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Filomena Maria Gonçalves da Silva Cordeiro Moita
Juarez Nogueira Lins
Katemari Diogo da Rosa
Laércia Maria Bertulino de Medeiros
Luis Paulo Cruz Borges
Margareth Maria de Melo
Mônica Pereira dos Santos
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Ofelia Maria de Barros
Patrícia Cristina de Aragão Araújo
Roberto Kennedy Gomes Franco
Samara Wanderley Xavier Barbosa
Sandra Cordeiro de Melo
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Carmen Lúcia Guimarães de Mattos
Luis Paulo Cruz Borges
Paula Almeida de Castro
(Organizadores)
DIDÁTICA E AVALIAÇÃO:
EDUCAÇÃO, CIDADANIA E EXCLUSÃO
NA CONTEMPORANEIDADE
Campina Grande-PB
2016
© Carmen Lúcia Guimarães de Mattos | Luis Paulo Cruz Borges | Paula Almeida de Castro
370
D555 Didática e avaliação: educação, cidadania e exclusão na contemporaneidade
[Recurso Eletrônico]./Carmen Lúcia Guimarães de Mattos; Luis Paulo Cruz Borges;
Paula Almeida de Castro (Organizadores). - Campina Grande: Realize Editora, 2016.
3100kb - 246 p.:il.
Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
Organizadores
8
Educação, Cidadania e exclusão: o aluno como agente de mudança
na avaliação escolar tem como objetivo apresentar os resultados do
IV Colóquio Internacional Educação Cidadania e Exclusão: Didática e
Avaliação (IV CEDUCE) com destaque para o tema avaliação. Inicia-se
com uma narrativa histórica dos aspectos sociológicos, psicológicos
e pedagógicos que tangenciam esse tema. Em seguida, discute os
encaminhamentos apresentados no IV CEDUCE, e finalmente apre-
senta subsídios para mudanças na avaliação do processo de ensino e
aprendizagem.
Saberes sobre a escola: a voz do aluno e a produção de conheci-
mento na pesquisa em educação discute os saberes produzidos sobre
a escola mediante a voz aluno na pesquisa educacional. Seu objetivo
é compreender os processos e práticas interativas no ambiente esco-
lar na perspectiva dos estudantes que fazem parte desse contexto,
entendendo-a enquanto produção de conhecimento. As análises
realizadas foram elaboradas mediante pesquisas bibliográficas e
etnográficas que privilegiam esse aluno como agente ativo no ato de
dar sentido aos dados coletados durante a realização de pesquisas.
Fatores como: relações assimétricas de poder, currículo centrado
em práticas pedagógicas que não privilegiam os saberes dos alunos,
pouca sensibilidade da escola em relação aos temas que permeiam
o ambiente escolar e a violência da/na escola, emergiram da voz do
aluno que, transformadas em vinhetas etnográficas, demonstram como
eles se descolam do entendimento e realização de suas tarefas, dos
professores, dos pais e de outros alunos e priorizam emergências que
surgem na sala de aula, na escola e na família. Como resultado, esses
alunos experimentam diversas vulnerabilidades em sua escolarização.
Entende-se como fundamental um olhar e uma escuta atenta à voz
do aluno, que se constitui enquanto elemento ativo de produção de
conhecimento na pesquisa educacional, que se reverbera em saberes
que podem provocar mudanças na escola.
A Escola e a Avaliação: perspectivas da aprendizagem colabora-
tiva aborda a escola, enquanto uma instituição que tem demonstrado
a perpetuação de seu caráter excludente que precisa rever seus
9
princípios e sua estrutura limitadora. A avaliação, enquanto uma parte
do processo de ensino e aprendizagem, tem uma função importante
para que alunos e professores percebam seus avanços e suas perma-
nências. Em uma perspectiva mais democratizante do ensino, que não
preconize o individualismo e a competitividade em situações avaliati-
vas, a proposta da aprendizagem colaborativa concede novas opções
para que alunos e professores possam obter uma aprendizagem mais
efetiva por meio da valorização da interação entre os pares. A aprendi-
zagem colaborativa propõe a resolução de problemas de uma maneira
coletiva, que busque unir um pequeno grupo em torno de um tema, ou
de vários temas cujos desdobramentos proporcionem uma compreen-
são mais ampla do que está sendo apresentado. Esta aprendizagem
rompe com paradigmas arraigados presentes no cotidiano da escola,
que sempre privilegiaram o individualismo e as relações entre profes-
sores e alunos, sem proporcionar uma interação social dentro de sala
de aula entre os iguais, ou seja, entre os aprendizes. Isto representa
trazer para a sala de aula o que as relações de troca que já existem em
outros ambientes e que proporcionam uma aprendizagem mais ampla,
mais significativa.
Já o artigo, Avaliação na escola regular e na escola integral aborda
a leitura atenta do que foi escrito por vários teóricos sobre avaliação,
com as devidas atualizações, possa dar aos professores subsídios para
ações educacionais mais justas, coerentes e eticamente corretas. E ao
entender melhor, não fará muita diferença avaliar na escola regular
ou na escola em tempo integral, integradora de conteúdos e saberes,
pois a escola ou é integral ou não pode ser considerada ESCOLA.
Inclusão e exclusão: a diversidade na escola pública brasileira
aborda a questão da inclusão e exclusão na diversidade da escola
pública brasileira a partir de narrativas vivenciadas em minha trajetó-
ria docente na educação básica, no ensino superior e nas atividades
de pesquisa e extensão envolvendo a formação de professores para/
na/com a diversidade. A proposta do artigo é ampliar o diálogo e a
reflexão sobre a prática docente que se encontra cercada de diver-
sidade. A ideia central é questionar a indiferença às diferenças, a
10
tendência de a escola converter diferenças em deficiências e a ênfase
em práticas pedagógicas fundadas na concepção de igualdade, que
se transfiguram em práticas homogeneizadoras no cotidiano esco-
lar. A possibilidade de articular teoria-prática, ensino-pesquisa com
vivências profissionais pode oferecer novos olhares aos nossos sabe-
res-fazeres, transformando experiências em processos de formação e
possibilitando o desenvolvimento da práxis e da condição de professor
-pesquisador. Através de narrativas e metáforas surgidas no cotidiano
do trabalho com os atores das escolas e universidades, buscarei refle-
tir sobre questões referentes ao processo de inclusão/exclusão e os
desafios de (nos) educar para/na/com a diversidade.
Um estudo longitudinal do desenvolvimento da inserção de tec-
nologia em sala de aula de matemática apresenta registros sobre
atividade com alunos de Matemática do 6a ano durante 6 anos. A
atividade implica na construção de uma caixa através da utilização
de escala previamente selecionada e aplicada a uma caixa original
trazida pelos alunos. O objetivo é que, após discussão sobre pontos
de marketing e logística, os alunos apliquem a escala escolhida nas
dimensões da suas caixas, cuidadosamente desmontadas. Depois, as
novas dimensões são traçadas em cartolina (discussão sobre linhas
paralelas e perpendiculares, instrumentos de medição e precisão). Os
alunos cortam seus modelos e montam as novas caixas, similares às
antigas, maiores ou menores, respeitando escalas escolhidas. O pro-
duto final é um documento que retrata, com fotos, tabelas e texto, a
atividade. Um ponto importante da avaliação é o uso da tecnologia
na coleta e registros de dados, na execução e comunicação dos resul-
tados. Este estudo revela que ao longo dos anos, o professor define
e demanda o uso de diferentes métodos que envolvam tecnologia na
execução de projetos, e também os alunos se mostram motivados e
preparados para o seu uso. Em face do maior utilização de instrumen-
tos tecnológicos, e da sua importância nos processos produtivos em
diversas áreas, torna-se imprescindível que os alunos sejam expostos
a atividades que explorem este conhecimento e as habilidades a ele
relacionadas. Os professores também devem se atualizar e estudar
11
para se sentirem capazes de incluir instrumentos tecnológicos e digi-
tais nos projetos executados em sala de aula a fim de desenvolver tais
saberes.
Educação a Distância e Formação Humana: a importância das
práticas docentes apresenta aspectos fundamentais da Educação a
Distância (EAD) e a sua importância para a formação humana. A autora
inicia o texto com alguns conceitos, características e a evolução histó-
rica da EAD. Discutindo a seguir algumas questões polêmicas relativas
a essa modalidade educacional. Finalmente, há ilustrações do texto
com alguns resultados de uma pesquisa desenvolvida com cinquenta
professores de matemática do 6° ao 9° ano e do Ensino Médio da rede
pública de um município do Rio de Janeiro, com o objetivo de verificar
quanto esses professores conheciam as tecnologias de informação e
comunicação (TIC) e como faziam uso delas na sua prática docente. A
maioria significativa da amostra valorizou a aplicação das TIC no tra-
balho docente, afirmando que o seu uso desperta a motivação dos
alunos para a aprendizagem, melhorando a receptividade dos mes-
mos ao conteúdo e aprimorando a formação humana pretendida pela
escola.
O texto Pátria Educadora: uma receita de fé na educação, falta de
confiança nos professores e homogeneização dos estudantes indica,
neste ensaio, partindo das discussões do documento da SAE, visto no
contexto das políticas curriculares e de avaliação que vem sendo pro-
gressivamente implantadas pelo Ministério da Educação, sobretudo na
educação básica, para discutir três ideias presentes no documento que
estão largamente presentes no imaginário social e tangenciam nossas
pesquisas em currículo e formação de professores no grupo de pes-
quisa Práticas Educativas e Formação de Professores, na Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro/UniRio. O PÁTRIA EDUCADORA
estabelece um processo de marginalização e estigmatização.
Alfabetização e vivências de alteridade: duas narrativas em dois
contextos apresenta uma pesquisa que pretende compreender práti-
cas de alfabetização e vivências de alteridade de sujeitos anônimos, a
partir de duas narrativas que ocorreram em dois contextos distintos,
12
vinculados ao percurso de coleta de dados de minha pesquisa sobre
memórias, acesso a cultura escrita e sentidos de educação de jovens
e adultos atualmente em andamento. Foi no cerne desse percurso que
surgiu a curiosidade de compreender os processos de acesso à cultura
escrita decorrentes das vivências dos sujeitos e na escuta do outro,
o qual provoca um desafio não só ao narrador, que ao tentar recons-
truir um fato, imprime sua marca na interpretação, mas também ao
pesquisador, pois ao ouvi-lo, pode atribuir ao mesmo fato outro signi-
ficado. Portanto, questiona-se o que se constitui como alfabetização
para esses sujeitos num contexto de fatores cada vez mais críticos à
diversidade étnico-linguística e conectividade global? Em que língua e
com que práticas pedagógicas se orientam ou se pode orientar o ensi-
no-aprendizagem de jovens e adultos nesse contexto? Nesse sentido,
as histórias contadas revelam pistas para pensar e reconhecer que
os processos educativos de pessoas jovens e adultas, extrapolam o
contexto escolar e de ensino.
O artigo Structure of violence in Pakistani schools: a gender based
analysis debate as formas de violências nas escolas do Paquistão a
partir das questões de gênero. As reflexões propostas nos propor-
cionam pensar na relação entre educação e mundo social tendo como
eixos a didática e a avaliação. Assim, educação, cidadania e exclusão
ganham dimensão global para desenvolvermos pesquisas e inferên-
cias no âmbito escolar.
Heteronormatividade e os modos curriculares de produção do
gênero aborda o entendimento de que as identidades sexuais são
marcadas pela cultura e, ao se apoiar nas perspectivas feministas e
decoloniais, focaliza a possibilidade de reinvenção do sujeito. Contudo,
reconhece que, independente das nossas trajetórias, intuímos por
meio dos instrumentos que nos educaram, uma forma de ser, estar ou
transitar nos marcadores político-sexuais “homem” e “mulher”. Assim,
buscaremos questionar os currículos com vista a interrogá-los sobre os
discursos que produzem modos de subjetivação e que nos ensinaram
formas heteronormativas complementares e assimétricas de projeção
das identidades sexuais.
13
Literatura e as questões étnico-raciais é uma reflexão pautada na
Lei 10.639/03 que tornou obrigatório no currículo oficial da rede de
ensino a “história e cultura afro-brasileira”, em especial, nas áreas
de literatura, história brasileira e educação artística. O trabalho que
tem sido desenvolvido em Literatura, no Campus Realengo I consiste
em atividades que não se configuram, ainda, em um projeto deline-
ado, são experimentações, a fim de desenvolver um outro olhar, ou
seja, uma outra estética sobre a realidade. As autoras, nesse sentido,
vislumbram um grande potencial da educação literária, a favor de
uma educação para as relações étnico-raciais. Exercitam e trabalham
nossas mentes contra os discursos e práticas racistas. Seguem na
contramão do que nos impõem a grande mídia, a cultura de massas.
Compreendem Infância e Literatura, ligadas à forma de pensar, enxer-
gar e expressar o mundo a partir do estético, do sensível, como sendo
um dos caminhos possíveis para a potencialização de sentidos e sig-
nificados que construam uma consciência que valorize a cultura
afro-brasileira, sua ancestralidade e o seu conhecimento.
Didática: Conhecimento e Escola - Perspectivas teórico-metodo-
lógicas moderna e pós-moderna: questões para a reflexão sobre a
pesquisa em didática trata das questões teóricas-metodológicas da
pesquisa educacional. Tais questões estão inseridas no debate sobre
a Didática e o conhecimento, visualizando a reflexão sobre a pesquisa
em didática. Seu objetivo é apresentar um panorama das perspecti-
vas teórico-metodológicas, que acompanham o trabalho investigativo
em educação, considerando as condições socioculturais modernas
e pós-modernas. Sua organização compreende três momentos: [1]
considerações iniciais sobre o significado do conhecimento, [2] apre-
sentação geral de aspectos teórico-metodológicos na perspectiva do
pensamento moderno que sustentam a atividade investigativa na área
da educação e [3] introdução à análise dos aspectos teórico-metodoló-
gicos na perspectiva do pensamento pós-moderno, que têm orientado
a pesquisa educacional.
A composição desse e-book sinaliza para a diversidade de estu-
dos que são realizados nas universidades brasileiras e no exterior, nos
14
grupos de pesquisa que contribuem para a melhoria da qualidade da
educação no país e, por fim, nas instituições educativas de forma geral.
Cada texto sinalizou para as discussões que são pertinentes para a
produção de conhecimentos inovadores voltados para os setores con-
siderados cruciais das políticas públicas da educação brasileira, que
ainda carecem de olhares e constantes aprimoramentos. Assim, espe-
remos uma boa leitura e o convite à reflexão.
15
Didactics and evaluation in different contexts:
reflections on PISA assessment.
Introduzione
16
L’educazione come fattore indispensabile per lo
sviluppo e il benessere dell’umanità
17
Tali consapevolezze hanno condotto tutti i paesi del mondo ad
incentivare la scolarizzazione, tanto che oggi essa presenta tassi più
alti che in qualsiasi altro momento storico. Questi risultati, riferiti ad
una maggiore scolarizzazione dei bambini nel mondo, vanno conside-
rati come un successo ottenuto attraverso l’eliminazione dei gap e
delle ineguaglianze esistenti fra generi (maschi-femmine), fra residenti
e non residenti (indigeni-immigrati), fra bambini provenienti dalle città
e quelli dalle zone rurali ecc. (Center for Global Development, 2015).
18
d’apprendimento di base si aggira intorno al 40-50% del totale di
alunni scolarizzati (OECD, Brazil, 2012b). A Hong Kong, Singapore,
Giappone, Estonia, Irlanda e Corea del Sud, più del 90% degli alunni
perviene a un buon livello di apprendimento di base. In 30 paesi nel
mondo, l’apprendimento dei bambini della scuola di base non rag-
giunge nemmeno il 10% (OECD, 2012a)!
La situazione è dunque chiara: a livello mondiale, a un numero
ancora troppo basso di bambini viene offerta un’educazione adeguata
ad accedere a tutte le opportunità offerte dal 21° secolo (Whelan,
2014).
19
Considerando in particolare le performances del Brasile, si rileva
che il paese mostra risultati ben al di sotto della media OCSE; tuttavia
va rilevato che dal 2003 al 2012, vi è stato un progressivo incremento
dei risultati, tanto da dimostrarsi come il paese con l’incremento più
alto nelle performance di matematica e con significativi miglioramenti
anche in lettura e in scienze. Inoltre, tali miglioramenti si sono realiz-
zati soprattutto nei ragazzi con più basse performance (low performers)
(OECD, 2012b).
Altri risultati positivi per il Brasile sono stati quelli relativi all’incre-
mento della scolarizzazione non solo nelle scuole primarie, ma anche
in quelle secondarie – dal 2003 ad oggi incremento di 13 punti per-
centuali nella scuola secondaria – e quelli riferiti al miglioramento del
clima scolastico e dell’arruolamento e della ritenzione di insegnanti
migliori.
Quale aspetto negativo permane però la ripetenza che raggiunge
livelli ancora molto alti.
Come precedentemente accennato, la lettura “generale” dei
risultati PISA permette ai governi di identificare i paesi con le più
alte performances e di guardare alle caratteristiche degli stessi per
orientare le politiche sulla scuola. Chiaramente i paesi con le più alte
performances, confermate nei diversi anni, come nei casi della Finlandia
e di Singapore, rappresentano esempi da cui si possono trarre lezioni
significative in relazione al miglioramento dei sistemi formativi.
20
insuperabili nella diffusione del modello di successo dei paesi ricchi
(Ercikan, Roth, & Asil, 2015).
La divergenza più evidente fra i paesi del mondo nord-occiden-
tale e quelli del mondo sud-orientale deriva soprattutto dall’enorme
divario economico delle due differenti realtà. Quelli che sono oggi
considerati i migliori sistemi scolastici del mondo spendono centinaia
di migliaia di dollari per assicurare il percorso scolastico completo di
ciascun allievo. Il 50% dei paesi del mondo, spende solo 3000 dollari
e il 25% meno di 2000! Dunque: un modello che funziona bene in
un paese che finanzia il percorso scolastico di un bambino con oltre
200.000 dollari, non può funzionare altrettanto bene in uno, la cui
spesa per bambino è di appena 2.000 dollari (o, detto in altri termini,
di circa 200 dollari all’anno).
Per permettere, dunque, che la maggior parte dei bambini del
mondo, anche quelli appartenenti ai paesi definiti “poveri”, giungano
a buoni livelli di formazione, sembra necessario piuttosto prendere a
modello le buone pratiche di quei sistemi che, pur facendo parte di
paesi dai limitati finanziamenti alla scuola, riescono a ottenere risul-
tati d’apprendimento soddisfacenti. E’ in tal senso che alcuni autori
(Barber, 2013; Mourshed, Chijioke, Barber, 2010; Whelan, 2014) si
sono mossi per individuare le caratteristiche di queste ultime situa-
zioni e alla loro comparazione le une con le altre, per ottenere, da
tale analisi, alcuni significativi “principi di pratica” comuni ai diversi
contesti socio-geografici “poveri”.
A tali principi, ritengo, possano fare riferimento quelle realtà poste
in aree geografiche, dove le risorse per la scuola non sono delle più
alte, come presumibilmente accade anche in certe zone del Brasile.
21
Come riferisce Whelam (2014), il sistema educativo BRAC1 in
Bangladesh, Pakistan e Afghanistan, e il Gyan Shala2 in India rappre-
sentano probabilmente i più significativi esempi di sistemi educativi
che sono riusciti ad ottenere risultati “buoni” nei test PISA, pur ope-
rando in zone dove le risorse economiche assegnate alla scuola sono
particolarmente basse. Altri casi quali School For Life in Ghana, i pro-
grammi Balsakhi e Naandi in India, e altri, hanno comunque dimostrato
di saper promuovere buoni livelli di apprendimento dei ragazzi, valu-
tati dal CfBT3, un’organizzazione di charity britannica che opera come
organismo di ispezione esterna per lo sviluppo della qualità delle
scuole, sia in Inghilterra che nel resto del mondo.
Analizzando le caratteristiche di questi sistemi, alcuni autori (De
Stefano, Moore, Balwanz & Hartwell, 2007; Kremer, Holla, 2009;
McEwan, Murphy-Graham, Torres Irribarra, Aguilar, & Rápalo, 2014;
Nath, Sylva & Grimes, 1999) sono giunti a definirne alcune comu-
nanze, che sembrano rappresentare gli elementi significativi in
relazione all’alta qualità dei livelli d’apprendimento raggiunti dagli
alunni.
Secondo Whelam (2009), in effetti, le scuole che ottengono buoni
risultati sono quelle che persistono lungamente nella cura dei dettagli
di alcuni aspetti del sistema formativo. Seguendo la sintesi proposta
dallo stesso autore (2014), tali caratteristiche sono le seguenti.
1 BRAC è una delle più importanti organizzazioni non governative che mira a realizzare programmi
di sviluppo nei paesi definiti “poveri”. Cfr. http://www.brac.net/
2 Gyan Shala Develop è un’organizzazione a supporto dei sistemi educativi, che
mira ad assicurare un’educazione di base di alto livello ai bambini di paesi con
poche risorse economiche per l’educazione. Cfr. http://gyanshala.org/
3 CfBT è un organismo internazionale no-profit che svolge servizi di supporto alle scuole fra cui
ispezioni scolastiche e attiità di guida ai processi di miglioramento. Cfr. https://www.cfbt.com/
22
materiali di lavoro/gioco didattico, sembrano rappresentare
una variabile fortemente determinante il miglioramento della
qualità degli apprendimenti degli studenti. Tali sussidi, ade-
guatamente strutturati, rappresenterebbero, infatti, non solo
mezzi di presentazione e trasferimento del curricolo agli stu-
denti, ma anche valide guide di lavoro per i docenti, in funzione
dell’erogazione di lezioni efficaci e coinvolgenti. In tal senso,
dunque, i materiali didattici dovrebbero essere accuratamente
predisposti e continuamente ridefiniti in riferimento allo spe-
cifico contesto locale. Se, infatti, in zone dove la presenza di
insegnanti altamente qualificati, la rilevanza dei materiali d’in-
segnamento così strutturati potrebbe non costituire un valore
aggiunto, in luoghi in cui la preparazione dei docenti non risulta
sempre adeguata, l’uso di tali supporti didattici rappresenta un
elemento irrinunciabile in relazione all’ottenimento di alti livelli
d’apprendimento.
• Attività intensive di guida e supporto continuo agli insegnanti.
Vivendo e formandosi come professionisti in un contesto disa-
giato, anche gli insegnanti maggiormente preparati in quello
specifico contesto, possono giungere a non possedere suf-
ficienti competenze per svolgere adeguatamente i propri
compiti. Per tale ragione, si è verificato come fondamentale, in
questi particolari ambiti, prevedere frequenti e continue atti-
vità di formazione e supervisione dei docenti (Barber, 2013),
dirette a preparare gli stessi a svolgere appropriatamente le
attività didattiche e a realizzare pratiche convenienti alla spe-
cifica situazione locale.
23
by April 2013, teachers will have revised and much
improved textbooks aligned to lesson plans (which are
being refined to match the new textbooks) and a monthly
coaching session with a trained DTE (District Teacher
Educators). This lays the foundation for the continuous
improvement in teaching quality which has previously
eluded not just Punjab, but many similar places across
the world.
• Uso della lingua madre nei primi anni scolastici. L’uso della
lingua madre utilizzata dai bambini all’interno delle famiglie o
24
dei villaggi di provenienza (vs lingua ufficiale del paese) nelle
interazioni scolastiche, soprattutto nei primi anni di scolarizza-
zione, si rivela un processo di particolare significatività, per dare
modo di acquisire le conoscenze di base, la cui appropriazione
assicura una successiva positiva progressione lungo i succes-
sivi gradi d’istruzione4. Non si tratta, secondo Paran e Williams
(2007), solo di un problema linguistico, ma anche socio-cultu-
rale. Permettere ai bambini di leggere, scrivere, comunicare
nella propria lingua (usata in famiglia o a livello locale), signi-
fica proporre attività e concetti a loro familiari, maggiormente
comprensibili e quindi “manipolabili”, rispetto a quelli veicolati
in una lingua diversa (ad esempio la lingua nazionale).
4 Cfr. ad esempio: School for Life Annual Report (2008); UNICEF (2012); Eisemon et al. (1993)
25
per rendere conto dei risultati (ottenuti o non ottenuti), dall’al-
tra a rilevare punti forti e punti deboli, per mettere in atto le
successive azioni di riforma e progresso, rischia di “camminare
nel buio” e fallire la propria missione.
26
struttura scolastica, come sistema. Al contrario, nella scuola e, in
generale, nei sistemi formativi, una scarsa o distorta cultura valutativa,
conduce a intendere questo processo esclusivamente come momento
di accertamento e giudizio, spesso con conseguenze punitive.
La tendenza dell’attuale ricerca sulla valutazione è invece quella di
mettere in luce le potenzialità di quell’approccio che concepisce la valu-
tazione come una dinamica attraverso cui non limitarsi a controllare,
ma piuttosto a perseguire sviluppo, apprendimento, miglioramento.
E’ in tal senso che oggi, in ambito di ricerca educativa, tanto suc-
cesso riscuotono approcci come quello dell’Assessment for Learning
(Brown, 2014; Sambell, McDowel, Montgomery, 2013) o del’ Intelligent
Accountability (Cowie, Taylor & Croxford, 2007): la valutazione è per
l’apprendimento e l’empowerement, e deve focalizzarsi e avere lo
scopo di supportare l’apprendimento e produrre miglioramenti.
E’ in quest’ultima funzione che i processi valutativi si dovrebbero
ritenere indispensabili ai fini dell’avanzamento dell’apprendimento
e d’innalzamento della qualità della scuola. E’ in tal senso che la
valutazione dovrebbe essere considerata un “elemento interno”
all’educazione e un fattore indispensabile per il suo continuo progresso.
References:
Barber M. (2013). The good news from Pakistan. Reform Research Trust.
In http://www.reform.uk/wp-content/uploads/2014/10/The_good_
news_from_Pakistan_final.pdf/ [15.10.15].
27
Claxton, G. (2001). Wise-up: The challenge of life-long Learning. Stafford:
Network Educational
DeStefano, J., Moore, A.S., Balwanz, D., & Hartl, A. (2007). Reaching
the Underserved: Complementary Models of Effective Schooling.
Washington, DC: Academy for Educational Development.
Ercikan, K., Roth, W.-M., & Asil, M. (2015). Cautions about inferences
from international assessments: The case of PISA 2009. Teachers
College Record, 117(1), 1-28.
28
Klieme, E. Hartig, J., & Rauch, D. (2008). The Concept of Competence
in Educational Contexts. In J. Hartig, E. Klieme, & D. Leutner (Eds.)
Assessment of Competencies in Educational Contexts (pp.3-22). Boston:
Hogrefe & Huber.
Nath, S.R., Sylva, K. and Grimes, J. (1999) Raising basic education levels
in rural Bangladesh: the impact of a nonformal education programme,
International Review of Education, 45(1), 5–26.
29
OECD (2012b). BRAZIL – Country Note –Results from PISA 2012. In
http://www.oecd.org/pisa/keyfindings/PISA-2012-results-brazil.pdf
[15.10.2015]
30
Woessmann, L. Schütz, G. (2006). European Education and Training
Systems. Analytical Report for the European Commission. Bruxwlles:
European Commission Education and Culture.
31
Educação, cidadania e exclusão: o aluno como
agente de mudança na avaliação escolar
32
alunos oriundos das escolas públicas e assombram os alunos de esco-
las privadas, ou, ainda, o sistema de remunerações compensatórias
prometida a professores e gestores com as elevações das notas dos
alunos nos resultados de Provas do Sistema de Avaliação da Educação
Básica (Saeb), da Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e da
Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Prova Brasil) dentre os
diversos mecanismos políticos externos à vida escolar.
Neste contexto, com o intuito de ouvir os protagonistas dos
cenários da avaliação na Escola Básica no país e de se ampliar esse
panorama incluindo atores de outros países, reeditou-se o IV Colóquio
Internacional Educação Cidadania e Exclusão: Didática e Avaliação
(IV CEDUCE) no âmbito da Faculdade de Educação da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É a partir de algumas discus-
sões resultantes desse evento que se apresenta este artigo. Primeiro
serão recapitulados aspectos que permeiam os processos de ensino e
aprendizagem e que implicam diretamente na avaliação. A seguir serão
sintetizados encaminhamentos resultantes dos trabalhos e discussões
apresentadas durante o IV CEDUCE. Por último, serão delineadas ten-
dências em avaliação na contemporaneidade oferecendo subsídios
para mudanças possíveis no campo educacional.
33
reflexo na contemporaneidade situando esses três aspectos como
eixos centrais para os estudos do tema.
Aspectos sociológicos
34
foi que elas transferiram a culpabilidade pelo fracasso da natureza
intelectual do aluno para o natureza social dele.
Entretanto muitos estudos e pesquisas apontam que, na prática,
os fatores sociológicos contribuíram para que na sala de aula, o aluno
fosse percebido numa dimensão mais ampla, isto é, sem desvinculá-lo
do contexto social em que vive, de sua realidade (MATTOS; CASTRO,
2005). No Brasil, destacamos os estudos sobre currículo publicados
por Silva (1995, 2003), os inúmeros trabalhos influenciados por Giroux
(1984, 1986) e Bourdieu (1986), assim como as reflexões sobre avalia-
ção nos trabalhos de Luckesi (2005, 1990), Brandão (1982), que muito
contribuem para as mudanças ocorridas na época.
Aspectos psicológicos
35
o professor passou a ser entendido como um agente mediador do
conhecimento a ser assimilado pelo aluno, e o aluno passou a ser visto
como um portador de saberes que, embora distante dos saberes do
professor, se aproximaria do conhecimento deste face a interação em
sala de aula. Quem melhor capta esta ideia embora não se refira ao
autor é Paulo Freire (1989) quando faz uso da metáfora da ‘rua’ para
falar sobre ensinar e aprender. Dizia ele que ensinar e aprender é
como atravessar uma rua. O professor conhece a rua e leva o aluno a
atravessá-la, ao atravessar a rua o aluno passa a conhecê-la, daí em
diante não precisará mais do professor para fazer o percurso, pois a
rua já será conhecida.
Dos fatores psicológicos, podemos destacar ainda a importância
dos estudos sobre cognição para a área de avaliação. Esses são res-
ponsáveis pelo melhor entendimento da natureza dos processos de
aquisição do conhecimento, mas que por terem sido embrulhadas sob
o rótulo de teorias, ficaram distantes do entendimento do professor.
O que se vê na prática (PATTO, 1997; BRANDÃO, 1982; GATTI, 1977)
é que os estudos sobre o fracasso escolar apontam para um retorno
às causas psicológicas substituindo às sociológicas como justificativas
para a situação de alunos e alunas multirepetentes e excluídos por um
processo que ficou conhecido com a ideologia da profecia autorealiza-
dora com ênfase na psicologização do fracasso escolar.
A avaliação escolar continua a ser uma questão intrincada no domí-
nio dos aspectos psicológicos, as contribuições de Patto (1991) são
importantes marcos neste percurso, entretanto não conseguiu abalar
até hoje os processos de psicologização nas avaliações e seus resul-
tados que culminam com a medicalização dos alunos e alunas que
persiste ainda com vigor na escola contemporânea (CASTRO, 2006).
Aspectos pedagógicos
36
maiores investimentos em prédios escolares; melhor formação para
professor em cursos universitários, remuneração digna para profis-
sionais da educação (professores, orientadores, diretores, pessoal
de apoio); políticas curriculares sensíveis às práticas pedagógicas,
medições mais justas quanto a qualidade do ensino. Além disso, vale
destacar as diferentes forma de organização escolar (tempo integral,
educacão infantil, programas compensatórios, escolas de aplicação,
ranqueamento e seleção das turmas, ampliação do atendimento em
mais anos escolares, dentre outros). Os diferentes contornos exis-
tentes nas escolas públicas pós-modernas e que são amplamente
conhecidos.
Neste sentido o caráter político-pedagógico da escola se fragiliza
cada vez mais e quase que se destitui de sua função educativa, tor-
nando-se cada vez mais burocrática e procedural. Ao deitar-se o olhar
para a escola, vê-se que ela sofre: da falência, da burocracia em dema-
sia, do descaso político, dos imperativos do poder exacerbado dos
sistemas de governo, da falácia sobre teorias alimentadas pela bana-
lização das práticas e pelo despreparo técnico de seus profissionais.
O fator pedagógico que mais se evidencia como problema para a
avaliação é a formação inadequada do professor que, com devidas
considerações de culpabilidade, da academia que os forma, são os
responsáveis efetivos pelo empreendimento educacional e cultural
que constituem a profissão (CONNELL, at al., 1982). O professor, tenta
sem êxito, entender os mecanismos governamentais e propostas teó-
ricas impostas às escolas pelos sistemas de ensino, pelas leis, pelos
parâmetros nacionais de currículo, pelas normas e regulações fede-
rais, estaduais, municipais e extra escolares como os conselhos de
escola. Connell (2010), continua a investigar o significado de ser um
bom professor junto a professores australianos e conclui apontando
para as dificuldades que os mesmos tem na busca de entendimento
sobre transposição das teorias pedagógicas para a prática de sala de
aula.
Nas teias burocráticas e procedurais da escola o professor se
encontra diante de um aluno que não foi aquele descrito pelas teorias
37
(FAGUNDES, 2013) e sim o seu vizinho, o estranho, o menino que pode
a qualquer momento ser também o seu algoz, nas ruas violentas dos
arredores das escolas brasileiras.
Somente para falar sobre um dos nós mais bem atados nós dos
aspectos pedagógicos se pode citar os sistemas de avaliações nacio-
nais, estaduais e municipais que chegaram as escolas a partir dos anos
1980 e que a engessam (SÁ BARRETTO; ZÁKIA, 2005). O exacerbado
poder central em busca por melhor desempenho das escolas nas esta-
tísticas, utilizam a avaliação como moeda de troca com promessas de
melhorias das condições de trabalho e de bônus sobre produtividade
para professores e dirigentes e, ainda, da avalanche de bolsas de
incentivo docente que maquia a remuneração com insumos que podem
ser retirados sem aviso e sem compromisso político dos governos.
Neste contexto uma das faces do pedagógico da avaliação está
nos diferentes arranjos de sala de aula e dos alunos tanto, entre os
diferentes anos escolares, quanto no interior deles. Os alunos em seus
espaços/tempos são manipulados com as justificativas da adequação
idade-série, ou da superação da assimetria das competências entre
eles, em especial nas classes iniciais. Na resolução desses problemas
e na solução de seus arranjos, os gestores e professores esbarram
com a valorização dada pelo professor à avaliação meritocrática, assim
como com a avaliação baseada na medição do desempenho desenvol-
vida por organismos externos à escola e na aquiescência do professor
a essa manipulação na busca de facilitar seu trabalho com a ilusão de
classes mais homogêneas.
38
processos educacionais passa a ser encarada pelo professor como
uma rotina, sem um momento especial, aliviando a tensão existente
entre - processo e produto educacional, onde o aluno é resultado de
um teste, uma prova ou outro instrumento avaliativo, dado num deter-
minado momento da aprendizagem. Na contramão das teorias e de
sua vivência pelos professores chegam com muita força as avaliações
externas que se institucionalizam e passam a comandar as práticas
pedagógicas.
Dito que a realidade é opaca (GINZBURG, 1989) é preciso que seja
revelada através de indícios e pistas imbricadas nos contextos de sua
origem. Assim, ao se voltar o olhar para a avaliação dos processos edu-
cacionais e sobre as medições do aprender nos deparamos com seus
acessórios mais visíveis como: exames; provas; trabalhos individuais
e em grupo, exercícios a serem realizados em sala em casa valendo
nota, além de muitos outros aparatos pedagógicos avaliativos que se
passa em sala de aula e na escola. Entretanto, esses procedimentos
tem uma característica comum que é contar como aferição da aprendi-
zagem ou do aproveitamento do aluno. Em geral eles aferem apenas o
conteúdo previsto para a série/ano escolar, ou dado em aula; e estão
associados à clareza – se foi realizado como foi solicitado; limpeza
– se a apresentação foi esmerada; objetividade – se foi conciso e obje-
tivo, dentre inúmeros valores que se atribuem a cada tarefa e a todas
elas. Esses aparatos pedagógicos servem ainda como motivação para
que o aluno permaneça na tarefa de aula, ou motivado a caminhar nos
conteúdos de acordo com as aulas dadas pelo professor, visto que de
um modo geral os professores utilizam-os como forma de convencer os
alunos a prestarem atenção nas aulas, ou a permanecerem quietos.
Não raro, alunos e alunas são alertados que o conteúdo tratado vai
cair na prova, portanto eles servem não somente como motivadores,
mas como uma forma de intimidação ao aluno desatento.
No tocante às provas, propagam-se de modo alarmante as diferen-
tes formas de avaliações externas às atividades de sala de aula com
as provas nacionais e internacionais que visam a medir a qualidade
do ensino em determinados conteúdos que se pretendem universais.
39
Assim, temos o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)
que surge oficialmente com o Plano de Metas Compromisso Todos
pela Educação, por meio do Decreto n. 6.074, de 24 de abril de 2007
(BRASIL, 2007). O Ideb, sob a responsabilidade do Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), é um
indicador de qualidade educacional que combina informações de
desempenho em exames padronizados (Prova Brasil ou Saeb) – obtido
pelos estudantes ao final das etapas de ensino (5ª e 9ª anos do ensino
fundamental e 3ª ano do ensino médio) – com informações sobre ren-
dimento escolar (taxa média de aprovação dos estudantes na etapa
de ensino).
No Art. 3, do Decreto n. 6.094, de 2007 é apresentada uma visão
extremamente objetiva do potencial do Ideb como indicador da quali-
dade da escola:
40
Existe ainda um Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa,
um programa do MEC, que se configura como um compromisso assu-
mido entre o governo federal, estadual e municipal que pretende
alfabetizar todas as crianças até os oito anos de idade, ao final do 3º
ano do ensino fundamental, instituído pela portaria nº 867 de 4 de
julho de 2012 (BRASIL, 2012).
Esses rearranjos da sala de aula se dão, de certa forma, na tentativa
frustrada de que se formem classes homogêneas e assim adequarem
os alunos a idade/série e ainda por rendimento dos alunos nas classes
anteriormente cursadas, recurso este largamente utilizado nas politi-
cas públicas, nacionais e internacionais, com maior destaque para as
escolas dos Estados Unidos da América com a Lei intitulada ‘No Child
Left Behind’ [Nenhuma criança deixada para trás]1, que tinha como
uma das normas que todos os professores da rede estariam em uma
determinada página de um determinado livro a cada dia. Portanto,
engessava o processo de ensino não somente focando no livro e no
conteúdo, como também, demolindo as teorias de desenvolvimento
cognitivo da criança e a autonomia pedagógica dos professores. Este
período entre 2002 e 2010 marca um dos maiores retrocessos dessas
escolas nos últimos anos.
No Brasil, o autoritarismo dos governos sobre as escola marca o
movimentos liderado pelos pais e responsáveis pelos alunos que opta-
ram por demonstrar publicamente a luta pela retenção de seus filhos nas
escolas, depois da adoção da promoção automática determinada pelo
dirigente do Sistema de Ensino (RIO DE JANEIRO, 2007). Contraditória,
a decisão dos pais era clara de que se com a retenção escolar os alunos
não estavam aprendendo nas escolas, sem retenção chegariam ao final
da escola básica sem saberem sequer ler e escrever. O que, em muitos
casos, ainda é verdadeiro. Embora se saiba que a repetência influência
negativamente o progresso dos alunos (UNESCO, 2015).
1 Presidente George W. Bush assinou a Lei 107–110 de 8 de Janeiro de 2002 No Child Left Behind
(NCLB) que foi reformulada pelo President Obama em 2010.
41
Neste ponto a questão da relação entre a meritocracia e o desem-
penho acadêmico aparece neste texto como mais um viés pelo qual a
avaliação e suas mazelas tem sido justificada.
Em conclusão, citando o sociólogo e filósofo alemão Theodor
Adorno (1995), na sociedade, que tudo administra, tudo controla,
tudo planeja para a reprodutibilidade da lógica mercadológica resta
ao pesquisador estudar essa lógica e dela depreender o que se quer
na realidade com o que se tem feito com a escola. Ao discorrer sobre
o ajuste do indivíduo Adorno disse:
42
Contribuições do IV CEDUCE
43
Esse amalgamo de pessoas demonstra ainda a apreensão com o
imperativo mercadológico que envolve o ensino, visto que na interação
socioeducacional não se pode desprezar a importância das tecnologia
digitais que permeiam as escolas e os sistemas escolares, com especial
destaque dado aos cursos a distância cujo alvo principal é a formação
dos professores ao longo da vida num processo contínuo.
Ilustra também a dimensão da globalização que afeta a Educação
pela sua diversidade inter-multidisciplinar. Esses participantes ori-
ginários de diferentes área do conhecimento que convergem para a
Educação advertem para o fato de que existe uma visão dicotômica
entre os conteúdos nas diferentes disciplinas ministradas pela escola
ao mesmo tempo que uma apreensão quase que generalizada com a
baixa qualidade do ensino.
Portanto, da diversidade de participantes apreendeu-se que existe
um interesse comum pelo tema do evento, em especial sobre avaliação
e uma preocupação genuína com aspectos da realidade digital que
permeia a escola assim como o compartilhamento de interesses entre
os agentes de diferentes área do conhecimento com a Educação, em
especial de iniciativa pública com a qualidade do ensino e suas formas
de medida.
Um segundo ponto que aparece nos textos do IV CEDUCE é a
dificuldade expressa nos trabalhos sobre o que vem a ser avaliação
institucional num paradigma meritocrático. Confunde-se a função das
menções e bônus como forma de recompensa às escolas e aos pro-
fessores com base em avaliações externas com as formas procedurais
de medidas do aproveitamento escolar dentro do processo de esco-
larização. Por um lado entende-se que no paradigma meritocrático
o aluno passa a ser cliente e não parceiro no processo de ensino e
aprendizagem provocando a desconstrução de modelos de avaliação
construtivistas e sobrepujando o modelo de recompensas por acerto
e erro. Por outro, considera-se que a academia tem um papel funda-
mental que é o de esclarecer ao jovem professor como se opera os
níveis formais e informais que confere valor nos diferentes processos
avaliativos e suas fundamentações teórico-conceituais.
44
Assim se faz premente que o compartilhamento entre pesquisa-
dores, jovens e sêniores, na promoção de pesquisas com as escolas e
não somente sobre elas, com os alunos e não sobre os alunos, com o
professor e não sobre ele. De modo que na transposição das teorias
para a prática pedagógica, a pesquisa possa servir de base efetiva
para a produção do saber docente. Aqui se destacam as pesquisa que
visam a melhoria das escolas e a questão da Didática na prática do
professor.
O terceiro item que se destaca nos textos é a necessidade de enfren-
tar as diversidades das minorias socioeducacionais como um desafio
para todas as escolas, evitando assim que velhas formas de subordi-
nação das minorias se perpetuem como novas formas de avaliação. Em
especial, notou-se a preocupação genuína com as especificidades das
populações rurais e indígena, assim como a necessidade de estudos
sobre as escolas problemáticas e seus alunos desfavorecidos.
Em seguida um grande número de trabalhos revelou a existência
de imposições neoliberais de medidas avaliativas ao sistema educa-
cional, com destaque para as avaliações externas e seus efeitos na
organização da escola, assim como a preocupação com a alfabetização
que é vista como um nó da escola básica. Neste ponto permanece o
apelo dos estudiosos desta área sobre a importância de se enfatizar
as contribuições de Paulo Freire para o processo de ensino aprendiza-
gem e avaliação na escola. Cresce ainda a indicação das necessidades
de se estabelecer uma relação efetiva entre a escola e o mundo do
trabalho. Assim com a necessidade de reformulação do papel do livro
didático na relação entre a escola e o conhecimento. Finalmente, neste
sentido, é crescente o interesse para que em avaliação se considere
tanto os aspectos formais quanto informais de construção do conheci-
mento pelo aluno.
Em conclusão, os pontos que emergiram dos trabalhos apontam
para uma apreensão com a banalização das violências da/na escola e
entre alunos das escolas. Esse clima escolar é marcado pelo que foi des-
crito como o fim das certezas, os tempos de caos, as desconsiderações
de valores que representavam a escola e o saber acadêmico. Temor
45
de que as formulações e reformulações não mais se assentem em leis
e princípios, mas sim em demandas econômicas e panfletárias sobre o
que é Educação. Entretanto, em contradição a essa sensação de incer-
teza surge uma voz que se nutre das probabilidades e das certezas não
construídas e que podem ser construídas a partir da Educação.
46
prazerosa, considerando fundamental o prazer em aprender e a auto
-realização no aprender certo.
No dia a dia da avaliação, se destaca a dimensão ética como nor-
teadora das ações pedagógicas. O professor ou o aluno devem em
conjunto, em redes significativas, se avaliarem de modo a saberem o
quanto sabem ou quanto devem saber e como sabem que sabem, isto
é, como chegam à aquisição do conhecimento sobre um determinado
conteúdo a partir de seu uso e seu entendimento para a vida numa
ação metacognitiva sobre o conhecimento (MATTOS, 2000).
Hoje com uma rede de informações que não podemos medir, pois
configuram-se em espaços virtuais de troca de saberes, é impor-
tante saber entender como acessar o conhecimento e como torná-lo
significativo nos contextos sociais mediadores das nossas relações
existenciais. Hoje é importante, ainda, nos divorciarmos dos aspec-
tos que Foucault (1979) chama de dominação do eu que na avaliação
se manifesta pelos exames. Esta técnica privilegiada da avaliação do
processo ensino-aprendizagem na qual se expõe o indivíduo, despin-
do-o de sua identidade e do seu verdadeiro eu. Isto é, a exposição
dos resultados de um exame ou prova substitui a força física como
punição e elege o escrutínio, uma forma de exposição muito utili-
zada pela escola, onde notas de alunos são afixadas nas paredes ou
quando se pede ao aluno que leia em voz alta. Estes são pequenos
detalhes daquilo que entendemos como processos autoritários que se
mascaram de democráticos para justificar a inabilidade de avaliadores
exacerbando práticas levianas de avaliação do ensino-aprendizagem
que circulam nas escolas. Neste ponto é bom lembrar o Freire (1988)
que busca sempre falar com o outro como uma atitude menos autori-
tária, ele diz em uma de suas aulas;
47
ao educando, que por sua vez, precisamente porque não
fala com recebe a fala a ele com o educando (FREIRE,
1988, transcrição e ênfase nossa2).
2 Transcrito de uma aula com Paulo Freire na pós-graduação em Psicologia Social da PUC/SP em
14/9/1988, às 13:30
48
(2015), afirma para que as nossas práticas em avaliação sejam eficazes
elas precisam ser congruentes com a nossa visão de aprendizagem.
Na primeira geração, assumindo-se uma abordagem behaviorista de
aprendizagem considera-se a resposta condicionada à estímulos exter-
nos e, em coerência com um tipo avaliação apropriada que é focada no
teste de desempenho, individualmente realizado ao final de um curso
ou unidade de aprendizagem. Aqui as respostas são avaliadas como
certo/errado e as notas globais só indicam o que aluno tem feito bem,
ou que ele deve tentar fazer melhor, sem qualquer outro estímulo e
sem disponibilizar qualquer ajuda para que essas respostas melhorem.
Na segunda geração, se insere a abordagem cognitivo-construti-
vista da aprendizagem. A aprendizagem é determinada pelo que se
passa na cabeça das pessoas e por diferentes maneiras com que as
pessoas fazem sentido do mundo através da construção de modelos
mentais de como o mundo funciona.
A tarefa de ensinar, de acordo com este ponto de vista, é de ajuda
aos alunos novatos para que esses possam adquirir as formas de
pensar apreendida pelos alunos mais experientes. Nomeadamente,
aprender as formas que organização do conhecimento e como se dão
seus próprios processos metacognitivos.
Coerentemente, as práticas de avaliação nesta segunda gera-
ção focam na resolução de problemas e na compreensão, focam na
performance e tendem a ser definidas como uma demonstração da
capacidade de aplicar modelos conceituais para encontrar soluções
para problemas.
A melhoria na aprendizagem pode ser inferida a partir de mal
-entendido ou falhas para encontrar soluções viáveis. Os processos
de avaliação são formativos e está previsto o apoio aos alunos para
que estes possam desenvolver novas habilidades cognitivas e assim
fechar as lacunas existentes entre alunos novatos e mais experientes.
No entanto, apesar de muitas diferenças entre a primeira geração e
a segunda, esta última permanecerá focada na aquisição e proces-
samento de conhecimento, em última instância, como algo adquirido
pelo indivíduo.
49
A terceira geração de práticas de avaliação trazem uma mudança
mais radical, longe de ver a aprendizagem como a aquisição de conhe-
cimento e de compreensão. A aprendizagem é vista como participação
em práticas sociais. Um princípio fundamental da teoria sociocultu-
ral é que a aprendizagem envolve pensamentos e ações no contexto.
Ela é particularmente influenciada pelas interações entre fenômenos.
Além disso, a aprendizagem é uma atividade social e colaborativa
entre pessoas com o objetivo de construir conhecimentos e desen-
volver o pensamento juntos. Portanto, ela envolve a participação em
um grupo/comunidade onde o que é aprendido é distribuído no inte-
rior desse grupo. O ensino torna-se a capacidade de criar ambientes
em que as pessoas podem ser estimulada a pensar e agir em tarefas
autênticas e colaborativas.
Nesses contextos, a avaliação precisa ser alinhada à aprendiza-
gem e deve ser situada, ou seja, realizada lado a lado ao ensino, e não
como um evento depois do aprender. Além disso, a avaliação precisa
ser realizada pela comunidade, em vez de por avaliadores externos,
com um importante papel das práticas de pares e auto-avaliação. As
práticas avaliativas situadas na resolução de problemas são as formas
mais adequadas de avaliações, porque a aprendizagem é expressa na
participação em atividades autênticas (do mundo real). Nesse sentido,
a avaliação é uma forma de estimular a participação dos alunos em seus
processos cognitivos metacognitivos e socioeducacionais, para apoiar
a aprendizagem. A avaliação torna-se uma forma de aprender. Além
disso os pares realizam a auto-avaliação do aluno de modo a melhorar
e a consciência destes sobre a sua aprendizagem. Como afirmou Grion
(2015, p. 14), a avaliação torna-se avaliação como aprendizagem.
Conclusão
50
os diferentes tipos de testes e provas que chegam a escola para aferir
medidas comparativas muito mais do que para avaliar competências.
Entretanto, teorias como o construtivismo permeiam as escolas do
século XXI e deixam marcas que não se coadunam com a participação
do aluno no processo ensino-aprendizagem, pelo menos na prática. O
construtivismo nos conduziu a crença de que o aluno é livre em suas
aprendizagens, mas a crença idealista de que esse aluno sabe, de que
ele/ela tem luz própria, mas esse aluno é um ideal a ser alcançado.
Acredita-se no esforço multidisciplinar, num trabalho pedagógico
em conjunto – professores-alunos-escolas para se obter melhores
resultados e ter um sentido, interligando a escola à sua realidade.
Neste sentido as indicações de Grion (2015) sobre a participa-
ção de alunos no processo de sua avaliação sugere que como afirma
Mattos (2015) eles estão prontos para participarem não somente das
avaliações mas ainda como agentes de pesquisa. Sua participação
genuína agrega sentido aos dados e amplia o entendimento quando
da interpretação dos mesmos.
No âmbito da sala de aula, os fatores associados que incidem
positivamente nos resultados de aprendizagem são o atendimento e a
pontualidade dos professores; a disponibilidade de material didático;
o ambiente escolar profícuo e as boas práticas de ensino. Ao mesmo
tempo, a análise das escolas permite afirmar que, em geral, os siste-
mas educacionais são pouco inclusivos em termos socioeconômicos,
que a violência tem um impacto negativo no desempenho, e que os
recursos das escolas e sua infraestrutura se associam positivamente
com a aprendizagem (UNESCO-TERCE, 2015).
Estes fatores aparecem entre as demandas dos participantes do IV
CEDUCE como importantes para que se efetue as mudanças na ava-
liação modo que estas repercutam no aumento do rendimento dos
alunos. Muito mais do que avaliações externas a escola precisa se
olhar de dentro para fora e incluir sentido de realidade nela. Sentidos
que, embora abstratos de início, com o auxílio de pesquisas, podem
agregar valor ao seu interior.
51
Neste texto, apresentam-se considerações sobre as dimensões
sociológicas, psicológicas, pedagógicas da avaliação dos processos
de ensino e aprendizagem, sob a ótica dos trabalhos apresentados
no IV CEDUCE, com o intuito de ampliar as discussões sobre o tema
e ainda de apontar indicadores para a pesquisa. O enfoque temático
maior foi para o tema avaliação, neste sentido, elencou-se pontos
levantados pelos participantes como importantes para a área. E em
conclusão apresentou-se uma proposta de mudança para as práticas
de avaliação. Mudança essa que implica em avaliar com os alunos e
assim permitir a ele maior autonomia e reflexividade sobre seu pro-
cesso de aprender.
Referências
52
BRASIL. Ministério da Educação. Pacto Nacional pela Alfabetização na
Idade Certa Avaliação no ciclo de alfabetização: reflexões e sugestões.
Brasília, 2012. Portal MEC. Disponível em: < http://pacto.mec.gov.br/o-
pacto >
CONNELL R. W. et al. Make the difference: Schools, families and social divi-
sion. Sydney; Boston: Allen and Unwin. 1982.
53
FREIRE, P. A Importância do Ato de Ler, Transcrito de uma aula com Paulo
Freire na pós-graduação em Psicologia Social da PUC/SP em 14/09/1988,
às 13:30. 1988.
54
IBGE- CENSO DEMOGRÁFICO 1980 Metodologia do Censo Gemográfico
de 1980. Série relatórios metodológicos, v. 4. Rio de Janeiro: IBGE, 1983.
478 p.
55
MATTOS, C.L.G de; CASTRO, P. A. de. Fracasso Escolar Gênero e Pobreza.
(Relatório Final de Pesquisa/CNPq). CNPq. UERJ. NETEDU: Rio de Janeiro,
2010..
56
SNYDER, G. Alegria na Escola. São Paulo, Ed Manole LTDA, 1988
57
Saberes sobre a escola: a voz do aluno e a produção
de conhecimento na pesquisa em educação
Introdução
58
realizados; compreender como essas pesquisas situavam os alunos; e
verificar se eles foram ouvidos ou não.
O resultado da pesquisa apontou que: dos 683 textos, somente dez
(10) relatavam ter incluído em suas entrevistas a participação de alunos
como sujeitos da pesquisa, assim como outros participantes: profes-
sores, pais e diretores de escola. Essas pesquisas, embora variando
o modelo de entrevistas, fizeram uso, prioritariamente, de entrevistas
que pudessem lançar luz sobre o fracasso escolar e a realidade de
crianças e jovens que o viviam. Entretanto, na descrição sobre esse fra-
casso priorizaram as falas dos demais entrevistados e não dos alunos.
Entre os dez (10) textos que incluíram os alunos como entrevis-
tados, apenas um (1) utilizou entrevista aberta, isto é, que ofereciam
liberdade para que os entrevistados respondessem o que pensavam,
independentemente das perguntas pré-concebidas pelo entrevista-
dor. Pode-se inferir sobre os 683 estudos analisados, que existe uma
dificuldade, entre os pesquisadores, em lidar “com a fala do outro”,
sobre o seu objeto de estudo. No caso dos estudos analisados, as
vozes sobre o fracasso escolar. Ao mesmo tempo em que parece existir
uma necessidade, entre esses mesmos pesquisadores, de controlarem
“o que este outro fala”, a partir da tentativa de falar sobre este outro
e, assim, comprovar suas próprias hipóteses sobre o que é o fracasso
escolar na visão dos sujeitos de suas pesquisas, embora sem a partici-
pação dos mesmos nesses resultados.
Esses estudos revelam a necessidade de pesquisas que deem rele-
vância à voz do aluno enquanto agência humana no ato de dar sentido
ao conhecimento acerca de sua realidade, especialmente na escola
e na sala de aula. Revela, ainda, que essas pesquisas educacionais,
embora os tenha descrito como sujeitos primários, não os reconhece
como vozes legítimas e válidas, pois interpretam o que esses alunos
falam sem, efetivamente, ouvir a sua voz enquanto produtores do
conhecimento.
A ausência das vozes de alunos nas pesquisas educacionais releva
a importância de se explorar mais detalhadamente o que eles tem a
nos dizer sobre si próprios e sobre as suas escolas.
59
Entendemos que numa Pedagogia vivenciada na condição pós-
moderna (PINAR, 2003), os alunos têm acesso a uma variedade infinita
de informações e que o papel de professores, sabedores dos conteú-
dos validados culturalmente, é de auxiliá-los a fazerem sentido dessas
informações, transformando-as em conhecimento e atribuindo signifi-
cado à sua realidade com seus próprios conteúdos.
Reconhecendo a ausência da voz do aluno em pesquisas educa-
cionais (MATTOS; CASTRO, 2010b), pretende-se estudar o que dizem
essas vozes, a partir do acervo de pesquisa do banco de dados do
Núcleo de Etnografia em Educação (NetEdu/UERJ). Esses dados
envolvem coletas realizadas em escolas públicas com a participação
e colaboração de alunos da educação básica e de graduação (bolsis-
tas de iniciação científica da UERJ) considerados sujeitos primários e
agentes ativos nessas pesquisas. Portanto, as bases empíricas que
compõem as vinhetas etnográficas exploradas no texto advêm de pes-
quisas desenvolvidas ao longo dos últimos dez anos por este Núcleo.
60
amostras, as análises e os produtos, tornando-se uma equipe e cons-
tituindo o que ela considera “campo de pesquisa”. Nesse contexto,
todos os membros da equipe são treinados juntos sobre métodos de
pesquisas, projetos e epistemologia. Todas as diferentes vozes são
consideradas e as diferentes opiniões são colocadas no campo de
compreensão e negociação. Para Fine (2013), a chave para que isso
aconteça é acreditar na “ação de pesquisa crítica participativa”, de
forma que as pessoas que viveram injustiças e que tem um entendi-
mento íntimo sobre os caminhos pelos quais a injustiça opera, possam
ter liberdade para relatar esses eventos.
Fine (2013) explica que, nesse processo, o mais desafiador é conven-
cer as pessoas com Doutorado de que os estudantes marginalizados,
também têm conhecimento. O cultivo de diferentes opiniões, quase
sempre, significa uma “queda de braço” sobre as divergências. Segundo
a pesquisadora, se existem diferentes tipos de jovens na sala, normal-
mente, os “bons alunos” acham que devem ensinar aos “maus alunos”,
quando, na verdade, ela está interessada, justamente, nos pontos de
vista dos “maus alunos”: “eles sabem de coisas... eles são experientes...
eles seguram um pedaço diferente da história” (Idem, s/p).
Fine (2013) contrasta, ainda, o tipo de investigação conhecida
como “pesquisa-ação” com a “pesquisa participativa” que delineia em
seus projetos. Quatro princípios modelam esta última: a) as pessoas
que viveram injustiças têm profundo, íntimo conhecimento sobre as
estruturas, histórias, efeitos e consequências da injustiça. Portanto,
dispõem de um ponto de vista importante para fazer sentido a res-
peito dela; b) essas pessoas também têm o direito de fazer pesquisa;
c) na universidade, os pesquisadores têm a obrigação de projetar pes-
quisas que não contribuam para ampliar o quadro de violência em que
essas pessoas vivem, como a “violência epistemológica” (TEO, 2010),
isto é, empreender mais violência aos grupos sobre os quais se pes-
quisa; d) a pesquisa deve ter ação aderente a ela, seja através de uma
organização política ou um movimento social que visem mudanças.
Para Fine (2013), esses são os elementos críticos da “pesquisa
participativa”, que é diferente da “pesquisa-ação”, pois a pesquisa
61
participativa desafia especialistas a tomarem posições mais democrá-
ticas em todo o processo de fazer pesquisa, sem que se promova uma
ação de pesquisa de forma unilateral, isto é, levar a um grupo vulnerá-
vel aquilo que achamos ser bom para ele.
Fine comenta que para isso é preciso que pesquisadores se posi-
cionem em favor da comunidade, pois ela também “possui os dados”.
Assim, em colaboração, podem-se pensar os tipos de produtos mais
apropriados para essa comunidade. Ela exemplifica que os seus
projetos começam pela questão política sob o ponto de vista do mar-
ginalizado, porque as pessoas das comunidades estão interessadas
no que a comunidade pensa sobre as questões que enfrentam no seu
dia a dia (FINE, 2013).
O trabalho de Fine e sua equipe servem como subsídio e aporte
teórico para este trabalho na medida em que ela inclui como partici-
pantes primários da pesquisa pessoas que, na maioria das vezes, são
esquecidas, e dá importância a voz do excluído de maneira a legitimar
os resultados da pesquisa. Esta é uma postura crítica frente a reali-
dade do excluído.
Alison Cook-Sather também contribui teoricamente com este
trabalho. Ela explica a partir do projeto de pesquisa “Ensinando e
aprendendo juntos” (Teaching and Learning Together), desenvolvido
na cidade da Filadélfia, EUA, que no “esforço de posicionar os alunos
como sujeitos ou protagonistas” das interpretações de suas próprias
vivências e experiências, a pesquisa qualitativa coloca em primeiro
plano a voz e a experiência do estudante (COOK-SATHER, 2013, s/p).
Especificamente, a pesquisa posiciona os alunos como informantes,
redefine seu papel, "ouvindo-os", e muda o quadro de referência, alte-
rando assim a apresentação.
Cook-Sather (2002) explica que a voz dos alunos é orientadora dos
resultados e que os objetivos políticos e pedagógicos precisam pre-
ponderar na pesquisa. Para que isso aconteça, esses objetivos devem:
1) desafiar o modelo tradicional de ensino segundo o qual teóricos e
pesquisadores geram conhecimentos e os passam para os professores.
Estes, por sua vez, são pressionados a implementá-los como um novo
62
conhecimento, posicionando os alunos como receptores passivos desta
transferência; 2) alterar a dinâmica de poder na relação professor/
aluno: preparar professores comprometidos a agirem sobre as pers-
pectivas dos alunos; e, 3) promover a consciência crítica no aluno sobre
as suas experiências e oportunidades educacionais, de modo que este
adquira mais confiança em expressar o que precisa como aprendiz.
Este trabalho também se pauta nas pesquisas de Valentina Grion,
que estuda questões como – o que é uma boa escola a partir do ponto
de vista do aluno? Suas colocações partem do pressuposto de que “os
alunos têm ideias muito positivas e realistas a respeito de sua escola e
de como ela pode ser melhorada” (GRION, 2013, s/p). Ela explica que
os alunos querem realmente mudar a escola e isso não pode ocorrer
sem que a participação democrática na escola seja levada mais a sério.
Para a autora é necessário empreender ações onde “os alunos possam
atuar como copartícipes nos processos de mudança” (GRION, 2013,
s/p), garantindo que espaços de discussão sejam legítimos e valoriza-
dos e onde alunos e alunas possam falar. Faz-se necessário, portanto,
que “reajustemos os nossos ouvidos para que possamos ouvir o que eles
dizem e, assim, redirecionarmos nossas ações em resposta ao que ouvi-
mos” (GRION, 2013, s/p). Na esteira de Cook-Sather, Grion assenta que
"os alunos têm uma perspectiva única sobre o que acontece na escola e
nas salas de aula” (COOK-SATHER 2009, p. 5) e que, por isso, podem
e devem ser considerados pela política nacional de avaliação escolar.
A partir da explanação acima, torna-se evidente a relevância e
necessidade de se ouvir a voz do aluno na realização de pesquisas que
buscam compreender a escola com seus sujeitos e pretendem contri-
buir para sua transformação. Alves (2012) aponta a necessidade de se
iniciar o planejamento das ações pedagógicas e educacionais sob uma
perspectiva “bottom-up” (MATTOS, 1992) levando-se em considera-
ção as demandas que emanam da base (o aluno) para o topo (gestores
educacionais). A partir deste prisma, considera a viabilidade de uma
aplicabilidade significativa das ações educativas, tomando como
ponto relevante na construção conjunta a voz de alunos e alunas em
suas compreensões sobre a escola em seus papéis social e educativo.
63
O que acontece quando a voz do aluno é ouvida na escola?
Nas pesquisas realizadas pelo NetEdu, lidou-se com temas que não
são usualmente motivadores para os professores, como: violência na/
da escola; interações e discriminação de gênero; percepção dos alunos
sobre a escola, sobre o fracasso escolar; a situação de pobreza asso-
ciada ao desempenho do aluno; dentre outros. Pesquisou-se, ainda,
como os alunos se percebem na realização de tarefas escolares, os
processos de avaliação da aprendizagem; como se dá a relação “pro-
fessor-aluno” no contexto das classes de programas compensatórios
(como classes de repetentes, progressão, aceleração, dentre outros).
Revisitando os dados do Núcleo supracitado, mostra-se aqui
alguns eventos nos quais alunos e alunas se revelam conhecedores de
suas próprias ações, limites e possiblidades no interior da escola e da
sala de aula, constituindo-se atores críticos do seu papel social como
educandos (MATTOS; CASTRO, 2010b).
Em pesquisa realizada em uma escola localizada na Baixada
Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro, em 2010, um dos procedi-
mentos de coleta de dados utilizado foi a realização de entrevistas
feitas por alunos e alunas do 1º ano do Ensino Médio com seus cole-
gas do 6º ano do Ensino Fundamental. Os pesquisadores treinaram
os estudantes como entrevistadores para que as entrevistas se
desenvolvessem de modo que permitisse a liberdade de resposta
dos entrevistados.
Os temas propostos pelos pesquisadores foram: ordenações de
gênero e situação de pobreza como indicadores do fracasso escolar.
Entretanto, por proposta dos alunos do Ensino Médio, foi acrescen-
tado o tema violência. De acordo com eles e com seus professores, a
escola é situada num bairro muito violento, envolvendo crimes, rou-
bos e guerra do tráfico de drogas que refletem de modo negativo no
ambiente escolar, levando os estudantes a situações de desespero e
vulnerabilidade.
O resultado dessas entrevistas e das observações de campo
identificam instâncias de reflexividade crítica dos entrevistadores e
64
entrevistados sobre os temas perguntados. Neste texto, serão apre-
sentadas somente as análises do tema da violência, por este ter
sido de escolha dos alunos. Serão apresentados dois eventos, em
forma de vinheta etnográfica, contendo: sua contextualização, as
inferências dos alunos; interpretação das falas e seus fundamentos
teóricos. Para a produção deste artigo, foram separados dois even-
tos que refletem a produção de saberes e conhecimento na pesquisa
educacional mediante a voz do aluno, que possibilita ao pesquisador
aprender e apreender as significações que compõem o contexto de
vivência desses sujeitos, demarcando territorialidades, sociabilidades
e subjetividades.
65
de Maria. Ele declarou ter ficado “sem palavras” diante do sofri-
mento da menina, embora já soubesse do caso, pois Maria havia sido
afastada dos pais e vivia com a avó por ter sido vítima de violência
doméstica.
Renato declarou que não fazia ideia de que a pesquisa levasse os
alunos a falarem tão abertamente sobre as suas vidas, e que ele se
sentiu útil ao “ouvir” os colegas. Lembrou que na comunidade onde
reside não existe preocupação das autoridades em oferecer suporte
social e psicológico para as vítimas de violência. Junto à equipe de
pesquisa, ele argumentou que a violência vivida pelos alunos desta
escola criou um círculo vicioso que impede as pessoas de viverem em
liberdade e que a escola é um lugar onde se sentem livres, embora
esta reproduza, na forma de agir, a lógica de violência das famílias
e da sociedade que a circunda. O sentimento de liberdade relatado
por Renato reflete o potencial existente nas relações escolares, um
sentimento de pertencimento, de compartilhamento de valores que
podem auxiliá-los a reverter o quadro de violência em que vivem.
Nesse contexto, a escola se assemelha a um laboratório onde os
alunos experimentam a violência brincando e desafiando uns aos
outros.
Este evento, da forma como foi significado pelo próprio aluno-pes-
quisador, denota a importância de se ouvir a voz do aluno e como
este sente a necessidade de expor a sua realidade numa solicitação e
consequente permissão de ser ouvido e visto. A maneira como a aluna
entrevistada falou sobre a sua realidade não seria assim colocada se
não lhe houvesse sido dada esta possibilidade, mediante a realiza-
ção da entrevista. O fato de uma aluna ser ouvida, em ambiente de
pesquisa, por outro aluno, também aponta um referencial importante
para compreendermos esses atores enquanto potenciais agências de
transformação da escola e da sua própria realidade: a entrevistada,
por ter tido a oportunidade de compartilhar algo que lhe era extrema-
mente significativo e marcante; o entrevistador, por se deparar com as
possibilidades que a pesquisa traz a partir do momento em que ouve
o outro.
66
Evento 2: Escola como laboratório da violência
67
serem perguntados sobre como os professores reagem às brincadeiras
que envolvem violência na escola, os alunos explicam que a violência
física é a única que pode ser considerada violência pela escola, as
outras não contam.
A visão sobre este tipo de violência a partir da perspectiva do pró-
prio aluno ganha outras cores e versões se vistas pela escola sob este
aspecto. Se o olhar e o ouvir da pesquisa não estiverem atentos ao
que a voz do aluno traz, significando os fatos ocorridos no cotidiano
escolar, a violência entre os alunos não passa de uma concepção
estratificada de “bagunça”, “desrespeito” e “atos de marginaliza-
ção”. A apresentação da concepção trazida pelos próprios alunos e
a interpretação dos dados pelo processo da pesquisa que tem como
prerrogativa ouvir a voz destes atores, permite à escola uma visão
diferenciada, possibilitando ações de transformação na forma de lidar
com os aspectos de violência no cotidiano da sala de aula e do próprio
contexto educacional como um todo.
Considerações finais
68
isso aconteça é delinear pesquisas que sejam originárias daqueles
que estão à margem da sociedade, incluindo questões que permeiem
diferentes posições, de pessoas de diferentes segmentos sócio-edu-
cacionais, e não somente originárias de demandas acadêmicas. Além
disso, faz-se necessário que as pessoas pesquisadas sejam incluídas
em todo o processo da pesquisa, desde do projeto até o produto fina
que, dessa forma, refletirá o pensamento de todos e não apenas do
acadêmico responsável.
Cook-Sater; Grion (2013), em adição à perspectiva de Fine (2013),
acreditam que ouvir o aluno pode impulsionar mudanças na escola.
A abordagem das autoras é desafiadora, mas faz sentido, quando
associamos as experiências de Alves (2012) em relação à reflexividade
do aluno pesquisador sobre a sua própria realidade e a abordagem
“bottom-up” proposta por Mattos (1992). Afirmamos, portanto, que,
delineando pesquisas que incluam os sujeitos como participantes
ativos do processo, incentivando a reflexividade dos mesmos e dos
próprios pesquisadores no ato de fazer pesquisa, pode-se constituir
uma chave para informar mudanças na escola.
As vinhetas etnográficas apresentadas sobre a violência, demons-
tram que os alunos/pesquisadores e alunos/pesquisados são capazes
de pensar sobre as situações vividas no cotidiano da escola de uma pers-
pectiva inédita. Suas vozes expressam preocupação com eles mesmos,
com os outros alunos, com os professores, com as práticas de sala de
aula, com as interações entre eles e o pessoal da escola, enfim, com a
escola como um todo. Nuances dessas expressões, na maioria das vezes,
não são percebidas pelos pesquisadores e pelo pessoal da escola. Nos
pesquisadores provoca uma visão equivocada desses processos interati-
vos e dessas atividades. No pessoal da escola, provoca a percepção de
que os alunos são bagunceiros e não querem fazer as tarefas propostas
e ainda que sentem prazer em perturbar o ambiente escolar.
Entretanto, em recente reunião entre professores, gestores e
profissionais da Secretaria de Educação onde ocorreram muitas das
pesquisas realizadas pelo NetEdu, os professores se mobilizaram
enfrentado os representantes da Secretaria no sentido de promoverem
69
mudanças no currículo e na avaliação, predominante normatizada e de
caráter nacional. A mobilização foi no sentido de que as mudanças
incluam as vozes dos alunos e dos professores.
Os caminhos a trilhar a partir dessa perspectiva e preocupações
são inerentes a confrontações e delimitações e partem da pró-
pria dialética do campo de pesquisa e da educação. No entanto, as
possibilidades a serem criadas a partir da voz dos alunos permite com-
preender que é possível articular mecanismos de transformação da
realidade educacional atual, onde o ensinar não se restrinja a uma
mera transferência de conhecimentos, mas que seja lugar de vida, de
produção de conhecimento e de vicissitudes que propulsionem novas
formas de interpretar, ver e ouvir a realidade a partir do outro. Em
particular, invertendo-se as relações hierárquicas de poder e flexibili-
zando a assimetria existentes entre elas.
Referências
70
COOK-SATHER, A. Depoimento [21/02/2013]. Entrevistadora: Carmen
Lúcia Guimarães de Mattos. Philadelphia, USA: Residência da entre-
vistada. IPad (85min), 10p. Entrevista concedida para o Livro: Students
making education change: Lessons from around the world. GRAY, J.,
MATTOS, C., DEVECCHI, C. (Eds). Não publicado.
71
MATTOS, C.L.G.; CASTRO, P. A. de. Entrevista como instrumento de pes-
quisa nos estudos sobre o fracasso escolar. IV Seminário Internacional
de Pesquisa e Estudos Qualitativos. 9, 10 e 11 de Outubro 2010 UNESP -
Universidade Estadual paulista - Campos Rio Claro - SP – Brasil. 2010b.
72
A escola e a avaliação: perspectivas da
aprendizagem colaborativa
Introdução
73
O exercício do direito a educação, transformado em obrigatório
por muitos estados nacionais, requer condições materiais como: o
acesso a uma vaga que compete ao Estado garantir; a possibilidade
de permanecer na escola sem que obstáculos provenientes das con-
dições sociais ou das práticas escolares levem a exclusão ou a evasão
escolar (Jacomini, 2010)
74
A maneira como o sujeito aprende é mais importante que aquilo
que aprende, porque facilita a aprendizagem e capacita o sujeito para
continuar aprendendo permanentemente.
As provas tradicionais não ajudam na compreensão deste processo
de aprendizagem, pois somente medem quantitativos de informações
adquiridas.
A mentalidade usual referente a processos avaliativos ainda insiste
em garantir uma mensuração individual do estudante, embora a escola
mantenha um discurso frágil a respeito da interação.
Para construir práticas avaliativas que sejam condizentes com as
propostas de uma aprendizagem significativa, é preciso conhecer e
reconhecer o contexto e a cultura escolar. A avaliação é permanente-
mente sentida como um processo presente em todos os aspectos da
vida escolar.
Tudo parece viver na escola sob a pressão constante da avalia-
ção, principalmente a avaliação do aluno pelo professor. Esta visão
reproduz o caráter de uma sociedade credencialista e meritocrática,
servindo para distribuir socialmente o conhecimento.
A escola inventa atividades consideradas capazes de provocar
aprendizagens, segundo aponta Perrenoud (1995,p.21). A questão
avaliativa, presente diariamente no cotidiano da sala de aula tem tam-
bém como função, além de classificar e excluir, justificar a presença
do aluno na escola, mantendo um mecanismo em constante funcio-
namento, com os estudantes realizando aquilo que já foi previamente
estabelecido para os mesmos.
“Fazer um bom trabalho na escola é fazer um trabalho não
remunerado, largamente imposto, fragmentado, repetitivo e constan-
temente vigiado” ( PERRENOUD, 1995, p.71). As atividades realizadas
na escola possuem esse caráter de obrigatoriedade, individualidade e
repetitividade.
As características do trabalho escolar desconsideram os princi-
pais aspectos que envolvem a vida dos alunos, seus anseios, suas
semelhanças e diferenças e as maneiras pelas quais eles aprendem,
os mecanismos utilizados pelos mesmos para adquirir o conhecimento
formal ofertado pela escola.
75
O ritmo e o desenrolar das atividades escolares propostas são
diferentes dentro de uma turma. Cada aluno, dono de um universo
particular, com suas próprias experiências vai vivenciando a sua atu-
ação, mesmo obedecendo a regras que, teoricamente, são iguais para
todos. Há, na escola, uma atmosfera de vigilância, controle e deter-
minações que visam manter a organização, mesmo que aparente, de
um ambiente que pertence a indivíduos que não são peças mecânicas,
mas pessoas.
76
ampliadas e aprimoradas, através da interação entre eles e deles com
o conhecimento” ( BARRETO,2006,p.03). A interação social é uma
característica marcante do ser humano, fora e dentro da sala de aula,
sabendo-se que a escola é uma exemplificação do mundo exterior,
nela as relações entre os diferentes grupos e entre os companheiros,
acontecem todo o tempo de maneira oficial ou não.
Essas relações interferem na maneira como o individuo percebe a
si mesmo e o contexto social no qual está inserido, e a sua ocorrência
está diretamente relacionada com o processo de aprendizagem dos
alunos.
A aprendizagem colaborativa considera que o conhecimento é
resultante de um consenso entre membros de uma comunidade de
conhecimento, algo que um grupo constrói trabalhando junto, de forma
direta ou indireta. Avaliando-se este trabalho do grupo, é possível ana-
lisar diversos aspectos que ultrapassam a simples mensuração de uma
nota por acertos e erros: a avaliação em uma perspectiva da aprendi-
zagem colaborativa permite a observação de uma série de fatores que
relatam quem é o aluno, como ele se relaciona, como ele coopera com
o outro, como ele se envolve com determinado tema e como se com-
porta em diversas situações proporcionadas pelos momentos em que
está inserido em um grupo.
Na aprendizagem colaborativa há o principio que motiva a par-
ticipação do estudante no processo de aprendizagem e que faz da
aprendizagem um processo efetivo. Ao contrário do que ocorre em
situações que caracterizam-se pela competitividade, nas situações
colaborativas os grupos apresentam-se com uma organização mais
aberta e podem até mesmo se constituir a partir de critérios menos
limitados, valorizando a motivação ou o interesse dos alunos. Esta
organização determina como este grupo irá desenvolver o seu traba-
lho, tornando este aspecto um princípio a ser avaliado.
A colaboração é uma filosofia de interação e um estilo de vida pes-
soal. Essa aprendizagem sugere uma maneira de lidar com as pessoas
que respeita e destaca as habilidades e contribuições individuais,
sendo que os membros envolvidos compartilham responsabilidades e
ações.
77
A aprendizagem colaborativa compreende o processo de rea-
culturação que auxilia os estudantes a se tornarem membros de
comunidade do conhecimento cuja propriedade comum é diferente
daquela da qual os mesmos são originários. Pressupõe uma ação mais
efetiva da participação na aprendizagem.
O objetivo da aprendizagem colaborativa, segundo Feitosa (2004)
é atingir o consenso por meio de uma conversa expansiva. Essa con-
versa considera os níveis: primeiro, acontece um pequenos grupos de
discussão, depois entre grupos de uma sala de aula, entre a classe e
o professor e por fim, entre a classe, o professor e uma ampla comuni-
dade do conhecimento.
Springer, Stanne e Donovam (1997) apontam que os estudantes
que aprenderam em grupos pequenos demonstraram maior realiza-
ção do que estudantes que obtiveram informações sem a participação
de seus pares em processo colaborativo. Essa forma de aprendizagem
acrescenta vantagens, de acordo com Akel Filho ( 2006), por facilitar
a resolução de tarefas complexas, através da divisão destas mesmas
tarefas.
78
os alunos são de alguma maneira beneficiados ao serem envolvidos
em um projeto comum. A aprendizagem colaborativa amplia a parti-
cipação do estudante, visto que oferta uma aceitação mais ampliada
para pessoas pertencentes a outros grupos, como por exemplo con-
fissões religiosas diferentes das predominantes na sala de aula: “Isso
porque a aprendizagem colaborativa cria oportunidades aos alunos
de trabalharem de forma interdependente em tarefas comuns, apren-
dendo a apreciar-se uns aos outros de um modo natural” ( CORREIA E
DIAS, 1998, p.119)
O professor, na aprendizagem colaborativa deve criar atividades
que ajudem os estudantes a descobrirem e tirarem vantagem da hete-
rogeneidade do grupo para aumentar o potencial de aprendizagem de
cada membro do grupo,
De acordo com Dillenbourg (2002), o caminho para realçar a efi-
cácia da aprendizagem colaborativa está na estrutura de interações,
aclopando estudantes em posições definidas. A colaboração livre não
produz sistematicamente a aprendizagem. A simples troca de ideias
entre os pares não significa que há um ambiente e um momento propí-
cios para a aprendizagem, ou para a construção de soluções para um
determinado problema. A tarefa precisa possuir elementos que favo-
reçam e instiguem de forma ativa a troca de informações e as demais
ações que possibilitam a aprendizagem dentro do grupo. A tarefa
deve possuir um caráter instigador, que oportunize a organização de
pensamentos e reflexões coletivos que projetem novas perspectivas,
proporcionando desta forma a efetivação de uma aprendizagem tanto
individual como coletiva.
A questão dos trabalhos em grupo envolvem diversas variáveis
que estão em uso nos grupos. A compreensão a respeito de como os
alunos interagem e desenvolvem saberes nessa modalidade é um ele-
mento primordial a ser analisado pelos professores, pois a atividade
realizadas em pequenos grupos é um elemento medidor que revela em
detalhes aspectos referentes ao modo como a aprendizagem acontece
em sala de aula. Quando o aluno trabalha individualmente, a visualiza-
ção dos conflitos internos e dos modos de alcançar uma determinada
resposta são menos explicitados.
79
Considerações Finais
80
entre os diversos grupos humanos, possa adquirir um espaço efetivo
nas propostas de avaliação, enquanto uma parte do processo de
aprendizagem.
Referências
81
PERRENOUD, Phillipe. Ofício do Aluno e Sentido do Trabalho Escolar.
Coleção Ciências da Educação. Porto, Ed Porto, 1995.
82
Avaliação na escola regular e na escola integral
83
professor. A função do professor é esta, a de apresentar, socializar e
ensinar o que foi construído culturalmente pela humanidade. Se não
há este acompanhamento, como saber se o trabalho docente é eficaz
e adequado?
Há uma ciência da Educação, com o nome de Docimologia, que
estuda os processos avaliativos. Tem métodos e questões próprias
das ciências e faz parte no conteúdo da disciplina de Didática. Ela tem
por princípio o estudo dos processos avaliativos em duas direções: um
examinador corrigindo duas avaliações e dois avaliadores corrigindo a
mesma avaliação – quais são as razões para tantas discrepâncias em um
conceito final? Não deveria ser o mesmo ou pelo menos semelhante?
Se fizermos uma comparação entre professores e vendedores, fica
mais fácil perceber a necessidade de avaliar. Enquanto um vendedor,
para assim se chamar, precisa que haja a contrapartida de alguém
que compra, para o professor não se pode dizer que ele, ensinando os
alunos, na contrapartida, aprendem. Tanto é verdade que em tempos
remotos comprar e vender eram termos substituídos pelo escambo.
Havia a troca de produtos por outros, em uma relação de equivalên-
cia. No caso do professor, nada garante que, ao ensinar, seus alunos
apreendam e aprendam.
Avaliar, etimologicamente, significa dar valor a, e todos os sinóni-
mos deste termo se categorizam em dois grandes grupos: o de medir
e o de julgar. Portanto podemos dizer que avaliar pode ser entendido
como medição ou como julgamento. E é ali, acreditamos, que reside o
cerne das dificuldades dos processos avaliativos. Enquanto medimos
a partir de um objeto, um “metro”, não há grandes problemas. Ele,
o “metro”, é um objeto imutável. Em uma prova com cinco questões,
cada uma valendo vinte pontos, se o aluno acertou três, a nota é seis e
não há grandes dificuldades em entender e aceitar isto. A dificuldade
surge quando temos que, no lugar de medir, julgar, pois isso se dá a
partir de “leis” que são determinadas por sujeitos e outros sujeitos
terão que, a partir dessas “leis” dar nota. A interpretação é subjetiva
e pode variar de uma pessoa para outra. O mesmo instrumento ava-
liativo pode ter variações significativas no resultado e os problemas
então se fazem presentes.
84
Outra questão importante é o que deve-se levar em conta ao pensar
em um processo avaliativo. Há três dimensões a serem consideradas: a
política, a técnica e a epistemológica. A dimensão política estuda e se
apropria do que o Ministério de Educação e Cultura (MEC) preconiza
como adequado para o nosso país. Se não é a Federação a decidir, o
Estado, os Municípios e as próprias instituições de ensino determinam
o que ensinar e como avaliar. Dificilmente temos como interferir nisto.
A dimensão técnica mostra como elaborar instrumentos avaliati-
vos adequados a cada situação educacional. Dependendo do teórico
escolhido, os modelos mudam, mas percebe-se com muita frequência
cópias mal elaboradas de modelos antigos, como se não fosse possível
criar outros.
A dificuldade, pouco estudada e por-
tanto muitas vezes mal entendida, está em
ver estes processos de avaliação pelo viés
epistemológico. Qual é importância do que
ensino? Por que ensino? Como faço isto?
Como este conhecimento foi “construído” e
como ele interfere (ou não) na vida de meus
alunos. Epistemologicamente, o que eu, pro-
fessor, ensino, tem sentido? Sem responder a
estas perguntas, dificilmente meus planos de
aula estarão de acordo com as necessidades
de meus alunos e das minhas, como docente
responsável pelo processo. Há uma imagem
bem significativa para o excesso de conteúdos
ensinados:
A imagem acima é do livro, Cuidado, Escola! de 1980, e é consi-
derado um clássico da Educação e foi prefaciado por Paulo Freire. Já
na época se percebia que os conteúdos eram demais e cada vez mais,
eles foram crescendo em volume, com pouquíssima profundidade. Há
mais projetos na escola sendo realizados que efetivamente conteúdos
escolares sendo ensinados. Não se nega a importância de se traba-
lhar com projetos dos mais variados, mas sem os conteúdos basilares
85
tais como o domínio do código escrito, a leitura de outros assuntos
se torna impossível. Sem saber operar minimamente com os números,
todo e qualquer cálculo é impossível de ser realizado. Sem ser capaz
de se localizar em um mapa ou em outro espaço que não o conhe-
cido usual, perde-se a noção de onde se está e para onde quer-se ir.
Conhecer a própria história permite sonhar um futuro. E não é querer,
com saudosismo, voltar a um passado recente, mas sim valorizar méto-
dos e propostas metodológicas que sabidamente estavam trazendo,
para a época, resultados melhores dos que apresentados hoje pelos
nossos alunos.
Se retomarmos novamente o conhecimento como cerne do pro-
cesso educacional, podemos retomar os tipos de conhecimento que
os gregos identificavam e que em português foram agrupados sob o
termo conhecimento, são eles: doxa, sophia e episteme. Enquanto o
conhecimento doxa e considerado o do senso comum, daquele que
se aproxima de uma primeira impressão, sem reflexões realizadas, o
denominado sophia vem da experiencia de vida. São pessoas que já
vivenciaram situações e com este pensar reflexivo, construíram o seu
saber. Já o conhecimento episteme, ou epistemológico, é aquele que é
recolhido, organizado e sistematizado pela academia. Ou seja, há uma
instituição que valida este saber e é respeitada por fazer isto.
Se pensarmos na escola, qual é o tipo de conhecimento que
é levado para a sala de aula? O doxa, com certeza não. O sophia,
paulatinamente está sendo introduzido no Ensino Superior, caso
da utilização de ervas para auxiliar em sanar doenças. Denominada
Fitoterapia, a disciplina já é ensinada nas faculdades e universidades
e assim se espera, que profissionais da Educação, em formação, ao
irem para a sala de aula, carreguem consigo estes saberes sophia tão
e mais próximos dos alunos.
O Professor doutor Jean Houssaye, teórico francês ainda em exer-
cício, nos apresenta um triângulo pedagógico, cujos vértices são o
conhecimento, o professor e o aluno, independentemente da ordem
ou de uma hierarquia.
86
Conhecimento
87
Pensar no professor é pensar no trabalho que realiza e sempre vai
realizar em suas ações educativas: planejar, agir e avaliar. Aprender
a fazer isto é estudar Didática. Didática e Metodologia, ciências da
Educação que se complementam mas que são diferentes. Enquanto a
Metodologia (do grego meta + hodos) tem como foco o estudo das dife-
rentes maneiras de se ensinar algo, ou seja apresentar os diferentes
caminhos para se chegar a algum lugar, a Didática1 estuda a escolha
do melhor caminho para ensinar para determinados alunos em certo
espaço de tempo e lugar. Planejar o que pode ser melhor para o grupo
de alunos no local de aprendizagem, é função da Didática. Conhecer
as possibilidades de ensino faz parte da área da Metodologia. É como
se fosse um jogo de xadrez onde os passos são pensados para o
xeque-mate, o aprendizado. Portanto, as diferentes possibilidades de
caminhos para a continuidade do jogo é a Metodologia, e a escolha do
caminho a ser seguido faz parte da Didática.
Nesta seara muitos são os teóricos que se debruçaram sobre os
processos avaliativos e grande parte do que ainda é feito hoje provem
de Benjamin Bloom (1913-1999), pedagogo e psicólogo americano que
escreveu o livro Taxonomia dos objetivos cognitivos, ou Taxonomia de
Bloom, traduzido e publicado no Brasil em 1973. O trabalho consiste
em uma estrutura de organização hierárquica de objetivos educacio-
nais, que foi resultado do trabalho de uma comissão multidisciplinar
de especialistas de várias universidades dos Estados Unidos, liderada
por ele, no ano de 1956. A classificação proposta por Bloom dividiu as
possibilidades de aprendizagem em três grandes domínios:
1 A Palavra Didática tem sua origem no verbo grego didasko, que significava ensinar ou instruir.
Como nome de uma disciplina autônoma ou como parte de saberes mais ampla (Pedagogia), a
Didática, desde Comenius, significa o tratamento dos “preceitos científicos que orientam a ativi-
dade educativa de modo a torná-la eficiente”. Portanto podemos considerar que DIDATICA é a
arte de transmitir conhecimentos, e de acordo com Comenius, é a arte de ensinar tudo a todos.
88
- o psicomotor, abrangendo as habilidades de execução de tare-
fas que envolvem o aparelho motor.
• Prova oral,
• Prova escrita:
• objetiva ou dissertativa,
• Trabalho:
• parcial (relatórios),
• total (portfólios),
• Auto-avaliação.
• Debate,
• Seminário,
• Painel,
• Estudos de casos,
• Trabalho em grupo,
• Prova elaborada/resolvida em grupo.
89
Tal estudo foi tão amplo que especificou também o grau de dificul-
dade de cada tipo de enunciado. Para cada tipo de questão, Bloom
sugere verbos para os enunciados das questões. Esta graduação vai
da questão mais simples, (re)conhecimento, para a mais complexa,
(julgamento/avaliação), assim:
90
Referências
91
Inclusão e exclusão: a diversidade na
escola pública brasileira
Introdução
92
que vive a experiência. O processo de interpretação pode ser uma
tarefa complexa para pesquisadores à medida que a subjetividade de
cada pessoa produz seus próprios significados para cada evento ou
circunstâncias. Desse modo, evidencio uma concepção de pesquisa
que consiste em um processo interpretativo dialógico e colaborativo,
isto é, que considere as várias subjetividades e que dialogue com ato-
res envolvidos na pesquisa, a fim de minimizar as consequências de
interpretações únicas e totalizantes.
Minha proposta é iniciar o artigo com a apresentação de alguns
relatos a fim de provocar reflexões sobre o processo de inclusão/
exclusão no contexto escolar. Buscarei organizar tais narrativas não
necessariamente pela cronologia dos acontecimentos, mas pela rela-
ção apresentada entre os eventos.
93
Um dos contos escolhidos referia-se aos orixás1, os livros paradidá-
ticos foram adquiridos pela escola e emprestados para os estudantes
lerem em casa. No prazo determinado para a devolução dos livros e
realização das atividades referentes à leitura, foi constatado que a
maioria dos estudantes não havia lido e que não haviam devolvido os
livros porque o líder religioso da comunidade teria retido as obras por
julgar o conteúdo inadequado para as crianças.
Entre a indignação e o desespero, a diretora relatou que foi con-
versar com o religioso e apelou ao seu conhecimento antropológico,
alegando que a escola tratava o tema como manifestação cultural e
a partir de então, a escola convidou os líderes de diferentes deno-
minações religiosas para um diálogo com a comunidade. De acordo
com a diretora o resultado dessa proposta foi positivo e os estudantes
praticantes de religiões de matrizes afro-brasileira passaram a assumir
suas identidades religiosas.
O que esses dois casos têm em comum? São duas situações reve-
ladoras de conflitos entre diferentes saberes e crenças no espaço
escolar, entretanto as situações se divergem pelo encaminhamento da
situação-conflito. No primeiro caso não houve um diálogo direto entre
escola e família, a escola acuada solicitou a presença da secretaria da
educação para mediar o conflito, enquanto que na segunda situação a
diretora e sua equipe pedagógica apostaram no potencial enriquece-
dor do conflito para promover novas situações de aprendizagem e de
interação com a comunidade. Com base nos casos inicialmente apre-
sentados, destaco que o processo de inclusão se refere ao modo como
cada instituição, através de seus atores, identifica barreiras e proces-
sos de exclusão e busca eliminá-los de forma coletiva em situações de
diálogo e participação.
1 Os orixás são deuses africanos que correspondem a pontos de força da Natureza e os seus
arquétipos estão relacionados às manifestações dessas forças. Disponível em: https://ocan-
domble.wordpress.com/os-orixas/. Acesso em 18 ago. 2015
94
Entre saberes e experiências: investigando o processo de
inclusão em educação
95
das barreiras à aprendizagem em um universo de profundas desigual-
dades educacionais poderia, ou não, ser considerado um evento de
interesse para a pesquisa em educação? Entre outras hipóteses, pen-
sei ainda que a professora estaria adotando uma postura de modéstia
ao se referir a uma prática que em seu discurso denotava credibili-
dade ou que isso poderia representar também uma baixa expectativa
em relação ao seu trabalho. No decorrer da observação em campo,
percebi que na realidade a professora queria expressar que a prática
do LA revelava um cotidiano que poderia ser praticado nos eventos
de aprendizagem que ocorrem em sala de aula, no que se refere à
postura do professor e às atividades selecionadas como mediadoras
desse processo.
Essa experiência me levou a considerar que um espaço escolar
marcado pelo ‘extraordinário’, no contexto de nossas desigualdades
estruturais em seus aspectos sociais e educacionais, seria a trans-
formação que o conhecimento proporciona às pessoas envolvidas
no processo educativo. O acesso ao conhecimento em nossa socie-
dade representa democratização do poder, a profissão docente tem
um forte compromisso político que pode se expressar com o incon-
formismo diante das barreiras à aprendizagem e à participação dos
estudantes. A ‘rotina’ escolar, na perspectiva de uma proposta inclu-
siva, baseia-se na criação de alternativas pedagógicas capazes de
contribuir para o sucesso de todos os estudantes e não apenas de
uma parcela deles. Assim, me utilizei da metáfora da orquestração de
práticas para propor a adoção de conhecimentos significativos e rele-
vantes aos contextos culturais dos estudantes, sem menosprezar suas
habilidades e secundarizar o processo de aprendizagem. De acordo
com Santiago (2013, p. 127)
96
constatamos a existência de diferenças e singularida-
des em nossos estudantes; todavia, na perspectiva que
adotamos, cada um em sua diversidade enriquece o
contexto de sala de aula e a necessidade de recursos
para viabilizar sua participação e sua aprendizagem. A
harmonia da orquestra se transforma em aprendizagem
para todos no contexto escolar. Uma vez que a orques-
tra é harmônica em virtude da regência de um maestro
(mestre), podemos inferir que a prática pedagógica tam-
bém pode produzir harmonia, em termos de oportunizar
a aprendizagem para todos, à medida que o mestre saiba
explorar a potencialidade de cada um e suas diferenças,
enquanto recurso que possibilite maior riqueza de signi-
ficados e de sentidos que circulam no contexto escolar.
97
não saber que, mesmo sendo circunstancial, atribuía-lhe uma condi-
ção de inferioridade em comparação aos outros que sabiam ler.
Ao abordar as diferenças em educação, Skliar (2005) considera
que seria interessante não fazermos referência à distinção entre “nós”
e “eles”, nem estarmos inferindo nenhuma referência ou condição da
aceitabilidade acerca do outro e dos outros. Nas suas palavras:
98
Inicialmente concebido como espaço de mediação e de superação
das prováveis barreiras que interferem na aprendizagem e na partici-
pação dos estudantes, enquanto espaço diferenciado o LA pode se
converter em espaço diferenciador.
A dialética relação entre inclusão e exclusão nos coloca diante de
situações paradoxais que exigem nossa reflexão e posicionamento
contínuos, no sentido de não atribuirmos ao outro o lugar que pensa-
mos ou julguemos que ele deva ocupar em seu próprio benefício. Nesse
contexto, destacamos que a escola tem um fundamental papel no pro-
cesso na constituição identitária dos estudantes, na medida em que
os processos de identidade e diferença se traduzem em operações de
inclusão e de exclusão, em declarações sobre quem pertence e quem
não pertence. O espaço escolar tem sido historicamente constituído
como um demarcador de fronteiras que elege, legitima e classifica
quem fica dentro ou fora. Tal demarcação de fronteira, responsável
pela separação e distinção de comportamentos, atitudes de pessoas
e grupos afirmam e reafirmam as relações de poder, classificando e
hierarquizando, conforme a identidade e a diferença atribuídas às pes-
soas e aos grupos.
99
Perguntei em que sentido ela afirmava isso e ela respondeu que
em relação à realização de atividades, frequência e participação. Não
seria essa afirmação uma forma de transferir a culpa referente às bar-
reiras enfrentadas aos próprios estudantes? A falta de compromisso
em relação às atividades, bem como a pouca frequência e participação,
são barreiras à participação, que após serem identificadas, precisam
ser reduzidas. Mas se identificamos tais barreiras como responsabili-
dade dos próprios estudantes, ou se a encaramos como algo natural,
a escola como um todo fica imobilizada no sentido de oferecer recur-
sos e condições para a superação dessa realidade, pois se a culpa é
do próprio estudante e de sua família, ou se a coisa é natural, não há
necessidade de articulação para resolver tais questões.
A investigação dos LA revelou que suas práticas expressam a ten-
são em colocar valores e princípios de inclusão em ação. Embora todos
os LAs investigados pertençam à mesma rede de ensino, o perfil dos
estudantes desse espaço se diferencia de acordo com cada escola no
que se refere à participação e à aprendizagem. Os eventos e situações
elencados a partir de observações nas escolas, se traduzem como um
movimento interpretativo de pesquisa, ao analisar dimensões analíti-
cas enquanto produções discursivas, identifiquei que a construção de
culturas, o desenvolvimento de políticas e a orquestração de práticas
de inclusão nas instituições educacionais, estão intimamente rela-
cionadas com as condições de participação e distribuição de poder
existentes no interior das escolas.
Um passo importante para as transformações desejadas e neces-
sárias em nossas escolas seria assumir posicionamentos ideológicos
e práticas pedagógicas que produzam movimentos que questionem
as relações de poder, traduzidas em práticas discriminatórias e hege-
mônicas que perpetuam as relações de exclusão. A mudança de tais
práticas pressupõe a adoção e a construção de novas relações e prá-
ticas pedagógicas que se converterão em relações mais democráticas
e participativas em nossas escolas.
A escola como espaço de formação para o processo de inclusão:
finalizando considerações
100
O processo de formação docente é contínuo e a escola é um
espaço formativo por excelência. Com base nessa premissa a escola
torna-se indispensável no processo de formação inicial e contínua de
educadores. Na universidade em que atuo como docente, temos um
componente curricular denominado Pesquisa e Prática Pedagógica
(PPP) que tem o propósito de articular teoria e prática ao longo de
toda a licenciatura em Pedagogia.
Considero esse componente curricular muito enriquecedor tanto
para o processo de formação dos estudantes como para o intercâmbio
entre educação básica e ensino superior, desse modo busco construir
uma proposta que possibilite a participação dos estudantes no coti-
diano escolar, evitando que se limitem exclusivamente à observação.
Ao fim do semestre solicito que os estudantes apresentem um
memorial de formação (escrito) e que façam relato de experiência (oral)
sobre as atividades desenvolvidas na escola. Em alguns casos vejo
relatos que destacam experiências propositivas e consideradas bem
sucedidas, em outros casos os estudantes afirmam que aprenderam
o que não devem fazer enquanto educadores, todavia destaco uma
situação em que o estudante em tom desanimado, disse que a escola
lhe pareceu um “freio de mão”. O estudante em questão é dedicado e
entusiasmado com curso de Pedagogia, foi para a escola com muitas
ideias e desejo de participar. Mas, ao contrário do que esperava, se
deparou com uma realidade muito diferente e obteve resposta nega-
tiva para todas as suas proposições de participação.
Esse episódio é importante, pois envolve situações de exclusão
recorrentes nas escolas no que se refere à incoerência de regras,
omissão em situação de discriminação, impedimento de participação
com autonomia, conteúdos curriculares desconectados da realidade,
avaliação como exame e não como investigação do processo de ensino
-aprendizagem, relações verticais entre os atores, ausência de diálogo.
Como superar tais barreiras no cotidiano escolar? De que maneira
formar novos educadores com princípios de inclusão em uma escola
excludente?
101
Ao considerarmos que processo de inclusão é infindável, somos
impelidos a rever culturas, políticas e práticas de inclusão/exclusão
em educação (BOOTH; AINSCOW, 2011), o que implica em investir no
incentivo à aprendizagem e à participação de todos os estudantes em
todas as etapas da educação; na valorização de todas as pessoas que
compõem os espaços educacionais; nas diferenças como possibilidade
e apoio à aprendizagem e no reconhecimento que a inclusão em edu-
cação é um aspecto da inclusão na sociedade.
Ao longo dessas experiências tem sido comum ouvir educadores
expressarem um sentimento de incompletude e de incertezas diante
dos desafios do processo de inclusão em educação, fato que me faz
reportar ao mestre Paulo Freire (1996) que diz: “O inacabamento do
ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida,
há inacabamento. Mas só entre mulheres e homens o inacabamento se
tornou consciente”.
O sentimento e a consciência do inacabamento dos educadores se
revestem de esperança, pois ao nos assumirmos desse modo, significa
que precisamos continuar caminhando e produzindo condições necessá-
rias e concretas para a efetivação da escola pública com qualidade para
todos. Longe de uma perspectiva ingênua, em tempos de intolerância
e face às relações de poder impressas em nosso atual cenário político
e social, educar na/para/com a diversidade exige o combate àqueles
que se opõe às teorias libertadoras e emancipatórias, resgatando ou
desenvolvendo em nossas práticas cotidianas as orientações freireanas
referentes à reflexão crítica sobre a prática; corporeificação das palavras
pelo exemplo; convicção de que a mudança é possível; compreensão que
educar é uma forma de intervir no mundo; rejeição a qualquer forma de
discriminação e, sobretudo, disponibilidade para o diálogo.
Referências
102
BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. A reprodução: elementos para uma
teoria do sistema de ensino. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
103
Um estudo longitudinal do desenvolvimento da
inserçao de tecnologia em sala de aula de Matemática
Introdução
104
pesquisa, de cálculo, de produção de texto e de material de comuni-
cação. Entretanto, ainda é pequena a produção de materiais didáticos
com este enfoque, bem como o relato e o registro de experiências que
abordem conjuntamente conceitos matemáticos e a manipulação de
tecnologia. É escassa a oferta de projetos e problemas, mediados pela
tecnologia, desenhados de forma que se possa estabelecer um método
de avaliação efetivo a fim de acompanhar, intervir, e desenvolver tais
capacidades. Também observamos essa escassez quando procuramos
e pesquisamos sobre atividades escolares que extrapolem seus “con-
teúdos” em direção a inclusão de outras habilidades, a saber, trabalho
em grupo, planejamento, processos voltados para um produto final
que tem como objetivo a comunicação a terceiros. Segundo Mercado
(2002), ocorre uma mudança qualitativa no processo de ensino/apren-
dizagem quando se consegue integrar dentro de uma visão inovadora
todas as tecnologias: as telemáticas, as audiovisuais, as textuais, as
orais, musicais, lúdicas e corporais. A diferença didática não está no
uso ou não uso das novas tecnologias, mas na compreensão das suas
possibilidades na compreensão da lógica que permeia a movimentação
entre os saberes no atual estágio da sociedade tecnológica (Almeida,
2001, 2002). Balacheff (1996) defende que o computador torna-se um
novo parceiro nas práticas didáticas e que o uso do computador difere
do uso de materiais concretos e desenhos no processo ensino-apren-
dizagem na medida em que o seu uso implica automaticamente em
representações de objetos e relações entre eles.
O advento da internet e as constantes inovações tecnológicas
mudam a sociedade e o ambiente de trabalho. Não faz sentido pensar
educação sem levar em consideração estas mudanças. Alunos, profis-
sionais de ensino e professores devem absorver em suas práticas os
novos instrumentos e saberes, a fim de que as capacidades desejadas
(sociais, interpessoais, cognitivas, tecnológicas, entre outras) possam
ser trabalhadas e desenvolvidas.
Os sujeitos da pesquisa a seguir foram os estudantes do 6a. ano
de uma escola particular, que cursaram a disciplina Matemática entre
os anos de 2009 e 2014. Todas as aulas foram ministradas em Inglês.
105
O grupo de alunos era bastante heterogêneo em relação ao nível
acadêmico (diferentes níveis de conhecimento matemático), e a nacio-
nalidade (em média 50% de alunos estrangeiros, possuindo em torno
de 7 línguas maternas diferentes).
Metodologia
106
nas caixas trazidas, bem como as semelhanças e diferenças
entre elas – tamanho, formato, cores, utilidade, entre outros.
Escolha das escalas a serem utilizadas pelos alunos (os alunos
com mais dificuldade de cálculo foram encorajados a escolher
escalas mais fáceis, como por exemplo, 1/2; alunos mais avan-
çados deveriam escolher escalas mais desafiadoras, como por
exemplo 1/5, 1/6, 1/8).
3. desmonte e medida das dimensões das caixas pelos alunos.
Aplicação das escalas escolhidas e medidas das novas dimen-
sões. Desenho das novas dimensões em uma cartolina. Corte e
montagem das novas caixas.
4. cálculo da área da superfície e do volume de ambas as caixas.
Comparação, discussão sobre expectativas e resultados.
5. relato por escrito do processo, dos resultados e do aprendi-
zado ocorridos. Inclusão de tabelas com dados, de fotos e de
vídeo no documento final.
107
Segue abaixo uma tabela com os instrumentos utilizados para fazer
a mesma atividade ao longo dos anos. Seguem também o mais recente
plano de aula.
108
Celular e tablet dos alunos para tirar fotos durante o processo,
Documentos compartilhados entre aluno e professor para digi-
tar reflexões e receber correções
Documentos compartilhados com a turma com as fotos disponí-
veis para uso
2014 6 aulas
Vídeo/apresentação do grupo relatando o processo e o aprendi-
zado (habilidades e conteúdos)
Divisão de tarefas, alunos fazem atividades diferentes intera-
gindo ao longo da execução. Produto final comum que utiliza
diversos recursos de mídia (livre escolha dos alunos).
Resultados e discussão
109
através do instrumento Google Drive). A disponibilidade deste novos
instrumentos, e o fato de serem mais modernos, com capacidade de
processamento rápido e eficiente, faz com que sejam rapidamente uti-
lizados. Esta disponibilidade também revela novos saberes, os quais
já estão impressionantemente internalizados por alguns alunos (por
exemplo o aplicativo pow tunes para apresentações com animação).
Dentro desta esfera observamos a necessidade de um formação contí-
nua dos professores para que estejam aptos a conhecer, compreender,
julgar e planejar atividades que absorvam os instrumentos tecnológicos
que são criados e melhorados a cada dia, praticando assim comporta-
mentos que queremos desenvolver nos nosso próprios alunos, a saber,
o espírito investigativo, a flexibilidade, a busca pelo conhecimento, a
capacidade do auto aprendizado, a criatividade, entre outros. (fontes
sobre como integrar tecnologia em atividades e projetos em sala de
aula disponíveis no site “Edutopia”) (Edutopia, 2007).
110
esperado que todos os alunos tenham os seus próprios computadores
em todas as aulas, o que no mínimo facilita e estimula a investigação
e competência tecnológica. A seguir um depoimento da aluna Marta
sobre as suas medidas e as suas conclusões.
Transcrição de vídeo traduzida de aluno:
111
alunos que até então eram considerados “fracos” em matemática se
revelam como exímios desenhistas e com ótimo raciocínio espacial.
Ou ainda, alunos que apresentam necessidades especiais com escrita
e fala se superam ao manipular materiais concretos e processadores
de textos no relato da experiência acadêmica, além de serem muito
bons em interações sócias. Por exemplo, Elizabeth que sempre foi uma
aluno muito fraca em matemática, com notas abaixo da média obteve
a maior nota da sua turma neste projeto já que tinha uma capacidade
manual incrível bem como um conhecimento tecnológico bem acima
dos demais. Ao longo da atividade Elizabeth ganhou confiança e se
motivou; ela experimentou, trabalhou capacidades atuais essenciais
na vida de jovens e adultos e se viu capaz de uma performance de
alto nível. Da mesma forma, Henrique, que é disléxico, e exibiu um dos
melhores projetos finais, com fotos, tabelas, cálculos corretos e uma
reflexão bastante completa, feita com a ajuda do computador. Julia
foi outra aluna cujo desempenho sempre esteve no grupo dos 5% mais
fracos quando avaliada com testes padronizados, e que sempre teve
dificuldade em acabar tarefas no tempo delimitado, mas que fez um
projeto completíssimo e detalhado, além de ter ajudado imensamente
diversos colegas na fase de desenho, corte e dobradura dos modelos.
Por outro lado, o aluno William, um dos mais “fortes” da turma apre-
sentou um produto final medíocre, escrita sem detalhes, modelo sem
capricho e apresentação do documento final bem aquém do esperado;
ele não foi paciente ao longo do projeto e praticamente não interagiu
com os colegas. A tecnologia possibilita a avaliação de alunos diferen-
tes sobre competências diferentes e de formas diferentes.
O uso de computadores ajuda a diferenciar atividades. Fica mais
fácil atender a diferentes níveis de conhecimento, diferentes neces-
sidades, acomodações, e interesse dos alunos na medida em que o
computador oferece opções para se demonstrar entendimento e
compreensão do material discutido. Por exemplo, os alunos podem
apresentar um projeto final através de um pôster, um vídeo, uma apre-
sentação animada, uma entrevista, etc. No vídeo transcrito abaixo
ama aluna demostra a sua compreensão em relação ao seu modelo
final, sobre como a escala modifica áreas e volumes:
112
Transcrição de vídeo traduzida de aluno:
Considerações Finais
113
podem assumir o papel de instrutores, aquando apresentam softwares
que treinam e oferecem explicações de como se realize alguma tarefa,
oferecendo conceitos sobre praticamente qualquer domínio; mas tam-
bém podem exercer um papel significantemente mais importante do
que o de uma simples máquina de ensinar: o papel de mídia educacio-
nal. Segundo Valente (1994, 1999):
114
O desafio do uso do computador como facilitador no processo edu-
cativo atual, que deve contemplar a aquisição de novas competências
por um publico já letrado tecnologicamente, passa necessariamente
pela formação do professor e pela disponibilidade dos recursos tec-
nológicos, a saber, máquinas (celulares, tablets) e, dependendo da
atividade, também rede. Vale ressaltar que este trabalho foi feito em
uma sala de aula peculiar, onde o acesso as máquinas e a rede não
era um obstáculo ao uso da tecnologia em atividades e projetos de
sala de aula. Esta realidade é bem diferente se pensarmos outros
ambiente, como por exemplo, a grande maioria das escolas públicas
brasileiras. Entretanto, a escassez de recursos não deve desanimar a
investigação dos professores em relação ao planejamento de possíveis
e viáveis atividades. Hoje em dia a grande maioria dos alunos, mesmo
de escolas públicas tem aparelhos celulares, o que já abre uma série
de possibilidades em relação ao uso de tecnologia digital na busca de
informações, investigação de dados, execução de vídeo e texto e o
compartilhamento de documentos (Hardison, 2013).
Seguindo os resultados do trabalho, podemos apresentar como
desafio “secundário” a capacidade dos profissionais em, uma vez
tendo planejado e executado atividade que inclua o uso de tecnologia
e que esteja de acordo com o novo paradigma da educação (formar
indivíduos investigadores, criativos e independentes), eles estejam
também aptos a absorver novas tecnologias e continuar a busca de
novos caminhos, novos programas e aplicativos que possibilitem ainda
mais as investigações, as interações e a produção criativa, se mos-
trando flexíveis e motivados por serem agentes facilitadores na busca
constante de saberes mutáveis.
Referências
115
ALMEIDA, M. E. B. Informática e formação de professores. Brasília:
Ministério da Educação/Proinfo, 2001.
116
MERCADO, Luis Paulo Leopoldo. (Org.).Novas tecnologias na educação:
reflexões sobre a prática. Maceió. Edufal, 2002.
(Endnotes)
117
Educação a distância e formação humana:
a importância das práticas docentes
118
aprendizagem que passaram a integrar professores e alunos em tempo
real, a noção de distância entre professor e alunos modifica-se a partir
do conceito de interatividade e de “aproximação virtual”.
O conceito de Educação a Distância no Brasil é definido oficial-
mente por meio do Decreto 5.622 de 19 de dezembro de 2005, que
regulamenta o art. 80 da Lei 9.94 de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional:
119
Tomamos, então, a definição de educação a distância como o
espaço interativo de ensino e de aprendizagem, mediado por tecnolo-
gias de informação e comunicação, no qual a aprendizagem se constrói
em um ambiente afetivo, cognitivo e social, partilhado em rede.
De acordo com Kaye e Rumble (1981) estas são as principais carac-
terísticas da educação a distância:
• Permite atender a uma população estudantil dispersa geo-
graficamente e, em particular, àquela que se encontra em
zonas periféricas, que não dispõem das redes das instituições
convencionais.
• Administra mecanismos de comunicação múltipla, que per-
mitem enriquecer os recursos de aprendizagem e eliminar a
dependência do ensino face a face.
• Favorece a possibilidade de melhorar a qualidade da educação
ao atribuir a elaboração dos materiais didáticos aos melhores
especialistas.
• Estabelece a possibilidade de personalizar o processo de
aprendizagem, para garantir uma sequência acadêmica que
responda ao ritmo do rendimento do aluno.
• Promove a formação de habilidades para o trabalho indepen-
dente e para um esforço auto responsável e autônomo.
• Formaliza vias de comunicação bidirecionais e frequentes rela-
ções de mediação dinâmica e inovadora. O professor passa
do status de “provedor de conteúdo” para o de facilitador da
aprendizagem.
• Garante a permanência do aluno em seu meio cultural e natu-
ral com o que se evitam os êxodos geográficos que incidem no
desenvolvimento regional.
• Alcança níveis de custos decrescentes, já que, depois de um
forte peso financeiro inicial, se produzem coberturas de ampla
margem de expansão.
• Realiza esforços que permitem combinar a centralização da pro-
dução com a descentralização do processo de aprendizagem.
120
• Precisa de uma modalidade para atuar com eficácia (...) na
atenção de necessidades conjunturais da sociedade, sem os
desajustes gerados pela separação dos usuários de seus cam-
pos de atuação.
Como pudemos ver o conceito e a definição das características
da Educação a Distância foram estabelecidos após muitas nuances.
Inicialmente conceituava-se a EAD comparando-a com a modalidade
presencial. Apesar de não ser totalmente incorreto, isso partia de um
entendimento parcial e sem base científica. Atualmente verificamos
que a EAD, que já possuía um sentido democratizante por apresentar-
se para muitos como única possibilidade de acesso à educação pôde,
a partir de avanços tecnológicos, permitir que a educação seja acessí-
vel para um enorme contingente de estudantes sem acesso à oferta de
vagas presenciais, especialmente em instituições públicas.
121
Podemos observar, como foi dito, que as gerações em EAD não
se sobrepõem ou se anulam, é fácil perceber que elementos de uma
fase são encontrados em outra. Percebemos, ainda, que elas convi-
vem simultaneamente, porém, como a diferença entre os avanços
tecnológicos é grande, surgem distinções claras, principalmente de
interatividade e participação, nos processos de ensino e aprendiza-
gem entre as gerações. Nas três ultimas o aluno assume um papel de
gerenciador e co-mediador na comunicação bidirecional.
122
Educação a distância é uma forma de ensino que possi-
bilita a autoaprendizagem, com a mediação de recursos
didáticos sistematicamente organizados, apresentados
em diferentes suportes de informação, utilizados isola-
damente ou combinados, e veiculados pelos diversos
meios de comunicação. (SANCHEZ, 2005, p. 101).
123
A Educação, no entanto, bastante conservadora em sua estrutura,
vê com reservas mudanças profundas, impactos de gestão, reorgani-
zação de procedimentos, altos de inovação como essas, demandadas
pela EAD.
No entanto, como afirma Pretto (1999, p. 84):
124
Educação a Distância e formação humana
125
Acrescentemos à nossa definição este complemento
indispensável: a base e o objetivo da inteligência cole-
tiva são o reconhecimento e o enriquecimento mútuo
das pessoas, senão o culto de comunidades fetichiza-
das ou hipostasiadas. Uma inteligência distribuída por
toda parte: tal é o nosso axioma inicial. Ninguém sabe
tudo, todos sabem alguma coisa, todo o saber está na
humanidade (LÉVY, 1998, p.30).
126
para a sua utilização. O segundo grupo é o dos inovadores, que aspira
por mudanças que venham a suprir as dificuldades, facilitando o apren-
dizado, mas indica pontos que impedem a inserção da tecnologia nas
práticas pedagógicas, como custos, políticas, carência de pesquisas
científicas sobre novas formas de aprendizagem. Percebemos que em
ambos os casos há resistências e arestas que necessitam ser “apara-
das” para que a real apropriação das TIC no ambiente escolar aconteça.
Realizamos uma pesquisa cuja amostra foi de 50 professores de
matemática, do 6º ao 9º ano e do Ensino Médio da rede pública de um
município do estado do Rio de Janeiro.
Elaboramos um questionário com perguntas abertas e fechadas
que abrangia quatro áreas: o levantamento dos saberes percebidos
como essenciais para o exercício do Magistério com a inclusão das
tecnologias de informação e comunicação (TIC); o conhecimento das
mesmas; as atitudes (positivas ou negativas) em relação à inserção
das TIC no cotidiano do trabalho docente; e as opiniões sobre os con-
teúdos da disciplina ministrada. Ao final do instrumento inserimos um
campo para “comentários diversos” que os respondentes gostariam
de fazer.
Para verificar a influência da área de formação (uma ciência exata)
sobre as respostas dos docentes, pretendemos replicar o procedi-
mento com uma amostra de 50 professores de uma disciplina da área
das Ciências Humanas.
Inserimos a partir de agora alguns resultados obtidos. O segundo
campo do questionário escolhido para esta comunicação, “opiniões
sobre a inserção da tecnologia de informação e comunicação na atua-
ção no magistério”, apresentava uma escala de opiniões graduada de
1 a 5, correspondendo o grau 1 às opiniões mais desfavoráveis e o grau
5 às mais favoráveis.
A partir das respostas adquiridas, as subdividimos e organizamos
em quatro categorias:
• Contribuição das TIC para a melhoria da aprendizagem dos alu-
nos: respostas relacionadas à forma como as TIC interferem na
aprendizagem e a importância desta interferência.
127
• Facilitação das atividades proporcionada pelas TIC: respostas
que mostram como as TIC facilitam a interação e a mediação
nas aulas.
• Receptividade dos alunos: a maneira como os alunos rece-
bem essas tecnologias em sala e como se sentem com a sua
utilização.
• Intensificação da dinâmica das aulas com a inserção das TIC:
respostas que abordam como os professores veem a dinâmica
das aulas com o auxílio das TIC.
Optamos por apresentar apenas a quantificação dos graus mais
favoráveis de resposta (4 e 5) porque nos graus inferiores a concentra-
ção de respostas foi muito pequena.
Atribuição de graus
Excertos de respostas para
Aspectos avaliados mais favoráveis de
exemplificação
resposta (5 e 4)
Considero as TIC um marco
Importância da inserção das
histórico de progresso no 36
TIC no trabalho docente
trabalho do professor.
Se você estimula a autono-
Facilitação das atividades mia e a iniciativa do aluno
36
proporcionada pelas TIC as atividades se tornam mais
agradáveis.
Percebo que os alunos
Contribuição das TIC para a
aprendem melhor e mais ra-
melhoria da aprendizagem 34
pidamente se utilizam artefa-
dos alunos
tos tecnológicos.
O uso das TIC permite ao
Intensificação da dinâmica
professo aproveitar melhor
das aulas com a inserção 33
o tempo da aula e torna-la
das TIC
mais dinâmica.
Os próprios alunos declaram
Receptividade dos alunos que as aulas ficam mais “ma- 30
neiras” e interessantes.
128
Finalizando este campo do instrumento de pesquisa incluímos uma
questão aberta: “Se você fosse recomendar a um colega o uso de tec-
nologias de informação e comunicação nas aulas, que argumento você
utilizaria?”.
Analisamos o conteúdo das respostas, atribuindo frequência aos
argumentos mais utilizados. Como recomendação os professores lis-
taram os mais diversos argumentos, mas sempre dando destaque a
algumas palavras em suas falas, como: dinamismo, facilitador, agili-
dade, motivação, participação, estratégia, prazeroso, simples, rápido,
objetivo, agradável, importante e interessante.
Todas estas palavras foram descritas nas respostas dos profes-
sores para demonstrar que o uso das tecnologias de informação e
comunicação desperta a motivação dos alunos para a aprendizagem,
melhorando a receptividade dos mesmos ao conteúdo de matemática.
Isto confirma afirmações encontradas na literatura sobre o tema,
como a de Penteado e Borba (2003, p. 64-65):
Considerações finais
129
Considerando aqui as tecnologias e as formas de mediação,
entendemos que a inserção das mesmas na educação acontece conco-
mitantemente com a necessidade de se repensar os rumos da educação
e o papel do professor. É preciso haver uma mudança conceitual na
educação, para que não venhamos a permanecer nas práticas antigas
com um “verniz de modernidade”.
É importante também ressaltar que a EAD, apesar de sua especifi-
cidade, não constitui um campo teórico isolado da Educação. São as
concepções e os princípios educacionais mais gerais que embasam
as práticas de EAD.
Torna-se fundamental compreender que os desafios da EAD, e das
próprias Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), são con-
gruentes com os desafios do sistema educacional em sua totalidade,
cuja reflexão implica em analisar que educação se pretende realizar,
para quem se dirige, com quem será desenvolvida, com o uso de quais
tecnologias e quais serão as abordagens mais adequadas para acele-
rar o processo de inclusão social da população brasileira.
Tudo que “ouvimos” dos professores na pesquisa mostrou que eles
conhecem razoavelmente as tecnologias de informação e comunica-
ção, indo contra a ideia de que há um desconhecimento quanto às
mesmas. Eles conhecem e utilizam recursos e softwares específicos
para o ensino de matemática, como o Geogebra e o Matemática Kids.
As opiniões sobre as TIC avaliadas demonstram representações
favoráveis e disponibilidade para a utilização da mediação tecnoló-
gica. Em resumo, tudo aponta para a necessidade de inovar a prática
docente, de criar novas metodologias, outras formas de “ser docente”,
o que ocorre quando o professor utiliza as TIC como auxiliares nas
suas aulas.
Sabemos que surgiu um novo aluno que, assim como o docente,
também se vê diante de uma aventura feita de estudo, pesquisa e pro-
dução de conhecimento num ambiente inovador.
Embora tenhamos todo o tempo destacado a importância das
tecnologias de informação e comunicação para o aprimoramento do
trabalho docente e da formação humana, não esquecemos que, por
si sós, elas não promovem a aprendizagem formal. É necessário que
130
o professor desenvolva nos alunos uma série de atributos cognitivos
indispensáveis às aprendizagens significativas.
Fica o desafio para as instituições de ensino em todos os níveis:
abrir-se ao diálogo com essas tecnologias, compreender melhor os
alunos nativos digitais, prover aos professores formação inicial e con-
tinuada que lhes permitam fazer das tecnologias digitais ferramenta
pedagógica, incluindo-as no cotidiano docente.
Referências
131
PRETTO, N. Educação e inovação tecnológica. Um olhar sobre as polí-
ticas públicas brasileiras. Revista Brasileira de Educação. ANPED. São
Paulo: Nº 11, Mai/Jun/Jul/Ago/1999.
TURKLE, S. The second self: computers and the human spirit. New York:
Simon and Schuster, 1984.
132
PÁTRIA EDUCADORA: uma receita de fé na educação,
falta de confiança nos professores
e homogeneização dos estudantes
1 Vale mencionar que os dados apresentados para considerar a educação brasileira ruim são a
classificação no PISA, a suposta baixa qualificação dos professores e pouca eficiência de seu
trabalho, a alegada inexistência de um sistema público de ensino, a inexpressividade de uma
inteligência nacional capaz de liderar a reforma idealizada pelo autor do documento, a pobreza,
o status conjugal das mães dos estudantes, entre outros.
133
No documento, professores são acusados de serem maus estu-
dantes desde a escola básica, posteriormente não se destacando na
formação superior e tornando-se profissionais pouco comprometidos
com seu trabalho. A formação de professores e o trabalho docente são
tratados com ironia, generalização, desconhecimento e preconceito.
Contudo, nada disso nos parece ingênuo. No PÁTRIA EDUCADORA
(Brasil; 2015) a visão do trabalho docente, assim como a visão do que
seria um estudante preparado para a vida, são reduzidas a conhe-
cimentos únicos cujos resultados de aprendizagem poderiam ser
eficientemente verificáveis por meio de testes em larga escala (como
PISA), despindo-lhes do caráter inerente de criação (Süssekind; 2014),
isentando-lhe de complexidade social e humanidade (Edling; 2014).
Com certo escárnio, ressalta que as universidades:
134
de televisão, jornais e nas conversas do dia-a-dia. Como compartilha
Nóvoa:
2 A Fundação Roberto Marinho estabelece parceria há décadas com as redes municipais estadu-
ais e o MEC fornecendo materiais didáticos, apoiando projetos e executando treinamento de
professores. Seus interesses mercadológicos na educação são óbvios.
3 Entre outros colaboradores e defensores não-governamentais das politicas para educação
básica em curso, este instituto não tem poupado esforços para imprimir sua visão de educação,
currículo e avaliação nas redes e no país. Vem estabelecendo crescentes parcerias com as redes
municipais estaduais e o MEC visando o fornecimento de materiais didáticos, implantação de
projetos e executando treinamento de professores. Seus interesses mercadológicos na educa-
ção são também óbvios.
135
de formação falha desde o ensino médio, da correria e
das carências cria situações como a de professores que
simplesmente não leem mais.4
136
implantadas pelo Ministério da Educação, sobretudo na educação
básica, para discutir três ideias presentes no documento que estão
largamente presentes no imaginário social e tangenciam nossas pes-
quisas em currículo e formação de professores no grupo de pesquisa
Práticas Educativas e Formação de Professores, na Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro/UniRio, que são: a fé depositada
na educação como “arma de transformação social” (Paraskeva; 2011); a
falta de confiança nos professores, que gera processos de verificação e
responsabilização, descritos por Pinar (2008) como “demonização”; e o
entendimento subjacente de conhecimento, capturado nas entrelinhas
das politicas em questão, que buscam a padronização dos conheci-
mentos trabalhados pelos professores e dos resultados obtidos pelos
estudantes. A partir de leitura indiciária dos documentos curriculares
e outras fontes, selecionamos “pistas” (Ginzburg; 1989) para pensar as
relações entre professores e currículos e educação e sociedade sob
uma abordagem das epistemologias da ordinariedade (Certeau; 2013)
e do Sul (Santos; 2010) reforçando nosso compromisso politicoepiste-
mológico com a justiça social, para a qual admite-se como condição
sine qua non a justiça cognitiva (Santos; 2010).
Temos defendido (Süssekind; 2014; p. 51, 52) que a ideia de transfor-
mar a sociedade pela educação habita o campo da crença (Paraskeva;
2011), embora seja debatida como política e legislação. Desdobra-se
numa noção de currículo despida de complexidade, entendendo o
documento curricular como sendo um objeto, uma lista de conteúdos,
para assumir o papel de arma com um poder de educaçãodestrui-
ção em massa (Paraskeva; 2011; Süssekind; 2014). Alimentando-se
de e nutrindo esta crença, estudiosos argumentaram que a educa-
ção seria uma ferramenta efetiva de mudança social (Paraskeva; 2011)
defendendo a ideia de que a educação poderia modelar e melhorar
a sociedade forjando cidadãos-trabalhadores (Süssekind; 2014, p.53;
Paraskeva; 2011).
Esta crença está calcada na primazia do pensamento cientifico
(Santos, 2001; 2007), na crença em sua capacidade de diagnosticar
e solucionar problemas (Vilaça; 2015; Santos, 2001; Bourdieu; 1998;
137
2003), bem como no entendimento de que a partir da prescrição dos
conhecimentos presentes no currículo escolar poder-se-ia educar cida-
dãos para uma sociedade melhor (Süssekind; 2014). Paradoxalmente,
todo este poder concedido à escola acaba por atormentar os profes-
sores e estudantes assolados sob a obsessão do novo, dos resultados
quantificáveis, da transformação, do homogêneo, do controle, da
massificação e mercadologização na contemporaneidade. Ferraço
(2008) nos ajuda a pensar que, pautados em um paradigma carte-
siano, corremos o risco de pensar o mundo como um cosmos mecânico,
um universo relógio, com movimentos previsíveis num tempo/espaço
absoluto: “Compartimentalização, causalidade, hierarquia, lineari-
dade e determinismo são alguns dos princípios básicos que sustentam
os conhecimentos aí construídos. ” (p. 101, grifo do autor).
Nesse sentido, o conhecimento torna-se um objeto que é possível
ser trocado e imaginado como mercadoria de modo a possibilitar àquele
que o possui alçar espaços sociais antes impossíveis. O conhecimento
- assumido como impessoal e descontextualizado - torna-se assim mer-
cadoria: quanto mais é acumulado, maior a chance de melhorar na
sociedade. Além disso, reforça-se a concepção de existência de um
conhecimento transformador, desencarnado dos eus e nós e transmissí-
vel por meio de práticas docentes de qualidade. Qualidade, aqui, num
sentido produtivista, é assumido como homogeneidade e massificação.
Este modo de entender o conhecimento como potente em si mesmo
e homogêneo desperdiça a experiência (Santos; 2001) e as relações
sociais que criam estes mesmos conhecimentos, invisibiliza a força cria-
dora e inventiva do humano (Certeau; 2013) e despreza o papel das
redes de conhecimentos e subjetividades (Santos; 2004) que tornam
qualquer conhecimento passível de ser consumido (Certeau; 2013) rela-
cional, situacional e contextualmente (Simmel; 1971) pelos “praticantes
do cotidiano” (Certeau; 2013). Oliveira e Sgarbi (2002) afirmam que a
grande luta dos que entendem e procuram respeitar a diversidade do
cotidiano é “combater o pensamento hegemônico porque hegemônico,
na medida em que pensar em diversidade, em “multi” é conceber que os
espaçostempos do conhecimento não devem ser hegemonizados” (p.11).
138
Oliveira (2009) chama atenção para o fato de que, de acordo com
as propostas ditas progressistas, se mantém a ideia da “preparação
para o futuro” e a crença no poder da escola sobre os estudantes.
Acrescentamos que nesta crença também se insere um entendimento
do espaço escolar como sendo, de certo modo, isolável do restante da
sociedade e, tendo um potencial de formação da pessoa maior do que
outros espaços da sociedade, como família, igreja, comunidade, configu-
rando-se de modo homogeneizador e idealizado em escolas entendidas
como “laboratórios de democracia” (Pinar; 2008). Nessas propostas:
139
de estudantes para serem convertidos em trabalhadores competentes
– e que mimetizam as políticas de unificação curricular e testagem em
larga escala já implantadas, sem sucesso (Pinar; 2008; Price; 2014;
Edling; 2014) em outros países. Se cabem no vocabulário do mercado,
as ideias de eficiência e competência tem dado de pouquíssima contri-
buição para o campo da educação, seja na formação de professores ou
na prática educativa, apesar de historicamente presentes na relação
escola-sociedade-mercado, ao contrário por exemplo, das ideias de
diferença/diversidade e justiça cognitiva (Paraskeva; 2011).
Azevedo (2007) nos lembra que no campo das reformas neoliberais
o conceito de qualidade vem sempre vinculado a métodos quanti-
tativos de avaliação, que afirmam a meritocracia como aptidão para
competitividade, competência e eficiência. Entendendo as instituições
escolares como um modelo organizacional das empresas, aferem-se
resultados quantificáveis, medições e controles, reduzindo a formação
do ser humano à subordinação dos interesses imediatos do mercado.
140
processos de avaliação da aprendizagem orientados
por parâmetros uniformes. A escola estruturada como
parte do projeto da modernidade não se tornou reali-
dade e seus princípios fundadores – a verdade como lei,
o rigor como método, a transmissão dos conhecimentos
socialmente válidos e necessários como finalidade –
mostram-se insuficientes para enfrentar os desafios que
a vida cotidiana contemporânea impõe. Mais do que
isso, tais princípios, ainda que evoquem a democracia,
articulam-se na perspectiva excludente que marca as
relações coloniais, fortemente implicadas na produção
do pensamento moderno. (p. 125)
141
Nesse movimento de estabelecimento de linhas hierárquicas, o
pensamento abissal também conquista credibilidade, popularidade e
sucesso (Hobsbawn; 1995), tornando-se objeto de fé (Santos; 2001;
2004; 2007; Süssekind; 2014; Paraskeva 2011). Quando abissais,
os currículos demonizam por desperdiçarem a experiência (Santos;
2010), por invisibilizarem conhecimentos diferentes em detrimento de
um único e por des-acreditarem, des-historicizarem os conhecimentos
“criados” (Certeau; 2013), produzidospartilhados nas redes de subjeti-
vidades que produzem as tessituras dos cotidianos das escolas (Alves;
2001; Süssekind; 2014). Longe de serem acordos sociais, os currícu-
los prescritos são resultado de relações de força e demarcam pautas
arbitrárias de ensino e aprendizagem construídas como verdade,
onde a transmissão de um único conhecimento e a conformação desse
modo de estruturação do pensamento é entendido como único válido
e colonizam o diferente (Santos; 2007), subalternizando-o. Assim, as
diversas perspectivas de conhecer o mundo alimentadas pela fé, por
exemplo, não existem como conhecimento, como também a emoção,
o feminino, a infância, o gênero e outras experiências relacionais e
sociais têm silenciadas suas potências criadoras de conhecimentos.
O homem comum, professor, estudante e “os produtos do trabalho se
tornam mercadorias, coisas sociais, com propriedades perceptíveis e
imperceptíveis” (Marx; 1977, p. 80).
Importante reforçar que subjaz aos discursos de desqualificação
da ação docente um entendimento de currículo como aquilo que deve
ser feito em sala de aula, um conhecimento que deve ser ensinado.
A inventividade, o ineditismo e o acontecimento (Geraldi; 2010) não
são contemplados, e toda atenção passa a ser dada às tecnologias de
suporte ao ensino que, bem aplicadas, “sacodem a mediocridade”5 e
resolvem os problemas da educação e da sociedade. Para a SAE, uma
sociedade que desperdiça gênios com professores incapazes e anti-
éticos. No PÁTRIA EDUCADORA (Brasil; 2015) vemos a ideia de que:
5 A palavra “mediocridade” é sete vezes citada no documento Pátria Educadora (p.6 e 12) e deve
ser “sacudida” para admitir aos Newtons e Darwins programas especiais e escolas de referência
(p.12)
142
A transformação do ensino pode ser acelerada pelo
uso criterioso de tecnologias de dois tipos: as aulas em
vídeos e os softwares interativos. Os primeiros permitem
enriquecer e sacudir o ambiente da escola com inspira-
ção vinda de fora. Os segundos acrescentam à inspiração
vinda de fora a oportunidade para o aluno avançar por
conta própria. (p. 19)
143
entre prática e teoria, entre reflexão e ação. Daí a (im)possibilidade
(Süssekind; 2014) dos que pensam os currículos como criação coti-
diana (Oliveira; 2012) aceitarem a implantação de um currículo comum.
O documento PÁTRIA EDUCADORA, a despeito de seu histrio-
nismo, se alinha às ideias da Base Comum para educação básica e
parece pretender criar uma forma de regulação baseada num currículo
mínimo, estreitamente vinculado aos sistemas de testagem padroni-
zada e que opera segundo modelos privados de gestão. O argumento
para esta defesa é que “ficará claro para todo mundo quais são os
elementos fundamentais que precisam ser ensinados nas Áreas de
Conhecimento: na Matemática, nas Linguagens e nas Ciências da
Natureza e Humanas.”6
A educação pública, avaliada, classificada e monitorada se vê assim
em uma relação mercadológica de concorrência através dos diversos
exames padronizados e classificatórios. A Prova Brasil, por exemplo,
produz dados que “visam servir de subsídio para o diagnóstico, a refle-
xão e o planejamento do trabalho pedagógico da escola, bem como
para a formulação de ações e políticas públicas com vistas à melhoria
da qualidade da educação básica7”. Não te parece estranho, leitor,
que uma prova onde as crianças têm suas escritas corretas invalidadas
como conhecimento, se confundem a imagem de uma laranja com a
de uma manga, possa gerar resultados tão poderosos? Se concebe-
mos a escola como espaço de transmissão do conhecimento, vemos
as testagens em larga escala de uma forma bem diferente do que se
a concebemos como espaçotempo de possibilidades, de criação, cir-
culação e produção de diferentes conhecimentos. Nessa perspectiva,
entendemos a impossibilidade de mensurar os saberes que são cria-
doscompartilhadosexperienciados nos cotidianos das escolas.
144
Oliveira (2008) nos ajuda a compreender que as maneiras de fazer,
estilos de ação dos sujeitos reais, obedecem a outras regras que não
aquelas da produção e do consumo oficiais:
145
tivessem um desempenho perfeito nos testes, os testes
seriam inúteis, certo?
146
nas periferias e nos bairros pobres de nossas cidades,
mais da metade das famílias costuma ser conduzida por
mãe sozinha, casada ou solteira. Revezam-se os homens
como companheiros instáveis. Esta mãe, pobre e geral-
mente negra ou mestiça, luta para zelar pelos filhos e
para manter ao mesmo tempo emprego ou biscate. (p.14)
147
invisibilizadas. Os professores acabam culpados e demonizados
(Süssekind; 2014) enquanto vemos multiplicar a arquitetura de regu-
lação (Santos; 2004) através de punições, classificações, bônus,
inundando as escolas com livros didáticos, manuais e cartilhas que
orientam o professor. Diante da proposta de intervenção curricular e
seus testes padronizados, aulas-modelo e discussões para implemen-
tação de um currículo comum, assistimos aos professores, estudantes
e conhecimentos cotidianamente inventados serem tornados inexis-
tentes (Santos; 2007), abissalmente.
Referências
148
BOURDIEU, P.. A economia das trocas simbólicas. 5a ed. São Paulo: Ed
Perspectiva, 2003.
149
______.; CARVALHO, J. M. Currículo, cotidiano e conversações. Revista
e-curriculum, São Paulo, v.8 n.2 AGOSTO 2012.
GERALDI, J. W.. A aula como acontecimento. São Paulo: Pedro & João
Editores, 2010.
150
______. O Currículo como criação cotidiana. Petrópolis: DP et Alli, 2012.
_______. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emer-
gências. In: SANTOS, B. S. (Org). Conhecimento prudente para uma vida
decente: um discurso sobre as ciências revisitado. São Paulo: Cortez,
2004.
151
SGARBI, P.; OLIVEIRA, I. B.. Da diversidade nós gostamos, já que toda
unanimidade é burra. In: ______ (org.). Redes culturais, diversidade e
educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
VICTORIO FILHO, A. Alguns caminhos para uma vida bonita. In: GARCIA,
R. L (Org.). Método: pesquisa com o cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A,
2003.
152
Alfabetização e vivências de alteridade:
duas narrativas em dois contextos
Introdução
1 Nampula, é umas das províncias (Estado) de Moçambique com cerca de 4.084.656 de habitan-
tes de acordo com o censo de 2007, situa-se na região norte do país.
2 Zambézia, também é uma das províncias de Moçambique, situa-se na região fazendo fronteira
com a província de Nampula.
153
campo com dois sujeitos “alfabetizados” em espaço e tempo diferente
(colonial e pós-colonial).
O conceito de alfabetização neste texto associa-se a ideia segundo
a qual não se limita apenas à capacidade de entender formas escritas
e impressas, mas também “as mudanças sóciocognitivas que resultam
de ser alfabetizado, e de ser uma população alfabetizada. Ainda assim,
ao mesmo tempo, a alfabetização implica uma avaliação da utilidade
dessa capacidade” (COOK-GUMPERZ, 2008, p.31). Acrescenta-se a
esta definição, a sua relação com as “práticas da língua escrita que
contemplam os usos sociais da leitura e da escrita, como também as
concepções que as pessoas possuem sobre si mesmas” (KALMAN,
2009, p.75). Conforme estes autores a leitura e escrita envolvem prá-
ticas sociais.
Nesta ótica, o Sistema Nacional de Educação em Moçambique
enquadra a educação de adultos no ensino extraescolar e nas moda-
lidades especiais do ensino escolar. Quanto ao ensino escolar, lê-se
no Art. 31 da Lei 6/923 que o ensino de adultos é aquele que é orga-
nizado para indivíduos que já não se encontram na idade normal de
frequência do sistema de ensino geral e formação técnico-profissional,
incluindo aqueles que não concluíram. De acordo com esta lei, tem
acesso a esta modalidade de ensino os indivíduos a partir dos 15 anos
para o ensino primário e a partir de 18 anos para o ensino secundário.
Quanto a perspectiva epistemológica, o texto fundamenta-se nas
relações de alteridade construídas na linguagem como processo de
produção de conhecimentos. Tais relações se estabelecem tendo como
referência os diferentes lugares que os indivíduos ocupam na socie-
dade, em momentos diversos de sua história pessoal e profissional de
onde proferem seus enunciados. Esses lugares produzem um ponto
de vista possível a cada sujeito, que em sua caminhada complementa
o outro. Nesse sentido, (re) discutindo a concepção de dialogismo de
3 A Lei nº 6/92 de 6 de Maio de 1992, revoga e reajusta a lei nº 4/83 de 23 Março de 1983 que
cria o Sistema na Nacional de Educação em Moçambique
154
Bakhtin (2000) como um evento que acontece na unidade espaço-
tempo da comunicação social interativa, sendo por ela determinado.
Portanto, o que se diz é determinado pelo lugar de onde se diz.
Foi na travessia do Rio Licungo em Moçambique, que travei a pri-
meira conversa com os sujeitos desta pesquisa, inicialmente com Sr.
Mundhimua, o qual me deu pistas para me encontrar com a Sra. Bibi.
Trata-se de encontros entre “desconhecidos” como nos sugere Skliar
(2014), refiro-me de encontros entre desconhecidos novos: os que
chegam ao mundo, os que entram nele; desconhecidos anônimos: os
que estão ali, mas com os quais nunca conversamos; desconhecidos
diferentes: aqueles a quem convidamos a igualdade, ainda marcados
pela suspeita de não serem capazes de conversar, de não ser capazes
ainda, ou definitivamente, de estar entre nós. A partir dessas conver-
sas iniciais me apercebi que estava diante de “bons entrevistados”
como na definição de Aspásia Camargo, lembrado por PINSKY (2008):
155
interpretação do passado”. Efetivamente, esta metodologia consiste
por um lado, na realização de entrevistas gravadas com indivíduos que
participaram de, ou testemunharam, acontecimentos e conjunturas do
passado e do presente. Por outro, tais entrevistas são produzidas no
contexto de projetos de pesquisa, que determinam quantas e quais
pessoas entrevistar, o que e como perguntar, bem como que destino
será dado ao material produzido (PINSKY, 2008). Por outras pala-
vras, o recurso a esta metodologia nos possibilita não só, a deixar de
pensar em termos de uma única história ou identidade nacional, mas
também a reconhecer a existência de múltiplas histórias, memórias e
identidades em uma sociedade.
156
No meio a esses percalços, vivenciei uma experiência triste e ale-
gre ao mesmo tempo. Triste porque tive que correr riscos de vida ao
atravessar um dos grandes rios do País de Canoa, carregado pela
fúria das águas. Os barcos convencionais, considerados seguros, eram
escassos e os critérios de elegibilidade das pessoas para embarcar
eram (in) transparentes e/ou corruptos. Foram 8 horas de espera
aguardando que a minha oportunidade de subir o barco chegasse,
mas nunca chegava.
Ao longo desse período, fui observando a multidão presente
que aguardava igualmente o acesso a esses barcos para a travessia.
Enquanto uns furavam a fila, corrompiam as autoridades responsáveis
pelos barcos, outros gritavam sem voz e emagreciam os seus rostos
pelo desespero. Mas, ao lado, bem próximo de nós, estavam os canoei-
ros, com as suas canoas, transportando outras gentes na insegurança,
sem coletes salva-vidas, mas num ambiente tranquilo de atendimento.
De tanto cansado pela espera e injustiça que estava ocorrendo nas
minhas barbas, gritei desesperado “basta”, respeitem o sofrimento do
povo! Em seguida, um grupo considerável de passageiros que estava
aí presente, também gritou, aplaudindo meu gesto de coragem.
Envergonhados, os responsáveis pela desorganização, os coman-
dantes da tripulação se aproximaram de mim ameaçando que não iria
embarcar naqueles barcos até no dia seguinte por ter agitado as pes-
soas e desobedecer às autoridades! Não tinha feito nada a mais se não
reclamar pelo mau atendimento. Enquanto eles proferiam as ameaças,
eu ia gravando as conversas, mas logo em seguida se aperceberam
que estava gravando as suas falas, de imediato, se aproximaram nova-
mente e de forma agressiva retiraram o celular das minhas mãos, tendo
apagado as filmagens incluindo fotos antigas! Só me devolveram o
celular quando mais tarde souberam que eu era professor. A gravação
tinha em vista apenas a minha defesa/proteção como cidadão diante
do poder das autoridades sobre a fraqueza do povo.
Porém, esta revelação os deixou mais inflamados de raiva, daí
começaram a falar mal de mim, tentando me envergonhar por tê-los
criticado. “Que professor você é?”, perguntou um dos militares. “O
157
que você ensina aos seus alunos?”, acrescentou outro. É “por isso que
temos má qualidade de ensino com esse tipo de professor que não
respeita as autoridades”! Concluiu o terceiro membro de “autorida-
des” presentes. Diante daquela desordem respondi instantaneamente
que eu era professor que ensina os alunos a “desobedecer” discursos
violentos, a desobedecer a ordens de injustiças, a não admitir o sofri-
mento do povo e corrupção sem poder fazer nada. Sou esse professor
que ensina os alunos a não se aproveitar do sofrimento do povo, antes
pelo contrário a ajuda-lo. E sou feliz por esse trabalho gratificante! “E
vocês, a quem protegem?”; “a quem defendem, ou a quem servem?”
Ninguém me respondeu e se foram embora!
No silêncio, ia me questionando: será que continuarei nesta margem
ou atravessarei para outra? Com um olhar magro de preocupação, fui
revelando a minha preocupação no rosto até que apareceu um senhor
ao lado que, em conversa, me confidenciou que teria atravessado o rio
no dia anterior com o canoeiro que acabava de chegar a nossa margem
e que o mesmo teria participado do resgate das vítimas do naufrá-
gio que acontecera com um dos barcos convencionais, considerados
“seguros”! Percebi que os canoeiros estavam aí na travessia, mas
não eram considerados pela sua insignificância, não tinham o direito
a coletes “salva-vidas”. Tanto os gestores das calamidades quanto
a maioria ou pelo menos um número considerável da população que
estava aí instalada, não via, ou, se via, não valorizava o trabalho dos
canoeiros. As nossas atitudes naquele espaço davam uma sensação
aparente de não estarmos preocupados em encontrarmos alternativa,
não tínhamos parado para ver de fato a relevância do trabalho daque-
les canoeiros e só ali, diante de um olhar atento dos seus movimentos
de navegação fui me dando conta que no cotidiano eram (in) visibiliza-
dos: o trabalho, a significância e seu sentido.
158
Foi nesta dura realidade que conheci o senhor Mundhimua4, de 42
anos idade. Ele é alto, magro e parece-me bastante simpático, alegre e
motivado pelo que faz. Olhei para ele e naquele instante, ganhei cora-
gem junto a outros 4 passageiros que iam embarcar daquela Canoa.
Para reduzir o medo e assegurar que a travessia fosse rápida apesar
de tanta incerteza que pairava entre nós, fomos conversando e inven-
tando estórias.
Estávamos na Canoa atravessando o Rio Licungo e pedi ao sr.
Mundhimua para falar da sua experiência de vida e de trabalho com
a Canoa. E ele, começou por comentar nos seguintes termos: “Tive
uma vida dura desde criança, os meus pais foram mortos pela guerra
civil que durou 16 anos em Moçambique. Fui criado pelos meus avós
paternos. Tudo o que sei, eles é que me ensinaram, ensinaram-me a
pescar, a cuidar da ‘minha vida e a dos outros’.” Hoje, ele é Canoeiro
com “calos nas mãos”, expressando-se pela sua atividade prática da
vida cotidiana com sabedoria tradicional, singular e original de quem
realiza a atividade porque sabe fazer e com amor.
Esta passagem da conversa me remeteu a ideia de que a educação
familiar para o Sr. Mundhimua consiste em ensinar e aprender a cuidar
de si e do outro. Foi o que ele generosamente estava fazendo conosco
ao longo da travessia. Este gesto do sr. Mundhimua fez pensar sobre
a escola e as nossas práticas educativas: Será que a nossa escola tem
ensinado a cuidar do outro? Será que nós, professores, temos sido
generosos no sentido de ajudar, facilitar aprendizagem dos alunos em
nossas escolas hoje? Faria sentido pensar numa prática pedagógica
de generosidade entre professor-aluno-professor e alunos-professo-
res-alunos, alunos entre si e professores entre si?
E continuamos o percurso falando de outros assuntos. Remando de
remo em remo, de onda em onda, o canoeiro foi atravessando o avesso,
4 Tradução literal da Língua Echuwabo falado na Província da Zambézia em Moçambique, que sig-
nifica alguém mais velho, não só pela idade, mas e principalmente pela sabedoria, pelo mérito,
exemplar na comunidade. Usei esse termo pelo reconhecimento que este sujeito tem na comu-
nidade, e como forma preservação da sua personalidade.
159
difícil, mas tranquilo e confiante, era como se estivesse dizendo que
em breve estaremos na outra margem do rio. O mais impressionante
ainda é que a Canoa parecia passar numa linha já por ela traçada,
como acontece com os trens e metrôs quando circulam pelos seus car-
ris, um avião telecomandado que vai direitinho ao ponto. Parecia ter
medidas tão exatas sobre a produção da canoa, número de passagei-
ros, da profundidade do rio, da amplitude das ondas, da intensidade
da corrente de água, de âncoras invisíveis que atacavam a canoa
para as pessoas subirem e descerem com tranquilidade. Aqui encon-
tro algumas palavras-chave que me parecem importantes destacar:
tranquilidade e confiança. Mas também não me escapa outro questio-
namento a seguir que passa pela minha cabeça.
Em relação a palavra confiança, apesar de ser discutível no con-
texto educacional quanto a sua aplicação, aproveito o pensamento
Biesta (2014, p.45) ao afirmar que “a educação só começa quando o
aprendente está disposto a correr risco, porque a confiança gira em
torno daquelas situações em que não se sabe e não se pode saber
o que vai acontecer”. No entender de Biesta, a confiança é, pela sua
natureza, sem fundamento, porque se alguém soubesse o que iria
acontecer ou como a pessoa com quem depositou confiança agiria e
responderia, ela não seria necessária.
No silêncio fui refletindo, que conhecimentos geográficos, físicos,
matemáticos, geométricos, hídricos por ai em diante este Canoeiro
devia ter? Quando chegamos à outra margem do rio, enquanto des-
cansava para tomar o seu almoço, questionei-o onde teria aprendido a
navegar? A resposta foi simplesmente esta:
160
minhas crianças é que vão na escola, o mais grande está
avançado mesmo quase... ficar enfermeiro, vai ajudar a
nossa família [...] risos (Informação verbal).
161
aí (in) visibilizados pelo discurso de perigo e insegurança a sua nave-
gação, mas trabalhando arduamente, ajudando o povo a atravessar de
uma para a outra margem do rio através das suas Canoas, seu traba-
lho, sua coragem e determinação.
Partindo do pressuposto de que a vivência de escuta do outro, pro-
voca um desafio não só ao narrador que ao tentar reconstruir um fato,
imprime sua marca na interpretação, mas também ao pesquisador, pois
ao ouvi-lo, pode atribuir ao mesmo fato outro significado. Portanto,
coloco-me nesse espaço de entre lugar para interpretar as falas de
Mundhimua, sem sufocar a sua voz não só pela sua rica trajetória de
vida, mas também por causa de sua extraordinária imaginação.
Nesse sentido, ao contar a sua história, ainda que de forma rápida
pelas circunstâncias em que nos encontramos no cruzamento da vida,
Mundhimua revela nos seus olhos o valor de sua cultura, marcada pela
arte de saber trabalhar a terra, de mergulhar nas profundidades dos
rios, da sua relação forte com natureza. Relata de forma simplificada,
o esforço da gente simples de sua comunidade, na produção do milho
nas “machambas” (roça), do arroz no baixo Zambeze5, do feijão, entre
outras culturas. Era como se ele estivesse me dizendo que enquanto
haver cumplicidade entre o eu, o outro e a natureza, já mais haverá
fome, sofrimento, porque trabalho é o que não falta.
Percebe-se igualmente pela sua imagem alegre, timbrada no rosto,
por sua vontade de luta e o gosto pelo seu lugar que se encontra
em atravessamento entre a vida urbana e a do campo, entre o tra-
dicional e moderno, destacando que ela não é inferior à cultura da
cidade. Diz que, embora não seja um homem considerado “instruído”,
sabe ler, escrever e muitas coisas que os “bem-instruídos” não sabem,
por exemplo, como cultivar os artigos de subsistência e lavrar a terra,
remar, pescar entre tantos outros afazeres que também alimentam
essa gente que se considera “instruída” e “citadina”.
162
E, continuando a reconstrução das imagens do seu passado,
aponta que entre as inúmeras qualidades que lhe foram transmitidas
por seu avô estão “a bravura no trabalho, a honestidade, o prazer de
ser lavrador, pescador e de não gostar de preguiçosos, porque eles
se tornam invejosos e perigosos”. Para ele, “os invejosos são pessoas
que geralmente não querem trabalhar, nem deixam que os outros tra-
balhem a vontade”. Por isso, os valores como “honestidade e caráter”,
que lhe foram inculcados por seus avós, são “preciosidades” que ele
“não trocaria pelo diploma de nenhum doutor”, pois “não adianta ser
doutor e ser desonesto” como “aquelas autoridades que estavam a
subornar as populações pela travessia de barco e em tempo de sofri-
mento”. Mundhimua, visivelmente emocionado pela tristeza que vem
nos seus olhos, lamenta acrescentando que “o governo enviou-lhes
para socorrer o povo nessa travessia do rio e, eles cobram dinheiro
a esse mesmo povo que está precisando de ajuda”. “É para isso que
a escola dos doutores serve?” “Eu ensino aos meus filhos e netos, já
tenho dois netos [risos...], os valores que os meus avos me ensinaram”.
O mais impressionante nas suas falas, Mundhimua, faz uma ponte
interessante no território escolar em atravessamento, ligando o cami-
nho da casa à escola dos seus filhos e dos futuros netos, ao afirmar
que “quando os meus filhos vão a escola, lembro-lhes sempre para que
não se esqueçam dos “ensinamentos” de nós, pais. “Não é para nos
desprezar, nem para ficar contra nós com essas coisas modernas, mas
é para nos ajudar a pensar sobre a nossa vida e a dos outros da comu-
nidade e do nosso país”. É isso que eu espero da escola. Concluiu.
Segunda narrativa: história de alfabetização e vivências de bibi
Depois da história de Mundhimua, atravessei-me com outra, con-
tada indiretamente, mas que vale a pena acompanhar. Era uma vez,
um sujeito que atravessou os tempos “coloniais e pós-coloniais”. Esse
sujeito era e continua sendo visto como uma fonte de inspiração, um
exemplo de luta anticolonial, uma história de vida que nos ensina a ser
educadores generosos, mas também a questionar como a nossa escola
prepara as pessoas para vida e ao mesmo tempo como ela própria é
produtora de “analfabetos”.
163
Em uma conversa sem importância, escutei a história de genero-
sidade de Bibi, uma educadora de jovens e adultos que se tornou
analfabeta com o tempo. Informaram-me que ela ainda está entre nós,
mas gradualmente vai atingindo seu fim, a sua memória está se apa-
gando, lembrando-se apenas da felicidade que sente por ter cumprido
um dever de cuidar dos outros por meio da educação em diferentes
espaços e tempo.
A jovem Bibi, como carinhosamente lhe chamam, aprendeu a ler e
escrever as primeiras palavras em língua portuguesa na casa de um
colono português onde a sua mãe trabalhava. Conta que aprendeu
a ler imitando outros que liam, até que despertou atenção da mãe e
dos donos casa, que decidiram lhe inscrever na escola para assimila-
dos. Foi nessa escola que Bibi frequentou até a 4ª classe do sistema
colonial de ensino, nível que lhe deu a possibilidade de ser professora
nas escolas das zonas libertadas durante a luta de libertação nacio-
nal. Tarefa que perdurou até a primeira década após a independência
nacional de Moçambique. Os anos se foram, a Bibi formou parte dos
vários alfabetizadores, educadores e professores que orgulhosamente
proclamaram e proclamam a este sujeito como símbolo de luta e
generosidade.
Uma história de leitura e escrita que aconteceu na esponta-
neidade, de forma pura, original, lúcida e apaixonada. Foi uma
experiência, entendida como “aquilo que nos toca, que nos acontece
[...]” (LARROSA, 2014, p.10). Pois, não teve formação para ser profes-
sora, mas também iniciou a ler e escrever antes de ir a escola. Mas o
que me chamou mais atenção nessa história de Bibi é a forma como
ela ao longo do tempo foi perdendo os domínios de escuta e fala de
leitura e escrita em língua Portuguesa, como se em algum momento
de sua vida não tivesse usado, essa língua, essa linguagem. Mas, ela
escuta e fala, lê e escreve em sua língua materna! O que terá acon-
tecido com Bibi? Fica a questão que nos próximos textos continuarei
com esta história.
Esta experiência da Bibi me remeteu a duas ideias fundamentais. A
primeira é a de formação docente, tendo em conta a sua subjetividade,
164
sua história de vida. Pois, “as concepções sobre práticas docentes não
se formam nos cursos de formação, encontram-se enraizadas nos con-
textos e histórias individuais que antecedem até mesmo a entrada na
escola e estendendo-se por toda avida”. (CASTANHO, 2002, apud
LODI, 2010, p.37). Por isso, estes autores afirmam que a nossa iden-
tidade pessoal e profissional é um emaranhado de todas as relações
vividas, que se cruzam e produzem múltiplas ambiguidades e contra-
dições e que vão se entrelaçando, tecendo, trazendo à tona todos os
momentos de alegrias, tristezas, harmonia, tensão, dúvidas, realiza-
ções, desânimos, conquistas que fazem parte de nossa vida, desde
que começamos a nos fazer como pessoas.
A segunda seria provavelmente a que dá primazia as práticas que
definem a educação de jovens e adultos, na vertente da escolariza-
ção. Paiva (2006) refere que por muito tempo, e até hoje, continuam
compreendidas no âmbito do atendimento aos que não sabem ler e
escrever, privados da rede de conhecimentos que se produz, se orga-
niza se dissemina, se socializa por meio da escrita, sem que o acúmulo
de experiências se associe a sucesso, na luta “contra o analfabetismo”.
Seria esta uma situação que nos faz pensar na necessidade de pro-
por programas de alfabetização e educação de adultos que propicie
a aprendizagem ao longo da vida? Em relação a esta questão Paiva
(2006a) revelou-me que este seria o verdadeiro sentido da educação
de jovens e adultos, que ressignifica processos de aprendizagem pelos
quais os sujeitos se produzem e se humanizam, ao longo de toda a
vida, pois, não se restringe à questão da escolarização, e muito menos
da alfabetização.
165
tempo foi perdendo os domínios de escuta e fala de leitura e escrita
em língua Portuguesa, como se em algum momento de sua vida não
tivesse usado, essa língua. Mas, “ela escuta e fala, lê e escreve em sua
língua materna”
Portanto, essas histórias nos remetem invariavelmente a pensar os
modos como têm sido desenvolvidos os programas de alfabetização.
Daí que levanto questões de reflexão sobre a centralidade da alfabe-
tização escolarizada: O que terá acontecido com a Bibi? Poderíamos
aventar a hipótese de que o não uso social da prática de leitura e
escrita teria lhe desabilitado? Ela parece não revelar problemas de
saúde. Seria o problema da idade dela? Ela tem 76 anos de idade. Mas
ela lê sua língua materna. Faria sentido pensarmos na transferência de
habilidades de leitura e escrita de português para sua língua materna,
já que continua lendo e escrevendo nessa língua? Felizmente, o sr.
Mundhimua continua a ler e escrever, esperando por uma oportuni-
dade para continuar com os seus estudos no curso noturno. Seria fato
de acesso continuo da leitura e escrita que tem mantido Mundhimua
com as suas habilidades?
Parece evidente afirmar que a disponibilidade de materiais impres-
sos não é suficiente, mas influencia o surgimento de oportunidades
para acessar ou perder as práticas de leitura e escrita vice-versa. E
que “o acesso a escrita se refere a situações em que o sujeito se posi-
ciona frente a outros leitores e escritores e às oportunidades para
aprender a ler e escrever” como descrito por Kalman (2009, p.73).
Conforme esta autora, a presença do material, não promove leitura,
é a circulação destes e seu uso nas mãos dos leitores é que estimula.
Daí a necessidade de compreender o que faz com que os sujeitos a
procurem.
Com base nas histórias contadas no texto, fica a impressão de
que a prática de leitura e escrita pode-se dar tanto antes, durante
ou depois de alfabetização, dependendo do conceito e sentido que
cada aluno cria sobre a escrita quando entra em contato com a escola.
Daí que se pode questionar quanto é (in) útil quando o processo de
alfabetização não se contextualiza com o alfabetizado. E quanto é (in)
166
útil o letramento sem alfabetização. Talvez faça sentido pensar que a
alfabetização precisa trilhar outros caminhos de modo a tornar-se um
processo de redescoberta de um modelo social, de uma cultura, em
que a escrita faz sentido.
Em suma, as duas histórias descritas no texto, por um lado, nos
possibilitam reconhecer que os processos educativos de pessoas
jovens e adultas, extrapolam o contexto escolar e de ensino. Por um
lado, reabrem o espaço para repensar e questionar os modos pelos
quais o processo de alfabetização tem sido proporcionado a esses
sujeitos, por outro, revelam pistas e caminhos que precisam ser mais
explorados na educação de jovens e adultos.
Referências
167
LODI, Ivana Guimarães. Um olhar sobre formadores de formadores:
Histórias de vidas. São Paulo: Annablume, 2010.
168
Structure of violence in Pakistani Schools:
a gender based analysis
1 Since the holding of ‘All-education conference (1947) a number of Commission have been for-
med, e.g. The Commission on National Education (1959), National Education Policy (1970),
National Education Policy (1979), and National Education Policy (1992), and Education Sector
Reforms as part of Devolution of Power (DOP) various commissions such as 1959 Commission on
National Education,
169
comparison to private sector schools. Absenteeism of teachers, high
dropout rates, low completion rates and high repetition rates, and
inequalities of gender, power, class, geography have been identified
as persistent problems (Shah, 2003). With teacher-to-student ratio of
40:1 in government primary schools (Witte, El-Bassel, Gilbert, Wu, &
Chang, 2010) in a culture of authoritative teaching techniques it is not
unsurprising to know that it is more damaging for children to be in
schools than to be out of it; the luckier school students – against the
unfortunate children herding animals or scavenging – sitting for hours
in congested and crowded environment (Montero, 2010)2 and being
subject to punishment for minor actions such as moving or speaking in
class-room, stunt their mental, emotional and physical growth (DFID,
2000: 12-13). Around 20,000 public schools do not have adequate
facilities such as toilets (Montero, 2010).
According to Population Council Report (Council, 2009, p. iv)
children attending primary schools are only half of the total schooling-
going age children, in secondary schools only quarter of the cohort
are in schools and just 5 % of got higher education. Moreover, wide
gaps exist in enrolment rates in rural and urban areas. At primary level
the enrolment gap between rural and urban areas is 20%, which more
than doubles at middle level (41.4%), finally reaching 50% at Matric
(high school) level. A more striking fact is that 14 % of girls are enrolled
in primary schools and just 8 % girls are enrolled at middle schools
(EMIS, 2011: 22). In Pakistan, gender differences in school attendance
exist in all provinces and in urban and rural areas (Sathar, Lloyd, Mete,
& ul Haque, 2003). According to Sathar’s (2003) findings the percen-
tage of respondents attending school increases with higher levels of
socioeconomic status. There is relatively small difference in the gap
between male and female school attendance in urban areas. Moreover,
she found that poverty, especially in urban areas, is a major explana-
tory variable for differences in school attendance for females in urban
170
areas: in comparison to 88 percent of female adolescents from the
highest income group only 23 percent of female adolescents from the
lowest income group reported to have attended school. Thus, in the
context of urban areas, class rather than gender seems to explain dif-
ferences in school attendance for girls. However, in rural areas the
number of males completing middle school is more than twice the num-
ber of females, which means that gender differences are more clearly
pronounced: ‘… only 13 percent of young female students in rural areas
complete middle level compared to more than four times that propor-
tion in urban areas’ (Sathar, 2003: 50). Although school attainment
rates are higher for males in urban areas as well but the gender diffe-
rences are not that striking as they are in rural areas. Overall, Sathar
(2003) concludes that ‘… fewer than half of all young females aged
15-24 years have ever enrolled in school. Of those who are fortunate
enough to gain some education, more are likely to drop out of school
at an earlier class than their male counterparts. This pattern of low
enrollment for females is magnified at the lowest socioeconomic stra-
tum’ (Sathar, 2003:57-58).
In 2000 as part of Devolution of Power (DoP) program for transfor-
ming local government system, the government of Pakistan initiated
Educational Sector Reforms (ESR) for the purpose of ‘comprehen-
sive literacy and poverty reduction, expansion of primary elementary
education, introduction of technical stream at the secondary level,
improving the quality of education through teacher training, forming
public private partnership’ (Shah, 2003: iv). The situation, however, is
anything but better.
As of 2005, some 33 % of children were enrolled at private schools
in Pakistan (Amjad & MacLeod, 2012). The mushrooming of private sec-
tor schools may generally be seen as a sign of overall improvement in
living standard of the people and as ground for supposition that school
environment there might be qualitatively more sophisticated. However,
besides the fear that it is leading emergence of class divisions and rifts
in terms of employability, creativity and civic engagement their internal
dynamics are strongly linked to gender issues. For instance, the largest
171
bulk of students in private schools are boys; only a handful of families
would like to send their daughters to schools. This gender discrimina-
tion from family side emerges out of socially shared belief that sons
are future/old age insurance while a girl’s education in private school
is devalued because she would have to move to husband’s house after
marriage and hence won’t be of that much help to parents (Aslam,
20063). According to UN (20054), 40% of government schools and 35
% of private schools use corporal punishment. One should not expect
violence-free schools in a state that legalize corporal punishment and
does not have legal safeguards against sexual harassment. According
to Section 89, Pakistan Penal Code 1860 (XLV), parents, teachers and
guardians of children are empowered to use “MODERATE CORPORAL
PUNISHMENT” as a means to discipline children under the age of 12
years (Jones et al., 2008)5. As stated above, because there are no laws
safeguarding children against sexual abuse, Plan International (2008)
reports to have documented 2500 complaints of sexual abuse against
children between 2002 and 2003.
In Pakistani culture, mobility is more, and severely constrained for
females than it is for males. Although it is hard to see, but in case,
if both the genders are equally (un)constrained, there are yet other
important gender dimensions administered to young people by the
adults. For instance, once permission is given for outside activities
(play, sports, clubbing etc.), young males can move outside home
unaccompanied but for young females it is compulsory not to move
unaccompanied. Reasons for gender differences in mobility could
be many but, the issue of religion or more specifically, the cultural
interpretation of religious values and beliefs seem to a major reason.
3 Aslam, M. (2006).The Quality of School Provision in Pakistan: Are Girls Worse off? Retrieved on
July 8, 2011, from http://www.gprg.org/pubs/workingpapers/pdfs/gprg-wps-066.pdf
4 United Nations (2005) Violence against children: regional consultation in East Asia and the
Pacific.Geneva: United Nations. In the Painful lessons report.
5 Jones, N., Karen Moore, Eliana Villar-Marquez, and Emma Broadbent (2008), ‘Painful Lessons:
The Politics of preventing sexual violence and bullying at school’, London: ODI.
172
According to Khan (2004: X), the imposition of uni-dimensional and
monolithic version of Islam led to emergence of an ideology that has
contribute towards severing mobility for females. Elaborating the argu-
ment, He (Khan, 2004) contends that the injunctions to keep female
body covered and hidden and the injunction, to move less in society
and the socially created need ‘…“protect” it from the gaze of outsiders,
the fear of its being violated by strangers. These are terms in which
men perceive the female body and legislatures, dominated by men,
make laws to protect themselves from the havoc that may be wrought
upon society if the fitna6 located within the female body were to rele-
ase’ (Khan, 2004: 10). Such restrictions have serious implications for
the attainment of education, accessing health services, opportunities
for job/work, as well as for recreation and social networks for young
females. In her survey about gender dimension of parenting, Sathar
(2003) found that places that parents consider unsafe for young males
and females vary. Similarly, parents’ fears and reasons for justifying
restrictions on the mobility of young males and females also vary. For
example, with respect to young males, parental fear circles around the
notion of personal safety that is whether they might get physical harm
or not. However, with respect to females, the notion of fear is broader
than the mere concern for their physical safety: the concern mainly
centers on the notion of family reputation and family honor due to loss
of virginity of girls (Sathar, 2003: 40-41). The differences in conception
of mobility have implications for school attendance, which, for exam-
ple in 2001, remained 84 percent for male and 54 percent for female
adolescents in 2001 (Sathar, 2003: 40-41).
The social values of devaluing girls’ education out of concern that
they would shift to another house after marriage (Council, 2009) is
perhaps the worst form of violence. Such ideational construct around
the girls’ education supposedly mean that no matter what happens to
a handful of enrolled girls in and around school, parents or community
6 Translated here as social and moral degeneration leading to violence due to instigation of sex.
173
at large would turn blind eye to their problems. This perhaps explains
the reasons regarding lack of studies on girls’ harassment in and
around school. Inside schools the authoritarian teaching methods,
punishment and humiliation of children are factors associated with
non-attendance and high dropout rates of children from schools in
Pakistan (Watkins, 1999: 75)7. It should also be noted that though no
estimates exist as to how much girl students suffer from sexual haras-
sment in and around schools but at least this much is known that most
parents would not send their daughters to schools because safeguar-
ding girls’ virginity is socially considered as equivalent to safeguarding
family honor (UNFPA, 2000)8.
The gender based violence in schools and outside, especially sexual
harassment, has a religious and minority dimension to it as well. For
instance, in many parts of Khyber Pakhtunkhwa province of Pakistan
there was and is a myth that to have sex with a sweeper girl9 cures
backache. Such mythical beliefs trigger risky behavior among boys who
would not hesitate from sexual violence against girls in schools as well
as outside schools. This phenomenon also relates to the issue of ter-
rorists’ development in Pakistan. The anecdotal evidence and media
inspired theory suggests that it is madrasah-system and its curricula
that prepare students for terrorist activities. The madrassah which
cater for 2 million annual of the school going children constitute 6% of
total school going children in Pakistan. If you consider a child of age 6
to be in school, in Pakistan 4.5 million is the figure that are not going
there and 3 million of them are girls. If you count on total under 15 age
children going schools, Pakistan has a large number of 25 million out of
school in this age bracket out a total expected population of 63 million
7 Watkins, K. (1999), ‘Education Now: Break the Cycle of Poverty’, Oxford: Oxfam
8 UNFPA (2000), ‘State of World Population Report, the Widespread violence against women in
Africa documented, http://www.afrol.com/Categories/Women/wom003_violence_unfpa.htm
accessed 23rd April, 2010
9 Cleaning is considered low status job especially public services and hence are mostly performed
by Christians in Pakistan being minority
174
(35% of the total population which is 180 million). Both Madrassah
and School going in total constitute only 54% of the school going age
and that makes it 36 million totals in number (Fair, 2014). Madsarrah
education in Pakistan is considered to constitute 5% of total formal
education enrollments. But before that it is important to note that the
ASER (2014) Report published in January 2015 says:
175
Table 1: Gender-based Distribution of Government and Private High
Schools in Selected Districts
Peshawar* Mardan**
Gender
Government Private Total Government Private Total
Boys 103 329 432 85 122 207
Girls 50 232 282 50 82 132
Total 153 561 714 135 204 339
Sources: *Result Gazette: Secondary School Certificate 9th, 2012 Annual, Board of
Intermediate and Secondary Education, Peshawar. Khyber Pakhtunkhwa
Sources: *Result Gazette: Secondary School Certificate 9th, 2012 Annual, Board of
Intermediate and Secondary Education, Peshawar. Khyber Pakhtunkhwa
176
of 20006 students observed study in grade 10 at 339 Schools. Out
of them 207 schools are for boys and 132 are for girls. Total private
schools are 204 and 135 government Schools. In District Mardan the
average number of students in grade 10 per school is 59.01 however, if
it is separated 115.11 average students in grade 10 per school in gover-
nment sector and 21.85 in private sector.
Gender based segregated data however, shows that schools both
in public and private sector for female are half of those for male in the
two districts. Similar are the facts for gender based enrollment.
Summery
We need to consider some important facts to deal with the pro-
blem of Education, Gender, Radicalization, Documentation of Economy
and Democratization of institutions through a program of Education
Reforms in Pakistan as a one package. We need to consider out of
box, research based indigenous solutions. With densely populated
schools and poor infrastructure available you cannot just put in more
25 million, nor can you let them wait till the schools are build and
teachers are employed, let the quality of education, poverty, lack of
interest from parents, training of teachers compromised.
References
Sathar, Z. A., Lloyd, C. B., Mete, C., & ul Haque, M. (2003). Schooling
Opportunities for Girls as a Stimulus for Fertility Change in Rural
Pakistan*. Economic Development and Cultural Change, 51(3), 677-698.
177
Shah, D. (2003). Country report on decentralization in the educa-
tion system of Pakistan: Policies and strategies. Islamabad: Academy
of Educational Planning and Management,(Islamabad), Ministry of
Education.
Witte, S. S., El-Bassel, N., Gilbert, L., Wu, E., & Chang, M. (2010).
Lack of awareness of partner STD risk among heterosexual couples.
Perspectives on Sexual and Reproductive Health, 42(1), 49-55.
178
Heteronormatividade e os modos curriculares
de produção do gênero1
179
e fundamentados que estruturam sua argumentação. Mary Rangel
(2007) argumenta que do ponto de vista semântico, pode-se compre-
ender o ensaio como uma dissertação mais curta e menos metódica do
que um tratado formal e acabado. Esse desenho, em princípio, menos
rígido e mais flexível de encaminhamento de análises e proposições
que suscitam e sugerem continuidade, seja para confirmações, seja
para questionamentos, encontra também respaldo em outros autores,
a exemplo de Manuel da Costa Pinto (1998), quando se refere ao seu
próprio estudo como “provisório e aberto”.
Ainda, de acordo com o estilo ensaístico, a dissertação não se
encerra nos limites de seus termos e proposições. Ao contrário, a
inconclusão de um ensaio tem o especial valor de suscitar e sugerir
outros prosseguimentos. Assim acontece com este ensaio, sua temá-
tica se centra em debater a tríplice “gênero, sexualidade e currículo”,
constituindo-se numa sugestão ao debate aos/às pesquisadores/as,
esperando-se persuadi-los/as a considerá-la em suas investigações
e análises, seja para encontrar novas perspectivas, seja para confir-
mar ou refutar as que este ensaio lhes oferece, através da construção
de seus argumentos. Tendo feito esse esclarecimento, dividiremos o
artigo em dois momentos. Em um primeiro exercício, traremos à dis-
cussão alguns tensionamentos sobre as produções discursivas em
torno das caterias de sexo e gênero. Em seguida, faremos algumas
provocações sobre como os arranjos do eixo sexo-gênero-sexua-
lidade estão implicados em relações de poder que afetam nossas
performances afetivo-sexuais e os movimentos curriculares na escola.
Com usos distintos entre as correntes teóricas, o conceito de
gênero não foi uma invenção feminista. Antes de Gayle Rubin utilizá-lo
para analisar o tráfico de mulheres em 1975, ele já se encontrava na
obra de Robert Stoller: Sex and Gender, publicada em 1968. A releitura
deste conceito pelas feministas está inserido em momentos históricos
de alterações sociais substanciais, a exemplo da inserção de mulheres
brancas e de classes medianas no mundo do trabalho formal. Ao pon-
derar o sexo como questão a se explicar, em vez de entendê-lo como
dado, o conceito de gênero trouxe ao plano prático-teórico-prático as
180
diferenças sexuais na agenda de investigações acadêmicas e de ela-
boração de políticas públicas.
Como não bastasse, a emergência do conceito de gênero inscrevia-
se em um processo que tornava visível uma relação social marcada
pela desigualdade investigativa entre mulheres e homens. Ao reto-
mar, em outros moldes, velhas questões (a exemplo da participação
de mulheres nas decisões políticas ou sua presença nos grandes feitos
da humanidade), o conceito de gênero deu lugar, mais recentemente,
a uma perspectiva crítica sobre a produção dos saberes em diversas
disciplinas das ciências. Conforme podemos observar, a categoria de
gênero reemerge com as feministas como um dispositivo para pro-
blematizar as desigualdades orientadas pelas diferenças sexuais e,
sobretudo, como um contrato epistemológico para produzir conheci-
mento frente aos saberes hegemônicos que buscava justificativas para
limitar a cidadania a determinados tipos de homens: proprietários,
brancos, classe-média, heterossexuais e judaico-cristãos.
A palavra sexo é correntemente usada para designar o órgão ana-
tômico sexual e a relação genital entre pessoas, incluindo ou não a
penetração. Mas, nesse texto, iremos entendê-la como um feito social
marcado pelo significado cultural. Se aceitarmos o entendimento sobre
o corpo como uma situação cultural, então, a noção de corpo e sexo
natural se faz cada vez mais suspeita. Enquanto dispositivos de subje-
tivação e de governamento, entendemos que os discursos produzidos
em torno do gênero e do sexo (re)produzem representações sociais,
que uma vez construídos pela linguagem, ganham significado na cul-
tura, subjetivando os sujeitos e, com isso, classificando-os. Segundo
Furlani (2005), “a representação é o modo como os significados,
construídos e atribuídos pela retórica e pelo discurso, dão sentido e
posicionam as diferenças, as identidades, os sujeitos, num processo
que é fundamentalmente social, histórico e político”. Daí a importância
de pensá-las (as representações) enquanto categorias produzidas e
inventadas. Mais do que isso, questionar aqueles que falam, por que
falam e de onde falam ao produzirem uma determinada identidade. A
respeito deste aspecto, Tomaz Tadeu da Silva (1999) ressalta:
181
Tanto a educação quanto a cultura em geral estão
envolvidas em processos de transformação da identi-
dade e da subjetividade. (...) através dessa perspectiva,
ao mesmo tempo que a cultura em geral é vista como
uma pedagogia, a pedagogia é vista como uma forma
cultural: o cultural torna-se pedagógico e a pedagogia
torna-se cultural (SILVA, 1999, p. 139).
182
as colonialidades, ou seja, as continuidades nas relaçoes de poder
engendradas após o fim do colonialismo oficial, é necessário conside-
rar a racialização e generificação enquanto fatores que contaminam e
determinam tais relações. Sendo assim, o que buscamos apontar com
esta provocação é que nosso colonialismo e nossa colonialidade nos
denunciam, a partir da construção ativa da desumanidade de negras e
indígenas, em contraponto, a afirmação do gênero apenas às mulheres
brancas. Nestes termos, o diformismo sexual aplicado a indigenas e
negras/os nos informa sobre o sexo enquanto construção discursiva e
atravessada de outras representações. Então, com este diálogo, pen-
samos que tanto gênero como o sexo parecem ser questões culturais.
Se o corpo, seu sexo e sexualidade são ficções, isso parece nos dizer
que sexo foi gênero todo o tempo (BUTLER, 2003a) e que para sua per-
formance é exigido o mínimo de liberdade para excitar a criatividade.
Com a liberdade criativa, a sexualidade fala muitas linguagens, se
dirige a muitos tipos de pessoas e oferece uma cacofonia de distintos
valores e possibilidades (WEEKS, 1998). Com elas, os sujeitos e insti-
tuições são capazes de inventar identidades, desejos, práticas... que
acabam por fragilizar qualquer certeza e nos denunciam que mesmo
com toda a tentativa de regular, de domesticalizar os corpos ou deter-
minar as práticas pedagógicas em situação de liberdade, o sujeito é
mais rizomático.
A liberdade nos aproxima da compreensão de Foucault (1997)
quando nos convida a refletir sobre o poder como algo que permeia
todas as relações, ou seja, está difundido e capilarizado nelas. O poder
entendido a partir de práticas ou de relações implica também práticas
de resistência, não a partir de um lugar privilegiado, mas exercida den-
tro das diferentes redes de relações entre sujeitos/as e instituições.
Ou seja, onde há poder, existe possibilidades de resistência.
Para Foucault (1997), saber e poder inserem-se em uma mesma
relação, em que nem todo saber detém o poder, e nem todo o poder
detém o saber, mas para o poder funcionar é necessário acionar os
chamados regimes de verdades. Dito de outro modo, é necessário a
produção de uma série de discursos que estabeleçam “a verdade”, e
183
que vão autorizar que certas coisas sejam ou não pensadas e ditas.
Sendo assim, a produção dos saberes e a produção “da verdade”
estão diretamente ligadas ao exercício de poder, da mesma forma que
o poder não pode ser exercido sem a produção desses saberes. Logo,
184
acaba por consolidar a sexualidade como uma “scientia sexualis”2,
como nos descreve Foucault (1988). Na perspectiva do autor, haveria
duas formas de apropriação da sexualidade por saberes, uma via “scien-
tia sexualis”, como já dito, e outra através da “ars erotica”. Enquanto
que, na última, o prazer, a curiosidade e a subjetividade encontram-se
na agenda de discussão e na experiência; para a anterior, a narrativa
seria conduzida pela cientificidade com ênfase na preocupação com a
reprodução. Cotidianamente, ambas estão presentes e se tensionam
nos movimentos curriculares, entretanto, dada a forma moderna de
organização da escola é indiscutível que a “scientia sexualis” goza de
maior prestígio e reconhecimento escolar.
Esta situação nos faz recordar que quando a sexualidade se con-
verte em objeto do conhecimento e que, por sua vez, suas metáforas
científicas são aplicadas à população, ela gera outros movimentos de
subalternidades e de controles.
185
quando o tópico do sexo é colocado no currículo, nós
dificilmente podemos separar seus objetivos e fantasias
das considerações históricas de ansiedades, perigos
e discursos predatórios que parecem catalogar certos
tipos de sexo como inteligíveis, enquanto outros tipos
são relegados ao domínio do impensável e do moral-
mente repreensível (BRITZMAN, 2001. p. 90).
186
Ao vivermos/buscarmos a completude dessa profundidade, é afe-
tada a forma como nos relacionamos com/nesse mundo.
Por essa razão é que “um dos princípios centrais da pedagogia crí-
tica feminista é a insistência em não ativar a cisão entre mente e corpo
[...] [o que] nos permite estar presentes por inteiro [...] na sala de aula.”
(HOOKS, 2013, p. 256). O erótico, nestes termos é a personificação do
poder criativo... de uma energia criativa empoderada.
O erótico e o erotismo, entretanto, não estão desconectados dos
discursos sobre sexo, gênero e sexualidade e, tampouco das interpela-
ções raciais. Quando Audre faz a crítica com relação à pornografização
da energia erótica, apontando a exploração e ausência de agencia-
mento implicada neste processo, está nos incitando a pensar as
adjacências desta distorção. Uma das facetas deste prisma, reflete as
noções de heteronormatividade que sugerem a necessária existência
de uma hierarquia, de um desajuste entre os poderes das/os sujeitos
envolvidos em uma relação afetivo-sexual. Outra faceta deste prisma,
correlata a essa, é que, quando nos debruçamos sobre os corpos femi-
ninos esses têm, constantemente, sua energia erótica por um lado
enquanto algo a ser controlado, normalizado em direção à satisfação
de corpos masculinos. Neste cenário, a hipersexualização da mulher
negra, por exemplo, constrói seu corpo enquanto público, violável. Por
outro lado, há também os discursos que direcionam esta mesma ener-
gia em relações de cuidado com os outros. Tanto uma representação
quanto a outra implica homens e mulheres em interações obrigatórias
e desiguais, que buscam todo o tempo aprisioná-las/os à reprodução
187
da coerência de sexo-gênero-sexualidade e os papeis sociais decor-
rentes desta. Sendo assim, o projeto de indivíduo subjacente a esta
norma, o/a enquadra em uma relação sempre dicotômica e atomizada,
e o erótico subverte esta construção.
Se o corpo é território, é relevante considerá-lo enquanto contes-
tado, sempre em disputa e disputado, produtor e produto de discursos.
Com Goellner (2007), temos que o corpo é provisório, conjuntural e
histórico, ou seja, não natural. Sendo a naturalidade do corpo um esta-
tuto a ser criticado são também as falas produzidas com/por/sobre
ele. Interrogar os discursos sobre o corpo é salientar sua geração de
hierarquizações quando definem o que é positivo, o que é belo, jovem
e saudável. Tais definições, com Foucault (1987), são atravessadas por
relações de poder que buscam tornar estes corpos úteis, produtivos,
docilizados, inteligíveis dentro de uma lógica dicotômica e normativa.
Estes atravessamentos se dão por meio de métodos disciplinares:
“um conjunto de saberes e poderes que investiram no corpo e nele se
instauraram” (GOELLNER, 2007, p. 35). Estes métodos encontram-se
balizados nos discursos produzidos nas mais diversas instâncias, tais
como ciência, escola, família, mídia, etc. As noções de beleza, juven-
tude, masculinidade, feminilidade (entre outras) que incidem sobre
este corpo são referentes, localizadas e foram se transmudando,
incorporando outros conceitos com o passar do tempo. Sendo assim,
com Goellner afirmamos que o corpo, assim como as configurações
anatômicas que definem/produzem culturalmente homens e mulhe-
res (entre outras categorias de diferenciação), deve ser considerado
enquanto categoria discursiva e, portanto, historicizada.
Com este entendimento, partimos do princípio que transitam mode-
los de gêneros nos currículos e estes projetam a heterossexualidade e
a masculinidade hegemônica3 como norma e referência. Não estamos
188
com isso atribuindo à escola o poder e, tampouco, a responsabilidade
de explicar as identidades, nem muito menos de determiná-las. Porém,
reconhecemos que as proposições e interdições realizadas pelas esco-
las fazem e produzem sentidos, além de possuir “efeitos de verdade”
nos sujeitos (CAETANO, 2011).
De forma mais ampla, o conjunto de discursos ou teorias do cur-
rículo deduzem o tipo de conhecimento considerado importante a
partir de descrições sobre o tipo de sujeito que devem constituir a
sociedade. Cada “teoria” leva, em si, para determinado “modelo” de
sujeito e corresponde a determinados tipos de saberes presentes na
organização curricular. Entendemos currículos como as tecnologias
pedagógicas (arquitetura, livros didáticos, vestimentas, mídia, etc.),
que, significadas na cultura e obedecendo a certa lógica de plane-
jamento, constroem, ensinam e regulam corporalidades, produzindo
modos de subjetivação e arquitetando formas e configurações de estar
e viver na escola e, mais amplamente, na sociedade.
Como parte das instituições que interagem e se integram na socie-
dade, a escola tem, em seu interior, sujeitos que trazem de suas
relações mais amplas os saberes que se configurarão nos currículos.
Isto significa assumir que a escola se caracteriza como espaço privi-
legiado de encontro de diversas leituras e conhecimentos do mundo.
Assim, os curriculos, ainda que ausentes de reflexão, não são ações
neutras sem resultados práticos na vida dos sujeitos. Eles são con-
figurados por sistemas de interesses, sejam estes elaborados pelos
sujeitos que estão diretamente nas práticas escolares ou por aque-
les que na gestão orientam/determinam o que deve ser ensinado na
escola. Pensado de outra forma, ao não problematizar em suas agen-
das, planos e conteúdos o quanto somos sujeitos construídos histórico
e culturalmente, a escola já está produzindo e regulando as condu-
tas sexuais dos/das alunos/as. Isso se dá, sobretudo porque aquilo
das práticas educativas que nos formam, uma forma de ser masculino. Essa, por sua vez, é con-
figurada, quase sempre, na negação do que é significado como feminino.
189
que não é dito, o silenciado, também corrobora no processo de sub-
jetivação dos corpos, na maioria das vezes, baseado em concepções
binárias, assimétricas e complementares entre a mulher e o homem: a
heterornormatividade.
A heteronormatividade não somente almeja manter a lógica dico-
tômica e complementar entre homens e mulheres, como também a
degradação social dos sujeitos que buscam subvertê-la. Neste sen-
tido, a homofobia e o machismo são respostas da heteronormatividade
destinada às sexualidades dissidentes ou às mulheres. O sistema
heteronormativo, para se manter na ordem das coisas, necessita se
retroalimentar da lógica sexual binária. Daí, a necessidade de ideo-
logicamente controlar as tecnologias pedagógicas da escola e mais
amplamente da cultura. Nestes pressupostos, articulam-se as identi-
dades e as práticas curriculares.
A homofobia ultrapassa as expressões do corpo e as práticas sexu-
ais desdobram-se nas identidades de gênero. Isto nos leva a afirmar
que somos todos os dias interpelados por determinações regula-
mentares que nos ensinam sobre como devemos avaliar, classificar
e hierarquizar os sujeitos, produzindo, em última instância, relações
assimétricas heterocentradas. Os sistemas normativos operam verda-
des nos discursos e produzem modos de subjetivação que funcionam
como marcos regulatórios de nossos comportamentos e miradas sobre
o mundo.
A heteronormatividade se conecta diretamente com o andro-
centrismo. Em primeiro plano, sustenta a ideia do governo homem/
masculino sobre a mulher/feminino. Em segundo lugar, ao exigir a
tarefa de governo do homem e de governada da mulher, lhes obrigam
a relações intrínsecas e reprodutivas do sistema em uma lógica biná-
ria. Nestes termos, penso que qualquer que seja a análise ou ativismo
político das identidades sexuais que não considere estes dois concei-
tos, estará reduzindo e limitando suas ações à superficialidade, sem
contar, que estará reproduzindo cadeias de governos, alimentando a
manutenção das estruturas que abarcam um ou ambos os conceitos
(CAETANO, 2011; CAETANO; DE GARAY, 2012).
190
As práticas educativas heteronormativas são tão inexpressivas
que raramente as questionamos. A partir dos ensinamentos deixa-
dos por Monique Wittig (2006) sobre o papel político das categorias
mulher e homem4, deveríamos nos interrogar sobre a oposição biná-
ria entre a heterossexualidade e a homossexualidade. Assim como o
ideal de homem universal foi efeito de interesses políticos que buscou
estabelecer ao longo da história uma hegemonia branca, proprietária,
adulta e heterossexual e a categoria “mulher” como o outrem desse
homem; a homossexualidade vem sendo um corpo discursivo alimen-
tado pela lógica heteronormativa e se caracterizando como o outrem
da heterossexualidade. Torna-se necessário atentar para uma altera-
ção político-epistemológica e subjetiva que efetivamente destitua a
lógica binária e seus efeitos sobre o conhecimento e, por sua vez, dos
currículos.
Foucault, ao criticar a configuração binária de poder e o modelo
jurídico de opressor e oprimido, nos oferece algumas estratégias para
a subversão da hierarquia de gênero e ao binarismo homo/hétero. Sua
4 Para Wittig, a heterossexualidade seria um regime político sustentado pela submissão e apro-
priação das mulheres em que, a partir de sua capacidade biológica para gerar filhos/as, procriar,
é colocada num lugar de subordinação, ou seja, a submissão está atrelada à categoria de sexo:
“naturaliza-se a história e se passa a crer que homens e mulheres sempre existiram e sempre
existirão do mesmo modo” (WITTIG, 1992, p. 10-11). Através da naturalização destes fenômenos,
justifica-se o lugar de submissão das mulheres. Compreender o conceito de não-mulher nessa
perspectiva, passa antes pela compreensão de que a categoria “sexo” é uma categoria política
que funda a sociedade enquanto heterossexual. Em outras palavras, a categoria sexo estabe-
lece como natural a relação que está na base da sociedade (no caso, heterossexual) inclusive,
economicamente (divisão sexual do trabalho) e sobretudo no campo do desejo. Tal categoria é o
produto que impõe às mulheres a obrigação absoluta de reproduzir a sociedade heterossexual
(WITTIG, 1992). Nela, o contrato do matrimônio torna-se uma das formas pelas quais os homens
se “apropriam” das mulheres (por lei) e se fazem homens, assim como as mulheres se consti-
tuem em um par complementar e assimétrico intrínseco, uma vez que a esposa pertence ao
marido enquanto pessoa física, tendo que trabalhar sem remuneração, sujeita à violência sexual
e doméstica, entre outras formas de violência e dominação masculina. Sendo assim, a categoria
sexo é o que a autora chama de totalitária, pois é legitimada por instituições como o Direito, a
Medicina e outras tão tradicionais, tanto que, através de seus discursos biologizantes sobre a
natureza dos corpos, exerciam (e ainda exercem) influencia na divisão binária homem-mulher.
191
tática, se assim podemos chamá-la, não é transcender as relações de
poder, mas multiplicar suas diversas configurações de tal modo que
o modelo jurídico de poder como opressão e regulação deixe de ser
hegemônico. Para Butler, essa proliferação auxiliaria no processo de
desconstrução dos sistemas de dominação, uma vez que os sistemas
essencialistas que sustentam o gênero atuam e mascaram os discur-
sos dominantes, tornando-se elementos de opressão. Talvez, desse
ensinamento deixado por Foucault, possamos retirar as bases para
proliferar inúmeras e ilimitadas formas de ser homem e mulher, a tal
ponto que nenhuma seja a “legítima forma” e, tampouco, alguma hege-
monicamente governe o fazer da/na escola.
Parafraseando Deborah Britzman (2005), o direito à liberdade de
exercer a sexualidade e a inventar o gênero se compõe de pequenas
ações cotidianas, mas de profundo significado na organização sócio
-política: o direito a inventar o Ser como possibilidade, a elaborar e
executar o que lhe der prazer e constituir de forma singular o Estar
no mundo, a dignidade, a informação adequada às necessidades, a
formulação de infinitas perguntas e a obtenção de perguntas como
respostas, a adesão ao que socialmente lhe fascina, a curiosidade
sobre o desconhecido e, sobretudo, o direito de amar e com o amor
transformar os dogmas do corpo e, com o corpo, o mundo. Se nos
aproximamos de Lorde, encontramos a necessária ênfase na capa-
cidade de gozar (com e para além de nossas práticas sexuais) como
também prática de liberdade. O erótico, nestes termos, nos descon-
forma frente ao conveniente e, ao mesmo tempo, nos desafia à busca
constante de uma mudança genuína para além das reacomodações de
personagens e relações de poder.
A conquista destes coletivos de direitos exige condições básicas
de vida o que nos leva assumir a sexualidade como principio subjetivo
de profundas dimensões políticas: comida, roupa, moradia, educação
escolar, saúde, democracia, prazer, cidadania, liberdade, auto-estima
e satisfação... vida. Uma democracia sexual necessariamente implica
um processo mais amplo de democratização em que seja desman-
telado definitivamente as barreiras que restringem o potencial e o
192
crescimento individual, tais como: a exploração econômica, a opressão
racial e a desigualdade de gênero, o autoritarismo moral e desigual-
dade de acesso à educação. Isto não implica que desaparecerão ou
deveriam desaparecer as dificuldades, as necessidades e interesses,
os conflitos de prioridade e de desejo. Ao contrário, a meta seria o de
obter o máximo de meios pelos quais estas diferenças e conflitos pos-
sam se resolver democraticamente (WEEKS, 1998).
Quando observamos nossas especificidades coloniais, mais de
vinte anos após o restabelecimento das democracias neoliberais, as/
os sujeitas/os (ex)cêntricos dos chamados novos5 movimentos sociais
de esquerda vêm pautando sua exclusão dentro da democracia. Para
Breny Mendoza, o cerne desta discussão sobre a democracia jaz na
própria erição deste conceito e, portanto, a autora parte da premissa
de que existe uma colonialidade da democracia. Ao analisar critica-
mente, com María Lugones, as teorias decoloniais, sobretudo a partir
de Aníbal Quijano, Mendoza sublinha a naturalização das relações
de gênero e da heterossexualidade na obra do autor peruano. Para
Breny, as mulheres foram, a um só tempo, racializadas e inventadas
como “mulheres”, de acordo com princípios e códigos discriminató-
rios. Portanto, a colonização foi acompanhada necessariamente pela
racialização e colonialidade de gênero enquanto bases para a classi-
ficação social dentro daquele sistema. Sendo assim, o que as autoras
nos propõem é que a ideia de gênero produz-se concomitantemente
com a ideia de raça.
Nestes termos, quando pensamos as relações coloniais de gênero e
raça nas colônias, temos que às/aos escravizadas/os negras/os e indí-
genas, o que era aplicado aproximava-se mais a um diformismo sexual
193
(macho e fêmea)6, o que demarcava a produção destes corpos como
não humanos. Sendo assim, estas relações colonizadas de gênero e
raça estiveram imbricadas e refletidas nas relações sociais de capi-
tal e trabalho que se engendraram a partir da experiência colonial.
Nas relações desenvolvidas, foi forjada, consideravelmente a partir
de diferenças fenotípicas, a codificação das diferenças e a noção de
superioridade branca e masculina, frente aos povos indígenas e, poste-
riormente aos negros e amarelos. O autor descreve um cenário colonial
em que a dominação/exploração estava diretamente ligada ao binô-
mio raça/trabalho. Nestes termos, com a divisão racial do trabalho, e a
partir da expansão mundial (propiciada por séculos de exploração de
trabalho gratuito de negros/as e indígenas) da dominação colonial, por
parte da dita raça dominante, foi imposto o mesmo critério de classifi-
cação social a toda a população mundial em escala global.
Daí depreende-se e relacionam-se ideais eurocêntricos de moderni-
dade para a concepção do mundo em que, em primeiro plano, a história
da civilização humana é retratada como uma trajetória que parte de
um estado de natureza e culmina na Europa; e, em segundo plano, são
outorgadas enquanto diferenças de natureza (racial) e não de história
do poder, as diferenças entre europeus e não europeus. Dessa maneira,
legitimava-se a dicotomização e a essencialização identitária. É o que
Santos (2007) afirma enquanto “simetria dicotômica”, que, ainda que
pareça simétrica, esconde uma hierarquia e busca manter a racionali-
dade refém da ideia de totalidade e complementaridade. Deste modo,
não é possível pensar o sul sem o norte, a mulher sem o homem, o escravo
sem o amo. E dessa forma, é gerada a invisibilização, a produção ativa da
não-existência daqueles/as que encontram-se em posição inferior nesta
hierarquização naturalizada. Assim, o primeiro componente é apresen-
tado como o puro, ideal a ser alcançado, o modelo a ser copiado, a razão,
enquanto que ao segundo resta a cópia, a incompletude, a animalidade,
194
a natureza. Estas categorias tem uma construção identitária relacional,
e, portanto, sempre atrelada a seu “oposto”.
Se retornamos à Mendoza e Lugones, o que as autoras nos demar-
cam é que jaz na constituição do conceito democrático um duplo
pacto. De um lado, um pacto social que deu conta de garantir as ati-
vidades assalariadas apenas aos homens brancos a partir das noções
de superioridade natural branca, em detrimento dos trabalhadores
escravizados não-brancos. E, outro, de gênero entre os homens. O
primeiro contrato livrou os homens brancos pobres da escravização,
o segundo, do trabalho e circunscrito ao âmbito doméstico. Tal forma-
tação social esteve diretamente implicada na concepção de cidadão
livre, pleno em direitos, o sujeito/agente da democracia liberal e, para
Mendoza, reflete a confluência do sistema heterossexista, de gênero
colonial com o capitalismo e a democracia liberal.
Tais confluências seguem a se engendrar e retroalimentar dentro
daquilo que cotidianamente chamamos democracia. Sendo assim, o
passado e presente deste constructo social nos apontam para a aná-
lise de que, mesmo em sua composição, já nos informa quais são seus
interlocutores e sujeitos a quem se destinam suas estruturas. Se assim
o interpretamos, será o caminho da legalidade, a exigência da inclusão/
adequação/assimilação dentro deste sistema um caminho possível ou
menos violentador do que a outra opção? Existirão também para nós
negras/os, gays, lésbicas, travestis e transexuais apenas possibilida-
des atomizadas de existência/resistência? Será a “passabilidade” de
algumas/uns suficientemente satisfatória para acreditarmos em avan-
ços e profundas transformações do estabelecido como realidade?
Para além de qualquer tentativa de responder a estas questões,
parece-nos necessário que não abandonemos a inquietação e a crí-
tica mesmo às nossas conquistas. Se atualmente, tem se alargado e
democratizado diversas instâncias de ação política, é aconselhável a
percepção de que nem todas/os cabem nesta cidadania. Talvez, nem
todos/as queiramos caber.
As instituições midiáticas familiares, religiosas, escolares, entre
outras não encontram-se isentas na (re)construção destes conceitos.
195
A cultura escolar e as necessidades políticas nos sugerem uma relação
com os movimentos curriculares, as ações pedagógicas e as neces-
sidades sociais mais amplas dos sujeitos. Pensando com Foucault
(1988, 2005, 2006), a sexualidade “ars erotica” está mais próxima
da liberdade que permite a construção de sentidos e usos do que dos
currículos prescritos pela “scientia sexualis”. A primeira, está mais
presente nos movimentos e fazeres curriculares do que nos programas
governamentais e nas ações não-governamentais que buscam codificá
-la ou estabelecer verdades sobre ela.
A sonhada liberdade ou a opção de criar novos tipos de liberdade
e novas questões à vida são a base que nos implusionam a subverter
a sociedade democrática e, para então, nos reapropriarmos da possi-
bilidade de construir infinitamente o conceito de cidadania, de modo a
ajustá-lo às necessidades dos coletivos de sujeitos. Como na política e
na cultura, a sexualidade é o lugar do impossível, é o espaço em que
o sujeito deixa suas contribuições e se torna autor de sua prática e
invenção. Com ela, em situações democráticas, o fim da vida é o limite
da criação e da invenção de si.
A incompletude da sexualidade nos faz refletir a cidadania porque
esta última não consiste em receber sem postular um ato no qual os
sujeitos deixam suas contribuições às necessidades sociais, ao pensa-
mento e à eleição de estilos de vida. Entretanto, a eleição implica, em
primeiro lugar, democracia. Pode parecer estranho aplicar a palavra
“democracia” ao âmbito sexual, porém, sem dúvida, se necessita um
novo conceito de democracia quando falamos do direito a controlar
nossos corpos, quando decidimos que nossos corpos são de nossa
“propriedade”. Nessa direção, somos interpelados/as a repensar a
democracia, sobretudo a partir de uma visão decolonial, para além
da compreensão comum de espaço de participação, uma vez que, da
forma como está, ela cerceia e regula (inclusive através da própria
inclusão tão reivindicada pelo próprio movimento LGBT), de diferentes
formas, as condutas e os desejos dos sujeitos.
Como na política e na cultura, a sexualidade é o lugar imaginativo
em que se reúnem os discursos sociais mais amplos. Porém, na cultura,
196
na política e na sexualidade também co-existem espaços onde se
abre a possibilidade de romper os significados, refazer os interesses,
buscar as ideias e onde a inconformidade pode possibilitar outras
configurações de estar no mundo. Nesta ceara, concordamos com
Donna Haraway (2000) quando a autora defende que, a partir destas
configurações, é necessária a sutil compreensão das possibilidades
trazidas pelos poderes emergentes e que tem potencial para mudar
as regras do jogo. Ainda que estejamos distantes de compreender/
empreender plenamente o alcance da interseccionalidade, por exem-
plo, precisamos reconhecer e potencializar os saberes produzidos
pela perspectiva parcial que permite novas e criativas interpretações,
assim como outras formas de participação política.
Ainda que o mundo exista sem a nossa presença, nossa presença
no mundo nos exige muita criatividade para inventá-lo. Para que o
mundo tenha sentido devemos criar/significar o que já contém, deve-
mos aprender a questioná-lo e a inventar o que ainda não existe em
nossas petições no mundo. Neste sentido, viver criativamente é tam-
bém uma condição para criar/ampliar a democracia e se criar com a
democracia.
Considerações finais
197
pelos e pelas professoras. Inúmeras pedagogias que envolvem a
complexidade das identidades apontam para a noção de que os/as
sujeitos/as, ao longo do seu desenvolvimento físico e psíquico, atra-
vés das mais diversas instituições e ações sociais, se constituirão
como homem e mulher em etapas que não são sequenciais, contínuas
ou iguais e que de modo algum serão concluídas. Esta configuração
emerge porque os campos histórico-culturais que formam os sujeitos
são implicados de conflitos e são capazes de produzir múltiplos sen-
tidos, que nem sempre são convergentes nas noções de gêneros ou
identidades sexuais. Conhecimentos fixos, universais e a-históricos
são simplistas porque as performances de gênero destacam as plu-
ralidades de etapas pelas quais as culturas constroem e marcam os
corpos dos/as sujeitos/as.
Se levarmos em consideração os arranjos de gênero com outras
marcas sociais (classe, raça, geração, religião, nacionalidade, identi-
dades sexuais) teremos infinidades de apresentações. No campo da
engenharia do corpo são estas infinidades de apresentações que se
inscrevem as articulações entre gênero, sexualidade e as pedagogias,
ampliando para além dos processos familiares e escolares a apren-
dizagem da sexualidade. A partir desses cenários, deveríamos nos
perguntar, antes de tudo, como determinadas características passa-
ram a ser nomeadas e significadas como marcas de uma identidade
ou de outra. Penso que apresentamos alguns caminhos que justificam
algumas marcas do corpo, mas é importante destacar a necessidade
de se aprofundar o conhecimento sobre as práticas pedagógicas que
funcionam como verdades e modelam nossas subjetividades e formas
de atuar no mundo.
Referências
198
____. Curiosidade, Sexualidade e Currículo. In. LOURO, G. L. O corpo
educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte, Autêntica, 2001.
199
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Sexual a partir de livros paradidáticos infantis. Tese (Doutorado em
Educação). Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto
Alegre, 2005.
200
Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. Setembro
2005.
____. The Straight Mind: and other essays. Boston: Beacon Press, 1992.
201
Literatura e as questões étnico-raciais
Introdução
202
[Figura 2- Roda de leitura espontânea com o livro:
“Pretinha de Neve e os Sete Gigantes]
203
de Literatura1, como uma atividade específica, realizada em turmas do
primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental no Colégio Pedro II, no
Campus Realengo I, em diálogo com os estudos empreendidos pelo
Grupo de Pesquisa FormAÇÃO, dos quais uma de nós é integrante e a
outra se faz colaboradora desse grupo.
É importante ressaltar que, todos os Campi I do Colégio Pedro II
(do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental) desenvolvem as
atividades da área de Literatura e possuem uma proposta comum con-
tida no Projeto Político Pedagógico da instituição, ao mesmo tempo,
em que desenvolvem projetos específicos. Ao debruçarmo-nos, então,
sobre a experiência do Campus Realengo I, estamos abordando tanto
a generalização dessa proposta na instituição, quanto as suas especi-
ficidades no Campus estudado, no que se refere à educação para as
relações étnico-raciais.
Conforme explicam TONÁCIO e PACHECO (2008), a proposta
de Literatura do Colégio Pedro II, no primeiro segmento do Ensino
Fundamental, está voltada para a formação do ser-leitor que, em uma
relação dialógica com o texto, seja capaz de, a partir dele e de seu
contexto, produzir sentidos e conhecimentos sobre a realidade. A
relevância desse projeto reside, principalmente, no seu pioneirismo,
pois até o ponto em que conhecemos, o Colégio Pedro II é a única ins-
tituição pública a desenvolver tal trabalho sistematizado nesse nível
de ensino. Do mesmo modo, consideramos a relevância do trabalho
do Campus Realengo I, em específico, que entrecruza o texto literário,
com outros textos imagéticos ou não, outras linguagens e estéticas, a
1 Nos Campi I do Colégio Pedro II, além das aulas regulares do Núcleo Comum (Língua Portuguesa,
Matemática, Ciências e Estudos Sociais), uma vez por semana, os alunos participam das
Atividades de Literatura, Sala de Leitura, Artes, Música, Educação Física e Informática Educativa.
São aulas de uma hora e meia, semanais, para cada turma, com uma sala específica e um pro-
fessor para cada uma dessas atividades. As aulas de Literatura são realizadas por uma equipe
de três professoras, dentre elas uma coordenadora, que se distribuem para atender às turmas
do colégio. Estas possuem dias e horários fixos para participarem das aulas. Semanalmente, a
equipe se encontra para planejar, avaliar e estudar as propostas de trabalho, que se distribuem
em temas específicos voltados para o interesse e necessidade de cada série/ano.
204
fim de produzir uma consciência antirracista de olhar a realidade, para
além do modelo eurocêntrico dominante.
Tomando, então, como referência a escrevivência, como “a escrita de
um corpo, de uma condição, de uma experiência negra no Brasil” (Evaristo
2007, p. 20), nosso objetivo, nesse texto, é escreviver alguns caminhos,
que temos percorrido e vivenciado na nossa trajetória, como professo-
ras do primeiro segmento do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II,
no Campus Realengo I, ao desenvolvermos um trabalho pedagógico de
Literatura, como uma possibilidade de uma educação antirracista e pro-
dutora de uma educação para as relações étnico-raciais.
O trabalho desenvolvido
2 Cf. Figuras 1, 2, 3, 4, 5.
205
A ornamentação da sala, a disposição das carteiras, a
existência de um espaço com almofadas [e esteiras] pro-
piciando o aconchego, o toque, a proximidade, a troca
de olhares, um ambiente composto por reproduções de
obras-de-arte de diferentes origens e épocas e, sobre-
tudo, a existência de muitos livros disponíveis para
manuseio (...). Em tudo há uma preocupação estética
com o fim de impregnar os sentidos do sujeito, desauto-
matizar seu olhar, deseviesá-lo, permitir que se elabore
uma possibilidade criativa e sensitiva de relação com o
espaço escolar. (...) Infância e Literatura estão intima-
mente ligadas no que se refere à forma de pensar e
expressar o mundo: pelo inusitado, estético e sensível.
(Tonácio e Pacheco, 2008, p.289)
206
[Figuras 4 e 5- Ambiente da sala-de-aula de Literatura em Realengo I. Aula
com o quarto ano, com a utilização de artefatos, objetos, dentre outros]
[Figura 5]
207
exige um leitor coautor, que permita o preenchimento
de lacunas e a existência de possíveis digressões, que
solicite atenção e raciocínio agudos para ler inclusive o
que ‘não está escrito’ e para fugir aos padrões estereo-
tipados (s.p.).
208
(como o indígena Daniel Munduruku), brincadeiras, fragmentos de
documentários, hábitos e animações (como o vídeo “Pajerama”3). Em
seguida, abordamos as diferentes versões de contos de fadas e suas
releituras4 (FILHO, 2000), para, em seguida, discutirmos as diversas
representações de reis, rainhas, príncipes e princesas (para além do
modelo eurocêntrico), com imagens e vídeos, a fim de que as crianças
construam imagens de reis e rainhas diferentes dos estereotipados
pela mídia (FILHO, 2000; ANTÔNIO, 2011).
Já no terceiro ano, ainda na busca da construção de uma outra
estética, trabalhamos o conhecimento da Mitologia Afro-brasileira
(ANDRADE, 2000; 2002; PRANDI, 2001; 2002; 2011; BRÁZ e DANSA,
2001), com o objetivo da “desconstrução de estereótipos”, de estigmas
advindos de um olhar preconceituoso e excludente com as origens e
heranças africanas, assim como as histórias, a cultura, a religiosidade
e a cor, realizamos, principalmente, a leitura de algumas reuniões dos
odus africanos presentes no livro infanto-juvenil “Os Príncipes do
Destino - Histórias da Mitologia Afro-Brasileira” de Reginaldo Prandi.
Em especial, o trabalho com esse livro trouxe algumas questões.
Lemos algumas reuniões dos odus, sem mostrar as imagens do livro.
Trabalhamos com os alunos, apenas, com a contação das histórias dos
príncipes africanos, com o intuito de identificar quais seriam as rea-
ções dos alunos, a partir de tais histórias, sem mostrar as ilustrações.
Solicitamos, posteriormente, que os alunos desenhassem seus prínci-
pes africanos e, como imaginamos, mesmo após a leitura dos capítulos
do livro; de uma conversa introdutória sobre outras concepções e
representações de reis e rainhas; e sobre o continente africano e suas
características, observamos que o resultado consistiu em “príncipes
europeizados”, com pele clara, com a representação de coroas euro-
péias e castelos, para caracterizá-los como príncipes5.
3 Animação, do ano de 2008, produzida em São Paulo, Brasil e dirigida por Leonardo Cadaval.
Sinopse: Um índio é pego numa torrente de experiências estranhas, revelando mistérios de
tempo e espaço. Cf. http://portacurtas.org.br/filme/?name=pajerama. Acesso em 20/07/2015.
4 Cf. Figura 2
5 Cf. Figura 6.
209
Ao intervirmos e problematizarmos, relembrando as histó-
rias, questionando tais representações, alguns alunos “recoloriram”
seus desenhos mudando da “cor de pele” para o “marrom”6, mas não
mudando ainda os estereótipos. As aulas posteriores foram dedica-
das há conhecermos um pouco mais sobre o continente africano e,
consequentemente, suas culturas, através de textos informativos,
slides e contos (como o de ANDRADE, 2002). A imagem e a estética
dos odus começaram a surgir, assim como suas características. As
crianças não mais se espantaram ou teciam comentários depreciativos
das imagens projetadas7 ou trazidas em pôsteres para observação. As
crianças começaram a compreender a diversidade cultural existente
nas vestimentas, nas línguas, nomes, modo de viver, dentre outros. Os
príncipes africanos começaram a tomar outras formas e estéticas8.
6 Cf. Figura 7.
7 Cf. Figura 9.
8 Figura 8.
210
[Figura 7: Ilustração do príncipe do africano, com as primeiras intervenções
da professora]
211
[Figura 9: Projeção, para turmas de terceiro ano, de imagens com deuses de
origem iorubá]
212
[Figura 10: Alunos interagindo e organizando os objetos na Oficina
“Objetos da África”]
213
[Figuras 11, 12 e 13: Oficina de Turbantes]
[Figura 12]
214
[Figura 13]
11 Longa-metragem, animação franco-belga de 1998 dirigido por Michel Ocelot. Retrata uma
lenda africana, em que um recém-nascido superdotado que sabe falar, andar e correr muito
rápido se incumbe de salvar a sua aldeia de Karabá, uma feiticeira terrível que deu fim a todos
os guerreiros da aldeia, secou a sua fonte d’água e roubou todo o ouro das mulheres. Kiriku é
tratado de forma ambígua pelas pessoas de sua aldeia, por ser um bebê, é desprezado pelos
mais velhos quando tenta ajudá-los, porém, quando realiza atos heróicos, suas façanhas são
muito comemoradas, embora logo em seguida voltem a desprezá-lo. Apenas a sua mãe lhe trata
de acordo com sua inteligência. http://www.adorocinema.com/filmes/filme-18446/. Acesso em
22/07/2015.
12 Sequência de “Kirikou e a Feiticeira” (1998), desenho animado de 2005, dirigido por Michel
Ocelot e Bénédicte Galup. A animação retoma a história do minúsculo menino africano Kirikou,
mais uma vez enfrentando a terrível feiticeira Karabá, que ameaça a sobrevivência de sua aldeia.
http://www.adorocinema.com/filmes/filme-57948/. Acesso em 22/07/2015.
13 Cf. Figuras 14 e 15.
215
[Figuras 14 e 15- Representações de personagens dos filmes relacionados
ao Kirikou]
216
religiosidades14. Crianças candomblecistas, por exemplo, reconheciam-
se nas histórias, nos valores e sentidos apreendidos das reflexões. O
reconhecer-se numa história que, talvez, durante toda a vida escolar
foi silenciada e negligenciada faz com que os ecos dos emudecidos
comecem a ecoar (BENJAMIN, 1975).
Já no quarto ano e quinto ano, centramos na reflexão da situação
e da condição do negro na sociedade brasileira. Para isso, conhece-
mos diversos autores afro-brasileiros e suas obras (como Machado
de Assis), em diferentes suportes (livros, vídeos, áudios); exibimos
e discutimos diversos curta metragens, episódios, músicas (“Vista
minha pele”15; “Cores & Botas”16; “Uólace e João Vitor” – Cidade dos
217
Homens17, dentre outros) e compreendemos o movimento do funk,
como uma manifestação cultural a ser conhecida e discutida como tal.
Analisamos algumas letras que retratam o cotidiano carioca (como o
“Rap da Felicidade”, de Cidinho e Doca e “Rap do Silva”, de Pablo
Botini), discutimos textos informativos sobre esse movimento cultural,
entrecruzando com a discussão da situação do Rio de Janeiro e seus
bairros, exaltando sua beleza, seu caos e contradições. A partir do
“Projeto 450 anos do Rio de Janeiro” desenvolvido em toda a escola,
analisamos, também, músicas como “O meu lugar”, de Arlindo Cruz;
“Quem é ela?”, de Zeca Pagodinho e Dudu Nobre, assim como dis-
cutimos os pontos positivos e negativos do subúrbio carioca e suas
comunidades. Além disso, analisamos capas de revistas e propagan-
das impressas nacionais e estrangeiras18. Nosso objetivo principal
foi a discussão do negro (e sua ausência) na mídia e no marketing, o
processo de embranquecimento de personalidades negras no Brasil
– e no exterior- (como a análise da propaganda da Caixa Econômica
Federal, tendo como protagonista Machado de Assis, em sua primeira
versão branco e depois “corrigido”, em uma versão negra19 e propa-
17 “Uólace e João Vítor”, com obra de homônima de Rosa Amanda Strauss, faz parte do seriado
“Cidade dos Homens” (2002 e 2003) que retrata a realidade de dois adolescentes em uma comu-
nidade carente do Rio de Janeiro. Nesse episódio, traça-se um paralelo entre o cotidiano dos
meninos pobres e o de um garoto de classe média. Foi exibido em 18/10/2002, pela Rede Globo
de Televisão, com Roteiro de Fernando Meirelles, Guel Arraes , Jorge Furtado e Regina Casé e
direção de Fernando Meirelles e Regina Casé. Cf. http://memoriaglobo.globo.com/programas/
entretenimento/seriados/cidade-dos-homens/trama-principal.htm. Acesso em 23/07/2015.
18
19 A Caixa Econômica Federal fez uma peça publicitária, em 2011, para a comemoração de seus 150
anos, no qual o escritor Machado de Assis, que era mulato e pardo, foi interpretado por ator
de cor branca. O “embranquecimento” do escritor provocou protestos da SEPPIR (Secretaria
Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) e de ativistas que defendem o “ene-
grecimento” de mulatos, caboclos, cafuzos e todos os outros pardos e mestiços. A Caixa (CEF)
enviou pedido de desculpas à SEPPIR dirigindo-se não aos mestiços, mas ao negros. A Caixa
produziu, então, esta nova propaganda sobre Machado de Assis na qual um ator de cor preta
representa o escritor de cor parda. https://www.youtube.com/watch?v=V3F-S3VF2IY. Acesso
em 23/07/2015.
218
gandas com a modelo Lupita e outros artistas negros). Demos, ainda,
continuidade ao conhecimento literário produzido pelas culturas e
mitologias africanas.
Considerações
219
brasileira e ocultadas por uma ideologia dominante baseada no “Mito
da Democracia Racial”20, que tem criado uma cortina de fumaça,
que camufla o preconceito racial em nosso país. Concordamos com
Florestan (1972, 2003) na afirmação de que não existe democracia
racial no Brasil e que isto não passa de uma ideologia que procura ocul-
tar a face racista da dominação de classes que é praticada pelas elites
burguesas brasileiras. Concordamos com Kabengele Munanga (1998),
ao afirmar que:
20 A partir da obra Casa-Grande & Senzala (FREYRE, 2006) foi delineado o conceito de “democracia
racial”. Nessa obra, o autor defendeu a ideia de que havia relações estreitas entre senhores e
escravos, mesmo antes da emancipação legal dada pela Lei Áurea (1888). Para ele, o colonia-
lismo português foi benéfico, impedindo o surgimento de categorias raciais rígidas. Com isso,
ocorreu a miscigenação continuada entre as três raças (ameríndios, os descendentes de escravos
africanos e brancos). Embora Freyre jamais tenha usado esse termo nesse trabalho, ele passou
a adotá-lo em publicações posteriores, ocorrendo, então, uma popularização dessa teoria. O
argumento é de que o Brasil escapou do racismo e da discriminação racial. Isso porque, não é
possível definir com exatidão à qual raça uma pessoa pertença. Os próprios indivíduos não são
capazes de se definirem. Desse modo, ocorre certa mobilidade social. Para Florestan Fernandes
tal conceito é um mito e serve para obscurecer a realidade do racismo. É o “preconceito de não
ter preconceitos”. Com isso, há uma ausência do Estado no combate à discriminação racial, já
que acredita-se na não existência do racismo. Cf. FERNANDES (1972; 2003); FREYRE (2006) e
estudos atuais como o de KEM (2014).
220
de mais nada, uma ideologia e não se corrigi a ideologia
simplesmente pela educação. Pode-se, entretanto, tra-
balhando com os jovens, potencializar a personalidade,
dar elementos para que eles possam reagir contra o
racismo (MUNANGA, 1998, p. 48).
Referências
221
performáticas brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces. Belo
Horizonte: Mazza, 2007.
222
ROSA, Renato Adriano. Resenha do curta-metragem “Cores e Botas”.
Curso Educação, Relações Raciais e Direitos Humanos. São Paulo, 2012.
(mimeo)
ANTÔNIO, Luis. Uma princesa nada boba. São Paulo: Cosac Naify, 2011.
BRAZ, Júlio Emílio e DANZA, Salmo. Lendas Negras, São Paulo: FTD,
2001.
223
MACHADO, Ana Maria. Menina Bonita do Laço de Fita. São Paulo: Ática,
1998.
______. Mitologia dos orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
224
Didática: conhecimento e escola
Perspectivas teórico-metodológicas moderna
e pós-moderna: questões para a reflexão sobre a
pesquisa em didática1
Introdução
1 Esse texto foi escrito a partir de pesquisa financiada pelo CNPq e Faperj.
225
trabalho de investigação da realidade. Participando do conjunto desse
trabalho de investigação da realidade, está a pesquisa em didática.
Apesar da amplitude da discussão sobre o conhecimento da
sociedade e da consolidação do debate sobre os pressupostos do
conhecimento da realidade social, na trajetória da pesquisa educa-
cional no Brasil, a apresentação desse quadro geral é marcada por
fundamentação teórica singular que delimita os horizontes dessa aná-
lise e faz com que essa síntese tenha uma marca própria.
Foram consideradas, como ponto de partida, as principais carac-
terísticas do conhecimento científico, destacando alguns pontos que
ajudam a organizar uma síntese e uma caracterização da problemá-
tica do conhecimento científico. Esses destaques vão contribuir para a
construção de um quadro geral sobre essa questão.
Ao escolher essa questão, alguns pontos precisam ser lembrados.
O primeiro deles é que não é um tema simples, pois analisar a temática
do conhecimento da realidade social significa focar uma determinada
ação humana, portanto, histórica. O segundo ponto é que a síntese
proposta e os aspectos destacados sobre as possibilidades teóricas-
metodológicas do conhecimento científico da realidade social não
são produções teóricas novas. O que é novo e singular é a forma de
organizar essa síntese, a escolha e a relação entre as contribuições
dos autores analisados e o tratamento dado aos aspectos que carac-
terizam cada perspectiva de conhecimento. Certamente essa e todas
as configurações possíveis de análises e sínteses estão fundadas em
determinada concepção histórica e teórica que orienta não só a ação
bem como o pensamento daqueles que se propõem a analisar e a
discutir a realidade. Considerando, então, esse entendimento, outro
aspecto a ser lembrado na discussão sobre as perspectivas teórico-
metodológicas para o conhecimento da realidade social é que esse
debate envolve conceitos que foram construídos a partir de relações
históricas-sociais que antecedem e estão implícitas ao processo de
conhecimento. Em outras palavras, nessa análise, é importante não
esquecer a constituição das sociedades que sustentam as diferen-
tes formas de pensar o conhecimento, uma vez que essas formas de
226
significar, de carregar o sentido de conhecimento não são geniais,
mas sociais, demarcadas pela organização histórica da sociedade.
Entretanto, como a proposta desse trabalho é de uma síntese do
debate sobre as perspectivas teóricas-metodológicas da pesquisa
educacional, esse debate será apresentado, em termos gerais, mas,
lembrando, sempre, sua condição histórico-social, deixando subjacen-
tes as relações e a complexidade que constituem os fundamentos dos
conceitos.
Em termos de organização do trabalho, seu conteúdo foi desen-
volvido a partir de três problemáticas centrais. A primeira delas faz
rápidas referências às diferentes formas de o humano conhecer a rea-
lidade. Essa discussão introdutória encaminha, primeiramente, para a
análise das perspectivas teórico- metodológicas segundo a lógica do
pensamento moderno e, em seguida, para o exame das perspectivas
teórico-metodológicas pensadas a partir da lógica contemporânea
227
ainda, através de sua competência para entender e explicar a reali-
dade. Entretanto, apesar de existirem diferentes possibilidades de se
aproximar do significado da realidade, apesar de o humano significar
o real por diferentes dimensões, isso não quer dizer que elas sejam
excludentes e cada indivíduo só tenha uma possibilidade de expressar
o que é o real. Objetivamente, é possível que cada indivíduo entenda
a vida por todas essas alternativas, em tempos e espaços diferentes.
Dentro dessa multiplicidade de caminhos para se aproximar do
sentido do real, a intenção, nesse texto, como já anunciado, é destacar
a questão do conhecimento científico e em especial do conhecimento
científico da realidade social que é entendido como prática de com-
preensão e explicação racionais da vida.
Um aspecto central da prática de conhecimento científico é sua
característica de ser, ao mesmo tempo, processo de aproximação
da realidade e produto desse investimento de aproximação do real.
Efetivamente, a dimensão de produto do conhecimento não traz muitos
debates sobre o significado do conhecimento. Os debates acontecem
na forma de pensar e desenvolver a atividade investigativa, ou seja, na
forma de se entender e realizar o processo de aproximação do real.
Em termos gerais, sem intenção de qualificar o conhecimento, mas
com o objetivo de pontuar o debate sobre o conhecimento científico,
são identificadas duas lógicas, aparentemente antagônicas, que estão
subjacentes às opções teóricas-metodológicas do processo de conhe-
cimento científico do real: a moderna e a contemporânea.
Lembramos, no entanto, que nosso interesse em trazer as
classificações moderno e pós-moderno para o debate sobre o conhe-
cimento não significa que estamos resumindo as condições moderno
e pós-moderno à questão do conhecimento do real. Modernidade e
pós-modernidade são condições históricas, complexas e totalizantes
das sociedades, que compreendem as relações econômicas, sociais,
políticas e culturais, alcançando, portanto, todas as dimensões da
vida social e não podendo, por conseguinte, serem resumidas às suas
formas de conceber o conhecimento. Com essa advertência, queremos
firmar, sem hesitação, nossa compreensão de que estamos lidando
228
com condições históricas e sociais que vão além do conhecimento,
sendo, portanto, contextos determinantes do conhecimento.
Nesse sentido, a classificação do conhecimento como moderno ou
pós-moderno não corresponde à classificação, segundo a periodização
histórica da sociedade, nem segundo um corpo de ideias consolidado
ou em consolidação, mas corresponde a uma classificação, segundo
condições históricas específicas. (HARVEY, 1994). Essa distinção é feita
considerando as propriedades intrínsecas à concepção e à prática do
conhecimento científico que dominam em determinados momentos
da história da sociedade, no seu esforço de conceber o processo de
entendimento e explicação da realidade social.
Em termos mais precisos, o que, objetivamente, se pretende é
situar as concepções de conhecimento científico dentro de uma lógica
de pensar o conhecimento, sem esquecer, no entanto, a proposição
central da análise aqui apresentada: essa lógica de pensar o conheci-
mento não tem competência de se governar por sua própria dinâmica,
descartando a determinação de condições históricas-sociais específi-
cas. Essa lógica é, sempre, histórica-social; é sempre contextualizada
e supõe, sempre, condições históricas-sociais próprias.
229
citando os editores da revista de arquitetura Precis, algumas caracterís-
ticas que têm explicado o que é o “moderno”: positivista, tecnocêntrico,
racionalista, universal, percepção monótona do mundo, crença não só
no progresso linear da história da sociedade bem como nas verdades
absolutas e na emancipação racional, na possibilidade do planeja-
mento racional e ideal da vida social e na definição de padrões ideais
para o conhecimento e a produção. Segundo os editores da Precis,
230
Considerando as características destacadas pelos editores da
Precis, apresentadas por Harvey (1994) e as indicadas por Santos
(2002), é possível entender que o conhecimento moderno é uma ativi-
dade que busca a verdade universal, neutra, objetiva, que se alcança
com o auxílio do método científico. Esse método compreende a obser-
vação, a experimentação, a generalização e a prescrição.
Nessa forma de conhecer a realidade, o trabalho de investigação é
marcado, de um lado, pela total separação entre o indivíduo-sujeito e
o real-objeto e, por outro lado, pela relação de causa e efeito entre os
fatos e fenômenos da realidade, sendo papel do conhecimento cien-
tífico buscar a causa ou as causas de um determinado fenômeno, já
que o mundo, a sociedade e a vida são “máquinas”, cujos mecanismos
podem ser identificados, desvendados e explicados em uma lingua-
gem universal, possibilitando o conhecimento do real. Além disso, na
perspectiva moderna de conhecimento, o esforço de aproximação do
sentido do real é realizado por um indivíduo-sujeito que se descola do
real-objeto.
No seio dessas características, o conhecimento científico da rea-
lidade social foi pensado a partir de três perspectivas diferentes de
entender a sociedade: a naturalidade do mundo social, a historicidade
da sociedade e a materialidade das relações sociais, aspectos que
demarcam o processo de conhecimento da realidade social e que, em
termos de correntes de conhecimento, são definidas, segundo Michael
Löwy (2009), como Positivismo, Historicismo e Marxismo.
Compondo esse grupo de correntes modernas do conhecimento
científico da realidade social, lembrando mais uma vez, que a intenção
desse texto não é qualificar ou desqualificar uma forma de pensar o
processo de conhecimento da realidade, o Positivismo, tendo por base
o argumento da naturalidade do mundo social, parte da premissa que
a realidade social é igual à realidade natural, física e essa homoge-
neidade justifica que as ciências sociais adotem não só os mesmos
pressupostos do conhecimento do mundo natural, bem como o mesmo
procedimento para o conhecimento da realidade social. Assim, no pro-
cesso de conhecimento do real, no contexto da perspectiva positivista
231
de conhecimento, está subjacente o entendimento que o processo
de conhecimento da realidade social é um processo equivalente ao
processo de conhecimento da realidade física. Nesse sentido, Löwy
(2009: 19-20. Grifos do autor) chama a atenção para as seguintes
proposições da concepção positivista de conhecimento da realidade
social:
232
Como oposição direta ao Positivismo, no seu princípio de enten-
dimento do mundo social como equivalente ao mundo natural, o
Historicismo e o Marxismo vão considerar que o mundo social tem uma
especificidade que o difere do mundo natural e que, portanto, não per-
mite que a realidade social, quando se torna objeto de conhecimento,
seja tratada com orientações teórico-metodológicas semelhantes aos
procedimentos teóricos-metodológicos para o conhecimento da reali-
dade natural
Para o Historicismo, a especificidade do mundo humano está na
historicidade da vida e para o Marxismo, a especificidade da reali-
dade social está na sua condição de materialidade. Assim, apesar de
se aproximarem na crítica ao Positivismo, o Historicismo e o Marxismo
fundamentam suas críticas em bases teóricos-conceituais opostas.
O Historicismo parte do pressuposto que o real é histórico, ou seja,
ele é real de um determinado tempo e o sujeito que conhece esse
real, também, é um sujeito histórico. Essa condição de historicidade
do real e do sujeito atribui ao conhecimento a qualidade de histórico e
não garante ao real a possibilidade de comportar a verdade definitiva
sobre si. A história é condição da existência humana, muda a realidade
e não permite reduzir a complexidade da existência humana às condi-
ções de fenômeno natural:
233
não são de forma alguma arbitrárias: elas contêm a sua parcela de
verdade [...]” (LÖWY, 2009: 82). Esse comentário de Löwy (2009) está
fundado na seguinte análise de Wilhelm Dilthey (1962):
234
Em outras palavras: não e senão por uma análise sócio
-histórica, em termos de classes sociais, que se pode
compreender a evolução de uma ciência social [...], seus
avanços ou seus recuos do ponto de vista científico. A
história da ciência não pode ser separada da história
em geral, da história da luta de classes em particular.
[...] trata-se simplesmente de mostrar que [nenhuma
ciência] [...]pode escapar aos condicionamentos sociais
e não se move no espaço e no tempo de forma indepen-
dente do movimento histórico concreto.
Destacando, então, de forma pontual, algumas características
do pensamento moderno sobre o conhecimento científico do real
social, entendido como racional, que busca a verdade universal na
“descoberta” das leis gerais formuladas matematicamente, o que foi
destacado diz respeito à forma de entender a realidade social – ou
natural ou histórica ou material – e ao processo investigativo assu-
mido pelas diferentes possibilidades de pensar o conhecimento: o
conhecimento da realidade parte da observação ou o conhecimento
da realidade demanda que se considere a historicidade do sujeito e
do objeto de conhecimento ou, ainda, para se aproximar do sentido
da realidade é fundamental se aproximar das condições materiais, ou
sejam, econômicas que determinam a realidade como ela aparece aos
sentidos.
235
sustentavam o conhecimento científico não estavam mais dando conta
de explicar e analisar a complexidade, o dinamismo e as contradições
da realidade imediata e mediata: “[...] Tinha chegado à conclusão que
a ciência em geral e não apenas as ciências sociais se pautavam por um
paradigma epistemológico e um modelo de racionalidade que davam
sinais de exaustão, [...]”
Partindo, portanto, de uma crítica aguda ao modelo de conheci-
mento científico moderno, quando são negados os pressupostos gerais
dessa epistemologia, ou seja, verdade, racionalidade, universalidade,
objetividade, neutralidade, para explicar o real, a epistemologia pós-
moderna afirma seus principais pressupostos como sendo: a diferença,
a hibridez, a multiplicidade, a ambiguidade, a incerteza, a ruptura e a
descontinuidade.
Esses pressupostos fundamentam a definição das característi-
cas do pensamento pós-moderno. Santos (2004: 9), considerando
as diferentes concepções do que é o pós-moderno, destaca algu-
mas características comuns aos diferentes entendimentos do que é
o pós-moderno: crítica à ideia de universalidade, à possibilidade de
construção de projetos coletivos, à existência da utopia, à ideia de
crítica, ao fundacionismo e ao essencialismo e ênfase no relativismo,
na fragmentação, no que está à margem, na heterogeneidade e na
pluralidade:
236
na estética: concepção da crítica como desconstrução;
relativismo ou sincretismo cultural; ênfase na fragmen-
tação, nas margens ou periferias, na heterogeneidade
e na pluralidade (das diferenças, dos agentes, das
subjectividades); epistemologia construtivista, não-fun-
dacionalista e anti-essencialista
Harvey (1994), ao falar do pós-moderno, afirma que o que caracte-
riza o pós-moderno são justamente as características que Baudelaire
reconhece como sendo a outra face do modernismo:
237
“[...] vigorosa denúncia da razão abstrata e [...] profunda aversão a
todo projeto que buscasse a emancipação universal pela mobilização
das forças da tecnologia, da ciência e da razão. [...]”
Partindo do editorial da revista Precis (1897), Harvey (1994)
apresenta o pós-moderno como momento de determinadas práticas
culturais, políticas e econômicas. Para Harvey (1994, p. 65), o con-
texto sócio-econômico-político próprio de uma sociedade capitalista,
em um determinado estágio de organização, é o fundamento da con-
dição pós-moderna. O pós-modernismo não pode ser visto como um
simples movimento cultural, quando valores culturais modernos são
negados e superados por valores culturais que reconhecem, basica-
mente, a transitoriedade e a inexistência de modelos e regras para a
condição humana. Os valores culturais pós-modernos são produtos
definitivos de uma determinada sociedade:
238
Ao rejeitar os parâmetros modernos para o conhecimento do real
– natureza, história, materialidade do real - o conhecimento pós-
moderno trabalha com outra referência para significação do real. A
análise da realidade social considera, como eixo central, no processo
de significação da sociedade e da ação humana, uma dimensão própria
da existência humana, que é a experiência cultural. A cultura é cen-
tral na organização histórico-social não só pela presença constante do
que lhe diz respeito bem como por compor as práticas sociais. Nessas
condições, ela passa a ter importância substancial na constituição das
sociedades, o que lhe dá competência epistemológica no campo das
ciências humanas e sociais:
239
como momento de uma grande transformação conceitual – “[...] uma
revolução conceitual de peso está ocorrendo nas ciências humanas
e sociais. - [...]” (HALL, 1997: 9). Essa revolução traz para o centro
da compreensão e da análise da sociedade, a experiência cultural
que, tradicionalmente, era entendida como uma prática decorrente:
“[...]. Nas ciências humanas e sociais, concedemos agora à cultura
uma importância e um peso explicativo bem maior de que estávamos
acostumados anteriormente [...]” (HALL, 1997: 9), sendo, portanto “[...]
diferente da forma como a mesma foi teorizada por vários anos pela
corrente dominante nas ciências sociais. [...]” (HALL, 1997: 11)
A partir dos Estudos Culturais, a atenção dada às práticas e experi-
ências culturais - entendidas como manifestações sociais, construídas
a partir de condições sociais, históricas e subjetivas específicas - nega
os valores modernos que construíram o indivíduo. Esses valores, ao
construir um modelo de homem para a sociedade como sendo o homem
racional, capaz de explicar, pela razão, o mundo e o ser humano em
suas ações e promover, racionalmente, a emancipação social, fizeram
desaparecer da condição de humanidade, uma experiência social e
histórica que é importante na constituição do indivíduo, a cultura.
Na compreensão da realidade social, a cultura aparece, então, como
alternativa para significar o real, ou seja, a prática cultural passa a
ter “[...] um papel constitutivo e determinado na compreensão e na
análise de todas as instituições e relações sociais [...]” (HALL, 1997:
11). Sendo constituída, portanto, como alternativa às explicações da
realidade social, a cultura vai dar origem à perspectiva teórico-meto-
dológica chamada Estudos Culturais. Segundo Hall (1997: 9), essa
orientação teórico-metodológica
240
A perspectiva teórico-metodológica Estudos Culturais, embora,
reconheça a importância da dimensão econômica na organização e
definição de valores sociais, sugere que a cultura compreende experi-
ências que não se resumem ao econômico. Nesse sentido, Hall (1997)
afirma que a centralidade da cultura na explicação da realidade social
não quer dizer reduzir essa explicação ao cultural, mas significa arti-
cular os aspectos culturais e materiais no estudo da realidade social.
Então, sem atribuir primazia à dimensão cultural, mas, também, sem
priorizar as outras dimensões da prática humana, Hall (1997: 9) coloca
a cultura ao lado “[...] dos processos econômicos, das instituições
sociais e da produção de bens, da riqueza e de serviços [...]” na expli-
cação das práticas sociais.
Assim, a perspectiva teórico-metodológica dos Estudos Culturais
entende que a experiência cultural tem estatura epistemológica
própria –
Considerações finais
241
simplesmente uma tentativa singular de síntese e, que, portanto, não
esgotou o tema, deixando muitas questões sem resposta.
Sendo assim, nesse texto, tentamos apresentar os pressupostos
mais gerais da forma de conhecer cientificamente a realidade social,
mas que entendemos não é a única forma de conhecer a vida, nem
a mais importante e muito menos, nem a mais rica. É simplesmente
uma forma, que contraditoriamente, pode libertar e/ou aprisionar o
humano frente à riqueza e complexidade da vida.
Em linhas bem gerais, os pressupostos da epistemologia moderna
– universalidade, unicidade, separação entre o sujeito e o objeto
de conhecimento, ênfase na empiria, o Positivismo, ou na história, o
Historicismo ou nas relações materiais de existência, o Marxismo - dis-
tinguem a versão moderna da versão pós-moderna de conhecimento.
No período pós-moderno o conhecimento do real destaca a cultura
como eixo importante de análise. A cultura, entendida como lógica
e prática, constitui a perspectiva teórico-metodológica dos Estudos
Culturais.
O significado desse panorama para a pesquisa educacional e para
a pesquisa em didática não é metodológico, mas teórico-metodológico
na medida em que os pressupostos de sociedade e de conhecimento
sustentam as formas de entendimento do que é o trabalho investiga-
tivo. O pesquisador, ao identificar esses pressupostos, terá consciência
não só de sua opção por determinada forma de pensar e lidar com a
sociedade e das possibilidades e limites do seu trabalho investigativo,
bem como, terá indicações dos procedimentos de pesquisa que são
importantes e adequados ao seu projeto de aproximação do real.
Por último, é importante ressaltar que não tivemos a intenção de dar
conta das questões que fazem parte dessa problemática geral e ampla
que é o significado do conhecimento. Tratar essa apresentação como
uma síntese própria, singular, definida por uma determinada reflexão,
por um determinado conhecimento e por determinadas opções significa
que, terminada essa exposição, questões não terão sido respondidas,
aspectos terão sido esquecidos e debates precisarão ser retomados
242
de qualquer lugar teórico, para um maior aprofundamento, para uma
mais cuidadosa argumentação, para uma mais rigorosa análise.
Referências
243
Sobre os autores
244
experiência na área de História, e Educação/Pedagogia, atuando
principalmente com as seguintes temáticas: Educação, Cultura, EJA,
Escola e Fracasso Escolar.
245
onde lidera o Grupo de Pesquisa "Aprendizagem, subjetivação e cida-
dania ". Coordena o Laboratório de Estudos da Aprendizagem Humana
(LEAH). É Diretora do Instituto Multidisciplinar de Formação Humana
com Tecnologias da UERJ. Atua especialmente nas áreas de Educação
com mediação tecnológica, Aprendizagem, Formação Humana e
Políticas Públicas.
246
roteirista e diretor de várias peças em ao ar no canal Estado Run TV
PTV em 1990. Ele realizou vários projectos de investigação e ganhou
boa relação na comunidade internacional viajar para conferências e
trabalhos de campo e outros eventos de pesquisa do Afeganistão, Irã,
Índia e Alemanha, Austrália, Turquia, etc Como Diretor IPCS assinou
memorandos de entendimento com o Governo do Paquistão. Brasil e
Canadá e une Unidos estão prestes a estar na mesma rede de pacifi-
cadores no Paquistão. Servindo desde maio de 2002 na Universidade
de Peshawar permaneceu dois tempos elegeu Membro do Sindicato,
Conselho Académico, Senado e presidente da PUTA e conseguem
levantar fundos no valor de 20 milhões para vários projetos de Governo
de Khyber Pakhtunkhwa e outros doadores.
247
Feministas do Centro de Investigaciones Interdisciplinarias en Ciencias
y Humanidades da Universidad Nacional Autónoma de México
(CEIICH- UNAM). Paralelo ao magistério, atuou em organizações de
direitos humanos LGBT coordenando projetos de pesquisas e de
formação continuada com docentes, profissionais da saúde, gesto-
res/as públicos/as e ativistas dos movimentos sociais LGBT e Aids.
Professor de Políticas Públicas da Educação no Instituto de Educação
da Universidade Federal do Rio Grande - FURG, orienta investigações
desenvolvidas nos Programas de Pós-graduação em Educação e em
História. Dentre os temas de interesse e de pesquisa estão: 1. gênero,
sexualidade e relações etnicorraciais; 2. desigualdades e marcadores
sociais de diferenças 3. teorias feministas e queer; 4. educação e cur-
rículo e 5. população Lésbica, Gay, Bissexual, Travesti e Transexual.
É coeditor da Revista Momento: diálogos em educação. Entre 2013
e 2014, ocupou a secretaria executiva da Associação Brasileira de
Estudos da Homocultura ? ABEH- e a suplência no Conselho Nacional
de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT da
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
248
à equipe de implantação da UENF. Atuei como Subcoordenadora
do Projeto ?Metacognição em Sala de Aula? UERJ-DEGASE-SEJINT
(1999-2000). Coordenei a DIREITORIO da FGV-RJ. Na Fundação
Getúlio Vargas - RJ, também, lecionei no Mestrado Profissional em
Poder Judiciário e fui consultora pedagógica em desenvolvimento ins-
titucional para os cursos de graduação em História, Ciências Sociais,
Economia e Matemática Aplicada. Fui consultora do IBAP nas áreas de
pesquisa quantiqualitativa e educacional de 2006 a 2009 tendo atuado
nos projetos da FUNASA, SEDU-ES e IASES. Fui também professora da
pós-graduação lato sensu em Administração escolar da UVA e profes-
sora substituta da graduação em Pedagogia e Licenciaturas da UERJ.
Atuo nas disciplinas de Didática, Currículo, Estágio Supervisionado e
Cotidiano escolar para Pedagogia e Licenciaturas em História, Filosofia,
Letras, Teatro, Música, Sociologia. Leciono Epistemologia no PPGEdu/
Unirio e Proped/UERJ. Tenho experiência em pesquisa, desde 1988,
com ênfase em Metodologia, Currículo, Formação de Professores e
Estudos do Cotidiano.
249
Pesquisa sobre movimentos sociais - em especial, indígena - intercul-
turalidade, culturas, identidades e políticas educacionais. Atua nos
grupos de pesquisa: Espaços Educativos e Diversidades Culturais
- UFF (pesquisador) e Núcleo de Estudos de Tradições Indígenas e
Negritudes (NETIN) - UFRRJ (estudante) e associada da ANPEd GT 21.
Marta Pinheiro
Professora do Departamento de Teoria e Fundamentos da
Educação, Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná.
250
seguintes temas: formação de professores, inclusão em educação,
inclusão e exclusão, educação intercultural e currículo.
251
Raphael Pelosi Pellegrini
Graduado em Licenciatura em Letras - Português e Literaturas
pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e Mestrando
em Educação no Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
252
Valentina Grion
Ph.D em Pedagogia e Ciências da Educação (Faculdade de Educação
da Universidade de Pádua). Professora AssistenteExperimental
Pedagogia (M / PED04 Sector Scientific) da Universidade de Pádua,
Departamento FISPPA (Filosofia,Sociologia, Pedagogia e Psicologia
Aplicada). Ensina nos cursos de graduação (“Experimental de
Pedagogia” e “Métodos dePesquisa em Educação”), cursos de mes-
trado ( “Escola de avaliação do sistema e Tecnologias da Educação”
e Avaliação do Sistema Escolar e do Desenvolvimento profissional do
professor “) e cursos de doutoramento.
Viviane Lontra
Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro - UNIRIO, professora supervisora do Programa
Institucional de Bolsas de Incentivo à Docência PIBID, professora do
Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - CAp/
UFRJ. Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente
com alfabetização e letramento.
253