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Um ponto de partida
CAPÍTULO 1
REPRESENTAÇÃO DAS GRANDEZAS FÍSICAS – LEIS DE ESCALA...………………...........1
CAPÍTULO 2
MECÂNICA...........................……………….....................................................15
CAPÍTULO 3
MECÂNICA DE FLUIDOS..........................................……………….....................49
CAPÍTULO 4
TERMODINÂMICA............................................………………............................85
CAPÍTULO 5
ELECTRICIDADE.................................................................……………..........103
CAPÍTULO 6
MAGNETISMO.....................................................……………...............……...141
CAPÍTULO 7
ONDAS...........................................................................………………........171
CAPÍTULO 8
NOÇÕES DE ÓPTICA GEOMÉTRICA...........................................………………....195
CAPÍTULO 9
RADIOACTIVIDADE......................................................…………….................211
Índice
CAPÍTULO 1.
LEIS DE ESCALA
1.1. Introdução
Mas já antes da emergência da biologia molecular, existia na biologia uma forte tradição
biofísica que tentara explicar as propriedades de compostos de interesse biológico em termos
das leis que governam os agregados moleculares. Esta tradição, que chamara a atenção para
a importância dos fenómenos associados ao transporte de cargas eléctricas no estudo das
propriedades das membranas e dos aspectos dinâmicos da organização celular, viria no
entanto a ser suplantada pela biologia molecular.
Bomba de
Na
+
Na
K+
+
K
Bomba de Na
+
Na
Figura 1.1
O mecanismo básico pelo qual a parede da célula modifica a sua permeabilidade aos iões
Na + , bem como aquele que, após a passagem do impulso nervoso, restabelece as
concentrações iniciais dos iões Na + e K+ (bomba de sódio/potássio) não é ainda
completamente compreendido e é objecto actualmente dos esforços de muitos investigadores
em biofísica. No entanto este é um exemplo de um processo fundamental em biologia cuja
compreensão envolve o estudo de fenómenos físicos básicos: electricidade e difusão.
2 Capítulo 1
1.2. Unidades e Dimensões
O resultado da medição de uma grandeza física é dado por um número (valor) e uma
unidade; o valor só por si é insuficiente! É óbvio que se estamos a medir a altura de uma
planta, dizer que a sua medida é 10 não significa nada, visto que tanto pode ser 10 mm (por
exemplo uma gramínia) como 10 m . O número não acompanhado da unidade respectiva não
tem significado. Medir é comparar, e as medidas expressas em determinadas unidades
representam comparações com padrões "standards". As unidades são determinadas por
estes padrões.
10m?
10cm?
Figura 1.2
Para o mesmo tipo de grandeza é possível definir unidades diferentes as quais estarão
sempre relacionadas entre si por um factor numérico.
A distância d entre os extremos do corpo de um animal, por exemplo uma jibóia, é uma
grandeza física com as dimensões de um comprimento (simbolicamente representa-se
[d ] = L ), independentemente de escolher como unidade de comprimento o metro ou o
milímetro. Assim
d = 1m = 1 × 10 3 mm
Da mesma maneira a massa específica de um líquido, por exemplo água, tem dimensões
ML−3 independentemente de ser expressa em kg m −3 ou gl −1 . Por exemplo para a água
ρ = 1 × 10 3 kgm −3 = 1 × 10 3 gl −1
Por vezes definem-se grandezas relativas, sem unidades ou dimensões, cujo valor só tem
significado quando relacionado com a grandeza de referência. Suponhamos a seguinte
Em geral, as dimensões de qualquer grandeza física podem ser expressas em termos das
dimensões de apenas quatro grandezas, i.e., num dado sistema métrico podem ser
escolhidas arbitrariamente quatro grandezas (grandezas fundamentais), podendo as
restantes (grandezas derivadas) ser expressas em função destas.
Isto significa que apenas estas quantidades necessitam de ser definidas, sendo as suas
unidades padronizáveis. De facto, neste sistema são ainda definidas outras quantidades: a
intensidade luminosa e a temperatura.
As unidades de base são grandezas do mesmo tipo das grandezas a medir, e são definidas
por padrões aceites internacionalmente. Estes padrões vão evoluindo, em função da precisão
com que podem ser medidos. Inicialmente o quilograma, o metro e o segundo
encontravam-se referidos à massa de um certo volume de água, à fracção de comprimento
de um meridiano e à fracção do comprimento do dia, respectivamente. No entanto estes
padrões para o comprimento e a massa não eram satisfatórios devido à imprecisão que lhes
estava associada, o que levou a recorrer a objectos únicos: blocos de metal (platina iridiada)
4 Capítulo 1
de comprimento padrão e massa padrão. Contudo a maior precisão das medidas e a
necessidade de ter padrões inalteráveis no tempo e acessíveis em locais diferentes levou a
que os padrões passassem a ser traduzidos em termos de grandezas à escala atómica: O
metro é definido como 1 650 763.73 do comprimento de onda da radiação electromagnética
86
visível no vermelho emitida por um átomo de Kr . O segundo é definido como o tempo de
133
duração de 9 192 631.770 períodos da radiação do Cs para uma certa transição.
No caso da massa, porque a precisão com que se pode medir não é comparável com a
ordem de grandeza das massas atómicas, não faz sentido definir o padrão desse modo. A
massa do quilograma padrão pode ser escrita como a massa de 5.0188 × 1025 átomos do
12
C , mas a precisão com que se pode estabelecer esta relação comporta um erro que é 1020
12
vezes superior à massa do átomo do C . Assim para o quilograma, kg, continua a ser
usado como padrão a massa dum bloco de platina.
As restantes unidades são unidades derivadas e por isso podem ser definidas em termos
das unidades básicas. Por exemplo o newton (N), a unidade de força do S.I., pode obter-se a
partir da massa e da aceleração recorrendo a F = ma logo
1N = 1kgms −2
A necessidade de usar unidades para ordens de grandeza muito variadas levou à criação
de múltiplos e submúltiplos. Os prefixos actualmente aceites, assim como a correspondência
respectiva a potências em 10, encontram-se indicados no quadro seguinte.
(10 )
−1 deci d
(10 )
1
deca da
(10 −3
) mili m
(10 )
3 quilo k
µ
(10 −6
) micro
(10 )
6 mega M
(10 −9
) nano n
(10 )
9 giga G
p
(10 −12
) pico
(10 )
12 tera T
(10 −15
) fento f (10 )
15 peta P
(10 −18
) ato
a
(10 )
18 exa E
Utilizando-se ainda frequentemente outras unidades que não pertencem ao MKSA como
por exemplo
Quando se apresenta o resultado de uma medida está sempre presente a precisão com
que ela pode ser efectuada, o que se traduz directamente na forma como o número aparece,
ou seja, no número de algarismos significativos.
O resultado de uma medida deve expressar, para além do valor obtido, a precisão com
que foi obtido. Essa precisão tem limites que dependem do equipamento e do
6 Capítulo 1
experimentador. A precisão de uma medida é tão importante como a própria medida e cada
experimentador deve dar o resultado da sua medida e uma estimativa da sua precisão.
Para estimar a precisão de uma medida é preciso ter em conta os erros associados.
Existem dois tipos de erros possíveis, os erros sistemáticos e os erros aleatórios.
Os erros aleatórios resultam do próprio processo de comparação e podem ser nos dois
sentidos. São inevitáveis mas o seu valor pode ser controlado e reduzido ao mínimo usando
um número grande de medidas e análise estatística.
Admite-se à partida que os erros são aleatórios, pelo que os valores medidos devem ter
uma distribuição normal em torno do valor real. Por essa razão toma-se a média < x > dos
valores medidos x i , i = 1, ..., N
∑x
i =1
i
< x >=
N
como o valor mais provável. Para estimar o erro utiliza-se a largura σ da distribuição
∑ (x − < x >)
i =1
i
2
σ =
N
ou o desvio padrão
∑ (x − < x >)
i =1
i
2
s=
N −1
que é calculado tendo em conta a perda de um grau de liberdade ao definir a média < x > .
Se realizarmos não uma mas M séries de N medidas, os M valores < x >i (i = 1,...M )
obtidos distribuem-se de acordo com uma distribuição normal de desvio padrão µ = s / N .
É este desvio que se considera o erro associado ao valor médio < x > determinado para um
conjunto de N medidas experimentais
2
∑ (x i − < x > )
µ=
N (N − 1)
< x > ±µ
No caso em que a medida é obtida por comparação com uma escala analógica, considera-
se como erro máximo, metade da menor divisão da escala. No caso em que a medida é obtida
por um aparelho digital, o erro máximo é igual a uma unidade do último dígito que aparece
no visor.
Estas regras aplicam-se quando as flutuações de grandeza medida são desprezáveis face
ao erro máximo definido. Se existem flutuações apreciáveis toma-se como erro máximo ∆x a
largura dessas flutuações.
Em qualquer dos casos, obtemos como resultado de uma medida x ± ∆x . Vejamos como é
que o erro que afecta a grandeza x se propaga para uma grandeza que depende de x . Este
problema traduz-se em calcular ∆f para uma função f (x ) quando x varia de ∆x .
∆f df
O quociente aproxima-se, para valores muito pequenos de ∆x pela derivada de
∆x dx
modo que temos
df
∆f = ∆x
dx
Como o que se pretende é o erro máximo em f e não nos interessa se esse erro é por
excesso ou por defeito toma-se o módulo da variação
df
∆f = ∆x
dx
dp
∆p = ∆x = π ∆x
dx
8 Capítulo 1
∂f ∂f
∆f = ∆x + ∆y
∂ x y ∂y x
As dimensões físicas do erro que afecta uma dada grandeza têm que ser as mesmas
dimensões físicas da grandeza.
Quantidade de
água diária/l
1,0
0,8
0,6
0,4
0,2
0,0
100 200 300 400 500
número de plantas
Figura 1.3
A Figura 1.3 representa a quantidade de água de rega necessária numa estufa em função
do número de plantas. Neste exemplo, a relação de dependência da variável y na variável x
é de facto aproximadamente linear.
log N (t)
Figura 1.4
−t
O decaimento de núcleos radioactivos rege-se por uma lei do tipo N(t) =N0 e τ em
que N 0 é o número inicial de núcleos, t é o tempo e τ é uma constante característica do
decaimento. A Figura 1.4 é uma representação semilogarítmica deste fenómeno. A ordenada
1
na origem é o logaritmo do número inicial de núcleos e o declive k é igual a − .
τ
k
No caso da dependência polinomial y = C x a representação gráfica adequada é a do
logaritmo da variável y em função do logaritmo da variável x (representação logarítmica)
dado que n y = n C + k n x .
Em resumo para cada dependência a representação gráfica faz-se nas variáveis que a
tornam linear.
Apesar de uma tão larga variação de escala (oito ordens de grandeza), no caso de muitas
características e funções dos organismos vivos é possível estabelecer uma relação com o seu
tamanho, e assim aplicar-lhes conclusões tiradas para organismos com dimensões muito
diferentes. A relação entre a função e o tamanho de uma estrutura é essencialmente
10 Capítulo 1
estabelecida pela física dos processos em jogo e o estudo dessa relação denomina-se
"scaling" ou transformação de escala.
L → L' = ΛL
S = L2 → S' = Λ2 S
V = L3 → V ' = Λ3V
em que a letra Λ representa o factor de escala associado à transformação que não tem
dimensões.
F → F' = Λ2 F
p → p' = Λ3 p
F
Em consequência, a força específica f = transforma-se de acordo com
p
1
f → f' = f
Λ
L' 1,8m
Λ= = = 600
L 3 × 10 − 3 m
Suponha-se que uma formiga é capaz de levantar 3 vezes o seu peso, ou seja, que a sua força
específica é
f =3
1 3
f' = f × = = 0,005
Λ 600
Aplicação: Um raciocínio de scaling permite entender a razão pela qual as células se dividem
a partir de uma certa dimensão. É condição de sobrevivência que a razão R entre a quantidade
q d de oxigénio disponível e a quantidade q c de oxigénio consumido seja superior à unidade. A
quantidade de oxigénio disponível, que é proporcional à área da membrana celular, transforma-
se com Λ2 . Por outro lado, o oxigénio consumido no metabolismo celular é proporcional ao
volume celular e portanto escala com Λ3 . Portanto a razão R transforma-se de acordo com
R
R → R' =
Λ
12 Capítulo 1
Suponhamos que numa certa escala L a célula sobrevive. À medida que a célula cresce, a razão
R decresce. Se para L se está no limite de sobrevivência, para L' > L a célula ou se divide, ou
pára de crescer, ou morre.
1ª lei: animais de forma idêntica saltam à mesma altura; a altura de salto é independente do
tamanho.
2ª lei: animais de forma idêntica têm a mesma velocidade de ponta; a velocidade limite em
esforço é independente do tamanho.
Analisemos a primeira lei do ponto de vista do scaling. A altura máxima do salto depende do
trabalho mecânico W fornecidos pelos músculos , que tem que ser igual à variação da energia
potencial mg h associada a um salto de altura h . O trabalho W é igual ao produto da força
muscular F , que como vimos escala com Λ2 , pela extensão muscular e , que escala obviamente
com Λ . Portanto, o trabalho W escala com Λ3 . Assim
W W' Λ3
h= → h' = = h=h
mg m' g Λ3
Embora esta conclusão pareça falsa, os animais parecem saltar alturas diferentes porque
partem de alturas diferentes, visto que o seu centro de gravidade está mais alto nos animais
mais altos.
v → v' = Λ−1 . Λv = v
Hill concluiu a partir de observações que a frequência da passada no esforço máximo verifica
f ~ Λ−1
De m
= e
Dg mg
me V
= e = Λ3
mg Vg
Por outro lado, é evidente que os efeitos de dosagem de LSD administrada são sentidos por
intermédio de trocas metabólicas em superfície e por isso dependem de Λ2 e não de Λ3 como
erradamente suposto pela equipa de investigadores.
14 Capítulo 1
CAPÍTULO 2.
MECÂNICA
2.1. Cinemática
d d d2
v (t )= r (t ) a (t )= v (t )= 2 r (t )
(2.1)
dt dt dt
Mecânica 15
e, do mesmo modo, a aceleração descreve a taxa de variação da velocidade do ponto no
tempo
∆v
a = lim ∆t →0
∆t
Existe uma relação geométrica simples entre o vector velocidade e a trajectória, isto é, a
linha descrita no espaço pelo ponto material ao longo do seu movimento: o vector velocidade
tem em cada instante a direcção da tangente à trajectória nesse instante (ver Figura 2.1).
y(t)
t
x(t)
z(t)
Figura 2.1
Define-se ainda velocidade média v mAB , e aceleração média, amAB , entre dois pontos A e
B , como
∆r AB
v m AB =
∆t AB
∆v
a m AB = AB
∆t AB
onde ∆r AB = r B − r A , ∆v AB = v B − v A , e ∆t AB é o tempo gasto no percurso entre A e B .
Assim, a velocidade média é igual à velocidade constante que levaria o ponto de A para B
no intervalo de tempo ∆t AB , e a aceleração média é igual à aceleração constante responsável
pela variação de velocidade ∆v AB no intervalo de tempo ∆t AB .
espaço percorrido
vm =
∆t AB
16 Capítulo 2
onde a velocidade e a aceleração são grandezas escalares. Na linguagem usual é costume
aplicar estas mesmas definições a trajectórias não rectilíneas: numa viagem entre dois
locais considera-se como velocidade média a distância percorrida a dividir pelo intervalo de
tempo gasto no percurso.
r (t )= ∫ v (t )dt v (t )= ∫ a (t )dt
(2.2)
A aceleração a (t ) é determinada pelas forças que actuam o corpo em questão, tal como
a partir da aceleração, desde que seja conhecido o valor da velocidade nalgum instante, de
modo a fixar a constante de integração que surge ao primitivar a aceleração a (t ) . Da mesma
maneira, uma vez conhecida a velocidade v (t ) , a primeira das equações (2.2) permite
v t
dv
(2.3 a)
dt
=a ⇒ ∫ ∫
dv = a ds ⇒ v =v 0 +at
v0 0
r t
dr 1
(2.3 b)
dt
=v ⇒ ∫ ∫
dr = v (s )ds ⇒ r =r0 +v 0 t + at 2
2
r0 0
(2.4 a) v =v 0
(2.4 b) r =r0 +v 0 t
Mecânica 17
Uma aplicação das leis do movimento uniformemente acelerado unidimensional é a
descrição do movimento de queda livre, ou de subida e queda vertical, de um corpo sob a
acção da gravidade (desprezando os efeitos das forças de atrito a que esse corpo possa
também estar sujeito).
Aplicação: Calcule a altura máxima atingida por uma bola que é lançada na vertical com
velocidade inicial de 15,0ms −1 a partir de uma altura de 2,00m .
Neste caso estamos a considerar o movimento num plano, pelo que posição, velocidade e
aceleração são representadas por vectores com duas componentes, digamos segundo o eixo
dos xx e segundo o eixo dos yy . O processo de integração que descrevemos no exemplo
anterior conduz neste caso às equações
(2.5 a) v = v 0 +at
1
r =r0 +v 0 t + at 2
(2.5 b)
2
onde
a =a x e 1 +a y e 2 , v =v x e 1 +v y e 2 , r =xe1 + ye 2 , v 0 =v 0 x e1 +v 0 y e 2 , r0 =x 0 e1 +y 0 e 2
e e1 , e2 são os versores dos eixos dos xx e dos yy, respectivamente. As equações (2.5)
podem então escrever-se como pares de equações escalares na forma
(2.6 a) v x =v 0 x +a x t , v y =v 0 y +a y t
1 1
(2.6 b) x = x 0 +v 0 x t + a x t 2 , y =y 0 +v 0 y t + a y t 2
2 2
18 Capítulo 2
2.1.3. Movimento Circular Uniforme
Se além de circular o movimento for uniforme, isso significa que o ângulo ϕ varia
uniformemente no tempo, isto é, que
dϕ
(2.8) = ω = constante
dt
r
ϕ
R
Figura 2.2
dω
(2.9) γ =
dt
ϕ (t )=ϕ 0 +ωt
Mecânica 19
Uma primeira conclusão que podemos tirar da equação (2.10) é que o movimento é
periódico de período T , dado em função da frequência angular por
2π
T=
ω
1 ω
f= =
T 2π
cujas unidades são s −1 ou Hertz (Hz), e que mede o número de ciclos deste movimento
periódico que ocorrem numa unidade de tempo. Derivando em ordem ao tempo a equação
(2.10) obtém-se a expressão da velocidade
É fácil comprovar que, tal como se representa na Figura 2.2, o vector velocidade é
perpendicular ao vector de posição r (t ) (basta ter em conta que, em geral, o vector
velocidade é sempre tangente à trajectória, ou então verificar que o produto interno dos dois
vectores r (t ) e v (t ) dados pelas equações (2.10) e (2.11) é nulo). Assim a velocidade v , no
v =ω R
aceleração deste movimento é radial e centrípeta, isto é, tem em cada instante a direcção do
vector de posição da partícula e está dirigida para o centro da trajectória. Quanto ao módulo
da aceleração, temos imediatamente de (2.12)
(2.13) a =ω 2 R
20 Capítulo 2
Aplicação: Uma partícula está à distância de 0,1 m do eixo de um motor a trabalhar a
3000r.p.m. . Calcule a aceleração centrípeta a que está sujeita e compare-a com a aceleração
da gravidade, g .
Pensemos outra vez no movimento circular uniforme que estudamos no caso anterior, e
consideremos a projecção do vector de posição r ( t ) da partícula segundo uma direcção fixa,
por exemplo o eixo dos xx . Da equação (2.7) temos que essa projecção varia no tempo de
acordo com
Suponhamos então que essa é a equação do movimento de uma partícula que se desloca
sobre o eixo dos xx . Trata-se de um movimento periódico, de período T =2π /ω , ao longo do
qual a posição da partícula varia entre os pontos −R e R , a que se chama oscilação
harmónica de amplitude R e frequência angular ω . Da equação (2.14) podem obter-se a
velocidade e a aceleração, respectivamente
Agora que sabemos como calcular o movimento de um ponto material a partir da sua
aceleração, interessa-nos poder determinar essa aceleração em alguns casos particulares. O
conceito central da dinâmica é o conceito de força, e o essencial da teoria está contido nas
três leis de Newton, que, em particular, relacionam as forças a que uma partícula está
sujeita com a sua aceleração.
Mecânica 21
1ª Lei : um corpo livre executa um movimento uniforme e rectilíneo (lei da inércia).
2ª Lei : a força F que actua uma partícula e a sua aceleração a verificam a relação,
F =ma
3ª Lei : as forças de interacção são iguais em módulo e direcção e de sentido contrário (lei
da acção e reacção).
A segunda lei admite um enunciado mais geral, em termos do momento linear p =mv de
uma partícula (ou de um sistema de partículas)
dp
(2.17) F=
dt
∑ particula i m i v i
p=
Esta formulação da 2ª Lei permite tratar o caso de uma partícula (ou de um sistema de
partículas) de massa variável, como veremos em vários exemplos. Em particular, a equação
(2.17) diz-nos que o momento linear p de um sistema livre se conserva.
Aplicação: Um disco de hockey sobre gelo desloca-se sem atrito sobre a pista. Determinar
a trajectória do disco em função da velocidade inicial que lhe é imprimida.
Como se considera desprezável o efeito das forças de atrito, as únicas forças que actuam o
objecto são o seu peso e a força de reacção que a pista exerce sobre ele. Pela 3ª Lei, estas
duas forças são iguais em módulo e direcção e têm sentidos contrários, de modo que a força
total que actua o disco é nula. Portanto, pela 1ª Lei, o movimento que executa é uniforme e
rectilíneo e temos r( t ) = r0 + v 0 t , onde v 0 é a velocidade inicial que é imprimida ao disco e r0 é
Aplicação: Um veículo espacial que se desloca com velocidade v0 realiza uma manobra
expelindo durante um intervalo de tempo muito curto uma quantidade de gás de combustão
de massa igual a 5% da massa total no início da manobra. A velocidade da massa de gás em
22 Capítulo 2
relação ao veículo é v R . Calcular a variação da velocidade do veículo em função dos
parâmetros do problema.
Como o sistema formado pelo veículo mais o combustível é um sistema livre, podemos
concluir da 2ª Lei que o momento linear total antes e depois da manobra é igual. Portanto,
temos
v f −v 0 =0,05 v R
Para um corpo de forma regular e densidade homogénea o centro de massa coincide com
o centro geométrico do corpo. No caso de objectos com formas irregulares o cálculo do
centro de massa é já mais complexo.
A posição do centro de massa pode ser descrita como a posição média da massa do
sistema; por exemplo, para duas partículas de m1 e m 2 colocadas no eixo dos xx nas
posições x1 e x 2 respectivamente (Figura 2.3) a posição do centro de massa será
m1 x 1 + m 2 x 2
x CM =
m1 + m 2
isto é, o centro de massa está sobre o eixo dos xx , mais próximo da partícula mais pesada.
Mecânica 23
m1 m2
0 x1 xCM x2
Figura 2.3
∑ m i x i e1 + ∑ m i y i e 2 + ∑ m i z i e 3
i i i
r CM =
M
1
∫ r dm
r CM =
M
mM
(2.18) FG =G
d2
onde d é a distância entre elas e G =6.673 ×10 −11 Nm 2 Kg −2 é uma constante universal. Para
além de permitir descrever, em boa aproximação, o comportamento do sistema solar, este
modelo explica porque razão à superfície da Terra todos os corpos caem com a mesma
aceleração constante g . Na realidade, o movimento de queda de um corpo perto da
superfície terrestre deve-se à força de interacção gravítica entre a Terra e o corpo em
questão. Pela lei da gravitação de Newton, e considerando a Terra como uma massa pontual
situada no seu centro geométrico, um corpo de massa m situado a uma altura h acima da
24 Capítulo 2
superfície terrestre fica sujeito a uma força radial e dirigida para o centro da Terra (ver
Figura 2.4) de módulo
mM T
FG =G
(R +h )2
m
R h
MT
Figura 2.4
Em termos dos parâmetros locais de m , podemos dizer que FG é vertical e dirigida de cima
para baixo. Tendo em conta que h << R , podemos tomar em boa aproximação
1 1
≈
(R +h ) 2
R2
mM T
FG ≈G
R2
Pela 2ª Lei da Dinâmica, o corpo em questão mover-se-á com uma aceleração vertical e
dirigida de cima para baixo dada por
No caso do exemplo apresentado na Figura 2.5, a posição da mesa será estável se a linha
vertical que passa pelo centro de gravidade cair dentro dos limites da área horizontal
Mecânica 25
definida pelos pés da mesa. Veremos mais adiante que este facto está relacionado com o
efeito da força gravítica do ponto de vista da rotação do corpo.
Figura 2.5
imóvel a trote
Figura 2.6
26 Capítulo 2
abordagem reducionista não seja viável, e surgem modelos fenomenológicos para tratar
diversas situações.
(2.19) F =− k ∆x
Outras forças fenomenológicas que intervêm na maioria dos modelos são as forças de
atrito, que pretendem dar conta do resultado macroscópico global das interacções entre a
superfície do corpo cujo movimento se estuda e o meio no qual esse movimento tem lugar.
São sempre forças que se opõem ao movimento, e portanto têm a mesma direcção da
velocidade e sentido contrário. No caso do atrito entre superfícies de sólidos, chamado atrito
seco, a força de atrito toma-se proporcional à força N que se exerce segundo a normal à
superfície de contacto
(2.20) Fa = µN
(2.21) Fa = µv
onde µ é agora o coeficiente de atrito fluido. Por exemplo a força de atrito que se exerce
sobre um automóvel devida ao contacto com o ar é proporcional à velocidade com que o
automóvel se desloca, e a constante de proporcionalidade depende da geometria do veículo.
Para além das forças fundamentais e das forças fenomenológicas de que falamos até
agora, existe uma outra classe de forças de natureza diferente, que são as forças de inércia.
A necessidade de considerar a existência destas forças prende-se com o facto de os
Mecânica 27
referenciais da mecânica, isto é, os sistemas de eixos escolhidos para descrever o
movimento, não terem todos o mesmo estatuto. Na realidade, o enunciado correcto da 1ª Lei
diz que um corpo livre descreve um movimento uniforme e rectilíneo num referencial de
inércia, isto é, num referencial em repouso ou em movimento rectilíneo e uniforme em
relação ao espaço absoluto. Podemos então pensar na 1ª Lei como a que postula a
existência do espaço absoluto e define a classe de referenciais privilegiados a que chamamos
referenciais de inércia. Estes referenciais caracterizam-se por terem aceleração nula em
relação ao espaço absoluto, e é só neles que a relação fundamental da dinâmica, F =ma ,
onde F é a resultante das forças fundamentais e fenomenológicas a que o corpo está
sujeito, se verifica. Mas a maioria dos referenciais em que é útil trabalhar não são
referenciais de inércia, a própria Terra, devido ao seu movimento de translação e de rotação
própria, não é um referencial de inércia. Portanto, foi necessário estender a teoria de modo a
dispor de uma equação fundamental válida nestes referenciais. Não é difícil mostrar que, em
consequência da 1ª e da 2ª Leis, a relação F =ma é válida num referencial arbitrário desde
que se tome F como sendo a resultante de todas as forças a que o corpo está sujeito,
incluindo, para além das forças fundamentais e fenomenológicas que intervêm na situação
considerada, uma força de inércia, FI , que depende da aceleração do referencial no qual se
está a observar o movimento, e que é dada por
F I = − ma R
onde m é a massa do corpo cujo movimento se estuda e aR é a aceleração do referencial em
que se faz a descrição do movimento.
Aplicação: Um rapaz muito preocupado com o controle do seu peso aproveita o tempo que
passa no elevador do prédio onde vive para se pesar. Constata que as medições que realiza
nessas circunstâncias diferem sistematicamente das medições que faz em casa. Mais
precisamente, o peso medido na subida é sistematicamente maior do que o peso medido em
casa, o qual por sua vez é sistematicamente maior do que o peso medido na descida. Explique
este fenómeno, e faça uma estimativa para as diferenças encontradas em função da
aceleração de subida e de descida do elevador.
Por um lado, o rapaz está, em cada uma das três situações que se comparam, em equilíbrio
do ponto de vista de um referencial solidário com a balança. Esse referencial é inercial no caso
em que a pesagem tem lugar em casa, e não inercial no caso em que a pesagem tem lugar no
elevador, dado que este se move com uma certa aceleração de subida ou de descida, conforme
o caso. Por outro lado, as forças que o actuam são, para além das forças de inércia que se
tenham que considerar, o peso P e a reacção R que a balança exerce sobre o rapaz, sendo a
intensidade desta última força a quantidade que é medida pela balança.
28 Capítulo 2
Portanto temos, para o caso em que o elevador sobe com aceleração, a S =a S e 2 , FI =− ma S e 2
e a equação P +R +FI =0 escreve-se
−mge 2 +Re 2 −ma s e 2 =0
ou seja, R =m(g +a S ) . Da mesma maneira, quando o elevador desce com uma aceleração
a d =− a d e 2 , FI =ma d e 2 e a equação P +R +FI =0 fica
−mge2 +Re2 +ma d e2 =0
ou seja, R = m(g − a d ) .
(− a d e2 )
Em resumo, quando o elevador sobe (desce) com aceleração a S e 2 a medida do
peso é superior (inferior) à medida do peso num referencial inercial, e a diferença é igual a
ma S (ma d ) .
Até agora falámos do movimento de um ponto material, que no caso de corpos extensos
identificamos com o movimento de um ponto especial designado por centro de massa do
corpo. Em muitos casos é importante saber descrever o movimento geral de corpos extensos
ou de sistemas de várias partículas, que se pode decompor no movimento do centro de
massa (que já sabemos como estudar), e no movimento do sistema em relação ao centro de
massa. Este último é em geral uma composição de rotações, de modo que o que nos
interessa para abordar o problema é saber descrever o movimento de rotação de um corpo
em relação a um ponto, que podemos supor fixo.
sendo r o vector de posição da partícula em relação a esse ponto, m a sua massa, v a sua
velocidade e portanto p o seu momento linear. O momento angular total de um sistema de
partículas em relação a um ponto é a soma dos momentos angulares, em relação a esse
ponto, das partículas que o constituem.
No caso particular importante de um sistema rígido a rodar em torno de um eixo fixo com
velocidade angular ω , todos os pontos rodam com a mesma velocidade ω .O momento
angular será
Mecânica 29
L =∑ m i ri × v i
i
Consideremos agora, tal como a figura indica, um cubo que roda, com velocidade angular
ω, em torno de um eixo que passa pelo centro de duas faces opostas (Figura 2.7). Neste caso
particular é fácil mostrar que o momento angular em relação a qualquer ponto do eixo tem a
direcção do eixo de rotação e, consequentemente, do vector velocidade angular.
L = ∑ m i ri × v i =
i
∑ m i ( O O' + R i ) ×v i =
=
i
∑ m i O O' ×v i + m i R i ×v i
= =
i
∑ m i R i ×v i
=
i
pois neste caso os termos que contribuem para a primeira parcela da soma anulam-se dois
a dois, dado que para cada partícula com uma determinada velocidade existe uma outra
com velocidade oposta. Então
ω
∑ mi Ri
L = ×v i =
i -vi
O’ R
∑ mi Riv i e 3 =
= i
i
∑ m i R i2 w e 3 = vi
=
i
ri
= L z e3
Figura 2.7
velocidade angular.
30 Capítulo 2
Assim o momento angular L em relação ao eixo de rotação é um vector colinear com o
eixo, de sentido positivo ou negativo conforme a rotação seja directa ou retrógrada, dado por
(2.23) L = Iω
(2.24) I= ∑ mi Ri 2
i
Para uma distribuição contínua da massa o somatório transforma-se num integral, logo
I = ∫ dV ρ (r ) r 2
(2.25)
onde dV representa o elemento de volume. Por exemplo, para um cilindro homogéneo de raio
R , o momento de inércia em relação ao eixo de simetria do cilindro é dado por MR 2 / 2 ,
onde M é a massa do cilindro. No caso de uma superfície cilíndrica homogénea, que se
toma por vezes como modelo simples para o comportamento rotacional da hélice de DNA, o
momento de inércia em relação ao eixo é MR 2 , onde M é a massa e R é o raio da
superfície.
O efeito de uma força no movimento de rotação do corpo sobre o qual actua depende da
posição do seu ponto de aplicação em relação ao centro (ou eixo) de rotação e da
componente força segundo a normal ao vector ao vector posição do seu ponto de aplicação;
quando empurramos uma porta giratória fazêmo-lo num ponto muito afastado do eixo de
rotação porque exige menos esforço (uma força de intensidade menor) e empurramo-la na
direcção da rotação. Para o movimento de rotação, a grandeza que mede o efeito de uma
força F , o momento M dessa força em relação a um ponto P , é definida como
(2.26) M =r ×F
em que r é o vector posição do ponto de aplicação da força relativamente a P . De acordo
com a definição o momento é um vector perpendicular ao plano formado por r e F cujo
sentido é definido pelo sentido da rotação que F imprime ao corpo.
O módulo deste vector é dado pelo produto da intensidade da força pela distância
perpendicular r⊥ = r cos θ do ponto P à linha de acção da força (braço da força), ou seja
Mecânica 31
(2.27) M = Fr ⊥ = Fr cos θ
onde θ é o ângulo definido pela direcção de r e pela direcção perpendicular a F. Note-se
que cos θ = sen ϕ de modo que a expressão 2.27 coincide com a que se obtém de 2.26
aplicando a definição de produto externo.
Convenciona-se tomar como positivo um momento que leva a uma rotação no sentido
directo, contrário ao dos ponteiros do relógio, e negativo no caso contrário.
A acção de várias forças pode ser analisada em termos da soma dos momentos de cada
uma.
Os dois conceitos básicos, momento angular e momento das forças, estão relacionados
pela equação fundamental da dinâmica de rotação, de acordo com a qual a variação do
momento angular total do sistema em relação a um ponto é igual ao momento total das
forças aplicadas em relação a esse ponto
dL
(2.28) M=
dt
dp
Translação F p =mv F= p =mv
dt
Rotação M =r ×F L =r ×mv dL L = Iω
M=
dt
Aplicação: Considere o sistema representado na Figura 2.8, formado por duas massas
iguais ligadas por uma barra rígida de comprimento 2R e massa desprezável e actuadas por
um binário de forças. Determine o momento de inércia do sistema em relação ao eixo de
rotação, e caracterize o movimento
y
R F
x
-F Figura 2.8
32 Capítulo 2
Tomaremos como ponto de referência para o cálculo dos momentos angulares e dos
momentos das forças o ponto médio da barra, situado sobre o eixo de rotação. Como
a x b = a b sinθ , onde θ é o ângulo formado pelos dois vectores, neste caso, dado que r e F
são perpendiculares, da equação (2.26) vem que o momento de cada uma das forças tem
módulo M dado por M=RF . Por outro lado, decorre também da definição de produto externo
que os vectores momento de cada uma das forças têm a mesma direcção e o mesmo sentido,
de modo que o momento total M T é igual a 2RF . Outra maneira de ver que os momentos de
cada uma das forças se somam em valor absoluto é pensar que as duas forças induzem
rotações no mesmo sentido.
Da definição de momento angular (2.22) tem-se para o módulo do momento angular total
deste sistema de duas partículas L T =2Rmv =2R 2 mω , onde na segunda igualdade se usou o
facto de ser v =Rω . Da relação entre momento angular e velocidade angular obtém-se
imediatamente I=2mR 2 , como decorre também da definição directa I=Σ i m i ri 2 =2mR 2 ou seja,
neste caso, tal como para a superfície cilíndrica homogénea, o momento de inércia é igual ao
produto da massa total pelo raio ao quadrado.
dL dω dω F
M= ⇒2RF =2R 2 m ⇒ =
dt dt dt mR
ou seja, trata-se de um movimento com aceleração angular constante. Supondo que o sistema
está em repouso no instante em que as forças começam a actuar, o ângulo ϕ que a barra
forma com a posição inicial varia no tempo de acordo com
1
ϕ= γ t 2
2
Trabalho e energia são termos usados na vida de todos os dias, com significados que
podem ser bem diferentes daqueles que correspondem à sua definição em física.
Vamos ver que a partir dos conceitos de trabalho e energia é possível analisar a dinâmica
de um sistema mecânico sem usar explicitamente as leis de Newton; convém notar, no
entanto, que esta abordagem do trabalho - energia é uma consequência directa das leis de
Newton, não envolvendo conceitos físicos novos.
Quando uma força actua sobre um corpo provocando um certo deslocamento diz-se que
essa força realizou trabalho, alterando o estado de movimento do corpo. O teorema
trabalho – energia, que resulta directamente da 2ª lei de Newton, diz-nos que o trabalho
Mecânica 33
realizado pelas forças que actuam sobre um corpo é igual à variação da sua energia cinética
Ec (energia que possuí pelo facto de estar em movimento), definida como metade do
1
produto da massa do corpo pelo quadrado da velocidade respectiva ( Ec = mv 2 ).
2
sendo θ o ângulo que a força faz com a direcção do deslocamento. De acordo com esta
definição o trabalho será nulo sempre que o deslocamento ∆s for nulo ou a força
perpendicular à direcção do deslocamento; uma força não realiza trabalho quando não tem
componente na direcção do deslocamento ou quando este é nulo.
1J =1N .m =1kgm 2 / s 2
Assim
O conceito de trabalho que referimos contraria a noção de trabalho que usamos no dia a
dia; por exemplo, quando deslocamos um objecto pesado segundo a horizontal, tal como se
indica na Figura 2.9, o trabalho realizado pela força que exercemos é nulo!
34 Capítulo 2
v
m
Figura 2.9
2
W = cos θ ∫ F (s ).ds
1
ou
∫
W = ± F ( s )ds
1
No caso geral de uma força variável para um deslocamento segundo uma direcção
genérica r , o trabalho realizado pela força que actua o objecto quando este se desloca entre
os pontos 1 e 2 é dado por
∫ F .dr
W12 =
12
onde o símbolo representa o integral tomado ao longo da linha descrita pelo ponto de
aplicação da força no percurso entre 1 e 2.
O trabalho total realizado por diferentes forças que actuam um objecto será a soma dos
trabalhos realizados por cada uma das forças.
Mecânica 35
W12 = F x ∆x = (ma x )∆x
sendo
1
∆x = (v1 +v 2 )t
2
v 2 −v 1
ax =
t
v −v 1 1 1
W12 = m 2 1 (v 1 +v 2 ) t = mv 22 − mv 12
t 2 2 2
o que nos mostra que o trabalho realizado pela força constante Fx é igual à variação da
energia cinética da partícula.
resultado que permite uma análise simples da dinâmica de um corpo, mesmo no caso de
situações complexas em que a aplicação directa da lei de Newton se torna mais difícil. Este
método alternativo para o estudo do movimento é particularmente útil no caso de forças
variáveis.
Aplicação: Considerando um corpo que é lançado com uma velocidade nula de uma altura
h , determinar a velocidade com que o corpo atinge o solo.
1 1
mgh= mv 2f − mv 2i
2 2
como v i = 0 tem-se
v f = 2gh
36 Capítulo 2
Aplicação: Um bloco desliza com atrito não desprezável sobre uma superfície; a sua
velocidade inicial é v 0 e pára depois de percorrer uma distância d . Quanto vale o coeficiente
de atrito µ , entre o bloco e a superfície?
Fa =µN=µmg
o trabalho realizado por esta força será igual à variação de energia cinética do bloco, logo
mv 20
W =− µmgd =0−
2
e portanto
v 20
µ=
2gd
É fácil verificar que a força gravítica é uma força conservativa, enquanto que a força de
atrito é um exemplo de força não conservativa.
W12 =mgh
e idêntico ao trabalho realizado pela mesma força no caso do corpo cair na vertical.
Figura 2.10
Mecânica 37
2.7. Conservação da Energia
No caso de forças conservativas, o trabalho realizado é apenas função das posições inicial
e final da partícula; pode assim definir-se uma função que depende apenas da posição da
partícula e cuja variação é igual e de sinal contrário ao trabalho realizado pelas forças
conservativas. Esta função é a energia potencial E p que representa a energia que a partícula
tem devido à sua posição no campo de forças e que pode ser transformada em energia
cinética ou utilizada para realizar trabalho. No caso de forças conservativas tem-se então
(2.31) [ ]
W12 =−∆E p =− E p (2 ) −E p (1) = E p (1)−E p (2 )
ou seja
Definindo a energia mecânica total de um sistema como a soma das energias cinética e
potencial desse sistema, pode dizer-se que a expressão anterior traduz o principio de
conservação da energia mecânica - a energia mecânica total de um sistema permanece
constante se sobre ele só actuarem forças conservativas.
Nos processos que envolvem sistemas físicos reais estão em geral presentes forças não
conservativas como, por exemplo, as forças de atrito. Estas forças vão retirar energia
mecânica do sistema; a energia mecânica deixa de ser conservada. No entanto é sempre
possível identificar uma variação de energia, ainda que sob outra forma, que compensa
exactamente a energia mecânica perdida. Veremos por exemplo, ao estudar a
termodinâmica, que a energia mecânica pode ser transformada em energia interna do
sistema: quando um corpo se desloca sobre uma superfície com atrito a energia mecânica
que é perdida, é transformada em energia térmica, isto é, há um aumento de energia interna
do corpo e da superfície associada à vibração dos átomos constituintes que se manifesta
38 Capítulo 2
através do aumento de temperatura. Tendo em conta este aumento de energia interna pode
dizer-se que a energia total do sistema é constante.
Sabemos que para além da energia mecânica temos várias outras formas de energia
(térmica, eléctrica, química, etc.) e que é possível transformar as diferentes formas de
energia umas nas outras; conhecemos outros exemplos de transformação de energia tal
como a transformação de energia química em energia eléctrica e vice-versa. O que o
princípio geral da conservação da energia nos diz é que, tendo em conta todas as formas de
energia, a energia total de qualquer sistema isolado é constante; se uma parte desse sistema
ganha energia (sob qualquer forma), outra parte do mesmo sistema tem que perder uma
quantidade de energia equivalente.
Esta expressão mostra-nos que só tem significado falar de variação de energia potencial
entre dois pontos dado que o seu valor não fica definido de uma forma absoluta. Fala-se, no
entanto, de energia potencial num dado ponto, o que corresponde a tomar uma dada
posição para referência; a escolha desta posição é arbitrária, já que é sempre possível somar
um valor constante a dois valores de energia potencial, sem que a diferença entre eles seja
alterada.
Vejamos agora como é que a expressão que escrevemos se pode aplicar para determinar a
função energia potencial associada a alguns campos de forças conservativas.
Sendo o deslocamento genérico infinitesimal dr
dr = dxe1 + dye 2 + dze 3
Mecânica 39
logo
yf
(2.33) ∆U = − ∫ (− mg )dy
y0
yf
∫
∆U = mg dy = mgy f − mgy0
y0
U = mg y
A partir de (2.33) verificamos que a função energia potencial associada a uma força
conservativa se obtém por integração desta (e troca de sinal). Inversamente a força
(conservativa) pode ser obtida a partir da derivação da energia potencial (e troca de sinal);
vejamos com mais detalhe o que acabamos de afirmar.
d
U (s ) e
F =−
ds
d
(mgy )e 2 = −mg e 2
Fy = −
dy
∂U ∂U ∂U
F = − e1 + e 2 + e 3
∂x ∂y ∂z
∂ ∂ ∂
grad = e1 + e2 + e3
∂x ∂y ∂z
40 Capítulo 2
e que corresponde à derivada da função segundo a direcção para a qual a variação da
função é máxima, a força pode escrever-se como
F = −gradU
Como outros exemplos de forças conservativas podemos referir, a força gravítica em geral
e a força elástica. As energias potenciais correspondentes serão de acordo com o que
dissemos atrás
y
U = mg ∫ dy = mgy
F = mg ( U = 0 para y = 0 )
0
∞
GmM 1 GmM
F grav = − 2 e r U = GmM ∫ 2
dr = − ( U = 0 para r = ∞ )
r Rr
r
x
Kx 2
U = K ∫ x dx =
Felast = −Kx e1 ( U = 0 para x = 0 )
0
2
Aplicação: Deduzir o potencial correspondente ao peso F = mg a partir da expressão para a
força gravítica em geral. Considerando um ponto à distância R = R + h do centro da Terra de
raio R , podemos escrever na aproximação h << R
1 1 1
− GmM ≅ − GmM + GmM 2 .h
R + h R R
cons tan te mgh
Aplicação: Uma mola de constante elástica 500Nm −1 , com uma extremidade presa a uma
massa de 5 kg é comprimida de 5 cm em relação à sua posição de equilíbrio. Qual a
velocidade máxima atingida pela massa?
0+
(
500 × 5 × 10 −2 )2
=
5v 2 k x 2
+
2 2 2
5v 2 = 625 × 10 −2 − k x 2
v max = 5 × 10 −1ms −1
Mecânica 41
2.9. Estática
O termo equilíbrio para corpos rígidos implica como sabemos que o corpo (centro de
massa do corpo) está em repouso ou tem um movimento uniforme. Trataremos aqui do caso
de corpos em repouso, ou seja corpos em equilíbrio estático. Designa-se em geral por
estática o estudo do equilíbrio estático de corpos sujeitos a forças exteriores. Este estudo é
importante em diversos domínios, como a engenharia, a arquitectura, a biomecânica, etc.
Sabemos pelas leis de Newton que uma condição necessária para um corpo esteja em
equilíbrio é que a força resultante que actua o corpo seja nula. No caso em que o corpo é
uma partícula, esta condição será a única condição para que a partícula esteja em equilíbrio
estático: sendo a resultante das forças que actua o sistema nula a partícula não será
acelerada e permanecerá em repouso ou deslocar-se-á com movimento uniforme rectilíneo,
dependendo das condições iniciais (corpo inicialmente em repouso ou em movimento).
Para objectos reais, com determinado tamanho, forma e distribuição de massa, o objecto
só estará em equilíbrio estático se, para além de ter o centro de massa em repouso, não
rodar; é necessário portanto que as forças que actuam o corpo não dêem origem a um
movimento de rotação.
Como vimos em 2.5 a grandeza que nos dá a medida do efeito de uma força relativamente
a uma rotação do corpo sobre o qual actua, é o momento da força. Vejamos alguns exemplos
que nos permitem entender quais os parâmetros que vão determinar o efeito de uma força
relativamente à rotação de um corpo sobre o qual actua.
Considerando a situação representada na Figura 2.11 em que são exercidas forças F1 e
F ' 2 = −F1 nos bordos de um banco de piano, sabemos que embora estas forças sejam iguais
e opostas o banco vai rodar.
F2= −F1
F1
Figura 2.11
42 Capítulo 2
Podemos então dizer que, para que um corpo esteja em equilíbrio estático, é necessário
que:
∑F = 0
∑M
=0
Estas duas condições garantem que o corpo permanece em equilíbrio, tanto no que diz
respeito ao movimento de translação como relativamente ao movimento de rotação: há
equilíbrio translacional e equilíbrio rotacional e o corpo diz-se em equilíbrio estático.
d1 N d2
p1 p2
Figura 2.12
Mecânica 43
Aplicação: O músculo principal responsável pelo movimento do antebraço é o biceps.
Supondo que uma pessoa segura na mão um objecto de peso p = 134N e tomando um modelo
simples em que o biceps é representado por uma corda sujeita a uma tensão T , pretende-se
calcular a tensão muscular de equilíbrio T nas duas situações:
- o ângulo θ1 ≠ 0 .
θ1
4cm θ2
36cm
Figura 2.13
Desprezando o peso do antebraço, para θ1 = 0 , a tensão T é dirigida de baixo para cima
segundo a vertical. Sendo T e p verticais a força E exercida no cotovelo também é vertical.
e vem
T = 10p
⇒
E = 9p
Verifica-se que a tensão produzida é bastante elevada, devido ao facto do músculo estar
ligado ao antebraço a uma pequena distância do cotovelo (4cm ) . Este facto faz com que o
levantamento de grandes pesos seja impossível mas tem, no entanto, a vantagem de permitir
uma rotação importante para uma pequena contracção do músculo (a evolução da anatomia
humana deu-se no sentido de favorecer os movimentos rápidos em detrimento da capacidade
de levantar grandes pesos).
44 Capítulo 2
Para a situação correspondente ao segundo caso (Figura 2.13) tem-se como condições para
o equilíbrio estático
∑ Fx = 0 ⇔ Tsenθ1 = E x
∑ Fy = 0 ⇔ Tcosθ1 = p + E y
π
M = 0 ⇒ 40 × psen - θ 2 = 4Tsenα
2
π
sen − θ2
2
cos θ2 cos θ2
⇒ T = 10p = 10p > 10p
π cos(θ1 + θ2 )
sen − (θ1 + θ2 )
2 >1
α
T = − Tsenθ1 e1 + T cosθ1 e 2 π
α+ + θ1 + θ 2 = π
2
p = −pe 2
π
α = − (θ1 + θ 2 )
E = E x e1 − E y e 2 2
No estudo que fizemos até aqui tomámos sempre os corpos como rígidos, ou seja, não
considerámos a sua deformação sob a acção das forças exteriores. Na realidade, todos os
corpos são deformáveis, isto é, é possível alterar a sua forma e tamanho ou mesmo parti-los
através da aplicação de forças.
Devido à sua constituição, um sólido, formado por átomos ligados entre si por forças de
interacção, deforma-se de uma forma reversível (elástica) até um certo valor limite da
deformação (limite elástico) a partir do qual a deformação permanece mesmo depois de
retirada a força externa que a originou. É fácil entender esta afirmação se considerarmos
que o efeito das forças de interacção entre os átomos pode ser assimilado ao efeito de molas
elásticas que ligam os átomos entre si. Deste modo, qualquer deslocação de um átomo ou
conjunto de átomos da respectiva posição de equilíbrio será transmitida a todos os outros
átomos através da deformação das molas elásticas consideradas, cujo comportamento já
conhecemos.
Mecânica 45
Define-se a tensão σ como a força exercida por unidade de área da superfície em que a
força actua, ou seja
F
σ =
A
No caso representado na Figura 2.14, em que a uma barra é aplicada uma dada força
perpendicularmente a uma das suas faces, o efeito da força vai ser o de provocar uma
alteração do comprimento L da barra sendo o novo valor, L0 , o valor correspondente à
distância entre as partículas constituintes tal que a força externa compensa exactamente as
forças internas de interacção. Define-se neste caso a deformação ε como a variação relativa
do comprimento, e o módulo de elasticidade respectivo, designado por módulo de Young, é
dado por
σ F /A
Y = =
ε ∆L / Lo
em que a tensão σ pode ser de extensão ou de compressão, Figura 2.14, sendo a alteração
do comprimento ∆L respectivamente positiva ou negativa.
∆L
L
L F
∆L
F
Tensão de extensão Tensão de compressão
Figura 2.14
46 Capítulo 2
ou mesmo a fractura do material. Na Figura 2.15 representa-se uma curva típica de
variação da tensão com a deformação no caso de um sólido elástico.
fractura
ε
Figura 2.15
Considerando agora um corpo sujeito a uma força tangente a uma das suas faces, tal
como representado na Figura 2.16, a deformação correspondente será uma deformação de
forma; define-se neste caso o módulo de corte ou cisalhamento como
F
σ
S = = A
tan θ ∆x
h
F
θ
Figura 2.16
F
∆P
B = A =−
∆V ∆V
V V
F
onde o sinal negativo traduz o facto de um aumento de pressão ( ) levar a uma diminuição
A
do volume.
Mecânica 47
Aplicação: Considere um levantador de pesos que levanta sobre a sua cabeça uma barra de
peso total igual a 1000 N . Sabendo que a área de cada um dos discos que separa as
vértebras é de 1.0 × 10 −3 m 2 e que o módulo de Young dos discos é de 7.0 × 106 N / m2 , calcule
a diminuição de altura do levantador de pesos neste processo, considerando a compressão
dos discos a partir de uma espessura total livre de 15 cm .
Desprezando o efeito do peso da parte superior do corpo do homem, a força exercida por
um dado disco nas vértebra imediatamente acima deve ser igual a 1000 N e por sua vez a
força de reacção da vértebre sobre o disco será também de 1000 N . O mesmo raciocínio pode
ser feito para a vértebra situada abaixo do disco considerado por isso pode dizer-se que cada
disco “sentirá” em cada face superior e inferior forças opostas de módulo = 1000 N . Estamos
assim perante uma deformação por compressão sendo a tensão em cada disco
F 1.0 x10 3 N
σ= = = 1.0 x10 6 N / m 2
A 1.0 x10 −3 m 2
σ ∆l 1.0 x10 6 N / m 2
ε= = = = 0.14
Y l 7.0 x10 6 N / m 2
ou seja cada disco será comprimido de 14% o que corresponde a uma diminuição total de
comprimento de
( )
∆L = (0.14 ) × 15 × 10 −2 = 0.021 m
Como este limite é inferior ao limite elástico a deformação não permanece depois do
processo!
1000N
1000N
Figura 2.17
48 Capítulo 2
CAPÍTULO 3.
MECÂNICA DE FLUIDOS
3.1. Introdução
Todos os sistemas biológicos utilizam os fluidos durante o seu tempo de vida: movem-se
no seio deles e usam-nos como meio de transporte de nutrientes, oxigénio e outros gases.
Quando olhamos o meio que nos rodeia verificamos que a matéria se apresenta em
diferentes estados. Uma grande parte da matéria à superfície da Terra existe no estado
sólido, líquido e gasoso, mas existem outros estados tais como cristais líquidos, geles e
plasmas. Como podemos então definir um fluido? A maneira mais prática é considerar fluido
tudo o que não é sólido, entendendo-se como sólido toda a matéria em que as distâncias de
equilíbrio entre os pares de partículas constituintes são fixas e bem determinadas. Num
sólido a interacção entre as moléculas é muito forte. Deslocar uma molécula significa
deslocar de maneira semelhante todas as outras (obviamente que estamos a pensar no caso
limite de um sólido rígido e a desprezar os efeitos de deformação). Diz-se então que a
alteração do estado de uma molécula influi no estado de outra que se encontre a grande
distância: há interacções fortes e de longo alcance. No caso dos fluidos, a alteração do
estado de uma molécula ou grupo de moléculas por aplicação de uma força não se comunica
a grande distância. As interacções são mais fracas e de curto alcance. Se pensarmos nos
fluidos mais frequentes, líquidos e gases, podemos dizer que as interacções no caso dos
líquidos ainda são relativamente fortes enquanto que no gás as moléculas são já
praticamente independentes.
Mecânica de Fluidos 49
3.2. Noção de Densidade e de Pressão
Ao contrário dos sólidos, os fluidos não mantém nem o volume nem a forma geométrica.
Para caracterizá-los escolhemos assim grandezas que não dependem do volume do fluido.
Escolhemos então a massa por unidade de volume, ρ , também designada por densidade ou
massa específica
m
ρ=
V
Tanto para o ar como para a água, às temperaturas usuais, a densidade diminui com o
aumento da temperatura, sendo essa variação muito maior para o ar do que para a água.
Apesar de ser verdade que a densidade aumenta quando a temperatura diminui, a água é
um líquido com um comportamento especial: a sua densidade atinge um máximo a 4ºC
diminuindo para temperaturas inferiores. O gelo tem uma densidade inferior à água líquida
e é esta característica que permite que o gelo flutue na água líquida.
Densidade Kg / m3
ar 1.2
É muito mais fácil provocar uma variação de volume numa dada massa de gás do que
num líquido. Isto significa que nos líquidos se pode tomar como boa aproximação
ρ ≅ constante. Apesar da forma variar, o volume de uma certa massa mantém-se
praticamente constante e o líquido diz-se incompressível. Os gases, por oposição, são fluidos
compressíveis.
Uma outra grandeza que caracteriza um fluido é a pressão. Esta define-se como a força
por unidade de superfície que o fluido exerce numa superfície que com ele se encontre em
contacto. No que se segue vamos considerar o exemplo de um líquido, embora as conclusões
a que chegamos se possam aplicar também aos gases, com a ressalva de estes serem
compressíveis.
Quando colocamos um líquido num recipiente não se observa qualquer movimento a nível
macroscópico e a superfície livre do líquido é horizontal, o que significa que a força que o
líquido exerce sobre o recipiente é sempre normal à superfície do recipiente. Se assim não
50 Capítulo 3
fosse o vaso exerceria sobre o líquido uma força que teria uma componente paralela à sua
superfície e dever-se-ia observar uma deformação da superfície do líquido junto às paredes
do recipiente. Mais adiante veremos que este efeito de deformação, embora pouco
importante, se observa em muitos casos; no entanto, no contexto desta discussão, vamos
considerá-lo desprezável.
Qualquer que seja a forma do recipiente que contem o líquido (ou de um objecto nele
imerso) este exerce uma força, F , sobre a superfície de contacto, dirigida segundo a normal
à superfície e independente da sua orientação. Essa força F diz-se força de pressão do
líquido, definindo-se a pressão p como
F
p=
S
No S.I. a unidade de pressão é o pascal (Pa ) , 1Pa =1N / m 2 . Outra unidade de pressão
muito utilizada é o milímetro de mercúrio que se designa também por Torr, em homenagem
a Torricelli, tendo-se 760 mmHg =1,013 × 10 5 Pa .
A explicação microscópica para a existência desta força pode ser dada no quadro da teoria
cinética. Para uma temperatura absoluta diferente de zero, as partículas que constituem o
fluido não estão paradas mas movem-se em todos os sentidos de tal modo que a sua
velocidade média é nula, as moléculas em movimento chocam com a parede, e são
reflectidas sofrendo em consequência uma alteração da sua quantidade de movimento. Isso
significa que exercem sobre a parede uma força, sendo a força de reacção correspondente
responsável pela variação da sua quantidade de movimento. A força é assim sempre
perpendicular à parede.
No caso de um liquido em repouso num recipiente, não existindo outras forças aplicadas,
a força de pressão é a mesma em todas as paredes. Se o líquido se encontra no campo de
gravidade da Terra ou noutro campo de forças, a pressão vai depender da posição do ponto
considerado no campo de forças.
Mecânica de Fluidos 51
Fo
h
Figura 3.1
Podemos supor o líquido dividido em camadas horizontais numa situação “estática”. Pelo
facto de existir gravidade, as camadas mais profundas devem suportar um peso maior do
que as camadas menos profundas e, consequentemente, uma superfície a uma profundidade
h está sujeita, para além da pressão na ausência de gravidade, ao peso da coluna de líquido
que se encontra sobre ela: a pressão aumenta com a profundidade. Por exemplo no caso da
Figura 3.1 a força que se exerce sobre a superfície de área S que se encontra a uma
profundidade h é
p =F /S = p0 + ρgh
(3.1) p = p 0 + ρgh
Por outro lado a diferença de pressão entre dois pontos do fluido, a que se chama altura
manométrica, permite obter a altura de um deles em relação ao outro, a partir de
p2 − p1
h=
ρg
A pressão de saída do sangue do coração nos mamíferos tem que ser suficiente para
transportar o sangue até ao cérebro com pressão não nula, referida à pressão ambiente. Por
esta razão a altura correspondente à pressão sistólica de um animal, tem que ser pelo
52 Capítulo 3
menos igual à distância vertical entre o coração e o cérebro. Esta regra explica vários factos
observados, como por exemplo, o facto das cobras que sobem a árvores terem pressões
sistólicas maiores que as que não sobem.
Aplicação: Estime o valor da pressão sistólica de uma girafa em relação à pressão ambiente,
supondo que a altura do pescoço da girafa é 3m e sabendo que a circulação do sangue no
cérebro necessita de uma pressão sanguínea de 60mmHg.
Como a pressão no cérebro tem que ser pelo menos 60 mmHg a pressão sistólica tem que
ser superior a 278 mmHg .
A equação (3.1) permite ainda enunciar o Princípio de Pascal: num fluido incompressível
em repouso, pontos à mesma altura são pontos em que a pressão é idêntica.
Uma aplicação deste princípio ocorre no macaco hidráulico, dispositivo que permite
levantar grandes pesos com uma força de pequena intensidade.
F P
p1 p2
A1 A2
Figura 3.2
p1 = p2
p2 A2 = P e p1 A1 = F
Portanto, o peso P que se pretende levantar é equilibrado por uma força F tal que
P
F = p1 A1 = p2 A2 = A1
A2
A1
F = P
A2
Mecânica de Fluidos 53
Considerando a situação em que se pretende levantar o peso P o trabalho realizado pela
força F , de menor intensidade, deve ser igual ao trabalho recebido por P , pelo que o
deslocamento dos pontos de aplicação de F será sempre maior que o deslocamento do peso
elevado.
Como a pressão varia com a profundidade, as forças de pressão que se exercem nas faces
inferior e superior de um corpo mergulhado num fluido são diferentes, sendo obviamente
maior a força que actua na parede inferior. Isto significa que o corpo mergulhado é actuado
por uma força resultante vertical dirigida de baixo para cima, a que se chama força de
impulsão I . Vejamos como o módulo dessa força depende do volume do corpo e da
densidade do líquido em que está mergulhado.
F2
2
h h2
1 1 F1
Figura 3.3
Considerando a situação representada na Figura 3.3, nas paredes laterais a pressão vai
variando com a altura mas a força total que se exerce sobre cada uma delas é exactamente
compensada pela força que se exerce sobre a parede oposta.
onde A é a área da secção horizontal do corpo e e1 o versor da direcção vertical. A
resultante será
R = F1 +F2 = − ρ g (h 2 −h1 )Ae1 = − ρ gV e1 = I
Assim, qualquer corpo mergulhado num fluido é actuado por uma força, a impulsão, que
é vertical, dirigida de baixo para cima, e em módulo igual ao peso do volume de fluido
deslocado. Este é o enunciado do princípio de Arquimedes.
54 Capítulo 3
Aplicação: Calcule a fracção de um iceberg que se encontra mergulhada na água, sabendo
que ρagua do mar =1.03 ×10 3 kg / m3 e ρgelo =0.92× 103 kg / m3
O peso do iceberg é
P =ρgelo Vg
e a força de impulsão é
I=ρagua Vmerg g
Considerando a condição de equilíbrio P + I =0 vem
logo
ou seja 89% do iceberg encontra-se submerso e apenas 11% do seu volume é visível à
superfície.
Aplicação: Um teste comum realizado a dadores de sangue consiste em largar uma gota do seu
sangue numa solução de densidade igual à densidade do sangue no limiar do conteúdo em Fe
que diferencia a pessoa anémica da não anémica. Se a gota de sangue desce na solução o
conteúdo em ferro do dador é conveniente e este pode dar sangue.
Se um fluido entra em contacto com outro com o qual é imiscível, ou com uma superfície
sólida, surge uma superfície de separação entre os dois meios: uma interface. As moléculas
junto à interface encontram-se numa situação diferente das moléculas no interior. No
interior do fluido uma molécula está sujeita a interacções semelhantes em todas as
direcções e a resultante das forças de interacção é nula. Junto a uma interface a situação é
diferente uma vez que deixa de existir esta simetria. Aparece assim uma força de ligação que
“puxa” as moléculas da superfície para o interior do fluido cujo efeito é análogo, como
veremos, ao de uma força de coesão na interface que se opõe ao aumento da sua superfície
tal como acontece numa membrana elástica.
Mecânica de Fluidos 55
vapor
interface
líquido
Figura 3.4
∆E =γ ∆S
Porque esta energia é sempre positiva para uma interface líquido/vapor, a tensão
superficial, energia por unidade de área, é também positiva. De facto, a energia da interface
aumenta proporcionalmente à área desta.
∆E F
γ = =
∆S
l 2F
Figura 3.5
Neste sentido, a tensão superficial γ pode ser interpretada como uma força por unidade
de comprimento que se exerce ao longo de qualquer linha fronteira definida na interface e
56 Capítulo 3
que tende a reduzir a área de interface no interior dessa fronteira. Esta força pode também
ser interpretada como a força de ligação que se opõe à separação da interface por essa linha.
Esta força deve ser tangente à interface e normal em cada ponto à linha considerada.
O facto da energia da interface tender para um valor mínimo leva a que pequenas gotas
de um líquido qualquer assumam, quando largadas no ar, uma forma esférica, que
corresponde à superfície mínima para um certo volume V . Se apenas existisse o termo de
energia de superfície, o volume tenderia para zero; o termo de energia que evita o colapso da
gota está relacionado com o volume médio que ocupa cada molécula no líquido e o acréscimo
de energia associado a uma diminuição de volume ∆V é, como veremos adiante, dado por
p∆V
p = pint − pext
Então, o tamanho final da gota corresponde ao equilíbrio entre este acréscimo de energia
em volume e o decréscimo de energia de superfície
4
∆V = ∆ πR3 = 4π R2 ∆R
3
( )
∆S = ∆ 4πR2 = 8π R ∆R
vem
logo
equação designada equação de Laplace. Esta equação permite relacionar o raio de uma
interface, neste caso de uma gota, com a diferença de pressão entre o interior e o exterior da
gota. Este resultado pode ser generalizado a qualquer interface curva.
Note-se que, no exemplo de partida, falámos apenas de gotas “pequenas” para poder
assumir que a pressão interior (e exterior) era idêntica em todos os pontos interiores (ou
Mecânica de Fluidos 57
exteriores) junto da interface. Para gotas maiores a gravidade destroi esta hipótese e a forma
esférica da gota.
Existem algumas moléculas que adicionadas a uma interface modificam a sua energia,
logo a tensão superficial correspondente. Devido a esta propriedade designam-se moléculas
tensioactivas.
Aplicação: Nos pulmões há pequenos sacos de ar, os alvéolos, que se expandem e contraem
( ≅ 15000 vezes por dia), sendo as trocas de oxigénio e CO2 feitas através da membrana dos
alvéolos. Os alvéolos podem ser considerados como pequenas esferas com pequenas aberturas,
logo, utilizando a equação de Laplace
Se γ for constante, p int − p ext de equilíbrio diminui quando r aumenta. Para a mesma
pressão interior (pressão atmosférica) isto levaria a que o primeiro alvéolo a aumentar de
volume na inspiração crescesse sempre preferencialmente antes dos outros, acabando por
rebentar.
Este problema não ocorre devido à presença de uma substância tensioactiva constituida por
moléculas alongadas cujas interacções favorecem uma configuração com os eixos alinhados. A
presença desta substância torna a membrana altamente elástica uma vez que quando o raio dos
alvéolos aumenta, as moléculas tensioactivas são puxadas para longe umas das outras o que
aumenta a tensão superficial γ na parede. Tem-se portanto para um aumento de r , um
aumento correspondente de γ , mantendo-se a condição de equilíbrio.
Em muitas situações, estão em jogo interfaces entre três e não apenas dois meios
diferentes.
Vapor
V
Sólido
S Líquido
L
Figura 3.6
58 Capítulo 3
(situação a), a área de contacto sólido fluido tende a aumentar até que o ganho em energia
(γ SL − γ SV ) ∆S seja equilibrado pela perda em energia no aumento de interface líquido/vapor
(diz-se que o fluido molha a parede sólida). Na situação inversa, a área de contacto
sólido/líquido tende a diminuir (situação b), até que o equilíbrio correspondente seja
atingido (diz-se que o fluido não molha a parede sólida). Quando γ SL = γ SV , o equilíbrio não é
alterado (situação c).
θ θ θ
Figura 3.7
FSV
FSL FLV
Figura 3.8
logo
(3.3) γ LV cos (θ ) = γ SV − γ SL
e o equilíbrio final define o sinal de cos (θ ) . No caso em que γ SV > γ SL , tem-se θ < 90 º e diz-se
que o líquido molha a superfície sólida. No caso em que γ SV < γ SL , tem-se θ > 90 º e o líquido
não molha a superfície sólida.
Mecânica de Fluidos 59
Aplicação: Gota de óleo sobre o vidro.
Considere-se o caso de uma gota de óleo sobre uma superfície de vidro. A experiência mostra
que as pequenas gotas de óleo tendem a apresentar a forma aproximadamente esférica como se
representa na Figura 3.9.
Figura 3.9
Figura 3.10
A subida ou descida de um líquido num capilar pode ser quantificada pelo valor do
ângulo de contacto.
Consideremos então o balanço das forças quando introduzimos um capilar num líquido.
Se o líquido molha a superfície do capilar, podemos pensar que a situação mais favorável
será a de subir no capilar até o preencher completamente. Isto seria assim, se apenas
interviesse no processo o balanço de energia nas interfaces. Acontece que, pelo facto de o
capilar se encontrar no campo gravítico da Terra, existe um termo de energia de volume,
E = mgh , que não pode ser desprezado. À variação em energia de superfície
[γ SV − γ SL ] h 2 π R
60 Capítulo 3
Figura 3.11
que implicará um h máximo, tem de ser adicionada à variação de energia potencial gravítica
e atingir-se-à a altura máxima quando a energia for mínima
∆E = [γ SV − γ SL ] ∆h 2 π R − mg ∆h = 0
[γ SV − γ SL ] 2 π R = mg
ou seja, quando a força que leva à elevação do líquido equilibra o peso deste, o que
considerando
m = πR 2 h ρ
conduz a
γ SV − γ SL
h =2
Rρ g
Assim, quanto mais fino é o capilar maior é a variação de altura do líquido, maior é o
efeito de capilaridade.
Como as forças que actuam no líquido e o fazem subir correspondem ao balanço entre as
forças de interface líquido/sólido, sólido/vapor e líquido/vapor, tanto se pode pensar na
força elevatória como resultante de γ SV − γ SL como de γ LV cos (θ ) . O equilíbrio na linha de
coexistência dos três meios vapor ( V ), líquido ( L ) e sólido ( S ) implica γ SV − γ LS = γ LV cos (θ ) ,
logo
(3.4) γ SV − γ LS 2 γ LV cos θ
h =2 =
Rρ g Rρ g
Aplicação: Durante muito tempo pensou-se que o efeito de capilaridade era responsável pela
subida da seiva nas árvores, o que um cálculo simples mostra não ser verdade. Calcule para
uma árvore com 10m de altura e com um xilema formado por canais de 2.5×10 −5 m de diâmetro,
qual a altura a que a seiva sobe por efeito de capilaridade. Considere
−1
ρseiva =ρagua =1× 10 3 kg / m3 e γ = γ agua =73×10 −3 Nm−1
Usando a expressão (3.4) e tomando cos θ = 1 obtém-se a altura máxima a que a seiva pode
subir
Mecânica de Fluidos 61
h=2γcos θ / ρrg =1.2m
A subida da seiva não pode portanto ser explicada apenas pelo efeito de capilaridade, mas
resulta de um processo dinâmico que implica a existência de uma pressão mais baixa no cimo
das árvores devido à evaporação nas folhas. Nas árvores, a seiva corre através do xilema que
forma canais de raios da ordem de 10 −4 m os quais estão cheios de água até às folhas. À
medida que a água se evapora nas folhas, a coluna de água vai-se movendo para cima devido à
diferença de pressão.
pV
pL
h
pV
p’L
Figura 3.12
A pressão pL no ponto junto à interface (Figura 3.12) é inferior à pressão pL’ que é medida
à profundidade h. Como pL’ é igual à pressão do vapor pV, tem-se:
pV > p L
e o raio de curvatura da interface pode ser calculado usando a equação de Laplace (3.2)
2 γ VL
pl − pv =
R
Os organismos biológicos vivem nos fluidos numa situação dinâmica, o que, como
veremos adiante, não torna inúteis as considerações feitas até aqui. Interessa pois
caracterizar o movimento de um fluido. Quando um fluido está em movimento dizemos que
flui ou que existe um fluxo. A maneira como este movimento se processa pode dar origem a
dois tipos de fluxo com características diferentes: o fluxo laminar e o fluxo turbulento.
Para perceber a diferença entre estes dois regimes vejamos como se deslocam porções
muito pequenas de fluido (à escala de uma ou de algumas moléculas). Uma linha descrita
por esta “pequena porção de fluido” será aquilo que designaremos por linha de fluxo. Se as
moléculas de fluido tiverem um movimento colectivo unidireccional, Figura 3.13, o fluxo diz-
se laminar.
62 Capítulo 3
Figura 3.13
No caso contrário o fluxo diz-se turbulento. Neste caso as partículas têm trajectórias que
se cruzam, colidindo entre si.
No que se segue iremos supor que o fluido está sujeito a um escoamento laminar e é um
fluido ideal. Um fluido ideal tem as seguintes características:
Tem-se assim
ρ1Q1 = ρ2Q2
em que Q se designa por caudal e é o volume do fluido que atravessa a secção do tubo por
unidade de tempo
∆V ∆
(3.5) Q= =S =Sv
∆t ∆t
(3.6) Q1 =Q2
Mecânica de Fluidos 63
ou
S1v1 =S2v 2
S2
S1
Figura 3.14
Muitas esponjas têm vários poros pequenos e apenas uma abertura apical grande na sua
superfície.
Figura 3.15
Em 1825 Grant mostrou que o fluxo da água é unidireccional e dirigido das aberturas
pequenas para a abertura apical. O valor elevado da velocidade de fluxo através das esponjas
(sabe-se que uma esponja bombeia o seu volume em água cada 5s ) sempre surpreendeu os
zoólogos. Procurou-se então um mecanismo que explicasse tão grande caudal. Sabia-se que as
esponjas tinham flagelos, mas durante muito tempo pensou-se que a sua actuação era
insuficiente e por isso invocou-se a existência de músculos que funcionassem como motor do
fluxo.
Sabendo que cada flagelo pode propulsionar a água com uma velocidade máxima de
50µm / s determine se estes órgãos são ou não suficientes para justificar o fluxo referido.
Considere que na esponja a velocidade de saída da água é de 20cm /s e que a área de saída
é 1cm 2 enquanto que a soma das áreas de entrada é 6000cm2 .
64 Capítulo 3
Q=Q1 =Q 2
v 2S2 = v1S1
v1 =1 / 3 ×10 −4 m / s =33µms −1
Conclui-se portanto que a acção dos flagelos é suficiente para justificar este processo.
Se o movimento de um fluido num tubo (ou o movimento de um corpo num fluido) se faz
sem dissipação de energia, a energia de um certo volume de fluido pelo princípio da
conservação da energia mantém-se constante. O princípio de conservação de energia pode
enunciar-se neste caso dizendo que o trabalho das forças de pressão (externas) iguala a
variação de energia cinética e potencial do fluido.
F1 F2
S2
S1 dl2
dl1
Figura 3.16
dV =S1dl1 =S2dl2
então o trabalho realizado pelas forças de pressão F1 e F2 tal que F1 = p1S1 e F2 = p2S2 é,
nesse deslocamento
(
W =W1 +W2 =F1dl1 −F2dl2 = p1 − p2 dV )
Este trabalho deve ser, para um fluido ideal, igual à variação da energia dE do volume
dV .
Mecânica de Fluidos 65
A variação da energia resulta de uma variação de energia cinética e potencial devido ao
ganho de volume dV em S2 com energia
1
E2 = (ρdV )v2 2 + ρdV gh2
2
1
E1 = (ρdV )v12 + ρdV gh1
2
dada por
dE =E2 −E1
1 1
dE = ρdV v 2 2 + ρdVgh 2 − ρdV v12 − ρdVgh1
2 2
1
( )
=dV ρ v 2 2 −v12 + ρg (h 2 −h1 )
2
p1 − p2 =
1
2
( )
v 2 2 −v12 + ρg (h2 −h1 )
ou
1 1
(3.7) p1 + ρv12 + ρgh1 = p2 + ρv 2 2 + ρgh 2
2 2
Como vimos na dedução desta equação à força de pressão está associada uma energia do
fluido. Se tivermos dois fluidos separados por uma parede móvel que exerçam pressões
diferentes na parede de separação, o fluido que exerce maior pressão empurrará a parede. A
pressão na parede corresponde a uma força F , tal que F = pS sendo S a área da parede. Se
esta se desloca de uma distância d , o trabalho realizado pela força de pressão é
W = pSd = p∆V .
E = pV
66 Capítulo 3
1
E = mv 2 + mgh + pV
2
1 2
p + ρgh + ρv = constante
2
Como referimos anteriormente, um fluido ideal é uma abstracção, pelo que a equação de
Bernoulli só é válida em situações aproximadas. Quando o fluido não é ideal a energia por
unidade de volume diminuí ao longo do tempo devido às forças de viscosidade.
1
pO − p A = ρ v A2
2
1
pd = p + ρ v2
2
v
A O O
Figura 3.17
Aplicação: A partir da relação para a pressão dinâmica determine a pressão a que está
sujeito um organismo no seio de um gás que flui com uma velocidade de 30m / s .
p d = 1.0154 × 10 5 Pa
Mecânica de Fluidos 67
Usando a dependência da pressão dinâmica na velocidade é possível construir
dispositivos que nos permitem determinar velocidades de fluxos. No medidor de Venturi
(Figura 3.18)
V1 V2
∆h
Figura 3.18
usa-se um tubo estrangulado no interior do qual o fluido se desloca. É então possível obter a
sua velocidade a partir da diferença de altura ∆h entre as colunas de outro fluido no
interior do tubo em forma de U . Vejamos como
1 1
p1 + ρv12 = p 2 + ρv 2 2
2 2
ou seja
p1 − p 2 =
1
2
(
ρ v 2 2 −v12 )
Como
S1
v2 = v1
S2
vem
1 S
2
∆p = ρ 1 −1v12
2 S 2
e finalmente
2 ∆p
v1 =
S 2
ρ 1 −1
S 2
68 Capítulo 3
O tubo de Pitot representado na Figura 3.19 fornece um meio mais directo para medir a
velocidade de um fluido.
p0
Orifícios estáticos
p1
Figura 3.19
1
p1 − p0 =∆p = ρv 2
2
2 ∆p
v=
ρ
Este é o tipo de sonda que se utiliza nos aviões para medir a sua velocidade relativa ao ar.
Figura 3.20
Mecânica de Fluidos 69
A equação de Bernoulli permite ainda tirar algumas conclusões sobre as forças a que um
corpo está sujeito quando se movimenta no seio de um fluido. Seja o caso de um corpo
imerso num fluido como representado na Figura 3.21.
Figura 3.21
Se o corpo tem um raio de curvatura menor (superfície mais curva) na sua face superior,
o efeito sobre as linhas de fluxo é idêntico ao de um estrangulamento; a velocidade do fluido
é aí maior, e em consequência a pressão menor. Existe um gradiente de pressão entre a face
inferior e a face superior do corpo, a que corresponde uma força de sustentação que tende
a levantar o corpo.
É este efeito que explica, por exemplo, a sustentação em voo de um avião. A força de
sustentação será tanto maior quanto maior for a velocidade do avião.
Falámos até aqui de fluidos ideais em que não há dissipação de energia e a equação de
Bernoulli é verificada. Não existir dissipação significa que a viscosidade η é nula. Embora
num fluido real a viscosidade não seja nula, pode ser uma boa aproximação considerar o
fluido como não viscoso nos casos em que as perdas de energia, relativamente à energia
transportada, são pequenas.
1
∆E =V ∆ p + ρv 2 + ρgh
2
Para um fluido que se desloca num tubo horizontal de secção constante, havendo
dissipação de energia, deve observar-se uma diminuição de pressão ao longo do movimento,
já que a velocidade é determinada pela lei de conservação da massa e pela secção do tubo. A
variação de energia de um certo volume V entre dois pontos do tubo pode assim ser
contabilizada por
70 Capítulo 3
∆E =V∆p
Se não for fornecida esta energia não haverá fluxo; a potência necessária para manter um
fluxo estacionário é assim
∆E V
P= = ∆p
∆t ∆t
logo
(3.8) P =Q∆p
Aplicação: Se o coração bombeia 5 litros de sangue por minuto com pressão máxima de
saída de 120mmHg e uma velocidade inicial 0.4m / s , calcule a potência máxima posta em
jogo, considerando que a velocidade de entrada do sangue no coração é igual a 0.1 m/s.
Despreze a diferença de alturas entre o vaso de saída e o vaso de entrada e considere a
pressão de entrada do sangue praticamente nula.
1
m∆( v 2 )
∆E 2 1
P= = ∆pQ + = ∆p + ρv 2 Q =1.33W
∆t ∆t 2
Vejamos como se modela nos fluidos viscosos o mecanismo que dá origem à dissipação de
energia. Pensando no fluido como dividido em camadas que deslizam umas sobre as outras,
podemos interpretar as perdas de energia como sendo devidas à existência de atrito entre as
camadas, ou seja uma variação de velocidade de cada camada para a que lhe é adjacente.
No caso de um fluido, a acção de uma força não conduz a uma deformação estática; as
forças de ligação entre as moléculas não são suficientemente intensas para equilibrar a força
exterior e assistir-se-á a uma deformação contínua do fluido, traduzindo uma diferente
distribuição de velocidades nas diferentes camadas do fluido, Figura 3.22.
v=0
v+∆v
∆y v
Figura 3.22
Mecânica de Fluidos 71
d
(tan θ )= ∆v
dt ∆y
F ∆v
(3.9) =η
S ∆y
∆p = R h Q
2R 2r
∆p
Figura 3.23
72 Capítulo 3
Para um tubo percorrido por um fluido, o valor desta resistência depende da forma do
tubo. No caso de um tubo cilíndrico, como o representado na Figura 3.23 a força global
devida ao gradiente de pressão que se exerce sobre o cilindro de fluido de raio r é
F =πr 2 ( p1 − p2 )
Considerando o fluxo estacionário esta força deve ser compensada exactamente pela força
de viscosidade exercida entre camadas adjacentes de fluido
dv
Fη =ηS
dr
dv
πr 2 ∆p =− η2πrL
dr
dv ∆p
=− r
dr 2ηL
Integrando tem-se
R
∆p r 2
[v (r )] rR =−
2ηL 2 r
∆p 2 2
0 −v (r )=−
4ηL
(
R −r )
ou seja
∆p 2 2
(3.10) v (r )=
4ηL
(
R −r )
Mecânica de Fluidos 73
P1
v P2
∆L
Figura 3.24
O valor médio da velocidade para uma secção recta do tubo, pode ser calculado a partir de
(3.10) e é
vmax ∆p 2
v = = R
2 8ηL
∆p 2
Q =S v = πR 2 R
8ηL
donde se obtém
8ηL
(3.11) ∆p = Q =Rh Q
πR 4
8ηL
(3.12) Rh =
πR 4
Tal como no caso das resistências eléctricas é simples tratar associações de tubos como
associações de resistências hidrodinâmicas.
Figura 3.25
74 Capítulo 3
Definindo R t a partir de ∆p=RQ vem
Rt =R1 +R2
Figura 3.26
∆p =∆p1 =∆p2
∆p1 ∆p2 1 1
Q=Q1 + Q2 = + = + ∆p
R1 R 2 R1 R 2
∆p
Definindo R t a partir de Q = tem-se
Rt
1 1 1
= +
Rt R1 R2
Aplicação: Estime a resistência hidrodinâmica de um músculo irrigado por 106 capilares com
um comprimento de 20mm e um raio de 10 µm (η=1.0x10 −3
)
Nsm−2 .
8ηL
R1capilar = =5.1 × 1015 Pa m −3s
πR 4
hidrodinâmica total R
R1
R= =5.1 × 109 Pa m−3s
106
Aplicação: Um exemplo do efeito que tem a redução do raio de um tubo na circulação do fluido
é a formação de placas arterioescleróticas nas paredes das artérias coronárias. O estreitamento
das artérias provoca um aumento (com r 4 ) da resistência à passagem de fluxo sanguíneo, logo
uma diminuição do oxigénio e a morte de algumas células. Se a zona afectada se torna grande
Mecânica de Fluidos 75
produz-se um enfarte do miocárdio. Para resolver este problema, realiza-se uma intervenção
cirúrgica em que se coloca uma veia em paralelo com a zona afectada (bypass).
dv
Fη =ηS
dy
sendo proporcional à variação da velocidade. É então natural admitir que quando um corpo
se desloca no fluido existe uma força Fη que se opõe ao movimento da forma
Fη =ηv f
(3.13) Fη =6 πRηv
Aplicação: Calcule o tempo que um glóbulo vermelho leva a depositar-se em 1cm de plasma
sanguíneo. Considere para o glóbulo R =2µm e ρ=1.3x103 kgm −3 e para o plasma
ρ=1.06x103 kgm−3 e η=2.08 x10 −3 kgm−1s −1 .
76 Capítulo 3
Desprezando o intervalo de tempo muito pequeno em que o movimento é acelerado, a
velocidade limite, que corresponde a
4 4
6πR ηv lim = πR 3ρgl g − πR 3ρpl g
3 3
4
(
πR 3g ρgl −ρpl )
v lim = 3 ≈ 1µms −1
6πR η
Como vimos atrás a maneira como o movimento de um fluido se processa pode dar
origem a um de dois tipos de fluxo: laminar ou turbulento. Para decidir qual o tipo de fluxo
que devemos considerar para um fluido, devemos considerar qual é a probabilidade de, para
além da componente da velocidade na direcção do fluxo, aparecem componentes de
velocidade em outras direcções. Se essa probabilidade é não desprezável um regime laminar
pode facilmente transformar-se em turbulento, no caso contrário permanecerá sempre
laminar. Assim, para que um fluido flua em regime laminar as forças dissipativas têm que
ser capazes de eliminar as variações de velocidade resultantes das colisões microscópicas.
Consideremos um tubo cilíndrico. A força dissipativa associada à viscosidade é
dv
Fη =η S
dr
Por outro lado a interacção que é responsável por variações de velocidade nessa direcção
pode ser medida por uma força inercial
Mecânica de Fluidos 77
dv dv dr
Fin =m = ρV
dt dr dt
dv
Fin = ρV v⊥
dr
v F
v ⊥ < 0 e in < 1
1000 Fη
o que implica
ρVv ⊥
<1
ηS
e portanto
V ρ v0
< 1000
S η
V πr 2 L r
= =
S 2πrL 2
4
No caso de uma esfera que se move num fluido V = e Stan =4πr 2 , de modo que temos
3πr 3
4 3
πr
V 3 r
= =
S 4πr 2 3
ρv0
Re =r
η
78 Capítulo 3
que permite ter um critério para decidir se o fluxo é laminar ou turbulento. O número de
v0
Reynolds aparece também na notação Re = r onde µ é a viscosidade cinemática,
µ
η
µ= .
ρ
O critério que obtivemos antes dizem-nos agora que, para valores pequenos do
número de Reynolds, as forças de viscosidade são suficientemente importantes para
cancelar as componentes da velocidade transversais ao fluxo, e este pode tomar-se como
laminar. Para valores do número de Reynolds da ordem de 1000 ou superiores o
escoamento caracteriza-se pela existência de vortex e, em geral, por um campo de
velocidades muito complexo.
Regime
Re<1000 laminar
1000<Re<1500 instável
Re>1500 turbulento
A viscosidade e a vorticidade que estão sempre presentes num escoamento real são
responsáveis pela existência de forças de resistência que se opõem ao movimento de um
corpo no seio de um fluido e das quais já falamos a propósito da lei de Stokes.
Figura 3.27
Numa situação como a da Figura 3.27 existe um excesso de pressão no ponto A em que o
fluido está em repouso em relação ao obstáculo em relação ao ponto B. Este facto pode
entender-se a partir da equação de balanço de energia aplicada aos pontos A e B
1 2 1 2
p A + ρv A = p B + ρv B + ∆E
2 2
Mecânica de Fluidos 79
em que ∆E é a energia dissipada por unidade de volume. A força de resistência FR será
proporcional a esta diferença de pressão e à área da secção transversal do corpo imerso S T .
É possível definir um coeficiente, tal como o número de Reynolds, adimensional, C R ,
chamado coeficiente de resistência, através de
1
Fr = ρv 2 ST Cr
2
A partir desta expressão, podemos determinar o trabalho necessário para manter uma
velocidade v . Esse trabalho corresponde a uma potência
W 1
P = = ρv 3ST Cr
t 2
3
ρMex vMex
1=
ρ v
e portanto
v Mex ρ
= 3 ≈1.068
v ρMex
80 Capítulo 3
Tal como o fluxo através de um tubo é controlado pelo gradiente de pressão entre a
entrada e a saída do tubo, assim também o fluxo através da membrana, considerada
permeável ao fluido, é proporcional à diferença de pressão entre os dois lados da membrana.
Q
J =ρ
S
J
(3.14) Lp =
∆p
R1 poro =8ηL / πr 4
logo
(
Rmembrana =R1 poro / N =8ηL / Nπr 4 )
e
(
∆p =8ηL / Nπr 4 Q )
Usando a definição de fluxo,
ρN πr 4
J= ∆p
8ηLS
ρN πr 4
Lp =
8ηLS
Mecânica de Fluidos 81
dado que uma menor concentração na região I significa que o número de partículas de
solvente dessa região que encontram a membrana, e são portanto candidatas a passar à
região II, é maior que o número de partículas de solvente com origem na região II e que
fazem o percurso inverso.
D =L p RT ∆x
onde R=8.314 J K −1 mol −1 é a constante dos gases, que vamos reencontrar no Capítulo 4.
r 2 = 2 Dt
d = 2 Dt
Aplicação: Sabendo que as moléculas de glucose levam 0.1s para percorrer uma distância
média de 10µm por difusão, calcule o tempo que levam a percorrer a distância média de 1cm .
t10 µm 10 µm 2 −6
= =10 ⇒ t1cm =1x10 5 s
t1cm 1cm
82 Capítulo 3
Os processos de difusão são normalmente muito lentos e determinam os tempos
característicos de muitas trocas biológicas, ou a extensão em que essas trocas podem ser
realizadas.
∆c
J =L p ∆p −D
∆x
J = L p (∆p −RT∆c )
escrevendo-se
∆π =RT∆c
A pressão osmótica é a pressão que é necessário realizar no lado em que a solução é mais
concentrada para evitar o fluxo de solvente. Para um valor de pressão superior e este
obter-se-á osmose inversa.
Aplicação: Determine a pressão osmótica de uma solução de açúcar 10g /1 de água a 15º C .
Considere a massa molar do açúcar igual a 360g .
Tudo o que dissemos pressupõe que a membrana é plana e semipermeável. Se assim não
for a pressão de um dos lados da membrana pode ser equilibrada pela tensão superficial da
própria membrana que adquire uma certa curvatura. Vimos atrás que pela lei de Laplace a
diferença de pressão entre os dois lados de uma interface curva se escreve ∆p =2 γ / R . Para
uma membrana há que contar com duas interfaces sucessivas.
Aplicação: Uma célula esférica com um raio igual a 2µm tem no seu interior matéria ao qual é
impermeável numa concentração igual a 1x10 −3 mo / . A tensão de ruptura da membrana é
10 −2 N / m2 . Diga se a membrana se romperá quando ela for colocada em água pura. ( T =300K )
Existirá fluxo de solvente para o interior da célula até que a diferença de pressão hidrostática
iguale a pressão osmótica, π, devido à diferença concentração da matéria. referida :
Mecânica de Fluidos 83
π= ∆cRT =1× 8.314 ×300 =2.5×103 Pa
Pela lei de Laplace que relaciona a diferença de pressão hidrostática com o raio e a tensão
superficial de uma membrana esférica, vem:
πR
γ= =2.5×10 −3 N / m
2
84 Capítulo 3
CAPÍTULO 4.
TERMODINÂMICA
4.1.Introdução
Até agora tratámos sistemas formados por uma partícula ou um pequeno número de
partículas (cinemática e dinâmica), ou sistemas formados por um meio contínuo, rígido
(estática) ou deformável (fluidos). Na realidade, sabemos desde há 100 anos que a maioria
dos sistemas não está nem num caso nem no outro: são sistemas formados por um número
muito grande de partículas. Um número tão grande que a descrição detalhada do movimento
de cada uma delas, embora possível em princípio, é impossível na prática. Um número de
partículas tão grande que a descrição do sistema como um meio contínuo com uma certa
densidade em cada ponto tem em geral sentido, dado que aquilo que em termos
macroscópicos corresponde a um ponto é na realidade um pequeno volume que contém
ainda um número da ordem de 1015 ou mais partículas.
Ao estudar um sistema deste tipo do ponto de vista da mecânica dos meios contínuos, tal
como fizemos no capítulo anterior, estamos a deixar de lado todos os aspectos que têm que
ver com a existência desta estrutura microscópica. E isso levou-nos a algumas situações
pouco claras. O que é de facto a energia dissipada por um sistema mecânico com atrito?
Qual a origem da equação de estado, a relação a que fizemos referência no capítulo anterior,
entre a densidade, a pressão e a temperatura que caracteriza cada substância em equilíbrio?
E, sobretudo, o que é a temperatura?
Termodinâmica 85
4.2. Trabalho e Calor: A 1ª Lei da Termodinâmica
Consideremos, para fixar ideias, um gás contido num recipiente munido de um pistão, e
seja este o nosso sistema de muitas partículas.
Figura 4.1
Se quisermos conhecer a energia total do sistema, temos que ter em conta, para além da
contribuição mecânica macroscópica associada a uma certa distribuição de massa no campo
das forças que a estão a actuar, a contribuição mecânica microscópica que corresponde à
energia cinética das moléculas. Pela mesma razão, uma variação da energia total do sistema
pode ser obtida por dois processos, simultâneo ou alternativamente: modificando os
parâmetros macroscópicos de modo a que o sistema forneça ou receba trabalho; ou
transferindo energia directamente para o movimento desordenado das moléculas,
aumentando a sua energia cinética média. No caso do nosso sistema, o primeiro processo
corresponde a mover o pistão, fornecendo ao sistema uma energia dada por
W =− p∆V
Portanto, trabalho e calor são duas maneiras de transferir energia de ou para o sistema.
A primeira já nos é familiar, enquanto que a segunda corresponde a uma transferência de
energia para os graus de liberdade associados à estrutura microscópica do sistema, sem
modificar o valor dos parâmetros mecânicos macroscópicos.
Uma vez identificado o calor como outra forma de transferir energia mecânica, a
conservação de energia pode estender-se aos processos que envolvem também trocas de
calor, e temos
86 Capítulo 4
4.3. Temperatura e Equilíbrio Térmico: A 2ª Lei da Termodinâmica
Calor e temperatura são dois conceitos relacionados, e até confundidos devido ao uso
impreciso destes temos na linguagem quotidiana. Vimos já qual o significado físico do calor,
vejamos agora como interpretar a temperatura.
1 2
Figura 4.2
Ω T (U 1 ,U 2 )=Ω 1 (U 1 )Ω 2 (U 2 )
Ω T (U 1 ,U )=Ω1 (U 1 )Ω 2 (U −U 1 )
Termodinâmica 87
dΩ T
0= =Ω1′ (U 1 )Ω 2 (U −U 1 )−Ω1 (U 1 )Ω 2′ (U −U 1 )
dU 1
1 1
Ω1′ (U 1 )= Ω 2′ (U −U 1 )
Ω1 Ω2
1
Dado um sistema arbitrário, chamamos à função Ω ′(U ) , que tem as dimensões do
Ω
inverso de uma energia, 1 / τ . Esta grandeza depende apenas do sistema que estamos a
considerar, e, nesta notação, a condição de equilíbrio térmico escreve-se
(4.1) τ 1 =τ 2
τ
T (K )=
k
T (K )=T (º C )+273.15
Então, a condição de equilíbrio térmico (4.1) passa a ter o seguinte enunciado que nos é
familiar: o sistema formado por 1 e 2 está em equilíbrio térmico, isto é, o fluxo de calor
através da parede é nulo, quando as temperaturas T1 e T2 dos dois subsistemas forem
iguais.
S =k ln Ω (U )
dS Ω ′ (U ) 1
(4.2) =k =
dU Ω (U ) T
88 Capítulo 4
Em termos desta grandeza, a condição de equilíbrio termodinâmico entre dois
subsistemas 1 e 2 de um sistema isolado é equivalente a exigir que a entropia total
S =S1 +S 2 seja máxima. O enunciado da 2ª Lei da Termodinâmica, cujo significado em termos
microscópicos já analisámos, é então o seguinte: o equilíbrio termodinâmico de um sistema
isolado corresponde ao máximo da entropia desse sistema. Dito de outra maneira, esta lei
fixa um sentido para a evolução no tempo de um sistema a partir de um estado inicial A,
para um estado final de equilíbrio B: a entropia de B é maior que a de A, e um sistema
isolado não vai poder voltar ao estado inicial A. Se modificarmos os parâmetros do sistema
por forma a que B deixe de ser um estado de equilíbrio, o sistema evoluirá para um terceiro
estado C, com entropia maior que a de B, e portanto também maior que a de A.
dS 1
∆S = ∆U = Q.
dU T
Q (−Q ) 1 1
∆S = + = Q −
T1 T2 T1 T2
onde Q é o fluxo de calor que entra no subsistema 1. Portanto ∆S >0 implica que o calor
flua do sistema com temperatura superior para o sistema a temperatura inferior.
Termodinâmica 89
são sistemas isolados, estão em permanentes trocas com o exterior, para o qual “exportam”
entropia, de modo que a variação da entropia do sistema isolado organismo + resto do
universo é positiva embora a variação da entropia do organismo possa ser nula ou negativa.
Antes de acabar esta secção em que introduzimos o conceito de temperatura, vamos falar
um pouco sobre termómetros. Cada tipo de termómetro utiliza uma determinada
propriedade termométrica da matéria, e o seu funcionamento depende do estabelecimento do
equilíbrio térmico entre o termómetro e o sistema cuja temperatura se pretende medir.
Uma das propriedades termométricas mais utilizadas é o volume. De facto, a maioria dos
sólidos e dos líquidos dilatam-se quando aquecidos, ou seja, mais precisamente, o seu
volume V varia com a temperatura de acordo com a relação
∆V
= β∆ T
V
( )
onde β K −1 é o coeficiente de dilatação térmica. Os termómetros de mercúrio, por exemplo,
funcionam com base neste efeito.
Para medir temperaturas muito elevadas e evitar o contacto necessário para que se
estabeleça o equilíbrio térmico existem pirómetros ópticos, cujo funcionamento se baseia
numa outra propriedade. Todos os corpos emitem energia sob a forma de radiação
electromagnética, isto é, emitem fotões. A quantidade de calor H emitida por unidade de
tempo depende da temperatura do corpo de acordo com a Lei de Stefan
Q
H= = Ae σ T 4
∆t
90 Capítulo 4
emissividade é maior para corpos que absorvem melhor a radiação que neles incide, e é
menor para os corpos que são bons reflectores, como é de esperar dado que, no equilíbrio, a
radiação absorvida, que verifica uma lei do mesmo tipo, é equilibrada pela radiação emitida.
Assim, e=1 para um corpo negro ideal.
A relação entre o calor recebido por um sistema formado por uma certa substância e o
aumento da temperatura desse sistema é dada pela capacidade calorifica específica ou
calor especifico c , isto é, tem-se
Q =mc ∆T
Uma unidade muito utilizada para medir a energia sob a forma de calor é a caloria, que é
a quantidade de calor que é necessário fornecer a 1g de água para aumentar a sua
temperatura de 15ºC para 16ºC. Tal como o joule, a caloria é uma unidade de energia, e o
factor de conversão é
1cal =4.19 J
Termodinâmica 91
fornecer a uma unidade de massa dessa substância para que se opere totalmente a
mudança de estado. Portanto, o calor Q que é necessário fornecer para que uma massa m
da substância mude de estado é
Q = Lm
Aplicação: Qual a quantidade de calor necessária para fundir um bloco de gelo de 10 Kg que
está inicialmente à temperatura de −10º C
Q = 84 ,7 x10 4 cal
Q
H= =h A (T −T0 )
∆t
92 Capítulo 4
onde A é a área de contacto entre o corpo e o fluido e h é uma constante de
proporcionalidade que depende da situação concreta considerada. Para o caso do corpo
humano no ar em movimento, h =1,7 x10 −3 Kcal .s −1.m −2 .K −1.
Neste mecanismo, a quantidade de calor que atravessa por unidade de tempo uma secção
de área A de uma barra de comprimento é dada por
Q T1 −T2
H= =K A
∆t
onde T1 e T2 são as temperaturas nos extremos da barra e K é uma constante que depende
do material e se chama condutividade térmica.
1 dΩ 1
=
Ω dU kT
dΩ 1
Se reescrevermos esta expressão na forma: = Ω , e olharmos para esta equação
dU kT
como uma equação diferencial na função incógnita Ω ‚ é óbvio que a solução é uma função
de U da forma
U
Ω (U )=c e kT
Termodinâmica 93
U2 U −U 1 −U 1
Ω 2 (U 2 ) = c e kT = c e kT ∝ e kT
−U 1
Este factor e kT é em geral designado por factor de Boltzmann.
Pensemos então novamente num sistema com energia interna U em equilíbrio térmico à
temperatura T , mas suponhamos agora que as partículas do sistema estão sujeitas à acção
de um campo exterior cuja energia potencial E p é proporcional à distância medida ao longo
do eixo dos zz , E p = αz . Podemos pensar neste campo como sendo o campo gravítico, ou,
no caso de partículas carregadas, um campo eléctrico constante, que teria o mesmo efeito,
com a diferença de a força que actua as partículas ser proporcional à carga em vez de ser
proporcional à massa.
A energia potencial de uma partícula é energia que é “roubada” à energia interna total do
sistema. Por outras palavras, se uma partícula passar de uma altura z onde tem energia
potencial E p =αz para uma altura superior z + ∆z , onde a sua energia potencial passa a ser
E p + ∆E p , o sistema no seu conjunto passa a dispor apenas de uma energia U −∆E p para
distribuir pelos graus de liberdade associados à sua estrutura microscópica.
U
Como Ω (U )∝e kT , isto significa que a probabilidade de encontrar uma partícula com uma
∆E p
−
kT
energia potencial ∆E p acima da mínima é proporcional a e . Em termos
macroscópicos, esta variação da probabilidade com a energia potencial da partícula vai dar
origem a variações da concentração com a altura. No caso de partículas no campo gravítico,
teremos uma variação de concentração C com a altura z dada por
mgz
−
C ( z) = C ( 0) e kT
dado que neste caso E p (z )=E p (0 )+mgz . No caso de iões carregados de carga ne , onde n é a
valência do ião e e é a carga do electrão, a energia potencial associada a um campo
eléctrico constante E , entre as paredes de uma membrana, é dada por:
E p elect . =neV (z )
neV (z )
−
C (z )=C (0 )e kT
94 Capítulo 4
ne (Ve −Vi )
Ce −
kT
=e
Ci
k T Ci
Ve - Vi = ln
ne C e
70
Ci 70 × 10 −3 C
log =− ⇔ e = e 26.7 = 13.76
Ce 26.7 × 10 − 3 Ci
O factor de Boltzmann e o modelo associado permite ainda compreender por que razão o
coeficiente de difusão D, de que se falou no capítulo anterior, é proporcional à temperatura.
Consideremos um gás ou uma solução com uma concentração de equilíbrio que varia com a
altura de acordo com
zF
−
C (z )=C (0 )e kT
onde F é uma força exterior constante vertical e dirigida de cima para baixo. Esta
concentração de equilíbrio é o resultado de dois fluxos que se compensam: um, a que
chamaremos fluxo de deriva‚ é o fluxo devido ao movimento das partículas sob a acção da
força F e das forças de viscosidade do fluido, o qual como vimos se dá com uma velocidade
constante, v , dada pela lei de Stokes; o outro, a que chamaremos fluxo de difusão, é o
devido apenas à assimetria das concentrações acima e abaixo de uma camada horizontal
qualquer que se quiser considerar.
Seja então uma camada fina à altura z . O fluxo de deriva através desta camada é dado
por
Termodinâmica 95
jder =v C (z )
e dirigido segundo o sentido negativo do eixo dos zz , enquanto que o fluxo de difusão é
dado, como já vimos, por
dC (z )
jdif =D
dz
e está dirigido da maior para a menor concentração, ou seja, no sentido positivo do eixo dos
zz . O equilíbrio corresponde à igualdade entre os dois fluxos, jder = jdif , ou seja,
dC (z ) v
= C (z )
dz D
zF
−
e como C (z )=C (0 )e kT , temos
F v
=
kT D
vkT
D=
F
F
Para esferas de raio r v = , onde η é a viscosidade do meio e vem
6 πr η
kT
D=
6 πrη
O modelo de gás de que dispomos neste momento consiste num conjunto de partículas
em número da ordem de 1023 , juntamente com uma expressão geral, que é o factor de
Boltzmann, para a probabilidade de que, a uma certa temperatura uma partícula esteja num
estado ao qual corresponde uma energia E acima da energia mínima. Esta distribuição de
probabilidade permite-nos calcular médias para a posição e para a velocidade de cada
partícula. Por outro lado, o nosso modelo fornece uma descrição microscópica para as forças
de pressão que são devidas à transferência de momento linear das partículas quando estas
chocam com a parede do recipiente que contém o gás.
96 Capítulo 4
partículas N , do volume V em que estão distribuídas, e da temperatura T , que determina
a forma da distribuição de probabilidade para a velocidade de cada partícula. O resultado
deste cálculo, com a suposição adicional de as moléculas não interagirem entre si e
desprezando a influência do campo gravítico, é o expresso pela equação
T T
p = Nk ou p =n R
V V
No caso em que as hipóteses básicas em que assenta a dedução desta lei não se verificam
é necessário ter em conta correcções. A lei descreve com bastante exactidão o
comportamento dos gases raros, e em boa aproximação, o da maioria dos gases, desde que
se encontrem longe da condensação, regime em que a interacção entre as moléculas começa
a ser determinante. Por outro lado, se quisermos considerar grandes variações de altura,
isto é, se por exemplo estivermos a considerar o comportamento de gases na atmosfera em
vez do comportamento de um gás contido num recipiente à superfície da Terra é necessário
ter em conta a influência do campo gravítico terrestre. Como já vimos, tomando em
consideração a dependência do factor de Boltzmann na altura, concluímos que a densidade
decresce exponencialmente com a altura. Portanto, a pressão, que pela lei dos gases ideais é
proporcional à densidade, decresce também exponencialmente com a altura.
O modelo que utilizámos para calcular a pressão também permite calcular o valor médio
3
da energia cinética de uma molécula de qualquer gás, que é Ec = kT . Como neste cálculo
2
se desprezam todos os tipos de forças, tanto externas como de interacção entre as
partículas, a energia interna U do sistema é apenas devida à energia cinética das moléculas
e temos
3N 3
U= kT ou U = n RT
2 2
que é uma segunda equação de estado para o gás ideal. Esta equação permite
imediatamente determinar o calor especifico a volume constante, CV . Se fornecermos ao gás
uma certa energia Q sob a forma de calor, temos
3
Q = ∆U = n R ∆T
2
e portanto
Termodinâmica 97
Q 3
Cv = = nR
∆T 2
Note-se que, de acordo com a lei dos gases ideais, a pressão aumenta neste processo. Se o
aquecimento for feito a pressão constante, então o volume do gás aumenta dado que
nR nR
∆p = ∆T − 2 T∆V =0
V V
ou seja,
V ∆ T =T ∆ V
e parte do calor fornecido é devolvido ao exterior sob a forma de trabalho realizado pelo
sistema quando o volume se expande. Neste caso,
3
∆U =Q +W =Q − p∆V = n R ∆T
2
3 3 V
Q = n R ∆T + p∆V = n R ∆T + p ∆T =
2 2 T
3 5
= n R +n R ∆T = n R ∆T
2 2
5
e portanto o calor específico a pressão constante é C p = n R .
2
C p −CV =nR
Na secção 3, considerámos dois sistemas que podiam trocar calor entre si, e vimos que o
equilíbrio, ou seja, o máximo da entropia, correspondia à igualdade da temperatura dos dois
sistemas. Suponhamos agora dois sistemas em contacto com volume fixo e termicamente
isolados, mas que podem trocar partículas entre si. Repetindo o mesmo raciocínio, podemos
verificar que a condição de equilíbrio entre os subsistemas é agora
98 Capítulo 4
dS1 dS2
=
dN1 dN 2
∂S
µ = −T
∂N
onde a derivada parcial indica que admitimos, em geral a hipótese do sistema ter outros
parâmetros variáveis para além do número de partículas. Então, a condição de equilíbrio
térmico e difusivo entre dois sistemas é
T1 =T 2
µ1 = µ 2
Da mesma maneira que se viu que, partindo de dois sistemas com temperaturas
diferentes em contacto térmico, o calor flui do sistema a temperatura superior para o de
temperatura inferior até que se atinge o equilíbrio, é fácil constatar que o sentido da troca de
partículas que provoca um aumento de entropia é do sistema com maior potencial químico
para o de menor potencial químico.
É então evidente que o potencial químico está relacionado com a concentração. Vejamos
como, voltando a considerar um gás ideal ou uma solução ideal em equilíbrio num campo
exterior, e seja ∆E p > 0 a diferença entre a energia potencial associada ao subsistema 2 e a
associada ao subsistema 1. O quociente entre as concentrações de equilíbrio é
∆Ep
C2 − kT
=e
C1
∆E p
log C2 −log C1 = −
kT
ou seja,
Mas esta tem que ser a condição de equilíbrio µ1 = µ 2 , pelo que a expressão para o
potencial químico em função da concentração é
C
µ − µ0 =kT log + ∆E p
C0
Termodinâmica 99
Até agora considerámos o potencial químico devido à presença de apenas uma espécie de
moléculas, isto é, admitimos que o nosso sistema modelo tem um número variável de
partículas, N todas iguais. Vamos agora estudar um tipo particular de sistema com dois
componentes, digamos água e soluto, em que o número de moléculas de água, N a , e o
número de moléculas de soluto, N S , podem variar. Sobre o nosso sistema modelo vamos
fazer as seguintes hipóteses: as moléculas de uma e outra espécie são aproximadamente da
mesma forma e tamanho, e as interacções entre moléculas não distinguem entre as duas
espécies. No caso destas hipóteses se verificarem, a solução diz-se ideal. Suporemos ainda
que a solução é diluída, isto é, N a >>N S .
(N a +N S )!
Ω (N a ,N S )=
Na!NS!
microstados diferentes, que se obtêm trocando entre si partículas das duas espécies
presentes. Claramente, Ω (N a ,N S =0 )=1 , de modo que a entropia devida à mistura é
N a +N S N +N
=k N a log +k N S log a S
Na NS
∂S ∂ N +N S N +N S
µa = −T = − kT N a log a + N S log a =
∂N a
∂N a Na NS
N 1
− S2
= −kT log a =
N +N S Na NS
+N a + NS
Na N a +N S N a +N S
Na NS
N a +N S Na
=−kT log =kT log
Na N a +N S
∂S NS
µS =− T =kT log
∂N S N a +N S
100 Capítulo 4
Para soluções muito diluídas, N a >> N S , a última equação pode escrever-se na forma
CS
µS =kT log
Ca
CS N S NS
onde CS é a concentração de soluto, dado que = ≅ .
Ca N a N a +N S
Note-se que esta expressão coincide com a que obtivemos anteriormente quando
considerámos sistemas com apenas uma espécie de partículas.
Na NS
µ a =kT log =kT log(1 − )
N a +N S Na + NS
NS C
(4.3) ≅ −kT ≅ −kT S
N a +N S Ca
p C p−kTC S
µa = −kT S , ou ainda µ a =
Na Ca Ca
V
onde ambas as concentrações são medidas em número de partículas por unidade de volume.
∆p −kT∆C S
µ a2 − µ a1 =∆µ a =
Ca
Termodinâmica 101
C S2
µ S2 − µ S1 =∆µ S =kT log
C1
S
102 Capítulo 4
CAPÍTULO 5.
ELECTRICIDADE
5.1. Introdução
Um nervo é formado por muitas células nervosas, cada uma das quais é capaz de
transmitir impulsos nervosos num sentido determinado, ligadas entre si de maneira a
construir um feixe de um grande número de canais de transmissão independentes. As
células nervosas são muito alongadas e não são simétricas: uma das suas extremidades é a
de entrada do sinal, a outra a de saída, e as duas estão ligadas por uma porção alongada do
corpo da célula, o axónio, ao longo do qual o impulso se transmite quase sem deformação, e
que pode chegar a atingir comprimentos da ordem de um metro como, por exemplo, na
espinal medula.
A extremidade de entrada tanto pode ser um transdutor que transforma por exemplo a
temperatura, ou a tensão mecânica, a que está sujeita, num impulso eléctrico, como uma
junção com outra célula nervosa (sinapse). Na extremidade de saída o axónio ramifica-se
num conjunto de terminações mais finas, cada uma delas ligada ou à extremidade de
entrada de outro neurónio ou a uma célula da fibra muscular que o nervo comanda. O
axónio é um longo cilindro de propriedades semelhantes às de um cabo eléctrico com um
diâmetro que pode atingir a ordem das dezenas ou mesmo centenas de µm , ao longo do
Electricidade 103
dendrite
Corpo da célula
Núcleo Sinapse
Camada da mielina
1mm
Nó de Ranvier
Figura 5.1
Figura 5.2
[Na +]ext/[Na +]int =9.7 [K +]ext/[K +]int =0.03 [Cl -]ext/[Cl -]int =13.9
104 Capítulo 5
No essencial um axónio é um cilindro rodeado por uma membrana que separa o fluido
intercelular do fluido extracelular; as concentrações de iões Na + , K + e Cl − são diferentes
nos dois fluidos (Figura 5.2) e, na situação de repouso, existe uma diferença de potencial de
70mV entre o fluido extracelular na vizinhança da parede da célula e o axoplasma. Os
impulsos nervosos são alterações desta diferença de potencial que se propagam ao longo do
axónio, isto é, impulsos eléctricos, e para entender este fenómeno precisamos de conhecer o
que a física nos diz sobre a electricidade.
Do ponto de vista histórico, a base da electrostática é a lei de Coulomb, que nos diz que
duas cargas q1 e q2 exercem uma sobre a outra uma força F dada por
q 1q 2 r
(5.1) F =k 2
r r
isto é, uma força dirigida ao longo da linha que une as duas cargas, atractiva ou repulsiva
conforme as cargas tenham sinais diferentes ou o mesmo sinal, e de módulo proporcional ao
produto das cargas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre elas. A
carga mede-se em Coulomb no sistema internacional e a constante k vale 9.109 Nm 2 C −2 ,
1
k=
4πε 0
(aproximadamente igual à do ar). No caso de outros meios, como veremos em (5.3.), tem-se,
k= 1 onde ε é a permitividade eléctrica ou constante dieléctrica desse meio.
4πε
Note-se a analogia entre esta lei de interacção e a lei de interacção gravítica: a constante
de proporcionalidade k corresponde à constante G , e as cargas correspondem às massas,
com a importante diferença de que podem ter o mesmo sinal ou sinais contrários.
Tal como uma massa gera no espaço ao seu redor um campo gravítico, também uma
carga q1 em repouso cria num ponto r um campo electrostático, dado por
1 q1 r
(5.2) E=
4πε 0 r 2 r
O campo electrostático no ponto r define-se como a força por unidade de carga que se
exerceria sobre uma carga situada no ponto r ou, o que é equivalente, uma carga q2
colocada no ponto r do campo E é actuada por uma força
Electricidade 105
1 q1q 2 r
F = q2 E =
4πε 0 r 2 r
onde o integral é calculado ao longo do percurso da carga q entre A e B e F é a força
exterior que anula a força associada ao campo E . Portanto
W = F ⋅ dr = ∫ − qE ⋅ dr = −q ∫ E ⋅ dr
Tal como o campo gravítico, o campo electrostático é conservativo, o que implica que o
integral anterior é independente do caminho escolhido entre A e B e portanto
W = q [V (B ) − V (A )]
onde V , o potencial eléctrico associado ao campo E , é a função que verifica
∂V
E =−
∂r
∂
Como referimos no Capítulo 2, o símbolo designa-se por gradiente (representa-se
∂r
também por grad). Este operador generaliza a noção de derivada de uma função de uma
variável a funções definidas num plano ou no espaço físico tridimensional. No caso de
d
problemas em dimensão 1, o gradiente coincide com a derivada habitual, ; em dimensão
dx
superior, o gradiente é a derivada tomada sobre a direcção ao longo da qual a variação da
função é máxima. Sendo o campo electrostático E o gradiente do potencial electrostático V ,
a sua direcção será sempre a direcção perpendicular às superfícies equipotenciais, uma vez
que essa é a direcção que maximiza a variação do potencial eléctrico.
+q
Figura 5.3 Linhas de força e equipotenciais para o campo electrostático criado por uma
carga +q
No caso do campo E criado por uma carga q no espaço tridimensional, tem-se
106 Capítulo 5
∂ 1 q
1 q r
E= = −
4πε 0 r 2 r ∂r 4πε 0 r
1 q
V =
4πε 0 r
dV ∆V 70.10 −3
E = Ee1 = − e1 ≅ − e1 ≅ − e1
dx ∆x 40.10 −9
energia é utilizada pela célula para fosforilar ADP produzindo ATP, molécula que armazena a
energia libertada por este processo. Por sua vez, é a hidrólise do ATP que fornece a energia
necessária para o transporte de iões através da membrana “contra” o potencial. Este
mecanismo de transporte de iões é essencial para que, ao contrário de um rastilho de
Electricidade 107
pólvora, um nervo possa transmitir impulsos mais do que uma vez, pois permite restabelecer
as concentrações iónicas de equilíbrio após a passagem do impulso nervoso.
d=1m
O
Figura 5.4
calcular em que ponto se anula o campo eléctrico, e em que ponto se anula o potencial.
A única região onde o campo total pode ser nulo é à esquerda da carga positiva, dado que
entre as cargas os campos E1 e E2 têm o mesmo sentido e à direita da carga q 2 domina o
campo E2 , dado que q 2 é maior e está mais próximo. Tomando a origem do eixo dos xx na
posição de q1 temos
k 2k 1
E1 + E 2 = 0 ⇔ 2 − =0⇔x=
x (x − 1)2
1− 2
k 2k
V1 (x ) + V2 (x ) = 0 ⇔ − = 0 ⇔ x − 1 = 2x ⇔ x = −1
x x −1
O campo electrostático E e a carga q que o gera estão relacionados por uma propriedade
geométrica muito geral. Consideremos uma carga q situada na origem do nosso referencial
+q
Figura 5.5
e calculemos o fluxo φ do campo E que ela cria através da superfície de uma esfera de raio
onde n representa a normal unitária exterior à superfície e o integral é sobre toda a
superfície da esfera. Informalmente podemos pensar que o fluxo φ mede a densidade das
108 Capítulo 5
linhas de força que atravessam perpendicularmente a superfície. Em cada ponto da
superfície temos
1 q r q
E ⋅n = 2
⋅n =
4πε 0 r r 4πε 0 r 2
q q
φ = 4 πr 2 2
=
4πε 0 r ε0
A relação que encontrámos neste caso é verdadeira para qualquer superfície que envolva
qualquer distribuição de cargas em repouso e exprime a lei de Gauss: o fluxo do campo
electrostático através de uma superfície fechada é igual à carga total contida no interior da
superfície dividida por ε0 .
Esta lei geral dá-nos um instrumento para calcular o campo electrostático criado por
certas geometrias de distribuição da carga que aparecem frequentemente nas aplicações.
Vejamos alguns exemplos.
Considerando uma distribuição de cargas ao longo de uma linha com uma densidade
dq
linear constante λ = , apliquemos a lei de Gauss a um cilindro de raio r cujo eixo
dx
coincide com a linha ao longo da qual a carga se encontra distribuída.
L
+ +
+
+ +
+
E r
Figura 5.6
Q = λL
φ = 2πrLE
Electricidade 109
No cálculo de φ usámos o facto de por simetria, o campo E só depender do raio e ter a
direcção da normal exterior à sua superfície lateral, de modo que, em particular, o fluxo
através das bases do cilindro é nulo. Usando Φ = Q / ε0 o campo gerado por esta distribuição
de cargas é
λL 1 1 2λ 2λ
(5.4) E= = =k
ε 0 2πrL 4πε 0 r r
+
+ + +
+ +
+
+ a b
E + E
E S S
S +
a b
+
+ +
+ +
+ +
+
Figura 5.7
Q = Sσ
φ = S( Eb + Ea )
σ 1
(5.5) E= = 2πσ
2 ε0 4πε 0
110 Capítulo 5
Aplicação: Consideremos duas superfícies “infinitas” paralelas, uma com uma distribuição
superficial de carga σ e a outra com uma distribuição superficial de carga −σ , como se
representa na figura 5.8.
σ
_ ε0 +
←
Campo devido ao _ σ + Campo devido ao
plano negativo ε0 plano negativo
_
← +
+
σ +
_ ε0 +
Campo devido ao
← Campo devido ao
plano positivo _
σ + plano positivo
ε0
=
← =
_ +
0
0
I II III
Figura 5.8
Na região entre as duas placas (região II), supondo que a largura dessa região é
suficientemente pequena para que seja válida a aproximação que fizemos de considerar as
placas como superfícies infinitas, o campo é constante e dado pela soma do campo criado por
cada uma das placas, ou seja
σ
E=
ε0
Suponhamos que este é um bom modelo para a membrana de um neurónio, dado que a
espessura da membrana (da ordem dos nm ) é muito pequena quando comparada com o
tamanho da célula (da ordem dos µm ). Vimos já que o campo eléctrico no interior da membrana
é da ordem de 2.10 6 Vm −1 ou 2.10 6 NC −1 . Substituindo este valor na equação anterior vem que
2
σ será da ordem de 10 −3 Cm −2 ≅ 2.10 −5 Cm −2 .
36 π
Este valor dá-nos uma primeira estimativa para a concentração superficial de iões na
vizinhança das paredes celulares. Veremos em 5.3 que esta estimativa tem que ser corrigida por
um factor essencial que aqui não tomámos em conta.
Electricidade 111
- Campo eléctrico criado por um dipolo
Calculemos o campo e o potencial criados por um dipolo num ponto situado a uma
distância grande quando comparada com a separação entre as cargas (Figura 5.9). O
potencial em A será a soma dos potenciais criados em A pela carga positiva e pela
negativa, i.e.
A
r+
+q r
φ r-
d
φ y
-q x
Figura 5.9
kq kq
V = V+ +V− = −
r+ r−
d d
r+ ≅ r − senϕ r− ≅ r + senϕ
2 2
de modo que
112 Capítulo 5
kqdsenϕ senϕ
V = ≅ kqd
d2 r2
r2 − sen 2 ϕ
4
y
(5.6) V (x , y ) = kp 3
(x 2
+ y2 ) 2
A relação geral E = −gradV dá imediatamente, aplicando as regras do cálculo vectorial,
3y r 1
(5.7) E = kp 4 − 3 e 2
r r r
expressão que nos permite calcular o campo criado pelo dipolo em qualquer ponto.
Nos pontos situados sobre o eixo dos x ou o eixo dos y da Figura 5.9 podemos no
entanto calcular o campo eléctrico de uma maneira muito simples. Em primeiro lugar, é
óbvio que o eixo dos x , dado por y = 0 , é uma equipotencial. Portanto, a direcção do
∂V
E = −gradV = − e2 =
∂y
∂ y
= −kp 3
e2
∂y 2
(
x +y
2
)
2
y =0
kp
=− e2
r3
∂V ∂ y
2kp
E = −gradV = − e 2 = −kp e2 = e2 .
∂y ∂y 3
r 3
(
x2 + y2 2
x =0 )
Suponhamos agora um dipolo situado num campo uniforme E , produzido por uma
distribuição de cargas conveniente (Figura 5.10). A energia potencial electrostática U desse
Electricidade 113
dipolo é a soma dos potenciais electrostáticos de cada uma das cargas do dipolo, de modo
que temos
U = U + + U − = qV (1) − qV (2 ) = q (V (x + ) − V (x − ))
F1 +q
x+
θ
x0
-q x_
-F1
Figura 5.10
Uma vez que para um campo uniforme E = E e1 o potencial só depende da variável x e é da
forma V (x )=− Ex , temos
d
V (x + ) − V (x − ) = −E (x + − x − ) =− 2 E cos θ
2
e vem
U = −qd E cos θ
Definindo o momento dipolar vectorial p como um vector de módulo p =qd e direcção
(5.8) U =− p.E
Portanto, a configuração de energia mínima é aquela em que o dipolo está alinhado com o
campo exterior. De um ponto de vista puramente mecânico, podemos entender o
alinhamento do dipolo p com o campo E como o resultado do efeito sobre p , considerado
( )
como uma barra rígida, do binário F + , F − formado pelas forças que, devido à presença do
campo E , actuam cada uma das cargas (ver Figura 5.10).
Aplicação: Dois dipolos iguais estão separados de uma distância R , grande quando
comparada com a separação entre as cargas. Calcular a energia do sistema dos dois dipolos
quando estão orientados segundo as configurações indicadas na Figura 5.11.
114 Capítulo 5
R
p1 R p2
p1 p2
(a) (b)
Figura 5.11
O campo exterior a que cada dipolo está sujeito é o campo criado pelo outro dipolo. Então
temos
U = U1 + U 2 = −p1.E 2 − p 2 .E1
onde E2 (respectivamente E1 ) é o campo criado pelo dipolo 2 (respectivamente 1) no ponto em
2kp 2kp
E1 = 3 e1 , E 2 = − 3 e1
R R
p1 = pe1 , p 2 = −pe1
4kp 2
U=
R3
kp kp
E 2 = − 32 e 2 , p1 = p 2 = pe 2
E1 = − 31 e 2 ,
R R
e portanto
2kp 2
U=
R3
Num material condutor, os electrões de valência dos átomos que constituem o material
podem mover-se livremente. Na presença de um campo eléctrico exterior, essas cargas
deslocam-se de modo que, no equilíbrio, o campo eléctrico no interior do condutor é
Electricidade 115
nulo - se não fosse, as cargas deslocar-se-iam sob o efeito do campo exterior até que elas
próprias criassem um campo que anulasse exactamente aquele.
Num material dieléctrico as cargas têm alguma mobilidade: não podem mover-se
livremente de modo a cancelar completamente o campo exterior, mas podem produzir um
cancelamento parcial.
Epol
Eext
(a) (b)
Epol Etotal
Eext
Figura 5.12
A figura (a) diz respeito à situação em que não há campo exterior aplicado, e a
distribuição electrónica de cada átomo está centrada no núcleo, de modo que qualquer
região grande quando comparada com o raio atómico é electricamente neutra. Na situação
da figura (b), as cargas exteriores são responsáveis pela criação de um campo eléctrico Eext
cuja acção leva a um deslocamento das distribuições electrónicas. Cada átomo passa a ter a
configuração de um dipolo eléctrico e o material comporta-se como um conjunto de dipolos
eléctricos alinhados em relação ao campo exterior. Estes dipolos criam como já vimos um
campo E pol , proporcional ao momento dipolar p , com a mesma direcção e sentido
contrário. Como o momento dipolar é por sua vez proporcional ao campo exterior Eext que o
α
onde χ = é uma constante chamada susceptibilidade eléctrica do material.
1−α
116 Capítulo 5
Neste exemplo considerou-se um material sem momentos dipolares permanentes. Em
muitos casos, os dipolos eléctricos existem mesmo na ausência de campo exterior, devido ao
tipo das ligações químicas.
1 1
(5.9) E total = (1 − α ) E ext = E ext = E ext
1+ χ εr
dieléctrico o campo eléctrico é reduzido por factor εr em relação ao campo que existiria no
vácuo.
Chama-se condensador ao conjunto formado por duas placas paralelas (ou dois cilindros
coaxiais, ou duas esferas concêntricas) uma das quais tem uma carga +Q e outra uma
carga −Q . Vimos já que no caso de duas placas paralelas, o campo eléctrico no exterior é
nulo, e no interior é uniforme e vem dado por
1 1 Q
E= 4πσ = 4π
4πε0 4πε0 S
onde S é a área das placas. Como o campo é uniforme, o potencial varia linearmente com a
distância entre as placas, de modo que a diferença de potencial ∆V entre elas é dada por
4 πd Q
∆V = Ed = Q=
4πε0S C
dieléctrico, que consideramos neste caso ser o ar. Para um condensador plano arbitrário
com constante dieléctrica ε será
Electricidade 117
S
C =ε
d
permitividade eléctrica.
Para um valor q da carga de cada uma das placas a diferença de potencial entre elas
será V (q )=q / C . Assim, a energia necessária para carregar um condensador com a carga
total Q é
Q Q
q 1 Q2
U = ∫V (q )dq = ∫c dq =
0 0
2 C
membrana é de 5,6. De
S
C =ε
d
vem
C ε 5.10 −11
= = = 1,25.10 −3 Fm −2
S d 4.10 −8
Como
Q = C∆ V
Q C
= ∆V ≈1,25.10 − 37.10 − 2 ≈10 − 4 Cm − 2
S S
118 Capítulo 5
1
E= 4πσ
4πε
∆V = RI
l
R=ρ
A
1 l
R =
σ A
V 50
R = = .10 3
I 1,2
Electricidade 119
50 1 2,5.10 −2
.10 3 = .
1,2 σ 5
Outra quantidade relevante no caso dos circuitos eléctricos, relacionada com a resistência
e a intensidade de corrente é a potência dissipada. Esta resulta da transferência de energia
dos electrões para os iões do material sob forma de energia térmica. A energia libertada por
uma carga q que se desloca através de uma diferença de potencial ∆V é
W = q ∆V
∆W q
P = = ∆V = I∆V
∆t ∆t
P = RI 2
O problema essencial a resolver num circuito eléctrico é o de conhecer a corrente que flui
através dos seus ramos e a diferença de potencial (d.d.p.) entre quaisquer dos seus pontos.
Para além de saber que nos extremos de uma resistência se verifica a lei de Ohm , e que
através de um condensador não passa corrente (corrente contínua, em regime estacionário),
as regras mais simples para "resolver" um circuito são as de associações em série e paralelo
de resistências e condensadores
Resistências Condensadores
R1 R2 C1 C2
série
Req=R1+R2 1/Ceq=1/C1+1/C2
R1 C1
paralelo R2 C2
1/Req=1/R1+1/R2 Ceq=C1+C2
Figura 5.13
120 Capítulo 5
Aplicação: Considerando o circuito
6µ 3µ
a
18V 1 2
6Ω 3Ω 0V
b
Figura 5.14
Ce
18V 0V
Re
Figura 5.15
em que
R eq = R1 + R 2 = 9Ω
1
Ceq = = 2µF
1 1
+
6 3
18
I= = 2A
9
Vb = 6V
Q = VCeq = 36µC
Electricidade 121
36µC
∆V =18−Va = =6V
6µF
Va =12V
Va − Vb =6V
R1
V1
I1
R2
V2
A C
R3 I2
V3
B D
V4 I3 R4
Figura 5.16
I 1 R1 +( I 1 − I 2 ) R 2 +V 2 −V1 =0
( I 2 −I1 ) R2 + ( I 2 −I 3 ) R3 −V3 − V2 =0
( I 3 −I 2 ) R 3 −V4 + I 3 R4 +V 3 =0
122 Capítulo 5
De acordo com a notação utilizada na representação da fonte de tensão a barra mais
longa representa o polo positivo, de modo que a fonte V1 “favorece” a passagem de corrente
com sentido positivo na malha 1 , enquanto que a fonte V2 contraria essa passagem. Por
isso em relação ao nosso sentido convencional devemos tomar a d.d.p. aos extremos de V1
como negativa, e a d.d.p. aos extremos de V2 como positiva quando analisamos a equação
da malha 1 .
A 1ª lei de Kirchhoff mais não é do que uma consequência do facto de o potencial estar
bem definido em cada ponto: a soma algébrica das d.d.p. encontradas ao longo de qualquer
caminho com início e fim nesse ponto tem que ser zero.
A 2ª lei de Kirchhoff diz-nos que a soma algébrica das correntes que entram em cada
nodo do circuito (ponto onde se encontram 3 ou mais ramos do circuito) tem que ser nula.
O circuito da Figura 5.16 tem quatro nodos, A , B , C e D , e pela 2ª lei de Kirchhoff
aplicada ao nodo A ou ao nodo
I 1 − I 2 =I
onde I é a corrente que percorre a resistência R2 , no sentido que tomamos como positivo
para a malha 1 . Dito de outra maneira, a corrente I 1 no nodo A , separa-se em dois ramos,
I 2 e I , de modo que a equação
I 1 =I + I 2
exprime apenas a conservação da carga. Esta afirmação é tão intuitiva que já a usámos
quando escrevemos a equação das malhas.
I 2 =I + I 3
onde I é agora a corrente que percorre a resistência R3 no sentido que tomamos como
C1 C2 Ce
A B A B
Figura 5.17
queremos determinar a capacidade Ceq que substitui os condensadores de capacidades C1 e
C2 , sem alterar a d.d.p. entre os pontos A e B . Para que a condição referida se verifique
Electricidade 123
Q Q Q
= 1 + 2
Ceq C1 C2
são percorridos pela mesma corrente durante a carga (no estado estacionário não passa
corrente através dos condensadores) tem-se Q1 = Q 2 =Q , e vem
1 1 1
= +
Ceq C1 C2
C1
Ce
A B A B
C2
Figura 5.18
Q Q1 Q2
Neste caso, tem que ser = = , que é a tensão V entre os pontos A e B . Por
C C1 C2
outro lado, como na fase de carga a corrente que atravessa o segmento A B se divide entre
os ramos 1 e 2 temos Q =Q1 +Q 2 , de modo que vem
VC = VC1 + VC 2
e portanto
C =C1 + C2
18Ω
9Ω 6V 4Ω
12V
7Ω
24Ω
5Ω
Figura 5.19
124 Capítulo 5
Suponhamos que pretendemos determinar a potência consumida por este circuito. Nesse
caso, o mais cómodo é substituir este circuito por outro equivalente e mais simples (tal como
indicado na Figura 5.20).
R1
6V
12V
4Ω
R2 = 7 + 5 = 12
1
24Ω R= =6
1 1
+
18 9
R2
Figura 5.20
ou ainda
6Ω 6V
1
R= =8
1 1
+
12V 24 12
4Ω
Figura 5.21
e finalmente 6Ω 6V
12V
12Ω
Figura 5.22
6 I + 12 + 12 I − 6 = 0
18 I = −6
Electricidade 125
1
I =− A
3
1
isto é, a corrente é de A no sentido contrário ao que arbitramos. Portanto, a potência
3
dissipada é
6 12
P = R1 I 2 + R2 I 2 = + = 2W
9 9
Suponhamos que pretendemos mais informação, por exemplo conhecer qual a corrente que
atravessa a resistência de 7Ω .
24Ω
I I1 I
7Ω 5Ω
I2
Figura 5.23
1
I1 +I 2 =
3
24 I 1 −12 I 2 =0
2
portanto I 2 = A .
9
Consideremos agora o circuito representado na Figura 5.24. Este circuito, que se chama
circuito R C , tem como veremos grande importância em termos biológicos.
1
2
C
Figura 5.24
126 Capítulo 5
extremos do condensador é nula de modo que o circuito vai ser percorrido por uma corrente
I dada por
ε
I=
R
onde ε é a d.d.p. da pilha. À medida que o tempo passa, a passagem de corrente vai fazendo
com que se acumule uma carga Q no condensador (positiva no lado esquerdo da placa,
negativa no lado direito) de modo que ao longo da malha temos
Q
IR+ −ε =0
C
Portanto, à medida que o tempo passa, vai aumentado a tensão aos terminais do
condensador, e diminuindo a corrente que atravessa a resistência R . É possível mostrar
que esta evolução temporal é exponencial, com uma constante de tempo τ =RC .
ε
I V
t t
Figura 5.25
−t
−t
I = I0 e τ e Q=Cε 1− e τ
ε
onde I 0 = e τ =R C .
R
Ao fim de um tempo grande quando comparado com τ a corrente que atravessa o circuito
é praticamente nula, e a tensão aos terminais do condensador é praticamente igual a ε .
Suponhamos agora que num dado instante a partir desta situação tornamos a abrir o
interruptor 1 e fechamos depois o interruptor 2 , passando a ter o circuito da Figura 5.26.
R
+Q -Q
Figura 5.26
Electricidade 127
Neste instante, o circuito é percorrido por uma corrente I 0 dada pela 1ª lei de Kirchhoff
I 0 R −ε =0
Ao longo do tempo o condensador, que no instante inicial tinha acumulada uma carga
Q0 , vai descarregar-se, e ao mesmo tempo a corrente que percorre o circuito vai diminuir
−t −t
Q =Q0 e τ e I = I0 e τ
I
v
t t
Figura 5.27
Ao fim de um tempo grande quando comparado com τ , a corrente que flui no circuito é
desprezável, e o condensador está praticamente descarregado.
S ε
C
F F
Figura 5.28
Pretende-se:
(a) Calcular a força que as placas do condensador de 10 −12 m2 de área exercem uma
sobre a outra.
128 Capítulo 5
(a) A força F que as placas exercem uma sobre a outra é dada por F=QE , onde
−12
Q=CV =10 .1=10 −12 C é a carga de cada uma das placas e
σ Q
E= =
2ε ο 2ε ο A
é como vimos o campo eléctrico criado por cada uma das placas. Portanto
Q2 1 Q2
F= = 2π = 57.10 − 3 N
2ε 0 A 4πε 0 A
Quanto à energia dissipada sob a forma de calor, é dada pela energia do condensador
carregado, a qual como vimos é
1 Q2
U= = 0.5.10 −12 J
2 C
Rm
Electricidade 129
Cm
exterior interior
Figura 5.29
1 1 1
= +
R Rp Rm
Rp Rm
Figura 5.30
R p = ρp R m = ρm
Ap Am
R = 10 7.
Ap + Am
Portanto vem
Ap + Am Ap Am
7
= −1
+
.10 .10 .1012
( )
10 5 A p + A m = 1013 A p + A m
Ap Ap
+ 1 = 10 8 + 10 − 5
Am Am
e temos finalmente
Ap
≅10 − 8
Am
130 Capítulo 5
5.5. Corrente Alterna
Vamos considerar agora circuitos em que nos elementos activos (fontes de tensão ou
corrente) o sinal é alterno, e analisar o comportamento específico de cada um dos tipos de
elementos passivos que descrevemos (resistências, condensadores e indutores).
Para uma fonte de tensão alterna, a tensão aos seus terminais será alternadamente
positiva e negativa, dada por
v (t ) = V sen ωt ou v (t ) = V cos ωt
ou seja, com uma variação do tipo sinusoidal, de frequência angular ω e amplitude (valor
máximo) V . Esta tensão alterna vai produzir no circuito uma corrente instantânea, também
alterna, que passa ora num ora noutro sentido.
v V sen ωt
i= ⇒i =
R R
V
i= sen ωt = I sen ωt
R
V
ou seja é a amplitude da corrente vem dada por I = .
R
Verifica-se neste caso que tanto v como i são proporcionais a sen ωt , sendo portanto
ambas funções periódicas que oscilam com a mesma frequência. Verifica-se ainda que as
duas quantidades estão em fase, uma vez que os zeros e máximos das 2 funções ocorrem no
mesmo instante.
Tal como referimos no caso da corrente continua (corrente dc ) os electrões nas colisões
com os iões vão transferir energia para a rede cristalina, a qual vai aparecer sob a forma de
energia térmica. A potência dissipada neste processo é neste caso é
P = i 2 R = I 2 R sen 2 ωt
1 2
Pm = I R
2
Electricidade 131
Em geral a potência média é expressa em termos do valor eficaz da corrente Ief definido
2
Pm = RI ef
Logo
I ef = i = I 2 sen 2 ωt =
2 1 2 I
I =
2 2
V
Vef =
2
pode escrever-se
Vef
I ef =
R
Os aparelhos de medida medem, em geral, valores eficazes; para a tensão da rede, o valor
de 220V é o valor da tensão eficaz.
v = V sen ωt
e ainda
q = Cv = CV sen ωt
Como
dq
i =
dt
temos
π
i = ωCV cos ωt = ωCV sen ωt +
2
132 Capítulo 5
π
avançada de em relação à tensão (o mínimo para t = 0 da tensão, corresponde a um
2
máximo para a corrente).
Em geral define-se os fasores, I e V , que são vectores de módulos dados pelos valores
das amplitudes I e V respectivamente e que rodam com uma velocidade angular ω de tal
modo que os valores instantâneos i e v são representados pela projecção do fasor
respectivo sobre o eixo dos xx .
I
i i I
V
v
ωt v
V
ωt
(b)
(a)
Figura 5.31
Pode dizer-se que no caso de uma resistência os fasores I e V estão em fase (Figura
5.31), enquanto que no caso de um condensador, o fasor da corrente esta avançado de 90º
(Figura 5.32).
π π
i = I sen ωt + = ωCV sen ωt +
2 2
I
i
V i
v I
ωt
v
V
ωt
(a) (b)
Figura 5.32
Electricidade 133
A partir de I = ωCV podemos definir uma quantidade equivalente à resistência de uma
simples componente resistiva. Chama-se reactância capacitiva à quantidade
1
Xc =
ωC
tal que
V Vef .
I= e I ef . =
Xc Xc
Considerando agora um circuito que possui apenas um indutor como elemento passivo,
para uma tensão alterna
v = V sen ωt
di
e uma vez que no caso do indutor v = L
dt
V sen ωt di
=
L dt
V V π π
i=− cos ωt = sen ωt − = I sen ωt −
Lω Lω 2 2
π
ou seja, a corrente está atrasada de .
2
I
i
v
V V
v ωt
ωt
I
ωt
(a) (b)
Figura 5.33
134 Capítulo 5
Define-se neste caso a reactância indutiva X L tal que
V V
I = = ⇒ X L = ωL
X L ωL
1 1 1
- associação de impedâncias Z1 e Z 2 em paralelo = +
Z equiv Z1 Z 2
Para um circuito que inclui os três tipos de elementos passivos (condensador, resistência
e indutor), alimentado por uma fonte de tensão alterna tal que v = V sen ωt
v
ε
~
i
R C L
vR vC vL
Figura 5.34
podemos dizer que vai haver um desfasamento entre a tensão e a corrente que circula no
circuito, ou seja
i = I sen (ωt − φ )
I
i
V i
v
I
v
ωt V
φ ωt ωt-φ
(a) (b)
Figura 5.35
Electricidade 135
E possível determinar i conhecendo as características dos diferentes elementos. Sabemos
que pela lei das malhas
v = v R + vC + v L
sendo
vr = IR sen ωt = VR sen ωt
π
v L = IX L sen ωt + = VL cosωt (tensão avançada em relação a corrente)
2
π
vC = IXC sen ωt − = −VC cos ωt (tensão atrasada em relação a corrente)
2
Representando num diagrama os fasores I , V R , V C e V L
v I
VL+VC
vL V
vR
VL φ
VR
VC
vC
Figura 5.36
tem-se
V 2 = VR2 + (VL − VC )2
V = VR2 + (VL − VC )2
(
= I 2 R 2 + IX L − IX C )2
= I R 2 + (X L − X C )2
2
1
= I R 2 + ωL −
ω C
136 Capítulo 5
2
1
Verifica-se assim que a quantidade R 2 + ωL − é a impedância do circuito
ωC
considerado.
1 3
C
~
R
2 4
Figura 5.37
tem-se
2
1
Ventrada = V12 = IZ (impedanciado circuito ) = I R 2 +
ωC
Vsaida = V34 = IR
O quociente
V34 V RI
= saida =
V12 Ventrada 2
1
I R2 +
ωC
vai ser pequeno para baixas frequências, enquanto que para altas frequências
Vsaida ≅ Ventrada
Este circuito fornece então um sinal de saída no qual as baixas frequências são
atenuadas relativamente às frequências elevadas, constitui por isso um filtro chamado
passa-alto.
Electricidade 137
Pelo contrário, no caso de um circuito RC , do tipo do representado na Figura 5.38 tem-se
1 3
R
C
~
2 4
Figura 5.38
I
Vsaida = IXc =
ωC
2
1
Ventrada = I R 2 +
ωC
logo
1
Vsaida ωC
=
Ventrada 2
1
R2 +
ωC
e serão os sinais de alta frequência que serão atenuados, constituindo assim um filtro
passa-baixo.
138 Capítulo 5
óbvio que, se a membrana do neurónio em repouso fosse permeável a estes iões, o sódio
fluiria para o interior e os iões negativos para o exterior acabando eventualmente por anular
a d.d.p. de repouso. No caso do potássio e do cloro, a partir das concentrações de equilíbrio
não é imediato saber qual o sentido do fluxo se a membrana fosse permeável.
Vamos examinar esta questão com mais detalhe. Como vimos no capítulo 3 e 4, um
gradiente de concentração de uma dada espécie iónica gera um fluxo J1 dado por
dC
J1 = − µ K T
dx
dc ∆C
≅
dx
J 2 = ρµE
dV ∆V
E =− ≅−
dx
de modo que
∆V
J 2 =−eC µ
dC dV kT dC
− µKT − eCµ =0 e dV = −
dx dx e C
kT
Vext − Vint = − log( Cext / Cint )
e
Reencontramos assim a equação de Nernst, que nos dá a condição de fluxo nulo (equilíbrio
dinâmico), ou seja, diz-nos qual a d.d.p. que é necessário aplicar para anular o efeito de uma
determinada diferença de concentração.
Electricidade 139
Aplicação: Determine o sentido do fluxo de iões potássio à temperatura de 310K se
Vext − Vint =30mV , C ext =3mol m −3 e C int =12mol m −3 .
Este valor é superior a 30mV , logo na situação do enunciado domina o efeito de difusão, e
V
B
Vrep A D
Figura 5.39
140 Capítulo 5
CAPÍTULO 6.
MAGNETISMO
6.1. Introdução
Sabemos hoje que a força magnética não é uma nova força fundamental; é uma
manifestação da força eléctrica no caso de cargas eléctricas em movimento. A unificação
das duas interacções, só estabelecida no séc. XIX, levou à designação de
electromagnetismo, teoria que engloba já as duas classes de fenómenos.
Magnetismo 141
6.2. Campo Magnético
Vimos que uma carga eléctrica cria um campo eléctrico em seu redor, e que este campo
vai exercer uma força noutras cargas eléctricas nele colocadas.
Em termos gerais pode dizer-se que existe uma relação estreita entre campos eléctricos e
campos magnéticos: a origem de um campo magnético é uma carga em movimento e o efeito
de um campo magnético é o de exercer uma força sobre outras cargas em movimento nele
colocadas.
Um magnete (por exemplo uma agulha de bússola) livre de rodar em torno de um eixo
vertical orienta-se sempre do mesmo modo; uma das extremidades aponta para o Norte e
outra para Sul, o que resulta do facto do magnete se comportar como possuindo pólos
magnéticos, em extremidades opostas, um pólo Norte e um pólo Sul. Tal como no caso das
cargas eléctricas, vamos ter também repulsão e atracção, respectivamente entre pólos do
mesmo tipo e de tipos diferentes. Vamos ter então uma interacção entre pólos magnéticos
que é semelhante à interacção entre cargas eléctricas, embora no caso magnético as
entidades reais sejam dipolos magnéticos, uma vez que os pólos N e S não existem
separados. Na realidade, cortando um magnete ao meio obtêm-se dois novos magnetes que
se comportam de novo como constituídos por um pólo Norte e um pólo Sul. Não existem
portanto monopolos magnéticos.
Tal como no caso eléctrico é possível interpretar a força magnética como consequência da
existência de um campo magnético, também vectorial, que designaremos por B , o qual
como qualquer campo vectorial pode ser caracterizado pelas linhas de força, definidas de
tal maneira que o campo B num dado ponto é dirigido segundo a tangente à linha de força
nesse ponto e tem uma intensidade que é proporcional à densidade de linhas de força que
atravessam uma secção transversal.
142 Capítulo 6
N
Figura 6.1
Poderíamos definir o campo magnético de uma forma análoga à que utilizámos para o
campo eléctrico, através da força que um magnete exerceria num pólo norte unitário
colocado nesse ponto. No entanto, essa definição não daria conta da verdadeira natureza
das interacções magnéticas, como veremos no que se segue.
Dissemos atrás que as correntes eléctricas criam um campo magnético e que um campo
magnético actua sobre correntes. De facto, se tivermos um fio condutor rectilíneo no qual
flui uma corrente eléctrica, um magnete (agulha de uma bússola) colocado perto do fio será
deflectido da sua posição N-S, o que indica que há um campo magnético na região em torno
do fio. O campo magnético é tal que se existisse um pólo N livre este mover-se-ia no campo
do mesmo modo que uma carga positiva num campo eléctrico.
Por simetria é fácil verificar que as linhas de campo correspondentes a esta configuração
elementar de corrente são círculos centrados no fio sendo o sentido do campo tal que pode
ser determinado pela chamada regra da mão direita. Veremos que a intensidade do campo
num dado ponto é proporcional à intensidade da corrente que percorre o fio e inversamente
proporcional `distância radial do fio ao ponto considerado.
Figura 6.2
Magnetismo 143
Tal como em electrostática a lei de Gauss relaciona o campo eléctrico com a distribuição
de carga que o gera, em magnetismo é possível deduzir a lei de Ampère, que relaciona o
campo magnético com as correntes eléctricas que o geram.
o que significa que o integral ao longo de qualquer percurso fechado c de B .d (projecção do
vector B segundo a tangente ao caminho do integral) é proporcional à intensidade total da
corrente que atravessa qualquer superfície delimitada pelo percurso fechado c . A constante
de proporcionalidade µ0 chama-se a permeabilidade magnética do vazio, e desempenha
neste contexto um papel análogo ao da permitividade eléctrica ε0 na electrostática. O seu
µ0 = 4π .10 −7 TmA −1
Para o caso que referimos anteriormente do campo criado por um fio rectilíneo percorrido
por uma corrente constante I, tal como indicado na figura 6.2, é fácil aplicar a lei de
Ampère. Considerando uma das linhas de campo circulares representadas na figura como
percurso fechado c , tem-se
∫ B.d = B 2πr
dado que B é tangente em cada ponto à linha c , e pela lei de Ampère
B 2πr = µ0 I
o que leva a
µ0 I
B =
2 πr
A lei de Ampère permite calcular o campo magnético nos casos em que o campo é
uniforme e tem simetria elevada.
No caso genérico, tem-se para o campo criado num ponto P por um pequeno elemento de
fio ∆ , que transporta uma corrente I , um campo magnético ∆B de módulo
µ0 I∆ sen θ
(6.1) ∆B =
4π r2
144 Capítulo 6
∆B
P’
∆l
θ
P
r ∆B
Figura 6.3
que é perpendicular ao plano formado pelo segmento de fio ∆ e pelo vector r , definido
entre o elemento de fio e o ponto considerado, sendo θ o ângulo entre a direcção de r e a
direcção de ∆ .
O sentido do vector ∆Β é dado pela regra da mão direita aplicada aos vectores ∆ e r .
Recordando a definição de produto externo, vemos que a expressão 6.1 se pode escrever na
forma vectorial
µ0 I
(6.2) ∆B = ∆ × r
4πr 3
que contem toda a informação sobre o módulo, a direcção e o sentido de ∆Β dada ao longo
deste parágrafo, e que se chama lei de Biot – Savart.
A equação (6.2) permite calcular o campo magnético criado por qualquer configuração de
correntes eléctricas, tendo em conta que o campo magnético total pode ser considerado
como a soma dos campos magnéticos elementares ∆B .
Aplicando este resultado ao caso simples de um anel circular de raio a , teremos para um
ponto P situado no eixo do anel, os vários elementos de corrente ∆ , que podem ser
definidos todos à mesma distância r de P , criando campos elementares ∆B que têm a
mesma intensidade e orientações tais que o ângulo, α , que formam com o eixo do anel é o
mesmo para todos eles e verifica
a
cos α =
r
∆I
r
a ∆B
α
∆B+∆B’
α
∆B’
r’
Magnetismo 145
Para cada elemento de corrente tem-se
µ0 I∆ sen θ
∆B =
4π r2
e como neste caso I ⊥r , senθ = 1 , vem para o valor do campo segundo o eixo do anel
2
N S
Figura 6.5
Para um solenóide ideal (empilhamento compacto das espiras) infinito (L >> d ) , o campo
146 Capítulo 6
Figura 6.6
1 l 3
Figura 6.7
tem-se, atendendo a que B = 0 em 3 e que as contribuições dos percursos 2 e 4 se
cancelem mutuamente,
∫ B .d = ∫
1
∫ ∫
B .d + B .d + B .d =
2 4
∫ Bd = B = µ NI
1
0
N
B = µ0 I
e pode dizer-se que para solenóides longos (tais que L >> d ), e sendo o meio no interior do
solenóide o vazio, o campo magnético criado no centro do solenóide é dado por
B = µ0nI
Magnetismo 147
Aplicação: O campo magnético terrestre no polo Norte magnético está dirigido segundo a
vertical de cima para baixo e tem o valor aproximado de 0,62G . Uma das hipóteses que se
considera para a origem do campo magnético terrestre é a de que este seja produzido por uma
corrente eléctrica no núcleo metálico líquido da Terra. Supondo que esta corrente é circular e de
um raio igual ao do núcleo (aproximadamente 2300 Km ), determine qual será o seu sentido e a
sua intensidade.
Pelo que acabamos de ver no estudo do campo magnético criado por um anel de corrente, o
sentido da corrente neste núcleo tem que ser o sentido directo (para um observador que olhe
para o plano equatorial da Terra desde o Polo Norte), e a sua intensidade I estar relacionada
com o campo magnético B , o raio da Terra e o raio do anel de corrente a através da equação
a2
B = µ 0I
2r 3
Como é
temos
I ≈ 43 × 108 A
Vimos que o campo magnético pode ser gerado por uma corrente eléctrica. Vamos agora
ver que um campo magnético actua sobre uma partícula carregada em movimento, logo
sobre uma corrente eléctrica (cargas em movimento).
Uma partícula carregada que se desloca num campo magnético é actuada por uma força
(força magnética) que depende da carga, da velocidade da partícula, do campo magnético e
da orientação relativa do campo magnético e da velocidade.
Mais precisamente, para uma partícula de carga q , que se move com uma velocidade v ,
num campo magnético B , a força magnética que actua sobre a carga, chamada força de
Lorentz, é dada por
(6.3) F = qv × B
Portanto, a força de Lorentz tem uma direcção que é perpendicular ao plano definido por
v e B , e para uma carga positiva um sentido que pode ser determinado pela chamada regra
da mão direita (ou do saca-rolhas). Para cargas +q e −q as forças correspondentes têm a
148 Capítulo 6
F
B B
v sin θ v sin θ θ
θ v
v
a b
Figura 6.8
A equação (6.3) diz-nos também que a intensidade é dada por F = qvB sen θ . A
intensidade da força de Lorentz será máxima e igual a qvB , no caso de v ser perpendicular
( )
a B θ = 90 0 , e nula para v paralelo a B .
A equação (6.3) é em geral utilizada para definir o campo magnético. A unidade do campo
magnético no sistema S.I., o Tesla (T), é definido como o campo magnético tal que a força
magnética que actua uma carga de 1C que se desloca com uma velocidade de 1m / s
segundo uma direcção perpendicular ao campo magnético é igual a 1N
1.N N
1.T = = 1.
m Am
1.C
s
- a força eléctrica realiza trabalho sobre a partícula acelerando-a, enquanto que a força
magnética não realiza trabalho (para um campo magnético constante) porque, como F
e v são perpendiculares, tem-se
F .ds = F .v dt = 0
Uma vez que a força magnética não realiza trabalho, a energia cinética de uma partícula
sujeita apenas à acção desta força não é alterada; o valor do módulo do vector velocidade
mantém-se constante, havendo apenas alteração da direcção do vector velocidade. O efeito
do campo magnético vai ser o de alterar a trajectória da partícula carregada.
Magnetismo 149
Vejamos que a trajectória de uma partícula carregada num campo magnético constante é
uma trajectória circular ou helicoidal.
Consideremos uma partícula de carga positiva que se move num campo magnético com
uma velocidade v que é perpendicular ao campo magnético B (uniforme), por exemplo tal
como se indica na Figura 6.9.
v
F v
F
F
B v
Figura 6.9
A força magnética vai ser perpendicular a v e B e tem módulo constante igual a qvB ; à
medida que a força modifica a trajectória da partícula (altera a direcção de v ), F vai variar
mas o seu módulo mantém-se constante, uma vez que o módulo da velocidade também se
mantém constante; uma tal força - constante em módulo e perpendicular em cada ponto ao
vector velocidade - é uma força centrípeta, levando a partícula a descrever uma trajectória
circular, com velocidade angular constante num plano perpendicular ao campo magnético.
O sentido da rotação é neste caso o sentido dos ponteiros do relógio, e seria contrário para
uma carga negativa. À força centrípeta considerada corresponde uma aceleração centrípeta
v2
tal que
r
mv 2
qvB =
r
o que implica
mv
r =
qB
Verifica-se assim que, para um campo magnético B constante, no caso em que v é
perpendicular a B , o raio da trajectória é proporcional ao momento linear da partícula
sendo a velocidade angular ou frequência angular ω independente da velocidade da
partícula e do raio da trajectória e dada por
150 Capítulo 6
v qB
ω= =
r m
Figura 6.10
O efeito conjunto das forças eléctrica e magnética sobre partículas carregadas é utilizado
em diversas aplicações, nomeadamente a nível da espectrografia e espectrometria de massa,
em aceleradores e reactores de partículas e ainda em aplicações que conhecemos de todos os
dias, como a televisão, o osciloscópio, etc. É ainda este efeito que explica alguns fenómenos
naturais conhecidos como a Aurora Boreal (Austral).
Uma vez que o raio da trajectória descrita é, neste caso, dado por
mv
r =
qB
Esta técnica é usada, em geral, para separar isótopos de uma dada espécie de iões com a
mesma carga, pelo que a razão das massas é obtida directamente a partir da razão dos
raios.
Magnetismo 151
Aplicação: Três espécies de iões mononegativos, oxigénio (16u.m.a.) , carbono (12u.m.a.) e uma
terceira espécie que se pretende identificar, entram num espectómetro de massa com a mesma
velocidade, e descrevem sob a acção da força magnética uma trajectória semicircular antes de
embater numa placa fotográfica. Sabendo que as manchas na placa fotográfica devidas ao
carbono e ao oxigénio estão separadas de 2,25cm e que os iões do elemento desconhecido
produzem manchas situadas a 1,16cm de distância da mancha do carbono, identifique o
terceiro elemento.
Como vimos, dado que a carga q , a velocidade v e o campo magnético B são todos os
mesmos para as três espécies de iões, a razão entre a massa do ião e o raio da trajectória que
descreve é a mesma para as três espécies, isto é, temos
m1 m 2 m 3
= =
r1 r2 r3
12 m 16
= =
d1 d1 + 1,16 d1 + 2,25
dado que quanto maior for a massa maior é o raio da trajectória, esta relação contém duas
equações,
12 16
=
d1 d1 + 2,25
12 m
=
d1 d1 + 1,16
152 Capítulo 6
B
Figura 6.11
6.4. Força Magnética sobre um Condutor Percorrido por uma Corrente Eléctrica
q
A
v
I
d
l
Figura 6.12
Existindo uma corrente eléctrica no condutor, cada carga q move-se com uma velocidade
(designada por velocidade de deriva) v d . Sobre cada carga q é exercida uma força
F = qv d × B
A força total na porção de condutor considerado obtém-se multiplicando aquela força pelo
número total de cargas nesta porção de condutor, dado por nA , onde n é o número de
cargas por unidade de volume; vem então
(
)
Ft = qv d × B (nA )
Magnetismo 153
considerando um vector , de módulo e direcção dada pela direcção da velocidade de
deriva v d uma vez que o valor da corrente eléctrica é
I = nqv d A
Sabendo que uma corrente que passa num fio rectilíneo cria um campo magnético e
sabendo ainda que um campo magnético actua sobre cargas em movimento, é fácil de prever
que no caso de dois fios condutores atravessados por correntes eléctricas vão aparecer
forças de interacção.
µ0 I1
B1 =
2 πr
I1 I2
B2 B1
l
F21 F12
Figura 6.13
onde r é a distância entre os condutores 1 e 2. A direcção B1 é perpendicular ao plano que
contém os dois condutores e o seu sentido é o que se indica na Figura 6.13, de modo que a
força F12 exercida por B1 sobre I 2 será dada em módulo por
µ0 I 1I 2
F12 = I 2 B1 sen θ = I 2 B1 =
2π r
154 Capítulo 6
µ0 I 2
B2 =
2 πr
e a força F21 que o condutor 2 exerce sobre o condutor 1 verifica
F21 = −F12
No caso de um fio de secção recta constante com uma forma arbitrária na presença de
um campo B , pode dizer-se que a força que se exerce sobre um segmento elementar d será
dada por
dF = I d × B
dl I
Figura 6.14
b
F = I d × B∫
a
b
F = I d × B = I ' × B
∫
( )
a
onde ' é o vector que vai do ponto a ao ponto b . Conhecido este resultado verifica-se de
imediato que para um percurso fechado, isto é, no caso de um anel de corrente, qualquer
que seja a sua forma, se tem
∫
F = I d × B = 0
Magnetismo 155
dl
I
Figura 6.15
A força magnética total que se exerce sobre um anel de corrente colocado num campo
magnético uniforme é nula. Isto não significa, como veremos, que não haja efeitos mecânicos
devidos à presença de B .
Como veremos, a contribuição total dos momentos das forças que se exercem sobre um
anel de corrente devido à presença de um campo magnético é em geral não nula, o que vai
dar origem a um movimento de rotação.
Figura 6.16
Teremos que a força nos lados de comprimento a é nula ( d e B são paralelos),
enquanto nos lados de comprimento b se tem
contrários
Fb1 = −Fb2
Fb a
/2
156 B O Fb Capítulo 6
Figura 6.17
Assim, se o anel puder rodar em torno de O , uma vez que os momentos em relação a O
das forças Fb1 e Fb2 têm o mesmo sentido, teremos
a a a a
M t = Fb1 + Fb2 = IbB + = IabB = IAB
2 2 2 2
sendo A um vector de módulo igual à área do anel, dirigido segundo a normal ao plano do
anel, e cujo sentido é definido a partir do sentido da corrente pela regra da mão direita.
Então se M t ≠ 0 , o anel roda no campo magnético B até atingir a posição de equilíbrio
dada por M t = 0 o que ocorre quando o campo B é perpendicular ao plano do anel dado
que nesse caso A e B são paralelos.
µ = IA ( A.m 2 )
Com esta definição de momento magnético pode-se generalizar o que foi demonstrado,
dizendo que um anel de corrente (qualquer que seja a sua forma) de momento magnético µ ,
num campo magnético uniforme B , fica sujeito a um binário cujo momento em relação ao
eixo é dado por
M = µ ×B
Este resultado é análogo ao que obtivemos para um dipólo eléctrico num campo eléctrico
E , onde τ = p × E .
Magnetismo 157
Vários aparelhos de medida (amperímetros, voltímetros) aplicam directamente este
efeito - uma bobina móvel vai rodar no campo magnético de um magnete fixo, quando
percorrida pela corrente que se quer medir, sendo o movimento respectivo indicado numa
escala (calibrada) por um ponteiro solidário com a bobina.
Sabemos agora que um anel de corrente, qualquer que seja a sua forma, gera um campo
magnético e tem um momento magnético µ = IA associado, cuja direcção é perpendicular ao
plano do anel. Sob a acção de um campo magnético exterior B , o anel (o momento
magnético) vai ter tendência a rodar para a posição correspondente a µ paralelo a B , de
uma forma análoga ao que acontece no caso de um dipólo eléctrico quando colocado num
campo eléctrico.
De uma forma idêntica ao que mostrámos no caso do dipólo eléctrico, pode mostrar-se
que a energia de interacção de um momento magnético com o campo magnético exterior é
dada por
U = − µ.B
Vamos ver que assim como um movimento de partículas carregadas leva ao aparecimento
de um campo magnético, também um campo magnético variável leva ao aparecimento de um
campo eléctrico.
Para analisar este efeito de uma forma quantitativa, é necessário considerar a quantidade
fluxo magnético (através de uma determinada superfície S ), que é proporcional à densidade
das linhas de força que atravessam a superfície considerada, e é dado por
∫ ∫
φm = B .ndS = B cos θdS
S S
158 Capítulo 6
Note-se a analogia entre este conceito e o de fluxo do campo eléctrico através de uma
superfície, introduzido no capítulo 5 a propósito da lei de Gauss da electrostática. No caso
de B ser constante e da superfície ser plana ( n constante), a expressão anterior reduz-se a
∫
φm = B cos θ ds = B cos θA
S
onde A é a área da superfície plana S . No caso particular de B ser perpendicular a S a
equação anterior fica apenas
φm = BA
A lei de Faraday da indução, que traduz o fenómeno que referimos atrás, estabelece que
a f.e.m. induzida no circuito é igual à taxa de variação do fluxo magnético através do circuito
considerado.
De facto, tem-se
dφm d
(6.4) ε =−
dt
=−
dt ∫
B .ndS
A
dφ m
em que ε e têm sinal contrário uma vez que a f.e.m. induzida tem uma polaridade tal
dt
que tende a produzir uma corrente cujo fluxo magnético se opõe à variação de fluxo
considerada. Ao enunciado contido na equação (6.4), que completa a lei de Faraday
determinando a polaridade da f.e.m. induzida, chama-se lei de Lenz. Verifica-se então que
se obtém uma força electromotriz sempre que:
Magnetismo 159
ε
L=−
di
dt
V .s
A unidade da indutância no S.I. é o Henry, H , e 1.H = 1. .
A
dφ m di
(6.5) ε = −N = −L
dt dt
quando estudámos os circuitos eléctricos: num indutor a relação entre a tensão e a corrente
di
é dada por V = L .
dt
di dφ
(6.6) V p (t ) = L = Np m
dt dt
dφm
(6.7) Vs (t ) = N s
dt
Ns
Vs = Vp
Np
160 Capítulo 6
Portanto, para N s > N p1 temos Vs > V p (função de step-up utilizada nas estações
distribuidoras), e para N s < N p1 temos Vs < V p (função de step-down utilizada nas estações
receptoras).
Magnetismo 161
Suponhamos um átomo no qual, segundo um modelo clássico (podemos utilizar um tal
modelo uma vez que as previsões neste caso estão em bom acordo com a teoria quântica), os
electrões descrevem orbitas circulares em torno do núcleo.
Um electrão que se move com velocidade constante numa orbita circular de raio r terá
2 πr
uma velocidade dada por v = , em que T é o período do movimento de revolução. Este
T
ev ev r
µ =iA = πr 2 =
2 πr 2
L
r
v
µ
Figura 6.18
q e ev
i = = =
T 2 πr 2πr
v
L = mv r
e
verifica-se que o módulo do momento magnético orbital do electrão µ = L é proporcional
2m
ao módulo do seu momento angular orbital.
Os vectores µ e L têm a mesma direcção (perpendicular ao plano da orbita) e sentidos
162 Capítulo 6
e
µ=− L
2m
h
A quantificação do momento angular orbital ( L = n , n = 0 ,1,2... onde h é a constante
2π
de Planck), que conhecemos da física quântica, leva-nos a concluir que o menor valor não
nulo do momento magnético orbital é
e
µ=
2m
h
onde =
2π
e
Esta quantidade , habitualmente designada por magnetão de Bohr, é usada em
2m
geral como unidade para o momento magnético.
Além do momento orbital, o electrão tem ainda uma propriedade intrínseca que contribui
também para o momento magnético - o spin. Ainda no quadro de uma descrição clássica, o
electrão pode ser encarado como uma esfera carregada que gira em torno do seu próprio eixo
ao longo do seu movimento em tomo do núcleo. A este movimento corresponderá uma
corrente e um momento magnético, momento magnético de spin, que para um electrão é
e
µ= = µB
2m
O momento magnético total para o electrão será então dado pela soma dos momentos
magnético orbital e de spin.
Na maior parte das substâncias, o momento magnético orbital total dos átomos é nulo (ou
muito pequeno), uma vez que o momento magnético orbital de cada electrão é cancelado pelo
momento magnético orbital de outro electrão que descreve a mesma órbita em sentido
contrário. Por outro lado, os electrões emparelham-se com spins (momento angular de spin)
opostos o que resulta também num cancelamento dos respectivos momentos magnéticos de
spin dois a dois.
Magnetismo 163
Vemos então que só átomos com camadas incompletas e electrões desemparelhados
possuem momento magnético. Podemos esperar que elementos como os elementos de
transição tenham momentos magnéticos elevados uma vez que possuem camadas internas
incompletas.
em que Bm , o campo produzido pela própria substância magnética, é dado por
Bm = µ0 M
Tem-se então
B = B0 + µ0 M
usando um novo vector H , designado por intensidade do campo magnético, definido por
B
H = −M
µ0
Define-se este vector porque enquanto que o campo magnético ou indução magnética B
depende do meio, o vector intensidade do campo magnético H só depende do campo exterior
aplicado, ou seja, das chamadas correntes livres.
logo
164 Capítulo 6
B0 = µ0 H = µ0nI
H = nI
o que significa que a intensidade do campo magnético é devida apenas à corrente que
percorre o solenóide.
Se, pelo contrário, no interior do solenóide for colocada uma substância magnética, o
campo magnético B é dado agora por dois termos, um termo ( µ0 H ) correspondente ao
campo obtido no caso anterior que resulta apenas das correntes nos fios do solenóide
(correntes livres), e outro ( µ0 M ) devido à magnetização da substância que resulta portanto
µm = µ0 (1 + χ )
pois
( ) ( )
B = µ0 H + M = µ0 H + χH = µ0 (1 + χ )H
muito)
Magnetismo 165
Para a maior parte das substâncias, substâncias paramagnéticas e diamagnéticas, o
efeito relativamente à modificação do campo magnético não é muito importante ( µm ≈ µ0 ), o
6.7.1. Diamagnetismo
Assim, para um átomo que não possui momento magnético, a aplicação de um campo
magnético leva ao aparecimento de um momento magnético na direcção contrária à do
campo aplicado. Este efeito existe para todo o tipo de átomos, sendo o único efeito do campo
exterior no caso de átomos com camadas completas.
Para substâncias constituídas por átomos com camadas incompletas, que possuem
momentos magnéticos permanentes, a aplicação de um campo magnético leva os momentos
magnéticos a alinharem-se com o campo exterior. O efeito residual que referimos no
parágrafo anterior, existe evidentemente também neste caso, mas é desprezável perante o
alinhamento dos momentos magnéticos permanentes dos átomos da substância.
Existe assim um efeito de alinhamento com o campo que é obviamente contrariado pela
agitação térmica, ou seja, num material paramagnético
B
M∝
T
166 Capítulo 6
onde T é a temperatura absoluta. O alinhamento verificado, que se traduz no valor de M ,
resulta de uma “competição" entre o campo magnético e a temperatura, competição que,
como se deduz do que vimos no capítulo 4, é “arbitrada” pelo factor de Bollzmann para estes
sistemas
µ .B
−
e kT
6.8. Biomagnetismo
A informação obtida a partir destas técnicas é do tipo da obtida a partir das técnicas
baseadas na análise directa da actividade eléctrica, electrocardiografia ou electroence-
falografia, apresentando como vantagem fundamental o facto de serem técnicas não
invasivas. Por outro lado, as técnicas magnéticas permitem a detecção de correntes que
variam muito lentamente no tempo, as quais estão em geral associadas a um
comportamento característico patológico das células. No caso das técnicas de electrografia, a
medida tem que ser insensível a pequenas variações no tempo de modo a eliminar os efeitos
dos potenciais parasitas que aparecem entre os eléctrodos e a pele.
Magnetismo 167
Vimos que o campo magnético numa região do espaço é alterado a partir da matéria: uma
substância diamagnética diminui o valor do campo no interior de um solenóide, enquanto
que uma substância ferromagnética aumenta esse valor.
É possível referir por exemplo, a existência de diferentes tipos de bactérias que possuem
pequenas partículas ferromagnéticas (cristais de magnetite) designadas por magnetossomas.
Estas bactérias (bactérias magnetotácteis), possuindo no seu interior partículas com uma
forte resposta a um campo magnético, vão ter tendência a orientar-se, como um íman, de
acordo com qualquer campo magnético exterior; este facto é verificado no laboratório, sendo
possível constatar que a aplicação de um campo magnético leva a um movimento muito
rápido das bactérias (100 µm / s ) .
Como qualquer organismo à superfície da terra, estas bactérias estão sujeitas ao campo
magnético terrestre ( 7 × 10 −5 T = 0 ,7 G ) sofrendo, pela sua constituição, uma influência
importante (tal como uma agulha de bússola), ao contrário da maior parte dos organismos.
Na realidade, as bactérias magnetotácteis, vão se deslocar de acordo com a polaridade dos
magnetossomas respectivos relativamente ao campo magnético terrestre. Sabe-se por
exemplo que no hemisfério Norte estas bactérias se vão deslocar procurando o Norte; em
168 Capítulo 6
princípio não parece haver nenhuma vantagem evidente neste movimento mas, sabendo que
estas bactérias vivem em meios com baixo teor em oxigénio, e que o campo magnético
terrestre tem no polo Norte uma inclinação para o interior, entende-se que o movimento
segundo a direcção do campo tem como função levar a bactéria a regiões de baixo teor de
oxigénio; depois de uma perturbação qualquer, este mecanismo de alinhamento tenderá a
levar a bactéria de novo às condições favoráveis. A confirmação desta hipótese reside no
facto de se verificar uma inversão de polaridade magnética (orientação das partículas de
magnetite) no caso das bactérias que vivem no pólo Sul onde o campo magnético terrestre é
dirigido para a superfície. A polaridade invertida leva, neste caso, as bactérias a deslocarem-
se para Sul e mais uma vez para o interior. Em princípio, quando as células destas bactérias
se dividem cada célula filha recebe um cromossoma magnético, mantendo assim a
orientação da célula mãe; ocasionalmente isto pode não acontecer.
Tal como no caso das bactérias magnetotácteis existem também algas que contêm um
número elevado ( ≅ 3000 ) de partículas magnéticas.
Pode referir-se ainda que tanto no caso das abelhas, como no caso dos pombos correios e
de alguns peixes, foram também encontradas na sua constituição partículas magnéticas do
tipo da magnetite. No caso das abelhas pode detectar-se no corpo um momento magnético
transversal, enquanto que nos pombos a magnetite está localizada na cabeça.
Magnetismo 169
CAPÍTULO 7.
ONDAS
Quando afastamos uma mola da sua posição de equilíbrio, a mola por si só tenderá a
voltar a essa posição, dando início a um movimento oscilatório que pode ser descrito como
um MHS, na situação ideal em que não haja atrito. Isto deve-se à acção de uma força cuja
intensidade é proporcional ao afastamento da posição de equilíbrio. Se x for o afastamento
da posição de equilíbrio, então F = −kx , onde k é uma constante que representa as
características da mola, e o sinal negativo traduz o facto de o sentido da força ser oposto ao
do deslocamento.
A segunda lei de Newton F = ma assume, neste caso, a forma
d2 x
ma = m = −kx
dt 2
ou ainda
Ondas 171
d 2 x kx
(7.1) + =0
dt 2 m
A teoria das equações diferenciais ordinárias permite integrar a equação anterior e outras
muito mais complicadas. A equação anterior é uma equação diferencial linear de segunda
ordem. Mas mesmo sem sabermos como integrá-la é fácil verificar que a função seno ou a
função cosseno são soluções da equação anterior. Com efeito, a segunda derivada do seno
em ordem ao tempo é proporcional ao próprio seno.
x = Asen ωt
dx
= Aω cosωt
dt
d2 x
= − Aω 2 sen ωt
dt 2
d2 x
(7.2) + ω2x = 0
dt 2
k
ω2 =
m
Portanto, cada uma das soluções encontradas não pode, por si só, descrever o MHS a
partir de uma posição inicial arbitrária. Mas é fácil ver que qualquer combinação linear
daquelas duas soluções é ainda solução de (7.1), de modo que a solução geral da equação
(7.1) será uma função da forma
x (t ) = acosωt + bsen ωt
x (t ) = Asen (ωt + ϕ )
172 Capítulo 7
em que ϕ é a fase inicial, que está relacionada com o desvio em relação à posição de
equilíbrio x = 0 em t = 0 .
ωT = 2π
ou seja
2π
T =
ω
1 ω
f = =
T 2π
1 k
f =
2π m
Até agora estudámos uma mola, ou oscilador, a oscilar numa situação ideal, apenas
sujeita à força de restituição e encontrámos como solução um movimento periódico, uma
oscilação que se repete indefinidamente. Nas situações reais o atrito não se pode desprezar,
e provoca um amortecimento do movimento, com perda de energia e consequentemente
diminuição gradual da amplitude.
No caso do oscilador ideal, uma vez que a força elástica é conservativa e está associada a
uma energia potencial dada por
1
Ep = kx 2
2
Ondas 173
2
1 dx 1 2
E= m + kx =
2 dt 2
m 2 2 k
A ω cos 2 (ωt + ϕ ) + A 2 sen 2 (ωt + ϕ ) =
2 2
1
kA 2 = constante
2
Para um oscilador real, em que existe uma força de atrito proporcional à velocidade do
oscilador que se opõe ao movimento, há energia que é dissipada e consequentemente uma
diminuição progressiva da amplitude.
d2 x dx
(7.3) m 2
+ kx = −α
dt dt
Comparando com (7.1), vemos que temos agora um termo adicional no segundo membro,
que corresponde a uma força de atrito Fa = −αv , proporcional à velocidade e que se opõe ao
d2 x dx
(7.4) + 2λ + ω2x = 0
dt 2 dt
α
onde o coeficiente λ = se chama coeficiente de amortecimento. A integração da equação
2m
(7.4) permite concluir que há dois regimes diferentes, correspondentes aos dois tipos de
soluções representados na Figura 7.1.
Criticamente sobreamortecido
amortecido
tempo
subamortecido
Figura 7.1
174 Capítulo 7
- Oscilador sujeito a uma força exterior: ressonância
Verificámos que nos movimentos oscilatórios a equação do movimento faz intervir uma
k
quantidade ω 2 que é característica do sistema em causa. No caso da mola tem-se ω 2 = .
m
Até aqui não nos preocupámos em saber qual era a força responsável por iniciar o
movimento oscilatório (cujo efeito se faz sentir apenas na determinação das condições
iniciais, posição e velocidade, do problema), e estivemos apenas interessados em estudar as
características desse movimento no caso em que a mola é deixada livre a partir do instante
inicial.
Suponhamos agora que aplicamos uma força exterior ao sistema e suponhamos que essa
força é sinusoidal (esta particularização não é limitativa na medida em que qualquer
excitação se pode escrever como uma sobreposição de funções sinusoidais através do
recurso à análise de Fourier). Seja então uma força exterior da forma F = F0 sen ω1t . Neste
caso a massa é “forçada” a oscilar com uma frequência ω1 que não é a frequência natural do
diferença, isto é, quanto mais próxima da frequência natural do sistema for a frequência da
força exterior aplicada. Estes sistemas têm assim uma capacidade selectiva de absorção de
energia para frequências próximas da sua frequência própria. A este fenómeno chama-se
ressonância e manifesta-se em situações físicas muito diversas.
Aplicação 2: Os otólitos, órgãos auditivos de que são dotados alguns animais e que permitem
captar as ondas sonoras, podem ser representados como osciladores estimulados exteriormente
por ondas acústicas e ligeiramente amortecidos devido à sua imersão num líquido.
Ondas 175
7.2. Movimentos Ondulatórios
Até aqui estivemos a discutir o movimento de uma única partícula. Vamos passar a
debruçar-nos sobre o chamado movimento ondulatório, que não é mais que um fenómeno
que consiste no movimento global de um conjunto de partículas que interagem entre si.
Existindo interacção entre as partículas dum dado meio, se uma partícula oscilar o seu
movimento comunica-se às partícula vizinhas, que vão entrando progressivamente em
vibração; fala-se então de uma onda, e alguns exemplos do dia a dia são: as ondas na
superfície da água que se formam na sequência de um impacto, as ondas sonoras no ar,
uma corda a vibrar, ou, para tomarmos um exemplo que não é mecânico, uma onda de surto
de gripe! Todos estes exemplos, excepto o último, correspondem à propagação de vibrações
num meio material, e chamamos-lhe por isso ondas mecânicas. Até ao século XIX pensou-se
que todas as ondas pressupunham a existência de um meio material que lhes servisse de
suporte e muito se especulou acerca das propriedades do meio no qual a luz (que como
veremos também é um fenómeno ondulatório) se propagava e que desafiava tenazmente
numerosas tentativas de detecção. Hoje sabemos que assim não é; as ondas
electromagnéticas (luz vísivel, ondas de rádio, sinais de TV, raios X) propagam-se no vácuo,
na ausência de qualquer meio.
Se afastarmos da posição de equilíbrio uma corda presa nas extremidades damos início a
uma onda transversal que se propaga ao longo da corda (corda vibrante). No interior dos
sólidos propagam-se em geral ondas longitudinais e ondas transversais; as primeiras
correspondem a compressões e descompressões e as segundas a tensões laterais. Os sismos
envolvem também a propagação dos dois tipos de ondas (as ondas longitudinais designam-se
por ondas P e são as mais rápidas e as ondas transversais chamam-se ondas S ).
O impulso inicial que dá origem a um fenómeno ondulatório tem duas características que
definem o efeito produzido: a amplitude A e a frequência f (ou o período T ); estas
grandezas são características da fonte emissora. Pelo contrário, o comprimento de onda λ e
a velocidade de propagação v são característicos do meio no qual a onda se propaga. A
velocidade de propagação do som no ar é 344m / s , sendo nos sólidos um pouco maior e na
água cerca de 1460 m / s . Os meios podem ou não ser dispersivos, ou seja podem ou não ter
176 Capítulo 7
ϕ ( x , t ) . A perturbação que dá origem à onda encontra-se no instante t = 0 na posição x = 0 .
No instante posterior t encontra-se em x = vt , sendo v a velocidade de propagação. O
comprimento de onda λ é a distância mínima entre dois pontos da onda que se
comportem identicamente (dois nodos, dois ventres ou dois cumes sucessivos, ou em geral
dois pontos desfasados de 2π ). O comprimento de onda é portanto o “período” espacial da
onda, ou seja, o número λ tal que
(7.5) ϕ (x , t ) = ϕ (x + λ , t )
(7.6) ϕ (x , t ) = ϕ (x , t + T )
ϕ (x , t ) = ϕ (x − vt )
ϕ (x + λ − vt − vT ) = ϕ (x − vt )
pelo que
v
λ = vT =
f
ou
v = λf
ω = 2π f = 2π / T
ou seja
ωT = 2 π
Ondas 177
kλ = 2π
λ 2π ω ω
v= = =
T k 2π k
Acabámos de ver que quando a perturbação se propaga no sentido positivo do eixo dos
xx , a onda originada tem a forma
ϕ (x , t ) = ϕ (x − vt ) = ϕ (κx − ωt )
ϕ (x , t ) = ϕ (x + vt ) = ϕ (κx + ωt )
Tanto a função ϕ (x − vt ) como a função ϕ (x + vt ) são soluções da equação das ondas que
∂ 2ϕ 2
2 ∂ ϕ
(7.7) − v =0
∂t 2 ∂x 2
κ
v=
ρ
dp dp
κ = −V =ρ
dV dρ
No caso das vibrações transversais de um meio elástico unidimensional, por exemplo uma
corda tensa, a velocidade pode escrever-se como
T
v=
µ
178 Capítulo 7
sendo T a tensão na corda e µ a massa por unidade de comprimento.
Qualquer combinação linear de soluções de uma equação linear é ainda solução dessa
equação (usámos já esta propriedade para obter a solução geral da equação (7.1)). Como a
equação das ondas (7.7) é linear, uma solução possível será também a função
ϕ (x − vt ) + ϕ (x + vt ) . Esta solução ocorre sempre que se sobreponham duas ondas com as
mesmas características (A , f ) deslocando-se em sentidos opostos.
apresenta zeros que são independentes do tempo t . Uma tal onda designa-se por onda
estacionária. Neste caso não há uma verdadeira propagação do efeito. Nos pontos em que
kx = 0 ,π ,2π ,... ou seja em que x = 0 ,λ / 2 ,λ ,...,nλ / 2 ,... ϕ = 0 , e não há vibração e as duas
Este é o caso das ondas estacionárias que se criam numa corda vibrante com as
extremidades fixas. A condição de extremos fixos obriga a que x = 0 e x = sejam ambos
λ
pontos da forma x = n para algum inteiro n . O ponto x = 0 verifica sempre esta condição
2
com n = 0 ; quando a consideramos para o outro extremo da corda, em n = , obtemos uma
relação entre o comprimento da corda , e o comprimento de onda de uma onda
estacionária nessa corda
λ
=n
2
v v
f1 = =
λ1 2
v
fn = n , n = 2 ,...
2
Ondas 179
que se chamam harmónicas da frequência fundamental (a primeira harmónica corresponde
a n = 2 e assim sucessivamente)
A
n=1
Frequência
fundamental
n=2 A A
N
1ª harmónica
n=3 A A A
N N
2ª harmónica
n=4 A A A A
N N N
3ª harmónica
Figura 7.2
Aplicação: Diz-se que duas notas musicais diferem de uma oitava se a relação entre as
frequências fundamentais correspondentes é de 1 para 2. A nota mais grave de um piano tem
2 m de comprimento e corresponde a uma frequência fundamental de 27,5 Hz ; a mais aguda
v
f1 =
2
Quando comparamos as frequências fundamentais da nota mais grave e da mais aguda, f1g
e f1a , respectivamente, temos
180 Capítulo 7
f1a
= 27
f1g
dado que o intervalo entre elas é de 7 oitavas, e cada oitava corresponde a duplicar a
frequência. Portanto, os comprimentos correspondentes, g e a , verificam
v
2 a lg
27 = =
v la
2 g
dado que se supôs que a velocidade de propagação das ondas é a mesma para todas as
cordas, e vem
1
a ≅ m
26
Os sons chegam até nós através do ouvido exterior ou tímpano (Figura 7.3). Este actua
como uma membrana de um tambor e transmite as vibrações a um conjunto de ossículos
que, graças a um efeito de ressonância, as amplificam cerca de quinze vezes antes de as
enviarem para a janela oval que se encontra em contacto com o caracol, o qual está por sua
Ondas 181
vez mergulhado num líquido chamado perilinfa. As vibrações que chegam ao caracol
propagam-se na membrana basilar e no líquido até serem captadas pelas várias terminações
nervosas que transmitem estas informações ao cérebro através do nervo auditivo. Na
membrana basilar encontra-se situado o órgão de Corti composto de células ciliadas que
transformam as vibrações da membrana em impulsos nervosos. A interacção entre a
membrana basilar e a perilinfa produz o efeito de um pequeno “analisador de Fourier” pois
permite captar as amplitudes e frequências que compõem o som que chega ao ouvido.
Nervo auditivo
Janela oval
tímpano
Membrana
Canal auditivo basilar
caracol
ossículos
Figura 7.3
A intensidade sonora é medida em geral numa escala logarítmica. De acordo com uma lei
empírica da psicofisiologia (lei de Weber-Fechner) os seres humanos captam as sensações,
tanto as sonoras como as de outros tipos, de maneira que o incremento da sensação s , é
proporcional à variação relativa do estímulo e ,
∆e
∆s =
e
relação que, uma vez integrada, nos diz que a sensação é proporcional ao logaritmo do
estímulo. Por isso, é natural a utilização de escalas logarítmicas para a medida de
182 Capítulo 7
fenómenos físicos do ponto de vista da percepção desses fenómenos como sensações. A
intensidade do som medida em decibéis é dada por
I = 20 log10
p
−10
, (1bar = 10 5
N / m2 )
2.10 bar
O efeito de Doppler ocorre sempre que existe movimento relativo entre a fonte emissora
de ondas e o receptor. Todos já notámos que o apito de um comboio parece mais agudo
quando o comboio se aproxima de nós e mais grave quando o comboio se afasta. Este é um
exemplo do efeito de Doppler e o que acontece é que, em consequência do movimento
relativo entre o emissor e o receptor, este vai “ver” a onda com uma frequência diferente.
Duas situações distintas podem ocorrer: ou é o emissor que está fixo e o receptor que se
move, ou pelo contrário é o emissor que se move e o receptor que está fixo.
v' = v + v r
v' v + vr
fr = =
λ λ
v + vr
fr = fe
v
v − vr
fr = fe
v
Ondas 183
λr = λe − veTe
em que o período das ondas está relacionado com a sua frequência Te = 1 / f e . Então
ve
λr = λe −
fe
ou
v v v 1
= − e = (v − ve )
fr fe fe fe
Donde
v
fr = fe
v − ve
v
fr = fe
v + ve
7.6.1. Dispersão
Vimos anteriormente que se podem formar ondas estacionárias através da soma de duas
ondas iguais, isto é, ondas com a mesma frequência e amplitude, mas propagando-se em
sentidos opostos.
Vamos agora ver o que acontece se somarmos duas ondas sinusoidais de parâmetros k e
ω muito parecidos, mas no entanto diferentes. Somemos então as seguintes ondas
184 Capítulo 7
φ1 (x , t ) = Asin (k1x − ω1t )
φ2 (x , t ) = Asin (k2 x − ω2 t )
k1 − k2 = 2 ∆k ,ω1 − ω2 = 2 ∆ω
obtém-se, para
φ = φ1 + φ2
Esta onda pode escrever-se como φ = A (x , t ) sin (kx − ωt ) , equação que põe em evidência
que a nova onda pode ser interpretada como uma onda com uma frequência
aproximadamente igual à das ondas originais e com uma amplitude modulada (Figura 7.4).
Pode também considerar-se que a nova onda se propaga com uma velocidade
v ≈ ω /k
u ≈ ∆ω / ∆k
ν1
(a)
t
ν2
(b)
t
(c)
t
(d)
t
Ondas 185
Figura 7.4
Um meio em que a velocidade de fase, a velocidade de que falámos até agora sem mais
especificações, depende do comprimento de onda diz-se um meio dispersivo. As ondas
electromagnéticas, entre as quais se incluem as ondas luminosas, propagam-se no espaço
vazio com uma velocidade que se representa normalmente por c , e que é uma constante
universal igual a 300 000 km/s. No entanto, em qualquer outro meio a velocidade depende
do comprimento de onda, ou, o que é o mesmo, da frequência. Este fenómeno, que se chama
dispersão, foi utilizado inicialmente por Newton no século XVII para, ao fazer passar a luz
solar por um prisma transparente, mostrar que a luz branca era afinal uma sobreposição de
“luzes” de várias cores, as cores primárias que aparecem no arco-íris. Desde então este
fenómeno tem vindo a ser utilizado em numerosos aparelhos que funcionam afinal como
“prismas” altamente sofisticados e que procedem à decomposição dos espectros das ondas
nas suas componentes.
Quando a luz se propaga, de um ponto A para outro ponto B , fá-lo por forma a
minimizar o tempo gasto no percurso - princípio de Fermat ou de tempo mínimo. Este é um
exemplo de um princípio teleológico em física. Muito usados por Aristóteles nas suas
explicações, este tipo de postulados encontra-se ainda, sob uma forma mais sofisticada, na
física actual.
Obviamente, quando a luz se propaga sempre no mesmo meio, a sua velocidade é sempre
a mesma, e em consequência o menor tempo corresponde ao menor percurso. Assim, na
reflexão é imediato concluir que para que o princípio de tempo mínimo seja satisfeito tem
que se ter o ângulo de incidência igual ao ângulo de reflexão (na Figura 7.5.a)
AO = OB ,OB' = OB ,i = r ).
186 Capítulo 7
Contudo, se tivermos dois meios em que as velocidades de propagação sejam diferentes
(v1 ev 2 ) , então o menor tempo possível não corresponde à menor distância. Por isso, se
estivermos na praia e virmos uma pessoa a afogar-se no mar, para a salvar não devemos
correr e nadar sempre em linha recta de A (posição em que nos encontramos) para B
(posição em que a pessoa em apuros se encontra) mas devemos correr ao longo da praia e
começar a nadar quando estamos quase em frente do ponto B (a velocidade de corrida é
sempre bastante maior que a velocidade que atingimos ao nadar). Encontramo-nos perante o
mesmo fenómeno, ainda que numa situação mesmo dramática, quando a luz passa do ar
para a água ou o vidro.
A B
i
B
i r i
i
O A r B’
r
r A’
B’
a) b)
Figura 7.5
Os pontos A e B , assim como os pontos A' e B' , estão situados sobre um mesmo plano
perpendicular aos raios luminosos, ou seja, estão sobre a mesma frente de onda. Vamos
deduzir a lei da refracção com base no seguinte argumento: como pontos situados sobre a
mesma frente de onda tem que estar em fase, o tempo gasto no percurso BB' tem que ser
igual ao tempo gasto no percurso AA' . Como se tem
BB' AA'
=
v1 v2
pode escrever-se
Ondas 187
e vem
sini sinr
=
v1 v2
finalmente
sini v1 n 2
= =
sinr v2 n1
Quando a luz passa da água para o ar o raio refractado afasta-se da normal, e pode
acontecer que só ocorra reflexão: estamos então perante o fenómeno da reflexão total. A
partir de certo ângulo crítico ic correspondente ao ângulo rc = 90 o , não ocorre refracção e
toda a luz se reflecte. Este fenómeno deduz-se facilmente da lei de Snell-Descartes escrita na
forma
7.6.3. Polarização
188 Capítulo 7
direcção bem definida a onda diz-se polarizada. Em geral, nas ondas electromagnéticas a
direcção da vibração vai variando no decurso do tempo, mas em determinadas
circunstâncias, por absorção ou por reflexão, é possível polarizá-la.
7.6.4. Difracção
Consideremos a seguinte experiência. Coloquemo-nos por trás de uma porta aberta com
alguém dentro da sala mas sem nos ver. Se eu falar, a pessoa - o observador - ouve-me mas
não me vê. Porquê? Comece por se fazer a seguinte comparação. A velocidade da luz é
14
c = 300000km / s . Para luz de frequência 3.10 Hz , o comprimento de onda é
3.10 8
λ= = 10 −6 m
3.1014
Na experiência da dupla fenda realizada no início do século XIX com o fito de demonstrar
o carácter ondulatório da luz (nessa altura o que estava em causa era o esclarecimento da
natureza da luz) Thomas Young fez incidir uma onda (plana monocromática) num alvo em
que se fizeram dois orifícios muito pequenos próximos um do outro. Os orifícios funcionam
como duas fontes que emitem ondas esféricas, que vão propagar-se para lá do alvo e
sobrepor-se. Ao fenómeno da sobreposição das ondas chama-se interferência. Como se viu
atrás ao falar das ondas estacionárias, em certas regiões há sobreposição construtiva e
noutras destrutiva. Assim, se colocarmos um outro alvo (desta vez sem fendas) para
observar o efeito das interferências longe do primeiro alvo, veremos em vez de duas manchas
claras uma sucessão de faixas claras e escuras.
Ondas 189
isotrópico (não existem direcções privilegiadas no espaço) então evidentemente as superfícies
de onda serão esféricas - falamos então abreviadamente de ondas esféricas. Se a fonte
emissora se encontra muito distante, podemos assumir que as superfícies de onda são
planas - falamos então abreviadamente de ondas planas, e dizemos que as linhas
perpendiculares às superfícies de onda são os raios. Estes definem a direcção de propagação
da perturbação.
Na experiência de Young o que acontece é que embora a onda incidente seja plana, as
fendas quase pontuais vão funcionar como fontes emissoras de ondas esféricas. Este é um
exemplo da aplicação do chamado princípio de Huygens, enunciado por Huygens no século
XVII e explicado no século XIX por Fresnel - cada ponto da superfície de onda pode ser
considerado como um centro emissor de novas ondas (esféricas).
A difracção do som na experiência que mencionámos no início deste ponto pode explicar-
se facilmente recorrendo ao princípio de Huygens. As ondas planas que chegam à porta
transformam-se nos bordos da porta em ondas esféricas. Isto é, os bordos da porta
provocam um atraso da onda com consequente encurvamento da frente de onda. Este
fenómeno pode acontecer com a luz. E até com electrões.
ondas, provenientes de cada uma das fendas, que percorreram distâncias diferentes e por
isso se encontram desfasadas. Atendendo à diferença de grandeza entre d e D podemos
considerar os raios emergentes como paralelos. Então é imediato verificar que (ver
Figura 7.6)
x = r1 − r2 = d sin θ
r1
y
θ r2
d
θ
x
D
190 Capítulo 7
Figura 7.6
A sobreposição construtiva das ondas ocorre nos pontos em que as ondas estiverem em
fase. Isto acontecerá sempre que o caminho percorrido pelas ondas diferir de um número
inteiro de comprimentos de onda, isto é, se
dsinθ = mλ m = 0 , 1, 2 ,...
mλD
ymax =
d
a λ
sinθ =
2 2
Ondas 191
Figura 7.7
Em geral, teremos riscas escuras nas zonas que correspondem a ângulos θ tais que
O efeito que agora nos interessa é que o tamanho da imagem é diferente do tamanho da
abertura e é dado pela distância entre as duas primeiras riscas escuras. De (7.8) com n = 1
vem
y
a ≈λ
D
Dλ
tamanho da imagem ≈ 2 y ≈ 2
a
ou seja, o tamanho da imagem depende da relação entre λ e a . Para ter uma medida deste
efeito independente da distância D a que se encontra o écran, introduz-se o ângulo de
difracção
y λ
θd ≈ ≈
D a
Para o caso de um orifício circular de diâmetro d , como por exemplo a pupila, a relação
anterior vem afectada de um factor geométrico, e temos para o ângulo de difracção
λ
(7.9) θd ≈ 1,2
d
Pela equação (7.9), o ângulo de difracção θ d ≈ 10−4 rad . Portanto o tamanho das manchas de
2Dθ d ≈ r × 10−6 m
192 Capítulo 7
que é da mesma ordem de grandeza que a separação entre as células fotosensíveis. A
separação mínima que é possível resolver à distância de 25 cm é a que corresponde a uma
separação angular da ordem do ângulo de difracção, pelo que vem dada por
θd × 0,25 ≈ 0,025 mm
Ondas 193
194 Capítulo 7
CAPÍTULO 8.
8.1. Introdução
Designa-se por luz o conjunto de ondas electromagnéticas visíveis (a que é sensível o olho
humano), que compreende ondas electromagnéticas com comprimentos de onda entre
4000 Å e 8000 Å. O ramo da Física que estuda este tipo de ondas designa-se por Óptica.
Nos casos que vamos considerar interessa-nos apenas o comportamento da luz quando
ela se propaga em meios homogéneos e encontra interfaces. É possível realizar um
tratamento simples do comportamento da luz nestas condições, tratamento que se designa
por óptica geométrica.
Todos os fenómenos que estudámos no capítulo anterior para as ondas são válidos, em
particular, para a luz. Assim temos reflexão e refracção das ondas luminosas. O uso de
meios com diferentes índices de refracção combinado com interfaces de geometria controlada
(lentes), permite controlar, conformar ou deformar, as imagens dos objectos iluminados por
luz visível. Designa-se por lente um meio limitado por duas interfaces, planas ou curvas. Se
as faces curvas são parte de superfícies esféricas, as lentes dizem-se lentes esféricas. Para
além disso a lente designa-se por lente fina se a sua espessura é muito menor do que as
distâncias associadas às suas propriedades ópticas.
Nesta secção vamos falar das imagens formadas por lentes finas, convexas ou côncavas.
f’
f’
C C
n n’<n n n’>n
f’ f’
C C
n n’<n n n’>n
Figura 8.1
No nosso estudo vamos considerar apenas lentes esféricas o que significa que cada
superfície dessa lente pode ser caracterizada por um único centro de curvatura (centro da
superfície esférica que contém essa superfície). Para além deste ponto podemos caracterizar
cada superfície da lente por alguns elementos geométricos:
- eixo óptico - linha perpendicular à superfície de separação dos meios que passa pelo
centro de curvatura da interface.
196 Capítulo 8
- foco objecto - ponto do eixo óptico cuja imagem é formada no infinito, o que significa
que qualquer raio luminoso incidente que passa por este ponto se refractará
paralelamente ao eixo óptico.
- foco imagem - ponto do eixo óptico que é imagem de um ponto objecto no infinito, o
que significa que é o ponto de intersecção das direcções de todos os raios luminosos
que incidem paralelamente ao eixo óptico.
Para poder ir além de uma descrição qualitativa, vamos derivar, a partir da lei de
Snell-Descartes, a equação que rege estes fenómenos no caso mais simples: o de raios
luminosos que incidem segundo uma direcção próxima da do eixo óptico numa superfície
convexa esférica que separa um meio com um certo índice de refracção n de um meio com
índice de refracção n' > n .
A
n φ n’>n
d
β φ' P’
P α γ
Eixo óptico V C
R
s s’
Figura 8.2
Queremos determinar a relação entre s , s' , n , n' e R , o raio da superfície, pela lei de
Snell-Decartes,
e como estamos a considerar raios próximos do eixo óptico, α , β , φ e φ' são ângulos
pequenos, de modo que podemos tomar em boa aproximação sinx ≈ x para cada um destes
ângulos. A equação (8.1) fica então
Por outro lado, como a soma dos ângulos internos de um triângulo é π , temos
(8.3.3)
n n
β= φ +γ e β= (α + β ) + γ
n' n'
ou seja,
nα + n' γ = (n' −n )β
n n' n' −n
(8.4) + =
s s' R
Dizemos que a superfície forma uma imagem real se esta corresponde à intersecção dos
raios refractados no segundo meio (tal imagem pode ser projectada num alvo). Por outro lado
dizemos que uma lente forma uma imagem virtual, por oposição a real, se os raios
transmitidos têm direcções que se intersectam num ponto situado no meio de onde provêm
os raios incidentes. De maneira análoga, falamos de um objecto virtual quando os raios
incidentes convergem para um ponto situado no meio onde se propagam os raios luminosos
transmitidos. Adiante veremos alguns exemplos de imagens e objectos virtuais. No exemplo
que estudamos, tanto o objecto, P , como a imagem, P' , são reais. A equação que acabamos
de deduzir para este caso pode aplicar-se a superfícies convexas ou côncavas, e a imagens e
objectos reais ou virtuais, com as seguintes convenções de sinal:
Antes de prosseguirmos para o estudo das lentes finas, vejamos como aplicação da
equação (8.4) um exemplo em que se determina a diferença entre a profundidade real e a
aparente de objectos submersos vistos desde fora da superfície livre da água.
198 Capítulo 8
Podemos aplicar a equação (8.4) com R = ∞ , dado que a superfície de separação dos meios é
plana. Sabemos que s = 1.00 m , e que os índices de refracção do ar e da água são,
respectivamente, n' = 1.00 e n = 133
. . Substituindo em (8.4), obtemos s' = −0.75 m , ou seja, a
imagem é virtual, forma-se na água, e à distância aparente de 0.75 m da superfície.
Figura 8.3
Vamos agora estudar a formação de imagens por lentes finas de superfícies esféricas.
Como nesta aplicação um dos meios é sempre o ar, de índice de refracção igual a 1, vamos
fixar este valor e denotar por n o índice de refracção do vidro. A estratégia a adoptar é a de
aplicar duas vezes a equação (8.4), primeiro aos meios ar-vidro, e depois aos meios vidro-ar,
tendo em conta que o objecto para a segunda transmissão é a imagem que resulta da
primeira. Assim, temos que a imagem correspondente a um objecto situado a uma distância
s1 da superfície da lente de raio R1 sobre a qual incidem os raios luminosos se forma à
distância s'1 dessa superfície, sendo
1 n n −1
(8.5.1) + = (transmissão ar-vidro)
s1 s'1 R1
Essa imagem é o objecto da segunda transmissão, de modo que temos (ver Figura 8.4)
n 1 1−n
(8.5.2) + = (transmissão vidro-ar)
s2 s' 2 R2
Note-se que s'1 e s2 têm sempre sinais contrários, isto é, se a imagem da primeira
transmissão é real então o objecto da segunda é virtual, e vice-versa. Na situação
representada na Figura 8.4, s'1 é positivo e s2 é negativo, ou seja, a imagem da primeira
transmissão é real e portanto o objecto da segunda é virtual.
Figura 8.4
A hipótese de que a lente é fina intervém agora para tomarmos s'1 ≈ s2 . Nesta
aproximação, podemos substituir s'1 em (8.5.1) por −s2 . Somando depois as duas equações
(8.5), obtemos
1 1 1 1
+ = (n − 1) −
s1 s'2 R
1 R 2
ou simplesmente
1 1 1 1
(8.6) + = (n − 1) −
s s' R1 R2
1 1 1 1
(8.7) = (n − 1) − =
f
s' R
1 R 2
onde a última igualdade, chamada equação do fabricante de lentes, define a distância focal
f de uma lente fina esférica no ar.
Note-se que desta definição resulta que f pode ser positivo ou negativo, e uma lente
diz-se positiva ou negativa conforme o sinal de f . Em termos da distância focal, a equação
(8.6) fica
1 1 1
(8.8) + =
s s' f
que é a equação das lentes finas para raios paraxiais, isto é, que incidem aproximadamente
segundo o eixo óptico.
200 Capítulo 8
Os pontos sobre o eixo óptico situados à distância f do centro da lente chamam-se
focos. Vamos analisar o caso de uma lente positiva e de uma lente negativa para perceber o
significado destes pontos, assim como o do sinal da distância focal. No primeiro caso,
equação (8.7) diz-nos que raios incidentes paralelos segundo o eixo óptico convergem no foco
F' (ver Figura 8.5), dado que f é positivo. No segundo, os raios incidentes paralelos
convergem no foco F (ver Figura 8.6), dado que f é negativo. Por esta razão, chamam-se
também convergentes as lentes positivas, e divergentes as negativas.
F’
F
∞ ∞
f f
O F O’ O
O’ F
f s
s f
|s’|
Figura 8.5
O O’
F
|s’|
|f|
s
Figura 8.6
1
P0 =
f
202 Capítulo 8
que, por exemplo no caso de uma lente com a forma da representada na Figura 8.5, a nossa
convenção de sinais implica que se tome R1 positivo e R2 negativo, de modo que os dois
termos da equação (8.7) que envolvem os raios de curvatura se somam em valor absoluto.
Vejamos agora como calcular a amplificação linear m de uma lente fina, que se define
como o quociente entre o tamanho y' da imagem dada pela lente e o tamanho y do objecto
(ver Figura 8.7), tendo em conta a orientação. O raio luminoso representado a partir do
extremo do objecto passa pelo centro da lente, e não é desviado porque, nesta situação, o
desvio devido à primeira transmissão é compensado pelo desvio que ocorre na segunda. O
outro raio luminoso que se representa também não é desviado porque incide segundo a
normal. Temos então
−y' y
tan θ = =
s' s
e portanto
y' s'
(8.9) m= =−
y s
y θ
θ -y’
s s’
Figura 8.7
Aplicação: Uma máquina fotográfica utiliza uma lente de 50 mm de distância focal. Cada
quadro de película mede 24 mm de largura e 35 mm de comprimento. Qual deve ser a
distância entre a lente e a película para que a imagem de um objecto situado a 10.0 m de
distância da máquina aparece bem focada? Se o objecto fotografado tem 2.00 m de altura, qual
será a altura da sua imagem na película?
Usando a equação das lentes (8.8) temos que a distância entre a lente e a película para a
qual a imagem aparece focada é s' dada por
ou seja, s' = 50.3 mm . Pela definição de ampliação, a altura da imagem é dada por y' = my ,
onde y = 2.0 m e, por (8.9), m = −s'/s = −50.3 × 10−4 , de modo que vem y' = −0.01 m . O sinal
negativo indica que a imagem é invertida.
Na Figura 8.8 mostra-se um método gráfico para obter as imagens de objectos formadas
por lentes convergentes e divergentes. A construção baseia-se em três raios principais que se
consideram a partir do extremo do objecto: um que passa pelo centro da lente, e portanto
não é desviado, um que é paralelo ao eixo óptico e portanto dá origem a um raio transmitido
que passa por um dos focos, e um terceiro que passa pelo outro foco e que dá origem a um
raio transmitido paralelo ao eixo óptico.
O
O’
F’ O
F F F’
O’
s
s s’
|s’|
|s’|
O O’
F’ O
F’ F F
|s’| O’
|s|
Figura 8.8
204 Capítulo 8
portanto distância focal) variável, de maneira a permitir a focagem na retina de objectos
situados a distâncias diferentes.
Córnea
Ponto cego
Nervo óptico
Figura 8.9
Na situação em que os músculos ciliares estão relaxados, a tensão nos ligamentos que
sustentam o cristalino é máxima, e o raio de curvatura das superfícies exteriores do
cristalino é máximo. Portanto, a potência óptica é mínima, e a distância focal é máxima e,
nos indivíduos com visão normal, igual à distância da pupila à retina. Isto significa que as
imagens de objectos muito distantes são focadas na retina. Para observar objectos situados
a distâncias mais próximas, cuja imagem por lentes convergentes se forma, como vimos, a
uma distância da lente superior à distância focal, é necessário que a distância focal do
cristalino diminua e passe a ser inferior à distância da pupila à retina. Isso consegue-se
através da contracção dos músculos ciliares, que reduz a tensão dos ligamentos que
sustentam o cristalino, aumentando portanto a convexidade das paredes e também a
potência óptica. Este processo tem evidentemente um limite para o qual este processo de
focagem é eficaz, e chama-se ponto próximo à distância mínima focável, que para um
indivíduo com visão normal é de cerca de 25 cm .
y objecto
θ θ
d=25cm O
(a)
Imagem
no ∞
y objecto
θ'
O θ'
d=f
Plano focal
(b)
y’ imagem
d=25cm
(c)
Figura 8.10
206 Capítulo 8
A maneira como funciona uma lupa está indicada na Figura 8.10, em que se consideram
duas situações: em (b), o objecto está colocado num foco da lupa, e em (c) encontra-se a uma
distância da lupa inferior à distância focal, situado de tal maneira que a imagem (virtual) se
forma no ponto próximo, e a lupa encontra-se junto à pupila. Na primeira situação, a
amplificação M da lente, que se define como o quociente entre os ângulos θ' e θ
subtendidos pela imagem do objecto na retina quando visto com e sem o auxílio da lupa,
respectivamente, vem dada por
θ' y / f d
M = ≈ =
θ y /d f
onde d é o ponto próximo. Note-se que o ângulo θ subtendido pela imagem na retina,
quando visto sem o auxílio da lupa é sempre calculado supondo que o objecto está colocado
no ponto próximo, dado que essa é a situação óptima.
A situação da Figura 8.9 c) é a que permite tirar o máximo partido da lente, tendo-se
neste caso
d
M = +1
f
Temos
onde y' denota a altura da imagem virtual formada pela lente, à distância −s' = d da lente.
Aplicando a equação (8.8.) aos pontos onde se encontram o objecto e a imagem, temos
1 1 1
− =
s d f
y' s' d
= =
y s s
OCULAR
F1’
OBJECTIVA
F1
Objecto real (objectiva)
Figura 8.11
208 Capítulo 8
Aplicação: Determine em função do comprimento de onda da radiação utilizada a resolução
máxima de um microscópio óptico de distância focal f e objectiva de diâmetro D .
λ
θd = 1.22
D
fλ
d ≈ f θd = 1.22 .
D
Por outro lado, da equação (8.7), f é da ordem do raio de curvatura da superfície da lente, e
o raio de curvatura da lente tem que ser maior que o raio da lente D / 2 . Portanto, o valor mínimo
para d é da ordem de metade do comprimento de onda.
RADIOACTIVIDADE
9.1. Introdução
Existem aproximadamente 400 núcleos estáveis. Para estes núcleos pode definir-se
uma "energia de ligação", que corresponde à diferença de energia entre as energias
correspondentes aos nucleões separados e os nucleões sob a forma do núcleo considerado,
energia que será necessário fornecer se quisermos separar os nucleões.
Para além dos núcleos estáveis são conhecidas centenas de núcleos instáveis. Um núcleo
instável, que não se encontra no estado de mais baixa energia correspondente ao número de
nucleões respectivo, vai desexcitar-se, num tempo mais ou menos curto, emitindo radiação.
O núcleo diz-se então radioactivo e a desexcitação respectiva constitui o fenómeno da
radioactividade.
Radioactividade 211
- Emissão α
Um elemento que emite uma partícula α perde a sua identidade química, ou seja, o
núcleo progenitor não pertence ao mesmo elemento que o núcleo descendente.
A A −4
Z X → α + Z −2 X
núcleo 4 núcleo
progenitor 2 He descendente
- Emissão β
Neste caso as partículas emitidas são electrões ou positrões (antipartícula do electrão com
massa igual à massa do electrão e carga positiva igual em módulo à carga do electrão). No
caso das partículas emitidas serem electrões falamos de declíneo β − , e tem-se
A −
ZX →β + Z +A1X
A +
ZX →β + Z −A1X
−
n→p+β
212 Capítulo 9
- o núcleo emite uma partícula β positiva (um positrão – antipartícula do electrão);
neste caso
+
p →n + β
Existe um outro tipo de declíneo designado por captura electrónica que corresponde a
uma desexcitação análoga à da emissão β + , mas na qual em vez de ser emitida uma
partícula β + , é capturado um electrão da nuvem electrónica do átomo.
- Emissão γ
Neste caso as partículas emitidas são fotões de energia elevada (em geral da ordem de
grandeza do MeV) e tem-se
A * A
ZX → γ + ZX
Embora menos frequente podemos ainda referir a cisão como modo de declíneo de um
núcleo pesado; neste processo o núcleo separa-se em dois ou mais núcleos com massa
inferior à do núcleo progenitor.
Numa amostra radioactiva, os núcleos excitados decaem em cada instante com uma certa
probabilidade, que é constante. Se designarmos por λ a probabilidade de um núcleo decair
numa unidade de tempo, a probabilidade de um núcleo decair no intervalo de tempo ∆t é
λ∆t . Sendo N o número de núcleos radioactivos existentes, tomando a fracção de núcleos
que decai nesse intervalo de tempo ∆t como − ∆N / N (o sinal negativo dá conta da
diminuição do número de núcleos), tem-se
− ∆N
= λ∆ t
N
dN
= −λdt
N
ln (N ) − ln (N 0 ) = −λ (t − t0 )
N = N 0 e − λt
Radioactividade 213
A representação gráfica do número de átomos radioactivos em função do tempo é assim a
característica das variações temporais do tipo exponencial (ver Figura 9.1).
1
N/N0 1.0 N/N0
0.8 0.1
0.6
0.01
0.4
1E-3
0.2
0.0 1E-4
0 2 4 6 8 10 0 2 4 6 8 10
t/τ t/τ
Figura 9.1
1
A grandeza λ tem dimensões de inverso de tempo e escreve-se normalmente λ = sendo
τ
τ a vida média do núcleo, ou seja, o tempo em que a probabilidade média do núcleo decair
se torna igual a 1.
N0 − λT
N = = N 0 e 1/2
2
ou seja
1 − λT
= e 1/ 2
2
donde
λT1 / 2 = 1n ( 2 )
ou ainda
ln 2
T1 / 2 = = τ ln 2
λ
214 Capítulo 9
Como ln 2 = 0.693 , o tempo de meia vida é sempre inferior à vida média para cada espécie
radioactiva.
dN
a =−
dt
Como
N = N0e −λt
vem
a = λN 0 e −λt
e tem-se
a = λN
a = a0 e −λt
É também frequente expressar a actividade de uma fonte em curie (Ci), unidade que
apareceu com a descoberta da radioactividade e a identificação do primeiro elemento
radioactivoo rádio. 1Ci = 3.7 × 1010 Bq é a radioactividade de um grama de rádio.
As partículas emitidas pelos núcleos radioactivos têm, em geral, energias elevadas, o que
significa que quando transferem essa energia para os tecidos biológicos podem destruí-los. O
grau de destruição depende não só da energia associada a cada partícula mas também da
quantidade de partículas absorvidas e do seu tipo. Os cuidados necessários no
manuseamento destes materiais, dependem do tipo de fonte radioactiva.
Radioactividade 215
Para medir o efeito de um certo tipo de radiação usa-se a grandeza dose, definida como a
energia absorvida por unidade de massa de material. A unidade respectiva no sistema SI é o
gray ( Gy ) tendo-se
1Gy = 1 J / Kg
É frequente utilizar como unidade de dose típica o rad (radiation absorved dose) definido
como
1 rad = 10 −2 Gy
O efeito de um certo tipo de radiação nos tecidos biológicos é medida a partir da dose
biológica definida como
Radiação RBE
X 1.0
β 1.0-1.7
α 10-20
n lentos 4-5
n rápidos 10
iões pesados 20
A unidade utilizada para a dose biológica é o rem (radiation equivalent men), definida
por
A dose típica por pessoa é devida à radioactividade natural (raios cósmicos + elementos
radioactivos) é aproximadamente igual a 0.13 rem / ano , sendo o limite máximo aceitável
definido pelas organizações internacionais de saúde de 0.5 rem / ano . No caso de pessoas
cuja actividade profissional envolve a exposição a fontes radioactivas, o limite pode ir até
5 rem / ano supondo a realização de controles periódicos. Estas doses são supostas ser
216 Capítulo 9
absorvidas exteriormente. No caso de ingestão ou inalação os valores devem ser obviamente
muito inferiores.
Para efeitos terapêuticos os nuclidos são utilizados para destruir células indesejáveis, o
que se consegue em geral por ionização dos constituintes da célula. Uma das utilizações
mais comuns é no tratamento do cancro, em que se utilizam por vezes implantes
radioactivos.
Radioactividade 217
1 N
t = ln 0
λ N
1 N + N1
ln
λ N
No caso dos organismos vivos, o isótopo normalmente utilizado para datação é o carbono
14. O carbono natural é uma mistura de carbono 12 (não radioactivo) e carbono 14
(radioactivo) muito menos abundante que está constantemente a ser formado por reacção
das partículas dos raios cósmicos com o azoto da atmosfera exterior. Como a quantidade de
raios cósmicos e a quantidade de azoto na atmosfera se têm mantido em média constantes
ao longo do tempo, pode considerar-se que a quantidade relativa dos dois isótopos, dada
14 12
pelo quociente entre o número de átomos de C e o número de átomos de C , é igual a
1.3 × 10 −12
14
O C decai por emissão β e tem T1 / 2 = 5.76 × 10 3 anos . Num ser vivo está sempre a
processar-se a entrada de carbono, e portanto a quantidade relativa q= 14C /12 C deve
manter-se igual à do ambiente. Quando o organismo morre deixa de assimilar carbono, e a
14
quantidade relativa referida diminui à medida que o C decai, ou seja
q = q (0 )e −λt
1 q (0 )
∆t = ln
λ q
Pelo facto de a vida média do carbono 14 ser cerca de 6000 anos podem datar-se objectos
14
até várias dezenas de milhar de anos. O limite está definido pela quantidade de C mínima
que é possível detectar.
218 Capítulo 9