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EXCLUSÃO SOCIAL, PRIVAÇÕES

E VULNERABILIDADE
uma análise dos novos condicionamentos sociais

J osé R ogério L opes

Resumo: O artigo revisa contribuições teóricas de autores que abordam os processos de “exclusão social” como um conjunto de referências
configuradas historicamente na dinâmica de internacionalização da economia, de orientação neoliberal. Dessa revisão, destacam-se categorias e elementos
de análise que permitem identificar novos condicionamentos sociais que afetam os sentidos produzidos pelos sujeitos em condições de vulnerabilidade,
no trabalho informal, e de privações geradas na pobreza urbana.
Palavras-chave: Exclusão social. Privações. Trabalho informal. Pobreza.

Abstract: The present article revisits some theoretical contributions from authors who deal with the processes involved in “social exclusion”,
which is seen as a set of references that are historically formed in the neo-liberal-oriented dynamics of economy internationalization. The study shows categories
and elements for analysis that allow us to identify new social restrictions, which will affect the senses produced by the subjects in vulnerable conditions,
in temporary jobs, and in the deprivation that is a result of urban poverty.
Key words: Social exclusion. Deprivation. Informal work. Poverty.

A natureza do trabalho possível de ser exercido na economia


global é essencial ao entendimento da questão da exclusão.
Gilberto Dupas (1999, p. 34)

A
afirmação de Dupas foi tomada como mote para
essa discussão, iniciada com algumas análises sobre a concepção de exclusão para, em seguida, problematizá-la, uti-
lizando algumas descrições de pesquisas recentes realizadas ou coordenadas pelo autor, com categorias de sujeitos
em processos de exclusão, nas regiões do Vale do Paraíba e do Litoral Norte do Estado de São Paulo.
Hoje, na medida em que a sociedade contemporânea se afasta dos ideais e referências do Estado de Bem-
Estar Social – contexto no qual o controle social era exercido na perspectiva da configuração de um Estado
totalizante1 (MARCUSE, 1967) – emerge um conjunto de novos condicionamentos sociais que tendem a sub-
sumir as formas de controle social em novas formas de sociabilidade.
Entre as formas emergentes de sociabilidade, aquelas que se enformam no quadro das ações e relações que
se costumou denominar de exclusão social são importantes para análise, seja por sua multidimensionalidade ou
pela complexidade causal.
De fato, a concepção de exclusão social costuma ser relacionada a um plano de causalidade complexo e multi-
dimensional, diferenciando-se da concepção de pobreza, sobretudo porque aquela é uma condição produzida na

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emergência do neoliberalismo, caracterizada pela estra- Nesse sentido, a própria experiência decorrente
tégia de sobredeterminação constante dos termos que dos movimentos de reivindicação das classes tra-
fundam e reproduzem os jogos contemporâneos entre balhadoras, que se especializaram em níveis locais,
mercado, trabalho, Estados, poder e desejos. regionais e nacionais, ao invés de se internacionali-
Enquanto a pobreza é um desdobramento das zarem, permite afirmar que, hoje, “grupos que par-
relações históricas e estruturais de oposição entre tilham a mesma pobreza chegaram lá de diferentes
os interesses de classes, portanto, um fenômeno maneiras e têm diferentes probabilidades de saírem
econômico que se configura na questão social deri- dela” (DUPAS, 1999, p. 29).
vada das relações capital versus trabalho, a exclusão Essa idéia pressupõe, também, que a pobreza pro-
social se caracteriza por um conjunto de processos duz lugares, como contextos nos quais ocorrem for-
que se estabelecem no campo alargado das relações mas distintas de organização dos sujeitos, enquanto
sociais contemporâneas: a precarização do trabalho atores sociais que participam dos diferentes modos
(ANTUNES, 1994), a desqualificação social (PAU- de produção. Na visão de Santos (1997), os sujeitos
GAM, 1999), a desfiliação social (CASTEL, 1999), a caracterizam-se como atores sociais à medida que são
desagregação identitária (BAUMAN, 2005), a desu- reconhecidos como elementos presentes na configu-
manização do outro (HONNETH, 1992) e a anula- ração das estruturas3 que interagem para a constitui-
ção da alteridade (XIBERRAS, 1993; SUNG, 2002). ção da realidade social. Evidente que essa presença
Tais processos geralmente são responsabilizados pela interagia, e ainda interage como força, na constitui-
emergência ou difusão de outros fenômenos: o de- ção dos mecanismos de controle social.
semprego estrutural, a população de rua, a fome, a A própria lógica de constituição dos direitos que
violência, a falta de acesso a bens e serviços, à segu- enformam o ideal de cidadania, nas sociedades oci-
rança, à justiça e à cidadania, entre outras. dentais, seguiu esses condicionamentos (LOPES,
As condições que configuram a pobreza confir- 2001a), de forma que sua universalização tornou-se
mam a dimensão de sujeito do pobre, na razão do con- mais um problema que uma solução. Ou seja, como
trole de sua participação na economia, uma vez que a tais direitos foram se institucionalizando ao passo que
gênese do capitalismo pôs em evidência a produção as reivindicações das classes trabalhadoras foram se
da pobreza em massa, de forma mais homogênea que diversificando e se localizando, no desenvolvimento
a aquela produzida no desenvolvimento do sistema, do jogo de forças entre elas e o capital, estabeleceu-se
entre o final do século XIX e meados do século XX. uma gradação no acesso a tais direitos que resultou
O desenvolvimento das relações produtivas envolveu em uma hierarquia dos sujeitos assistidos pelos mes-
essa massa de pobres em uma estrutura dinâmica de mos. Essa hierarquia estaria na base mesma da distin-
condições e fatores diversos, impondo aos sujeitos a ção que Rosanvallon (1995) elabora entre droits-libertés
criação e efetivação de estratégias de sobrevivência que e droits-créances (direitos-libertados e direitos-créditos, que
começaram a se diferenciar, na medida em que: pressupõem a liberdade política e a condição da re-
distribuição das riquezas). E aqui surge uma hipótese
esses fatores afetam os indivíduos de formas diferentes de de trabalho um tanto polêmica: a de que a hierarquia
acordo com sua inserção na sociedade; seu efeito dependerá dos assistidos pelos direitos de cidadania correspon-
da posição de cada indivíduo em termos de relações de pro- de a uma estratificação das condições de inserção dos
dução (DUPAS, 1999, p. 28);2 trabalhadores no mercado, que hoje se explicita em
uma disputa pela permanência no próprio mercado,
sua consciência de classe (ou sentimento de pertenci- como uma das novas formas de controle social.
mento) definiu orientações distintas de agregação ou Se antes a condição de inserção no mercado con-
articulação em torno de organizações de defesa de dicionava a configuração dos lugares próprios dos
seus interesses ou de reivindicação pela satisfação de sujeitos, hoje o próprio mercado tornou-se o lugar
suas necessidades. dos sujeitos.

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A importância dessa formulação está assentada na Esse reconhecimento assume pelo menos duas
necessidade de perceber que o ideal de igualdade que se formas teóricas gerais: primeira, a de que a inte-
produz e reproduz no quadro do desenvolvimento de gração social não pode ocorrer sob a lógica de tais
tais relações, nas sociedades ocidentais, desdobra-se da conflitos, pois eles opõem antagonicamente as
determinação reconhecida na e pela igualdade do traba- classes sociais; segunda, a de que “o conflito de
lho. Ora, se tal hipótese se confirmar, há duas questões classes reforça a integração social porque se trata
daí derivadas que merecem nossa atenção: uma refere-se de um conflito negociável” (DUBET, 1996, p. 4)
ao potencial de autonomia do sujeito contemporâneo, sob o manto da democracia;5
sobretudo daquele que trabalha, ou procura trabalho; • na sociedade, o ator é o sistema, ou seja,
outra se refere ao reconhecimento dos tipos e graus de
solidariedade que os sujeitos são capazes de estabelecer, o ator social é definido como a vertente subjetiva do siste-
nas suas relações em sociedade. ma. Meus sentimentos amorosos, minhas opiniões políticas,
minha maneira de vestir, são o produto da minha sociali-
POBREZA E SOCIEDADE zação, isto é, a maneira como eu me integrei subjetivamente
nos objetivos do sistema (DUBET, 1996, p. 4).
Esse contexto, sucintamente configurado, permite por
sua vez, que se estabeleça um paralelo entre a gênese E aqui, Weber (s.d.) deve ser lembrado, quando afir-
e o desenvolvimento da pobreza e aquilo que ainda ma que o sistema é produzido pelos atores. Dessa
denominamos de sociedade. Segundo Dubet (1996), complementaridade, pode-se afirmar que a ordem
a sociedade pode ser caracterizada por cinco critérios, social “se explica pela ação social socializada” (DU-
quais sejam: moderna; sistêmica; um Estado-Nação; BET, 1996, p. 4).
industrial; e os atores sociais são institucionais. Pode ser incluída uma sexta categoria relacionada
A medida desses critérios explicita uma orientação à dinâmica de formação e desenvolvimento social,
fundamental para essa análise. Na razão pela qual ex- estruturada no fato de que a sociedade é instituciona-
põe tais critérios, Dubet (1996, p. 2) assim os justifica: lizada (uma contribuição antropológica sobre o pro-
• a sociedade é moderna e a sociologia é evolucio- cesso de socialização). Ou seja, a institucionalização
nista, pois estuda e explica “a história da humani- implica reconhecer que não só o ator é o sistema, mas
dade como um processo que vai da tradição do que a modernidade, a industrialização e a formação
primitivo das tribos para o moderno, para a divi- do Estado-Nação se reproduzem institucionalmente.
são do trabalho” (a tradição da modernidade); A importância desse último critério está fundamenta-
• a sociedade é sistêmica, não porque toda ela seja da na concepção de que a instituição tem historicida-
sistêmica,4 e sim, porque explicar a vida social tem de e autoridade moral (BERGER; BERGER, 1977) e
implicado em expor para quê as coisas servem no que é ela que promove a reflexividade da vida moder-
interior do sistema, segundo as relações funcionais na, segundo Giddens (1991).
que os diversos elementos mantêm, nas socieda- A maneira como esses critérios imbricaram-se, na
des complexas; produção da sociedade, implicou em um movimento
• a sociedade é um Estado nacional, porque ela se constante e dinâmico da figura do sujeito, da cate-
“encarna em uma forma particular que é o Esta- goria de pobreza, das condições de trabalho e dos
do-Nação”, em uma “integração funcional sistê- modelos de integração social (além, é lógico, das pró-
mica de uma economia nacional, de uma cultura prias idéias de Estado e de mercado).
nacional e de um sistema político nacional” (DU- De uma forma geral, pode-se identificar uma va-
BET, 1996, p. 3), quer seja ela pensada como efeti- riação de combinações assimétricas desses elementos,
vada pela burguesia, pelo Estado ou pela cultura; conforme foram se organizando nas diversas socie-
• a sociedade é industrial, o que pressupõe reconhe- dades concretamente estabelecidas, segundo os crité-
cer e explicar os conflitos de classes dominantes. rios anteriormente definidos. Essa diversidade indica

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equívoco daquele que pretende explicar as condições vez menos regular, no capitalismo contemporâneo,
atuais pela presença e o papel dos atores sociais fun- em prejuízo do segundo processo.
dantes dessa relação: a burguesia, os trabalhadores e Essas tendências são importantes, pois abordam
o Estado (sendo que a pobreza desdobrar-se-ia como processos nos quais os sujeitos pobres projetam idea-
uma das condições da segunda categoria de atores). lizações e identificações com mudanças de suas con-
O desenvolvimento da sociedade mostra que al- dições. Na primeira tendência, prevalece a abordagem
gumas dessas figuras tornaram-se difusas, chegando dos processos de controle da participação dos pobres
quase ao anonimato, nesse processo.6 Isso decorreu, na economia, embora se visualize uma abertura aos
sobretudo, de dois fatores interligados: a sociedade processos políticos; na segunda, se reconhece uma
manteve-se sistêmica e, mais que isso, ampliou a co- porosidade já estabelecida entre processos econômi-
bertura do mundo sistêmico sobre o mundo vivido; cos e políticos e uma abertura para a potencialidade
por outro lado, a economia, antes um componente de mudanças também aos processos culturais.
funcional da integração promovida pelo Estado na- Este artigo está alinhado à segunda tendência, na
cional, tornou-se o próprio modelo de integração, na qual se destacam os trabalhos de Atkinson (1998) e
medida em que se internacionalizou. de Rogers, Gore e Figueiredo (1995), essenciais para
Daí, as dificuldades das políticas sociais e a diversi- a compreensão da emergência da concepção de ex-
dade de programas públicos de combate à pobreza ou clusão social. O primeiro explicita o caráter dinâmi-
à exclusão, que se mantiveram locais e localizadas. co e a natureza multidimensional da exclusão social,
A internacionalização da economia foi uma sobre- além da extensão desse processo a campos sociais
determinação do componente-meio para um compo- mais amplos que a participação na vida do trabalho.
nente-fim, rompendo não só com a configuração e a O segundo, uma coletânea organizada pelos autores,
soberania do Estado-Nação, mas também com a idéia circunscreve a gênese da exclusão social em fenôme-
de sociedade e, em extensão, com a idéia de sujeito nos concretos ocorridos na Europa, desde finais da
(como ator social), na medida em que transformou a década de 1970, como o aumento da pobreza urbana,
razão ou a racionalidade que sustentava os vínculos a falta de perspectiva e a insegurança causadas pelo
entre os atores sociais (TOURAINE, 2006). desemprego entre jovens e adultos, a falta de acesso
É na raiz dessa transformação que emergem as a emprego ou renda nas minorias étnicas e entre imi-
concepções de exclusão social. grantes. São fenômenos relacionados à internaciona-
lização da economia e à revolução tecnológica, e os
EXCLUSÃO SOCIAL: registros TEÓRICOS E Políticos textos dessa coletânea, além de confirmar a natureza
multidimensional dos processos de exclusão, analisam
A concepção de exclusão aparece de maneira diver- parte da literatura existente e enumeram categorias de
sificada. Pode-se pensar seu aparecimento segundo excluídos nas diversas sociedades.7
modelos distintos de análise, conforme o locus ou Um ponto de convergência entre essas obras é o do
o focus das diferentes abordagens. Enquanto alguns contexto nacional, importante nas reflexões sobre os
autores optaram por debater o estatuto teórico do processos de exclusão social, que coincidem em torno
conceito (NASCIMENTO, 1994; OLIVEIRA, da bibliografia francesa sobre o assunto. Essa localiza-
1997), denunciando a ilusão projetada na oposição ção está assentada no descompasso enfatizado entre os
excluídos/incluídos (entendendo que exclusão e in- processos de modernização e os processos de “globali-
clusão são processos complementares produzidos zação” que afetam as sociedades nacionais.
dialeticamente na dinâmica econômica da sociedade Nesta abordagem, a ênfase em uma bibliografia
capitalista), outros investigaram os “processos so- francesa tem a ver com tal descompasso, já que ela
ciais excludentes” (MARTINS, 1997; ZARTH, 1998; permite pensar que a preocupação da teoria social
VERAS, 1999; CATTANI, 2005) e mostraram que a francesa está assentada em discutir as transformações
complementaridade entre exclusão e inclusão é cada na formação e no desenvolvimento do Estado-Na-

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ção. Daí que, em princípio, pode-se pensar a questão as mudanças existentes no desenvolvimento da ques-
da exclusão a partir da nacionalidade de algumas re- tão social (IANNI, 2004; PASTORINI, 2004) e das
flexões sobre a modernidade. No caso francês, predo- relações de desigualdade (WANDERLEY, 1997a),
mina a perspectiva da autonomia definida no campo permite afirmar que as condições que configuram a
das ações de cidadania; no caso inglês, a perspectiva pobreza confirmam a dimensão de sujeito do pobre,
do mercado como agente do desenvolvimento; no na razão do controle de sua participação na econo-
caso americano, a instituição como ator social. mia. Porém, na exclusão social produzida no mundo
Quais são as implicações dessa configuração? neoliberal, mais que controlar ou negar o acesso ao
A primeira diz respeito à herança que recebemos, trabalho ou ao consumo, controla e nega-se a própria
na sociedade brasileira, que fundiu os modelos de re- condição de “sujeiticidade” (o que faz o ser humano
flexão sobre tais perspectivas, gerando uma tensão no ser sujeito8) do indivíduo (SUNG, 2002, p. 19).
campo teórico, marcado pela inserção periférica nes- Esta transformação qualitativa dos pressupostos
se debate (SOUZA, 2004). Ou seja, aquilo que hoje antes identificados com os problemas decorrentes da
justificamos como um campo plural de reflexões é desigualdade socioeconômica (a exploração, a margi-
um pano de fundo para explicar nossas próprias inde- nalização, a pobreza), permite entrever que a injustiça
cisões sobre os rumos que devemos tomar. A segun- primordial não é mais exclusivamente socioeconômi-
da diz respeito a essa própria indecisão, na medida ca ou material, mas também simbólica. Assim, Xiber-
em que ela obnubila uma teleologia acerca da ação ras (1993, p. 18) afirma que
do sujeito, na contemporaneidade, colocando-nos em
um labirinto. os excluídos não são simplesmente rejeitados fisicamente
A história da organização local das variáveis que (racismo), geograficamente (gueto) ou materialmente (po-
movimentam as relações desiguais, no desenvolvi- breza). Eles não são simplesmente excluídos das riquezas
mento do capitalismo, assim como os sistemas expli- materiais, isto é, do mercado de trocas. Os excluídos são-no
cativos elaborados para compreender esse processo, também das riquezas espirituais: os seus valores têm falta
dão conta de explicitar nossa condição. As conse- de reconhecimento e estão banidos do universo simbólico.
qüências do modelo de desenvolvimento capitalista
em nossa sociedade produziram categorias de pensa- Nesse sentido, os problemas decorrentes dessa in-
mento configuradas diacronicamente pelos fenôme- justiça simbólica caracterizam-se pela
nos de marginalização (de influências notadamente
modernizadoras e econômicas), de espoliação (de in- hostilidade, a invisibilidade social e o desrespeito que a
fluências marcadamente territoriais) e de segregação associação de interpretações ou estereótipos sociais repro-
(de influências geradas em uma tríplice dimensão: de duzem na vida cotidiana ou institucional. Este tipo de
classes, de raça-etnia e de relações de gênero) (WAN- comportamento implica no prejuízo da auto-estima de
DERLEY, 1997; VERAS, 1999). indivíduos e grupos, mediante processos intersubjetivos
Dessa maneira, ao passo que avaliamos nossa in- (SOUZA, 2000).
serção periférica no desenvolvimento da concretude
dessas relações e no debate teórico acerca delas, re- Da mesma forma, trabalhos como os de Rosan-
desenhamos a história da exclusão social no ocidente. vallon (1995) explicitam, em medidas diferentes, os
O desconhecimento desse processo pode acabar por prejuízos causados pelos processos de exclusão social
confundir o real com o conceito, a concretude com nos condicionamentos que estruturam a vida coleti-
a abstração. Ou seja, podemos confundir a escala de va e as políticas sociais contemporâneas. Sobretudo,
percepção dos problemas com a escala de sua resolu- afetando o escopo de representações que se formou
ção (SANTOS, 1997). institucionalmente em torno da grande contradição
A importância do debate brasileiro acerca dos pro- moderna entre autonomia e liberdade, que define o
cessos de exclusão em voga, considerando a história e estatuto do sujeito.

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Rosanvallon (1995) busca superar a idéia de ex- étnicas ou de gênero e às demandas da internacio-
clusão afirmada como incapacidade de satisfazer as nalização da economia. No seio de tais mudanças, a
necessidades, para mostrar que ela é um processo, hegemonia mundial adquiriu novos contornos, con-
com desdobramentos que afetam profundamente o forme foram se formando blocos continentais e in-
psiquismo dos indivíduos, que precisarão de agora tercontinentais de relações econômicas, entre países
em diante se ressocializar. Ao analisar o escopo da centrais e periféricos do capitalismo, que reforçaram,
exclusão social em uma perspectiva política, afirma em níveis locais, a fragmentação dos sistemas produ-
que é necessário requalificar o Estado para garantir o tivos e a competitividade pelos postos de trabalho. A
direito dos sujeitos excluídos viverem em sociedade. visibilidade desse fenômeno, no Brasil, mostra clara-
A análise de Rosanvallon permite considerar o mente que ele ultrapassou a esfera do trabalho formal
profundo impacto dos processos de exclusão nos (como emprego) para a do informal, reproduzindo
indivíduos-sujeitos, ao discutir o caráter dos direitos nessa esfera os processos sociais excludentes.
sociais na contemporaneidade.9 Segundo o autor, in-
tegrá-los pelo direito de inserção, coloca em questão EXCLUSÃO SOCIAL: REGISTROS EMPÍRICOS
um tipo de norma fundamentada sobre o fato de que
os indivíduos se encontram em situações singulares e Essa constatação ocorreu em uma pesquisa realiza-
que então devem ser tratados de maneira particular, da nos meios urbanos da região do Vale do Paraí-
para que se consiga uma verdadeira eqüidade. ba, SP (LOPES, 2001a), objetivando reconhecer as
Assim, está em jogo, atualmente, a relação entre fa- novas territorialidades urbanas produzidas na lógica
tores econômicos e fatores não-econômicos na pro- do trabalho informal exercido nos espaços públicos,
dução da vida social (TOURAINE, 2000). Tal relação incluindo investigações sobre atividades variadas que
levou a uma revisão teórico-empírica da concepção vão dos coletores de materiais recicláveis aos vende-
de vulnerabilidade, que se projeta da esfera do siste- dores de mercadorias contrabandeadas.
ma de proteções configurado em torno do mundo do Historicamente, na região, a ocupação de espaços pú-
trabalho (CASTEL, 1999) para um campo ampliado blicos pelo trabalho informal era restrita às atividades de
de interações que, segundo Abramovay (2002, p. 30) trocas tradicionais que ocorriam em espaços reduzidos
e localizados, denominados de “Feiras da Barganha”.
traduz a situação em que o conjunto de características, Essas feiras eram reconhecidas como espaços de repro-
recursos e habilidades inerentes a um dado grupo social dução de relações e de trocas tradicionais, sobretudo de
se revelam insuficientes, inadequados ou difíceis para lidar migrantes das zonas rurais próximas aos centros urba-
com o sistema de oportunidades oferecido pela sociedade, de nos e seus descendentes. Exemplos tradicionais dessas
forma a ascender a maiores níveis de bem-estar ou dimi- feiras são encontrados em várias cidades da região, de
nuir probabilidades de deterioração das condições de vida médias a grandes, com destaque para as cidades mais
de determinados atores sociais. Esta situação pode se mani- industrializadas: Cruzeiro, Lorena, Pindamonhangaba,
festar, em um plano estrutural, por uma elevada propensão Jacareí, Taubaté e São José dos Campos.
a mobilidade descendente desses atores e, no plano mais As transformações sociais contemporâneas, ocorri-
subjetivo, pelo desenvolvimento de sentimentos de incerteza das no mundo da produção e do trabalho, ao produzir
e insegurança entre eles. uma crescente precarização da atividade remunerada e
elevados índices de desemprego, expulsou milhares de
Nesse movimento, a razão da participação autôno- trabalhadores para o mercado informal na década de
ma e/ou solidária dos sujeitos, na produção da vida 1990, na região, gerando o conseqüente crescimento
social, mudou substancialmente. Acima de tudo, ela da economia informal. Isso tem feito proliferar ocupa-
foi condicionada por um gradual parcelamento dos ções exercidas nos espaços antes reconhecidos como
ideais representativos, nas sociedades democráticas, de circulação – ruas, praças, largos – modificando a ló-
ajustado ao reconhecimento das diferenças culturais, gica do trabalho, como atividade, que agora se confun-

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de com o espaço ampliado da cidade. Nesse contexto, da cidade, a prefeitura distribuiu os vendedores em
a distinção entre espaços de produção/trabalho e es- vários espaços, por setores, incluindo uma área con-
paços de circulação de pessoas/mercadorias é rompi- centrada, próxima ao mercado municipal, onde foi
da, em prejuízo dos espaços públicos, gradualmente construído um “camelódromo”, e diversas feiras de
tomados por atividades ocupacionais e de geração de vendas em praças do município.
renda, modificando a percepção ambiental urbana e as Ocorre que tal ordenamento, realizado de forma
identidades de vários segmentos sociais. arbitrária, resultou em uma distribuição desigual dos
As investigações realizadas por meio de abordagens espaços (considerando o potencial de venda de cada
quali-quantitativas ou com base no método etnográ- um, identificado pelos trabalhadores informais), hie-
fico junto a segmentos de sujeitos em “ocupações de rarquizando os lugares e estratificando os vendedores
rua”, na cidade de Taubaté, indicam estar ocorrendo segundo classes desiguais de inserção territorial.
uma ressignificação dos espaços públicos, agora per- Paralelamente ao estabelecimento desses meca-
cebidos como de circulação/trabalho, causando uma nismos formais de ordenamento urbano do trabalho
transformação da estima pública da cidade, deslocada informal, identificamos também alguns mecanismos
de uma centralidade em torno das formas espaciais informais, operados por comerciantes e agentes fiscais
(os diversos elementos da paisagem urbana) para no- da prefeitura local, que agem sobre os coletores de ma-
vas funções e apropriações do espaço. teriais recicláveis que atuam nas áreas comerciais do
Simultaneamente, os espaços de trocas tradicio- município. Exemplo desses mecanismos é o estabeleci-
nais também são ressignificados, passando a ser mento de um acordo tácito entre comerciantes e cole-
considerados extensões dos locais de trabalho infor- tores para a delimitação de um horário fixo de entrega
mal, e são invadidos por novos produtos, geralmen- de papelões e outros materiais. Esse ordenamento in-
te equivalentes àqueles vendidos pelos ambulantes formal limita o tempo de trânsito dos coletores e suas
no restante da cidade. carroças pelos calçadões do centro comercial da cidade
A superação das fronteiras entre espaços tradicio- aos períodos de abertura e fechamento do comércio,
nais de trocas e espaços informais de trabalho, dessa retirando os mesmos da cena urbana durante os inter-
forma, foi uma variável considerada na pesquisa. A valos de maior movimentação dos compradores.10
ocupação dos locais tradicionais, nas feiras, era rea- Essas referências, entre outras coletadas, mostram
lizada de forma autônoma e ordenada pelos sujeitos, que o aumento do desemprego, arrastando milhares
geralmente definida pela ordem de chegada aos lo- de sujeitos para o mercado informal, produz uma
cais e sem intervenção do poder público que, quando forma de ocupação espontânea do trabalho pelos
muito, cuidava de delimitar geograficamente os usos espaços públicos da cidade, gerando a necessidade
dos espaços urbanos, controlando a circulação de da criação de modelos para o ordenamento urbano,
veículos nas vias de acesso às feiras e em seu entor- formais e informais, que agem sobre a distribuição
no. Com a invasão desses locais pelos trabalhadores espacial do trabalho informal. Trata-se de uma forma
informais e os produtos de consumo modernos, o de controle operando pela produção de reformas ur-
poder público passa a ordenar os espaços de venda, banas, que parcelam o espaço público em zonas hie-
com a delimitação de áreas, ou “boxes”, por setores rarquizadas de comércio informal no município.
de produtos, e a cobrar taxas de ocupação, fiscalizan- Ocorre que esse parcelamento não pressupõe a
do eventualmente as atividades dos indivíduos. combinação entre o direito à diferença com a parti-
A mesma preocupação do poder público pôde cipação econômica (SOUZA, 2000; LOPES, 2001a),
ser constatada nas intervenções junto aos setores de caracterizando formas sociais de desrespeito aos su-
ambulantes e vendedores “ilegais” que se espalhavam jeitos. Essa combinação desdobra-se da necessidade
pelas calçadas do centro da cidade de Taubaté. Utili- de garantir que o acesso ao bem comum preserve a
zando um cadastro feito com os sujeitos, após uma particularidade de cada um, o que implica, por outro
série de fiscalizações irregulares realizadas nas ruas lado, recuperar a capacidade de ação e de sentido dos

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atores sociais. E essa recuperação transita na contra- dade desenvolvida e qualidade de vida, entre os su-
mão dos canais de controle social contemporâneos. jeitos das classes médias, é atingir o exercício de uma
Hoje, e cada vez mais, a sociedade é vista como um liberdade de escolha, como estratégia de apropriação
subproduto da atividade econômica, na qual a radica- da cidade. Contrariamente, os sujeitos residentes em
lidade da ação social é excluída pela hegemonia eco- áreas de exclusão estão privados dessa mesma condi-
nômica, tecnológica ou militar. Torna-se necessário o ção de apropriação, resultando na anulação da liber-
reencontro entre a criatividade e a capacidade de agir. dade de escolha em suas representações.
Para tanto, há que se separar as questões de urgência Aqui, serão discutidos três dados produzidos no
ou importância dramáticas que afetam as sociedades quadro de um dos sub-projetos da pesquisa, que bus-
contemporâneas, para localizar as expressões que es- cou caracterizar a população residente em áreas de
tão na base dos novos conflitos sociais (TOURAINE, concentração de pobreza nas cidades de Ubatuba e
1989), que são morais e constituem lutas por dignidade Campos do Jordão, identificando indicadores de suas
humana e reconhecimento (HONNETH, 2003). demandas socioeconômicas, como também repre-
sentações produzidas acerca de
suas condições de vida nessas áre-
Tabela 1
as. Esses dados advêm da análise
Melhorias Demandadas nos Locais de Moradia das respostas dos moradores das
áreas às seguintes perguntas:11
Infra-estrutura e urbanização %
• O que poderia ser feito para a
Esgoto 25,2
melhoria do local onde mora?
Asfalto/calçamento 23,7 • O que poderia ser feito para a
Água e luz 13,9 melhoria da cidade?
Canalização de rios 8,8 • Você acha que seu direito como
Construção de praças de lazer 3,0 cidadão é respeitado? Por quê?
Serviços urbanos 12,3 As respostas à primeira questão
Ações públicas ligadas a serviços públicos 9,0 concentraram-se majoritariamente
Outras indicações gerais 4,0
nas ações de infra-estrutura e ur-
banização (74,6%), como se en-
Não soube responder 1,0
contram distribuídas na Tabela 1.
Afirmou que o local está bom 1,0
As respostas à segunda questão
Fonte: Lopes (2001b).
concentram-se em dois indicado-
res importantes (Tabela 2).
Esse aspecto é enfatizado adiante, considerando Alguns elementos da análise comparativa entre
que ele é produzido no âmbito das privações sociais tais indicadores são evidenciados. Primeiramente, a
(SEN, 2000) que acarretam o descompasso entre o distinção clara entre ações para a melhoria: a mudan-
plano da esfera prática e sensível da experiência social, ça do local é avaliada pelas condições de infra-estru-
a práxis, para Lefebvre (1977), elemento forte e ainda tura e urbanismo, enquanto a melhoria da cidade é
pouco explorado nas análises sobre exclusão social. avaliada pela oferta de empregos e pelo seu governo.
Nesse sentido, a referência é uma pesquisa realiza- Esta distinção aponta para processos de produção
da em seis cidades da mesma região do Vale do Pa- e apropriação da cidade que se complementam em
raíba comparando as representações de crescimento ações micro e macro-estruturais, e interferem nas re-
urbano e qualidade de vida, entre sujeitos de classes presentações que tais sujeitos produzem acerca dos
médias e moradores de áreas de concentração de po- seus direitos.
breza (LOPES, 2001a). O estudo apontou para a idéia O índice de 1% de sujeitos que não souberam res-
de que o substrato comum das representações de ci- ponder à primeira questão e o de 18% que não soube-

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ram responder à segunda mostram que as ações micro- Assim, os processos sociais excludentes pelos e
estruturais são mais perceptivas e objetivas, mas também nos quais os sujeitos pobres são privados do senti-
mostram que a condição de exclusão interfere na produ- mento de pertencimento ao espaço urbano, nas áreas
ção de representações sobre o conjunto da cidade. de exclusão, fragmentam a imagem da cidade e re-
Somente 32% dos pesquisados avaliaram a melhoria produzem valores focalizados territorialmente, que se
da cidade pelas mesmas condições que examinaram as repetem e são apropriados como formas sociais de
mudanças do local onde moram. Este índice, inclusive, desrespeito à sua condição de cidadãos.
deve ser complementado com outro dado da produção As respostas que os pesquisados deram à terceira
da cidade, nos contextos aqui em pauta: o de que se trata questão citada anteriormente auxiliam a compreender
de duas cidades predominantemente turísticas. essa fragmentação e essa focalização produzidas nos
Embora não haja dados gerais sobre a ocupação processos de exclusão. Entre os pesquisados, cerca
urbana em Campos do Jordão, os dados de Ubatuba de 40% se consideram no exercício de seus direitos,
permitem verificar as dimensões como se objetivam enquanto 60% consideram que não estão.
os processos de exclusão territorial, na forma das pri- Entre os que se consideram no exercício de seus di-
vações urbanas: para uma população de 45.681 habi- reitos, as respostas agrupam-se nas seguintes categorias:
tantes, em 1991, havia 32.471 casas
no município; destas, 31,92% eram
Tabela 2
casas ocupadas por habitantes lo-
cais e 68,07% eram casas de turis- Melhorias Demandadas nas Cidades
tas (Censo Demográfico 1991, IBGE).
Ações públicas %
Considerando-se que a área média
Empregos e incentivo às atividades produtivas nas cidades 29,8
de construção das casas de turistas
é bem maior que a das casas dos Serviços urbanos 16,8

habitantes da cidade, tem-se que Infra-estrutura e urbanismo 15,2


o percentual de número de casas Mudar os governos ou governantes 14,8
dos habitantes é desproporcional à Não sabem 18,5
taxa de ocupação territorial urba- Afirmaram que as cidades são boas 4,8
na pelos mesmos, em detrimento Fonte: Lopes (2001b).
desta última.
Este quadro torna-se mais com-
plicado ao se constatar que 80% da área do municí- • É respeitado/tem dignidade (43,8%);
pio compõe a Área de Proteção Ambiental do Parque • Acessam serviços e bens públicos (25,0%);
Estadual da Serra do Mar. Dessa forma, somente • Necessidades básicas atendidas (18,7%);
20% do território municipal pode ser ocupado por • Direitos como atendimento de reivindicações (12,5%).
moradias e outras construções urbanas, o que, soma- Entre os que se consideram privados de seus direi-
do à alta especulação territorial das cidades turísticas, tos, temos as seguintes categorias:
concentra grande parte da população local em áreas • Desrespeito/desvalorização (37,5%);
privadas de infra-estrutura e serviços urbanos, como • Falta de serviços e bens públicos (25,0%)
encostas de morros e outras áreas de risco. • Ações de desgoverno (12,5%);
Nestas condições, não é de se estranhar que a me- • Marginalização/precariedade (12,5%);
lhoria da cidade seja percebida e avaliada pelas repre- • Renda baixa (6,3%);
sentações dadas anteriormente. O sentido de apro- • Tráfico de drogas (6,2%).
priação da cidade, em áreas de exclusão, reproduz a O fato de cerca de 40% dos moradores dessas
privação do conhecimento do espaço pelo tipo de áreas considerarem-se respeitados em seus direitos
ocupação dos sujeitos nele inseridos. como cidadãos é preocupante, pela limitação das

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concepções de direitos e cidadania que justificam de vinculação dos sujeitos à urbe, extrapolam os pro-
suas respostas. Por outro lado, as concepções de di- cessos de exclusão material e constituem uma verda-
reitos e cidadania entre aqueles que não se conside- deira violência simbólica. Esses sujeitos excluídos da
ram atendidos como cidadãos são mais diversificadas produção da cidade, territorial e simbolicamente, per-
e focalizadas. Esses dados, todavia, guardam alguns dem progressivamente a capacidade de visualização e
condicionantes importantes para a localização dos de criação de estratégias de apropriação da cidade e
sujeitos, em suas relações com o conjunto da cida- passam a expressar tais privações como sentimento
de: a idéia de direito está condicionada positivamente de desrespeito.
pelas representações de dignidade e respeito, acesso Porém, mesmo submersos em áreas de sombras
aos serviços e bens públicos e atendimento das ne- do modelo urbano hegemônico, esses sujeitos pro-
cessidades básicas. O indicador com menor freqüên- curam produzir outras estratégias de superação dos
cia foi o que relaciona a positividade dos direitos com processos de exclusão no próprio cotidiano. Na re-
a atuação reivindicadora dos sujeitos. Negativamente, presentação difusa de cidade que esses sujeitos ex-
está condicionada pelas representações de desrespei- plicitam, evidencia-se a concepção de Ítalo Calvi-
to, falta de serviços públicos, ações de desgoverno, no, de que “uma cidade pode ser aquilo que dela se
marginalização ou precariedade, salários baixos e trá- vê ou se entende” (apud AMARAL, 1992). Isso é
fico de drogas. o que representa o índice de 40% dos sujeitos que
Por tratar-se de áreas de exclusão, onde se confun- se consideram no exercício de seus direitos; na sua
dem a concentração de pobreza, de desempregados, a maioria, trata-se de pessoas que têm uma ocupação
ausência de serviços públicos, a precarização das mo- definida e, em função dela, transitam pela cidade
radias e a periferização com relação ao conjunto da e estabelecem relações com outras categorias de
cidade, as representações de direitos e cidadania não sujeitos urbanos.
possuem uma unidade. Por outro lado, a experiência Assim, as apropriações que os indivíduos fazem
de viver tais privações projeta-se nas representações da produção da cidade, desde sua localização em áre-
dos sujeitos, de forma que as concepções de respeito as de exclusão, variam de acordo com a compreen-
e desrespeito são condicionadas pela maneira como são elaborada pelos mesmos acerca dos movimentos
elas os afetam. Em conseqüência, a imagem da cidade contraditórios em que estão inseridos, ou dos quais
emerge a uma “distância próxima” – geograficamen- estão privados.
te, mas distante socialmente – e suas relações com o
conjunto dos mecanismos institucionais da vida ur- FINALIZANDO
bana têm sempre um fundo de desconfiança, descré-
dito ou desapego. O jogo das relações entre processos de exclusão
Esta trajetória de análise mostra que a produção e controle social, de um lado, e liberdade e auto-
da cidade contemporânea reforça os processos de ex- nomia dos sujeitos, de outro, passa, na atualidade,
clusão socioterritorial (MARICATO, 2000), reprodu- pela combinação dos fatores que definem os novos
zindo as estratégias de idealização da urbanidade e de condicionamentos sociais, em situações de vulne-
vinculação do sujeito pobre à urbe – ou a uma parte rabilidade e privações. Nos processos de vulnera-
dela – por meio da ocupação exercida pelo mesmo. bilização, como o aqui citado, contam muito mais
Se tal ocupação permite um exercício de visualização as regras que se impõem aos excluídos, para que
da cidade, este olhar mostra-se fragmentado e focali- participem – ou ao menos se sintam participantes
zado, dificultando uma representação consistente de – dos jogos de sociabilidade. Esses novos condicio-
direito à cidade e de cidadania. namentos implicam, também, que o campo de ações
Nessa concepção, as privações pelas quais boa dos sujeitos contemporâneos é plural, o que inclui
parcela da população das cidades contemporâneas, mesmo a sociabilidade configurada em condições de
relacionadas ao acesso desse modelo de idealidade e privação social, como na pobreza ou nos processos

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de exclusão. Essa condição impõe uma constante critérios de comunidade e seus padrões de sociabili-
necessidade de refletir e redefinir ações sociais na dade, configurados nos processos de exclusão terri-
esfera acadêmica ou governamental, atentando aos torialmente definidos nas cidades.

Notas 6. Ou seja, as classes trabalhadoras foram substituídas pe-


los sindicatos e outras organizações classistas, a burguesia e
1. Da perspectiva do Estado totalizante, Marcuse (1967, p. sua expressão capitalizada, na forma do empresariado, foram
25) afirma que se trata de “uma coordenação técnico-eco- substituídas pelo mercado, e o Estado foi substituído pela
nômica não terrorista que opera através da manipulação competição partidária na disputa pelos governos.
das necessidades por interêsses adquiridos”, que “se afirma 7. Esse último aspecto está considerado no texto de Hi-
através dos seus podêres sôbre o processo mecânico e sô- lary Silver, na mesma coletânea, intitulado Reconceptualizing
bre a organização técnica do aparato” produtivo. Ao mesmo social disadvantage: three paradigms of social exclusion, no qual o
tempo, esse Estado busca produzir uma gama muita extensa autor identifica 25 categorias de indivíduos caracterizados
de informações sobre as necessidades dos indivíduos, que o como excluídos, nos estudos das décadas de 1980 e 1990,
capacita a controlar melhor os mesmos. na Europa.
2. Essa idéia se aproxima da concepção de “situação de clas- 8. Jung Mo Sung utiliza o conceito de sujeiticidade em subs-
se”, em Weber ([s.d.], p. 212), expressa “mais sucintamente tituição ao de subjetividade, para aproximar a sua discussão
como a oportunidade típica de uma oferta de bens, de condi- ao pensamento de Hinkelanmert (1988).
ções de vida exteriores e experiências pessoais de vida, e na
medida em que essa oportunidade é determinada pelo volu- 9. Ewald (1995), ao apresentar o estudo de Rosanvallon,
me e tipo de poder, ou falta deles, de dispor de bens ou ha- afirma que o Estado-providência clássico é ineficaz no
bilidades em benefício de renda de uma determinada ordem combate à exclusão e que ele funciona “segundo uma lógica
econômica. A palavra ‘classe’ refere-se a qualquer grupo de da amplificação das injustiças pelo engendramento de uma
pessoas que se encontrem na mesma situação de classe”. O sociedade dual. [...] o Estado providência clássico [...] não
destino dos sujeitos de uma dada classe social seria “determi- pode mais pretender ser um princípio do contrato social,
nado pela oportunidade de usar, em proveito próprio, bens e ligar a sociedade a ela mesma, na medida que ele associa
serviços no mercado” (WEBER, [s.d.], p. 214). apenas uma fração da sociedade”. Segundo o autor, “a per-
cepção dos riscos sociais, como sua realidade, mudou”. Os
3. Santos apropria-se da idéia formulada por F. Perroux,
indivíduos reconhecem que o principal risco não é mais o
segundo a qual uma estrutura “se define por uma ‘rede de
de perderem rendimentos em casos de infortúnio, mas o de-
relações, uma série de proporções entre fluxos e estoques de
unidades elementares e de combinações objetivamente signi- semprego e a exclusão que segue dele; reconhecem o prin-
ficativas dessas unidades’” (Santos, 1997, p. 16), para ar- cípio de sua organização não mais na defesa da condição
gumentar que “as estruturas [...] são formadas de elementos salarial, segundo uma lógica dos direitos e das liberdades,
homólogos e de elementos não homólogos. Entre as primei- mas na procura de uma garantia do trabalho; reconhecem
ras estão as estruturas demográficas, econômicas, financeiras, que o risco da exclusão não atinge somente “populações
isto é, estruturas da mesma classe e que, de um ponto de identificadas pelos status sócio-econômicos largos, como o
vista analítico, podem-se considerar como estruturas simples. assalariado, mas a indivíduos em função de histórias e de
As estruturas não homólogas, isto é, formadas de diferentes percursos sempre singulares”.
classes, interagem para formar estruturas complexas. [...] A 10. Esses acordos afetaram a dinâmica das relações de soli-
realidade social, tanto quanto o espaço, resultam da interação dariedade que vinham se configurando entre os coletores, e
entre todas essas estruturas” (Santos, 1997, p. 16-17). destes com os comerciantes, gerando formas de competição
4. Lembre-se da distinção que Habermas (1990) elabora en- encobertas por uma argumentação de pretensa urbanidade,
tre mundo vivido e mundo sistêmico. No primeiro, marcado no controle dos horários dos coletores.
pela reprodução simbólica (interação) o autor refere-se à ex- 11. A equipe de pesquisadores do projeto aplicou um ques-
periência comum a todos os indivíduos “atores”, na qual se tionário às famílias residentes nas áreas, respondido pelo
reflete o óbvio e o questionamento do feito das certezas, que membro que se apresentava como responsável pela casa. O
são possíveis a partir da ação comunicativa. Já no segundo questionário levantava informações para a caracterização so-
se realiza a razão instrumental, objetivada nos subsistemas cioeconômica da população e as demandas sociais locais. Os
econômico e político, que desenvolvem mecanismos auto-re- dados coletados foram tabulados considerando-se as catego-
guladores, o dinheiro (capital) e o poder (burocracia), e que rias de gênero, cor e renda. Foram pesquisadas seis áreas em
permite a “integração sistêmica”. Essa distinção é também três cidades: Taubaté, Campos do Jordão e Ubatuba, num
discutida em Freitag (1990). total de 261 questionários. Para a análise aqui apresentada,
5. Perceba-se que, para cada uma dessas formas gerais po- foram considerados os dados de 165 questionários, referen-
dem-se constatar também modos distintos de efetivação do tes a três áreas, duas localizadas em Ubatuba e uma em Cam-
controle social. pos do Jordão.

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134 José Rogério Lopes

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José Rogério Lopes


Pedagogo, Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP e Professor Titular do
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais na Universidade Rio dos Sinos – Unisinos/RS.
(jrlopes@unisinos.br)

Artigo recebido em 22 de fevereiro de 2006.


Aprovado em 19 de abril de 2006.

Como citar o artigo:


LOPES, J.R. Exclusão social, privações e vulnerabilidade: uma análise dos novos condicionamentos sociais. São Paulo em
Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 20, n. 1, p. 123-135, jan./mar. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>;
<http://www.scielo.br>.

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 1, p. 123-135, jan./mar. 2006

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