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Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008

ISBN - 978-85-61621-01-8

O ensino de História da América na educação básica:


reflexões a partir de livros didáticos e obras utilizadas em escolas públicas no Oeste
do Paraná

Paulo José Koling1

Resumo
O texto tem o propósito de analisar como o tema das sociedades ameríndias pré-hispânicas
e o da conquista espanhola são abordados nos livros didáticos de História adotados nas
escolas públicas, da educação básica, no Oeste do Paraná, e em obras paradidáticas.
Considerando que as escolhas dos livros de História podem variar por escola ou serem
substituídos a cada ano, optamos por selecionar duas obras já utilizadas e duas em uso
neste ano. Com relação à qualidade dos textos, é oportuno situar os autores e as obras de
referências, afora a localização dos temas no livro didático. Ao tratarem das sociedades
ameríndias antes de 1492, de 1519 e de 1532, alguns autores incluem fragmentos de fontes
históricas dos povos locais, como a do Popol Vuh. O livro didático de História - 6ª série, da
Joelza Rodrigue apresenta uma adaptação de parte do Popol Vuh que trata da origm do
homem maia, porém em várias passagens seu conteúdo não condiz com a versão de Adrián
Recinos. Jacques Soustelle, ao tratar da história e da ascensão social entre os astecas,
introduziu um juízo de valor européia para a riqueza, enquanto valor universal. Apesar das
revissões já realizadas sobre os antes, ainda predomina uma visão deficitária das
sociedades ameríndias e do processo da conquista européia.

Palavras-Chave: Ensino de História da América. Livro didático. Oeste do Paraná.

Situando a temática

As discussões sobre o ensino de História, em particular o da História da América, e


sua relação com o livro didático, sobre a realidade da escola e da sala de aula, além das
condições de trabalho dos professores vêem crescendo nos últimos anos e passam por
revisões críticas. Junto a estas questões também se inclui a relação que há entre os cursos
de graduação de História e a atuação do professor-historiador (graduando ou profissional)

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Doutor em História pela PUC/RS. Professor efetivo na Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE), Campus de Marechal Cândido Rondon. E-mail: pjkoling@unioeste.br

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na escola. Obviamente que o debate não se reduz à mera iniciação para o ensino nas
atividades que envolvem o estágio supervisionado, momento em que o aluno de graduação
volta para a escola, na condição de iniciante no ofício, e vivencia os problemas do
ambiente escolar e dos conteúdos do livro didático de História. Como bem situou Leandro
Karnal (2005, p. 9), o ensino de História, enquanto “fazer histórico”, requer uma dupla
renovação: “do objeto em si e da ação pedagógica” (KARNAL, 2005, p. 8-9). Tanto o
conhecimento histórico quanto o ato de ensinar História têm historicidade, seja pelos
sujeitos envolvidos como pela construção da ciência da História.
Enquanto ação educativa o ensino de História condensa ações anteriores que
potencializam, ou não, sua capacidade para elaborar uma crítica ao conhecimento já
produzido, por exemplo, àquele apresentado nos livros didáticos de História, ou para
analisar as fontes, compreender a ação dos sujeitos e a dimensão da história. Para ser um
pensar e fazer (MATTOS, 1998) o ensino requer, primeiramente, pesquisa histórica. Em
outras palavras, pode-se dizer que para poder fazer o ensino, antes, é preciso saber e saber
ensinar. Neste sentido, os limites do livro didático podem ser redimensionados, pois,
enquanto material utilizado na educação básica – que apresenta uma abordagem da história
–, seu uso não dispensa a crítica. Esta crítica, necessária, por sua vez, possibilita a reflexão
sobre a história (objeto/fonte – sujeito/historiador – conhecimento), na qual os próprios
alunos podem perceber-se enquanto sujeitos de suas histórias e fazedores e revisores do
conhecimento sobre a história.
Com relação ao objeto em discussão, relacionado aos temas das sociedades
ameríndias pré-hispânicas e da conquista espanhola abordados nos livros didáticos de
História e em obras paradidáticas, bem como das fontes analisadas, foram selecionados
quatro obras que foram e/ou são utilizadas nas escolas públicas estaduais, em séries do
ensino fundamental e médio, pertencentes aos Núcleos Regionais de Educação de Todelo,
de Cascavel, de Foz do Iguaçu e de Assis chateaubriand, localizados no Oeste do Paraná,
pois os mesmos correspondem a região de abrangência do Curso de Graduação de História,
da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Marechal
Cândido Rondon. Já com relação aos materiais paradidáticas foram priorizadas duas obras.
A presente análise não tem o propósito de, simplesmente, afirmar ou negar a
importância do livro didático, mas, sim, de percebê-lo como um texto que trata da história
e, em muitos casos, por permanecer como leitura básica da disciplina na formação dos
estudantes (FERNANDES e MORAES, 2005, p. 143-144). Assim, durante o oficio de

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ensinar cabe ao professor-historiador situar, dentre outras questões: os meandros da visão


de mundo e de história que os autores dos livros didáticos apresentam em suas obras; que
relações estabelecem entre a teoria e a prática histórica, o processo histórico e a produção
do conhecimento histórico; e, como dialogam e utilizam as fontes e linguagens históricas.
Tratando-se do ensino de História da América no Brasil, ainda predomina a visão
de que a América, da qual o Brasil faz parte, não tem história, mas entra para a história a
partir da Europa. Basta verificar o índice dos livros didáticos para se perceber que não há
uma nem várias histórias das Américas, como afirma Eduardo Natalino dos Santos (2002,
2004), e sim uma expansão européia que, a partir 1492, conquista e ocidentaliza terras e
povos deste continente. A invenção da(s) América(s) permanece, enquanto produto
europeu, na produção historiográfica que reproduz, desde os cronistas, uma história do
Ocidente, inclusive quando trata dos temas das sociedades ameríndias antes de 1492 ou
suas ações durante o processo da conquista. Além dos limites que demarcaram a
historiografia que versa sobre alguns destes temas – inação dos indígenas, anacronismo,
eurocentrismo, determinismo, arcaismo e inferioridade –, já indicados por Héctor Bruit
(1991) e Luiz Fernandes e Marcus de Morais (2005), verifica-se, em específico num dos
textos didáticos, um problema seríssimo: o uso indevido e improcedente do Popol Vuh.

Sobre os livros didáticos e as obras selecionadas

Para o momento, optou-se por selecionar quatro livros didáticos, sendo dois para
cada nível de ensino: o fundamental (6ª série) e o médio, respectivamente. Outro elemento
considerado foi o período de uso destes livros da disciplina de História nas escolas: para
cada um dos dois níveis de ensino foram utilizados duas obras, sendo uma utilizada em
ano(s) letivo(s) anterior(es) e a outra encontra-se em uso no ano de 2008.
No âmbito deste artigo não há espaço para realizar uma análise das políticas
públicas educacionais do governo federal e estadual paranaense relacionadas ao livro
didático, tampouco dos encaminhamentos adotados pelos órgãos competentes (MEC,
SEED, Núcleos Regionais de Educação e Direções das escolas) e a participação dos
professores nos procedimentos de escolha. Todavia, cabe indicar que o mercado editorial e
as relações estabelecidas entre as instâncias governamentais e as editoras e destas com os
autores são elementos formadores do campo de ação dos livros didáticos.

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Do ensino médio foram selecionados os livros do Gilberto Cotrim (2005), História


Global: Brasil e Geral – Volume Único, em uso no ano letivo de 2008; e a obra organizada
pela Secretaria de Estado de Educação do Paraná (SEED/PR) (2006), História – Ensino
Médio, adotada em todas as escolas públicas no Estado do Paraná durante o ano letivo de
2007.
Há anos Gilberto Cotrim é um autor conhecido nacionalmente e seus livros também
circulam nas escolas em várias partes do país. Cotrim, além de ser graduado em História
pela USP, fez Direito e tem registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e é mestre
em Educação, Arte e História da Cultura, pela Universidade Mackenzie. Um indicativo
sobre o seu trânsito entre os autores de livros didáticos pode ser visto pela função que
exerceu na Associação Nacional de Autores de Livros Didáticos, tendo exercido a
presidência da entidade.
A obra organizada pela SEED/PR teve autoria coletiva e resultou de um projeto
desenvolvido pela Secretaria durante o ano de 2006, sendo o livro da área de História
exemplar da disciplina para a primeira edição do Livro Didático Público. Seis professores
de História da rede estadual – Altair Bonini, Fábio de Oliveira Cardoso, Marli Francisco,
Siumara Sagati, Sueli Dias e Vanderleia Canha –, contaram com o apoio da Divisão do
Livro Público da SEED e com a assessoria de professores de História de universidades
estaduais para produziram textos de História, vinculados ao “Folhas” (artigos temáticos
submetidos à avaliação de pareceristas e disponibilizados na página da SEED, que
contavam pontos para os autores ascenderem na carreira do magistério) da SEED que
integraram a obra. Este livro foi organizado a partir de quatro temas centrais (trabalho
escravo e trabalho livre, urbanização e industrialização, o estado e as relações de poder e
movimentos sociais, políticos e culturais: relações de dominação e resistência) e de três
conteúdos estruturantes (relações de trabalho, com 7 capítulos/textos de artigos Folhas;
relações de poder, com 5 capítulos; e, relações culturais, com 7 capítulos). Conforme seus
organizadores e autores, este projeto, de iniciativa da SEED/PR, tinha o propósito de
disponibilizar livros didáticos públicos (em todas as áreas), cuja abordagem superasse a
visão da “História Tradicional” e fosse orientando a partir das novas tendências
historiográficas (marxismo inglês e nova história cultural), bem como a intenção de romper
com o mercado editorial privado. Fábio de Oliveira Cardoso, à época, graduado em
História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), foi o autor dos dois
capítulos/textos Folhas que trataram das sociedades ameríndias, um vinculado às relações

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de trabalho e o outro às de poder. Nos textos sobre relações culturais não houve referência
aos temas. A princípio, considera-se que o projeto SEED/PR tem méritos nos seus dois
aspectos (livro didático público e crítica à História Tradicional) e limites, pois os textos
sobre as sociedades ameríndias apresentam juízo de valor ocidental e erros históricos.
Do ensino fundamental, os dois livros didáticos selecionados foram: a obra coletiva
organizada pela própria Editora Moderna (2006), Projeto Araribá: História – 6ª Série, que
contou com cinco autores e um consultor, adotado no ano letivo de 2008 em várias escolas
da região; e, o livro da Joelza Ester Rodrigue (2001), História em Documentos: imagens e
texto 6 – ensino fundamental, que foi utilizado em anos letivos anteriores.
A iniciativa da Editora Moderna, com o Projeto Araribá: História, indica um dos
elementos do mercado editorial e os interesses na produção e fornecimento de livros
didáticos para a rede pública, a exemplo do que o Grupo Positivo, dentre outros, faz em
escolas da rede privada de ensino. Dentre os cinco autores, Maria Raquel Apolinário
Melani, Maria Dolores Pérez Vasconcelos, Vitória Rodrigues e Silva, João Carlos Agostini
e Cândido Domingues Granjeiro, as duas primeiras foram editoras da obra e, pelo visto,
mantinham vínculos com a Editora Moderna. Já Fábio Duarte Joly (graduado em História,
mestre e doutor em História Econômica pela USP, e professor efetivo na Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB) foi contratado pela Moderna como consultor e
revisor do livro.
Já Joelza Ester Rodrigue, bacharel em História pela USP e, em 2001, mestranda em
História Social pela PUC/SP, é outra famosa autora de livros didáticos de História para
várias séries que circulam nacionalmente.
Com relação às obras especializadas ou paradidáticas em História da América, foi
selecionado o livro de Jacques Soustelle (1990), Os Astecas na Véspera da Conquista
Espanhola¸ muito utilizado como referência para o estudo dos mexicas no período anterior
a 1519, do qual foi destacado apenas um elemento: sua visão sobre os pochecas.
Outra referência analisada é a obra de Irene Nicholson (1987), México e América
Central, na qual a autora apresenta comentários axiológicos e fragmentos de fontes de
povos mesoamericanos, definidos por ela como mitos e lendas, que inclui o Popol Vuh. A
obra da Nicholson não é muita conhecida no Brasil, porém, por ter sido utilizada por Joelza
Rodrigue como referência ao Popol Vuh maia, foi necessário confrontar o texto da Joelza
com o da Nicholson, afora o cotejamento com a edição do Popol Vuh publicada por Adrián
Recinos (1947).

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As sociedades ameríndias pré-hispânicas e a conquista espanhola

Os autores dos livros didáticos reproduzem muitos elementos da abordagem da


história tradicional quando tratam, por exemplo, de temas sobre a história dos povos
ameríndios antes de 1492 e da conquista espanhola. Obviamente que pelo simples fato de
abordarem a história de outros povos, não-europeus, não deixariam, magicamente, de ver
os outros com olhos não-ocidentais. Os textos de Pierre Clastres (1990) e de Tzvetan
Todorov (1988) são instigadores para este assunto. Mais recentemente alguns historiadores
brasileiros, a exemplo de Eduardo Natalino dos Santos (2002) e Alexandre Guida Navarro
(2005), que se especializaram sobre a história dos povos ameríndios, estão apontando para
a necessidade de uma revisão historiográfica e de uma releitura das fontes produzidas em
período pré-hispânico e colonial, principalmente os códices e as obras de cronistas do
século XVI, que tenham como ponto de partida as visões de mundo dos povos ameríndios.
É fundamental que esta revisão envolva o ensino de História na educação básica e faça
parte da formação do professor-historiador (SANTOS, 2004).
Os textos temáticos apresentados nos livros didáticos e nas obras selecionadas para
este artigo ainda preservam muitos elementos da visão ocidental e cristã ao tratarem das
sociedades ameríndias pré-hispânicas e da conquista espanhola. Além de pequenas gafes,
as situações mais graves verificadas, nestes textos, implicam em erros históricos crassos e
o uso e a referência indevida de fontes.
Gilberto Cotrim (2005, p. 178), por exemplo, incorporou, em seu livro, o debate
sobre se a presença européia pós-1492 foi descobrimento ou conquista. O autor segue o
assunto com uma citação de Tzvetan Todorov, para afirmar a conceituação da conquista e
invasão, porém tratou o lingüista como historiador e sequer apontou para a importância da
interdisciplinaridade e a questão do outro (alteridade) no estudo-ensino da História da
América. Ao tratar da conquista espanhola dos astecas, Cotrim mantém a centralidade em
Hernán Cortés e Montezuma e na visão do Estado e do poder personificado: “Combinando
violência e habilidade, [Cortés] prendeu o imperador asteca, Montezuma, e saqueou a
cidade de Tenochtitlán” (COTRIM, 2005, p. 180).
Fábio de Oliveira Cardoso (In: SEED/PR, 2006), ao discutir as relações de
trabalho, no folhas “O mundo do trabalho em diferentes sociedades”, com base no verbete
teocracia de Norberto Bobbio, citado num box, tratou do caso do Egito Antigo e, na

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seqüência do texto, apresentou outros exemplos de sociedades teocráticas: as sociedades


pré-colombianas astecas, mais e incas.
Alexandre Guida Navarro (2005), em seu artigo Quetzalcóatl e a Arqueologia, fez
uma revisão sobre a força da tradição que a arqueologia norte-americana novecentista
produziu ao definir, conceitualmente, o que é uma sociedade teocrática (relação entre
religião e estado) na visão ocidental e cristã. A partir da reflexão de Navarro é preciso
revisar o sentido dado à religião e às deidades para os mesoamericanos e se a definição
teocrática tem relevância histórica para estas sociedades.
Já quando Fábio Cardoso abordou os maias perdeu-se em meio a um anacronismo:
“(...) A desintegração desta sociedade ocorreu durante a chegada dos espanhóis devido a
um processo contínuo de urbanização que destruiu seus meios de subsistência agrícolas”
(In: SEED/PR, 2006, p. 34).
O Projeto Araribá: História tem algo fora do comum, pois seus autores dedicaram
nada menos do que 20 páginas para a América, que repentinamente surge no índice da
História do Ocidente a partir da expansão européia. No entanto, o título do capítulo “O
Encontro entre Dois Mundos” já diminui o elogio inicial e o texto está pipocado com
juízos de valor civilizatório. Ao tratarem das “grandes civilizações da América”, os autores
reproduzem a visão deficitária e do atraso que Clastres (1990) problematizou ao analisar
as sociedades primitivas: “A domesticação de animais, o domínio da metalurgia e a criação
da roda demoraram a ocorrer na América. Segundo historiadores, esses fatos limitaram o
desenvolvimento de certos setores, como o de transporte, por exemplo (EDITORA
MODERNA, 2006, p. 137).
Elementos da visão ocidental estão presentes mesmo quando os autores fazem
referência, em tese correta, ao que representava o sistema tributário: “Os tributos pagos aos
chefes astecas na forma de produtos (como ouro e cacau) possibilitaram transformar
Tenochtitlán em uma grande e bela cidade” (EDITORA MODERNA, 2006, p. 138).
Evidentemente que as práticas tributárias fundamentavam o domínio político, motivavam
guerras e acordos de aliança e as desigualdades sociais, porém, qual produto tinha mais
valor ou prestígio social: as penas de quetzal (?), os objetos de insígnias do tlatoani, dos
grandes sacerdotes e dos guerreiros águias e jaguares (?), os perfumes (?), as peças de
vestuário dos pipiltin ou dos macehualtin? Para não entrar nesta seara é preciso indagar o
destaque dado ao ouro e ao cacau enquanto produto do tributo! Parece que o valor

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econômico e financeiro do ouro e o gosto pelo chocolate reforçam a indicação destes tipos
de produtos.
Com relação aos erros históricos, ao invés de indicarem que os mexicas se
estabeleceram numa das ilhas do Lago Texcoco, em 1325, os autores afirmam,
equivocadamente, que: “Em meados do século XIV, os astecas fixaram-se em uma área
próxima ao Lago Texcoco, região do atual México, onde fundaram a cidade de
Tenochtitlán” (EDITORA MODERNA, 2006, p. 138).
Para o caso incaico a comparação ou semelhança com o Egito antigo não representa
singularidade ameríndia: “Quando o Sapa Inca morria, suas mulheres e servos eram
sacrificados e seus corpos eram depositados, junto ao dele, no Templo do Sol. Como no
Egito antigo, empregavam-se técnicas de mumificação dos mortos” (EDITORA
MODERNA, 2006, p. 142). A força da tradição da história Ocidental exige que qualquer
referência à teocracia, às pirâmides e às práticas de mumificação tem que passar pelo
modelo egípcio (SANTOS, 2004).
Outra gafe desta obra está presente na discussão sobre a conquista. Ao
apresentarem as hipóteses que foram formuladas para explicar a relativa facilidade com
que Cortés conquistou os astecas, os autores não se preocuparam em indagar se havia ou
não contradição entre uma indicação e outra. Pela seqüência do texto começam
apresentando a hipótese da superioridade da tecnologia militar dos espanhóis, seguem com
a indicação da ajuda de aliados locais, passam para a contaminação dos astecas por
doenças e finalizam com o fato de que os astecas imaginavam que os espanhóis eram
deuses. Ora. A princípio nenhuma das hipóteses é negada pela historiografia atual, apesar
de ter havido muitas diferenças nos enfoques e relativização de uma ou de outra ao longo
da história, principalmente a do ferro e a pólvora ou a das epidemias.
Um questionamento, inicialmente irrelevante, pode indicar, para este caso, um
elemento sutil que só vê os ocidentais, qual seja: o da contaminação dos astecas por
doenças. Ao explicar a hipótese, e não se trata de um caso isolado, os astecas em México-
Tenochtitlán, os autores do Projeto Araribá expõem que: “Sem proteção natural contra
doenças como varíola, tuberculose e gripe, trazidas pelos europeus, grande parte dos
astecas adoeceu e morreu, facilitando a conquista” (EDITORA MODERNA, 2006, p. 145).
Resta saber o que imunizava os aliados locais, como os tlaxcaltecas e os cempoalas, das
doenças européias!

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Além de contrabalançar a superioridade da tecnologia militar (ferro e pólvora) dos


europeus pela superioridade numérica dos membros da Tríplice Aliança e as novas
estratégias de ação e defesa que os mexicas adotavam, sobre este detalhe das epidemias
Carmen Bernand e Serge Gruzinski comentam que: “(...) se as epidemias de varíola já
estavam dizimando as tropas de México-Tenochtitlán, também não poupavam os índios de
Tlaxcala ou de Texcoco, que apoiavam os espanhóis” (BERNAND & GRUZINSKI, 1997,
p. 351).
Vejam que no Projeto Araribá a hipótese da ajuda dos aliados locais é seguida pela
da contaminação dos astecas por doenças européias! Percebe-se que o texto didático,
enquanto conhecimento histórico, não passa pelo crivo da história. Pela lógica da teoria
(hipóteses) só os astecas eram contaminados e padeciam das doenças! Como as hipóteses,
teóricas, estão separadas, fragmentadas, elas não se misturam e não se contaminam. Será
que os professores de História e os alunos das 6ª séries também são imunizados contra o
vírus da cisão entre teoria e história?
Por fim, o último livro didático selecionado foi História em Documentos: imagens
e texto, de autoria da Joelza Ester Rodrigue, indicado para a 6ª Série do Ensino
Fundamental. Entre as 12 páginas do Capítulo 9 – Quais foram as grandes civilizações da
América? Maias, Astecas e Incas, verifica-se grandes problemas. Com freqüência alguns
autores de livros didáticos usa o recurso de apresentar um box numa das colunas laterais
das páginas com o vocabulário dos termos mais difíceis citados no texto, que, em tese, tem
a finalidade de auxiliar para o entendimento dos alunos. Entretanto, em um destes casos a
Joelza Rodrigue foi muito infeliz. Ao apresentar os astecas, guerreiros dos deuses, a autora
sombreou, com fundo em amarelo, o termo mercenário que reforçava o caráter guerreiro e
a história dos mexicas no Vale do México, conforme segue:

Os astecas eram caçadores e coletores nômades que, por volta do


século XIII, penetraram no vale do México e serviram como
guerreiros mercenários para alguns povos que ali viviam. Depois,
aplicaram a experiência militar que adquiriram para derrubar seus
antigos senhores (RODRIGUE, 2001, p.120).

A releitura da passagem piora quando o leitor agrega a conceituação do termo


mercenário indicado no vocabulário: “mercenário: soldado que luta em troca de pagamento
ou recompensa” (RODRIGUE, 2001, p. 121). Isto simplesmente torna a referência cômica,
pois os astecas passaram a ser soldados mercenários.

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Ao referir-se aos incas e suas práticas de uso e repartição das terras, Joelza aplica
literalmente o raciocínio matemático, além de estabelecer a gratuidade do trabalho na
prestação da mita.

As terras conquistadas eram divididas em três partes: um terço para o


Inca, outro para o deus Sol (administrado pelos sacerdotes, mas que,
na prática, eram do imperador) e o terço restante para os agricultores
e suas famílias. Os adultos deviam prestar um certo tempo de
trabalho gratuito para o Inca e os deuses, cultivando as terras deles,
produzindo objetos artesanais ou construindo e conservando pontes,
estradas, edifícios públicos. Esse trabalho gratuito chamava-se “mita”
(RODRIGUE, 2001, p. 124, grifo nosso).

Estes equívocos não são as piores passagens do texto da autora que mistura
anacronismo com lógica matemática. O caso do Popol Vuh transcende os anteriores e
merece uma discussão específica. Na realidade, a partir de várias referências e/ou leituras
de fontes, ela montou um quebra-cabeça, ou melhor, retalhou peças para montar uma
figura sem pé nem cabeça.

Popol Vuh: a invenção de uma fonte “maia”

O primeiro assunto que Joelza Rodrigue apresentou no capítulo sobre as sociedades


ameríndias diz respeito ao fato de restarem “muitas tradições e mitos” contados pelos
“camponeses da Guatemala e do sudeste do México” (RODRIGUE, 2001, p. 116). Em
duas páginas a autora expôs uma adaptação da passagem do Popol Vuh que trata das várias
criações dos homens maias. Joelza, no entanto, forçou na montagem da adaptação do mito
e no uso das fontes. Ao final do assunto cita a autora e a referência utilizada: “Adaptado do
Popol Vuh, livro sagrado maia. In NICHOLSON. Irene. México e América Central,
Biblioteca dos Grandes Mitos e Lendas Universais. Lisboa: Verbo, 1987” (RODRIGUE,
2001, p. 117). Na realidade, o título da obra é México e América Central e pertence a
coleção “Biblioteca dos Grandes Mitos e Lendas Universais”.
É provável que Joelza Rodrigue tenha utilizado outra referência para tratar das
quatro tentativas de criação dos homens maias, realizadas pelos quatro senhores do céu,
pois, a seqüência das criações não coincide com o capítulo em que Irene Nicholson (1987)
tratou das criações.
Na adaptação que a Joelza fez de Nicholson, ela reproduziu o que seria a primeira
criação (homens feitos de lama) e a segunda (homens feitos de madeira), bem como suas

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destruições. Também manteve a seqüência de Nicholson ao tratar da criação dos homens


de ouro, mas usa outra fonte para tratar da quarta criação, dos quatro homens feitos com o
milho branco e amarelo.
Continuando a descrição do mito, Joelza recupera o texto de Nicholson ao tratar da
relação produzida entre os quatro senhores e os homens e entre os homens de ouro (ricos) e
os homens de milho (pobres).
A edição do Popol Vuh, organizada pelo Adrián Recinos (1947), considerada a
mais confiável, nas partes iniciais trata da origem das coisas e dos alimentos, do jogo de
bola e do inframundo de Xibalbá (cf. SANTOS, 2002), nas quais constam as duas
primeiras criações e destruições do(s) homem(ns), feitos de lama e de madeira,
respectivamente. Todavia em todo o Popol Vuh não há menção à criação dos homens de
ouro nem da coexistência destes com os homens de milho.
Para um entendimento desta mistura que Joelza Rodrigue fez é preciso ler a obra da
Irene Nicholson. Na verdade, no capítulo sobre os homens de ouro Nicholson não está
dialogando com o Popol Vuh, mas sim com uma fonte muito distinta: uma publicação de
um novelista mexicano, Rosário Castellanos, que escreveu sobre historietas, memórias
inventadas ou reinvenções de mitos, ouvidas na infância e relatadas por sua ama:

Voltemos agora ao tema do homem que para ser um verdadeiro


homem, tem de louvar o seu criador. Acerca disto encontramos uma
deliciosa versão da autoria do novelista mexicano Rosário
Castellanos e que ele nos transmite através das palavras de sua ama
de infância. Está provavelmente tão perto quanto possível do relato
oral feito pela iletrada, mas sensata e culta velhinha. A história
merece ser transcrita na totalidade devido à sua beleza e humanidade,
e ainda porque constitui uma prova de que os velhos mitos ainda
vivem na mente dos camponeses do Sudeste do México e da
Guatemala – regiões que outrora faziam parte do território maia
(NICHOLSON, 1987, p. 65).

Um segundo ponto a ser esclarecido é o da origem dos homens de ouro. Neste caso,
é mais apropriado usar a citação da passagem do texto da Irene Nicholson:

Os quatro senhores passaram a noite inteira a debater o assunto,


até que, finalmente, o senhor vestido de preto disse:
– Penso que deveríamos fazer um homem de ouro.
Desatou o ouro que trazia embrulhado num lenço e, em conjunto,
modelaram o homem. Um formou o nariz, outro pôs os dentes e o
outro desenhou as orelhas. Depois de terminado fizeram-no passar
pelas provas da água e do fogo, e o homem de ouro ficou ainda mais
bonito e resplandecente do que antes. Então os quatro senhores
olharam uns para os outros com ar satisfeito. Depois pousaram o

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homem de ouro no chão e esperaram que ele os reconhecesse e


louvasse. Mas o homem de ouro não se moveu, nem sequer
pestenejou: ficou em absoluto silêncio. E o seu coração era como o
caroço de um sapoti, muito duro e seco.

A terceira dúvida a ser esclarecida é a relação indicada entre os homens de ouro


(ricos e poucos) e os homens feitos com o milho branco e amarelo (pobres e muitos), que
Joelza Rodrigue reinventou ao utilizar suas fontes.

– O mundo não precisa dessas criaturas douradas – reclamou o


quarto deus, vestido de branco. Elas nunca mexem um dedo e vivem
do trabalho alheio. Homens de verdade merecem a vida se forem
capazes de se sustentarem. Eu vou criar seres assim!
Pegando então a massa de milho branco e amarelo, misturou um
pouco de seu sangue e moldou quatro homens. Eles eram inteligentes
e observadores. Rapidamente aprenderam como plantar, tecer, caçar e
conheceram todos os segredos do mundo. Os deuses ficaram
preocupados, pois os homens se pareciam muito com eles. Temendo
que os homens se tornassem arrogantes e presunçosos, o grande deus
Coração do Céu soprou sobre seus olhos um nevoeiro. E assim é até
hoje: os homens possuem uma inteligência que os animais não têm,
mas vêem tudo como se olhassem através de um vidro embaçado.
Depois disso, os quatro homens entraram em um sono profundo,
enquanto os deuses criavam quatro mulheres. Eles ficaram muito
felizes com as companheiras e geraram os fundadores das grandes e
das pequenas tribos. Os homens de ouro continuaram existindo, mas
eram poucos, ao passo que os homens de milho e sangue cresciam de
forma constante. Eles ofereceram sua comida e suas mantas aos
homens de ouro, que aceitaram, pois achavam-se melhores do que os
outros. Os homens de milho e sangue não se importavam em servir
aos homens de ouro. Vendo aquilo, os deuses chamaram de ricos os
homens de ouro e de pobres os outros. Decidiram que os ricos
deveriam cuidar dos pobres, uma vez que se beneficiavam do
trabalho deles. E fizeram também com que a palavra dos pobres
pesasse no julgamento do rico. Por isso se diz que “um rico só entra
no céu se um pobre o levar pela mão” (RODRIGUE, 2001, p. 116-
117, grifo nosso)

O relato oral que o novelista mexicano Rosário Castellanos publicou a partir de


suas lembranças dos relatos orais de sua ama, não trata da criação dos homens de milho,
mas sim, dos homens de carne, tampouco o embasamento da visão dos quatro primeiros
homens maias é citado no capítulo 6 sobre os homens de ouro. Irene Nicholson trata desta
passagem do Popol Vuh no capítulo 5 de seu livro, ao se referir aos “gêmeos” e à “lenda do
milho”. Estes temas fazem parte do Popol Vuh e podem ser vistos nas edições de Adrián
Recinos (1947) ou na versão de Diego Reynoso (1992) traduzida para o português por
Antonio Augusto Pires Schmidt num formato mais simples e didático, porém, enquanto
códice, a análise do Popol Vuh requer mais profundidade, a exemplo do que fez Eduardo

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Natalino dos Santos (2002). Outro estudo sobre o Popol Vuh pode ser visto na pesquisa de
Diana Abraham (1994).
Irene Nicholson inicia o Capítulo 6, Homens de Ouro, com a indicação da
publicação de Castellanos, mas, no relato oral da “lenda e mito antigo”, incluída numa obra
literária do novelista mexicano, depois da criação dos homens de ouro foram criados os
homens de carne. A sitação que segue precisa ser longa, pois é fundamental para entender
o emarranhado que Joelza Rodrigue construiu em sua adaptação.

– De que material havemos de fazer o homem?


E este último, que não estava vestido de amarelo, nem de
encarnado, nem de preto, pois usava um fato incolor, respondeu:
– Vamos fazer um homem de carne. – E com a sua faca cortou os
dedos da mão esquerda. E os dedos saltaram para o ar e caíram no
meio das coisas, sem nunca terem que passar pelos testes da água e
do fogo. Os quatro senhores mal podiam ver o que os homens de
carne faziam, pois a distância tinha-os reduzido ao tamanho de
formigas. O esforço que fizeram para ver os homens de carne
inflamou os olhos dos quatro senhores, e eles tanto os esfregaram que
ficaram sonolentos. O que estava vestido e amarelo bocejou, e o
bocejo dele fez com que os outros abrissem a boca. Por fim
adormeceram, pois estavam velhos e cansados. Entretanto, os homens
de carne corriam de um lado para o outro como formigas. Já tinham
aprendido quais os frutos que eram comestíveis, com que folhas se
podiam proteger da chuva e quais os animais que não mordiam
Um dia [os homens de carne] ficaram surpreendidos ao ver o
homem de ouro na sua frente. A luz que ele reflectia feriu-lhes os
olhos, e quando lhe tocaram ficaram com as mãos frias como se
tivessem tocado numa cobra. Ficaram à espera que o homem de ouro
falasse. Chegou a hora de comer e os homens de carne ofereceram-
lhe um naco. Chegou a hora da partida e os homens de carne levaram
consigo o homem de ouro. E dia após dia o seu coração foi perdendo
a dureza, até que, finalmente, a palavra de gratidão que os quatro
senhores esperavam subiu aos seus lábios
Os senhores acordaram e ouviram os seus nomes no meio de
salmos de louvor. E olharam, para verem o que tinha acontecido na
terra enquanto estavam a dormir. E aprovaram aquilo que viram. A
partir desse momento chamaram rico ao homem de ouro e pobres aos
homens de carne. E organizaram tudo de forma a que o homem rico
cuidasse dos pobres e lhes desse abrigo, uma vez que era ele quem
beneficiava dos seus actos. E os senhores fizeram também com que
os pobres respondessem pelo rico face à Verdade. Por isso a nossa lei
diz que um rico só entra no céu se um pobre o levar pela mão”
(NICHOLSON, 1987, p. 65-66).

A partir de agora dá para compreender com que cortes e recortes Joelza Rodrigue
inventou uma nova versão ao Popol Vuh: partes do comovente relato oral da sensata
velhinha publicado pelo novelista, partes pinçadas de partes da obra de Irene Nicholson,
outras memórias orais e/ou versões de uma ideologia de base católica que justifica a
origem e os papéis para os pobres (milho e palavra) e para os ricos (ouro e salvação). Não

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bastassem os comentários axiológicos, de caráter eurocentrista e catolicista, de Irene


Nicholson, para quem o Popol Vuh é uma lenda ou mito, digno de estar numa coletânea
universal, a autora do livro didático realizou uma adaptação notadamente a-histórica e a-
crítica. Certamente ela não teve a preocupação de minimamente pesquisar e de ler outras
edições do Popol Vuh.

Pochecas: o espelho da burguesia entre os astecas

No capítulo “História da América: renovação da História da América” que Luis


Fernandes e Marcus de Morais (2005) publicaram na obra História na Sala de Aula,
organizada por Leandro Karnal (2005), os autores situaram a obra de Jacques Soustelle
(1990), Os Astecas na Véspera da Conquista Espanhola, nos debates sobre as correntes
historiográficas da História da América. Além do “sucesso editorial” que a obra fez no país
e a trajetória política de Soustelle, indicados por Fernandes e Morais, o francês, que fugiu
para o Brasil, apresenta uma visão histórica dos astecas espelhada na Europa Moderna.
A base deste modelo soustelliano está em dois elementos: a riqueza, em sua dupla
dimensão econômica (bens, patrimônio e luxo) e cultural (grupo social e ascensão); e a
história da burguesia européia. Pode-se dizer que, para Soustelle, a riqueza tem um valor
universal que se manifesta nela mesma ou que partindo dela envolve os homens,
independentemente do lugar ou do tempo histórico.

Assim, numa sociedade essencialmente guerreira e religiosa, uma


classe mercantil recém-formada estava em franca ascensão. Ela
ainda se achava muito distante da posição alcançada pelos militares e
religiosos e precisava cercar seu ingresso nessa aristocracia de mil
precauções para evitar uma reação brutal. Contudo, o luxo crescente
que ela alimentava nos outros a fazia indispensável, e sua riqueza
tornava-se progressivamente, em suas mãos, uma poderosa
alavanca, à medida que a própria classe dirigente abandonava
definitivamente a vida frugal das gerações passadas.
(...)
Podemos imaginar – com a dose de arbitrariedade que isso comporta
– o que teria acontecido se a invasão estrangeira não tivesse
interrompido essa evolução, destruindo a sociedade e o Estado
mexicanos. Talvez esses “senhores negociantes”, com seus
privilégios, os tribunais particulares, as insígnias honoríficas
concedidas por Auitzotl, tivessem assumido a frente de uma
“burguesia” que, ou seria agregada à classe dominante, ou a teria,
por fim, substituído no poder (SOUSTELLE, 1990, p. 88, grifos
nosso).

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O autor vê nos pochecas o espelho do que foi a burguesia, mas que, no caso, não
chegou a ser, haja vista a chegada dos espanhóis. Além do valor imanente e universal que a
riqueza e o luxo têm, estas “coisas” têm vontade própria, pois tendem e tentam os homens
para a dominação social. Soustelle não chega a esta conclusão abordando o que era a
Europa e o Novo Mundo entre fins do século XV e meados de XVI, para o qual volta seu
olhar na obra analisada, mas, sim, a partir de uma construção retrospectiva que ele fez da
própria história contemporânea. Neste caso, o anacronismo também é duplo. Vê o que
ocorreu na história européia nos séculos seguintes “as revoluções ou reformas burguesas” e
identifica nos pochecas um embrião, abortado, interessados na ascensão social ou na
mudança política (domínio) e cultural (riqueza e luxo).

Após estas análises iniciais dos livros didáticos e das obras selecionadas, ressalta-se
a necessidade do aprofundamento da pesquisa histórica, inclusive para a realização do
ensino de História na educação básica. Imagina-se o “estrago” que a falsificação – neste
caso o argumento da ignorância não tem vez – e o uso indevido de fontes pode provocar
nos alunos e professores que leram ou adotaram acriticamente a obra da Joelza Rodrigue.
Aliás, o caso reforça o valor universal do ouro, enquanto riqueza, luxo e domínio, inclusive
numa fonte, linguagem histórica, sobre o sagrado que ocidentaliza o Popol Vuh, a partir de
uma exegese histórica do catolicismo. O relato da sensata velhinha e a linguagem do
novelista Castellanos podem ser objeto de outra investigação e crítica necessária para
esclarecer melhor o assunto e a miscelânea que Joelza Rodrigue produziu. Para o momento
também é oportuno colocar que na Leyendas de los Soles e nos Anales de Cuahutitlan, do
Códice Chimalpopoca (cf. SANTOS, 2002) não há referência sobre a criação dos homens
de ouro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA:
COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e Geral – Volume Único. 8. ed.; São Paulo:
Savaira. 2005. [3ª Tiragem – 2007]
EDITORA MODERNA. Projeto Araribá: História – 6ª Série. /Obra coletiva/ São Paulo:
Editora Moderna, 2006. Editora Responsável: Maria Raquel Apolinário Melani
PROJETO SEED/PR. História – Ensino Médio. / Vários Autores/. Curitiba: SEED-PR,
2006.
RODRIGUE, Joelza Ester. História em Documentos: imagens e texto. São Paulo: FTD,
2001.

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OBRAS SELECIONADAS:
NICHOLSON, Irene. México e América Central. Lisboa/São Paulo: Editorial Verbo, 1987.
(Biblioteca dos Grandes Mitos e Lendas Universais).
SOUSTELLE, Jacques. Os Astecas na Véspera da Conquista Espanhola. São Paulo: Cia
das Letras/Círculo do Livro. 1990.

POPOL VUH (Edições):


RECINOS, Adrián (Tradución y Introdución).Popol Vuh: Las Antigas Histórias del
Quiche. México: Fondo de Cultura Económica, 1947.
REYNOSO, Diego. Popol-Vul: a origem da antiga verdade pré-colombiana. /Trad. Antonio
Augusto Pires Schmidt/ São Paulo: Ícone, 1990.

OBRAS COM FRAGMENTOS DE FONTES:


LEÓN-PORTILLA, Miguel. Los Antiguos Mexicanos a través de sus crónicas y cantares.
México: Fondo de Cultura Económica, 1992.
_____________; A Conquista da América Latina Vista pelos Índios: Relatos Astecas,
Maias e Incas. Petrópolis: Vozes, 1987.
“Mito de Teotihuacán: As Cinco Idades, o Quinto Sol e a Criação do Homem” In: SUESS,
Paulo (coord.). A Conquista Espiritual da América Espanhola. Petrópolis: Vozes, 1992.

BIBLIOGRAFIAS:
ABRAHAM, Diana Cláudia Martinez de. O Mito maia do primeiro amanhecer no Popol
Vuh: o tema animal e a viagem. Campinas: Faculdade de Educação/Universidade de
Campinas (UNICAMP), 1994. (dissertação de mestrado em Educação)
BRUIT, Héctor Hernan. “América Latina: quinhentos anos entre a resistência e a
revolução” In: Revista Brasileira de História. ANPUH/Marco Zero/CNPq/Fapesp, São
Paulo, Março/1991. v. 10, n. 20 (Reforma e Revolução). p. 147-171
CLASTRES, Pierre. A Sociedade Contra o Estado. 5.ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1990.
FERNANDES, Luis Estevan; MORAIS, Marcus Vinícius de. “História da América:
renovação da História da América” In: KARNAL, Leandro (org.). História na Sala de
Aula: conceitos, práticas e propostas. 3. ed, São Paulo: Contexto, 2005. p. 143-162
KARNAL, Leandro (org.). História na Sala de Aula: conceitos, práticas e propostas. 3. ed,
São Paulo: Contexto, 2005.
LEÓN-PORTILLA, Miguel. “A Mesoamérica antes de 1591” In: BETHELL, Leslie (org).
História da América Latina. São Paulo/Brasília: EDUSP/Fundação Alexandre Gusmão,
1999. v. 1, p. 25-61
MATTOS, Marcelo Badaró (org.). História: pensar e fazer. Rio de Janeiro: Laboratório
Dimensões da História, 1998.

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MURRA, John. “As Sociedades Andinas anteriores a 1532” In: BETHELL, Leslie (org).
História da América Latina. São Paulo/Brasília: EDUSP/Fundação Alexandre Gusmão,
1999. v. 1, p. 63-99
NAVARRO, Alexandre Guida. “Quetzalcóatl e a Arqueologia: uma proposta para a
identificação da natureza do culto na Mesoamérica pré-hispânica durante o Clássico Final
(700-950 d.C.)” In: Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC. Vitória, 2005.
Acessado em 27/03/2008.
http://www.anphlac.org/periodicos/anais/encontro5/ensaio5.pdf.
SANTOS, Eduardo Natalino. Cidades Pré-Hispânicas: do México e da América Central.
São Paulo: Atual. 2004.
_______; Deuses do México Indígena. São Paulo: Editora Palas Athena, 2002.

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