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LACUNAS NO DIREITO

O primeiro aspecto no estudo das lacunas no Direito é compreender que não se trata
da “existência” de um vazio, de uma lacuna, mas sim de determinar a possibilidade (ou não) de
existirem normas no ordenamento jurídico que qualifiquem como indiferentes certos
comportamentos. Isso implica no estudo das principais características do próprio ordenamento
jurídico: o ordenamento é um sistema jurídico dinâmico ou estático? Fechado ou aberto?
Portanto, exige como questão primeira, para alguns autores, a discussão do Direito
como um ordenamento, um sistema. E, a partir disso se pode considera-lo uno e indivisível, se
é coerente ou não (problema das antinomias), e se é completo e incompleto. Dessa forma, o
presente estudo, será realizado seguindo as premissas de Maria Helena Diniz a de considerar o
Direito como um ordenamento (sob o prisma do cânone da plenitude do sistema jurídico) e a
colocação pragmática da teoria das lacunas ao nível da decisão judicial.

1. Lacuna como um problema inerente ao sistema jurídico

Assim, conforme dito inicialmente, coloca-se o problema a partir da perspectiva da


dedicidibilidade dos conflitos sociais, tendo por escopo a determinação de suas condições de
adequação às normas: a possibilidade de decisões para um possível conflito. Esse problema
analítico, como bem demonstra Ferraz Jr. tende a se preocupar com a conexão das normas entre
si, salientando o problema da (in)completude do ordenamento jurídico que, por sua vez, implica
na questão da existência ou não das lacunas.
A doutrina divide-se, tradicionalmente, entre duas posições antitéticas, a primeira que
sustenta a inexistência de lacunas e a que admite a existência. Para tanto, parte-se, primeiro, das
teorias que analisam esse modelo a partir da perspectiva do Direito como sistema. A palavra
“sistema” designa uma totalidade cujas partes apontavam, na sua articulação, para uma ordem
qualquer (Ferraz Jr.) e só aparece para designar o direito a partir do século XVIII, por obra do
Jusnaturalismo, entendido sob diversas acepções: ora como a soma das partes (modelo
mecanicista) ora não redutível às partes (modelo orgânico) até tomar conta da terminologia
científica.
Dessa forma, pode-se dizer que “sistema” designa tanto “nexo”, ou seja, uma reunião
de coisas ou conjunto de elementos, quanto “método”, como instrumento de análise. O sistema
pode ser fechado, quando a introdução de um novo elemento o obriga a mudar as regras, ou
seja, a estrutura, e a elaborar uma nova regra; e será aberto quando se pode encaixar um
elemento estranho sem necessidade de modificar sua estrutura. O sistema fechado é completo
e retrospectivo, enquanto o aberto é incompleto e prospectivo.
Compreende-se, portanto, que o Direito não é um sistema por si só, mas sim uma
realidade que pode ser estudada de modo sistemático. O sistema normativo, assim, “é o
resultado de uma atividade instauradora que congrega normas (repertório) especificadas por
seus tributos: validade e eficácia, estabelecendo relações entre elas (estrutura), albergando uma
referência à mundividência que animou o elaborador desse sistema, projetando-se numa
dimensão significativa” (p. 27).
Relacionado ao problema das lacunas, pode-se dizer que ele é fechado e completo,
inexistindo lacunas, porque existe uma regra que enuncia que “tudo o que não está
juridicamente proibido, está permitido”, sendo as lacunas apenas uma aparência (como quer
Kelsen). Caso conceba-o como um sistema aberto e incompleto, haverá o problema das lacunas,
porque ele não possui todas as respostas para todos os casos, ele se abre a uma desordem e em
uma descontinuidade.
Diante disso, pode-se perceber a íntima conexão entre sistema e lacuna e a necessidade
de examinar o assunto mais detalhadamente.
2. A exigência da completude do sistema como um ideal racional

Em primeiro plano, entende-se que a completude é uma propriedade formal do sistema,


é um ideal racional que se funda no “princípio da razão suficiente”, perante o qual o sistema
não possui lacunas. No entanto, esse princípio traz o problema de se saber se o sistema jurídico
tem, realmente a propriedade peculiar de não deixar nenhuma conduta sem a qualificação
jurídica. Trata-se do dogma da plenitude hermética da ordem jurídica e na regra que fecha o
sistema que não encontram consenso na doutrina, existindo diversas teorias para explica-los.

a. Teorias negadoras da existência de lacunas


Pretende-se, aqui, abordar apenas algumas das concepções que abordam a inexistência
de lacunas no ordenamento jurídico, sem esgotar todas as posições. Assim, entre os autores que
se posicionam no sentido de proclamar a plenitude do ordenamento jurídico como necessária e
absoluta estão aqueles que se inserem na Escola Histórica, no Positivismo Jurídico, na Escola
da Lógica Jurídica e do Egologismo Existencial.
O primeiro autor a ser abordado é Savigny, ilustre representante da Escola Histórica.
Ele salientava o caráter histórico do Direito, valorizando o costume e a manifestação espontânea
do Volkgeist. Com ele a própria expressão “direito positivo” se tornava pleonástica porque
compreendia que o Direito, para ser tal, não podia se menos que positivo (Carlos Cossio).
Savigny acreditava que a universalidade do Direito era uma condição essencial, assim como a
sua unidade, a partir do argumento da plenitude lógica do Direito. Para ele, quando uma relação
jurídica não encontra na lei instituto típico é possível estabelecer, em consonância com Direito
existente, instituição que a enquadre: o Direito se completa a si mesmo devido a sua força
orgânica. Daí que não se poderia falar em lacuna no ordenamento jurídico.
Por sua vez, autores como Karl Bergbohm, Brinz e Santi Romano, defendiam a tese
da inexistência das lacunas no ordenamento jurídico porque, onde ele faltar, falta o próprio
Direito. Essa tese só pode ser compreendida a partir das ideias de “espaço jurídico pleno” e
“espaço vazio”. Ou seja, para esses autores, as ações humanas podem ser exercidas dentro de
um espaço onde existem normas que as regulamentam (espaço jurídico pleno) ou, ao contrário,
podem ocorrer fora desse espaço (espaço vazio). O espaço vazio é, assim, um mar de liberdade,
é um espaço não disciplinado por normas, caso em que, não se deve falar em lacunas, mas em
limites do ordenamento.
Sob esse ponto de vista, os comportamentos podem ser relevantes e se encontraram
disciplinados pelo ordenamento jurídico, ou irrelevantes, encontrando-se fora dos limites do
ordenamento. É assim que eles compreendem a regra “está permitido tudo o que não está
proibido”, ela cria uma liberdade jurídica, um direito de liberdade que é ao mesmo tempo um
dever de abstenção das ações contrárias a essa liberdade; no entanto, só estabelece um limite
objetivo do ordenamento, do qual advém uma simples liberdade de fato, que não está permitida
e que não é nem lícita nem ilícita.
Existem autores, no entanto, que acreditam que não existem ações irrelevantes para o
Direito, com é o caso de Ernst Zitelmann e de Donati. Eles também negam a existência de
lacunas no Direito, mas por razões contrárias às de Bergbohm, Brinz e Santi Romano. Para eles,
o ordenamento jurídico possui amplitude suficiente para abarcar qualquer situação (o Direito
nunca falta). Ou seja, aquilo que não coincide na norma particular recai numa norma geral
exclusiva que permite o comportamento. A plenitude da ordem jurídica é assim, uma questão
de ordem formal relativa às lacunas do direito e outra de ordem material, atinente à legislação.
Conforme salienta Zitelmann, se aquilo com o que a lacuna pode ser suprida não pode ser outra
coisa que não o Direito, este é um todo sem lacunas, somente a lei (legislação) possui lacunas.
A partir dessa distinção, entre lacuna do direito (que não existe) e lacuna da lei (que ele não
exclui a possibilidade), Zitelmann distingue as lacunas aparentes das lacunas autênticas. Um
lacuna é autêntica quando a lei dispõe que se deve fazer tal coisa ou se pode ter tal interesse,
sem contudo indicar os meios de que deve servir para cumprir o prescrito (ex: quando uma
norma estatui que numa sociedade devem ser eleitos determinados órgãos, mas não indica o
modo de se fazer tal eleição), de forma que deve o juiz complementar a referida disposição. Já
as lacunas aparentes o são assim quando existem as normas que disciplinas corretamente os
casos (não é caso de norma inexistente nem de norma incompleta, obscura ou geral demais),
mas considera-se indesejável resolver o assunto com base em tal norma. É uma questão mais
política que jurídica, na medida em que se prefere fazer uma exceção a uma regra geral,
acreditando que o legislador também assim o teria feito, se tivesse tido em conta a questão.
Portanto, ele reconhece a existência das lacunas não só quando os casos não foram
previstos e nem são regulados pela lei, mas também aos casos que, embora previstos e
regulamentados, não são totalmente disciplinados pela norma, de forma que são apenas lacunas
da lei e não do Direito. No mesmo sentido Donati entende como uma legítima norma do
ordenamento o princípio de que são lícitas todas as ações, enquanto não se haja disposto o
contrário. “Tudo o que não está proibido está permitido” é uma norma de liberdade.
Um dos autores mais célebres desta vertente de pensamento é Hans Kelsen, que parte
de um raciocínio dogmático. Ele, em primeiro lugar, condena a dicotomia de lacunas da lei e
do ordenamento, pois pode-se levar ao equívoco de assimilar o Direito à lei. Isso se deve,
principalmente, porque Kelsen compreende o Direito como um conjunto de normas gerais e
individuais, como o são as sentenças de um juiz (norma do caso particular). Dessa forma, para
ele, o Direito deve ser compreendido como norma e a ciência do direito deve limitar-se ao
exame da norma jurídica.
Outro aspecto de Kelsen é para ele a pesquisa científica deve partir das normas
jurídicas gerais e individuais, descrevendo, por meio da imputação, as relações e a
interdependência existente entre os comandos, com o escopo de reduzi-los a uma unidade
inteligível, erguendo o sistema normativo. Ele concebe o Direito como sistema de norma
unitário, fechado em si mesmo.
Esse sistema pode ser estático ou dinâmico. Será estático se seu fundamento de
validade e conteúdo de validade são deduzidos de uma norma pressuposta como norma
hipotética fundamental (a grundnorm), por sua vez será dinâmico quando sua norma básica só
lhe oferece o fundamento de validade. Maria Helena Diniz entende que este segundo aspecto é
a perspectiva de Kelsen. Ela diz, assim, que para Kelsen, as normas do sistema regulam todo
comportamento humano quer positiva quer negativamente. É regulado positivamente quando a
um indivíduo se prescreve a realização ou a omissão de um certo ato, ou se confere um poder
ou uma competência, ou quando se permite, em certas circunstâncias, uma conduta que, em
geral, é proibida. Ao contrário, regula negativamente quando uma conduta não sendo proibida
pelo ordenamento, também não é positivamente permitida, sendo assim, permitida num sentido
meramente negativo. Ou seja, “tudo aquilo que não está proibido, está negativo”. Assim Kelsen
afasta a ideia da existência de lacunas no direito, nem mesmo condutas que sejam irrelevantes,
porque se não são disciplinadas é porque não negativamente reguladas (reguladas por meio da
ausência de regulação).
“Daí o caráter da completude ou da plenitude do sistema normativo [...], pois, as
normas que o compõem contêm, em si, a possibilidade de solucionar todos os conflitos levados
à apreciação dos magistrados ou órgãos competentes” (p.42). Kelsen acrescenta à essa regra de
plenitude o fato de que as normas regulam em virtude de preceitos, ou normas, anteriores
(questão da validade hierárquica das normas), de forma a fechar por todos os lados a estrutura
piramidal do sistema, que lega o princípio da hermética plenitude do ordenamento jurídico, pois
ele é uno, pleno e harmônico, não compatibilizando com a existência de lacunas, vez que
sempre encontra em seu interior normas aplicáveis em qualquer hipótese.
Apesar disso, Kelsen reconhece a importância da teoria das lacunas no âmbito da
jurisdição, entendida como limite ao poder normativo do magistrado. Nesse sentido, a lacuna
será uma ficção utilizada pelo legislador com a finalidade de restringir o poder de interpretação
e de integração conferido aos tribunais. Ou seja, trata-se de da não aceitação da competência
legislativa dos juízes e tribunais: substitui-se a razão ético-política subjetiva, ou seja, a
aplicação da norma geral estabelecida pelo legislador que pode levar a consequências
insatisfatórias, pela razão lógico-objetiva, ou seja, o direito possui lacunas, há casos não
previstos em normas gerais. “Para Kelsen, portanto, a existência de uma lacuna, só é presumida
quando a ausência de uma norma jurídica é considerada pelo aplicador do direito como
indesejável do ponto de vista da política jurídica e, por isso, a aplicação – logicamente possível
– direito vigente é afetada por esta razão político-jurídica, por ser considerada pelo órgão
aplicador do direito como não equitativa ou desacertada” (p. 45). A partir desse raciocínio o
artigo 4º da LIND seria um controle ao poder do magistrado.
Ainda, dentro da Escola da Egologia Existencial encontra-se a ideia da inexistência de
lacunas no ordenamento jurídico. Para compreender, no entanto, a teoria das lacunas sob a
perspectiva egológica, faz-se necessário, primeiro, compreender a concepção do Direito para
esta corrente.
Carlos Cossio, assim, compreende que o Direito não é a norma (contrapõe-se a
Kelsen), e sim a conduta humana em sua interferência intersubjetiva relacionada a valores. A
partir da perspectiva intersubjetiva, a conduta individual passa a ser conjunta ou comum a todos
(toda conduta é relacional), de modo que o que cada membro da sociedade faz é o que os demais
permitem que ele faça. Se o ato de alguém, enquanto está impedido ou permitido por outro,
trata-se, em verdade, de um ato conjunto de ambos; tem-se, assim, a correlação entre o fazer de
um e o impedir de outro.
Com base nessa concepção, a norma é apenas um esquema conceitual do
conhecimento da conduta, e compreendendo-se a conduta como liberdade (liberdade como um
prius, o homem é metafisicamente livre, logo todos os comportamentos são ontologicamente
permitidos), esta só pode ser compreendida por meio de uma norma de liberdade, “e toda
proibição e seu correspondente esquema conceitual-normativo terá que ser necessariamente a
posteriori em relação ao prius da liberdade. Constata-se, desse modo, a interdependência entre
conduta e norma, pois a norma é tão somente o instrumento de expressão do direito, que é a
própria conduta humana. A conduta para ele é considerada empírica, enquanto a norma é
conceitual e não factual. Pode-se dizer, ainda, que a norma é apenas ratio cognoscendi,
enquanto a conduta é ao mesmo tempo ratio essendi e ratio cognoscendi.
Com isso, é necessário notar que a norma não pode criar ou extinguir o direito, porque
não pode criar ou extinguir condutas. “A criação legislativa do Direito pode apenas conformar
ou modificar os modos de vida existentes, mas não elaborar a vida existente” (p. 48). A partir
disso, essa escola entende a norma sob um duplo aspecto, no plano gnosiológico (da Lógica
Transcedental) ela é um conceito que pensa a conduta em sua liberdade e, no plano da Lógica
Formal, ela é, um juízo de ‘diz algo a respeito de algo’ (e esse algo é a conduta). A norma
jurídica é ao mesmo tempo um juízo imputativo (ela é analisada em sua estrutura formal) e um
conceito que pensa uma conduta (analisada em sua relação com seu objeto). (P/ MHD trata a
norma como um objeto ideal, um simples esquema lógico, com o qual ela não concorda).
Por fim, salienta-se que se a liberdade é compreendida como um prius, há uma
prioridade ontológica da permissão sobre a proibição, para Cossio, um comportamento só pode
ser proibido a partir de uma norma, mas para que seja permitido, não é necessário norma
alguma. Consequentemente, a permissão de toda conduta não proibida se dá, de modo
imprescindível, em todo sistema jurídico.
A partir disso, ele afirma o caráter apriorístico do princípio da plenitude do
ordenamento, com base na regra lógica: “o que não está juridicamente proibido, está
juridicamente permitido”, ontologizando-o. Tal princípio lógico, que é conversível em “o que
não é juridicamente permitido está proibido” torna-se, assim, inconversível, por decorrer do
próprio ser do Direito, que sendo conduta, é liberdade metafísica fenomenizada e, como tal, não
seria possível determina-la totalmente.
“Em suma, o ordenamento jurídico não é pleno porque sua completude resulte da soma
das partes, inclusive da regra de liberdade (o que conduziria a uma tautologia: todos os casos
estariam regulados, porque as normas compreenderiam todos os casos possíveis), mas porque
sua plenitude é uma necessidade apriorística baseada na natureza do direito, que exige, não com
o caráter de postulado ético, mas com necessidade lógica, a atividade integradora do juiz em
cada caso; e, assim, rechaçar uma demanda por não haver texto legal aplicável, seria, ipso facto,
declarar o demandado como uma licitude jurídica. [...]. O comportamento do juiz é, na tese de
Cossio, um elemento integrante do ordenamento jurídico, por ser o órgão erigido pela
Comunidade para declarar a juridicidade, diluindo nele o problema das lacunas. Não há lacunas
porque há juizes. O ordenamento jurídico é pleno e completo, não contendo espaços vazios” (p.
52).
(Dessa forma, a distinção feita por Zitelmann e Donati entre lacuna da lei e lacuna do
direito foi combatida por Cossio)
“. A lacuna da lei, para a Egologia, é atinente à interpretação, pretendendo evitar que
a lei se projete no domínio do absurdo, enquanto a lacuna do direito refere- se a uma solução
injusta, como a regulamentação da propriedade segundo o Código de Napoleão, chamada a
reger o problema da eletricidade. Carlos Cossio não admite a coexistência de duas plenitudes;
apenas existem problemas estimativos que se apresentam, não como dois elementos distintos,
mas independentes” (p. 53).
Trata-se, por fim, de ver agora, como os autores da escola do livre direito abordam a
negativa de existência de lacunas no direito. François Gény, por exemplo, afirma o postulado
da plenitude lógica da legislação escrita, enquanto ficção aceita a partir de um ponto de vista
pragmático. Para ele, o Direito é um “sistema de normas postas, uno e indivisível, onde a
‘lacuna’ aparece como uma ‘falha’ que deve ser, necessariamente, preenchida pelo juiz, para
que a referida plenitude possa ser mantida, admitindo assim a incompletude ao nível da decisão
judicial” (p. 53-54). Ele compreende que as leis não podem prever todos os casos, ou quando
aplicadas podem provocar monstruosas injustiças, apelando para a necessidade de criar um
direito adequado a tais casos, não por meio da interpretação legal, mas mediante uma política
jurídica legislativa realizada pelo juiz.
Assim, a “livre investigação científica” serve para guiar o juiz em casos de lacuna e
para orientá-lo na aplicação das normas já formuladas, não oferecendo uma única decisão, mas
a possibilidade de várias decisões, devendo o juiz eleger uma entre elas. Trata-se de uma “livre
investigação” porque não se submete a nenhuma autoridade positiva e é “científica” porque
pode dar sólidas bases aos elementos objetivos descobertos pela ciência. Ela baseia-se em três
critérios: o princípio da autonomia da vontade, a ordem e o interesse público e o justo equilíbrio
ou harmonização dos interesses privados opostos.
Em virtude dessa livre investigação científica o juiz teria em mãos uma solução para
todas as espécies de casos que lhe forem submetidos. Para Gény, o juiz deve recorrer a todas as
fontes suplementares, como o costume, a autoridade dos mestres e tradição quando consagradas
pela doutrina e jurisprudência e, finalmente, a livre investigação científica.
Autores como García Máynez e Recaséns Siches, apoiados nos postulados de Gény,
compreendem, assim, que não existem lacunas no direito, mas na lei, sendo necessário os
elementos supletivos que François Gény postulava. No mesmo sentido Kantorowicz e Eugen
Ehrlich consideram o sistema legal incompleto ante a realização tão complexa da vida, não
podendo prever todos os fatos do momento ou historicamente supervenientes, de modo que
atingiria sua plenitude por meio do juiz (crítica da estatalidade do Direito).
b. O ordenamento jurídico dinâmico e a existência de lacunas

A tese do dogma da plenitude hermética do ordenamento jurídico, como se pode ver,


fundamenta-se ora na força da expansão lógica do direito positivo, ora na existência de uma
norma tácita complementar, que fecha o sistema jurídico. No entanto, frente a essa teoria,
formularam-se várias críticas.
Uma das primeiras críticas dirige-se à ideia de que os sistemas normativos são
fechamos e completos porque giram em torno do princípio (muitas vezes compreendido como
norma) de que “tudo o que não está proibido, está permitido”, de forma que não existiram
lacunas no sistema. A partir disso Von Wright argumenta que nada obsta que possam existir
sistemas normativos incompletos, apresentando lacunas. Ele afasta a interdefinibilidade do
permitido e do proibido, considerando a permissão como um caráter deôntico autônomo. Isso
porque em regra, os autores entendem o permitido como o não-proibido e o proibido como o
não permitido. Para Von Wright – embora distinguia seis conceitos de permitido
correspondentes a seis conceitos de proibido – os sistemas serão abertos quando não houver
correspondência entre esses dois conceitos.
Vejamos um exemplo, a expressão “permitido” pode ser equivalente a “não proibido”,
implicando a inexistência no sistema de uma norma que proíbe a conduta em questão; no
entanto, também pode significar uma autorização positiva, requerendo a existência de uma
norma que permite a ação em tela. Se no princípio da plenitude for empregado o primeiro
sentido (tudo o que não está proibido não está proibido), trata-se de uma tautologia que não
impede a existência de um caso que não contenha nem uma norma que o proíba nem uma norma
que o permita, ou seja, que haja lacuna. Por sua vez, se se emprega o segundo sentido, tem-se
o princípio assim: “se num sistema normativo não há norma que proíba certo comportamento,
ele está permitido por outra norma”. Passa, assim, a ser um princípio contingente e não
necessário, não podendo ser um a priori em relação ao sistema.
(Crítica a Kelsen) Kelsen, por sua vez entendida que as condutas podem ser reguladas
de maneira positiva (quando a norma ou proíbe ou permite etc) ou negativa (a ausência de
norma é uma permissão), no entanto, a conduta de um indivíduo que é juridicamente não
proibida so pode estar garantida pela ordem jurídica se os demais indivíduos estão obrigados a
respeitas essa conduta (a não a impedir). Nesse caso, seria possível que uma conduta não
proibida se oponha à conduta de outro indivíduo que também não é proibida. Para ele, assim, a
ordem jurídica não toma qualquer posição porque não pode procurar impedir todos os conflitos
passíveis, de forma que o conflito não pode ser solucionado pela ordem jurídica.
Assim, para alguns autores como Alchourrõn e Bulygin trata-se de uma hipótese de
lacuna que aponta que o sistema kelseniano é incompleto. Já outros autores, como Amedeo
Conte entendem que o princípio kelseniano instaura apenas a completude para o
comportamento, mas não para o ordenamento jurídico.
Dito isto, o dogma da plenitude leva, ainda, a outros problemas, como esclarece MHD:
“teria ele natureza ideológica, típica do Estado Liberal? Seria um princípio ontológico ou
metodológico do direito? Seria uma autêntica norma ou um enunciado lógico?
Del Vecchio entende que a norma “está permitido tudo o que não está proibido” só é
possível no Estado de Direito, não sendo, pois, um complemento lógico-necessário de todo
sistema jurídico. Ele defende a validade dessa norma se ela significa o reconhecimento da
primazia da lei como único fundamento válido das limitações jurídicas impostas aos indivíduos
pelo poder, opondo-se à Escola do livre direito. Assim, ele entende, por exemplo, que Kelsen,
ao se situar no plano da epistemologia jurídica (ao invés do da ontologia), nunca se preocupou
em saber qual é a essência do direito e, dessa forma, o princípio da plenitude não é algo que
pertença à essência do direito, mas é somente um postulado necessário para que o cientista do
direito possa explicar a plenitude do sistema normativo por ele criado epistemologicamente.
Por sua vez, Carlos Cossio, entende que o princípio se dá em todo o ordenamento, de
forma a compreendê-lo de forma ontológica, como um axioma apriorístico. Por isso, é criticado
por Alchourrõn e Bulygin que entendem que embora a liberdade metafísica exista, o axioma
não pode ser considerado de forma axiológica porque na posição egológica de Cossio a
afirmação de que as ações humanas têm uma permissão intrínseca que se põe quando o Direito
não qualifica normativamente um comportamento, não indica a existência das lacunas. Apesar
dessa crítica MHD sustenta que Cossio se refere explicitamente à inexistência das lacunas.
Recaséns Siches entende que o princípio da plenitude é “apriorístico”, mas passível de
ser demonstrado por via de “pura lógica judicial formal”. Engisch salienta que, de fato, podem
ficar em aberto lacunas insuscetíveis de preenchimento, pois o dogma da “plenitude do
ordenamento jurídico”, segundo o qual “para cada questão jurídica há de também ser possível
encontrar uma resposta”, não é absolutamente válido a priori, apesar da conhecida proibição da
denegação da justiça. A plenitude, segundo ele, não é lógica e teorético-juridicamente
necessária. Todavia, continua ele, é verdade que a completude da ordem jurídica pode ser
mantida como uma ideia “regulativa”, como um “princípio da razão”.
Existem um terceiro grupo de questões a serem levantadas: seria essa norma geral
exclusiva uma autêntica norma ou não e, se não seria o que?
Tem-se que, Kelsen, por exemplo, não se pronunciou a esse respeito, embora, para
MHD, possa-se afirmar que para ele trata-se de uma descrição. Autores como Zitelmann e
Donati, e também Lourival Vilanova, entendem que é uma norma. Vilanova, por exemplo, não
admite que existem condutas irrelevantes para o Direito, de forma que sempre confere
autorização ou proibição a todas as condutas por meio das normas, seja de forma expressa (uma
norma específica) ou tacitamente, por meio da norma geral exclusiva.
No entanto, MHD não concorda com esses autores que entendem trata-se de uma
norma e, para fundamentar sua posição, recorre à Eduardo García Máynez, que também entende
não se tratar de uma norma. Para eles, trata-se de um “juízo enunciativo, proveniente de uma
formulação negativa do princípio ontológico-jurídico de identidade, segundo o qual “a conduta
juridicamente regulada é idêntica a si mesma”. Dizer que um comportamento “não está
juridicamente proibido” é o mesmo que afirmar que “está juridicamente permitido”, já que “o
não juridicamente proibido” é o “juridicamente permitido”, assim como “o não permitido
juridicamente” é o “juridicamente proibido”. Esse princípio não permite resolver se uma
conduta está proibida ou não, porque esta determinação depende das prescrições normativas
vigentes. As normas não se confundem com os axiomas, que são proposições analíticas que
expressam a identidade do “não proibido” com o “permitido” e do “não permitido” com o
“proibido”. E apenas um princípio que condiciona a possibilidade da plenitude hermética da
ordem jurídica vigente” (p. 63).
Com base nessas ideias o autor constrói cinco axiomas:
a) axioma da inclusão: “tudo o que está juridicamente ordenado está juridicamente
permitido”, que estabelece uma relação de inclusão de duas classes: a existente
entre as condutas juridicamente ordenadas, e a existente entre as condutas
juridicamente permitidas, fazendo com que coincidam, ou que uma esteja dentro
da outra, como em círculos justapostos;
b) axioma da liberdade: “o que está juridicamente permitido não está juridicamente
ordenado; pode-se livremente fazer ou omitir;
c) axioma ontológico-jurídico de contradição, segundo o qual “a conduta
juridicamente regulada não pode ser ao mesmo tempo proibida e permitida”;
d) axioma ontológico-jurídico do terceiro excluído: “se uma conduta está
juridicamente regulada, ou está proibida ou está permitida” (Tertium non datur).
Logo, “se a conduta não está proibida, está permitida”; “se a conduta não está
permitida, está proibida”;
e) axioma de identidade: “todo objeto do conhecimento jurídico é idêntico a si
mesmo”. Assim, “o que está juridicamente proibido está proibido”; “o que está
juridicamente permitido está permitido”.

Por fim, ainda há que descobrir se o dogma da plenitude, a partir da teoria da hierarquia
das linguagens é linguagem-objeto ou metalinguagem para se descobrir se possui ou não
normatividade. “A teoria da hierarquia das linguagens, ensina-nos Capella, coloca como
axioma a necessidade de distinguir uma linguagem dada de outra que a ela se refere. Se “L” e
“M” são duas linguagens, se na linguagem “M” se fala da linguagem “L”, funcionando “L”
como objeto da linguagem “M”, denomina-se “L” “linguagem-objeto” de “M” e “M”
“metalinguagem” de “L”. Se uma proposição se refere à linguagem legal é óbvio que não é
linguagem legal, mas metalinguagem.” (p. 65).
Sob esse prisma o direito é linguagem-objeto, uma vez que não fala sobre si mesmo,
mas estabelece proposições deônticas prescritivas ou normativas, que se dirigem a condutas, ao
mundo fático, contudo o princípio da plenitude do ordenamento jurídico não é linguagem-
objeto porque se dirige à linguagem-objeto, ele se refere ao próprio direito e não ao mundo
fáctico, sendo, assim, uma proposição descritiva, formas ou lógica, isto é, analítica.
Portanto, “o chamado postulado da plenitude hermética da ordem jurídica fracassa em
seu empenho ao sustentar que todo sistema é uno, completo, independente e coerente, como
examinaremos na ocasião oportuna. É importante assinalar, como o fizeram Alchourrõn e
Bulygin, a diferença entre o postulado da plenitude, de acordo com o qual todos os sistemas
jurídicos são completos, e a exigência de que o sejam. O postulado, dizem eles, é uma mera
ilusão que, não obstante, desempenha um papel ideológico definido no pensamento jurídico; a
sua exigência responde a um ideal, puramente, racional, independente de toda atitude política.
A exigência da completude é um caso especial de um princípio mais geral, inerente a toda
investigação científica enquanto atividade racional” (p. 68).
A partir da compreensão dessas questões, pode-se passar à análise um pouco mais
detalhada dos argumentos sob os quais o direito aparece como um sistema que apresenta
lacunas, ou seja, um sistema incompleto.
Karl Engisch, por exemplo, fala de uma incompletude insatisfatória. Para ele, a “lacuna
é uma imperfeição insatisfatória dentro da totalidade jurídica”, representando, portanto, uma
falha ou uma deficiência do sistema jurídico, relevando o intrínseco caráter relacional entre
“lacuna” e “sistema”. Como Ferraz Jr. demonstra a imperfeição é a negação da perfeição,
entendendo-se a perfeição como qualidade daquilo que está concluído, ou mais propriamente,
acabado de fazer. Por consequência, o termo “insatisfatório” é a negação do satisfatório, que é
o suficientemente feito, porém nem tudo o que é imperfeito é insatisfatório, há imperfeições
satisfatórias (como é o caso das obras de arte não terminadas – Umberto Eco, “obra aberta”). A
lacuna, no entanto, é uma imperfeição insatisfatória porque exprime uma falta ou uma
insuficiência que não deveria ocorrer dentro de um certo limite. A lacuna pode ocorrer, mas
não deve. A ideia de “limite”, por sua vez, conduz ao segundo elemento da definição de
Engisch, a “totalidade jurídica”, na qual não deve, mas pode ocorrer uma imperfeição
satisfatória, é algo feito, que tem um início definido e um fim previsível, dotado de uma certa
permanência.
Há lacuna no sistema de normas se há um dado que não pode ser regulado por ele, não
se podendo dizer, portanto, se pertence ou não ao sistema, ou mesmo se deve ou não pertencer
a ele, implicando na ideia de incompletude. A “lacuna” em Engisch esta referida a um todo que
pre- suntivamente deveria ser completo, entrelaçando-se o conceito de lacuna com o de direito.
Daí a sua distinção entre “direito legislado” e “direito positivo”. O direito positivo abrange o
direito legislado e o consuetudinário. Se se pensar apenas no direito legislado, a “lacuna
jurídica” significa o mesmo que “lacuna da lei”. Haverá “lacuna da lei” sempre que não se possa
encontrar solução legal para um caso. Se se falar em direito positivo, aparece a “lacuna jurídica”
quando nem a lei nem o costume fornecem respostas imediatas a uma determinada questão. As
lacunas são, portanto, faltas ou falhas de conteúdos de regulamentação jurídico-positiva para
determinadas situações fáticas, que admitem sua remoção por uma decisão judicial jurídico-
integradora. Entende ser impróprio falar-se em lacunas, quando o legislador, utilizando
conceitos normativos indeterminados, cláusulas gerais e discricionárias, deixa uma margem de
flexibilidade ao julgador, reconhecendo a linha fronteiriça entre a aplicação do direito
secundum legem e o preenchimento das lacunas praeter legem. Na hipótese de “lacuna legal”
o seu preenchimento é possível mediante o emprego dos argumentos analógicos e a contrário
ou de outras operações de pensamentos baseadas em lei, realizadas pelos magistrados. Contudo,
tais técnicas não excluem as lacunas; simplesmente procuram fechá-las ou colmatá-las.
Mas em relação à “lacuna jurídica” a questão não é tão simples quanto parece, isto
porque, apesar de todas as possibilidades de uma descoberta integradora do direito — analogia,
princípios gerais de direito etc. — sempre haverá casos nos quais não é possível uma
colmatação das lacunas. De maneira que a questão será a de se saber em que medida a
“valoração pessoal” é uma decisão efetivamente pessoal (ou subjetiva) ou se encontra apoio em
critérios objetivos.
Na opinião de Engisch podem ficar em aberto lacunas insuscetíveis de preenchimento;
assim sendo, o dogma da plenitude do ordenamento jurídico e a conhecida proibição da
denegação da justiça não são válidos a priori. Todavia, afirma que sempre é verdade que a
plenitude do ordenamento jurídico pode ser mantida como uma ideia “regulativa”, como um
princípio da razão.
Há, ainda, autores que sustentam que além de o ordenamento jurídico ser um sistema
aberto é, também, um sistema dinâmico e não estático. O direito deve ser visto em sua dinâmica
como uma realidade que está em perpétuo movimento, acompanhando as relações humanas,
modificando-se, adaptando-se às novas exigências e necessidades da vida, inserindo-se na
história, brotando do contexto cultura. Santi Romano foi um dos primeiros a perceber e
proclamar a insuficiência da concepção normativista, pois compreendia que o Direito não é
somente a norma dada, mas também a entidade da qual a norma emana. Giorgio Campanini
também entende que o direito não se reduz à lei ao postular, mas esta é parte integrante daquele,
como a lei consuetudinária e a lei natural. Portanto “As normas são partes de um âmbito maior,
que é o direito; sendo assim não esgotam a totalidade jurídica nem podem identificar-se com
ela. [...] e o sistema jurídico não tem um aspecto uno e imutável, mas sim multifário e
progressivo. Querer um sistema jurídico único é uma utopia” (p. 73).
No Direito brasileiro, um dos principais autores que concebem o direito dessa forma é
Miguel Reale com sua teoria tridimensional do Direito. Para ele o sistema jurídico compõe-se
de um subsistema de normas, de um subsistema de valores e de um subsistema de fatos que são
isomórficos entre si (se correlacionam). Destas ideias se deduz que os elementos do sistema
estão vinculados entre si por uma relação, sendo interdependentes. De forma que quando houver
uma incongruência ou alteração entre eles temos a lacuna e a quebra da isomorfia. Logo, o
subsistema normativo é aberto, está em relação de importação e exportação de informações com
outros subsistemas (fáticos e axiológicos), sendo ele próprio parte de um sistema jurídico.
A partir disso, tem-se que o problema das lacunas sempre tem por ocasião a ocorrência
de um caso hipotético ou concreto não previsto expressamente pelas normas de um dado
sistema. Quando da aplicação do direito a um fato concreto, é mister correlacionar as normas
entre si, bem como o subsistema de valores a ele correspondente, não devendo ter o juiz um
critério puramente normativo; deve dar lugar a uma compreensão dos sistemas normativos em
relação ao fato e aos valores que os informam. Perante a lacuna, isto é, quando houver quebra
de isomorfia entre a norma, o valor e o fato, que passam a ser heteromórficos, o juiz, ante o
caráter dinâmico do direito, passa de um subsistema a outro (do subsistema legal ao subsistema
consuetudinário ou a um subsistema axiológico ou a um subsistema fático), podendo construir
quantos subsistemas forem necessários, até suprir a lacuna.
Portanto, a questão das lacunas consiste muito mais no problema de determinar se as
condutas podem ser solucionadas pelos demais subsistemas (axiológico e fático). Daí a
dinamicidade do direito, ou seja, o seu poder de inovar atendendo aos imperativos das
transformações sociais, possibilitando novas soluções mais adequadas. “Uma margem de
incerteza e insegurança, afirma Theóphilo Cavalcanti Filho, constitui o preço do progresso
humano e da busca de formas mais justas de organização social”. Miguel Reale também
preconiza a necessidade de não olvidar que a certeza estática ou definitiva acaba por destruir a
formulação de novas soluções mais adequadas à vida e essa impossibilidade de inovar acabaria
gerando a revolta e a insegurança.

3. Espécies de lacunas
No tocante à questão das espécies de lacunas, cada autor problematizou a sua própria
distinção, existindo diversas espécies de lacunas, no entanto, pode-se dizer que a mais antiga
das classificações é feita por Zitelmann e já salientada aqui, que as distingue entre lacunas
“autências” e lacunas “não autências”. As primeiras seriam os casos em que é impossível a
obtenção de uma decisão em um caso concreto a partir de uma análise da lei; as segundas
ocorrem quando o fato-tipo está previsto em uma disposição legal, mas a solução possível é
tida como insatisfatória ou falta. Diante disso, para ele, só a autêntica é uma lacuna jurídica e a
lacuna não autêntica é apenas uma lacuna política.
Engisch denomina essas lacunas de modo diverso, como lacuna político-jurídica,
crítica, imprópria ou de lege ferenda, de uma lacuna do ponto de vista de um futuro direito mais
perfeito e não em lacuna autêntica, própria, isto é, de lege lata, de uma lacuna no direito vigente.
E, esclarece, uma lacuna de lege ferenda apenas pode motivar o legislativo a reformular o
direito, mas não o judiciário a uma colmatação da referida lacuna. O preenchimento de lacunas
só diz respeito a lacuna de lege lata. Bobbio por sua vez, faz a distinção entre lacuna de jure
condendo (ou ideológica ou imprópria ou objetiva) quando está ausente uma norma justa, e
lacuna real, de jure condito (ou propriamente dita, ou subjetiva), que é uma lacuna imputável
ao legislador e que seria uma lacuna dentro do sistema.
Ainda, com base na classificação das lacunas em autênticas e inautênticas, a doutrina
entendeu que as lacunas podem ser intencionais ou não-intencionais, sugerindo, dessa forma,
que o sistema normativo contém uma certa intencionalidade, que permite saber se um caso é de
falha que deve ser sanada (lacuna autêntica) ou que deve ser deixada tal como está (lacuna
inautêntica.
Existem tantas outras definições, mas por fim, pode-se mencionar a classificação de
Maria Helena Diniz que divide as lacunas entre normativas, ontológicas e axiológicas. As
lacunas normativas ocorrem quando se tiver ausência de norma sobre determinado caso; por
sua vez, as lacunas ontológicas, se houver norma, mas ela não corresponder aos fatos sociais,
quando, p. ex., o grande desenvolvimento das relações sociais, o progresso técnico acarretarem
o ancilosamento da norma positiva; e, por fim, as lacunas axiológicas ocorrem no caso de
ausência de norma justa, ou seja, quando existe um preceito normativo, mas, se for aplicado,
sua solução será insatisfatória ou injusta.
4. O problema da constatação de lacunas e seu preenchimento

O problema da constatação de lacunas e seu preenchimento, portanto, parte do


pressuposto de que o ordenamento jurídico é um sistema aberto e dinâmico, criando, assim, o
que MHD denomina de aporia das lacunas, pois chega-se a constatação de que o direito é ao
mesmo tempo sem lacunas e cm lacunas. Ele é lacunoso porque a vida social apresenta nuanças
infinitas e sempre novas situações imprevistas, o que torna impossível a regulamentação por
meio da norma jurídica. No entanto, também é sem lacunas porque o próprio dinamismo do
Direito apresenta soluções que serviriam de base para qualquer decisão, seja ela do órgão
jurisdicional, seja ela do Poder Legislativo. Dessa forma, o Direito se auto-integra, pode-se
dizer que é um sistema autopoiético, pois supre seus próprios espaços vazios.
Além do mais, a teoria das lacunas apresenta dupla função, de um lado é aquela já
apontada por Kelsen, ou seja, a função de fixar os limites para as decisões dos magistrados e,
de outro, serve para justificar a atividade do Legislativo, pois, caso se entendesse que o
ordenamento jurídico não tem lacunas, a atividade do legislativo uma hora cessaria por ter mais
o que regular.
Dirimida essas questões, surge o problema da constatação das lacunas que, segundo
Maria Helena Diniz, abrange duas facetas. A primeira diz respeito ao ordenamento jurídico,
que se caracteriza pelo fato de se saber em que limite a norma é omissa, ou seja, até que ponto
não é aplicável sem um complemento, até onde, em caso de lacuna, pode-se interpretar a lei e
até que ponto a integrar. Já a segunda refere-se à dificuldade de determinação da medida em
que a ausência de norma pode ser tida como lacuna. Trata-se de um problema que se refere à
definição da lacuna, a sua classificação, aos meios através dos quais o órgão jurisdicional
completa a norma, nos limites dessa função integradora, no sentido de uma neutralização do
Judiciário.

5. Os meios supletivos de lacunas

(tópica, intuição heurística, apótemas lógico-decisionais)

No Direito brasileiro, os meios de integração (preenchimento) das lacunas estão


previstos na própria lei, por meio do artigo 4º da LINDB (Dec.-lei 4.657/1942) que versa:
Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.
No nosso direito dois são os mecanismos por meio dos quais se completa,
dinamicamente, um ordenamento: a auto-integração e a heterointegração. A auto-integração
é o método pelo qual o ordenamento se completa, recorrendo à fonte dominante do direito: a
lei. O procedimento típico é a analogia. A heterointegração é a técnica pela qual a ordem
jurídica se completa, lançando mão de fontes diversas da norma legal, p. ex.: o costume, a
equidade. É difícil distinguir a auto-integração da heterointegração, porque os princípios gerais
de direito podem ser tidos como auto-integração (analogia juris) e como heterointegração
(recurso aos princípios de direito comparado), porém, nos inclinamos a considerá-los como
instrumentos heterointegrativos, como se poderá perceber.

a. Os meios de auto-integração:

o Analogia:
A analogia consiste em aplicar norma já estabelecida para um dado caso a um outro
não contemplado, porém semelhante ao primeiro. O processo analógico consiste em aplicar
uma disposição legal a um caso não qualificado normativamente, mas que possui algo
semelhante com o fato-tipo por ela previsto. Porém, para que tal se dê deve-se considerar como
relevante alguma propriedade que seja comum a ambos. Ou melhor, ter-se-á aplicação
analógica “na medida em que os supostos fáticos em questão sejam diferentes, para cada
característica do suposto fático regulado na lei se reconheça uma característica
significativamente correspondente de parte do suposto não regulado”, baseando-se, portanto,
sempre na “possibilidade de se estabelecerem relações entre seres substancialmente distintos,
mas que têm algo em comum”. Assim, é um procedimento quase lógico que envolve duas fases,
a primeira é a constatação empírica, por comparação, de que há uma semelhança entre fatos-
tipos diferentes, a segunda é o juízo de valor que mostra a relevância das semelhanças sobre as
diferenças, tendo em vista uma decisão jurídica procurada.
Modernamente, encontra-se na analogia uma averiguação valorativa. Ela seria um
procedimento argumentativo, sob o prisma da lógica retórica, que teria por escopo transferir
valões de uma estrutura para outra. Teria um caráter inventivo, uma vez que possibilita ampliar
a estrutura de uma situação qualquer, incorporando-lhe uma situação nova, tendo por base o
juízo de semelhança. Encaixa-se aqui, plenamente, a Lógica do Razoável, que não é uma
invenção de Recaséns Siches, mas que decorre da verificação da realidade oferecida pelo
“mundo” dos valores. Grande é o seu papel no procedimento analógico, e, embora não tenha
sido apontada explicitamente pelo nosso legislador, o foi de modo implícito. Com efeito, reza
o nosso art. 5º da Lei de Introdução: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que
ela se dirige e às exigências do bem comum”. Com isso reconhece a validade da Lógica do
Razoável no estabelecimento de critérios de valoração para a aplicação da norma, não podendo
deixar de se estender ao uso da analogia, como bem assevera Alípio Silveira, pois o magistrado,
ao buscar solucionar uma hipótese não prevista, deve lançar mão da valoração não só do texto
legal de que se utilizará para preencher a lacuna, como também da solução por ele obtida,
mediante analogia, em função das circunstâncias do caso sub judice.
Há na analogia uma investigação lógica, no sentido de buscar a verdade de uma
igualdade, e teleológico-axiológica, no sentido de representar a justiça na igualdade, tendo-se
em vista a realidade em que o caso sub judice se apresenta. Percebe-se que o problema da
aplicação analógica não está na averiguação das notas comuns entre o fato-tipo e o não previsto,
mas sim em verificar se essa coincidência sobreleva, valorativamente, de maneira a justificar,
plenamente, um tratamento jurídico idêntico para fatos ora em exame, sendo, na verdade, ao
mesmo tempo uma constatação de coincidência nos pontos essenciais entre fato previsto e não
previsto, e uma integração da lacuna jurídica.
Portanto, a analogia não é nem uma técnica interpretativa nem uma fonte do direito,
como querem alguns autores, mas sim um procedimento que serve para integrar normas, ela se
situa no campo da integração. Já quando aos fundamentos e pressupostos, os autores também
divergem. Há autores que vislumbram na presunção da vontade do legislador o fundamento da
analogia, outros no princípio da igualdade jurídica (Coviello) e, há ainda aqueles que repousam
o fundamento na força de expansão própria das normas do direto (como Del Vecchio). Com
base na ideia de que seu fundamento é a igualdade jurídica, Maria Helena Diniz elenca seus
pressupostos:
- que o caso sub judice não esteja previsto em norma jurídica. Isto porque direito
expresso ou literal disposição legal não abrange analogia, pois esta dilata a aplicação da lei a
casos não previstos, que, por identidade de razão, devem submeter-se a ela;
- que o caso não contemplado tenha com o previsto, pelo menos, uma relação de
semelhança;
- que o elemento de identidade entre eles não seja qualquer um, mas sim essencial ou
de fato que levou o legislador a elaborar o dispositivo que estabelece a situação a qual se quer
comparar a não contemplada. Terá de haver uma verdadeira e real semelhança e a mesma razão
entre ambas as situações. Meras semelhanças aparentes, afinidades formais ou identidades
relativas a pontos secundários não justificam o emprego da argumentação analógica.
Presentes estes três requisitos permitida está a analogia.
Mas também é preciso salientar que existem modalidades de analogia. Há autores,
como Grolmann e Watcher que distinguem a analogia legis e analogia juris. A primeira
(também chamada de individual por Karl Larenz) consiste na aplicação de uma norma existente,
destinada a reger caso semelhante ao previsto, importando numa maior vinculação a uma
determinada norma, partindo da similitude entre as hipóteses (prevista e não prevista) quanto a
seus aspectos essenciais, chegando, assim, à conclusão da igualdade da consequência jurídica.
Por sua vez a analogia juris (também chamada de conjunta cf. Larenz) apoia-se num conjunto
de normas, para extrair elementos que possibilitem sua aplicabilidade ao caso sub judice não
previsto, mas similar. É o processo lógico que, com base em várias disposições legais, que
disciplinam um instituto semelhante ao não contemplado, reconstrói a norma ínsita no sistema
pela combinação de muitas outras.
Os autores discutem bastante a respeito da dessa distinção. Há autores que identificam,
por exemplo, a analogia juris como um princípio geral do Direito (Ferrara, na primeira fase de
seu pensamento, por exemplo), posição que é criticada por Limongi França. Machado Neto, no
entanto, vê na distinção uma diferenciação meramente acidental. Manifesta ou não, toda
analogia é analogia juris porque como toda aplicação o é, não de uma norma, mas do
ordenamento jurídico inteiro. E que pese, no entanto, que a distinção é válida como recurso
didático, vez que tais conceitos estão bem delineados e devido à frequente referência dos
autores às duas analogias. Porém, na prática, como bem salientou Machado Neto, a autêntica
analogia é a juris (não no sentido de princípio geral do direito), que é um procedimento
universal dos países de direito civil codificado, em caso de silêncio da lei, como também nos
de common law.
Dentro do raciocínio analógico ainda é possível distinguir três tipos de argumentos:
argumentum a simili ad símile (ou a pari), argumentum a foritori e argumentum a contrario.
Pelo argumento a pari a vis ac potestas (o verdadeiro poder) da norma concentra-se em sua
ratio, pois a chamada identidade de razão é a base da analogia. Aqui não se conclui sobre a
identidade dos fatos, nem sobre a do fato com a lei, mas sim sobre a semelhança da ratio legis,
devendo-se obedecer a algumas regras: não fundar as conclusões em semelhanças raras e
secundárias, não olvidar as diferenças e não confundir as conclusões prováveis e problemáticas
com as certas da indução e dedução.
O argumento a fortiori surge do fato de que as notas, que trazem a tônica da
semelhança, de um objeto a outro, convenham ao segundo em grau distinto do primeiro. Ele
compreende os argumentos a maiori ad minus e a minori ad maius, que levam o magistrado a
aplicar a norma aos casos não regulados, nos quais se encontra a razão suficiente da hipótese
explícita, mais forte. O primeiro, a maiori ad minus, é aquele segundo o qual se a lei autoriza o
mais, implicitamente permite o menos (quem pode o mais, pode o menos). Ex: se há permissão
para divulgar de forma escrita as atas das sessões parlamentares, então, encontra-se
subentendido, a fortiori, que se autoriza essa divulgação oralmente, posto que a divulgação oral
seja menos eficaz que a escrita. (MHD entende que não se trata de uma argumentação analógica
porque não há igual ratio, mas maior intensidade.
O segundo argumento, a minori ad maius, consiste em passar da validade de uma
disposição normativa menos extensa para outra mais ampla, necessitando-se, para tanto, do
auxílio de valoração. É o argumento do “se a lei proíbe o menos, com maior razão proíbe o
mais”. Ex: se está proibido pisar na grama, com mais razão está proibido arrancá-la, ou ainda,
se se proíbe transporte de cães, com mais razão está proibido o transporte de ursos. (MHD
também não vê aqui um raciocínio analógico, mas sim uma interpretação extensiva).
Por fim, o argumento a contrario parte do fato de que uma disposição normativa
incluir certo comportamento num modo deôntico, excluindo de seu âmbito qualquer outra
conduta, isto é, um comportamento C estando proibido, qualquer conduta Não C está proibida
(= permitida). Esse argumento funda-se no fato de que um objeto diverso de outro em várias
notas também o será quanto a qualidade sob a qual existe a diferença. Atendendo-se à
semelhança poder-se-á apresentar um argumento a pari e, à diferença, um argumento a
contrario. Ex.: suponhamos que um ordenamento exija, para que se possa ser testemunha em
um testamento por ato público, saber ler e escrever, sem, contudo, prescrever sobre as condições
requeridas para testemunhar nos demais atos notariais. Aplicando-se o raciocínio a pari pode-
se concluir que também para os outros instrumentos notariais exige-se das testemunhas tal
qualidade. Porém se se aplica o a contrario, pode-se deduzir que esse requisito só vale para os
testamentos, não para os demais atos notariais.
Para MDH o argumento a contrario também não é analogia, mas apesar de não estar
previsto no rol do art. 4º da LINDB é um instrumento integrador que está inserido no sistema
em diretiva.
A analogia não se confunde com a interpretação extensiva, embora ambas procurem
descobrir a vontade da lei, considerando a ratio legis. Bobbio, p. ex., afirma que são iguais.
Pode-se diferenciá-las com base no problema da integração do direito, pois a interpretação
extensiva faz admitir que a norma abrange certos fatos-tipos, ainda que implicitamente e a
analogia faz com que o intérprete da lei vá além do próprio texto legislativo, mas que por razões
de similitude poderia abarcar certos fatos-tipos. A analogia é um mecanismo auto-integrativo
do direito e não interpretativo, no sentido de que não parte de uma lei aplicável ao fato, porque
esta não existe, mas procura norma que regule caso similar ao não contemplado, sem, contudo,
criar direito novo:

INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA APLICAÇÃO ANALÓGICA


Se atém ao conhecimento de uma norma em Se ocupa com a semelhança entre duas
sua particularidade em face de outro querer questões: a norma- da e a não contemplada
jurídico. normativamente.
Requer uma norma expressa, a fim de buscar Pressupõe falta de um dispositivo expresso,
o seu sentido amplo, dilatando-o até pesquisando uma norma que abranja um caso
compreender o outro fato por ela abrangido não previsto por ela, desdobrando o preceito,
implicitamente, revelando o que na própria de modo que se confunde com outro que lhe
norma se contém. fica próximo.
Logo, a conclusão que decorre das premissas A conclusão tirada das premissas não é a que
científicas é justamente aquilo que se a lei pretendeu determinar, mas a que
prescreve na lei; se as palavras não o determinaria se não houvesse omitido.
alcançaram, os motivos o justificam.
Fixa o sentido da lei. Procura determinar a ratio legis que
justifique a possível aplicação analógica
Cabe no direito singular, excepcionalmente. Em regra, cabe no direito comum

Como última questão, salienta-se que Karl Larenz, ao lado dos argumentos a pari e a
contrario, coloca um procedimento especial que ele chama de “redução teleológica”. Trata-se
de uma limitação feita a uma norma e exigida pelo seu sentido, restrição essa que se apresenta
como um paralelo, não só da interpretação restritiva161, como também da argumentação
analógica; enquanto esta última se traduz em tratar o que é semelhante (nos pontos essenciais)
de modo normativamente igual, a redução teleológica visa tratar desigualmente o que é
desigual, fazendo as diferenciações exigidas valorativamente, apelando, para isso, à ratio legis.
Contudo, MHD entende que se trata de uma interpretação restritiva e da interpretação
prevista no art. 5º da LINDB (Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se
dirige e às exigências do bem comum).

b. Os meios de heterointegração:

o Costume:

O primeiro aspecto a se ressaltar a respeito do costume é que ele é fonte subsidiária do


Direito e, para MDH, seja ele decorrente da prática dos interessados, dos tribunais e dos
jurisconsultos, podendo ainda ser secundum legem, praeter legem ou contra legem. Tem como
requisitos o uso continuado (consuetudo) e a convicção de obrigatoriedade (opinio juris et
necessitatis ou opinio necessitatis sive obligationis).
Assim, Maria H. Diniz entende que ele pode ser aplicado nos casso de lacuna
normativa, mas também de lacuna axiológica, quando há lei aplicável ao caso, mas sua
aplicação traria injustiça ou inconveniência, de forma que deve ser afastada. Nesse caso, para
ajustar as normas aos valores vigentes na sociedade, a aplicação do costume, em qualquer de
suas modalidades, principalmente do contra legem tem sido admitida pelos juízes e tribunas.
Também pode, para ela, ser aplicado o costume no caso de lacuna ontológica, ou seja, quando
há desajustamento entre os fatos e as normas (quando a realidade define a situação de um modo
e a norma de outro). A doutrina ou a jurisprudência são levadas, autorizadas pelo art. 5º da
LINDB, a concluir pela inaplicabilidade de tais normas, que estão em desuso, aplicando-se,
então, na impossibilidade de analogia, um costume.

o Princípios gerais do Direito:

Só se pode invocar um princípio geral do direito para preencher lacunas, quando não
houver lei ou costume aplicável ao ponto controvertido e não podem opor-se ao ordenamento
jurídico, visto que se fundam na natureza do ordenamento. Quanto a sua definição, os princípios
gerias do Direito são diversamente concebidos pelas escolas, de forma que se pode resumir
assim:

1) Os que combatem a concepção dos princípios gerais, sem os negar, mas os atribuem
a outra ordem de idéias, considerando-os enquanto mecanismos de suprimento como: a) meros
expedientes para liberação das passagens legais que não mais atendem a opinião dominante
(Unger); b) permissões para livre criação do direito por parte do magistrado (Hoffman, Pfaff e
Ehrenzweig); c) impossíveis de determinação, ante o caráter variável da razão humana; e d)
simples fontes interpretativas e integrativas de normas legais, sem qualquer força criadora2
2) Os que, por serem adeptos da Escola Racionalista, identificam os princípios gerais
de direito com as normas do direito natural. Assim, para Laun, Brunetti, Gény, Espínola,
Manresa, Schuster, Nippel, DelVecchio, Legaz y Lacambra, Winiwarter, Recaséns Siches,
Zeiller, os princípios gerais de direito nada mais são do que postulados de direito natural,
verdades jurídicas universais, perenes e imutáveis, representando o que há de constante no
direito, constituindo, por isso, o fundamento do direito positivo.
Dentro dessa direção jusnaturalista há diversos matizes, conforme a idéia que se tenha
do direito natural, que pode ser entendido: a) como razão natural, de modo que as normas do
direito natural seriam dogmas obtidos pela razão, dela derivando. Nesse teor escreve Del
Vecchio que os princípios gerais são as próprias exigências naturais do direito, que,
atravessando o ordenamento positivo, formam um subsídio e um guia para a sua compreensão,
representando a fonte a que se deve recorrer para os casos não contemplados pelo legislador.;
b) como natureza das coisas, de sorte que os princípios apareceriam, segundo pontifica Legaz
y Lacambra, como “formalizaciones intelectuales de critérios de solución de interferencias y de
medidas unipersonales de justicia, ajustadas a las exigencias dominantes de la naturaleza”.
3) Aqueles que entendem que os princípios gerais seriam normas inspiradas no
sentimento de eqüidade, sendo, então, a própria eqüidade. Entre eles temos: Maggiore, Osilia,
Giorgio Giorgi, Borsari, Tripicione, Scialoja. Autores há, aos quais nos filiamos, que negam tal
equivalência. Dentre eles: Piola, Pacchioni, Rotondi, Eduardo Espínola e Filho, Clemente de
Diego, Laurent, Hauriou, Ferrara, Camelutti, Clóvis Beviláqua, Scoevola. Apesar de nossa atual
Lei de Introdução (art. 4a) nada mencionar sobre a eqüidade, consideramo-la como algo distinto
dos princípios gerais e como meio de preenchimento de lacunas jurídicas, como logo mais se
poderá ver. c) como verdades, objetivamente, derivadas da lei divina, de um sistema superior
plantado por Deus no coração dos homens que contém um conjunto de princípios superiores,
oriundos do princípio da justiça, comum a toda a humanidade.
4) Os que consideram os princípios gerais como tendo caráter universal, ditados pela
ciência e pela filosofia do direito (Bianchi, Clóvis Beviláqua, Pacchioni). Para Clóvis
Beviláqua, apesar do seu positivismo jurídico sociologista, os princípios gerais de direito não
são oriundos do direito nacional vigente, mas sim dos elementos fundamentais da cultura
jurídica humana atual, das idéias sobre as quais se assenta a concepção jurídica dominante, das
induções e generalizações da ciência do direito e da jusfilosofia, atribuindo-lhes, portanto,
caráter universal, ligando-os ao sentimento de justiça. Os prosélitos desta concepção, a nosso
ver, incidem no erro de confundir os “princípios” com formulações, abstrações lógicas ou
enunciados de caráter científico. 5) Os que, em virtude de sua direção positivista, os
caracterizam como: a) princípios historicamente contingentes e variáveis, baseados no direito
legislado que os antecede, constituindo as bases fundamentais da norma jurídica, inspirando a
formação de cada legislação, uma vez que se tratam de orientações culturais ou políticas da
ordem jurídica. Dentro desta tendência temos Savigny e os pandectistas alemães; b) princípios
norteadores, resultantes do sistema jurídico, ou seja, extraídos das diversas normas do
ordenamento jurídico. Assim os concebem: Coviello, Fadda e Bensa, Camelutti, Boulanger,
Barassi, Ruggiero, Esser. Coviello dessa forma os explica: “são os princípios em que se assenta
a legislação positiva e, embora não se achem escritos, em nenhum lugar, formam o pressuposto
lógico necessário das várias normas dessa legislação”.
6) Os que adotam uma posição eclética, procurando conciliar essas posições, isto é, os
princípios sistemáticos com o direito científico ou com os imperativos da consciência social ou
os princípios sistemáticos com a concepção da escola do direito livre. Condenam o extremismo
dos positivistas em querer submeter os princípios gerais do direito à regra de que só poderão
ter lugar depois de esgotados todos os recursos para extrair a norma positiva, sem contradizer
as idéias fundamentais da lei, dos costumes ou da doutrina. Argumentam que o mais perigoso
seria forçar o magistrado a obter do direito positivo uma solução que este não pode conter.
Entendemos que os princípios gerais do direito contêm múltipla natureza por serem:
a) decorrentes das normas do ordenamento jurídico, ou seja, dos subsistemas
normativos. Princípios e normas não funcionam separadamente; ambos têm, na
nossa opinião, caráter prescritivo. Atuam os princípios frente às normas não só
como fundamento de sua integração ou de sua atuação, mas também como
fundamento criteriológico, ou seja, como limite da atividade jurisdicional ou da
arbitrariedade;
b) b) derivados das ideias políticas, sociais e jurídicas vigentes, ou seja, devem
corresponder aos subconjuntos axiológico e fático, que norteiam o sistema
jurídico, sendo, assim, um ponto de união entre consenso social, valores
predominantes, aspirações de uma sociedade com o sistema de direito,
apresentando, portanto, uma certa conexão com a filosofia política ou ideologia
imperante, que condiciona até sua dogmática: daí serem princípios informadores,
de forma que a supracitada relação entre norma-princípio é lógico-valorativa,
apoiando-se estas valorações em critérios de valor “objetivo;
c) c) reconhecidos pelas nações civilizadas os que tiverem substractum comum a
todos os povos ou a alguns deles em dadas épocas históricas, não como pretendem
os jusnaturalistas que neles veem princípios jurídicos absolutos, de validade geral.
Muitas vezes, esses princípios encontram-se prescritos em normas como o artigo 3º da
LINDB: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.”, mas em sua
grande maioria são implícitos.
MHD ainda, postula um roteiro para aplicação dos princípios: 1) buscar os princípios
norteadores da estrutura positiva da instituição a que se refere o caso sub judice', 2) atingir,
sendo inócua a primeira medida, os princípios que informam o livro ou parte do diploma onde
se insere a instituição, depois os do diploma onde se encontra o livro, a seguir, os da disciplina
a que corresponde o diploma e assim por diante até chegar aos princípios gerais de todo o direito
escrito, de todo o regime jurídico- político e da própria sociedade das Nações, embora estes
últimos só digam respeito às questões de direito internacional público301; 3) procurar os
princípios de direito consuetudinário, que não se confundem com as normas costumeiras, mas
que são o ponto de partida de onde aquelas normas advêm302; 4) recorrer ao direito das gentes,
especialmente ao direito comparado, onde se descobrem os princípios que regem o sistema
jurídico das nações civilizadas, desde que estes não contradigam os do sistema jurídico
interno303; 5) invocar os elementos da justiça, isto é, os princípios essenciais, podendo para
tanto penetrar no campo da jusfilosofia (pg. 241).

o Equidade:

Conforme saliente MHD, com base em Alípio Silveira, a equidade, considerada em


toda a extensão possível do termo, liga-se a três acepções, intimamente correlacionadas:
a) Na latíssima, ela seria o princípio universal da ordem normativa, a razão pratica
extensível a toda conduta humana (religiosa, moral, social, jurídica), configurando-
se como uma suprema regra de justiça a que os homens devem obedecer;
b) Na lata, a equidade confunde-se com a ideia de justiça absoluta ou ideal, com os
princípios de Direito (Bobbio), com a ideia do direito, com o direito natural, em
todas as suas significações;
c) Na estrita, seria ela esse mesmo ideal de justiça enquanto aplicado, ou seja, na
interpretação, integração, individualização judiciária, adaptação etc.. Sendo, nessa
acepção empírica, a justiça no caso concreto (Aristóteles);
A equidade, ainda, é passível de classificação, por exemplo, Agostinho Alvim divide-
a entre legal (contida no texto da norma, que prevê várias possibilidades de solução, como no
caso dos arts. 4º e 5º da LINDB) e a judicial (aquela em que a lei, explicitamente ou
implicitamente, permite ao órgão jurisdicional a solução do caso concreto por equidade, é o
caso do art. 11, II da Lei 9.307/96 – Lei da Arbitragem – que afirma que os árbitros estão
autorizados a decidir por equidade, se assim for convencionado pelas partes).
Dessa classificação, Limongi França infere os seguintes requisitos da equidade:
1º: decorrência do sistema e do direito natural;
2º: inexistência, sobre a matéria, de texto claro e inflexível;
3º: omissão, defeito ou acentuada generalidade da lei;
4º: apelo para as formas complementares da expressão do direito antes da livre criação
da norma equitativa;
5º: elaboração científica, da regra da equidade, em harmonia como o espírito que rege
o sistema e, especialmente, com os princípios que informam o instituto objeto da decisão.

Tem-se, ainda, que a equidade influencia também a elaboração legislativa, tem grande
importância na interpretação das normas, na adaptação da norma ao caso concreto, tendo
também função suplementar da lei, ante as possíveis lacunas. Neste caso, a função integradora
da decisão pode ocorrer: a) nos casos especiais que a própria lei deixa, propositalmente,
omissos, isto é, no preenchimento das lacunas voluntárias; b) nos casos que, de modo
involuntário, escapam à previsão do elaborador das normas.
Ainda, tem-se que, Vicente Ráo, apresenta algumas regras para a aplicação da
equidade: a) por igual modo devem ser tratadas as coisas iguais e desiguais as desiguais; b)
todos os elementos que concorreram para constituir a relação sub judice, coisa ou pessoa, ou
que, no tocante a estas tenham importância, ou sobre elas exerçam influência, devem ser
devidamente considerados; c) entre várias soluções possíveis deve-se preferir a mais humana,
por ser a que melhor atende à justiça. A equidade, por fim, confere um certo poder discricionário
ao magistrado, mas não uma arbitrariedade.

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