessas áreas; finalmente, hoje, ampliando a escala do enfo-
desenho urbano no Brasil. Cadernos Brasileiros de Arquitetura (volune 12), São Paulo:
que, o estudo deste fenômeno mundial relativamente recente da urbanização dispersa.
Projeto/CNPq/FINEP, pp. 100-115.
Neste artigo se pretende apresentar um estudo de caso no município de Maricá, área peri-
.(1984 B) Em 30 anos passou muita água sob as pontes
-urbana da Região Metropolitana do Rio de Janeiro – com uma população predominan-
urbanas. In: Revista espaço e Debates (11), ano IV, São Paulo: Núcleo de Estudos
Regionais e Urbanos, pp. 28-40. temente agrícola na década de 1970 – que tem altos níveis de parcelamento da terra e o
aumento anual de população mais de 5%.
SILVA, Jailson de Souza e; BARBOSA, Jorge Luiz. Favela. Alegria e dor na cidade. Rio de
Janeiro: Editora SENACRIO: [X]BRASIL, 2005. Esta cidade pode ser considerada um caso exemplar do fenômeno da expansão urbana no
SILVA, Maria Lais Pereira da. Favelas Cariocas(1930 – 1964). Rio de Janeiro: editora Estado do Rio de Janeiro, e passou por todas as etapas da subdivisão especulativa: a frag-
Contraponto, 2005. mentação das propriedades rurais, com a abolição da escravatura; a subdivisão das áreas
SOUZA, Flávio A. M. Esta casa é minha. Posse (in)segura e mercado habitacional informal em agrícolas em lotes após a Segunda Guerra Mundial; a construção de segunda residências nas
Recife e Maceió. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia. A lei e a ilegalidade na décadas de 1970 e 1980, a subdivisão em condomínios na década de 1990. Este processo de
produção do espaço urbano Representações e Belo Horizonte: Del Rey, 2003. desenvolvimento tornou-se cada vez mais sofisticada nas últimas décadas.
PAULA, Tainá Reis de; SILVA, Maria Lais Pereira da. A Iconografia das favelas cariocas, uma Há muitos atributos locais Maricá. Recursos naturais como a expressiva cobertura de Mata
história de Omissão e recuperação. In: Anais do XI Encontro Nacional da ANPUR, Atlântica, o sistema lagunar com cerca de 40 km² e uma vasta faixa costeira.
Salvador, 2005.
VALLADARES, Lícia do Prado; MEDEIROS, Lídia. Pensando as favelas do Rio de Janeiro 1906-
2000. Rio de Janeiro: Relume Dumará/FAPERJ/URBANDATA, 2003. 1. Nesse texto estão condensadas as contribuições do Prof. Jorge Crichyno (que compõe o Grupo de Pesquisa desde
sua criação), das bolsistas de iniciação científica CNPq, todas já graduadas em Arquitetura e Urbanismo: Alice Caba-
.A invenção da Favela. Do mito de origem à nellas Pires, Flávia Maria Scali, Natália Lopes Antônio, Gabriela Coelho Borges de Campos.; dos monitores da disciplina
de Projeto de Urbanismo III Marcos de Castro Martins Bahiense, Rubens Moreira R. de Carvalho e Bruno Teixeira de Sá
favela.com. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005.
(os dois últimos meus orientandos e mestres pelo PPGAU) e os orientandos (Já mestres) do PPGAU Michele Abuche
Coyunji, Virgínia Palhano de Alcântara e Rovane Domingues que se dedicaram a abordar as questões aqui discutidas.
2. Arquiteta e Urbanista (UFF, 2014). Bolsista CNPq/PIBIC na pesquisa “Urbanização Dispersa na Região dos Lagos Flu-
minense” (2010-2013).
278 Significados e representações em favelas Werther Holzer | Camila Quevedo dos Santos 279
O texto pretende apresentar os dados coletados o parcelamento de terras nesse município elincremento anual demás de 5%. Este municipios y puede considerar un caso ejemplar
com o apoio das ilustrações e tabelas, delimitando as tendências de urbanização dispersa, del fenómeno dela urbanización dispersa en el Estado de Rio de Janeiro, ya que ha pasado
no contexto da “Região dos Lagos” e da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. por todas las fases de la subdivisión especulativa: la fragmentación de las propiedades ru-
Abstract | The purpose of this paper is to report preliminary results of a research on the rales, con la abolición de la esclavitud; parcelación de las zonas agrícolas en lotes posterio-
phenomenon of Disperse Urbanization in “Região dos Lagos”, on the seacoast of the State res a la Segunda Guerra Mundial; lanzamientos que se volvieron hacia la segunda residen-
of Rio de Janeiro. It has been ten years since we started to develop this project: the first step cia en las décadas de 1970 y 1980, la subdivisión en condominios en la década de 1990.
was evaluating qualitative urbanization process on sand bank areas; afterwards, investigat- Este proceso de urbanización es cada vez más sofisticado a lo largo de las últimas décadas.
ing the application of urban intervention instruments on those areas; finally, at present, Existen muchos atributos locales en Maricá. Recursos natural es expresivos com o gran cubier-
extending the approach scale, studying this worldwide and relatively recent phenomenon ta de Floresta Atlántica, el sistema lagunar de unos 40 km² y una amplia banda en el litoral.
of Disperse Urbanization. El texto tiene la intención de mostrarlos datos recopilados sobre la división de la tierra en
For this text we intend to present a case study on the Municipality of Maricá, peri-urban este municipio, con el apoyo de las ilustraciones y tablas sobre su aplicación, la delimitación
area of the Rio de Janeiro Metropolitan Region – with a predominantly agricultural popula- de la tendencia de la urbanización dispersa en el contexto de la “Região dos Lagos” y la
tion in the decade of 1970 – which presents high taxes of division of the ground and annual Región Metropolitana de Río de Janeiro.
increase of more than five per cent.
This municipality can be considered an exemplary case of the phenomenon of the dis-
1. Aspectosconceituais e metodológicos
persed urbanization in the State of Rio de Janeiro, because it has passed for all the phases of
the speculative subdivision: fragmentation of the rural properties with the abolition of the
Porque “urbanização dispersa”? Há dez anos, como Grupo de Pesquisa3 regis-
slavery; parcel out of the agricultural areas into lots after World War II; undertaking launch-
trado, pesquisamos o parcelamento do solo nas áreas periurbanas do leste do Rio
ings turned towards second residence in the decades of 1970 and 80; subdivision into con-
de Janeiro, em especial Maricá, que vem, desde a década de 1990, atingindo taxas
dominiums from 1990. This urbanization process is getting more sophisticated throughout
de crescimento anual maiores do que cinco por cento4.
the last decades.
O que ocorre em toda esta região, como pudemos constatar em nossas pes-
There are many local attributes in Maricá. It has expressive natural attributes such as large quisas de campo, não pode ser tratado como um processo de suburbanização clás-
covering of Atlantic Rain Forest, a lagoon system of about 40 km² and extensive littoral band. sico. Por exemplo, o município de Maricá, nosso estudo de caso neste artigo, teve
The paper intends to show the collected data about the division of the ground in this mu- grandes áreas de seu território parcelado na década de 1950, eram extensas áreas de
nicipality, with the support of illustrations and tables on its implementation, delineating its restinga e de brejo, com limitadas possibilidades de acesso. Estes loteamentos não
tendency of disperse urbanization in the context of the “Região dos Lagos” and the Rio de foram efetivamente ocupados e, ainda hoje, a percentagem de lotes com edifica-
Janeiro Metropolitan Region. ções é baixo (dados levantados pelos bolsistas do grupo em meados da década de
1990 indicavam que essa taxa não passava da média de trinta por cento do total da
Resumen | El propósito de este trabajo es informar sobre los resultados preliminares de
áreas parceladas).Por este motivo, o município enfrenta os novos modos de urbani-
una investigación sobre el fenómeno de la urbanización dispersa en la “Região dos Lagos”,
zação com um estoque de lotes vagos avaliados, por nosso Grupo de Pesquisa, em
en la costa del estado de Río deJaneiro. Han pasado diez años desde que comenzamos a
torno de 100.000 unidades5.
desarrollar este proyecto: el primer paso fue evaluar de forma cualitativa el proceso de urba-
nización sobre las áreas de banco de arena, posteriormente, la investigación de la aplicación
de los instrumentos de intervención urbana en esas áreas y, por último, en la actualidad, 3. Grupo de Pesquisa Avaliação Pós-Ocupação da Urbanização (EAU/ UFF)
4. Taxa média de crescimento anual da população residente entre 1991 e 2000 de 5,71 % a.a. (a título comparativo, em
ampliando la escala de enfoque, el estudio de este fenómeno de todo el mundo y relativa-
Mangaratiba, a segunda maior, foi de 3,72% a.a. (Fonte: Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal. IPPUR/
mente reciente de la urbanización dispersa. UFRJ FASE, 2003, disponível em http://www.observatoriodasmetropoles.ufrj.br/metrodata/ibrm/ibrm_rj_tca.htm.
Entre 2000 e 2010 de 5,21% a.a., novamente a maior da Região Metropolita e a segunda maior do estado após Rio das
En este texto se pretende presentar un estudio de caso en el Municipio de Maricá, zona pe- Ostras, com 11,25% a.a. (Fonte: Ribeiro, M. A.; O’Neill, M. M. V. C. Contrastes entre a Metrópole e o Interior Fluminense a
partir da Dinâmica Populacional. Geo UERJ – Ano 14, nº. 23, v. 1, 1º semestre de 2012 p. 262-301).
riurbana de la Región Metropolitana de Rio de Janeiro – con una población predominante-
5. Esses dados estão sendo reavaliados, mas a tendência é que esses números se mostrem estáveis, devido ao número
mente agrícola en la década de 1970 –, que presenta altos niveles de división de la tierra y crescente de novas unidades lançadas no mercado e ao crescimento anual da população que se manteve em torno de
5% ao ano nos últimos vinte anos.
280 Notas sobre a dispersão urbana: o exemplo de Maricá – RJ Werther Holzer | Camila Quevedo dos Santos 281
As tendências de ocupação deste enorme estoque são de difícil avaliação Seguindo o proposto pelo autor, estudamos o fenômeno da dispersão urbana
quando nos remetemos a uma escala regional. Até meados da década de 1990 o a partir da escala metropolitana e, também, na escala do tecido urbano.
vetor principal de crescimento e, por isso, indutor dos parcelamentos de terra, foi a O fenômeno que observamos na região ao leste da Baia de Guanabara, e que
RJ-106, que liga o Rio de Janeiro à Região dos Lagos. Após o lançamento do COM- se estende à Região dos Lagos Fluminense, possui muitas analogias com os observa-
PERJ outros eixos vão se delineando, como o da RJ-114, que liga Maricá à Itaboraí dos por Reis (2006, 80-81) no Vale do Paraíba Paulista. Aqui os extremos são Niterói
(este com um número expressivo de novos parcelamentos sendo lançados prati- e Macaé, tendo como eixo principal de dispersão a Rodovia Amaral Peixoto (RJ-106).
camente todos os meses), e do distrito de Ponta Negra onde seria implantado um Esta dispersão se acentuou com a duplicação de alguns trechos, implantada
empreendimento portuário de grande porte (o que, no entanto, ainda não se reflete de forma gradual há cerca de dez anos. A superfície total desta mancha de dispersão
em novos parcelamentos). Hoje, o eixo principal ainda é constituído pela RJ-106, é muitas vezes maior que a ocupada pelos núcleos urbanos tradicionais dos muni-
se observarmos essa região que se se estende de Niterói a Cabo Frio constatamos cípios envolvidos (Niterói, Maricá, Saquarema, Araruama, Iguaba Grande, São Pedro
uma mancha difusa, ao longo da rodovia na qual temos dificuldade de encontrar os da Aldeia e Cabo Frio, Arraial do Cabo, Armação dos Búzios, Rio das Ostras e Macaé).
centros tradicionais das cidade por ela cortada. Aqui, diversamente do que ocorreu no Vale do Paraíba Paulista, apesar de um esfor-
Maricá é um caso típico, com população de 127.461 habitantes, segundo o ço estatal inicial, na década de 1950, para implementar indústrias, como a Alcalis, em
censo do IBGE de 2010, dos quais 125.491na área urbana, apenas 40.058 no distrito Arraial do Cabo, que potencialmente poderiam gerar uma dispersão urbana, foram
sede. O distrito sede ocupa 40% da área total do município,sendo subdividido em os loteamentos destinados a residências de veraneio que alavancaram o processo.
22 bairros6, entre eles o Centro, ou seja, não se compõe apenas do que hoje os mora- Neste caso, as vantagens locacionais são avaliadas pelos possíveis compra-
dores chamam de Maricá,onde estão concentrados todos os órgãos administrativos dores a partir de critérios bem mais subjetivos dos elencados por Reis (2006, 90),
municipais, cartórios e agências bancárias, se configurando como um centro. Esta que atribui a dispersão urbana em São Paulo principalmente ao deslocamento e a
área central, até meados da década de 1990, era denominada pelos moradores de flexibilidade de realocação das unidades produtivas.
“Vila de Maricá”, em contraposição aos núcleos urbanos dos outros distritos: Itaipu- No caso do Leste Fluminense foram a beleza da paisagem, a tranqüilidade
açú, Inoã e Ponta Negra. do entorno, a acessibilidade restrita, os aspectos compartilhados e valorizados pela
Quando nos remetemos ao nível intra-urbano, observamos um complexo segunda, e mais importante, leva de compradores, a dos que se afastam dos proble-
processo de urbanização. O parcelamento do solo está baseado em diversos arran- mas vivenciados cotidianamente na grande metrópole
jos jurídicos e formais: condomínios fechados; condomínios rurais; privatização de Nestas áreas o parcelamento, desde o início de sua implantação, manifesta
ruas, às vezes de parcelas consideráveis de bairros ou mesmo bairros inteiros; des- um esgarçamento da malha urbana, sendo Maricá, atualmente, o melhor exemplo
membramento de lotes com a construção de diversas unidades que adensam áreas deste fenômeno. Uma área praticamente sem centro urbano definido, com muitas
ainda vazias; dispersão do comércio ao longo de vias estruturais; entre outros. As in- tipologias de ocupação interrompendo e interpenetrando as áreas rurais e de re-
terações, nestas novas “comunidades”, são determinadas pela acessibilidade e pelo serva florestal.
controle, como definidos por Lynch (1999) Acreditamos que o estudo da urbanização dispersa deve se deter na história
Estas observações nos levaram a optar pela delimitação de nosso objeto de do uso e ocupação do solo e nas diversas configurações morfológicas resultantes.
estudo utilizando o conceito de “urbanização dispersa”, baseado nos estudos de Exercicio que realizaremos sucintamente no próximo item, que se refere ao nosso
Reis Filho para o estado de São Paulo: estudo de caso: o município de Maricá.
Formação de um número maior de centros de escala média, ligados entre si
por sistemas ágeis de transporte e de comunicação. Em lugar da gigantesca loja de
departamentos, uma série de shopping centers, com variedade de lojas, oferecendo 2. Área de estudo
os mesmos produtos em diversas regiões.
Nesse esquema descentralizado, o foco de interesse já não é o centro tradi- Como observa Figueiredo (1952), não há no Estado do Rio de Janeiro muni-
cional mas o sistema de vias, que dá acesso a várias regiões. [...] A metropolização cípio que, devido ao seu sistema orográfico, esteja mais isolado do restante de seu
passa a ser caracterizada pela dispersão (2006, 89-90). território do que Maricá. O município é todo cercado por elevações consideráveis
(altitudes médias de 300 m, máximas de mais de 900 m) que correm ora perpendi-
6. Lei Complementar 207, de 16 de junho de 2010. Publicada no Jornal Oficial de Maricá no. 207, de 28 de junho de 2010.
282 Notas sobre a dispersão urbana: o exemplo de Maricá – RJ Werther Holzer | Camila Quevedo dos Santos 283
culares, ora paralelas à costa. O espaço por elas delimitado se configura como ex- improdutivas, mas a abundância de terras livres tornava desnecessário um maior
tensa baixada, para onde são drenados todos os cursos d’água que formam extenso rigor na aplicação desta cláusula.
complexo lagunar (cerca de 40 km²). Este complexo é, por sua vez, delimitado por No entanto, já no final do século XVIII o descontrole na demarcação e ocupação
extenso cordão arenoso, a restinga, que constitui uma única praia voltada para o da terra no Brasil expunha a dificuldade em qualificar seus legítimos proprietários. Ao
mar aberto (cerca de 35 km de extensão). mesmo tempo, a terra começava a ganhar um caráter mais comercial, passando de
O município possui área de 362, 5 Km² (SEBRAE, 2011, 5), 42.223 domicílios na meio produtor para o status de mercadoria. Com a independência do país, em 1822,
área urbana e 623 na área rural (IBGE, 2010).A sede urbana situa-se praticamente no já estava evidente que era necessário estabelecer-se uma nova política de terras.
centro geométrico do município, distando, em linha reta,30 km de Niterói e 40 km O jogo de forças culminou com a institucionalização da propriedade privada
do Rio de Janeiro (SEBRAE, 2011, 6). da terra no país pela Lei n° 601 de 1850. A “Lei de Terras”, como ficou conhecida,
A ocupação, pelos portugueses, do território que hoje é denominadode estabelecia regras para a revalidação de sesmarias e outras concessões do governo,
Maricá remonta ao final do século XVI. Desde o início se delineia uma vocação agrí- proibindo, a partir de então, toda e qualquer aquisição de terras devolutas que não
cola apenas periférica. Os religiosos em suas sesmarias implantadas na restinga con- fosse por compra. Porém, a definição e demarcação das terras devolutas, a cargo do
centram suas atividades na criação de gado e no cultivo de subsistência. Nos vales governo imperial, eram distorcidas de acordo com a conveniência dos poderosos la-
situados entre as lagoas e as montanhas os sesmeiros empreenderam o cultivo, tifundiários. Assim sendo, a Lei de Terras representou a ratificação da concentração
principalmente, da cana-de-açúcar. da propriedade no Brasil, dificultando aos pequenos sitiantes e imigrantes o acesso
Com a queda da produção de açúcar, a grande propriedade dá lugar a um legal à terra (Sochaczewski, 2004).
crescente número de pequenos proprietários e lavradores. A abolição da escravatu- A crise que se abateu sobre a agricultura maricaense no final do século XIX
ra modificou o modo de cultivar a terra no município, com incentivo ao cultivo de obrigou muitos fazendeiros a hipotecarem suas terras, que passaram às mãos de
limão e laranja chegando-se a implantar destilaria para o beneficiamento do óleo bancos e capitalistas da cidade do Rio de Janeiro, pouco interessados em seu apro-
das cascas de laranjas. veitamento agrícola. Com o fim do curto ciclo da fruticultura este processo se inten-
O momento posterior à segunda guerra mundial foi marcado pela queda sificou, assim como o interesse do capital imobiliário no município.
na produção de cítricos, provocada por doenças e pela concorrência dos produ- O rápido crescimento urbano-industrial da metrópole do Rio de Janeiro,
tores paulistas. É o fim da agricultura como fator de dinamização econômica. A registrado a partir de 1945, foi acompanhado pela expansão da malha urbana em
partir daí a terra, primeiramente nas áreas menos valorizadas da restinga, depois direção às suas periferias. Ao contrário do que se observou em algumas áreas da
para o interior passa a servir a outros interesses: do parcelamento de áreas para a Baixada Fluminense, onde a suburbanização representava o deslocamento de uma
urbanização especulativa. massa trabalhadora de baixa renda para longe do valorizado núcleo metropolitano,
a faixa litorânea que se estende de Maricá a Cabo Frio foi destinada ao veraneio da
emergente classe média urbana do Rio e de Niterói.
3. (Sub)urbanização: antecedentes Influenciado por novos padrões culturais, esse grupo social foi responsável
pela massificação do consumo da segunda habitação, fenômeno que se refletiu na
No Brasil, durante o período colonial, a exploração econômica da terra base- urbanização da Região dos Lagos fluminense na segunda metade do século XX. As
ada no latifúndio monocultor e escravagista fundamentou-se no sistema de con- qualidades paisagísticas da região aliadas à facilidade de acesso rodoviário definia o
cessão de sesmarias, na verdade uma transposição de uma norma reguladora do novo uso econômico da terra em substituição à atividade agrícola.
processo de distribuição de terras em Portugal para os solos coloniais. A intenção Em Maricá, o capital ligado à especulação imobiliária favoreceu-se, ainda, dos
inicial era que os sesmeiros ocupassem suas concessões e as tornassem produtivas, trabalhos de saneamento executados neste período pelo governo federal no com-
consolidando, assim, o domínio português sobre o território. Como observou So- plexo lagunar do município, que permitiram o aproveitamento de consideráveis ex-
chaczewski (2004), a plena exploração de grandes extensões de terra demandava tensões de terra antes sujeitas a inundação.
ampla utilização de mão-de-obra escrava, de modo que, nessa época, a proprie- Os primeiros loteamentos residenciais no município, lançados ainda nos anos
dade de escravos podia ser considerada ainda mais valiosa que a da terra em si. O 40, eram de pequeno porte e se limitavam à periferia imediata da Vila de Maricá.
sistema previa que a Coroa retomasse as áreas que considerasse abandonadas ou Na verdade, como identificou Martins (1986), o primeiro boom de parcelamento da
284 Notas sobre a dispersão urbana: o exemplo de Maricá – RJ Werther Holzer | Camila Quevedo dos Santos 285
terra em Maricá ocorre no período de 1950-55. Apenas nestes cinco anos, registrou- No início dos anos 80 o município passava por uma nova fase de estagna-
-se o parcelamento de uma superfície de quase 29 km² (Martins, 1986). Eram lote- ção no processo de parcelamento da terra, o mercado de compra e venda de lotes
amentos de grandes extensões (alguns com mais de 2.000.000 m²), localizados em havia sido atingido pela crise econômica que vivia o país. Os loteamentos lançados
áreas pouco valorizadas na época, às margens das lagoas e junto à praia, pelos três já não apresentam grandes superfícies parceladas como os das décadas anteriores.
distritos do município. Porém, a função de subúrbio residencial reforçava-se cada vez mais, fato registrado
Nesta primeira fase, a transformação de áreas rurais em loteamentos urba- no crescimento da população urbana do município. O ritmo de ocupação dos lotes
nos era feita por grandes empresas loteadoras e sem qualquer estabelecimento de tornou-se mais intenso em razão da escolha de trabalhadores do Rio, Niterói e São
regras pelo Estado, para quem eram repassados os custos relativos à infra-estrutura Gonçalo em fixar residência em Maricá. É nesta fase que os problemas oriundos da
e serviços básicos. Este processo resultou numa malha dispersa de lotes envolvendo infra-estrutura e serviços urbanos deficientes começam a mobilizar os novos mora-
os núcleos propriamente urbanos de Maricá, sem provocar o crescimento destes dores na reivindicação de melhores condições de urbanização junto ao Estado.
núcleos tradicionais (Martins, 1986). Apesar do sucesso nas vendas, a imensa maioria
dos lotes não foi ocupada de imediato, e assim permaneceria por décadas. Muitos
lotes haviam sido comprados como investimento, seus proprietários ainda não pre-
4. Urbanização dispersa
tendiam ou não tinham condições de construir.
Os anos seguintes foram marcados pelo declínio nas atividades de parcela- Diversamente da proposta de Reis Filho (2006), que analisa as diversas possi-
mento em Maricá, reflexo do esvaziamento econômico da cidade do Rio de Janeiro bilidades de urbanização dispersa a partir de especializações funcionais, neste tra-
e da concentração de recursos para a criação de Brasília. Essa fase de depressão no balho vamos apresentar algumas configurações de especializações morfológicas.
setor imobiliário se seguiu até o fim dos anos 60, quando a recuperação econômica Consideramos como novas configurações morfológicas, algumas formas recentes
nacional permitiu que a produção de loteamentos urbanos em Maricá recuperasse de parcelamento da terra como os condomínios, que em Maricá, apresentam diver-
um ritmo mais acelerado. sas formas de implantação resultantes das imposições mercadológicas e de aspec-
A década de 1970 foi marcada por um novo boom de especulação sobre a tos jurídicos. Deste modo, encontramos pequenos condomínios em áreas centrais,
terra no município. Martins (1986) registrou o lançamento de 63 loteamentos no pe- dotados de pouca infra-estrutura de apoio; condomínios de porte médio dispersos
ríodo de 1970 a 1978, representando uma área fracionada de mais de 36 km², predo- pelo território onde a infra-estrutura de apoio é implantada segundo uma estraté-
minantemente na região de Itaipuaçu e Inoã. Este ciclo de parcelamento atingiu seu gia de venda; e, condomínios rurais, que são implantados no INCRA não passando
auge no ano de 1974, com a inauguração da Ponte Rio-Niterói, responsável também pela aprovação da Prefeitura Municipal.
pelo aumento no número de construções de residências de veraneio nos lotes até Contribui para este fenômeno da dispersão no município o enorme estoque
então vazios. Boa parte da orla marítima começou a ser mais rapidamente ocupada de áreas vagas. Apesar desta disponibilidade de áreas para a construção, a prefeitu-
devido também à construção da Ponte do Boqueirão que, a partir de 1976, passou a ra municipal tem aprovado, nos últimos doze anos, o reparcelamento destes lotes,
permitir a ligação viária direta da Vila de Maricá à restinga. que tem em média área de 360 m² a 450 m². Esta interpretação errônea da legisla-
Grande parte da receita municipal nesse período era derivada do imposto ção vigente vem sendo aplicada de modo indiscriminado, em todo o município. A
territorial urbano. Apesar de ainda resistir na faixa norte do município, a agricultura principal conseqüência é um adensamento das áreas mais valorizadas, com pouca
ia aos poucos sendo substituída pela criação de gado, de forma a aguardar uma consideração quanto as áreas livres disponíveis no lote e para o impacto sobre a
futura valorização dessas terras. infra-estrutura existente, e mesmo, a que possa vir a ser oferecida no futuro.
Comparativamente a outros municípios da Região dos Lagos (como Cabo O Plano de Desenvolvimento Urbano (PDU) de Maricá, aprovado em 1984,
Frio), Maricá era até então uma região de veraneio de menor status, freqüentada, substituído por nova lei de uso do solo em 2008 (Lei Municipal 2272/2008), não
em geral, por uma população de poder aquisitivo relativamente mais baixo. A dimi- previa a construção de mais de uma residência por lote, ou melhor, no artigo 34
nuição do tempo de viagem até o Rio de Janeiro, via Ponte Rio-Niterói, para aproxi- permitia a construção de edículas, desde que não ocupassem mais de 10% do total
madamente quarenta minutos em carro próprio, permitiu que Maricá passasse a ser do lote e que tivessem apenas um pavimento. Outra situação prevista no PDU era
considerada uma opção de moradia para esses veranistas. a formação de condomínios fechados através do remembramento de lotes, no en-
tanto para a ZR2 (por exemplo) sua área mínima seria de 3.000 m², respeitadas as
286 Notas sobre a dispersão urbana: o exemplo de Maricá – RJ Werther Holzer | Camila Quevedo dos Santos 287
normas de para o Parcelamento de Terra, ou seja, deveriam ser doadas áreas para a particular, registrado em cartório, onde o fracionamento da propriedade é produto
Prefeitura e previstos percentuais mínimos para áreas de uso comum. de um acordo entre o empreendedor e os compradores.
Em consulta a funcionários da Prefeitura, feitas em meados da década 2000, Estes parcelamentos, essencialmente com características urbanas, em áreas
fomos informados da inexistência de legislação específica que regulamentasse este rurais talvez sejam os que, por sua morfologia, se enquadrem formalmente no que
tipo de implantação. Na verdade a Análise Técnica da PMM considerava se tratarem pode ser definido como urbanização dispersa, apontando para novas configurações
de residências multifamiliares. Tecnicamente residências multifamiliares são com- urbano-rurais do território metropolitano.
postas por unidades residenciais e áreas comuns agrupadas em uma única edifica-
ção, quando o que ocorre na prática é um processo de remembramento de lotes, em
geral dois ou três, e seu posterior parcelamento com testadas menores, em torno de
5. Três modelos de Parcelamento
oito metros, com a construção de unidades unifamiliares, de um ou dois pavimen-
tos, coladas na divisa e com acesso individual a partir do logradouro público. A forma dos assentamentos, que podemos dizer genericamente estarem so-
Este tipo de interpretação da lei beneficia um pequeno grupo de especuladores frendo um processo de urbanização dispersa, pode ter causas bastante diversas que
locais em detrimento de todos os cidadãos que habitam no município, que terão que devem ser analisadas em suas especificidades.
conviver com as conseqüências de uma atitude que vai contra a boa técnica do urbanis- Destas constatações surge a necessidade de estudamos os modelos de par-
mo contemporâneo. O registro de imagens e aerofotogrametrias mostra que a Prefei- celamento classicamente utilizados na ocupação do litoral. O padrão brasileiro de
tura vem aprovando, ou legalizando, grande número deste tipo de empreendimento. parcelamento do solo nas áreas litorâneas, segue, pelo menos a partir da década de
Aparentemente este procedimento favoreceria a concentração de áreas 1940 — quando começa a valorização social das áreas praianas, e consequentemen-
adensadas em pontos privilegiados, em termos de comércio e serviços ofereci- te o custo da terra aumenta progressivamente — um padrão uniforme, que atende
dos no entorno. Um tipo de implantação que atenuaria a urbanização dispersa. Na principalmente aos interesses dos especuladores imobiliários. Este padrão, do par-
verdade o que pode se observar é que este procedimento vem potencializando a celamento em “tabuleiro de xadrez”,com quadras retangulares, os lados menores
urbanização dispersa no município. Diversos fatores parecem contribuir para este voltados para o mar, lotes habitualmente com 360 m², ocupa todo o nosso litoral.
quadro de dispersão: o estoque de lotes está disperso pelo município, com maior Nesta concepção de parcelamento não se valoriza a paisagem em toda a sua
densidade de concentração ao longo da rodovia Amaral Peixoto e da praia, o que complexidade: restinga com diversos extratos de vegetação se justapondo e se su-
pode ser percebido pelos potenciais compradores com uma vantagem locacional; perpondo; diversos ambientes, lagunares, de brejos, dunas, se interconectando de
o custo da terra além de baixo em relação a outros municípios da Região Metro- forma complexa, costões rochosos e mangues. Na verdade adota-se um tipo de par-
politana, apresenta um certo equilíbrio por todo o território; os compradores em celamento que reduz a área a uma forma geométrica simples, se possível um imenso
potencial não trabalham no Município, o que os leva a avaliar vantagens locacionais retângulo, subdividido em retângulos menores, onde a paisagem que viabiliza a
a partir de seus locais de trabalho, e muitas vezes da rotina escolar das crianças, em venda do produto também é simplificada: a faixa da praia (a areia apenas) e o mar.
detrimento de uma lógica locacional onde a residência é o centro. Nesta paisagem a praia seria de domínio coletivo, o restante seria de domínio
Outra forma de parcelamento que vem sendo implantada no município de privado, sujeito a fantasia e ao desejo intervencionista de seus proprietários, o resul-
Maricá é a dos denominados condomínios rurais. Estes condomínios, implantados tado coletivo: uma mera superposição dos desígnios e projetos individuais. Como o
em extensas áreas rurais bastante próximas a áreas urbanas (de 1 km a 5 km), são poder público procura controlar estes empreendimentos? Regulamentando tama-
parcelados em lotes com metragem entre 5.000 m² e 10.000 m². Utilizando-se deste nho mínimo de lotes, taxas de ocupação, afastamentos e número de pavimentos.
procedimento os empreendedores imobiliários ficam isentos de submeter o parce- Não se interfere na concepção da ocupação da terra, apesar de ser atribuição exclu-
lamento à prefeitura municipal, assim como os proprietários dos lotes são desobri- siva do município regulamentar o uso do solo urbano.
gados de submeter os projetos deresidência à aprovação pelos órgãos municipais. Estes instrumentos de regulamentação do uso do solo estão ligados a dois
Este tipo de parcelamento vem apresentando variantes bastante curiosas grandes modelos teóricos do urbanismo: o Modelo Culturalista, nos moldes da pro-
como, por exemplo, a venda de áreas de reserva incorporadas aos lotes, o que isenta posta de Howard para as Cidades-Jardim (c. 1900), configurando um núcleo urbano
o empreendedor de doar áreas públicas e repassa ao proprietário a manutenção de concentrado, com parcelamento de terra intensivo, apesar de prever baixa densida-
áreas não edificáveis. Existe também a fórmula de parcelamento por instrumento de de ocupação. Instrumentos de Intervenção Urbana usualmente utilizados: afas-
288 Notas sobre a dispersão urbana: o exemplo de Maricá – RJ Werther Holzer | Camila Quevedo dos Santos 289
tamentos, taxas de ocupação, gabaritos; o Modelo Progressista, segundo os parâ- se amoldar um parcelamento onde se estimula a concentração e a alta densidade
metros de Le Corbusier (c. 1930), Este modelo, com a exceção de Brasília, vem sendo urbana, em benefício da manutenção de grandes áreas livres, onde a vegetação
aplicado em soluções voltados para a implantação no âmbito lote. Instrumentos pode ser efetivamente preservada, a partir de seu agenciamento como uma das
de Intervenção Urbana freqüentemente utilizados: Índices de aproveitamento de variáveis mais importantes do projeto urbanístico.
áreas, Zoneamento e hierarquização de funções. Uma terceira alternativa, a aventada por Portzamparc, como uma superação
Surpreendentemente a proposta que mais afeta o ambiente natural com a dos modelos anteriores. O arquiteto nos convida a refletir sobre o papel da moder-
sua concepção de parcelamento é a de Howard. Este problema foi constatado por nidade hoje, sem voltar-se para os ideais modernistas, ou mais para o passado,mas a
Silvio Macedo (2001), que atribui a este modelo a degradação ambiental de nossas partir”...de uma atitude de pesquisa e questionamento sobre as exigências de nossa
áreas litorâneas. A baixa densidade não garante a preservação de áreas naturais, ao época, pensar a arquitetura a partir dessa dupla herança.” (Portzamparc, 1995). A
contrário, ao dispersar a ocupação por uma grande parcela de terras ela estimula a cidade é enfocada como uma mistura de arquitetura vernácula e moderna, os pré-
humanização excessiva do espaço, entregando as iniciativas individuais a manuten- dios produzidos pelos modernistas integrando-se ao tecido urbano tradicional.
ção de suas características naturais. Para agravar a questão, o comércio está concen- Deste modo a arquitetura não pode ser equacionada separadamente do urbanismo.
trado entorno de um único espaço verde central, o que evidentemente implica em As edificações devem ser pensadas como uma parcela da cidade, um elemento na
uma área livre de uso intensivo que dificilmente poderá ter preservada qualquer de construção coletiva da cidade.
suas características ambientais; o comercio atacadista, por outro lado, se concentra Este modelo exige que o parcelamento urbano seja integrado aos projetos
no anel urbano externo, já que se trata de um modelo radiocêntrico, o que impli- das diversas edificações que o compõe. Neste desenho não se dependeria apenas
ca numa ruptura bastante radical entre o urbano e o rural. Neste modelo as áreas de indicadores urbanos genéricos a serem seguidos, mas de instrumentos muito
verdes se limitariam a delimitar os diversos espaços urbanos, grandes ilhas constru- mais específicos que regulariam a relação espacial, formal e funcional entre os di-
ídas, o que parece comprometer a sua utilização por grande parcela da população. versos edifícios, de modo que as fronteiras, e as interações, entre o espaço natural e
Este modelo, no entanto, apresenta, ainda que embrionariamente, a idéia de o construído poderiam ser rigorosamente determinadas.
áreas de amortecimento, e de transição, entre o ambiente construído e o ambiente
natural. Esta idéia poderia ser aplicada, com bastante sucesso, no controle à expan-
são ilimitada dos espaço urbanizados, seja a partir de zoneamentos macroescalares, 6. O Caso de Maricá – muitas questões e possíveis
como os ecológico-econômicos, seja nos de escala municipal, como os planos dire- conclusões
tores ou planejamentos para grupos de bairros. No entanto ele só garante a manu-
tenção da vegetação nas franjas não urbanizáveis, sendo previsível o seu fracasso na No caso de Maricá o ano de 2000 demarca o momento em que o processo de
escala do parcelamento quanto à proteção da vegetação ali existente. dispersão começou a tomar mais visibilidade, a cidade possuía um total de 76.737
O modelo corbusiano é mais flexível. Seu problema é a pouca adaptabilidade habitantes, sendo que 17% destes habitavam a zona rural.
ao conceito de “lote” tradicional. Se aplicarmos os conceitos corbusianos, voltados Total Homens Mulheres Urbana Rural
para as soluções de problemas arquitetônicos apenas no que se refere ao lote, seja 76.737 38.285 38.452 63.399 13.338
colocando o prédio sobre pilotis ou trabalhando com terraços-jardim, por exemplo,
não teremos mais sucesso que no parcelamento tradicional, ou seja o âmbito limi- A porção de solo mais valorizada nesse ano era o centro, local onde Maricá
tado do lote não garante que os espaços livres e, presumidamente verdes do lote, enquanto cidade começou – como Vila de Santa Maria de Maricá – e onde se con-
garantam a preservação da vegetação nativa. centravam as atividades urbanas, comerciais e prestação de serviços diversos,
Para que a aplicação do modelo corbusiano realmente atinja seus objetivos sendo, portanto, o espaço mais acessível e dinâmico da cidade.
torna-se necessário que se desenvolvam instrumentos de controle urbano que ex- No ano de 2010, a população de Maricá já havia quase dobrado, com a popu-
trapolem as limitações urbanísticas do loteamento tradicional. No caso de Corbu- lação rural reduzida para menos de 2000 habitantes
sier os instrumentos desenvolvidos para o controle da cidade pós-liberal, já citados Total Homens Mulheres Urbana Rural
acima, assim como os chamados “instrumentos de intervenção urbana”, de cunho 127.461 62.695 64.824 125.532 1.987
neo-liberal, previstos pelo Estatuto da Cidade, por exemplo, são inadequados para
290 Notas sobre a dispersão urbana: o exemplo de Maricá – RJ Werther Holzer | Camila Quevedo dos Santos 291
Seus novos habitantes vinham das zonas urbanas consolidadas das cidades As interações sociais no centro da cidade vem se reduzindo gradativamen-
mais próximas (Niterói, São Gonçalo e Rio de Janeiro) e já não se instalavam mais no te fazendo com que Maricá possua novas centralidades: Percebe-se, então, que o
centro da cidade. centro de Maricá sequer está dentro dos seus limites territoriais. Os atuais espaços
Durante a pesquisa pudemos determinar três possíveis causas para o proces- destinados às atividades urbanas e sociais são principalmente Niterói, São Gonçalo
so de dispersão da população em Maricá. e, ainda em formação, o centro de Itaboraí.
A primeira foi a duplicação da RJ 106, no trecho que liga Maricá a Niterói As entrevistas, realizadas durante a pesquisa, mostraram que o novo habitan-
que fez com que a cidade ficasse mais acessível em relação à capital do estado e te de Maricá se locomove de carro para qualquer trajeto que efetue dentro ou fora
às outras cidades maiores e de atividades urbanas mais intensas. A ampliação fez, da cidade, uma vez que sua residência está distante em relação aos serviços que
por exemplo, com que o com que o tempo de viagem de Maricá à Niterói, que an- busca, e expressa a ineficiência nos transportes coletivos e na pavimentação.
teriormente podia ser de até uma hora e meia, em um dia sem congestionamento, Os entrevistados demonstram insatisfação em relação espaços e atividades
usando veículo de passeio, fosse reduzido para 40 minutos. de lazer. Como consequência, temos o esvaziamento do centro da cidade, sobre-
Um segundo fator, está relacionado à escassez de terrenos disponíveis nas tudo nos finais de semana, e uma mudança completa na paisagem e na cidade en-
áreas concentradas do Rio de Janeiro e de Niterói. A supervalorização dos imóveis quanto lugar dos antigos moradores, já que, para estes os atores que participavam
e do solo urbano, intensificado pela pressão do turismo resultou num êxodo demo- da vida urbana de Maricá qualificavam o cenário. O fato de conhecer, ainda que
gráfico em direção a zona oeste do Rio de Janeiro e à região oceânica de Niterói e de apenas de vista, todos os que circulavam pelos cantos e ruas da cidade, davam a
Maricá, com a intensificação da procura por lotes em condomínios e a transforma- ela as características que eram reconhecidas como típicas do lugar de nascimento.
ção de segundas residências em primeira residência. Além disso, é possível ver que o crescimento de megacondomínios, bem equipados
Uma terceira razão, está relacionada à questão subjetiva da “qualidade de com uma completa estrutura de lazer e toda infraestrutura urbana – e serviços – que
vida”. A supersaturação dos espaços urbanos consolidados, o aumento da violência se pode precisar, reduz as áreas públicas disponíveis carentes de intervenções de
e o próprio ritmo de vida do século XXI levou as pessoas a uma busca pela vida “no infraestrutura por parte da prefeitura.
campo”. Razão que conduz um determinado segmento da população a escolher ci- Este foi o aspecto da urbanização e da dispersão da população em Maricá
dades fora dos limites das grandes metrópoles, mas relativamente próximas a estas. que se encerra no ano de 2011. A cidade agora entrou em um novo momento de
Essa última causa ficou muito evidente depois de uma série entrevistas que ocupação. Está prevista para 2015 a conclusão do porto do pré-sal e de parte do
foram feitas com os novos moradores dos espaços condominiais de Maricá, onde Comperj. Surge assim uma nova motivação para migrações e o aumento populacio-
68% dos entrevistados enunciaram como motivo principal para se mudarem para a nal da cidade, e com isso, novas características de parcelamento, habitação e usos.
cidade a segurança e a tranquilidade. Possivelmente também trará novas centralidades em áreas ainda pouco parceladas.
A partir da observação dessa demanda, há 10 anos, começaram a surgir em- A tendência é que esse novo público inclua investidores de altíssima renda e funcio-
preendimentos imobiliários nos espaços da cidade onde havia disponibilidade de nários do Comperj.
grandes áreas desocupadas. As transformações já começaram, com mudanças no plano diretor da cidade,
Foram implantados condomínios de alta renda surgidos do parcelamento novos decretos para parcelamento de solo do município e inclusão de áreas desti-
das antigas propriedades rurais, nas zonas periféricas, e hoje pode se encontrar por nadas ao programa Minha Casa Minha Vida, do Governo Federal. A pesquisa entra,
toda a cidade, e também no Rio de Janeiro e em Niterói, anúncios como os que se portanto, numa nova etapa com novas questões.
seguem: “Torne sua vida mais feliz”, “Segurança e tranquilidade” “novo modo de Não faltam instrumentos para que se possa reverter esta situação. O poder
vida”, “volta à natureza”. público municipal tem plenos poderes para legislar sobre o uso do solo e pode
Esse público alvo dos empreendimentos, mesmo depois da migração, utilizar a seu favor o “Estatuto da Cidade”, o “Gerenciamento Costeiro”, o gerencia-
mantém estreitas relações com suas cidades de origem, através de família, do tra- mento de bacias a partir da “Lei das Águas”, as leis que tratam da preservação am-
balho, ou de hábitos culturais e de lazer. Ao mesmo tempo, possui cada vez menos biental. Todos estes instrumentos podem gerar um novo tipo de parcelamento em
relação com a nova cidade onde moram, já que seus condomínios oferecem uma áreas ainda não ocupadas e a adequação das áreas já parceladas às necessidades do
infraestrutura que a cidade em si não oferece e faz com que ele não necessite ou não século XXI. No entanto, em nossa pesquisa constatamos um descompasso entre um
queira usar a cidade além dos portões de sua casa. discurso que pretende tratar algumas questões urbanas a partir de um tratamento
292 Notas sobre a dispersão urbana: o exemplo de Maricá – RJ Werther Holzer | Camila Quevedo dos Santos 293
mais “global” e a ação local, que muitas vezes ignora este tratamento voltando-se
para as demandas bastante restritas dos agentes e mercados locais. Neste embate, Niterói e a ponte: transformações
urbanas e impactos produzidos:
que costuma gerar nítidas distorções no uso e ocupação do solo, saem perdendo os
moradores e usuários do espaço, que não tem garantida a sua sustentabilidade am-
biental, em grande parte devido a um modelo de urbanização dispersa que ignora
outras desígnios que não sejam os do mercado imobiliário uma avaliação à luz da
Referências bibliográficas percepção ambiental
Figueiredo, E.R. Notas para a história de Maricá. Anuário Geográfico do Estado do Rio de
Janeiro nº. 5, p. 11-77, 1952. Lelia Mendes de Vasconcellos
Lynch, K. A boa forma da cidade. Edições 70, Lisboa,1999.
Macedo, S.S. Paisagem, modelos urbanísticos e áreas habitacionais de primeira e segunda
residência. Paisagem e Ambiente nº 11, 1997. Resumo | Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa realizada entre 1993 e 1994.
Martins, A.M.M. O parcelamento da terra no município de Maricá, estado do Rio de Janeiro, O seu objetivo foi o de avaliar as diversas percepções da população sobre as transformações
Dissertação de Mestrado, IPPUR, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1996. urbanas e os impactos sofridos pela implantação da ponte Rio-Niterói nesta última cidade
Portzamparc, C. A terceira era da cidade. Óculum, nº9, 1997. e regiões vizinhas. O período da pesquisa representou os 20 anos de existência da ponte
(inaugurada em 1974). A metodologia empregada levou em conta autores como Kevin
Reis Filho, Nestor Goulart. Notas sobre urbanização dispersa e novas formas de tecido urbano.
Via das Artes, São Paulo, 2006. Lynch, Amos Rapoport, Yi-Fu-Tuan, entre outros, os quais ajudaram no suporte teórico ne-
cessário à construção da pesquisa. Por meio de entrevistas realizadas com moradores, usuá-
SEBRAE. Informações Socioeconômicas do Município de Maricá. Rio de Janeiro, SEBRAE,
rios da ponte e profissionais em assuntos urbanos, buscou-se aferir as diferentes apreensões
2011.
quanto à configuração espacial decorrente da construção da ponte junto à sua cabeceira,
Sochaczewski, J. Contexto do desenvolvimento adotado pelo município de Maricá, RJ,
assim como dos impactos sofridos no uso do solo, na população, na infraestrutura, na cir-
Dissertação de Mestrado em Ciências Ambientais, Universidade Federal Fluminense,
2004. culação viária e no meio ambiente natural e construído de Niterói e regiões vizinhas. Para
tanto, três “contornos” espaciais foram determinados: o das imediações da ponte (ou sua
cabeceira), o da cidade de Niterói como um todo e a região compreendida pelos municípios
vizinhos, incluindo algumas observações sobre a então conhecida região dos Lagos (hoje
Baixadas Litorâneas), uma vez que esta também foi de certa forma afetada em sua dinâmica
urbana. O conjunto de percepções obtidas traduziu-se em “imagens” do meio ambiente
construído, termo aqui empregado no sentido da imagem mental do espaço percebido.
Através das respostas obtidas chegou-se a um grupo de indicadores perceptivos, os quais
são descritos e interpretados ao longo do texto. As considerações gerais são apresentadas
de forma a evidenciar os mitos e os fatos reais obtidos pelas respostas dos depoentes e as
indicações mais recorrentes sobre as percepções aferidas.
Abstract | This article presents the results of a research which was realized between 1993
and 1994. Its aim consisted in evaluating the different perceptions of the population about
urban transformations and impacts resulted by Rio-Niteroi bridge implementation in the
latter city and its neigh borough region. The research period embraced the 20 years old of
the existence of the bridge(inaugurated in 1974). The employed methodology has taken in
294 Notas sobre a dispersão urbana: o exemplo de Maricá – RJ Lelia Mendes de Vasconcellos 295
account authors as Kevin Lynch, Amos Rapoport, Yi-Fu-Tuan among others, who’s helped in Niterói e a ponte: transformações urbanas e impactos
the necessary theoretical support to the research structure. It was inquired by means of in-
produzidos – uma avaliação à luz da percepção ambiental1
terviews realized with inhabitants, bridge’ users and experts in urban subjects, the confron-
tation of the different apprehensions in terms of spatial configuration, due to the construc-
Este artigo trata da análise da percepção dos impactos e transformações ur-
tion of the bridge as well as the suffered impacts about land use, population, infrastructure,
banos ocorridos após a implementação da ponte Rio-Niterói. A análise foi dirigida
road system, built and natural environment in Niteroi and neighborhood regions. In order
para esta última cidade e sistematizada em três diferentes contornos físicos deli-
to reach a better evaluation, three spatial contour lines have been determined: the immedi-
mitados da seguinte forma: junto à cabeceira da ponte, na cidade de Niterói como
ate neighboring of the bridge (head bridge), the Niteroi city as a whole and the comprised
um todo, e finalmente nos municípios vizinhos a esta. Algumas notas abrangeram
region of neighbor municipalities, as well including some notes about “Região dos Lagos”,
ainda a antiga região dos Lagos (hoje região das Baixadas Litorâneas). Com base
known nowadys by “Baixadas Litorâneas”, once this region also appeared in a way as af-
num “survey” realizado entre 1993 e 1994, foram entrevistadas 81 pessoas, entre
fected in their urban dynamic. The acquired set of perceptions was expressed in “images” of
moradores e usuários da ponte. Somaram-se a esse grupo os depoimentos de 11
the built environment, here employed in the sense of the “mental image” of the perceived
profissionais em assuntos urbanos – arquitetos urbanistas, geógrafos e outros afins
space. Throughout the attained answers it was reached a group of perceptual indicators
–, a maioria deles desempenhando funções em órgãos públicos ou indiretamente
which are described and interpreted in the text. Final considerations are presented in a way
ligadas a estes. A divisão dos dois grupos foi necessária para estabelecer a distinção
to show evidences including myths and real facts which were obtained by the depositions
entre o que era percebido pela experiência do cotidiano de pessoas que utilizavam
and the most recurring indications about the appraised perceptions.
a ponte e a cidade, e o que era observado por profissionais dedicados à prática de
Resumen | Este artículo presenta los resultados de una investigación llevada a cabo entre projetos e de planejamento urbanos.
1993 y 1994. Su objetivo fue evaluar las diferentes percepciones de la población sobre las O conjunto de percepções obtidas traduziu-se em “imagens” do meio am-
transformaciones urbanas y los impactos sufridos por la implantación del puente Rio-Nite- biente, termo aqui empregado no sentido da configuração mental do espaço perce-
rói en esta última ciudad y regiones vecinas. El período de la investigación considera los 20 bido. Lançou-se mão da premissa colocada por LYNCH (1997) de que a “imagem am-
años de existencia del puente desde su inauguración en 1974 hasta el año 1994. La metodo- biental” seria a relação entre o objeto percebido (o meio ambiente) e o observador2.
logía tomó en cuenta autores como Kevin Lynch, Yi-Fu Tuan y Amos Rapoport entre otros, A montagem do questionário para as entrevistas teve como ponto de partida
que colaboraron en el soporte teórico necesario para la elaboración de la investigación. A a pesquisa elaborada pelo autor acima citado. Todas as cinco categorias de imagem
través de entrevistas con los residentes, los usuarios del puente y profesionales en asuntos urbana – caminhos, “nós”, limites, bairros e marcos referenciais – por ele definidas
urbanos, se trató de evaluar las diferentes percepciones acerca de la configuración espacial – constituem categorias de análise da percepção visual. Os caminhos (ou percur-
resultante de la construcción del puente en sus extremos, así como los impactos sufridos en sos), os marcos referenciais e os limites (ou barreiras) foram avaliados como os mais
el uso del suelo, en la población, en la infraestructura, en la circulación vial y en el medio importantes na análise proposta. Os itinerários de percurso e os marcos referenciais
ambiente natural y construido. Para esto, se determinaron tres espacios o “contornos”: las definiram o movimento até a ponte, ela mesma considerada um percurso. As bar-
inmediacionesjunto al puente, la ciudad de Niterói como un todo y la región comprendida reiras, os bairros e os “nós” (ou cruzamentos) emergiram dos próprios depoimentos
por los municipios vecinos e incluyendo también algunas observaciones la región enton- dos entrevistados. Procurou-se ainda aferir a percepção quanto à “legibilidade” (ou
ces conocida como Región de los Lagos (hoy Baixadas Litoraneas), que de alguna forma clareza dos elementos visualmente percebidos) de cada lugar, bem como o grau de
también fue afectada en su dinámica urbana. El conjunto de las percepciones adquiridas se “identidade” (grau de singularidade dos elementos percebidos no meio ambiente
tradujo en “imágenes” del medio ambiente construido, un término que aquí se utiliza en el analisado), conceitos também discutidos pelo autor.
sentido de “la imagen mental” del espacio percibido. A través de las respuestas obtenidas, Outras questões, além das mencionadas acima, também foram importantes
se llegó a un grupo de indicadores de percepción que se describen y se interpretan en el para a análise pretendida, entre as quais se destacaram a memória do lugar onde
texto. Las consideraciones finales se presentan con el objetivo de poner de relieve los mitos a ponte foi implantada e as transformações urbanísticas registradas em Niterói e
y conceptos obtenidos por las respuestas de los entrevistados y las indicaciones más fre- territórios vizinhos. O cunho afetivo estabelecido pela população com seu lugar de
cuentes en las percepciones medidas.
1. Este texto constitui uma versão parcial do capítulo de tese de doutorado (FAU-USP, 1997) da autora que contou com
o apoio da Capes.
2. The Image of the city, 1977
296 Niterói e a ponte: transformações urbanas e impactos produzidos Lelia Mendes de Vasconcellos 297
moradia também foi levado em conta, pois uma das premissas assumidas na pesqui- No questionário propriamente dito, as perguntas foram dispostas de forma
sa foi a de que a identidade cultural de um cidadão com o seu lugar está relacionada a entremear questões fechadas – tais como a frequência de viagens, preferências
exatamente aos laços afetivos que o ligam a ele (o lugar) Tuan(1980)3. quanto à modalidade de transportes ou quanto à opinião sobre a facilidade de
As três etapas do processo perceptivo (percepção, cognição e avaliação) acesso – com questões abertas, de livre associação quanto à percepção do entrevis-
apresentadas por RAPOPORT (1978)4 foram igualmente incorporadas à pesqui- tado sobre a ponte Rio-Niterói e o ambiente construído de seu entorno. Foram feitas
sa, partindo-se da sua afirmação de que a imagem urbana não é formada apenas também perguntas relativas à memória do lugar e à percepção dos impactos ambien-
pela percepção dos sentidos (visual, táctil etc.), mas também pelos processos de tais surgidos a partir da implantação da ponte. Nas entrevistas realizadas com o se-
cognição e avaliação, nos quais muitas vezes a imagem é idealizada pelo desejo de gundo grupo (profissionais afetos a assuntos urbanos), nem sempre as perguntas do
um ambiente perfeito. Assim, foi considerado o cunho ideológico impresso na(s) questionário foram suficientes. Procurou-se ir além delas, deixando os entrevistados
imagem(ns) percebida(s). Tomou-se emprestado desse mesmo autor o conceito de livres para responder e acrescentar dados que julgassem necessários ou importantes.
“filtros”, que atuariam no meio ambiente como “seletores” da percepção. No que diz respeito às perguntas de natureza aberta, o questionário foi dividi-
do basicamente em quatro grupos de indagações, assim disposto: a) as que convida-
vam o entrevistado a expressar-se por livre associação sobre a ponte e seus acessos;
Metodologia5 b) as que consideravam questões diretamente ligadas à percepção sensorial (visual,
auditiva, olfativa) sobre os percursos até a ponte e na ponte propriamente dita; c)
Levando em conta as premissas dos referidos autores6, o primeiro passo foi as que indagavam sobre a percepção quanto aos impactos não só nos respectivos
a observação direta em campo e a coleta de dados secundários, que foram de fun- locais onde a entrevista era realizada, como também nas respectivas cidades ou
damental importância para a preparação das entrevistas. Após essa primeira ida a municípios; e d) as que indagavam sobre a memória do local antes da ponte.
campo e já de posse do levantamento preliminar de alguns dados secundários, foi Ressalve-se, porém, que respostas semelhantes foram encontradas simul-
elaborado um primeiro questionário, o qual, depois de testado, avaliado e corrigido, taneamente em mais de um desses itens. Por essa razão, procurou-se trabalhar as
foi reformulado até a sua forma definitiva para aplicação – 13 perguntas e uma ficha categorias representativas da percepção dos entrevistados, considerando sempre
de dados para cada entrevistado. O critério de seleção dos entrevistados foi deter- os possíveis relacionamentos entre as várias respostas. Além disso, procurou-se re-
minado a partir dos locais considerados dentro da área de estudo em seu primeiro lacioná-las com os dados obtidos no perfil do entrevistado e com as respostas forne-
contorno (adjacências da cabeceira da ponte). Na época em que esta etapa da pes- cidas ao grupo de perguntas fechadas constantes do questionário. Como exemplo,
quisa foi realizada, a visão sobre a extensão territorial dos impactos e a sua nature- pode-se citar a relação entre o número de entrevistados por faixa etária e a frequên-
za ainda não era muito clara, razão pela qual se procurou circunscrever o território cia de viagens pela ponte. Ao longo dessa análise, procurou-se ainda selecionar
das entrevistas apenas ao referido contorno. Ainda assim foi inevitável e, ao mesmo frases ou termos significativos que viessem a representar as diferentes percepções e
tempo, enriquecedor encontrar e entrevistar pessoas de outros bairros ou mesmo constituir diferentes imagens do ambiente urbano pesquisado.
de outras cidades nos locais escolhidos. Foram feitas também algumas entrevistas
na cidade do Rio de Janeiro.
As perguntas foram formuladas de forma a obter uma avaliação qualitativa. Interpretação dos resultados
Os dados objetivos limitaram-se a definir o perfil do entrevistado (faixa etária, sexo,
profissão, grau de escolaridade, local da entrevista e local de moradia) e foram pre- Concluída a pesquisa, se verificou que os resultados obtidos poderiam ser
enchidos na ficha mencionada. divididos em quatro tipos de indicadores perceptivos. O primeiro dizia respeito às
significações quanto ao quadro urbano da cidade de Niterói, incluindo aí as acep-
ções quanto à circulação viária da cidade, à configuração espacial, mudanças de uso
3. TUAN.Topofilia – um estudo de percepção, atitudes e valores do meio ambiente, 1980.
4. RAPOPORT.Aspectos humanos de la forma urbana, 1978.
e de tipologias de construções, ao meio ambiente, à infraestrutura e à composição
5. A metodologia empregada merece uma nota de agradecimento às professoras doutoras Maria Laís Pereira da Silva de sua população. A ponte seria aí percebida como um objeto “detonador” de mo-
(EAU-UFF) e Élide Monzeglio (FAU-USP) pelas grandes contribuições prestadas ao longo da pesquisa dificações do quadro urbano em função de uma ou mais categorias de indicadores
6. Autores como Aymonino, Gregotti, Hillier, Rossi, entre outros também fizeram parte do embasamento teórico ne-
cessário, mas devido ao espaço disponível para esteartigo não foi possível expor suas ideias mais relevantes; optou-se
dessa natureza. Incluíram-se nessa tipologia os referenciais de memória, dos quais
apenas pela indicação das referências bibliográficas encontradas no final do texto.
298 Niterói e a ponte: transformações urbanas e impactos produzidos Lelia Mendes de Vasconcellos 299
se retiraram importantes indicadores para se analisar o contexto da cidade e bairros através de um dos seus viadutos. Foram numerosas as observações sobre o fenô-
vizinhos à cabeceira da ponte antes de sua implantação. meno da verticalização do bairro, a presença de muitos postos de gasolina e uma
O segundo tipo remete-se aos marcos referenciais de percursos feitos em “maior animação”, em virtude não apenas dos novos serviços, como também do
direção à ponte. Nesse caso, a ponte representaria o alvo central de interesse dos tráfego intenso existente na referida alameda. Outros entrevistados, embora per-
entrevistados, que descreviam seus itinerários referindo-se a uma série de “objetos” cebessem mudanças, expressaram avaliações negativas quanto à presença de uma
componentes da paisagem urbana durante os diversos percursos. O terceiro tratou enorme quantidade de prédios novos e ao fato de o Fonseca “ter se tornado um
das sensações experimentadas pelos usuários durante o trajeto que os levavam até grande bairro-dormitório”, em função da proximidade com a ponte e com o Rio de
a ponte, ou ainda ao longo da sua própria travessia. Nesse caso, a ponte passou a re- Janeiro, numa direção, e na outra, com Alcântara, em São Gonçalo e Maricá, municí-
presentar um indicador de percepções ligadas aos sentidos (visual, olfativo, auditivo) pios vizinhos à Niterói. As mudanças ocorridas na área portuária (setor norte da área
e de sensações que variavam desde o medo provocado pela travessia vivenciado por central) e nos bairros de São Lourenço e Santana foram bem menos denunciadas.
alguns, à paz e tranquilidade experimentadas por outros. Esses dois tipos de indica- Os moradores dos bairros adjacentes à cabeceira da ponte pareciam não ter
dores estavam de tal forma interligadas que se optou por reuni-las em um só bloco. uma apreciação muito positiva quanto ao passado do local, correlacionando-o à
Finalmente, o quarto tipo de indicadores diz respeito aos impactos perce- miséria em razão da existência de uma enorme favela, conhecida pelos nomes de
bidos nos três contornos estabelecidos para área de estudo (cabeceira da ponte, “favela do Sabão” ou “Maveroi”, nomes de fábricas que ali existiram antes da cons-
cidade de Niterói e região), estando presentes, em todos eles, grandes distorções trução da Avenida do Contorno 8 e da ponte. Um “local plano”, “espécie de terreno
em relação ao contorno real. baldio”, “construções baixas”, “casarios muito velhos”, “casas antigas e ruas estreitas”,
lugar “muito feio”; “era tudo favela, muito buraco, não tinha ruas, só beco... barracos
de madeira e zinco, às vezes de plástico; o tipo mais pobre que se pode imaginar...
As significações do quadro urbano de Niterói era uma coisa horrível...” – foram algumas das imagens associadas à área onde pos-
1. Memória do local: mudanças de uso e de tipologia de construções teriormente foi implantada a ponte.
Uma antiga fábrica de sardinhas, localizada na área junto ao porto; o Ponto
A memória do local antes da ponte foi referenciada por muitos depoentes, Cem Réis9 e o bonde; o trem, com a estação ferroviária conhecida como estação da
moradores antigos dos locais onde esta se assentou. A configuração do local era Leopoldina foram imagens igualmente lembradas por antigos moradores. O per-
expressa como uma área visivelmente degradada. Expressões como “velharia”, “ca- curso que o trem fazia até o porto era também associado à presença da grande
sario pobre”, “favela”, foram bastante frequentes. Curiosamente, as alterações ocor- favela já acima referida: “o trem passava dentro da favela até o Moinho” (referência
ridas junto à sua cabeceira como as várias alças dos viadutos de acesso não fizeram ao Moinho Atlântico). Apesar de estar sendo utilizado como escritório do porto, na
parte, em sua maioria, da percepção desse grupo de entrevistados. época em que foram feitas as entrevistas, o prédio da estação era sempre mencio-
Pouquíssimas foram as indicações quanto à memória da antiga estrutura nado simplesmente como a “estação velha”, ou a “antiga estação”.
viária. Alguns entrevistados referiram-se ao alargamento da Avenida Marquês do Essa porção da cidade era identificada, sobretudo, como uma área pobre,
Paraná7 e à presença do bonde. A avaliação do serviço de transportes coletivos, “sem desenvolvimento”, estagnada. A igreja de Santana de São Lourenço, por exem-
como a integração entre bondes e barcas, foi feita apenas nas entrevistas do segun- plo, considerada pelos arquitetos como um marco da paisagem dessa parte de Ni-
do grupo, dos técnicos em assuntos urbanos que atuavam em Niterói. terói, era profundamente ignorada pelos seus moradores, que a ela se referiam, na
Em relação aos bairros adjacentes à ponte, registraram-se percepções quanto melhor das hipóteses, como “aquela igrejinha”, ou apenas como um ponto de refe-
à mudança de uso, antes exclusivamente residencial. Nesse registro, o Fonseca foi o rência no percurso até a ponte – a “igreja do Ponto Cem Réis”.
mais mencionado. Seus moradores mostraram ser os mais sensíveis às mudanças do O grande incêndio ocorrido em um circo (1961), localizado junto à estação
bairro, referindo-se às transformações de residências e colégios em estabelecimen- ferroviária, parece ter marcado profundamente a vivência dos moradores dessa
tos comerciais ou de serviços, assim como ao aumento de tráfego na Alameda São área. A catástrofe, um dos poucos fatos mencionados dessa época, serviu como um
Boaventura, principal via de acesso ao bairro e conectada diretamente com a ponte
8. Avenida construída na década de 1960 provendo um acesso mais direto ao Barreto; hoje é ligada à BR 101, pela
7. Uma das principais avenidas da cidade, alargada e conectada a um dos viadutos da ponte; liga esta ao cento da rodovia Niterói-Manilha.
cidade e à zona Sul. 9. Local onde se trocava a tarifa do bonde, cujo valor na época era de 100 réis (moeda corrente).
300 Niterói e a ponte: transformações urbanas e impactos produzidos Lelia Mendes de Vasconcellos 301
marco histórico imediatamente anterior à construção da ponte: “a minha mãe disse nostálgicas de que “a Ilha era cheia de praias e tudo foi destruído...”. Esses comen-
que antes de fazerem a ponte, era um circo; o circo que tinha pegou fogo, depois tários atestam a diminuição das atividades pesqueiras e da oferta de emprego nos
acabou o circo e fizeram a ponte....”. Essas e outras alusões parecem ter marcado de- estaleiros, muitos deles fechados, segundo os depoentes, em virtude da chegada
finitivamente a “limpeza” da área para a futura construção da ponte e consequente da ponte. Cabe ainda a observação feita por uma das lideranças da Ilha sobre o des-
eliminação de parte da favela ali localizada. locamento para lá de muitos pescadores que antes moravam na região Oceânica.
Outro incêndio de grandes proporções registrado na memória dos morado- Os acidentes ocorridos durante as obras foram uma forte referência entre os
res foi o das barcas, ocorrido em 1959. Segundo um depoente, “do Ponto Cem Réis moradores: “Muito buraco, muita lama durante a sua construção”, informou uma
via-se o fogaréu das barcas”, o que permite depreender que os edifícios da área antiga moradora da Ilha. Outros se recordavam de acidentes que provocaram a
eram mais baixos, a ponto de permitir a visão de algo ocorrido a uma distância rela- morte de vários operários e engenheiros. Um morador da Ilha da Conceição referiu-
tivamente grande. -se à morte de 67 operários. Um comerciante de São Lourenço afirmou que, durante
Pode-se ainda mencionar a presença da estação das barcaças que faziam a uma pescaria, recolheu restos de ossos partidos, provavelmente de operários viti-
travessia de veículos entre o Rio de Janeiro e Niterói. Essa era a lembrança mais forte, mados nos acidentes. Tais histórias iam passando oralmente para as gerações mais
muitas vezes a única, entre os cariocas. Desse trajeto, alguns retinham na memória novas, fazendo com que muita gente tivesse medo de atravessar a ponte.
a imagem de “uma rua com canal no meio”, referindo-se possivelmente à Alameda Fora do local selecionado para as entrevistas, o foco das percepções concen-
São Boaventura, única via de acesso na época às outras regiões do Estado. trou-se no bairro de Icaraí e nos novos bairros da região Oceânica. A verticalização
Os moradores da Ponta da Areia não parecem ter experimentado nenhum im- de Icaraí11 foi frequentemente mencionada. Muitos destacaram que esse bairro era
pacto mais forte em relação à área propriamente dita. De uma maneira geral, esses constituído “somente de casas”. A ocupação da região Oceânica – considerada “bu-
impactos foram sentidos com mais intensidade no Centro da cidade, a partir da Ave- cólica”, também foi relacionada com os impactos da ponte.
nida Feliciano Sodré que faz limite com o bairro. A percepção desses entrevistados
confirma a observação de que a Ponta da Areia, apesar de contígua ao setor central 2. Circulação viária
da cidade, permanece isolada e pouco afetada pelos impactos trazidos pela ponte.
Quanto aos habitantes da Ilha da Conceição, a principal referência de memó- O tráfego era tão presente na percepção das pessoas que muitas delas, ao
ria apareceu na alusão ao fato de o bairro ter deixado de ser ilha, após a construção serem solicitadas a descrever o que observavam em seu trajeto até a ponte, não
da ponte. Os antigos moradores revelaram como era difícil chegar ao Centro de Nite- conseguiam dar nenhuma referência quanto à arquitetura do lugar, da paisagem,
rói antes da ponte, pois a travessia só era possível por barco. Somava-se a isso o fato, ou mesmo de algum polo de serviços ou comércio. Respostas como “só consigo ver
já mencionado, da presença da favela. Dentro das categorias propostas por LYNCH, o engarrafamento” ou “só vejo o movimento dos carros” foram bastante frequentes.
ela significaria uma “barreira” (ou limite)10 entre os bairros adjacentes à ponte. Ainda que o engarrafamento fosse uma indicação de mais peso entre os que
A memória desses moradores mostrou-se muito ligada à construção da trabalhavam ou tinham compromissos no Rio, muitos preferiam a travessia pela
ponte, pois o seu canteiro de obras foi instalado exatamente na Ilha da Conceição. ponte ao trajeto feito pelas barcas, pelo fato de o ônibus ser um meio de transporte
Parte das pedras utilizadas foi extraída de pedreiras do local. A praça do pedágio direto, sem baldeações. As barcas, porém, ainda se apresentaram como o meio de
encontra-se no local onde antes era mar. O aterro feito serviu como “sapata” para transporte preferido para aqueles que moravam no Centro de Niterói ou nas suas
a ponte, ao mesmo tempo em que uniu a Ilha ao continente. Nesse sentido, verifi- proximidades e cujo destino, no Rio, também era a área central.
caram-se apreciações mais positivas. Além de associarem a ligação carroçável com O engarrafamento provocado pela ponte foi percebido de forma intensa
a cidade à sua construção, a presença de mais comércio e serviços e o “asfalto” – é mesmo por pessoas que não se utilizavam dela, ou a utilizavam pouco (uma a duas
vista como consequência direta da sua chegada. vezes por mês), mas enfrentavam o dia a dia do trânsito em Niterói. O impacto no
Duas referências, porém, contestaram em parte os benefícios trazidos pela tráfego foi denunciado principalmente no Centro, em Icaraí e no Fonseca. Há quem
ponte: a perda da tranquilidade – “era um lugar muito simples, muito amoroso, tenha feito observações quanto à falta de capacidade da estrutura viária da cidade,
muita paz” – e a redução da oferta de empregos – “antes nós tínhamos o Lloyd, a que não comportava mais a quantidade de veículos trazidos pela ponte. Alusões
Metal Nave”. Houve também referências à “falta de peixes na baía” e lembranças
11. Na realidade esta verticalização teve início antes da construção da ponte, mas a ela foi atribuída por muitos entre-
10. “Edge”, em inglês. vistados.
302 Niterói e a ponte: transformações urbanas e impactos produzidos Lelia Mendes de Vasconcellos 303
ao número de carros de “cariocas” e ao aumento do volume de tráfego nos fins de fins de semana”, foi sentida principalmente nas praias da região Oceânica, que pode
semana também foram representativas. ser ilustrada pela já citada frase sobre os cariocas.
As avaliações críticas em relação à imensa frota de coletivos que atravessa a
cidade e à irracionalidade de seus itinerários só apareceram nos depoimentos feitos
pelos técnicos. Em que pese, porém, o elevado número de veículos que hoje em dia Indicadores de percurso e percepções multissensoriais
trafega pelas ruas de Niterói, a oferta de transporte, com as numerosas linhas de
ônibus que acessam a ponte, foi percebida como um ganho para o primeiro grupo A descrição do percurso muitas vezes foi feita apenas com indicações de
de entrevistados e não como um fator negativo. placas, ruas, direções. As referências variavam naturalmente do local onde a pessoa
se encontrava durante a entrevista ou morava.
Foram referências frequentes os supermercados localizados em pontos pró-
3. População ximos aos viadutos de acesso, a “perspectiva da alameda” (São Boaventura), a rodo-
viária na Avenida Feliciano Sodré e o hospital Antônio Pedro. A imagem forte deste
Os “cariocas” — que, na realidade, representavam todos aqueles que proviam do
pode ser explicada não só pela sua fachada peculiar, configurada por um pórtico
outro lado da baía, tanto do município do Rio de Janeiro como os da Baixada Fluminen-
grego, como também pela enorme importância desse equipamento para os nite-
se – foram sempre citados como grandes responsáveis pelo aumento dessa população.
roienses. Ele é ainda um ponto de passagem obrigatório para quem vem da zona sul
Frases como “a ponte trouxe muita gente de fora para a cidade” foram bastante comuns.
ou do centro em direção à ponte. A antiga estação ferroviária e o prédio do Moinho
Essas respostas denotam uma apreciação quase sempre negativa dos que vinham de
Atlântico completaram as indicações de edificações, cujo caráter arquitetônico pode
fora. “Não sei de onde vem tanta gente” ou “os cariocas enchem a praia de porcaria e
ser interpretado como marcos referenciais do percurso.
não têm o menor respeito pela natureza” foram percepções bastante frequentes.
Dos que procediam de São Gonçalo, as referências mais constantes eram
sobre a Avenida do Contorno, do mau cheiro dos manguezais situados à beira da
4. Redes de infraestrutura “estrada”, do cemitério de Maruí, no Barreto, e do Carrefour, supermercado loca-
lizado perto da Niterói-Manilha. Muitos moradores de São Gonçalo referiam-se
Nesse item há também uma variação entre o que era percebido positiva ou
também à “feiura” do trajeto. Moradores de Itaboraí, Alcântara e outras localidades
negativamente, ou até do que era uma percepção real sobre as consequências que
mais afastadas queixavam-se da distância a ser percorrida e da má qualidade dos
a ponte trouxe à cidade. Mencionou-se, por exemplo, a melhoria das enchentes do
transportes coletivos. O mau cheiro na orla da baía, principalmente na zona norte da
rio Vicência, canalizado ainda no princípio do século para a construção da Alameda
cidade e em São Gonçalo, foi um indicador comum nas referências dos percursos de
São Boaventura. Esse rio, com seus pequenos afluentes, e mais a precariedade dos
quem vinha dos municípios periféricos a Niterói. O mesmo, porém, já não acontecia
serviços de drenagem pluvial e esgotos causaram transtornos, durante muitos anos,
com os entrevistados residentes na região Oceânica. Apesar de também se quei-
às áreas próximas à ponte. O fato de essas áreas serem, em parte, fruto de aterro
xarem dos congestionamentos, referiam-se sempre aos locais de moradia como a
também deve ter contribuído significativamente para esse quadro. Mencionaram-
parte mais bonita do trajeto.
-se também os esgotos rompidos no Centro, consequência da sobrecarga de veícu-
Os entrevistados, ao que parece, também perceberam as melhorias feitas
los pesados. A melhoria da iluminação pública, tanto da própria alameda como da
na cidade. O plantio de árvores sob os vazios dos viadutos da ponte, iniciado pela
Praça dos Expedicionários, também foi citada como uma “benfeitoria”.
Prefeitura de Niterói12, em 1993 foi mencionado por alguns entrevistados: “deve-se
tomar todo o cuidado para melhorar o aspecto da cidade – a ponte é a entrada da
5. Meio Ambiente cidade”. Esta observação explicita ainda a importância da ponte como uma nova
porta de acesso à cidade.
Os indicadores desse item concentraram-se nos efeitos da poluição das águas
As observações sobre o percurso, quando já se estava sobre a ponte, foram
da baía, principalmente junto à Ilha da Conceição: “não há mais peixes no mar”. Refe-
bastante contraditórias, oferecendo um leque de percepções que iam das aprecia-
rências gerais à poluição da baía pelas fábricas de sardinha foram bastante comuns.
ções mais negativas às mais positivas. A Baía de Guanabara foi a campeã em referên-
Mais uma vez, alguns dados foram equivocadamente atribuídos à presença da
ponte. A poluição do meio ambiente, provocada pelos contingentes de “turistas de 12. Prefeito João Sampaio (1993-1996).
304 Niterói e a ponte: transformações urbanas e impactos produzidos Lelia Mendes de Vasconcellos 305
cias positivas, geralmente admirada pela sua beleza que a visão da ponte proporcio- Pode-se concluir que a percepção dos percursos feitos pelos usuários da ponte
nava. Mas houve também quem se referisse à poluição das águas ou ao “mau cheiro”. ou da própria cidade parece estar altamente comprometida pelos enormes congestio-
Os elementos vistos da ponte eram, em geral, mais percebidos pelos usuá- namentos do tráfego. Ou na ponte, pela sensação de medo que esta provocava em
rios dos ônibus, talvez pelo plano visual, mais alto que o do automóvel, oferecido muitos. A percepção dos usuários da ponte seria “filtrada”14 (RAPOPORT, 1978, op.cit.).
por esse meio de transporte. As referências mais citadas, além da baía e sua “vista A escala da ponte também pode ser mencionada entre as categorias de per-
linda”, foram o Pão de Açúcar, a vista do Rio de Janeiro, os aviões que sobrevoavam cepção, assumindo diversas conotações: sua extensão e as relações espaciais de
a ponte, as embarcações, a “pequena Manhatan” (referência ao centro do Rio de altura, largura das pistas, a massa volumétrica formada pelos pilares e viadutos da
Janeiro visto da ponte) e o mar. ponte etc. Um operário, morador do bairro de São Francisco, na zona sul de Niterói,
Outra percepção sempre presente dizia respeito ao precário estado de con- que só utilizava a ponte duas vezes por mês, assim se expressou: “eu penso... é só
servação das pistas e de toda a estrutura da ponte. Essa constatação provocava em nos quilômetros que ela tem...”. Outro depoente manifestou-se desse modo: “tenho
muitos entrevistados a sensação de medo, ou pelo menos de certa tensão, sobretu- horror à ponte, tenho medo de altura, lá em cima não tem nenhum apoio...”; “...
do nos motoristas de veículo particular. Entre os entrevistados com nível superior ou aquela altura toda, aquela fundura...”.
estudantes universitários, notou-se que a riqueza quanto à percepção dos elemen-
tos variava conforme o tipo de profissão. Os que forneceram referências mais deta-
lhadas foram sem dúvida os arquitetos urbanistas, seguidos de perto por psicólogos
A percepção quanto aos impactos
e profissionais voltados para carreiras artísticas.
Constataram-se dois tipos de medo: o que correspondia ao risco de acidentes Conclui-se pelos indicadores acima analisados que a percepção da popula-
e o pânico gerado pela imaginação, pela informação popular que trazia referências ção entrevistada quanto aos impactos na cabeceira da ponte não foi significativa,
a uma possível insegurança quanto à estabilidade da ponte. Se no primeiro caso pelo menos no que diz respeito às transformações na forma urbana. Verificou-se
as relações estabelecidas entre o tipo de resposta e o perfil do entrevistado não uma grande rejeição ao que era velho, ao passado. Apesar de não ser unânime a
revelaram nenhuma associação quanto à escolaridade, no segundo o pânico vinha apreciação positiva quanto à sua presença, a idéia de que a ponte trouxe desenvol-
geralmente associado a um baixo grau de instrução. Um morador da Ilha da Con- vimento e progresso a Niterói pareceu prevalecer. Tal idéia também reforça a ausên-
ceição, por exemplo, assim se expressou: “...um dia essa ponte vai cair, vai haver um cia de ligação afetiva com os locais que foram transformados pela ponte.
grande desastre: os pilares estão dentro da água salgada: muita corrosão, um peso A rejeição à ponte parece estar centrada no trânsito intenso, nos enormes
desgraçado, trepidação, carros, caminhões, carretas”. Esse tipo de pânico também congestionamentos de tráfego, na violência urbana (trazida pelos “de fora”) etc. Mas
estava associado à construção da ponte: “dizem que ela flutua, não é?...”. não foi identificado nenhum sentimento saudosista em relação à aparência, à antiga
Esta observação, assim como outras de natureza semelhante, parece ter forma urbana das adjacências da ponte. Tal ausência pode ser resgatada ao se falar
origem em histórias elaboradas ao longo dos mais de 20 anos de existência da no ambiente natural transformado, mas não em relação ao ambiente construído.
ponte13, que contêm um misto de realidade e imaginação. Esses depoimentos foram O seccionamento da Praça dos Expedicionários, a quebra de continuidade
mais frequentemente encontrados nos bairros localizados próximos à ponte (São entre as principais vias – a Alameda São Boaventura ou o eixo viário Feliciano Sodré
Lourenço, Fonseca, Ilha da Conceição). Foram as entrevistas de moradores desses e Jansen de Melo/Marquês do Paraná –, ou ainda a barreira provocada pelo viaduto
bairros que mais ofereceram material sobre fatos (reais ou imaginários) relacionados que passa em frente à igreja de Santana de São Lourenço, no Ponto Cem Réis, não
à sua construção. parecem ter sido significativas. Tampouco incomodavam visualmente.
O vão central constituiu o trecho onde “o medo da ponte cair” era o mais Nos depoimentos prestados pelos poucos entrevistados residentes no Rio de
experimentado. Em contrapartida, registrou-se admiração pelo seu imenso horizon- Janeiro, a percepção dos entroncamentos ocorridos em Niterói não se mostrou pre-
te ou ainda pela beleza de sua estrutura. Verificou-se aí a admiração pela obra da sente. A travessia de balsa pela baía, que transportava automóveis, e as imensas filas
ponte, sua monumentalidade, em que mais uma vez o vão central demonstrou ser o que se formavam por ocasião dos fins de semana prolongados com feriados foram
grande protagonista desse majestoso cenário na paisagem da Baía de Guanabara– as únicas lembranças que a maioria deles guardava sobre o ambiente construído da
“o mais bonito é depois daquela subida, na hora que desce”. cidade de Niterói e do local onde hoje se situa a cabeceira da ponte.
306 Niterói e a ponte: transformações urbanas e impactos produzidos Lelia Mendes de Vasconcellos 307
Todavia, o reconhecimento das transformações urbanas foi bem mais claro Os profissionais que trabalhavam nas prefeituras de Niterói e São Gonçalo ex-
quando se ampliou o território para a escala da cidade, onde a área central e o pressaram uma opinião praticamente unânime: o maior problema trazido pela ponte
bairro de Icaraí mereceram a maior quantidade de referências, seguidas de perto foi o da circulação viária da cidade, não só pelo aumento do volume de tráfego como
pelo bairro do Fonseca. A região Oceânica foi também mencionada em virtude do pela falta de capacidade suporte das vias de circulação. A ponte passou a representar
aumento de população e da sua progressiva ocupação. “uma das artérias da estrutura viária niteroiense”. Ela era, porém, considerada um
Os resultados da pesquisa revelaram igualmente que a população percebia fato consumado e sua presença inevitável. Mas os seus impactos na cidade de Niterói
não apenas os grandes impactos ocorridos no sistema viário, como também o au- poderiam ser minimizados através de algumas medidas, entre as quais uma melhor
mento da população migrante. A percepção deste último fenômeno denotava um adequação dos itinerários dos transportes coletivos ao longo da sua malha urbana.
nítido sentimento de rejeição aos “de fora”, não importa de que região. “A cidade cres- Quanto à arquitetura da cidade, esse segundo grupo apresentou dois tipos
ceu muito, veio muita gente para cá” ou “A cidade não estava preparada para receber de visão. Para alguns, não houve mudanças significativas na configuração espacial,
tanto fluxo de veículos” foram frases típicas para expressar os impactos ocorridos. principalmente junto à cabeceira da ponte. Instrumentos de legislação, que não
A violência urbana foi outro fenômeno relacionado à ponte, geralmente atribu- permitiam a ocupação em altura, explicariam as poucas mudanças. Já a intensa
ído à população advinda de fora de Niterói. Grande parte dos depoentes afirmou que verticalização do centro da cidade e em especial a de Icaraí e a rápida ocupação
Niterói era uma cidade mais tranquila antes da ponte. Numa comparação entre o Rio e da região Oceânica foram apontadas como consequências da chegada da ponte.
Niterói, a antiga capital fluminense foi apontada como a que, de longe, mais sofreu os Outros, ao contrário, referiram-se enfaticamente às enormes rupturas ocorridas no
impactos ocasionados pela sua implantação, embora as visões nem sempre fossem tecido urbano da cidade, principalmente junto ao local onde a ponte foi construída.
coincidentes. Muitos, porém, admitiram que a ponte não só facilitou os acessos ao Rio Tudo teria acontecido de forma repentina: caminhões chegando, pilares sendo er-
de Janeiro, como também trouxe progresso e desenvolvimento para Niterói. guidos, sem que ninguém soubesse exatamente o que se passava. Foi assinalado o
Quanto aos impactos regionais, a região dos Lagos (Baixadas Litorâneas) foi a fato de a ponte ter sido obra do governo federal, numa época em que as decisões
mais citada. O aumento da atividade de turismo, do tráfego nas estradas e da densidade eram inteiramente centralizadas e sem nenhuma divulgação.
de ocupação foi uma referência expressa com frequência pelo conjunto de usuários. As visões dos profissionais do Rio de Janeiro em relação à ponte apresen-
São Gonçalo liderou as referências entre os municípios vizinhos a Niterói, mas taram conotações diferentes. A percepção dos impactos por ela provocados tinha
existiram também indicações quanto a Itaboraí, Maricá e ainda Magé, no fundo da como cenário a escala regional, incluindo aí os municípios da Baixada Fluminense,
baía. Este último município foi especialmente citado pela perda de comércio e conse- os quais, com a fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, perderam seus
quente declínio em seu desenvolvimento, pois antes toda a frota de caminhões tinha vínculos com Niterói, antes existentes em função de esta cidade ser a capital do
obrigatoriamente de fazer a travessia pela estrada que contornava a baía. Outros en- antigo Estado do Rio. Foi também destacada a acelerada ocupação da região dos
trevistados, em contrapartida, fizeram alusão ao alívio de não ter mais de contornar a Lagos (Baixadas Litorâneas), desde Maricá até Cabo Frio, bem como os enormes vo-
baía ou de atravessar seus veículos na balsa, que demandava um tempo muito maior. lumes de tráfego na ponte e nas estradas de acesso à região. Admitiam ainda que os
municípios periféricos – como São Gonçalo, o mais lembrado deles – “incharam” em
consequência da facilidade de acesso ocasionado pela ponte.
A percepção vista pelo grupo de profissionais em O contraste entre a “artificialidade e a natureza”, referência à ponte enquanto
assuntos urbanos um novo elemento construído no espaço natural e o “gigantismo” de seus viadutos
de acesso, em oposição ao restante do tecido urbano de ambas as cidades, foram
O conhecimento do que representava a ponte, quais os seus impactos e onde comentários presentes nesse grupo de entrevistados. Para eles, a referência quando
estes se davam por outra ótica, baseada em fatos reais. Mesmo assim, os entrevista- observavam a ponte era naturalmente o Rio de Janeiro. “Niterói está mais próximo
dos deste grupo apresentaram visões distintas, que não se opunham uma a outra, do Rio, faz parte da área metropolitana do Rio”, “Muitos cariocas mudaram-se para
mas se complementavam. Como exemplo, podem-se comparar as percepções dos Niterói, preferem morar lá e trabalhar no Rio” foram alguns comentários surgidos
profissionais residentes em Niterói e envolvidos com os problemas urbanos dessa nos depoimentos.
cidade com as do grupo de entrevistados no Rio de Janeiro. As transformações provocadas na cabeceira da ponte do lado do Rio de Ja-
neiro também fizeram parte dos comentários desse grupo. Embora a percepção não
308 Niterói e a ponte: transformações urbanas e impactos produzidos Lelia Mendes de Vasconcellos 309
estivesse presente em todos os entrevistados, pois alguns não tinham sequer lem- A percepção quanto aos impactos traduziu-se também por apreciações dis-
brança de como era a configuração dessa área antes da ponte, atribuiu-se à conexão tintas, que variavam desde escalas territoriais diversas até as suas diferentes signifi-
dos viadutos com os demais elevados de acesso à cidade as grandes rupturas ocor- cações. A ponte era vista, no entanto, como extremamente importante para a vida
ridas na estrutura viária próxima. Ressalvavam sempre, porém, o fato das conexões dos niteroienses, e isso pôde ser verificado não só pelas entrevistas realizadas pelo
da ponte no Rio de Janeiro terem acontecido, sobretudo, em áreas de uso predomi- primeiro grupo, mas também pelos depoimentos de profissionais diretamente liga-
nantemente industrial. dos às questões urbanas da cidade.
Outro ponto constante das entrevistas feitas com os profissionais residentes Realidades e mitos misturavam-se nas percepções dos vários entrevistados.
no Rio de Janeiro dizia respeito aos acessos à ponte, considerados em geral difíceis, Ainda que não se tenha obtido a riqueza de imagens esperada inicialmente, eram
tanto pelo lado de Niterói como pelo lado do Rio de Janeiro. Embora não tenham muitas as fantasias a respeito dos impactos e do histórico da construção da ponte.
entrado em detalhes sobre os problemas viários decorrentes da ponte, ficou claro Sua imagem foi idealizada por um lado e estigmatizada por outro. Atribuíam-se con-
que o seu impacto na circulação desta última cidade era eventual, circunscrito à sequências na vida urbana de Niterói cuja causa não estava nela, ou pelo menos
ocorrência de acidentes realmente graves. Ainda assim, eles não comprometiam a não somente nela. Por outro lado, não se perceberam coisas “óbvias” para a visão de
circulação viária de toda a cidade, ao contrário do que acontecia em Niterói. qualquer arquiteto urbanista, como as barreiras visuais provocadas pelos viadutos
Referências à fusão dos dois estados (Guanabara e Rio de Janeiro) também se fi- de acesso ou pela transformação do ambiente construído junto à ponte.
zeram presentes, principalmente no grupo de profissionais: “A ponte pro estado do Rio Finalmente, cabe destacar que as percepções e imagens traduzidas da ponte
não foi boa porque as melhorias do lado de cá passaram tudo pro lado de lá por causa e de seu ambiente construído variaram quanto à formação profissional do entrevis-
da fusão. Aqui o estado do Rio tinha mais valor; a renda vai pro outro lado da baía...”. tado e quanto ao seu nível social. As diferenças se acentuaram quando comparados
os depoimentos expressos pelos profissionais afetos aos assuntos urbanos.
Considerações finais
Referências bibliográficas
Progresso, desenvolvimento, modernidade e violência foram imagens asso-
ciadas muitas vezes entre si. A facilidade de acesso trazida pela ponte foi apontada AZEVEDO, Marlice N. A política urbana – a prática de um discurso e sua inscrição no espaço
como responsável por todos os males da cidade ou por todos os benefícios. Sim- de Niterói: 1960-1980. Niteró. Tese para concurso de professor titular, Universidade
Federal Fluminense, 1985.
bolizando a “entrada da cidade”, “fazendo parte da estrutura viária da cidade”, a
ponte era na realidade uma imagem associada a Niterói, mais talvez do que ao Rio BRASILEIRO,A.M. A Fusão – Análise de uma política pública. IPEA/IPLAN, vol. 21. Brasília, 1979.
de Janeiro, grande metrópole e antiga capital federal que já possuía outras imagens (Cidade) Relatório. A Ponte Rio Niterói. Relatório final do grupo de trabalho criado em 5/2/65.
urbanas consagradas. Rio de Janeiro: DNER/RJ,1966.
Constatou-se que a imagem percebida é fundamentalmente autocentrada, CHOAY, Françoise & MERLIN, Pierre. Dictionaire de l’Urbanisme. Paris, Presses Universitaires de
pois depende do local onde se encontra o entrevistado ou do seu conhecimento France, 1988.
sobre ele. Não se percebe aquilo que não se conhece (PENNA, 1968)15 e tal consta- CULLEN,Gordon. The concise townscape. London, W.& Mackay Ltd, 1971.
tação ficou evidente. Não existe, por outro lado, uma única imagem sobre a ponte. DIRIGENTE CONSTRUTOR.Os problemas da ligação Rio-Niterói vistos da ponte. Rio de Janeiro,
Seus significados são contraditórios: da violência trazida de fora, da beleza da paisa- vol. XI, nº 3, março/ 1974.
gem desfrutada ou do orgulho de sua modernidade. FERRARA, Lucrecia D’Alessio. A estratégia dos signos – Linguagem/Espaço/Ambiente urbano.
Conforme exposto acima, as percepções visuais do entorno da ponte ou dos São Paulo, Perspectiva, 1980.
diversos trajetos que dão acesso a ela são pobres de detalhe. Shoppings, mercados, FORTE, J. Mattoso Maia. Notas para a história de Niterói. Instituto Niteroiense de
hospitais, postos de gasolina, rodoviária, quartel oferecem um elenco de fragmen- Desenvolvimento Cultural, PMN. Niterói, Rio de Janeiro, 1973.
tos observados ao longo do percurso, geralmente associados tão somente à utiliza- GOODEY, Brian. Percepção, participação e desenho urbano, (org. Vicente del Rio), FAU-UFRJ,
ção dos serviços disponíveis. coleção Módulo-Universidade, volume 1, Avenir ed., 1985.
GOODEY, Brian, GOLD, John – Behaviour and Percentual geography. Progress in Human
15. PENNA, Antônio Gomes –Percepção e Realidade: Introdução ao Estudo da Atividade, 1968.
310 Niterói e a ponte: transformações urbanas e impactos produzidos Lelia Mendes de Vasconcellos 311
Geography, [ s. l. ], v.7 n.41, 1983.
GREGOTTI, Vittorio. Território da Arquitetura. Tradução de Villá e Joan Villá. São Paulo,
O projeto e avaliações de
conforto ambiental e eficiência
Coleção Debates, Editora Perspectiva S.A., 1972.
HANSON, Julienne, HILLIER, Bill. The social logical of space.Cambridge/London, Cambridge
University Press, 1984.
KOHLSDORF, Maria Elaine. Manual de técnicas de apreensão do espaço urbano. Brasília, UNB/ energética do projeto do prédio
Instituto de Arquitetura e Urbanismo/Dep. de Urbanismo, 1980.
LYNCH, Kevin,The image of de city. USA, Massachusets Institute of Technology, 1977. do centro de informações do
cresesb, Rio de Janeiro
LYNCH, Kevin. De que tiempo es este lugar. Barcelona, Gustavo Gilli, 1985.
MARY, Cristina Pessanha. Porto de Nichterói: uma promessa de autonomia. Rio de Janeiro.
Dissertação de mestrado – IPPUR, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1988.
PENNA, Antônio Gomes. Percepção e Realidade: Introdução ao Estudo da Atividade Perceptiva.
Rio de Janeiro, Ed. Fundo de Cultura Brasil Portugal, 1968. Louise Land Bittencourt Lomardo
RAPOPORT, Amos. Aspectos humanos de la forma urbana. Barcelona, Gustavo Gilli, 1978. Ingrid Chagas Leite da Fonseca
RIO DE JANEIRO (Niterói).Niterói 400 anos (1573-1973). Revista Álbum.Niterói: Comissão Carla Cristina da Rosa de Almeida
Diretora do IV Centenário de Niterói, 1973. Estefânia Neiva Mello
ROSSI, Aldo. Arquitectura de la ciudad. Barcelona, Gustavo Gilli, 1966.
SILVEIRA, Stela. Ponta d’Areia – sua gente faz uma paisagem. Niterói, Trabalho final de
graduação, Escola de Arquitetura e Urbanismo – Universidade Federal Fluminense, Resumo | O artigo versa sobre o projeto e avaliações do prédio do Centro de Informações
1991, p.32. do CRESESB – Centro de Referência para as Energias Solar e Eólica Sérgio de Salvo Brito – a
TUAN, Yi Fu. Topofilia – um estudo de percepção, atitudes e valores do meio ambiente. Rio/São ser construído na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro. Este foi realizado pela equipe do La-
Paulo, Difel, 1980. boratório de Conservação de Energia e Conforto Ambiental – LABCECA da Universidade
. Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo, DIFEL, 1983. Federal Fluminense – UFF. O texto retrata como esse objeto de estudo foi desenvolvido e
aperfeiçoado ao longo de atividades de ensino, extensão e pesquisa do LabCECA. O proje-
VALVERDE, L.F. Salandia et all. São Lourenço: um resgate da história viva de Niterói. Trabalho
apresentado para a premiação anual do IAB/RJ, Rio de Janeiro, 1992. to do edifício levou em consideração os princípios da arquitetura bioclimática, com apro-
veitamento racional dos recursos passivos para obtenção de conforto ambiental. São des-
VASCONCELLOS, Lelia M. Percepção, Imagem e Significado do espaço urbano. 1º trabalho
programado. Doutorado em Arquitetura e Urbanismo FAU-USP. São Paulo, 1994. critos os princípios gerais para obtenção de conforto ambiental em clima tropical quente
e úmido. Na sequência, são apresentadas as características da arquitetura do prédio que
. Estudo sobre o impacto ambiental decorrente do sistema de circulação
entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói. 4º trabalho programado. Doutorado em privilegiaram o aproveitamento dos recursos naturais. São realizadas avaliações financei-
Arquitetura e Urbanismo. FAU-USP São Paulo, 1994. ras de algumas estratégias bioclimáticas. O Regulamento Técnico da Qualidade do Nível de
. Dinâmica da configuração espacial urbana: uma análise dos impactos Eficiência Energética de Edifícios Comerciais, de Serviços e Públicos, RTQ-C (Inmetro, 2009)
provocados pela ponte na cidade de Niterói. Tese de Doutorado em Arquitetura e pelo método prescritivo foi aplicado no projeto do edifício, como parte das atividades de
Urbanismo. FAU-USP. São Paulo, 1997. pesquisa para avaliação e aprimoramento dessa regulamentação. Os resultados da avalia-
VIANA, Humberto. Barreto, recuperação da paisagem urbana. Trabalho final de graduação. ção por esse método avalizam a eficiência energética deste projeto bioclimático.
Escola de Arquitetura e Urbanismo – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1995. Abstract | The paper discusses the design and evaluations of building Information Center
ZISEL, John.Inquiry by design: tools for environment – behaviour research. USA, Cambridge CRESESB – Reference Center for Solar Energy and Wind Sérgio de Brito Saved – to be built
University Press, 1984. 250p. on Fundão Island, in Rio de Janeiro. This was done by the staff of the Laboratory for Energy
Conservation and Environmental Comfort – LABCECA Universidade Federal Fluminense –
UFF. The text shows as the object of study was developed and detailed over the teaching,
Louise Land Bittencourt Lomardo | Ingrid Chagas Leite da Fonseca | Carla Cristina da
312 Niterói e a ponte: transformações urbanas e impactos produzidos Rosa de Almeida | Estefânia Neiva Mello 313
extension and research activities of LabCECA. The building design took into account the O CRESESB foicriado em 1994 com o objetivo de promover o desenvolvimen-
principles of bioclimatic architecture, with rational use of resources to achieve passive envi- to das energias solar e eólica através da difusão de conhecimentos, da ampliação do
ronmental comfort. Inicially it describes the general principles for obtaining environmental diálogo entre as entidades envolvidas e do estímulo à implementação de estudos
comfort in hot and humid tropical climate. Next, we present the characteristics of the ar- e projetos.
chitecture of the building that favored the use of natural resources. Financial assessments A construção da nova sede Centro de Informações do CRESESB é uma de suas
are made of some bioclimatic strategies. The Technical Regulation on Quality Level Energy metas. A operação deste Centro de Informações visa promover com maior eficiência
Efficiency of Commercial Buildings, and Public Service, RTQ-C (INMETRO, 2009) by the pre- atividades de treinamento e divulgação técnico-científica e, ao mesmo tempo, am-
scriptive method was applied in the design of the building, as part of research activities for pliar o efeito de demonstração já conseguido com a Casa Solar Eficiente, construída
evaluation and improvement of this regulation. The results of the evaluation by this method no mesmo local, nos seus oito anos de funcionamento, mas com uma arquitetura de
endorse the energy efficiency of this bioclimatic design. inegável simplicidade.
Resumen | El artículo analiza el diseño y evaluación de información de edificios CRESESB Cen- O novo projeto, concebido com uso preponderante dos recursos bioclimá-
ter – Centro de Referencia para la Energía Solar y Eólica Sérgio de Brito Guardado – que se ticos, tem o objetivo de ser um espaço aberto ao público, destinado a aplicar e di-
construirá en la isla de Fundão, en Río de Janeiro. Esto fue hecho por el personal delLaborato- fundir tecnologias alternativas em energia, principalmente de fontes alternativas,
rio de Conservación de Energía y Confort Ambiental – LABCECA Universidade Federal Flumi- e apresentar de que forma a arquitetura influencia no uso da energia e, principal-
nense – UFF. El texto describe como el objeto de estudio se ha desarrollado y perfeccionado mente, na garantia do conforto higrotérmico, acústico, lumínico e a qualidade do ar
en la docencia, extensión e investigación LabCECA. El diseño del edificio se tuvieron en cuenta empregando pouco insumo energético.
los principios de la arquitectura bioclimática, con el uso racional de los recursos para lograr Neste contexto, o projeto do Centro foi avaliado segundo o Regulamento
confort ambiental pasivo. Inicialmente se describen los principios generales para la obtención Técnico da Qualidade do Nível de Eficiência Energética de Edifícios Comerciais, de
de confort ambiental en el clima tropical cálido y húmedo. A continuación, se presentan las ca- Serviços e Públicos, o RTQ-C (Inmetro, 2009), cujo objetivo é classificar o nível de
racterísticas de la arquitectura del edificio, que favoreció el uso de los recursos naturales. Eva- eficiência energética de edifícios em três quesitos: envoltória, iluminação artificial e
luaciones financieras se hicieron de algunas estrategias bioclimáticas. El Reglamento Técnico ar condicionado.
de Calidad Nivel de Eficiencia Energética de Edificios Comerciales y de Servicios Públicos, RTQ- O quesito envoltória tem destaque neste artigo, visto que as estratégias bio-
C (INMETRO, 2009) por el método prescriptivo se aplicó en el diseño del edificio, como parte climáticas adotadas no projeto foram responsáveis pela classificação A, segundo
de las actividades de investigación para la evaluación y mejora de la regulación. Los resultados a metodologia adotada no RTQ-C (Inmetro, 2009). Confirmando a importância do
de la evaluación de este método avalan la eficiencia energética de este diseño bioclimático. projeto arquitetônico bioclimático que, aliado a materiais adequados e tecnologias
apropriadas, pode aumentar os níveis de conforto e reduzir, em paralelo, os desper-
dícios de energia.
1. Introdução A avaliação foi realizada pela equipe do Laboratório de Conservação de Ener-
gia e Conforto Ambiental – LABCECA da Universidade Federal Fluminense – UFF, sob
Em 2004 o CRESESB (Centro de Referência para as Energias Solar e Eólica a coordenação da Professora Louise Land Bittencourt Lomardo.
Sérgio de Salvo Brito) lançou um desafio aos alunos da graduação da disciplina de
Projeto de Arquitetura 5: elaborar uma edificação de divulgação do uso da energia
solar usando técnicas ativas e passivas de eficiência energética. Assim, realizamos
2. Objetivo
um estudo ao longo do semestre, que culminou com concurso de ideias entre os
Este artigo visa apresentar o estudo de caso de um edifício projetado a partir
alunos da turma, com a orientação da Profª. Louise Land B. Lomardo. O trabalho
das premissas bioclimáticas para o clima quente e úmido da cidade do Rio de Ja-
selecionado, de autoria de Estefânia Neiva e Lana Carmona, foi posteriormente de-
neiro, e a aplicação da metodologia de avaliação de eficiência energética do RTQ-C
senvolvido, detalhado e simulado, tendo obtido o 1º lugar no Prêmio PROCEL 2007,
(Inmetro, 2009) no mesmo, indicando um resultado positivo da etiquetagem em
categoria edificações. Em diferentes pesquisas do LabCECA este trabalho foi objeto
edifícios bioclimáticos.
de elaborações teóricas como na dissertação de SILVA, V. Em sua pesquisa para sub-
sidiar avaliações da eficiência energética predial com a aplicação do RTQ-C.
Louise Land Bittencourt Lomardo | Ingrid Chagas Leite da Fonseca | Carla Cristina da
314 conforto ambiental e eficiência energética Rosa de Almeida | Estefânia Neiva Mello 315
3. Princípios de bioclimatismo aplicados à arquitetura em O diagrama indica ainda a elevada umidade relativa presente no Rio de Ja-
clima tropical quente e úmido neiro, que, somada às altas temperaturas, constituem grande fonte de desconforto.
Neste contexto, temos traçadas as principais estratégias para o conforto. Uma vez
Segundo o Anuário Estatístico da Eletricidade (EPE, 2013), as classes comer- que o desconforto por frio assume segundo plano, e visto que o desconforto pelo
cial, residencial e o poder público que abarcam tipicamente o uso da energia em calor ocorre na maior parte do ano, as estratégias para o conforto se resumem a um
edificações representam cerca de 47% do consumo final de energia elétrica no país projeto de arquitetura que vise o aproveitamento eficiente da ventilação natural,
em 2010, sendo estimado que cerca da metade deste valor seja consumido proven- incrementando as perdas por convecção e, logo, corrigindo as condições do excesso
do conforto aos usuários dos edifícios. de umidade.
A preocupação com a sustentabilidade do desenvolvimento das nações, Segundo a NBR 15220-3 (ABNT, 2005), o terreno encontra-se na Zona Biocli-
dentro de um cenário de mudanças climáticas, provoca entre os arquitetos e ur- mática 8, devendo ter especial atenção para ventilação como estratégia de condicio-
banistas uma tendência de desenvolver as suas tarefas usando todos os recursos e namento térmico passivo, reforçando as conclusões traçadas a partir do Diagrama
conhecimentos, no sentido de reduzir impactos ambientais e maximizar o aprovei- de Givoni. As aberturas devem ser amplas e sombreadas. As paredes e coberturas
tamento dos recursos naturais disponíveis. devem ser leves e refletoras, o que avaliza e complementa a bibliografia citada.
Logo, a arquitetura bioclimática em clima tropical quente e úmido represen- Ao projetar uma edificação visando atender os conceitos do bioclimatismo
ta uma grande ferramenta nas ações que visam a melhoria do conforto térmico e na arquitetura, observa-se a importância de definir estratégias bioclimáticas nos es-
lumínico nos ambientes construídos e a consequente diminuição do consumo de tágios iniciais do projeto, uma vez que à medida que as etapas de projeto vão sendo
energia e do impacto ambiental. realizadas, reduzem-se a liberdade de escolhas e de reelaboração, pois aumentam,
A metodologia para analisar a quantidade de horas de desconforto do arqui- inversamente, as restrições oriundas das interfaces com os demais projetos comple-
vo de dados climáticos horários (temperatura e umidade do ar) do ano climático de mentares. Por exemplo, a orientação da edificação deve ser planejada para receber
uma cidade sobre a carta bioclimática de Givoni (1992) foi usada para identificar as o vento fresco dominante e associada à ventilação cruzada já no estudo preliminar,
estratégias bioclimáticas para o projeto. No caso do Rio de Janeiro, cidade onde se pois nas etapas subsequentes, o projeto já se encontra estruturado.
localiza o CRESESB, a análise de horas de desconforto foi sistematizada na Tabela A ventilação cruzada deve adequar-se às necessidades dos usuários, através
1 e obteve-se que, em 20,8% das horas, o clima externo experimenta o estágio de da correta localização e dimensionamento das aberturas. Tais decisões devem ser
conforto. Das demais horas, que totalizam 6937 horas, 15% são desconfortáveis por complementadas pela escolha de esquadrias capazes de direcionar o fluxo de ar,
frio (total de 1314 horas), em sua maioria resolvidos com massa térmica para aque- seja por retirada de ar quente da camada mais alta do ambiente com direciona-
cimento, e 64,2% são desconfortáveis pelo excesso de calor (total de 5623 horas), mento de fluxo para o usuário, ou somente visando a ventilação higiênica. O uso
sendo 61% solucionáveis com o incremento da ventilação natural. Apenas 3% das de elementos direcionadores do fluxo do ar para o interior da edificação pode ser
horas anuais do Rio de Janeiro, segundo a análise bioclimática, realmente deman- uma opção, quando o vento dominante e as aberturas possuem direções distin-
dam o uso de ar condicionado. tas. Ambientes fluidos permitem que a brisa percorra o maior número de espaços
da edificação. Existe ainda o efeito chaminé capaz de fazer a retirada de ar quente
Zona % horas total % horas
e,consequentemente, forçar a entrada de ar frio.
Conforto 20,8
Elementos externos à edificação como pergolados, brises, varandas e mar-
Desconforto Ventilação 61 64,2
quises garantem o sombreamento e a diminuição da incidência de radiação solar,
por calor
Massa térmica para resfriamento 0,1 permitindo somente a entrada de luz natural. O tratamento do entorno do edifício
Resfriamento evaporativo 0,1 também pode favorecer a diminuição da temperatura do ar que entra nos ambien-
Ar condicionado 3 tes, por exemplo, utilizando-se árvores, arbustos e forrações.
Desconforto Massa térmica para aquecimento 14,8 15
por frio
Aquecimento solar passivo 0,2
Tabela 1 Horas de conforto e desconforto para o Rio de Janeiro. Fonte: Mello, 2006 a partir de Lamberts et
all.,1997.
Louise Land Bittencourt Lomardo | Ingrid Chagas Leite da Fonseca | Carla Cristina da
316 conforto ambiental e eficiência energética Rosa de Almeida | Estefânia Neiva Mello 317
4. Descrição do prédio com aplicação dos princípios de Cada parte representa um bloco distinto, todos articulados em torno de um
bioclimatismo que favorecem o conforto ambiental e a jardim: uma área de estar provedora de conforto térmico e visual. Partindo do jardim
em direção à Casa Solar estará o parque de exposições, que abriga equipamentos de
eficiência energética
energia solar e eólica.
4.1. A Localização A FIGURA 2 , a seguir, mostra a planta baixa do projeto de arquitetura, e a
FIGURA 3 uma perspectiva.
O terreno do Centro de Informações do CRESESB localiza-se na cidade do Rio O acesso à edificação é feito pela recepção que, junto com a sala de exposições,
de Janeiro, na Ilha do Fundão, Cidade Universitária, Brasil, Latitude: 22º 51’ S, Lon- forma o bloco central. A partir deste o público tem acesso à sala de aula e à sala de
gitude: 43º 14’ O, nas margens da Baía de Guanabara, conforme mostra a FIGURA 1 estudos, assim como ao jardim externo, para o qual está voltada a copa. O acesso aos
a seguir. escritórios e depósitos é restrito aos funcionários.
Esse bloco central localiza-se
longitudinalmente ao eixo norte-sul.
As fachadas leste e oeste são cegas,
enquanto a norte é composta por
portas pivotantes opacas que funcio-
nam como brises soleil móveis. A facha-
da sul tem grande percentual de área
de abertura, composta por esquadrias
com vidro e aberturas para ventilação
e para acesso externo ao jardim. Essa
FIGURA 1 Localização do município do Rio de Janeiro no estado do Rio de Janeiro e Foto aérea da Cidade grande área de abertura transparente
Universitária com marcação do terreno do projeto. Fonte: Fundação CIDE e Instituto Pereira Passos. é protegida da radiação solar direta,
incidente no mês de dezembro, pelo
4.2. Partido Arquitetônico avanço do beiral da cobertura, com-
plementado pelo sombreamento ofe-
Conforme citado anteriormente, o partido arquitetônico visou a concepção
recido pela árvore (ipê rosa) localizada
de uma edificação que tire partido do meio em que se insere, o que teve início na
na frente desta fachada.
escolha de sua implantação no terreno, privilegiando a orientação desejada e arti-
O segundo bloco abriga a sala
culando os espaços internos de maneira que recebam a insolação e a iluminação
de aula e foi projetado para ser iso-
adequadas.
lado. Para isso, os fechamentos late-
O terreno abriga outros edifícios do Cepel e o Centro será construído nos FIGURA 2 Planta de arquitetura do Centro de Informa- rais foram feitos com paredes duplas
fundos da sede, próximo à Casa Solar Eficiente. O local escolhido para implantação ções do CRESESB.
com colchão de ar, enquanto a co-
do conjunto preserva a vegetação existente, valorizando um frondoso ipê rosa, ao FIGURA 3 Maquete do prédio vista a partir do norte.
bertura foi composta por uma laje
passo que o resguarda da sombra das demais edificações, importante para a capta-
de concreto com camada vegetal. Esta cobertura tem inclinação acentuada, que,
ção e utilização da energia solar através de painéis fotovoltaicos.
conjugada com o nível semienterrado da sala de aula, resulta em um jardim suspen-
O programa fornecido pelo CRESESB foi dividido em três partes funcionais,
so que toca o chão, permitindo acesso ao público. A iluminação natural da sala é
que caracterizam três blocos distintos, porém interligados:
garantida pela esquadria em linha localizada na fachada norte, que contém também
1. Recepção, exposição, copa e sanitários;
portas de acesso independente e/ou escape.
2. Sala de aula;
O terceiro bloco é compartilhado entre o público e os funcionários do Centro,
3. Escritórios, sala de estudos, depósito e sala de utilidades. cuja área de trabalho tem acesso restrito. Essa divisão é feita por um grande armário
Louise Land Bittencourt Lomardo | Ingrid Chagas Leite da Fonseca | Carla Cristina da
318 conforto ambiental e eficiência energética Rosa de Almeida | Estefânia Neiva Mello 319
de depósito, que separa os escritórios da sala de estudos. Esta tem uma empena de 8. Uso de tecnologias sustentáveis;
caixilhos de concreto com vidro fixo orientada para Nordeste e, por isso, foi protegi- 9. Utilização de produtos com certificação ISO 14001.
da por uma colmeia de brises. A fachada noroeste, de grande extensão nesse bloco,
tem parede de tijolo deitado e é externamente protegida por vegetação.
4.3. Recursos Bioclimáticos e Tecnologias Eficientes/Inovadoras
Os três blocos têm diferentes alturas e formas, que se unem em um interior
único, centralizado pelo volume que abriga a sala de exposições e o acesso ao con- Foram utilizadas no projeto diversas tecnologias construtivas com o objetivo
junto. É a partir deste espaço que o público tem acesso ao Parque de Exposição, que de tornar a edificação mais sustentável, seja do ponto de vista energético ou ambien-
liga o Centro à Casa Solar existente. tal. Todas elas se relacionam e se complementam de uma forma holística. São elas:
Os espaços de uso frequente e permanente durante o dia – os escritórios – 1. Cobertura naturada;
foram orientados na direção sudeste. Em razão da planta alongada desses espaços,
2. Ventilação cruzada;
foi projetada uma prateleira de luz sobre as janelas para otimizar a distribuição uni-
3. Laje e parede duplas, com colchão de ar;
forme da iluminação natural. A sala de exposição, cujas aberturas localizam-se na
4. Utilização das águas de chuva;
fachada sul, também recebe boa contribuição da luz natural sem ganho de carga
térmica, pois a radiação solar não incide nesta diretamente. 5. Uso racional de água potável com especificação de equipamentos eficientes;
Como ponto de partida, o projeto ficou restrito a uma área de construção pre- 6. Elementos de proteção solar;
viamente estabelecida além de limites orçamentários para a sua construção. Ado- 7. Iluminação artificial eficiente e integrada à natural;
tando critérios de bioarquitetura, o projeto apresenta linhas arquitetônicas diferen- 8. Fontes alternativas de energia – energia solar;
ciadas com soluções criativas para a integração do sistema fotovoltaico conectado 9. Emprego de materiais e equipamentos que garantam conforto ambiental
a rede à edificação (BIPV – Building Integrated Photovoltaics). Os painéis fotovoltai- com eficiência energética: esquadrias, luminárias e ar condicionados.
cos foram integrados à arquitetura em suas condições ótimas de funcionamento,
quanto à orientação e inclinação.
4.3.1. Cobertura naturada
O período de ocupação do Centro de Informações do CRESESB é de 8:00h
às 17:00h, que é o seu horário de funcionamento. Para calcular as horas de descon- Sobre a sala de aula está previsto um jardim visitável instalado sobre uma
forto do período de ocupação da edificação, foram utilizadas as temperaturas BIN laje de concreto com uma camada de drenagem que protege a impermeabiliza-
anuais para o Rio de Janeiro (GOULART et all., 1998). Considerando os intervalos ção. Os objetivos desta cobertura são: reduzir o aporte de águas pluviais à rede
de 7:00h às 12:00h e de 13:00h às 18:00h teremos o total de 4.368 horas anuais, de drenagem urbana, contribuindo para redução de enchentes; aumentar a eva-
das quais 83,77% encontram-se dentro da zona de conforto estabelecida na NBR potranspiração nas áreas urbanas, contribuindo para redução das ilhas de calor;
15220-3. Das horas de desconforto, 1,72% são por frio e 14,51% são por calor. Isso diminuir o aporte de carga térmica no pavimento inferior; utilizar as águas das
justifica a adoção de recursos bioclimáticos do projeto em prol da redução do chuvas; aumentar a vida útil da impermeabilização, já que funciona como exce-
ganho térmico da edificação. lente proteção mecânica.
As diretrizes gerais do projeto foram: O investimento excedente para tornar uma cobertura de laje de concreto
1. Aproveitamento passivo dos recursos naturais; simples em uma cobertura com naturação (vegetal) é relativamente pequeno.
2. Racionalização no uso de energia; O custo de realização de um jardim com drenagem própria sobre a laje exis-
3. Uso de fontes renováveis de energia, transformada na própria edificação; tente foi orçado na época pelo sistema EMOP em R$2.200,00. Adotando-se uma
4. Racionalização do uso da água; vida útil para tal sistema de 20 anos, uma taxa de juros de 12%a.a, chega-se a um
custo anualizado de R$294,50 para a data zero. Por outro lado, o benefício anual ou
5. Qualidade do ar e ambiente interior;
o custo da redução de demanda e de consumo de energia elétrica para o mesmo
6. Conforto termo-acústico;
ano é de R$963,70, considerando-se a redução de energia de 1,13kWh e de demanda
7. Uso da luz natural;
de 2180W, estimativas realizadas por SILVA, 2001; e ainda as respectivas tarifas de
108,00R$/MWh e 442,00R$/kW.
Louise Land Bittencourt Lomardo | Ingrid Chagas Leite da Fonseca | Carla Cristina da
320 conforto ambiental e eficiência energética Rosa de Almeida | Estefânia Neiva Mello 321
Para o cálculo dos custos anualizados foi utilizada a Fórmula 1, a seguir, da generalizadas para todas as tipologias arquitetônicas, visto que foram elaboradas
matemática financeira, que transforma um valor inicial em uma série de n pagamen- para determinado tipo de edificação. No caso do Centro buscou-se empregá-las
tos a uma taxa j, pela metodologia do Prêmio PROCEL, 2007. devido à premissa de projeto que valorizou o condicionamento passivo para garan-
tia das condições de conforto do usuário – premissa também comum às edificações
j x (j + 1)n unifamiliares de interesse social. Os sistemas ativos de manutenção do conforto – ar
Assim: Ca = C0 x ____________ (Fórmula 1)
(1+j)n – 1 condicionado e iluminação artificial – foram projetados para serem usados em situ-
ações climáticas extremas ou específicas.
Onde:
Ca – Custo anualizado 4.3.3. Laje e parede duplas, com colchão de ar
C0 – Custo na data zero
Sobre o bloco dos escritórios e sala de estudos foi projetada uma laje dupla
j – Taxa de juros
com colchão de ar ventilado, diminuindo o ganho térmico e também possibilitando
n – Vida útil
testar esta tecnologia construtiva. Já no bloco da sala de aula, foi feita uma parede
dupla também com colchão de ar que, além da redução de ganho térmico, permite
Fazendo então: Ca =_______________________
2200,00 x 0,12 x (0,12 +1) 20 = R$ 294,50
a facilitação da instalação e manutenção dos equipamentos de áudio, vídeo e ilumi-
(1 +0,12)20 – 1 nação deste ambiente.
Aplicando-se a Fórmula 1, anteriormente apresentada, para obter-se o valor Total geral de economia 1136 litros (38%)
atualizado anual da cisterna, cuja vida útil é de 50 anos, com taxa de juros anual, faz-se: Tabela 2 Consumo de água em aparelhos convencionais e eficientes.
Ca =______________________
3000 x 0,12 x (0,12 +1) 50 = R$ 361,20
4.3.6. Elementos de proteção solar
(1 +0,12)50 – 1
Os brises são reconhecidos por seus benefícios à redução do ganho térmico
O mesmo raciocínio se fez para o filtro, cuja vida útil é menor e para a adap- nas edificações. Neste projeto, eles foram utilizados na fachada nordeste, onde a ra-
tação da tubulação de águas pluviais, chegando ao total anualizado de R$480,40. diação solar incide diretamente durante a maior parte do ano. Uma malha de brises
Já para o cálculo dos benefícios, estes se referem a não utilização da água soleil verticais e horizontais foi disposta à frente da empena construída com caixilha-
potável fornecida pela concessionária (CEDAE), habitualmente usada para irrigar um ria de concreto e vidro, que delimita a sala de estudo, garantindo conforto térmico
grande jardim existente na cobertura e na área adjacente. O benefício anualizado é deste espaço, com pouca redução de luminosidade natural. Também as portas pi-
então o volume economizado em um ano (300 m3), multiplicado pela tarifa da água votantes da entrada principal, voltadas para norte, funcionam como brises verticais
(R$2,58/m3), o que totaliza R$774,00. Usando esta tarifa como constante ao longo móveis, controlando facilmente a incidência solar sobre o interior da recepção.
dos anos, o investimento se pagará em 0,6 anos. Porém, convém lembrar que os
Louise Land Bittencourt Lomardo | Ingrid Chagas Leite da Fonseca | Carla Cristina da
324 conforto ambiental e eficiência energética Rosa de Almeida | Estefânia Neiva Mello 325
Ainda visando a otimização do uso da luz natural foram instaladas prateleiras Equipamentos Quant. Vida Útil Custo Custo Energia eco- Redução da Benefício
de luz nas janelas dos escritórios, cuja volumetria alongada dificultaria uma distri- (anos) Inicial anualizado nomizada demanda em
(MWh/ano ) kW
buição homogênea da luz proveniente das aberturas.
Outra medida adotada no projeto foi o emprego de grandes aberturas na facha- Luminária 21 10 2.520 446 0,00 0,00 0,00
da sul, devidamente protegidas da radiação solar direta, tanto pela presença de vegeta- Lâmpada 40W 42 2 179 108 0,00 0,00 0,00
ção no exterior – um frondoso ipê rosa – quanto pelo grande beiral da cobertura. Reator 21 4 420 138 0,00 0,00 0,00
convencional
TOTAL (R$) 3.118,5 692,2 0,00
4.3.7. Iluminação artificial eficiente e integrada à natural
O partido adotado para a iluminação prevê a complementação da luz natural Equipamentos Quant. Vida Útil Custo Custo Energia eco- Redução da Benefício
(anos) Inicial anualizado nomizada demanda em
com a luz artificial obtida com conjuntos de iluminação constituídos de luminárias
(MWh/ano ) kW
refletivas, lâmpadas de alta eficiência luminosa (28 W) e reatores eletrônicos, todos
Luminária 21 6 4.620 1.124 0,0
atendendo à especificação de 70% de rendimento, seguindo recomendações do
Lâmpada 42 4 344 113 1,58 0,50 393,2
Cepel.
28W-16000h
A Relação Custo Benefício para uma situação de substituição do sistema de
Reator eletrônico 21 20 374 50 0,16 0,05 39,3
iluminação convencional – luminárias simples e lâmpadas de 40 W – por sistema TOTAL (R$) 5.338 1.287 432,6
mais eficiente – luminárias reflexivas e lâmpadas de 28 W, considerando o tempo
Tabela 3 Dados para o cálculo da relação custo-benefício (RCB) com uso de equipamentos mais eficientes:
de uso diário para dias úteis de 12 h/dia em 312 dias por ano, o tempo de retorno
tempo de retorno e economia de energia no CRESESB. Fonte: Lomardo e Carneiro, Mello, Rosa, 2007.
do investimento previsto, nessas condições, seria de 1,4 anos ou 17 meses apenas,
considerando-se como benefício o gasto evitado com energia elétrica em termos de ainda considerada distante da realidade brasileira, deverá ter uma importância
consumo e de demanda. Apresentamos na Tabela 3, ao lado, os dados para os cál- mundial crescente num futuro próximo. O prédio será totalmente monitorado por
culos da anualização dos custos dos equipamentos, que foram calculados usando a meio de um sistema de aquisição de dados, que aferirá parâmetros ambientais e de
Fórmula 1, anteriormente apresentada, e a taxa de juros igual a 12% a.a. consumo/geração de energia.
A tecnologia empregada no novo sistema se baseia em painel fotovoltaico
4.3.8. Fontes Alternativas de Energia – energia solar de c-Si (Silício cristalino) e inversores para conexão à rede tipo SunnyBoy, incluindo
uma otimização no dimensionamento do painel fotovoltaico.
A energia solar será convertida em energia elétrica por coletores fotovoltai- Isto indica que a geração de energia total anual será de 5262kWh, e que a média
cos que ocupam uma área de 40 m2. A energia necessária para o prédio será gerada diária anual de geração de energia será de 14,4 kWh. A fração solar desta geração
por células fotovoltaicas, instaladas na cobertura. Foi previsto um sistema sincroni- corresponde a aproximadamente 23% do consumo anual previsto para a edificação.
zado com a rede elétrica local para atendimento dos períodos em que a radiação
solar for insuficiente.
Os sistemas fotovoltaicos conectados à rede geralmente são associados a
uma edificação e realizam a injeção direta de toda a energia excedente na rede elé-
trica, sem qualquer armazenamento em baterias.
O consumo máximo diário de energia elétrica estimado para o Centro é da Gráfico 1
ordem de 95,3 kWh/dia. O consumo anual estimado é de cerca de 22.850 kWh. Para Geração solar
uma previsão mais detalhada do consumo de energia elétrica para iluminação e ar mensal.
condicionado, foi preparada uma simulação com a utilização do programa Visual- Previsão do total
de energia gerada
DOE e os resultados obtidos são mostrados no Gráfico 1 a seguir. (kWh) a cada mês.
O Centro de Informações do CRESESB possuirá um sistema fotovoltaico co- Fonte: Galdino,
2005.
nectado à rede elétrica com potência instalada de 4 kWh. Esta tecnologia, embora
Louise Land Bittencourt Lomardo | Ingrid Chagas Leite da Fonseca | Carla Cristina da
326 conforto ambiental e eficiência energética Rosa de Almeida | Estefânia Neiva Mello 327
Faltam dados a respeito dos benefícios ambientais e sociais – emissões evita- Uma vez cumprido todos os pré-requisitos, foi possível manter este nível A.
das, áreas não alagadas, etc. – que também deveriam ser considerados na avaliação Por fim, com a aplicação da equação geral, concluiu-se que o edifício atingiu nível
do custo-benefício desta proposta. global A de eficiência energética.
4.3.9. Materiais e equipamentos utilizados: esquadrias, luminárias Ambiente Iluminância Área (m2) Coef. de DPIA EqNumDPI Nível Resultado
aplicação do regulamento técnico da qualidade, RTQ-C WC 150 3,07 0,01 12,70 1 E 0,01
masculino
(INMETRO, 2009) Copa 300 7,85 0,02 13,38 4 B 0,08
Área de 500 50,57 0,16 9,00 5 A 0,80
Com o objetivo de verificar a eficiência energética do edifício projetado, a exposições
equipe do Laboratório de Conservação de Energia e Conforto Ambiental da Univer- Circulação 100 5,02 0,02 13,15 1 E 0,02
sidade Federal Fluminense (LabCECA/ UFF) aplicou o RTQ-C (Inmetro, 2009) pelo banheiros
método prescritivo. Para obtenção da etiqueta global, foram avaliados os três que- Recepção 500 52,52 0,17 12,28 4 B 0,68
sitos isoladamente: a envoltória e seus pré-requisitos específicos, o sistema de ilumi- Total 311,25 C 2,75
nação artificial e seus pré-requisitos específicos e, por fim, o sistema de condiciona-
Tabela 4 Determinação do EqNumDPI do sistema de iluminação dos ambientes.
mento de ar com seus pré-requisitos específicos. Então, foi verificada a possibilidade
da pontuação de bonificação. 5.1. Determinação do nível de eficiência energética da envoltória
O sistema de iluminação artificial atingiu o nível C, com equivalente numérico
igual a 2,75, conforme a Tabela 4 a seguir. Com base nos desenhos de arquitetura já mostrados anteriormente foram
Todos os ambientes de permanência prolongada são condicionados artifi- calculadas as áreas necessárias para a avaliação da eficiência da envoltória, que são:
cialmente e o sistema alcançou o nível A, com EqNnumCA igual a 5, conforme a área de projeção do edifício, área total de piso, área de projeção da cobertura, todas
Tabela 5, na página 332. com o mesmo valor, uma vez que o edifício possui apenas um pavimento com co-
bertura que abrange toda a área ocupada. Com isso, definiu-se o fator de altura,
A envoltória atingiu nível A de eficiência, com correspondente equivalente nu-
com valor igual à unidade.
mérico igual a 5 e este artigo dá destaque à avaliação deste quesito, uma vez que ele
Em seguida, foi calculada a área da envoltória como o somatório das áreas de
está diretamente ligado às decisões de arquitetura do edifício, assim como a ênfase
fechamento opaco, envidraçados e cobertura. Para obtenção do fator de forma, foi
é dada ao quesito de bonificação relacionado às soluções de projeto arquitetônico.
calculado o volume total do edifício, do qual foi excluída a área interna não ocupada,
Louise Land Bittencourt Lomardo | Ingrid Chagas Leite da Fonseca | Carla Cristina da
328 conforto ambiental e eficiência energética Rosa de Almeida | Estefânia Neiva Mello 329
Ambiente Área (m2) Coef. de EqNum CA Nível Resultado
ponderação ponderado Onde:
Recepção, área de 111,98 0,37 5 A 1,85 FA = 1, uma vez que a área de projeção da cobertura é igual à área total de piso;
exposições e copa
FF = 0,44
Sala de estudos 58,34 0,19 5 A 0,95
PAFT = 0,18
Circulação 13,95 0,05 5 A 0,25
FSponderado = 0,64
Escritório A 13,48 0,05 5 A 0,25
AVSponderado = 24,16
Escritório B 13,48 0,05 5 A 0,25
Escritório C
AHSponderado = 37,59
13,48 0,05 5 A 0,25
Sala de aula e 76,47 0,25 5 A 1,25 Em seguida, os limites máximo e mínimo dos indicadores de consumo foram
cabine de controle obtidos, alterando-se os parâmetros de percentual de abertura nas fachadas total,
TOTAL 301,18 A 5 fator solar e ângulos de sombreamento vertical e horizontal. Seus valores estão
Tabela 5 Determinação do EqNumCA do sistema de condicionamento de ar dos ambientes. apresentados na Tabela 6, a seguir:
Eficiência A B C D E
conforme ilustra o Esquema 1. Valor este adotado no cálculo do índice de consumo
Lim Mín – 462,23 466,38 470,52 474,67
da envoltória (ICenv), mesmo sendo inferior ao limite estabelecido para etiquetagem
de edifícios, definido como área de projeção mínima de 500m2. Tabela 6 Limites dos intervalos dos níveis de eficiência do edifício analisado.
Louise Land Bittencourt Lomardo | Ingrid Chagas Leite da Fonseca | Carla Cristina da
330 conforto ambiental e eficiência energética Rosa de Almeida | Estefânia Neiva Mello 331
gesso internamente. Por fim, a cobertura do bloco onde se situa o auditório é na- O prédio prevê a instalação de painéis fotovoltaicos, uso de energia eólica e
turada, o que garante bom isolamento térmico, reduzindo os ganhos de calor no captação de águas pluviais, o que confere pontos de bonificação.
interior, inclusive pelo incremento da perda de calor pela cobertura e evapotrans- De acordo com Lomardo et all.(2007), a simulação realizada com o software
piração das plantas. Deste modo, as características das coberturas possibilitaram o VisualDOE comprovou que a fração solar (que corresponde à fração do consumo
cumprimento do pré-requisito transmitância térmica das coberturas, comprovadas coberta pela geração solar) da geração de energia com os painéis fotovoltaicos cor-
através dos cálculos realizados. responde a aproximadamente 21% do consumo anual previsto para a edificação. A
Para cálculo da transmitância das paredes, sua capacidade térmica foi pon- geração de energia eólica pode ser considerada irrisória para o prédio (sua fração
derada, uma vez que são compostas por diversos materiais, assim como suas trans- corresponde a cerca de 0,2%). Mas os 21% correspondentes à energia fotovoltaica
mitâncias, obtendo-se um valor final enquadrado nos limites permitidos para esta garante ao edifício o ponto de bonificação.
Zona Bioclimática. O uso de aparelhos eficientes (bacia de dois fluxos e arejadores) permitirá
As absortâncias, diretamente dependentes das cores das coberturas e pare- uma economia de 38% no consumo de água, o que ultrapassa a economia mínima
des, foram também ponderadas por suas áreas e, desde que as coberturas – exceto de 20% para a bonificação de racionamento de uso de água.
a naturada – sejam pintadas com cores claras – o que não é definido em projeto –,
estarão dentro dos valores permitidos para a Zona Bioclimática em questão. 5.3. Classificação final
Por fim, uma vez que o percentual de abertura zenital é baixo, com o valor
de 0,07%, a envoltória poderá manter sua classificação A, desde que o fator solar Após a avaliação dos sistemas de iluminação e condicionamento artificiais e
máximo do elemento transparente das aberturas zenitais localizadas nos banheiros somado o ponto de bonificação, o projeto do edifício atingiu nível A de eficiência
seja 0,87, o que é atendido com a utilização de vidro comum. Porém, vale reforçar energética, conforme demonstrado na equação a seguir:
que a utilização de vidros com espessura de 3mm não é indicada.
A Tabela 7 apresenta os valores obtidos para o edifício: PT = 0,3 x {(EqNumEnv x AC/AU) + (APT/AU x 5 + ANC/AU x EqNumV)} + (0,3 x EqNu-
Nível Transmitância térmica da Cores e absortância de Iluminação
mDPI) + 0,4 x {(EqNumCA x AC/AU) + (APT/AU x 5 + ANC/AU x EqNumV)} + b01 = 5,326
cobertura e paredes exteriores superfícies zenital
Louise Land Bittencourt Lomardo | Ingrid Chagas Leite da Fonseca | Carla Cristina da
332 conforto ambiental e eficiência energética Rosa de Almeida | Estefânia Neiva Mello 333
6. Conclusões Referências bibliográficas
A elaboração deste trabalho serviu à integração da graduação com a pós- AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO.
-graduação, enriquecendo e sendo enriquecido por atividades de diferentes pes- Manual de Conservação e Reuso de Água em Edificações, São Paulo, 2005.
quisas, o que provê uma sinergia muito interessante aos trabalhos de extensão, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICASNBR 15220-3: Desempenho térmico de
ensino e pesquisa. edificações – Parte 3: Zoneamento bioclimático brasileiro e diretrizes construtivas
para habitações unifamiliares de interesse social, Rio de Janeiro, 2005.
A principal função do Centro de Informações do CRESESB é difundir o uso de
tecnologias energeticamente eficientes, notadamente a solar e a eólica, com efeito FONSECA, I.; CAMINHA, T.; SOARES, I.; SOUZA, J. ; LOMARDO, L.B.L – Relatório científico
“Pesquisas para conservação de energia elétrica”: aplicação do Regulamento Técnico
multiplicador de demonstrar como construir aproveitando os recursos naturais dis-
da Qualidade do Nível de Eficiência Energética de Edifícios Comerciais, de Serviços e
poníveis e as tecnologias eficientes, o que será alcançado com esteprojeto. As técni- Públicos no prédio do CRESESB, Convênio Eletrobrás n.º ECV280/2008, LABCECA – UFF/
cas apresentadas são todas replicáveis nas residências, escolas, unidades comerciais Eletrobrás, 2009.
e industriais e a oportunidade será dada pelo acesso à informação disponibilizada GALDINO, M. A. et al.Implantação do Centro de Informações do CRESESB. In: I CBENS – I
pelo projeto. Congresso Brasileiro de Energia Solar. Fortaleza: ABENS – Associação Brasileira de
Algumas tecnologias aplicadas no Centro já são financeiramente viáveis pela Energia Solar, 2007.
ótica da sociedade. Outras, só o serão em um futuro próximo dado os custos cres- GIVONI, B. Man, Climate and Architecture. London:Applied Science Publishers Ltd., 1976.
centes dos recursos ambientais.
GOULART, S.; LAMBERTS, R.; FIRMINO, S. Dados climáticos para projetos e avaliação energética
O estudo de conforto ambiental e eficiência energética do projeto compro- de edificações para 14 cidades Brasileiras. 2ª edição. Florianópolis: Procel, 1998.
vou a eficáciade um bom projeto de arquitetura, que, mesmo com restrições orça-
LAMBERTS, R.; DUTRA, L.; PEREIRA, F. O. R. Eficiência Energética na Arquitetura. São Paulo: PW, 1997.
mentárias, alcançou um excelente resultado plástico e levou em conta as caracterís-
LOMARDO, L.; MELLO, E.; GALDINO, M.; SILVA, P.; MIDÃO, F.; VALLIM, A. Análise Energética do
ticas climáticas locais, constituindo um bom exemplo de arquitetura bioclimática.
Prédio do Centro de Informações do CRESESB.In: Seminário Nacional de Produção e
Decisões de arquitetura em fases iniciais de projeto, como implantação, uso Transmissão de Energia Elétrica, 2007.
de áticos ventilados, instalação de brises e demais elementos de sombreamento nas
MELLO, E. N. Desempenho térmico de blocos para vedação – avaliação comparativa de células-
fachadas, poucas aberturas na fachada oeste, grandes envidraçados com controle teste em Niterói – RJ.Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Programa
do ganho térmico, cores claras em fachadas e coberturas, cobertura naturada e ma- de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal Fluminense,
teriais de construção que proporcionem baixa transmitância térmica, somadas ao Niterói. 2006.
bom projeto de aberturas proporcionando ventilação cruzada interior, são alguns LOMARDO, CARNEIRO, MELLO, ROSA, 2007 – Memorial justificativo do Prêmio PROCEL 2007
dos recursos que põem em prática as recomendações de Givoni (1992) – a impor- – Projeto do CRESESB.
tância da ventilação e do sombreamento – para o clima tropical quente e úmido do Ministério de Minas e Energia/Comitê Gestor de Indicadores e Níveis de Eficiência
Rio de Janeiro e que garantem a eficiência energética de um projeto de arquitetura. Energética/ Grupo Técnico Edificações do MME/Secretaria do Grupo Técnico de
Somadas às tais decisões, a previsão de instalação de painéis solares, o uso Edificações – GT Edificações/Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e
racional de água e a captação de água da chuva para reuso em irrigação se somam Qualidade Industrial/ Eletrobrás/Procel/Equipe do Procel Edifica/Laboratório
de Eficiência Energética em Edificações. Etiquetagem de Eficiência Energética de
como medidas que enfatizam que a sustentabilidade pode ser um diferenciador na
Edificações, volume 1, 2009.
qualidade final do produto arquitetônico.
. Regulamento Técnico da Qualidade do Nível
A aplicação do RTQ-C (Inmetro, 2009) evidencia a importância da especifica-
de Eficiência Energética de Edifícios Comerciais, de Serviços e Públicos, Anexo da Portaria
ção em projeto de pequenos detalhes e quesitos que devem ser atendidos, e por INMETRO n° 163 /2009, volume 2, 2009.
isso devem fazer parte de licitações a partir de então, como: definição de cores claras
para a envoltória, indicação de fator solar baixo para grandes áreas envidraçadas,
dentre outras informações relevantes para garantir os níveis máximos de eficiência.
Louise Land Bittencourt Lomardo | Ingrid Chagas Leite da Fonseca | Carla Cristina da
334 conforto ambiental e eficiência energética Rosa de Almeida | Estefânia Neiva Mello 335
Empresa de Pesquisa Energética/ EPE – Anuário Estatístico da Eletricidade 2013. . PLANEJAMENTO E GESTÃO DO TERRITÓRIO:
7
SILVA FILHO, V. P. Simulação Computacional do Projeto – Centro de Informação CRESESB:
avaliação do desempenho termoenergético e da relação custo x benefício do elemento PERSPECTIVA URBANA E REGIONAL
cobertura. Dissertação (Mestrado em Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo) – Universidade Federal Fluminense, Orientador: Louise Land Bittencourt
Lomardo, 2007.
1 Globalização e metrópole.
A relação entre as escalas global
e local: o Rio de Janeiro
Glauco Bienenstein
Resumo | Este artigo trata da reconfiguração de processos econômicos globais e suas reper-
cussões nos espaços metropolitanos brasileiros, tendo o Rio de Janeiro como campo empíri-
co. Argumenta-se que o padrão contemporâneo de gestão e realização da riqueza, orientado
por uma lógica expansiva caracteristicamente seletiva (somente alguns setores da econo-
mia) e excludente (apenas alguns segmentos sociais nela envolvidos), tem determinado um
padrão de gestão, investimento e produção do espaço urbano, também seletivo (somente
algumas parcelas da cidade) e excludente (apenas algumas poucas classes são beneficiadas),
conformado pela superimposição do critério de viabilidade econômica capitalista vigente
desde o final do Século XX. Assim sendo, o trabalho encontra-se dividido em três partes. A
primeira, de cunho teórico-conceitual, verifica-se a pertinência e o estatuto teórico do termo
globalização, enquanto expressão do novo regime de acumulação, calcado numa dinâmica
econômica predominantemente seletiva e excludente. Em seguida, discute-se a nova geo-
grafia do mundo, tendo em vista o atual regime de acumulação, e suas repercussões sobre
o mundo e a vida, concentrando a atenção nos desdobramentos de tais repercussões nas
cidades, especialmente no que se refere ao fenômeno do “empresariamento” urbano. O Rio
de Janeiro é então tomado como caso referência. O recorte temporal delineado é a década
de 1990, notadamente a partir do primeiro governo do Sr. César Maia (1993-1997), quando as
formas de planejamento e gestão da cidade foram modificadas de forma contundente, repo-
sicionando a referida metrópole no mapa da competitividade urbana brasileira e mundial,
Agradecimentos
resgatando, inclusive, a centralidade da referida metrópole no contexto da urbanização bra-
Á Eletrobrás, que vem apoiando o Laboratório de Conservação de Energia e Conforto Ambiental – LABCECA na aplica-
ção do RTQ-C em prédios, com bolsas de Iniciação Científica e de Professor Especialista. sileira, cuja posição havia sido perdida e/ou obscurecida para a cidade de Curitiba (período
Ao CNPq, que igualmente vem apoiando o LABCECA, com bolsas DTI-2. Jaime Lerner como prefeito da cidade (1971-1974, 1979-1982 e 1989-1992).
Aos bolsistas de Iniciação Científica que colaboraram durante a aplicação do RTQ-C, Tom Caminha e Igor Soares.
Abstract | This paper deals with the reconfiguration of the global economic processes
Ao engenheiro mecânico Jairo Francisco R. P. de Souza, autor do projeto de ar condicionado do CRESESB e consultor na
aplicação do RTQ-C e ao engenheiro Vitor Carneiro da Silva, pelos cálculos financeiros. and their impact in the Brazilian metropolitan areas, taking Rio de Janeiro city as an empiri-
Do ponto de vista da economia política das relações internacionais, o atual 2. Resumidamente, o Credit Crunch pode ser entendido como o momento (1966) em que a economia norte-americana
processo de reestruturação econômica na escala mundial pode ser compreendido experimenta uma situação próxima de um colapso financeiro, “da magnitude daquele que se verificou na virada para a
década de 1930” (Braga, 1993, p.33),
15. Esta denominação é, às vezes, substituída por outra, “planejamento adaptativo” e/ou “gerenciamento negocial”
14. A nova atitude a ser tomada por tais administradores também se configura através do esgotamento do padrão de (Portas, 1999: 2). Neste interessante artigo, o autor articula de forma clara alguns dos principais elementos estruturan-
intervenção do Estado em seus diversos níveis de governo, promovendo o colapso do tradicional padrão de financia- tes da “política urbana” vigente na atualidade na cidade do Rio de Janeiro.
mento das políticas públicas e inviabilizando o que foi aqui denominado de “fordismo” periférico. 16. Talvez se possa também compreender tais projetos como “projetos de grande visibilidade” (Portas, 1999, p.1-2).
antigas prescrições normativas – e generalizantes – correlatas ao regime fordista. PACHECO, S. M. Terceirização e Reestruturação Urbana no Rio de Janeiro. Boletim GETER, ano
I, nº 1, fevereiro de 1998, p. 2.
PORTAS, N. Do Vazio ao Cheio. (Mimeo, novembro de 1999).
25. Em que pese esta característica não há como negar que o programa Favela – Bairro constitui-se peculiar contra-
ponto a ela.
Resumo | Este artigo analisa o papel dos megaeventos esportivos na reconfiguração daci-
dades, para entender alguns dos seus impactos sobre os grupos sociais diretamente afeta-
dos pelos grandes projetos que constroem a chamada “Cidade Olímpica”. A cidade do Rio
de Janeiro é aqui tomada como campo empírico, pois além de ter sido selecionada para
sediar os Jogos Olímpicos de 2016, está incluída no rol das cidades-sede que abrigaram os
jogos da Copa de 2014. A estrutura do trabalho se faz por intermédio das seguintes partes:
em primeiro lugar, são apresentadas algumas notas que indicam o plano de análise aqui
adotado sobre os megaeventos em sua relação com o planejamento urbano. Em seguida,
são apresentados os Jogos Pan-Americanos de 2007 como o primeiro megaevento do novo
século no Rio de Janeiro. Posteriormente, discute-se a dimensão política do projeto Rio 2016
e suas formas de inscrição territorial na cidade. Por fim, são traçadas breves considerações
sobre o megaevento esportivo como uma expressão da globalização, considerando suas
dimensões políticas, institucionais, urbanas, simbólicas e econômicas, visando oferecer
elementos para a compreensão das dinâmicas das cidades brasileiras e suas múltiplas co-
nexõescom processos amplos e inter-relacionados. A reflexão procura, num nível prelimi-
nar, demonstrar como os megaeventos estão sendo instrumentalizados por intermédio da
articulação trans-escalar de elites políticas e econômicas locais, amalgamadas por atores
e lideranças políticas e econômicas locais e internacionais, notadamente, pelo Comitê Olím-
pico Internacional, COI, e pela FIFA, que,por meio da exploraçãode sentidos vinculados à
urgência, mobilização e consenso, voltam-se à ideia de refazer a cidade conforme sua pró-
pria imagem. Mediante exemplo de uma série de projetos concebidos e implementados
com prazos externamente delineados, o artigo mostra como esse modelo de planejamento
urbano direcionado a tais eventos promove uma visão exclusiva de reestruturação urbana,
cujos resultados têm sido usualmente aqueles vinculados à privatização e à mercantiliza-
ção da cidade, sugerindo a expansão de uma nova forma “excepcional” de reestruturação
urbana, de corte neoliberal,cujos delineamentos têm radicalizado a transformação da urbe
1. Este trabalho foi produzido no âmbito do Grupo de Pesquisa GPDU, Laboratório Globalização e Metrópole, criado
em 2003 e coordenado pelos professores Glauco Bienenstein e Fernanda Sánchez, abrigando bolsistas e produções
acadêmicas em nível de iniciação científica, graduação, mestrado e doutorado. Mantém o intercâmbio com ETTERN-
-IPPUR-UFRJ.
360 O projeto de cidade para os megaeventos Fernanda Ester Sánchez Garcia 361
vêm produzindo também fragmentação e destruição de importantes tecidos urba- países do hemisfério Sul (Stavrides, 2010; Gaffney, 2012; Freeman, 2013; Broudehoux,
nos relacionados com a memória social. 2010; Horne, 2006; Mabin, 2010) 2.
A colonização promovida pelas teorias e práticas identificadas com a visão Esse esforço busca, em seu viés político, criar resistência às tentativas de im-
liberal de sociedade e de cidade encontra oposição em esforços intelectuais, que posição de uma ordem simbólica que procura dar consistência teórica à intenção de
buscam desvelar-lhes significado, contestar sua natureza bem como seus efeitos despolitizar o debate sobre a questão urbana. Esse esforço também se dá em dire-
sociais no território. Trataremos aqui, como caso, do Projeto Olímpico Rio 2016, ção às explicações que relacionem os megaeventos com as formas contemporâneas
em busca de uma relação produtiva com a reflexão acerca dos demais projetos de de conceber o planejamento urbano e as intervenções nas cidades.
cidade relacionados à reestruturação urbana para a Copa do Mundo 2014 em doze Efetivamente, não podemos compreender aspectos cruciais das formas con-
cidades brasileiras. Elos e mútuas relações são também identificados com alguns temporâneas de gestão das grandes cidades sem levar em consideração o lugar e o
casos internacionais de renovação urbana que acompanharam a realização de gran- papel dos megaeventos esportivos, pela ampla coalizão de atores que possibilitam
des eventos esportivos em diversos países nos últimos anos. e pelo formidável volume de recursos que são capazes de acionar, bem como pelos
Primeiramente, faremos algumas notas que situam nosso plano de análise seus efeitos de ruptura nas diversas dimensões do espaço social.
acerca dos megaeventos em sua relação com os projetos de cidade. Em segundo Entre as justificativas-o chamado “legado”: meio ambiente, equipamentos e
lugar, trataremos dos Jogos Pan-americanos Rio 2007 enquanto primeiro grande instalações esportivas, transportes, inclusão social. A revisitação dos bons estudos
evento esportivo carioca no novo século. Em seguida, discutiremos a dimensão po- de caso, entretanto, permite observar que em Atlanta, Pequim, Atenas, Cidade do
lítica do projeto Rio 2016 e suas formas de inscrição no território. Por último, traça- Cabo, Montreal ou Sidney os benefícios sociais e materiais do urbanismo olímpico
remos algumas breves considerações a respeito dos megaeventos esportivos como são decepcionantes, e a retórica dos efeitos positivos não se sustenta, como mostra-
expressões da globalização, em suas dimensões político-institucional, urbanística, ram diversos autores na primeira Conferência Internacional Megaeventos e Cidades,
simbólica e econômica, na busca da inscrição das atuais dinâmicas das cidades bra- em 2010. Isso sem mencionar ainda os Jogos Pan-americanos de 2007 na cidade do
sileiras em processos abrangentes e trans-escalares. Rio de Janeiro, dos quais trataremos brevemente na próxima seção.
Importante destacar que a presente reflexão está inscrita e recolhe sistemáti-
ca trajetória, no âmbito do Laboratório Globalização e Metrópole, do Programa de
Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, Notas acerca do primeiro megaevento esportivo carioca
assim como do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza, do Instituto de do século XXI: os Jogos Pan-americanos Rio 2007
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janei-
ro, que têm atuação como coletivo de pesquisa, vinculando sua produção ao campo É importante, em tempos de grandes intervenções em doze cidades brasi-
da teoria crítica acerca dos modelos de planejamento urbano e seus instrumentos leiras voltadas para a Copa do Mundo 2014 e, no caso do Rio de Janeiro, também e
de afirmação (Sánchez, 2010; Bienenstein, 2001), atores e instrumentos de transpo- ao mesmo tempo, de um urbanismo olímpico orientado para os Jogos 2016, trazer
sição, difusão e afirmação de tais modelos, conceitos e métodos do planejamento alguns pontos acerca da natureza da estratégia territorial do projeto urbano dos
estratégico de cidades, construção do campo do planejamento estratégico (Vainer, Jogos Pan-americanos de 2007 e seus impactos para a cidade.
2000; Lima Jr., 2010), grandes projetos urbanos brasileiros, conceituação e avaliação Destacaremos, contudo, a discrepância no patamar de gastos se tomarmos,
de seus efeitos (Oliveira et al. 2012). Deste modo, destacamos que o trato do tema por exemplo, as Olimpíadas em relação ao seu precedente, os Jogos de 2007: vinte e
dos grandes eventos, ao contrário de ser abraçado como tema do momento, resulta oito bilhões e novecentos milhões de reais previstos (R$ 28,9 bilhões) contra três bi-
da trajetória de pesquisa acima exposta. Afirma-se, portanto, como objeto teórico e lhões e setecentos milhões de reais (R$ 3,7 bilhões), ou seja, o evento de 2016 deverá
empírico, entrelaçado aos demais temas que têm sido tomados como objeto de in- custar pelo menos oito vezes mais que os Jogos de 2007 (Oliveira, 2009).
vestigação nestes dois grupos de pesquisa desde início dos anos 1990. Ao longo dos Para os Jogos de 2007 o poder público, de fato, concentrou investimentos
anos, pesquisadores internacionais têm também colaborado com este coletivo de nas áreas de interesse do capital imobiliário local a fim de buscar concretizar seus
pesquisadores fluminenses e contribuído para definir alguns importantes temas da objetivos. A identificação de tal concentração permitiu questionar e desmontar o
agenda de pesquisa que relaciona os megaeventos e o desenvolvimento urbano em 2. Muitos desses pesquisadores participaram da primeira Conferência Internacional Megaeventos e as Cidades, or-
ganizada por membros dos dois laboratórios, respectivamente, do PPGAU-UFF e IPPUR-UFRJ, e realizada em 2010 na
Universidade Federal Fluminense, Niterói.
362 O projeto de cidade para os megaeventos Fernanda Ester Sánchez Garcia 363
aparente modelo distribuído e equilibrado de intervenções em quatro diferentes mediante a venda de uma mercadoria difusa, contudo, poderosa: a ilusão do renas-
áreas da cidade, como a geografia das áreas de intervenção parecia inicialmente cimento urbano por meio da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos.
indicar (cf. Mascarenhas et al., 2011). Apesar da pressão resultante deste expressivo investimento simbólico em
Em sua dimensão urbanística, as intervenções realizadas mostraram-se pon- busca do consenso, a sociedade civil não se manteve passiva, realizando debates e
tuais, sem relação mais consistente com a cidade. Estava incorporada, desde o explicitando conflitos, obtendo, ao final do processo, algumas conquistas e tecen-
princípio, a lógica da cidade elitista que se manifestou na estratégia de concentrar do assim sua inscrição concreta na produção do espaço urbano. Dentre essas con-
o evento em áreas nobres, visando, ao mesmo tempo, segurança e conforto aos quistas dos movimentos sociais, destacamos a permanência da Comunidade da Vila
participantes, e, sobretudo, oferecer ao mundo uma imagem urbana supostamente Autódromo frente às sucessivas ameaças de remoção que vem sofrendo desde o
“civilizada” e “moderna”. Longe, portanto, de qualquer preocupação no sentido de início dos anos 1990. Também de grande relevância, a defesa do Parque do Flamen-
utilizar o evento para redistribuir no espaço da cidade as benfeitorias da infraestru- go como patrimônio público, então ameaçado pelo novo empreendimento privado
tura urbanística. para a Marina da Glória, que inclusive contava com a aprovação e empenho do Exe-
A Barra da Tijuca e seu entorno foram eleitas como áreas que centralizaram as cutivo Municipal para sua implantação. O impedimento do empreendimento cons-
intervenções. Foi empreendida nestas áreas uma política de remoção de populações tituiu uma vitória do movimento social contra o que foi considerado um projeto de
pobres. Mediante uma ideia amesquinhada de cidade, foi mostrado como sinal de su- violação do patrimônio paisagístico e social do Parque. (Mascarenhas et al., 2011).
peração da crise urbana o sucesso imobiliário do empreendimento da Vila Pan-ameri-
cana, a chamada Vila do Pan, que abrigou as delegações de atletas durante os Jogos,
mas foi comercializada como condomínio residencial dentro da lógica comercial dos
Copa do Mundo 2014 e Rio 2016: a dimensão político-
condomínios daquela região. Ressaltamos, contudo, que essa Vila foi construída com simbólica do projeto de cidade
recursos públicos3 em terreno turfoso e seu principal efeito urbano foi o de alimentar
e acelerar o processo especulativo de valorização das terras em seu entorno. Para a Copa do Mundo de 2014 e para os Jogos Olímpicos de 2016, eventos
Em outra área da cidade do Rio de Janeiro se encontra a maior instalação sob o manto dos quais foi estruturado um projeto de cidade para o Rio de Janeiro,
esportiva edificada para aquele evento: o Estádio Olímpico João Havelange, conhe- avaliamos que as perspectivas são de clara permanência da orientação mercadófila
cido como “Engenhão”, em Engenho de Dentro, zona norte da cidade. Ressalte-se que tem prevalecido, por conseguinte, elitista, segregadora e excludente. Primei-
que em seu processo de implementação, com destacada carga simbólica, não foi ramente, a polêmica obra de reforma do Estádio do Maracanã e de seu entorno. O
incorporado nenhum melhoramento ao bairro. Este monumental equipamento, emblemático Maracanã, símbolo da brasilidade e da cultura popular carioca, que já
que produziu um cenário espetacular, obedece a uma lógica relacionada com outra havia passado por uma recente e grande reforma para os Jogos Pan-americanos de
escala: a da cidade olímpica, e não guarda efetiva relação com a área onde está 2007, volta a ser completamente reformado, sob exigências da FIFA, para a Copa do
instalado, enquanto equipamento “propulsor de desenvolvimento urbano” daquela Mundo. O projeto tem recebido contundentes críticas no que se refere à desfigura-
região, como foi à época exaustivamente divulgado (Martins da Cruz, 2010). ção de sua linguagem arquitetônica, volumetria e organização espacial, com uma
Ainda que a celebração de tal evento, em 2007, nos permita hoje avançar na drástica redução do número de assentos, que indica uma clara tendência à elitiza-
análise de seus escassos efeitos urbanos positivos em diversas dimensões, reconhe- ção de seu uso e, portanto, à exclusão das formas populares de apropriação que
cemos que o trabalho político-simbólico em torno de sua realização permitiu à coa- marcaram sua história (Mascarenhas e Oliveira, 2006; Prieto e Viana, 2009;
lizão dominante construir a ideia de sucesso a respeito deste que foi considerado o Mascarenhas, Bienenstein e Sánchez, 2011).
primeiro megaevento esportivo carioca do século XXI, e acumular capital simbólico Por terem considerado a obra e o projeto uma ameaça ao estádio, como patri-
para pavimentar as articulações políticas em direção aos próximos megaeventos ca- mônio material e imaterial, irromperam diversas manifestações, movimentos sociais
riocas e brasileiros. Pela importância desta dimensão de análise faz-se necessário in- e ações judiciais, voltados também à contestação de sua privatização, por entendê-
vestigar de que forma o consenso vem sendo administrado nestes últimos tempos, -lo como importante bem público. Os conflitos também têm se intensificado no que
se refere aos equipamentos públicos no entorno do Maracanã, sobretudo a Escola
Municipal Fredenreich, o Estádio de Atletismo Célio de Barros, o Parque Aquático
3. Os recursos para a construção da Vila Pan-americana foram provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)
geridos pela Caixa Econômica Federal (CEF). Desse modo, neste empreendimento houve uma transferência direta de Júlio Delamare e o prédio histórico do antigo Museu do Índio, todos eles ameaça-
recursos públicos para a iniciativa privada.
364 O projeto de cidade para os megaeventos Fernanda Ester Sánchez Garcia 365
dos de demolição para construção de áreas de estacionamento e de um shopping- Efetivamente, a realização de megaeventos nos países com grande desigual-
-center. Com relação ao museu, ocupado por coletivos indígenas que o designaram dade econômica e espacial, no que se refere ao acesso público à cidade e à urba-
de Aldeia Maracanã, o conflito gerou articulações políticas e manifestações públi- nização, como é o caso brasileiro, tende a agravar esta desigualdade. As pesquisas
cas desde que se soube que seria demolido para dar lugar à área de dispersão do produzidas no plano da teoria crítica reforçam a tese de que os grandes projetos
estádio. Com a obtenção de apoio judicial à luta pela permanência, restauração e moldam processos econômicos, urbanos e ambientais que afetam negativamente
tombamento deste edifício e de seu uso social, o movimento culminou com o recuo alguns grupos sociais enquanto beneficiam outros. Ainda que a realização destes
do governo na ação de demolição (O Globo, 2/2/2013).Entretanto, as lideranças indí- grandes projetos, associada aos eventos, apresentem novidades e mudanças na re-
genas e os apoiadores do movimento foram retirados do edifício no dia 22 de março lação entre o poder público e os setores privados, nos novos instrumentos urbanís-
de 2013, com força policial e uso de violência, e consequente repercussão nacional ticos e fundiários bem como nos arranjos institucionais, podemos avaliar que nestes
e internacional negativa (Sánchez, 2013). casos ainda é o poder público “o principal motor e fiador de todos os processos,
No conjunto das grandes operações urbanas voltadas às Olimpíadas per- evidentemente em articulação com os setores da sociedade que lhe dão suporte”
manece a tônica geral que enaltece a modernidade espetacular da Barra da Tijuca, (Oliveira et al., 2007; 2012).
onde se localiza a maior parte dos equipamentos destinados aos Jogos. Mesmo as
negociações posteriores ao anúncio da Cidade Olímpica, que projetam para a Zona
Portuária algumas instalações, como o projeto Porto Olímpico, estas se inserem no
O projeto urbano para a Copa e Olimpíadas e suas
projeto mais amplo de gentrificação daquela área. formas de inscrição no território
As operações vêm sendo destinadas a favorecer a especulação imobiliária,
beneficiar empreiteiras, promover a valorização fundiária, implantar moderna infra- Os elementos que fazem parte do repertório do projeto de cidade para a
estrutura de telecomunicações em áreas nobres bem como aquecer o setor hotelei- Copa de 2014 e para os Jogos Rio 2016 comparecem com uma monótona regulari-
ro e a indústria cultural. dade em estratégias territoriais que, paradoxalmente, são proclamadas como origi-
O projeto olímpico de cidade e a chamada “conquista” do Rio de Janeiro para nais, assim como produtoras certeiras dos chamados “legados urbanos”.
sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas devem ser interpretados como o desenlace Chamam a atenção os grandes projetos com forte apelo simbólico, cuja espa-
de um processo, ao longo do qual, em duas décadas, vem se afirmando uma con- cialização permite reconhecer alguns emblemas da campanha olímpica. A reestru-
cepção de cidade que indica a profunda influência que o pensamento neoliberal turação de área portuária com o projeto Porto Maravilha parece indicar a reedição
teve sobre as políticas urbanas. carioca do modelo de reestruturação de waterfrontpraticado em diversas cidades
As chaves desse projeto que permitem identificá-lo como a reedição de prá- do mundo, como Baltimore, Nova York, Londres ou Buenos Aires.
ticas que emergiram no início dos anos 1990 são: parcerias público-privadas, com- Na Zona Portuária, a prefeitura parece estar obtendo êxito em tirar do papel
petição interurbana, marketing de cidade, gestão empresarial da cidade, criação de o clássico modelo de revitalização baseado na concessão do espaço aos grupos pri-
estruturas institucionais de caráter excepcional, flexibilização da lei, grandes proje- vados e numa agenda de projetos que combina megaequipamentos de cultura e
tos, concebidos como intervenções pontuais no tempo e no espaço, entre outros. entretenimento, constituídos em âncoras dos processos de renovação, com empre-
As senhas, formas pelas quais se impõe o projeto, indicam, ainda, a conformação endimentos formalizados em torres de escritórios e moradia de alto padrão, modelo
progressiva de uma coalizão de poder político e econômico local, à qual compare- esse já consagrado em diferentes países.
cem também atores, empresas e instituições extralocais, contudo, com interesses Avalia-se que a articulação de atores e escalas em torno desses projetos tem
localizados. Com efeito, o planejamento urbano voltado aos megaeventos sinaliza o exigido expressivo investimento simbólico, como instrumento político privilegiado
que vem sendo chamado de “cidade da exceção” (Vainer, 2010). na disputa pelos eventos bem como na busca dos meios necessários à sua atuali-
Observamos uma reedição de diversos elementos da política urbana carioca zação e afirmação. Efetivamente, as coalizões de atores governamentais, privados,
de mais de 15 anos atrás, quando se elaborava o Plano Estratégico da cidade. As bem como das agências internacionais, vinculados ao projeto olímpico, percebem
mesmas personagens, o mesmo projeto, a mesma retórica. Surpreende a continui- e se utilizam do megaevento como um espetáculo em escala mundial para chamar
dade de um discurso acompanhado por práticas que têm contribuído, ou invariavel- a atenção internacional, redirecionar investimentos e amalgamar um novo projeto
mente contribuirão, para despolitizar a cidade e torná-la mais desigual. hegemônico (Broudehoux, 2007; Sánchez, 2010).
366 O projeto de cidade para os megaeventos Fernanda Ester Sánchez Garcia 367
Promotores de megaeventos, de estádios de futebol ou de projetos de reno- para a criação e ampliação dos consumidores globais. O impulso econômico e o
vação de áreas centrais com grandes equipamentos culturais evocam, em seu ideá- grau de conectividade que os Jogos geram evidenciam a aliança direta entre os es-
rio, a “inserção competitiva” da cidade e um “vir a ser” de grande desenvolvimento, portes, a mídia e os negócios (cf. Horne&Manzenreiter, 2006).
pressionando assim os cidadãos a um engajamento irrestrito. Contudo, conforme Na dimensão política os megaeventos apresentam um significativo regime
indicado pela literatura, são altos os custos do gigantesco esforço de city marketing de regulação internacional, com instituições supranacionais como o Comitê Olímpi-
para assegurar a posição das cidades-sede na disputa pelos eventos e pelos investi- co Internacional, COI, ou a Federação Internacional de Futebol Amador, FIFA. O COI,
mentos deles advindos. por exemplo, define standards e a agenda que disponibiliza aos diferentes países/
Tais cidades, na perspectiva dos agentes desses projetos, devem ser apre- cidades a estrutura de suas respectivas candidaturas a cidades-países-sede. Alguns
sentadas como econômicas em conflitos sociais, o que requer dos gestores e pla- dos valores apresentados nessa agenda, como aqueles associados aos green games
nejadores ações de reestruturação do espaço, mas também de imposição de uma bem como as representações do que o Comitê entende por cidades modernas e
determinada ordem civilizatória, com projetos de pacificação social e de militari- globais também estão presentes. Por outro lado, na esfera local, os Jogos consti-
zação de territórios. Os gastos com segurança já estão consagrados no orçamento tuem também oportunidades para as coalizões políticas e econômicas dominantes
de megaeventos dos países com elevada desigualdade. Por isso, da África do Sul reconstruírem seu projeto de cidade. Na escala dos países, tais eventos engendram
ao Brasil, tais despesas ocupam sempre posição de destaque, a fim de preservar a discursos nacionais. Lembramos, por exemplo, o uso ideológico dos esportes no
integridade dos turistas e da imagem da cidade na mídia internacional (cf. Mabin, regime nazista, no Brasil a Copa de 1970 com a retórica nacionalista em tempos de
2010;Stavridis, 2010). A crescente midiatização dos megaeventos passa a controlar ditadura ou, mais recentemente, na China o projeto olímpico como portador do ob-
diversos aspectos da imagem urbana, com impactos nas liberdades civis, no direito jetivo de solidificar o papel desse país na nova ordem mundial. As nações como
à cidade e no direito cidadão de ser visto (Broudehoux, 2004;2007). membros da comunidade internacional utilizam como passaporte para uma nova
Nesse contexto, a cidade-mercadoria vem se atualizando e, desse modo, vem inscrição no mundo sua condição de sedes de grandes eventos, como exemplifica
também exigindo esforços de reflexão crítica. Ressalte-se que, ao estimular a rein- a retórica do então presidente Lula quando, no primeiro momento do anúncio da
venção da cidade e sua nova inscrição mundial pela via dos megaeventos ou dos cidade-sede, declarou “finalmente, conquistamos nossa cidadania internacional”.
grandes projetos urbanos, tal modelo de cidade e seu urbanismo de resultados têm Na dimensão cultural eles evocam uma experiência compartilhada pelos ci-
contribuído para aumentar a desigualdade: ao mesmo tempo em que são renova- dadãos do mundo. A venda e o consumo dos Jogos levam junto a venda da imagem
dos os espaços em ritmo intenso e a prazo fixo, ficam diretamente comprometidas de cidades globalizadas. Nestes termos, também evocam pertencimento e orgulho
as receitas públicas e as políticas sociais (cf. Horne&Manzenreiter, 2006), favore- dos cidadãos. O projeto olímpico e sua economia simbólica transmitem um ideá-
cendo a multiplicação de conflitos. rio de “inserção competitiva” da cidade. Um “vir a ser” de grande desenvolvimento,
pressionando assim os cidadãos a um engajamento irrestrito. A cobertura da mídia
e a produção de imagem de cidades-marca apresentam complexas e relacionadas
As diversas faces da globalização nos megaeventos representações da cidade. A cidade ressurge como núcleo de fluxos internacionais
esportivos: notas acerca do engajamento do Rio de de informação e comunicação, e os Jogos alargam audiências e mercados.
Janeiro na “aventura olímpica” Em sua dimensão urbana os Jogos aceleram projetos já existentes. Têm, em
geral, um suporte entusiasta, tanto popular quanto empresarial. Tem sido, nestes
Os megaeventos parecem, ao mesmo tempo, refletir e condensar a crescente casos, afirmada a política urbana marketfriendly. A cidade passa por grande renova-
globalização. As relações escalares entre os grandes eventos e a globalização nos ção física e, ao mesmo tempo, do imagemaking-over (SHORT, 2008).
permitem avaliá-los como fenômenos simultaneamente globais, nacionais e urba- Agentes fundamentais e instrumentais à geografia da difusão de modelos, os
nos em suas dimensões econômica, política, cultural e urbana. consultores conduzem as ideias que circulam e se afirmam por terem participado da
Na dimensão econômica os eventos oferecem importante plataforma mun- realização de empreendimentos do gênero: grandes eventos (espanhóis, australia-
dial para as corporações que realizam sua propaganda nos e através dos Jogos. Cir- nos, alemães, ingleses) ou a elaboração de planos estratégicos (como o de Barcelona,
cuitos internacionais de capital, sobretudo nos ramos do turismo, do capital imobi- tornado paradigmático no Brasil e na América Latina) constituem o capital simbólico
liário e da indústria do esporte e do entretenimento aproveitam esta oportunidade que se busca converter – a uma taxa de câmbio que é tanto mais desigual quanto o
368 O projeto de cidade para os megaeventos Fernanda Ester Sánchez Garcia 369
capital detido – nos territórios onde se quer adentrar. Atualmente, é possível verificar ações têm suscitado4. Tal matéria teve forte impacto político na redefinição dos
disputas entre grupos e países representando a expertise internacional pela posição termos do conflito.
dominante no mercado de modelos de gestão e implementação de megaeventos. Na escala regional, dois laboratórios, representados por professores e estu-
As estratégias para exportar know-how por parte de consultores identifica- dantes de duas universidades federais, trabalham de forma articulada, sob deman-
dos com as chamadas “experiências de sucesso” constroem-se no campo simbólico, da e em apoio a essa comunidade, na produção conjunta de um Plano Popular de
onde o que está em jogo é o poder propriamente político de afirmação de compe- Urbanização. Tal iniciativa está fundamentada numa ideia de cidade onde a perma-
tência e autoridade frente aos demais proponentes no mercado de consultoria e nência de um bairro popular, bem ao lado do futuro Parque Olímpico, tem um efeito
expertise internacional. Tais estratégias de circulação de modelos de cidades em um simbólico significativo na luta pelo controle e apropriação do espaço urbano. Exem-
mercado mundial tomam a forma discursiva, mas têm efeitos políticos, pois subme- plos como esse acontecem também em outras cidades brasileiras, assim como em
tem as cidades às novas modalidades de valorização do capital. cidades e metrópoles de outros países, onde o modelo de reestruturação urbana
O espetáculo urbano das cidades onde vêm sendo implantados grandes pro- por meio da celebração de grandes eventos esportivos tem sido abraçado.
jetos constitui, pois, um símbolo de renovação e também um potente instrumento É preciso, porém, avançar muito ainda para desvendar os processos de produ-
de legitimação e de coesão social, que vem sendo acompanhado de ações espe- ção e difusão desse modelo, para encontrar seu conteúdo e natureza e, sobretudo,
cíficas destinadas a aumentar o grau de satisfação dos citadinos com os objetivos reconhecer com clareza um conjunto de agentes que os operam e que reivindicam
de tal projeto. Desse modo, reinventar a cidade em sua era olímpica, por exemplo, sua condição dominante em diversas instâncias e escalas. Tais processos podem ser
implica reconstruir sua imagem buscando corrigir percepções negativas da audiên- interpretados como contraditórios, com perdedores e ganhadores. Também como
cia nacional e internacional. Tais esforços recaem em imagens estereotipadas que oportunidades chave para um rearranjo das coalizões em torno dos projetos de de-
recortam os territórios da cidade de modo seletivo. Liderada pelas elites políticas e senvolvimento, para obter ganhos significativos em seu poder de classe. Em suas
econômicas, esta reinvenção reflete uma visão particular da sociedade, fragmenta- fissuras também se apresentam como oportunidades para ampliar o debate, desna-
da, distorcida e simplificada e, portanto, excludente. turalizar visões dominantes e identificar a emergência de conflitos que desafiam os
A opinião pública, contaminada pela política-espetáculo, pela publicidade projetos e sua economia material e simbólica.
oficial, ainda está pouco consciente das múltiplas dimensões econômicas, sociais,
políticas e urbanas do engajamento da cidade do Rio de Janeiro na “aventura olím-
pica”. No entanto, encontramos diversas expressões do conflito urbano protagoni- Referências bibliográficas
zadas por atores que contestam a ordem dominante, em novas redes e organiza-
ACSELRAD, Henri. Vigiar e unir: a agenda da sustentabilidade urbana. In: A Duração das
ções que disputam projetos de cidade assim como os sentidos das transformações.
Cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. 2ª. Edição. Rio de Janeiro:
Importante destacar que tais atores e redes que expressam o conflito têm se articu- Lamparina, 2009.
lado em múltiplas escalas, o que em determinados casos fortalece suas lutas pelo
BIENENSTEIN, Glauco. Globalização e Metrópole: a relação entre as escalas global e local: o
controle do espaço. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Anais IX ENAnpur, 2001.
Caso emblemático é o da Vila Autódromo, bairro popular contíguo à área
Broudehoux, Anne-Marie. Spectacular Beijing: the conspicuous construction of an
onde será o Parque Olímpico, cuja comunidade e lideranças, diante das ameaças Olympic Metropolis. Journal of Urban Affairs, vl.29, number 4, 2007, pp.383-399.
de remoção, têm buscado, para além da esfera local, formas de enfrentamento da
. The Making and Selling of Post-Mao Beijing.London: Routledge,
política urbana dominante, em ações comunicativas e políticas inscritas em diver- 2004.
sas instâncias e escalas: Comitê Popular da Copa e Olimpíadas, de âmbito local e
DEBORD, G. La Sociedad del Espectáculo. Buenos Aires, La Marca Biblioteca de la Mirada, 1995.
nacional, plataformas internacionais de direitos humanos e de direito à habitação,
Horne, J. &Manzenreiter, W. Sports mega-events. Social scientific analyses of a global
como a Dhesca e a Relatoria Internacional da ONU para a Moradia Adequada, mídias
phenomenon. Oxford, Blackwell Publishing, 2006.
alternativas e redes sociais, onde circulam vídeos e notícias acerca do conflito e, até
LEFEBVRE, H. La vie quotidiennedans le monde moderne. Paris, Gallimard, 1968.
mesmo, a grande mídia, com matéria assinada no New York Times, publicada em
março de 2012, na qual um jornalista norte-americano faz menção direta ao caso, LIMA JUNIOR, Pedro Novais. Uma estratégia chamada “planejamento estratégico”.
para exemplificar a política oficial de remoções assim como os conflitos que tais
4. Romero, Simon. “Slum Dwellers are defying Brazil´s grand design for Olympics”. The New York Times, 4 de março de 2012.
370 O projeto de cidade para os megaeventos Fernanda Ester Sánchez Garcia 371
Deslocamentos espaciais e a atribuição de sentidos na teoria do planejamento urbano.
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2010. A cidade dos megaeventos como
laboratório neoliberal
MABIN, Alan. Thinking the complexities of Mega-events in cities, 2010 and after. Conferência
Internacional Megaeventos e Cidades. IPPUR-UFRJ e PPGAU-UFF. Niterói, Universidade
Federal Fluminense, 2010.
MARTINS DA CRUZ, Marcus Cesar. Do Mississipi Carioca ao Estádio Voador. Forjando espaços de
legitimação na indiferença. Dissertação de Mestrado, PPGAU-UFF. Niterói, 2010.
Christopher Thomas Gaffney
MASCARENHAS, G.; OLIVEIRA, L. D. de. 2006. “Adeus ao proletariado?”: A dimensão simbólica
do estádio da cidadania (Volta Redonda – RJ / Brasil)”. In: Revista Digital – Buenos
Aires 11/101.Disponível em <http://www.efdeportes.com>.
Resumo | Ainda que as estruturas econômicas e políticas do Brasil tenham se estabilizado
MASCARENHAS, Gilmar; BIENENSTEIN, Glauco; SÁNCHEZ, F. O Jogo Continua. Megaeventos e
durante 25 anos e o país tenha assumido uma postura cada vez mais importante no cenário
Cidades. Rio de Janeiro: EDUERJ e FAPERJ, 2011.
global; durante esse processo, as tendências dominantes no neoliberalismo, na política e
OLIVEIRA, Alberto; OLIVEIRA, A. “O emprego, a economia e a transparência nos grandes
na economia global foram sendo reproduzidas dentro de um contexto de um estado que
projetos urbanos”. Artigo apresentado no II Encontro ETTERN-IPPUR-UFRJ,
“Globalização, Políticas territoriais, Meio Ambiente e Conflitos sociais”. Vassouras, RJ, tradicionalmente limitou as possibilidades de reprodução do capital financeiro. Enquanto
2009. as transições a neoliberalismo numa escala nacional são desiguais e contraditórios, é dentro
dos contextos urbanos que as coalizões de interesses politicos e econômicos transformam
OLIVEIRA, Fabrício; LIMA JR, Pedro N et al. Grandes projetos urbanos: panorama da
experiência brasileira. Belém: Anais XII ENAnpur, 2007. o espaço e as relações sociais de forma mais aguda. A chegada dos Mega Eventos Esportivos
(SMEs) nas cidades brasileiras acelerou e cristalizou esses processos, em particular no rio de
OLIVEIRA, Fabrício; LIMA JR, Pedro Novais; VAINER, Carlos. Notas metodológicas sobre
a análise de grandes projetos. In: OLIVEIRA, Fabrício; CARDOSO, Adauto; COSTA, Janeiro que receberá a Copa do Mundo da FIFA de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Esse
Heloisa Soares de Moura; VAINER, Carlos. Grandes projetos metropolitanos. Rio de capítulo examinará o papel desses eventos na cidade do Rio de Janeiro e como suas estrutu-
Janeiro e Belo Horizonte. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2012. ras políticas, econômicas, sociais e fiscais são reestruturadas durante os mesmos.
PRIETO, Gustavo; VIANA, Juliana. “Há-háhu-hu o Maraca é nosso”: uma análise do espaço Abstract | As Brazil’s economic and political structures have stabilized over the past quar-
público e das territorialidades do Estádio Jornalista Mário Filho (Maracanã). In: Berlin, ter century, the country has assumed an increasingly important role in global affairs. During
NeueRomania39 (2009), p. 95-105.
this process, the dominant trends towards neo-liberalism in the global political-economy
SÁNCHEZ, F. A Reinvenção das Cidades para um Mercado Mundial. Chapecó: Argos, have been reproduced within the context of a Brazilian state structure that has traditionally
UNOChapecó, 2ª. Edição, 2010.
limited the reproduction of finance capital. While transitions to neo-liberalism at the nation-
SÁNCHEZ, F. “Aldeia Maracanã: é assim que se faz uma Copa?”. In: PeriódicoBrasil de Fato, al scale are uneven and contradictory, it is within particular urban contexts that coalitions of
Disponível em: <www.brasildefato.com.br>. Acesso em: sexta-feira, 5 de abril, 2013.
political and economic interests transform space and social relations. The arrival of a series
SHORT, John. Globalization, cities and the Summer Olympics. City, Publisher: Routledge, Vol 12. of Sports Mega-Events (SMEs) has accelerated and crystallized these processes in a number
Nº 3, dezembro de2008.
of Brazilian cities, including Rio de Janeiro, which will serve as a host to both the 2014 FIFA
STAVRIDIS, S. Athens 2004 Olympics: Modernization as a State of Emergency. Conferência World Cup and the 2016 Olympic Games. This paper will examine the role that Sport Mega-
Internacional Megaeventos e a Cidade. IPPUR-UFRJ e PPGAU-UFF. Niterói, 2010.
Events are having on the city of Rio de Janeiro as its political, economic, social and physical
SWYNGEDOUW, Erik; MOULAERT, Frank; RODRIGUEZ, Arantxa (Eds). Globalized City. Economic structures are shaped in the lead up to the events.
Restructuring and Social Polarization in European Cities.Oxford University Press, 2003.
Resumen | Aunque las estructuras económicas y políticas de Brasil se han estabilizado des-
VAINER, C. “Pátria, empresa e mercadoria. Notas sobre a estratégia discursiva do
de hace 25 años y el país ha adoptado una postura cada vez más importante en el escenario
planejamento estratégico urbano”. In: ARANTES; VAINER; MARICATO. A cidade do
pensamento único. Desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, 2000. mundial; se da que durante este proceso, las tendencias dominantes en el neoliberalismo, la
política y la economía mundial son reproducidas en el contexto de un estado que tradicio-
. Cidade da Exceção. Conferência Internacional Megaeventos e a Cidade. IPPUR-UFRJ
e PPGAU-UFF. UFF, Niterói, 2010. nalmente ha limitado las posibilidades de reproducción del capital financiero. Mientras que
las transiciones neoliberales a escala nacional son desiguales y contradictorias, es dentro de
374 A cidade dos megaeventos como laboratório neoliberal Christopher Thomas Gaffney 375
Shock and Awe – the tactics, techniques, into global circuits of capital accumulation – failure to capture these events can be
considered equivalent to failing to eliminate the competitive threat posed by other
and discourses of “war.”3
cities. Eliminating threats to the nation is a justification for war. The public relations
firms argue for the preservation of the nation/city using manufactured evidence,
As Hayes and Horne (2011)and Gaffney (2010) have suggested, the production
WMDs in the case of Iraq; the risk of losing short, medium and long term economic
of the mega-event city is akin to the imposition of neo-liberal economic and po-
benefits to other cities in the case of the Olympic host.
litical regimes through what Klein (2008) calls “shock doctrines” – tactics employed
Thirdly, the Iraq War was conceived, designed, and implemented with the co-
by sovereign powers to erase and remake the world in the image of global capital.
operation and collaboration between the public and private sectors. The end effect
While investigating autocratic and rapacious regimes of accumulation, Klein out-
is to created the conditions through which the external agent can attach itself to
lines a process of dismantling and re-constructing sovereign states through force of
the host in a nearly biological manner, stay for a time while wealth and power are
arms and techniques of terror. When considered in this context, the conceptualiza-
drained, and the leave after the war is over. We see this parallel between the Iraqi
tion, selling, implementation, and realization of SMEs in Brazil are revealed as tac-
invasion and the way that FIFA and the IOC are operating in Brazil. USA Vice-Presi-
tics and techniques that work to install a neo-liberal model of social and economic
dent Cheney had recently served on the board of directors of one of the companies
development in a particular kind of urban space. In order to explore this possibility
(Halliburton) that stood to benefit the most from war contracts and then-president
further, I examine a paradigmatic example of the doctrine of shock and awe4, draw-
G.W. Bush had long standing ties to the petroleum industry. Similarly, Rio’s Mayor
ing five parallels between that “war” and the implementation of SMEs in Brazil.
Eduardo Paes has had his campaigns financed by real-estate developers and con-
Firstly, the Iraq war was “sold” by a public relations firm (The Rendon Group)
struction interests in the Barra de Tijuca neighborhood, the site of 70% of Olympic
in tight collaboration with public authorities. This is comparable to the production
infrastructure development. Rio de Janeiro’s current governor, Cabral had his extra-
of the Rio 2016 Olympic Bid Book and global media campaign by the MacKensie
official relationships revealed with Delta, one of Brazil’s biggest civil construction
Group who worked with elected officials and the Brazilian Olympic Committee
firms and former-president Lula has close personal connections with Odebrecht, an-
(COB). The similarities in manufacturing consent for the different projects are strik-
other large-scale civil construction firm that has been a primary beneficiary of SME
ing in that both reveal some form of geo-political competition, offer distinct eco-
construction projects (Omena 2013).
nomic and social outcomes, and are carried off under “the voluntary creation of a
Fourthly, a parallel can be observed between the installation of a temporary,
permanent state of emergency” (Agamben 2005)manufactured by public authori-
extra-legal government, or as Agamben describes, “a threshold of indeterminacy
ties in conjunction with a public relations firm. Contrary to the bombing campaigns
between democracy and absolutism” (2005, 3). In the case of Iraq, the Coalition Pro-
of full-scale invasions, in the case of mega-events, it is the mediated euphoria of
visional Authority (CPA) revoked the Iraqi constitution and imposed a series of laws
conquest that functions as the awe-inducing element that opens the way for the
that privileged foreign oil-exploration firms, dissolved the Iraqi army, banned the
deployment of a series of shocks.
Baath political party, and brokered a new constitution(Docena 2005). The state
Secondly, the Iraq invasion was predicated upon the notion of an existential
of emergency that the invasion generated justified this intervention. This ex post
threat to the nation vis a vis manufactured evidence of Weapons of Mass Destruc-
facto rationale has also been applied in Brazil, where a series of extra legal institu-
tion. If this threat were not eliminated, according to the official rationale, the nation
tions (such as the Autoridade Público Olimpico and the Empresa Municipal Olim-
would be at risk. Similarly, notions of civic and national patriotism are continually
pica) were created by executive orders and wield extraordinary power over decision
in play in the preparation of an Olympic bid. The idea of “competitive cities” (Sán-
making processes that would ordinarily flow through democratic channels. Agam-
chez 2003) has created a permanent, existential risk to the prosperity of cities in the
ben describes the state of confusion between acts of executive power and acts of
minds of public officials. Mega-events have become prized tools for inserting cities
legislative power as “one of the essential characteristics of the state of exception.”
This confusion extends to all levels of government in Brazil in relation to SMEs. In
3. I put war in quotations here because there is some dispute about the accuracy of this term in the cases that I will
explore. In the case of USA-Iraq, the nearly complete absence of resistance on the part of the Iraqi army and the rapid both cases, Iraq and Brazil, the notion that new governance regimes and their at-
capitulation of the government suggests that there was no effective fighting force for the USA to overcome. Without tendant laws are necessary, inevitable and temporary interventions bellies the fact
opposition, can there be war? In the case of Rio, the tactics and techniques of military occupation are similar to those
of conventional war, or counter-insurgency conflicts, but there is no identifiable enemy. that the conditions that brought them into reality and the risks that they attend to
4. The opening operation of the USA’s 2003 invasion of Iraq was named “shock and awe”. The action consisted of a are wholly manufactured.
three-day bombing campaign designed to terrorize the Iraqi population while eliminating strategic military targets.
376 A cidade dos megaeventos como laboratório neoliberal Christopher Thomas Gaffney 377
Finally, the installation of temporary regimes of governance through tactics Tracking down the Games
of “shock and awe” has as an end goal the re-formulation of social, spatial, political,
and economic relations in the neo-liberal mode5. Following Klein, once the shock The use of mega-events to transform space and social relations has a long
has worn off, individuals and communities are either too traumatized to respond, history in Rio de Janeiro (Furtado and Resende 2008; Gaffney 2010;). Always with
have become anesthetized and passive, or have woken up under a new suite of laws the intention of transforming the city to reflect the ideological directives of the
(such as the Lei Gerald a Copa) that they are powerless to fight against as normal time, large scale interventions to the city have punctuated the urban fabric with an
channels of governance have been eliminated. There is scant representation of uneven periodicity.
civil society organizations within Olympic-related governing bodies. Those who The political leadership of Rio de Janeiro began their quest to capture global
actively resist the new regime are characterized as insurgents by public authorities sport mega-events in the mid 1990s with a bid for the 2004 Olympic Games. In an at-
and media. The new laws create categories of offenses that previously did not exist tempt to replicate the perceived successes of the 1992 Barcelona Olympic Games as
For instance, there is a law under consideration in the Brazilian Senate that would a catalyst for urban, cultural, and economic transformation, then-mayor Cesar Maia
characterize social movements as terrorist organizations during the realization of hired Catalan consultants to develop Rio’s first “strategic urban plan”, published in
SMEs (PROJETO DE LEI DO SENADO, Nº 728 de 2011). There is currently no crime of 1995 (Gusmão de Oliveira 2012). The 1995 Strategic Plan laid out a framework for
terrorism in the Brazilian legal code. Once the political and economic interventions urban governance that would make the city “competitive” by employing the strate-
have been fully executed, the temporary regime disappears. In the case of the CPA, gies of city-marketing, the implementation of large urban renewal projects, and the
the re-structuring of Iraq’s economy from centralized planning to the neo-liberal pursuit of a political economy based in urban entrepreneurship. As a component of
mode was effected in 14 months, after which the CPA ceased to exist. Brazil’s APO this strategy, Rio de Janeiro submitted a bid for the 2004 Olympics but did not make
is scheduled to expire in 2018, or sooner, depending on the will of the Conselho it past the aspirant stage. The big prize was clearly some years away. Following these
Público Olímpico, a three-person executive tribunal headed by the Brazilian presi- failures, COB employed the experience of their Olympic applications to secure (in
dent, the Rio Governor and the Rio mayor (or their representatives). The techniques, 2003) the right to host the 2007 Pan American Games (PAN).
tactics, and processes of “exception” are also being applied in the eleven other cities The process of preparing Rio de Janeiro to host the PAN was fraught with
that will host the 2014 FIFA World Cup. In the case of Rio de Janeiro, the situation is difficulties. Originally projected to cost R$330 million, the PAN eventually ran ten
particularly worrisome as the multiple, overlapping layers of temporary governance times over budget and resulted in multiple law suits brought by the Brazilian federal
have poorly defined directives. government against members of the organizing committee. The PAN organizing
While the analogy between invading a sovereign nation and the arrival of committee failed to deliver any “legacy” projects and left behind multiple “white
a SME may initially seem far-fetched, there are so many parallels that the thread is elephants”(Gaffney and Melo 2010). Several neighborhoods experienced traumatic
worth following. In the case of Rio de Janeiro, the awe generated by the manufac- invasions by Military Police and on the eve of the PAN, as many as 40 people were
turing and production of the Olympic spectacle have served as a significant distrac- killed by a police action in the Complexo do Alemão, one of Rio’s largest favela
tion while a series of shocks are applied throughout the city. While it is true that the complexes. In addition to increased police activity, civil rights were under threat as
city government and Rio 2016 sought out these events, their realization necessitates human rights lawyers came under threat and intimidation. During the PAN, 17,000
the same kind of tactics of shock and awe that occur in military conflict. Instead police concentrated in strategic Pan American zones, guaranteeing fluid circulations
of trauma, the shock and awe are experienced as mediated spectacle. The festive for athletes, dignitaries and tourists. The federal government spent more than R$1.6
shocks are soon replaced by economic, political and social interventions justified by billion on security for the event(Mascarenhas 2007; Gaffney and Melo 2010).
the delivery horizon of the Olympic project. In order to make sense of the conjunc- The hosting of the PAN was hugely problematic, but gave Rio’s political and
ture in which the shock is applied, the urban, political history of the event needs to sporting elite valuable experience in organizing a SME and credibility in the eyes of
be explored. the IOC. Shortly after the PAN, FIFA awarded the 2014 World Cup to Brazil. 6 It was in
5. I understand the neo-liberal mode of governance to be a suite of techniques and tactics that aim to isolate the indi- late 2007 that the 2016 Olympic bid project began to coalesce.
vidual in relation to market forces, reduce the role of the state in the provision of basic social services, and that “public
authorities will only intervene in the economic order in the form of the law”(Foucault,2010). There is no universalizing
description of neo-liberalism but it can be considered a a political philosophy that assumes the “market is better than 6. The 2014 World Cup was essentially the awarding of a no-bid contract, as FIFA had temporarily instated a continental
the state at distributing public resources and that there should be a return to an individualism that is ‘competitive’, rotation system for the event, promising a South American host the World Cup after South Africa 2010. Brazil was the
‘possessive’, and constructed in terms of the doctrine of ‘consumer sovereignty’” (Ong 2006, 11). only candidate put forward by CONMEBOL, the South American football confederation.
378 A cidade dos megaeventos como laboratório neoliberal Christopher Thomas Gaffney 379
The growing international political stature of Brazil and the rightward shift ment which the World Cup and Olympics promised to multiply (“Proposta Estraté-
in governance tactics on the part of the Brazilian Worker’s Party (Partido dos Trab- gica de Organização Turística – Copa 2014” 2009). Additionally, Rio had not experi-
alhadores), as well as the importance of Rio de Janeiro in the collective imaginary enced the kind of real-estate bubbles that crippled the Spanish and USA economies
of the nation, helped to build strong political alliance between the PT, the Rio de in 2008. To the contrary, the Brazilian state was subsidizing housing projects and in
Janeiro State governor, Sergio Cabral, and Rio’s mayor Eduardo Paes.7 These three Rio de Janeiro had embarked upon an aggressive new security strategy (UPP) that
combined with the COB and the federal Ministry of Sport to produce a unified politi- was opening areas of the city for investment.
cal front and to guarantee a limitless budget to bring the Olympics to Rio. This multi- The state and federal elections of 2010 maintained the hegemonic political
scalar political consensus hugely favored Brazil’s candidature. For the IOC, having structure that brought the Olympics to Rio. At the municipal level, the mayor enjoys
the full weight of the Brazilian state behind the 2016 Olympics was likely a determin- almost complete control over the city council and has repeatedly used executive
ing factor in the awarding of the 2016 Summer Olympics8. President da Silva, one of orders to carry out SME-related projects. The close relationships between Arthur
Rio 2016’s major cheerleaders, signed a R$33 billion financial guarantee that would Nuzman, the long-time President of the COB, and the political actors controlling the
underwrite the Rio Olympics. city and state governments and the federal Ministry of Sport have facilitated and
Two additional factors that likely contributed to the selection of Rio de Ja- accelerated these projects.
neiro as 2016 Olympic host were the relatively high opportunities for an “Olympic The urban, political, financial and social interventions associated with Rio’s
legacy” when compared to the other candidates and the unparalleled opportunity SMEs are too extensive to be explored here. In what follows I offer a means of con-
to extract surplus value from the event. The IOC is a purely self-referential institu- ceptualizing the way that the city is discursively framed by the SME project. These
tion, yet it is naive to think that the selection of Olympic sites can be separated from discourses, I suggest, have material effects in that they call into being new spaces
accumulation strategies(Shaw 2008; Horne and Whannel 2012). In the wake of of interaction. As reflections of the desires of those who create and project them,
the lavish Beijing Olympics and the onset of a global financial crisis, the organizers urban imaginaries are fundamental to the production of space (Lefebvre 1973).
of the 2012 London Olympics were quick to limit expectations and justify what sud-
denly appeared to be extravagant public spending on the Games. As the global eco-
nomic crisis worsened in the lead up to the vote for the 2016 Olympics (in October Olympic Imaginary
of 2009), residents and politicians of Madrid and Chicago began to resist publically
their city’s candidatures, citing the need to spend increasingly scarce funds more The production of geographic imaginaries has long influenced the way that
pragmatically. This was not the case in Rio de Janeiro, where public resistance was individuals envision possible futures. The extensive literature on the use of maps
fragmented and the “Brazilian boom” ensured fiscal profligacy. The Rio 2016 budget, and images to influence human perception of the world has yet to formally take the
at R$33 billion, was greater than all of the other candidates combined and promised production of the Olympics as a subject, but it is clear that the theoretical models
to generate “urban and social legacies” that would forever place the Olympic seal and analyses undertaken by Harley (1989), Cosgrove and Daniels(1989) and Duncan
on the city. (2005)but that they also influence governing ideas of political and religious life. He
In addition to (and perhaps because of) massive public investment in the analyzes this dialectic relationship between landscape and the pursuit of power in
games, the opportunities for private capital to multiply in Rio de Janeiro were great- the royal capital of Kandy in the central highlands of Sri Lanka during the early years
er than in other candidate cities. With three levels of government investing tens of of the nineteenth century and demonstrates how the Kandyan landscape was con-
billions in transportation infrastructure, subsidizing hotel development, sporting fa- sciously produced to further the perceived interests of the Kandyan kings. Using
cilities, security projects, “urban regeneration” and Olympic housing projects, there extensive archival sources, architectural analysis and mapping, the author reveals
would be opportunities for civil engineering and construction firms to profit.9 The how the landscape was designed to foster a certain hegemonic reading that spoke
growth of the Brazilian economy had already attracted significant foreign invest- of the power, benevolence and legitimacy of the kings in their capital.”, can also be
applied to the way that Olympic candidate cites10 represent urban space and culture.
7. Elected in 2009, Paes had worked under Cesar Maia since the mid 1990s and served as Rio de Janeiro’s Secretary of Understanding these representations is important because they reflect the desires
Sport and Leisure during the PAN.
8. I suggest this is important because the Obama administration was not willing to provide a federal financial guaran-
tee and Obama himself only agreed to support the Chicago bid after significant prodding. 10. There are three stages of candidature along the way to becoming an Olympic Host: postulant (within the country),
9. By contrast, the second place candidate, Madrid, had more than 70% of Olympic infrastructure already in place. aspirant (global), candidate (final round).
380 A cidade dos megaeventos como laboratório neoliberal Christopher Thomas Gaffney 381
of local bodies, often elites, to re-shape urban space, speak to the perceived and tions and independent governance structures. These interventions are in part fos-
actual demands of international sports federations and drive urban planning agen- tered by the International Olympic Committee in every Olympic host city, but they
das in host cities. have local manifestations that articulate with situated political and economic inter-
During the hotly contested and wholly global competition to capture SMEs, ests. In particular, I call attention to the constitution of extra-legal governmental
candidate cities and nations present highly specific representations of urban space agencies that are tasked with the re-articulation of urban space. Research has identi-
and culture to international sports federations and to local populations. SME bids fied that at least 50 new governmental agencies were established for the 2014 World
are, by their very nature, discursively driven representations of a possible urban Cup (Omena 2013, Gusmão de Oliveira 2012)
future. Once the contracts are signed and the projects begin, discourses of develop- Though complex, we can also assert that an OI that is fragmented and pre-
ment, transformation, security, and sport take physical form on the landscape as scribed in its portrayal of urban space, using broad strokes to paint a highly selective
the Olympic city11 grows. The Olympic contract is the driving force behind the in- image that resonates with the spatial and social demands of the IOC as perceived
numerable transformations that “prepare” a host. Investigations into the processes by the candidate city. An OI employs discursive structures that are connected to the
through which the existing spaces of the city will be bent to the demands of a SME larger ideological narratives of the IOC. Those narratives are contained within the
reveal innumerable latent and potential conflicts that are elided in the event pro- IOC charter, but also utilize a neo-liberalizing, market-driven discourse that attends
moters’ (Olympic Federations, Business, Government and Media) representations of to the social, political, and spatial exigencies of international capital. Thus, Olympic
the city. Imaginaries utilize shorthand mechanisms to relay discursively laden ideas that are
The interrelated processes of representing and reshaping urban space in an inextricably connected to narratives of development and modernity. These imagi-
Olympic City begin ten years before the event itself with a tactical projection of naries are wrapped within the politically neutered discourse of sport as a means of
urban images and spatial tropes to the International Olympic Committee. These creating a universalizing context that further justifies large-scale urban interventions.
same processes “sell” an urban project to investors and residents. The spatial imagi-
naries, or geographies of representation (Bailly 1993), of the candidate city are con-
tained within the Olympic Bid Book (OBB), which is typically produced by a global Discourse Analysis
public relations firm in conjunction with the national Olympic committee of the
prospective host. These images and text of the OBB draw from and place demands One of the mechanisms for unpacking the narratives of an Olympic Imaginary
on urban space, its residents, and its visitors. I refer to the complex set of images is through a critical textual and visual discourse analysis of the bidding documents.
produced and projected in the Olympic candidature process as the Olympic Imagi- The underlying assumption of a critical discourse analysis is that gross word counts
nary (OI). will reflect priorities and targets, revealing trends and biases(Chouliaraki and
An OI is extensive in that it includes thousands of urban, political, financial, Fairclough 2010).
and social interventions that extend across the Olympic City: venues, transportation The following is an analysis of the English language Rio 2016 Olympic Bid
lines, athletes’ and officials’ housing, hotels, tourist sites, financing packages that Books. The words were searched on the document pdfs and word counts recorded.
stimulate construction, new legislation, communications networks, airports, social Some root words such as sustain were counted only when deployed in the context
programs and security apparatuses. The urban and social interventions emphasize of sustainability. The exercise was repeated to ensure accuracy of the count. The un-
compactness and exclusivity, limiting travel time between venues for spectators, derlying assumption of the exercise is that word frequency will indicate discursive
athletes, officials, and media. The Olympic City is distinct from the real city of traffic directionality.
jams, long commutes, spatial fragmentation and disconnectivity. Rio 2016 Olympic Bid Book Discourse Analysis (english)
The architectural features of stadia and spatial characteristics of Olympic Vil- Word Book 1 Book 2 Book 3 Total
lages, media centers, and hospitality suites produce guarantee zones of exclusion Citizen 2 1 8 11
and spaces of exception for VIPs or the so-called “Olympic Family”. Games-related Transformation 20 7 11 38
financial and political interventions guarantee commercial rights, financial exemp- Education 27 11 5 43
Social 33 13 17 63
11. For the sake of simplicity I will refer to the mega-event host city as an “Olympic city”, maybe for extra clarity, also Culture 52 14 8 74
add in how this will be distinct from the usage of an Olympic Village and an Olympic Park.
382 A cidade dos megaeventos como laboratório neoliberal Christopher Thomas Gaffney 383
Sustain(ability) 84 21 16 121 elaborately produced, digitized, and fragmented. The final video (200915) shows
WORD BOOK 1 BOOK 2 BOOK 3 TOTAL almost no Olympic spaces as such, but plays on emotions and the “natural disposi-
Legacy 52 52 25 129 tion” of Rio de Janeiro to host the Olympic Games16. The images, music, and sounds
Infrastructure 54 30 57 141 are nostalgic, rhythmic and emotional, generating strong affectation in even the
Development 62 57 26 145 most calloused observer.
Client 43 27 84 154 The final Rio 2016 video presents a highly fragmented and selected urban
Environment(al) 134 34 29 197 imaginary. The motifs of music, leisure, water, mountains, bright colors, and collec-
Security 30 14 186 230 tive emotion are predominant. The movements of sport occur within a context of
As reflected in the analysis of the Rio 2016 Bid Book, I interpolate the priori- sensual urbanism that plays host to the rhythms of samba, producing a sense of
ties of the event organizers as providing infrastructure development and economic harmony between the cultural, urban, and physical worlds. This strategy shows the
opportunities for global clients in a highly securitized environment. These practices tele-visual potential of the city while demonstrating that Rio de Janeiro already pos-
and goals are justified through the vague notion of “legacy” and the hollow signifier sesses the requisite cultural characteristics that will attract international tourists and
of “sustainability”. The comparatively low usage of terms like citizen and education, global capital. Logically, no Olympic promotional video would show the underbelly
as well as the almost complete absence of references to participation confirm the of urban life such as poverty and pollution, yet the images selected for the video
well-documented trends in the production of Mega Events(Broudehoux 2007; encompass a staggeringly limited area of the city, playing on the iconography of
Bennett 2011; Pillay, Bass, and Tomlinson 2009). The relative presence or absence of landscape and culture with every scene.
words used to describe the Olympic project as contained in the bid book, I take to The choreography of geography and culture shown in the Rio 2016 video fol-
be an indication of the weight given to the concepts by the Books´ authors. While lows a limited and repetitive sequence. Following the action frame by frame we
the public discourse tends to focus on catch phrases that sell the project in terms of are presented with the following physical and cultural landscapes (with points indi-
legacy, it is by measuring the words that are employed and deployed that we get a cated on map).
more concrete sense of what the project is truly targeting. The highly fragmented and repetitive representation of urban space and
A comparative discourse of Olympic City Bid Books would be a fascinating culture plays on a generalized understanding of Rio de Janeiro as a city that has a
exercise and would reveal the shifting ideological positions of the IOC over time as certain disposition towards sport and leisure. The circumscribed geography of the
well as the ways in which those positions are perceived and attended to by candi- video reinforces a touristic and voyeuristic imaginary of Rio de Janeiro. This spatial
date cities. While readers may draw their own conclusions from the discourse analy- imaginary strategically employs the natural beauty (human and physical, not archi-
sis above, there are clear indications that the 2016 Olympics privilege clients over tectural) and naturalized cultures (sport, samba, beach, football) of Rio de Janeiro
citizens and security over education. to sell the city’s candidature. Ironically, the video does not show the Barra de Tijuca
The textual discursive structure deployed in the Rio 2016 OBB was reinforced region of the city that will receive the majority of Olympic events. This is likely be-
through a global media campaign (undertaken by The Mackensie Group) by Rio cause these areas of the city have never figured into the geographic imaginaries of
2016 to sell the Olympic Project to international audiences. These took the form of Rio de Janeiro. The iconographic landscapes of the city are concentrated exactly
video presentations as well as celebrity and political appearances in media events around the points shown in the video and thus play on the limited, yet sensualized,
staged around the world12. In the Rio 2016 candidature process we can identify a dis- geographic frame that the city has in global, geographic consciousness.
tinct evolution of the Olympic videos. Earlier videos (200713, 200814) were relatively There is a second video component of the games that is more technically ori-
simple, technical representations of the “Olympic potential” of Rio de Janeiro. They ented towards Olympic installations, showing the infrastructural details of the OC.17
showed the bare bones of the Olympic City: transportation infrastructure, sport in- This longer video sequence utilizes simulated flights over the city that obfuscate
stallations, hotels and security. As the video projects evolved, they became more contemporary urban realities. For instance, in the fly-over of the projected Olympic
12. For instance, in October of 2008 the Brazilian beach volleyball champion Adriana Behar accompanied the president 15. http://www.youtube.com/watch?v=Z00jjc-WtZI&feature=related
of Rio 2016 on a marketing trip to Indonesia (terra.com.br) 16. A common refrain in Olympic literature regarding the Rio 2016 bid was that Rio de Janeiro, because of its extraordi-
13. http://www.youtube.com/watch?v=hRRJ9x1t9pI nary physical setting, has a natural disposition for athletic events.
14. http://www.youtube.com/watch?v=SUiSjSqhpFA 17. http://www.youtube.com/watch?v=G5X5IuB2Y8g
384 A cidade dos megaeventos como laboratório neoliberal Christopher Thomas Gaffney 385
geography. Looking at the representation of this region in the Rio 2016 map, the
Maracanã circle appears to occupy a 13km diameter, when the Maracanã region of
the games is comprised of two stadiums that together encompass less than a 3km
diameter18. This spatial exaggeration makes it appear as if the Olympic clusters are
closer to each other than they actually are, giving the transportation plan a feel of
coherence, compactness and fluidity that does not concord with the dysfunctional
reality of Rio de Janeiro’s public transportation system(Kassens-Noor 2012; “TCM
Questiona a Licitação Dos Ônibus Do Rio” 2012; “Sem Transporte Para Minha Casa
Minha Vida” 2013; “Turistas Sofrem Com Falta de Informação No Metrô” 2012; “Trens
Ainda Longe de Oferecer Transporte de Primeira Linha” 2013; Oliveira 2009a).
To compound the erroneous notion of the city presented in the Olympic
map, the metropolitan area as a whole is not considered. When overlaid onto the
metropolitan region, the Olympic City covers the wealthiest areas that are relatively
well served by public transportation, environmental, and recreational amenities.
By comparing the Rio 2016 map with the larger metropolitan area, there is no pre-
tense of extending the transportation legacy(for example) to include the millions
Map 1 Localization of video sequence shown in Rio 2016 Olympic Video (2009).
of people living in dozens of cities that surround the Rio de Janeiro city limits and
concentration in Barra de Tijuca, the communities that currently occupy this space the Bay of Guanabara. For instance, there will be no extension of the ferry lines that
(and have so for 40 years in the case of Vila Autódromo) are cleaned from the map. connect the cities of São Gonçalo and Niteroi, with their combined population of
The years’ long struggle for housing rights for many of Rio’s communities in Olympic 1.5 million to Rio de Janeiro’s city center. The 2016 Olympic vision might “include all
regions do not figure in the projection of the OI, though they are an integral part of sports in the same city” (as written on the map)but will ensure that those who live
the daily life of Rio de Janeiro – and will be an important and controversial element outside of the Olympic City will have radically uneven access to those sports, both
in the production of the Olympic City, especially in relation to security and housing during and after the Games.
policy. The simulacra of urban reality presented by the Rio 2016 videos presages the
work of sterilizing and securitizing urban space that will, in the real world, be carried
out by bulldozers, legal actions, and police forces.
Returning to the Rio 2016 OBB and the cartographic projection of the OI, we
can identify a misrepresentation of urban centrality and a false sense of connectivity
between newly demarcated Olympic clusters. The Olympic City is notably distinct
from the real city in that it focuses on Barra de Tijuca where the majority of the
Olympic projects will take physical form. The Olympic City is disconnected from its
metropolitan context, and is represented as an interlocking network of four Olym-
pic zones connected by homogeneous transit networks. The encircling of Olympic
zones gives the impression that vast areas of the city will be given over to Olympic Map 2 The Rio 2016
production, when in reality the areas that will undergo direct physical transforma- Olympic Map. Misre-
presentation of fluidity,
tion in preparation for the Olympics are quite limited when considering the city as connectivity and urban
a metropolitan area. centrality.
The Maracanã region focuses on the stadium of that name, which will host
the opening and closing ceremonies and games for the Olympic football tourna- 18. Naturally, the stadiums have urban impacts that extend beyond their physical structures, however,the cartographic
extension of the Maracanã cluster to extend to areas like the Ilha do Fundão or the Alta do Boa Vista is disingenuous
ment. This region is considered to be a central area in the context of Rio`s larger at best.
386 A cidade dos megaeventos como laboratório neoliberal Christopher Thomas Gaffney 387
The Olympic City as neo-liberal laboratory nouncement of Rio de Janeiro as the 2016 Olympic host and four years after the 2014
World Cup announcement the details of how these parallel governments will func-
I have outlined a general trajectory for the realization of SMEs in Rio de Janei- tion have yet to be fully understood19. This is an indication of the shroud of secrecy
ro and Brazil. The effects and processes by and through which these events unfold that covers these institutions and should serve as an alert to Brazilian civil society.
are too complex for any one person to understand fully, much less relate in a brief SMEs demand and call into being spaces of exception in which credentialed
paper. It should be evident that SMEs do not and cannot happen without specific individuals can move freely within a universalizing regime of isolation and belong-
political interventions that contravene existing laws, creating cities and states of ing. The division between included and excluded therefore pertains to people as
exception that re-structure legal, spatial and social relationships with the goal of much as it does to the spaces they inhabit (or not). This duality embeds the, “territo-
accelerating capital accumulation in the neo-liberal mold. These interventions are riality of citizenship…in the territoriality of global capitalism” (Ong 2006, 7) dislocat-
autocratic, instilling a state of emergency that is justified by the war-like approach ing the guarantee of rights by and from the state to the provision of rights by and for
of the institutions and people that imagine and produce them. the market.
I have demonstrated how the Rio 2016 project employed tactics of shock and The restructuring of space and social relations in Brazil is not happening be-
awe to stage the city as a laboratory for various forms of neo-liberal bio-politics. cause of mega-events but in service to the shifting processes of capital accumulation
To underscore this point, since 2009 the municipal government has run a program in which they are embedded. The spatio-temporal periodicity of SMEs makes them
called Choque de Ordem (shock of order).This “zero-tolerance” program targets particularly apt mechanisms for evaluating the most recent manifestations of the
minor infractions in the Zona Sul of Rio de Janeiro: irregular parking, street vending, larger trends in global, national, and metropolitan political economies. Brazil’s SME
non-permitted construction, minor drug offenses, sleeping on the street, public uri- cycle can be understood as a catalyst for the more complete implementation of the
nation. The goal is to “shock” people into full compliance with the law in a city that techniques and tactics of neo-liberalism that are following global political and eco-
has historically been very lax about enforcement. This can be considered a long- nomic tendencies. The cities where SMEs occur have become laboratories for the
term re-education process that is intended to “clean” the city for presentation to spatialization of a new bio-politics.
international audiences. For larger urban operations, the military forces that invade It is important to note that neo-liberalism is more than just a political and eco-
and occupy favelas have the word CHOQUE (shock) emblazoned on their vehicles nomic philosophy. It should, according to Ong, also be considered a “set of technolo-
and uniforms. gies of governance: the establishment of political exemptions that permit sovereign
The Olympic Imaginary, as I have described it, attends to the specific and in- practices and subjectifying techniques that deviate from the established norm”
vented demands of the event while projecting a utopian vision of an Olympic urban (2006, 12). These technologies should be studied as techniques of surveillance and
future. Through my analysis of the Olympic bid books, I have demonstrated that control that, “are both mobile and calculative” and can be “decontextualized from
the OI is predicated on the discursive frameworks of capital accumulation and neo- their original sources and recontextualized in constellations of mutually constitutive
liberal governance that are propagated by international sports federations and their and contingent relationships” (ibid, 13). It is also important to note that neo-liberal-
corporate partners. The international agreements that set these events into motion ism in Brazil has specific and contradictory characteristics and that trends at the na-
are the antithesis of democratic, long-term city planning. The overdue restructuring tional level are not necessarily reproduced at the metropolitan level and vice versa.
of the twenty-first SME model needs to begin here. One of the current threads of analysis that is dominating the critical political
Extra-legal institutions have been a central component of Olympic gover- debate regarding SMEs in Brazil is the installation of states and cities of exception
nance since Sidney 2000. These have immense powers and huge budgets, making (Vainer, 2013). The condition of exception can be understood as a departure from
decisions that will impact the lives of millions of people for decades. These extra- the rule of law or a, “political liminality, an extraordinary decision to depart from a
governmental agencies change in accordance with local governance practices and generalized political normativity, to intervene in the logic of ruling and being ruled”
possibilities: changing shape, form and content as the events move around the (Ong 2006, 5). However, the state of exception does not account for a shift in neo-
world. There are deeply embedded socio-material knowledge transfer networks that liberal tactics that have “created new forms of inclusion, setting apart some citizen-
bring these events into being. In the case of Brazil, Rio 2016’s governance model was
19. For example, Provisional Measure 488/2010 created the Brazilian Sport Legacy Company Ltd. (Empresa Brasileira de
inspired by London’s Olympic Delivery Authority, but in characteristic Brazilian fash- Legado Esportivo S.A.) or BRASIL 2016, a private company created by the federal government to oversee the Olympic
budget. In September 2011, BRASIL 2016 was decommissioned after more than R$100,000 had been spent on putting it
ion, adds two bureaucratic layers where one would do. Two years following the an- together. There has been no formal explanation for the elimination of this entity.
388 A cidade dos megaeventos como laboratório neoliberal Christopher Thomas Gaffney 389
subjects, and creating new spaces that enjoy extraordinary political benefits and COHRE. 2007. “Fair Play for Housing Rights: Mega-Events, Olympic Games and Housing
economic gain” (ibid. 5). This double movement, that of creating states and cities Rights”. Geneva, Switzerland: Center on Housing Rights and Evicitions. http://tenant.
net/alerts/mega-events/Report_Fair_Play_FINAL.pdf.
of exception as well as granting exceptions to the conditions of neo-liberalism, is
crystallizing around SME production in Rio de Janeiro. Cosgrove, Denis, and Stephen Daniels. 1989. The Iconography of Landscape: Essays on the
Symbolic Representation, Design and Use of Past Environments. Cambridge University
SMEs provide an opportunity to adopt, modify, develop and deploy a suite
Press.
of extra-legal measures used to transform space and society in order to maximize
capital accumulation and consolidate power. The solidity of democratic institutions Docena, Herbert. 2005. “Iraq’s Neoliberal Constitution.” Foreign Policy in Focus. September 2.
http://www.fpif.org/reports/iraqs_neoliberal_constitution.
and legal frameworks determine the scope and type of social change that will occur,
yet in nearly all contexts the “state of emergency” generated by an SME allows for Duncan, James S. 2005. The City as Text: The Politics of Landscape Interpretation in the Kandyan
Kingdom. Cambridge University Press.
the creation of parallel and independent governmental frameworks that negatively
impact existing forms of governance. In the twenty first century, SMEs always gen- Foucault, Michel, Michel. Senellart, and Collège de France. 2010. The Birth of Biopolitics :
Lectures at the Collège de France, 1978-1979. New York: Picador.
erate negative externalities and always transfer public wealth to private hands. In
the Global South, the impact is particularly onerous because the fragility of hous- Gaffney, Christopher. 2010. “Mega-events and Socio-spatial Dynamics in Rio de Janeiro, 1919-
2016.” Journal of Latin American Geography 9 (1): 7–29. doi:10.1353/lag.0.0068.
ing tenure rights in the large informal market is complicated by urban administra-
tions that implement wide ranging projects that will attend to the short-term de- Gaffney, Christopher, and Erik Silva Omena de Melo. 2010. “Mega-eventos Esportivos:
Reestruturação Urbana Para Quem?” Proposta, 121 edition.
mands of the SME. There are thousands of stories of forced removal, intimidation,
threats, social discord, displacement and “resettlement” to be told, making clear Gold, John R., and Margaret M. Gold. 2007. Olympic Cities: City Agendas, Planning, and the
World’s Games, 1896 to 2012. New Ed. Routledge.
that throughout Brazil the mega-event cycle is restructuring space and social rela-
tions to create zones of accumulation that presage a, “return to a primitive form of Gusmão de Oliveira, Nelma. 2012. “O poder dos jogos e os jogos do poder.” Tese de
doutourado, Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro.
individualism based in the doctrine of consumer sovereignty” (Ong 2006, 11).This is
the end-game of neo-liberalism. SMEs are accelerating this process by using host HARLEY, J B. 1989. “DECONSTRUCTING THE MAP.” Cartographica: The International Journal
for Geographic Information and Geovisualization 26 (2): 1–20. doi:10.3138/E635-7827-
cities as laboratories and populations as experimental subjects.
1757-9T53.
Hayes, Grahme, and John Horne. 2011. “Sustainable Development, Shock and Awe? London
References 2012 and Civil Society.” Sociology 45 (5): unknown.
Horne, John, and Garry Whannel. 2012. Understanding the Olympics. Abingdon, Oxon; New
Alegi, Peter, and Chris Bolsmann, ed. 2013. Africa’s World Cup: Critical Reflections on Play, York: Routledge.
Patriotism, Spectatorship, and Space. Ann Arbor: University of Michigan Press.
Kassens-Noor, Eva. 2012. Planning Olympic Legacies : Transport Dreams and Urban Realities.
Agamben, Giorgio. 2005. State of Exception. Chicago: University of Chicago Press. Milton Park, Abingdon, Oxon; New York: Routledge.
Bailly, Antoine S. 1993. “Spatial Imaginary and Geography: A Plea for the Geography of Klein, Naomi. 2008. The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism. Knopf Canada.
Representations.” GeoJournal 31 (November): 247–250. doi:10.1007/BF00817378.
Lenskyj, Helen. 2000. Inside the Olympic Industry: Power, Politics, and Activism. Albany, NY:
Bennett, Colin. 2011. Security Games : Surveillance and Control at Mega-events. Abingdon SUNY Press.
Oxon ;;New York: Routledge.
Mascarenhas, Gilmar. 2007. “Nada de Novo Na Geografia Carioca.” Democracia Viva (No 35).
Broudehoux, Anne-Marie. 2007. “Spectacular Beijing: The Conspicuous Construction of an Especial Pan 2007 (June). http://www.ibase.br/userimages/dv35_pan3.pdf.
Olympic Metropolis”. University of Quebec, Montreal. http://onlinelibrary.wiley.com/
Mascarenhas, Gilmar, Glauco Bienenstein, and Fernanda Sánchez. 2011. O jogo continua :
doi/10.1111/j.1467-9906.2007.00352.x/full.
megaeventos esportivos e cidades. Rio de Janeiro: EdUERJ.
Celebration Capitalism and the Olympic Games. Routledge Critical Studies in Sport 11.
Oliveira, Alberto. 2009a. “O Emprego, a Economia e a Transparência Nos Grandes Projetos
Chouliaraki, Lilie, and Norman Fairclough. 2010. “Critical Discourse Analysis in Organizational Urbanos.” In Rio de Janeiro: UFRRJ. http://lasa.international.pitt.edu/members/
Studies: Towards an Integrationist Methodology.” Journal of Management Studies 47 congress-papers/lasa2009/files/OliveiraAlberto.pdf.
(6) (September): 1213–1218. doi:10.1111/j.1467-6486.2009.00883.x.
. 2009b. “Labor, Economy and Transparency in Large Urban Projects”, July.
390 A cidade dos megaeventos como laboratório neoliberal Christopher Thomas Gaffney 391
Ong, Aihwa. 2006. Neoliberalism as Exception : Mutations in Citizenship and Sovereignty.
Durham [N.C.]: Duke University Press. Reflexos da exploração do
petróleo no território fluminense.
Pillay, Udesh, Orli Bass, and Richard Tomlinson. 2009. Development and Dreams: The Urban
Legacy of the 2010 Football World Cup. Human Sciences Research Council.
Pithouse, Richard. 2008. “Business as Usual? Housing Rights and ‘slum Eradication’ in Durban,
South Africa”. Genebra, Suiça: The Centre on Housing Rights and Evictions (COHRE).
http://www.cohre.org/news/documents/south-africa-business-as-usual-housing-
Impactos, normativas e
rights-and-slum-eradication-in-durban.
Preuss, Holger. 2004. The Economics of Staging the Olympics : a Comparison of the Games, 1972-
intervenções urbanísticas1
2008. Cheltenham, UK; Northampton, MA: E. Elgar.
“Proposta Estratégica de Organização Turística – Copa 2014.” 2009. MTur e FGV.
http://www.turismo.gov.br/turismo/o_ministerio/publicacoes/cadernos_ Maria de Lourdes Costa
publicacoes/04propostas.html. Aline Couto da Costa
Raco, Mike, and Emma Tunney. 2010. “Visibilities and Invisibilities in Urban Development: Diana Bogado Corrêa da Silva
Small Business Communities and the London Olympics 2012”. Urban Studies. http://
usj.sagepub.com/content/47/10/2069.abstract.
Sánchez, Fernanda. 2003. A Reinvenção Das Cidades Para Um Mercado Mundial. Argos, Resumo | É crescente a preocupação com as transformações do território do estado do Rio
Editora Universitária. de Janeiro em estudos e pesquisas. No texto, fruto de pesquisas que buscaram detectar os
“Sem Transporte Para Minha Casa Minha Vida.” 2013. O Globo. Accessed January 8. http:// condicionamentos e rebatimentos do processo de exploração e produção offshore do pe-
oglobo.globo.com/pais/sem-transporte-para-minha-casa-minha-vida-7224679. tróleo nos contextos regional e local fluminenses, tomamos como referência os municípios
Shaw, Christopher A. 2008. Five Ring Circus : Myths and Realities of the Olympic Games. litorâneos da Bacia de Campos. Neste sentido, destacamos a importância dos impactos na
Gabriola Island, BC: New Society Publishers. área, a incidência das intervenções urbanísticas, a assimilação das normativas segundo di-
“TCM Questiona a Licitação Dos Ônibus Do Rio.” 2012. O Globo. Accessed October 6. http:// ferentes temporalidades e instâncias governamentais. Também se evidenciamos o desafio
oglobo.globo.com/rio/tcm-questiona-licitacao-dos-onibus-do-rio-5463290. que se apresenta para as administrações municipais, ao ganharem atribuições e maior res-
“Trens Ainda Longe de Oferecer Transporte de Primeira Linha.” 2013. O Globo. Accessed ponsabilidade sobre a gestão dos territórios, no pós 1988. Nas reflexões, ponderou-se sobre
March 19. http://oglobo.globo.com/rio/trens-ainda-longe-de-oferecer-transporte- os efeitos da atividade petrolífera enquanto novo ciclo econômico, sob processo de urba-
de-primeira-linha-7877558. nização, que desencadeou descaracterizações físicas e ambientais de forma rápida e/ou
“Turistas Sofrem Com Falta de Informação No Metrô.” 2012. O Globo. Accessed August radical, com ocupações regulares e irregulares provenientes do crescimento dessas áreas.
24. http://oglobo.globo.com/rio/turistas-sofrem-com-falta-de-informacao-no- Acompanhando a chegada de contingentes populacionais, sobressaiu a ação de atores ex-
metro-5883153. ternos às municipalidades, trazendo alterações para a organização e produção dos espaços.
A metodologia da investigação incorporou diversos levantamentos, apoiou-se em visitas
de campo e na realização de entrevistas com técnicos e representantes de instituições, en-
tidades e moradores locais. Nos últimos anos, a atratividade dos royalties conviveu com ele-
vada demanda por serviços públicos e infraestrutura, em face dos impactos causados no
meio construído, e em razão da perspectiva de finitude dos recursos não renováveis, com a
busca da diversificação produtiva como alternativa ao esgotamento previsto. Neste sentido,
as administrações municipais optaram pela dinamização da economia, com execução de
projetos políticos de cidade, orientados para a atração de investimentos no turismo e na
1. Artigo originalmente publicado in HERCULANO, Selene (org.). Impactos Sociais, Ambientais e Urbanos das Ativida-
des Petrolíferas em Macaé. Niterói: UFF/PPGSD, dez 2010. (CDRom). Ele foi mantido de acordo com os debates revela-
dos na época e em razão dos impactos ocorridos sobre o território, que continuam na atualidade.
392 A cidade dos megaeventos como laboratório neoliberal Maria de Lourdes Costa | Aline Couto da Costa | Diana Bogado Corrêa da Silva 393
prestação de serviços, em que a aplicação dos royalties nem sempre beneficiou os setores buscaron detectar los condicionantes y consecuencias del proceso de explotación y pro-
reconhecidamente prioritários. Os impactos diversificados sofridos pelos municípios pro- ducción offshore de petróleo en los contextos regional y local fluminenses, tomamos
vocaram efeitos complexos e muitas vezes irreversíveis e excludentes sobre a organização como referencia los municipios costeros de la Cuenca de Campos. En este sentido, des-
e produção de seus espaços. E os olhares atentos de alguns setores, do poder público e da tacamos la importancia de los impactos en esta área, la incidencia de las intervenciones
participação consciente de segmentos sociais ainda estão longe de propiciar a necessária urbanísticas, la asimilación de la normativa según temporalidades diferentes y organismos
estruturação organizacional nas escalas local e regional, o fortalecimento da municipalida- gubernamentales. También se observa el desafío que se presenta a las administraciones
de e a atuação articulada entre as instituições. municipales, al ganar más poder y responsabilidad en la gestión de los territorios, después
Abstract | There is a growing concern about the changes in the territory of the State de 1988. Consideramos en las reflexiones los efectos de la actividad petrolera como nuevo
of Rio de Janeiro in studies and research. In the text, a result of research that sought to ciclo económico, bajo el proceso de urbanización, que ha causado transformaciones en
detect the conditions and repercussions of the offshore production and exploration of oil las características físicas y ambientales, de manera rápida y/o radical, con ocupaciones
on regional and local Fluminense contexts, we have taken the coastal municipalities of the regulares e irregulares provenientes del crecimiento de estas áreas. Con la llegada de con-
Campos Basin as reference. In this sense, we highlight the importance of impacts in the tingentes de población, sobresalió la acción de agentes externos a los municipios, trayen-
area and urban interventions as well as the assimilation of the norms according to different do alteraciones en la organización y producción de espacios. La metodología de investi-
temporalities and government bodies. Also observed the challenge that presents itself to gación incorpora varios levantamientos apoyados en visitas de campo y entrevistas con
the municipal administrations as it gained greater attributions and responsibility over the expertos y representantes de instituciones, entidades y residentes locales. En los últimos
management of territories after 1988. In these reflections, the effects of oil activity were años, el atractivo de los royalties ha convivido con la alta demanda de servicios públicos y
considered the new economic cycle in the urban process, which triggered physical and de infraestructura para hacer frente a los impactos del medio construido y la perspectiva
environmental mischaracterization quickly, and/or radically, with regular and irregular oc- de finitud de los recursos no renovables, con la búsqueda de la diversificación productiva
cupations through the growth of these areas. Following the arrival of population groups, como alternativa al agotamiento previsto. En este sentido, los gobiernos locales han op-
the action of external actors excelled the municipalities, bringing changes to the organi- tado por impulsar la economía con la ejecución de proyectos políticos de ciudad, orien-
zation and production of spaces. The research methodology incorporated several surveys tados en la atracción de inversiones en el turismo y en la prestación de servicios, cuyas
and relied on field visits and interviews with experts and representatives of institutions, aplicaciones de los royalties ni siempre han beneficiado a los sectores reconocidos como
organizations and local residents. In recent years, the attractiveness of the royalties lived prioritarios. Los diversos impactos que sufren los municipios causaron efectos complejos y
together with high demands for public services and infrastructure due to the impacts on a menudo, irreversibles y de exclusión sobre la organización y producción de sus espacios.
the built environment, as well as the prospect of finite non-renewable resources, with the La mirada atenta de algunos segmentos, del poder público y de la participación cons-
pursuit of productive diversification as an alternative to the exhaustion provided. There- ciente de sectores sociales aun están lejos de proporcionar la estructura de organización
fore, local governments have opted for boosting the economy with the execution of the necesaria a escalas local y regional, para el fortalecimiento del municipio y la actuación
city political projects, focusing on attracting investments in tourism and services in which articulada entre las instituciones.
the application of royalties have not always benefited the recognized priority sectors. The
diverse impacts suffered by municipalities have caused complex and often irreversible
and excluding effects on the organization and production of their spaces. In addition, the
Introdução
watchful eyes of some sectors, the government and the conscious participation of social O território Fluminense, as administrações municipais e
sectors are still far from providing the necessary organizational structure on local and re- o advento do Petróleo
gional scales as well as the strengthening of the municipality and the articulation between
the institutions. O território no estado do Rio de Janeiro tem formação antiga de sua malha de
Resumen | Reflejos de la explotación del petróleo en território fluminense. Impactos,
comunicações terrestres, algumas desde a época de colonização das terras brasilei-
normativas y intervenciones urbanísticas
ras, a partir do início do século XVI, com as ordens política e econômica precedendo
a social, no curso de seu desenvolvimento.
Hay una creciente preocupación con las transformaciones del territorio del Estado de Río
As administrações municipais ganharam atribuições ao longo do tempo. Mas
de Janeiro en estudios e investigaciones. En el texto, resultado de investigaciones que
só em 1946, a Constituição estabeleceu princípios mais próximos da atual organi-
394 Reflexos da exploração do petróleo no território fluminense Maria de Lourdes Costa | Aline Couto da Costa | Diana Bogado Corrêa da Silva 395
zação municipal, porém a sobrevivência da maior parte dos municípios ficou, até traduzem a anunciada lógica de bem-estar e modernidade, à especulação imobili-
recentemente, na dependência dos fundos especiais federais. Na Constituição de ária, à estruturação do mercado de trabalho e à vinda de pessoas de fora do muni-
1988 cresceu a competência municipal, inclusive tributária, ocasião em que se esta- cípio para nele trabalhar – geram desafios crescentes quanto à recomposição das
beleceu, entre outros, critérios para a emancipação de municípios. identidades locais.
As atribuições municipais foram ampliadas, somando-se às que já possuía, O ritmo vertiginoso do crescimento tem, em grande parte, desencadeado
em termos do uso e ocupação do solo. Mas ao trazer maior responsabilidade sobre descaracterizações de diferentes naturezas, sobretudo físicas e ambientais, em de-
a gestão de seu território, conviveu com o peso dos encargos nem sempre acompa- corrência da chegada dos grandes contingentes populacionais e da ação desses
nhados de respaldo financeiro imediato em seus respectivos orçamentos. Assim, os atores externos à municipalidade. O quadro é em geral agravado pela deficiência
municípios estiveram cativos de suas receitas próprias e transferidas. generalizada de prestação dos serviços públicos e da disponibilização de equipa-
Com a descentralização administrativa, tornou-se necessário o aumento de mentos comunitários.
recursos a serem disponibilizados aos municípios: Fundo de Participação dos Muni-
cípios (FPM), repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)
e Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU). No caso do estado do Rio de Janeiro
Metodologia
ainda há o repasse dos royalties do petróleo, já que possui em seu território uma
importante província petrolífera do Brasil. Em termos gerais, a pesquisa contou com expressivos levantamentos de
Com o advento da exploração e produção offshore do petróleo nos municí- fontes primárias e secundárias, leitura de bibliografia selecionada, com a análise
pios litorâneos, a maioria lindeira à Bacia de Campos, a aplicação dos recursos prove- e a interpretação de dados e informações disponibilizadas pelos órgãos públicos
nientes da arrecadação geralmente vinha alocada no distrito-sede, passando, poste- e instituições privadas, com montagem de um panorama relativo à influência dos
riormente, a ser também destinada às sedes distritais dos municípios emancipados2. royalties do petróleo no Brasil e no estado do Rio de Janeiro e de seus municípios.
A atividade petrolífera configurou um novo ciclo econômico que acelerou Apoiou-se em visitas de campo locais e na realização de entrevistas junto à técni-
o crescimento das cidades, principalmente quanto ao processo de urbanização. O
repasse regular dos recursos financeiros provenientes dessa atividade possibilitou
muitos investimentos aos municípios beneficiários, tornando-se um instrumento
expressivo no planejamento e na gestão urbana.
Entre muitos eventos que se tornaram correntes em relação à urbanização
provocada pela nova atividade – seja pós-emancipações municipais, seja pela emer-
gência de inúmeros interesses neste cenário, seja pela chegada de diferentes atores
sociais – está o fato de certos municípios se ressentirem com a nem sempre gradativa
mudança no perfil de sua população, por causa da assimilação precoce de diversas
identidades exógenas, em comparação àquela dos moradores até então presentes.
O dinamismo da integração aos eixos de expansão da urbanização e cresci-
mento demográfico3, à remodelação dos espaços urbanos com equipamentos que
2. Entre 1986 e 1990, foram instalados: Arraial do Cabo, Italva, São José do Vale do Rio Preto, Paty do Alferes, Itatiaia e
Quissamã. Em 1993, mais onze municípios: Cardoso Moreira, Belford Roxo, Guapimirim, Queimados, Quatis, Varre-Sai,
Japeri, Comendador Levy Gasparian, Rio das Ostras, Aperibé e Areal. Outros dez se instalaram em 1997: São Francisco
de Itabapoana, Iguaba Grande, Pinheiral, Carapebus, Seropédica, Porto Real, São José de Ubá, Tanguá, Macuco e Ar-
mação dos Búzios. O mais novo município fluminense é Mesquita, (2001). Hoje são 92 municípios no total, no estado
do Rio de Janeiro.
3. Cf. COSTA, M. L. P. M. Reestruturação do Território no Processo de Urbanização – Dispersão Urbana no Estado do
Rio de Janeiro. Mesa de Interlocução de Pesquisa “O Processo de Urbanização e as Formas de Tecido Urbano mais
Recentes Manifestadas sobre os Territórios”. XI Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Vitória: UFES, 2010. Os
FIGURA 1 Regiões de Governo e Microregiões geográficas – Estado do Rio de Janeiro 2006 Fonte: Funda-
resultados do estudo apontaram para: consolidação de eixos e formação mais recente de corredores de urbanização
no estado do Rio de Janeiro (um deles provocado pelas atividades do petróleo), criação de centralidades em função de ção Centro de Informações e dados do Rio de Janeiro – CIDE Nota: As microregiões geográficas indicadas
novos polospólos econômicos e de nova territorialidade, devido à presença de grandes projetos regionais. fazem parte da divisão regional do IBGE
396 Reflexos da exploração do petróleo no território fluminense Maria de Lourdes Costa | Aline Couto da Costa | Diana Bogado Corrêa da Silva 397
FIGURA 3 Mapa Litoral do estado do Rio de Janeiro, delimitado pela projeção dos limites municipais (or-
FIGURA 2 Mapa Descobertas dos campos de petróleo. Fonte: PETROBRAS, 2008. togonais e paralelos) e a posição dos poços produtores de petróleo e gás natural que compõem a Bacia de
Campos. Fonte: PIQUET (2003)
cos e representantes de instituições e entidades de interesse da investigação, que
acompanharam a elaboração de diretrizes e propostas de intervenções, bem como a partir da década de 1980 o Estado visse refletido o crescimento dos então núcleos
de moradores locais no contexto da exploração petrolífera no território fluminense. urbanos que lhes deram abrigo, assim como o aumento de sua arrecadação, além do
Buscou-se compreender como a atividade petrolífera se instalou no universo aparecimento de novos agentes, de comércio e serviços e de subsidiárias da indústria
estadual, com sua formação de muitas singularidades, a alocação de políticas que do petróleo. Esta indústria é reconhecida pela Agência Nacional de Petróleo (2000)
influenciaram as dinâmicas das regiões de governo fluminenses, destacando-lhes os como o conjunto de atividades econômicas relacionadas com a exploração, desenvol-
marcos e inflexões nos municípios conviventes com a exploração, desenvolvimento vimento, produção, refino, processamento, transporte, importação e exportação de
e produção do petróleo na ocupação costeira do Estado. petróleo, gás natural, outros hidrocarbonetos fluidos e seus derivados.
Deve-se ressaltar que nos últimos anos, a indústria do petróleo que se con-
figurou a partir das atividades de pesquisa, exploração e produção transformaram
O petróleo como motor da transformação profundamente a economia, a sociedade e o território dos municípios produtores
brasileiros. No entanto, mais do que a própria formação da indústria petrolífera,
O petróleo sempre mobilizou a sociedade brasileira. Tema importante para a foram os royalties que contribuíram fundamentalmente para tais mudanças.
soberania nacional e recorrente ao se discutir o desenvolvimento do país, a atividade A princípio, julga-se que os royalties, por ser uma espécie de pagamento asso-
petrolífera traz um alerta desde a primeira metade do século XX, com a discussão do ciado à venda de um bem do patrimônio público, devem ser direcionados somente
“Petróleo é nosso”, 4 A descoberta de petróleo na Bacia de Campos (Figuras 2 e 3), sua ao governo federal, já que no Brasil os recursos naturais do subsolo pertencem à
exploração em escala comercial e a implantação de uma base operacional da Petro- União. No entanto, algumas justificativas fundamentam a aplicação destas compen-
bras em Macaé, para o acompanhamento da exploração e produção, fizeram com que sações financeiras recolhidas pela União nas regiões produtoras. Uma delas é que o
processo de implantação da atividade petrolífera gera uma elevada demanda por
4. Uma breve recuperação de momentos desse percurso faz recordar alguns fatos, entre eles: pressão para que o mo- serviços públicos e infraestrutura em geral. Há também a necessidade de se inde-
nopólio exercido pela Petrobrás nas atividades básicas do petróleo e gás fosse extinto, através da Constituinte de
1987/88; confrontação de forças por ocasião da Revisão Constitucional, em que se manteve o quadro e a disseminação nizar ou de se compensar os impactos causados por essas atividades. Ademais, é
de ideias neoliberais favorecendo a privatização da empresa, com a suspensão do referido monopólio constitucional, preciso analisar a questão que envolve a qualidade finita do adensamento urbano
por força da Lei 9478/1997.
398 Reflexos da exploração do petróleo no território fluminense Maria de Lourdes Costa | Aline Couto da Costa | Diana Bogado Corrêa da Silva 399
causado pela atividade petrolífera, caracterizado pelo cenário previsível de movi- mente por exclusivamente, evidenciando a preocupação com a infraestrutura das
mentos de saída de capitais e de pessoas dos territórios que atendem à atividade de cidades que já sofriam os impactos da indústria petrolífera.
exploração de recursos não renováveis (LEAL e SERRA, 2003). Nesse momento, constatou-se uma transformação do perfil produtivo dos
Embora bastante questionadas quanto ao aspecto quantitativo, duas ques- municípios da Bacia de Campos. As atividades econômicas tradicionais em crise,
tões básicas deveriam ser consideradas em relação aos critérios de distribuição dos como a indústria salineira e a produção de cana-de-açúcar, associada à pecuária
recursos provenientes dos royalties. A primeira é que eles são compensatórios em bovina, deram lugar à indústria do petróleo. O processo foi bastante percebido nos
função da venda de um bem do patrimônio público da União e, por isso, sua admi- municípios litorâneos que receberam atividades industriais e terciárias, provocando
nistração deve considerar a justiça intergeracional. A segunda refere-se aos contex- um dinamismo demográfico e, consequentemente, significativas transformações na
tos regionais e locais, já que estes devem buscar a diversificação produtiva como produção do espaço.
alternativa à finitude prevista desses recursos. Um dos exemplos foram as novas estruturas espaciais decorrentes das di-
Além da compreensão da divisão dos royalties em esferas governamentais nâmicas no processo de (re)distribuição da população no território das cidades. A
distintas, a apresentação da matriz legal, que fundamenta essa distribuição, possi- mão-de-obra pouco qualificada tendeu a residir nos pólos produtivos, geralmente
bilitaria o entendimento de como ocorreram as mudanças no regimento tributário em áreas periféricas, mas os mais qualificados estabeleceram estratégias residen-
do setor petrolífero. Anteriormente, a carga fiscal recaía sobre o consumo de de- ciais diferenciadas, ocupando bairros novos e exclusivos nas mesmas cidades, ou
rivados, sendo a produção praticamente desonerada de impostos. Com as novas instalaram-se em municípios vizinhos menores por oferecerem melhor qualidade
regulamentações, a partir da década de 1950, um novo regime passou a tributar de vida (MONIÉ, 2003). Aliada à indústria do petróleo, a consolidação do turismo
fortemente a produção, aumentando os valores dos royalties e, no final dos anos de como estratégia de diversificação da economia aumentou os impactos na região.
1990, estabelecendo a participação especial. Dessa forma, a ocupação do solo em vários municípios litorâneos da Bacia
Consequentemente, diversas normativas que regulam a cobrança e a dis- de Campos refletiu a mudança na economia do lugar e se deu sob duas formas:
tribuição dessa compensação financeira foram criadas e/ou alteradas a fim de dar a legal, através de parcelamentos destinados à residências de veraneio e de um
respaldo aos impactos da economia petrolífera, produzindo transformações signifi- novo contingente de mão-de-obra qualificada; e a ilegal, com as áreas de ocupa-
cativas na organização e produção do espaço. ção que se desenvolveram de maneira espontânea, dando origem a um traçado
bastante irregular.
Posterior à promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988, a Lei 7.990,
Evolução das normativas de distribuição dos royalties de 28 de dezembro de 1989, alterou a distribuição dos royalties em terra e na plata-
em face das transformações e respectivas demandas forma continental. Manteve o valor da alíquota em 5%, que para a produção onshore
ficou dividida em: 70% (que corresponde a 3,5%) aos estados produtores, 20% (ou
A Lei 2.004 de 03 de outubro de 1953 foi a primeira a introduzir o pagamento 1%) aos municípios produtores e 0,5% (ou 1%) aos municípios onde se localizarem
de royalties sobre a produção de petróleo e gás natural no Brasil, estabelecendo o instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de petróleo e gás
valor da compensação em 5% do valor de referência do barril, em relação à produ- natural. No caso da produção offshore, coube 1,5% aos estados confrontantes com
ção terrestre (onshore), ou seja, em terra ou em lagos, rios, ilhas fluviais e lacustres. os poços produtores, 1,5% aos municípios confrontantes com os poços produtores
Com isso, a lei beneficiou estados e municípios dividindo essa alíquota, respectiva- e suas respectivas áreas geoeconômicas, 0,5% aos municípios com instalações de
mente, em 4% e 1%. embarque e desembarque de petróleo e gás natural, 1% ao comando da Marinha e
A incidência de royalties sobre a produção marítima (offshore) ocorreu com o 0,5% para constituir um Fundo Especial a ser distribuído entre os estados e municí-
Decreto-Lei 523, de 08 de abril de 1969, mas estados e municípios só foram benefi- pios da Federação5.
ciados a partir da Lei 7.453, de 27 de dezembro de 1985, com alíquota de 1,5% cada.
Essa lei teve um caráter inovador na medida em que estabeleceu que os municípios 5. Considerando a disposição geográfica dos poços de extração do petróleo, foram determinadas três zonas: ZPP (Zona
de Produção Principal), ZPS (Zona de Produção Secundária) e ZL (Zona Limítrofe). Os municípios da ZPP são os confron-
deveriam aplicar os recursos previstos, preferencialmente, em energia, pavimenta- tantes com poços produtores e aqueles que possuem três das seguintes instalações industriais: processamento, trata-
ção de rodovias, abastecimento e tratamento de água, irrigação, proteção ao meio- mento, escoamento e armazenamento de petróleo e/ou gás natural, de acordo com a Lei No. 7.525/1996(z), a partir de
delimitação feita pelo IBGE, através do decreto No. 93.189, de 29 de agosto de 1986. A ZPS atinge aqueles atravessados
-ambiente e saneamento básico. Em 1986, a Lei 7525 alterou o termo preferencial- por dutos de escoamento da produção do poço produtor, e a ZL atinge aqueles que indiretamente são afetados pelas
atividades petrolíferas e são vizinhos aos da ZPP. (BARRETO, 2008).
400 Reflexos da exploração do petróleo no território fluminense Maria de Lourdes Costa | Aline Couto da Costa | Diana Bogado Corrêa da Silva 401
Isso beneficiou ainda mais os municípios, pois o Fundo Especial passou a Em função disso, foi iniciada uma fase de planejamento para a execução de
ser dividido na proporção de 80% para os municípios e 20% para os estados. Além projetos de urbanização, paisagismo, infraestrutura e embelezamento da cidade,
disso, acrescentou 10% aos municípios onde se localizassem instalações de embar- sendo estes instrumentos mais voltados para o impulso ao turismo e à prestação
que e desembarque de petróleo ou de gás natural; Para acomodar esta alteração, o de serviços – hotelaria e gastronomia, comércio, construção civil, dentre outros –,
percentual dos estados foi reduzido de 80% para 70% para a lavra ocorrida em terra; consolidando-os enquanto principais atividades econômicas dos municípios litorâ-
e o percentual do fundo especial foi reduzido de 20% para 10% para a lavra ocorrida neos da Bacia de Campos.
na plataforma continental. No entanto, os royalties nem sempre são distribuídos a ponto de beneficiar
Entretanto, a mesma normativa suprimiu a exigência setorial de destinação nas mesmas proporções os diversos setores, ou aqueles reconhecidamente priori-
desse recurso, apenas vedando a aplicação dos mesmos em pagamentos de dívidas tários. De uma forma geral, na rubrica Habitação e Urbanismo vem sendo injetado
e quadro de pessoal, caracterizando um retrocesso, que foi retificado com o Decreto considerável montante, embora isto não signifique, por exemplo, construções de
01, de 11/01/1991, mas novamente alterado com a Lei do Petróleo (1997). unidades residenciais para segmentos de baixa renda, no sentido de minimizar o
A Lei 9.478, de 06 de agosto de 1997, ou Lei do Petróleo, trouxe mudanças déficit habitacional fluminense ou local, pois os recursos muitas vezes são aplicados
significativas quanto à política energética nacional, instituindo o Conselho Nacional em obras de maior visibilidade, conforme determinação de muitas administrações
de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo (ANP), que ficou responsável governamentais locais, mediante a criação de áreas de lazer nas orlas, de urbaniza-
pelo controle e distribuição dos royalties. Quanto ao valor de compensação, possibi- ção de praças centrais e pavimentação de ruas.
litou o aumento da alíquota de 5% até 10% em função da rentabilidade dos campos
petrolíferos, definindo critérios de distribuição desse excedente que também bene-
ficiaram estados e municípios. Ademais estabeleceu, nos casos de grande volume
Os processos de intervenção urbanística no território
de produção ou de grande rentabilidade, o pagamento da participação especial.
O estado do Rio de Janeiro contou com arrecadação extra, a partir de meados O processo de decantação do entendimento sobre as intervenções no terri-
dos anos 1990, com a exploração do petróleo na Bacia de Campos, responsável por tório fluminense passa por diferentes escalas e recortes espaciais, sendo necessário
cerca de 80% relativa à produção de petróleo e 49% concernente ao gás natural, revelar-se, inicialmente, a concepção de território.
sobretudo pela arrecadação advinda dos campos de Albacora, Marlim e Roncadoro Para HAESBAERT (2006), o conceito de território guarda sempre um signifi-
(ANP, 2000), que ao mesmo tempo geraram pagamento das participações especiais cado relacional. E pode se inscrever para as ciências sociais e políticas segundo di-
aos municípios vizinhos. Também o estado do Rio de Janeiro repassou a todos os versas perspectivas, tanto sob visão mais totalizante quanto parcial, para o vínculo
seus municípios uma parcela retirada dos 6,56% que recebeu pelos royalties, inde- sociedade-natureza (e sociedade-espaço), no sentido de abrigar um complexo con-
pendente do rateio da ANP (BARRETO, 2008). junto de relações sociais e espaciais, econômicas, políticas e culturais historicamen-
A produção do petróleo na Bacia tem trazido um aumento gradativo nos or- te circunscritas a determinados períodos ou existência de grupos sociais.
çamentos municipais em geral, com percentagem crescente nas receitas dos mu- O mesmo autor (2004), ao expor a concepção de território-rede, considera
nicípios, influenciando seus diferentes setores. As receitas próprias, referentes ao que a ligação entre territórios se exime de ser contínua, uma vez que ela pode se
Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU e ao Imposto sobre Serviços – ISS, vêm expressar pela intermediação de aeroportos, estradas, portos e até de dutos, entre
se tornando relativamente menores perante a presença dessa nova arrecadação, na outros, sem descartar a comunicação imediata e virtual pela internet, combinando
maioria das vezes sendo ultrapassadas por ela. fluxos materiais e imateriais.
A partir da Lei 9.478/97, mais do que qualquer outra atividade econômica e mais Engendrou-se um modelo no Brasil, a partir dos anos 1990, referente à forma
do que qualquer outro instrumento – como a arrecadação de impostos, por exemplo de intervenção físico-territorial nas cidades, sobretudo com a descoberta da impor-
– foram os royalties que se tornaram a principal fonte de renda para os municípios tância assumida pelos espaços públicos, visando abrigar projetos urbanos, protago-
beneficiários. Em razão da preocupação com a questão da finitude destes recursos, nizados, muitas vezes, pela parceria público-privada.
as administrações municipais optaram pelo incentivo ao turismo, como estratégia de A produção do espaço nas cidades tem acompanhado o movimento do capi-
dinamização da economia. Sendo assim, foram realizadas obras de infraestrutura com tal, segundo renovados estágios econômicos. Desde a Revolução Industrial, as cida-
o objetivo de agregar valores à cidade e atrair pessoas e empreendimentos. des surgem com seus problemas urbanos, de localização de residências em função
402 Reflexos da exploração do petróleo no território fluminense Maria de Lourdes Costa | Aline Couto da Costa | Diana Bogado Corrêa da Silva 403
da relação com os locais de produção, com a industrialização sendo responsável Com o intuito de atrair ainda mais investimentos produtivos, diversificar a
pela forma de materialização do meio construído, sujeitos intermitentemente às economia dos municípios, estimular o turismo de negócios e gerar empregos, há
normativas de ordenação desses espaços. também a formação de distritos industriais, com a consolidação de polos empresa-
Nos tempos atuais, produção e consumo de bens buscam resgatar símbo- riais voltados para a prestação de serviços.
los, forjam cenarizações, sugerem valores subliminares das memórias coletivas Intervenções urbanísticas desse tipo objetivam a preparação da cidade para
locais, respaldados pelo marketing e pela tecnologia, instigando a adoção rápida de vocações futuras, para além da indústria petrolífera, e articulam uma estratégia forte
novos valores, com consequências na gestão institucional, na forma de utilização ao redor de apostas urbanas e socioeconômicas de grande vulto e longa duração
do espaço e tempo, no contexto das novas dinâmicas urbanas, açodadas pela nova em relação ao desenvolvimento da cidade.
ordem ditada pela mundialização da economia. Na presente fase, experimenta-se dois grandes projetos de âmbito regional,
Vale lembrar o conceito de intervenção dado por PORTAS (1986) quando se que no caso fluminense vêmprovocando a interiorização da economia, sobretudo
aplica à cidade existente. Ela é entendida como o conjunto de programas e projetos apoiada em antigos e novos polos, a exemplo de Campos de Goytacazes e Macaé
públicos,ou de iniciativas autônomas que incidem sobre tecidos urbanizados dos (antes apenas secundário), respectivamente, que hoje carreiam parte significativa
aglomerados antigos ou relativamente recentes, tendo em vista sua reestruturação, de recursos investidos no Estado. Entre outros grandes projetos estão: a implanta-
revitalização funcional, recuperação ou reabilitação setorial e cultural. ção de portos, a construção do Arco Metropolitano e, sobretudo, a instalação do
As características dos projetos e intervenções urbanas marcam diferentes ge- Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro – COMPERJ, todos com forte
rações, passando pela grife de autores notáveis. E dos anos 1980 em diante, estes poder (re)estruturador do espaço, uma vez que interferem tanto no universo inte-
aparecem apadrinhados pelo planejamento estratégico, sob a forma de interven- rurbano (incluindo áreas rurais) quanto no universo intra-urbano e, na medida em
ções pontuais, com participação de diferentes atores da sociedade para a discussão, que constituem novas “ilhas de produtividade”, provocam transformações na rede
mas de maneira bem mais restrita do que aquela normalmente formulada pelo pla- urbana até então existente e nas hierarquias urbano-regionais.
nejamento e desenvolvimento urbano, com participação mais abrangente e demo- Cabe lembrar que os impactos socioespaciais sofridos pelos municípios, prin-
crática dos extratos sociais. cipalmente litorâneos, da Bacia de Campos demonstram que a transformação ra-
A associação com o caráter da visibilidade das intervenções passa a ser um dical e rápida da estrutura produtiva de uma região provoca efeitos complexos, e
dos principais alvos dos autores de projetos e da administração que os contratou, muitas vezes irreversíveis e excludentes, sobre a organização e produção do espaço,
sendo ela em qualquer instância. o que deve ser considerado quando da proposta, implementação e gestão desses
De modo geral, os administradores dos municípios do estado do Rio de Ja- novos projetos.
neiro que sofrem influências da economia do petróleo têm optado por projetos po-
líticos de cidade, orientados para a promoção do crescimento econômico e para a
atração de investimentos através do turismo, como meio de diversificar a econo- Considerações Finais
mia e minimizar os impactos causados pela possível finitude dos royalties na região
(COSTA, 2008). Os municípios brasileiros têm a tradição de lutar por maiores recursos em
Consequentemente, é possível identificar o processo de turistificação do seus orçamentos. A nova oportunidade surgiu para os que abrigavam a explora-
lugar, ou seja, o tratamento e a acomodação do território para a finalidade turística, ção/refino do petróleo no território nacional (onze estados da federação). Entre
demonstrado através da implantação de projetos urbanos, muitas vezes sob o para- eles, destacam-se os da faixa litorânea fluminense que, desde a exploração na Bacia
digma da modernização e do embelezamento. Dessa forma, evidencia-se que estes de Campos, atingem 80% da receita total adquirida com essa atividade. Inúmeras
projetos constituem a nova maneira de intervir no espaço da cidade. transformações vêm ocorrendo nos espaços urbanos e rurais dos municípios, muitas
Ações como recuperação de frentes marítimas, revitalização de beira-rio e vezes com reflexos nas respectivas escalas microrregionais.
orla marítima, renovação de áreas centrais, reurbanização de áreas degradadas, Essas transformações na organização e produção dos espaços são impulsio-
construção de praças e edifícios emblemáticos, dentre outros, tornam-se uma cons- nadas pela compensação financeira proveniente da exploração e indústria petrolífe-
tante na produção do espaço urbano. ra, que são regulamentadas por normativas que tentam dar respaldo aos impactos
dessa economia.
404 Reflexos da exploração do petróleo no território fluminense Maria de Lourdes Costa | Aline Couto da Costa | Diana Bogado Corrêa da Silva 405
Entretanto, verifica-se que a legislação poderia ser mais eficiente em relação Um dos maiores objetivos de avaliação reflete o aumento da responsabilida-
aos critérios de aplicação dos royalties e participações especiais, a fim de possibilitar de pelos resultados do administrador público perante a sociedade, que deve tomar
o princípio da justiça intergeracional e o seu desenvolvimento pleno, que abrange mais assento nesse acompanhamento, bem como para o crescimento da confiança
não só a dimensão econômica, como também a social, ambiental, cultural, espacial, pública nos serviços prestados. O exercício exige um incessante processo de delibe-
dentre outras, e que depende, em muito, da atuação política e administrativa dos ração e decisão. Se não existir um planejamento adequado, as tomadas de decisão
poderes públicos. começam a ocorrer de forma desordenada, porque não podem ser prorrogadas, em
Pensar e gerir as cidades que contam com os royalties do petróleo revelam função de necessidades emergentes e cobranças da população.
novas demandas de instituições governamentais, de ação privada e de associações Na realidade, a prefeitura opera com a qualidade permitida por sua estrutura,
representativas da sociedade, em face das mutantes realidades e da própria socie- mesmo que as questões envolvidas requeiram ampliação das escalas de debates.
dade. A acumulação de políticas urbanas não atendidas e serviços não providos já A cultura organizacional tem influência decisiva sobre a qualidade da gestão que,
provocavam graves impactos. O olhar atento porparte de alguns setores e a partici- por sua vez, está relacionada com as práticas de trabalho enraizadas na interação
pação consciente de segmentos sociais ainda estão longe de provocar uma eficácia de indivíduos e grupos, na organização e divisão das funções, na delegação de res-
na estruturação organizacional nas escalas local e regional, fortalecimento da muni- ponsabilidades, na relevância dada aos núcleos de planejamento e controle. Como
cipalidade ou a atuação articulada entre entidades. não existe uma organização ideal, ela nunca estará pronta e acabada, mas sim em
Dentro desse panorama, faz-se necessário que o planejamento se dê nas constante transformação, e a participação das pessoas que nela trabalham será fun-
várias instâncias de poder, para garantir as bases de um desenvolvimento mais sen- damental no constante processo de mudança.
sato, nos níveis regional e local, dando condições para regular a implantação de
infraestrutura, ao extrapolar os limites administrativos de serviços nas diferentes
escalas de atendimento, de qualificação de mão de obra, além da possibilidade de Referências bibliográficas
(re)orientar linhas condizentes de pesquisa, entre outras diretrizes e ações, de natu-
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO. Anuário Estatístico da Indústria Brasileira do Petróleo. Rio
rezas pública e privada. Não se deve esquecer que a par dos empregos e atividades
de Janeiro: ANP, 2000.
prometidas, promissoras do desenvolvimento, existem as demandas anteriores, que
BARRETO. “Considerações sobre as recentes transformações socioespaciais nos municípios
configuram situações crônicas acumuladas a serem revistas e atendidasem função
confrontantes com a Bacia de Campos”. In: MARAFON,G. J. ; RIBEIRO, M. A. (Orgs.).
das novas condições, de antigos moradores das áreas dos municípios atingidos. Revisitando o Território Fluminense II. Rio de Janeiro: Gramma, 2008, pp. 83-111.
Uma questão recorrente que se constata é a da discussão generalizada dos
COSTA, A. C. da.Sustentabilidade e o Processo de Planejamento e Gestão Urbana. Uma Reflexão
direitos aos royalties (43% da arrecadação de royalties do país para os municípios Sobre o Caso de Rio das Ostras (RJ). (Dissertação de Mestrado). Niterói, Programa de
fluminenses e 18% para os municípios das demais unidades da federação), quando Pós-graduação ARQ URB / UFF, 2008.
na realidade não se observa as grandes transformações desses territórios, o uso de COSTA, M. L. P. M. “Gestão do Espaço nos Municípios Temporâneos do Petróleo“.Relatório de
seus recursos e as contaminações negativas provenientes dos grandes projetos e Pesquisa. Niterói: UFF, 2008.
empreendimentos nessas áreas. FERREIRA, Omar Campos. SCIELO, Brasil. “Petróleo no Brasil”. Revista Economia e Energia. De
Neste contexto situam-se os municípios envolvidos com a exploração e pro- volta ao petróleo. Edição de Nº 46.
dução de petróleo e gás, que começaram por reverter a curva do decréscimo eco- SARAÇA, C.; RAHY, I. S.; SANTOS, M. A.; COSTA, M. B. e PERES, W.R. “A propósito de uma nova
nômico, antes registrado no estado do Rio de Janeiro. Urge, com isso, identificar, regionalização para o Estado do Rio de Janeiro”. Revista de Economia Fluminense,No 6.
analisar e buscar formas de gestão dos recursos disponibilizados, em especial para Fundação CIDE, jul./2007. pp. 18-27.
aqueles que vão conviver com a implantação de futuros e grandes projetos, como LEAL, José Augusto; SERRA, Rodrigo. Uma Investigação sobre os critérios de repartição dos
o Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro – COMPERJ, com suas altas royalties petrolíferos. In: PIQUET, Rosélia (Org.). Petróleo, royalties e região. Rio de
demandas de recursos hídricos e habitação de suporte ao empreendimento, de di- Janeiro: Garamond, 2003. 312p. pp. 163-184.
mensões locais, metropolitanas e regionais mais amplas. MONIÉ, Fréderic. Petróleo, industrialização e organização do espaço regional. In: PIQUET,
Rosélia (Org.). Petróleo, royalties e região. Rio de Janeiro: Garamond, 2003. 312p. pp.
257-285.
406 Reflexos da exploração do petróleo no território fluminense Maria de Lourdes Costa | Aline Couto da Costa | Diana Bogado Corrêa da Silva 407
MONTEIRO, Ricardo Negro; LORENZO, Sabrina. JB, 2007 – Jornal do Brasil Economia Negócios e
Serviços, nov./2007. Uma revisão das bases
conceituais para um sistema
PETROBRAS. Petróleo Brasileiro S.A. A Petrobrás.História. Disponível em: <http://www2.
petrobras.com.br/portugues/ads/ads_Petrobras.html>, Acessoem: 28 ago. 2008.
PORTAS, Nuno. “Notas sobre a intervenção na cidade existente”. In:Revista Espaço e Debates,
número 17, 1986. pp. 94-104. de instrumentos de política
REIS, Nestor Goulart. Notas sobre Urbanização Dispersa e Novas Formas de Tecido Urbano. São
Paulo: Via das Artes, 2006.
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Relatório do TCE, 2001.
fundiária urbana
Fernanda Furtado de Oliveira e Silva
408 Reflexos da exploração do petróleo no território fluminense Fernanda Furtado de Oliveira e Silva 409
be useful to cover these diverse concrete ways, and also relates them to its recapture by the De fato, ao tratar de diretrizes gerais como a “justa distribuição dos benefí-
public sector through different urban intervention instruments. cios e ônus decorrentes do processo de urbanização” (Cap.I – Diretriz geral IX), ou
Resumen | Los instrumentos alternativos y algunas veces complementarios para financiar a “recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a va-
el desarrollo urbano y la infraestructura, y en especial la recuperación social y pública de lorização de imóveis urbanos” (id. XI), não havia como desconhecer a necessidade
sus beneficios, están en la agenda de los gobiernos locales. El Estatuto de la Ciudad, como de melhor delimitar de que se estava tratando realmente. O mesmo ocorria na de-
base para los nuevos o revisados Planes Directores Municipales, ofrece una serie de instru- finição e desenho de vários Instrumentos de Política Urbana contidos no Capítulo
mentos destinados a equilibrar más adecuadamente los beneficios y cargas del proceso de II da legislação, especialmente quando se tratava de novos instrumentos tais como
urbanización. La aplicación de herramientas de recuperación del valor del suelo también a “outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso”, ou as “operações
permite modificar una manifestación perversa del mercado, que es la apropiación privada urbanas consorciadas”, mas também quando se tratava de instrumentos já consa-
de este valor por los propietarios. El problema es cómo organizar un sistema de instrumen- grados como era o caso da desapropriação ou tradicionais na legislação como era o
tos fiscales, urbanísticos y jurídicos para hacer frente a las diversas formas en que los valores caso da contribuição de melhoria.
del suelo y sus incrementos aparecen. Para traducir esta compleja cuestión al ámbito del Nesses como em outros institutos presentes no Estatuto da Cidade (ex. direi-
urbanismo, este trabajo presenta una estructura de análisis que sea útil para cubrir estas to de preempção, “consórcio imobiliário”) estava latente a questão da definição do
diversas formas concretas, y también las relaciona a su recuperación por el sector público a conteúdo ético, lógico e político envolvido na recuperação pelo setor público de
través de diferentes instrumentos de intervención urbana. parcelas das mais-valias fundiárias originadas pelas diversas dinâmicas presentes no
processo de urbanização em geral, e em especial pelo funcionamento do mercado
de terras urbanas.
Introdução Na última década, o tema do mercado de terras e a consequente necessidade
de uma política fundiária urbana vêm adquirindo importância e visibilidade cres-
Este artigo retoma um trabalho realizado há mais de dez anos1, no qual se centes, tanto pelos desafios colocados por programas de provisão de habitação de
buscou avançar na definição das bases conceituais necessárias à definição e imple- interesse social2 como pelas novas dinâmicas que a incorporação imobiliária vem
mentação de instrumentos de recuperação de mais-valias fundiárias, com o objetivo adquirindo3. E para enfrentar as questões que surgem nos alinhamos a Adriano Bo-
mais geral de contribuir para o aprimoramento do planejamento urbano e da políti- telho no entendimento de que a renda fundiária urbana é ainda uma categoria de
ca urbana, e especificamente como ferramenta auxiliar na leitura e interpretação de análise válida (BOTELHO, 2008). Assim, enquanto naquele período inicial de absor-
alguns dos preceitos e instrumentos contidos no então recente Estatuto da Cidade ção dos preceitos do Estatuto da Cidade a preocupação maior era a de mapear o
(Lei Nacional 10.257 de julho de 2001). Naquela época, tratava-se, essencialmente, tema como subsídio a uma interpretação adequada da legislação, torna-se oportu-
de estudar formas concretas de delimitação dos conceitoscontidos na expressão no, hoje, retornar a essas bases conceituais para amparar a definição e implementa-
“recuperaçãode mais-valias fundiárias” e também de traduzir a terminologia a ela ção de um sistema de instrumentos de política fundiária urbana.
associada, originária da economia urbana, para o campo do urbanismo e do plane- Assim, a proposta é de retomar e revisar os principais conceitos antes desen-
jamento urbano. volvidos, para então estruturá-los analiticamente e aplicá-los à atual realidade, de
Para o desenvolvimento daquele trabalho, partiu-se da constatação de que, modo a mapear instrumentos de recuperação de mais-valias fundiárias 4 capazes de
apesar de a expressão em foco não estar explicitamente grafada no texto do Estatu- responder às questões colocadas, através de sua organização em um sistema.
to da Cidade, seu conteúdo está fortemente presente tanto de modo mais genérico
no capítulo das diretrizes gerais como em uma série de instrumentos tributários,
jurídicos, políticos (e urbanísticos) alinhados e detalhados no capítulo referente aos
instrumentos da Política Urbana.
2. A questão de como viabilizar terrenos para habitação social tem sido o “calcanhar de Aquiles” dos diversos Progra-
mas e Planos locais, municipais e estaduais, além do Programa Minha Casa Minha Vida.
3. Entre outros fatores, pela proliferação de negócios imobiliários envolvendo agentes financeiros internacionais, além
de empreiteiras nacionais tradicionalmente dedicadas a obras públicas.
1. O trabalho aqui utilizado como referência, apresentado no X Encontro Nacional da ANPUR, em Belo Horizonte, em maio 4. Atualmente, a expressão empregada para fins de política urbana é “gestão social da valorização da terra”, porém
de 2003, tomou como base o Capítulo II da tese de doutorado da autora. aqui preferimos manter o termo original para melhor analisar a questão.
410 Uma revisão das bases conceituais Fernanda Furtado de Oliveira e Silva 411
Mais-Valias Fundiárias: Hoje em dia, porém, a palavra renda é usada em um sentido ainda mais amplo. Pode
referir-se ao produto do aluguel de qualquer bem, e em alguns idiomas costuma
analisando os conceitos envolvidos
ser usada como equivalente a “rendimento”. Assim, apor a palavra “fundiária” ou o
“Valor da terra” e “Renda fundiária” termo “da terra”, hoje em dia, teria o objetivo principal de situar o campo de inves-
tigação abordado.
A expressão “mais-valias fundiárias” remete imediatamente às expressões Mas o uso desses termos complementares tem a função mais importante
“valor da terra” e “renda fundiária”. Basta estabelecer esta associação para entender de especificar como objeto somente a parcela recebida pelo proprietário relativa à
que não seja surpreendente a existência de controvérsias sobre o uso e a abrangên- terra propriamente, o que justifica que esses termos apareçam mesmo quando se
cia dessa expressão. trata de publicações especializadas.
Em primeiro lugar, devemos considerar as dificuldades com os termos “valor” Quanto ao termo “valor da terra”, é importante precisar o sentido de seu uso,
e “renda”, que se constituem em bases para a ciência econômica e estão entre os pois desse sentido derivam os usos de mais-valia fundiária, incremento de valor da terra
mais discutidos no percurso do desenvolvimento científico, como observado desde e valorização. O uso atual do termo é equivalente ao de “renda econômica da terra”, e
os estudos de Ricardo: “...porque de nenhuma outra fonte surgem tantos erros, e assim é referido mesmo em publicações especializadas (BROWN e SMOLKA, 1997).
tanta divergência de opiniões no desenvolvimento desta ciência, como das vagas A controvérsia sobre o uso do termo “valor” para o caso da terra é reconheci-
ideias relacionadas à palavra valor.” (RICARDO, 1975 [1817], p.13); “Algumas vezes da e estudada por Marx, a partir da colocação em questão do seu status no interior
Adam Smith fala de renda no sentido estrito ao qual desejo limitar este termo, mas da teoria do valor, como já destacado por Milton Campanario:
com maior frequência o menciona com o sentido popular em que é usualmente
empregado.” (id., p.68) A renda é o preço pago ao proprietário de forças naturais ou simples
produtos da natureza pelo direito de usar essas forças… Esta é de fato a
Em segundo lugar, como também ressaltado por Ricardo, esses termos não estão
forma na qual toda renda aparece originalmente. Mas então permanece
restritos ao debate científico, mas, ao contrário, são palavras de uso corrente que foram
por ser resolvida a questão de como coisas que não têm valor podem ter
e seguem sendo passíveis de adquirir significados variados na linguagem comum. um preço e como isto é compatível com a teoria geral do valor. (MARX,
Renda é palavra frequentemente usada como equivalente a juro e a lucro. 1968, apud CAMPANARIO, 1981, p.167).
Marx também faz referência ao uso mais comum do termo: “É natural que na práti-
ca se considere renda fundiária tudo o que o arrendatário paga ao proprietário na O exame da renda fundiária, e em particular da conversão do lucro suplemen-
forma de tributo pela permissão de explorar a terra.” (MARX, 1987 [1894], p.717). tar em renda fundiária, é realizado por Marx para resolver a questão de como um
Henry George, ao adotar a definição ricardiana de renda, não só distingue o uso valor-de-uso não produzido pode garantir ao seu dono uma parte do valor exce-
científico do uso comum do termo “renda”, como qualifica essas diferenças, especi- dente (mais-valia) no modo de produção capitalista.
ficando que o sentido popular não é apenas uma extensão do sentido econômico,
como poderia parecer. Este sentido econômico, segundo o autor, é mais abrangente
que a forma usada na linguagem comum, que somente se refere à existência de “Renda Fundiária” e “Mais-valia”
renda quando o proprietário e o usuário são sujeitos distintos, quando no sentido
econômico também existe renda quando eles são o mesmo sujeito. Por outro lado, O termo “mais-valia”6 provém da ideia de “valor excedente”7 e, por isso, está
conforme o autor, este sentido é mais restrito que o significado comum, ao consi- sujeito às controvérsias que recaem sobre o entendimento da formação e distribuição
derar somente o pagamento pelo uso da terra nua, sendo excluídos os pagamentos do valor. Podemos então reconhecer a mais-valia, valor excedente, como produto do
pelo uso de construções ou outros melhoramentos, que devem ser considerados trabalho excedente, para com isso entender que toda renda fundiária é mais-valia.
mais apropriadamente como juros (GEORGE, 1992 [1879]). Isto não significa, porém, que toda mais-valia seja renda fundiária. Ao abordar
Segundo essa definição econômica, não seria então necessário falar em a gênese da renda fundiária capitalista, Marx (Livro III, cap.47) percorre as diferentes
renda “fundiária”5, ou renda “da terra”, ao menos no interior do debate científico. 6. Os tradutores da edição brasileira do Capital para a série Economistas (Ed. Nova Cultural, 1985) explicam que, embora
por analogia a “mais-trabalho” e “mais-produto” o termo mais preciso fosse o de “mais-valor”, foi adotado o termo “mais-
5. Em inglês, “land rent” ou “the rent of land”. O termo fundiário, cujo uso tem origem agrária, parece ser usado no Brasil valia” por ser o vocábulo consagrado em português.
por aproximação ao “foncier” francês. Em espanhol, o termo tem pouco uso, estando mais ligado ao universo agrário, 7. “Surplusvalue”, em inglês. “Plusvalue”, em francês, é registrada como palavra de uso forense em dicionário do final
sendo usados geralmente, no caso urbano, “renta del suelo” ou “renta de la tierra”. do século 19 (Guillard, Aillaud e Cia., 1887), com o significado de “excesso além da avaliação ou custo”.
412 Uma revisão das bases conceituais Fernanda Furtado de Oliveira e Silva 413
formas de renda fundiária para mostrar como a renda nas formas anteriores (renda O termo mais usado em referência à parcela da renda fundiária que esses
em trabalho, renda em produto) se identificava com a mais-valia, a forma normal acréscimos representam é o de “incremento de valor da terra”, e a base ética para
em que então se expressava o trabalho excedente não pago. No entanto, quando a a recuperação de parcelas desse valor é a de que, ao contrário do “valor” original
renda assume a forma de renda-dinheiro, e quando o arrendatário capitalista torna- (refletido no preço de aquisição9) que foi pago pelo proprietário, o incremento de
-se o comandante do processo de produção, “a renda deixa de ser a forma normal valor da terra, ou parte dele, é recebido de forma gratuita por ele, sendo alheio ao
da mais-valia e do trabalho excedente para reduzir-se a sobra desse trabalho exce- seu esforço e, portanto, constituindo-se em uma valorização imerecida10.
dente, a qual aparece depois de deduzida a parte de que se apropria o explorador Por ora, interessa então reconhecer o debate instaurado entre as duas prin-
capitalista sob a forma de lucro. … O lucro, e não mais a renda, é a forma normal da cipais interpretações apresentadas para o termo “mais-valias fundiárias”: i) a de que
mais-valia” (MARX, 1987 [1894], p.916-917). elas correspondem a toda a renda fundiária, e ii) a de que elas correspondem aos
A renda fundiária é, então, forma particular e parte específica da mais-valia, e, acréscimos dessa renda.
nesse sentido, mais-valia fundiária remete à parcela da mais-valia que cabe ao pro- Porém, o ponto central a reter para uma melhor compreensão do tema é
prietário da terra, sendo o mesmo que renda fundiária, “a forma em que se realiza o de entender que a segunda alternativa, relativa aos incrementos de valor, está
economicamente, se valoriza a propriedade fundiária” (id., p.710). contida na primeira alternativa, que inclui todo o valor da propriedade. Assim,
Qual a implicação desse entendimento para os nossos propósitos? embora na aproximação mais abrangente toda a renda da terra seja incremento
Se toda a “renda econômica da terra”, ou todo o “valor da terra”, é “mais-valia imerecido de valor, na perspectiva mais restritiva, somente determinados acrésci-
fundiária”, toda esta renda está sujeita a ser recuperada pela coletividade. Neste en- mos de valor são imerecidos.
tendimento, qualquer parcela do “valor da terra” de uma determinada propriedade,
seja ele relativo à mais-valia acumulada no passado ou à mais-valia potencial que
advenha no futuro, está qualificada como passível de recuperação. Como conse- Recuperação de mais-valias fundiárias urbanas:
quência, qualquer tributo ou ônus8 que incida sobre a terra, ainda que parcialmente, reunindo os conceitos envolvidos
poderia ser entendido como instrumento de recuperação de mais-valias fundiárias, Uma advertência necessária
trazendo amplitude ao rol dos instrumentos a serem considerados.
Esta interpretação, que tem consequências importantes na formulação de Antes de prosseguirmos, é necessário reconhecer que, desde uma perspectiva
uma política para a recuperação de mais-valias fundiárias e na consideração e dese- marxista radical, não haveria porque distinguir as mais-valias fundiárias do conjunto
nho dos instrumentos a serem utilizados na operacionalização desta política, não é, das mais-valias, e Marx aponta este como um dos erros principais que turvam a análi-
entretanto, a única possível para a definição do termo “mais-valias fundiárias”. se no estudo da renda fundiária, o que pode ser depreendido da seguinte passagem:
414 Uma revisão das bases conceituais Fernanda Furtado de Oliveira e Silva 415
Ao abordar o tema da recuperação de mais-valias fundiárias, entretanto, en- confere a um indivíduo uma vantagem especial mensurável, é justo para a
tendemos que, apesar da relevância de reconhecer os seus limites como mecanismo comunidade que o indivíduo deva pagar por isso (SELIGMAN, 1925, apud
MACON e MAÑON, 1977, p.5).
de transformação das relações sociais, é importante também analisar as suas poten-
cialidades como ferramental na busca de caminhos para um processo de urbaniza-
ção socialmente mais justo (HARVEY, 1989). Por uma espécie de metamorfose, o princípio ético se transforma, desapa-
recendo a ideia de que “cada um deve ser recompensado apenas pelo seu próprio
esforço” e reaparecendo como “cada um deve ser responsável pelos seus próprios
Primeiro passo: a base ética e as motivações alternativas custos”. É importante ressaltar que esta transformação, que tem impactos impor-
tantes sobre qualquer campo da política tributária, não é neutra em relação à for-
Ao considerar a expressão “recuperação de mais-valias fundiárias urbanas”, mulação de uma política de recuperação de mais-valias fundiárias e à elaboração e
assumimos que está implícita a ideia de recuperá-las para a coletividade, com o en- seleção dos instrumentos que a integrem.
tendimento de que cabem à coletividade. Devemos então examinar os motivos que Esse debate, que não temos a pretensão de considerar aqui de forma mais
podem estar associados ao entendimento de que essas mais-valias, ou uma parcela aprofundada, serve para ilustrar como a definição “cabem à coletividade” pode ad-
delas, cabem à coletividade, o que remete aos princípios éticos que formam a base quirir vários significados e intensidades, que decorrem de uma questão de entendi-
da motivação para recuperá-las. mento do que seja “justo”, e da evolução (ou involução) de diferentes proposições
Vamos partir da proposição ética usualmente considerada neste campo de éticas, aqui tomadas como forma de abrir a questão sobre as diversas motivações
que “cada um deve ser recompensado apenas pelo seu próprio esforço”, ressalvan- para a recuperação de mais-valias fundiárias.
do que, como apontado acima, nos marcos da urbanização capitalista esta proposi- Isto não significa que uma generalização na motivação para a recuperação de
ção não pode ser dissociada de uma “ética do capital”, o que qualifica de imediato o mais-valias fundiárias não seja possível, mas apenas que ela não é autoexplicativa.
que se depreende de “próprio esforço”. Assim, entender que a recuperação de mais-valias fundiárias é justa porque per-
Segundo essa proposição, a mais-valia fundiária que não é produto do esfor- mite redistribuir vantagens especiais alocadas privadamente, é algo que não pode
ço individual é imerecida. Mas, como vimos, o que (que parcela) realmente é produ- ser avaliado independentemente de um conjunto de questões que envolvem, entre
to do esforço individual também é passível de mais de um entendimento. Na visão outras coisas, como e onde essas vantagens especiais são alocadas.
de Henry George, por exemplo, a renda de uma determinada propriedade depende Em qualquer dos casos, nossa expressão adquire trechos implícitos, assumin-
unicamente do esforço coletivo, o que aparece claramente em sua proposta: do a forma mais genérica de recuperar (para a coletividade, porque cabem à coleti-
vidade,) (a totalidade ou uma parcela estabelecida pela coletividade das) mais-valias
Considere o que é a renda. Ela não cresce espontaneamente da terra; não
é devida a nada que os proprietários tenham feito. Ela representa um valor fundiárias urbanas.
criado por toda a comunidade. Deixemos que os proprietários tenham
tudo o que a posse da terra lhes daria na ausência do restante da comuni-
dade (GEORGE, 1992 [1879], p.366). Segundo passo: variações qualitativas e
seu conteúdo ético
Esta não é, contudo, a única forma como a proposição é entendida no campo
das finanças públicas e nos princípios de tributação. Um entendimento alternativo, Em nosso primeiro passo para entender a expressão em sua totalidade, diri-
situado na outra ponta de um conjunto de entendimentos possíveis, é a de que gimo-nos às suas motivações, o “porquê”. Aqui, trataremos de definir o objeto desta
“é justo que a coletividade deva ser ressarcida”. Edwin Seligman, um dos grandes expressão e delimitá-lo, ou seja, a “quais” mais-valias fundiárias urbanas a expressão
nomes da área, adota esse caminho alternativo: se dirige.
Vamos situar em dois níveis a definição qualitativa do que se considera como
A teoria da contribuição de valorização ou melhoria (betterment charge or
mais-valias fundiárias. O primeiro, de que já tratamos, é o que distingue a concepção
assessment) de acordo com o benefício é muito simples. Ela se baseia no
princípio quase axiomático de que se o governo por alguma ação positiva mais abrangente que inclui todo o “valor” da terra, dos incrementos de valor como
acréscimos incorporados na constância da propriedade. Em um segundo nível,
podemos imediatamente distinguir, a partir dos termos mais usados na literatura,
416 Uma revisão das bases conceituais Fernanda Furtado de Oliveira e Silva 417
quatro categorias básicas de mais-valias fundiárias urbanas, ou seja, das distintas
valorizações a considerar, ordenadas de maneira decrescente:
i. toda (independente de origem);
ii. alheia à ação do proprietário;
iii. que depende da atuação pública;
iv. que decorre de investimentos públicos diretos.
Cabe esclarecer, porém, que o que cada indivíduo, ou cada conjunto social,
entende para cada uma dessas categorias também é variável, e como já sugerido
depende em última análise das bases éticas que atravessam o pensamento individu-
al ou esse conjunto social. Vimos que para Henry George, por exemplo, toda mais-
-valia fundiária urbana é imerecida e deve ser recuperada. Para ele e seus seguidores
radicais, essa classificação seria completamente inútil, sob o argumento de que toda
mais-valia fundiária é alheia ao esforço do proprietário e ademais depende do esfor-
ço da coletividade, inclusive a que decorre de investimentos públicos.
Apesar disso, esses termos são usados de forma diferenciada, e não como
alternativas aleatórias. Esta diferenciação é útil para que se possa definir um conjun- A partir desta distinção, a incidência de instrumentos de recuperação de
to de instrumentos de política fundiária com incidências específicas, que possam mais-valias fundiárias pode dar-se com base na definição de diferentes fatos gera-
funcionar dentro de um sistema de instrumentos. dores. Para tanto, é necessário explicitar o que cada uma das categorias usualmente
exclui em relação à categoria de significado imediatamente mais abrangente.
418 Uma revisão das bases conceituais Fernanda Furtado de Oliveira e Silva 419
Mas este segundo tipo pode excluir também atividades específicas do ca- Ao regredir até o momento inicial deste terreno no mercado, podemos então
pital imobiliário na busca de inovações que lhe permitam apropriar-se momenta- concluir que todo o seu valor acumulado corresponde a valorizações incorporadas de
neamente de sobrelucros, os quais quando se generalizam podem ser apropriados forma privada no passado, através da capitalização, por cada proprietário, das mais-va-
pelos proprietários na forma de rendas, genericamente reconhecidos como “ganhos lias fundiárias acumuladas ao longo do tempo. O Esquema 2 ilustra este entendimento.
de fundador” (SMOLKA, 1983). O ponto remete ao extenso debate das externalida- Essas quatro categorias, com suas variações, são capazes de estabelecer ho-
des urbanas e de seu rebatimento na produção (e consumo) do ambiente constru- rizontes para a recuperação de mais-valias fundiárias urbanas, e seu ordenamento
ído, envolvendo também as estratégias do capital imobiliário para a internalização decrescente acrescenta a essa ordenação, que é sobretudo qualitativa, um elemen-
dessas externalidades (SMOLKA, 1987). to quantitativo.
Para a formulação de uma política fundiária e de seus instrumentos, é neces-
sário especificar exatamente quais mais-valias fundiárias urbanas serão colocadas
Valorização que decorre de investimentos públicos no horizonte da recuperação, e a lista acima, se não cobre todas as possibilidades,
na medida em que outros subgrupos podem surgir dependendo do que se pre-
A última categoria, relativa a investimentos públicos diretos e localizados, tenda excluir ou incluir em uma definição mais concreta, serve para orientar uma
exclui, em relação à anterior, o esforço da coletividade que não implica custo direto aproximação prática ao tema.
ou imediato. Aqui, a atuação pública que se considera é limitada pela provisão de
obras públicas localizadas, e notadamente de infraestrutura urbana, sendo excluí-
dos os impactos decorrentes da regulação urbanística.
Ora, a regulação urbanística é um elemento que proporciona valor aos terre-
nos urbanos, sendo reconhecido que boa parte de seu valor é definida pelo que se
pode fazer nele, ou seja, pelos usos e aproveitamentos que lhe são atribuídos atra-
vés da normativa urbanística. Desta forma, alterações nesta normativa, ao definirem
usos mais intensivos ou mais rentáveis para determinados terrenos, usualmente
provocam valorizações de tais propriedades.
Cabe observar que os parâmetros construtivos e usos permitidos em uma de-
terminada área ou localização estão, ao menos teoricamente, relacionados à infraes-
trutura existente no local, de modo que na prática muitas vezes é complicado separar
essas duas linhas de atuação do poder público quando da definição de instrumentos
concretos, exceto no caso da limitação da recuperação aos custos incorridos13.
E o “esforço do proprietário”?
Nesta sequência lógica, cabe agora questionar o que justifica, conceitualmente,
recuperar parcelas da mais-valia fundiária relacionadas ao “esforço do proprietário”, ou Terceiro passo: dos conceitos à montagem
seja, ao valor associado ao preço pago pelo proprietário na aquisição do terreno. de um sistema
A assertiva de que todo o valor da terra é mais-valia fundiária é o que justifica
essa cobrança. Para entendê-la, é importante voltar ao valor imputado no momento Para a montagem de um sistema de política fundiária urbana, o esquema pro-
da aquisição, para verificar que este valor acumulado corresponde à adição das va- posto aponta para a utilização de instrumentos relacionados a cada uma das quatro
lorizações apropriadas pelo proprietário anterior, ao valor original da propriedade categorias propostas. Entre elas, a categoria mais abrangente é a que inclui instru-
que aquele proprietário pagou, em momento anterior, ao adquirir este terreno. mentos que incidem sobre todo o valor do terreno, independente do momento e
da origem de aquisição de cada parcela deste valor. Os instrumentos que se incluem
13. O instrumento usualmente considerado nessa situação é o da contribuição de melhoria. Vale notar, porém, que nesta categoria são os impostos territoriais, presentes no IPTU e também em impos-
ela também é, via de regra, limitada legalmente aos custos do investimento, e que no caso mais geral da provisão de tos de transmissão das propriedades.
infraestrutura e serviços escassos e mal distribuídos no espaço, os custos incorridos são apenas uma pequena fração
da valorização percebida pelos proprietários beneficiados pela obra em questão.
420 Uma revisão das bases conceituais Fernanda Furtado de Oliveira e Silva 421
É interessante observar que tem sido frequente a busca de alternativas mu- Por fim, a quarta categoria se refere exclusivamente à recuperação da valo-
nicipais por instrumentos voltados para a recuperação da valorização decorrente rização decorrente de investimentos públicos diretos, como o alargamento de uma
da dinâmica imobiliária em geral, e especialmente da atuação pública, com o argu- via ou a dotação de um novo serviço público em um local ou área da cidade. Neste
mento de que o imposto predial não é capaz de recuperar as enormes valorizações caso, está previsto o lançamento da Contribuição de Melhoria (CM), tributo direta-
advindas do adensamento e da verticalização dos terrenos urbanos, e também da mente relacionado a gastos públicos localizados que impliquem a valorização de
incorporação de grandes terrenos periurbanos. determinados imóveis. O fato de que este instrumento usualmente considera a re-
Ora, se o imposto predial (em seu componente territorial) é um instrumento cuperação apenas dos custos envolvidos não exclui a CM de um sistema completo
da primeira categoria, teoricamente deveria ser possível recuperar todas as mais- de recuperação de mais-valias fundiárias.
-valias fundiárias, independente de origem, através deste instrumento. Duas são as Neste sistema, então, cada grupo de instrumentos trata de recuperar uma
razões para que isto não ocorra: em primeiro lugar, as formas concretas de utilização parcela das mais-valias fundiárias acumuladas. Vale notar que esta incidência está
do imposto predial, no Brasil como em toda a América Latina, o tornam baixo e de- vinculada a diferentes fatos geradores, de modo que o esquema apresentado
satualizado, dadas as condições políticas e técnicas de sua aplicação14. Em segundo também esclarece a questão muitas vezes levantada de que haveria, na utilização
lugar, a sua inserção em um sistema em que diversos instrumentos incidem sobre conjunta desses instrumentos, uma bi-tributação.
diversos fatos geradores facilita a sua utilização como instrumento básico da políti- Apesar de que este sistema de certo modo contribuia para superar as defici-
ca fundiária urbana, a ser complementado por outros instrumentos que incidam em ências de uma base tributária desatualizada, há que se entender que como todos os
momentos particulares do funcionamento do mercado de terras. instrumentos tomam como base algum valor atribuído aos imóveis, caso este valor
A segunda categoria incide sobre qualquer valorização alheia à ação do pro- esteja desatualizado ele pode não conter uma parte importante da valorização, o
prietário, seja ela advinda da ação de outros indivíduos ou da atuação pública. Aqui, que em certos casos pode ser muito significativo e funcionar mais como cortina de
são incluídos os chamados tributos sobre o ganho fundiário, que em geral têm como fumaça do que como uma real recuperação de mais-valias fundiárias.
fato gerador o momento em que a propriedade é transacionada. No Brasil, este tri- O Esquema 3 permite melhor entender o funcionamento desse sistema.
buto está presente na forma de um “imposto sobre ganho de capital”, inserido no
imposto sobre a renda federal. Justamente, para o cálculo deste imposto, desconta-
-se do preço de venda do imóvel o seu preço de aquisição atualizado.
A terceira categoria enfoca a valorização originada pela atuação pública, a
qual inclui tanto as decisões administrativas sobre o uso e aproveitamento do solo
urbano, como os investimentos públicos associados a usos mais rentáveis e maiores
aproveitamentos. No caso brasileiro, temos no Estatuto da Cidade dois instrumen-
tos regulamentados para este fim: a Outorga Onerosa do Direito de Construir e de
Alteração de Uso (OODC), e também a Operação Urbana Consorciada (OUC). Ambos
os instrumentos se utilizam da mesma base conceitual de recuperar parcelas das
mais-valias fundiárias decorrentes da alteração da normativa urbanística, sendo que
a OODC envolve investimentos públicos realizados no passado em certas áreas da
cidade (e por esta razão a arrecadação oriunda deste instrumento deve destinar-
-se àquelas áreas carentes desses investimentos), enquanto a OUC está associada a
investimentos necessários em áreas da cidade que estejam passando por transfor-
mações estruturais15.
Este sistema, como se pode observar, contempla apenas os instrumentos bási-
14. Para uma discussão em profundidade desse ponto, vide o Capítulo I da tese de doutorado da autora. cos e de utilização direta para o desenho de uma política fundiária urbana, porém é
15. Estes instrumentos de terceira categoria podem ou não ser de natureza tributária, o que não altera o esquema
conceitual proposto. No Brasil, já foi definido pelo STF (relatoria Eros Grau, 2008) que a OODC – ou solo criado – não é
importante entender que a estrutura analítica proposta permite contemplar diversos
um tributo, e sim um ônus vinculado a uma faculdade atribuível ao proprietário de imóvel. Na Colômbia, por exemplo,
a Participación en Plusvalías, similar à OODC, é considerada um tributo, pois incide sobre todos os terrenos em que a normativa urbanística seja alterada, independente de que esta alteração seja exercida pelo proprietário.
422 Uma revisão das bases conceituais Fernanda Furtado de Oliveira e Silva 423
outros instrumentos complementares. Um exemplo importante é a desapropriação: derá-lo como um objetivo em si mesmo. Assim, a delimitação desse patamar envolve
mediante o entendimento do momento em que ela é utilizada em relação à estrutura a introdução dos objetivos para a recuperação de mais-valias fundiárias e como eles
proposta, pode-se melhor definir o que deve ser incluído no montante de indenização podem ou devem ser absorvidos e hierarquizados como objetivos desta política17.
e o que deve ser excluído. Outros instrumentos inseridos no Estatuto da Cidade e ainda Não pode deixar de ser mencionado, também, que esses instrumentos, apesar
sem uma base experimental definida, como o direito de preempção e o consórcio imo- de aparentemente se revestirem de um caráter técnico, são passíveis de apropria-
biliário, podem também beneficiar-se desta estrutura para sua regulamentação. ção política por grupos mais poderosos que outros. Aqui, é essencial não rotular os
instrumentos e tomar com cuidado certos detalhes que podem alterar inteiramente
o seu alcance qualitativo. Além dos instrumentos tributários que frequentemente
Considerações Finais: ética e prática política sofrem essas importantes (embora às vezes aparentemente marginais) transforma-
ções, deve-se ter atenção aos instrumentos relacionados com a alteração de norma-
Voltamos agora ao nosso ponto inicial. A expressão é “recuperação de mais- tivas urbanísticas, pois essas alterações podem com facilidade adquirir o caráter de
-valias fundiárias urbanas”, e não das, porque em ambos os casos definir a quantida- comercialização dessas normas.
de de mais-valias fundiárias a recuperar remete à esfera política. Sobre este ponto, é fundamental entender que este caráter de comercializa-
Na análise teórica de quais mais-valias fundiárias devem ser ou são considera- ção pode vir a ser generalizado, se recuperar mais-valias fundiárias for tomado como
das como passíveis de serem recuperadas, estabelecer o horizonte qualitativo dessa um princípio de compensação. Neste caso, perde-se inteiramente o princípio que
consideração é um elemento essencial. O horizonte mais amplo para o tema seria entendemos que norteia o tema, que é o princípio da distribuição18. Aqui, tornam-
o de tornar todas as terras comunitárias, ou alternativamente, como proposto origi- -se claras as diferenças entre a apropriação do tema como elemento facilitador do
nalmente por Henry George, de capturar todas as rendas, mas ele mesmo reconhe- livre funcionamento do mercado de terras urbanas, e a apropriação em que vimos
ce esta ideia como utópica16. nos situando ao longo de nosso trabalho, como elemento de intervenção sobre um
A identificação de qual deve ou pode ser esse horizonte, bem como sua con- mercado de terras cujo funcionamento se caracteriza por uma distribuição estrutu-
frontação com o reconhecimento de como ele tem sido situado concretamente, ralmente injusta das mais-valias fundiárias.
com certeza ultrapassam esta aproximação conceitual, e neste sentido nosso arca-
bouço pretende ter o papel de contribuir para o avanço dessas análises, e não o
de colaborar para uma estratégia de despolitização de uma definição concreta que Referências bibliográficas
claramente pertence ao campo político.
A importância deste entendimento é a de que com ele se estabelecem os limites BOTELHO, Adriano. “A Renda Fundiária Urbana: uma categoria de análise ainda válida”.
do tema da recuperação de mais-valias fundiárias urbanas, compreendendo que ele não Revista GEOgraphia, Ano IX, N. 19, UFF/EGG, 2008, p. 23-40.
pode ser tomado como panaceia para o processo de urbanização, ou seja, há que se reco- BROWN, H. James and SMOLKA, Martim O. “Capturing Public Value from Public Investments”.
nhecer de antemão que ele serve para algumas coisas, mas para outras não serve. In: BROWN, H. James (Ed.) Land Use and Taxation. Applying the Insights of Henry George.
Cambridge, Massachusetts: Lincoln Institute of Land Policy, 1997.
Essa dimensão política pode também ser abordada em dois planos analíticos,
o primeiro relativo ao que é desejável, que remete ao nosso horizonte qualitativo, e CAMPANARIO, Milton. Land Rent and the Reproduction of Labor Force: Some Evidence from São
Paulo. Tese de Doutorado, Cornell University, 1981.
o segundo relativo ao que é possível, que remete tanto à definição de um horizonte
qualitativo concretamente determinado como à delimitação de um patamar quan- FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA / CEPAM. “Carta do Embu”. Documento Síntese do
Seminário Aspectos Jurídicos do Solo Criado, Embu, SP, dezembro de 1976.
titativo dentro deste horizonte.
Esta delimitação, porém, não se define de forma abstrata, ela envolve enten- FURTADO, Fernanda. Instrumentos para a Recuperação de Mais-Valias Fundiárias Urbanas na
América Latina: debilidade na implementação, ambiguidades na interpretação. Tese de
der o processo de urbanização e suas complexas articulações em suas manifestações
Doutorado. São Paulo, FAU-USP, 1999.
concretas. Isto significa inserir o tema da recuperação de mais-valias fundiárias, nesse
processo, como um eixo na formulação de uma política fundiária urbana, e não consi-
17. Definir e analisar estes objetivos escapa aos propósitos mais restritos deste artigo. O tema é desenvolvido no Capí-
16. Henry George reconhece claramente esta dimensão política, ao falar explicitamente em capturar quase todas as tulo III da Tese de Doutorado da autora.
rendas, excluindo os melhoramentos realizados na propriedade, ainda que os considere como produtos coletivos. 18. Sobre a distributividade como o elemento básico da recuperação de mais-valias fundiárias, vide Furtado, 2000.
424 Uma revisão das bases conceituais Fernanda Furtado de Oliveira e Silva 425
PARTE lI
. “Rethinking Value Capture Policies for Latin America”. LandLines –
Newsletter of The Lincoln Institute of Land Policy, Cambridge, Massachussetts, v.12, n.3,
May 2000, p.8-10.
FURTADO, Fernanda, BIASOTTO, Rosane, MALERONKA, Camila. Outorga Onerosa do Direito de
Construir: caderno técnico de regulamentação e implementação. Brasília: Ministério das
Cidades, 2012.
FURTADO, Fernanda y ACOSTA, Claudia. Recuperación de Plusvalías en Brasil, Colombia y
PESQUISADORES
otros países de América Latina. Lincoln Institute of Land Policy, Working Paper, 2013.
Disponível em: <www.lincolninst.edu> (Publications & Multimedia). COLABORADORES
GEORGE, Henry. Progress and Poverty. New York: Robert Schalkenbach Foundation. 1979
Centenary Edition, paperback ed., 1992 [1879]. EXTERNOS
HAGMAN, Donald, MISCZYNSKI, Dean (Eds.) Winfalls for Wipeouts: Land Value Capture and
Compensation. Washington, D.C.: American Planning Association, 1978.
HARVEY, David. The Urban Experience. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1989.
JARAMILLO, Samuel. Hacia una Teoría de La Renta Del Suelo Urbano. Bogotá: Ediciones
Uniandes, 2009 (2ª ed.)
MACON, J., MAÑON, J. Merino. Financing Urban and Rural Development Through Betterment
Levies: The Latin American Experience. New York: Praeger Publishers/Inter-American
Development Bank, 1977.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Volume I. São Paulo: Nova Cultural, 1985
[1867].
. O Capital: crítica da economia política. Volumes IV a VI. São Paulo: DIFEL, 1987
[1894].
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Estatuto da Cidade. Lei No. 10257 de 10 de Julho de 2001.
RICARDO, David. “On the Principles of Political Economy and Taxation”. In: SRAFFA (Ed.) The
Works and Correspondence of DAVID RICARDO, Volume I. Cambridge: The Cambridge
University Press, 1975 [1817].
SMOLKA, Martim O. Estruturas Intra-Urbanas e Segregação Social no Espaço. Elementos para
uma Discussão da Cidade na Teoria Econômica. PNPE/IPEA, Série Facsimile, n.13, 1983.
. “Desenvolvimento Capitalista e Estruturação Intra Urbana no Brasil: Os
Marcos Gerais”. Espaço e Debates, Ano VIII, vol.1, n.21, 1987, 39-50.
periferia des, especialmente aquellos relacionados a las sociedades urbanas periféricas. Una serie de
procesos, traídos para su análisis, relaciona el papel de los medios de comunicación y del
marketing de la ciudad en coyunturas de realización de grandes eventos. La espectaculari-
zación del paisaje urbano es tratada en este trabajo por medio de la noción de potemkinis-
Anne-Marie Broudehoux (Canadá) mo, entendido como proyección de una visión idealizada de la ciudad que tanto embellece
Tradução: Bruna da Cunha Guterman como falsifica la realidad. Los impactos de tal construcción simbólica son, al mismo tiempo,
políticos y, como apunta el texto, afectan a los ciudadanos en sus derechos a la vivienda
y a la ciudad. Al explorar esas ideas, el trabajo muestra visiones idealizadas y estetizadas
Resumo | O presente texto discute importantes aspectos da produção da imagem das de la ciudad, que proyectan representaciones parciales y reductoras de la sociedad y, de
cidades, especialmente aqueles relacionados às sociedades urbanas periféricas. Um feixe ese modo, perpetúan asimetrías de poder y cristalizan lecturas selectivas de sus territorios.
de processos, trazidos para a análise, relaciona o papel da mídia e do city marketing em Considerándolo todo, los sujetos afectados por tal producción simbólica desafían a las imá-
conjunturas de realização de grandes eventos. A espetacularização da paisagem urbana é genes dominantes y, en ciertos contextos, desvelan las tensiones y conflictos derivados del
tratada neste trabalho por intermédio da noção de potemkinismo, entendido como pro- desencuentro entre esas imágenes y las otras posibles lecturas de los espacios urbanos en
jeção de uma visão idealizada da cidade que tanto embeleza quanto falsifica a realidade. procesos de reestructuración.
Os impactos de tal construção simbólica são, ao mesmo tempo, políticos e, como aponta
o texto, afetam os cidadãos em seus direitos à moradia e à cidade. Ao explorar essas ideias
o trabalho mostra visões idealizadas e estetizadas da cidade, que projetam representações
parciais e redutoras da sociedade e, desse modo, perpetuam assimetrias de poder e crista-
lizam leituras seletivas dos seus territórios. Contudo, os sujeitos afetados por tal produção Ao longo dos últimos anos, tenho trabalhado com diferentes aspectos da-
simbólica desafiam as imagens dominantes e, em certos contextos, desvelam as tensões e construção da imagem urbana e do city marketing relacionados diretamente com
conflitos advindos do desencontro entre essas imagens e as outras possíveis leituras dos a ocorrência de megaeventos, especialmente na espetacularização da paisagem
espaços urbanos em processos de reestruturação. urbana e os impactos nos direitos à moradia e no direito à cidade1. Neste artigo, con-
tinuarei a explorar essas ideias, examinando mais atentamente alguns mecanismos
Abstract | the construction of urban image in great events: potemkinismo, the media
de construção da imagem, o papel da mídia neste processo e as particularidades das
and the periphery
sociedades periféricas.
This paper discusses important aspects of the production of the image of the cities, espe-
cially those related to peripheral urban societies. A beam processes, brought to analysis,
relates the role of the media and the city marketing in major events. The spectacle of the 1. Anne-Marie Broudehoux. « The Social and Spatial Impacts of Olympic Image Construction: The case of Beijing 2008 »
urban landscape is treated in this work through the potemkinismo, understood as a projec- in Stephen Wagg et Helen Lenskyj, A Handbook of Olympic Studies.London : Routledge, 2012. Anne-Marie Broudehoux.
“ Civilizing Beijing : Social beautification, civility, and citizenship at the 2008 Olympics.” in The Olympics, Mega-events
tion of an idealized view of the city that both beatifies as falsifies reality. The impacts of such and Civil Societies: Globalization, Environment, Resistance, ed. Graeme Hayes and John Karamichas. London: Palgrave
Macmillan, 2011. Anne-Marie Broudehoux. “Beijing’s Olympic Image: The Architectural construction of the Integrated
symbolic construction are political and affect citizens in their rights to housing and the city,
Spectacle. Journal of Architectural Education.Vol 62 no.2. 2010. Anne-Marie Broudehoux. « Seeds of Dissent: The Politics
as pointed out by the text. By exploring these ideas work shows idealized visions and aes- of Resistance to Beijing’s Olympic Redevelopment »in Melissa Butcher et Selvaraj Velayutham (dir.) Dissent and Cultural
Resistance in Asian Cities, London : Routledge, 2009, pp.14-32. Anne-Marie Broudehoux. « L’image olympique de Pékin
theticized the city, designing partial and reductive representations of society and thus per- à l’ère du néolibéralisme chinois » in Mike Davis (dir.) Paradis infernaux : Les villes hallucinées du néo-capitalisme.
petuate power asymmetries and crystallize selective readings of their territories. However, Paris : Les prairies ordinaires, 2008. Anne-Marie Broudehoux. “Spectacular Beijing: The Conspicuous Construction of an
Olympic Metropolis”. Journal of Urban Affairs. 29, 4 (2007): 383-399.
428 A construção da imagem urbana nos grandes eventos Anne-Marie Broudehoux (Canadá) 429
Meu interesse em mega-eventos decorre do meu trabalho de análise sobre a mesmo um constrangimento, o que poderia ser tomado como prova de fracasso,
transformação de Pequim de uma capital socialista para uma metrópole mundial e inadequação, ou pior, de inferioridade.
uma cidade olímpica. Muito antes dos megaeventos chegarem a Pequim, a cidade já A construção da imagem potemkinista não está limitada a manipulações vi-
havia desenvolvido uma estratégia sofisticada de construção da imagem – largamen- suais, mas também inclui uma ampla gama de práticas e estratégias discursivas,
te modelada em práticas soviéticas – e aperfeiçoada pela arte de camuflar a realida- muitas vezes por meio do uso de uma retórica sedutora, de uma linguagem super-
de. Por ocasião das celebrações nacionais especiais ou das visitas oficiais de chefes lativa, da mistificação de dados e de diversas formas de exagero para melhorar a
de Estado estrangeiros (por exemplo, durante a visita de Richard Nixon em 1972), percepção da realidade. Nos países comunistas, o potemkinismo muitas vezes foi
Pequim estava decorada com uma camada de tinta fresca, flores em vasos e novos além da simples montagem de vitrines e da construção de fachadas falsas, e incluiu
uniformes para as crianças na escola. Em seu livro de memórias, Henry Kissinger des- a reconstrução de toda uma realidade, um mundo potemkin em que jornais, filmes,
creve sua visita a China como um “jogo cuidadosamente ensaiado em que nada foi discursos políticos e estatísticas oficiais conspiravam para dissipar as acusações de
acidental e ainda sim tudo parecia espontâneo.”2 Os aspectos da cidade socialista que atraso econômico e cultural5. Esta visão embelezada não visava unicamente um pú-
poderiam questionar o sucesso da revolução ou estavam disfarçados ou cuidadosa- blico externo, mas também procurou convencer a população local do sucesso da
mente escondidos, por meio de painéis, outdoors ou grandes arbustos, enquanto os revolução e da integridade da liderança.
dissidentes e indigentes foram colocados fora de vista de forma segura3. Evidentemente, tais práticas não são exclusivas de qualquer sistema polí-
tico-econômico e podem ser encontradas em diferentes contextos. No Brasil, um
equivalente próximo da ideia de potemkinismo é a expressão “para inglês ver” (li-
Potemkinismo e a construção da imagem teralmente “para o inglês ver”), o que poderia ser traduzido como “apenas para se
mostrar” ou “para salvar as aparências”. A expressão parece remontar à segunda
Na minha pesquisa, eu uso a noção de potemkinismo para falar da projeção de metade do século XIX, quando a Inglaterra obrigou o Brasil a assinar um tratado
uma visão idealizada da cidade que tanto embeleza quanto falsifica a realidade. O para extinguir o tráfico de escravos. Ainda que não tivesse intenções reais de acabar
conceito vem da Rússia czarista, quando Catherine, a Grande, realizou uma grande com o comércio, o Brasil aprovou uma série de leis para satisfazer as demandas in-
turnê pela Criméia para testemunhar o progresso de seus esforços de colonização. glesas, mas elas nunca foram postas em prática.A expressão é agora usada para
Para enganar a imperatriz sobre o sucesso de tais iniciativas, o príncipe Grigory Po- denunciar projetos cosméticos de modernização ou para se referir à adoção, pelo
temkin supostamente usou cenários de palcos teatrais para erguer imitações de al- Brasil, de ideias e instituições liberais associadas com países mais desenvolvidos
deias na paisagem, assim sugerindo um ritmo mais avançado de colonização. A re- para propósitos largamente espetaculares.
volução Bolchevique viria a desenvolver e aperfeiçoar práticas similares, “nas quais Esta expressão acrescenta uma nova dimensão para o potemkinismo, uma vez
os defeitos e contradições do presente são negligenciados e onde o mundo não é que evoca mais do que a simples exibição de uma falsa realidade para impressionar
descrito como é, mas como está se tornando”4. os estrangeiros, mas também incorpora uma forma velada ou simbólica de resis-
Potemkinismo pode assim ser definido como a manipulação de aparências tência, semelhante ao que James Scott chama de “falsa consciência”6. Para Scott, ao
para distorcer a realidade, especialmente a fim de retratar um maior nível de de- fingir cumprir a exigência feita pelos superiores, enquanto secretamente continuam
senvolvimento. É uma forma de mecanismo de autopreservação desenvolvido em a fazer as coisas à sua própria maneira, os grupos subordinados subvertem as desi-
resposta à presença de um olhar externo, um espectador crítico, a julgar e avaliar gualdades de poder e dominação e constroem um “discurso velado de dignidade e
um nível de progresso. Potemkinismo não se limita a sugerir um desejo de mistificar autoafirmação” (p.137).
por meio do disfarce da realidade, mas também denota um desejo de agradar, para Os chineses também têm uma expressão interessante, relacionada ao pote-
impressionar e satisfazer as expectativas, mesmo que se tenha de recorrer a algum mkinismo e aos megaeventos. Eles falam de projetos mian (face), que lhes permitem
tipo de artifício para fazê-lo. Mais importante, ele transmite certo desconforto, até salvar a face e preservar sua dignidade, sugerindo que um desempenho decepcio-
nante pode resultar em uma perda do respeito7. Implícita em todas essas diferentes
2. Kissinger, Henry A. (1979) White House Years. Boston: Little, Brown, p. 1056 5. Fitzpatrick, Sheila. Everyday Stalinism, New York: Oxford University Press, 1999.
3. Ver Broudehoux, Anne-Marie.The Making and Selling of Post-Mao Beijing. London: Routledge, 2004. 6. Scott, James C. (1985). Weapons of the weak: forms of resistance.New Haven and London, Yale University Press.
4. Fitzpatrick, Sheila. Everyday Stalinism, New York: Oxford University Press, 1999, p.16. 7. Esta utilização é geralmente limitada à linguagem coloquial. O discurso oficial é geralmente mais cauteloso com o
430 A construção da imagem urbana nos grandes eventos Anne-Marie Broudehoux (Canadá) 431
expressões está a ideia de uma relação de poder desigual entre o sujeito e o seu sediar megaeventos são geralmente muito elevadas. Quando nações que enfren-
avaliadorexterno e as inseguranças sobre o seu status no mundo. Tais práticas são, tam a pobreza em massa e a falta de moradia gastamseus recursos limitados para
portanto, profundamente enraizadas na política de representação. sediar megaeventos, não é só na esperança de promover o desenvolvimento eco-
nômico, mas, mais importante,é para escapar da marginalização, para superar uma
situação precária no ranking simbólico das nações, e para adquirir respeito global11.
Potemkinismo e a periferia Em outubro de 2009, quando o Brasil venceu a disputa para sediar as Olimpíadas
de 2016, o presidente Lula declarou: “O Brasil deixou o seu status de segunda classe
Eu acho que potemkinismo é um conceito útil para entender o desejo de para trás e entrou na primeira classe. Hoje recebemos respeito”.
transformar a imagem de uma cidade que se prepara para sediar eventos mundiais Certamente, não estou afirmando que todos os esforços de construção de
importantes. Ele é a base de algumas das tensões e relações de poder que existem imagem relacionados a megaeventos são de natureza potemkin. No entanto, o ato
não só entre o país anfitrião e o mundo, mas, também, dentro da sociedade anfi- de sediar megaeventos é frequentemente associado a uma cultura de encobertar
triã, entre promotores de eventos locais – geralmente uma coalizão de políticos e a fraude, na medida em que os proponentes implementam uma vasta gama de
elites econômicas locais – e a população em geral. Como sabemos, o que motiva estratégias discursivas – incluindo uma linguagem mítica de persuasão, previsões
os promotores da cidade a sediar megaeventos é um desejo por reconhecimento, irrealistas e afirmações não comprovadas – para esconder a realidade, conquistar a
um desejo de projetar uma imagem positiva que irá melhorar tanto o status como o opinião pública e investidores. Esforços de construção da imagem relacionados aos
prestígio 8. Subjacentes a estas motivações estão as ansiedades sobre a sua posição eventos são frequentemente de natureza defensiva, e se concentram em corrigir as
na ordem mundial dominante. Para estas elites, sediar megaeventos é visto como percepções negativas da cidade, abordar as principais preocupações da comunida-
um teste da modernidade, um indicador de desempenho, ou uma ocasião para que de internacional e provar que a cidade pode atuar em áreas onde a sua reputação é
elas se estabeleçam como modelos de organização e gestão responsável, o que aju- pobre12. Por exemplo, no Rio de Janeiro, enquanto a cidade se prepara para sediar
dará a construir a sua credibilidade como players respeitáveis no cenário mundial. a Copa do Mundo 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, grandes esforços são mobi-
Enfatizando todas essas preocupações estão, evidentemente, questões relativas ao lizados para reparar percepções negativas de violência e criminalidade, por meio
poder político e econômico. da ocupação policial das favelas e a construção de “painéis acústicos” ao longo das
Embora seja verdade que todas as cidades-sede têm sido conhecidas por principais vias expressas. Em muitos casos, problemas endêmicos que não podem
adotar certo nível de potemkinismo9, acredito que aquelas na margem, especialmen- ser facilmente resolvidos são mascarados, ou desviados da atenção com a coloca-
te em países emergentes ou em desenvolvimento, recorrem mais frequentemen- ção da ênfase em outro local. Em Pequim, relatos negativos na mídia internacional
te a essas práticas. Não porque sejam culturalmente inclinadas à falsificação (ou à relativos à poluição do ar, ao congestionamento de tráfego e a produtos alimentares
prática da “falsa consciência”), mas porque enfrentam obstáculos importantes em adulteradosforam tratadosnos preparativos olímpicos por meio de atitudes drásti-
seus esforços para projetar uma imagem positiva da cidade. Quando as economias cas voltadas para a higiene e o alívio da poluição, mas, também, pela redução da
emergentes participam da corrida para sediar megaeventos, elas enfrentam impor- mobilidade urbana, pelo fechamento de fábricas e, ocasionalmente, pela falsifica-
tantes desafios relacionados às suas próprias realidades sócio-econômicas e à sua ção de índices oficiais de poluição13.
condição pós-colonial10. Não são apenas confrontadas com um importante viés de
primeiro mundo como cidades anfitriãs potenciais, mas também suas apostas para
uso do termo “face” (mian or mianzi) que é usualmente substituído por palavras como “honra” e “dignidade”. Brownell,
Susan (1995) Training the Body for China: Sports in the Moral Order of the People’s Republic. Chicago: University of Chicago
Press, (pp. 296–302).
8. C. Michael Hall. Urban entrepreneurship, corporate interests and sports mega-events : the thin policies of
competitiveness within the hard outcomes of neoliberalism. In John Horne and Wolfram Manzenreiter.Sports Mega-
Events: Social Scientific Analyses of a Global Phenomenon,London : Willey, 2006, pp.59-70. 11. David R. Black & Janis van der Westhuizen. 2004. The allure of global games for ‘semi-peripheral’ polities and spaces:
9. Por exemplo, Montreal pintou a grama verde para a Expo Mundial 1967 e destruiu polêmicos projetos de arte ao ar a research agenda. Third World Quarterly, Vol. 25, No. 7, pp. 1195–1214.
livre, na véspera da Olimpíada de 1968. Ver Bruce Kidd. “The Culture Wars of the Montreal Olympics”.International Review 12. Bonneau, Cécile. “L’envers du décor” in Bonneau, Cécile, ed. Pékin 2008 : La face cachée des JO.Science & Vie (Hors-
for the Sociology of Sport. Vol. 27 no. 2: 1992, p.151-162. série), June-Jul. 2008: 34-63.
10. Nancy K. Rivenburgh.The Olympic Games, media, and the challenges of global image making. Centre d’Etudis Olimpics 13. Broudehoux, Anne-Marie. « The Social and Spatial Impacts of Olympic Image Construction: The case of Beijing 2008
(UAB), 2004. » in Stephen Wagg et Helen Lenskyj, A Handbook of Olympic Studies.London : Palgrave Macmillan, 2011.
432 A construção da imagem urbana nos grandes eventos Anne-Marie Broudehoux (Canadá) 433
Megaeventos e a mídia espetáculo onde parte da pirotecnia foi criada digitalmente (particularmente os vinte e nove
passos gigantes que pareciam caminhar sobre toda a cidade).Mas, neste caso, a con-
Um aspecto importante da construção da imagem urbana que é muitas vezes denação generalizada do que foi descrito pela mídia estrangeira como uma tentativa
negligenciado na literatura sobre megaeventos tem a ver com seu alto nível de mi- de enganar os telespectadores globais revelou os limites de tais práticas de tipo po-
diatização.Na era da televisão global, a maior parte dos lucros reais dos megaeven- temkim, em especial nos casos de hospedagem de megaeventos esportivos, onde a
tos decorremdos direitos de transmissão globais. As Olimpíadas têm sido descritas aparência de “jogo limpo” continua a ser, em alguma medida, primordial.
como o “espetáculo máximo da mídia global”14 e disputam o título de “evento mais Podem-se ver algumas vantagens em utilizar a tecnologia para a construção
assistido na Terra” com a Copa do Mundo. As cidades-sede que querem fazer um im- da imagem urbana e em transformar digitalmente a realidade, enquanto se minimi-
pacto duradouro terão que se esforçar ao máximo paraapresentar uma imagem que zam as intervenções urbanas reais. Teríamos todos nos beneficiados ambientalmen-
é tanto “telegênica”quanto visualmente consumível.Neste sentido, os megaeventos te se todos os fogos de artifício de Pequim 2008 fossem gerados por computador.
afetam a paisagem urbana, não apenas na medida em que induzem a realização No entanto, a midiatização crescente de megaeventos não reduziu a quantidade
de grandes projetos urbanos e a construção de infraestruturas desportivas, mas, de mega-projetos que estão sendo construídos concretamente. Pelo contrário,
também, porque promovem a estetização da paisagem urbana. Isto significa que exacerbou em alguma medida a construção de projetos orientados pela imagem e
a visibilidade e a “imaginabilidade”tornam-se critérios definidores para orientar as destinados a melhorar o aspecto “telegênico” da cidade, assim como impulsionou
intervenções urbanas e que as ações preocupadas com a imagem são priorizadas, ainda mais a estetização e a espetacularização da paisagem urbana, a ser captura-
frequentemente em detrimento de necessidades locais mais fundamentais. da e re-imaginada pela mídia global. Na verdade, a tecnologia de transmissão está
O que complica ainda mais o quadro é que outros atores, muitas vezes ex- cada vez mais desempenhando um papel na concepção dos projetos relacionados
ternos à comunidade urbana, têm vindo desempenhar um papel importante no aos eventos, tais como equipamentos esportivos, especialmente na produção de ar-
processo de construção de imagem. Federações internacionais, como a FIFA, bem quitetura em escala global, feita para ser visto de um helicóptero, e experimentada
como patrocinadores do evento e titulares de direitos de transmissão exercem uma em grandes telas de televisão. Os sítios de locação não são apenas concebidos em
crescente influência na transformação da cidade anfitriã e na gestão cuidadosa de colaboração com empresas de transmissão para maximizar a “imaginabilidade” e in-
imagens na televisão, a fim de servir os seus próprios interesses específicos. cluir o posicionamento da câmera, mas sua localização é cada vez mais ditada pelo
Não se deve subestimar a importância da midiatização na percepção e na imperativo televisual16. Podemos refletir sobre a polêmica que cercou a construção
transformação do ambiente construído urbano. Nos últimos anos, os avanços na tec- do estádio da Cidade do Cabo, na Copa do Mundo 2010 da África do Sul, onde os
nologia da informação permitiram o desenvolvimento de práticas digitalizadas de delegados da FIFA se opuseram a proposta do anfitrião, localizada em um bairro
tipo potemkim, com a criação e difusão de uma cidade fictícia, projetada para os es- popular, afirmando que a habitação social de baixo custo ao redor do local não era
pectadores de sofá ao redor do mundo. Nós todos vimos a CGI fazer representações fotogênica17. Um delegado da FIFA teria dito a um jornalista da Mail & Guardian:
melhoradas de Pequim, cuja vista atmosférica arrebatadora apresenta uma colagem “Um bilhão de telespectadores não querem ver barracas e pobreza nesta escala”18.
uniforme, mas delirante, dos espaços mais emblemáticos da cidade, comprimidos A FIFA exigiu, assim, que os organizadores do evento construíssem um novo estádio
em uma geografia totalmente improvável15.Hoje, sofisticadas tecnologiasimagéti- em Green Point, uma área de mais alto nível, cujo cenário espetacular com a Table
cas permitem a projeção de visões elaboradas porphotoshopdo ambiente urbano, Mountain e o mar aberto ao fundo parecia feito para a televisão.
melhorando algumas características, apagando outras,ao mesmo tempo reinventan-
do criativamente a realidade para maximizar o potencial da mídia-espetáculo. Por
exemplo, novos avanços tecnológicos permitiram o desenvolvimento de multidões
de torcedores geradas em computador para ajudar a evitar o constrangimento dos
jogos em estádios vazios. Pode-se também pensar no uso de fogos de artifício ge-
rados por computador nas cerimônias de abertura dos Jogos Olímpicos em Pequim,
16. Anne-Marie Broudehoux. “Beijing’s Olympic Image: The Architectural construction of the Integrated Spectacle.
Journal of Architectural Education.Vol 62 no.2. 2010.
14. David Whitson and Donald Macintosh. The Global Circus: International Sport, Tourism and the Marketing of Cities. 17. Peter Alegi. ‘A Nation To Be Reckoned With’: The Politics of World Cup Stadium Construction in Cape Town and
Journal of Sport and Social Issues.20 (3) Aug. 1996, pp.278-295. Durban, South Africa” African Studies, 67, 3, December 2008, pp.397-422.
15. Anonymous.Streetsweeper.Urban Design International. Vol. 13: 3: 2008, p. 208. 18. Mail and Guardian Online, 12 January 2007. Ver
434 A construção da imagem urbana nos grandes eventos Anne-Marie Broudehoux (Canadá) 435
Construindo o cenário da mídia urbana Da mesma forma, o material sobre a candidatura do Rio, muitas vezes retrata o Ma-
racanã a partir dos mesmos ângulos, para evitar mostrar a favela da Mangueira no
Alguns eventos são concebidos como instrumentos de promoção urbana, e plano de fundo.
tornam-se pretextos para mostrar os atributos da cidade. Assim como os patroci-
nadores exibem orgulhosamente suas próprias marcas-símbolosdurante o evento,
Controle da Imagem
as cidades anfitriãs estão aprendendo a utilizar eventos esportivos para divulgar as
suas características icônicas e lucrar com a difusão global dessas imagens19. Pode-
Estas estratégias de construção de imagem não são inocentes, mas repre-
mos pensar na modalidade olímpica de vôlei de praia como uma propaganda da
sentam uma ameaça considerável para a justiça urbana. Os megaeventos promo-
beleza cênica das praias Rio de Janeiro e do seu estilo de vida hedonista.
vem a projeção de uma imagem muito restrita da cidade, da qual o pobre, o feio, o
A maratona, vista por alguns como o evento “telegênico” definitivo, exempli-
informal são excluídos.O uso de tecnologias sofisticadas de imagem promove uma
fica melhor a fusão do evento esportivo com o marketing da cidade. As rotas para
representação estetizada da paisagem urbana, que é ao mesmo tempo sem proble-
maratonas dos Jogos Olímpicos são cuidadosamente projetadas para servir como
mas, despolitizada e simplificada. Por exemplo, os panoramas brilhantes da Pequim
passeios cênicos que passam pelas principais atrações e pelos pontos turísticos
Olímpica não só deram aos telespectadores uma falsa sensação de continuidade es-
mais famosos da cidade, assim como percorrem grandes distâncias para evitar áreas
pacial com relação aos locais que estavam geograficamente desconectados, mas a
menos fotogênicas20. Por exemplo, a rota da maratona de Pequim levou os corre-
imagem de uma cidade moderna e eficiente que eles transmitiam também ocultava
dores ao longo dos principais pontos históricos da cidade. Os bairros abandonados
o fato de que inúmeros bairros foram derrubados e mais de um milhão de pessoas
ao longo do percurso foram escondidos por outdoors que mostravam paisagens de
foram deslocadas para dar lugar a esses projetos olímpicos espetaculares21.
ruas históricas idealizadas. Em 2010, surgiu uma polêmica em Londres sobre as mu-
O perigo é que tais reconfigurações vívidas, ainda que utópicas, possam ser to-
danças para a rota planejada da maratona olímpica. Ao invés de começar na Tower
madas como projeções da realidade, ou como representações do mundo como ele de-
Bridge, passando pelos bairros de classe operária em torno do Parque Olímpico para
veria ser. Elas podem ser extremamente atraentes para os membros da elite local, pois
terminar no Estádio Olímpico, a rota revista seria confinada ao centro de Londres. A
confirmam crenças consolidadas sobre o potencial de uma cidade livre de massas em-
corrida começaria e terminaria no Mall e seguiria um circuito passando pelos marcos
pobrecidas, e podem ser usadas como munição para promover políticas urbanas mais
mais belos da cidade, incluindo o Palácio de Buckingham, a Catedral de St Paul, o Big
exclusivas. Por tanto validar quanto consolidar os ideais urbanos restritos da elite, estas
Ben e as Casas do Parlamento, em quatro voltas consecutivas. Os críticos acusaram
representações consensuais podem levar a uma reação contra os movimentos sociais,
o comitê organizador olímpico de querer contornar áreas que podiam sugerir sinais
marginalizar ainda mais suas ações e deslegitimar as suas reivindicações.
de crise econômica, incluindo extensos parques habitacionais não vendidos.
Certamente, as cidades-sede não podem controlar totalmente as imagens ur-
Tanto a nova quanto a antiga tecnologia da imagem são utilizadas para limi-
banas. Outras imagens concorrentes da cidade irão circular juntamente com estas
tar o que deve ser mostrado para o mundo, escondendo o que é julgado irrelevan-
imagens oficiais, antes, durante e após o evento. Se os organizadores do evento
te ou prejudicial para o espetáculo olímpico, e ocultando os aspectos que possam
pretendem projetar imagens positivas de modernidade e boa gestão, os jornalistas
causar danos à reputação. Realidades urbanas mais mundanas, menos fotogênicas,
na realidade são muitas vezes mais inclinados a confirmar preconceitos ou a expor
que possam afetar negativamente as percepções globais sobre a cidade e suge-
as falhas e a destacar o “déficit de competência” do anfitrião22. Nenhuma cidade é
rir pobreza, o subdesenvolvimento ou atraso, são mostradas muito rapidamente,
protegida contra os tipos de relatos negativos que expõem ineficiências e episódios
cortadas fora ou apagadas digitalmente. Podemos refletir sobre os vídeos promo-
embaraçosos de má gestão. O risco de fazer da história olímpica um símbolo de mau
cionais apresentados pelo comitê de candidatura do Brasil às Olimpíadas, onde os
planejamento e herdar, como o seu legado olímpico mais duradouro, a reputação
locais para equipamentos na Zona Norte são mostrados como objetos isolados, en-
de um desastre mal evitado permanece elevado, como tanto Montreal como Atenas
quanto os bairros circundantes onde mora a classe trabalhadora são deixados de
podem testemunhar.
fora dacena. Nas vistas deslumbrantes do Rio, os potentes raios solares iluminam
porções da paisagem de forma a apagar, convenientemente, a presença de favelas. 21. COHRE (Centre on Housing Rights and Eviction). One World, Whose Dream? Housing Rights Violations and The Beijing
Olympic Games. Geneva: COHRE Special Report, 2008.
19. Anonymous.Streetsweeper.Urban Design International. Vol. 13: 3: 2008, p. 208. 22. Paul Dimeo & Joyce Kay. “Major sports events, image projection and the problems of ‘semi-periphery’: a case study
20. Anonymous.Streetsweeper.Urban Design International. Vol. 13: 3: 2008, p. 208. of the 1996 South Asia Cricket World Cup” Third World Quarterly, Vol. 25, No. 7, 2004,pp. 1263–1276.
436 A construção da imagem urbana nos grandes eventos Anne-Marie Broudehoux (Canadá) 437
Entretanto, eventos realizados nos países em desenvolvimento são frequen- padrões de dominação e estratificação e reforçar velhas hierarquias e assimetrias de
temente confrontados com o viés preconceituoso de uma mídia predominante- poder, tanto a nível local quanto global.
mente ocidental, que busca confirmar estereótipos consolidados sobre inclinações Estas imagens também podem ter impactos reais sobre a paisagem urbana,
locais para a violência, desordem e práticas sociais retrógradas23. Os Jogos da Com- na medida em que contribuem para a cristalização de uma visão urbana idealizada e
monwealth de 2011 em Nova Deli fornecem um bom exemplo. Demorou quase dois estetizada que projeta uma representação parcial, exclusiva e redutora da socieda-
dias de evento para a imprensa mundial parar de falar sobre as baratas, pontes des- de. Estas imagens privilegiam espaços urbanos particulares cuja aparência e níveis
truídas e banheiros entupidos e começar a cobrir as competições. de modernidade ressoam o desejo, as exigências e as expectativas das elites locais e
É a presença desse olhar externo, crítico, avaliador, que leva as autoridades dos atores externos. Tal seletividade sócio-espacial na produção de imagens divide
locais a tomar medidas preventivas a fim de limitar as percepções negativas,muitas a cidade entre os espaços que interessam (e seus habitantes) e aqueles considerados
vezes forçando os habitantes da sua cidade a se adaptar às normas globais da mo- irrelevantes. A estetização da paisagem urbana também carrega um poder perigo-
dernidade. Os governos anfitriões se esforçam ao máximo para manipular a realida- so de despolitização que pode ajudar a desacreditar os movimentos de resistência,
de social,usando programas civilizatórios invasivos para alterar o comportamento e exacerbar os preconceitos de classe e reforçar a segregação.
transformar seus cidadãos em indivíduos modernos disciplinados e bem-educados, No entanto, minha pesquisa anterior demonstrou que imagens urba-
à custa de humilhações, coerção e perda de direitos civis24. Megaeventos também nas podem ser apropriadas, retrabalhadas ou mesmo sabotadas para usurpar
ajudam a justificar, aos olhos do poder local, a criminalização da informalidade, o estereótipos,subverter deturpações e contestar exclusões por meio de diversas
deslocamento dos pobres e a ocultação do feio, permitindo que certos membros formas de resistência, seja ela ativa, passiva ou simbólica. Incidentalmente, nas
da sociedade sejam representados como estruturalmente irrelevantes e indignos poucas semanas que eu passei fazendo pesquisa de campo no Rio, em agosto de
de direitos e oportunidades iguais, especialmente o direito de serem vistos25. Não 2010, ouvi algumas vezes a expressão para inglês ver (também para gringos ver)
somente eles causam dificuldades sociais, econômicas e psicológicas, mas, também, usada pelos habitantes locais para qualificar os projetos de embelezamento liga-
ajudam a redefinir os termos de pertencimento à sociedade. dos aos próximos megaeventos. De novos elevadores espetaculares na favela, até as
Unidades Policiais Pacificadoras (UPPs), a construção de painéis acústicos ao longo
das vias expressas e as iniciativas de revitalização do porto, a expressão foi utiliza-
Conclusão: os impactos reais da construção da da para expressar dúvidas sobre a perenidade dos projetos, suscetíveis de serem
imagem urbana abandonados após os Jogos Olímpicos. Eu vejo essas denúncias não apenas como
uma expressão de cinismo referente ao que é amplamente percebido como um mau
Concluindo, acredito que devemos prestar mais atenção tanto no papel dos uso de fundos públicos pelas elites econômicas e políticas corruptas. Também foi
megaeventos na construção da imagem urbana, quanto nos seus impactos sobre utilizada simbolicamente por atores marginalizados para recuperar uma sensação
a paisagem social e material da cidade, especialmente no que diz respeito aos de poder e controle, orgulhosamente afirmando que eles não foram enganados por
países da periferia. As imagens urbanas que são produzidas para esses eventos, não tais, exibições de tipo potemkin recuperando, no processo, um pouco da dignidade
apenas quanto ao seu aspecto concreto, na forma de alterações físicas e manipu- que lhes é tão frequentemente negada.
lações da paisagem material, mas também como imagens discursivas, televisivas e
virtuais,procuram projetar uma representação perfeita e consensual da cidade que
é ao mesmo tempo eficiente, moderna, disciplinada e visualmente atraente. Essas
táticas de construção da imagem urbana não são inofensivas, mas podem perpetuar
23. Paul Dimeo & Joyce Kay. “Major sports events, image projection and the problems of ‘semi-periphery’: a case study
of the 1996 South Asia Cricket World Cup” Third World Quarterly, Vol. 25, No. 7, 2004,pp. 1263–1276.
24. Anne-Marie Broudehoux. “ Civilizing Beijing : Social beautification, civility, and citizenship at the 2008 Olympics.”
in The Olympics, Mega-events and Civil Societies: Globalization, Environment, Resistance, ed. Graeme Hayes and John
Karamichas. London: Palgrave Macmillan, 2011.
25. Don Mitchell. “The End of Public Space? People’s Park, Definitions of the Public, and Democracy” Annals of the
Association of American Geographers 85, 1 (1995): 108-133.
438 A construção da imagem urbana nos grandes eventos Anne-Marie Broudehoux (Canadá) 439
La universidad y sus acciones
en el municipio Cerro
Ada Esther Portero Ricol (Cuba)
Ricardo Machado Jardo
Mirelle Cristóbal Fariñas
Abniel Ramirez González
Roberto Adám Bell Sellén
Ada Esther Portero Ricol | Ricardo Machado Jardo | Mirelle Cristóbal Fariñas | Abniel
Ramirez González | Roberto Adám Bell Sellén (Cuba) 441
mayor de la Universidad de La Habana en la cual está participando desde el año 2011 el ISPJAE. territorio posee magnitudes muy altas. Como consecuencia, el deterioro del fondo
El objetivo principal de este documento es mostrar los resultados de tres trabajos de Diplo- habitable es muy avanzado y necesita de atención de forma acuciante.
ma que se realizaron por estudiantes de la Facultad de Arquitectura a partir de la solicitud Desde el año 1998 la Facultad de Arquitectura del ISPJAE desarrolló en este
expresa del Poder Popular y la Dirección de Cultura del Municipio. municipio un Taller Internacional de Estudios Urbanos donde se capacitó tanto a
estudiantes, población así como profesionales del ramo que trabajaban en el terri-
Se muestran de forma muy sintética las propuestas de rehabilitación para tres inmuebles a
torio. Este taller se realizó en coordinación con la Universidad de París La Villete y se
partir de conceptos diferentes ya que tienen diversos usos: un Centro Alternativo Comuni-
extendió hasta el año 2008. Participaron además estudiantes y profesores de varias
tario, una Casa de Cultura y la Casa Museo del territorio.
universidades de diversos países como Italia, Brasil, México Alemania, España entre
Estos temas han sido solicitados por el Gobierno Municipal a partir de necesidades que tie- otros, destacándose la participación de la USPI y UFF. Paralelamente se trabajó en
nen para que la universidad con sus potencialidades colabore con la solución de las mismas. todo el territorio y se desarrollaron múltiples talleres de proyecto, tesis de diploma
A su vez, se contribuye con el mejoramiento de las condiciones de vida de la población y con y maestrías.
el fortalecimiento de la relación entre la universidad y la comunidad. La experiencia que se muestra en este documento consiste [1]en: la inserción
de diferentes facultades universitarias y centros de estudios a través de sus profe-
sores e investigadores en el estudio y asesoría para la búsqueda de soluciones a los
Introducción problemas principales del municipio Cerro, apoyar en el proceso de formación y
capacitación de cuadros y líderes locales, así como en la puesta en práctica de los
El Cerro es uno de los Municipios de La Habana que posee un gran valor tanto
resultados y adelantos científico-técnicos de cada área, para encauzar esfuerzos en
desde el punto de vista urbano como arquitectónico, pero sobre todo por su patri-
la transformación de una realidad muy concreta a partir de una práctica social desde
monio cultural. Posee una zona histórica declarada desde 2006 en la lista de los 100
una dimensión ética y humanista. El proyecto trata sobre la “Gestión Universitaria
sitios de patrimonio en peligro que clasifica el Word Monument Wacht.
para la Ciencia, la Innovación y el Desarrollo en el municipio Cerro”.
El municipio del Cerro abarca un área de 10,18 Kilómetros cuadrados que re-
El proyecto tiene la esencia de favorecer el desarrollo local y comunitario para
presenta el 1,4 % de la superficie total de la ciudad. Se ubica próximo al centro norte
el municipio Cerro. Surge a partir del diagnóstico realizado en la localidad por parte
de la ciudad. Limita por el norte con los municipios de Centro Habana y Plaza de la
de la Vicerrectoría de Investigaciones de la Universidad de La Habana, a través de la
Revolución; por el sur, con Boyeros y Arroyo Naranjo; en el este, con La Habana Vieja
universidad territorial del Cerro. Esta acción ha demostrado la imperiosa necesidad
y 10 de octubre, por el oeste, con Playa y Marianao, por lo que colinda con 8 de los
de crear un sistema de tareas que permitan resolver o al menos detener el avance
14 restantes municipios de la ciudad.
de las dificultades existentes.
Con una población de 132 667, es el sexto de la capital en tamaño. Representa
Por la complejidad del problema se ha organizado por parte de la UH la crea-
aproximadamente el 6% de la población de la capital. Tiene siete consejos popula-
ción de un equipo multidisciplinario que trabaje de forma conjunta en la solución
res y la densidad de población es de 13 032 por km²
de estos problemas.
Su surgimiento data desde el siglo XVIII y XIX con el desarrollo de industrias
En este documento se mostrarán de forma específica los resultados de tres
como los molinos de tabaco y otras movidas por la fuerza hidráulica, las primeras
trabajos de Diploma que se realizaron por estudiantes de la Facultad de Arquitectu-
fábricas de fósforo, de jabonería y perfumería y las fábricas de hielo, hicieron que el
ra durante el curso 2011-12.
territorio se convirtiera en una de las principales zonas industriales del país.
Estos trabajos se dirigieron fundamentalmente a realizar propuestas de re-
Actualmente el peso fundamental de la economía del Cerro es la producción
habilitación a tres inmuebles ubicados en la zona declarada de valor histórico del
industrial con casi el 70 % de la economía global del municipio. Se estructura en
Municipio. Dos de ellos en la Calzada del Cerro: El Centro Alternativo Comunitario y
65 empresas, 27 unidades presupuestadas, 6 organizaciones estatales, 7 empresas
la Casa Museo y la Casa de Cultura en la Calle Santo Tomás.
mixtas, una sociedad mercantil, 3 uniones y 4 unidades presupuestadas en cálculo
económico para un total de 1 104 establecimientos.
Parte de la población se ha ido ubicando en espacios que anteriormente ocu- Desarrollo
paban algunas instalaciones industriales, la inmigración de población hacia este
Ada Esther Portero Ricol | Ricardo Machado Jardo | Mirelle Cristóbal Fariñas | Abniel
442 La universidad y susacciones en el municipio cerro Ramirez González | Roberto Adám Bell Sellén (Cuba) 443
La investigación realizada por los tres estudiantes en los diferentes inmue- cuenta para la creación de un centro alternativo comunitario, ya que esta idea sin-
bles y sus entornos arrojó el alto nivel de deterioro que presenta no solo cada con- tetiza e integra dos conceptos más amplios, como son el “centro” como parte del
junto edilicio ubicado en la Calzada del Cerro y sus calles más cercanas, sino también
todos los edificios ubicados en ella.
En particular el objetivo que persiguió el resultado que se presenta en este
documento fue brindar propuestas de rehabilitación para los inmuebles indicados,
para lo cual se siguió el procedimiento de analizar para cada función diferente los
referentes teóricos tanto nacionales como internacionales. Posteriormente se rea-
lizó el diagnóstico de cada inmueble así como la caracterización de sus potencia-
lidades para asumir las diferentes funciones que se solicitaron por la dirección del
Cultura y el Poder Popular del Municipio. Finalmente se realizaron las propuestas de
proyecto a nivel de ideas preliminares, con dos o más variantes para entregar toda
la documentación al Municipio y que con sus profesionales continuaran la labor pro-
yectual y de gestión de inversiones.
La búsqueda bibliográfica, el trabajo de campo (mediante observación visual y
gráfica), la entrevista y consulta con especialistas, fueron las herramientas fundamen-
tales para el desarrollo del trabajo. También se realizaron análisis de casos para llegar
a la síntesis y finalmente a las propuestas de las ideas conceptuales para cada caso.
Los títulos de los tres trabajos de diploma antes mencionados son:
1. Centro Alternativo Comunitario para el Cerro
2. Propuesta para la recuperación de un inmueble ubicado en una zona de
valor en el Cerro, Objeto de estudio: Santo Tomás No 158.
3. Rehabilitación de la Casa Museo Municipal del Cerro y su entorno urbano.
Ada Esther Portero Ricol | Ricardo Machado Jardo | Mirelle Cristóbal Fariñas | Abniel
444 La universidad y susacciones en el municipio cerro Ramirez González | Roberto Adám Bell Sellén (Cuba) 445
La diferencia de cada uno es precisamente su modelo de proyección comunitaria. [5] aún en avanzado deterioro se muestran como: los acueductos, las industrias de
En el capítulo 1 de este trabajo se ofrecen conceptos sobre la rehabilitación y agua, las casas quintas.
sus funciones, las tendencias actuales existentes, así como otros conceptos entre los 11. Expone elementos únicos en el urbanismo y la arquitectura cubanos lo
que se listan: el re-uso adaptativo como reutilización, como re-ocupación, el reuso cual constituye una fortaleza para el desarrollo del turismo de ciudad.
creativo, y la adaptación entre otros criterios de intervención manejados a escala 12. El Municipio tiene un buen repertorio de edificaciones y espacios que
internacional y nacional. Se valoró también la importancia que reviste la transforma- pueden ser rescatados y destinados a nuevos usos públicos fortaleciendo el desa-
ción de los locales a partir de evidenciar las transformaciones de cada sociedad y la rrollo local.
necesidad de mantener la continuidad en la cultura y en la propia ciudad. 13. La Calzada del Cerro es
En este caso, para el proyecto que se expone en este documento, se utiliza el una de las vías principales con que
reuso creativo como parte del concepto de recuperación como intervención actuali- cuenta la ciudad para relacionar
zadora, [6], donde no se esconde ni mimetiza nada, se evidencia claramente lo que sus territorios.
es antiguo y lo que es contemporáneo.
También en el capitulo dos
En el capitulo dos [7] del trabajo se realizó una breve reseña del Municipio
se relacionaron aspectos del entor-
Cerro, destacando aspectos como su ubicación, trama urbana, caracterización, mor-
no inmediato al inmueble en estu-
fología urbana-arquitectónica, infraestructura y servicios, principales problemas y
dio ubicado en la Calzada del Cerro.
potencialidades. (Imagen 3a del Cerro, Plano de ubicación en la ciudad)
Entre estos aspectos se pueden
Por ser comunes estos aspectos en los tres trabajos se mencionarán en esta
mencionar: uso de suelo, redes téc- Imagem 4 Conceptos de las propuestas No 1 y No 2
ocasión, sobre todo estos últimos a los que se ha hecho referencia.
nicas, clima. (Imagen 3 b de la pág
Principales problemas detectados en el territorio del Cerro.
39 de la tesis). Se hizo el diagnósti-
1. Alto deterioro del patrimonio urbano y arquitectónico. Abandono y degra-
co del inmueble desde el punto de
dación de importantes elementos incluyendo la Calzada principal.
vista técnico y arquitectónico.
2. Mal estado de las redes técnicas fundamentalmente alcantarillado, drenaje El lote original actualmente
y eléctrica. está dividido en: edificio principal,
3. Mal estado de las vías. nave de almacén, patio-parqueo.
4. Alta contaminación ambiental ( ruido, humo, desechos sólidos) Esta es un área más grande que la
5. Escasez de servicios y espacios públicos para el ocio, esparcimiento, dis- que se analiza puesto que para la Imagem 5 Biblioteca. Fuente: Roberto Adám Bell Sellén
tracción de la población. Los espacios que existen presentan baja calidad en cuanto realización del Centro Alternativo
a su apariencia y función. Comunitario, por decisión de las
6. Falta de espacios verdes. autoridades, a las partes interesa-
7. Principales Potencialidades detectadas en el territorio del Cerro. das solo se les destinó la nave prin-
8. Alto valor cultural e histórico. cipal de este conjunto. (Imagen 4 y 5)
El edificio constituye un
9. El Cerro atesora importantes valores monumentales de la imagen urbana,
bloque de forma alargada de 18.35 m
tanto de su época de esplendor durante el S XlX, como de etapas posteriores.
X 40.7 m y un área de 662 m2. La
10. Preexistencia de la arquitectura tradicional de cada época, concebidas
fachada principal fue concebida
para diferentes funciones, desde la doméstica a la industrial. Importantes ejemplos Imagem 6 Vista Aérea. Fuente: Roberto Adám Bell Sellén
en estilo ecléctico mientras que
las restantes fachadas carecen de decoración. El inmueble a pesar de su avanzado
grado de deterioro conserva los valores estilísticos originales aunque también se
aprecian a simple vista varias modificaciones y anexiones arbitrarias que se le hicie-
ron durante su explotación.
Ada Esther Portero Ricol | Ricardo Machado Jardo | Mirelle Cristóbal Fariñas | Abniel
446 La universidad y susacciones en el municipio cerro Ramirez González | Roberto Adám Bell Sellén (Cuba) 447
Se mencionan los elementos de valor [8] con posibilidades de ser recupera- Comunidad, que se propone transformar en un centro cultural comunitario.
dos en la propuesta que se hace a nivel de ideas conceptuales. (Imagen 6) El tipo de intervención que se ha propuesto es realizar una re-funcionaliza-
Finalmente en el capitulo tres se aportan dos variantes de ideas conceptuales ción del inmueble: de oficinas a centro cultural comunitario.
con el estudio de soluciones ambientales interiores y exteriores. El Cerro cuenta con un amplio movimiento cultural desarrollado por las ins-
La propuesta No 1: “El edificio Intrínseco”. Esta propuesta se desarrolla a partir tituciones estatales y los Talleres de Transformación Integral del Barrio, donde los
de un discurso contemporáneo claramente identificado, la intervención se centra habitantes de las comunidades participan activamente. No obstante, el creciente
en las áreas interiores del mismo planteando en ellas todos los espacios y funciones deterioro del fondo construido no permite una mayor difusión de estos programas
que se conciben para el desarrollo del Centro Alternativo Comunitario. [9] culturales debido a la falta de espacios para ello. [12]
La propuesta No 2. El edificio extrovertido”. Consiste en que el edificio se abre Por tanto se ha justificado debidamente a partir del problema general de la inves-
al exterior acogiendo nuevos espacios y por tanto nuevas funciones. El grado de in- tigación la carencia de los mismos y la acuciante inclusión dentro del territorio municipal.
tervención y modificación de la concepción original del inmueble es mucho mayor, Siguiendo la misma organización del trabajo expuesto anteriormente en el
se cambia totalmente la estructura de la nave logrando una nueva imagen del edifi- capítulo 1 de este segundo trabajo se presentaron los principales conceptos y defi-
cio con una expresión totalmente contemporánea. Esta propuesta es más transfor- niciones que se usaron en la investigación.
madora de lo existente, ya que Se hizo un análisis del
el cliente solicitó una variante estado del arte a escala inter-
que evidenciara las mayores nacional y nacional revisando
modificaciones en el conjun- ejemplos que pudieran servir de
to que un Centro de este tipo guía para realizar el tipo de in-
pudiera ameritar teniendo en tervención que exigía el inmue-
cuenta sus necesidades. ble ubicado en Santo Tomás 158.
Se aportan las premisas [13][14]
de diseño [10] para las dos va- Los ejemplos analizados
riantes de proyecto a nivel de pertenecen a diversas regio-
ideas conceptuales, desde el nes del mundo: América del
Nodo urbano donde se inserta la propuesta de intervención.
Fuente: Mirelle Cristobal
punto de vista estético-formal, Norte (Estados Unidos), Améri-
técnico constructivo, funcio- ca del Sur (Argentina) y Europa
nal, ambiental, lo cual incide en las soluciones que se brindan. (España, Alemania y Bélgica).
Se define el programa arquitectónico, [11] lo cual es uno de los aportes del No obstante, los criterios de in-
trabajo, dada la complejidad del análisis realizado para la propuesta. tervención empleados están
A continuación se brindan algunas imágenes de las dos variantes. enfocados en la conservación y
Fachada principal. Fuente: Mirelle Cristobal e Propuesta de rehabilitación de los valores cul-
interiores. Variante 1. Fuente: Mirelle Cristobal turales de dichos inmuebles. [15]
“Propuesta para la recuperación de un inmueble Se brinda el listado de instituciones culturales del Municipio, las manifesta-
ubicado en una zona de valor en el Cerro, Objeto de ciones culturales más comunes organizadas por grupos etáreos, así como los gustos
estudio: Santo Tomás No 158” preferenciales de la población. [17]. Se aporta además un listado de los proyectos
socioculturales del municipio dado por la Dirección de Cultura [18].
En este caso, el objetivo fundamental perseguido fue la propuesta, a nivel Se ofrece un análisis del entorno urbano a la edificación ubicada en Santo
de ideas conceptuales, para la recuperación del inmueble sito en calle Santo Tomás Tomás 158 y el respectivo diagnóstico técnico. (Imagen 8, 9, 10, 11).El diagnóstico del
158 esquina Cepero, que actualmente alberga las funciones de la UMACT (Unidad inmueble, su evolución y desarrollo.
Municipal de Atención a Comunidades de Tránsito) y la oficina del Arquitecto de la
Ada Esther Portero Ricol | Ricardo Machado Jardo | Mirelle Cristóbal Fariñas | Abniel
448 La universidad y susacciones en el municipio cerro Ramirez González | Roberto Adám Bell Sellén (Cuba) 449
Como aspecto interesante se muestra que sobre este inmueble se han rea- lacionados con la iluminación, ventilación, seguridad, control ambiental, recorridos,
lizado varios estudios en diferentes momentos, en el 2005 y en el 2012. Por esta división de los espacios, entre otros aspectos.
razón se pueden observar la forma en que se solapan las intervenciones que se han Se realizó el análisis del repertorio tanto internacional [21]. (Museo Casa Natal
realizado causando alteraciones reversibles en algunos casos pero al mismo tiempo, del Cervantes y Museo Can Framis en España, la Fábrica de Yesería La Helvética en
otras que sí han ocasionado daños puntuales. [19]. Argentina, Museo de la Villa Oyamazaki en Japón) como nacional [22] (museo casa
A partir del año 2008, la Escuela Municipal del Partido cambia de locación, de los Árabes, Museo Numismático, Museo del Ron, todos en La Habana Vieja, y la
quedando el inmueble en desuso por espacio de 2 años. En agosto de 2010 se decide Casa Museo Municipal de Jagüey Grande en Matanzas.
trasladar la Dirección Municipal de Albergue al edificio por la situación de hacina- En el caso del análisis internacional se buscó de forma intencional la coinci-
miento en que se encontraba dicha oficina en su sede anterior, y como método de dencia de que todos los edificios convertidos en museos hubieran sido viviendas
reunificación entre los servicios de la vivienda que tienen sus oficinas alrededor de previamente.
la Plaza de Galicia. También sitúa sus oficinas allí el Arquitecto de la Comunidad, de Todas las acciones constructivas realizadas en los inmuebles para la función museo
esta forma, compartiendo el espacio [20]. han respetado las características fundamentales de las edificaciones existentes. [23]
Al igual que en el caso del trabajo de diploma anterior se realizan dos pro- De forma general el estudio del marco teórico conllevó a los criterios a tener
puestas de intervención a escala de ideas preliminares. La primera variante causa en cuenta en la propuesta de la rehabilitación de la casa Museo del Cerro. Se con-
una mínima intervención en el inmueble, es más económica que la segunda y se formó el programa de acuerdo con los requerimientos actuales para los museos y
puede realizar a corto plazo con los medios actuales con que cuenta el cliente. La sobre todo teniendo en cuenta las limitaciones del financiamiento con que cuenta
segunda variante aporta algunas soluciones donde se demuelen tabiques que han el municipio para enfrentar esta recuperación.
sido adicionados que, si bien no están en mal estado, sí afectan la lectura adecuada Se analizó la evolución del inmueble desde su construcción en el S XlX.
del espacio, dividiéndolo y que al ser demolidos, proporcionan una mejor percep- La conformación del programa arquitectónico estuvo condicionada por la
ción y comprensión espacial del local. Esta propuesta se puede efectuar igualmente existencia de colecciones y piezas de valor existentes en el museo así como otras
en un corto plazo pero dependerá del financiamiento con que cuente la Dirección donaciones realizadas y que se guardan en locales para protegerlas del medio am-
Municipal de Cultura, ya que en el momento que se solicitó el servicio, solo tienen el biente, del deterioro progresivo al que está sometido el inmueble, y del vandalismo.
presupuesto para efectuar la Variante No1. Se ofrece una tercera variante para reali- Se tuvo en cuenta además las potencialidades del inmueble para la función museo
zar a largo plazo pero por la complejidad y nivel de gastos necesarios, fue rechazada que es la que se está proponiendo que se mantenga.
por la Dirección Municipal de Cultura. Se mantienen los espacios expositivos existentes en la casa museo, y se re-
funcionalizan otros espacios dedicados a funciones no afines.
A continuación se brindan imágenes de la propuesta a largo plazo sobre la
“Rehabilitación de la Casa Museo Municipal del Cerro y intervención a escala urbana.
su entorno urbano”
Finalmente se presentan los resultados de este trabajo de diploma realizada Ideas finales a modo de conclusiones
para un inmueble de gran valor y sobre todo con una gran trascendencia en su tra-
bajo a favor de la promoción cultural del territorio. Con los resultados parciales obtenidos con estos trabajos de diploma ha queda-
Siguiendo la metodología empleada en todos los trabajos en el capitulo uno do demostrada la necesidad de vincular la universidad a los territorios. En este vínculo
el autor se dedicó a revisar conceptos y definiciones generales sobre los museos, la de la academia con la realidad del país se benefician todas las partes involucradas.
museología, museografía y su evolución, ya que en el S XXl han cambiado sus fun- Se evidencian las razones que tiene la nueva universidad al promover el con-
ciones y vocación; así como otros conceptos y criterios relativos a la conservación tacto directo con la comunidad y sobre todo insistir en que la formación y desempe-
del patrimonio. También se revisaron las normas internacionales y nacionales sobre ño de los nuevos profesionales esté al servicio de la mayoría.
los requerimientos a tener en cuenta para el diseño de un museo, con aspectos re-
Ada Esther Portero Ricol | Ricardo Machado Jardo | Mirelle Cristóbal Fariñas | Abniel
450 La universidad y susacciones en el municipio cerro Ramirez González | Roberto Adám Bell Sellén (Cuba) 451
Las entrevistas realizadas a los especialistas del Municipio de Cultura y otras 4. Bell Sellén, Roberto Adam. “Centro Alternativo Comunitario para el Cerro”. Trabajo de
entidades locales arrojaron la identidad que tienen los “cerrenses” por su espacio y Diploma. Curso 2011-12. Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo
Machado Jardo. Documento en versión digital, PDF. 96 páginas, 4 anexos. Carpeta
la necesidad de recuperar espacios para las funciones sociales y culturales.
de imágenes. p.12
Se ha vinculado el trabajo de la Facultad de Arquitectura de la CUJAE, con
5. Bell Sellén, Roberto Adam. “Centro Alternativo Comunitario para el Cerro”. Trabajo de
especialistas de la Universidad de la Habana y del propio territorio en la búsqueda
Diploma. Curso 2011-12. Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo
de las mejores soluciones para la recuperación de tres inmuebles que se encuentran
Machado Jardo. Documento en versión digital, PDF. 96 páginas, 4 anexos. Carpeta
en un avanzado estado de deterioro y que hasta el momento no se ha contado con de imágenes p.14
un financiamiento para su intervención.
6. Bell Sellén, Roberto Adam. “Centro Alternativo Comunitario para el Cerro”. Trabajo de
Todos los documentos resultantes de estos trabajos se han entregado a la Diploma. Curso 2011-12. Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo
máxima Dirección del Poder Popular y la Dirección de Cultura Municipales, que Machado Jardo. Documento en versión digital, PDF. 96 páginas, 4 anexos. Carpeta
fueron los más interesados en la realización de estos proyectos. de imágenes p.20
En los tres casos analizados se puso de manifiesto que el Municipio Cerro es 7. Bell Sellén, Roberto Adam. “Centro Alternativo Comunitario para el Cerro”. Trabajo de
una parte de la ciudad que presenta un alto valor y que su patrimonio está en un Diploma. Curso 2011-12. Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo
estado de avanzado deterioro, por lo que se hace acuciante la acción de todos los Machado Jardo. Documento en versión digital, PDF. 96 páginas, 4 anexos. Carpeta
organismos que intervienen en su protección para poder conservar algo de lo que de imágenes p.35
queda de su historia. 8. Bell Sellén, Roberto Adam. “Centro Alternativo Comunitario para el Cerro”. Trabajo de
Con estas propuestas que se brindan a la Dirección del Poder Popular del Diploma. Curso 2011-12. Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo
Machado Jardo. Documento en versión digital, PDF. 96 páginas, 4 anexos. Carpeta
Municipio y a la Dirección de Cultura, se satisfacen de forma preliminar algunas de
de imágenes p.41
las necesidades mencionadas en el diagnóstico realizado por las entidades del terri-
9. Bell Sellén, Roberto Adam. “Centro Alternativo Comunitario para el Cerro”. Trabajo de
torio donde se afirma que existen Pocos espacios participativos para Adultos Mayo-
Diploma. Curso 2011-12. Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo
res, la Falta de atención local a problemas comunitarios y que hay Poca integración Machado Jardo. Documento en versión digital, PDF. 96 páginas, 4 anexos. Carpeta
social, de incorporación a actividades culturales y recreativas así como Insuficientes de imágenes p.62
espacios recreativos, sociales, deportivos y culturales 10. Bell Sellén, Roberto Adam. “Centro Alternativo Comunitario para el Cerro”. Trabajo de
Se ha demostrado que reutilizar una obra existente estando aún en mal Diploma. Curso 2011-12. Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo
estado de conservación, en vez de demolerla, aprovecharla estructural, espacial y Machado Jardo. Documento en versión digital, PDF. 96 páginas, 4 anexos. Carpeta
hasta simbólicamente, vale la pena para consolidar la identidad de la ciudad y así de imágenes p.54-57
aprovechar la memoria y complicidad que los habitantes tienen con ella. 11. Bell Sellén, Roberto Adam. “Centro Alternativo Comunitario para el Cerro”. Trabajo de
Diploma. Curso 2011-12. Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo
Machado Jardo. Documento en versión digital, PDF. 96 páginas, 4 anexos. Carpeta
Referências bibliográficas de imágenes p.58-62
12. Cristóbal Fariñas, Mirelle. Propuesta para la recuperación de un inmueble ubicado
1. Proyecto Territorial. “La Universidad en la solución del banco de problemas del Municipio en una zona de valor en el Cerro. Caso de estudio: Santo Tomás 158. Curso 2011-
Cerro”. Filial Universitaria: Cerro-Plaza. Universidad de La Habana. Documento 12. Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo Machado Jardo.
resumen del proyecto en versión digital. 7 páginas. 2011.p.2 Documento en versión digital, PDF. 136 páginas + anexos. P.12
2. Proyecto Territorial. “La Universidad en la solución del banco de problemas del Municipio 13. Cristóbal Fariñas, Mirelle. Propuesta para la recuperación de un inmueble ubicado
Cerro”. Filial Universitaria: Cerro-Plaza. Universidad de La Habana. Documento en una zona de valor en el Cerro. Caso de estudio: Santo Tomás 158. Curso 2011-
resumen del proyecto en versión digital. 7 páginas. 2011. p 5. 12. Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo Machado Jardo.
3. Bell Sellén, Roberto Adam. “Centro Alternativo Comunitario para el Cerro”. Trabajo de Documento en versión digital, PDF. 136 páginas + anexos. P.15-28
Diploma. Curso 2011-12. Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo 14. Cristóbal Fariñas, Mirelle. Propuesta para la recuperación de un inmueble ubicado
Machado Jardo. Documento en versión digital, PDF. 96 páginas, 4 anexos. Carpeta en una zona de valor en el Cerro. Caso de estudio: Santo Tomás 158. Curso 2011-
de imágenes. p 4 12. Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo Machado Jardo.
Ada Esther Portero Ricol | Ricardo Machado Jardo | Mirelle Cristóbal Fariñas | Abniel
452 La universidad y susacciones en el municipio cerro Ramirez González | Roberto Adám Bell Sellén (Cuba) 453
Documento en versión digital, PDF. 136 páginas + anexos. P.29-39
15. Cristóbal Fariñas, Mirelle. Propuesta para la recuperación de un inmueble ubicado
Repensar La Habana:
En búsqueda de la sustentabilidad
en una zona de valor en el Cerro. Caso de estudio: Santo Tomás 158. Curso 2011-
12. Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo Machado Jardo.
Documento en versión digital, PDF. 136 páginas + anexos. P.28
16. Cristóbal Fariñas, Mirelle. Propuesta para la recuperación de un inmueble ubicado
en una zona de valor en el Cerro. Caso de estudio: Santo Tomás 158. Curso 2011-
del desarrollo urbano
12. Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo Machado Jardo.
Documento en versión digital, PDF. 136 páginas + anexos. P.40
17. Cristóbal Fariñas, Mirelle. Propuesta para la recuperación de un inmueble ubicado Gina Rey (Cuba)
en una zona de valor en el Cerro. Caso de estudio: Santo Tomás 158. Curso 2011-
12. Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo Machado Jardo.
Documento en versión digital, PDF. 136 páginas + anexos. P.44 Resumo | Havana, como muitas cidades no mundo, apresenta uma problemática de
18. Cristóbal Fariñas, Mirelle. Propuesta para la recuperación de un inmueble ubicado grande complexidade em suas áreas centrais causadas pela deterioração avançada de seu
en una zona de valor en el Cerro. Caso de estudio: Santo Tomás 158. Curso 2011- meio construído, de suas infraestruturas, falta de espaços livres e a poluição ambiental que
12. Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo Machado Jardo. determinam a crítica situação das condições de vida de seus habitantes. Não obstante sua
Documento en versión digital, PDF. 136 páginas + anexos. P.45-47
centralidade, o fato de ser detentora de um patrimônio cultural, tanto material quanto in-
19. Cristóbal Fariñas, Mirelle. Propuesta para la recuperación de un inmueble ubicado tangível, e a existência dos bairros com sua riqueza sociocultural oferecem potencialidades
en una zona de valor en el Cerro. Caso de estudio: Santo Tomás 158. Curso 2011-
suscetíveis de serem convertidas em recursos econômicos para o desenvolvimento. As ten-
12. Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo Machado Jardo.
Documento en versión digital, PDF. 136 páginas + anexos. P.67 dências avançadas no campo do pensamento urbanístico e de outras disciplinas afins, para-
lelamente ao surgimento de instrumentos e atuação como a disposta no valor do patrimô-
20. Cristóbal Fariñas, Mirelle. Propuesta para la recuperación de un inmueble ubicado
nio, o desenvolvimento endogeno local, a sustentabilidade urbana, os entornos inovadores
en una zona de valor en el Cerro. Caso de estudio: Santo Tomás 158. Curso 2011-
12. Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo Machado Jardo. e os modelos avançados de gestão oferecem soluções a esta problemática urbana para em-
Documento en versión digital, PDF. 136 páginas + anexos. P.69 preender o processo da reabilitação do Centro de Havana, e demonstra a capacidade deste
21. González Ramírez, Abniel. Propuesta de rehabilitación para la casa Museo del Cerro. modelo de desenvolvimento urbano para preservar seu profundo significado para a cidade
Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo Machado Jardo. e a cultura nacional e elevar a qualidade de vida de seus habitantes.
Documento en versión digital, PDF. 114 páginas + anexos. P. 20-23
Abstract | Havana, as many worldwide cities, presents a problem of great complexity in
22. González Ramírez, Abniel. Propuesta de rehabilitación para la casa Museo del Cerro. their old central areas by the advanced deterioration of its built stock and infrastructures,
Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo Machado Jardo. the lack of open spaces and environmental pollution that determine a critical situation of the
Documento en versión digital, PDF. 114 páginas + anexos. P. 25-33
inhabitant`s living conditions. Despite its centrality, the fact of being in possession of a cul-
23. González Ramírez, Abniel. Propuesta de rehabilitación para la casa Museo del Cerro. tural heritage, both material and intangible, and the existence of neighborhoods with their
Tutores: Dr. Arq. Ada Esther Portero Ricol y Msc. Arq. Ricardo Machado Jardo.
socio-cultural wealth, offer susceptible potential to be converted into economic resources
Documento en versión digital, PDF. 114 páginas + anexos. P. 34.
for development. Advanced trends in the field of urban thought and other related disci-
plines, in addition to the emergence of instruments and acting as the willing in the value of
equity, the local endogenous development, urban sustainability, innovative environments
and advanced management models, offer solutions this urban problems to undertake the
process of rehabilitation of the Center of Havana, and demonstrates the ability of this urban
development model to preserve its deep significance for the city and the national culture
and improve the quality of life of its inhabitants. This article summarizes the results of an
investigation carried out by the Center of Urban Studies from Havana´s Architecture Faculty,
entitled Sustainable Urban Rehabilitation for Central Havana, undertaken between 2006
456 La universidad en la solución de problemas y su impacto en el desarrollo local Gina Rey (Cuba) 457
ganado consenso en cuanto a la importancia de valorizar su patrimonio La expe-
riencia internacional apunta hacia procesos que han dado en llamarse de “puesta en
valor” de este tipo de áreas3.
Imagen 6 Esquema metodológico de la investigación.
Imagen 2 El área
central de La Habana tabilidad de alta precariedad lo
y su sistema de cen- cual incide negativamente en lo
tros.
social. Es notable la pérdida de
Imagen 3 Foto
satelital con la deli- funciones culturales y comer-
mitación del área de ciales motivado por la situación
estudio.
de deterioro. Existen factores
Imagen 4 Pérdida
de funciones urba-
de vulnerabilidad en los que se
nas: antiguo cine identifican los vientos y las pe-
Reina. netraciones del mar durante la Imagen 7 Esquema gráfico de la hipótesis de la investiga-
Imagen 5 Vulnera- ción.
ocurrencia de eventos climáticos
bilidad a la penetra-
ción del mar en el extremos como los huracanes.
Malecón habanero.
458 La universidad en la solución de problemas y su impacto en el desarrollo local Gina Rey (Cuba) 459
beneficios puedan ser reinvertidos en la preservación de su patrimonio y el me- las bondades de la puesta valor del patrimonio para generar desarrollo en las ciuda-
joramiento de la calidad de vida de la población, a partir de la implantación de un des y territorios4. Se reconoce cada vez con mayor fuerza la llamada economía de la
modelo de gestión basado en la sustentabilidad económica apoyado en las fortale- cultura y su capacidad para generar desarrollo y empleo.
zas del modelo social cubano. La consideración de la cultura como recurso y modelo para el desarrollo inclu-
Sobre la base de esta hipótesis se ha considerado la validez de la aplicación ye los estudios de detección de valores, de valorización, los procesos de puesta en
de las ideas más avanzadas en el desarrollo urbano y las experiencias nacionales e valor del patrimonio cultural, y como consecuencia de éstos la creación de distritos o
internacionales, adecuadas a las condiciones concretas del área central de Centro barrios culturales, corredores e itinerarios culturales, entre las principales tendencias.
Habana en la ciudad de La Habana. Una tendencia que se observa cada vez con mayor fuerza es la gestión vincu-
La metodología empleada en la investigación parte del método lógico “aná- lada al patrimonio, la cual ha sido apoyada por organismos internacionales como la
lisis-síntesis-propuesta”, apoyado en los métodos de análisis documental, el análisis UNESCO a través del proyecto de Ciudades Creativas en varias ciudades europeas5. En
histórico-lógico, el análisis comparativo y el cualitativo. El esquema metodológico los últimos años se ha incrementado el reconocimiento de las industrias del arte y las
tiene como punto de partida la definición de un marco teórico-conceptual que iden- industrias creativas como categorías promisorias en el desarrollo económico urbano.
tifica las tendencias en el pensamiento y la práctica del urbanismo en el ámbito Los resultados prácticos obtenidos en muchas ciudades del mundo, en par-
nacional e internacional y define las premisas conceptuales que guiarán los análisis ticular en algunos de los centros históricos de América Latina como Quito y La
y propuestas para Centro Habana. Habana, muestran que la única forma de salvar el patrimonio es considerar lo como
El estudio para la detección de los valores culturales del territorio permite un recurso económico que garantice su preservación y la mejoría de la calidad de
conocer las potencialidades para su puesta en valor y para la concepción de una ”es- vida de los habitantes. Por tanto el problema no se encuentra en la contradicción
trategia de intervención urbanística” que defina las líneas de actuación que orien- cultura-economía sino en el modelo de gestión de los recursos culturales y en la
tarán el proceso de revitalización y determina los proyectos dinamizadores que con posición ética que sustente este modelo.
su efecto multiplicador sean capaces de generar los recursos económicos para la
arrancada del proceso de rehabilitación urbana. La sustentabilidad urbana como paradigma
Los resultados de la investigación tienen su plasmación en tres instrumentos
concretos: el Atlas del Patrimonio Cultural de Centro Habana, la Estrategia de In- El paradigma del desarrollo sustentable se ha convertido en una referencia
tervención Urbanística y la Carpeta de Proyectos Dinamizadores, los cuales forman imprescindible en diferentes ámbitos académicos e institucionales. El concepto
parte del contenido de la presente publicación. de sustentabilidad ha evolucionado, y se ha ampliado de la cuestión ambiental a
otras dimensiones como la económica, la social, la política y la cultural, y también al
ámbito urbano. Al ser transferido dicho paradigma a la problemática de la ciudad,
Marco teórico-conceptual: Tendencias en ésta es considerada como un ecosistema urbano, y en consecuencia se ha adoptado
el pensamiento y en la práctica del urbanismo la categoría de “sustentabilidad urbana”6.
El debate actual gira además en torno a dos paradigmas: por un lado la pro-
Se identificaron las tendencias principales que se han venido conformando el moción de la ciudad compacta y por otro la dispersión. En la forma compacta se re-
“estado del arte” en el campo del urbanismo referido a la problemática de las áreas conocen valores ecológicos por ser menor su “huella ecológica”, y factores ambien-
centrales urbanas, las que de manera sintética pueden resumirse en las siguientes: tales asociados a la reducción de las distancias de transportación y el uso de formas
de movilidad y estilos de vida basados en el disfrute de la cultura y la naturaleza.7
La Valorización de la cultura.
4. Geffre, Xavier. “El papel de la cultura en el desarrollo territorial”. En: “Cultura desarrollo y territorio”, Xabide, Bilbao,
1999.
La cultura es reconocida hoy en día como una actividad generadora de de- 5. UNESCO: Proyecto de Ciudades Creativas. Sitio Web de la UNESCO. 5 Rogers, Richard, Maragall, Pascual y otros. Ciu-
sarrollo, tanto a nivel del territorio como de la ciudad. Cada día se hace mayor la dades para un planeta pequeño. Editorial Gili, Barcelona, 2000.
6. Allen, A.: Re-assessing urban development: Towards indicators of Sustainable Development at urban level. Working
referencia a los efectos de reanimación económica de la valorización cultural en Paper DPU, Development Planning Unit, UCL, Londres, 1994.
territorios deprimidos, al papel del arte y de los artistas en mejorar la vida diaria, y 7. Rueda, Salvador. “La ciudad compacta y diversa frente a la conurbación difusa”. En: Revista ScriptaNova, Barcelona,
2006.
460 La universidad en la solución de problemas y su impacto en el desarrollo local Gina Rey (Cuba) 461
Por otra parte la rehabilitación urbana debe considerar se como un proceso factores producida por la concentración de actividades de I+D y empresariales en
de alta sustentabilidad pues implica el aprovechamiento máximo de los recursos ma- una determinada área o región.
teriales y la energía ya empleados, y por tanto reduce el consumo de nuevos recur- Los componentes críticos de los entornos innovadores están referidos, entre
sos, la generación de desechos que deban ser tratados y el incremento de la huella otros10, a la existencia de: instituciones académicas con una oferta de servicios edu-
ecológica por la urbanización de nuevas áreas y del consumo energético que ocasio- cativos de calidad, la concentración de actividades de investigación y desarrollo con
na el propio proceso de construcción y los flujos de transportación que se generan. capacidad para adaptar la tecnología a la demanda, oferta de servicios de consulto-
ría, iniciativa al nivel local, oferta de recursos humanos altamente calificados, cultura
El desarrollo local endógeno de competencia, colaboración entre los actores sociales y capacidad de innovación.
El desarrollo local endógeno deriva del creciente interés alrededor de lo local, Formas y modelos de gestión avanzados
tanto a nivel teórico como práctico lo cual se refleja la gran cantidad de investiga-
ciones y trabajos publicados sobre el tema y una gran promoción por parte de or- En el ámbito internacional un grupo importante de instituciones y autores
ganismos internacionales, gobiernos, centros académicos y organizaciones sociales. han abordado esta temática que intenta dar respuesta, con nuevas formas de ges-
El desarrollo económico local se define como un proceso de transformación de las tión, a los grandes problemas acumulados en las ciudades y la poca eficacia de las
comunidades locales, que procura mejorar las condiciones de vida de su población, administraciones urbanas para enfrentarlos. La gestión urbana es el conjunto de
mediante una “actuación concertada entre los diferentes agentes socioeconómicos procesos dirigidos a planificar y organizar, recursos humanos, financieros y técnicos
locales, para el aprovechamiento eficiente y sustentable de los recursos endógenos que permitan producir, hacer funcionar y mantener la ciudad. Al constatarse que los
existentes, mediante el fomento de las capacidades de emprendimiento económico procesos de descentralización son aún incipientes, el gobierno local está lejos de
locales y la creación de un entorno innovador en el territorio”8. constituir un actor relevante en la gestión del desarrollo urbano.
Más recientemente el concepto de “endógeno” se ha asociado al desarrollo Por la misma causa apuntada al gobierno local se la dificulta instrumentar la
local, y son varios los autores que coinciden en que, para propiciar el desarrollo local cooperación, como otra premisa del desarrollo urbano, entre ellas la cooperación
se requiere de un proceso endógeno9, que lleve a definir una estrategia de desarrollo pública-pública, entre instituciones públicas de diferentes actividades y ámbitos de
compartida por los diversos actores locales. En consecuencia cuando la comunidad actuación, la público-privada, aún cuando en los últimos años han se ha producido
local es capaz de liderar el proceso de cambio estructural y aprovechar sus recursos ejemplos exitosos en América Latina mediante la creación de corporaciones para
propios, se genera un tipo de desarrollo conocido como “desarrollo local endógeno”. gestionar proyectos urbanos11.
Resulta significativo el consenso en cuanto a la necesidad de un modelo de
Los entornos, contextos o sistemas innovadores en las ciudades gestión basado en la creación una institución líder del proyecto de desarrollo con
capacidad de autogestión, las cuales han adoptado diferentes formas organizativas,
Están vinculados al conocimiento y las tecnologías y actividades asociadas como son las agencias de desarrollo local12.
a la innovación, como lo son las universidades y los centros de investigación. El co- La gestión del patrimonio histórico, que tiene como finalidad su preservación
nocimiento adquiere una importancia fundamental como factor productivo, por y recuperación debe pasar ineludiblemente por un compromiso político. Bajo tales
ello su potenciación en términos económicos está fuertemente asociada a la pre- principios, corresponde al sector público asumir el papel protagónico en una nueva
sencia de entornos innovadores, condicionados por la existencia de un entramado perspectiva de sustentabilidad económica a través de los procesos de puesta en valor.
económico y social. Los entornos o sistemas innovadores, por sus condiciones de
adaptabilidad, flexibilidad y diversidad generan lo que se define como sinergia de
462 La universidad en la solución de problemas y su impacto en el desarrollo local Gina Rey (Cuba) 463
Los procesos de rehabilitación urbana 2. Alta representatividad de la vida cultural de la ciudad y significado para la
cultura nacional por ser la génesis de importantes manifestaciones de la música, el
La teoría y la práctica de la rehabilitación urbana ha evolucionado a partir teatro y la cultura popular.
de la década de los 90 y ha puesto en tela de juicio la forma convencional depen- 3. La presencia de notables valores arquitectónicos y urbanísticos, constitui-
diente de la subvención estatal, la cual como vía única no puede ser sustentable dos por edificaciones singulares de alto valor patrimonial y una gran masa edificada
por la demanda de fondos de financiamiento cuantiosos difícilmente disponibles que constituye uno de los mayores conjuntos eclécticos del mundo. Su trama com-
para muchos países. Por otra parte se han ampliado los conceptos de revitalización pacta y la continuidad de sus cambiantes fachadas de balcones sirven de marco a
y regeneración urbana, con la incorporación de la intervención en áreas degradadas la animación permanente de la calle habanera y ofrecen una imagen urbana fuerte
destinada a la recuperación y atracción de actividades económicas los que se han y vital.
denominado “revitalización urbana” y que conllevan la creación de empleos, lo que 4. Presencia de instituciones culturales, actividad comercial y alojamiento ho-
ha derivado en los procesos más exitosos hacia la integración en un proceso único telero, que aportan gran centralidad a la zona a pesar de la pérdida de funciones.
de rehabilitación-revitalización.
5. Existencia de saberes tradicionales locales expresados en instalaciones
productivas vinculadas a la industria tabacalera, la industria gráfica y otras como las
La valorización del patrimonio cultural de sastrerías, talleres de costura y de calzado y otras actividades artesanales.
Centro Habana 6. El relevante papel de las antiguas calzadas como elementos estructura-
dores del territorio, que actúan como verdaderas centralidades lineales y arterias
En el área de Centro Habana, tiene una gran relevancia el patrimonio inma- vitales de la Ciudad.
terial o intangible, pues esta parte de la ciudad ha sido el crisol de componentes 7. La presencia de sus barrios tradicionales portadores de elementos emble-
trascendentales de la cultura nacional como la música, el teatro y las artes plásti- máticos vinculados a la vida cotidiana y a la imagen de Centro Habana, como son
cas que se desarrollaron en un escenario arquitectónico y urbanístico excepcional, las esquinas animadas por los comercios, lugares de intercambio social, los antiguos
con el que están íntimamente imbricados. En este territorio denominado entonces cines de barrio que continúan presentes en la memoria histórica. Expresiones de
La Habana Extramuros se gestó, durante una buena parte de la segunda mitad del modos de vida colectivo como las ciudadelas y solares, tipologías de vivienda social
siglo XIX y la primera mitad del siglo XX, el centro cultural y comercial más impor- que han sido escenarios de ricas manifestaciones de la más genuina cultura popular;
tante de la ciudad, el cual, en su desarrollo llevaría a La Habana a constituirse en y por último la calle habanera el espacio público por excelencia en esta parte de la
una de las plazas culturales más importantes de América y en sus teatros actuaban ciudad, lugar de intensa vida social, donde se expresa el carácter del habanero con
figuras de renombre de nivel mundial. Esta vida cultural intensa no se desarrollaba una vitalidad impresionante.
solamente en los grandes espectáculos en las áreas urbanas más calificadas, situa-
das en el entorno del Paseo del Prado y del Parque Central, sino que tenía una fuerte
expresión al interior de los barrios y en las viviendas colectivas, llamadas “solares”
El Atlas del Patrimonio Cultural de Centro Habana
y “cuarterías”, lugares donde han surgido manifestaciones genuinas de nuestra cul-
Con la finalidad de recoger y compilar en toda su riqueza el patrimonio centro
tura popular.
habanero se determinó la elaboración de un Atlas del patrimonio cultural por ser
En el presente Centro Habana conserva, a pesar del deterioro, sus relevantes
un instrumento creado para la documentación, sistematización e interpretación del
valores urbanos que se resumen en las siguientes consideraciones:
patrimonio, a partir de la elaboración de un marco de conocimientos de base, que
1. Ha constituido por más un siglo una centralidad urbana, condición que se permite identificar y seleccionar los valores patrimoniales del territorio susceptible
ha visto reforzada por sus conexiones con la franja costera, el Centro Histórico y el de ser convertidos en recursos. Las técnicas de representación tratan datos impor-
sectores relevantes de la ciudad como El Vedado, los cuales han concentrado la di- tantes para reflejar la identidad de los lugares y el conjunto de todos sus valores
námica de desarrollo urbano en los últimos años. tanto tangibles como intangibles.
El contenido principal del Atlas son las fichas que recogen de manera indivi-
dual los elementos de valor componentes del patrimonio arquitectónico, urbanísti-
464 La universidad en la solución de problemas y su impacto en el desarrollo local Gina Rey (Cuba) 465
co y del patrimonio intangible En la actualidad los Atlas automatizados constituyen que atraviesan la ciudad, las calles, plazas, parques y paseos y sus elementos com-
sistemas de información territorial (SIT) utilizados para diversos fines como la plani- ponentes como hitos urbanos, conjuntos escultóricos, mobiliario, jardinería y otros.
ficación territorial y urbana. Están compuestos por conjuntos de cartografía e icono- También se han considerado por su singularidad y significado socio-cultural
grafía, archivos de datos, textos, fotos, vídeos, entrevistas, documentos históricos y sitios como el Barrio Chino y el Callejón de Hammel.
otros medios. Los sitios históricos fueron seleccionados en razón de su trascendencia en la
El punto de partida para la elaboración del Atlas del patrimonio Cultural de vida nacional y local y representatividad de los diferentes períodos históricos.
Centro Habana fue el estudio de identificaron los valores culturales más significa- Para la selección de los elementos más representativos del patrimonio inma-
tivos y su sistematización en fichas facilitar su acceso y utilización para estudios, terial o intangible se tuvieron en cuenta las siguientes premisas:
proyectos, planes y otros fines. La metodología utilizada estuvo basada en la creada 1. Permanencia y trascendencia de tradiciones locales y festividades, como el
por los profesores Alberto Magnaghi y Rafaele Paloscia de la Universidad de Floren- carnaval y otras asociaciones o agrupaciones de larga tradición cultural.
cia, Italia. 2. Manifestaciones culturales, artes del espectáculo.
Las fichas fueron diseñadas por el equipo de investigación y el trabajo de 3. Presencia de técnicas artesanales tradicionales.
campo fue realizado por estudiantes de la Facultad de Arquitectura del ISPJAE in- 4. Personalidades de la cultura que han dejado su impronta en el territorio.
tegrados al equipo de investigación, y en su elaboración se tomaron en cuenta
5. Conocimientos y habilidades tradicionales que se derivan de las culturas
además fuentes bibliográficas, el Registro de Sitios de valor histórico-cultural del
materiales.
Museo Municipal de Centro Habana, un estudio sobre valores patrimoniales realiza-
6. Memoria histórica de lugares ya desaparecidos.
do como parte del Plan de Rehabilitación Urbana de Centro Habana elaborado por
El trabajo de detección de valores comprendió más de 500 exponentes, de
el Instituto de Planificación Física y la consulta a expertos.
los cuales 155 fueron llevados al Atlas en formato de ficha, de ellas 63 del patrimonio
Se establecieron criterios de valorización tanto para el patrimonio material
arquitectónico, 16 del histórico, 20 del urbanístico y 56 del inmaterial, acompañados
como el inmaterial. En el patrimonio material se consideraron el patrimonio arqui-
de una reseña temática sobre las fábricas de tabaco, los teatros y los hoteles por su
tectónico y el urbanístico. Como categoría particular aparece el patrimonio histórico
importancia en la configuración urbanística y en la vida del territorio.
por integrar componentes materiales e inmateriales.
Para la identificación del patrimonio material se tuvieron en cuenta los si-
guientes criterios de valoración: La puesta en valor del patrimonio cultural de
1. La significación de la arquitectura del período colonial, de la que se con-
Centro Habana
servan pocos exponentes, por la pérdida de edificaciones que se produjo durante el
período republicano motivado por la especulación inmobiliaria.
Se ha evidenciado una tendencia significativa y creciente a la gestión vincu-
2. Representatividad del estilo ecléctico predominante en Centro Habana en lada a la valorización del patrimonio, lo que se ha dado en llamar “puesta en valor”,
sus diferentes manifestaciones: neoclásico, art deco, art nouveau, neo-gótico y mo- como un proceso que garantiza la conservación y recuperación del patrimonio y al
risco, entre otros. propio tiempo tiene un peso significativo en su aprovechamiento con fines económi-
3. Reconocimiento de los exponentes de valor del movimiento moderno pre- cos, como factor que dinamiza la revitalización social y económica, de las áreas donde
sentes en el área. éstos se encuentran. El Centro Histórico de la Habana Vieja constituye un ejemplo
4. Representatividad de la diversidad de tipologías funcionales de las edifica- paradigmático de este tipo de gestión que ha sido reconocido internacionalmente.
ciones: cívica, industrial, religiosa, vivienda, teatros, comercio, hoteles y otros. Por otra parte los resultados del Atlas demuestran la hipótesis formulada en
5. El significado de los edificios como referentes para la comunidad. cuanto a la existencia de valioso patrimonio susceptible de ser recuperado y utili-
En cuanto a los valores del patrimonio urbanístico los criterios están referidos zados para nueva funciones que hagan posible el logro de la sustentabilidad del
a la escala, la concepción general y calidad de los espacios y sus elementos compo- proceso de rehabilitación.
nentes, la jerarquía como espacio público a nivel urbano. Se han incluido las calzadas Una “puesta en valor” del patrimonio de Centro Habana obliga a dar un enfo-
originales que conectan el centro y la periferia y constituyen centralidades lineales que holístico al estudio de valorización pues estamos en presencia de un valioso pa-
trimonio intangible muy estrechamente imbricado en su patrimonio arquitectónico
466 La universidad en la solución de problemas y su impacto en el desarrollo local Gina Rey (Cuba) 467
Imagen 8 Mapa de va-
lores culturales. Edifica- Imagen 9 Ficha del Cal-
ciones y sitios de valor lejón de Hammel, sitio
urbano, arquitectónico, de identidad afrocubana.
histórico e inmaterial. Atlas del patrimonio de
y urbanístico. Es esa la inmensa riqueza cultural y social que tiene Centro Habana, Centro Habana.
que no deja maravillar y revela siempre algo nuevo. Con respeto y sensibilidad a esa La recuperación de la centralidad urbana se plantea, no como una recrea-
memoria histórica y a sus valores es que debe intervenirse en ella, y ese ha sido el ción del pasado, sino de un rescate del patrimonio con nuevas funciones urbanas
espíritu que ha animado esta propuesta. que rehabilite el área en lo físico y la revitalice en lo económico para obtener como
efecto conjunto de las dos actuaciones el desarrollo social y económico. El apro-
vechamiento de las sinergias que surgen producto de la diversidad de actividades
La Estrategia de Intervención Urbanística para en un mismo espacio, puede incentivar tanto a las industrias culturales como a los
Centro Habana pequeños talleres de artesanía y servicios tradicionales y cotidianos, lo que permi-
tirá, de manera orgánica producir el mejoramiento de las de la calidad de vida de la
La Estrategia de Intervención Urbanística, está orientada a la gestión, y tiene población residente, mediante la combinación de la inversión de gran escala con la
como objetivo identificar las líneas principales que orienten el proceso de revita- pequeña inversión de carácter autogestionario.
lización y con ello generar recursos financieros que se destinen a la rehabilitación En la Estrategia se combinan dos tipos de intervención urbanística: la que se
urbana integral de forma progresiva. En sus la revitalización de los ejes principales; realiza en los ejes viales principales, por concentrarse en ellos los mayores valores
la creación de nuevos espacios públicos y el mejoramiento de los existentes; la re- arquitectónicos y las funciones centrales, y en paralelo la que se realiza al interior de
cuperación de funciones y el desarrollo de nuevas funciones compatibles a la zona los barrios para la rehabilitación del fondo edificado, principalmente el de vivienda,
de estudio; el estudio e inserción de la actividad cultural como elemento protagóni- las infraestructuras y los equipamientos sociales, y que conlleva también la creación
co, el desarrollo integrado de la economía local y de los entornos innovadores. Las de espacios libres que propicien un mejoramiento ambiental.
líneas definidas por la Estrategia se concretan en los proyectos dinamizadores como A su vez, las intervenciones en estos ejes podrán ser ejecutadas de dos formas:
instrumento que demuestra la factibilidad de realización de las propuestas. por tramos seleccionados de acuerdo con su interés y relevancia y mediante acciones
468 La universidad en la solución de problemas y su impacto en el desarrollo local Gina Rey (Cuba) 469
puntuales en nodos o intersecciones importantes que puedan extenderse progresi- Otro de los barrios emblemáticos, el de Colón se proyecta a partir de la rique-
vamente de acuerdo con las prioridades y disponibilidad financiera. En cuanto a la za de sus tradiciones, manifestaciones artísticas locales como la música, el teatro y
ejecución de las inversiones, estas deben responder a un programa integral que con- el carnaval y las posibilidades que ofrece el edificio de la antigua Planta Eléctrica
siga un equilibrio entre el desarrollo económico y el social, bajo el principio de sus- para convertirse en un Centro de Arte Contemporáneo con capacidad para atraer
tentabilidad económica, para lo cual se requiere una etapa de arrancada de proyectos estudios de artistas plásticos al barrio13.
dinamizadores de mayor factibilidad capaces de generar un fondo de inversión que
reforzaría la inversión estatal de carácter central. Los corredores culturales
Las líneas de intervención principales de esta Estrategia se resumen en las
siguientes actuaciones: Propuestos en ejes altamente significativos para la ciudad, donde existe una
alta concentración de valores urbano-arquitectónicos e históricos-culturales. El co-
Los ejes culturales- rredor cultural de San Lázaro vinculado a la Planta Eléctrica de Colón y a la presencia
comerciales de galerías de arte y estudios de artistas. Estas acciones motivan el interés de un
gran número de artistas e instituciones a instaurar sus talleres, galerías y viviendas
Corresponden a las vías en estas importantes avenidas.
principales que bordean los di-
ferentes barrios, las antiguas cal- Los itinerarios culturales
zadas y calles que históricamen-
te han albergado este tipo de Siguiendo recorridos que conectan edificios, espacios o sitios de interés cul-
funciones a nivel de ciudad. Las tural para su puesta en valor. Uno de los itinerarios sería en el barrio de Cayo Hueso,
líneas de intervención plantean la con un recorrido lineal que sigue la calle Aramburu conectando sitios socio-históri-
rehabilitación integral de las edifi- cos-culturales como la Fragua Martiana, el callejón de Hammel, y el antiguo Cemen-
caciones para la recuperación de terio Espada a través de un diseño de calle verde de circulación regulada.
los locales comerciales, la vivien-
da, el incremento de las funcio- La creación de entornos innovadores
nes culturales y nuevas funciones
Imagen 10 Estrategia de Intervención urbanística propues-
ta. Proyectos dinamizadores. que aprovechen las potencialida- En un ámbito económico y social en el que la innovación y el conocimiento
des detectadas. Se contempla la adquieran un lugar central en el proceso productivo para que el desarrollo de estos
reanimación de “nodos” o esquinas tradicionales, incluido su entorno inmediato, en factores constituya un elemento clave.La presencia del Instituto de Diseño Indus-
intersecciones de vías principales. trial (ISDI), actividad de una alta capacidad de innovación, que podría atraer centros
y talleres de diseño y de la industria gráfica. La presencia del Hospital Hermanos
Los distritos culturales urbanos Ameijeiras podría constituirse en un entorno innovador vinculado a las tecnologías
avanzadas vinculadas a la medicina.
Se han identificado, por su significado cultural, centralidad, imagen, concen-
tración y diversidad de actividades, tres lugares: un distrito de alta centralidad de- La apertura de corredores verdes
limitado por las calles Galiano, Prado, Neptuno y San Rafael, que se desarrollaría
con una gran una diversidad, aprovechando su tradición cultural y comercial, para Conformados progresivamente mediante la conexión de espacios verdes
potenciar el teatro, la música y la moda. El Barrio Chino por sus valores culturales creados en las manzanas, los que aprovecharían los vacíos urbanos existentes para
y gran vitalidad social y comercial y la presencia de las sociedades, y tradiciones el mejoramiento ambiental y el disfrute de los habitantes. Los ejemplos trabajados
chinas, potenciar el rescate de esta cultura en toda su dimensión.
13. Gina Rey; colectivo de autores. “El Barrio de Colón: Rehabilitación urbana y desarrollo comunitario en La Habana”,
Centro de Estudios Urbanos, Facultad de Arquitectura, ISPJAE, 2005.
470 La universidad en la solución de problemas y su impacto en el desarrollo local Gina Rey (Cuba) 471
están las propuestas para los barrios de Los Sitios y Pueblo Nuevo, demuestran su
factibilidad y posibilidad de ampliación a la totalidad del tejido urbano. Se comple-
mentan con las calles parque – propuestas de manera distribuida en el área.
472 La universidad en la solución de problemas y su impacto en el desarrollo local Gina Rey (Cuba) 473
1. Proyectos con capacidad para generar recursos económicos, con efecto en el planeamiento y la gestión, el reforzamiento de las relaciones horizontales que
multiplicador al valorizar elementos que aprovechen la condición de proximidad y incluya tanto las entidades productivas como las instituciones, organizaciones so-
sean factibles desde el punto de vista económico. ciales y otros actores comunitarios, de manera que generen un mayor compromiso
2. Posibilidad de generar ingresos que puedan revertirse en los procesos de con los procesos de mejoramiento de su hábitat propio y en la economía local.
rehabilitación integral a partir de un modelo de gestión que lo promueva. La planificación como proceso integrante del modelo de gestión constituye
3. Aprovechamiento de la concentración de valores patrimoniales tangibles una componente de carácter estratégico, pues el plan urbano constituye un instru-
e intangibles en un área determinada, y de las sinergias que se producen como re- mento orientador de las decisiones principales, la definición de prioridades y el orde-
sultado de la interacción de los valores con otros elementos presentes en el tejido namiento físico de las inversiones para una utilización más racional y efectiva de los
social y productivo que potencien un desarrollo local endógeno. recursos. Por último y no menos importante, es contar con un marco legal adecuado,
4. Aprovechamiento de la condición de centralidad del área que recibe gran- que conceda autoridad a los gobiernos locales, para gestionar este tipo de proyectos.
des flujos de población diariamente, y la de conexión entre El Vedado y el Centro His- En consecuencia se demanda un modelo de gestión propio, una entidad o
tórico, a través del Malecón habanero y su condición de enlace vital para la ciudad. agencia de perfil técnico-económico, bajo la autoridad del gobierno local, con fun-
ciones de dirección del proyecto y capacidad de coordinación de la participación de
5. Posibilidad de refuncionalización o reconversión de edificaciones singulares
los diferentes actores, la cual asumiría la concertación de las iniciativas de inversión
con valor patrimonial para asimilar nuevos programas arquitectónicos y urbanísticos.
y con las instituciones académicas, culturales, y asociaciones profesionales.
474 La universidad en la solución de problemas y su impacto en el desarrollo local Gina Rey (Cuba) 475
Los resultados del estudio demuestran la factibilidad de crear distritos, corre- Referências bibliográficas
dores culturales y otros proyectos dinamizadores en Centro Habana.
Los distritos culturales identificados basados en la tradición cultural y comer- ALBURQUERQUE LLORENS, F.: Manual del Agente del “Desarrollo Local”. Ediciones SUR,
cial, en el barrio y su tejido social, son los que más aprovechan las sinergias que se Barcelona,
producen al concurrir en un área relativamente reducida una diversidad de valores 1999.
culturales como el teatro, la música, las artes plásticas, la arquitectura, la artesanía, ALLEN, A.: Re-assessing urban development: Towards indicators of Sustainable Development at
otras producciones locales y los festejos tradicionales como el carnaval. urban level. Working Paper DPU, Development Planning Unit, UCL, Londres, 1994.
En el territorio de Centro Habana existen potencialidades para la creación de ALLENDE, J.: “Desarrollo Económico Local y Reestructuración Urbano-Regional”. En: La
entornos innovadores a partir de la presencia de centros avanzados del conocimien- ciudad, instrumentode Recuperación Económica y Creación deEmpleo. Ayuntamiento de
to y la innovación, capaces de generar proyectos dinamizadores en actividades aso- Pamplona, Vitoria-Gasteiz, 1998.
ciadas al arte, diseño y la medicina en conjunción con el desarrollo de una economía ÁLVAREZ, Dianirys, GONZÁLEZ, Lisbett: Estudio para la revitalización de la calle Neptuno como
local innovadora que cree sinergias entre el conocimiento y las tradiciones locales. parte del centro tradicional de la ciudad. Trabajo de diploma, tutora: Gina Rey, Facultad
En relación al modelo de gestión, el desarrollo local fundado en la valoriza- de Arquitectura, ISPJAE, 2006.
ción patrimonial asigna nuevos sitios de actuación a los gobiernos locales y atribu- AROCENA, J.: El desarrollo local: un desafió contemporáneo, CLAH, Editorial Nueva Sociedad,
ciones para gestionar proyectos de desarrollo urbano, sustentados en la activación Uruguay, 1995.
de formas de gestión económica de carácter local, como la mejor garantía para BOISIER; S. Sociedad del conocimiento, conocimiento social y gestión territorial. Instituto de
lograr un desarrollo sustentable. Desarrollo Regional, Fundación Universitaria Sevilla, versión digital, Sevilla, 2001.
Los resultados han evidenciado la valiosa contribución que ofrecen los cen- BORJA, Jordi: El espacio público: ciudad y ciudadanía. Electa, Barcelona, 2003.
tros académicos para el estudio de la problemáticas que presentan en la actualidad BORJA, Jordi: La ciudad conquistada. Alianza Editorial, Madrid, 2003.
las áreas centrales antiguas de las ciudades y la formulación de propuestas para su
BORJA, Jordi; CASTELLS, Manuel: Local y Global la gestión de las ciudades en la era de la
solución, la cual debe ser potenciada. Se ha hecho evidente que por su alta comple- información.Ediciones Taurus, UNHS, Madrid, 2004.
jidad requieren ser abordadas con un enfoque científico, de manera que permitan
CASTELLS, Manuel: La era de la información: economía, sociedad y cultura, El poder de la
aportar ideas y proyectos, e instrumentar estrategias de intervención urbanística identidad, vol. II. Alianza Editorial, Madrid, 1999.
que superen las formas en que se han encarado hasta el presente estas actuaciones.
CARRIÓN, Fernando: Valoración del modelo de gestión del Centro Histórico de la Habana Vieja.
De manera conclusiva se plantea que el desarrollo de procesos rehabilitación SitioWeb Oficina del Historiador, 2006.
y revitalización en territorios de tanta complejidad como Centro Habana, demandan
CENTRO HABANA. Sitio Web: www.cubarte.com, Ministerio de Cultura, Cuba.
la introducción de conceptos y formas de gestión avanzadas que hagan posible la
COMIN, Heliana; HOWARD, Ana Luisa, (compiladoras): Intervenções em centros urbanos.
instrumentación de proyectos y actuaciones capaces de sustentar una intervención
Objectivos,estratégias e resultados. Editora Manole, São Paulo, 2006.
integral de rehabilitación urbana.
CONTANTINI, Greta; MILANI, Paolo. Atlas del Patrimonio Local, material e inmaterial de la
De acuerdo con lo expuesto anteriormente el gran reto es precisamente ins-
ciudad de León. Universidad de Florencia, Alcaldía de León, Nicaragua, 2006.
trumentar procesos económicos capaces de generar ingresos que se reviertan en el
CORAGGIO, José L.: “El futuro de la economía urbana en América Latina. Notas desde una
mejoramiento de la calidad de vida de los habitantes. Se trata de un nuevo modelo
perspectiva popular”. En: Medio Ambiente y Urbanización. No. 43-44, IIED-AL, Buenos
de desarrollo que aproveche las fortalezas de la sociedad cubana, en la que no Aires, 1993.
están presentes los intereses especulativos y de una nueva forma de instrumentar
CHATELOIN, Felicia: “Colón, un territorio clave en el desarrollo habanero”. En: El barrio de
las transformaciones necesarias y lograr de manera progresiva una vida mejor para
Colón. Rehabilitaciónurbana y desarrollo comunitario en LaHabana. Centro de Estudios
sus habitantes en un futuro cercano. Urbanos de La Habana, Facultad de Arquitectura, La Habana, 2006.
CHOY, Olivia, SÁNCHEZ, Kiovet, DE LA REGATA, Daniel: Propuesta de distrito cultural para un
sectorde alta centralidad en Centro Habana. Trabajo de Diploma, tutora: Gina Rey,
Facultad de Arquitectura, ISPJAE, 2007.
DÁVALOS, Roberto: “Comunidad, participación y descentralización. Una reflexión necesaria”.
476 La universidad en la solución de problemas y su impacto en el desarrollo local Gina Rey (Cuba) 477
En: Desarrollourbano: Proyectos y experiencias de trabajo. Universidad de La Habana, OROVIO, Helio: El carnaval habanero. Ediciones Extramuros, La Habana, 2005.
La Habana, 1997. PLANO ESTRATÉGICO DE RÍO DE JANEIRO. Instituto de Planeamento de Río, Prefeitura de Rio
DAUOIDI, Simin: “Participación en la planificación de la sostenibilidad”. En: Una nueva cultura de Janeiro, 2005.
del territorio. Diputación de Barcelona, Barcelona, 2006. PONCE GABINO, y colectivo de autores: La Habana. De Colonia a Metrópoli. Agencia Española
DE LAS CUEVAS, Juan: 500 años de construcciones en Cuba. Editorial Chavín, Madrid, 2001. deCooperación Internacional, 2007.
FARRET, Ricardo: Intervenções em centros urbanos: Objetivos, estratégias e resultados. Editorial PROJECTO RIO CIDADE. Instituto de Planeamento de Rio de Janeiro. Prefeitura de Rio de
Manole, São Paulo, 2006. Janeiro, 2005.
GEFFRE, Xavier: “El papel de la cultura en el desarrollo territorial”. En: Cultura desarrollo y REY, Gina: La Habana: del barrio a la ciudad. Experiencias de planificación participativa.
territorio. Editorial Xabide, Bilbao, 1999. Congresode “Latino American Studies Asociation” (LASA), Washington, 2001.
GRUPO PROMOTOR DEL BARRIO CHINO DE LA HABANA: Programa de recuperación del barrio REY, Gina; colectivo de autores. “Rehabilitación Urbana Integral del barrio de Colón en La
Chinode La Habana. Formato digital no publicado. La Habana, 1999. Habana”. En: El barrio de Colón,Rehabilitación urbana y desarrollo comunitario en La
HALL, Peter: Cities in civilization. Editora International, New York, 2001. Habana. Centro de Estudios Urbanos de La Habana, La Habana, 2005.
HALL, Peter: Ciudades del mañana: Historia del urbanismo en el siglo XX. Ediciones del Sebal, REY, Gina: Centro Habana: un futuro sustentable. Centro de Estudios urbanos, Facultad de
Barcelona, 1996. Arquitectura, ISPJAE, Ediciones CUJAE, 2009.
HARM, HANS, editor y otros: Vivir en el centro. Barrios céntricos de inquilinato en América RIVAS, Estela; BARTOLOMEU, Carlos y otros: Historia de Centro Habana. Publicación digital,
Latina. UniversidadTécnica de Hamburgo, Alemania, 1996. Comisión deHistoria Provincial, Ciudad de La Habana, 2006.
Esquema y Plan de Ordenamiento Territorial yUrbano de la Ciudad de La Habana. Dirección RODRÍGUEZ, Patricia: “Un nuevo enfoque para el manejo de áreas antiguas: acercamiento a
Provincial de Planificación Física de la Ciudad de La Habana, 2000. un estudio comparativo entre diversas experiencias regionales. En Proyecto Gestión
Integral del PatrimonioCultural. ORLAC-UNESCO, Madrid, 2003.
Plan de Rehabilitación Urbana del Municipio Centro Habana.Publicación digital, Instituto de
Planificación Física, La Habana, 2003. ROJAS, A.; RAVELO, G.: “Estudio de valores del barrio de Colón”. En: El Barrio de Colon:
Rehabilitaciónurbana y desarrollo comunitario. Centro de Estudios Urbanos de La
LESER DE MELO, Sylvia y otros: Economía Solidaria y Autogestión. Editora PW, Universidad de Habana,. La Habana, 2006.
São Paulo,São Paulo, 2005.
ROZAS, Germán: Pobreza y desarrollo local. Fondo de Gestión del Desarrollo Local, Barcelona,
LUNGO, Mario; PÉREZ, Mariam: “Gestión Urbana: algunas cuestiones teóricas”. En: Estudios 2000.
SocialesCentroamericanos. San Salvador, 1990.
RUEDA SALVADOR. “La ciudad compacta y diversa frente a la conurbación difusa”. En: Revista
LUNGO, Mario: Globalización, grandes proyectos y privatización de la gestión urbana. Cadernos ScriptaNova, Barcelona, 2006.
IPPUR,
SINGER, Paul: Economia solidária e autogestão. PW Editora, São Paulo, 2005.
Universidad Federal de Río de Janeiro, 2004.
SÁNCHEZ DE MADARIAGA, Inés: Introducción al urbanismo: conceptos y métodos de la
MAGNAGHI, Alberto: Il progetto locale. Editorial Bollati Bonghieri, Florencia, 2000. planificación urbana. Editorial Alianza, Madrid, 1999.
MESÍAS, R.; SUÁREZ, A.: Los Centros Vivos: La Habana, Lima, México, Montevideo. CYTED, La SANTAGATA, W.: Cultural Districts for Sustainable Economic growth. Minneapolis University,
Habana-Ciudad México, 2002. Minneapolis, 2000.
MILANESIO, N.: La ciudad como representación. Imaginario urbano y recreación simbólica de la TORRES, Ana C., y otros autores: Repensando a experiencia urbana da América Latina: questões,
ciudad.Anuario de Espacios urbanos, UNAM, México, 2001. conceitos e valores. CLACSO, Buenos Aires, 2000.
MUSEO MUNICIPAL DE CENTRO HABANA: Registro de construcciones y sitios históricos de UNESCO: Proyecto de Ciudades Creativas. Sitio Web de la UNESCO.
Centro Habana.La Habana, 2007.
UNESCO: El patrimonio cultural intangible. Sitio Web de la UNESCO, 2004.
MUTAL, Silvio. Ciudades y centros históricos de América latina y el Caribe: 50 años de
trayectoria. En Centros históricos de América Latina y el Caribe, Fernando Carrión, UNESCO: Carta Internacional sobre la gestión del turismo en los sitios con patrimonio
compilador. UNESCO-BID, Quito, 2001. significativo. SitioWeb de la UNESCO, 1999.
ORMINDO DEAZEVEDO, Paulo: “Formación en conservación de monumentos y gestión UNESCO: Carta Internacional para la conservación de las ciudades históricas y áreas urbanas
integral del patrimonio en América Latina y el Caribe”. En: Proyecto Gestión Integral del históricas (Carta de Washington). Sitio Web de la UNESCO, 1999.
Patrimonio Cultural. ORLAC-UNESCO,2003. UNESCO: Patrimonio cultural intangible: nuevos planteamientos respecto a su salvaguarda. Sitio
478 La universidad en la solución de problemas y su impacto en el desarrollo local Gina Rey (Cuba) 479
Webde la UNESCO Press, 2005.
VÁZQUEZ BARQUERO, A.: Política Económica Local. Pirámide, Madrid, 1993.
Historic centers under pressure.
VÁZQUEZ BARQUERO, A.: Las redes de actores y de ciudades en el desarrollo territorial. En:
Unanueva cultura del territorio. Diputación de Barcelona, 2006. Lights and shadows from the
VENEGAS FORNIAS, Carlos: La urbanización de Las Murallas: Dependencia y modernidad.
Editorial LetrasCubanas, La Habana, 1990. italian experience1
VENEGAS FORNIAS, Carlos: Cuba y sus pueblos, censos de los siglos XVIII, XIX. Centro de
Investigacióny Desarrollo de la Cultura Cubana Juan Marinello,La Habana, 2002.
Giorgio Piccinato (Itália)
480 La universidad en la solución de problemas y su impacto en el desarrollo local Giorgio Piccinato (Itália) 481
Abstract | The fate of historic centres in times of heavy social and economic change is no era todavía parte de la conciencia social. Eso vino después, gracias a la admirable labor
linked to a number of factors: rate of growth, new life styles, new social priorities, land use desarrollada principalmente por asociaciones culturales libres, que eran capaces de hacer
changes, new functions, modes of spatial development, government control. During the popular un tema que parecía confinado a un pequeño número de estudiosos. Una vez que
last half century a strong cultural debate developed around the issue of protection and popularmente fue aceptada la idea de que lós tejidos históricos debían mantenerse, gente
revitalization of historic centres, involving conflicts between tradition and modernity, de- se dio cuenta que éste era el principio de la protección física pero también que cambiar de
velopment and containment, temporal and spatial limits of protection policies. Within this funciones y composición social se iba a transformar la esencia misma de la zona. Hoy en día,
process, scholars and experts were sometime bypassed by social and economic transforma- las demandas de los residentes, usuarios y visitantes son diferentes porque las condiciones
tions, while in other cases they were able to indicate new paths and challenges for sustain- históricas son diferentes. Esto sugiere la necesidad de políticas capaces de responder a las
able development policies. In the fifties real estate developers tried very hard to get build- más recientes actitudes culturales y sociales, teniendo en cuenta que nos confrontamos a
ing codes providing higher densities in the central areas, in order to substitute the existing una sociedad muy fragmentada.
fabric with new and taller buildings. At the beginning the debate developed around the
issue of inserting modern architecture into an old pattern. This was the time when specula-
tion proved more dangerous for the historic centres than the recent war. The idea that the Introduction
old urban fabric itself, and not only the most prominent buildings, needed consideration
and protection was not yet part of social awareness. That came later, thanks to the admira- The issue of planning for the conservation of historic centres is familiar to
ble work developed mainly by free cultural associations, who were able to make popular an most European cities.
issue that seemed confined to a small number of scholars. Once the idea that historic fabrics In many parts of the world some success has been achieved in preserving the
were to be maintained was popularly accepted, people realised that this was the beginning historic building stock.
of physical protection but also that change in functions and social composition was going The most common approach intends to put together physical rehabilitation
to transform the very essence of the area. Today, demands of residents, users and visitors and economic revival on the ground that conservation policies cannot be afforded
are different because historical conditions are different. This suggests the need of policies out of some form of economic return. One could think that the two lines were devel-
able to respond to the most recent cultural and social attitudes, having in mind that we are oped in a parallel way, but the economic one was by far the most cherished, and in
confronted with a highly fragmented society. stressing it, conservation aims were often overlooked (CHOAY, 1992). Just consider
what happened to those west-European historic centres that were best taken care
Keywords. historic centres, revitalisation, Italy.
of, in terms of planning and development control. Facades were more or less accu-
Resumen | Centros históricos sob presión. Luces y sombras de la experiencia italiana rately renovated, as were the signs; building typologies thoroughly “renewed”, were
El destino de centros históricos en tiempos de gran cambio económico y social está asocia- usually turned into flats for well off singles or into professionals’ offices; streets and
do a una serie de factores: tasa de crecimiento, nuevos estilos de vida, nuevas prioridades squares, liberated from car traffic, were invaded by benches, flower pots and lamps
sociales, cambio de uso de suelo, nuevas funciones, modos de desarrollo espacial, el control more or less elegant but always at a “human scale”. In these spaces, usually over-
del gobierno. Durante el último medio siglo tuve uno fuerte debate cultural desarrollado crowded, walk visitors, lunch time employees and, most of all, shoppers. Ground
alrededor de la cuestión de la protección y revitalización de centros históricos, que implica floors are mainly turned into shops, restaurants, pizza and fast foods, and even into
conflictos entre tradición y modernidad, desarrollo y contención y límites temporales espa- large department stores, connecting astutely a number of different buildings: the
ciales de políticas de protección. Dentro de este proceso, estudiosos y expertos vivenciaran final setting is totally organised in order to create that kind of joyful atmosphere that
transformaciones sociales y económicas, mientras que en otros casos indicaran nuevos ca- seems necessary to buy, consume and pay any type of product.
minos y desafíos para las políticas de desarrollo sostenible. En los años cincuenta promoto-
The same recipe is being used everywhere: pedestrianisation, commerciali-
res inmobiliarios se esforzaran por conseguir llegar a códigos que proporcionaran mayores
sation, gentrification. Is this the result we were looking for, raising the issue of con-
densidades en las áreas centrales, para sustituir al tejido existente con edificios nuevos y
servation of the historic city? Administrators appear satisfied with it, experts and
más altos. Al principio el debate desarrollado alrededor del tema de la inserción de la arqui-
academics are busy pushing forward protective legal measures wherever they can,
tectura moderna en un viejo padrón fue el momento cuando la especulación resultó más
people find increasingly difficult to accept such reductive policies (Piccinato,
peligrosa para los centros históricos que la reciente guerra. La idea de que el tejido urbano
2003). A basic lack of communication (ending in poor identification of goals and
viejo sí mismo y no sólo los edificios más destacados, protección y consideración necesaria
Since few decades, planners seem having adopted an advisory role, rather Caniggia G.F. (1976), Strutture dello spazio antropico, Firenze, Uniedit;
than a more official (and enforcing) one (Alexander, 1992; Burchell et alii, 1996). They Carozzi C. & Rozzi R. (1972), Centri storici questione aperta, Bari, De Donato;
emphasise cognitive and political limits of planning, the changing configuration Cederna A. (1957), I vandali in casa, Torino, Einaudi;
of the general interest through the time, and planning as a learning process. They Cederna A., 1965), Mirabilia Urbis, Torino, Einaudi;
insist on offering small solutions today to great permanent problems, linking advice
Cervellati P.L. & alii (1977), La nuova cultura delle città, Milano, Mondadori;
to specific local conditions, choosing different “planning styles” for different prob-
Cervellati P.L., & Scannavini R., eds. (1973), Bologna: politica e metodologia del restauro,
lems. Terms such as incrementalism, local rationality, dialogue have become key
Bologna, Il Mulino;
words of the planning debate today. Case studies are summing up to demonstrate
Choay, F., (1992) L’allégorie du patrimoine, Seuil, Paris ;
that it is possible to use common knowledge as a tremendous planning tool. What
comes from oral history does not only help enlarging experts’ knowledge of what is De Carlo G. (1966), Urbino. La storia di una città e il piano della sua evoluzione, Padova,
Marsilio;
not documented in the archives, but goes on also spreading awareness of the issue,
changing the very terms of the problem. This requires an attitude from the planner Dematteis G. (1996), Il progetto implicito, Milano, Franco Angeli;
that is at the same time humble and curious, in order to gain support or to adapt his Gabrielli B. (1993), Il recupero della città esistente. Saggi 1968 – 1992, Milano, Etas;
early objectives. International Cultural Centre, (1992) Managing Tourism in Historic Cities, Krakow, CityProf;
In the field of conservation, this support was gained through a long process, Miarelli Mariani G. (1993), Centri storici. Note sul tema, Roma, Bonsignori Editore;
but now in many cases the market helps. Understanding and using the reasons of
Pane R. (1967), Attualità dell’ambiente storico, Firenze, La Nuova Italia;
the market (that reflects people attitude) is possibly the best way to build effective
Pane R., (1956), Città antiche ed edilizia nuova, Torino, Einaudi;
policies also in our field. Social interaction is crucial to the process of building shared
values: it is dialogue, and eventually alliance with other groups that will help win- Piccinato, G., ed., (1996) Alla ricerca del centro storico, Milano, FrancoAngeli;
The major structural changes in contemporary societies that have been called Second De-
mographic Transition pose new challenges to urban planning, particularly of how to plan
for equality in diversity. This article explores the urban implications arising from the con-
sideration of the needs in the city from the gender point of view. Among them, the conse-
quences on the area to recognize and revalue the careful attention of people like the work
as important as paid employment. Explains how it puts into question assumed urban no-
tions about the places of employment, housing, leisure and equipment. In particular field,
the transportation, the article proposes the introduction of a new concept of care mobility.
Finally, refers to policies, programs and legal regulations in Europe and Spain that today
require public authorities to promote gender equality in their urban and housing policies.
Resumen | Los grandes cambios estructurales en las sociedades contemporáneas que han
dado en llamarse Segunda Transición Demográfica plantean nuevos retos al urbanismo, en
particular el de cómo planificar para la igualdad en la diversidad. Este artículo explora las
implicaciones urbanísticas derivadas de considerar las necesidades en la ciudad desde el
punto de vista de la nueva categoría analítica del género. Entre ellas, las consecuencias es-
paciales de reconocer y revalorizar el trabajo de cuidado y atención a las personas como un
494 Historic centers under pressure Inés Sánchez de Madariaga (Espanha) 495
trabajo tan importante como el empleo remunerado. Explica cómo ello pone en cuestión ciales y de ocio, son formas de construcción del territorio que están pensadas para
nociones urbanísticas asumidas sobre los lugares de vivienda, empleo, ocio y equipamiento. una unidad familiar compuesta por padre que tiene un empleo, madre que no lo
En un campo específico, el del transporte, el artículo propone la introducción de un nuevo tiene, e hijos, que dependen de su madre para la movilidad en transporte privado
concepto, la movilidad del cuidado. Por último, hace referencia a las políticas, programas y hasta que alcanzan la mayoría de edad.
regulaciones legales en Europa y en España que hoy obligan a las administraciones públicas Sin embargo, los datos de Eurostat dibujan unas sociedades muy diferentes.
a promover la igualdad de género en sus políticas urbanas y de vivienda. Sólo el 30% de los hogares en el norte de Europa, menos del 50% en España, corres-
ponden a familias con padre, madre e hijos. La tasa de empleo femenina en España
se ha incrementado 20 puntos en una década, pasando del 34,6% en 1997 al 54,9%
en 2008. Se acerca así a la media de los países de la Unión Europea, situada en el
59,1%. Alrededor del 40% de los hogares españoles son unipersonales o de dos per-
Los grandes cambios sociales en curso en Europa y el resto del mundo, que sonas y el número de familias monomarentales no deja de aumentar. El crecimiento
configuran lo que por su trascendencia se ha venido en llamar Segunda Transición de la población inmigrante y el envejecimiento acelerado de la población plantean
Demográfica, en paralelismo con la que tiene lugar durante la Revolución Industrial, nuevas necesidades en el espacio urbano. En el resto del mundo, los cambios demo-
plantean nuevos retos para el urbanismo. El envejecimiento, el descenso de la nata- gráficos son también muy significativos.
lidad y la inmigración, junto con la transformación de las estructuras familiares, los Todos estos cambios sociales estructurales modifican de manera fundamen-
cambios en los roles de género, los nuevos estilos de vida y la rápida modernización tal las condiciones en que la mayoría de las personas desarrollan las actividades de
de las sociedades, modifican profundamente la composición de las sociedades eu- su vida cotidiana en la ciudad. Amplifican las necesidades de cuidado y de acompa-
ropeas. Junto a ello, el nuevo modelo económico se basa en la generalización del ñamiento de aquellos que tienen autonomía personal reducida, que cada vez son
trabajo remunerado femenino, y, también, en la desaparición del trabajo de por vida más y por más tiempo, en entornos urbanos cada vez menos accesibles para perso-
para los hombres característico del fordismo. 1 nas sin plena capacidad física. Implican un uso distinto de los espacios laborales, de
Estos dos fenómenos difuminan la tradicional división sexual del trabajo y los espacios residenciales, y de los espacios donde se prestan servicios, y, también,
también generan ciclos vitales diferentes a los tradicionales. Cada vez más los indi- del transporte. Generan demandas de nuevos servicios y equipamientos, notable-
viduos, tanto hombres como mujeres, alternan períodos de actividad laboral, con mente de cuidado a menores y a mayores, y, también, nuevas demandas respecto a
otros de trabajo a tiempo parcial, de inactividad o de formación, seguidos, tras la los equipamientos tradicionales.
jubilación, por un largo tiempo de retiro. Para las mujeres, la irrupción en el mundo La Segunda Transición Demográfica, que tanto preocupa en Europa, debería
laboral significa asumir una doble carga de trabajo, al ocuparse simultáneamente del hacernos volver a pensar en un urbanismo para las personas. Lo cual no sería sino
trabajo remunerado y del trabajo no remunerado en el ámbito doméstico. La doble recuperar, actualizándolas, las preocupaciones y razones de ser que dieron lugar al
carga de trabajo, hace falta insistir, no es sin embargo nueva para muchas mujeres nacimiento mismo del urbanismo moderno como respuesta a las malsanas condi-
en todo el mundo. Amplios sectores de mujeres en todo el mundo han trabajado ciones de la vida urbana creadas por la Revolución Industrial, en el siglo XIX. El urba-
siempre fuera del hogar para mantener a sus familias. Aunque la participación de nismo entendido como una actividad profesional, pública, y política, cuyo objetivo
los hombres en las tareas del hogar ha aumentado en años reciente, las encuestas principal es incidir en la organización física del espacio urbano construido, respetan-
de uso del tiempo muestran que esta participación sigue siendo escasa y que los do la naturaleza, para mejorar la calidad de vida de las personas.
hombres todavía no han asumido una parte proporcional de los trabajos de aten-
ción a la familia.
Las estructuras urbanas de las ciudades contemporáneas responden mal a Género y urbanismo: el espacio doméstico en cuestión
estas nuevas condiciones sociales. La ciudad dispersa que estamos construyendo,
con su movilidad dependiente del vehículo privado, sus espacios residenciales se- El análisis de la ciudad considerando las necesidades específicas de distintos
parados de los lugares de actividad, de los equipamientos, y de los espacios comer- grupos sociales ha sacado a la luz estas otras desigualdades estructurales en el es-
pacio urbano, en las que la clase social no es el único factor discriminatorio, sino que
1. Una versión ligeramente diferente de este artículo se ha publicado en la revista Ciudad y Territorio: Sánchez de Ma-
dariaga, I. 2009.Vivienda, Movilidad, y Urbanismopara la Igualdad en la Diversidad:Ciudades, Género, y Dependencia.
a éste se suman otros, como el género, la edad, la etnia y la raza. Raza, clase, género
Ciudad y Territorio Estudios Territoriales, XLI (161-162), 581-98.
Referências bibliográficas Hayden, Dolores. Building suburbia. Greenfields and urban growth, 1820-2000. New York:
Pantheon, 2003.
Andrew, Caroline, and Moore Milroy.(eds). Life Spaces; Gender, Household, Employment. 2a ed. Healey, Patsy. Collaborative Planning: Shaping Places in Fragmented Societies. Vancouver: Uni-
Vancouver, Canada: UBC Press, (University of British Columbia Press), 1991. versity of British Columbia Press, 1997.
Bofill Levi, Anna, Rosa Maria Dumenjo Marti, Isabel Segura Soriano. Las Mujeres y La Ciudad: Hidding, M. Putting work and care on the map, a new approach to municipal planning, EQUA,
Manual De Recomendaciones Para Una Concepción Del Entorno Habitado Desde El 2002.
Punto De Vista Del Género. España: Fundación María Aurelia Capmany, 1998. Horelli, L. y K. Vepsä. “In Search of Supportive Structures for Everyday Life”, en I. Altman y A.
Booth, Christine, Jane Darke, and Susan Yeandle, Coords. La vida de las mujeres en las ciuda- Churchman (eds.) Women and the Environment. Human Behavior and Environment, Vol.
des ; la ciudad un espacio para el cambio. Madrid: Narcea, 1998. 13, pp. 201-226. New York: Plenum, 1994.
Colomina, Beatriz, ed. Sexuality and Space. Princeton: Princeton Architectural Press, 1992. Innes, J. y D. Booher. “Consensus Building and Complex Adaptive Systems: A Framework
for Evaluating Collaborative Planning” Journal of the American Planning Association.
Comisión Europea. Comunicación de la Comisión al Consejo, al Parlamento Europeo, al Comité
65:412-423, 1999.
Económico y Social y al Comité de las Regiones. Hacia una estrategia marco comunitaria
sobre la igualdad entre hombres y mujeres (2001-2005), Bruselas: Comisión Europea, Jackson, Kenneth T. Crabgrass Frontier: The Suburbanization of the United States. New York:
2000a. Oxford University Press, 1985.
Comisión Europea. Technical Document on Mainstreaming equal opportunities for women and Ley Orgánica 3/2007, de 22 de marzo, para la igualdad efectiva de mujeres y hombres.
men in the Structural Fund programmes and projects. Bruselas: Comisión Europea, 2000b. Ley 8/2007, de 28 de mayo, de suelo.
Consejo de Europa. Gender Mainstreaming, Conceptual framework, methodology and presenta- Llei 2/2004, de 4 de junio, de millora de barris, àrees urbanes i viles que requereixen una atenció
tion of good practices.Estrasburgo: Consejo de Europa, 1998. especial.
Comisión Europea. Directiva 2002/73/CE relativa a la igualdad de trato en el trabajo. Bruselas: Mazey, Sonia. Gender mainstreaming in the EU. Principles and practice, Londres, London Euro-
Comisión Europea 2002. pean Research Center, University of London, 2001.
Durán, María Ángeles. La contribución del trabajo no remunerado a la economía española: Minaca, Monique, Roland Mayerl et al. Charte Européenne des Femmes dans la Cité (Carta Euro-
contribuciones metodológicas. Madrid: Instituto de la Mujer, 2000. pea de las mujeres en la ciudad). primera ed. Bruselas: Comisión Europea. DG V, 1994.
Eichler, Margrit, ed. Change of Plans: Towards a Non-Sexist Sustainable City. Toronto, Ontario, Reeves, Doris. Gender and Urban Planning Report for UN-Habitat, Nairobi: UN-Habitat, 2012.
Canada: Garamond Press, 1995.
Stadt WienFrauen-Werk-Stadt, Viena: Leitstelle Alltags – un Frauengerechtes Planen und case studies, some components of answerd: put a town in image may suggest or elucidate
Bauen Stadt Wien, 2001. a political project, confuse its contours, sustain a geopolitical ambition, lead to a real adver-
Tobío, Constanza y Concha Denche. El espacio según el género. ¿Un uso diferencial? Madrid: tisement to attract future inhabitants ...
Comunidad de Madrid, Dirección General de la Mujer; 1995. Resumen | Del bueno uso (político) de la ciudad en imagens
Unión EuropeaTratado de Ámsterdam. Luxemburgo: Oficina de Publicaciones de las Comuni- ¿Por qué poner una ciudad en imagen? Esta es la cuestión principal de este articulo que
dades Europeas, 1997.
propone, a partir de algunos estudios de casos, algunos componentes de la respuesta: po-
Van de Kaa, D.J. Europe’s Second Demographic Transition, Population Bulletin, 41, 1, Washing- ner una ciudad en imagen puede suscitar o elucidar un proyecto político, confundir sus
ton: The Population Reference Bureau, 1987. contornos, sustentar una ambición geopolítica, llevar a una propaganda real para atraer
Yates, Richard. Revolutionary Road, Greenwood Press, 1961. futuros habitantes...
520 Do bom uso (político) da cidade em imagens Laurent Vidal (França) 521
o Rei, no intuito de avançar neste empreendimento”. Esta invenção de Henryville que permite construir uma dezena de cabanas de tábuas por ano, e só. Mas essa
atesta do desejo de oferecer ao Príncipe uma imagem de glória imperial. imagem de cidades regulares no Novo Mundo é também consideravelmente útil
para o poder real na França. Ele está, assim, em condições de reivindicar, perante po-
tências rivais, sua capacidade de construir, nos recônditos de seu Império, cidades
Nova Orleans, jóia do urbanismo francês nas Américas de formas regulares, com belas fortificações abaluartadas. Quanto ao que acontece
na prática, evita-se dentro do possível que seja difundido. Existe assim uma estra-
Tomemos outro exemplo. Estamos no começo do século XVIII: Louis XIV e tégia em termos de imagem de marca, por parte da França, na difusão em grande
seu ministro Pontchartrain empreendem a colonização da Luisiana (Langlois – 1999, escala desses planos de cidades.
Vidal – 2005). Mas que lugar escolher para implantar uma cidade que servirá de Nova Orleans seria, sob esse ponto de vista, uma ilustração perfeita dessas
base à exploração dessa região? Depois dos fracassos de La Mobile (1700 – 1712) cidades do desejo das quais fala Ítalo Calvino (1973): o plano de Adrien de Pauger
e de Biloxi (1715 – 1720), na desembocadura do Mississipi, é finalmente escolhido demonstra o desejo de levar a cabo uma construção tão imponente, e o desejo que
um lugar mais acima. Em 1721, o engenheiro do rei Adrien de Pauger visita o local e o rei nutre de dar seu nome a uma cidade majestosa.
desenhará o plano de Nova Orleans (ver plano 2).
O que chama a atenção quando se observa esse plano (em cores), são primei-
ramente suas proporções majestosas. Localizada numa curva do Mississipi, Nova Or- Em Saint-Domingue, cidades em busca de habitantes
leans é, no papel, maior que Rochefort (a cidade-arsenal mais moderna da França),
dispõe de uma praça central um pouco maior que a Place des Vosges, em Paris. Enfim, Desçamos agora um pouco mais nas
ela é dotada de todas as características do poder real. Depois, a regularidade da trama possessões francesas, em direção a Saint-Do-
surpreende: ruas bem retas, parcelas bem desenhadas, casas bem alinhadas... mingue: a França é proprietária de uma parte
Não obstante, quando se estudam os arquivos, é estarrecedor constatar até dessa ilha, que nada mais é que a antiga His-
que ponto as informações transmitidas pelos intendentes e os engenheiros diver- paniola de Cristóvão Colombo. Aqui, temos
gem, dependendo se são descrições ou planos: por um lado, tem-se uma cidade um outro contexto: a exploração de cana-de-
podre, infestada de ratos, com canais de 50 cm de largura, enquanto os planos apre- -açúcar, com mão-de-obra escrava. Em 1720,
Plano 3 Bombardopolis (1764)
sentam um magnífico canal de aproximadamente 20 metros de largura com água embora a produção açucareira esteja em alta,
corrente, que deságua no lago Pontchartrain. Ao olhar o plano desenhado pelo en- a densidade demográfica é de um habitante por km2. Como garantir a segurança
genheiro Bonichon em 1729, no qual ele se dá ao trabalho de assinalar a localização dessa possessão em tais condições, seja com relação às ameaças externas (pirataria)
exata de cada casa, dando o nome do proprietário, numerando os lotes, e detalhan- ou internas (escravos)? Em alguns anos essa ilha se cobrirá de cidades (ao menos no
do quais são os tetos cobertos de palha, de madeira ou ainda de telhas, percebe-se papel) a tal ponto que Pierre Pinon qualificará maravilhosamente Saint-Domingue
então que as casas não estão de modo algum alinhadas às ruas. Então, o que se vê como “ilha de cidades” (Pinon, 1999).
sob a forma de um ilhote regular não aparecia dessa maneira na prática: como as Por que então projetar a construção de cidades se não há habitantes para
paliçadas não estavam construídas, as casas não estavam alinhadas às ruas. Este é ocupá-las? A resposta está contida na pergunta: para atrair habitantes. Em Saint-
um belo exemplo da diferença de percepção que podia ter o habitante de Nova Or- -Domingue, a França fundou cidades para ter suficientes “petits blancs” capazes de
leans, e o rei ou seu governo, que dispunham unicamente de mapas para apreender carregar as armas em caso de ataque da ilha por Ingleses ou Espanhóis. Diante da
a situação. impossibilidade de fortificar todos os portos, de contar com os proprietários das
Então porque Adrien de Pauger desenha um plano tão majestosamente re- plantações, bem como com os escravos, aos quais nem se pensa confiar armas, a
gular? E porque o rei difunde-o em grande escala? Várias razões podem ser citadas. defesa está nas mãos dos habitantes das cidades: comerciantes, artesãos, operários.
Isto permite, primeiro, que os engenheiros obtenham os créditos de fortificação É para aumentar esta população de “petits blancs” que cidades devem ser fundadas.
necessários à edificação das cidades: eles desenham então planos absolutamente Fundar uma cidade é, assim, um ato voluntário, ao qual nada garante que seja
magníficos, em cores, esperando, com isso, conseguir as subvenções corresponden- seguido de efeito, ou seja, que os habitantes venham populá-la. Para o Môle Saint-
tes à sua solicitação. De fato, a colônia funciona com um orçamento muito apertado, -Nicolas, fundado em 1762, Moreau de Saint-Méry indica: “Já que o solo não atraía
522 Do bom uso (político) da cidade em imagens Laurent Vidal (França) 523
os habitantes, era necessário chamá-los através de estímulos em víveres e em muni-
ções, e até acrescentar uma isenção temporária de impostos”. Por “sorte”, Acadianos,
expulsos da América do Norte, foram enviados, e cada família recebeu um lote. Se a
questão dos habitantes foi resolvida, aqui, pela chegada inesperada dos Acadianos,
esse não é exatamente o caso das outras cidades. É preciso então usar estratagemas:
esta é a razão pela qual são difundidos na França planos de algumas das cidades de
Saint-Domingue, como Bombardopolis, com suas formas tão generosas, tão regula-
res, e apresentando consideráveis vantagens fiscais. Contemplando-se esse plano,
sente-se uma cidade já bem ocupada, ressonante de vida, acolhedora. Fundada em
1764 por Du Portal, ela perecerá de ficar vazia (ver plano 3).
Assim como Bombardopolis, várias cidades são fundadas em Saint-Domin-
gue, sem saber muito bem quem vai verdadeiramente habitá-las, cidades cujos
planos esforça-se em difundir, esperando que eles suscitem vocações. São cidades
mortas, não por causa de uma ocupação, mas por ter esperado demais uma ocupa-
ção, como Torbec ou Les Cayes, ao sul de Saint-Domingue. Mas a que belos planos
elas deram origem!
Estamos no Brasil, mais precisamente na Amazônia, no maciço guianês, ao Plano 4 Plano de Nova Mazagão por Domingos Sambucetti (1770).
norte do rio Amazonas. No começo de 1770, Portugal empreende a construção da
arquitetura militar italiana do Renascimento. Os 2.000 ocupantes da praça, sitiados
cidade nova de Nova Mazagão. Desta vez, são considerações de ordem geopolíti-
por 120.000 soldados mouros, não poderão resistir muito tempo: seu governante
ca que temos que colocar para explicar o contexto: em 1750, em conseqüência do
pede reforços. Boa oportunidade para a coroa, que há muitos longos anos procurava
tratado de Madrid, que redesenhava as fronteiras entre as possessões espanholas e
se desvencilhar dessa inútil fortaleza, resíduo anacrônico da época da Reconquista.
portuguesas no Novo Mundo, foi decidido do envio de comissões das fronteiras para
Esses 2.000 habitantes vão ser úteis ao Império: o rei decide tirá-los da fortaleza, para
resolver os casos litigiosos – a região das missões ao sul, e a Amazônia. Por iniciativa
enviá-los à Amazônia, a fim de povoar essa região tão estratégica. Ele pede então
do representante da coroa portuguesa, Alexandre de Gusmão, o princípio jurídico
que seja fundada, para sua instalação, um pouco acima da margem norte do Amazo-
do utipossedetis foi escolhido. Oriundo do direito romano, esse princípio permite a
nas, uma Nova Mazagão (Vidal, 2008). É um engenheiro italiano, Domingos Sambu-
atribuição de uma zona litigiosa à potência capaz de provar a existência de um es-
cetti, o encarregado de escolher o local e desenhar o plano (ver plano 4).
tabelecimento humano permanente na região. Comissões das fronteiras são então
Esse plano de Nova Mazagão foi objeto de uma difusão em grande escala. Várias
instaladas a fim de estabelecer uma cartografia precisa dessas regiões. Decidido a
cópias foram realizadas, as quais são encontradas hoje em vários depósitos de arqui-
reaver o norte da bacia do Amazonas (para ter um controle total da desembocadu-
vos, tanto em Portugal como no Brasil. Trata-se, portanto, de uma operação excepcio-
ra), bem como a região das missões, Portugal decide expulsar os Jesuítas, presentes
nal, reconhecida e reivindicada como tal pela coroa portuguesa, que faz questão de
demais nessas zonas contestadas (1760), e a implantação de uma verdadeira política
garantir sua publicidade. Ela mostra assim, junto a seus súditos e às outras potências
de urbanização das fronteiras: construção de fortes e deslocamento de população
marítimas européias, o perfeito controle de seu território colonial e sua capacidade
(incluídos os famosos açorianos).
de dominar um espaço tão hostil quanto a Amazônia. Tanto quanto o homem, se não
Por um desses felizes acasos que a história reserva às vezes, eis que no começo
mais, a imagem é um vetor da presença portuguesa na Amazônia. Nova Mazagão,
de 1769, o rei recebe uma notícia da fortaleza de Mazagão, instalada no litoral atlân-
cidade imagem, apresenta-se como uma aposta em um futuro possível.
tico do Marrocos – uma esplêndida fortaleza abaluartada, inspirada nos modelos da
524 Do bom uso (político) da cidade em imagens Laurent Vidal (França) 525
Nova Mazagão apresenta todas as características de uma cidade colonial Brasília, cidade prometida
com formas regulares, pronta para receber uma sociedade que tem que se encaixar
sem dificuldade em uma rede O século XX brasileiro oferece-
pré-definida. Mas se a nature- -nos um exemplo famoso de posta em
za colonial de Nova Mazagão imagens de uma cidade nova, e que
está amplamente demonstra- se inscreve na continuidade direta de
da, qual é a situação da relação nossa reflexão: Brasília. De fato, segun-
entre a praça forte e a cidade do seu inventor, Lúcio Costa, a cidade
colonial – laço sabiamente “nasceu do gesto primário de quem
cultivado pela manutenção do assinala um lugar ou dele toma posse:
topônimo Mazagão? A dife- dois eixos cruzando-se em ângulo
rença de forma salta aos olhos reto, ou seja, o próprio sinal da cruz Plano 6 Cruzamento dos eixos em Brasília.
de qualquer observador. Não (...). Trata-se de um ato deliberado de
é provavelmente um acaso se, Plano 5 Mapa topográfico da circunferência de Nova Mazagão posse, de um gesto de sentido ainda desbravador, nos moldes da tradição colonial.”
na mesma época, é estabele- (em uma curva do rio Mutuacá podem ser vistas as fortificações (Costa – 1991: 85-86).
abaluartadas de Nova Mazagão).
cido um “mapa topográfico da Não obstante, quando o presidente Juscelino Kubitschek se compromete,
circunferência de Nova Mazagão”. Este mapa apresenta a situação da cidade colo- durante sua campanha eleitoral, a construir Brasília, a nova capital do Brasil, é por
nial, judiciosamente colocada na curva de um dos afluentes do rio Amazonas, dando razões muito particulares. Desde as primeiras semanas da campanha, em março-
a impressão de dominar a partir do coração de uma rede aquática impressionante. -abril de 1955, sua equipe de conselheiros percebe que o candidato do PSD não
Mas, sobretudo, o autor deste mapa, cujo nome nos é infelizmente desconhecido, decola e que ele é incapaz de conseguir o apoio das massas urbanas. No mês de
desenhou a cidade aprisionada por sólidas muralhas: um campanário e casas de março, por exemplo, segundo uma pesquisa de opinião, Kubitschek recebe só 21,9
tetos bem nítidos se destacam por sobre as muralhas. A cidade retoma então, nessa % das intenções de voto dos cariocas. Nessas condições, as chances de eleição são
representação cartográfica, a forma original da praça forte marroquina (ver plano 5). bem pequenas. É então que surge a idéia de integrar ao seu programa a constru-
Contrariamente aos outros planos, este mapa não teve grande difusão – hoje ção de Brasília – e de torná-la inclusive o objetivo síntese. Uma proposta como essa
existe um único exemplar, no Rio de Janeiro. Este duplo tratamento iconográfico visava claramente encontrar um derivativo a esse impasse político. Mas Kubitschek
de Nova Mazagão e as diferentes modalidades de difusão desses planos parecem e seus conselheiros sabem o quanto essa idéia da transferência da capital brasileira,
indicar dois níveis de discurso por parte da coroa portuguesa. Em um primeiro mo- inscrita na constituição republicana desde 1891, é capaz de“canalizar as esperanças
mento, ela divulga amplamente a imagem da cidade colonial, para demonstrar seu difusas da sociedade”, de “devolver o sentido da coletividade nacional”, e, portan-
controle geopolítico da região amazônica. Depois, ela tenta difundir, de forma mais to, mais pragmaticamente, de ampliar a base eleitoral do candidato(Vidal, 2008).
restrita, a imagem da cidade fortificada, para apresentar, junto a seus súditos, o des- Depois de sua eleição em outubro de 1955, o pais vive um período de graves per-
locamento de Mazagão como o simples traslado espacial de uma fortaleza, de uma turbações políticas: é necessário até um golpe de Estado preventivo para garantir o
cidade encerrada entre suas muralhas. acesso ao poder de Juscelino Kubitschek. Desta vez, ele não podia mais recuar: para
Pouco importa, então, o fracasso da implantação de Nova Mazagão, pouco pacificar a vida social, oferecer uma saída a todas essas tensões, a construção de Bra-
importam as epidemias, a fome ou a morte, cotidiano desses habitantes deporta- sília se transforma em uma prioridade. Um concurso para o Plano Piloto é lançado,
dos: aos olhos da coroa, Nova Mazagão terá perfeitamente atingido seu objetivo. A em março de 1957, e o ganhador é Lúcio Costa.
presença cartográfica de uma cidade ao norte da bacia do Amazonas permitiu que Juscelino vai fazer de tudo para dissimular esse contexto tão específico do
a coroa portuguesa reivindicasse a posse dessa região. nascimento de Brasília: “Como nasceu Brasília? A resposta é simples. Como todas as
grandes incitativas, ela surgiu de quase nada” (Kubitschek,1975: 7-8). “Eu achei a
idéia, que tem 167 anos de idade, de transferir a capital do Brasil para o centro. E en-
contrei prontos os estudos preliminares. Até a localização definitiva. Então construí
526 Do bom uso (político) da cidade em imagens Laurent Vidal (França) 527
Brasília” (Kubitschek, 1962: 57). A história é tão bonita que dá vontade de acreditar... que o homem, é o vetor da presença francesa no Novo Mundo. De Henryville a Bom-
Esta visão descontextualizada repercute, não obstante, de maneira estranha bardopolis, passando por Nova Orleans, a cidade francesa do Novo Mundo é uma
em Lúcio Costa, que explica em seu relatório: “Eu tomo a liberdade de, no máximo, aposta em um futuro possível. Aqui reside certamente um aspecto ainda pouco
apresentar uma solução possível que eu não procurei, mas que apareceu, de certa desenvolvido na pesquisa: o papel da imagem (planos, gravuras, esboços, etc.) na
forma, por conta própria” (Costa – 1991: 85-86). A escolha de Lúcio Costa é cercada orientação e reorientação da política francesa nas Américas.
do mesmo mistério religioso que guiou a mão de Romulus para traçar o caminho Em suma, encontramos aqui a velha questão dos laços entre o político e a
de Roma. Até o geômetra romano encarregado de traçar o cardo e o decumanus, cidade, que alimentou uma abundante literatura. A cidade é, de fato, o espaço pre-
lembra Joseph Rykwert, se interessa pelos ritos de fundação, e envolve seu trabalho dileto do político, que pode, ali, se mostrar melhor do que em qualquer outro lugar,
de mistério: “Os eixos não são nunca traçados sem referência à ordem do Univer- estar sob os holofotes na fundação, desfilando, afirmando seu poder em edifícios,
so, pois os decumani são alinhados aos movimentos do sol, enquanto os cardines praças ou amplas avenidas. Na cidade, o político se apropria do tempo, e, crian-
seguem o eixo do céu” (Rykwrt – 1976: 90). Conscientemente ou não, Lúcio Costa do a ilusão de dominá-lo, se instala indefinidamente – como fora do alcance dos
inscreve o nascimento de seu plano nesse espesso mistério que contribui ainda mais sobressaltos do mundo. Na cidade, o político se apropria também da imagem, e a
para turvar o que está politicamente em jogo na construção de Brasília. prolixidade que ele mostra sobre o acessório lhe permite frequentemente mascarar
A fotografia aérea do cruzamento dos eixos de Brasília, traçados com o refor- o essencial. É exatamente para isso que serve, em suma, a posta em imagens das
ço importante de escavadeiras, no coração de uma natureza virgem, é amplamente cidades: teatralizar o político (Duvignaud – 1965; 1978; Balandier – 1980). Posto em
difundida em todo o Brasil em 1957: ela serve como reforço desse procedimento cena desse modo, o poder não mais se mostra nu perante a sociedade.
de descontextualização da fundação da nova capital do Brasil, colocando-a fora do
alcance das críticas políticas (plano 6). Essas duas linhas depuradas, que se cruzam
em ângulo reto, são uma promessa, uma expectativa: AQUI, vai nascer uma cidade. Referências bibliográfícas
Pouco importa então o sentido político do plano de urbanismo, pouco im-
Augeron (Mickaël), Vidal (Laurent) – 2002, “Du comptoir à la ville coloniale: la France et ses
porta sua simbologia autoritária: a cruz, da qual resulta um plano em grade, sendo
nouveaux mondes américains. Bilan historiographique et perspectives de recherche
uma forma geométrica potente no seio da qual o indivíduo permanece uma uni- (c.1990-2001)”, in:Debates y perspectivas. Cuadernos de historia y ciencias sociales,
dade abstrata. Para o fundador e o planificador, simples intérpretes de uma idéia Madrid, Ed. Talavera, n° 2, pp. 141-171.
genial, o nascimento misterioso da cidade constitui a própria essência da futura ca- Balandier (Georges) – 1980. Le pouvoir sur scènes, Paris, Balland.
pital: Brasília, cidade mistério, cidade mística, cidade mítica.
Calvino (Italo) – 1973. Les villes invisibles, Paris, Seuil,(ed. francesa: 1991).
Esses exemplos, nem um pouco exaustivos, fornecem várias respostas à
Costa (Lúcio) – 1991. “Relatório do plano piloto de Brasília”, in:Brasília, cidade que inventei,
nossa questão inicial. Colocar uma cidade em imagens pode servir para suscitar ou
Brasília, ArPDF, Codeplan, DePHA.
esclarecer um projeto político (Henryville, Nova Orleans) ou para confundir seus
Duvignaud (Jean) – 1965. Sociologie du théâtre, Paris, PUF.
contornos (Brasília), para apoiar uma ambição geopolítica (Nova Orleans, Nova Ma-
zagão), para fazer uma verdadeira propaganda a fim de atrair futuros habitantes Duvignaud (Jean) – 1978. Lieux et non-lieux, Paris, Gallilée.
(Bombardopolis)... Gruzinski (Serge) – 1990, La guerre des images, de Christophe Colomb à Blade Runner (1492–
O caso francês é particularmente revelador. Os planos das cidades francesas 2019), Paris, Fayard.
do Novo Mundo, bastante bem difundidos na França, dão a imagem de uma im- Kubitschek (Juscelino) – 1962. A marcha do amanhecer, São Paulo, Best Seller editora
plantação sólida e durável... Na prática, as dificuldades para ocupar as parcelas, e a Kubitschek (Juscelino) – 1975. Por que construí Brasília, Rio de Janeiro, Edições Bloch
arquitetura de madeira e junco, revelam a grande distância que separa as intenções Langlois (Gilles-Antoine) – 1999. “L’aventure urbaine de la Louisiane”, in: L. Vidal, E. d’Orgeix,
dos fatos. Mas finalmente, esta imagem não tinha uma utilidade na estratégia do dir., Les villes Françaises du Nouveau Monde : des premiers fondateurs aux ingénieurs du
poder real na França (especialmente no contexto europeu) – fazer a demonstração roi (XVIème-XVIIIème siècles), Paris, Somogy Editions d’Art.
de sua modernidade? No fundo, pode-se legitimamente levantar a questão do sen- Lestringant (Franck) – 1988, “La France Antarctique et la cartographie prémonitoire d’André
tido dessa colonização francesa no Novo Mundo: será que ela não foi sobretudo Thévet”, Mappemonde, 88/4, pp. 2-8.
uma colonização pela imagem, uma colonização imaginada? A imagem, muito mais Pinon (Pierre) – 1999. “Saint-Domingue, l’île à villes”, in: L. Vidal, E. d’Orgeix, dir., Les villes
528 Do bom uso (político) da cidade em imagens Laurent Vidal (França) 529
Françaises du Nouveau Monde : des premiers fondateurs aux ingénieurs du roi (XVIème-
XVIIIème siècles), Paris, Somogy Editions d’Art. Importância da história
para as pesquisas sobre
Rykwert (Joseph) – 1976. The idea of a Town: the anthropology of urban form in Rome, Italy, and
the Ancient World, Princeton University Press.
Vidal (Laurent) – 1999. “Fort Coligny et la France Antarctique (1555-1560)”, in: L. Vidal, E.
d’Orgeix, dir., Les villes Françaises du Nouveau Monde : des premiers fondateurs aux
ingénieurs du roi (XVIème-XVIIIème siècles), Paris, Somogy Editions d’Art, 1999, pp.
arquitetura e urbanismo
70-73
Vidal (Laurent) – 2005. “Penser les villes françaises aux Amériques”, in: Philippe Joutard,
Didier Poton, Thomas Wien, coord., Mémoires de Nouvelle France : actes du colloque Nestor Goulart Reis (Brasil)1
international, Presses Universitaires de Rennes, pp. 365-377.
Vidal (Laurent) – 2008. De Nova Lisboa a Brasília. A invenção de uma capital, Brasília, ed. da
UnB, 2008. [ed. original : 2002] Resumo | A atividade central, que dá sentido à Arquitetura e ao Urbanismo, é a de ela-
Vidal (Laurent) – 2008. Mazagão, a cidade que atravessou o Atlântico. Do Marrocos até a boração do projeto. Aprende-se estudando a lógica que presidiu a elaboração de outros
Amazônia (1769-1783), São Paulo, Martins Editora [ed. original: 2005]. projetos, no passado remoto ou no passado recente. Ou seja, aprende-se estudando sua
História. Com esse objetivo, estudamos a lógica dos programas que lhes deram origem, em
Vidal-Naquet, Pierre, Lévèque, Pierre – 1964, Clisthène l’Athénien : essai sur la représentation de
l’espace et du temps dans la pensée politique grecque, Paris, Belles Lettres. suas bases sociais. Isso nos leva a uma razão para o estudo da Arquitetura e do Urbanismo,
1 em perspectiva histórica: a importância da dimensão social do projeto. A fluidez dessas re-
lações, no tempo e no espaço, nos mostra que o conceito de cidade, por ser estático, não
dá conta dos fenômenos a serem estudados. Mais adequado é utilizarmos o conceito de ur-
banização, entendida esta como processo social. A História do Urbanismo é muito recente.
Começou a ser definida nas primeiras décadas do século XX e ganhou consistência a partir
de 1940/45. Após a Segunda Guerra Mundial, acelerado o processo de industrialização, mul-
tiplicaram-se as regiões metropolitanas; internacionalizou-se o dinamismo da urbanização.
Como consequência, ganharam importância as pesquisas sobre história do urbanismo.
Na sociedade industrial passaram a ser focalizadas não apenas as condições de apropriação,
projeto, construção, uso e transformação dos espaços das “formas do poder”, mas também,
com destaque, espaços ocupados ou a serem ocupados pelas massas anônimas. Nosso
objeto de estudo, com tal visão de conjunto, deve ser a elaboração de uma ampla história
do urbanismo da sociedade industrial. Devemos ter consciência de que se trata de espaços
de uma fase de grandes mudanças sociais e tecnológicas. Nossos estudos se organizam com
base nas evidências materiais. Se o espaço urbano é produzido socialmente, como espaço
de vida de uma sociedade, então, estudando as formas de organização do espaço produ-
zido, podemos compreender as razões da sociedade que projeta tais espaços e investe em
sua produção, que os usa e transforma, segundo seus objetivos. Podemos afirmar que, se
pretendemos estudar a urbanização como processo social e o urbanismo como forma de
projeto, para intervenção nos suportes materiais desse processo, a história é um instrumen-
to fundamental. Sem esquecer que, não sendo historiadores, nossos instrumentos privile-
giados não são os textos originais do passado mas as evidências materiais recolhidas em
Este artigo nasceu da iniciativa do professor Paulo César da Costa Gomes. Sem sua proposta de reler, a partir desta
problemática dos laços entre cidades e imagens, alguns de meus trabalhos, ele não teria emergido. Agradeço-lhe
profundamente por isso. 1. Aula de abertura do semestre no Programa de Mestrado da UFF, em 18 de agosto de 2010.
532 Importância da história para as pesquisas sobre arquitetura e urbanismo Nestor Goulart Reis (Brasil) 533
ocasião, chamávamos esse método de estudo de “Tradição do Patrimônio” pois o Não menos importante, os chamados processos sociais básicos da socieda-
aprendemos estudando os trabalhos do IPHAN. de contemporânea, como estudados por sociólogos (concentração, racionalização,
O estudo de História da Arquitetura e de História do Urbanismo é portan- padronização, mecanização, industrialização, massificação, urbanização) dizem res-
to o estudo das lógicas de seus projetos, da lógica dos desígnios que lhes deram peito, diretamente, a nosso campo de estudo.
existência e sentido. Com esse objetivo, estamos estudando também a lógica dos
programas que lhes deram origem, ou seja, suas bases sociais.
Essa observação nos leva a uma segunda razão para o estudo da Arquitetu- Sobre a origem desses estudos
ra e do Urbanismo, em perspectiva histórica: a importância da dimensão social do
projeto urbanístico. A História da Arquitetura, como área do conhecimento, ganhou forma
O projeto arquitetônico é quase sempre o resultado de decisões de investi- apenas no século XIX, desentranhando-se do campo da Teoria da Arquitetura, que
mento e uso de umas poucas pessoas e, de outro lado, de um arquiteto ou de um se apresentava até então com a forma de tratados. Com a diversificação dos recur-
profissional que faz as vezes de arquiteto. No caso do projeto urbanístico e, mais sos técnicos, com os conhecimentos trazidos pelas pesquisas arqueológicas e com
especialmente, no caso das decisões sobre diretrizes regulatórias de planejamento a documentação iconográfica dos espaços de outros povos, com a complexidade
urbano, as decisões de autores de projetos e planos envolvem processos políticos. crescente dos novos programas, o que, até então, se resolvia pelo receituário das
Mesmo sob ditaduras têm caráter coletivo. tradições, lentamente transformadas, passa a ser uma questão em aberto. Conse-
Pelo lado dos futuros usuários dos espaços a serem produzidos, o problema qüentemente, tornou-se necessário ampliar os conhecimentos sobre a história das
é mais complexo. Os lotes e edifícios a serem construídos podem ser milhares, decisões do passado, para fundamentar as decisões sobre o presente e o futuro.
com diferentes arquitetos e diferentes clientes. Os espaços de uso público aco- O percurso da História do Urbanismo é ainda mais recente. Como veremos
lherão multidões. Das decisões pessoais desses milhares de usuários dependerá o adiante, começa a se definir nas primeiras décadas do século XX e ganha consistên-
resultado: que se estenderá ao longo do tempo das obras (geralmente por déca- cia somente a partir de 1940/45. Trata-se portanto de campo de conhecimento em
das), que jamais serão inteiramente coerentes com o projeto. Este, muitas vezes, formação. A consolidação será feita pelas novas gerações de pesquisadores, que
jamais será executado. estão se formando, como nesta Universidade.
A fluidez dessas relações, no tempo e no espaço, nos mostra que o conceito Preliminarmente, é bom lembrar que, para compreender um fato ou um pro-
de cidade, por ser estático, não dá conta dos fenômenos a serem estudados. Alguns cesso, às vezes é tão importante observar o não ser quanto estudar seu modo de ser;
tentam flexibilizar, dizendo que as cidades são organismos, que são vivas. Não são estudar a ausência, tanto quanto a presença.
organismos: são formas de organização social. Não são vivas: são espaços construí- Até o século XVIII, os conhecimentos sobre arquitetura estavam baseados
dos. São vividas por seus usuários. E estes vivem transformações sociais permanen- nas análises de exemplos das culturas grega e romana. As atenções estavam volta-
tes. No caso, o mais adequado é utilizarmos o conceito de urbanização, entendida das exclusivamente para espaços de caráter monumental, do poder central e dos
como processo social. grupos sociais ao seu redor. Era uma história mas era também um receituário: um
Processo é o transcorrer de um fenômeno; seu estudo inclui a variável tempo. conjunto de regras, de padrões aparentemente fixos. Eram símbolos do poder, pela
Dificilmente podemos estudar processos dessa magnitude, sem estabelecer uma monumentalidade dos edifícios: palácios, templos, mercados, teatros. Quando o ur-
perspectiva histórica. Por mais que alguns conservadores tentem pensar as socie- banismo era mencionado, era de modo semelhante: fortificações, traçado geral das
dades como estáticas, elas estão em transformação permanente, como seus espa- cidades, estabelecendo uma ordem, também como um conjunto de regras, para
ços de vida. O grande desafio é compreender as diferentes escalas, tempos e lógicas fundar e para defender. Mas os bairros populares das principais cidades eram quase
das mudanças. sempre labirintos. Eram deixados à própria sorte. A geometrização, quando existia,
Uma terceira razão para o estudo do Urbanismo e da Arquitetura em perspec- era para reforçar a ordem social.
tiva histórica é que estamos vivendo uma das épocas de mais intensas mudanças Era um conjunto de regras estáticas para um poder estático. Era uma ordem
tecnológicas e sociais da história da humanidade: a da sociedade industrial. Esses social quase estática. Mais do que isso, os textos disponíveis eram os dos tratados.
processos só podem ser compreendidos, em sua magnitude, em uma ampla pers- Eram conjuntos de regras mas não eram história. Não focalizavam as origens e mu-
pectiva temporal. danças. Não havia problemas; havia apenas soluções. Eram regras para a ação do
534 Importância da história para as pesquisas sobre arquitetura e urbanismo Nestor Goulart Reis (Brasil) 535
Estado. Era um repertorio adequado para as Aulas de Arquitetura Militar, que for- O outro problema era sanitário. O aumento rápido da população não foi
mavam engenheiros militares. Eram regras para o controle do território, para uma acompanhado por medidas de ordem sanitária. As cidades tornaram-se extrema-
ordem de arquitetura e para uma ordem do Estado. mente insalubres. As primeiras reformas foram realizadas em Londres a partir de
Na Europa, ao lado de tanta estabilidade, havia algumas mudanças. Nos sé- 1842; em Paris, pouco depois, a partir de 1850. Em ambos os casos, as reformas ur-
culos XVI a XVIII havia uma relativa autonomia das principais cidades europeias, banas foram acompanhadas da organização de grandes exposições industriais. Era
apoiadas pelo poder central dos estados nacionais nascentes. Nesses espaços, o início de mudanças em termos de padrões de projeto, visando sua adequação à
novos grupos sociais urbanos surgiam, ligados ao comércio internacional e aos ser- sociedade industrial.
viços, inclusive à nobreza togada. Para alojá-los, foram sendo elaborados projetos Na época, as mudanças de caráter sanitário (e, no caso de Paris, de padrões
de praças e ruas especiais. Eram conjuntos urbanísticos, com novas formas de tecido urbanísticos) foram acompanhadas por algumas contribuições teóricas. A principal
urbano. Nos séculos XVII e XVIII começaram a surgir ideias sobre “civilização”, como delas talvez tenha sido a de Cerdá, em Barcelona, que era uma teoria para o projeto
ordem urbana. Eram propostas para disciplinamento da aparência das casas comuns urbano. Na Inglaterra, o grupo de Ruskin e William Morris procurava uma adequação
e das ruas. Surgia a figura do chefe de polícia, isto é, do indivíduo encarregado de das artes aos novos tempos. Em busca de novos caminhos, Morris tornou-se um
estabelecer uma disciplina da polis, que em si mesma seria a condição de civilização, líder socialista. Mas (o que é importante para nós), não havia uma história do urba-
de ordem. Mas esta não é para nós uma questão central. É apenas referência sobre nismo, nem uma história da arquitetura como campo de conhecimento, com uma
precedentes, para tornar mais claras as mudanças posteriores. visão temporal mais ampla.
Para compreender essa questão, podemos delinear uma determinada histó-
ria: a da construção da Arquitetura e do Urbanismo, como campo de conhecimento A segunda onda – 1880/1918
e pesquisa.
O período final do século XIX e das duas primeiras décadas do século XX foi
marcado pela concentração econômica no setor industrial. Foi a época do surgi-
Sobre a sociedade industrial mento do capital monopolista. Suas características eram: concentração industrial,
A primeira onda – 1770/1880 produção em larga escala e início do consumo de massa. No caso, consumo para as
classes médias, com amplas inovações tecnológicas. No plano urbano, foi a época
A grande questão: a questão urbana. da formação das primeiras regiões metropolitanas e da primeira internacionaliza-
A partir do fim do século XVIII, a indústria cresce e se torna o mais importante ção da produção industrial. Nesse período, o grande problema político começou
setor econômico na Inglaterra e na França. A seguir, o processo se repete, em outros a assumir aspectos mais claros. As massas tornaram-se a maioria da população das
países. Com a implantação das ferrovias e o uso do carvão mineral, como combustí- grandes cidades, organizando-se em partidos políticos.
vel, a indústria ganha autonomia e desloca-se para as cidades, com seus trabalhado- A questão urbana já não era uma inferência ou um dado do pensamento
res. Como consequência, dá origem às grandes massas urbanas. geral. Era a questão central. As soluções propostas incluíam reformas sociais e me-
A questão política central era: como controlar essas massas? Ou, dizendo de lhoria nas condições de trabalho. Passava-se de 16 para 12 e depois 8 horas de tra-
outro modo: como o poder central poderia controlar essas massas? No caso, tratava- balho por dia. Proibia-se o trabalho de crianças.
-se da integração social urbana das grandes massas, até pouco antes mantidas no Nessa época surgiriam as teorias sobre a necessidade de uma cultura es-
regime de servidão, nas áreas rurais. O fantasma era o de uma nova invasão de bár- pecífica para a sociedade industrial, em termos de arquitetura e urbanismo. Essas
baros. Como integrá-los socialmente sem destruir a “Ordem”, a civilização, como era mudanças estiveram presentes na Inglaterra, na Holanda, na França, na Itália e em
conhecida até então? outros países. Na Alemanha deram origem a uma entidade específica para estudo
A partir da queda do Império Romano, as maiores cidades do mundo estavam e elaboração de projetos nas áreas de arquitetura e urbanismo, como de desenho
no Oriente. Mas, cerca de 1830, Londres ultrapassou Pequim em número de habitan- industrial: a Deutsche Werkbund. Em termos práticos de urbanismo, foram realiza-
tes, sendo seguida por Paris, por volta de 1850. As principais metrópoles europeias das apenas algumas reformas em bairros operários e a elaboração de projetos para
tornavam-se os grandes centros do comércio mundial. alguns novos bairros, em cidades como Amsterdã, controladas por partidos políti-
cos de caráter progressista. Da mesma época são os primeiros projetos das cidades-
536 Importância da história para as pesquisas sobre arquitetura e urbanismo Nestor Goulart Reis (Brasil) 537
-jardim (que terminaram por servir mais a moradores de classes médias) e os de vilas rodoviarismo financiado e a eletrificação, acelerando o processo de industrialização,
operárias. o mesmo ocorrendo com a urbanização. Multiplicaram-se as regiões metropolita-
De teoria, havia pouco. De história, menos ainda. nas, internacionalizou-se o dinamismo do processo de urbanização e iniciou-se um
processo de saída das unidades fabris das cidades.
A terceira onda – 1918/1945/1960
538 Importância da história para as pesquisas sobre arquitetura e urbanismo Nestor Goulart Reis (Brasil) 539
a partir das variáveis: território-população-tecnologia. Uma exceção nesse grupo foi Nossa experiência, partindo de algumas lições da equipe do IPHAN, se de-
Erick Lampard, que incluía, além dessas três variáveis, a organização social. Não por senvolveu de início nessa direção, com métodos semelhantes aos da Etnografia e
acaso, seus estudos incluíram, como os de alguns de nós, análises sobre as origens da Arqueologia.
da urbanização, utilizando dados da arqueologia.
Entre 1960 e 1970, esse quadro foi modificado com as publicações de Henry
Lefèbvre e Manuel Castells, em Paris, estabelecendo linhas de análise de sociologia Sobre nossos estudos
urbana, de inspiração marxista, focadas principalmente nas mudanças em curso na
sociedade industrial, no século XX. Nossos estudos se organizam com base nas evidências materiais. Se o espaço
urbano é produzido socialmente, como espaço de vida de uma sociedade, então,
estudando as formas de organização do espaço produzido, podemos compreender
Sobre os critérios para o estudo da história da as razões da sociedade que projeta tais espaços e investe em sua produção, que os
urbanização e do urbanismo usa e transforma, segundo seus objetivos.
Se há uma parte do espaço para a qual não dispomos de uma história e não
O que há de novo: os objetos de estudo dispomos de documentação escrita satisfatória, podemos conhecer sua história (e,
portanto, podemos conhecer melhor a história dos conjuntos e dos seus espaços) a
Nas sociedades tradicionais, na história tradicional, os objetos de estudo
partir das evidências materiais, deixadas ao longo do processo.
eram os objetos de poder. Na sociedade industrial passaram a ser focalizadas não
Como fazer isso? Estudando não apenas o urbanismo (isto é, os espaços pro-
apenas as condições de apropriação, projeto, construção, uso e transformação dos
jetados como uma forma de intervenção controlada, erudita e evidente) mas todos
espaços especiais e das “formas do poder” mas também, com destaque, os espaços
os espaços produzidos na urbanização, como processo social.
ocupados ou a serem ocupados pelas massas anônimas.
Em suas diferentes escalas podemos estudar:
Nesse quadro, o objeto de estudo passa a ser o conjunto dos espaços. Há
1. A organização do conjunto do sistema urbano do território;
portanto uma continuidade, no espaço, do objeto de estudo. Mas há um problema:
2. As formas gerais dos vários núcleos urbanos, isto é, sua configuração;
sabemos pouco sobre esses temas. Não há uma história escrita sobre essas formas
3. As formas dos espaços intra-urbanos.
de urbanização, que não foram produzidas pelo poder mas construídas pela própria
O estudo do processo focaliza um conjunto de relações, em fluxo. São essas
população usuária, sem registros formais.
relações que se configuram no espaço urbano, em suas diferentes escalas. Os meios
Nosso objeto de estudo, com tal visão de conjunto, deve ser a elaboração
de transporte e comunicação são os principais suportes desses fluxos de relações.
de uma ampla história do urbanismo da sociedade industrial, desse processo que
Os historiadores trabalham fundamentalmente com base em documentos escritos.
ainda se desenrola. Devemos ter consciência de que se trata de espaços de uma fase
Em nossa linha de pesquisa, trabalhamos basicamente com evidências materiais e
de grandes mudanças sociais e tecnológicas. Com essa perspectiva, é portanto o
seus registros gráficos:
estudo de um processo: o processo de urbanização da sociedade contemporânea. É
1. Com visitas a campo e registros gráficos, inclusive fotográficos, e digitais;
também uma visão de continuidade no tempo, de processo em curso. Com essa am-
2. Com cartografia histórica;
plitude de objeto, visando continuidade no espaço e no tempo, qual seria o método
3. Com documentos técnicos como plantas de cidades e edifícios, perspecti-
mais adequado?
vas e alçados;
Uma linha de pesquisa muito utilizada para responder questões semelhantes,
4. Com iconografia em geral: desenhos, gravuras etc.
em diferentes países, é o estudo da arquitetura vernácula, especialmente a rural. Pes-
Com essa documentação, analisamos os processos de urbanização da socie-
quisas desse tipo foram realizadas no tempo da Itália fascista, em Portugal sob a lide-
dade industrial, como das épocas anteriores.
rança de arquitetos de formação moderna, na Argentina, no Brasil, nos EUA, como no
México. O assunto era tema de estudo de grupos de esquerda, como de direita, visan-
do compreender as raízes, isto é, a formação dos povos, com uma visão ideológica.
540 Importância da história para as pesquisas sobre arquitetura e urbanismo Nestor Goulart Reis (Brasil) 541
Sobre alguns exemplos e dentro de certos limites, também em “Dois séculos de Projetos no Estado de São
Paulo” e em uma série de álbuns que estamos organizando.
Pensamos que, a essa altura, convém analisar alguns exemplos de nossas pes- A primeira parte de nosso livro “São Paulo: vila, cidade, metrópole” (2004),
quisas, para esclarecer os principais critérios de trabalho que utilizamos. nos capítulos referentes ao Período Colonial, tem por base documentação de carto-
No início de nossa carreira, entre 1962 e 1964, elaboramos uma série de ar- grafia histórica e iconografia de época, mais do que documentos escritos.
tigos publicados em um jornal de grande circulação, depois reunidos em “Quadro Um bom exemplo é nosso livro denominado “As minas de ouro e a formação
da Arquitetura no Brasil”. Na primeira parte, o tema era “arquitetura e lote urbano”. das Capitanias do Sul”. Apresenta os resultados de uma pesquisa para a qual nos
As análises estavam baseadas nos conceitos de implantação e lote urbano, focali- valemos de registros de cartografia histórica, comparados com os contemporâneos.
zando sua evolução no tempo. Hoje poderíamos dizer que estávamos interessados Com esse procedimento, procuramos localizar os pontos de mineração dos séculos
na evolução das formas de tecido urbano. Definimos agora tecido urbano como a XVII, XVIII e início do XIX, sobre os quais havia referências em registros escritos, com-
materialização das relações entre os espaços públicos e os espaços privados, entre parados com os estudos geológicos realizados em meados e no final do século XX.
os de uso público e os de uso privado. A configuração do tecido urbano é a escala O resultado foi surpreendente: localizamos cerca de 170 pontos de mineração entre
básica de análise do espaço intra-urbano. No final do trabalho, mostrávamos a utili- Guarulhos, em São Paulo, e o Vale do Itajaí, em Santa Catarina, confirmados pela to-
dade desses instrumentos para a compreensão das inovações em Brasília. Portanto, ponímia atual. E, não menos importante, as ocorrências coincidiam com a formação
para análise das mudanças em curso, no presente. No caso, mostrávamos a história das vilas e a consolidação da rede de caminhos, definida no século XVII. Em 1700
como instrumento para a compreensão das formas de intervenção e das mudanças. esse sistema urbano apresentava 19 vilas e 2 cidades na Repartição do Sul, do Espí-
Em “Urbanização e Teoria”, de 1967, procurávamos mostrar como os líderes rito Santo a São Francisco do Sul, região pouco valorizada pela história tradicional (
do Movimento Moderno estavam elaborando novos padrões de tecido urbano (tri- a não ser no que se refere ao Rio de Janeiro). E constatamos as mesmas 19 vilas e 3
dimensional e gerador de arquitetura, como diziam) padrões que foram em seguida cidades, no imenso e próspero território, entre Porto Seguro e Rio Grande do Norte.
apropriados pelo mercado imobiliário e estão presentes em alguns projetos neste A história desse primeiro ciclo de mineração e de seu sistema urbano está registrada
início de novo século. nas evidências materiais e na cartografia histórica.
Com “Evolução Urbana do Brasil”, trabalho apresentado em 1964, mostráva- Tomemos um exemplo mais próximo de nós. Nos estudos sobre as formas de
mos o absurdo de se imaginar que um território como o do Brasil pudesse ter existido urbanização dispersa, que caracterizam mudanças que estão ocorrendo nas últimas
durante os 322 anos do Período Colonial, sem que houvesse atividade urbanística. E três décadas, em várias regiões do país, a perspectiva histórica nos permitiu obser-
procurávamos demonstrar como, em uma colônia, o sistema urbano local podia ser var melhor as várias formas do processo – para indústrias, para bairros operários,
uma extensão do sistema urbano de outra região. Ao mesmo tempo, procurávamos para setores de renda média e alta, para serviços e escritório, em suas origens e suas
mostrar que, seja qual for a condição, há sempre uma forma característica de organi- perspectivas. Podemos ver a dispersão como uma etapa no quadro das mudanças
zação do espaço urbano. Nenhuma dessas conclusões teria sido possível, sem uma em curso, na urbanização da sociedade industrial. Não como um fenômeno isolado
perspectiva histórica sobre o processo de urbanização. e surpreendente mas como um elo em uma cadeia, que teve início no século XVIII.
Uma parte importante de nossas pesquisas está voltada para o recolhimen- O setor secundário da economia, de transformação pesada das matérias-primas,
to de informações iconográficas, de originais de projetos, de cartografia histórica e sempre esteve no campo. No século XIX se descolou para as cidades, alterando
imagens em geral. Em um campo de conhecimento em formação, consideramos de profundamente suas formas de organização. No final do século XX começou a sair
nossa responsabilidade a publicação da documentação de que nos valemos para das cidades, a voltar para o campo. Com uma perspectiva histórica, devemos nos
a elaboração de nossas pesquisas e preparo de nossos livros e artigos, de modo a perguntar qual o futuro que nos espera e em que medida poderemos controlá-lo.
facilitar os estudos dos que nos sucedem, nas várias regiões, para estimular a con- Devemos nos perguntar qual será o futuro das metrópoles e áreas metropolitanas,
tinuidade dos estudos sobre os vários temas. Foi o que fizemos com “Catálogo de tais como foram construídas do século XIX até meados do século XX.
Iconografia das Vilas e Cidades do Brasil Colonial” (1969), com “Imagens das Vilas e O último exemplo é um trabalho recente, que talvez seja esclarecedor. É um
Cidades do Brasil Colonial” (2000), com “Aspectos da História da Engenharia Civil trabalho no qual aprofundamos algumas questões de análise urbana. Em “Dois Sé-
em São Paulo”, com “Memória do Transporte Rodoviário no Estado de São Paulo”, culos de Projetos no Estado de São Paulo: as Grandes Obras e a Urbanização 1800-
2000”, procuramos mostrar como os serviços de uso coletivo – e as grandes obras
542 Importância da história para as pesquisas sobre arquitetura e urbanismo Nestor Goulart Reis (Brasil) 543
que os viabilizam – são pré-condição de existência da vida urbana, sobretudo no
presente. Como são instrumentos de poder político e econômico; como são fruto de Espacios publicos lineales en
las ciudades latino americanas
grandes investimentos e resultado de decisões dos poderes públicos (sob a forma
de concessões e regulações) e de decisões de grandes investidores. Em ambos os
casos é importante reconhecer quais outros interesses estão envolvidos. Nas metró-
poles e nas regiões metropolitanas, o tecido urbano é o suporte; os serviços são a
vida. Os apagões podem ser a morte. Silvia Arango (Colômbia)
A história do urbanismo tem sido escrita, quase toda ela, a partir das formas
de tecido (dos traçados) e das edificações. A crítica de esquerda ataca o setor imo-
biliário, como expressão acabada do capitalismo. Mas a história das grandes obras Resumo | A intevenção no espaço público nas cidades latinoamericanas tem crescido em
(principalmente as de infraestrutura, energia, saneamento, transporte ferroviário e importância como fenômeno urbano nas últimas décadas, tornando-se prioridade política
rodoviário, aeroportos e comunicações) que absorvem cerca de 50% dos investi- de governos municipais. As explicações são plurais: pautam-se na city marketing, no desejo
mentos do setor de construção civil, ainda não foi escrita. Essas são formas de poder de apresentar cidades agradáveis para o turismo e os investimentos externos e, ainda, no
concentrado mas não são registradas historicamente. Para os arquitetos, são obras crescimento vertiginoso suas cidades a partir da segunda metade do século XX. Esses fato-
de engenheiros, sem interesse estético. Para os urbanistas, são complementos. Mas res propiciaram procesos de transformação e deterioração de muitos lugares significativos,
são as bases do poder. O acesso aos serviços configura o privilégio e a desigualdade. além de conviver com a voraz especulação urbana, com adensamento do que antes eram
Em uma perspectiva histórica, podemos reconhecer a ausência de estudos sobre lugares aprazíveis para moradia. Muitas intervenções, com aplicação de grandes recursos
esse tema. Como dissemos de início, a consciência das ausências, em contraste com financeiros, muitas vezes acabam por segregar a população local, mesmo que a maioria dos
as presenças, pode nos ajudar a explicar determinados problemas. projetos amplie a oferta de recreação para todos os habitantes. Nas intervenções destacam-
Concluindo, podemos afirmar que, se pretendemos estudar a urbanização -se dois tipos de espaços públicos: os espaços concentrados, concebidos para a permanên-
como processo social e o urbanismo como forma de projeto, para intervenção nos cia (praças, largos, parques de diferentes portes), e os espaços lineares, destinados aos movi-
suportes materiais desse processo, a história é um instrumento fundamental. Sem mentos (que implicamna ideia de diversão, de encontro casual e frívolo), que é objeto deste
esquecer que, não sendo historiadores, nossos instrumentos privilegiados não são artigo. Para tanto, passou pela busca de conotações entre palavras como rua, beco, pistas,
os textos originais do passado mas as evidências materiais recolhidas em campo, em camino, avenida, bulevar, calçadão, calçada, alameda, vereda, via, arteria, destacando-se
documentos próprios, raramente registrados ou estudados por outros profissionais, as de maior significado para a história das ciudades latinoamericanas e correspondenstes
mas de fácil leitura pelos urbanistas. reflexões. Quanto aos espaços lineares mais recentes, estes em geral fazem parte de um
Estes são apenas alguns pontos, que podem servir para suscitar perguntas e plano de toda a cidade, a exemplo do Plano Sistema de Espaços Públicos feito em Bogotá
desenvolver o debate. entre 1998 e 2001, da reurbanização do Vale do Anhangabaú, na cidade de São Paulo, do
Paseo de la Princesa em San Juan de Puerto Rico, inaugurado em 1993. Em Guayaquil, o
Malecón 2000, sobre o rio Guayas, teve projeto de revitalização encomendado a grupos
de universidade e de técnicos estrangeiros, e o projeto se desenvolveu até 2002. Entre os
numerosos projetos feitos no México, destacam-se por suas magnitudes o Paseo de Santa
Lucía, em Monterrey, realizado por firma norteamericana e o projeto de grandes avenidas,
como o chamado Paseo de los Duendes, Nuevo León, em 1991. Atualmente, em muitas cida-
des centroamericanas são desenvolvidos projetos similares, como na Nicaragua, em San Sal-
vador e em Tegucigalpa. Projetos custosos também são propostos para cidades como Porto
Alegre (recuperacão do porto) e Assunção (franja costeira). Estes exemplos provam que as
intervenções sobre o espaço público não são só uma característica colombiana, mas uma
preocupação latinoamericana e possivelmente mundial. De todos os espaços públicos, os
que têm requerido maior atenção têm sido os espaços lineares de recreação, de pedestres,
544 Importância da história para as pesquisas sobre arquitetura e urbanismo Silvia Arango (Colômbia) 545
com a presença de água e vegetação, conectados com edificios para o lazer. Todas estas ca- which was being imposed as urban reality, overwhelming the planning, under the auspices
racterísticas foram também aquelas dos fins do siglo XVIII, o que marca, possivelmente, uma of finance capital.
inflexão na maneira de pensar a cidade fora do urbanismo “moderno”, que se manifestou Resumen | La intervención en el espacio público en las ciudades latinoamericanas ha crecido
de forma restrita em alguns setores urbanos, que qbrigaram aumento do número de auto- en importancia como fenómeno urbano en las últimas décadas, convirtiéndose en priori-
móveis, o crescimento de cinturões marginais e a voracidade especulativa do solo urbano, dad política de gobiernos municipales. Las explicaciones son plurales: pautadas en el city
que foi se impondo como realidade urbana, sobrepujando o planejamento, sob a égide do marketing, con el deseo de presentar ciudades agradables para el turismo y las inversiones
capital financeiro. externas y, además, en el crecimiento vertiginoso de sus ciudades a partir de la segunda
Abstract | Linear public spaces in Latin American cities mitad del siglo XX. Estos factores propiciaron procesos de transformación y deterioro de
The intervention in public space in Latin American cities has grown in importance as an muchos lugares significativos, además de convivir con una especulación urbana voraz, den-
urban phenomenon in recent decades, becoming political priority of local governments. sificando lo que antes eran lugares agradables para viviendas. Muchas intervenciones, con
The explanations are plural: are guided by the city marketing, the desire to have pleasant aplicación de grandes recursos financieros, muchas veces acaban por segregar la población
cities for tourism and foreign investment, and also in their cities rapid growth from the local, aunque la mayoría de los proyectos amplíe la oferta de recreo para todos los habitan-
second half of the twentieth century. These factors have led processes for the change and tes. En las intervenciones se destacan dos tipos de espacios públicos: los espacios concen-
deterioration of many significant places, and live with the voracious urban speculation, with trados, concebidos para la permanencia (plazas, largos, parques de diferentes tamaños), y
the density that were pleasant places for housing. Many interventions, applying large fi- los espacios lineares, destinados a los movimientos (que implican la idea de diversión, de
nancial resources, often end up segregating the local population, even though most of the encuentro casual y frívolo), objeto de este articulo. Para lo tanto, pasó por la búsqueda de
projects expand the recreation offer for all inhabitants. Interventions include two types of connotaciones entre palabras como calle, callejón, pistas, camino, avenida, bulevar, paseos,
public spaces the concentrated spaces that are designed to stay (plazas, squares, parks of acera, alameda, vereda, vía, arteria, destacándose las de mayor significado para la historia de
different sizes), and linear spaces, for the movements (which imply the idea of fun, casual las ciudades latinoamericanas y sus correspondientes reflexiones. En cuanto a los espacios
meeting and frivolous ), which is the object of this article. Therefore, past the search con- lineares más recientes, estos en general hacen parte de un plan de toda la ciudad, como por
notations of words like street, alley, lanes, road, avenue, boulevard, boardwalk, sidewalk, ejemplo del Plan de Sistema de Espacios Públicos hecho en Bogotá entre 1998 e 2001, de la
lane, path, pathway, artery, especially those of greater significance for the history of Latin reurbanización del Valle del Anhangabaú, en la ciudad de São Paulo, del Paseo de la Princesa
American enclaves and correspondenstes reflections. As for the newer linear spaces, these en San Juan de Puerto Rico, inaugurado en 1993. En Guayaquil, el Malecón 2000, sobre el
generally are part of a plan of the whole city, such as the Plan System Commons done in rio Guayas, tuvo un proyecto de revitalización encomendado a grupos de universidades y
Bogota between 1998 and 2001, the redevelopment of Anhangabaú Valley, in São Paulo, técnicos extranjeros, y el proyecto se desarrolló hasta el 2002. Entre los numerosos proyectos
Paseo de la Princesa in San Juan Puerto Rico, opened in 1993. In Guayaquil, the Malecon hechos en México, destacan por su magnitud el Paseo de Santa Lucía, en Monterrey, realiza-
2000 on the Guayas River revitalization project had ordered the university groups and for- do por una firma norteamericana y el proyecto de grandes avenidas, como el llamado Paseo
eign experts, and the project was developed by 2002. Among numerous projects done in de los Duendes, Nuevo León, en 1991. Actualmente, en muchas ciudades centroamericanas
Mexico, noted for their magnitudes Paseo de Santa Lucia in Monterrey, held by North Ameri- son desarrollados proyectos similares, como en Nicaragua, en San Salvador y en Tegucigalpa.
can firm and the great avenues project, such as the so called Paseo de los Duendes, Nuevo Proyectos costosos también son propuestos para ciudades como Porto Alegre (rehabilitación
León, in 1991. Currently, in many Central American cities are developed similar projects, as del puerto) y Asunción (franja costera). Estos ejemplos prueban que las intervenciones sobre el
in Nicaragua, in San Salvador and Tegucigalpa. Expensive projects are also proposed for espacio público no son solo una característica colombiana, sino una preocupación latinoame-
cities such as Porto Alegre (port recovery) and Assumption (coastal strip). These examples ricana y posiblemente mundial. De todos los espacios públicos, los que han requerido mayor
prove that the interventions on public space are not only a Colombian feature, but a Latin atención han sido los espacios lineares de recreo, peatonales, con la presencia de agua y ve-
American and possibly global concern. Of all the public spaces, which have required greater getación, conectados con edificios para el ocio. Todas estas características fueron también las
attention have been the linear spaces of recreation, pedestrian, with the presence of water de finales del siglo XVIII, lo que marca, posiblemente, una inflexión en la manera de pensar la
and vegetation, connected with buildings for leisure. All these features were also those of ciudad fuera del urbanismo “moderno”, que se manifestó de forma restricta en algunos sectores
the late eighteenth century, marking possibly a shift in thinking outside the city urbanism urbanos, que obligaron un aumento del número de automóviles, el crecimiento de cinturones
“modern”, which manifested itself narrowly in some urban sectors, which housed increase in marginales y la voracidad especulativa del suelo urbano, que se fue imponiendo como realidad
the number of automobiles, growth of marginal belts and speculative greed of urban land, urbana, sobrepujando o planeamiento, bajo la égida del capital financiero.
546 Espacios publicos lineales en las ciudades latino americanas Silvia Arango (Colômbia) 547
Introdução lugares donde se escenifica la vida colectiva y, como en el teatro, uno ve y es visto
por los demás; por ello sirven como lugar de reconocimiento de los distintos grupos
Uno de los fenómenos urbanos más importantes en las últimas dos décadas sociales y como afirmación de la comunidad.
en las ciudades latinoamericanas es el de la proliferación de intervenciones sobre Para abordar el tema, comencé por examinar las palabras que designan es-
el espacio público. El tema se ha convertido en una prioridad política de los gobier- pacios urbanos públicos lineales, como: calle, callejuela, callejón, carrera, jirón, cal-
nos municipales y prácticamente no existe ciudad que no haya emprendido o esté zada, camino, avenida, bulevar, malecón, paseo, alameda, salón, camellón, vereda,
próxima a emprender obras de mejoramiento de los espacios públicos urbanos. vía, arteria… hasta que se hizo evidente que algunas de estas palabras se referían
Puede haber varias explicaciones para esta actitud. La competencia entre a realidades físicas precisas mientras otras funcionaban como sinónimos difusos de
ciudades dentro de lo que se llama el “city marketing” es una de ellas. Con razón ideas abstractas. La palabra “calle” puede considerarse la más general y por ello de-
o sin ella, existe la creencia de que mostrar una ciudad agradable, con lugares de finirse como la unidad mínima de espacio público lineal, con calificativos posteriores
esparcimiento, no sólo atrae turismo sino inversiones extranjeras que benefician a (calle ancha y empedrada, calle arborizada, calle con dos calzadas, etc.). Según el
sus habitantes. En casos extremos, las intervenciones son hasta tal punto turísticas Diccionario crítico etimológico castellano e hispánico de Joan Corominas, calle viene
y con equipamientos tan costosos que su utilización segrega a los ciudadanos rai- del latín callis, ‘sendero, especialmente el del ganado’ y en italiano poético calle era
zales, pero en la mayoría de los casos son proyectos que han ampliado la oferta de ‘camino’ pues se hace para caminar por ella; en este sentido la palabra calle se uti-
recreación para todos los habitantes. Cuando los habitantes de una ciudad usan lizaba (y se sigue utilizando así en algunos lugares) para designar caminos urbanos
intensamente un espacio público, esto indica que ese espacio es significativo, está y rurales que, con frecuencia, estaban entre dos hileras de árboles. En catalán, call
incrustado en la memoria colectiva y forma parte de los anhelos sentidos de su po- es ‘camino estrecho entre dos paredes’, más cercano a su uso urbano actual, puesto
blación, pero también es indicativo del acierto en las características de su diseño que una calle, físicamente, es un espacio comprendido entre construcciones adosa-
arquitectónico. Y en este sentido cabe una segunda explicación: las ciudades lati- das que se enfrentan y se refiere a una realidad urbana occidental.
noamericanas crecieron a ritmos tan vertiginosos en la segunda mitad del siglo XX En esta dinámica entre las palabras y las cosas, decidí analizar sólo las pa-
que las generaciones de habitantes aún vivos vieron, impotentes, desarrollarse as labras que denominaran realidades físicas y sociales precisas, esto es, encarnadas
ciudades procesos de transformación, de deterioro o de desaparición de muchos históricamente en ejemplos particulares. Con esta idea en mente y a la manera de
de sus lugares significativos. En la segunda mitad del siglo XX, las ciudades fueron hipótesis, en el presente texto intento una descripción de los espacios lineales so-
cruzadas inmisericordemente por avenidas de tráfico intenso y una voraz especu- cialmente significativos a lo largo de la historia de las ciudades latinoamericanas,
lación urbana construyó edificios y densificó lo que antes eran barrios apacibles de como antecedentes de los espacios lineales contemporáneos.
casas de habitación. Puede decirse que una buena parte de la población urbana
latinoamericana guarda nostalgias y añoranzas de formas de vida anteriores. Por
Calzada
ello, las recientes intervenciones recientes han sido recibidas con entusiasmo y se
han convertido en tema político.
Para lo que los españoles llamaron calzadas o caminos, existe un amplio
En las ciudades existen dos tipos de espacios públicos: los espacios concen-
léxico en los idiomas prehispánicos: en quechua ecuatoriano camino es ñan (y sus
trados, hechos para la permanencia, y los espacios lineales, hechos para el movi-
derivados asa ñan, jatun ñan, chaki ñan, etc.); en maya es sacbée; en nahuatl es cue-
miento. Entre los espacios públicos concentrados, la plaza es el lugar por excelencia,
pohtli, tepectli, ochpantli, miccaohtli; en chibcha es ie (y sus derivados ie cuhuma, ie
debido a que fue el centro de la ciudad colonial, aunque también se pueden incluir
cho, etc.). Con estas palabras posiblemente se denominaban matices diferenciales
en esta categoría las plazuelas, los atrios y los parques de distintos tamaños. Sin
de los amplios caminos empedrados o terraplenados que se elevaban por encima
embargo, en este artículo sólo se examinarán los espacios públicos lineales, que
del nivel del suelo y conectaban diversos centros rituales dentro de un territorio con
también poseen una larga tradición urbana a partir, fundamentalmente, de fina-
ríos, lagunas y montañas, en el cual se localizaban casas de habitación de manera
les del siglo XVIII y por lo tanto pueden considerarse como parte de los procesos
dispersa. La reconstrucción arqueológica de los territorios más estudiados – como el
de modernización. A diferencia de las plazas, que poseen significados simbólicos
de Cobá en la península de Yucatán para el período maya clásico –, es reveladora de
y suelen albergar varias funciones, los espacios lineales, que son lugares de paso,
este tipo de estructura que era una realidad física distinta a la noción occidental de
connotan más claramente la idea de diversión, de encuentro casual y frívolo. Son
548 Espacios publicos lineales en las ciudades latino americanas Silvia Arango (Colômbia) 549
‘urbe’ y su nítida diferenciación respecto al campo. Todo parece indicar que en las también adecuó otros paseos que en secuencia lineal formaban todo un recorrido su-
concepciones espaciales prehispánicas, la red de calzadas, cuya utilización especí- burbano: el Paseo de las Aguas con su hermoso espejo de agua (que, según las crónicas,
fica es hoy difícil de inferir, estructuraban y daban legibilidad a un amplio territorio. fue hecho para poner la luna a los pies de la Perricholi) y el paseo o alameda de Acho,
En el vocabulario prehispánico también hay palabras que se refieren a po- frente al Rímac, cerca a la Plaza de Toros, terminada de construir en 1768.
blaciones concentradas. En el quechua quichqui denominaba una calle angosta y El camino que conectaba a Bogotá con el convento franciscano de San Diego,
ancha quichqui ñan una callejuela, palabras que parecen referirse a caminos entre es posiblemente también el origen de la Alameda Vieja, llamada así porque a finales
paredes (como la call catalana, literalmente) como las que todavía pueden verse en del siglo XVIII se construye la Alameda Nueva, tal y como aparece consignado en
el Cuzco. La extraña palabra jirón, que actualmente se usa en el Perú, viene del fran- el plano de Bogotá y sus alrededores de 1797. El caso de la Alameda de las Delicias
cés antiguo y significa ‘franja’, ‘fleco’ o ‘faja’ y describe una via urbana compuesta de (también llamado Paseo de la Cañada) en Santiago de Chile está mejor documen-
una tira o franja de calles, entendiendo como calle la que va entre esquinas de una tado. Desde el siglo XVI se establecieron varios conventos franciscanos en el llano
sola cuadra. de Maipú que se conectaban con la ciudad a través de un camino que bordeaba
Por su parte, Tenochtitlán estaba compuesta por un entramado ortogonal una cañada, donde se bañaban los niños. Las crónicas cuentan que se trataba de
de canales y caminos que formaban una isla en medio del lago de Texcoco, con un un camino muy concurrido, pues numerosas personas iban a tomar el chocolate
centro ceremonial del cual partían tres amplias calzadas, como lo muestran varios que hacían las monjas clarisas por la mañana y a comer las lentejas que preparaban
dibujos hechos tras la llegada de los españoles. Estos amplios caminos luego sir- los franciscanos al medio día. El camino se convirtió en paseo por el trazo que hi-
vieron de base a las calles anchas de la ciudad de México durante la colonia y se ciera el general O’Higgins hacia 1803, con dos glorietas ovaladas que permitían dar
mantienen hasta hoy con su denominación como calzadas. vuelta a las calesas y donde se tocaba música en las tardes. En 1809, el padre fran-
ciscano Javier Guzmán trajo unos álamos que se plantaron en las orillas del paseo.
Este último dato es interesante pues puede sugerir que el álamo poseía significados
Alameda y Paseo simbólicos para la comunidad franciscana. No sería extraño, pues desde tiempos
muy remotos el álamo –sobre todo la especie de álamo temblón (Populustremula L.)
Para finales del siglo XVIII y comienzos del XIX encontramos numerosas cró- ha sido relacionado con la fugacidad de la vida debido al estremecimiento de sus
nicas y grabados de un tipo de espacio público lineal ya instalado en varias ciudades hojas por efecto del viento y se plantaba en la tumba de las personas virtuosas y de
latinoamericanas: el paseo que, si estaba bordeado de árboles, se llamaba alameda. héroes. El álamo, además, se presta para la vida urbana: es frondoso, alto y de rápido
Las denominaciones de paseo y alameda se usan indistintamente para designar los crecimiento en todo tipo de suelos, inclusive arenosos.
mismos espacios públicos que indican la actividad de solazarse para recibir el fresco En principio, la palabra alameda designa un lugar plantado de álamos,
y respirar aire puro y se hacían fuera de la ciudad. Se trata de un nuevo espacio aunque, por extensión, en América del sur se refiere a un espacio público lineal
urbano que coloreó y cambió la estructura urbana compacta que agregaba manza- que sirve para pasear, aunque esté bordeado por otro tipo de árboles. No es así en
nas en los pausados crecimientos de las ciudades durante los dos siglos anteriores. México, donde la misma palabra alameda se refiere a un parque de gran tamaño,
Los paseos tuvieron una connotación laica y se asociaron al conocimiento mutuo, al es decir, a un espacio concentrado. La alameda más conocida es la de Ciudad de
flirteo y a las actividades galantes. México, cuyo diseño actual proviene de 1778, cuando se trazó con caminos que se
Es probable que muchos paseos se originaran en los caminos que comunicaban cruzaban, sugiriendo la acción de pasear por ellos contemplando la naturaleza. An-
las ciudades con los conventos franciscanos construidos a las afueras. Así es en el caso tonio María de Bucareli y Ursúa, Virrey de la Nueva España entre 1771 y 1779, trazó
de la Alameda Grande o Alameda de los Descalzos en Lima, que en el siglo XVII era un también el Paseo que lleva su nombre, que arrancaba desde el Coliseo o Plaza de
camino que conectaba la ciudad amurallada y el convento de los franciscanos descal- Toros y continuaba la Alameda.
zos, pasando por un puente sobre el rio Rímac; el camino se convierte en paseo cuando En el caso de ciudades amuralladas al borde del mar como La Habana, por
es remozado hacia 1770 por el Virrey Amat que gobernó el Perú entre 1761 y 1776, y paseo se entendía un recorrido por fuera de las murallas. El Paseo Extramuros fue
probablemente en alameda con los arreglos del presidente Castilla en 1856, cuando inaugurado en 1772 y, al ser arborizado y ornamentado con fuentes y estatuas un
se circunda con una reja y se decora con faroles, bancas de mármol y 12 esculturas que siglo después, hacia 1881 -ya derribadas las murallas-, fue denominado Alameda
representan los signos del zodíaco. Es importante anotar que en Lima el virrey Amat de Isabel II; posteriormente fue remodelado en 1928, ha recibido los nombres de
550 Espacios publicos lineales en las ciudades latino americanas Silvia Arango (Colômbia) 551
Paseo del Prado y Paseo Martí y constituye, hasta hoy, el espacio urbano privilegiado El origen de la palabra avenida está ligado a la noción de calles anchas que
para el encuentro ciudadano. El Paseo del Prado fue complementado con el Paseo o canalizaban los desbordes de los ríos en época de lluvias y en este sentido era sinó-
Alameda de Paula, construido por el Marqués de la Torre –gobernador entre 1771 y nimo de ‘riada’ o de ‘torrentera’. En el siglo XIX, en Estados Unidos, la palabra aveni-
1776– y consistía en un terraplén ornamentado con faroles y bancas presidido por el da pasó a denominar una calle ancha de tráfico vehicular intenso que servía como
Coliseo o Teatro Principal; el lugar fue ampliado y hermoseado con una fuente y una espina dorsal de la vida urbana. A la manera de un río principal, las demás calles
columna entre 1841 y 1845 y conocido como el Salón O’Donnel. La utilización de la llegan a ella como afluentes. La palabra se popularizó a partir del trazado regular
palabra “salón” para denominar un paseo público es poco usual en América Latina, de Manhattan, adoptado desde 1811 y construido con pocas variaciones durante
pero el sector del viejo Paseo del Prado en Madrid que fue ampliado y ornamentado el siglo XIX, donde se decidió llamar avenidas a las calles anchas de corren de norte
a partir de 1763, se llamó “Salón del Prado”. Es necesario recordar que tanto Cuba a sur para diferenciarlas de las simples calles, menores, que corren de este a oeste.
como Puerto Rico continuaron siendo colonias españolas durante todo el siglo XIX. La distinción cartesiana entre dos tipos de calles que se entroniza en las ciudades
En San Juan de Puerto Rico, el Paseo de la Princesa, que bordeaba por fuera la mu- latinoamericanas en la segunda mitad del XIX, lleva a conservar estas mismas deno-
ralla de la ciudad, fue bautizado así por haberse inaugurado el 20 de diciembre de minaciones en ciudades como Guatemala. En Bogotá se prefiere la distinción entre
1884, día del cumpleaños de la Princesa de Asturias. carreras a las calles que corren en el sentido norte-sur y calles para las que lo hacen
En este breve repaso de paseos y alamedas en ciudades latinoamericanas cabe en sentido este-oeste que, dicho sea de paso, es una distinción muy antigua. Según
resaltar los paralelismos: la simultaneidad cronológica de paseos construidos en la Corominas, la palabara carrera está documentada desde el siglo IX como abrevia-
década de 1770 revela una voluntad explícita de la corona española por construir- ción de via carraria, ‘camino para carros’, concurridas, a diferencia de las calles, se-
los. Aunque estas intervenciones urbanas, que son parte de las reformas borbónicas, cundarias y poco concurridas.
hacen presumir una influencia francesa, es curioso que la palabra bulevar no haya Es significativo que dos de las ciudades más grandes y cosmopolitas de Amé-
sido utilizada en esta época, sino que se impusieron los nombres españoles de paseo rica Latina a comienzos del siglo XX, cuando decidieron hacer una gran calle ancha
y alameda. En francés, la palabra boulevard (derivada del holandés bollwerk, que sig- que cortara el centro de la ciudad y representara el progreso, hayan escogido la
nifica baluarte, muralla defensiva) se refiere a los paseos por encima de las murallas y palabra avenida: en Buenos Aires, la Avenida de Mayo, inaugurada en 1894, y en Río
por extensión a los paseos fuera, dentro o en vez de las murallas, con la connotación de Janeiro, la Avenida Central (luego Avenida Rio Branco) inaugurada en 1905. En la
de calles anchas que circundan una ciudad. Los paseos latinoamericanos de fines década de 1910, por estas avenidas, como por los paseos, circulaban en coexistencia
del XVIII son más cercanos, como realidades físicas, a los llamados jardines públicos, pacífica peatones, caballos, bicicletas, carros de tracción animal, tranvías y algún
siendo el más antiguo el de las Tullerías (1664-1669). La palabra promenade, que sería eventual automóvil. En las décadas siguientes, con el aumento de automóviles, las
la traducción más precisa de paseo, designa en francés más la actividad de caminar avenidas pasaron a designar las calles anchas con alto contenidode tráfico y per-
para recrearse que un espacio físico y está ligada también al siglo XVIII. En las ciu- dieron su carácter peatonal. Con frecuencia, ya en los años 30, se diseñan avenidas
dades latinoamericanas, por otra parte, la invariable localización a las afueras de las con dos calzadas para que circulen los automóviles en direcciones opuestas y un
ciudades muestra la intención higienista de “exponerse a los aires frescos”, es decir, espacio central, llamado “camellón” que confina el recorrido peatonal. Por ejemplo,
refrescarse y respirar aire puro; la presencia de la vegetación y el paisaje lejano seña- así diseñó Karl Brunner la avenida Caracas en Bogotá. Con influencia estadinense se
lan la noción iluminista de que la naturaleza es objeto de contemplación, y la relación popularizaron luego las avenidas-parque (park avenues) con anchos camellones ser-
con actividades como corridas de toros y teatros, subraya el carácter popular de los penteantes, entre los cuales, además de los ejemplos de la Avenida de las Américas
paseos y alamedas y sus connotación como lugares de recreo. y el Parkway de Bogotá, se puede citar la Avenida General Paz que bordea Buenos
Aires, diseñada en 1939.
La palabra camellón que designa -sobre todo en México-, el espacio peatonal
Avenida, camellón y malecón central de una avenida, tiene su origen en la agricultura y se refiere a los promon-
torios de tierra que corren entre escurrentías por las que corre el agua; su nombre
A finales del siglo XX y comienzos del XX tres nuevas palabras, y sus consi- deriva de camello por su parecido a las jorobas de este animal. Se trata de una técni-
guientes realidades físicas, enriquecen el léxico lingüístico y urbano de los espacios ca agrícola muy antigua practicada también por algunos pueblos americanos como
públicos lineales: avenida, camellón y malecón. los agricultores prehispánicos de la cuenca del lago Titicaca. Traslados a la ciudad,
552 Espacios publicos lineales en las ciudades latino americanas Silvia Arango (Colômbia) 553
los camellones forman en ocasiones verdaderos paseos públicos en sí mismos, como Unos de los primeros paseos en restablecerse fue el del Valle de Anhangabaú
es el caso, en el Caribe colombiano, del Camellón de los Mártires en Cartagena, o el en São Paulo. Hasta mediados del siglo XIX, São Paulo era una ciudad pequeña que
Camellón de Arévalo – luego Paseo Colón – en Barranquilla. había crecido alrededor de un núcleo triangular sobre una colina -su centro históri-
En su origen, la palabra malecón designaba el muro de contención de los co-, limitada en un costado por el río y el valle de Anhangabaú, que corrían longitu-
bordes de agua en mares, ríos o lagos y el terraplén anexo que se construía. Con el dinalmente varios metros más abajo. El río fue canalizado y en los años 1920, a partir
aumento del comercio ultramarino y de la actividad portuaria a comienzos del siglo de un proyecto de embellecimiento y ensanche, se construyó un largo parque lineal
XX, los muelles atrajeron actividades desagradables que se buscaba contrarrestar. en el valle. Con el tiempo, y el crecimiento vertiginoso de la ciudad, los prados, árbo-
Los malecones se diseñaron, entonces, como paseos ornamentados al borde del les y bancas del paseo favorito de los paulistas, fueron cediendo el paso a sucesivas
agua y como prolongaciones que salían de los puertos, y fueron construidos profu- ampliaciones de calzadas para automóviles hasta que en los años 1970 se convirtió
samente en los años 1920 y 1930. Jean Claude Nicolas Forestier diseñó el Malecón definitivamente en una autopistade alta velocidad. En 1981, la municipalidad de São
de Buenos Aires frente al río de La Plata dentro del “Plan de Estética Edilicia” en 1925 Paulo, preocupada por la decadencia del centro histórico, citó a un concurso para la
y tres años después, el Malecón de la Habana que se conectaba con el Paseo del reurbanización del valle de Anhangabaú. Entre las 153 propuestas recibidas, resultó
Prado. Otros puertos, como Valparaíso, Veracruz y Guayaquil arreglaron sus maleco- ganador el proyecto presentado por los arquitectos paisajistas Jorge Wilhem y Rosa
nes hacia la década de 1930. Kliass, que consistía en cubrir la autopista a lo largo de varias cuadras para recuperar
el paseo público, ya no como foso limítrofe del centro histórico sino a nivel con él. A
lo largo del recorrido del paseo, el proyecto incluye caminos serpenteantes colori-
Espacios lineales recientes dos siguiendo la tradición brasileña y tres pequeñas plazas alrededor de los edificios
más significativos. Desde su inauguración en 1991, el Valle de Anhangabaú se con-
Como decía al comienzo, en años recientes se han intervenido numerosos virtió en un lugar muy aceptado y concurrido -por él circulan diariamente unos dos
espacios públicos lineales en América Latina. Con frecuencia, estas intervencio- millones de personas – y en el lugar que identifica a la ciudad.
nes forman parte de un plan coordinado y general de toda la ciudad. Esa ha sido En San Juan de Puerto Rico, se recuperó el Paseo de la Princesa como parte
también la intención del Plan Sistema de Espacio público que se hizo en Bogotá de un plan general de rescate del centro histórico emprendido en los años 1990 por
entre1998 y 2001, con su ambicioso sistema de alamedas que han sido construidas la municipalidad, y fue inaugurado en 1993 para la celebración de los 500 años del
parcialmente. En Colombia, hasta el momento, han resultado más completos los Descubrimiento de América. El proyecto no sólo recupera el antiguo paseo sino que
proyectos coordinados en Medellín y algunas acciones de gran impacto en ciudades lo completa; se inicia con una calle amplia donde se organizan ferias y exposiciones
menores como en Montería (la ronda del río Sinú), Neiva, Riohacha y en la isla de San al aire libre que remata en una fuente-escultura alegórica del descubrimiento, para
Andrés. Sin embargo, el propósito de este artículo no es el de examinar el detalle los luego internarse en el estrecho sendero, de diseño sobrio, que permite apreciar sus
proyectos colombianos, sino el de proporcionar un marco comparativo que muestre dos límites: las antiguas murallas y el mar. En Lima, también como parte de un plan
cómo existe una preocupación generalizada en América Latina sobre los temas de general de rescate del centro histórico incentivado por la declaratoria como Patri-
espacio público. Por ello, aquí examino prioritariamente algunos ejemplos en otras monio Histórico de la Humanidad en 1991 se construyó, con diseño del arquitecto
ciudades latinoamericanas en donde la calidad de diseño arquitectónico y urbanís- Augusto Ortiz de Zevallos, la nueva Alameda Chabuca Granda sobre la ribera del
tico ha contribuido a su éxito como lugar de encuentro ciudadano. río Rímac adyacente al centro, y se inauguró en 1999. A pesar de las críticas que sus-
Buena parte de los proyectos más ambiciosos son espacios lineales y es eviden- citó su diseño, la alameda tuvo tanto éxito que en el 2003 se inició la construcción
te que las tradiciones antes señaladas gravitan sobre las nuevas intervenciones y recu- de un parque lineal al borde del río como continuación de esta alameda. Durante
peraciones de espacios públicos y paseos urbanos. Las denominaciones actuales no la construcción del parque se encontraron restos de las antiguas murallas que ro-
siempre respetan las diferentes características de sus orígenes históricos, pero es no- deaban Lima y fueron incorporadas al diseño por el arquitecto Fernando Romaní
torio que las palabras predominantes para bautizar estos espacios son las de malecón, adquiriendo el nombre de Parque de la Muralla. Esta acción se complementó con la
paseo y alameda. Esta continuidad muestra cómo la costumbre de recorrer una y otra restauración de la Alameda de los Descalzos y del Paseo de Aguas con la intención
vez un lugar para reconocerse y ver a los demás es un componente fundamental de la manifiesta de recuperar la memoria urbana de Lima y con otros proyectos de mejo-
vida urbana latinoamericana y sigue identificándose con la idea de recreo y diversión. ras del espacio público.
554 Espacios publicos lineales en las ciudades latino americanas Silvia Arango (Colômbia) 555
En Guayaquil, el Malecón 2000, sobre el río Guayas, fue pensado para reci- rápidas en medio de amplias zonas verdes salpicadas de torres de habitación, confi-
bir el nuevo siglo. Sus antecedentes se remontan a 1996 cuando el ex presidente y gurando un paisaje que iba en contravía de las calles delimitadas de las tradiciones
entonces alcalde León Febres Cordero solicitó un primer proyecto a la universidad espaciales de las ciudades latinoamericanas. Sin embargo, las utopías modernas no
inglesa de Oxford Brooks y a un grupo de inversionistas extranjeros, para revitalizar llegaron a construirse sino en sectores urbanos restringidos pues a las inercias de
el viejo malecón y extenderlo a lo largo de 2,5 km. Con la intervención de un grupo usos y costumbres se sumó lo que el urbanismo moderno no previó: el aumento es-
de arquitectos ecuatorianos, el proyecto se desarrolló por etapas hasta quedar ter- calar de los automóviles, el crecimiento de los cinturones marginales y la voracidad
minado en 2002. El Malecón incluye, además del paseo mismo, la remodelación de especulativa del suelo urbano, que fueron imponiéndose como realidades urbanas
la antigua plaza de mercado en un extremo y una serie de edificios para museos y que sobrepasaron toda planeación. El interés contemporáneo manifiesto por los es-
un Teatro Imax en el otro. El éxito nacional e internacional del Malecón 2000 fue in- pacios públicos peatonales de paseo puede entonces leerse como un retorno a los
mediato y actualmente se desarrolla, también por etapas, uno nuevo: El Malecón del viejos principios de higiene corporal y mental de la ciudad realizada desde el XVIII
Estero Salado, dentro de un plan general de espacios públicos en la ciudad. hasta la primera mitad del XX con formas de vida más pausadas y gratas, y su éxito
Entre los numerosos proyectos emprendidos en México, destaca por su mag- tal vez se pueda interpretar como un indicio de la crisis de la ciudad moderna y las
nitud el Paseo de Santa Lucía en la ciudad de Monterrey, que conecta la Macro Plaza realidades impuestas por el capital financiero.
en el centro con el parque La Fundidora en las afueras. El paseo se desenvuelve
alrededor de un canal artificial y la primera etapa fue concluida en 2007. El proyecto
fue encargado a la firma norteamericana RTKL Associates, que había diseñado con
anterioridad el River Walk en San Antonio, Texas.
También vale la pena mencionar algunos proyectos realizados en los came-
llones de las avenidas amplias, como el llamado Paseo de los Duendes, del arqui-
tecto Fernando González Gortázar en la población de San Pedro Garza García en
Nuevo León, de 1991, que resuelve, con un original puente curvo, el paso peatonal
y de bicicletas sobre un cruce de avenidas de alto tráfico. Actualmente en muchas
varias ciudades centroamericanas se desarrollan procesos similares: en Nicaragua
se revitalizan los malecones de Masaya y Managua sobre el lago de Masaya; en San
Salvador, el bulevar de la Zona Rosa; en Tegucigalpa, el bulevar de San Juan. Por
su parte, grandes proyectos con inversiones cuantiosas se proponen en ciudades
como Porto Alegre (la recuperación del puerto) y Asunción (Franja costera).
En el recuento anterior faltan muchos proyectos y ciudades por citar, pero
posiblemente estos ejemplos son suficientes para dar consistencia a la aseveración
inicial: las intervenciones sobre el espacio público no son sólo una característica
colombiana sino una preocupación latinoamericana y posiblemente mundial. De
todos los espacios públicos, son los paseos los que han requerido más atención: es-
pacios lineales de recreo, peatonales, con presencia de agua y vegetación y conec-
tados con edificios para el placer. Todas estas características, que fueron también
características urbanas de fines del siglo XVIII, marcan, posiblemente una inflexión
en la manera de pensar la ciudad.
El urbanismo llamado “moderno” estaba en su apogeo en la segunda mitad
del siglo XX, cuando las ciudades latinoamericanos crecieron de manera más acele-
rada. Con el ideal de proporcionar aire, luz y sol a grandes masas de población, este
urbanismo planteó una racionalidad funcional con separación de funciones y vías
556 Espacios publicos lineales en las ciudades latino americanas Silvia Arango (Colômbia) 557
Quando as aldeias vieram à
cidade, quando as cidades foram
até às aldeias. Da exposição do
mundo português ao “inquérito”
1940-1961
Tânia Beisl Ramos (Portugal)
560 Quando as aldeias vieram à cidade, quando as cidades foram até às aldeias Tânia Beisl Ramos (Portugal) 561
com el apoyo financiero del gobierno, recorrieron el país, registrando el vocabulário arqui- do país onde se situavam as origens lusas, nas aldeias portuguesas vistas na exposi-
tectónico de los pueblos. Esto se presume que la inversión se realizó com el propósito de ção de 1940 sob o filtro da “tradição” (Ramos, 2013).
que Portugal, pudiera construir un proyecto nacional y este registro seria publicado como A política cultural que permitiu sustentar a realização da Exposição do Mundo
Arquitetura Popular en Portugal (1961). El hilo conductor de este estúdio, consistió en esta- Português esteve sob a responsabilidade de Antônio Ferro (1895-1956)3. O plano ur-
belecer un paralelismo entre la forma del Estado y los intelectuales, recurriendo a la arquite- banístico do recinto tem a assinatura do Arquiteto-Chefe Cottinelli Telmo (1897-1948)
tura popular como un medio para justificar, por un lado, la memoria y la manera tradicional e a coordenação geral de Duarte Pacheco (1900-1943)4, cuja primeira intervenção foi
de vivir e de relacionarse con el nacionalismo y por outro lado como medio de consolidar la transferir o espaço urbano da exposição para a frente do Mosteiro de Santa Maria
arquitetura moderna en Portugal. Dos épocas de la historiografia de la arquitetura en la que de Belém dos Jerónimos, numa área de aterro entre este Mosteiro e o Tejo. Esta área
se destacan: la “ reconstitución” de los pueblos en la capital durante la Exposición de 1940 central foi denominada por Praça do Império. Para os projetos dos imponentes pa-
y el registro de estos pueblos, hechas por los arquitetos de Lisboa y Oporto que recorrieron vilhões estiveram envolvidos os arquitetos que ao longo do tempo mantiveram-se
el país, fotografiando la Arquitetura Popular. El resultado permitiria diferentes lecturas. Los na órbita do regime salazarista, colaborando na execução de encomendas públicas.
políticos y los intelectuales, han interpretado estos resultados como mejor les convino: para Formam um grupo de arquitetos ativos que ao longo dos períodos sequenciais da
el régimen de Salazar. Las imágenes de la “ Pesquisa” eran manifestaciones del genuíno história da arquitetura portuguesa, como o I Congresso Nacional de Arquitetura de
português, mientras que para los arquitetos, estas mismas imágenes de arquitetura popular 1948 e a realização do “Inquérito à Arquitetura Popular Portuguesa” iniciado em 1955
lo consideraron la consolidación de lo “Moderno”. olharam para as aldeias portuguesas com o filtro do “moderno”. Esta proximidade
Este artículo tiene como finalidade un análisis acerca de la relación entre lo tradicional y la assumiria na Exposição do Mundo Português, especial relevância por ter procurado
modernidade, por medio de las transformaciones físicas e ideológicas, instaladas en el in- dar resposta às obras de vulto, algumas já iniciadas por estes arquitetos desde iní-
tervalo de tiempo entre el fortalecimento del nacionalismo (1940) y la apertura de un nuevo cios de 1930, com uma nova sintaxe arquitetônica (Augusto-França, 1991). A ideia era
vocabulário arquitectónico (1961). dar a conhecer a capacidade de realização de Portugal num evento desta grandeza.
Entre a imponência dos pavilhões, esteve situada uma área onde se reproduziu a
habitação, o trabalho e o modo de vida da população rural como se de um museu ao
Exaltar a Nação “dentro de portas” ar livre se tratasse. A reconstituição das aldeias de Portugal foi construída na lateral
periférica da exposição seguindo a divisão do país em regiões e foi publicada num
Portugal manteve-se como território neutro face ao conflito mundial iniciado pequeno livro, Aldeias portuguesas na Exposição do Mundo Português, FIGURA 1 A E B.
em finais da década de 1930. No quadro político de uma Europa em guerra o país
volta-se para si próprio empenhando-se em cumprir o programa de comemorações
traçado em 1938 por Oliveira Salazar1: o Duplo Centenário da Fundação da Nação
(1140) e da Restauração da Independência da Espanha (1640). Para as comemora-
ções Portugal projeta e constrói em 1940 a Exposição do Mundo Português. O evento
está inserido na iniciativa político-ideológica do regimede exaltação do nacionalis-
mo (Acciaiuoli, 1998). Curiosamente este olhar introspectivo acabaria por projetar
o território português segundo escalas distintas. A primeira, mais ampla, integrava
as províncias ultramarinas2 nos continentes – africano e asiático –, afinal “a extensão
de um país reside no prolongamento dos seus usos e costumes” (Damasceno, 2010). Figura 1 A E B
Livro da autoria de Jorge Segu-
Tal dimensão territorial esteve representada na Exposição do Mundo Portuguêspelo rado publicado no âmbito da
Pavilhão das Colónias. Enquanto a segunda escala volta-se para o interior profundo Exposição do Mundo Por-
tuguês sobre o núcleo das
Aldeias Portuguesas.
1. Em nota oficiosa de 27 de março de 1938. 3. Diretor do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN), onde desenvolve a “Política do Espírito”.
2. A partir da Conferência de Berlim (1885), Portugal redefiniu a sua organização administrativa e passou a denominar as 4. Ministro das Obras Públicas e Comunicação, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa (Prefeitura) e membro da
suas colónias como províncias ultramarinas. Comissão dos Centenários.
562 Quando as aldeias vieram à cidade, quando as cidades foram até às aldeias Tânia Beisl Ramos (Portugal) 563
Autor do plano e do livro, o arquiteto Jorge Segurado (1898-1990) destacou a uni- equipa local arquitetos arquitetura popular/aldeia
dade no “modo de ser português”. Mas a mensagem tinha ainda uma outra face, 4 Estremadura, Nuno Teotónio O Ribatejo nasce do Rio. Chaminés coloridas com
perceptível para os mais atentos: a diversidade na arquitetura habitacional do inte- Ribatejo e Pereira (1922-) frente decorada com flores saltam dos telhados e
rior do país. Jorge Segurado (1940) sintetizariano seu livro as características dessas Beira Litoral António Pinto armam em pequenos pombais ou simples suportes
de Freitas de telhas encostadas como cartas de jogar, duas a
aldeias segundo estas diferentes regiões, diferenciando tipologias, registrando de- duas. Por dentro a casa tem o que precisa e pouco
(1925-)
talhes e técnicas construtivas, relacionando a influência do clima, da vegetação e da é. Uma sala, umas cadeiras, uma mesa, as caixas ou
Francisco Silva
harmonia com a paisagem local. A Tabela 1 resume estas características. arcas de roupa Tem menos compartimentos que o
Dias (1930-) coração da castiça.
equipa local arquitetos arquitetura popular/aldeias A Estremadura aproxima-se do Tejo. As escadas exte-
1 riores sobem do quintalinho com parreiras. Estas ca-
Minho, Douro Fernando As escadas exteriores das casas do Minho têm, al-
sinhas valem aguarelas de artista, ali vivem as saloias,
Litoral e Beira Távora pendres que guardam como dosséis a entrada. Os
lavadeiras de roupa suja de Lisboa e fornecedores de
Litoral (1923-2005) espigueiros manifestam o trabalho forte e ativo da
verduras. Na Beira Litoral repetem-se as caracterís-
agricultura. Erguem-se ao pé da eira, solitário aqui,
Rui Pimentel ticas das casas e das aldeias da montanha. As casas
aos pares ali e frequentemente em número maior
(1924-) de madeira os palheiros dão acolhida de recurso aos
escalonados um a um, dois a dois. (…) As Casas da
trabalhadores do mar.
António Me- Ribeira são mais frescas e alegres na paisagem farta
néres de verduras como odre cheio de vinho dão ares de 5 Alentejo Frederico As casas feitas de tijolo e precisadas de se refrescar
miradouro escondidos na folhagem. As casas da George (1915– na terra sob um céu que escalda, são baixas. Cal e
montanha, tristonhas cobrem-se de colmo e lousas, 1994) mais cal veste-as de brancura sem par a não ser no
às vezes com telhas vermelhas de novidade, ou já Algarve, na defesa heróica da planície contra o sol.
António Aze-
negras de ferrugem do fumo e do tempo. No Douro As chaminés sobem ao ar à busca de espaço livre e
vedo Gomes
Litoral as hortas e as quintas são muito verdes. de vento que lhes leve, para o alto e longe o fumo.
(1929-2008)
2 Trás-os-Montes O Lixa Filguei- As casas de Trás-os-Montes nas serras e nos vales Rendilhadas e muito brancas. Interiormente as casas
Alfredo da
e o Alto Douro ras formam o quadro das aldeias transmontanas. Casas são tão brancas como por fora. As mobílias coloridas
Mata Antunes
de pedra sem cal, aqui xisto ali granito sobem as e os papéis de cor forte
(1922-1996)
encostas cobrem-se de colmo. As janelas pequenas 6 Algarve e Alen- Artur Pires No Alentejo e no Algarve predomina a brancura das
Arnaldo Araújo deixam entrar escassa luz. As varandas recatam-
tejo Litoral Martins (1914- casas, vegetação rica, chaminés de recorte
(1925-1984) -se. Sai fumo dos tetos. No lajedo irregular do chão 2000)
Carlos Carva- batem-se tamancos. (….)Lá dentro nas lareiras com
Celestino
lho Dias (1929-) o escambo os trempes-fogareiros ardem o fogo da
Castro
casa que nunca se apaga.
(1920-2007)
3 Beiras Keil do Amaral Na Serra da Estrela se projecta a Beira inteira quer ca-
Fernando
(1910-1975) minhe para o mar e forme a Beira-Litoral, quer desça
Ferreira Torres
para o interior e forma a Beira Alta com as casas de
José Huertas (1922-2010)
pedra de granito. Na Beira Baixa as casas são de xisto,
Lobo (1914- onde aquele falta (…) paredes mistas de uma e outra Tabela 1 Síntese da descrição – Jorge Segurado (1940) sobre a arquitetura popular segundo as regiões.
1987) dessas pedras ou feitas de grossos seixos rolados das
João José ribeiras da serra. No adro o moinho de vento, branco
Malato
A Figura 2 b apresenta as seis equipes de três arquitetos (sendo um mais ex-
de neve como a farinha que moe,
periente e dois arquitetos mais novos) segundo as áreas onde fizeram o “inquérito”.
(1926-2003)
Estes arquitetos percorreram o país em “lambretas”, em automóveis, a cavalo ou
ainda à pé, observando, fotografando e concluindo que o país apresenta uma di-
versidade arquitetônica de soluções do habitar rural. Conclusão já divulgada pelo
exemplos de aldeias portuguesas da Exposição de 1940. A diferenciação entre os
dois momentos históricos ocorre pelo modo como se olhou para os mesmos objetos
– com o foco na tradição ou na modernidade.
564 Quando as aldeias vieram à cidade, quando as cidades foram até às aldeias Tânia Beisl Ramos (Portugal) 565
A Exposição do Mundo Português: uma síntese
566 Quando as aldeias vieram à cidade, quando as cidades foram até às aldeias Tânia Beisl Ramos (Portugal) 567
Brasil: o único país convidado Outro aspecto repetidamente referido por Raul Lino em Auriverde Jornada
está relacionado à vegetação exuberante e ao respeito pelas velhas árvores no
O Brasil independente foi o único país convidado, tendo-lhe sido dedicado Brasil. Por mais de uma vez Raul Lino referiu-se “à presença das palmeiras reais so-
um pavilhão projectado por Raul Lino (1879-1974), arquiteto tradicional e defensor berbas, altíssimas, isoladas ou em fileiras imponentes” (Lino, 1037:63). “A palmeira real,
do conceito da “casa portuguesa”. Identificam-se aqui conexões relevantes como a importada das Antilhas, é um motivo que sobressai na paisagem do Brasil, elevando-se
presença da representação brasileira na exposição e a autoria do pavilhão. sempre muito acima de tudo que a rodeia”. (Lino, 1937: 55). É de destacar que, numa
Quanto à presença da ex-colónia sabe-se que o Brasil associou-se às come- estilização decorativa, Raul Lino desenhou os longos pilares do átrio de entrada do
morações promovendo a sua divulgação no próprio território brasileiro, sediando Pavilhão do Brasil com base nas palmeiras reais, conjugando a monumentalidade
no Rio de Janeiro uma amostra dos produtos portugueses. com a leveza da estrutura vazada da cobertura. Raul Lino solicitou ao regime uma
Na mesma altura, Salazar apontaria algumas razões para segunda viagem ao Brasil, que entretanto lhe foi negada permanecendo o Auriverde
Jornada como uma descrição ímpar deste autor sobre o Brasil.
“(...) pedir ao Brasil que venha a Portugal no momento em que festejare-
mos os nossos oitocentos anos de idade ajudar-nos a fazer as honras da
Casa; que erga o seu padrão de História ao lado do nosso; que não seja As aldeias portuguesas reconstituídas na capital
apenas nosso hóspede de honra, mas como da família” (Salazar, 1939).
568 Quando as aldeias vieram à cidade, quando as cidades foram até às aldeias Tânia Beisl Ramos (Portugal) 569
1955 (Costa, 1997) como Inquérito à Arquitetura Popular Portuguesa e ser publicado de do país, por outro lado, o seu desenvolvimento assenta em campos disciplinares
pelo SNA6 em 1961 como Arquitetura Popular em Portugal. distintos com objectivos diferenciados.
A influência da agronomia ocorreria de uma forma metódica com base no
levantamento das condições económicas e higiénicas da habitação dos trabalha-
O interesse na realidade rural dores agrícolas e das suas famílias. Para os engenheiros agrónomos, a habitação
rural era o núcleo a partir do qual estava associado o desenvolvimento agrícola do
Mas se por um lado a presença das “Aldeias Portuguesas” na Exposição do país. Destaca-se nesta área o papel da agronomia ao defender a importância e a
Mundo Português pode ser considerada como o reacender da discussão sobre a casa necessidade de se tomar conhecimento da ruralidade da época. Neste sentido, os
portuguesa, por outro lado sabe-se que o tema da arquitetura popular despertou o engenheiros agrónomos lançariam já em 1936 o Inquérito-Económico-Agrícola e em
interesse da elite intelectual do país ainda em finais do Século XIX7, altura em que seguida o Inquérito à Habitação Rural, em que interessava identificar as caracterís-
essemovimento emerge como espelho do “nacionalismo português”. Vários aconte- ticas físicas da habitação relativamente à salubridade – aberturas de ar e de luz -,
cimentos vieram reforçar esta relação a partir da década de 1930, mais precisamente ao número de compartimentos, de pessoas que viviam naquela casa, ao acesso à
no ano de 1938. Altura em queo cinema viria a dar contributos importantes para o água, e à existência de esgotos, por exemplo. O foco estava em conhecer para me-
tema, em que se destaca o filme “A Aldeia da Roupa Branca” (1938), que expõe os lhorar as condições de vida no campo onde a habitação era o interesse principal.
contrastes entre a vida de trabalho árduo das lavadeiras de roupa suja da capital, e a Mas a realidade encontrada é dura e entre as décadas de 1930 e 1940, esta realidade
vida em Lisboa, onde mais uma vez tradição e modernidade se misturam. Também seria exposta como um cenário de miséria, tanto em termos materiais, quanto ao
em 1938 é lançado o concurso “A aldeia mais portuguesa de Portugal”. Pretendeu-se nível daconservação da habitação e“recheio” da casa. Estava feita a associação entre
destacar a aldeia do país que maior resistência ofereceu às influências exteriores e habitação rural e espaços de miséria. A pobreza e as necessidades que passavam
que estivesse em melhor estado de conservação. Monsanto foi a aldeia escolhida. a população rural começariam a ser cruelmente expostas. Situações rapidamente
O concurso não voltou a decorrer mas constituiu um modo de afirmação da “Polí- abafadas pelo regime de Salazar, e recriadas na Exposição do Mundo Português em
tica de espírito”, política de desenvolvimento cultural e de propaganda do regime 1940 pelo núcleo dedicado às aldeias portuguesas – a reprodução de uma parte do
salazarista. Ainda durante o ano de 1938 o geógrafo Orlando Ribeiro (1911-1997) território rural, e da casa como símbolo de nacionalidade, no recinto da exposição
realiza o Inquérito do Habitat Rural para o Instituto da Alta Cultura, percorrendo as referida ilustra esta postura.
províncias do país e registando os aspectos construtivos e a organização espacial Diversas áreas científicas viriam dar contribuições valiosas que permitiram es-
das habitações. truturar o retrato do país rural (Leal, 2009). Um retrato que não se desejava divulgar,
Tem início outro período da historiografia da arquitetura portuguesa, perío- mas que entretanto já era conhecido, inclusive pelos arquitetos.
do em que os profissionais trocam a cidade para se deslocarem e para registrarem Interessa entretanto, salientar nesta pesquisa que os resultados divulgados pela
in loco o modo de habitar a arquitetura popular em meio rural. arquitetura seriam outros. As imagens foram criteriosamente seleccionadas pelos ar-
quitetos possibilitando, a partir de uma mesma fotografia, possibilitar diferentes inter-
As cidades foram até às aldeias pretações. Foram diferentes modos de olhar para a realidade com uma leveza, e uma
docilidade que permitiam ver um duplo significado: para o regime era o consolidar da
E o modo como a arquitetura popular veioconstruir um campo de estudo tradição e para os arquitetos era o consolidar do “moderno”, Figura 4 A-D.
tendo como base a “tradição” e o “moderno” exerceu um fascínio em várias áreas É de salientar entretanto, que o coletivo dos arquitetos foimarcado em finais
disciplinaresque reforçaram a exaltação do nacionalismo. A Exposição do Mundo de 1940por um afastamento relativamente ao regime político do Estado Novo. Este
Português espelha esta consagração. Mas se por um lado, o estudo a arquitetura afastamento assume, desde o início de 1940 contornos específicos em torno do “mo-
popular assume contornos culturais relacionados com a representação da identida- derno” por parte da classe profissional na altura, formalizada pelas duas Escolas de
Arquitetura do país, representadas pelos seus diretores. Na Escola Superior de Belas-
-Artes de Lisboa – ESBAL por Cristino da Silva (1896-1976) que pugnava pela tradi-
6. Sindicato Nacional dos Arquitetos.
7. O arquiteto e arqueólogo português Ricardo Severo (1869-1940)reúne elementos arquitectónicos de diversas regiões
ção, e na Escola Superior de Belas-Artes do Porto – ESBAP por Carlos Ramos (1892-
de Portugal e aplica-os em moradias no Norte do país, no Porto, mas também em São Paulo e Rio de Janeiro onde 1969) apoiante do “moderno” e seu defensor chegando mesmo a promover uma
encontra seguidores e defensores da tradição lusa aplicada como José Mariano Filho.
570 Quando as aldeias vieram à cidade, quando as cidades foram até às aldeias Tânia Beisl Ramos (Portugal) 571
pesada herança da ideologia da casa portuguesa. Távora continua a dar orientações
para o processo de registro das arquitetura popular:
572 Quando as aldeias vieram à cidade, quando as cidades foram até às aldeias Tânia Beisl Ramos (Portugal) 573
tarefa de investigação das especificidades existentes nas diversas regiões do territó-
rio nacional”. Mas para os arquitetos interessava buscar argumentos que pudessem
associar a arquitetura tradicional à linguagem moderna com base na simplicidade
arquitetônica e nas características construtivas das arquiteturas populares nas di-
ferentes regiões do país (Almeida e Fernandes, 1986). Estes profissionais viriam a
demonstrar não haver uma arquitetura portuguesa tal como indicava o movimento
dacasa portuguesa e do nacionalismo do Estado Novo, mas um conjunto de tipolo-
gias diferenciadas, que a Exposição do Mundo Portuguêshá muito dava a conhecer. A
arquitetura popular foi objeto de interesse pelo olhar da “tradição” como do “mo-
derno”. As raízes da identidade lusa e do nacionalismo daquela época entretanto,
foram desaparecendo com o tempo.
Referências Bibliográficas
ACCIAIUOLI, Margarida. Exposições do Estado Novo 1934-1940. Livros Horizonte, Lisboa, 1998.
ALMEIDA, Pedro e FERNANDES, José. História da Arte em Portugal. A arquitetura moderna. Vol.
14. Lisboa: Alfa, 1986.
Figura 5 B Relevância conferida à Exposição do Mundo Português como o evento que maior número de
AUGUSTO-FRANÇA, José. A Arte em Portugal no Século XX. Bertrand Editora, Vendas Nova,
conexões estabeleceu ao longo da história com maior impacto na rede.
1974. (Edição consultada: 3ª Edição 1991).
E finalmente destaca-se a relevância conferida à Exposição do Mundo Português no COSTA, L. Lucio Costa. Registro de uma Vivência. (1ª Edição). São Paulo: Empresa das Artes,
cenário da arquitetura em Portugal como o evento que maior número de conexões 1995. (Edição consultada: 2ª Edição 1997).
estabeleceu ao longo da história. DAMASCENO, Joana. Museus para o povo português. Imprensa da Universidade de Coimbra,
Coimbra, 2010.
FERNANDEZ, Sérgio. Percurso – Arquitetura Portuguesa: 1930-1974. Dissertação de Agregação
As leituras das aldeias portuguesas na ao Curso de Arquitetura da Escola de Belas Artes do Porto em 1985. Porto: FAUP,
Exposição do Mundo Português 1988.
LEAL, João. Arquitetos, Engenheiros, Antropólogos: Estudos sobre Arquitetura Popular no século
A relevância deste estudo consistiu em marcar o momento que na época os- XX Português. Fundação Marques da Silva, Porto, 2009.
cilava entre os modelos arquitectónicos internacionais e as características tradicio- LINO, Raul. Auriverde Jornada.Recordações de uma viagem ao Brasil. Edição Valentim de
nais portuguesas, enquanto referências a seguir. Carvalho, Lisboa, 1937.
Tal como referiu Antônio Ferro no discurso de despedida em 1949, que o MATOS, Madalena Cunha e RAMOS, Tânia Beisl. “Lucio Costa e a herança lusa. Na trilha do
programa da exposição definia apenas que os arquitetos portugueses definissem livro, das cartas e das viagens”. In: I Seminário Internacional. Academia de Escolas de
um novo vocabulário – moderno e português. Os profissionais procuraram respon- Arquitetura e Urbanismo de Língua Portuguesa. Uma Utopia Sustentável. Arquitetura e
der ao desafio, embora de modo isolado. Somente passados dez anos, em 1948 os Urbanismo no Espaço Lusófono: que futuro? V.1. p.776-787, Lisboa, 2010.
arquitetos viriam a apresentar-se como um grupo organizado e convicto de seus RAMOS, Tânia Beisl.O Inquérito visto pelo olhar de outras Áreas Científicas: o registo do “país
ideais, no I Congresso Nacional de Arquitetura. Ou seja, entre 1940 e 1961 ocorre profundo”.In Câmara Municipal de Arcos de Valdevez/Colóquio Internacional
Arquitetura Popular/Casa das Artes de Arcos de Valdevez, no prelo (2013).
um movimento a favor do moderno cuja relevância é assumidamente trabalhada no
“inquérito” e cuja diversidade seria apresentada no Arquitetura Popular em Portugal. RIBEIRO, Orlando Inquérito do Habitat Rural. Ministério da Educação Nacional. Instituto para a
Alta Cultura. Coimbra, 1938.
Para o Regime de Salazar o Inquérito viria permitir aos arquitetos reunir voca-
bulário arquitetônico para definir um “estilo nacional” por meio de uma “cuidadosa
574 Quando as aldeias vieram à cidade, quando as cidades foram até às aldeias Tânia Beisl Ramos (Portugal) 575
SEGURADO, Jorge. As Aldeias Portuguesas na Exposição do Mundo Português. Edição Câmara
Municipal de Lisboa/Ministério das Obras Públicas, Lisboa, 1940. Urban mobility and the death of
the automobile era (EAU)
SINDICATO NACIONAL DOS ARQUITETOS Arquitetura Popular em Portugal. Lisboa: Volumes I e
II, 1961 (1ª Edição); Edição da Ordem dos Arquitetos, 4ª Ed., (Ed. consultada 2004).
TÁVORA, Fernando. O Problema da Casa Portuguesa, Porto, Cadernos de Arquitetura, 1947
(publicado inicialmente na Revista ALÉO, 10 de Novembro de 1945).
Walter Hook (Estados Unidos)
576 Quando as aldeias vieram à cidade, quando as cidades foram até às aldeias Walter Hook (Estados Unidos) 577
en el conocimiento, llevan a buenas políticas urbanas de éxito, para reorientar el espacio
público urbano, del consumo estimulado de vehículos a motor a la creación de vibrantes
espacios culturales que atraigan a los trabajadores mejor educados.
In the first decades of the 21st Century, cities around the world are rapidly
turning away from the private motor-vehicle oriented urban mobility paradigm of
the mid-20th Century towards a more environmentally sustainable and equitable
urban transportation paradigm heavily dominated by walking, cycling, and bus-
based surface mass transit known as ‘bus rapid transit’ (BRT). There are three funda-
Inhabitants per vehicle in São Paulo
mental reasons for this shift.
First, consumption and production of the automobile used to constitute a
major share of global economic activity and employment. As such, using private
automobile-oriented urban planning (the construction of roads, parking lots, etc) to
stimulate the continued consumption of automobiles played a positive role in stim-
ulating economic growth and avoiding cyclical economic crises. Today, the motor
vehicle industry and related industries are, like all heavy industrial and manufactur-
ing industries, less important economically, and competition for scarce urban land
is being won by alternative, more economically important uses.
The second is ecological, and the associated economic risks of both oil price
volatility and climate change.
The third is that competition between cities for attracting investment is favor-
ing those cities that are able to attract and retain highly trained knowledge-based
workers. The the lack of a functional pricing mechanism for the allocation of scarce
road space has led, with increasing incomes, to ever growing traffic congestion and Ratio evolution: [parking area/floor footage] ( black) and [parking area/total built foota-
air pollution, degrading the urban environment and wasting time. Cities which are ge] (gray) in São Paulo Source: Hamilton Leite
able to resolve these problems, by re-orienting scare public road space to buses,
bicycles, and pedestrians, are proving more competitive. home construction in new areas of the city where land prices were made cheaper
by lower cost road access.
This was reflected in a highway construction boom that was virtually inter-
Declining importance of the automobile industry national starting in the 1950s, and continuing into the 21st Century, particularly in
developing countries. In Rio, for instance, the Tunel do Pasmado (Botafogo) opened
Starting primarily after World War II, but somewhat later in the developing in 1952, opening the South Zone to development and ushering in the age of the
world, the production and consumption of automobiles became critical to global automobile but also contributing to a period of robust economic growth that lasted
economic growth. Governments wishing to stimulate economic growth, and main- into the 1980s. The Rebouças Tunel and the Vev. Eng Freysinnet opened in 1968,and
tain growth as a counter-cyclical economic policy, tended to build highways. This all streetcars (trams) except for Santa Teresa had stopped operating by 1967. The
generated a lot of employment for lower and moderate income employees for bridge to Niteroi opened in 1974. While major urban highway construction virtually
road construction, automobile manufacturing, transport operations, oil supply, and stopped in the US after the rioting of the 1960s and early 1970s, in Brazil it con-
578 Urban mobility and the death of the automobile era (EAU) Walter Hook (Estados Unidos) 579
China
tinued much longer, with the
Linha Amarela opening in 1998,
Korea
Japan providing higher speed access
Germany to Barra de Tijuca and opening
Brazil
France up development in this fully
Overall
Italy car-oriented area of Rio. The
USA
United Kingdom trends were largely parallel in
São paulo. By 2010, automobile
Manufaturing as percent of GDP 1980-2008 Source: Curious
Cat Economics Blog ownership in Brazilian cities Source: GIZ
started reaching levels similar
to developed countries, with the majority of the population having access to a pri-
A growing number of cities are realizing that what makes them competitive
vate automobile.
is an urban environment attractive to ‘knowledge workers’. The growth industries
All these new car owners needed to park somewhere, so zoning regulations
of tourism, IT, health, biotechnology and other better paid sectors today all require
were mostly changed starting in the 1950s and 1960s around the world to require
well educated, healthy workers who these days prefer urban environments with lots
new homes and apartments to build at least one and sometimes two parking spaces
of amenities like high quality public spaces, bike lanes, sidewalk cafes, and cultural
per residential unit, and often one parking space per 100m2 of commercial proper-
institutions. As congestion has worsened, and people are demanding more exercise-
ty, depending on the type of commercial use. This meant that about 1/3 of any new
rich healthier, lifestyles and less local pollution and noise, cities that convert their
building was taken up with parking, often blighting the streetscape with breaks in
streets from parking spaces to parks and bikelanes are being rewarded. Witness the
the sidewalk to allow for cars to access parking garages. This parking was, as a result,
urban mobility revolutions occurring in most major ‘global cities’ such as New York,
embedded in the built environment in a way that cannot easily be removed.
London, Paris, Tokyo, Seoul, Berlin, Amsterdam, San Francisco, etc. These are the
With the growing mechanization of the production of automobiles and road
most economically powerful cities in the world, and they have very low mode share
construction, however, automobiles and road construction generated less and less
for private cars. Bike use has tripled in New York in the last decade, and virtually all
of the share of total employment, and also a falling share of economic output. The
new growth of trips generated in New York have gone to transit and bike trips, while
major oil and automobile companies used to represent the largest and most power-
traffic fatalities have been cut in half. (New York City Department of Transport).
ful companies in the world. In 1990, GM and Ford were the two largest companies
in the world, Chrysler was 9th, and big oil (Exxon, Shell, Mobil, Texaco, Amoco) rep-
resented five more of the largest 15 companies. While big oil remains important Oil price volatility, climate change, and economic risk
(Exxon is 5th, Shell 7, Petro China 10th, and Chevron 12th, only VW remains in the top
15 (14th), having been largely displaced by US and Chinese banks (5 out of 15), hold- The second reason for a fundamental shift in urban transport policy is the
ing companies, and electronics companies (Apple, Samsung, etc). (Forbes) growing economic risks associated with over-reliance on private cars and imported
While automobile ownership is increasingly ubiquitous in Brazil and much oil. These risks are two fold: oil price volatility and the unknown economic conse-
of the developed world, the global share of automobile manufacturing and manu- quences of climate change.
facturing in general as a share of GDP has been falling everywhere except in China. No one is really sure whether the world is reaching ‘peak oil’ or a period of ever
This has meant that countries wishing to stimulate economic growth can no increasing oil prices, or whether the recent discovery of large commercially viable de-
longer build highways and in other ways subsidize motor vehicle use as a means posits of natural gas, the growing feasibility of biofuels, and the widespread dispersal
of stimulating employment. The automobile industry no longer employs nearly as of fuel efficient engine technologies such as hybrids will be sufficient to replace the
many workers as it did in 1960. In 1960 it took 200 labor hours to build a car; by decline of known oil reserves and avoid significant future oil shocks. One way or an-
2010 it took only 30 labor hours to make a car. Governments wishing to stimulate other, fuel price volatility appears to be with us for the time being. This uncertainty
employment, dollar for public dollar, are therefore no longer advised to turn to the about fuel prices increases the risk of being dependent on oil. Powerful economic
automobile as a form of economic stimulus. interests are increasingly aware of this. Small changes in oil prices represent massive
580 Urban mobility and the death of the automobile era (EAU) Walter Hook (Estados Unidos) 581
transfers of cash from fuel importing countries like the US, China, and Brazil, to oil The spread of bus-based mass transit
exporting countries like Saudi Arabia, Russia, Iran, Iraq, etc. The political economic
consequences of such transfers are concerning to the security establishments in the Globally, mass transit was a first world megacity phenomenon until the oil
developed world. shocks in the 1970s. Bus rapid transit, a technology that replicates the benefits of
In addition, many major coastal cities are increasingly aware that climate heavy rail metro systems using exclusive bus lanes and metro-like stations on sur-
change could have very severe economic consequences. The costs of reconstruction face streets, has spread across the globe in the early part of the 21st Century largely
in New York City after hurricane Sandy alone was estimated at $50 billion,significantly because it made mass transit affordable to the developing world. Total world ki-
greater than all of the money spent on climate change mitigation annually ($500 mil- lometres of mass transit remained under 500 km until the two major oil shocks of
lion), convincing a growing and powerful sector of the global economy to take cli- the 1970s convinced national governments to begin investing in urban mass transit.
mate change seriously. Tthe banks, insurance companies, and the real estate industry Kilometers of metros have grown steadily and arithmetically since then. BRT, after
are the most threatened, and bear the economic costs of climate change; these indus- its introduction in Curitiba in the 1970s, stagnated globally at under 500km until
tries have significant political clout. Shanghai, London, Sydney, New York, many of the after 2000. With the introduction of new BRT systems in Quito, Brisbane and Bogota,
world’s great megacities are coastal, so it is increasingly plausible that the world will however, a wave of new BRT construction began, and BRT was first introduced into
take the climate change problem ever more seriously. Asia (with TransJakarta opening in 2004), and Africa (starting in Johannesburg in
The International Energy Agency (IEA) projects that under current policies, 2009.) Today there is about 4500 km of mass transit in the world’s major cities, and
global oil demand will increase another 18 percent by 20301. Ninety percent of all about 1000 km is BRT, most of which was built in the first decade of the 21st Century.
the cars, trucks, tractors, buses, planes and ships in operation today depend on oil BRT is a technology which is still evolving. The basic concept was first intro-
as their fuel source. Even if the world decided to stop using oil tomorrow, the global duced in Curitiba in the 1970s and was later improved in São Paulo in the late 1980s
economy could not do it Under a low-carbon scenario consistent with warming and then further improved in Curitiba in the early 1990s, with important additional
limited to 2°C, oil’s share in global primary energy demand will need to decline 10 innovations occurring in Bogota, Colombia in 2001 and Guangzhou, China in 2010.
percent by 2030 compared to 2010 (versus a projected BAU increase of 25 percent), Though BRT was invented in Brazil, the dissemination of BRT within Brazil
with almost three-quarters of the reduction coming from the transportation sector. stopped almost entirely from 1992 until the opening of Trans Oeste in Rio in 2012.
This reduction in oil consumption would cut carbon dioxide emissions from oil by 3 Closest to true BRT systems. Beijing, Jakarta, Delhi, Mexico City, Seoul, Dalian,
Gt versus projected 2030 emissions. Most experts believe that only about half of this Changzhou, Xiamen, Pune, Guatemala City, Los Angeles, Eugene, Oregon, Istanbul,
can be achieved through improvements in the fuel efficiency of vehicles, with the and many other cities have since opened BRT-type bus systems but none of them
other half having to come from reductions in private motor vehicle use. have matched the speed, capacity, and operational sophistication of TransMilenio.
The final reason for the shift in urban transport policy is that as motorization
has become more ubiquitous, the status associated with owning and operating a
motor vehicle has declined. At the same time, the lack of a functional price mecha-
nism for the allocation of scarce road space has resulted in severe traffic congestion
and local air and noise pollution all around the world. There is simply not enough
land to build sufficient roads and parking lots to accommodate the entire popu-
lation of the world’s dense urban metropolises to commute using private cars. As
a result, cities have been forced to reallocate their scarce road space to prioritize
public transit, walking, and cycling. The new generation of urban youth, no longer
seeing much social status with a motor vehicle ownership which has become ubiq-
uitous, is rapidly abandoning the automobile oriented lifestyles of their parents.
582 Urban mobility and the death of the automobile era (EAU) Walter Hook (Estados Unidos) 583
700 All of them managed to draw some
Total Mass Transit
10% to 20% of their passengers away
400 from private cars, but most of them
Metro
BRT are in cities with rapid motorization
Metro
and serve too few passengers to fun-
0 damentally reverse the modal split
1974
1984
1994
2004
slide for transit.
Brazilian BRT and Metro system expansion By the early 1990s, Curitiba’s BRT
584 Urban mobility and the death of the automobile era (EAU) Walter Hook (Estados Unidos) 585
Other systems, like in São Paulo
and Porto Alegre in Brazil and Bris-
bane in Australia, use normal buses
that operate in mixed traffic, then
enter a busway on a major arterial,
and then leave it again. Because they
are normal buses, their interface with
the station platform lacks the special
BRT characteristics that allows for Bogota’s TransMilenio BRT system with its sub-stops
By the introduction of limited stop services, TransMilenio achieved an operat- and passing lanes.
very rapid boarding and alighting, so
ing capacity of 35,000 pphpd and average speeds around 29 kph. With overcrowd-
the operation within the trunk corridor is slower and the capacity is lower, and sta-
ing, TransMilenio moves 45,000 passengers per direction per hour, comparable to
tions tend to experience frequent bottlenecks.
all but the highest-capacity metros. While the addition of a passing lane consumes
The newest wave of BRT systems combine the benefits of direct services with
additional road space, this passing lane is not required everywhere, only at the sta-
the full off board fare collection and other BRT features previously only found in
tion. TransMilenio also built bike lanes and significantly widened sidewalks along
trunk-and-feeder systems. The new Guangzhou BRT system provides trunk corridor
the entire BRT corridor, important because in Curitiba the busway is frequently used
stations that are designed like a traditional trunk and feeder system, with a suffi-
by cyclists, often with fatal consequences.
cient number of substations and passing lanes to avoid any bus congestion at the
TransMilenio also implemented a number of state-of-the-art contracting
station stop. On the trunk lines, passengers enter all doors of the bus at once from
procedures. Unlike most Latin American BRT systems, where a monopoly of the
a platform level with the bus floor. Off the trunk corridor, however, passengers will
former private bus operators was allowed to take control of the new BRT business,
enter the same bus, but they can only enter the front door and pay the driver. Cali,
in TransMilenio the new services were competitively tendered to three separate op-
Colombia’s new Mio system has a similar combination of direct services with full
erating companies. The performance of these companies is continually monitored
BRT features. Most of the Johannesburg Rea Vaya BRT system is a trunk and feeder
against some contractually determined performance indicators, and if they fail to
service, but some buses will operate on the trunk corridor and in mixed traffic, with
meet these performance targets they are forced to pay fines into an escrow account.
the left side doors designed for an elevated BRT station, and the right side doors
These fines are then given to the company providing the best quality of service at
designed as traditional curb boarding doors.
the end of each month. This has ensured a very high quality of service.
The planned TransBrasil BRT in Rio de Janeiro promises to be the highest ca-
TransMilenio proved to many cities that they really didn’t need to build far
pacity BRT system in the world. Because of extremely high projected passenger vol-
more expensive metro systems, and cities that already had metro systems decided
umes and a very peculiar demand pattern,TransBrasil will have a traditoinal trunk and
to build BRT on corridors that otherwise might have been additional metro lines.
feeder style of service, but it will have an unusually high share of express bus routes
Between 2001 and 2012, new full-featured BRT systems were built in Guayaquil, Ec-
using the BRT trunk corridor. Virtually all services will originate at a station and then
uador, Guatemala City, Guatemala, Jakarta, Indonesia, Perreira, Colombia, Cali, Co-
run directly to downtown without stopping, yielding very high speeds and capacities.
lombia, Mexico City, Mexico, Beijing, China, Johannesburg, South Africa, Lima, Peru,
Guangzhou China, Ahmedabad, India, and dozens of other cities.
TransMilenio and Curitiba are ‘trunk and feeder systems.’ These require pas- Cycling
sengers to take a feeder bus (which operates in mixed traffic) to a transfer terminal
Bike use has also taken off internationally since 2000. Bike use became fash-
where they switch to a special, higher capacity articulated trunk line bus that inter-
ionable again in the developed world partially because auto use had become so
faces with the elevated BRT platforms. Because the BRT infrastructure requires spe-
generalized that it was no longer a status symbol, because of rising ecological con-
cial buses, the feeder network allows the system to cover a much larger area without
sciousness, and the demand for healthier lifestyles and more liveable urban envi-
having to buy a large number of special buses. This routing structure does introduce
ronments for the increasingly wealthy ‘knowledge workers’ that drive the modern
some transfer delay and indirectness of route, however.
economy. Bike sharing, which overcomes the problem of where to park a bicycle,
586 Urban mobility and the death of the automobile era (EAU) Walter Hook (Estados Unidos) 587
has taken off in the 21st Century in particular. Today, more than 400 cities around
2000
2005
2010
Global Transport Knowled-
bile in the 1950s and 1960s, but Northern Europe changed directions already start- ge Partnership, 2011.
ing in the 1970s. Bike use in Copenhagen had fallen to only 1/3 of car use in 1970,
and today bike use exceeds car use, at 36% mode share. A similar phenomenon of East Coast cities, bicycle use is recovering and new cycling facilities are being built,
increased bicycle use is observable in most Dutch and German cities as well. This while motorbikes are being systematically banned in a growing number of cities.
resulted from a major shift in policy to promote cycling since the 1970s. In India, bicycle use varies greatly from city to city. Bike infrastructure in India
US cities are far behind on this trajectory. New York City has seen a near tri- is decades behind China, and virtually non-existent, though bike mode share was
pling in bike trips since 2000, largely contemporaneous with the dramatic expansion pretty high, around 9% in Delhi in the early 1990s. Bike mode share has been drop-
of cycling facilities under the Bloomberg administration, but as a share of total trips it ping fast in India since. The new BRT systems being designed in Delhi and Ahmed-
remains below 2%, though the bike share in specific neighbourhoods is much higher. abad both have good cycling facilities designed into them, and their success or
In the developing world, from the 1970s until the 1990s, Chinese cities were failure is tied to the fate of the BRT movement. Cycle rickshaws still constitute an
the most cycling friendly cities in the world, with some cities like Tianjin having important part of the commercial traffic in some secondary cities and in parts of
over 60% of their trips by bicycle, and even heavily motorized cities like Guangzhou Delhi, and modernizing them and incorporating them into modern traffic system
having 25% bike mode share into the 1990s. Highway interchanges featured fully designs is something ITDP and IIT TRIPP have done where we can.
grade segregated cycling facilities, commercial areas virtually all had secure guard- In Latin America, bike mode shares had generally followed US trends, slip-
ed and extremely inexpensive bicycle parking. In the 1980s, as families became ping below 1% of trips in major metropolitan areas. Bogota, under the leadership
richer, many people switched from overcrowded buses and walking to cycling, to of Mayor Penalosa, did an about-face. The construction of some 300 km of Grade
the point where many roads were congested with bicycles. In the 1990s national A cycling facilities brought bike mode share up to about 4%. Rio de Janeiro also in-
policy turned against the bicycle to encourage both increased bus ridership and the vested heavily in cycling facilities, and saw their bike mode share increase similarly,
consumption of automobiles and motorcycles. The East Coast cities which hosted from about 0.5% to about 4%. Curiously, bike mode share in Curitiba also increased
automobile manufacturing facilities were the most aggressive in tearing out their to nearly 5%, though the cycle lanes that they built were primarily recreational and
cycling facilities, while Western cities without auto manufacturing, such as Cheng- many cyclists are simply using normal streets or operating inside the bus lanes.
du, tended to retain their cycling infrastructure. In Guangzhou, bike use dropped
from something like 26% in 1990 to under 5% by 2005, while in Chengdu and other Travel demand management
westen cities it stabilized around 30% to 40%. This drop was actually reflected in
targets embedded in the municipal master plans. The other recent success has been the growth of travel demand manage-
Somewhere around 2005, a growing number of Chinese cities started to real- ment measures that have reduced light vehicle travel. Most important has been the
ize that this policy was causing a lot of traffic congestion and air pollution. Particu- proliferation of the use of on-and off-street parking management and regulation
larly in the south, motorcycle use was exploding with adverse social consequences, to manage traffic congestion. In Europe it is increasingly common to cap the total
such as increased motorcycle based crime, but also pollution and accidents. This led amount of on and off street parking that a city will allow in the downtown areas of
to a backlash against motorcycles, and a growing tolerance for bicycles again as of a city at a level that avoids the streets from congesting. Zurich is perhaps the most
today. After a decade of tearing out bike lanes in Shanghai, Guangzhou, and other advanced parking management system. Private car use dropped in just five years
588 Urban mobility and the death of the automobile era (EAU) Walter Hook (Estados Unidos) 589
in Zurich with the introduction of the parking cap from 40% of trips to 33%, with a valid electronic cash unit on board. These enforcement cameras were generally
the transit system picking up most of the new trips. London, Paris, and a growing placed on the same gantries.
number of other cities around the world have cut their overall parking supply and The impact of the ALS and ERP in Singapore was as follows. When the system
changed their parking regulations to replace minimum parking requirements on first opened, trips into the CBD by private car were cut in half in one year, and the
new developments with maximum parking allowable regulations. number of car trips into the CBD has still not risen to the same volume as the pre-
In Brazil, unfortunately, parking policy is still more car-oriented than in most toll level despite a 250% increase in the vehicle fleet (Singapore LTA). Singapore has
of Europe and the more progressive cities in the US. Little has changed about park- maintained nearly stable public transit ridership for three decades, in part because
ing regulation since the 1960s. While downtown Rio does not require parking mini- they adjust their congestion fare quarterly to ensure a constant level of system per-
mums for new buildings much of the rest of the city requires at least one and some- formance.
times two parking units per new residential unit. Singapore, which implemented a cordon toll in 2006, today sees a 10% re-
Cities are also increasingly charging closer to market rates for on-street park- duction of CO2 emissions in the CBD and a 2% reduction county-wide since imple-
ing. This practice has been in place in Europe for many years, and was finally intro- mentation. Modal split in Singapore for transit has remained roughly stable, falling
duced into the US with the SFPark system in San Francisco. Mexico City introduced from around 60% in the 1780s to about 54% today. So far this has been maintained
closer to market rate parking in several districts starting in Polanco in 2012. Thus far, because the fare is allowed to increase to ensure that 85% of the time the traffic is
however, no Brazilian city has significantly reformed parking policy. moving at free flow speeds.
Congestion charging has also been discussed as an option since a seminal London, which implemented a cordon toll in 2006, saw a significant reduc-
economic article by Nobel Prize winning economist William Vickery in the 1950s, tion in car trips into the cordon zone, a big increase in bus trips, taxi trips, and both
and a first real world example emerged in Singapore in 1975. At that time, it was motorized and non-motorized two wheeler trips. The categorical emission benefit
an ‘area licensing scheme’, where motorists wishing to enter the central business was not that big because buses and taxis in London tend to run on diesel and gener-
district (CBD) had to have a special second license on their windshield. The license ate higher levels of particulate emissions than the car trips they replaced. The travel
cost $3 per day or $60 per month. If they did not have this license they had to pay a time savings benefit has also eroded since the system opened because the charge
fine. It was enforced by police standing at gantries around the city center. This very has not continued to increase to maintain a stable level of service.
low technology solution was relatively cheap to implement and worked well. It cut Several Nordic cities introducing a ring toll around their CBD, including Tron-
congestion significantly and played a key role in maintaining a public transit mode ingen, Oslo, and Riga. These ring tolls were a flat toll for entering the CBD on any of
share in Singapore of around 63% today, which is extremely high for being one of the major roads which did not vary with congestion and used simple toll gates. There
the highest per capita income countries in the world. The system was expanded in were very few roads accessing the CBD and a couple were actually closed. These toll
1990 to also include highway tolls. gates introduce travel delay, but they were required by law to accept cash payments.
The area licensing scheme was not exactly a congestion charge because It succeeded in reducing traffic by 3% – 5%, and increased mass transit use by 6% –
whether or not there was congestion you had to pay to enter the zone, and the 9%. None of these systems vary charges according to congestion level or time of day.
charge did not vary during times of the day that are more congested. In 1998, Singa- London reviewed these experiences and decided to implement an electronic
pore upgraded to an electronic road pricing (ERP) scheme. The ERP operated with a cordon charge costing L8. The idea was to avoid the need to open payment accounts
small electronic unit inside the vehicle. The car operator has to put cash on the pay- and electronic systems for both the cash points on the gantry and the camera en-
ment unit in advance, create an account with the payment system manager, and pay forcement system. Instead, they set up an ‘enforcement only’ system, where it is in-
in advance. Each time the vehicle passes a gantry a charge is deducted from the cash cumbent on the driver to pay in advance by a variety of means. If they have not paid,
card or unit. There were initially 33 gantries in 1998, most of these in a ring around when their license plate is recognized by an enforcement camera, you are ticketed
the CBD, and by 2005 the number of gantry points expanded to 48, with a growing with an L80 fine if you don’t pay by midnight. The idea of this system was to reduce
number of them on congested areas of major highways. In this way, the charge is the operational costs of the tolling scheme, but in practice the operational costs
set based on a rough approximation of actual congestion conditions on the road, were higher than in Singapore. This system had limited flexibility to move away from
so it is closer to a real congestion charge than the ALS. The system required a set of a flat charge, and as such did not vary with congestion levels at specific times of day
enforcement cameras that took a picture of any car that passed which did not have or on specific streets.
590 Urban mobility and the death of the automobile era (EAU) Walter Hook (Estados Unidos) 591
The system opened in 2000. The system decreased congestion delay by about Shenzhen, Mumbai, and San Francisco all mooted congestion charging schemes but
30%, it increased bus speeds by about 20%, introduced considerable mode shift to to date none have been implemented.
the bus system, bicycles, and some motorcycles (not covered by the charge for tech- A growing number of cities are removing urban highways or refusing to build
nology reasons) and decreased ridership by private cars and the metro somewhat. It new highways. The most famous case is the removal of the major highway over
brought about significant reductions (13% – 15%) in NOx and PM10. downtown Seoul that was torn down in recent years. The highway was so blighting
By offering temporary discounts to cleaner vehicles, the scheme was also that the economic effects of the road itself were far more negative than the eco-
used in London to encourage people to purchase cleaner vehicles. These discounts nomic benefits of serving the traffic. Seoul upgraded its bus system to a light BRT
cannot be made permanent, however, or the congestion mitigation effect will ulti- system serving the same corridor, and the result was a huge shift to mass transit.
mately be undermined with the generalization of the cleaner technology. Milwaukee, Wisconsin has also torn down some highways, and San Francisco never
Politically, the Phase I of the London system was successful, and Livingstone rebuilt some highways that fell during the earthquake.
was re-elected. The expansion of the system had less demonstrable benefits, howev- In some cases older elevated roads serve no important traffic function, yet
er. The charge has now increased to L12 for a bigger zone. Livingstone lost his re-elec- severely blight neighborhoods. This is often the case for roads that served ports that
tion bid, not primarily because of this but because of a general trend against Labor have subsequently been relocated, or roads that blocked downtown waterfronts.
nationally and some unrelated scandals. Thenew conservative Mayor has promised Such roads can often be removed, as was the case in Portland.
to reduce the congestion charging zone and fare back to the Phase I system. Even Some cities, particularly in the developing world, are still building new el-
under the higher L12 fare (around $20), the increased charge has been unable to halt evated highways. Mexico City, Santiago, and most Chinese and Indian cities recently
the recovery of motor vehicle traffic. It is quite possible that in wealthy cities like built or are still building elevated highways in congested downtown areas, blighting
London the fare will have to be quite high to maintain a constant level of vehicular large areas of the city.
use, and already at L12 the equity of an extremely high charge is being questioned. Boulevards are designed to accommodate a variety of longer and shorter dis-
In 2006 Stockholm opened a trial congestion charge. Their system used a tance trips handled by a variety of modes. In the 1960s and 1970s many two way
similar cash box/cash card technology similar to that used in the Singapore ERP urban boulevards were turned into high speed one way urban highways. From a traf-
system. Stockholm like Singapore has very limited access points, and only 13 points fic speed perspective this appears to be an attractive option, but it often decreases
control access to the CBD. Each of these was given a gantry with a cash point. The the directness of route, increases pedestrian fatalities, significantly increasing vehicle
charge for entering the control zone varied during the time of day from 0 – 20 SEK kilometers traveled and inconveniencing bus passengers and cyclists. Surabaya, Indo-
but not by location. The capital cost of the technology to implement the system was nesia’s excessive one way street system is estimated to generate a needless 7000km
significantly higher than London ($260 million compared to $150 million) but lower of vehicular traffic. As part of Paris’ modernization program it completely redesigned
to operate ($26 million compared to $180 million), and the revenue was a lot lower the Boulevard Magenta, changing it from a high speed road to a boulevard.
($105 million/year compared to $350 million/year) Congestion dropped by 25% on In São Paulo, the rodizio, a ring of high speed one way roads that circle and
the specific roads where the toll was applied, 30 – 50% less delay time in cues, and blight the city center, used to be a series of tree lined two way boulevards. Returning
an estimated 10-14% reduction in CO2 emissions, and other category emissions this back to a two way boulevard with bus lanes and bike lanes would dramatically
dropped by around 10%. transform downtown São Paulo.
Politically, the congestion charge was a trial and voters were allowed to retain
or reject it in a referendum in 2006. The measure was approved by the general voters
by a fairly narrow margin. The Social Democratic government which implemented the Urban Revitalization
charge lost the re-election campaign, but because of the referendum the new govern-
ment decided to reimpose the system, and it was reimposed permanently in 2007. The simple goal of encouraging high density development along high capac-
São Paulo considered seriously introducing congestion charging under the ity transportation corridors, and low density along low capacity transportation cor-
Martya Suplicy administration, but the plans died when she lost the election to Serra ridors seems trivial theoretically, but politically it is exceedingly rare.
who was opposed to congestion charging, as was Kassab. New York also tried and In the US, the decline of the central city and the resulting automobile based
failed to introduce congestion charging in the second Bloomberg administration. transportation system resulted from a combination of push and pull factors, varying
592 Urban mobility and the death of the automobile era (EAU) Walter Hook (Estados Unidos) 593
from the structure of housing finance, a history of racism, subsidization of private cilities, and running a BRT down bus only streets to serve the area. The results have
car travel, weak municipal control over criminal activity, and reasonably standard been a significant increase in property values in the Centro Historico and a visible
problems of old building stock, like old machinery, developed under different eco- revitalization of the area.
nomic conditions, being obsolete to the economic needs of the modern economy, São paulo also relocated the municipal offices back into the historical center,
and the relative costs of facilitating this transition. invested in significant urban revitalization efforts around the Luz train station, re-
The US has made enormous strides in the last few decades slowing down and stored cultural facilities, and made other efforts which helped to restore the eco-
reversing the process of central city decline, though the process is highly heteroge- nomic vitality of its historical core. Rio’s efforts to revitalize its historical core have
neous. New York City has added population since 1980, and has finally reached an all also been extremely successful, with Lapa becoming now one of the city’s hottest
time high, after several decades of losing population after World War II. The density night spots.
of the city, and transit ridership are growing rapidly and this process is projected to
accelerate. There were many factors behind this turnaround, some of them macro-
economic, but some of them with relevance to an action agenda.
Conclusion
Large areas of New York were badly blighted, with disinvestment and criminal
activity. Turning these areas around required not only transport system investments Since the beginning of the 21st Century, most major cities around the world
(the NYC MTA was saved by a massive investment in infrastructure renewal starting have realized that accommodation of private motor vehicles does not result in a
in the 1980s that saved the system) but also the creation of a variety of public private better city. The cities that are thriving the most economically are almost all making
partnerships for assembling and redeveloping land (the Empire State Development bold steps to turn away from the automobile-dominated paradigm of the mid-20 th
Corporation), infrastructure modernization and investment, and pro-actively mar- Century. Parking lots are becoming public plazas, streets are being carved up into
keting these areas of the city and attracting major investors. In addition, Business busways and bike lanes, highways are being torn down, and the remaining private
Improvement districts were created which did a lot to bring activities to the areas, motor vehicle traffic is being tightly managed to avoid adverse impacts on the qual-
improve street cleaning, security, installation and maintenance of high quality street ity of urban life. The age of the automobile is dead.
furniture, and promotional activities.
These interventions are now well established in the US and Europe, but virtu- (Endnotes)
ally unknown even in the better developed parts of the developing world. 1. IEA, 2012, World Energy Outlook.
In post-socialist Central and Eastern Europe, the dynamics of urban restructur-
ing were fundamentally different. Huge international developers were desperate to
invest in the central cities of Central Europe but were prevented from doing so largely
by regulatory barriers intended to protect indigenous capital, and by a complex maze
of property title complications related to restitution claims from pre-Socialist times,
to corrupt and opaque land privatization processes after the transition, and a host
of bureaucratic regulatory problems that served no particular purpose other than to
drive any developer to the suburbs just to escape the regulatory tangle. This mess was
as true for brownfields as blighted historical neighborhoods as it was for transit acces-
sible old railway yards. Only a few Central European cities have since made progress
on brownfield redevelopment, mostly on properties of high economic value.
Urban blight has in the last few decades also spread to car-oriented Latin
American cities. São paulo and Mexico City saw the emergence of city center blight
as a problem. In Mexico City, the Ebrard Administration began a huge clean up effort
in the historical core, relocating street vendors to markets, removing illegal park-
ing, pedestrianizing several main thoroughfares (Madero), opening new cultural fa-
594 Urban mobility and the death of the automobile era (EAU) Walter Hook (Estados Unidos) 595
Sobre os autores
597
Fernanda Éster Sánchez García – Doutora (USP, 2001) Glauco Bienenstein – Doutor (UFRJ, 2000)
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela UFPR; Mestrado em Plane- Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Escola de Arquitetura e Urbanis-
jamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ; Doutorado em Geografia mo da Universidade Federal Fluminense – EAU/UFF; Mestrado em Geografia
Humana pela USP. pelo Instituto de Geociências da UFRJ; Doutorado em Planejamento Urbano
e Regional pelo IPPUR/UFRJ.
Áreas de atuação e interesse: grandes projetos urbanos, planejamento
urbano, cultura e ideários urbanos. Pesquisadora/Produtividade em Pesquisa Áreas de atuação e interesse: planejamento urbano, grandes projetos urba-
– CNPq. nos, teoria de planejamento, teoria do projeto de arquitetura.
Grupo de Pesquisa – Laboratório – Rede: Coordenadora do Grupo de Pesqui- Grupo de Pesquisa – Laboratório – Rede: Coordenador do Grupo de Pesquisa
sa Grandes Projetos de Desenvolvimento Urbano – GPDU. Coordenadora do Grandes Projetos de Desenvolvimento Urbano – GPDU. Coordenador do La-
Laboratório Globalização e Metrópole/PPGAU/UFF. boratório Globalização e Metrópole/PPGAU/UFF.
Fernanda Furtado de Oliveira e Silva – Doutora (USP, 1999) Jorge Baptista de Azevedo – Doutor (UFF, 2007)
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pelo Instituto Metodista Bennett; Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Escola de Arquitetura e Urba-
Especialização e Mestrado em Planejamento Urbano e Regional pela UFRJ; nismo da Universidade Federal Fluminense – EAU/UFF; Mestrado em Educa-
Doutorado e Pós-Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP. ção pela Universidade Federal Fluminense; Doutorado em Geografia Humana
pelo Instituto de Geociências da UFF.
Áreas de atuação e interesse: planejamento urbano, gestão do solo urbano,
estruturação urbana e dinâmica imobiliária e instrumentos de intervenção Área de atuação e interesse: Paisagismo, desenho e ensino.
urbana – Brasil e América Latina.
Grupo de Pesquisa – Laboratório – Rede: Grupo de Pesquisa Avaliação pós-
Grupo de Pesquisa – Laboratório – Rede: Rede Urbanismo no Brasil – Subpro- -ocupacional da Urbanização da Universidade Federal Fluminense.
jeto Rio de Janeiro: teorias e práticas em temporalidades diversas. Colabora-
dora do Lincoln Institute of Land Policy. José Simões de Belmont Pessôa – Doutor (IUA, 1992)
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela UFRJ; Especialização em conser-
Gerônimo Emilio Almeida Leitão – Doutor (UFRJ, 2004) vação e restauração de monumentos e sítios pela UFBA; Doutorado em Pia-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela UFRJ; Mestrado em Geografia nificazione Territoriale pelo Instituto Universitario Di Architettura Di Venezia;
pelo Instituto de Geociências da UFRJ e em Arquitetura e Urbanismo pela Pós-doutorado pela Universidade de Coimbra.
UFRJ; Doutorado em Geografia pela UFRJ e em Planejamento Urbano e Re-
Áreas de atuação e interesse: patrimônio histórico, morfologia urbana, teoria
gional pelo IPPUR/UFRJ.
e história da arquitetura e do urbanismo. Pesquisador/Produtividade em Pes-
Áreas de atuação e de interesse: habitação social, regularização fundiária e quisa – CNPq.
urbanização de favelas.
Grupo de Pesquisa – Laboratório – Rede: Rede Lucio Costa, obra completa.
Jonas Delecave
Lélia Mendes Vasconcellos – Doutora (USP, 1997)
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Escola de Arquitetura e Urba-
Graduação em Arquitetura pela FAU/UFRJ; Mestrado em Urban Design pela
nismo/ UFF.
Oxford Brookes, Grã Bretanha; Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela
Área de atuação e interesse: Teoria do projeto arquitetônico e Projeto urbano. Universidade de São Paulo.
Áreas de atuação e interesse: Teoria e história do urbanismo, morfologia
urbana, planejamento e gestão do espaço.
Áreas de atuação e interesse: História Urbana, cidade do Rio de Janeiro e Rio Área de atuação e interesse: gestão de processo de projeto, gerenciamento e
de Janeiro Colonial. gestão da qualidade na construção civil e aplicações de tecnologia de infor-
mação em AEC. Professor titular/UFF.
Pedro da Luz Moreira – Doutor (UFRJ, 2007) Grupo de Pesquisa – Laboratório – Rede: Rede Bim-Brasil Modelagem e re-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de presentação de produto. Rede cooperada de programas de pós-graduação.
Janeiro; Mestrado e Doutorado em Urbanismo pelo PROURB/UFRJ.
Áreas de atuação e interesse: Teoria e História do Projeto, Urbanização de Fa- Sonia Maria Taddei Ferraz – Doutora (UFRJ,1999)
velas, Habitação, Mobilidade, Densidade. Graduação em Arquitetura pela UFRJ; Mestrado em Analyse Régionale et
Aménagement de l’Espace pela Universidade de Paris I – Panthéon Sorbonne;
Grupo de Pesquisa – Laboratório – Rede: Grupo de Trabalho sobre Habitat da
Doutorado em Comunicação e Cultura pela UFRJ.
União Internacional de Arquitetos – UIA.
Área de atuação e interesse: Estudos da Habitação, Teoria da Arquitetura, Ha-
Regina Bienenstein – Doutora (UFRJ, 2001) bitação social.
Graduação em Arquitetura pela FAU/UFRJ; Mestrado em Arquitetura pela Grupo de Pesquisa – Laboratório – Rede: Coordenadora do Grupo de Pesqui-
Syracuse University, EUA; Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela FAU/ sa Arquitetura da Violência.
USP.
Bruno Amadei Machado
Áreas de atuação e interesse: habitação social, informalidade habitacional,
Aluno da Escola de Arquitetura e Urbanismo/UFF e Bolsista de Iniciação Cien-
gestão urbana e habitação, urbanização e regulação fundiária de favelas, im-
tífica PIBIC UFF.
pactos de grandes projetos urbanos. Professora titular/UFF.
Grupo de Pesquisa – Laboratório – Rede: Coordenadora do Núcleo de Estu- Juliane Guimarães Baldow
dos e Projetos Habitacionais e Urbanos da Universidade Federal Fluminense Aluna da Escolade Arquitetura e Urbanismo/UFF e Bolsista de Iniciação Cien-
– NEPHU/UFF. tífica UFF-FAPERJ.
Profa Dra Inés Sánchez de Madariaga (Espanha) Profa Dra Tânia Beils Ramos (Portugal)
Graduação em Arquitetura pela Columbia University, EAU; Doutorado em Ar- Graduação em Arquitetura pela Universidade de Brasília; Mestrado em Plane-
quitetura pela Universidad Politécnica de Madrid. Profesora Titular de Urba- amento Regional e Urbano pela Universidade Técnica de Lisboa; Doutora em
nismo de la Escuela de Arquitectura de Madrid. Engenharia do Território pelo Instituto Superior Técnico;Pós-Doutorado em
Sustentabilidade Urbana; Professora do Centro de Investigação em Arquite-
Prof. Dr Laurent Vidal – Doutor (Paris III, 1995) tura, Urbanismo e Design da Univeridade de Lisboa.
Formação em Estudos políticos pelo Institut d’Etudes Politiques (1987), Licen- Grupo de pesquisa Transformação, intervenção e gestão do território PPGAU/
ciatura em História (1988), DEA em Echanges culturels internationaux (1990) e UFF.
doutorado em História (1995), todos os títulos pela Universidade de Grenoble
II. Coordenador de Pesquisas pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Socia- Prof. Dr. Walter Hook (EUA)
les (2005).
Formação em Desenvolvimento Econômico pela Columbia University School
of International Affairs,1983. Mestrado (1989) e Doutorado (1996) pela Colum-
Prof. Dr. Nestor Goulart Reis (Brasil) bia University School of Urban Planning; Chief Executive Officer / Institute for
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela FAU e em Ciências Sociais pela Transportation and Development Policy.
Universidade de São Paulo. Livre docente FAU/USP. Professor titular FAU/USP.
Coordenador do Laboratório Estudos sobre Urbanização, Arquitetura e Pre-
servação – LAP/FAU/USP e da Rede Dispersão urbana e pesquisador A1 do
CNPq.
Alunos Colaboradores
Mirelle Cristóbal Fariñas, Abniel Ramirez González, Roberto Adám Bell Sellén
da Universidade de Havana.
Edição
FAPERJ e Casa 8
Coordenação editorial
Ernandes Fernandes e Maria de Lourdes Costa
Capa
Ernandes Fernandes e Beatriz Ferreira
Revisão técnica
Maria de Lourdes Costa e Maria Laís Pereira da Silva
Revisão português
Caroline Soares
Revisão inglês
Cinthia Serrano
Revisão espanhol
Milena Sampaio da Costa e Antônio Carrizosa Pérez
Secretária
Angela Carvalho
Editora
Casa 8
DOCENTES PPGAU |
COLABORADORES EXTERNOS
Anne-Marie Broudehoux – Canadá
Ada Esther Portero | Ricol Ricardo Machado Jardo – Cuba
Gina Rey – Cuba
Giorgio Piccinato – Itália
Inés Sánchez de Madariaga – Espanha
Laurent Vidal – França
Nestor Goulart Reis – Brasil
Silvia Arango – Colômbia
Tânia Beisl Ramos – Portugal
Walter Hook – Estados Unidos