Вы находитесь на странице: 1из 221

FÍSICA NA BIOLOGIA

Um ponto de partida

Ana Nunes Margarida Cruz


Ana Simões Margarida Godinho
FCUL 2001
ÍNDICE

CAPÍTULO 1
REPRESENTAÇÃO DAS GRANDEZAS FÍSICAS – LEIS DE ESCALA...………………...........1

CAPÍTULO 2
MECÂNICA...........................……………….....................................................15

CAPÍTULO 3
MECÂNICA DE FLUIDOS..........................................……………….....................49

CAPÍTULO 4
TERMODINÂMICA............................................………………............................85

CAPÍTULO 5
ELECTRICIDADE.................................................................……………..........103

CAPÍTULO 6
MAGNETISMO.....................................................……………...............……...141

CAPÍTULO 7
ONDAS...........................................................................………………........171

CAPÍTULO 8
NOÇÕES DE ÓPTICA GEOMÉTRICA...........................................………………....195

CAPÍTULO 9
RADIOACTIVIDADE......................................................…………….................211

Índice
CAPÍTULO 1.

REPRESENTAÇÃO DAS GRANDEZAS FÍSICAS

LEIS DE ESCALA

1.1. Introdução

A física teve neste século um desenvolvimento muito importante catapultando a


tecnologia ao mesmo tempo que aproveitava esses mesmos avanços tecnológicos. O avanço
tecnológico influi em todas as ciências por via das técnicas utilizadas: é um exemplo
evidente a evolução do microscópio que, de uma simples lupa, passou pelo microscópio
óptico, de contraste de fase, de luz polarizada, de electrões (TEM e SEM) e ainda de campo
iónico. As técnicas de imagem por absorção de radiação com raios X, RMN e positrões são
ainda exemplos de técnicas recentes que permitem "olhar" os sistemas biológicos de um
ponto de vista novo.

A importância da física nos outros ramos da ciência, e em particular na biologia, surge


como consequência natural não só da evolução dos métodos e técnicas utilizados por esta
ciência, mas ainda do facto de muitos comportamentos dos sistemas biológicos poderem ser
descritos em termos de interacções físicas e reacções químicas.

Em particular, na biologia molecular defende-se que toda a biologia depende em última


análise de processos moleculares, de tal modo que não só áreas como a genética mas
também a fisiologia e mesmo a classificação de organismos (taxonomia) podem ser descritas
e eventualmente reduzidas ao nível molecular. Embora fortemente discutida, esta última
tese orientou e continua ainda a orientar o trabalho de muitos biólogos moleculares. Num
relatório preparado por cientistas ingleses para o “Council for Scientific Policy” no final da
década de 1960 afirmava-se que a biologia se encontrava então numa fase tão dinâmica e
produtiva como aquela por que a física passara no primeiro quartel deste século. Adiantava-

Representação das Grandezas Físicas – Leis de Escala 1


se ainda que a razão para um sucesso tão espectacular residia no tipo de investigação que
estava então a orientar a biologia e que tinha por objectivo descrever a estrutura,
organização e função das células vivas em termos químicos e físicos. Para os autores do
relatório, o recurso a conceitos físicos, químicos e matemáticos, e a novos instrumentos
físicos tinha fornecido à biologia um “poderoso estímulo intelectual”, que para citar apenas
dois exemplos, tinha conduzido em 1953 à descoberta da estrutura do DNA por J. D.
Watson e F. Crick e em 1959 à descoberta da estrutura da hemoglobina.

Mas já antes da emergência da biologia molecular, existia na biologia uma forte tradição
biofísica que tentara explicar as propriedades de compostos de interesse biológico em termos
das leis que governam os agregados moleculares. Esta tradição, que chamara a atenção para
a importância dos fenómenos associados ao transporte de cargas eléctricas no estudo das
propriedades das membranas e dos aspectos dinâmicos da organização celular, viria no
entanto a ser suplantada pela biologia molecular.

Um exemplo de fenómeno biológico cuja descrição básica depende da física é a condução


dos impulsos nervosos que se baseia no transporte de carga devido a uma variação na
concentração de iões ao longo do axónio. O estado de repouso corresponde a um axónio
carregado em que a concentração de iões sódio é maior no exterior e a de iões

Bomba de
Na
+
Na

K+
+
K

Bomba de Na
+
Na
Figura 1.1

potássio maior no interior, e em que há deficiência de carga positiva no meio intracelular em


relação ao meio extracelular. Quando o axónio é estimulado num determinado ponto, a
parede da célula torna-se mais permeável aos iões sódio nesse ponto, de modo que
localmente passa a existir um excesso de carga positiva no interior da célula relativamente
ao exterior. Esta variação local do campo eléctrico afecta as zonas adjacentes de maneira
similar, e o impulso nervoso propaga-se assim ao longo do axónio.

O mecanismo básico pelo qual a parede da célula modifica a sua permeabilidade aos iões
Na + , bem como aquele que, após a passagem do impulso nervoso, restabelece as
concentrações iniciais dos iões Na + e K+ (bomba de sódio/potássio) não é ainda
completamente compreendido e é objecto actualmente dos esforços de muitos investigadores
em biofísica. No entanto este é um exemplo de um processo fundamental em biologia cuja
compreensão envolve o estudo de fenómenos físicos básicos: electricidade e difusão.

2 Capítulo 1
1.2. Unidades e Dimensões

A experiência desempenha um papel fundamental em todas as ciências e em particular


na física. Daí a importância especial que deve ser dada à forma como os resultados são
adquiridos, isto é, ao modo como são feitas as medições.

O resultado da medição de uma grandeza física é dado por um número (valor) e uma
unidade; o valor só por si é insuficiente! É óbvio que se estamos a medir a altura de uma
planta, dizer que a sua medida é 10 não significa nada, visto que tanto pode ser 10 mm (por
exemplo uma gramínia) como 10 m . O número não acompanhado da unidade respectiva não
tem significado. Medir é comparar, e as medidas expressas em determinadas unidades
representam comparações com padrões "standards". As unidades são determinadas por
estes padrões.

10m?
10cm?

Figura 1.2

Para o mesmo tipo de grandeza é possível definir unidades diferentes as quais estarão
sempre relacionadas entre si por um factor numérico.

Ao contrário das unidades, as dimensões são características de cada grandeza, e


identificam a sua natureza, independentemente das unidades escolhidas para apresentar
um determinado valor.

A distância d entre os extremos do corpo de um animal, por exemplo uma jibóia, é uma
grandeza física com as dimensões de um comprimento (simbolicamente representa-se
[d ] = L ), independentemente de escolher como unidade de comprimento o metro ou o
milímetro. Assim

d = 1m = 1 × 10 3 mm

Da mesma maneira a massa específica de um líquido, por exemplo água, tem dimensões
ML−3 independentemente de ser expressa em kg m −3 ou gl −1 . Por exemplo para a água

ρ = 1 × 10 3 kgm −3 = 1 × 10 3 gl −1

Por vezes definem-se grandezas relativas, sem unidades ou dimensões, cujo valor só tem
significado quando relacionado com a grandeza de referência. Suponhamos a seguinte

Representação das Grandezas Físicas – Leis de Escala 3


afirmação: "50% dos animais observados não contraíram qualquer doença". O valor 0.50
apesar de não ser afectado de unidade refere-se a metade de uma população de indivíduos.
O número de indivíduos da amostra pode alterar fortemente o significado do valor relativo: a
conclusão tem obviamente um significado diferente para uma população de dois indivíduos
ou para uma população de 200 indivíduos.

Porque transportam significado físico, as dimensões permitem:

- avaliar a correcção de uma equação

- estabelecer dependências entre variáveis.

Em geral, as dimensões de qualquer grandeza física podem ser expressas em termos das
dimensões de apenas quatro grandezas, i.e., num dado sistema métrico podem ser
escolhidas arbitrariamente quatro grandezas (grandezas fundamentais), podendo as
restantes (grandezas derivadas) ser expressas em função destas.

Existem vários sistemas de unidades, baseados em conjuntos de unidades escolhidos


intencionalmente. São exemplos:

MKSA (SI) metro, quilograma, segundo, ampère

CGS centímetro, grama, segundo

FPS foot, pound, second

As quatro entidades base escolhidas são, por exemplo para o SI

GRANDEZA DIMENSÃO UNIDADE

M comprimento L metro (m)

K massa M quilograma (kg)

S tempo T segundo (s)

A corrente eléctrica A ampere (A)

Isto significa que apenas estas quantidades necessitam de ser definidas, sendo as suas
unidades padronizáveis. De facto, neste sistema são ainda definidas outras quantidades: a
intensidade luminosa e a temperatura.

As unidades de base são grandezas do mesmo tipo das grandezas a medir, e são definidas
por padrões aceites internacionalmente. Estes padrões vão evoluindo, em função da precisão
com que podem ser medidos. Inicialmente o quilograma, o metro e o segundo
encontravam-se referidos à massa de um certo volume de água, à fracção de comprimento
de um meridiano e à fracção do comprimento do dia, respectivamente. No entanto estes
padrões para o comprimento e a massa não eram satisfatórios devido à imprecisão que lhes
estava associada, o que levou a recorrer a objectos únicos: blocos de metal (platina iridiada)

4 Capítulo 1
de comprimento padrão e massa padrão. Contudo a maior precisão das medidas e a
necessidade de ter padrões inalteráveis no tempo e acessíveis em locais diferentes levou a
que os padrões passassem a ser traduzidos em termos de grandezas à escala atómica: O
metro é definido como 1 650 763.73 do comprimento de onda da radiação electromagnética
86
visível no vermelho emitida por um átomo de Kr . O segundo é definido como o tempo de
133
duração de 9 192 631.770 períodos da radiação do Cs para uma certa transição.

No caso da massa, porque a precisão com que se pode medir não é comparável com a
ordem de grandeza das massas atómicas, não faz sentido definir o padrão desse modo. A
massa do quilograma padrão pode ser escrita como a massa de 5.0188 × 1025 átomos do
12
C , mas a precisão com que se pode estabelecer esta relação comporta um erro que é 1020
12
vezes superior à massa do átomo do C . Assim para o quilograma, kg, continua a ser
usado como padrão a massa dum bloco de platina.

A unidade de corrente eléctrica, ampère, é também definida em termos macroscópicos


como a corrente que ao percorrer um fio de 1m exerce uma força de repulsão de
2,000 × 10−7 N num fio paralelo percorrido por uma corrente idêntica de sentido oposto,
quando os dois fios se encontram no vazio e distam de 1m.

As restantes unidades são unidades derivadas e por isso podem ser definidas em termos
das unidades básicas. Por exemplo o newton (N), a unidade de força do S.I., pode obter-se a
partir da massa e da aceleração recorrendo a F = ma logo

1N = 1kgms −2

Quando a unidade tem o nome de um/uma cientista convencionou-se que é representada


pela letra inicial maiúscula desse nome, embora se escreva com letra minúscula quando a
unidade é escrita por extenso

A necessidade de usar unidades para ordens de grandeza muito variadas levou à criação
de múltiplos e submúltiplos. Os prefixos actualmente aceites, assim como a correspondência
respectiva a potências em 10, encontram-se indicados no quadro seguinte.

(10 )
−1 deci d
(10 )
1
deca da

Representação das Grandezas Físicas – Leis de Escala 5


(10 −2
) centi c
(10 )
2 hecto h

(10 −3
) mili m
(10 )
3 quilo k

µ
(10 −6
) micro
(10 )
6 mega M

(10 −9
) nano n
(10 )
9 giga G

p
(10 −12
) pico
(10 )
12 tera T

(10 −15
) fento f (10 )
15 peta P

(10 −18
) ato
a
(10 )
18 exa E

Utilizando-se ainda frequentemente outras unidades que não pertencem ao MKSA como
por exemplo

angstrom (Å) 1Å = 10 −10 m

electrão-volt (eV ) 1eV = 1.6 ×10 −19 J

centímetro Hg (cmHg ) 1cmHg = 1333 Nm 2

1.3. Medidas e Erros

Quando se apresenta o resultado de uma medida está sempre presente a precisão com
que ela pode ser efectuada, o que se traduz directamente na forma como o número aparece,
ou seja, no número de algarismos significativos.

O número de algarismos significativos é o número de algarismos "até ao primeiro que é


alterado" no intervalo ]a − δa ,a + δa [ onde a e δa representam, respectivamente, o
resultado de uma medida e o erro de que é afectado. O número de algarismos
significativos com que se apresenta o resultado de uma medida traduz assim a precisão com
que a medida foi efectuada.

. × 10−19 , e se obteve o valor 1.60 × 10−19 ,o


Aplicação: Se o erro de uma grandeza a é 01
resultado final deve representar-se 1.6 × 10−19 ± 01
. × 10−19 , ou de uma forma reduzida,
1.6 × 10−19 .

No cálculo do produto de duas grandezas afectadas de um erro, o resultado não poderá


ter mais algarismos significativos que as quantidades medidas de que depende (cuidado com
as calculadoras).

O resultado de uma medida deve expressar, para além do valor obtido, a precisão com
que foi obtido. Essa precisão tem limites que dependem do equipamento e do

6 Capítulo 1
experimentador. A precisão de uma medida é tão importante como a própria medida e cada
experimentador deve dar o resultado da sua medida e uma estimativa da sua precisão.

Para estimar a precisão de uma medida é preciso ter em conta os erros associados.
Existem dois tipos de erros possíveis, os erros sistemáticos e os erros aleatórios.

Os erros sistemáticos resultam de uma deficiência no equipamento ou no método de


observação. São sempre no mesmo sentido, isto é, sempre por defeito ou sempre por
excesso. A sua identificação e correcção é normalmente difícil e exige uma análise cuidada
dos instrumentos e dos procedimentos. Por exemplo, um aparelho cujo zero não está bem
ajustado dará sempre um resultado afectado de um erro na mesma direcção.

Os erros aleatórios resultam do próprio processo de comparação e podem ser nos dois
sentidos. São inevitáveis mas o seu valor pode ser controlado e reduzido ao mínimo usando
um número grande de medidas e análise estatística.

Admite-se à partida que os erros são aleatórios, pelo que os valores medidos devem ter
uma distribuição normal em torno do valor real. Por essa razão toma-se a média < x > dos
valores medidos x i , i = 1, ..., N

∑x
i =1
i
< x >=
N

como o valor mais provável. Para estimar o erro utiliza-se a largura σ da distribuição

∑ (x − < x >)
i =1
i
2

σ =
N

ou o desvio padrão

∑ (x − < x >)
i =1
i
2

s=
N −1

que é calculado tendo em conta a perda de um grau de liberdade ao definir a média < x > .

Se realizarmos não uma mas M séries de N medidas, os M valores < x >i (i = 1,...M )
obtidos distribuem-se de acordo com uma distribuição normal de desvio padrão µ = s / N .
É este desvio que se considera o erro associado ao valor médio < x > determinado para um
conjunto de N medidas experimentais

2
∑ (x i − < x > )
µ=
N (N − 1)

Representação das Grandezas Físicas – Leis de Escala 7


Assim o resultado de uma série de N medidas é

< x > ±µ

De um modo geral, pretendemos apenas ter um majorante do erro, um limite superior


para o erro, o que significa que na maior parte das situações experimentais é mais prático,
em vez de efectuar um número grande de medições, tomar como erro ∆x um valor
garantidamente superior ao erro na medida. Este está relacionado com o instrumento de
medida usado e a precisão das escalas respectivas analógicas ou digitais.

No caso em que a medida é obtida por comparação com uma escala analógica, considera-
se como erro máximo, metade da menor divisão da escala. No caso em que a medida é obtida
por um aparelho digital, o erro máximo é igual a uma unidade do último dígito que aparece
no visor.

Estas regras aplicam-se quando as flutuações de grandeza medida são desprezáveis face
ao erro máximo definido. Se existem flutuações apreciáveis toma-se como erro máximo ∆x a
largura dessas flutuações.

Em qualquer dos casos, obtemos como resultado de uma medida x ± ∆x . Vejamos como é
que o erro que afecta a grandeza x se propaga para uma grandeza que depende de x . Este
problema traduz-se em calcular ∆f para uma função f (x ) quando x varia de ∆x .

∆f df
O quociente aproxima-se, para valores muito pequenos de ∆x pela derivada de
∆x dx
modo que temos

df
∆f = ∆x
dx

Como o que se pretende é o erro máximo em f e não nos interessa se esse erro é por
excesso ou por defeito toma-se o módulo da variação

df
∆f = ∆x
dx

Aplicação: Um círculo tem de diâmetro x ± ∆x . Com o perímetro p é dado por p = πx ,


então o erro ∆p é dado por

dp
∆p = ∆x = π ∆x
dx

Se uma grandeza depende de várias grandezas medidas, por exemplo, se


f = f (x , y ) ,toma-se

8 Capítulo 1
 ∂f   ∂f 
∆f =   ∆x +   ∆y
 ∂ x y  ∂y  x

As dimensões físicas do erro que afecta uma dada grandeza têm que ser as mesmas
dimensões físicas da grandeza.

1.4. Representação Gráfica

Muitas vezes o objectivo da realização de um conjunto de medidas não é a determinação


de um único valor mas sim o de estabelecer uma relação entre duas grandezas a partir dos
valores experimentais obtidos num certo intervalo. Deste ponto de vista a representação
gráfica do conjunto dos valores experimentais é a maneira mais directa de obter informação.

Consideremos duas grandezas x , y e representemos por y = f (x ) a dependência da


grandeza y na grandeza x . Há três tipos de dependência que caracterizam um grande
número de problemas físicos: a dependência linear em que f (x ) = kx + C ; a dependência
exponencial em que f (x ) = C e kx ; a dependência polinomial em que f (x ) = C x k . Em todas
as expressões anteriores C e k são constantes. Cada uma destas dependências é posta em
evidência por uma representação gráfica adequada.

A representação de uma grandeza f em função de uma grandeza x , representação


linear, é a que melhor permite pôr em evidência uma dependência da forma f (x ) = kx + C ,
dado que o gráfico de uma função deste tipo é uma recta. O declive desta recta é a constante
k e a ordenada na origem a constante C .

Quantidade de
água diária/l
1,0

0,8

0,6

0,4

0,2

0,0
100 200 300 400 500
número de plantas

Figura 1.3

A Figura 1.3 representa a quantidade de água de rega necessária numa estufa em função
do número de plantas. Neste exemplo, a relação de dependência da variável y na variável x
é de facto aproximadamente linear.

Se considerarmos uma relação arbitrária y = f (x ) e tomarmos apenas alguns pares de


valores (x i , yi ) , em que os valores x i são muito próximos de um valor x0 , verificamos que
uma boa aproximação é a relação linear y = a (x − x0 ) + C com uma constante de

Representação das Grandezas Físicas – Leis de Escala 9


proporcionalidade a = (df dx )x0 (aproximação de primeira ordem do desenvolvimento de
f (x ) em série de potências em torno de x0 ). Em suma, localmente todas as relações de
dependência são aproximadamente lineares.

No caso de uma dependência exponencial y = C e kx , a representação gráfica adequada é a


representação do logaritmo da variável y em função da variável x (representação
semilogarítmica) dado que n y = n C + kx . A representação gráfica de uma dependência
exponencial nestas novas coordenadas é também uma recta.

log N (t)

Figura 1.4
−t
O decaimento de núcleos radioactivos rege-se por uma lei do tipo N(t) =N0 e τ em
que N 0 é o número inicial de núcleos, t é o tempo e τ é uma constante característica do
decaimento. A Figura 1.4 é uma representação semilogarítmica deste fenómeno. A ordenada
1
na origem é o logaritmo do número inicial de núcleos e o declive k é igual a − .
τ
k
No caso da dependência polinomial y = C x a representação gráfica adequada é a do
logaritmo da variável y em função do logaritmo da variável x (representação logarítmica)
dado que n y = n C + k n x .

Em resumo para cada dependência a representação gráfica faz-se nas variáveis que a
tornam linear.

1.5. Transformações de Escala

No mundo observável, as três grandezas físicas massa, comprimento e tempo apresentam


uma gama muito grande de variações. Em particular no que diz respeito às dimensões dos
organismos vivos os comprimentos característicos podem variar entre 1µm 10 −6 m , para as ( )
células mais pequenas e cerca de 100 m (altura de uma sequóia gigante).

Apesar de uma tão larga variação de escala (oito ordens de grandeza), no caso de muitas
características e funções dos organismos vivos é possível estabelecer uma relação com o seu
tamanho, e assim aplicar-lhes conclusões tiradas para organismos com dimensões muito
diferentes. A relação entre a função e o tamanho de uma estrutura é essencialmente

10 Capítulo 1
estabelecida pela física dos processos em jogo e o estudo dessa relação denomina-se
"scaling" ou transformação de escala.

Em biologia, o "scaling" é essencialmente o estudo de como as características biológicas


dependem do tamanho do organismo. É óbvio que só é possível realizar um estudo deste tipo
se se admite que a forma do organismo se mantém. A hipótese de "scaling" (existência de
uma dependência simples com a escala) supõe a semelhança de forma. Para a testar
elabora-se aquilo que se designa por teste alométrico: verificação da hipotética semelhança
de forma numa população de indivíduos quando varia o seu tamanho.

Admite-se que muitas das actividades básicas de um organismo vivo dependem


essencialmente da sua constituição e, por isso, ou da sua superfície (ou superfície de um
órgão nele contido) ou do seu volume ou do seu comprimento. Como exemplos de cada um
destes casos podemos referir, respectivamente, a perda de água por transpiração, as
necessidades de oxigénio e o tempo de circulação de nutrientes. Se o comprimento  se
transformar de acordo com a relação

L → L' = ΛL

então a superfície S e o volume V são transformados de acordo com

S = L2 → S' = Λ2 S

V = L3 → V ' = Λ3V

em que a letra Λ representa o factor de escala associado à transformação que não tem
dimensões.

Deste ponto de vista, qualquer característica de um organismo de uma família de


organismos semelhantes deve poder ser traduzida como uma potência simples da dimensão
linear, o que acarreta imediatamente uma certa lei de variação dessa característica para
uma transformação de escala. Reciprocamente, pode testar-se se existe uma relação simples
entre escala e uma determinada função, verificando se obedecem a uma lei simples de
potência. Para tal, testa-se a existência de uma relação de potência entre a função em
estudo e o tamanho dos indivíduos, traçando num gráfico log-log os valores da função
versus tamanho. Se se obtém uma recta, a relação de scaling é possível mas não é
necessariamente verificada no conjunto dos indivíduos; no entanto, se a relação não se
verifica pode garantir-se que a forma geométrica não se mantém no grupo de indivíduos
escolhido.

Aplicação: Conhecendo a força específica de um organismo numa certa escala pode


prever-se a sua força específica noutra escala. De facto, a força F é proporcional ao número de

Representação das Grandezas Físicas – Leis de Escala 11


fibras musculares e portanto à área da secção transversal dos músculos de modo que numa
transformação de escala

F → F' = Λ2 F

Por outro lado, o peso p = mg = pVg é proporcional à massa e ao volume e temos

p → p' = Λ3 p

F
Em consequência, a força específica f = transforma-se de acordo com
p

1
f → f' = f
Λ

Admitindo que o comprimento L de uma formiga é aproximadamente 3 mm e o comprimento L'


de um homem é aproximadamente 1,8 m, o factor de escala será obviamente

L' 1,8m
Λ= = = 600
L 3 × 10 − 3 m

Suponha-se que uma formiga é capaz de levantar 3 vezes o seu peso, ou seja, que a sua força
específica é

f =3

Então a força específica f’ de uma formiga do tamanho de um homem seria

1 3
f' = f × = = 0,005
Λ 600

o que é um valor manifestamente inferior ao da força específica de um homem. Conclui-se então


que as duas espécies não verificam a hipótese de semelhança de forma, e que além disso a
estrutura dos seres humanos é mais eficaz do ponto de vista da força específica que a das
formigas.

Aplicação: Um raciocínio de scaling permite entender a razão pela qual as células se dividem
a partir de uma certa dimensão. É condição de sobrevivência que a razão R entre a quantidade
q d de oxigénio disponível e a quantidade q c de oxigénio consumido seja superior à unidade. A
quantidade de oxigénio disponível, que é proporcional à área da membrana celular, transforma-
se com Λ2 . Por outro lado, o oxigénio consumido no metabolismo celular é proporcional ao
volume celular e portanto escala com Λ3 . Portanto a razão R transforma-se de acordo com

R
R → R' =
Λ

12 Capítulo 1
Suponhamos que numa certa escala L a célula sobrevive. À medida que a célula cresce, a razão
R decresce. Se para L se está no limite de sobrevivência, para L' > L a célula ou se divide, ou
pára de crescer, ou morre.

Aplicação: Um dos exemplos importantes de aplicação do “scaling” na biologia são as leis de


locomoção de Hill:

1ª lei: animais de forma idêntica saltam à mesma altura; a altura de salto é independente do
tamanho.

2ª lei: animais de forma idêntica têm a mesma velocidade de ponta; a velocidade limite em
esforço é independente do tamanho.

Analisemos a primeira lei do ponto de vista do scaling. A altura máxima do salto depende do
trabalho mecânico W fornecidos pelos músculos , que tem que ser igual à variação da energia
potencial mg h associada a um salto de altura h . O trabalho W é igual ao produto da força
muscular F , que como vimos escala com Λ2 , pela extensão muscular e , que escala obviamente
com Λ . Portanto, o trabalho W escala com Λ3 . Assim

W W' Λ3
h= → h' = = h=h
mg m' g Λ3

Embora esta conclusão pareça falsa, os animais parecem saltar alturas diferentes porque
partem de alturas diferentes, visto que o seu centro de gravidade está mais alto nos animais
mais altos.

A Segunda lei de Hill pode obter-se a partir de um raciocínio de scaling e da observação


experimental de que a frequência f da passada no esforço máximo escala com Λ−1 . Como a
velocidade é igual ao produto do tamanho do passo, pela frequência da passada, a velocidade
limite v transforma-se de acordo com

v → v' = Λ−1 . Λv = v

Hill concluiu a partir de observações que a frequência da passada no esforço máximo verifica

f ~ Λ−1

Como velocidade = tamanho do passo × frequência, temos

v lim ite = Λ−1 × Λ = Λ0

Aplicação: Há alguns anos, um grupo de psicólogos resolveu testar o efeito do LSD em


elefantes. Num artigo relatam que consideraram a dose que sabiam ter efeitos mínimos em
gatos, multiplicaram pelo quociente entre a massa de um elefante e a de um gato, e injectaram

Representação das Grandezas Físicas – Leis de Escala 13


essa dose no elefante, que morreu depois de experimentar violentas convulsões. Como justificar
as conclusões do trabalho referido com base em argumentos de scaling?

Se representarmos por De , m e e Ve a dose de LSD dado ao elefante, a sua massa e o seu


volume e representamos por Dg , m g e Vg as mesmas grandezas no caso do gato, é fácil de
verificar que de acordo com o enunciado a dose De oferecida ao elefante obedece à relação

De m
= e
Dg mg

Ora de acordo com argumentos de scaling, sabemos que

me V
= e = Λ3
mg Vg

em que Λ representa o factor de escala que numa transformação de semelhança relaciona o


comprimento do gato com o do elefante.

Por outro lado, é evidente que os efeitos de dosagem de LSD administrada são sentidos por
intermédio de trocas metabólicas em superfície e por isso dependem de Λ2 e não de Λ3 como
erradamente suposto pela equipa de investigadores.

Daí que não seja de admirar o nefasto resultado final!

14 Capítulo 1
CAPÍTULO 2.

MECÂNICA

Neste capítulo vamos estudar o movimento e o equilíbrio de pontos materiais, isto é,


objectos com uma certa massa que se consideram pontuais, e de sólidos rígidos, quer dizer,
objectos extensos também com uma certa massa e cuja forma admitimos que se mantém
constante, independentemente das forças que os actuam. Ambos se tratam, como é óbvio,
de ‘modelos’ que, não obstante a sua simplicidade, retêm as características principais dos
sistemas ‘reais’ do ponto de vista que pretendemos descrever: neste caso, os pontos
materiais correspondem a determinados pontos dos objectos cujo movimento se estuda, por
exemplo o centro de massa, e as deformações sofridas pelos corpos aos quais aplicaremos
as conclusões deduzidas para sólidos rígidos são desprezáveis.

2.1. Cinemática

O objectivo da cinemática é o de descrever o movimento de um ponto material no espaço


físico. Uma vez escolhido um referencial, isto é, um sistema de eixos Oxyz , a posição de um
ponto material em função do tempo fica determinada pelo seu vector de posição r (t ) . A


velocidade v (t ) e a aceleração a (t ) definem-se a partir desta função vectorial do tempo, r (t ) ,


  

como a sua derivada e a sua segunda derivada, respectivamente. Portanto, temos

d  d  d2 
v (t )= r (t ) a (t )= v (t )= 2 r (t )
 
(2.1)
dt dt dt

Considerando o significado do operador derivada, limite de uma razão incremental,


podemos atribuir a estas grandezas o significado seguinte: a velocidade descreve a taxa de
variação da posição do ponto no tempo

 ∆r
v = lim ∆t →0
∆t

Mecânica 15
e, do mesmo modo, a aceleração descreve a taxa de variação da velocidade do ponto no
tempo

 ∆v
a = lim ∆t →0
∆t

Existe uma relação geométrica simples entre o vector velocidade e a trajectória, isto é, a
linha descrita no espaço pelo ponto material ao longo do seu movimento: o vector velocidade
tem em cada instante a direcção da tangente à trajectória nesse instante (ver Figura 2.1).

y(t)
t

x(t)
z(t)
Figura 2.1
 
Define-se ainda velocidade média v mAB , e aceleração média, amAB , entre dois pontos A e
B , como

 ∆r AB
v m AB =
∆t AB


∆v
a m AB = AB

∆t AB

     
onde ∆r AB = r B − r A , ∆v AB = v B − v A , e ∆t AB é o tempo gasto no percurso entre A e B .
Assim, a velocidade média é igual à velocidade constante que levaria o ponto de A para B
no intervalo de tempo ∆t AB , e a aceleração média é igual à aceleração constante responsável

pela variação de velocidade ∆v AB no intervalo de tempo ∆t AB .

No caso de um movimento rectilíneo estas noções de velocidade média e aceleração média


coincidem com as noções de utilização comum

espaço percorrido
vm =
∆t AB

var iação de velocidade


am =
∆t AB

16 Capítulo 2
onde a velocidade e a aceleração são grandezas escalares. Na linguagem usual é costume
aplicar estas mesmas definições a trajectórias não rectilíneas: numa viagem entre dois
locais considera-se como velocidade média a distância percorrida a dividir pelo intervalo de
tempo gasto no percurso.

As equações (2.1) permitem determinar v (t ) e a (t ) a partir do vector de posição r (t ) .


  
 
Inversamente, é possível determinar a trajectória do ponto material a partir de a( t ) e v( t )
conhecidas as condições iniciais. Por integração das equações (2.1), tem-se

r (t )= ∫ v (t )dt v (t )= ∫ a (t )dt
   
(2.2)

A aceleração a (t ) é determinada pelas forças que actuam o corpo em questão, tal como


veremos na secção seguinte. A segunda equação em (2.2) permite calcular a velocidade v (t )




a partir da aceleração, desde que seja conhecido o valor da velocidade nalgum instante, de
modo a fixar a constante de integração que surge ao primitivar a aceleração a (t ) . Da mesma


maneira, uma vez conhecida a velocidade v (t ) , a primeira das equações (2.2) permite


determinar a posição r (t ) ,desde que se conheça a posição nalgum instante.




O objectivo desta secção é o de estudar as características de alguns movimentos


particulares, bem como as circunstâncias em que ocorrem.

2.1.1. Movimento Uniformemente Acelerado Unidimensional

No caso de um movimento unidimensional e rectilíneo, posição, velocidade e aceleração


podem representar-se como escalares, dado que o movimento tem lugar ao longo de uma
linha recta. No caso do movimento uniformemente acelerado a aceleração é constante.
Vamos supor conhecidos os valores r0 =r (0 ) e v0 =v (0 ) da posição e da velocidade no
instante inicial. Então as equações do movimento têm a forma simples

v t
dv
(2.3 a)
dt
=a ⇒ ∫ ∫
dv = a ds ⇒ v =v 0 +at
v0 0

r t
dr 1
(2.3 b)
dt
=v ⇒ ∫ ∫
dr = v (s )ds ⇒ r =r0 +v 0 t + at 2
2
r0 0

Um caso particular importante desta classe de movimentos é o movimento uniforme,


para o qual a aceleração a ao longo da trajectória é nula. Fazendo a=0 nas equações (2.3),
obtemos as leis do movimento uniforme

(2.4 a) v =v 0

(2.4 b) r =r0 +v 0 t

Mecânica 17
Uma aplicação das leis do movimento uniformemente acelerado unidimensional é a
descrição do movimento de queda livre, ou de subida e queda vertical, de um corpo sob a
acção da gravidade (desprezando os efeitos das forças de atrito a que esse corpo possa
também estar sujeito).

Aplicação: Calcule a altura máxima atingida por uma bola que é lançada na vertical com
velocidade inicial de 15,0ms −1 a partir de uma altura de 2,00m .

A altura máxima corresponde ao instante em que se inverte o sentido do movimento, e em


que portanto a velocidade se anula. Igualando a zero a equação(2.3 a), depois de substituir
v 0 por 15,0 ms −1 e a por − 9,80 ms −2 (estamos a utilizar um eixo vertical e dirigido para
cima como referencial), obtemos o instante em que se atinge a altura máxima, t max =1,53 s . A
altura máxima vem dada pela equação (2.3 b) calculada em t=t max , tendo em conta que
r0 =2,00 m , e é 13,5 m .

2.1.2. Movimento Uniformemente Acelerado Bidimensional

Neste caso estamos a considerar o movimento num plano, pelo que posição, velocidade e
aceleração são representadas por vectores com duas componentes, digamos segundo o eixo
dos xx e segundo o eixo dos yy . O processo de integração que descrevemos no exemplo
anterior conduz neste caso às equações
  
(2.5 a) v = v 0 +at

1
r =r0 +v 0 t + at 2
  
(2.5 b)
2

onde
              
a =a x e 1 +a y e 2 , v =v x e 1 +v y e 2 , r =xe1 + ye 2 , v 0 =v 0 x e1 +v 0 y e 2 , r0 =x 0 e1 +y 0 e 2

 
e e1 , e2 são os versores dos eixos dos xx e dos yy, respectivamente. As equações (2.5)
podem então escrever-se como pares de equações escalares na forma

(2.6 a) v x =v 0 x +a x t , v y =v 0 y +a y t

1 1
(2.6 b) x = x 0 +v 0 x t + a x t 2 , y =y 0 +v 0 y t + a y t 2
2 2

Um caso particular importante, porque se aplica ao estudo do movimento de projécteis, é



aquele em que a x =0 , ay = − g onde como é habitual representamos por −g e 2 a aceleração
da gravidade.

18 Capítulo 2
2.1.3. Movimento Circular Uniforme

No caso do movimento circular, a partícula desloca-se sobre um círculo de raio R . Este


movimento pode ser considerado um movimento unidimensional em que a trajectória é uma
circunferência. A posição em cada instante fica determinada pelo valor do ângulo ϕ nesse
instante (ver Figura 2.2). Concretamente, temos

r (t )=Rcos (ϕ (t ))e1 + R sin (ϕ (t ))e 2


  
(2.7)

Se além de circular o movimento for uniforme, isso significa que o ângulo ϕ varia
uniformemente no tempo, isto é, que


(2.8) = ω = constante
dt

r
ϕ
R

Figura 2.2

Em geral, designa-se por ω , velocidade angular ou frequência angular, a taxa de


variação temporal do ângulo associado ao arco percorrido e as suas unidades são, no
sistema MKSA, radianos por segundo.

Outra maneira de caracterizar o movimento circular uniforme é dizer que a aceleração


angular


(2.9) γ =
dt

é nula. Da integração da equação (2.8) resulta imediatamente a lei do movimento para o


ângulo ϕ

ϕ (t )=ϕ 0 +ωt

Substituindo em (2.7) vem para o vector de posição da partícula

r (t )=Rcos (ϕ 0 +ωt )e1 + R sin (ϕ 0 +ωt )e 2


  
(2.10)

Mecânica 19
Uma primeira conclusão que podemos tirar da equação (2.10) é que o movimento é
periódico de período T , dado em função da frequência angular por


T=
ω

É também habitual caracterizar um movimento deste tipo através da frequência

1 ω
f= =
T 2π

cujas unidades são s −1 ou Hertz (Hz), e que mede o número de ciclos deste movimento
periódico que ocorrem numa unidade de tempo. Derivando em ordem ao tempo a equação
(2.10) obtém-se a expressão da velocidade

v (t )= − ωR sin (ϕ 0 +ωt )e1 + ωR cos (ϕ 0 +ωt )e 2


  
(2.11)

É fácil comprovar que, tal como se representa na Figura 2.2, o vector velocidade é
perpendicular ao vector de posição r (t ) (basta ter em conta que, em geral, o vector


velocidade é sempre tangente à trajectória, ou então verificar que o produto interno dos dois
vectores r (t ) e v (t ) dados pelas equações (2.10) e (2.11) é nulo). Assim a velocidade v , no
  

movimento circular uniforme, não é constante no tempo porque varia em direcção. No


entanto, o módulo v do vector v (t ) dado por (2.11) é constante (característica do movimento


uniforme) e dado por

v =ω R

Derivando em ordem ao tempo a equação (2.10) obtemos a expressão da aceleração do


movimento

a (t )=− ω 2 Rcos (ϕ 0 +ωt )e1 − ω 2 R sin (ϕ 0 +ωt )e 2 =− ω 2 r (t )


   
(2.12)

ou seja, o vector a (t ) é igual ao produto de um escalar negativo pelo vector r (t ) . Portanto, a


 

aceleração deste movimento é radial e centrípeta, isto é, tem em cada instante a direcção do
vector de posição da partícula e está dirigida para o centro da trajectória. Quanto ao módulo
da aceleração, temos imediatamente de (2.12)

(2.13) a =ω 2 R

ou seja, tal como o módulo da velocidade, o módulo da aceleração é constante neste


movimento.

20 Capítulo 2
Aplicação: Uma partícula está à distância de 0,1 m do eixo de um motor a trabalhar a
3000r.p.m. . Calcule a aceleração centrípeta a que está sujeita e compare-a com a aceleração
da gravidade, g .

A partícula em questão descreve um movimento circular e uniforme de raio 0,1 m e


frequência f = 3000 r.p.m.= 50 Hz . Da relação entre frequência e frequência angular e da
equação (2.13) temos para a aceleração centrípeta

a = (100π )2 0,1 = π 210 3 = 9,86.10 3 ms −2 ≈ 1000 g

2.1.4. Movimento Oscilatório Harmónico

Pensemos outra vez no movimento circular uniforme que estudamos no caso anterior, e
consideremos a projecção do vector de posição r ( t ) da partícula segundo uma direcção fixa,


por exemplo o eixo dos xx . Da equação (2.7) temos que essa projecção varia no tempo de
acordo com

(2.14) x (t )=R cos (ϕ 0 +ω t )

Suponhamos então que essa é a equação do movimento de uma partícula que se desloca
sobre o eixo dos xx . Trata-se de um movimento periódico, de período T =2π /ω , ao longo do
qual a posição da partícula varia entre os pontos −R e R , a que se chama oscilação
harmónica de amplitude R e frequência angular ω . Da equação (2.14) podem obter-se a
velocidade e a aceleração, respectivamente

(2.15) v (t )=Rω sin (ϕ 0 +ωt )

(2.16) a (t )= − Rω 2 cos (ϕ 0 +ωt ) = −ω 2 x (t )

Portanto, este movimento unidimensional é caracterizado por uma aceleração


proporcional (com constante de proporcionalidade negativa) à posição da partícula em
relação à origem do eixo dos xx . Estas equações modelam o comportamento de partículas
sujeitas a forças elásticas ideais, ou seja, partículas ligadas a ‘molas ideais’. Voltaremos a
falar deste movimento e das situações físicas que lhe dão origem nas secções seguintes e no
Capítulo 7.

2.2. Dinâmica Newtoniana

Agora que sabemos como calcular o movimento de um ponto material a partir da sua
aceleração, interessa-nos poder determinar essa aceleração em alguns casos particulares. O
conceito central da dinâmica é o conceito de força, e o essencial da teoria está contido nas
três leis de Newton, que, em particular, relacionam as forças a que uma partícula está
sujeita com a sua aceleração.

Mecânica 21
1ª Lei : um corpo livre executa um movimento uniforme e rectilíneo (lei da inércia).
 
2ª Lei : a força F que actua uma partícula e a sua aceleração a verificam a relação,
 
F =ma

onde m é a massa da partícula (lei fundamental da dinâmica).

3ª Lei : as forças de interacção são iguais em módulo e direcção e de sentido contrário (lei
da acção e reacção).
 
A segunda lei admite um enunciado mais geral, em termos do momento linear p =mv de
uma partícula (ou de um sistema de partículas)

 dp
(2.17) F=
dt

ou seja, a força é igual à taxa de variação do momento linear.

A grandeza momento linear ou quantidade de movimento de uma partícula ou de um


sistema de partículas

∑ particula i m i v i
 
p=

é assim uma grandeza fundamental na descrição do estado de movimento de um sistema.


Quando uma força actua sobre um corpo altera o estado de movimento deste. No entanto, o
efeito dessa força depende não só da velocidade do corpo mas também da sua massa.

Esta formulação da 2ª Lei permite tratar o caso de uma partícula (ou de um sistema de
partículas) de massa variável, como veremos em vários exemplos. Em particular, a equação

(2.17) diz-nos que o momento linear p de um sistema livre se conserva.

Aplicação: Um disco de hockey sobre gelo desloca-se sem atrito sobre a pista. Determinar
a trajectória do disco em função da velocidade inicial que lhe é imprimida.

Como se considera desprezável o efeito das forças de atrito, as únicas forças que actuam o
objecto são o seu peso e a força de reacção que a pista exerce sobre ele. Pela 3ª Lei, estas
duas forças são iguais em módulo e direcção e têm sentidos contrários, de modo que a força
total que actua o disco é nula. Portanto, pela 1ª Lei, o movimento que executa é uniforme e
rectilíneo e temos r( t ) = r0 + v 0 t , onde v 0 é a velocidade inicial que é imprimida ao disco e r0 é
    

a sua posição inicial.

Aplicação: Um veículo espacial que se desloca com velocidade v0 realiza uma manobra
expelindo durante um intervalo de tempo muito curto uma quantidade de gás de combustão
de massa igual a 5% da massa total no início da manobra. A velocidade da massa de gás em

22 Capítulo 2
relação ao veículo é v R . Calcular a variação da velocidade do veículo em função dos
parâmetros do problema.

Como o sistema formado pelo veículo mais o combustível é um sistema livre, podemos
concluir da 2ª Lei que o momento linear total antes e depois da manobra é igual. Portanto,
temos

Mv 0 = 0,05 M(v f −v R )+0,95 Mv f

onde M e v f denotam a massa total inicial e a velocidade final do veículo, respectivamente.


Portanto, temos

v f −v 0 =0,05 v R

2.2.1. Centro de Massa

O movimento global de um sistema é descrito, em parte, em termos do movimento de um


só ponto, o centro de massa, ponto no qual se considera concentrada toda a massa do
sistema. De facto o movimento de um sistema mecânico, seja ele um sistema de partículas
individuais ou um objecto extenso sob a acção de forças exteriores, pode analisar-se como a
composição resultante de dois movimentos, o de translação do seu centro de massa e o de
rotação em relação ao centro de massa. O movimento de translação é o que resulta de
considerar a resultante das forças aplicada a uma partícula única de massa M (massa total
do sistema) localizada no centro de massa. O conceito de centro de massa é assim um
conceito importante em dinâmica, uma vez que podemos considerar que é este ponto que se
move de acordo com as leis do movimento de translação e com as leis de conservação da
energia que veremos adiante.

Para um corpo de forma regular e densidade homogénea o centro de massa coincide com
o centro geométrico do corpo. No caso de objectos com formas irregulares o cálculo do
centro de massa é já mais complexo.

A posição do centro de massa pode ser descrita como a posição média da massa do
sistema; por exemplo, para duas partículas de m1 e m 2 colocadas no eixo dos xx nas
posições x1 e x 2 respectivamente (Figura 2.3) a posição do centro de massa será

m1 x 1 + m 2 x 2
x CM =
m1 + m 2

isto é, o centro de massa está sobre o eixo dos xx , mais próximo da partícula mais pesada.

Mecânica 23
m1 m2
0 x1 xCM x2
Figura 2.3

Para um sistema de muitas partículas colocadas em pontos genéricos (x i ,y i ,z i ) tem-se


para a posição do centro de massa

     

 ∑ m i x i  e1 +  ∑ m i y i  e 2 +  ∑ m i z i  e 3
  i   i   i 
r CM =
M

Se em vez de um sistema de partículas distintas se tratar de um corpo rígido, quer dizer,


de uma distribuição contínua de massa, tem-se

1
∫ r dm
 
r CM =
M

2.3. Forças Fundamentais; Interacção Gravítica

Existem quatro forças ou interacções fundamentais: a gravítica, a electromagnética, e as


interacções forte e fraca. Estas duas últimas são forças de curto alcance, que são
importantes à escala do núcleo e das partículas nucleares, mas que não desempenham
nenhum papel à escala dos sistemas biológicos (à parte, claro está, serem responsáveis pela
estabilidade dos núcleos que formam os átomos que formam as moléculas que formam as
células…). A força gravítica e a electromagnética, pelo contrário, desempenham um papel
muito importante em vários sistemas biológicos, como teremos ocasião de ver ao longo do
curso.

A interacção electromagnética será o objecto dos Capítulos 5 e 6. A força gravítica é


postulada pela lei da gravitação de Newton, de acordo com a qual duas massas pontuais m
e M exercem uma sobre a outra uma força atractiva dirigida segundo a recta que as une e
de módulo dado por

mM
(2.18) FG =G
d2

onde d é a distância entre elas e G =6.673 ×10 −11 Nm 2 Kg −2 é uma constante universal. Para
além de permitir descrever, em boa aproximação, o comportamento do sistema solar, este
modelo explica porque razão à superfície da Terra todos os corpos caem com a mesma
aceleração constante g . Na realidade, o movimento de queda de um corpo perto da
superfície terrestre deve-se à força de interacção gravítica entre a Terra e o corpo em
questão. Pela lei da gravitação de Newton, e considerando a Terra como uma massa pontual
situada no seu centro geométrico, um corpo de massa m situado a uma altura h acima da

24 Capítulo 2
superfície terrestre fica sujeito a uma força radial e dirigida para o centro da Terra (ver
Figura 2.4) de módulo

mM T
FG =G
(R +h )2

onde M T é a massa e R é o raio da Terra.

m
R h

MT

Figura 2.4

Em termos dos parâmetros locais de m , podemos dizer que FG é vertical e dirigida de cima
para baixo. Tendo em conta que h << R , podemos tomar em boa aproximação

1 1

(R +h ) 2
R2

de modo que vem

mM T
FG ≈G
R2

Pela 2ª Lei da Dinâmica, o corpo em questão mover-se-á com uma aceleração vertical e
dirigida de cima para baixo dada por

FG 6 ,67 × 10 −11.5 ,97 × 10 24


g = ≈ ≈ 9 ,81 ms −2
m (
6 ,37 × 106 2 )
Como caso particular da definição de centro de massa, podemos dizer que o efeito da
força gravítica sobre um corpo se pode analisar considerando a força aplicada no seu centro
de massa, onde se considera concentrada toda a massa do corpo. Neste caso, em que a
força exterior é a força gravítica, é habitual chamar centro de gravidade ao centro de massa.

A posição de centro de gravidade é importante na determinação da estabilidade de um


corpo: para que a posição de um corpo seja estável é necessário que a linha vertical que
passa pelo centro de gravidade intersecte a base de sustentação do corpo que é o polígono
definido pelos pontos de apoio.

No caso do exemplo apresentado na Figura 2.5, a posição da mesa será estável se a linha
vertical que passa pelo centro de gravidade cair dentro dos limites da área horizontal

Mecânica 25
definida pelos pés da mesa. Veremos mais adiante que este facto está relacionado com o
efeito da força gravítica do ponto de vista da rotação do corpo.

Figura 2.5

Também na locomoção animal esta questão é importante. Para um quadrúpede em


marcha o mínimo de estabilidade corresponde à situação de três patas assentes no chão e o
animal manterá a estabilidade se o centro de gravidade estiver sobre o triângulo definido
pelas patas. A sequência correcta de movimentação das patas de um cavalo tal como
indicada na Figura 2.6, garante que este consiga andar mantendo a sua estabilidade.

imóvel a trote

Figura 2.6

2.4. Outras Forças

Em princípio, as forças que actuam um sistema ou uma componente de um sistema


arbitrário podem exprimir-se em termos das forças fundamentais. No entanto, para a
maioria dos sistemas, a complexidade das interacções presentes faz com que esta

26 Capítulo 2
abordagem reducionista não seja viável, e surgem modelos fenomenológicos para tratar
diversas situações.

Por exemplo, a força elástica F , que modela o comportamento de molas e, em geral, de


meios contínuos sujeitos a deformações, toma-se como sendo dada por

(2.19) F =− k ∆x

onde k é uma constante fenomenológica característica de cada situação e ∆x é a elongação


da mola ou a deformação do meio. Como vimos na secção anterior, o movimento de uma
massa ligada a uma mola cujo comportamento seja bem descrito por este modelo (mola
ideal) é o movimento oscilatório harmónico.

Outras forças fenomenológicas que intervêm na maioria dos modelos são as forças de
atrito, que pretendem dar conta do resultado macroscópico global das interacções entre a
superfície do corpo cujo movimento se estuda e o meio no qual esse movimento tem lugar.
São sempre forças que se opõem ao movimento, e portanto têm a mesma direcção da
velocidade e sentido contrário. No caso do atrito entre superfícies de sólidos, chamado atrito
seco, a força de atrito toma-se proporcional à força N que se exerce segundo a normal à
superfície de contacto

(2.20) Fa = µN

onde µ é um coeficiente fenomenológico chamado coeficiente de atrito seco. Por exemplo, no


caso de um bloco de massa m que se desloca sobre uma superfície horizontal, a força de
atrito será dada em módulo por Fa = µmg , onde µ é o coeficiente característico da
interacção entre as duas superfícies. Às vezes, distingue-se para um mesmo par de
superfícies o coeficiente de atrito estático µe e o coeficiente de atrito cinético µ c , tendo-se
em geral µe > µc . Isto traduz o facto de se verificar experimentalmente que, em geral, a força
que se opõe ao movimento a partir da situação de repouso é maior que a força de atrito que
se exerce quando as duas superfícies estão já em movimento uma em relação à outra.

No caso do atrito entre camadas de um fluido ou entre a superfície de um sólido e o


fluido em que este se move, a força de atrito toma-se proporcional à velocidade,

(2.21) Fa = µv

onde µ é agora o coeficiente de atrito fluido. Por exemplo a força de atrito que se exerce
sobre um automóvel devida ao contacto com o ar é proporcional à velocidade com que o
automóvel se desloca, e a constante de proporcionalidade depende da geometria do veículo.

Para além das forças fundamentais e das forças fenomenológicas de que falamos até
agora, existe uma outra classe de forças de natureza diferente, que são as forças de inércia.
A necessidade de considerar a existência destas forças prende-se com o facto de os

Mecânica 27
referenciais da mecânica, isto é, os sistemas de eixos escolhidos para descrever o
movimento, não terem todos o mesmo estatuto. Na realidade, o enunciado correcto da 1ª Lei
diz que um corpo livre descreve um movimento uniforme e rectilíneo num referencial de
inércia, isto é, num referencial em repouso ou em movimento rectilíneo e uniforme em
relação ao espaço absoluto. Podemos então pensar na 1ª Lei como a que postula a
existência do espaço absoluto e define a classe de referenciais privilegiados a que chamamos
referenciais de inércia. Estes referenciais caracterizam-se por terem aceleração nula em
 
relação ao espaço absoluto, e é só neles que a relação fundamental da dinâmica, F =ma ,

onde F é a resultante das forças fundamentais e fenomenológicas a que o corpo está
sujeito, se verifica. Mas a maioria dos referenciais em que é útil trabalhar não são
referenciais de inércia, a própria Terra, devido ao seu movimento de translação e de rotação
própria, não é um referencial de inércia. Portanto, foi necessário estender a teoria de modo a
dispor de uma equação fundamental válida nestes referenciais. Não é difícil mostrar que, em
 
consequência da 1ª e da 2ª Leis, a relação F =ma é válida num referencial arbitrário desde

que se tome F como sendo a resultante de todas as forças a que o corpo está sujeito,
incluindo, para além das forças fundamentais e fenomenológicas que intervêm na situação

considerada, uma força de inércia, FI , que depende da aceleração do referencial no qual se
está a observar o movimento, e que é dada por
 
F I = − ma R


onde m é a massa do corpo cujo movimento se estuda e aR é a aceleração do referencial em
que se faz a descrição do movimento.

Aplicação: Um rapaz muito preocupado com o controle do seu peso aproveita o tempo que
passa no elevador do prédio onde vive para se pesar. Constata que as medições que realiza
nessas circunstâncias diferem sistematicamente das medições que faz em casa. Mais
precisamente, o peso medido na subida é sistematicamente maior do que o peso medido em
casa, o qual por sua vez é sistematicamente maior do que o peso medido na descida. Explique
este fenómeno, e faça uma estimativa para as diferenças encontradas em função da
aceleração de subida e de descida do elevador.

Por um lado, o rapaz está, em cada uma das três situações que se comparam, em equilíbrio
do ponto de vista de um referencial solidário com a balança. Esse referencial é inercial no caso
em que a pesagem tem lugar em casa, e não inercial no caso em que a pesagem tem lugar no
elevador, dado que este se move com uma certa aceleração de subida ou de descida, conforme
o caso. Por outro lado, as forças que o actuam são, para além das forças de inércia que se
 
tenham que considerar, o peso P e a reacção R que a balança exerce sobre o rapaz, sendo a
intensidade desta última força a quantidade que é medida pela balança.

28 Capítulo 2
   
Portanto temos, para o caso em que o elevador sobe com aceleração, a S =a S e 2 , FI =− ma S e 2
  
e a equação P +R +FI =0 escreve-se
  
−mge 2 +Re 2 −ma s e 2 =0

ou seja, R =m(g +a S ) . Da mesma maneira, quando o elevador desce com uma aceleração
      
a d =− a d e 2 , FI =ma d e 2 e a equação P +R +FI =0 fica
  
−mge2 +Re2 +ma d e2 =0

ou seja, R = m(g − a d ) .

(− a d e2 )
 
Em resumo, quando o elevador sobe (desce) com aceleração a S e 2 a medida do
peso é superior (inferior) à medida do peso num referencial inercial, e a diferença é igual a
ma S (ma d ) .

2.5. Dinâmica de Rotação

Até agora falámos do movimento de um ponto material, que no caso de corpos extensos
identificamos com o movimento de um ponto especial designado por centro de massa do
corpo. Em muitos casos é importante saber descrever o movimento geral de corpos extensos
ou de sistemas de várias partículas, que se pode decompor no movimento do centro de
massa (que já sabemos como estudar), e no movimento do sistema em relação ao centro de
massa. Este último é em geral uma composição de rotações, de modo que o que nos
interessa para abordar o problema é saber descrever o movimento de rotação de um corpo
em relação a um ponto, que podemos supor fixo.

Tal como no caso da dinâmica de um ponto material aparecem conceitos muito


 
importantes como os conceitos de momento linear, P , e força aplicada, F ; em dinâmica de

rotação os conceitos relevantes são os de momento angular, L , e momento da força (ou

forças) aplicada, M .

O momento angular de uma partícula em relação a um ponto define-se como


    
(2.22) L =mr × v =r × p

 
sendo r o vector de posição da partícula em relação a esse ponto, m a sua massa, v a sua

velocidade e portanto p o seu momento linear. O momento angular total de um sistema de
partículas em relação a um ponto é a soma dos momentos angulares, em relação a esse
ponto, das partículas que o constituem.

No caso particular importante de um sistema rígido a rodar em torno de um eixo fixo com
velocidade angular ω , todos os pontos rodam com a mesma velocidade ω .O momento
angular será

Mecânica 29
L =∑ m i ri × v i
  
i

mi , ri e v i são respectivamente a massa, o vector de posição e a velocidade da


 
onde
partícula i. Neste caso todas as partículas do sistema descrevem trajectórias circulares em
planos que são perpendiculares ao eixo e centradas no eixo.

Consideremos agora, tal como a figura indica, um cubo que roda, com velocidade angular
ω, em torno de um eixo que passa pelo centro de duas faces opostas (Figura 2.7). Neste caso
particular é fácil mostrar que o momento angular em relação a qualquer ponto do eixo tem a
direcção do eixo de rotação e, consequentemente, do vector velocidade angular.

L = ∑ m i ri × v i =
  
i

∑ m i ( O O' + R i ) ×v i =
  
=
i

∑ m i O O' ×v i + m i R i ×v i
   
= =
i

∑ m i R i ×v i
 
=
i

pois neste caso os termos que contribuem para a primeira parcela da soma anulam-se dois
a dois, dado que para cada partícula com uma determinada velocidade existe uma outra
com velocidade oposta. Então

ω
∑ mi Ri
  
L = ×v i =
i -vi
O’ R
∑ mi Riv i e 3 =

= i
i

∑ m i R i2 w e 3 = vi

=
i
 ri
= L z e3

Figura 2.7

onde Ri representa o raio da trajectória circular da partícula em torno do eixo (distância da



partícula ao eixo), vi = ω Ri e e3 é o vector normal ao plano da trajectória da partícula
  
definido de maneira que ( R, v , e 3 ) é um triedro directo. O vector ω = ω e 3 é o vector
 

velocidade angular.

30 Capítulo 2

Assim o momento angular L em relação ao eixo de rotação é um vector colinear com o
eixo, de sentido positivo ou negativo conforme a rotação seja directa ou retrógrada, dado por
 
(2.23) L = Iω

onde a quantidade I , chamada momento de inércia do corpo em relação ao eixo fixo,


depende da geometria da distribuição de massa do corpo, e é definida como

(2.24) I= ∑ mi Ri 2
i

No caso geral de um sólido sem simetrias particulares a rodar em torno de um eixo OZ


qualquer, ainda que a expressão (2.23) já não seja válida, o que significa que o momento
angular total já não é paralelo ao eixo de rotação, é ainda possível mostrar que L z = I w .

Para uma distribuição contínua da massa o somatório transforma-se num integral, logo

I = ∫ dV ρ (r ) r 2

(2.25)

onde dV representa o elemento de volume. Por exemplo, para um cilindro homogéneo de raio
R , o momento de inércia em relação ao eixo de simetria do cilindro é dado por MR 2 / 2 ,
onde M é a massa do cilindro. No caso de uma superfície cilíndrica homogénea, que se
toma por vezes como modelo simples para o comportamento rotacional da hélice de DNA, o
momento de inércia em relação ao eixo é MR 2 , onde M é a massa e R é o raio da
superfície.

O efeito de uma força no movimento de rotação do corpo sobre o qual actua depende da
posição do seu ponto de aplicação em relação ao centro (ou eixo) de rotação e da
componente força segundo a normal ao vector ao vector posição do seu ponto de aplicação;
quando empurramos uma porta giratória fazêmo-lo num ponto muito afastado do eixo de
rotação porque exige menos esforço (uma força de intensidade menor) e empurramo-la na
direcção da rotação. Para o movimento de rotação, a grandeza que mede o efeito de uma
 
força F , o momento M dessa força em relação a um ponto P , é definida como
  
(2.26) M =r ×F


em que r é o vector posição do ponto de aplicação da força relativamente a P . De acordo
 
com a definição o momento é um vector perpendicular ao plano formado por r e F cujo

sentido é definido pelo sentido da rotação que F imprime ao corpo.

O módulo deste vector é dado pelo produto da intensidade da força pela distância
perpendicular r⊥ = r cos θ do ponto P à linha de acção da força (braço da força), ou seja

Mecânica 31

(2.27) M = Fr ⊥ = Fr cos θ


onde θ é o ângulo definido pela direcção de r e pela direcção perpendicular a F. Note-se
que cos θ = sen ϕ de modo que a expressão 2.27 coincide com a que se obtém de 2.26
aplicando a definição de produto externo.

Convenciona-se tomar como positivo um momento que leva a uma rotação no sentido
directo, contrário ao dos ponteiros do relógio, e negativo no caso contrário.

A acção de várias forças pode ser analisada em termos da soma dos momentos de cada
uma.

Os dois conceitos básicos, momento angular e momento das forças, estão relacionados
pela equação fundamental da dinâmica de rotação, de acordo com a qual a variação do
momento angular total do sistema em relação a um ponto é igual ao momento total das
forças aplicadas em relação a esse ponto

 dL
(2.28) M=
dt

Na tabela abaixo pretende-se chamar a atenção para o paralelismo que se pode


estabelecer entre a dinâmica de translação e a dinâmica de rotação: os papéis
desempenhados no primeiro caso pela força, pelo momento linear e pela massa
correspondem no segundo caso ao momento da força, ao momento angular e ao momento
de inércia. A velocidade angular desempenha no movimento de rotação um papel análogo o
da velocidade linear no movimento de translação.

    dp
Translação F p =mv F= p =mv
dt
      
Rotação M =r ×F L =r ×mv  dL L = Iω
M=
dt

Aplicação: Considere o sistema representado na Figura 2.8, formado por duas massas
iguais ligadas por uma barra rígida de comprimento 2R e massa desprezável e actuadas por
um binário de forças. Determine o momento de inércia do sistema em relação ao eixo de
rotação, e caracterize o movimento
y
R F
x
-F Figura 2.8

32 Capítulo 2
Tomaremos como ponto de referência para o cálculo dos momentos angulares e dos
momentos das forças o ponto médio da barra, situado sobre o eixo de rotação. Como
     
a x b = a b sinθ , onde θ é o ângulo formado pelos dois vectores, neste caso, dado que r e F
são perpendiculares, da equação (2.26) vem que o momento de cada uma das forças tem
módulo M dado por M=RF . Por outro lado, decorre também da definição de produto externo
que os vectores momento de cada uma das forças têm a mesma direcção e o mesmo sentido,
de modo que o momento total M T é igual a 2RF . Outra maneira de ver que os momentos de
cada uma das forças se somam em valor absoluto é pensar que as duas forças induzem
rotações no mesmo sentido.

Da definição de momento angular (2.22) tem-se para o módulo do momento angular total
deste sistema de duas partículas L T =2Rmv =2R 2 mω , onde na segunda igualdade se usou o
facto de ser v =Rω . Da relação entre momento angular e velocidade angular obtém-se
imediatamente I=2mR 2 , como decorre também da definição directa I=Σ i m i ri 2 =2mR 2 ou seja,
neste caso, tal como para a superfície cilíndrica homogénea, o momento de inércia é igual ao
produto da massa total pelo raio ao quadrado.

Finalmente, a equação (2.28) dá-nos informação sobre o movimento

dL dω dω F
M= ⇒2RF =2R 2 m ⇒ =
dt dt dt mR

ou seja, trata-se de um movimento com aceleração angular constante. Supondo que o sistema
está em repouso no instante em que as forças começam a actuar, o ângulo ϕ que a barra
forma com a posição inicial varia no tempo de acordo com

1
ϕ= γ t 2
2

onde a aceleração angular γ =F /mR .

2.6. Trabalho e Energia

Trabalho e energia são termos usados na vida de todos os dias, com significados que
podem ser bem diferentes daqueles que correspondem à sua definição em física.

Vamos ver que a partir dos conceitos de trabalho e energia é possível analisar a dinâmica
de um sistema mecânico sem usar explicitamente as leis de Newton; convém notar, no
entanto, que esta abordagem do trabalho - energia é uma consequência directa das leis de
Newton, não envolvendo conceitos físicos novos.

Quando uma força actua sobre um corpo provocando um certo deslocamento diz-se que
essa força realizou trabalho, alterando o estado de movimento do corpo. O teorema
trabalho – energia, que resulta directamente da 2ª lei de Newton, diz-nos que o trabalho

Mecânica 33
realizado pelas forças que actuam sobre um corpo é igual à variação da sua energia cinética
Ec (energia que possuí pelo facto de estar em movimento), definida como metade do
1
produto da massa do corpo pelo quadrado da velocidade respectiva ( Ec = mv 2 ).
2

Vejamos como chegamos a este resultado a partir do conceito de trabalho.

Consideremos em primeiro lugar o caso simples de um objecto que se desloca de uma


distância ∆s , segundo uma dada direcção constante, sob a acção de uma força constante
(módulo e intensidade). O trabalho realizado pela força é neste caso dado por
 
(2.29) W =F .∆s =F ∆scos θ

sendo θ o ângulo que a força faz com a direcção do deslocamento. De acordo com esta
definição o trabalho será nulo sempre que o deslocamento ∆s for nulo ou a força
perpendicular à direcção do deslocamento; uma força não realiza trabalho quando não tem
componente na direcção do deslocamento ou quando este é nulo.

No sistema internacional a unidade para a grandeza trabalho é o Joule

1J =1N .m =1kgm 2 / s 2

e no sistema c.g.s. o erg

1erg =1 dyne .cm

Assim

1J =1N .m =107 dyne .cm =107 erg

O trabalho de uma força é positivo ou negativo consoante a direcção relativa da força e do


deslocamento: para F cos θ (componente da força na direcção do deslocamento) e ∆s com o
mesmo sentido o trabalho é positivo, sendo negativo no caso contrário. Considerando por
exemplo um objecto que se desloca sobre uma mesa o trabalho realizado pela força de atrito
entre as duas superfícies sólidas (objecto e mesa) é negativo, uma vez que a força de atrito
se opõe ao movimento.

O conceito de trabalho que referimos contraria a noção de trabalho que usamos no dia a
dia; por exemplo, quando deslocamos um objecto pesado segundo a horizontal, tal como se
indica na Figura 2.9, o trabalho realizado pela força que exercemos é nulo!

34 Capítulo 2
v
m

Figura 2.9

No caso em que as direcções da força e do deslocamento são constantes mas a


intensidade da força varia, o trabalho realizado pela força no deslocamento entre os pontos
1 e 2 será

2
W = cos θ ∫ F (s ).ds
1

ou


W = ± F ( s )ds
1

no caso em que a força e o deslocamento são colineares.

No caso geral de uma força variável para um deslocamento segundo uma direcção

genérica r , o trabalho realizado pela força que actua o objecto quando este se desloca entre
os pontos 1 e 2 é dado por

∫ F .dr

W12 =
12

onde o símbolo representa o integral tomado ao longo da linha descrita pelo ponto de
aplicação da força no percurso entre 1 e 2.

O trabalho total realizado por diferentes forças que actuam um objecto será a soma dos
trabalhos realizados por cada uma das forças.

Voltemos à dedução do teorema trabalho – energia. Da 2ª lei de Newton sabemos que


quando uma força actua sobre uma partícula esta adquire uma aceleração segundo a

direcção da força. Para uma força constante F x , dirigida por exemplo segundo o eixo dos

xx , uma partícula de massa m adquire uma aceleração a x , que é constante. Se a partícula
se desloca de ∆x = x 2 − x1 , entre os pontos 1 e 2, o trabalho realizado pela força é

Mecânica 35
W12 = F x ∆x = (ma x )∆x

sendo

1
∆x = (v1 +v 2 )t
2

v 2 −v 1
ax =
t

uma vez que o movimento é uniformemente acelerado. Assim

 v −v  1 1 1
W12 = m  2 1  (v 1 +v 2 ) t = mv 22 − mv 12
 t 2 2 2


o que nos mostra que o trabalho realizado pela força constante Fx é igual à variação da
energia cinética da partícula.

Pode mostrar-se que este resultado, conhecido como o teorema do trabalho–energia, é


válido para o caso geral de uma força variável (em direcção e intensidade) que actua sobre
uma partícula, que segue uma trajectória arbitrária. Podemos então escrever

(2.30) W12 =E c (2 )−E c (1)

resultado que permite uma análise simples da dinâmica de um corpo, mesmo no caso de
situações complexas em que a aplicação directa da lei de Newton se torna mais difícil. Este
método alternativo para o estudo do movimento é particularmente útil no caso de forças
variáveis.

Aplicação: Considerando um corpo que é lançado com uma velocidade nula de uma altura
h , determinar a velocidade com que o corpo atinge o solo.

O trabalho da força gravítica é igual à variação de energia cinética do corpo, logo

1 1
mgh= mv 2f − mv 2i
2 2

como v i = 0 tem-se

v f = 2gh

36 Capítulo 2
Aplicação: Um bloco desliza com atrito não desprezável sobre uma superfície; a sua
velocidade inicial é v 0 e pára depois de percorrer uma distância d . Quanto vale o coeficiente
de atrito µ , entre o bloco e a superfície?

Como se trata de uma força de atrito entre sólidos

Fa =µN=µmg

o trabalho realizado por esta força será igual à variação de energia cinética do bloco, logo

mv 20
W =− µmgd =0−
2

e portanto

v 20
µ=
2gd

As forças podem classificar-se como conservativas ou não conservativas; uma força


diz-se conservativa quando o trabalho por ela realizado ao actuar sobre um dado corpo que
se desloca entre dois pontos é independente do caminho percorrido pelo corpo entre esses
dois pontos. Por oposição, uma força não conservativa é uma força tal que o trabalho
realizado sobre a partícula depende do caminho percorrido.

É fácil verificar que a força gravítica é uma força conservativa, enquanto que a força de
atrito é um exemplo de força não conservativa.

Considerando o carro representado na Figura 2.10 e o caminho indicado, é evidente que


o trabalho realizado pela força gravítica entre os pontos 1 e 2 é

W12 =mgh

e idêntico ao trabalho realizado pela mesma força no caso do corpo cair na vertical.

Figura 2.10

Mecânica 37
2.7. Conservação da Energia

No caso de forças conservativas, o trabalho realizado é apenas função das posições inicial
e final da partícula; pode assim definir-se uma função que depende apenas da posição da
partícula e cuja variação é igual e de sinal contrário ao trabalho realizado pelas forças
conservativas. Esta função é a energia potencial E p que representa a energia que a partícula
tem devido à sua posição no campo de forças e que pode ser transformada em energia
cinética ou utilizada para realizar trabalho. No caso de forças conservativas tem-se então

(2.31) [ ]
W12 =−∆E p =− E p (2 ) −E p (1) = E p (1)−E p (2 )

Considerando esta relação e a expressão (2.30) atrás deduzida tem-se que

W12 =E c (2 )−E c (1)=E p (1)−E p (2 )

ou seja

(2.32) E c (2 )+E p (2 )=E c (1)+E p (1)

Definindo a energia mecânica total de um sistema como a soma das energias cinética e
potencial desse sistema, pode dizer-se que a expressão anterior traduz o principio de
conservação da energia mecânica - a energia mecânica total de um sistema permanece
constante se sobre ele só actuarem forças conservativas.

Este resultado é um caso particular de um princípio fundamental em física o princípio


da conservação da energia que nos diz que a energia total de um sistema isolado se
mantém constante.

Vejamos um pouco melhor o significado deste princípio o qual generaliza o resultado


derivado anteriormente, incluindo todas as forças conservativas e não conservativas que
podem actuar um sistema.

Nos processos que envolvem sistemas físicos reais estão em geral presentes forças não
conservativas como, por exemplo, as forças de atrito. Estas forças vão retirar energia
mecânica do sistema; a energia mecânica deixa de ser conservada. No entanto é sempre
possível identificar uma variação de energia, ainda que sob outra forma, que compensa
exactamente a energia mecânica perdida. Veremos por exemplo, ao estudar a
termodinâmica, que a energia mecânica pode ser transformada em energia interna do
sistema: quando um corpo se desloca sobre uma superfície com atrito a energia mecânica
que é perdida, é transformada em energia térmica, isto é, há um aumento de energia interna
do corpo e da superfície associada à vibração dos átomos constituintes que se manifesta

38 Capítulo 2
através do aumento de temperatura. Tendo em conta este aumento de energia interna pode
dizer-se que a energia total do sistema é constante.

Sabemos que para além da energia mecânica temos várias outras formas de energia
(térmica, eléctrica, química, etc.) e que é possível transformar as diferentes formas de
energia umas nas outras; conhecemos outros exemplos de transformação de energia tal
como a transformação de energia química em energia eléctrica e vice-versa. O que o
princípio geral da conservação da energia nos diz é que, tendo em conta todas as formas de
energia, a energia total de qualquer sistema isolado é constante; se uma parte desse sistema
ganha energia (sob qualquer forma), outra parte do mesmo sistema tem que perder uma
quantidade de energia equivalente.

2.8. Forças Conservativas e Potenciais

No caso de forças conservativas tem-se então


 

∆E p =− W = − F .ds
12

onde o valor do integral depende apenas dos pontos inicial e final.

Esta expressão mostra-nos que só tem significado falar de variação de energia potencial
entre dois pontos dado que o seu valor não fica definido de uma forma absoluta. Fala-se, no
entanto, de energia potencial num dado ponto, o que corresponde a tomar uma dada
posição para referência; a escolha desta posição é arbitrária, já que é sempre possível somar
um valor constante a dois valores de energia potencial, sem que a diferença entre eles seja
alterada.

Vejamos agora como é que a expressão que escrevemos se pode aplicar para determinar a
função energia potencial associada a alguns campos de forças conservativas.

Consideremos o caso da força gravítica junto à superfície da terra, exemplo de força


conservativa. Suponhamos, uma massa m que se move segundo uma trajectória arbitrária
desde um ponto de altura y 0 , de coordenadas (x 0 ,y0 ) até um outro ponto de altura y f de
( )
coordenadas x f ,y f . A força gravítica é dada por
 
F =− mge 2


Sendo o deslocamento genérico infinitesimal dr
   
dr = dxe1 + dye 2 + dze 3

a variação de energia potencial correspondente é


 
− dU = F .dr = (− mge 2 )(
. dxe1 + dye 2 + dze 3 ) = −mgdy
   

Mecânica 39
logo

yf

(2.33) ∆U = − ∫ (− mg )dy
y0

Para deslocamentos junto à superfície da terra mg é constante, logo

yf


∆U = mg dy = mgy f − mgy0
y0

Escolhendo para referência U 0 = 0 no ponto y0 = 0 , pode escrever-se simplesmente,


para pontos próximos da superfície da terra

U = mg y

sendo y a altura do ponto relativamente a y0 .

A partir de (2.33) verificamos que a função energia potencial associada a uma força
conservativa se obtém por integração desta (e troca de sinal). Inversamente a força
(conservativa) pode ser obtida a partir da derivação da energia potencial (e troca de sinal);
vejamos com mais detalhe o que acabamos de afirmar.

Em problemas a uma dimensão, esta derivação é particularmente simples

 d
U (s ) e

F =−
ds

em que s representa qualquer coordenada necessária para especificar a dimensão única em


que o movimento se processa (deslocamento segundo x , altura y , posição radial r , etc.) e

e o versor correspondente

No caso da força gravítica, tem-se

 d
(mgy )e 2 = −mg e 2
 
Fy = −
dy

Para o caso genérico ter-se-ia

   ∂U    ∂U    ∂U   
F = −  e1  +  e 2  +  e 3  
  ∂x   ∂y   ∂z 

Definindo o operador gradiente dado por

∂  ∂  ∂ 
grad = e1 + e2 + e3
∂x ∂y ∂z

40 Capítulo 2
e que corresponde à derivada da função segundo a direcção para a qual a variação da
função é máxima, a força pode escrever-se como

F = −gradU

Como outros exemplos de forças conservativas podemos referir, a força gravítica em geral
e a força elástica. As energias potenciais correspondentes serão de acordo com o que
dissemos atrás

y

U = mg ∫ dy = mgy

F = mg ( U = 0 para y = 0 )
0


 GmM  1 GmM
F grav = − 2 e r U = GmM ∫ 2
dr = − ( U = 0 para r = ∞ )
r Rr
r

x
 Kx 2
U = K ∫ x dx =

Felast = −Kx e1 ( U = 0 para x = 0 )
0
2

 
Aplicação: Deduzir o potencial correspondente ao peso F = mg a partir da expressão para a
força gravítica em geral. Considerando um ponto à distância R = R + h do centro da Terra de
raio R , podemos escrever na aproximação h << R

1 1  1 
− GmM ≅ − GmM + GmM 2 .h
R + h  R R
 
cons tan te mgh

Aplicação: Uma mola de constante elástica 500Nm −1 , com uma extremidade presa a uma
massa de 5 kg é comprimida de 5 cm em relação à sua posição de equilíbrio. Qual a
velocidade máxima atingida pela massa?

Uma vez que a força elástica é conservativa pode escrever-se

Ec (1) + Ep (1) = Ec (2) + Ep (2)

0+
(
500 × 5 × 10 −2 )2
=
5v 2 k x 2
+
2 2 2

5v 2 = 625 × 10 −2 − k x 2

Esta expressão mostra que a v max corresponde a x = 0 , e portanto

v max = 5 × 10 −1ms −1

Mecânica 41
2.9. Estática

Neste capítulo vamos analisar as condições de equilíbrio estático de um corpo rígido.

O termo equilíbrio para corpos rígidos implica como sabemos que o corpo (centro de
massa do corpo) está em repouso ou tem um movimento uniforme. Trataremos aqui do caso
de corpos em repouso, ou seja corpos em equilíbrio estático. Designa-se em geral por
estática o estudo do equilíbrio estático de corpos sujeitos a forças exteriores. Este estudo é
importante em diversos domínios, como a engenharia, a arquitectura, a biomecânica, etc.

Sabemos pelas leis de Newton que uma condição necessária para um corpo esteja em
equilíbrio é que a força resultante que actua o corpo seja nula. No caso em que o corpo é
uma partícula, esta condição será a única condição para que a partícula esteja em equilíbrio
estático: sendo a resultante das forças que actua o sistema nula a partícula não será
acelerada e permanecerá em repouso ou deslocar-se-á com movimento uniforme rectilíneo,
dependendo das condições iniciais (corpo inicialmente em repouso ou em movimento).

Para objectos reais, com determinado tamanho, forma e distribuição de massa, o objecto
só estará em equilíbrio estático se, para além de ter o centro de massa em repouso, não
rodar; é necessário portanto que as forças que actuam o corpo não dêem origem a um
movimento de rotação.

Como vimos em 2.5 a grandeza que nos dá a medida do efeito de uma força relativamente
a uma rotação do corpo sobre o qual actua, é o momento da força. Vejamos alguns exemplos
que nos permitem entender quais os parâmetros que vão determinar o efeito de uma força
relativamente à rotação de um corpo sobre o qual actua.

Considerando a situação representada na Figura 2.11 em que são exercidas forças F1 e
 
F ' 2 = −F1 nos bordos de um banco de piano, sabemos que embora estas forças sejam iguais
e opostas o banco vai rodar.

F2= −F1

F1

Figura 2.11

42 Capítulo 2
Podemos então dizer que, para que um corpo esteja em equilíbrio estático, é necessário
que:

- a resultante das forças que o actuam seja nula

∑F = 0


- a resultante dos momentos em relação a qualquer ponto do corpo seja nulo

∑M

=0

Estas duas condições garantem que o corpo permanece em equilíbrio, tanto no que diz
respeito ao movimento de translação como relativamente ao movimento de rotação: há
equilíbrio translacional e equilíbrio rotacional e o corpo diz-se em equilíbrio estático.

Aplicação: Duas crianças de pesos p1 e p2 estão a andar de baloiço. Determine o peso da


criança mais leve que tem que se sentar a uma distância de 2m do centro (charneira) para
equilibrar o baloiço, quando a outra criança que pesa 400N está sentada a uma distância de
1m .
   
As forças em jogo são os pesos p1 e p2 e a força normal N tal que p1 + p2 = N . Esta
última é dirigida de baixo para cima, com o ponto de aplicação na charneira e tem por isso
momento nulo relativamente a este ponto.

Os momentos M1 e M 2 são respectivamente positivo e negativo de acordo com a


convenção utilizada. Da condição de equilíbrio rotacional para o baloiço
 
M1 + M2 = 0

p1 × (2m ) − (400N) × (1m ) = 0 ⇒ p1 = 200N

d1 N d2

p1 p2

Figura 2.12

Mecânica 43
Aplicação: O músculo principal responsável pelo movimento do antebraço é o biceps.
Supondo que uma pessoa segura na mão um objecto de peso p = 134N e tomando um modelo
simples em que o biceps é representado por uma corda sujeita a uma tensão T , pretende-se
calcular a tensão muscular de equilíbrio T nas duas situações:

- o ângulo θ1 (definido pelo braço e a vertical) é zero.

- o ângulo θ1 ≠ 0 .

θ1

4cm θ2

36cm

Figura 2.13

Desprezando o peso do antebraço, para θ1 = 0 , a tensão T é dirigida de baixo para cima
  
segundo a vertical. Sendo T e p verticais a força E exercida no cotovelo também é vertical.

As condições de equilíbrio estático são,



∑ F = 0 ⇔ T = p + E

  π  π 
∑ M = 0 ⇔ 4T sen  − θ 2  = 40 p sen  − θ 2 
 2  2 

e vem

T = 10p

⇒
E = 9p

Verifica-se que a tensão produzida é bastante elevada, devido ao facto do músculo estar
ligado ao antebraço a uma pequena distância do cotovelo (4cm ) . Este facto faz com que o
levantamento de grandes pesos seja impossível mas tem, no entanto, a vantagem de permitir
uma rotação importante para uma pequena contracção do músculo (a evolução da anatomia
humana deu-se no sentido de favorecer os movimentos rápidos em detrimento da capacidade
de levantar grandes pesos).

44 Capítulo 2
Para a situação correspondente ao segundo caso (Figura 2.13) tem-se como condições para
o equilíbrio estático

∑ Fx = 0 ⇔ Tsenθ1 = E x

∑ Fy = 0 ⇔ Tcosθ1 = p + E y

 π 
M = 0 ⇒ 40 × psen - θ 2  = 4Tsenα
2 

π 
sen − θ2 
2 

cos θ2 cos θ2
⇒ T = 10p = 10p > 10p
 π  cos(θ1 + θ2 )
sen − (θ1 + θ2 )  

2 >1
α

 
T = − Tsenθ1 e1 + T cosθ1 e 2 π
α+ + θ1 + θ 2 = π
  2
p = −pe 2
π
α = − (θ1 + θ 2 )
  
E = E x e1 − E y e 2 2

2.10. Deformação nos Sólidos; Módulos de Elasticidade

No estudo que fizemos até aqui tomámos sempre os corpos como rígidos, ou seja, não
considerámos a sua deformação sob a acção das forças exteriores. Na realidade, todos os
corpos são deformáveis, isto é, é possível alterar a sua forma e tamanho ou mesmo parti-los
através da aplicação de forças.

Devido à sua constituição, um sólido, formado por átomos ligados entre si por forças de
interacção, deforma-se de uma forma reversível (elástica) até um certo valor limite da
deformação (limite elástico) a partir do qual a deformação permanece mesmo depois de
retirada a força externa que a originou. É fácil entender esta afirmação se considerarmos
que o efeito das forças de interacção entre os átomos pode ser assimilado ao efeito de molas
elásticas que ligam os átomos entre si. Deste modo, qualquer deslocação de um átomo ou
conjunto de átomos da respectiva posição de equilíbrio será transmitida a todos os outros
átomos através da deformação das molas elásticas consideradas, cujo comportamento já
conhecemos.

A análise do comportamento dos objectos do ponto de vista da sua deformação perante a


aplicação de forças exteriores faz-se, em geral, com base em dois conceitos: o conceito de
tensão que nos dá uma medida da força que actua o objecto e o conceito de deformação que
é uma medida da deformação relativa do objecto causada por determinada força.

Mecânica 45
Define-se a tensão σ como a força exercida por unidade de área da superfície em que a
força actua, ou seja

F
σ =
A

em que F é o módulo da força aplicada e A a área sobre a qual se considera a acção da


força. Como referimos para tensões não muito elevadas, a tensão é proporcional à
deformação, sendo a constante de proporcionalidade, denominada módulo de elasticidade,
característica do material em causa e dependente do tipo de deformação.

É possível considerar três tipos independentes de deformação, e definir módulos elásticos


correspondentes: deformação em comprimento, deformação de forma e deformação em
volume.

No caso representado na Figura 2.14, em que a uma barra é aplicada uma dada força
perpendicularmente a uma das suas faces, o efeito da força vai ser o de provocar uma
alteração do comprimento L da barra sendo o novo valor, L0 , o valor correspondente à
distância entre as partículas constituintes tal que a força externa compensa exactamente as
forças internas de interacção. Define-se neste caso a deformação ε como a variação relativa
do comprimento, e o módulo de elasticidade respectivo, designado por módulo de Young, é
dado por

σ F /A
Y = =
ε ∆L / Lo

em que a tensão σ pode ser de extensão ou de compressão, Figura 2.14, sendo a alteração
do comprimento ∆L respectivamente positiva ou negativa.

∆L

L
L F

∆L

F
Tensão de extensão Tensão de compressão
Figura 2.14

Para valores elevados da tensão aplicada, ultrapassando o chamado limite elástico do


material, a tensão (de compressão ou extensão) vai originar já uma deformação permanente

46 Capítulo 2
ou mesmo a fractura do material. Na Figura 2.15 representa-se uma curva típica de
variação da tensão com a deformação no caso de um sólido elástico.

fractura

ε
Figura 2.15

Considerando agora um corpo sujeito a uma força tangente a uma das suas faces, tal
como representado na Figura 2.16, a deformação correspondente será uma deformação de
forma; define-se neste caso o módulo de corte ou cisalhamento como

F
σ
S = = A
tan θ ∆x
h

em que ∆ x é a deformação na direcção da força e h a dimensão do objecto segundo a


direcção perpendicular à força.

F
θ

Figura 2.16

É possível considerar ainda a deformação de um corpo correspondente à resposta do


material que o constitui a uma compressão uniforme, e define-se o módulo de elasticidade
correspondente, designado por módulo de compressibilidade, como

F
∆P
B = A =−
∆V ∆V
V V

F
onde o sinal negativo traduz o facto de um aumento de pressão ( ) levar a uma diminuição
A
do volume.

Mecânica 47
Aplicação: Considere um levantador de pesos que levanta sobre a sua cabeça uma barra de
peso total igual a 1000 N . Sabendo que a área de cada um dos discos que separa as
vértebras é de 1.0 × 10 −3 m 2 e que o módulo de Young dos discos é de 7.0 × 106 N / m2 , calcule
a diminuição de altura do levantador de pesos neste processo, considerando a compressão
dos discos a partir de uma espessura total livre de 15 cm .

Desprezando o efeito do peso da parte superior do corpo do homem, a força exercida por
um dado disco nas vértebra imediatamente acima deve ser igual a 1000 N e por sua vez a
força de reacção da vértebre sobre o disco será também de 1000 N . O mesmo raciocínio pode
ser feito para a vértebra situada abaixo do disco considerado por isso pode dizer-se que cada
disco “sentirá” em cada face superior e inferior forças opostas de módulo = 1000 N . Estamos
assim perante uma deformação por compressão sendo a tensão em cada disco

F 1.0 x10 3 N
σ= = = 1.0 x10 6 N / m 2
A 1.0 x10 −3 m 2

A deformação de cada disco será dada por

σ ∆l 1.0 x10 6 N / m 2
ε= = = = 0.14
Y l 7.0 x10 6 N / m 2

ou seja cada disco será comprimido de 14% o que corresponde a uma diminuição total de
comprimento de

( )
∆L = (0.14 ) × 15 × 10 −2 = 0.021 m

Como este limite é inferior ao limite elástico a deformação não permanece depois do
processo!

1000N

1000N

Figura 2.17

48 Capítulo 2
CAPÍTULO 3.

MECÂNICA DE FLUIDOS

3.1. Introdução

Todos os sistemas biológicos utilizam os fluidos durante o seu tempo de vida: movem-se
no seio deles e usam-nos como meio de transporte de nutrientes, oxigénio e outros gases.

Quando olhamos o meio que nos rodeia verificamos que a matéria se apresenta em
diferentes estados. Uma grande parte da matéria à superfície da Terra existe no estado
sólido, líquido e gasoso, mas existem outros estados tais como cristais líquidos, geles e
plasmas. Como podemos então definir um fluido? A maneira mais prática é considerar fluido
tudo o que não é sólido, entendendo-se como sólido toda a matéria em que as distâncias de
equilíbrio entre os pares de partículas constituintes são fixas e bem determinadas. Num
sólido a interacção entre as moléculas é muito forte. Deslocar uma molécula significa
deslocar de maneira semelhante todas as outras (obviamente que estamos a pensar no caso
limite de um sólido rígido e a desprezar os efeitos de deformação). Diz-se então que a
alteração do estado de uma molécula influi no estado de outra que se encontre a grande
distância: há interacções fortes e de longo alcance. No caso dos fluidos, a alteração do
estado de uma molécula ou grupo de moléculas por aplicação de uma força não se comunica
a grande distância. As interacções são mais fracas e de curto alcance. Se pensarmos nos
fluidos mais frequentes, líquidos e gases, podemos dizer que as interacções no caso dos
líquidos ainda são relativamente fortes enquanto que no gás as moléculas são já
praticamente independentes.

Normalmente, consideramos os organismos vivos, pelo menos no caso dos mais


complexos, como sendo sólidos (uma vez que mantêm a sua forma). Na realidade, eles são
constituídos por água, meio de transporte de nutrientes e informação, numa percentagem
que varia entre 60% e 95%.

Mecânica de Fluidos 49
3.2. Noção de Densidade e de Pressão

Ao contrário dos sólidos, os fluidos não mantém nem o volume nem a forma geométrica.
Para caracterizá-los escolhemos assim grandezas que não dependem do volume do fluido.
Escolhemos então a massa por unidade de volume, ρ , também designada por densidade ou
massa específica

m
ρ=
V

Sangue, plasma ou seiva, por exemplo, têm densidades semelhantes à densidade da


água, podendo variar, (em geral menos de 10%) com as concentrações das espécies
dissolvidas.

Tanto para o ar como para a água, às temperaturas usuais, a densidade diminui com o
aumento da temperatura, sendo essa variação muito maior para o ar do que para a água.
Apesar de ser verdade que a densidade aumenta quando a temperatura diminui, a água é
um líquido com um comportamento especial: a sua densidade atinge um máximo a 4ºC
diminuindo para temperaturas inferiores. O gelo tem uma densidade inferior à água líquida
e é esta característica que permite que o gelo flutue na água líquida.

Densidade Kg / m3

gelo 0.92 × 103

água 1.0 × 103

sangue 1.1 × 103

ar 1.2

É muito mais fácil provocar uma variação de volume numa dada massa de gás do que
num líquido. Isto significa que nos líquidos se pode tomar como boa aproximação
ρ ≅ constante. Apesar da forma variar, o volume de uma certa massa mantém-se
praticamente constante e o líquido diz-se incompressível. Os gases, por oposição, são fluidos
compressíveis.

Uma outra grandeza que caracteriza um fluido é a pressão. Esta define-se como a força
por unidade de superfície que o fluido exerce numa superfície que com ele se encontre em
contacto. No que se segue vamos considerar o exemplo de um líquido, embora as conclusões
a que chegamos se possam aplicar também aos gases, com a ressalva de estes serem
compressíveis.

Quando colocamos um líquido num recipiente não se observa qualquer movimento a nível
macroscópico e a superfície livre do líquido é horizontal, o que significa que a força que o
líquido exerce sobre o recipiente é sempre normal à superfície do recipiente. Se assim não

50 Capítulo 3
fosse o vaso exerceria sobre o líquido uma força que teria uma componente paralela à sua
superfície e dever-se-ia observar uma deformação da superfície do líquido junto às paredes
do recipiente. Mais adiante veremos que este efeito de deformação, embora pouco
importante, se observa em muitos casos; no entanto, no contexto desta discussão, vamos
considerá-lo desprezável.

Qualquer que seja a forma do recipiente que contem o líquido (ou de um objecto nele

imerso) este exerce uma força, F , sobre a superfície de contacto, dirigida segundo a normal

à superfície e independente da sua orientação. Essa força F diz-se força de pressão do
líquido, definindo-se a pressão p como

F
p=
S

onde S é a área da superfície referida.

No S.I. a unidade de pressão é o pascal (Pa ) , 1Pa =1N / m 2 . Outra unidade de pressão
muito utilizada é o milímetro de mercúrio que se designa também por Torr, em homenagem
a Torricelli, tendo-se 760 mmHg =1,013 × 10 5 Pa .

A explicação microscópica para a existência desta força pode ser dada no quadro da teoria
cinética. Para uma temperatura absoluta diferente de zero, as partículas que constituem o
fluido não estão paradas mas movem-se em todos os sentidos de tal modo que a sua
velocidade média é nula, as moléculas em movimento chocam com a parede, e são
reflectidas sofrendo em consequência uma alteração da sua quantidade de movimento. Isso
significa que exercem sobre a parede uma força, sendo a força de reacção correspondente
responsável pela variação da sua quantidade de movimento. A força é assim sempre
perpendicular à parede.

As grandezas pressão p , densidade ρ e temperatura T estão relacionadas entre si por


uma equação do tipo f ( p , T , ρ ) = 0 que se chama equação de estado e que é característica
de cada fluido.

3.3. Hidrostática. Princípio de Pascal e Princípio de Arquimedes

No caso de um liquido em repouso num recipiente, não existindo outras forças aplicadas,
a força de pressão é a mesma em todas as paredes. Se o líquido se encontra no campo de
gravidade da Terra ou noutro campo de forças, a pressão vai depender da posição do ponto
considerado no campo de forças.

Consideremos então um recipiente com um líquido

Mecânica de Fluidos 51
Fo
h

Figura 3.1

Podemos supor o líquido dividido em camadas horizontais numa situação “estática”. Pelo
facto de existir gravidade, as camadas mais profundas devem suportar um peso maior do
que as camadas menos profundas e, consequentemente, uma superfície a uma profundidade
h está sujeita, para além da pressão na ausência de gravidade, ao peso da coluna de líquido
que se encontra sobre ela: a pressão aumenta com a profundidade. Por exemplo no caso da
Figura 3.1 a força que se exerce sobre a superfície de área S que se encontra a uma
profundidade h é

F =F0 +mg = p0S + ρhSg

onde ρ é a densidade do líquido, à força F corresponde uma pressão

p =F /S = p0 + ρgh

Num líquido a pressão varia mas a densidade mantém-se aproximadamente constante.


Num gás a pressão e a densidade variam, sendo o gás mais denso nas regiões mais
profundas.

Conhecida a pressão p0 à superfície livre do líquido pode obter-se a pressão numa


superfície no interior do líquido a partir de

(3.1) p = p 0 + ρgh

em que ρ é a densidade do líquido, e h é a profundidade da superfície considerada.

Por outro lado a diferença de pressão entre dois pontos do fluido, a que se chama altura
manométrica, permite obter a altura de um deles em relação ao outro, a partir de

p2 − p1
h=
ρg

A pressão de saída do sangue do coração nos mamíferos tem que ser suficiente para
transportar o sangue até ao cérebro com pressão não nula, referida à pressão ambiente. Por
esta razão a altura correspondente à pressão sistólica de um animal, tem que ser pelo

52 Capítulo 3
menos igual à distância vertical entre o coração e o cérebro. Esta regra explica vários factos
observados, como por exemplo, o facto das cobras que sobem a árvores terem pressões
sistólicas maiores que as que não sobem.

Aplicação: Estime o valor da pressão sistólica de uma girafa em relação à pressão ambiente,
supondo que a altura do pescoço da girafa é 3m e sabendo que a circulação do sangue no
cérebro necessita de uma pressão sanguínea de 60mmHg.

Tomando ∆p=ρgh com ρ= 1× 103 kg m −3 , g =9.8ms −2 e h=3m vem

∆p =2.9×10 4 Pa =218 mmHg

Como a pressão no cérebro tem que ser pelo menos 60 mmHg a pressão sistólica tem que
ser superior a 278 mmHg .

A equação (3.1) permite ainda enunciar o Princípio de Pascal: num fluido incompressível
em repouso, pontos à mesma altura são pontos em que a pressão é idêntica.

Uma aplicação deste princípio ocorre no macaco hidráulico, dispositivo que permite
levantar grandes pesos com uma força de pequena intensidade.

F P

p1 p2
A1 A2

Figura 3.2

No dispositivo representado na Figura 3.2

p1 = p2

e numa situação de equilíbrio

p2 A2 = P e p1 A1 = F

 
Portanto, o peso P que se pretende levantar é equilibrado por uma força F tal que

P
F = p1 A1 = p2 A2 = A1
A2

A1
F = P
A2

Se, por exemplo, A2 = 10 A1 a força F é 10 vezes menor que o peso P .

Mecânica de Fluidos 53

Considerando a situação em que se pretende levantar o peso P o trabalho realizado pela
 
força F , de menor intensidade, deve ser igual ao trabalho recebido por P , pelo que o

deslocamento dos pontos de aplicação de F será sempre maior que o deslocamento do peso
elevado.

A variação da pressão com a altura permite ainda construir dispositivos (barómetros), em


que o valor da pressão é obtido a partir da altura de colunas de líquido, por exemplo de
mercúrio.

Como a pressão varia com a profundidade, as forças de pressão que se exercem nas faces
inferior e superior de um corpo mergulhado num fluido são diferentes, sendo obviamente
maior a força que actua na parede inferior. Isto significa que o corpo mergulhado é actuado
por uma força resultante vertical dirigida de baixo para cima, a que se chama força de

impulsão I . Vejamos como o módulo dessa força depende do volume do corpo e da
densidade do líquido em que está mergulhado.

F2
2
h h2
1 1 F1

Figura 3.3

Considerando a situação representada na Figura 3.3, nas paredes laterais a pressão vai
variando com a altura mas a força total que se exerce sobre cada uma delas é exactamente
compensada pela força que se exerce sobre a parede oposta.

As outras forças de pressão que actuam no corpo são


   
F1 = −[ p2 + ρ g (h 2 −h1 )]Ae1 F2 = p2 Ae1


onde A é a área da secção horizontal do corpo e e1 o versor da direcção vertical. A
resultante será
     
R = F1 +F2 = − ρ g (h 2 −h1 )Ae1 = − ρ gV e1 = I

que em módulo é igual ao peso do volume de fluido deslocado.

Assim, qualquer corpo mergulhado num fluido é actuado por uma força, a impulsão, que
é vertical, dirigida de baixo para cima, e em módulo igual ao peso do volume de fluido
deslocado. Este é o enunciado do princípio de Arquimedes.

O ponto de aplicação da força de impulsão é exactamente o centro de massa ou centro de


gravidade da quantidade de fluido que ocuparia o volume do corpo. É esta característica que
é utilizada na análise da estabilidade dos barcos.

54 Capítulo 3
Aplicação: Calcule a fracção de um iceberg que se encontra mergulhada na água, sabendo
que ρagua do mar =1.03 ×10 3 kg / m3 e ρgelo =0.92× 103 kg / m3

O peso do iceberg é

P =ρgelo Vg

e a força de impulsão é

I=ρagua Vmerg g

 
Considerando a condição de equilíbrio P + I =0 vem

ρ gelo Vg =ρ agua Vmerg g

logo

Vmerg / V =ρ gelo / ρ agua =0.92 /1.03=89%

ou seja 89% do iceberg encontra-se submerso e apenas 11% do seu volume é visível à
superfície.

Quando um corpo é mergulhado num líquido, o seu comportamento depende assim da


relação entre P e I , ou seja, no caso de um corpo homogéneo totalmente mergulhado, da
relação entre as densidades do corpo e do fluido.

Aplicação: Um teste comum realizado a dadores de sangue consiste em largar uma gota do seu
sangue numa solução de densidade igual à densidade do sangue no limiar do conteúdo em Fe
que diferencia a pessoa anémica da não anémica. Se a gota de sangue desce na solução o
conteúdo em ferro do dador é conveniente e este pode dar sangue.

3.4. Tensão Superficial

Se um fluido entra em contacto com outro com o qual é imiscível, ou com uma superfície
sólida, surge uma superfície de separação entre os dois meios: uma interface. As moléculas
junto à interface encontram-se numa situação diferente das moléculas no interior. No
interior do fluido uma molécula está sujeita a interacções semelhantes em todas as
direcções e a resultante das forças de interacção é nula. Junto a uma interface a situação é
diferente uma vez que deixa de existir esta simetria. Aparece assim uma força de ligação que
“puxa” as moléculas da superfície para o interior do fluido cujo efeito é análogo, como
veremos, ao de uma força de coesão na interface que se opõe ao aumento da sua superfície
tal como acontece numa membrana elástica.

Mecânica de Fluidos 55
vapor

interface

líquido

Figura 3.4

A distância entre as moléculas na interface é em média constante. Aumentar a superfície


da interface significa levar moléculas do seio do líquido para a superfície e isso envolve
consumo de energia. A energia E que é necessário fornecer a uma interface para aumentar
de uma unidade a sua superfície designa-se por tensão superficial e representa-se
habitualmente pela letra γ . Para uma variação de área ∆S tem-se

∆E =γ ∆S

Porque esta energia é sempre positiva para uma interface líquido/vapor, a tensão
superficial, energia por unidade de área, é também positiva. De facto, a energia da interface
aumenta proporcionalmente à área desta.

Consideremos a Figura 3.5 onde se representa um processo de medida da tensão


superficial. Um arame em forma de U é fechado por um troço móvel e o conjunto sustenta
uma membrana fina do fluido cuja tensão superficial se pretende determinar. O troço móvel
tende a deslocar-se reduzindo a superfície do filme, podendo esta acção, ser equilibrada por

uma força F adequada. Nesta situação, num pequeno deslocamento ∆ x do troço móvel, o

trabalho realizado pela força F , W = F ∆ x , é igual à variação da energia de superfície
∆ E = γ ∆ S = γ  ∆ x . Então

∆E F
γ = =
∆S 
l 2F

Figura 3.5

Neste sentido, a tensão superficial γ pode ser interpretada como uma força por unidade
de comprimento que se exerce ao longo de qualquer linha fronteira definida na interface e

56 Capítulo 3
que tende a reduzir a área de interface no interior dessa fronteira. Esta força pode também
ser interpretada como a força de ligação que se opõe à separação da interface por essa linha.
Esta força deve ser tangente à interface e normal em cada ponto à linha considerada.

O facto da energia da interface tender para um valor mínimo leva a que pequenas gotas
de um líquido qualquer assumam, quando largadas no ar, uma forma esférica, que
corresponde à superfície mínima para um certo volume V . Se apenas existisse o termo de
energia de superfície, o volume tenderia para zero; o termo de energia que evita o colapso da
gota está relacionado com o volume médio que ocupa cada molécula no líquido e o acréscimo
de energia associado a uma diminuição de volume ∆V é, como veremos adiante, dado por

p∆V

onde p é a pressão no líquido relativamente ao exterior

p = pint − pext

Então, o tamanho final da gota corresponde ao equilíbrio entre este acréscimo de energia
em volume e o decréscimo de energia de superfície

( pint − pext )∆V = γ∆S

Considerando as variações de volume e superfície de uma esfera

4 
∆V = ∆  πR3  = 4π R2 ∆R
3 

( )
∆S = ∆ 4πR2 = 8π R ∆R

vem

( pint − pext )4π R 2 ∆R = γ 8π R ∆R

logo

(3.2) ( pint − pext ) R = 2γ

equação designada equação de Laplace. Esta equação permite relacionar o raio de uma
interface, neste caso de uma gota, com a diferença de pressão entre o interior e o exterior da
gota. Este resultado pode ser generalizado a qualquer interface curva.

Note-se que, no exemplo de partida, falámos apenas de gotas “pequenas” para poder
assumir que a pressão interior (e exterior) era idêntica em todos os pontos interiores (ou

Mecânica de Fluidos 57
exteriores) junto da interface. Para gotas maiores a gravidade destroi esta hipótese e a forma
esférica da gota.

Existem algumas moléculas que adicionadas a uma interface modificam a sua energia,
logo a tensão superficial correspondente. Devido a esta propriedade designam-se moléculas
tensioactivas.

Aplicação: Nos pulmões há pequenos sacos de ar, os alvéolos, que se expandem e contraem
( ≅ 15000 vezes por dia), sendo as trocas de oxigénio e CO2 feitas através da membrana dos
alvéolos. Os alvéolos podem ser considerados como pequenas esferas com pequenas aberturas,
logo, utilizando a equação de Laplace

∆p = pint − pext =2γ/ r

Se γ for constante, p int − p ext de equilíbrio diminui quando r aumenta. Para a mesma
pressão interior (pressão atmosférica) isto levaria a que o primeiro alvéolo a aumentar de
volume na inspiração crescesse sempre preferencialmente antes dos outros, acabando por
rebentar.

Este problema não ocorre devido à presença de uma substância tensioactiva constituida por
moléculas alongadas cujas interacções favorecem uma configuração com os eixos alinhados. A
presença desta substância torna a membrana altamente elástica uma vez que quando o raio dos
alvéolos aumenta, as moléculas tensioactivas são puxadas para longe umas das outras o que
aumenta a tensão superficial γ na parede. Tem-se portanto para um aumento de r , um
aumento correspondente de γ , mantendo-se a condição de equilíbrio.

Em muitas situações, estão em jogo interfaces entre três e não apenas dois meios
diferentes.

Consideremos a situação representada na Figura 3.6

Vapor
V
Sólido
S Líquido
L

Figura 3.6

Esta situação pode ser interpretada como a intersecção da interface líquido/vapor já


considerada com duas novas interfaces, sólido/líquido e sólido/vapor. O resultado final
depende das energias associadas. Se as interacções sólido/líquido são preferenciais

58 Capítulo 3
(situação a), a área de contacto sólido fluido tende a aumentar até que o ganho em energia
(γ SL − γ SV ) ∆S seja equilibrado pela perda em energia no aumento de interface líquido/vapor
(diz-se que o fluido molha a parede sólida). Na situação inversa, a área de contacto
sólido/líquido tende a diminuir (situação b), até que o equilíbrio correspondente seja
atingido (diz-se que o fluido não molha a parede sólida). Quando γ SL = γ SV , o equilíbrio não é
alterado (situação c).

θ θ θ

(a) (b) (c)

Figura 3.7

O ângulo de contacto, θ , definido como o ângulo com que a interface líquido/vapor


encontra a superfície sólida e medido no líquido, resulta do equilíbrio referido. Pode pois ser
calculado considerando o equilíbrio das forças de tensão superficial na linha de contacto
entre os três meios.

FSV

FSL FLV

Figura 3.8

A condição de equilíbrio para a linha de coexistência é

FLV cos (θ ) + FSL = FSV

logo

(3.3) γ LV cos (θ ) = γ SV − γ SL

e o equilíbrio final define o sinal de cos (θ ) . No caso em que γ SV > γ SL , tem-se θ < 90 º e diz-se
que o líquido molha a superfície sólida. No caso em que γ SV < γ SL , tem-se θ > 90 º e o líquido
não molha a superfície sólida.

Mecânica de Fluidos 59
Aplicação: Gota de óleo sobre o vidro.

Considere-se o caso de uma gota de óleo sobre uma superfície de vidro. A experiência mostra
que as pequenas gotas de óleo tendem a apresentar a forma aproximadamente esférica como se
representa na Figura 3.9.

Figura 3.9

Neste caso o ângulo de contacto é θ > 90 e o óleo não molha o vidro.

Quando colocamos um líquido num recipiente, e o recipiente é largo, a interface


vapor/líquido é determinada pela existência de gravidade e é normalmente plana na maior
parte da sua extensão. O ângulo de contacto pode ser observado junto à linha onde os três
meios coexistem

Figura 3.10

A gravidade deixa de dominar no caso de gotas pequenas ou de recipientes finos. Se o


tubo é fino, o balanço das forças de tensão superficial é responsável pela subida ou descida
do líquido no tubo. É esta variação de altura do líquido que se designa efeito de
capilaridade.

A subida ou descida de um líquido num capilar pode ser quantificada pelo valor do
ângulo de contacto.

Consideremos então o balanço das forças quando introduzimos um capilar num líquido.
Se o líquido molha a superfície do capilar, podemos pensar que a situação mais favorável
será a de subir no capilar até o preencher completamente. Isto seria assim, se apenas
interviesse no processo o balanço de energia nas interfaces. Acontece que, pelo facto de o
capilar se encontrar no campo gravítico da Terra, existe um termo de energia de volume,
E = mgh , que não pode ser desprezado. À variação em energia de superfície

[γ SV − γ SL ] h 2 π R

60 Capítulo 3
Figura 3.11

que implicará um h máximo, tem de ser adicionada à variação de energia potencial gravítica
e atingir-se-à a altura máxima quando a energia for mínima

∆E = [γ SV − γ SL ] ∆h 2 π R − mg ∆h = 0

[γ SV − γ SL ] 2 π R = mg

ou seja, quando a força que leva à elevação do líquido equilibra o peso deste, o que
considerando

m = πR 2 h ρ

conduz a

γ SV − γ SL
h =2
Rρ g

Assim, quanto mais fino é o capilar maior é a variação de altura do líquido, maior é o
efeito de capilaridade.

Como as forças que actuam no líquido e o fazem subir correspondem ao balanço entre as
forças de interface líquido/sólido, sólido/vapor e líquido/vapor, tanto se pode pensar na
força elevatória como resultante de γ SV − γ SL como de γ LV cos (θ ) . O equilíbrio na linha de
coexistência dos três meios vapor ( V ), líquido ( L ) e sólido ( S ) implica γ SV − γ LS = γ LV cos (θ ) ,
logo

(3.4) γ SV − γ LS 2 γ LV cos θ
h =2 =
Rρ g Rρ g

Aplicação: Durante muito tempo pensou-se que o efeito de capilaridade era responsável pela
subida da seiva nas árvores, o que um cálculo simples mostra não ser verdade. Calcule para
uma árvore com 10m de altura e com um xilema formado por canais de 2.5×10 −5 m de diâmetro,
qual a altura a que a seiva sobe por efeito de capilaridade. Considere

−1
ρseiva =ρagua =1× 10 3 kg / m3 e γ = γ agua =73×10 −3 Nm−1

Usando a expressão (3.4) e tomando cos θ = 1 obtém-se a altura máxima a que a seiva pode
subir

Mecânica de Fluidos 61
h=2γcos θ / ρrg =1.2m

A subida da seiva não pode portanto ser explicada apenas pelo efeito de capilaridade, mas
resulta de um processo dinâmico que implica a existência de uma pressão mais baixa no cimo
das árvores devido à evaporação nas folhas. Nas árvores, a seiva corre através do xilema que
forma canais de raios da ordem de 10 −4 m os quais estão cheios de água até às folhas. À
medida que a água se evapora nas folhas, a coluna de água vai-se movendo para cima devido à
diferença de pressão.

pV

pL
h
pV
p’L

Figura 3.12

A pressão pL no ponto junto à interface (Figura 3.12) é inferior à pressão pL’ que é medida
à profundidade h. Como pL’ é igual à pressão do vapor pV, tem-se:

pV > p L

e o raio de curvatura da interface pode ser calculado usando a equação de Laplace (3.2)

2 γ VL
pl − pv =
R

3.5. Fluxo Laminar de Fluidos Incompressíveis não Viscosos. Equação de Bernoulli

Os organismos biológicos vivem nos fluidos numa situação dinâmica, o que, como
veremos adiante, não torna inúteis as considerações feitas até aqui. Interessa pois
caracterizar o movimento de um fluido. Quando um fluido está em movimento dizemos que
flui ou que existe um fluxo. A maneira como este movimento se processa pode dar origem a
dois tipos de fluxo com características diferentes: o fluxo laminar e o fluxo turbulento.

Para perceber a diferença entre estes dois regimes vejamos como se deslocam porções
muito pequenas de fluido (à escala de uma ou de algumas moléculas). Uma linha descrita
por esta “pequena porção de fluido” será aquilo que designaremos por linha de fluxo. Se as
moléculas de fluido tiverem um movimento colectivo unidireccional, Figura 3.13, o fluxo diz-
se laminar.

62 Capítulo 3
Figura 3.13

No caso contrário o fluxo diz-se turbulento. Neste caso as partículas têm trajectórias que
se cruzam, colidindo entre si.

No que se segue iremos supor que o fluido está sujeito a um escoamento laminar e é um
fluido ideal. Um fluido ideal tem as seguintes características:

• O fluido é não viscoso: no seu movimento não há dissipação de energia.

• O fluido é incompressível ( ρ = constante). Esta hipótese é válida para as substâncias


líquidas de uma forma geral mas contraria a ideia normal que temos de um gás. No
entanto, se é verdade que é fácil comprimir um gás numa situação de estacionaridade
já não é fácil comprimir um gás em fluxo. Como veremos à frente um fluxo de gás com
uma velocidade de 30 m / s (da ordem de grandeza da velocidade máxima do fluxo de
ar a que um sistema biológico ainda pode sobreviver) corresponde quando parado a
uma compressão ∆ρ / ρ =0.53% .

Suporemos ainda que o fluxo é estacionário, isto é a distribuição de velocidades


mantém-se constante no tempo.

Independentemente do regime de movimento, válido para todos os fluidos, o princípio da


conservação da massa enuncia-se do seguinte modo: para um fluido que se move com uma
velocidade v uniforme através de uma secção S de um tubo, a massa de fluido que entra
nessa secção de tubo é igual à massa de fluido que sai dela, se não existirem fontes ou
sumidouros de massa no interior do tubo.

Tem-se assim

ρ1Q1 = ρ2Q2

em que Q se designa por caudal e é o volume do fluido que atravessa a secção do tubo por
unidade de tempo

∆V ∆
(3.5) Q= =S =Sv
∆t ∆t

Se admitirmos que o fluido é incompressível, ρ1 = ρ2 e a relação anterior escreve-se


simplesmente

(3.6) Q1 =Q2

Mecânica de Fluidos 63
ou

S1v1 =S2v 2

em que S1 e S2 são respectivamente as secções rectas do tubo em 1 e 2. As velocidade v1 e


v 2 devem ser interpretadas como velocidades médias do fluido nestas secções já que, como
veremos adiante, a velocidade varia desde zero junto a uma parede sólida até um valor
máximo no interior.

S2

S1

Figura 3.14

Aplicação: Circulação da água dentro de uma esponja.

Muitas esponjas têm vários poros pequenos e apenas uma abertura apical grande na sua
superfície.

Figura 3.15

Em 1825 Grant mostrou que o fluxo da água é unidireccional e dirigido das aberturas
pequenas para a abertura apical. O valor elevado da velocidade de fluxo através das esponjas
(sabe-se que uma esponja bombeia o seu volume em água cada 5s ) sempre surpreendeu os
zoólogos. Procurou-se então um mecanismo que explicasse tão grande caudal. Sabia-se que as
esponjas tinham flagelos, mas durante muito tempo pensou-se que a sua actuação era
insuficiente e por isso invocou-se a existência de músculos que funcionassem como motor do
fluxo.

Sabendo que cada flagelo pode propulsionar a água com uma velocidade máxima de
50µm / s determine se estes órgãos são ou não suficientes para justificar o fluxo referido.
Considere que na esponja a velocidade de saída da água é de 20cm /s e que a área de saída
é 1cm 2 enquanto que a soma das áreas de entrada é 6000cm2 .

Considerando a equação de continuidade (3.6)

64 Capítulo 3
Q=Q1 =Q 2

onde Q1 é o débito de entrada e Q2 é o débito de saída logo

v 2S2 = v1S1

Supondo v 2 = 20cm / s = 0.2ms −1 pode calcular-se a velocidade da entrada v1

v1 = v2 S2 / S1 =(1 / 6)x10 −3 × 0.2

v1 =1 / 3 ×10 −4 m / s =33µms −1

Conclui-se portanto que a acção dos flagelos é suficiente para justificar este processo.

Se o movimento de um fluido num tubo (ou o movimento de um corpo num fluido) se faz
sem dissipação de energia, a energia de um certo volume de fluido pelo princípio da
conservação da energia mantém-se constante. O princípio de conservação de energia pode
enunciar-se neste caso dizendo que o trabalho das forças de pressão (externas) iguala a
variação de energia cinética e potencial do fluido.

Se existe um gradiente de pressão entre duas secções S1 e S2 de um fluido num tubo


então existe trabalho realizado sobre a porção de fluido que se encontra entre S1 e S 2
 
quando este se desloca. Sejam F1 e F2 as forças que o resto do fluido exerce sobre essa
porção.

F1 F2
S2

S1 dl2
dl1

Figura 3.16

No caso representado na figura 3.16 suponha-se um deslocamento do fluido para a


direita, a que corresponde um volume deslocado dV

dV =S1dl1 =S2dl2

   
então o trabalho realizado pelas forças de pressão F1 e F2 tal que F1 = p1S1 e F2 = p2S2 é,
nesse deslocamento

(
W =W1 +W2 =F1dl1 −F2dl2 = p1 − p2 dV )
Este trabalho deve ser, para um fluido ideal, igual à variação da energia dE do volume
dV .

Mecânica de Fluidos 65
A variação da energia resulta de uma variação de energia cinética e potencial devido ao
ganho de volume dV em S2 com energia

1
E2 = (ρdV )v2 2 + ρdV gh2
2

e à perda de volume dV em S1 com energia

1
E1 = (ρdV )v12 + ρdV gh1
2

dada por

dE =E2 −E1

1 1
dE = ρdV v 2 2 + ρdVgh 2 − ρdV v12 − ρdVgh1
2 2

1 
( )
=dV  ρ v 2 2 −v12 + ρg (h 2 −h1 )
2 

Igualando esta variação de energia ao trabalho das forças de pressão obtém-se

p1 − p2 =
1
2
( )
v 2 2 −v12 + ρg (h2 −h1 )

ou

1 1
(3.7) p1 + ρv12 + ρgh1 = p2 + ρv 2 2 + ρgh 2
2 2

Esta é a equação de Bernoulli

Como vimos na dedução desta equação à força de pressão está associada uma energia do
fluido. Se tivermos dois fluidos separados por uma parede móvel que exerçam pressões
diferentes na parede de separação, o fluido que exerce maior pressão empurrará a parede. A
 
pressão na parede corresponde a uma força F , tal que F = pS sendo S a área da parede. Se
esta se desloca de uma distância d , o trabalho realizado pela força de pressão é
W = pSd = p∆V .

A energia associada a um fluido que ocupa um volume V quando a sua pressão é p


pode assim escrever-se

E = pV

Se contabilizarmos todos os termos de energia incluindo o termo pV podemos dizer que


uma massa m de fluido em movimento tem num certo instante uma energia

66 Capítulo 3
1
E = mv 2 + mgh + pV
2

A equação de Bernoulli é assim uma equação de conservação da energia por unidade de


volume para um fluido ideal que se pode traduzir por

1 2
p + ρgh + ρv = constante
2

Como referimos anteriormente, um fluido ideal é uma abstracção, pelo que a equação de
Bernoulli só é válida em situações aproximadas. Quando o fluido não é ideal a energia por
unidade de volume diminuí ao longo do tempo devido às forças de viscosidade.

A equação de Bernoulli permite-nos ainda definir a pressão dinâmica pd , pressão que


um fluido em movimento exerce sobre um objecto colocado na sua frente e que depende da
velocidade a que o fluido se desloca. Consideremos a situação representada na Figura 3.17.
Aplicando a equação de Bernoulli aos pontos A e O situados à mesma altura e atendendo a
que no ponto O , junto ao objecto a velocidade do fluido é nula vem

1
pO − p A = ρ v A2
2

onde p A é a pressão no ponto A , v A a velocidade nesse ponto e p0 a pressão em O que


corresponde ao que definimos como pressão dinâmica pd . Pode escrever-se então que

1
pd = p + ρ v2
2

v
A O O

Figura 3.17

Aplicação: A partir da relação para a pressão dinâmica determine a pressão a que está
sujeito um organismo no seio de um gás que flui com uma velocidade de 30m / s .

Considerando a p = 1atm =1.01x10 5 Pa e ρ ar =1.2kg / m 3 na definição da pressão dinâmica


vem

p d = 1.0154 × 10 5 Pa

A compressão (pd − p ) / p é de 0.53% .

Mecânica de Fluidos 67
Usando a dependência da pressão dinâmica na velocidade é possível construir
dispositivos que nos permitem determinar velocidades de fluxos. No medidor de Venturi
(Figura 3.18)

V1 V2

∆h

Figura 3.18

usa-se um tubo estrangulado no interior do qual o fluido se desloca. É então possível obter a
sua velocidade a partir da diferença de altura ∆h entre as colunas de outro fluido no
interior do tubo em forma de U . Vejamos como

Pela equação de Bernoulli, sendo o tubo horizontal

1 1
p1 + ρv12 = p 2 + ρv 2 2
2 2

ou seja

p1 − p 2 =
1
2
(
ρ v 2 2 −v12 )
Como

S1
v2 = v1
S2

vem

1  S 
2

∆p = ρ  1  −1v12
2  S 2  
 

e finalmente

2 ∆p
v1 =
 S  2 
ρ  1  −1
 S 2  
 

A medição de ∆p , que se obtém directamente a partir de ∆h , permite obter v1 .

68 Capítulo 3
O tubo de Pitot representado na Figura 3.19 fornece um meio mais directo para medir a
velocidade de um fluido.

p0
Orifícios estáticos

p1

Figura 3.19

Recorrendo à definição da pressão dinâmica é imediato verificar que

1
p1 − p0 =∆p = ρv 2
2

Medindo a diferença de pressão ∆p , conhecida a densidade do fluido obtém-se


imediatamente

2 ∆p
v=
ρ

Este é o tipo de sonda que se utiliza nos aviões para medir a sua velocidade relativa ao ar.

Aplicação: A equação de Bernoulli permite também compreender a ventilação de tocas ou


outros habitat. Nestas os orifícios de entrada do fluido que ventila situam-se a um nível mais
baixo que o orifício de saída.

Figura 3.20

Quanto maior é a velocidade do fluido maior será a diferença de pressão entre 2 e 1


existindo no interior do sistema um fluxo forçado de baixo para cima.

Mecânica de Fluidos 69
A equação de Bernoulli permite ainda tirar algumas conclusões sobre as forças a que um
corpo está sujeito quando se movimenta no seio de um fluido. Seja o caso de um corpo
imerso num fluido como representado na Figura 3.21.

Figura 3.21

Se o corpo tem um raio de curvatura menor (superfície mais curva) na sua face superior,
o efeito sobre as linhas de fluxo é idêntico ao de um estrangulamento; a velocidade do fluido
é aí maior, e em consequência a pressão menor. Existe um gradiente de pressão entre a face
inferior e a face superior do corpo, a que corresponde uma força de sustentação que tende
a levantar o corpo.

É este efeito que explica, por exemplo, a sustentação em voo de um avião. A força de
sustentação será tanto maior quanto maior for a velocidade do avião.

3.6. Viscosidade. Lei de Poiseuille e Lei de Stokes

Falámos até aqui de fluidos ideais em que não há dissipação de energia e a equação de
Bernoulli é verificada. Não existir dissipação significa que a viscosidade η é nula. Embora
num fluido real a viscosidade não seja nula, pode ser uma boa aproximação considerar o
fluido como não viscoso nos casos em que as perdas de energia, relativamente à energia
transportada, são pequenas.

Quando existem perdas significativas de energia, é possível ainda assim contabilizá-las


através da relação

 1 
∆E =V ∆ p + ρv 2 + ρgh 
 2 

Para um fluido que se desloca num tubo horizontal de secção constante, havendo
dissipação de energia, deve observar-se uma diminuição de pressão ao longo do movimento,
já que a velocidade é determinada pela lei de conservação da massa e pela secção do tubo. A
variação de energia de um certo volume V entre dois pontos do tubo pode assim ser
contabilizada por

70 Capítulo 3
∆E =V∆p

Se não for fornecida esta energia não haverá fluxo; a potência necessária para manter um
fluxo estacionário é assim

∆E V
P= = ∆p
∆t ∆t

logo

(3.8) P =Q∆p

Aplicação: Se o coração bombeia 5 litros de sangue por minuto com pressão máxima de
saída de 120mmHg e uma velocidade inicial 0.4m / s , calcule a potência máxima posta em
jogo, considerando que a velocidade de entrada do sangue no coração é igual a 0.1 m/s.
Despreze a diferença de alturas entre o vaso de saída e o vaso de entrada e considere a
pressão de entrada do sangue praticamente nula.

1
m∆( v 2 )
∆E 2  1 
P= = ∆pQ + =  ∆p + ρv 2  Q =1.33W
∆t ∆t  2 

Vejamos como se modela nos fluidos viscosos o mecanismo que dá origem à dissipação de
energia. Pensando no fluido como dividido em camadas que deslizam umas sobre as outras,
podemos interpretar as perdas de energia como sendo devidas à existência de atrito entre as
camadas, ou seja uma variação de velocidade de cada camada para a que lhe é adjacente.

No caso de um fluido, a acção de uma força não conduz a uma deformação estática; as
forças de ligação entre as moléculas não são suficientemente intensas para equilibrar a força
exterior e assistir-se-á a uma deformação contínua do fluido, traduzindo uma diferente
distribuição de velocidades nas diferentes camadas do fluido, Figura 3.22.

v=0

v+∆v
∆y v

Figura 3.22

Em vez de uma deformação estática define-se uma taxa de deformação

Mecânica de Fluidos 71
d
(tan θ )= ∆v
dt ∆y

e a relação entre a tensão aplicada e a deformação escreve-se (ver em 2.10 a definição de


módulo de corte)

F  ∆v 
(3.9) =η 
S  ∆y 

onde ∆v representa a diferença de velocidade entre duas camadas separadas de uma


distância ∆y . A constante η designa-se por viscosidade. A força F aparece sempre que
existe movimento relativo no fluido e pode ser interpretada como devida à existência de
atrito entre as camadas do fluido.

No sistema internacional usa-se para a viscosidade a unidade N .s.m −2 . É também


comum encontrar a viscosidade expressa em poise, cuja unidade cgs , nome que
homenageia Poiseuille.

1 p =1dyn.s.cm −2 =10 −1 N .s.m −2

De um modo geral um fluido desloca-se em contacto com um meio sólido (deslocamento


junto a uma parede ou um corpo imerso no fluido). Em geral, pode considerar-se que as
interacções a nível molecular entre a parede sólida e o fluido são suficientes para poder
considerar que a camada de fluido junto à parede termaliza com ela e desloca-se à mesma
velocidade. Por essa razão pode sempre admitir-se que a camada de fluido junto à parede do
sólido não se desloca. Junto a esta interface a velocidade variará muito depressa (de um
certo valor no seio do fluido até zero). Existem perdas de energia no fluido viscoso devido às
forças de ligação entre as moléculas. Quando a equação de Bernoulli não é aplicável as
perdas de energia podem descrever-se por uma resistência Rh ao movimento do fluido, tal
que

∆p = R h Q

2R 2r

∆p

Figura 3.23

72 Capítulo 3
Para um tubo percorrido por um fluido, o valor desta resistência depende da forma do
tubo. No caso de um tubo cilíndrico, como o representado na Figura 3.23 a força global
devida ao gradiente de pressão que se exerce sobre o cilindro de fluido de raio r é

F =πr 2 ( p1 − p2 )

Considerando o fluxo estacionário esta força deve ser compensada exactamente pela força
de viscosidade exercida entre camadas adjacentes de fluido

dv
Fη =ηS
dr

onde S é a área lateral desse cilindro. Logo

dv
πr 2 ∆p =− η2πrL
dr

onde L é o comprimento do cilindro, e o sinal − traduz a variação negativa de v com o


aumento do raio. Portanto

dv  ∆p 
=−   r
dr  2ηL 

Integrando tem-se

R
 ∆p r 2 
[v (r )] rR =−  
 2ηL 2  r

e considerando a condição fronteira v (r =R )=0

∆p 2 2
0 −v (r )=−
4ηL
(
R −r )

ou seja

∆p 2 2
(3.10) v (r )=
4ηL
(
R −r )

A distribuição de velocidades no tubo obedece a um perfil parabólico, sendo nula junto às


paredes do tubo e atingindo um máximo no centro.

Mecânica de Fluidos 73
P1
v P2

∆L

Figura 3.24

O valor médio da velocidade para uma secção recta do tubo, pode ser calculado a partir de
(3.10) e é

vmax ∆p 2
v = = R
2 8ηL

O débito Q pode então escrever-se

∆p 2
Q =S v = πR 2 R
8ηL

donde se obtém

8ηL
(3.11) ∆p = Q =Rh Q
πR 4

A expressão anterior traduz a lei de Poiseuille em que a resistência hidrodinâmica Rh


do tubo cilíndrico vem dada por

8ηL
(3.12) Rh =
πR 4

Tal como no caso das resistências eléctricas é simples tratar associações de tubos como
associações de resistências hidrodinâmicas.

Figura 3.25

No caso da associação em série o princípio da conservação da massa, exige que o débito


seja sempre o mesmo, logo

∆p = ∆p1 + ∆p2 =(R1 +R2 )Q

74 Capítulo 3
Definindo R t a partir de ∆p=RQ vem

Rt =R1 +R2

Figura 3.26

No caso da associação em paralelo o gradiente de pressão é idêntico para os dois tubos e


o débito total é a soma dos débitos para cada tubo

∆p =∆p1 =∆p2

∆p1 ∆p2  1 1 
Q=Q1 + Q2 = + = +  ∆p
R1 R 2  R1 R 2 

∆p
Definindo R t a partir de Q = tem-se
Rt

1 1 1
= +
Rt R1 R2

Aplicação: Estime a resistência hidrodinâmica de um músculo irrigado por 106 capilares com
um comprimento de 20mm e um raio de 10 µm (η=1.0x10 −3
)
Nsm−2 .

Considerando a resistência de um capilar determinada pela expressão 3.12

8ηL
R1capilar = =5.1 × 1015 Pa m −3s
πR 4

Como no músculo os capilares estão em paralelo


1
=
∑1
=
N
e temos uma resistência
R R1 R1

hidrodinâmica total R

R1
R= =5.1 × 109 Pa m−3s
106

Aplicação: Um exemplo do efeito que tem a redução do raio de um tubo na circulação do fluido
é a formação de placas arterioescleróticas nas paredes das artérias coronárias. O estreitamento
das artérias provoca um aumento (com r 4 ) da resistência à passagem de fluxo sanguíneo, logo
uma diminuição do oxigénio e a morte de algumas células. Se a zona afectada se torna grande

Mecânica de Fluidos 75
produz-se um enfarte do miocárdio. Para resolver este problema, realiza-se uma intervenção
cirúrgica em que se coloca uma veia em paralelo com a zona afectada (bypass).

No que diz respeito ao movimento de corpos em fluidos de viscosidade não desprezável, a


força de resistência dominante é a devida à viscosidade. Como vimos atrás, a força de
viscosidade entre duas camadas de fluido pode escrever-se (3.9)

dv
Fη =ηS
dy

sendo proporcional à variação da velocidade. É então natural admitir que quando um corpo
se desloca no fluido existe uma força Fη que se opõe ao movimento da forma

Fη =ηv f

onde f representa um factor geométrico. No caso de uma esfera o factor geométrico é


simplesmente 6 πR , sendo R o raio da esfera. Obtém-se assim

(3.13) Fη =6 πRηv

expressão que traduz a Lei de Stokes. Na seguinte secção voltaremos a referir-nos ao


fenómeno das forças de resistência em fluidos reais.

A lei de Stokes é muito utilizada na análise dos processos de sedimentação de partículas


pequenas. Nos processos de sedimentação as partículas caem sob acção do seu próprio peso
   
num fluido sujeitas a uma força P + I onde P é o peso e I a força de impulsão. Se esta
fosse a única força existente as partículas teriam um movimento uniformemente acelerado.
Como caem num fluido viscoso existe uma força de resistência que é proporcional à
velocidade. A partir de certo valor da velocidade a força de resistência compensa
 
exactamente P + I , ou seja.
  
P + I +Fη =0

Quando este equilíbrio se verifica as partículas passam a mover-se com movimento


uniforme e o valor da sua velocidade designa-se por velocidade limite.

Aplicação: Calcule o tempo que um glóbulo vermelho leva a depositar-se em 1cm de plasma
sanguíneo. Considere para o glóbulo R =2µm e ρ=1.3x103 kgm −3 e para o plasma
ρ=1.06x103 kgm−3 e η=2.08 x10 −3 kgm−1s −1 .

76 Capítulo 3
Desprezando o intervalo de tempo muito pequeno em que o movimento é acelerado, a
velocidade limite, que corresponde a

4 4
6πR ηv lim = πR 3ρgl g − πR 3ρpl g
3 3

4
(
πR 3g ρgl −ρpl )
v lim = 3 ≈ 1µms −1
6πR η

o tempo de queda vem dado aproximadamente por ∆t =1cm / v=10 4 s .

Como se vê o processo de sedimentação passiva é normalmente muito lento. A razão de


 
ser deste facto está no valor pequeno da força motora P + I . Para contornar este problema
utilizam-se centrifugadoras, em que se recorre à força centrífuga F =mω 2r e não ao peso
para separar as partículas de densidade diferente. Numa centrifugadora o próprio fluido está
sujeito a uma aceleração, existe uma distribuição de pressões no seio do fluido; aparece uma
força equivalente à força de impulsão (força resultante das diferentes pressões a que se
encontra o fluido em cada ponto). O problema é em tudo equivalente ao caso anterior
substituindo g pela aceleração centrífuga ω 2r . Esta pode ser muito grande, visto que
depende da frequência de rotação da centrifugadora.

3.7. Turbulência e Número de Reynolds

Como vimos atrás a maneira como o movimento de um fluido se processa pode dar
origem a um de dois tipos de fluxo: laminar ou turbulento. Para decidir qual o tipo de fluxo
que devemos considerar para um fluido, devemos considerar qual é a probabilidade de, para
além da componente da velocidade na direcção do fluxo, aparecem componentes de
velocidade em outras direcções. Se essa probabilidade é não desprezável um regime laminar
pode facilmente transformar-se em turbulento, no caso contrário permanecerá sempre
laminar. Assim, para que um fluido flua em regime laminar as forças dissipativas têm que
ser capazes de eliminar as variações de velocidade resultantes das colisões microscópicas.
Consideremos um tubo cilíndrico. A força dissipativa associada à viscosidade é

dv
Fη =η S
dr

onde r representa uma direcção transversal à do fluxo.

Por outro lado a interacção que é responsável por variações de velocidade nessa direcção
pode ser medida por uma força inercial

Mecânica de Fluidos 77
dv dv dr
Fin =m = ρV
dt dr dt

dv
Fin = ρV v⊥
dr

onde v ⊥ denota uma componente da velocidade transversal ao fluxo.


No regime laminar as componentes transversais da velocidade devem ser pequenas
relativamente à velocidade do fluxo v0 , v ⊥ << v0 , e a força de viscosidade Fη deve dominar a
força inercial Fin . Tomar-se-ão então como condições para um regime laminar

v F
v ⊥ < 0 e in < 1
1000 Fη

o que implica

ρVv ⊥
<1
ηS

e portanto

V ρ v0
< 1000
S η

De um modo geral o factor geométrico V / S é proporcional à dimensão linear r . Por


exemplo, no caso de um tubo cilíndrico, V =πr 2 L e S = 2πrL , logo o factor geométrico é

V πr 2 L r
= =
S 2πrL 2

4
No caso de uma esfera que se move num fluido V = e Stan =4πr 2 , de modo que temos
3πr 3

4 3
πr
V 3 r
= =
S 4πr 2 3

Define-se então associado a um fluxo um número adimensional, o número de Reynolds

ρv0
Re =r
η

78 Capítulo 3
que permite ter um critério para decidir se o fluxo é laminar ou turbulento. O número de
v0
Reynolds aparece também na notação Re = r onde µ é a viscosidade cinemática,
µ
η
µ= .
ρ

O critério que obtivemos antes dizem-nos agora que, para valores pequenos do
número de Reynolds, as forças de viscosidade são suficientemente importantes para
cancelar as componentes da velocidade transversais ao fluxo, e este pode tomar-se como
laminar. Para valores do número de Reynolds da ordem de 1000 ou superiores o
escoamento caracteriza-se pela existência de vortex e, em geral, por um campo de
velocidades muito complexo.

Regime

Re<1000 laminar

1000<Re<1500 instável

Re>1500 turbulento

A viscosidade e a vorticidade que estão sempre presentes num escoamento real são
responsáveis pela existência de forças de resistência que se opõem ao movimento de um
corpo no seio de um fluido e das quais já falamos a propósito da lei de Stokes.

Figura 3.27

Numa situação como a da Figura 3.27 existe um excesso de pressão no ponto A em que o
fluido está em repouso em relação ao obstáculo em relação ao ponto B. Este facto pode
entender-se a partir da equação de balanço de energia aplicada aos pontos A e B

1 2 1 2
p A + ρv A = p B + ρv B + ∆E
2 2

Mecânica de Fluidos 79
em que ∆E é a energia dissipada por unidade de volume. A força de resistência FR será
proporcional a esta diferença de pressão e à área da secção transversal do corpo imerso S T .
É possível definir um coeficiente, tal como o número de Reynolds, adimensional, C R ,
chamado coeficiente de resistência, através de

1
Fr = ρv 2 ST Cr
2

onde v é a velocidade de escoamento do fluido. O coeficiente C R depende, por um lado, da


forma do objecto e, por outro, do regime de escoamento através do número de Reynolds.
Para números de Reynolds pequenos, a equação anterior coincide com a lei de Stokes.

A partir desta expressão, podemos determinar o trabalho necessário para manter uma
velocidade v . Esse trabalho corresponde a uma potência

W 1
P = = ρv 3ST Cr
t 2

Aplicação: Compare, para a mesma potência despendida, a relação entre a velocidade


atingida em corrida por um atleta na Cidade do México e a velocidade atingida num estádio ao
(
nível do mar ρar Cidade doMexico =0.82ρar nivel do mar .)
Utilizando a equação anterior em ambas as situações com o mesmo valor de p e dividindo
vem

3
ρMex  vMex 
1=  
ρ  v 

e portanto

 v Mex  ρ
 = 3 ≈1.068
 v  ρMex

3.8. Difusão e Pressão Osmótica

Um dos problemas importantes em biologia é o fluxo através de membranas. Neste ponto


vamos apenas focar dois aspectos: o movimento de um fluido através dos canais da
membrana e a passagem por difusão no fluido que ocupa os poros da membrana de
moléculas ou outras partículas.

80 Capítulo 3
Tal como o fluxo através de um tubo é controlado pelo gradiente de pressão entre a
entrada e a saída do tubo, assim também o fluxo através da membrana, considerada
permeável ao fluido, é proporcional à diferença de pressão entre os dois lados da membrana.

Se designarmos por J a quantidade de massa que atravessa a membrana por unidade de


área e por unidade de tempo temos

Q
J =ρ
S

e como Q é proporcional a ∆p , J é também proporcional a ∆p definindo-se a


permeabilidade da membrana ou coeficiente de filtração, L p , como

J
(3.14) Lp =
∆p

A passagem de um fluido viscoso através de uma membrana é bem descrita


considerando-a uma parede impermeável com um certo número de poros cilíndricos e
aplicando a lei de Poiseuille.

Se supusermos uma membrana com N poros de raio r e comprimento L igual à


espessura da membrana vem

R1 poro =8ηL / πr 4

logo

(
Rmembrana =R1 poro / N =8ηL / Nπr 4 )
e

(
∆p =8ηL / Nπr 4 Q )
Usando a definição de fluxo,

ρN πr 4
J= ∆p
8ηLS

e a permeabilidade da membrana, definida por (3.14), vem

ρN πr 4
Lp =
8ηLS

No caso de uma membrana semipermeável, isto é, impermeável ao soluto mas não ao


solvente, soluções com concentrações diferentes em ambos os lados da membrana
implicarão um fluxo J de solvente da região I em que a concentração é menor para a região II
em que a concentração é maior. Em termos microscópicos, este efeito é fácil de entender,

Mecânica de Fluidos 81
dado que uma menor concentração na região I significa que o número de partículas de
solvente dessa região que encontram a membrana, e são portanto candidatas a passar à
região II, é maior que o número de partículas de solvente com origem na região II e que
fazem o percurso inverso.

A lei de Fick diz-nos que esse fluxo J é proporcional ao gradiente de concentrações


∆c
entre I e II, tendo-se então:
∆x
∆c
J =− D
∆x
onde a constante D se designa por coeficiente de difusão e ∆x é a espessura da membrana.

O fenómeno da difusão dá-se em circunstâncias mais gerais sempre que há


inhomogeneidades nas concentrações de um soluto e é o mecanismo pelo qual essas
inhomogeneidades desaparecem e a concentração se uniformiza. Neste contexto, o fluxo J
em cada ponto é proporcional, com constante de proporcionalidade D, ao gradiente de
concentração nesse ponto.

Em geral, o coeficiente de difusão é proporcional à temperatura. Para uma membrana


semipermeável perfeita, o coeficiente de difusão é dado por

D =L p RT ∆x

onde R=8.314 J K −1 mol −1 é a constante dos gases, que vamos reencontrar no Capítulo 4.

Para uma partícula se desloca devido a um processo de difusão, o seu deslocamento em


relação à posição inicial está directamente relacionado com o coeficiente de difusão D
mostrando-se que

r 2 = 2 Dt

Define-se então o percurso médio d num tempo t como

d = 2 Dt

Aplicação: Sabendo que as moléculas de glucose levam 0.1s para percorrer uma distância
média de 10µm por difusão, calcule o tempo que levam a percorrer a distância média de 1cm .

10 µm = 2 Dt10 µm 1cm = 2 Dt1cm

t10 µm  10 µm 2 −6
=  =10 ⇒ t1cm =1x10 5 s
t1cm  1cm 

82 Capítulo 3
Os processos de difusão são normalmente muito lentos e determinam os tempos
característicos de muitas trocas biológicas, ou a extensão em que essas trocas podem ser
realizadas.

Se existe simultaneamente um gradiente de pressão e um gradiente de concentração


entre ambos os lados de uma membrana semipermeável , o fluxo será

∆c
J =L p ∆p −D
∆x

Um gradiente de concentração equivale assim a um gradiente de pressão do ponto de


vista do movimento do fluido e pode definir-se uma grandeza com as mesmas dimensões da
pressão, proporcional ao gradiente de concentração, a que se chama pressão osmótica π .

Se pensarmos numa membrana semipermeável perfeita, a equação anterior fica

J = L p (∆p −RT∆c )

escrevendo-se

∆π =RT∆c

A pressão osmótica é a pressão que é necessário realizar no lado em que a solução é mais
concentrada para evitar o fluxo de solvente. Para um valor de pressão superior e este
obter-se-á osmose inversa.

Aplicação: Determine a pressão osmótica de uma solução de açúcar 10g /1 de água a 15º C .
Considere a massa molar do açúcar igual a 360g .

π=RTc = 8.314 ×288×27.8 Pa =6.7×104 Pa

Tudo o que dissemos pressupõe que a membrana é plana e semipermeável. Se assim não
for a pressão de um dos lados da membrana pode ser equilibrada pela tensão superficial da
própria membrana que adquire uma certa curvatura. Vimos atrás que pela lei de Laplace a
diferença de pressão entre os dois lados de uma interface curva se escreve ∆p =2 γ / R . Para
uma membrana há que contar com duas interfaces sucessivas.

Aplicação: Uma célula esférica com um raio igual a 2µm tem no seu interior matéria ao qual é
impermeável numa concentração igual a 1x10 −3 mo /  . A tensão de ruptura da membrana é
10 −2 N / m2 . Diga se a membrana se romperá quando ela for colocada em água pura. ( T =300K )

Existirá fluxo de solvente para o interior da célula até que a diferença de pressão hidrostática
iguale a pressão osmótica, π, devido à diferença concentração da matéria. referida :

Mecânica de Fluidos 83
π= ∆cRT =1× 8.314 ×300 =2.5×103 Pa

Pela lei de Laplace que relaciona a diferença de pressão hidrostática com o raio e a tensão
superficial de uma membrana esférica, vem:

πR
γ= =2.5×10 −3 N / m
2

Portanto, a célula não se romperá..

84 Capítulo 3
CAPÍTULO 4.

TERMODINÂMICA

4.1.Introdução

Até agora tratámos sistemas formados por uma partícula ou um pequeno número de
partículas (cinemática e dinâmica), ou sistemas formados por um meio contínuo, rígido
(estática) ou deformável (fluidos). Na realidade, sabemos desde há 100 anos que a maioria
dos sistemas não está nem num caso nem no outro: são sistemas formados por um número
muito grande de partículas. Um número tão grande que a descrição detalhada do movimento
de cada uma delas, embora possível em princípio, é impossível na prática. Um número de
partículas tão grande que a descrição do sistema como um meio contínuo com uma certa
densidade em cada ponto tem em geral sentido, dado que aquilo que em termos
macroscópicos corresponde a um ponto é na realidade um pequeno volume que contém
ainda um número da ordem de 1015 ou mais partículas.

Ao estudar um sistema deste tipo do ponto de vista da mecânica dos meios contínuos, tal
como fizemos no capítulo anterior, estamos a deixar de lado todos os aspectos que têm que
ver com a existência desta estrutura microscópica. E isso levou-nos a algumas situações
pouco claras. O que é de facto a energia dissipada por um sistema mecânico com atrito?
Qual a origem da equação de estado, a relação a que fizemos referência no capítulo anterior,
entre a densidade, a pressão e a temperatura que caracteriza cada substância em equilíbrio?
E, sobretudo, o que é a temperatura?

O objectivo deste capítulo é o de esclarecer todas estas questões, e enriquecer a nossa


abordagem da realidade com os conceitos e relações que resultam de ter em conta que um
fluido é um sistema de muitas partículas.

Termodinâmica 85
4.2. Trabalho e Calor: A 1ª Lei da Termodinâmica

Consideremos, para fixar ideias, um gás contido num recipiente munido de um pistão, e
seja este o nosso sistema de muitas partículas.

Figura 4.1

Um determinado estado macroscópico de equilíbrio do gás, isto é, uma situação


estacionária em que o gás está em equilíbrio com uma certa pressão p que é a mesma em
cada ponto, corresponde de facto a um grande número de estados microscópicos, diferentes
entre si, mas que correspondem à mesma distribuição de velocidades para as moléculas do
gás.

Se quisermos conhecer a energia total do sistema, temos que ter em conta, para além da
contribuição mecânica macroscópica associada a uma certa distribuição de massa no campo
das forças que a estão a actuar, a contribuição mecânica microscópica que corresponde à
energia cinética das moléculas. Pela mesma razão, uma variação da energia total do sistema
pode ser obtida por dois processos, simultâneo ou alternativamente: modificando os
parâmetros macroscópicos de modo a que o sistema forneça ou receba trabalho; ou
transferindo energia directamente para o movimento desordenado das moléculas,
aumentando a sua energia cinética média. No caso do nosso sistema, o primeiro processo
corresponde a mover o pistão, fornecendo ao sistema uma energia dada por

W =− p∆V

e o segundo processo corresponde a permitir um fluxo de calor Q através das paredes do


sistema, mantendo fixa a posição do pistão.

Portanto, trabalho e calor são duas maneiras de transferir energia de ou para o sistema.
A primeira já nos é familiar, enquanto que a segunda corresponde a uma transferência de
energia para os graus de liberdade associados à estrutura microscópica do sistema, sem
modificar o valor dos parâmetros mecânicos macroscópicos.

Uma vez identificado o calor como outra forma de transferir energia mecânica, a
conservação de energia pode estender-se aos processos que envolvem também trocas de
calor, e temos

∆U =W +Q (1ª Lei da Termodinâmica)

onde agora representámos por U a energia total do sistema.

86 Capítulo 4
4.3. Temperatura e Equilíbrio Térmico: A 2ª Lei da Termodinâmica

Calor e temperatura são dois conceitos relacionados, e até confundidos devido ao uso
impreciso destes temos na linguagem quotidiana. Vimos já qual o significado físico do calor,
vejamos agora como interpretar a temperatura.

1 2

Figura 4.2

Para entender o conceito de temperatura tomemos como sistema modelo um recipiente


contendo um gás dividido por uma parede fixa e diatérmica, isto é tal que os subsistemas 1
e 2 não podem trocar entre si nem volume nem partículas, mas podem trocar energia sob a
forma de calor. É essencial termos em conta no nosso raciocínio o facto de 1, 2 e a união de
1 e 2 serem sistemas macroscópicos com uma estrutura microscópica complexa, no sentido
de serem constituídos por um grande número de partículas.

A cada “macrostado” dos sistemas 1 e 2, caracterizado por certos valores U 1 e U 2 das


energias internas de 1 e 2 (a energia interna é o único parâmetro macroscópico de que
depende o estado de 1 e de 2), corresponde um certo número Ω (U 1 ), Ω (U 2 ) de ”microstados”,
isto é, de configurações microscópicas detalhadas (definidas pelo conjunto das posições e
velocidades de todas as moléculas) que produzem o mesmo efeito médio. Um macrostado de
energia U é tanto mais provável quanto maior for o número Ω (U ) de microstados que o
realizam. Como as configurações microscópicas detalhadas estão constantemente a
modificar-se, o macrostado de equilíbrio é aquele para o qual Ω (U ) é máximo, sabendo que
esse máximo, em sistemas de muitas partículas, é extremamente bem definido, isto é, o
estado mais provável é esmagadoramente mais provável que qualquer outro.

Voltemos então ao nosso sistema reunião de dois subsistemas 1 e 2. Seja Ω T (U 1 ,U 2 ) o


número de microstados do sistema global que corresponde a uma certa repartição U 1 ,U 2 da
energia interna total U que está fixada, pelos dois subsistemas 1 e 2. Claramente,

Ω T (U 1 ,U 2 )=Ω 1 (U 1 )Ω 2 (U 2 )

onde Ω1 (U 1 )(resp.Ω 2 (U 2 )) representa o número de microstados do sistema 1 (resp. 2)


compatíveis com a energia interna total U 1 (resp.U 2 ) . Dado que U 2 =U −U 1 , podemos
reescrever esta expressão na forma

Ω T (U 1 ,U )=Ω1 (U 1 )Ω 2 (U −U 1 )

Para encontrar o valor U 1 que maximiza Ω T vamos procurar um zero da derivada:

Termodinâmica 87
dΩ T
0= =Ω1′ (U 1 )Ω 2 (U −U 1 )−Ω1 (U 1 )Ω 2′ (U −U 1 )
dU 1

ou seja, o equilíbrio térmico corresponde a

1 1
Ω1′ (U 1 )= Ω 2′ (U −U 1 )
Ω1 Ω2
1
Dado um sistema arbitrário, chamamos à função Ω ′(U ) , que tem as dimensões do

inverso de uma energia, 1 / τ . Esta grandeza depende apenas do sistema que estamos a
considerar, e, nesta notação, a condição de equilíbrio térmico escreve-se

(4.1) τ 1 =τ 2

Definamos a temperatura absoluta do sistema como sendo proporcional ao factor τ , mais


precisamente seja

τ
T (K )=
k

onde a constante de proporcionalidade é a constante de Boltzmann, k =1.380658 x10 -23 J K −1 ,


e a unidade de temperatura é o kelvin K. A temperatura em Kelvin está relacionada com a
temperatura em graus Celsius através da relação

T (K )=T (º C )+273.15

Então, a condição de equilíbrio térmico (4.1) passa a ter o seguinte enunciado que nos é
familiar: o sistema formado por 1 e 2 está em equilíbrio térmico, isto é, o fluxo de calor
através da parede é nulo, quando as temperaturas T1 e T2 dos dois subsistemas forem
iguais.

No raciocínio anterior, a função Ω (U ) , número de microstados que realiza um


macrostado de energia total U , desempenhou um papel fundamental. Vimos que esta
função é multiplicativa nos subsistemas de um sistema, de modo que se considerarmos o
logaritmo dessa função temos uma grandeza física aditiva cuja maximização constitui o
critério de equilíbrio. Definimos então a entropia S de um sistema em que, à semelhança do
nosso modelo, a energia interna U é o único parâmetro macroscópico variável como

S =k ln Ω (U )

e é imediato reconhecer a relação entre entropia e temperatura

dS Ω ′ (U ) 1
(4.2) =k =
dU Ω (U ) T

88 Capítulo 4
Em termos desta grandeza, a condição de equilíbrio termodinâmico entre dois
subsistemas 1 e 2 de um sistema isolado é equivalente a exigir que a entropia total
S =S1 +S 2 seja máxima. O enunciado da 2ª Lei da Termodinâmica, cujo significado em termos
microscópicos já analisámos, é então o seguinte: o equilíbrio termodinâmico de um sistema
isolado corresponde ao máximo da entropia desse sistema. Dito de outra maneira, esta lei
fixa um sentido para a evolução no tempo de um sistema a partir de um estado inicial A,
para um estado final de equilíbrio B: a entropia de B é maior que a de A, e um sistema
isolado não vai poder voltar ao estado inicial A. Se modificarmos os parâmetros do sistema
por forma a que B deixe de ser um estado de equilíbrio, o sistema evoluirá para um terceiro
estado C, com entropia maior que a de B, e portanto também maior que a de A.

A equação (4.2) permite-nos ainda relacionar a variação da entropia de um sistema com


volume e número de partículas fixo com as trocas de calor desse sistema com o exterior. De
facto,

dS 1
∆S = ∆U = Q.
dU T

No caso do sistema formado pelos subsistemas 1 e 2, com temperaturas T1 e T2 , a


variação da entropia do conjunto dos dois sistemas é dada por

Q (−Q ) 1 1 
∆S = + = Q  − 

T1 T2  T1 T2 

onde Q é o fluxo de calor que entra no subsistema 1. Portanto ∆S >0 implica que o calor
flua do sistema com temperatura superior para o sistema a temperatura inferior.

Aumento de entropia significa perda de informação ou de organização interna, na medida


em que sistemas com uma estrutura interna complexa estão em estados pouco prováveis,
aos quais corresponde um número de microstados relativamente pequeno quando
comparado com o número de microstados que realizam o macrostado de equilíbrio.
Pensemos numa biblioteca com os livros organizados por temas. O “número de microstados”
compatível com esta estrutura é o produto das permutações de livros na mesma estante. Se
além disso os livros estiverem em cada tema organizados por ordem alfabética, existe apenas
um “microstado” que realiza o “macrostado” com este nível de organização. Se os livros
forem usados e repostos sem critério, rapidamente a biblioteca se transforma num monte de
livros, dado que o número total de microstados possíveis, que é igual às permutações de
todos os livros, é muito maior que o número de “microstados” compatível com a organização
por temas ou alfabética.

Neste sentido, os sistemas biológicos parecem “contraexemplos vivos” da 2ª lei da


termodinâmica. De facto, não há nenhuma contradição, porque os sistemas biológicos não

Termodinâmica 89
são sistemas isolados, estão em permanentes trocas com o exterior, para o qual “exportam”
entropia, de modo que a variação da entropia do sistema isolado organismo + resto do
universo é positiva embora a variação da entropia do organismo possa ser nula ou negativa.

Ainda uma palavra de cautela em relação à aplicação indiscriminada dos conceitos


básicos de termodinâmica de que vamos falar aos sistemas biológicos: enquanto que aqui
vamos procurar as condições de equilíbrio termodinâmico em várias circunstâncias, os
processos que têm lugar nos sistemas biológicos dão-se muitas vezes longe do equilíbrio
termodinâmico. A teoria que vamos desenvolver permite apenas compreender alguns
aspectos de certos fenómenos que são relevantes do ponto de vista da biologia.

Antes de acabar esta secção em que introduzimos o conceito de temperatura, vamos falar
um pouco sobre termómetros. Cada tipo de termómetro utiliza uma determinada
propriedade termométrica da matéria, e o seu funcionamento depende do estabelecimento do
equilíbrio térmico entre o termómetro e o sistema cuja temperatura se pretende medir.

Uma das propriedades termométricas mais utilizadas é o volume. De facto, a maioria dos
sólidos e dos líquidos dilatam-se quando aquecidos, ou seja, mais precisamente, o seu
volume V varia com a temperatura de acordo com a relação

∆V
= β∆ T
V

( )
onde β K −1 é o coeficiente de dilatação térmica. Os termómetros de mercúrio, por exemplo,
funcionam com base neste efeito.

Outros termómetros muito utilizados dependem da variação da resistência de um metal


ou de um semicondutor (termistor) com a temperatura, da variação do campo eléctrico
estabelecido entre dois metais diferentes em função da temperatura (termopar), ou da
variação da pressão de um volume fixo de gás com a temperatura. Mais adiante falaremos
um pouco mais da relação entre pressão e temperatura num gás.

Para medir temperaturas muito elevadas e evitar o contacto necessário para que se
estabeleça o equilíbrio térmico existem pirómetros ópticos, cujo funcionamento se baseia
numa outra propriedade. Todos os corpos emitem energia sob a forma de radiação
electromagnética, isto é, emitem fotões. A quantidade de calor H emitida por unidade de
tempo depende da temperatura do corpo de acordo com a Lei de Stefan

Q
H= = Ae σ T 4
∆t

onde σ =5.67 x10 −8 J s −1m −2 K −4 é a constante de Stefan-Boltzmann, A é a área do corpo, T


a temperatura e a emissividade, um factor que depende da superfície do corpo. A

90 Capítulo 4
emissividade é maior para corpos que absorvem melhor a radiação que neles incide, e é
menor para os corpos que são bons reflectores, como é de esperar dado que, no equilíbrio, a
radiação absorvida, que verifica uma lei do mesmo tipo, é equilibrada pela radiação emitida.
Assim, e=1 para um corpo negro ideal.

A termografia é um meio de diagnóstico recente que se baseia também neste efeito, e em


particular na dependência da radiação emitida na temperatura, que consiste na comparação
da distribuição de temperaturas nas diversas partes do corpo com uma distribuição padrão.

4.4. Calor Específico e Calor Latente. Transporte de Calor

Como acabamos de ver, se tivermos dois sistemas a temperaturas diferentes em contacto


térmico, vai haver um fluxo de calor do sistema “mais quente” (maior T ) para o sistema
“mais frio” (menor T ), até que se atinge o equilíbrio térmico quando as temperaturas dos
dois subsistemas são iguais. Em geral, portanto, o fluxo de calor que entra para o (resp. sai
do) sistema a temperatura inferior (resp. superior) provoca um aumento (resp. uma
diminuição) da temperatura desse sistema.

A relação entre o calor recebido por um sistema formado por uma certa substância e o
aumento da temperatura desse sistema é dada pela capacidade calorifica específica ou
calor especifico c , isto é, tem-se

Q =mc ∆T

onde m é a massa do sistema. No caso de se tratar de um gás, o calor especifico não


depende apenas do tipo de gás, mas também do processo de aquecimento, e, como veremos,
tem um valor diferente conforme o aquecimento é feito mantendo constante a pressão do gás
ou mantendo constante o seu volume.

Uma unidade muito utilizada para medir a energia sob a forma de calor é a caloria, que é
a quantidade de calor que é necessário fornecer a 1g de água para aumentar a sua
temperatura de 15ºC para 16ºC. Tal como o joule, a caloria é uma unidade de energia, e o
factor de conversão é

1cal =4.19 J

Em certas circunstâncias, um fluxo de calor não provoca variação na temperatura,


porque a energia associada é consumida numa modificação da estrutura microscópica do
material. Por exemplo, se fornecermos calor a um recipiente com gelo em fusão, a
temperatura da mistura mantém-se a 0ºC, à medida que a quantidade de água no estado
líquido vai aumentando, e só começa a aumentar a partir do momento em que toda a água
do recipiente se encontra no estado líquido. Define-se calor latente, L , associado a uma
mudança de estado de uma substância como a quantidade de calor que é necessário

Termodinâmica 91
fornecer a uma unidade de massa dessa substância para que se opere totalmente a
mudança de estado. Portanto, o calor Q que é necessário fornecer para que uma massa m
da substância mude de estado é

Q = Lm

Aplicação: Qual a quantidade de calor necessária para fundir um bloco de gelo de 10 Kg que
está inicialmente à temperatura de −10º C

c gelo = 500 cal.Kg −1. K −1 c(de fusao do gelo ) = 79,7 cal.g −1

Q1 = 10 x 500 x 10 = 5 x 104 cal

Q2 = 79,7 x 10 x 103 = 79,7 x 104 cal

Q = 84 ,7 x10 4 cal

Analisemos agora os três mecanismos essenciais de transporte de calor: a radiação, a


convecção e a condução

A radiação térmica, de que já falámos a propósito dos pirómetros ópticos, é um


mecanismo de transporte de calor através do espaço, sob a forma de radiação
electromagnética, distribuída por todo o espectro de frequências, e que não necessita de
nenhum meio como suporte. A Terra recebe energia do Sol mediante este processo, que
como se viu é regido pela lei de Stefan, de acordo com a qual o calor emitido por unidade de
área e de tempo é proporcional à quarta potência da temperatura absoluta a que o corpo se
encontra.

Nos outros dois mecanismos de transporte de calor, a transmissão é feita através de um


meio material, e pode envolver (convecção) ou não (condução) movimento desse meio.

A transmissão de calor por convecção é característica do transporte através de fluidos.


Um corpo a uma temperatura T está em contacto com um fluido a uma temperatura T0 , e o
fluido está em movimento, natural ou forçado, de maneira a que as camadas em contacto
com o corpo estão constantemente a ser renovadas. É este mecanismo que se usa na
refrigeração dos motores dos carros, em certo tipo de aquecimentos eléctricos domésticos e é
também por este mecanismo que se dão no essencial as perdas de calor para o ambiente do
corpo de um animal de sangue quente. A quantidade de calor H cedida por unidade de
tempo pelo corpo ao fluido com o qual está em contacto é dada por

Q
H= =h A (T −T0 )
∆t

92 Capítulo 4
onde A é a área de contacto entre o corpo e o fluido e h é uma constante de
proporcionalidade que depende da situação concreta considerada. Para o caso do corpo
humano no ar em movimento, h =1,7 x10 −3 Kcal .s −1.m −2 .K −1.

A transmissão do calor por condução é característica do transporte através de sólidos. O


processo é semelhante ao da convecção, só que neste caso o transporte é feito através dos
electrões de condução e das vibrações da rede cristalina que jogam neste caso o papel que as
moléculas do fluido desempenham no transporte por convecção. Nos fluídos a condução de
calor faz-se através das moléculas constituintes mas em condições normais o processo de
convecção é dominante.

Neste mecanismo, a quantidade de calor que atravessa por unidade de tempo uma secção
de área A de uma barra de comprimento  é dada por

Q T1 −T2
H= =K A
∆t 

onde T1 e T2 são as temperaturas nos extremos da barra e K é uma constante que depende
do material e se chama condutividade térmica.

4.5. O Factor de Boltzmann e a Equação de Nernst.

Voltemos a considerar a expressão que obtivemos na secção 4.2 e que relaciona a


temperatura com a função Ω (U ) que nos dá o número de microstados que realizam um
determinado macrostado de energia U :

1 dΩ 1
=
Ω dU kT

dΩ 1
Se reescrevermos esta expressão na forma: = Ω , e olharmos para esta equação
dU kT
como uma equação diferencial na função incógnita Ω ‚ é óbvio que a solução é uma função
de U da forma

U
Ω (U )=c e kT

onde c é uma constante arbitrária isto é, a função Ω (U ) aumenta exponencialmente com a


energia.

Consideremos dois sistemas 1 e 2 em equilíbrio térmico com U = U 1 + U 2 constante e


suponhamos que o subsistema 2 é suficientemente grande para que se possa considerar que
a contribuição essencial para o número total de microstados é a do subsistema 2. Então, a
probabilidade associada a uma diminuição U 1 da energia total disponível será proporcional
a

Termodinâmica 93
U2 U −U 1 −U 1
Ω 2 (U 2 ) = c e kT = c e kT ∝ e kT

−U 1
Este factor e kT é em geral designado por factor de Boltzmann.

Pensemos então novamente num sistema com energia interna U em equilíbrio térmico à
temperatura T , mas suponhamos agora que as partículas do sistema estão sujeitas à acção
de um campo exterior cuja energia potencial E p é proporcional à distância medida ao longo
do eixo dos zz , E p = αz . Podemos pensar neste campo como sendo o campo gravítico, ou,
no caso de partículas carregadas, um campo eléctrico constante, que teria o mesmo efeito,
com a diferença de a força que actua as partículas ser proporcional à carga em vez de ser
proporcional à massa.

A energia potencial de uma partícula é energia que é “roubada” à energia interna total do
sistema. Por outras palavras, se uma partícula passar de uma altura z onde tem energia
potencial E p =αz para uma altura superior z + ∆z , onde a sua energia potencial passa a ser
E p + ∆E p , o sistema no seu conjunto passa a dispor apenas de uma energia U −∆E p para
distribuir pelos graus de liberdade associados à sua estrutura microscópica.
U
Como Ω (U )∝e kT , isto significa que a probabilidade de encontrar uma partícula com uma
∆E p

kT
energia potencial ∆E p acima da mínima é proporcional a e . Em termos

macroscópicos, esta variação da probabilidade com a energia potencial da partícula vai dar
origem a variações da concentração com a altura. No caso de partículas no campo gravítico,
teremos uma variação de concentração C com a altura z dada por

mgz

C ( z) = C ( 0) e kT

dado que neste caso E p (z )=E p (0 )+mgz . No caso de iões carregados de carga ne , onde n é a
valência do ião e e é a carga do electrão, a energia potencial associada a um campo
eléctrico constante E , entre as paredes de uma membrana, é dada por:

E p elect . =neV (z )

em que V (z )=zE é o potencial eléctrico. Neste caso,

neV (z )

C (z )=C (0 )e kT

Do ponto de vista das aplicações ao estudo de membranas carregadas, o que nos


interessa não é a variação detalhada da concentração com a posição, mas apenas a relação
entre as concentrações de equilíbrio junto às paredes exterior e interior da membrana, que é

94 Capítulo 4
ne (Ve −Vi )
Ce −
kT
=e
Ci

onde V e −V i é a diferença de potencial entre a parede exterior e a parede interior. Tomando


logaritmos obtemos a chamada equação de Nernst,

k T Ci
Ve - Vi = ln
ne C e

À temperatura do corpo, T =37 º C =310 K , o valor deste coeficiente é de 0.0267V , para


valência 1. Se, como no caso das paredes dos neurónios, em que vale cerca de 70mV , V e −V i
for positivo, a equação de Nernst implica que no equilíbrio a concentração de iões de sódio e
de potássio, de valência + 1 , é maior no interior do que é no exterior, enquanto que a
concentração do ião de cloro, de valência − 1 , é maior no exterior do que no interior. Se as
concentrações forem diferentes dos valores de equilíbrio, haverá fluxo difusivo da região de
maior concentração para a de menor concentração, a menos que a membrana seja
completamente impermeável.

Aplicação: Calcular o quociente entre as concentrações de equilíbrio exterior e interior de iões


cloro para a membrana do axónio.

70
Ci 70 × 10 −3 C
log =− ⇔ e = e 26.7 = 13.76
Ce 26.7 × 10 − 3 Ci

O factor de Boltzmann e o modelo associado permite ainda compreender por que razão o
coeficiente de difusão D, de que se falou no capítulo anterior, é proporcional à temperatura.
Consideremos um gás ou uma solução com uma concentração de equilíbrio que varia com a
altura de acordo com

zF

C (z )=C (0 )e kT


onde F é uma força exterior constante vertical e dirigida de cima para baixo. Esta
concentração de equilíbrio é o resultado de dois fluxos que se compensam: um, a que
chamaremos fluxo de deriva‚ é o fluxo devido ao movimento das partículas sob a acção da

força F e das forças de viscosidade do fluido, o qual como vimos se dá com uma velocidade

constante, v , dada pela lei de Stokes; o outro, a que chamaremos fluxo de difusão, é o
devido apenas à assimetria das concentrações acima e abaixo de uma camada horizontal
qualquer que se quiser considerar.

Seja então uma camada fina à altura z . O fluxo de deriva através desta camada é dado
por

Termodinâmica 95
 
jder =v C (z )

e dirigido segundo o sentido negativo do eixo dos zz , enquanto que o fluxo de difusão é
dado, como já vimos, por

dC (z )
jdif =D
dz

e está dirigido da maior para a menor concentração, ou seja, no sentido positivo do eixo dos
zz . O equilíbrio corresponde à igualdade entre os dois fluxos, jder = jdif , ou seja,

dC (z ) v
= C (z )
dz D
zF

e como C (z )=C (0 )e kT , temos

F v
=
kT D

vkT
D=
F

F
Para esferas de raio r v = , onde η é a viscosidade do meio e vem
6 πr η

kT
D=
6 πrη

Em qualquer caso, D é proporcional a kT , e a constante de proporcionalidade, que se


representa normalmente por µ chama-se mobilidade das partículas consideradas no meio
em que estão.

4.6. Os Gases Ideais

O modelo de gás de que dispomos neste momento consiste num conjunto de partículas
em número da ordem de 1023 , juntamente com uma expressão geral, que é o factor de
Boltzmann, para a probabilidade de que, a uma certa temperatura uma partícula esteja num
estado ao qual corresponde uma energia E acima da energia mínima. Esta distribuição de
probabilidade permite-nos calcular médias para a posição e para a velocidade de cada
partícula. Por outro lado, o nosso modelo fornece uma descrição microscópica para as forças
de pressão que são devidas à transferência de momento linear das partículas quando estas
chocam com a parede do recipiente que contém o gás.

Estamos então em condições de calcular o valor médio dessa transferência de momento


por unidade de tempo e de área, isto é, o valor da pressão do gás, em função do número de

96 Capítulo 4
partículas N , do volume V em que estão distribuídas, e da temperatura T , que determina
a forma da distribuição de probabilidade para a velocidade de cada partícula. O resultado
deste cálculo, com a suposição adicional de as moléculas não interagirem entre si e
desprezando a influência do campo gravítico, é o expresso pela equação

T T
p = Nk ou p =n R
V V

onde k é a constante de Boltzmann, n o número de moles, N a o número de Avogadro, e


R =N a k . Esta equação exprime a chamada lei dos gases ideais. Este é o exemplo de uma
equação de estado, que embora inicialmente tenha sido formulada como uma lei
fenomenológica, pode ser obtida a partir de primeiros princípios no quadro da física
estatística.

No caso em que as hipóteses básicas em que assenta a dedução desta lei não se verificam
é necessário ter em conta correcções. A lei descreve com bastante exactidão o
comportamento dos gases raros, e em boa aproximação, o da maioria dos gases, desde que
se encontrem longe da condensação, regime em que a interacção entre as moléculas começa
a ser determinante. Por outro lado, se quisermos considerar grandes variações de altura,
isto é, se por exemplo estivermos a considerar o comportamento de gases na atmosfera em
vez do comportamento de um gás contido num recipiente à superfície da Terra é necessário
ter em conta a influência do campo gravítico terrestre. Como já vimos, tomando em
consideração a dependência do factor de Boltzmann na altura, concluímos que a densidade
decresce exponencialmente com a altura. Portanto, a pressão, que pela lei dos gases ideais é
proporcional à densidade, decresce também exponencialmente com a altura.

O modelo que utilizámos para calcular a pressão também permite calcular o valor médio
3
da energia cinética de uma molécula de qualquer gás, que é Ec = kT . Como neste cálculo
2
se desprezam todos os tipos de forças, tanto externas como de interacção entre as
partículas, a energia interna U do sistema é apenas devida à energia cinética das moléculas
e temos

3N 3
U= kT ou U = n RT
2 2

que é uma segunda equação de estado para o gás ideal. Esta equação permite
imediatamente determinar o calor especifico a volume constante, CV . Se fornecermos ao gás
uma certa energia Q sob a forma de calor, temos

3
Q = ∆U = n R ∆T
2

e portanto

Termodinâmica 97
Q 3
Cv = = nR
∆T 2

Note-se que, de acordo com a lei dos gases ideais, a pressão aumenta neste processo. Se o
aquecimento for feito a pressão constante, então o volume do gás aumenta dado que

nR nR
∆p = ∆T − 2 T∆V =0
V V

ou seja,

V ∆ T =T ∆ V

e parte do calor fornecido é devolvido ao exterior sob a forma de trabalho realizado pelo
sistema quando o volume se expande. Neste caso,

3
∆U =Q +W =Q − p∆V = n R ∆T
2

3 3 V
Q = n R ∆T + p∆V = n R ∆T + p ∆T =
2 2 T

3  5
= n R +n R  ∆T = n R ∆T
2  2

5
e portanto o calor específico a pressão constante é C p = n R .
2

Em conclusão, nos gases ideais os calores específicos a pressão e a volume constante


obedecem à seguinte relação

C p −CV =nR

4.7. O Potencial Químico e as Soluções Ideais

Na secção 3, considerámos dois sistemas que podiam trocar calor entre si, e vimos que o
equilíbrio, ou seja, o máximo da entropia, correspondia à igualdade da temperatura dos dois
sistemas. Suponhamos agora dois sistemas em contacto com volume fixo e termicamente
isolados, mas que podem trocar partículas entre si. Repetindo o mesmo raciocínio, podemos
verificar que a condição de equilíbrio entre os subsistemas é agora

98 Capítulo 4
dS1 dS2
=
dN1 dN 2

onde N 1 e N 2 é o número de partículas dos subsistemas 1 e 2.

Definimos o potencial químico como sendo dado por

∂S
µ = −T
∂N

onde a derivada parcial indica que admitimos, em geral a hipótese do sistema ter outros
parâmetros variáveis para além do número de partículas. Então, a condição de equilíbrio
térmico e difusivo entre dois sistemas é

T1 =T 2

µ1 = µ 2

Da mesma maneira que se viu que, partindo de dois sistemas com temperaturas
diferentes em contacto térmico, o calor flui do sistema a temperatura superior para o de
temperatura inferior até que se atinge o equilíbrio, é fácil constatar que o sentido da troca de
partículas que provoca um aumento de entropia é do sistema com maior potencial químico
para o de menor potencial químico.

É então evidente que o potencial químico está relacionado com a concentração. Vejamos
como, voltando a considerar um gás ideal ou uma solução ideal em equilíbrio num campo
exterior, e seja ∆E p > 0 a diferença entre a energia potencial associada ao subsistema 2 e a
associada ao subsistema 1. O quociente entre as concentrações de equilíbrio é

∆Ep
C2 − kT
=e
C1

∆E p
log C2 −log C1 = −
kT

ou seja,

kT log C1 +E p (1)=kT log C 2 +E p (2 )

Mas esta tem que ser a condição de equilíbrio µ1 = µ 2 , pelo que a expressão para o
potencial químico em função da concentração é

C
µ − µ0 =kT log + ∆E p
C0

Termodinâmica 99
Até agora considerámos o potencial químico devido à presença de apenas uma espécie de
moléculas, isto é, admitimos que o nosso sistema modelo tem um número variável de
partículas, N todas iguais. Vamos agora estudar um tipo particular de sistema com dois
componentes, digamos água e soluto, em que o número de moléculas de água, N a , e o
número de moléculas de soluto, N S , podem variar. Sobre o nosso sistema modelo vamos
fazer as seguintes hipóteses: as moléculas de uma e outra espécie são aproximadamente da
mesma forma e tamanho, e as interacções entre moléculas não distinguem entre as duas
espécies. No caso destas hipóteses se verificarem, a solução diz-se ideal. Suporemos ainda
que a solução é diluída, isto é, N a >>N S .

Como as moléculas se supõem de espécies diferentes, mas idênticas do ponto de vista da


maneira como interactuam entre si, a um determinado macrostado caracterizado pelos
valores N a ,N S corresponderão

(N a +N S )!
Ω (N a ,N S )=
Na!NS!

microstados diferentes, que se obtêm trocando entre si partículas das duas espécies
presentes. Claramente, Ω (N a ,N S =0 )=1 , de modo que a entropia devida à mistura é

S (N a ,N S )=k log (N a + N S )! - k log N a ! - k log N S !

ou, usando a aproximação de Stirling para os logaritmos,

S (N a ,N S )= (N a +N S )k log (N a + N S )−k N a log N a −k N S log N S

N a +N S N +N
=k N a log +k N S log a S
Na NS

Os potenciais químicos µ a e µ S e associados às duas espécies em presença são então

∂S ∂  N +N S N +N S 
µa = −T = − kT  N a log a + N S log a =
∂N a 
∂N a  Na NS 

 N 1 
 − S2 
= −kT log a =
N +N S Na NS
+N a + NS 
Na N a +N S N a +N S
 
 Na NS 

N a +N S Na
=−kT log =kT log
Na N a +N S

∂S NS
µS =− T =kT log
∂N S N a +N S

100 Capítulo 4
Para soluções muito diluídas, N a >> N S , a última equação pode escrever-se na forma

CS
µS =kT log
Ca

CS N S NS
onde CS é a concentração de soluto, dado que = ≅ .
Ca N a N a +N S

Note-se que esta expressão coincide com a que obtivemos anteriormente quando
considerámos sistemas com apenas uma espécie de partículas.

Vejamos o que se passa nesta aproximação com o potencial químico da água

Na NS
µ a =kT log =kT log(1 − )
N a +N S Na + NS

NS C
(4.3) ≅ −kT ≅ −kT S
N a +N S Ca

O modelo que estudámos inclui como únicos parâmetros variáveis os números de


partículas de ambas as espécies e, portanto, as respectivas concentrações relativas. Levando
um pouco mais longe o desenvolvimento do formalismo da termodinâmica é possível mostrar
que em sistemas em que, para além do número de partículas, a pressão também possa
variar, o potencial químico tem um termo adicional que depende da pressão. Numa solução
muito diluída, a única contribuição relevante para a pressão é a pressão da água. Se
considerarmos que a água se comporta como um gás “ideal” do ponto de vista da relação
entre volume e número de partículas a pressão e temperatura constante, a equação (4.3) no
caso geral passa a escrever-se

p C p−kTC S
µa = −kT S , ou ainda µ a =
Na Ca Ca
V

onde ambas as concentrações são medidas em número de partículas por unidade de volume.

Em resumo, se tivermos duas regiões de um fluido separadas por uma membrana


impermeável, com certos valores p1 , p2 ,CS1 eCS2 , para as pressões do solvente e concentrações
volúmicas do soluto em cada uma das regiões, a diferença entre o potencial químico do
solvente nas duas regiões é dada por

∆p −kT∆C S
µ a2 − µ a1 =∆µ a =
Ca

onde C a é a concentração volúmica do solvente, e a diferença entre o potencial químico do


soluto nas duas regiões é

Termodinâmica 101
 C S2 
µ S2 − µ S1 =∆µ S =kT log  
 C1 
 S 

Tal como a diferença de temperaturas dá origem a um fluxo de calor proporcional a essa


diferença no sentido de estabelecer o equilíbrio térmico, uma diferença no potencial químico
associado a uma determinada espécie dá origem a um fluxo de partículas dessa espécie
proporcional à diferença de potencial químico no sentido de estabelecer o equilíbrio difusivo.
Portanto, se ∆µ a ≠0 e a membrana for permeável ao solvente, haverá um fluxo de solvente
através da membrana proporcional a ∆µa (encontrámos já esta situação quando
apresentámos o fenómeno da pressão osmótica numa membrana semipermeável). Se a
membrana for permeável ao soluto, haverá um fluxo de partículas do soluto proporcional a
∆µS também no sentido de estabelecer o equilíbrio, ou seja, da região de maior µs para a de
menor µs .

102 Capítulo 4
CAPÍTULO 5.

ELECTRICIDADE

5.1. Introdução

Dissemos no início do curso que a fisiologia das células nervosas e a compreensão do


fenómeno de propagação dos impulsos nervosos ao longo dos axónios era um dos exemplos
de aplicação da física à biologia. Neste capítulo vamos precisamente retomar este exemplo
nos seus aspectos mais fundamentais, e introduzir os conceitos físicos que intervêm na sua
descrição.

Um nervo é formado por muitas células nervosas, cada uma das quais é capaz de
transmitir impulsos nervosos num sentido determinado, ligadas entre si de maneira a
construir um feixe de um grande número de canais de transmissão independentes. As
células nervosas são muito alongadas e não são simétricas: uma das suas extremidades é a
de entrada do sinal, a outra a de saída, e as duas estão ligadas por uma porção alongada do
corpo da célula, o axónio, ao longo do qual o impulso se transmite quase sem deformação, e
que pode chegar a atingir comprimentos da ordem de um metro como, por exemplo, na
espinal medula.

A extremidade de entrada tanto pode ser um transdutor que transforma por exemplo a
temperatura, ou a tensão mecânica, a que está sujeita, num impulso eléctrico, como uma
junção com outra célula nervosa (sinapse). Na extremidade de saída o axónio ramifica-se
num conjunto de terminações mais finas, cada uma delas ligada ou à extremidade de
entrada de outro neurónio ou a uma célula da fibra muscular que o nervo comanda. O
axónio é um longo cilindro de propriedades semelhantes às de um cabo eléctrico com um
diâmetro que pode atingir a ordem das dezenas ou mesmo centenas de µm , ao longo do

qual os impulsos se propagam a velocidades da ordem dos ms −1 . Esta propriedade de


conduzir os impulsos eléctricos mantém-se no axónio mesmo quando este está isolado do
resto da célula nervosa, e é portanto devida apenas à sua constituição.

Electricidade 103
dendrite

Corpo da célula
Núcleo Sinapse

Camada da mielina

1mm

Nó de Ranvier

Figura 5.1

Interior do axónio Fluído extracelular



V=-70mV→ ← V = 0 mV
[Na +] = 15 mmol l-1 [Na +] = 145 mmol l-1
[K +] = 150 mmol l-1 [K +] = 5 mmol l-1
[Outros +] = 5 mmol l-1
[Cl -] = 9 mmol l-1 [Cl -] = 125 mmol l-1
[Outros -] = 156 mmol l-1 [Outros -] = 30 mmol l-1

≈ 40 nm

Figura 5.2

[Na +]ext/[Na +]int =9.7 [K +]ext/[K +]int =0.03 [Cl -]ext/[Cl -]int =13.9

104 Capítulo 5
No essencial um axónio é um cilindro rodeado por uma membrana que separa o fluido
intercelular do fluido extracelular; as concentrações de iões Na + , K + e Cl − são diferentes
nos dois fluidos (Figura 5.2) e, na situação de repouso, existe uma diferença de potencial de
70mV entre o fluido extracelular na vizinhança da parede da célula e o axoplasma. Os
impulsos nervosos são alterações desta diferença de potencial que se propagam ao longo do
axónio, isto é, impulsos eléctricos, e para entender este fenómeno precisamos de conhecer o
que a física nos diz sobre a electricidade.

5.2. Campo Eléctrico e Potencial

Do ponto de vista histórico, a base da electrostática é a lei de Coulomb, que nos diz que

duas cargas q1 e q2 exercem uma sobre a outra uma força F dada por


 q 1q 2 r
(5.1) F =k 2
r r

isto é, uma força dirigida ao longo da linha que une as duas cargas, atractiva ou repulsiva
conforme as cargas tenham sinais diferentes ou o mesmo sinal, e de módulo proporcional ao
produto das cargas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre elas. A
carga mede-se em Coulomb no sistema internacional e a constante k vale 9.109 Nm 2 C −2 ,

no caso de as cargas se encontrarem no vácuo ou no ar. O coeficiente k escreve-se às vezes


sob a forma

1
k=
4πε 0

onde a constante ε0 é a permitividade eléctrica ou constante dieléctrica do vácuo

(aproximadamente igual à do ar). No caso de outros meios, como veremos em (5.3.), tem-se,
k= 1 onde ε é a permitividade eléctrica ou constante dieléctrica desse meio.
4πε

Note-se a analogia entre esta lei de interacção e a lei de interacção gravítica: a constante
de proporcionalidade k corresponde à constante G , e as cargas correspondem às massas,
com a importante diferença de que podem ter o mesmo sinal ou sinais contrários.

Tal como uma massa gera no espaço ao seu redor um campo gravítico, também uma

carga q1 em repouso cria num ponto r um campo electrostático, dado por


 1 q1 r
(5.2) E=
4πε 0 r 2 r


O campo electrostático no ponto r define-se como a força por unidade de carga que se

exerceria sobre uma carga situada no ponto r ou, o que é equivalente, uma carga q2
 
colocada no ponto r do campo E é actuada por uma força

Electricidade 105

  1 q1q 2 r
F = q2 E =
4πε 0 r 2 r

Um outro conceito muito importante em electricidade é o de potencial eléctrico. O


trabalho necessário para levar uma carga eléctrica q de um ponto A a um ponto B na

presença de um campo electrostático E será
 
W = ∫ F ⋅ dr


onde o integral é calculado ao longo do percurso da carga q entre A e B e F é a força

exterior que anula a força associada ao campo E . Portanto
     
W = F ⋅ dr = ∫ − qE ⋅ dr = −q ∫ E ⋅ dr

Tal como o campo gravítico, o campo electrostático é conservativo, o que implica que o
integral anterior é independente do caminho escolhido entre A e B e portanto

W = q [V (B ) − V (A )]


onde V , o potencial eléctrico associado ao campo E , é a função que verifica

 ∂V
E =− 
∂r


Como referimos no Capítulo 2, o símbolo  designa-se por gradiente (representa-se
∂r
também por grad). Este operador generaliza a noção de derivada de uma função de uma
variável a funções definidas num plano ou no espaço físico tridimensional. No caso de
d
problemas em dimensão 1, o gradiente coincide com a derivada habitual, ; em dimensão
dx
superior, o gradiente é a derivada tomada sobre a direcção ao longo da qual a variação da

função é máxima. Sendo o campo electrostático E o gradiente do potencial electrostático V ,
a sua direcção será sempre a direcção perpendicular às superfícies equipotenciais, uma vez
que essa é a direcção que maximiza a variação do potencial eléctrico.

+q

Figura 5.3 Linhas de força e equipotenciais para o campo electrostático criado por uma
carga +q

No caso do campo E criado por uma carga q no espaço tridimensional, tem-se

106 Capítulo 5
∂  1 q

 1 q r
E= = −   
4πε 0 r 2 r ∂r  4πε 0 r 

e portanto o potencial electrostático é

1 q
V =
4πε 0 r

As superfícies equipotenciais são esferas centradas na carga q que cria o campo e a

direcção do gradiente é a direcção radial, perpendicular à superfície da esfera em cada


ponto, de modo que neste caso o gradiente coincide com a derivada em ordem à variável r .

Podemos representar graficamente o campo vectorial E pelas suas linhas de força isto é,
pelas linhas que têm a propriedade do campo em cada ponto ser tangente à linha nesse
ponto. Tal como na representação do movimento de um fluido pelas linhas de fluxo, em que
a velocidade do fluxo está associada à densidade das linhas de fluxo, também aqui a
intensidade do campo é tanto maior quanto mais próximas se encontram as linhas de força.
Claramente, as linhas de força e as superfícies equipotenciais intersectam-se sempre
perpendicularmente (ver Figura 5.3).

Vejamos como intervêm estes conceitos ao nível da descrição e do funcionamento dos


neurónios. Dissemos que no caso de um neurónio a diferença de potencial entre as paredes
exterior e interior da membrana celular é tipicamente ≅ 70mV . Podemos assim olhar para o

problema como um problema unidimensional, em que a direcção do gradiente do potencial é


a direcção do eixo dos xx (Figura 5.2), que representa a direcção perpendicular à membrana

em cada ponto. Calculando o campo eléctrico E no interior da membrana

  dV ∆V  70.10 −3 
E = Ee1 = − e1 ≅ − e1 ≅ − e1
dx ∆x 40.10 −9

verificamos que o seu valor é elevado, da ordem de 2.106 Vm −1 .

A passagem de iões do axoplasma para o fluido extracelular e vice-versa, através dos


poros da membrana celular, tem um papel determinante na transmissão dos impulsos
nervosos. Como vimos, a passagem de um ião de carga positiva q do interior para o exterior

da célula exige, na presença da diferença de potencial ∆V , o fornecimento da energia


electrostática correspondente, W = q∆V . Reciprocamente, a passagem de um ião de carga
positiva q do exterior para o interior da célula liberta a mesma quantidade de energia. Esta

energia é utilizada pela célula para fosforilar ADP produzindo ATP, molécula que armazena a
energia libertada por este processo. Por sua vez, é a hidrólise do ATP que fornece a energia
necessária para o transporte de iões através da membrana “contra” o potencial. Este
mecanismo de transporte de iões é essencial para que, ao contrário de um rastilho de

Electricidade 107
pólvora, um nervo possa transmitir impulsos mais do que uma vez, pois permite restabelecer
as concentrações iónicas de equilíbrio após a passagem do impulso nervoso.

Aplicação: Para a configuração da Figura 5.4,

d=1m
O

q1= +1C q2= -2C x

Figura 5.4

calcular em que ponto se anula o campo eléctrico, e em que ponto se anula o potencial.

A única região onde o campo total pode ser nulo é à esquerda da carga positiva, dado que
 
entre as cargas os campos E1 e E2 têm o mesmo sentido e à direita da carga q 2 domina o

campo E2 , dado que q 2 é maior e está mais próximo. Tomando a origem do eixo dos xx na
posição de q1 temos

  k 2k 1
E1 + E 2 = 0 ⇔ 2 − =0⇔x=
x (x − 1)2
1− 2

Para o potencial, vem

k 2k
V1 (x ) + V2 (x ) = 0 ⇔ − = 0 ⇔ x − 1 = 2x ⇔ x = −1
x x −1

O campo electrostático E e a carga q que o gera estão relacionados por uma propriedade
geométrica muito geral. Consideremos uma carga q situada na origem do nosso referencial

+q

Figura 5.5

e calculemos o fluxo φ do campo E que ela cria através da superfície de uma esfera de raio

r centrada na carga, isto é, o integral


 
(5.3) φ = ∫ E ⋅ nds
S


onde n representa a normal unitária exterior à superfície e o integral é sobre toda a
superfície da esfera. Informalmente podemos pensar que o fluxo φ mede a densidade das

108 Capítulo 5
linhas de força que atravessam perpendicularmente a superfície. Em cada ponto da
superfície temos

  1 q r  q
E ⋅n = 2
 ⋅n  =
4πε 0 r  r  4πε 0 r 2

portanto, o integral é apenas

q q
φ = 4 πr 2 2
=
4πε 0 r ε0

A relação que encontrámos neste caso é verdadeira para qualquer superfície que envolva
qualquer distribuição de cargas em repouso e exprime a lei de Gauss: o fluxo do campo
electrostático através de uma superfície fechada é igual à carga total contida no interior da
superfície dividida por ε0 .

Esta lei geral dá-nos um instrumento para calcular o campo electrostático criado por
certas geometrias de distribuição da carga que aparecem frequentemente nas aplicações.
Vejamos alguns exemplos.

- Campo criado por uma distribuição linear de cargas

Considerando uma distribuição de cargas ao longo de uma linha com uma densidade
dq
linear constante λ = , apliquemos a lei de Gauss a um cilindro de raio r cujo eixo
dx
coincide com a linha ao longo da qual a carga se encontra distribuída.

L
+ +
+

+ +
+
E r

Figura 5.6

Temos então para a carga Q no interior do cilindro

Q = λL

e para o fluxo do campo eléctrico através da superfície do cilindro

φ = 2πrLE

Electricidade 109

No cálculo de φ usámos o facto de por simetria, o campo E só depender do raio e ter a

direcção da normal exterior à sua superfície lateral, de modo que, em particular, o fluxo
através das bases do cilindro é nulo. Usando Φ = Q / ε0 o campo gerado por esta distribuição

de cargas é

λL 1 1 2λ 2λ
(5.4) E= = =k
ε 0 2πrL 4πε 0 r r

- Campo criado por uma distribuição superficial de carga

Consideremos agora o caso de uma distribuição homogénea de carga ao longo de um


dq
plano, com densidade superficial constante σ = . Apliquemos a lei de Gauss ao cilindro
ds
representado na Figura 5.7. Mais uma vez, simplificamos os cálculos usando argumentos de
simetria: o campo tem que ser normal em cada ponto à superfície ao longo da qual a carga
se encontra distribuída.

+
+ + +
+ +
+
+ a b
E + E
E S S
S +
a b
+
+ +
+ +
+ +
+

Figura 5.7

Então temos, para o cilindro da figura

Q = Sσ

φ = S( Eb + Ea )

Se modificarmos os parâmetros b e a , a carga Q no interior do cilindro continua a ser a


mesma. Portanto, tem que ser Eb = Ea = E , constante, e vem

σ  1 
(5.5) E= =  2πσ

2 ε0  4πε 0 

110 Capítulo 5
Aplicação: Consideremos duas superfícies “infinitas” paralelas, uma com uma distribuição
superficial de carga σ e a outra com uma distribuição superficial de carga −σ , como se
representa na figura 5.8.

σ
_ ε0 +
←
Campo devido ao _ σ + Campo devido ao
plano negativo ε0 plano negativo
_
← +
+
σ +
_ ε0 +
Campo devido ao
← Campo devido ao
plano positivo _
σ + plano positivo
ε0
=
← =
_ +
0
0

I II III
Figura 5.8

Na região entre as duas placas (região II), supondo que a largura dessa região é
suficientemente pequena para que seja válida a aproximação que fizemos de considerar as
placas como superfícies infinitas, o campo é constante e dado pela soma do campo criado por
cada uma das placas, ou seja

σ
E=
ε0

enquanto que nas regiões I e III o campo é nulo.

Suponhamos que este é um bom modelo para a membrana de um neurónio, dado que a
espessura da membrana (da ordem dos nm ) é muito pequena quando comparada com o
tamanho da célula (da ordem dos µm ). Vimos já que o campo eléctrico no interior da membrana

é da ordem de 2.10 6 Vm −1 ou 2.10 6 NC −1 . Substituindo este valor na equação anterior vem que
2
σ será da ordem de 10 −3 Cm −2 ≅ 2.10 −5 Cm −2 .
36 π

Este valor dá-nos uma primeira estimativa para a concentração superficial de iões na
vizinhança das paredes celulares. Veremos em 5.3 que esta estimativa tem que ser corrigida por
um factor essencial que aqui não tomámos em conta.

Electricidade 111
- Campo eléctrico criado por um dipolo

É frequente a nível molecular as cargas eléctricas não se apresentarem isoladamente mas


sim em pares de uma carga positiva ( q ) e outra negativa ( −q ), separadas uma da outra por

uma pequena distância d . Chama-se dipolo eléctrico a esta configuração de carga, e


momento dipolar p ao produto qd .

Os dipolos eléctricos desempenham um papel muito importante em biologia já que muitas


moléculas biológicas e a própria molécula de água têm este tipo de estrutura. Por outro lado
algumas questões fisiológicas podem ser analisadas em termos de dipolos eléctricos. Por
exemplo, no modelo do batimento cardíaco considera-se que, como resultado global dos
complexos fenómenos de despolarização e repolarização das células nervosas e musculares,
o coração comporta-se como um dipolo eléctrico cuja intensidade e direcção varia ao longo
de cada ciclo. Um electrocardiograma mede a intensidade do campo criado por esse dipolo.

Calculemos o campo e o potencial criados por um dipolo num ponto situado a uma
distância grande quando comparada com a separação entre as cargas (Figura 5.9). O
potencial em A será a soma dos potenciais criados em A pela carga positiva e pela
negativa, i.e.

A
r+
+q r
φ r-
d
φ y
-q x
Figura 5.9

kq kq
V = V+ +V− = −
r+ r−

Por outro lado, temos

d d
r+ ≅ r − senϕ r− ≅ r + senϕ
2 2

de modo que

112 Capítulo 5
kqdsenϕ senϕ
V = ≅ kqd
d2 r2
r2 − sen 2 ϕ
4

onde na última aproximação usamos o facto de ser d << r . Em coordenadas cartesianas,


temos

y
(5.6) V (x , y ) = kp 3
(x 2
+ y2 ) 2


A relação geral E = −gradV dá imediatamente, aplicando as regras do cálculo vectorial,


  3y r 1  
(5.7) E = kp 4 − 3 e 2 
r r r 

expressão que nos permite calcular o campo criado pelo dipolo em qualquer ponto.

Nos pontos situados sobre o eixo dos x ou o eixo dos y da Figura 5.9 podemos no

entanto calcular o campo eléctrico de uma maneira muito simples. Em primeiro lugar, é
óbvio que o eixo dos x , dado por y = 0 , é uma equipotencial. Portanto, a direcção do

gradiente ao longo deste eixo é a direcção vertical (perpendicular às equipotenciais) e


podemos escrever, para um ponto arbitrário do eixo dos x

 ∂V 
E = −gradV = − e2 =
∂y

 
∂  y  
= −kp  3
 e2
∂y  2 
(
 x +y
2
)
2
 y =0

kp 
=− e2
r3

Da mesma maneira, dada a expressão de V (x , y ) , é claro que as equipotenciais são


simétricas em relação ao eixo dos y de modo que sobre o eixo dos y a direcção do gradiente
é também a direcção vertical. Portanto, num ponto arbitrário do eixo dos y , temos:

 
 ∂V  ∂  y 

 2kp 
E = −gradV = − e 2 = −kp e2 = e2 .
∂y ∂y  3 
r 3
(
 x2 + y2 2 
  x =0 )

Suponhamos agora um dipolo situado num campo uniforme E , produzido por uma
distribuição de cargas conveniente (Figura 5.10). A energia potencial electrostática U desse

Electricidade 113
dipolo é a soma dos potenciais electrostáticos de cada uma das cargas do dipolo, de modo
que temos

U = U + + U − = qV (1) − qV (2 ) = q (V (x + ) − V (x − ))

F1 +q
x+
θ

x0

-q x_
-F1
Figura 5.10

 
Uma vez que para um campo uniforme E = E e1 o potencial só depende da variável x e é da
forma V (x )=− Ex , temos

d
V (x + ) − V (x − ) = −E (x + − x − ) =− 2 E cos θ
2

e vem

U = −qd E cos θ


Definindo o momento dipolar vectorial p como um vector de módulo p =qd e direcção

igual à do dipolo, orientado da carga negativa para a positiva, podemos escrever

 
(5.8) U =− p.E

Portanto, a configuração de energia mínima é aquela em que o dipolo está alinhado com o
campo exterior. De um ponto de vista puramente mecânico, podemos entender o
  
alinhamento do dipolo p com o campo E como o resultado do efeito sobre p , considerado
 
( )
como uma barra rígida, do binário F + , F − formado pelas forças que, devido à presença do

campo E , actuam cada uma das cargas (ver Figura 5.10).

Aplicação: Dois dipolos iguais estão separados de uma distância R , grande quando
comparada com a separação entre as cargas. Calcular a energia do sistema dos dois dipolos
quando estão orientados segundo as configurações indicadas na Figura 5.11.

114 Capítulo 5
R

p1 R p2
p1 p2

(a) (b)

Figura 5.11

O campo exterior a que cada dipolo está sujeito é o campo criado pelo outro dipolo. Então
temos

   
U = U1 + U 2 = −p1.E 2 − p 2 .E1

 
onde E2 (respectivamente E1 ) é o campo criado pelo dipolo 2 (respectivamente 1) no ponto em

que se encontra o dipolo 1 (respectivamente 2)

(a) Neste caso, como vimos

 2kp   2kp 
E1 = 3 e1 , E 2 = − 3 e1
R R

e vem, dado que

   
p1 = pe1 , p 2 = −pe1

4kp 2
U=
R3

(b) Neste caso é

kp   kp 
E 2 = − 32 e 2 , p1 = p 2 = pe 2

E1 = − 31 e 2 ,
  
R R

e portanto

2kp 2
U=
R3

Note-se que a configuração da alínea (b) corresponde a uma energia menor.

5.3. Polarização de Dieléctricos e Condensadores

Num material condutor, os electrões de valência dos átomos que constituem o material
podem mover-se livremente. Na presença de um campo eléctrico exterior, essas cargas
deslocam-se de modo que, no equilíbrio, o campo eléctrico no interior do condutor é
Electricidade 115
nulo - se não fosse, as cargas deslocar-se-iam sob o efeito do campo exterior até que elas
próprias criassem um campo que anulasse exactamente aquele.

Num material dieléctrico as cargas têm alguma mobilidade: não podem mover-se
livremente de modo a cancelar completamente o campo exterior, mas podem produzir um
cancelamento parcial.

Este mecanismo pode entender-se a partir do modelo representado na Figura 5.12.

Epol

Eext
(a) (b)

Epol Etotal

Eext

Figura 5.12

A figura (a) diz respeito à situação em que não há campo exterior aplicado, e a
distribuição electrónica de cada átomo está centrada no núcleo, de modo que qualquer
região grande quando comparada com o raio atómico é electricamente neutra. Na situação

da figura (b), as cargas exteriores são responsáveis pela criação de um campo eléctrico Eext

cuja acção leva a um deslocamento das distribuições electrónicas. Cada átomo passa a ter a
configuração de um dipolo eléctrico e o material comporta-se como um conjunto de dipolos
eléctricos alinhados em relação ao campo exterior. Estes dipolos criam como já vimos um

campo E pol , proporcional ao momento dipolar p , com a mesma direcção e sentido

contrário. Como o momento dipolar é por sua vez proporcional ao campo exterior Eext que o

criou, podemos escrever


  
( 
E pol = −cp = −αEext = −α E total − E pol

)
  
uma vez que Etotal = E ext + E pol .

A equação anterior é equivalente a


 
E pol = −χEtotal

α
onde χ = é uma constante chamada susceptibilidade eléctrica do material.
1−α

116 Capítulo 5
Neste exemplo considerou-se um material sem momentos dipolares permanentes. Em
muitos casos, os dipolos eléctricos existem mesmo na ausência de campo exterior, devido ao
tipo das ligações químicas.

O campo total é então

  1  1 
(5.9) E total = (1 − α ) E ext = E ext = E ext
1+ χ εr

A constante εr chama-se constante dieléctrica relativa e é adimensional. A permitividade


eléctrica do material ε é dada por ε r ε 0 . A expressão (5.9) mostra que no interior de um

dieléctrico o campo eléctrico é reduzido por factor εr em relação ao campo que existiria no
vácuo.

A constante dieléctrica relativa desempenha um curioso papel do ponto de vista biológico.


A constante dieléctrica relativa da água é bastante alta, da ordem de ε r ≅ 80 , uma vez que

as moléculas de água são polares e podem reorientar-se facilmente na presença de um


campo exterior, (é por isso que o sal comum e outros compostos iónicos se dissolvem na
água). A constante dieléctrica relativa das membranas é da ordem de 2 nas camadas
bilipídicas e da ordem de 10 nos canais proteicos. Para transferir um ião de um meio com
uma certa constante dieléctrica para outro com uma constante dieléctrica menor é
necessário fornecer trabalho que compense a variação de energia potencial electrostática
devida à variação da permitividade eléctrica. É natural portanto que os canais iónicos nas
membranas sejam proteínas e não lípidos.

Chama-se condensador ao conjunto formado por duas placas paralelas (ou dois cilindros
coaxiais, ou duas esferas concêntricas) uma das quais tem uma carga +Q e outra uma
carga −Q . Vimos já que no caso de duas placas paralelas, o campo eléctrico no exterior é
nulo, e no interior é uniforme e vem dado por

1 1 Q
E= 4πσ = 4π
4πε0 4πε0 S

onde S é a área das placas. Como o campo é uniforme, o potencial varia linearmente com a
distância entre as placas, de modo que a diferença de potencial ∆V entre elas é dada por

4 πd Q
∆V = Ed = Q=
4πε0S C

onde d é a distância entre as placas e a constante C , chamada capacidade do condensador,


vale neste caso ε0S /d e, em geral, depende da geometria do condensador e da natureza do

dieléctrico, que consideramos neste caso ser o ar. Para um condensador plano arbitrário
com constante dieléctrica ε será

Electricidade 117
S
C =ε
d

A unidade S.I. de capacidade é o farad (F ) de modo que Fm −1 é a unidade S.I. para a

permitividade eléctrica.

Para um valor q da carga de cada uma das placas a diferença de potencial entre elas
será V (q )=q / C . Assim, a energia necessária para carregar um condensador com a carga
total Q é

Q Q
q 1 Q2
U = ∫V (q )dq = ∫c dq =
0 0
2 C

A membrana celular é um dos exemplos mais característicos e abundantes de


condensador. Como já vimos, a espessura da membrana é muito menor que as dimensões
da célula, e por isso o seu comportamento é bem descrito por um condensador plano.

Retomemos então o cálculo aproximado da densidade superficial de iões na superfície de


uma membrana típica. Suponhamos como anteriormente que a membrana tem 40 nm e que
a d.d.p. entre as paredes é de 70 mV , mas vamos agora ter em conta que a permitividade
eléctrica da membrana é de 5.10 −11 Fm −1 , i.e. que a constante dieléctrica relativa da

membrana é de 5,6. De

S
C =ε
d

vem

C ε 5.10 −11
= = = 1,25.10 −3 Fm −2
S d 4.10 −8

Como

Q = C∆ V

a carga por unidade de superfície é

Q C
= ∆V ≈1,25.10 − 37.10 − 2 ≈10 − 4 Cm − 2
S S

ou seja, a nossa estimativa anterior vem aumentada por um factor de 5,6.


∆V
Podíamos também obter esta mesma estimativa a partir de E = = 2.10 6 NC −1 e usar
d
depois a fórmula que relaciona o campo eléctrico com a distribuição superficial de carga
tendo em conta a permitividade eléctrica do meio

118 Capítulo 5
1
E= 4πσ
4πε

donde vem σ = εE = 5.10 −11.2.10 −6 = 10 −4 Cm −2 .

5.4. Circuitos Eléctricos

Consideremos um fio de um material condutor, por exemplo um metal. Ao aplicar aos


seus extremos uma diferença de potencial, os electrões livres deslocam-se no fio produzindo
dq
uma corrente eléctrica de determinada intensidade. A intensidade de corrente I = éa
dt
carga que passa por unidade de tempo através de uma secção transversal do fio, e a
respectiva unidade S. I. de intensidade é o ampère, que corresponde a Cs −1 . Para a maioria
dos condutores verifica-se uma proporcionalidade entre a diferença de potencial aos seus
extremos ∆V e a intensidade I , da corrente que o percorre, ou seja

∆V = RI

onde a constante de proporcionalidade se designa por resistência e se mede no sistema


internacional em Ohm . A esta relação de proporcionalidade entre tensão e corrente
chama-se lei de Ohm .

A resistência R de um fio depende da área A da sua secção transversal, do seu


comprimento l e da natureza do material que o constitui. Assim, temos

l
R=ρ
A

onde ρ é uma constante que depende apenas do material e se chama resistividade.


Algumas vezes trabalha-se com a condutividade σ, inverso da resistividade ρ , de modo que

a resistência em termos da condutividade é dada por

1 l
R =
σ A

Aplicação: Quando se introduzem duas lâminas de 5m 2 de área, separadas de 2,5cm , numa


solução de KCl e se estabelece entre elas uma d.d.p. de 50V , circula uma corrente de 1,2mA .

Calcular a condutividade do electrólito.

Pela lei de Ohm, a resistência é

V 50
R = = .10 3
I 1,2

Portanto, pela definição de condutividade

Electricidade 119
50 1 2,5.10 −2
.10 3 = .
1,2 σ 5

Outra quantidade relevante no caso dos circuitos eléctricos, relacionada com a resistência
e a intensidade de corrente é a potência dissipada. Esta resulta da transferência de energia
dos electrões para os iões do material sob forma de energia térmica. A energia libertada por
uma carga q que se desloca através de uma diferença de potencial ∆V é

W = q ∆V

Como a potência P é a energia libertada por unidade de tempo

∆W q
P = = ∆V = I∆V
∆t ∆t

Num circuito puramente resistivo

P = RI 2

O problema essencial a resolver num circuito eléctrico é o de conhecer a corrente que flui
através dos seus ramos e a diferença de potencial (d.d.p.) entre quaisquer dos seus pontos.
Para além de saber que nos extremos de uma resistência se verifica a lei de Ohm , e que
através de um condensador não passa corrente (corrente contínua, em regime estacionário),
as regras mais simples para "resolver" um circuito são as de associações em série e paralelo
de resistências e condensadores

Resistências Condensadores

R1 R2 C1 C2

série

Req=R1+R2 1/Ceq=1/C1+1/C2

R1 C1

paralelo R2 C2

1/Req=1/R1+1/R2 Ceq=C1+C2

Figura 5.13

120 Capítulo 5
Aplicação: Considerando o circuito

6µ 3µ
a

18V 1 2
6Ω 3Ω 0V
b

Figura 5.14

Quanto vale a d.d.p. entre a e b ?

Substituindo o circuito pelo circuito equivalente

Ce

18V 0V
Re

Figura 5.15

em que

R eq = R1 + R 2 = 9Ω

1
Ceq = = 2µF
1 1
+
6 3

tem-se para a corrente que flui através do ramo resistivo

18
I= = 2A
9

de modo que o potencial em b é

Vb = 6V

A carga armazenada em cada condensador é

Q = VCeq = 36µC

Portanto, a d.d.p. aos extremos do condensador de 6µF verifica

Electricidade 121
36µC
∆V =18−Va = =6V
6µF

Va =12V

de modo que vem

Va − Vb =6V

As regras que apresentámos para a associação de resistências e condensadores em série e


em paralelo deduzem-se das leis de Kirchhoff, que como veremos são a tradução, em
termos de circuitos, da conservação da energia e da conservação da carga.

R1
V1

I1
R2
V2
A C
R3 I2
V3
B D
V4 I3 R4

Figura 5.16

Chama-se malha de um circuito eléctrico a qualquer caminho fechado contido no circuito


e nodo a qualquer ponto onde se encontram mais do que dois ramos. No exemplo da
Figura 5.16, podemos considerar várias malhas, como por exemplo as malhas elementares
1 , 2 , 3 . Arbitremos sobre cada malha um sentido convencional, tal como se indica na
figura e sejam I1 , I 2 , I 3 as correntes que percorrem os ramos independentes de cada

malha nos sentidos convencionados. Ao percorrermos, por exemplo, a malha 1 no sentido


convencionado, vamos encontrar vários elementos do circuito, que neste caso são apenas
resistências e fontes de tensão. A 1ª lei de Kirchhoff diz que a soma algébrica das d.d.p.
aos extremos desses elementos numa malha é nula. Neste caso, temos para as três malhas
elementares

I 1 R1 +( I 1 − I 2 ) R 2 +V 2 −V1 =0

( I 2 −I1 ) R2 + ( I 2 −I 3 ) R3 −V3 − V2 =0

( I 3 −I 2 ) R 3 −V4 + I 3 R4 +V 3 =0

122 Capítulo 5
De acordo com a notação utilizada na representação da fonte de tensão a barra mais
longa representa o polo positivo, de modo que a fonte V1 “favorece” a passagem de corrente
com sentido positivo na malha 1 , enquanto que a fonte V2 contraria essa passagem. Por
isso em relação ao nosso sentido convencional devemos tomar a d.d.p. aos extremos de V1
como negativa, e a d.d.p. aos extremos de V2 como positiva quando analisamos a equação

da malha 1 .

A 1ª lei de Kirchhoff mais não é do que uma consequência do facto de o potencial estar
bem definido em cada ponto: a soma algébrica das d.d.p. encontradas ao longo de qualquer
caminho com início e fim nesse ponto tem que ser zero.

A 2ª lei de Kirchhoff diz-nos que a soma algébrica das correntes que entram em cada
nodo do circuito (ponto onde se encontram 3 ou mais ramos do circuito) tem que ser nula.
O circuito da Figura 5.16 tem quatro nodos, A , B , C e D , e pela 2ª lei de Kirchhoff
aplicada ao nodo A ou ao nodo

I 1 − I 2 =I

onde I é a corrente que percorre a resistência R2 , no sentido que tomamos como positivo
para a malha 1 . Dito de outra maneira, a corrente I 1 no nodo A , separa-se em dois ramos,
I 2 e I , de modo que a equação

I 1 =I + I 2

exprime apenas a conservação da carga. Esta afirmação é tão intuitiva que já a usámos
quando escrevemos a equação das malhas.

De forma similar, no nodo B ou D , temos

I 2 =I + I 3

onde I é agora a corrente que percorre a resistência R3 no sentido que tomamos como

positivo para a malha 3 .

Como referimos, as regras que apresentámos para a associação de resistências e


condensadores em série e em paralelo deduzem-se facilmente das leis de Kirchhoff. Vejamos
por exemplo o caso dos condensadores. Para condensadores colocados em série num braço
de malha, tal como indicado na Figura 5.17

C1 C2 Ce
A B A B

Figura 5.17
queremos determinar a capacidade Ceq que substitui os condensadores de capacidades C1 e

C2 , sem alterar a d.d.p. entre os pontos A e B . Para que a condição referida se verifique

Electricidade 123
Q Q Q
= 1 + 2
Ceq C1 C2

onde Q , Q1 e Q2 denotam as cargas dos condensadores Ceq , C1 e C2 . Dado que C1 e C 2

são percorridos pela mesma corrente durante a carga (no estado estacionário não passa
corrente através dos condensadores) tem-se Q1 = Q 2 =Q , e vem

1 1 1
= +
Ceq C1 C2

Considerando o mesmo problema para condensadores em paralelo

C1
Ce

A B A B

C2

Figura 5.18
Q Q1 Q2
Neste caso, tem que ser = = , que é a tensão V entre os pontos A e B . Por
C C1 C2

outro lado, como na fase de carga a corrente que atravessa o segmento A B se divide entre
os ramos 1 e 2 temos Q =Q1 +Q 2 , de modo que vem

VC = VC1 + VC 2

e portanto

C =C1 + C2

Aplicação: Consideremos o circuito da Figura 5.19.

18Ω

9Ω 6V 4Ω

12V
7Ω
24Ω

5Ω
Figura 5.19

124 Capítulo 5
Suponhamos que pretendemos determinar a potência consumida por este circuito. Nesse
caso, o mais cómodo é substituir este circuito por outro equivalente e mais simples (tal como
indicado na Figura 5.20).

R1
6V

12V
4Ω
R2 = 7 + 5 = 12

1
24Ω R= =6
1 1
+
18 9
R2

Figura 5.20

ou ainda

6Ω 6V
1
R= =8
1 1
+
12V 24 12
4Ω

Figura 5.21

e finalmente 6Ω 6V

12V

12Ω

Figura 5.22

A corrente que circula no circuito equivalente da Figura 5.22 verifica

6 I + 12 + 12 I − 6 = 0

18 I = −6

Electricidade 125
1
I =− A
3

1
isto é, a corrente é de A no sentido contrário ao que arbitramos. Portanto, a potência
3

dissipada é

6 12
P = R1 I 2 + R2 I 2 = + = 2W
9 9

Suponhamos que pretendemos mais informação, por exemplo conhecer qual a corrente que
atravessa a resistência de 7Ω .

Consideremos então a malha

24Ω
I I1 I

7Ω 5Ω
I2

Figura 5.23

As leis de Kirchhoff aplicadas a esta malha dizem-nos que

1
I1 +I 2 =
3

24 I 1 −12 I 2 =0

2
portanto I 2 = A .
9

Consideremos agora o circuito representado na Figura 5.24. Este circuito, que se chama
circuito R C , tem como veremos grande importância em termos biológicos.

1
2
C

Figura 5.24

O circuito consiste apenas numa pilha ligada a uma resistência e a um condensador em


série. Suponhamos que inicialmente o condensador está descarregado, e que ambos os
interruptores estão abertos. No instante em que fechamos o interruptor 1 , a d.d.p. aos

126 Capítulo 5
extremos do condensador é nula de modo que o circuito vai ser percorrido por uma corrente
I dada por

ε
I=
R

onde ε é a d.d.p. da pilha. À medida que o tempo passa, a passagem de corrente vai fazendo
com que se acumule uma carga Q no condensador (positiva no lado esquerdo da placa,
negativa no lado direito) de modo que ao longo da malha temos

Q
IR+ −ε =0
C

Portanto, à medida que o tempo passa, vai aumentado a tensão aos terminais do
condensador, e diminuindo a corrente que atravessa a resistência R . É possível mostrar
que esta evolução temporal é exponencial, com uma constante de tempo τ =RC .

ε
I V

t t
Figura 5.25

Analiticamente, então temos

−t
 −t

I = I0 e τ e Q=Cε  1− e τ 
 

ε
onde I 0 = e τ =R C .
R

Ao fim de um tempo grande quando comparado com τ a corrente que atravessa o circuito
é praticamente nula, e a tensão aos terminais do condensador é praticamente igual a ε .

Suponhamos agora que num dado instante a partir desta situação tornamos a abrir o
interruptor 1 e fechamos depois o interruptor 2 , passando a ter o circuito da Figura 5.26.
R

+Q -Q

Figura 5.26

Electricidade 127
Neste instante, o circuito é percorrido por uma corrente I 0 dada pela 1ª lei de Kirchhoff

aplicada a esta malha

I 0 R −ε =0

Ao longo do tempo o condensador, que no instante inicial tinha acumulada uma carga
Q0 , vai descarregar-se, e ao mesmo tempo a corrente que percorre o circuito vai diminuir

sendo as respectivas evoluções temporais dadas por

−t −t
Q =Q0 e τ e I = I0 e τ

I
v

t t

Figura 5.27

Ao fim de um tempo grande quando comparado com τ , a corrente que flui no circuito é
desprezável, e o condensador está praticamente descarregado.

Aplicação: Um modelo simples para o funcionamento de um músculo pode ser o do circuito


representado na Figura 5.28: uma pilha de 1V passa a estar ligada mediante a chegada de um
sinal nervoso a um condensador de C=10 −12 F

S ε

C
F F

Figura 5.28

Pretende-se:

(a) Calcular a força que as placas do condensador de 10 −12 m2 de área exercem uma

sobre a outra.

(b) Sabendo que o condensador se descarrega lentamente através de uma resistência


R m =10 8 Ω (no sistema biológico esta descarga deve-se a perdas de carga através dos

poros da membrana celular), calcular o tempo de descarga e a energia que se converte


em calor neste processo.

128 Capítulo 5
(a) A força F que as placas exercem uma sobre a outra é dada por F=QE , onde
−12
Q=CV =10 .1=10 −12 C é a carga de cada uma das placas e

σ Q
E= =
2ε ο 2ε ο A

é como vimos o campo eléctrico criado por cada uma das placas. Portanto

Q2 1 Q2
F= = 2π = 57.10 − 3 N
2ε 0 A 4πε 0 A

Com muitos condensadores em paralelo, dado que as capacidades se somam, pode


chegar-se a valores consideráveis para a força.

(b) O tempo de descarga é como vimos da ordem de τ=RC , ou seja da ordem de

τ =10 8 Ω ⋅10 −12 F =10 −4 s

Quanto à energia dissipada sob a forma de calor, é dada pela energia do condensador
carregado, a qual como vimos é

1 Q2
U= = 0.5.10 −12 J
2 C

Podemos ainda pensar no circuito equivalente de uma porção da membrana de um


neurónio. Vimos já que as membranas celulares não são homogéneas, são formadas por
camadas bilipídicas atravessadas por poros correspondentes a proteínas. Vimos também que
a permitividade eléctrica dos poros e da membrana adiposa são bastante diferentes, sendo a
constante dieléctrica dos poros muito maior que a da camada bilipídica, que se comporta
S
como um bom dieléctrico. No modelo de condensador plano, C = ε , onde ε é da ordem de
d
5.10 −11 F m −1 , como resultado das contribuições para a permitividade eléctrica dos diferentes

elementos constituintes da membrana.

Tal como a permitividade eléctrica, também a resistividade é muito diferente para os


poros e para a membrana bilipídica, tendo-se ρ >>107 Ω m para esta e ρ <<107 Ω m para os
poros. As duas componentes da membrana celular devem pois ser consideradas
separadamente na construção de um modelo: obtemos assim um circuito equivalente do tipo
do representado na Figura 5.29, para cada porção de membrana. A resistência R p
representa a resistência equivalente às resistências de todos os poros do troço que estamos
a considerar, ligadas em paralelo.

Rm

Electricidade 129
Cm
exterior interior
Figura 5.29

Aplicação: Uma membrana de 10 nm de espessura  = 10 nm contém poros de 10 Ωc m de


resistividade. O material da membrana tem uma resistividade de 1014 Ωcm .Sabendo que a
resistividade total da membrana é de 10 9 Ωc m , fazer uma estimativa da área dos poros, A p ,

em relação à área do material da membrana.

A resistência total R é o resultado da associação em paralelo da resistência dos poros e R p


da resistência da camada bilipídica R m

1 1 1
= +
R Rp Rm
Rp Rm

Figura 5.30

Por outro lado

 
R p = ρp R m = ρm
Ap Am


R = 10 7.
Ap + Am

Portanto vem

Ap + Am Ap Am
7
= −1
+
.10 .10 .1012

( )
10 5 A p + A m = 1013 A p + A m

Ap Ap
+ 1 = 10 8 + 10 − 5
Am Am

e temos finalmente

Ap
≅10 − 8
Am

130 Capítulo 5
5.5. Corrente Alterna

A electricidade é fornecida sob a forma de corrente alterna (corrente ac ), devido às


vantagens práticas daí resultantes.

Vamos considerar agora circuitos em que nos elementos activos (fontes de tensão ou
corrente) o sinal é alterno, e analisar o comportamento específico de cada um dos tipos de
elementos passivos que descrevemos (resistências, condensadores e indutores).

Para uma fonte de tensão alterna, a tensão aos seus terminais será alternadamente
positiva e negativa, dada por

v (t ) = V sen ωt ou v (t ) = V cos ωt

ou seja, com uma variação do tipo sinusoidal, de frequência angular ω e amplitude (valor
máximo) V . Esta tensão alterna vai produzir no circuito uma corrente instantânea, também
alterna, que passa ora num ora noutro sentido.

Considerando um circuito apenas com uma resistência a corrente é deduzida facilmente


tendo em conta que, no caso de uma resistência, se tem

v V sen ωt
i= ⇒i =
R R

A corrente que passa no circuito pode ser escrita sob a forma

V
i= sen ωt = I sen ωt
R

V
ou seja é a amplitude da corrente vem dada por I = .
R

Verifica-se neste caso que tanto v como i são proporcionais a sen ωt , sendo portanto

ambas funções periódicas que oscilam com a mesma frequência. Verifica-se ainda que as
duas quantidades estão em fase, uma vez que os zeros e máximos das 2 funções ocorrem no
mesmo instante.

Tal como referimos no caso da corrente continua (corrente dc ) os electrões nas colisões
com os iões vão transferir energia para a rede cristalina, a qual vai aparecer sob a forma de
energia térmica. A potência dissipada neste processo é neste caso é

P = i 2 R = I 2 R sen 2 ωt

sendo a potência média dissipada na resistência dada por

1 2
Pm = I R
2

Electricidade 131
Em geral a potência média é expressa em termos do valor eficaz da corrente Ief definido

como a corrente constante que libertará a mesma potência

2
Pm = RI ef

Logo

I ef =  i  =  I 2 sen 2 ωt  =
2 1 2 I
I =
    2 2

Definindo da mesma forma o valor eficaz da tensão

V
Vef =
2

pode escrever-se

Vef
I ef =
R

Os aparelhos de medida medem, em geral, valores eficazes; para a tensão da rede, o valor
de 220V é o valor da tensão eficaz.

Considerando agora um circuito no qual temos uma fonte de tensão alterna e um


condensador, ter-se-á nos pratos do condensador

v = V sen ωt

e ainda

q = Cv = CV sen ωt

Como

dq
i =
dt

temos

 π
i = ωCV cos ωt = ωCV sen ωt + 
 2

No condensador as duas grandezas tensão e corrente são representadas por funções


sinusoidais que têm a mesma frequência mas que não estão em fase. A corrente está

132 Capítulo 5
π
avançada de em relação à tensão (o mínimo para t = 0 da tensão, corresponde a um
2
máximo para a corrente).
 
Em geral define-se os fasores, I e V , que são vectores de módulos dados pelos valores
das amplitudes I e V respectivamente e que rodam com uma velocidade angular ω de tal
modo que os valores instantâneos i e v são representados pela projecção do fasor
respectivo sobre o eixo dos xx .

I
i i I
V
v

ωt v
V
ωt

(b)
(a)

Figura 5.31
 
Pode dizer-se que no caso de uma resistência os fasores I e V estão em fase (Figura
5.31), enquanto que no caso de um condensador, o fasor da corrente esta avançado de 90º
(Figura 5.32).

No caso do condensador escrevemos

 π  π
i = I sen  ωt +  = ωCV sen  ωt + 
 2  2

I
i
V i
v I
ωt
v
V
ωt

(a) (b)

Figura 5.32

Electricidade 133
A partir de I = ωCV podemos definir uma quantidade equivalente à resistência de uma
simples componente resistiva. Chama-se reactância capacitiva à quantidade

1
Xc =
ωC

tal que

V Vef .
I= e I ef . =
Xc Xc

Verifica-se assim que a corrente aumenta com a capacidade do condensador ou sempre


que a frequência aumentar.

Considerando agora um circuito que possui apenas um indutor como elemento passivo,
para uma tensão alterna

v = V sen ωt

di
e uma vez que no caso do indutor v = L
dt

V sen ωt di
=
L dt

V V  π  π
i=− cos ωt = sen  ωt −  = I sen  ωt − 
Lω Lω  2  2

π
ou seja, a corrente está atrasada de .
2

I
i
v
V V
v ωt

ωt
I
ωt

(a) (b)

Figura 5.33

134 Capítulo 5
Define-se neste caso a reactância indutiva X L tal que

V V
I = = ⇒ X L = ωL
X L ωL

A resistência e as reactâncias capativa e indutiva são casos particulares de uma grandeza


mais geral, a impedância. São válidas as seguintes regras para a determinação das
impedâncias equivalentes
- associação de impedâncias Z1 e Z 2 em série Z equiv = Z1 + Z 2

1 1 1
- associação de impedâncias Z1 e Z 2 em paralelo = +
Z equiv Z1 Z 2

Para um circuito que inclui os três tipos de elementos passivos (condensador, resistência
e indutor), alimentado por uma fonte de tensão alterna tal que v = V sen ωt

v
ε
~
i

R C L

vR vC vL

Figura 5.34

podemos dizer que vai haver um desfasamento entre a tensão e a corrente que circula no
circuito, ou seja

i = I sen (ωt − φ )

I
i
V i
v
I
v
ωt V
φ ωt ωt-φ

(a) (b)

Figura 5.35

Electricidade 135
E possível determinar i conhecendo as características dos diferentes elementos. Sabemos
que pela lei das malhas

v = v R + vC + v L

sendo

vr = IR sen ωt = VR sen ωt

 π
v L = IX L sen  ωt +  = VL cosωt (tensão avançada em relação a corrente)
 2

 π
vC = IXC sen  ωt −  = −VC cos ωt (tensão atrasada em relação a corrente)
 2

   
Representando num diagrama os fasores I , V R , V C e V L

v I
VL+VC
vL V
vR
VL φ
VR

VC
vC

Figura 5.36

tem-se

V 2 = VR2 + (VL − VC )2

V = VR2 + (VL − VC )2

(
= I 2 R 2 + IX L − IX C )2

= I R 2 + (X L − X C )2

2
 1 
= I R 2 +  ωL − 
 ω C

136 Capítulo 5
2
 1 
Verifica-se assim que a quantidade R 2 +  ωL −  é a impedância do circuito
 ωC 

considerado.

Para um circuito apenas com uma resistência e um condensador a impedância do


2
 1 
circuito será R2 +   e para um circuito apenas com um elemento indutivo e um
 ωC 
elemento resistivo a impedância é R 2 + (ωL )2 .

A variação da impedância com a frequência do sinal ac no caso dos elementos


capacitivos e indutivos leva à possibilidade de alterar o sinal ac de saída, nomeadamente a
possibilidade de atenuar ou eliminar v (t ) .

Considerando o circuito representado (circuito CR ) na Figura 5.37

1 3

C
~
R
2 4

Figura 5.37

tem-se

2
 1 
Ventrada = V12 = IZ (impedanciado circuito ) = I R 2 +  
 ωC 

Vsaida = V34 = IR

O quociente

V34 V RI
= saida =
V12 Ventrada 2
 1 
I R2 +  
 ωC 

vai ser pequeno para baixas frequências, enquanto que para altas frequências

Vsaida ≅ Ventrada

Este circuito fornece então um sinal de saída no qual as baixas frequências são
atenuadas relativamente às frequências elevadas, constitui por isso um filtro chamado
passa-alto.

Electricidade 137
Pelo contrário, no caso de um circuito RC , do tipo do representado na Figura 5.38 tem-se

1 3
R
C
~
2 4

Figura 5.38

I
Vsaida = IXc =
ωC

2
 1 
Ventrada = I R 2 +  
 ωC 

logo

1
Vsaida ωC
=
Ventrada 2
 1 
R2 +  
 ωC 

e serão os sinais de alta frequência que serão atenuados, constituindo assim um filtro
passa-baixo.

5.6. Transporte de Iões em Membranas Carregadas

No caso de membranas porosas neutras, os únicos factores que determinam a passagem


de partículas de uma determinada natureza, por exemplo átomos de um determinado
composto em solução, são as diferenças de pressão e de concentração de ambos os lados da
membrana, assim como a permeabilidade da membrana. No caso de membranas carregadas,
como por exemplo as membranas dos neurónios, as substâncias cujos fluxos nos interessa
analisar são iões que se encontram em solução no interior e no exterior da parede celular.
Como existe uma d.d.p. entre o exterior e o interior da membrana, um factor determinante
para este fluxo será o campo eléctrico, que será responsável por um fluxo de iões positivos
do exterior para o interior, e de iões negativos do interior para o exterior.

Na realidade, os efeitos mecânicos devidos às eventuais diferenças de pressão entre o


citoplasma e o fluido extracelular são desprezáveis face aos efeitos da presença de um campo
eléctrico. Portanto, o que há que ter em conta, para além destes efeitos, é apenas a difusão
devida ao gradiente de concentração através da membrana. Dadas as concentrações iónicas
de equilíbrio, no caso do sódio e dos iões negativos (excepto o cloro), tanto a diferença de
concentrações como a diferença de potencial geram fluxos no mesmo sentido, de modo que é

138 Capítulo 5
óbvio que, se a membrana do neurónio em repouso fosse permeável a estes iões, o sódio
fluiria para o interior e os iões negativos para o exterior acabando eventualmente por anular
a d.d.p. de repouso. No caso do potássio e do cloro, a partir das concentrações de equilíbrio
não é imediato saber qual o sentido do fluxo se a membrana fosse permeável.

Vamos examinar esta questão com mais detalhe. Como vimos no capítulo 3 e 4, um
gradiente de concentração de uma dada espécie iónica gera um fluxo J1 dado por

dC
J1 = − µ K T
dx

onde µ é a mobilidade desta espécie iónica através da membrana e C é a sua concentração.

No caso da membrana pode tomar-se

dc ∆C

dx 

sendo  a espessura da membrana e ∆C a diferença de concentração entre o exterior e o


interior.

Analogamente, a presença de um campo eléctrico E gera um fluxo

J 2 = ρµE

onde ρ é a carga por unidade de volume. Para um ião monopositivo (mononegativo),


ρ = eC (ρ = −eC ) , onde e é a carga do electrão e C a concentração em número de

partículas por unidade de volume. Por outro lado

dV ∆V
E =− ≅−
dx 

de modo que

∆V
J 2 =−eC µ


Os dois fluxos equilibram-se quando J1 +J 2 =0 , ou seja

dC dV kT dC
− µKT − eCµ =0 e dV = −
dx dx e C

Integrando entre o interior e o exterior da membrana vem

kT
Vext − Vint = − log( Cext / Cint )
e

Reencontramos assim a equação de Nernst, que nos dá a condição de fluxo nulo (equilíbrio
dinâmico), ou seja, diz-nos qual a d.d.p. que é necessário aplicar para anular o efeito de uma
determinada diferença de concentração.
Electricidade 139
Aplicação: Determine o sentido do fluxo de iões potássio à temperatura de 310K se
Vext − Vint =30mV , C ext =3mol m −3 e C int =12mol m −3 .

Introduzindo estes valores da concentração na equação de Nernst vem:

(Vext − Vint )equilibrio = kT log 4 = +37 mV


e

Este valor é superior a 30mV , logo na situação do enunciado domina o efeito de difusão, e

o fluxo global será do interior para o exterior da célula.

O mecanismo essencial na transmissão dos impulsos nervosos é então o seguinte: na


situação de equilíbrio, caracterizada por um determinado potencial de repouso, a membrana
é impermeável aos iões. A chegada de um impulso eléctrico acciona a abertura dos canais de
sódio e como já vimos tanto a d.d.p. como a diferença de concentração entre o exterior e o
interior da célula fazem com que os iões sódio entrem rapidamente, provocando, um
aumento brusco do potencial do axoplasma. Quando este potencial atinge um determinado
valor, fecham-se os canais de sódio, e abrem-se os de potássio. Agora tanto a d.d.p. como a
diferença de concentração contribuem para um rápido fluxo de iões potássio do interior para
o exterior da célula, e à medida que isso acontece o potencial interior vai diminuindo, até
que chega a valores próximos do valor de repouso, altura em que se fecham os canais de
potássio. Finalmente, as bombas de sódio e de potássio, consumindo a energia armazenada
pela célula nas moléculas de ATP, transportam iões de sódio do interior para exterior e iões
de potássio do exterior para interior, restabelecendo as concentrações iniciais. Todo este
processo dura alguns milisegundos. O impulso eléctrico representado na figura, que traduz
a variação da d.d.p. ao longo do tempo num determinado ponto da membrana de neurónio,
chama-se potencial de acção.

V
B

Vrep A D

Figura 5.39

140 Capítulo 5
CAPÍTULO 6.

MAGNETISMO

Vamos a seguir estudar o magnetismo cuja importância, a nível da biologia, tem


aumentado bastante nas últimas décadas, com a possibilidade de detectar sinais
magnéticos de intensidade cada vez menor.

A identificação de sinais magnéticos provenientes do coração, do cérebro e de alguns


músculos agora possível devido ao desenvolvimento tecnológico, assim como a possibilidade
de identificação de alguns estados patológicos através de medidas magnéticas, leva à
necessidade do conhecimento das principais noções associadas à “resposta magnética” de
um sistema (comportamento na presença de um campo magnético) e dos principais
conceitos em magnetismo.

6.1. Introdução

A força magnética é conhecida desde a antiguidade - desde a antiguidade que são


conhecidas substâncias naturais (pedras - “loadstones”) com a particularidade de se
atraírem entre si e de atraírem também bocados de ferro. Estas substâncias, inicialmente
encontradas numa região chamada Magnésia, na Turquia, deram origem às designações de
magnetes e magnetismo que hoje utilizamos.

Sabemos hoje que a força magnética não é uma nova força fundamental; é uma
manifestação da força eléctrica no caso de cargas eléctricas em movimento. A unificação
das duas interacções, só estabelecida no séc. XIX, levou à designação de
electromagnetismo, teoria que engloba já as duas classes de fenómenos.

Magnetismo 141
6.2. Campo Magnético

Vimos que uma carga eléctrica cria um campo eléctrico em seu redor, e que este campo
vai exercer uma força noutras cargas eléctricas nele colocadas.

De um modo semelhante, tanto os magnetes permanentes como as correntes eléctricas


criam um outro tipo de campo, um campo magnético que vai actuar sobre outros magnetes
ou correntes.

Em termos gerais pode dizer-se que existe uma relação estreita entre campos eléctricos e
campos magnéticos: a origem de um campo magnético é uma carga em movimento e o efeito
de um campo magnético é o de exercer uma força sobre outras cargas em movimento nele
colocadas.

Falaremos assim em termos gerais de campos electromagnéticos, que em casos


específicos se reduzem a campos eléctricos ou campos magnéticos puros.

Um magnete (por exemplo uma agulha de bússola) livre de rodar em torno de um eixo
vertical orienta-se sempre do mesmo modo; uma das extremidades aponta para o Norte e
outra para Sul, o que resulta do facto do magnete se comportar como possuindo pólos
magnéticos, em extremidades opostas, um pólo Norte e um pólo Sul. Tal como no caso das
cargas eléctricas, vamos ter também repulsão e atracção, respectivamente entre pólos do
mesmo tipo e de tipos diferentes. Vamos ter então uma interacção entre pólos magnéticos
que é semelhante à interacção entre cargas eléctricas, embora no caso magnético as
entidades reais sejam dipolos magnéticos, uma vez que os pólos N e S não existem
separados. Na realidade, cortando um magnete ao meio obtêm-se dois novos magnetes que
se comportam de novo como constituídos por um pólo Norte e um pólo Sul. Não existem
portanto monopolos magnéticos.

Tal como no caso eléctrico é possível interpretar a força magnética como consequência da

existência de um campo magnético, também vectorial, que designaremos por B , o qual
como qualquer campo vectorial pode ser caracterizado pelas linhas de força, definidas de

tal maneira que o campo B num dado ponto é dirigido segundo a tangente à linha de força
nesse ponto e tem uma intensidade que é proporcional à densidade de linhas de força que
atravessam uma secção transversal.

O campo magnético em torno de um magnete (dipolo magnético) é tal que as linhas de


força são idênticas às linhas de força do campo eléctrico criado por um dipolo eléctrico.

142 Capítulo 6
N

Figura 6.1

Poderíamos definir o campo magnético de uma forma análoga à que utilizámos para o
campo eléctrico, através da força que um magnete exerceria num pólo norte unitário
colocado nesse ponto. No entanto, essa definição não daria conta da verdadeira natureza
das interacções magnéticas, como veremos no que se segue.

Dissemos atrás que as correntes eléctricas criam um campo magnético e que um campo
magnético actua sobre correntes. De facto, se tivermos um fio condutor rectilíneo no qual
flui uma corrente eléctrica, um magnete (agulha de uma bússola) colocado perto do fio será
deflectido da sua posição N-S, o que indica que há um campo magnético na região em torno
do fio. O campo magnético é tal que se existisse um pólo N livre este mover-se-ia no campo
do mesmo modo que uma carga positiva num campo eléctrico.

Por simetria é fácil verificar que as linhas de campo correspondentes a esta configuração
elementar de corrente são círculos centrados no fio sendo o sentido do campo tal que pode
ser determinado pela chamada regra da mão direita. Veremos que a intensidade do campo
num dado ponto é proporcional à intensidade da corrente que percorre o fio e inversamente
proporcional `distância radial do fio ao ponto considerado.

Figura 6.2

Magnetismo 143
Tal como em electrostática a lei de Gauss relaciona o campo eléctrico com a distribuição
de carga que o gera, em magnetismo é possível deduzir a lei de Ampère, que relaciona o
campo magnético com as correntes eléctricas que o geram.

A lei de Ampère diz-nos que


 
∫ B .d = µ0 ∑I
c

 
o que significa que o integral ao longo de qualquer percurso fechado c de B .d (projecção do

vector B segundo a tangente ao caminho do integral) é proporcional à intensidade total da
corrente que atravessa qualquer superfície delimitada pelo percurso fechado c . A constante
de proporcionalidade µ0 chama-se a permeabilidade magnética do vazio, e desempenha
neste contexto um papel análogo ao da permitividade eléctrica ε0 na electrostática. O seu

valor em unidades S.I. é

µ0 = 4π .10 −7 TmA −1

onde o símbolo T representa a unidade S.I. de campo magnético, o Tesla.

Para o caso que referimos anteriormente do campo criado por um fio rectilíneo percorrido
por uma corrente constante I, tal como indicado na figura 6.2, é fácil aplicar a lei de
Ampère. Considerando uma das linhas de campo circulares representadas na figura como
percurso fechado c , tem-se

 
∫ B.d = B 2πr

dado que B é tangente em cada ponto à linha c , e pela lei de Ampère

B 2πr = µ0 I

o que leva a

µ0 I
B =
2 πr

A lei de Ampère permite calcular o campo magnético nos casos em que o campo é
uniforme e tem simetria elevada.

No caso genérico, tem-se para o campo criado num ponto P por um pequeno elemento de
 
fio ∆ , que transporta uma corrente I , um campo magnético ∆B de módulo

 µ0  I∆ sen θ 
(6.1) ∆B =  
4π  r2 

144 Capítulo 6
∆B
P’
∆l

θ
P
r ∆B

Figura 6.3
 
que é perpendicular ao plano formado pelo segmento de fio ∆ e pelo vector r , definido

entre o elemento de fio e o ponto considerado, sendo θ o ângulo entre a direcção de r e a

direcção de ∆ .
  
O sentido do vector ∆Β é dado pela regra da mão direita aplicada aos vectores ∆ e r .
Recordando a definição de produto externo, vemos que a expressão 6.1 se pode escrever na
forma vectorial

 µ0 I  
(6.2) ∆B = ∆ × r
4πr 3


que contem toda a informação sobre o módulo, a direcção e o sentido de ∆Β dada ao longo
deste parágrafo, e que se chama lei de Biot – Savart.

A equação (6.2) permite calcular o campo magnético criado por qualquer configuração de
correntes eléctricas, tendo em conta que o campo magnético total pode ser considerado

como a soma dos campos magnéticos elementares ∆B .

Aplicando este resultado ao caso simples de um anel circular de raio a , teremos para um

ponto P situado no eixo do anel, os vários elementos de corrente ∆  , que podem ser

definidos todos à mesma distância r de P , criando campos elementares ∆B que têm a
mesma intensidade e orientações tais que o ângulo, α , que formam com o eixo do anel é o
mesmo para todos eles e verifica

a
cos α =
r
∆I
r
a ∆B
α
∆B+∆B’

α
∆B’
r’

∆I’ Figura 6.4

Magnetismo 145
Para cada elemento de corrente tem-se

 µ0  I∆ sen θ 
∆B =  
4π  r2 
 
e como neste caso I ⊥r , senθ = 1 , vem para o valor do campo segundo o eixo do anel

 2

∑ ( ∆B cos α ) = ∑ 4π  r  r = 4π r ∑ (∆) = 4π r (2πa ) = 2r


µ  I∆  a µ Ia
0 0 µ Ia 0 µ Ia 0
B = 2 3 3 3

O campo tem a direcção do eixo do anel (as componentes perpendiculares ao eixo


cancelam-se aos pares) e é dirigido para fora. Em geral o sentido do campo é dado em função
do sentido da corrente que percorre o anel pela regra da mão direita.

Caracterizando o campo em torno da espira pelas linhas de força respectivas obtém-se


uma configuração que é idêntica à do campo de um magnete (ver Figura 6.5).

N S

Figura 6.5

Uma configuração de corrente que é usada para produzir campos magnéticos no


laboratório é a configuração de fio enrolado em hélice - habitualmente designada por
solenóide. Com esta configuração é possível obter campos razoavelmente uniformes na
região interior do solenóide, desde que o enrolamento seja compacto e uniforme.

Para um solenóide ideal (empilhamento compacto das espiras) infinito (L >> d ) , o campo

no exterior é nulo, e no interior é dirigido segundo o eixo do solenóide, com o sentido


definido pela regra da mão direita, tal como no caso do anel de corrente.

146 Capítulo 6
Figura 6.6

Aplicando a lei de Ampère ao percurso fechado 1 − 2 − 3 − 4 indicado na Figura 6.7.

1 l 3

Figura 6.7

tem-se, atendendo a que B = 0 em 3 e que as contribuições dos percursos 2 e 4 se
cancelem mutuamente,
       
∫ B .d = ∫
1
∫ ∫
B .d + B .d + B .d =
2 4
∫ Bd = B = µ NI
1
0

onde N é o número de espiras que atravessa a área delimitada pelo rectângulo 1 − 2 − 3 − 4 ,


e portanto NI a corrente total que atravessa essa área. Então

N
B = µ0 I


e pode dizer-se que para solenóides longos (tais que L >> d ), e sendo o meio no interior do
solenóide o vazio, o campo magnético criado no centro do solenóide é dado por

B = µ0nI

ou seja, é o produto da permeabilidade magnética do vazio pelo número de espiras por


unidade de comprimento e pela corrente que as atravessa.

Magnetismo 147
Aplicação: O campo magnético terrestre no polo Norte magnético está dirigido segundo a
vertical de cima para baixo e tem o valor aproximado de 0,62G . Uma das hipóteses que se

considera para a origem do campo magnético terrestre é a de que este seja produzido por uma
corrente eléctrica no núcleo metálico líquido da Terra. Supondo que esta corrente é circular e de
um raio igual ao do núcleo (aproximadamente 2300 Km ), determine qual será o seu sentido e a

sua intensidade.

Pelo que acabamos de ver no estudo do campo magnético criado por um anel de corrente, o
sentido da corrente neste núcleo tem que ser o sentido directo (para um observador que olhe
para o plano equatorial da Terra desde o Polo Norte), e a sua intensidade I estar relacionada
com o campo magnético B , o raio da Terra e o raio do anel de corrente a através da equação

a2
B = µ 0I
2r 3

Como é

B = 0,62 G = 0,62 × 10−4 T , r ≈ 6,14 × 106 m e a ≈ 2,3 × 106 m

temos

I ≈ 43 × 108 A

6.3. Força Magnética sobre uma Partícula Carregada

Vimos que o campo magnético pode ser gerado por uma corrente eléctrica. Vamos agora
ver que um campo magnético actua sobre uma partícula carregada em movimento, logo
sobre uma corrente eléctrica (cargas em movimento).

Uma partícula carregada que se desloca num campo magnético é actuada por uma força
(força magnética) que depende da carga, da velocidade da partícula, do campo magnético e
da orientação relativa do campo magnético e da velocidade.

Mais precisamente, para uma partícula de carga q , que se move com uma velocidade v ,

num campo magnético B , a força magnética que actua sobre a carga, chamada força de
Lorentz, é dada por
  
(6.3) F = qv × B

Portanto, a força de Lorentz tem uma direcção que é perpendicular ao plano definido por
 
v e B , e para uma carga positiva um sentido que pode ser determinado pela chamada regra
da mão direita (ou do saca-rolhas). Para cargas +q e −q as forças correspondentes têm a

direcção e sentido representados respectivamente em (a) e (b) da Figura 6.8.

148 Capítulo 6
F

B B
v sin θ v sin θ θ
θ v
v

a b

Figura 6.8

A equação (6.3) diz-nos também que a intensidade é dada por F = qvB sen θ . A

intensidade da força de Lorentz será máxima e igual a qvB , no caso de v ser perpendicular
 
( ) 
a B θ = 90 0 , e nula para v paralelo a B .

A equação (6.3) é em geral utilizada para definir o campo magnético. A unidade do campo
magnético no sistema S.I., o Tesla (T), é definido como o campo magnético tal que a força
magnética que actua uma carga de 1C que se desloca com uma velocidade de 1m / s
segundo uma direcção perpendicular ao campo magnético é igual a 1N

1.N N
1.T = = 1.
m Am
1.C
s

A unidade cgs correspondente é o Gauss (G), sendo 1G=10-4T

A partir da definição (6.3) da força de Lorentz, podemos já verificar algumas diferenças


essenciais entre as forças eléctricas e as forças magnéticas:

- a força eléctrica tem a direcção do campo eléctrico e é independente da velocidade da


partícula, a força magnética é perpendicular ao campo magnético e só actua sobre
uma carga em movimento.

- a força eléctrica realiza trabalho sobre a partícula acelerando-a, enquanto que a força

magnética não realiza trabalho (para um campo magnético constante) porque, como F

e v são perpendiculares, tem-se

   
F .ds = F .v dt = 0

Uma vez que a força magnética não realiza trabalho, a energia cinética de uma partícula
sujeita apenas à acção desta força não é alterada; o valor do módulo do vector velocidade
mantém-se constante, havendo apenas alteração da direcção do vector velocidade. O efeito
do campo magnético vai ser o de alterar a trajectória da partícula carregada.

Magnetismo 149
Vejamos que a trajectória de uma partícula carregada num campo magnético constante é
uma trajectória circular ou helicoidal.

Consideremos uma partícula de carga positiva que se move num campo magnético com
 
uma velocidade v que é perpendicular ao campo magnético B (uniforme), por exemplo tal
como se indica na Figura 6.9.

v
F v

F
F

B v

Figura 6.9
 
A força magnética vai ser perpendicular a v e B e tem módulo constante igual a qvB ; à
 
medida que a força modifica a trajectória da partícula (altera a direcção de v ), F vai variar
mas o seu módulo mantém-se constante, uma vez que o módulo da velocidade também se
mantém constante; uma tal força - constante em módulo e perpendicular em cada ponto ao
vector velocidade - é uma força centrípeta, levando a partícula a descrever uma trajectória
circular, com velocidade angular constante num plano perpendicular ao campo magnético.
O sentido da rotação é neste caso o sentido dos ponteiros do relógio, e seria contrário para
uma carga negativa. À força centrípeta considerada corresponde uma aceleração centrípeta
v2
tal que
r

mv 2
qvB =
r

o que implica

mv
r =
qB

 
Verifica-se assim que, para um campo magnético B constante, no caso em que v é

perpendicular a B , o raio da trajectória é proporcional ao momento linear da partícula
sendo a velocidade angular ou frequência angular ω independente da velocidade da
partícula e do raio da trajectória e dada por

150 Capítulo 6
v qB
ω= =
r m

Este principio é usado num tipo de aceleradores de partículas - ciclotrão - e ω é muitas


vezes designada por frequência do ciclotrão.

Se a velocidade inicial da partícula forma um ângulo arbitrário com B , a trajectória será
uma hélice. Para um campo dirigido segundo x , tal como indicado na Figura 6.10, a
componente segundo x da velocidade permanece constante ( v x constante), enquanto que
v y e v z vão variar. A projecção da trajectória no plano yz é um círculo. As equações que

escrevemos no caso anterior aplicam-se agora se v for substituído por v ⊥ = v y2 + v z2 .

Figura 6.10

O efeito conjunto das forças eléctrica e magnética sobre partículas carregadas é utilizado
em diversas aplicações, nomeadamente a nível da espectrografia e espectrometria de massa,
em aceleradores e reactores de partículas e ainda em aplicações que conhecemos de todos os
dias, como a televisão, o osciloscópio, etc. É ainda este efeito que explica alguns fenómenos
naturais conhecidos como a Aurora Boreal (Austral).

Um espectrómetro de massa permite separar iões de acordo com a respectiva razão



m / q , desde que todos os iões entrem com a mesma velocidade v num campo magnético

perpendicular a v , usando o facto de nestas circunstâncias a trajectória dos iões ser
circular.

Uma vez que o raio da trajectória descrita é, neste caso, dado por

mv
r =
qB

sendo v e B constantes, é possível determinar m / q , a partir de r .

Esta técnica é usada, em geral, para separar isótopos de uma dada espécie de iões com a
mesma carga, pelo que a razão das massas é obtida directamente a partir da razão dos
raios.

Magnetismo 151
Aplicação: Três espécies de iões mononegativos, oxigénio (16u.m.a.) , carbono (12u.m.a.) e uma

terceira espécie que se pretende identificar, entram num espectómetro de massa com a mesma
velocidade, e descrevem sob a acção da força magnética uma trajectória semicircular antes de
embater numa placa fotográfica. Sabendo que as manchas na placa fotográfica devidas ao
carbono e ao oxigénio estão separadas de 2,25cm e que os iões do elemento desconhecido
produzem manchas situadas a 1,16cm de distância da mancha do carbono, identifique o

terceiro elemento.

Como vimos, dado que a carga q , a velocidade v e o campo magnético B são todos os

mesmos para as três espécies de iões, a razão entre a massa do ião e o raio da trajectória que
descreve é a mesma para as três espécies, isto é, temos

m1 m 2 m 3
= =
r1 r2 r3

Em termos de diâmetro, a equação anterior pode escrever-se, tendo em conta a informação


sobre a distância entre as riscas da placa fotográfica.

12 m 16
= =
d1 d1 + 1,16 d1 + 2,25

dado que quanto maior for a massa maior é o raio da trajectória, esta relação contém duas
equações,

12 16
=
d1 d1 + 2,25

que permite determinar d1 = 6,75 , e

12 m
=
d1 d1 + 1,16

a qual, usando o valor de d1 , dá m = 14u.m.a. . O elemento desconhecido é portanto o azoto.

Falámos na trajectória de partículas carregadas em campos magnéticos uniformes. Em


campos magnéticos não uniformes, o movimento é mais complexo. Por exemplo, no caso de
uma distribuição de linhas de campo tal que o campo magnético é mais intenso em dois
pontos extremos, sendo mais fraco na região entre eles tal como representado na figura,
configuração designada, em geral, por garrafa magnética, as partículas carregadas
apresentarão um movimento em espiral, podendo oscilar entre as duas extremidades e ficar
aprisionadas no campo magnético.

152 Capítulo 6
B
Figura 6.11

As cinturas de Van Allen, descobertas em 1958, são exemplos de partículas carregadas


(electrões e protões) vindas do Sol ou de outros corpos celestes (raios cósmicos), que ficam
aprisionadas no campo magnético terrestre, oscilando entre os pólos. Perto dos pólos a
energia das partículas pode ser suficiente para que estas se escapem e entrem na atmosfera,
provocando a ionização do ar, que vai emitir radiação visível, originando assim o fenómeno
conhecido como Aurora Boreal (Austral).

6.4. Força Magnética sobre um Condutor Percorrido por uma Corrente Eléctrica

Se um campo magnético actua sobre uma partícula carregada em movimento, deve


actuar também sobre um condutor que é percorrido por uma corrente eléctrica.

Consideremos uma porção de fio condutor de comprimento  e secção recta A , no qual


 
passa uma corrente I , colocado num campo magnético B .

q
A
v
I
d
l

Figura 6.12

Existindo uma corrente eléctrica no condutor, cada carga q move-se com uma velocidade

(designada por velocidade de deriva) v d . Sobre cada carga q é exercida uma força

  
F = qv d × B

A força total na porção de condutor considerado obtém-se multiplicando aquela força pelo
número total de cargas nesta porção de condutor, dado por nA , onde n é o número de
cargas por unidade de volume; vem então
 
(
)
Ft = qv d × B (nA )

que se pode escrever sob a forma


  
Ft = I  × B

Magnetismo 153

considerando um vector  , de módulo  e direcção dada pela direcção da velocidade de

deriva v d uma vez que o valor da corrente eléctrica é

I = nqv d A

Sabendo que uma corrente que passa num fio rectilíneo cria um campo magnético e
sabendo ainda que um campo magnético actua sobre cargas em movimento, é fácil de prever
que no caso de dois fios condutores atravessados por correntes eléctricas vão aparecer
forças de interacção.

Consideremos o caso mais simples de dois fios rectilíneos, compridos e paralelos,



percorridos por correntes com o mesmo sentido. O campo B1 criado pela corrente I1 no

ponto onde se encontra o condutor 2 será dado em módulo por

µ0 I1
B1 =
2 πr

I1 I2

B2 B1

l
F21 F12

Figura 6.13

onde r é a distância entre os condutores 1 e 2. A direcção B1 é perpendicular ao plano que

contém os dois condutores e o seu sentido é o que se indica na Figura 6.13, de modo que a
 
força F12 exercida por B1 sobre I 2 será dada em módulo por

µ0  I 1I 2  
F12 = I 2 B1 sen θ = I 2 B1 =  
2π  r 

e terá a direcção e o sentido que se indicam na Figura 6.13.



Analogamente, o campo B 2 criado pela corrente I 2 no ponto onde se encontra o

condutor 1 é dado em módulo por

154 Capítulo 6
µ0 I 2
B2 =
2 πr

e a força F21 que o condutor 2 exerce sobre o condutor 1 verifica

 
F21 = −F12

sendo a interacção atractiva.

Se as correntes I1 e I 2 fossem de sentidos diferentes, ambas as forças viriam invertidas e

ter-se-ia uma interacção repulsiva.

O Ampère, unidade de corrente no S.I., é definido em geral a partir da expressão anterior:


é a corrente que percorre dois condutores rectilíneos paralelos e infinitos, situados à
distância de 1 m quando a força de interacção entre eles é de 2 × 10 −7 N / m .

No caso de um fio de secção recta constante com uma forma arbitrária na presença de
 
um campo B , pode dizer-se que a força que se exerce sobre um segmento elementar d será
dada por
  
dF = I d  × B

dl I

Figura 6.14

sendo a força total na porção de fio considerada igual a

b
  
F = I d × B∫
a

Para um campo magnético constante, tem-se

 b     
F = I  d   × B = I ' × B
 ∫ 
( )
a 


onde ' é o vector que vai do ponto a ao ponto b . Conhecido este resultado verifica-se de
imediato que para um percurso fechado, isto é, no caso de um anel de corrente, qualquer
que seja a sua forma, se tem
  

F = I d × B = 0

Magnetismo 155
dl

I
Figura 6.15

A força magnética total que se exerce sobre um anel de corrente colocado num campo
magnético uniforme é nula. Isto não significa, como veremos, que não haja efeitos mecânicos

devidos à presença de B .

6.5. Momento Magnético de um Anel Corrente

Como vimos no Capítulo 2, a condição de equilíbrio para um corpo extenso é que se


anulem tanto a força total como a soma dos momentos das forças em relação a um ponto.
Um corpo sujeito a um binário de forças (resultante nula e momento total não nulo) não está
em equilíbrio, pelo que vai rodar.

Como veremos, a contribuição total dos momentos das forças que se exercem sobre um
anel de corrente devido à presença de um campo magnético é em geral não nula, o que vai
dar origem a um movimento de rotação.

Considere-se o caso simples de um anel rectangular de dimensões a, b, no qual circula


 
uma corrente I , colocado num campo magnético uniforme B , cuja direcção é a do plano do
anel (ver Figura 6.16)
I B

Figura 6.16
 
Teremos que a força nos lados de comprimento a é nula ( d  e B são paralelos),
enquanto nos lados de comprimento b se tem

Fb1 = Fb2 = IbB (d⊥B )


Mas, dado o sentido da corrente I , as forças nos dois lados b1 e b2 terão sentidos

contrários
 
Fb1 = −Fb2

Fb a
/2
156 B O Fb Capítulo 6
Figura 6.17

Assim, se o anel puder rodar em torno de O , uma vez que os momentos em relação a O
 
das forças Fb1 e Fb2 têm o mesmo sentido, teremos

a a a a 
M t = Fb1 + Fb2 = IbB  +  = IabB = IAB
2 2 2 2 

sendo A = ab a área do anel.



No caso genérico em que B faz um ângulo θ com a normal ao plano do anel, tem-se
  
M t = IA × B


sendo A um vector de módulo igual à área do anel, dirigido segundo a normal ao plano do
anel, e cujo sentido é definido a partir do sentido da corrente pela regra da mão direita.

Então se M t ≠ 0 , o anel roda no campo magnético B até atingir a posição de equilíbrio

dada por M t = 0 o que ocorre quando o campo B é perpendicular ao plano do anel dado
 
que nesse caso A e B são paralelos.

Define-se, em geral, o momento magnético de um anel de corrente relativamente ao eixo


do anel, como o vector

 
µ = IA ( A.m 2 )

Com esta definição de momento magnético pode-se generalizar o que foi demonstrado,

dizendo que um anel de corrente (qualquer que seja a sua forma) de momento magnético µ ,

num campo magnético uniforme B , fica sujeito a um binário cujo momento em relação ao
eixo é dado por
  
M = µ ×B

Este resultado é análogo ao que obtivemos para um dipólo eléctrico num campo eléctrico
   
E , onde τ = p × E .

A rotação de um anel de corrente num campo magnético é um efeito equivalente à


rotação de uma agulha de bússola (magnete) num campo magnético. Para uma bobina de N
voltas teremos um efeito idêntico, agora com um momento igual a N versus o momento
correspondente a cada anel (1 volta).

Magnetismo 157
Vários aparelhos de medida (amperímetros, voltímetros) aplicam directamente este
efeito - uma bobina móvel vai rodar no campo magnético de um magnete fixo, quando
percorrida pela corrente que se quer medir, sendo o movimento respectivo indicado numa
escala (calibrada) por um ponteiro solidário com a bobina.

Os motores eléctricos aplicam também este efeito: o movimento é obtido através do


movimento de um anel de corrente; neste caso a corrente é sucessivamente invertida, cada
vez que o anel atinge a posição de equilíbrio.

Sabemos agora que um anel de corrente, qualquer que seja a sua forma, gera um campo
 
magnético e tem um momento magnético µ = IA associado, cuja direcção é perpendicular ao

plano do anel. Sob a acção de um campo magnético exterior B , o anel (o momento
 
magnético) vai ter tendência a rodar para a posição correspondente a µ paralelo a B , de

uma forma análoga ao que acontece no caso de um dipólo eléctrico quando colocado num
campo eléctrico.

De uma forma idêntica ao que mostrámos no caso do dipólo eléctrico, pode mostrar-se
que a energia de interacção de um momento magnético com o campo magnético exterior é
dada por

 
U = − µ.B

6.6. Indução Magnética

Vamos ver que assim como um movimento de partículas carregadas leva ao aparecimento
de um campo magnético, também um campo magnético variável leva ao aparecimento de um
campo eléctrico.

O cientista inglês M. Faraday evidenciou experimentalmente em 1831, a possibilidade de


induzir uma corrente eléctrica num circuito eléctrico não ligado a uma bateria, a partir de
um campo magnético que varia no tempo.

A variação do campo magnético obtida quer a partir de um movimento relativo entre o


circuito e um magnete, quer a partir de um campo magnético variável (passagem de corrente
variável num solenóide), induz no circuito uma f.e.m. (tal como se este estivesse ligado a
uma bateria) que leva ao aparecimento de uma corrente eléctrica induzida.

Para analisar este efeito de uma forma quantitativa, é necessário considerar a quantidade
fluxo magnético (através de uma determinada superfície S ), que é proporcional à densidade
das linhas de força que atravessam a superfície considerada, e é dado por
 
∫ ∫
φm = B .ndS = B cos θdS
S S

158 Capítulo 6
Note-se a analogia entre este conceito e o de fluxo do campo eléctrico através de uma
superfície, introduzido no capítulo 5 a propósito da lei de Gauss da electrostática. No caso
 
de B ser constante e da superfície ser plana ( n constante), a expressão anterior reduz-se a


φm = B cos θ ds = B cos θA
S


onde A é a área da superfície plana S . No caso particular de B ser perpendicular a S a
equação anterior fica apenas

φm = BA

A lei de Faraday da indução, que traduz o fenómeno que referimos atrás, estabelece que
a f.e.m. induzida no circuito é igual à taxa de variação do fluxo magnético através do circuito
considerado.

De facto, tem-se

dφm d  
(6.4) ε =−
dt
=−
dt ∫
B .ndS
A

dφ m
em que ε e têm sinal contrário uma vez que a f.e.m. induzida tem uma polaridade tal
dt

que tende a produzir uma corrente cujo fluxo magnético se opõe à variação de fluxo
considerada. Ao enunciado contido na equação (6.4), que completa a lei de Faraday
determinando a polaridade da f.e.m. induzida, chama-se lei de Lenz. Verifica-se então que
se obtém uma força electromotriz sempre que:

1) A intensidade do campo magnético varia no tempo.

2) O ângulo entre as linhas de força do campo e o plano do circuito varia.

3) A área do circuito varia.

Como consequências do fenómeno da indução electromagnética podemos ter o efeito de


auto-indução, que consiste no aparecimento de correntes induzidas num condutor que é
percorrido por uma corrente variável no tempo, ou o efeito de indução (mútua), que consiste
no aparecimento de uma f.e.m. num circuito que está próximo de outro que é percorrido por
uma corrente variável. De um modo geral, num condutor teremos correntes eléctricas
induzidas (correntes de Foucault) sempre que houver variação do fluxo magnético.

Define-se a indutância L , que nos dá uma medida da oposição à variação da corrente,


como

Magnetismo 159
ε
L=−
di
dt

V .s
A unidade da indutância no S.I. é o Henry, H , e 1.H = 1. .
A

Para um indutor (solenóide) de geometria fixa com N voltas, tem-se

dφ m di
(6.5) ε = −N = −L
dt dt

onde φm é o fluxo magnético através de um espira. Recuperamos assim o que dissemos

quando estudámos os circuitos eléctricos: num indutor a relação entre a tensão e a corrente
di
é dada por V = L .
dt

A electricidade comercial é gerada com base na indução magnética. Um gerador ac


transforma energia mecânica em energia eléctrica; a f.e.m. é obtida a partir de uma bobina
( N anéis) que roda num campo magnético estático.

No transporte de energia eléctrica a grandes distâncias, é importante para limitar as


perdas usar alta tensão e baixa corrente. Por outro lado, por razões de segurança e eficácia,
na estação receptora pretende-se baixa tensão e corrente elevada. A conversão de um tipo de
sinal no outro faz-se utilizando transformadores. Um transformador é constituído no
essencial por duas bobinas, chamadas primária e secundária, com um número de espiras
diferente, enroladas em ferro macio. A bobine primária de N p espiras é a que recebe a
tensão V p (t ) de amplitude V p que se pretende transformar. A bobine secundária de N s
espiras é aquela aos terminais da qual se vai buscar a tensão transformada Vs (t ) de
amplitude Vs . O papel do núcleo de ferro é o de garantir que o fluxo do campo magnético

através de cada uma das espiras da bobine primária ou da secundária é aproximadamente o


mesmo. Temos então, aplicando a equação (6.5) à bobine primária

di dφ
(6.6) V p (t ) = L = Np m
dt dt

enquanto que a mesma equação para a bobine secundária fica

dφm
(6.7) Vs (t ) = N s
dt

Das equações (6.6) e (6.7) vem para a relação entre as amplitudes

Ns
Vs = Vp
Np

160 Capítulo 6
Portanto, para N s > N p1 temos Vs > V p (função de step-up utilizada nas estações
distribuidoras), e para N s < N p1 temos Vs < V p (função de step-down utilizada nas estações

receptoras).

Alguns dos sistemas de travagem em metropolitanos ou carros rápidos, assim como


algumas balanças mecânicas, usam o efeito de geração de correntes eléctricas em metais,
designadas por correntes de Foucault, obtidas por variação do fluxo magnético.

No entanto, as correntes de Foucault representam, de um modo geral, perdas de energia,


uma vez que dissipam energia sob a forma de calor. É possível reduzir este efeito, quando
indesejável, reduzindo a quantidade de massa metálica de todas as peças que se tenham de
mover em campos magnéticos.

Com a lei de Faraday completamos o nosso resumo sobre as leis e conceitos


fundamentais do electromagnetismo. Toda a teoria do electromagnetismo está contida num
conjunto de 4 equações - as equações de Maxwell. Estas equações constituem uma descrição
completa das interacções entre partículas carregadas e relacionam os campos eléctricos e
magnéticos entre si e com a sua origem, as cargas eléctricas. Esta relação entre campos
eléctricos e magnéticos traduz-se em:

l) uma carga estacionária gera um campo eléctrico;

2) uma corrente estacionária gera um campo magnético;

3) um campo eléctrico variável gera um campo magnético;

4) um campo magnético variável gera um campo eléctrico;

5) um campo eléctrico e um campo magnético variáveis, em simultâneo, produzem uma


onda electromagnética.

6.7. Comportamento Magnético dos Materiais

Vamos ver que o comportamento magnético dos materiais resulta da existência de


correntes microscópicas, isto é, correntes atómicas internas devidas ao movimento dos
electrões nos átomos e dos protões no núcleo.

O modo como os momentos magnéticos correspondentes a essas correntes interagem


entre si e com um campo magnético externo determina o comportamento magnético do
material, isto é, o modo como o material "responde” a um campo magnético. De uma forma
geral, do ponto de vista da resposta magnética, os materiais dividem-se em materiais
diamagnéticos, paramagnéticos e ferromagnéticos. Para entendermos esta resposta
magnética vejamos primeiro como aparecem os momentos magnéticos dos átomos.

Magnetismo 161
Suponhamos um átomo no qual, segundo um modelo clássico (podemos utilizar um tal
modelo uma vez que as previsões neste caso estão em bom acordo com a teoria quântica), os
electrões descrevem orbitas circulares em torno do núcleo.

Um electrão que se move com velocidade constante numa orbita circular de raio r terá
2 πr
uma velocidade dada por v = , em que T é o período do movimento de revolução. Este
T

movimento, movimento orbital, será equivalente a um anel de corrente, com um momento


magnético associado - momento magnético orbital - cujo módulo é dado por

 ev ev r
µ =iA = πr 2 =
2 πr 2

L
r

v
µ

Figura 6.18

onde e é a carga do electrão, uma vez que

q e ev
i = = =
T 2 πr 2πr
v

Atendendo a que o momento angular correspondente ao movimento do electrão na orbita



de raio r , momento angular orbital L , é dado em módulo por

L = mv r

e
verifica-se que o módulo do momento magnético orbital do electrão µ = L é proporcional
2m
ao módulo do seu momento angular orbital.

 
Os vectores µ e L têm a mesma direcção (perpendicular ao plano da orbita) e sentidos

opostos, no caso do electrão, dado que a um movimento de rotação directo (retrógrado)


corresponde a uma corrente eléctrica que circula no sentido retrógrado (directo). Portanto,
podemos escrever

162 Capítulo 6
 e 
µ=− L
2m

h
A quantificação do momento angular orbital ( L = n , n = 0 ,1,2... onde h é a constante

de Planck), que conhecemos da física quântica, leva-nos a concluir que o menor valor não
nulo do momento magnético orbital é

e
µ= 
2m

h
onde  =

e
Esta quantidade  , habitualmente designada por magnetão de Bohr, é usada em
2m
geral como unidade para o momento magnético.

Além do momento orbital, o electrão tem ainda uma propriedade intrínseca que contribui
também para o momento magnético - o spin. Ainda no quadro de uma descrição clássica, o
electrão pode ser encarado como uma esfera carregada que gira em torno do seu próprio eixo
ao longo do seu movimento em tomo do núcleo. A este movimento corresponderá uma
corrente e um momento magnético, momento magnético de spin, que para um electrão é

e
µ=  = µB
2m

O momento magnético total para o electrão será então dado pela soma dos momentos
magnético orbital e de spin.

Associado ao movimento dos protões e dos neutrões existe também um momento


magnético nuclear. O valor respectivo é, no entanto, cerca de três ordens de grandeza
inferior ao do electrão e é, em geral, desprezado perante aquele. Portanto, o momento
magnético total de um átomo será dado pela soma vectorial dos momentos magnéticos
orbitais e de spin dos vários electrões.

Na maior parte das substâncias, o momento magnético orbital total dos átomos é nulo (ou
muito pequeno), uma vez que o momento magnético orbital de cada electrão é cancelado pelo
momento magnético orbital de outro electrão que descreve a mesma órbita em sentido
contrário. Por outro lado, os electrões emparelham-se com spins (momento angular de spin)
opostos o que resulta também num cancelamento dos respectivos momentos magnéticos de
spin dois a dois.

No entanto, nos átomos com um número ímpar de electrões há no mínimo um electrão


desemparelhado e o momento magnético do átomo será o momento magnético desse
electrão.

Magnetismo 163
Vemos então que só átomos com camadas incompletas e electrões desemparelhados
possuem momento magnético. Podemos esperar que elementos como os elementos de
transição tenham momentos magnéticos elevados uma vez que possuem camadas internas
incompletas.

Considerando então uma substância cujos átomos possuem momento magnético,


vejamos de que modo se traduz o efeito da aplicação de um campo magnético.

A grandeza a partir da qual definimos o estado magnético de uma substância é uma



grandeza vectorial, designada por magnetização M , definida como o momento magnético
por unidade de volume.

Se tivermos uma dada substância magnética (cujos átomos possuem momento



magnético) e se aplicarmos a essa substância um campo magnético externo B0 , o campo

magnético no interior da substância vai ser


  
B = B0 + Bm


em que Bm , o campo produzido pela própria substância magnética, é dado por

 
Bm = µ0 M

Tem-se então
  
B = B0 + µ0 M

que se escreve normalmente como


  
B = µ0 ( H + M )


usando um novo vector H , designado por intensidade do campo magnético, definido por

 B 
H = −M
µ0


Define-se este vector porque enquanto que o campo magnético ou indução magnética B

depende do meio, o vector intensidade do campo magnético H só depende do campo exterior
aplicado, ou seja, das chamadas correntes livres.

Na realidade, se considerarmos o campo magnético no interior de um solenóide percorrido


por uma corrente I , tem-se, no caso em que o meio no interior é vácuo
  
B = B0 = µ0 H

logo

164 Capítulo 6
B0 = µ0 H = µ0nI

H = nI

o que significa que a intensidade do campo magnético é devida apenas à corrente que
percorre o solenóide.

Se, pelo contrário, no interior do solenóide for colocada uma substância magnética, o
 
campo magnético B é dado agora por dois termos, um termo ( µ0 H ) correspondente ao

campo obtido no caso anterior que resulta apenas das correntes nos fios do solenóide

(correntes livres), e outro ( µ0 M ) devido à magnetização da substância que resulta portanto

das correntes atómicas (correntes ligadas).



Para a maior parte das substâncias, M é proporcional à intensidade do campo
magnético, isto é
 
M = χH

sendo χ a susceptibilidade magnética, uma grandeza sem dimensões no S.I..

Podemos ainda definir a permeabilidade magnética do meio (grandeza que traduz a


modificação do campo no interior de um solenóide devido à introdução dessa substância)
como

µm = µ0 (1 + χ )

o que permite escrever


 
B = µm H

pois
     
( ) ( )
B = µ0 H + M = µ0 H + χH = µ0 (1 + χ )H

Note-se a analogia entre o conceito de permeabilidade magnética de uma substância


magnética e o de permitividade eléctrica de um dieléctrico, introduzido no capítulo 5.

Em termos da permeabilidade magnética, as substâncias classificam-se em:

- paramagnéticas: µm > µ0 (campo magnético no interior do solenóide aumenta)

- diamagnéticas: µm < µ0 (campo magnético no interior do solenóide diminui)

- ferromagnéticas: µm >> µ0 (campo magnético no interior do solenóide aumenta

muito)

Magnetismo 165
Para a maior parte das substâncias, substâncias paramagnéticas e diamagnéticas, o
efeito relativamente à modificação do campo magnético não é muito importante ( µm ≈ µ0 ), o

que não acontece para as substâncias ferromagnéticas. No caso das substâncias


paramagnéticas e diamagnéticas a susceptibilidade é pequena, positiva no caso das
primeiras e negativa para as segundas, enquanto que para as substâncias ferromagnéticas é
muito elevado, o que traduz a importância do efeito do campo sobre a estrutura interna do
material.

O efeito verificado para o campo magnético no interior do solenóide corresponde ao efeito


do campo sobre a estrutura interna e as propriedades físicas do material; µm está
relacionada com a susceptibilidade magnética χ que por sua vez é a constante de

proporcionalidade entre o campo aplicado e a magnetização. No que se segue vamos analisar


esta relação nos três diferentes tipos de material.

6.7.1. Diamagnetismo

Sendo o comportamento magnético das substâncias determinado pela interacção entre os


momentos magnéticos da substância e o campo magnético exterior, em princípio, espera-se
que, no caso de substâncias cujos átomos não possuam electrões desemparelhados, a
aplicação de um campo magnético exterior não dê origem a uma resposta magnética. No
entanto verifica-se que existe um efeito residual consequência do fenómeno de indução
magnética - a variação de um campo magnético aplicado a um circuito induz num condutor
o aparecimento de uma corrente num sentido tal que o campo magnético correspondente se
opõe à variação inicial.

Assim, para um átomo que não possui momento magnético, a aplicação de um campo
magnético leva ao aparecimento de um momento magnético na direcção contrária à do
campo aplicado. Este efeito existe para todo o tipo de átomos, sendo o único efeito do campo
exterior no caso de átomos com camadas completas.

6.7.2. Paramagnetismo e Ferromagnetismo

Para substâncias constituídas por átomos com camadas incompletas, que possuem
momentos magnéticos permanentes, a aplicação de um campo magnético leva os momentos
magnéticos a alinharem-se com o campo exterior. O efeito residual que referimos no
parágrafo anterior, existe evidentemente também neste caso, mas é desprezável perante o
alinhamento dos momentos magnéticos permanentes dos átomos da substância.

Existe assim um efeito de alinhamento com o campo que é obviamente contrariado pela
agitação térmica, ou seja, num material paramagnético

B
M∝
T

166 Capítulo 6
onde T é a temperatura absoluta. O alinhamento verificado, que se traduz no valor de M ,
resulta de uma “competição" entre o campo magnético e a temperatura, competição que,
como se deduz do que vimos no capítulo 4, é “arbitrada” pelo factor de Bollzmann para estes
sistemas
 
µ .B

e kT

Num material ferromagnético, verifica-se que a aplicação de um campo relativamente


fraco leva a valores importantes de magnetização. Este facto traduz a existência (mesmo na
ausência de um campo aplicado) de uma interacção entre os electrões responsáveis pelos
momentos magnéticos atómicos, interacção que tende a alinhar os momentos uns em
relação aos outros. A acção do campo magnético vai ser a de alinhar momentos que já se
encontram alinhados entre si. Tem-se um efeito cooperativo que leva a que a resposta
magnética seja muito mais importante.

Devido às características da sua estrutura interna, estes materiais mantêm a orientação


preferencial dos momentos mesmo depois de retirado o campo magnético exterior, o que leva
à sua utilização como magnetes permanentes, pois eles próprios geram um campo
magnético depois de previamente magnetizados.

6.8. Biomagnetismo

Referimos que a aplicação à biologia dos conceitos ligados ao magnetismo se desenvolveu


muito nos últimos anos, em particular, devido à evolução da tecnologia que permite hoje em
dia a detecção de sinais magnéticos (campos magnéticos, magnetizações ou
susceptibilidades magnéticas) muito fracos, do tipo dos associados aos sistemas biológicos.

É possível assim hoje em dia estudar a actividade do coração ou do cérebro a partir da


análise dos campos magnéticos resultantes da actividade eléctrica respectiva, técnicas
habitualmente designadas por magnetocardiografia ou magnetoencefalografia, respectiva-
mente.

A informação obtida a partir destas técnicas é do tipo da obtida a partir das técnicas
baseadas na análise directa da actividade eléctrica, electrocardiografia ou electroence-
falografia, apresentando como vantagem fundamental o facto de serem técnicas não
invasivas. Por outro lado, as técnicas magnéticas permitem a detecção de correntes que
variam muito lentamente no tempo, as quais estão em geral associadas a um
comportamento característico patológico das células. No caso das técnicas de electrografia, a
medida tem que ser insensível a pequenas variações no tempo de modo a eliminar os efeitos
dos potenciais parasitas que aparecem entre os eléctrodos e a pele.

Magnetismo 167
Vimos que o campo magnético numa região do espaço é alterado a partir da matéria: uma
substância diamagnética diminui o valor do campo no interior de um solenóide, enquanto
que uma substância ferromagnética aumenta esse valor.

Algumas medidas magnéticas biológicas baseiam-se na análise das alterações do campo


magnético provocado por um órgão. No caso dos mineiros, é possível estimar a quantidade
de poeiras inaladas a partir da chamada magnetopneumografia. Um tipo comum de poeira
inalada pelos mineiros é a magnetite, substância com um comportamento do tipo
ferromagnético; a aplicação de um campo magnético à região do tórax permite alinhar as
partículas inaladas, alinhamento que se mantém em seguida quando o campo é retirado, e
que pode ser quantificado a partir da determinação do campo magnético que por sua vez
origina.

É possível também estimar a quantidade de ferro no organismo a partir de medidas de


susceptibilidade magnética. Uma vez que cerca de um quarto do ferro total no organismo
(3-4g) está armazenado no fígado, e que a susceptibilidade magnética do fígado é proporcio-
nal à quantidade de ferro aí existente, é possível detectar alterações relativamente à quanti-
dade média de ferro (hemocromatose ou hemosiderose) a partir da técnica de susceptometria
magnética.

6.9. Orientação de Organismos

Os conceitos de magnetismo são também importantes quando se considera a orientação


de organismos. Há evidência de que alguns organismos têm processos de orientação que se
baseiam na interacção com campos magnéticos; o estudo destes processos leva portanto à
aplicação das noções que apresentámos relativas à resposta das substâncias a campos
magnéticos.

É possível referir por exemplo, a existência de diferentes tipos de bactérias que possuem
pequenas partículas ferromagnéticas (cristais de magnetite) designadas por magnetossomas.
Estas bactérias (bactérias magnetotácteis), possuindo no seu interior partículas com uma
forte resposta a um campo magnético, vão ter tendência a orientar-se, como um íman, de
acordo com qualquer campo magnético exterior; este facto é verificado no laboratório, sendo
possível constatar que a aplicação de um campo magnético leva a um movimento muito
rápido das bactérias (100 µm / s ) .

Como qualquer organismo à superfície da terra, estas bactérias estão sujeitas ao campo
magnético terrestre ( 7 × 10 −5 T = 0 ,7 G ) sofrendo, pela sua constituição, uma influência

importante (tal como uma agulha de bússola), ao contrário da maior parte dos organismos.
Na realidade, as bactérias magnetotácteis, vão se deslocar de acordo com a polaridade dos
magnetossomas respectivos relativamente ao campo magnético terrestre. Sabe-se por
exemplo que no hemisfério Norte estas bactérias se vão deslocar procurando o Norte; em

168 Capítulo 6
princípio não parece haver nenhuma vantagem evidente neste movimento mas, sabendo que
estas bactérias vivem em meios com baixo teor em oxigénio, e que o campo magnético
terrestre tem no polo Norte uma inclinação para o interior, entende-se que o movimento
segundo a direcção do campo tem como função levar a bactéria a regiões de baixo teor de
oxigénio; depois de uma perturbação qualquer, este mecanismo de alinhamento tenderá a
levar a bactéria de novo às condições favoráveis. A confirmação desta hipótese reside no
facto de se verificar uma inversão de polaridade magnética (orientação das partículas de
magnetite) no caso das bactérias que vivem no pólo Sul onde o campo magnético terrestre é
dirigido para a superfície. A polaridade invertida leva, neste caso, as bactérias a deslocarem-
se para Sul e mais uma vez para o interior. Em princípio, quando as células destas bactérias
se dividem cada célula filha recebe um cromossoma magnético, mantendo assim a
orientação da célula mãe; ocasionalmente isto pode não acontecer.

Como referimos, a população no hemisfério Norte tenderá a dirigir-se para Norte


enquanto que no hemisfério Sul, a população maioritária terá uma orientação segundo o
pólo Sul. No entanto, em qualquer dos hemisférios deverá existir uma população minoritária
de bactérias com orientação contrária à definida, população essa que, não estando adaptada
às condições de sobrevivência, tenderá a desaparecer em condições de estabilidade do campo
magnético. Pelo contrário, perante inversões do campo magnético terrestre esta população
minoritária tornar-se-á na população dominante, facto que constitui um dado importante na
análise das possíveis inversões do campo magnético terrestre. (Há evidência de pelo menos
uma inversão do campo magnético terrestre e de que há 500 milhões de anos o pólo Norte
magnético poderia estar situado próximo do Hawai).

Tal como no caso das bactérias magnetotácteis existem também algas que contêm um
número elevado ( ≅ 3000 ) de partículas magnéticas.

Pode referir-se ainda que tanto no caso das abelhas, como no caso dos pombos correios e
de alguns peixes, foram também encontradas na sua constituição partículas magnéticas do
tipo da magnetite. No caso das abelhas pode detectar-se no corpo um momento magnético
transversal, enquanto que nos pombos a magnetite está localizada na cabeça.

A função destas partículas magnéticas não está ainda completamente esclarecida,


embora se tenha especulado bastante sobre a possibilidade de a navegação, no caso das
aves migratórias, ser feita com base no campo magnético terrestre. No laboratório há
evidência do efeito da aplicação de um campo magnético; no entanto a variedade de
informação que as aves migratórias utilizam (ventos, posição das estrelas, luz) torna difícil a
definição clara do papel do campo magnético terrestre.

Magnetismo 169
CAPÍTULO 7.

ONDAS

7.1. Movimento Harmónico Simples - MHS

O movimento harmónico simples (MHS), de que já falámos no Capítulo 2, é um caso


particular de um movimento periódico, que se repete no tempo sempre com as mesmas
características. Vários exemplos do dia a dia podem, em primeira ordem de aproximação, ser
descritos por movimentos harmónicos simples. É o caso do movimento de um ponto de uma
corda de violino que se afaste da sua posição de equilíbrio, do movimento oscilatório de uma
mola, do movimento do pêndulo de um relógio de corda, ou do movimento de um baloiço. Ao
nível microscópico também encontramos exemplos de movimentos harmónicos simples—um
exemplo entre muitos é o das vibrações de uma molécula de um sólido em torno da sua
posição de equilíbrio.

- Movimento de uma mola horizontal: Oscilador harmónico ideal

Quando afastamos uma mola da sua posição de equilíbrio, a mola por si só tenderá a
voltar a essa posição, dando início a um movimento oscilatório que pode ser descrito como
um MHS, na situação ideal em que não haja atrito. Isto deve-se à acção de uma força cuja
intensidade é proporcional ao afastamento da posição de equilíbrio. Se x for o afastamento
da posição de equilíbrio, então F = −kx , onde k é uma constante que representa as
características da mola, e o sinal negativo traduz o facto de o sentido da força ser oposto ao
do deslocamento.
 
A segunda lei de Newton F = ma assume, neste caso, a forma

d2 x
ma = m = −kx
dt 2

ou ainda

Ondas 171
d 2 x kx
(7.1) + =0
dt 2 m

A teoria das equações diferenciais ordinárias permite integrar a equação anterior e outras
muito mais complicadas. A equação anterior é uma equação diferencial linear de segunda
ordem. Mas mesmo sem sabermos como integrá-la é fácil verificar que a função seno ou a
função cosseno são soluções da equação anterior. Com efeito, a segunda derivada do seno
em ordem ao tempo é proporcional ao próprio seno.

Verifiquemos então que a função x (t ) = Asenωt é solução da equação considerada

x = Asen ωt

dx
= Aω cosωt
dt

d2 x
= − Aω 2 sen ωt
dt 2

d2 x
(7.2) + ω2x = 0
dt 2

Comparando (7.2) e (7.1), é imediato concluir que x (t ) = A sen ωt é solução da equação

(7.1) desde que se tenha

k
ω2 =
m

O mesmo raciocínio permitiria verificar que x (t ) = Acosωt é também solução da equação.

No entanto, as soluções consideradas não são soluções completamente gerais; na realidade


x (t ) = A cosωt não será solução no caso em que se considera para t = 0 , x = 0 , do mesmo
modo que x (t ) = A sinωt não é solução no caso em que se considera para t = 0 , x ≠ 0 .

Portanto, cada uma das soluções encontradas não pode, por si só, descrever o MHS a
partir de uma posição inicial arbitrária. Mas é fácil ver que qualquer combinação linear
daquelas duas soluções é ainda solução de (7.1), de modo que a solução geral da equação
(7.1) será uma função da forma

x (t ) = acosωt + bsen ωt

Fazendo a = Asen ϕ e b = Acosϕ , podemos escrever a solução anterior na forma

x (t ) = Asen (ωt + ϕ )

172 Capítulo 7
em que ϕ é a fase inicial, que está relacionada com o desvio em relação à posição de

equilíbrio x = 0 em t = 0 .

Como a função seno varia entre −1 e +1 , o deslocamento x varia entre − A e A .


Chamamos por isso a A a amplitude da oscilação. Como a função seno é periódica de
período 2π , o período T da função x (t ) será obtido exigindo que

ωT = 2π

ou seja


T =
ω

Definindo a frequência f como o número de oscilações por segundo, é óbvio que a

frequência é o inverso do período, intervalo de tempo associado a uma oscilação completa.


Assim

1 ω
f = =
T 2π

1 k
f =
2π m

Chamamos a ω a frequência angular. A equação anterior põe em destaque que a


frequência é tanto maior quanto maior for a constante da mola (mais forte for a mola) e
menor a sua massa.

- Oscilador com Amortecimento

Até agora estudámos uma mola, ou oscilador, a oscilar numa situação ideal, apenas
sujeita à força de restituição e encontrámos como solução um movimento periódico, uma
oscilação que se repete indefinidamente. Nas situações reais o atrito não se pode desprezar,
e provoca um amortecimento do movimento, com perda de energia e consequentemente
diminuição gradual da amplitude.

No caso do oscilador ideal, uma vez que a força elástica é conservativa e está associada a
uma energia potencial dada por

1
Ep = kx 2
2

sabemos que a energia total E = Ec + E p , onde E c é a energia cinética da mola, se mantém

constante ao longo do movimento. De facto,

Ondas 173
2
1  dx  1 2
E= m  + kx =
2  dt  2

m 2 2 k
A ω cos 2 (ωt + ϕ ) + A 2 sen 2 (ωt + ϕ ) =
2 2

1
kA 2 = constante
2

Para um oscilador real, em que existe uma força de atrito proporcional à velocidade do
oscilador que se opõe ao movimento, há energia que é dissipada e consequentemente uma
diminuição progressiva da amplitude.

A equação do movimento escreve-se neste caso

d2 x dx
(7.3) m 2
+ kx = −α
dt dt

Comparando com (7.1), vemos que temos agora um termo adicional no segundo membro,
que corresponde a uma força de atrito Fa = −αv , proporcional à velocidade e que se opõe ao

movimento. A equação (7.3) pode escrever-se na forma

d2 x dx
(7.4) + 2λ + ω2x = 0
dt 2 dt

α
onde o coeficiente λ = se chama coeficiente de amortecimento. A integração da equação
2m

(7.4) permite concluir que há dois regimes diferentes, correspondentes aos dois tipos de
soluções representados na Figura 7.1.

No caso do atrito ser pequeno (ω 2


)
− λ2 > 0 o atrito modifica ligeiramente a frequência de
vibração; o movimento continua a ser oscilatório mas vai sendo amortecido. Os movimentos
das asas de certos insectos, dípteros e himenópteros, podem ser descritos supondo que as
asas actuam como um oscilador ligeiramente amortecido.

No caso do atrito ser importante (ω 2


)
− λ2 < 0 o atrito destroi as oscilações.

Criticamente sobreamortecido
amortecido

tempo
subamortecido

Figura 7.1

174 Capítulo 7
- Oscilador sujeito a uma força exterior: ressonância

Verificámos que nos movimentos oscilatórios a equação do movimento faz intervir uma
k
quantidade ω 2 que é característica do sistema em causa. No caso da mola tem-se ω 2 = .
m

Até aqui não nos preocupámos em saber qual era a força responsável por iniciar o
movimento oscilatório (cujo efeito se faz sentir apenas na determinação das condições
iniciais, posição e velocidade, do problema), e estivemos apenas interessados em estudar as
características desse movimento no caso em que a mola é deixada livre a partir do instante
inicial.

Suponhamos agora que aplicamos uma força exterior ao sistema e suponhamos que essa
força é sinusoidal (esta particularização não é limitativa na medida em que qualquer
excitação se pode escrever como uma sobreposição de funções sinusoidais através do
recurso à análise de Fourier). Seja então uma força exterior da forma F = F0 sen ω1t . Neste
caso a massa é “forçada” a oscilar com uma frequência ω1 que não é a frequência natural do

sistema, ω . Em geral, o movimento da partícula e a força exterior estão desfasados, e o


trabalho realizado pela força exterior que é a energia transferida para a vibração, pode ser
positivo ou negativo consoante o intervalo de tempo que se considerar. A energia de vibração
vai então depender da diferença entre ω e ω1 e é tanto maior quanto menor for essa

diferença, isto é, quanto mais próxima da frequência natural do sistema for a frequência da
força exterior aplicada. Estes sistemas têm assim uma capacidade selectiva de absorção de
energia para frequências próximas da sua frequência própria. A este fenómeno chama-se
ressonância e manifesta-se em situações físicas muito diversas.

Aplicação 1: Numa telefonia sintonizada para um determinado posto emissor, o sinal


transmitido pelo circuito receptor tem maior amplitude para a frequência em que o posto emite,
dando então origem a sons com maior intensidade. Isto consegue-se usando circuitos que são
análogos eléctricos do sistema mecânico formado por uma mola com atrito, isto é, circuitos cujo
comportamento é regido por uma equação da forma (7.4), onde a variável x( t ) representa agora

a tensão aos terminais do circuito.

Pelo contrário, ao construir um edifício ou uma ponte, interessa “dessintonizá-lo” das


frequências típicas dos sismos, ou doutros movimentos periódicos. Por exemplo a ponte de
Tacoma, ruiu em 1940 devido aos ventos que induziram oscilações verticais com frequência
próxima de frequências próprias da estrutura. Em França, em 1850, uma ponte suspensa
colapsou devido à passagem de uma coluna militar em formatura.

Aplicação 2: Os otólitos, órgãos auditivos de que são dotados alguns animais e que permitem
captar as ondas sonoras, podem ser representados como osciladores estimulados exteriormente
por ondas acústicas e ligeiramente amortecidos devido à sua imersão num líquido.

Ondas 175
7.2. Movimentos Ondulatórios

Até aqui estivemos a discutir o movimento de uma única partícula. Vamos passar a
debruçar-nos sobre o chamado movimento ondulatório, que não é mais que um fenómeno
que consiste no movimento global de um conjunto de partículas que interagem entre si.
Existindo interacção entre as partículas dum dado meio, se uma partícula oscilar o seu
movimento comunica-se às partícula vizinhas, que vão entrando progressivamente em
vibração; fala-se então de uma onda, e alguns exemplos do dia a dia são: as ondas na
superfície da água que se formam na sequência de um impacto, as ondas sonoras no ar,
uma corda a vibrar, ou, para tomarmos um exemplo que não é mecânico, uma onda de surto
de gripe! Todos estes exemplos, excepto o último, correspondem à propagação de vibrações
num meio material, e chamamos-lhe por isso ondas mecânicas. Até ao século XIX pensou-se
que todas as ondas pressupunham a existência de um meio material que lhes servisse de
suporte e muito se especulou acerca das propriedades do meio no qual a luz (que como
veremos também é um fenómeno ondulatório) se propagava e que desafiava tenazmente
numerosas tentativas de detecção. Hoje sabemos que assim não é; as ondas
electromagnéticas (luz vísivel, ondas de rádio, sinais de TV, raios X) propagam-se no vácuo,
na ausência de qualquer meio.

Consoante a direcção de vibração é paralela ou perpendicular à direcção de propagação


assim as ondas se designam por ondas longitudinais ou ondas transversais. Podemos assim
dizer que as ondas sonoras são longitudinais uma vez que as partículas vibram na direcção
do propagação e que as ondas electromagnéticas são transversais, uma vez que a direcção
de vibração do campo eléctrico e magnético é perpendicular à direcção de propagação.

Se afastarmos da posição de equilíbrio uma corda presa nas extremidades damos início a
uma onda transversal que se propaga ao longo da corda (corda vibrante). No interior dos
sólidos propagam-se em geral ondas longitudinais e ondas transversais; as primeiras
correspondem a compressões e descompressões e as segundas a tensões laterais. Os sismos
envolvem também a propagação dos dois tipos de ondas (as ondas longitudinais designam-se
por ondas P e são as mais rápidas e as ondas transversais chamam-se ondas S ).

O impulso inicial que dá origem a um fenómeno ondulatório tem duas características que
definem o efeito produzido: a amplitude A e a frequência f (ou o período T ); estas
grandezas são características da fonte emissora. Pelo contrário, o comprimento de onda λ e
a velocidade de propagação v são característicos do meio no qual a onda se propaga. A
velocidade de propagação do som no ar é 344m / s , sendo nos sólidos um pouco maior e na
água cerca de 1460 m / s . Os meios podem ou não ser dispersivos, ou seja podem ou não ter

velocidades de propagação diferentes para diferentes frequências.

Como uma onda corresponde a um meio extenso em movimento, isto é, a um fenómeno


que ocorre no espaço e no tempo, podemos descreve-la matematicamente como uma função

176 Capítulo 7
ϕ ( x , t ) . A perturbação que dá origem à onda encontra-se no instante t = 0 na posição x = 0 .
No instante posterior t encontra-se em x = vt , sendo v a velocidade de propagação. O
comprimento de onda λ é a distância mínima entre dois pontos da onda que se
comportem identicamente (dois nodos, dois ventres ou dois cumes sucessivos, ou em geral
dois pontos desfasados de 2π ). O comprimento de onda é portanto o “período” espacial da
onda, ou seja, o número λ tal que

(7.5) ϕ (x , t ) = ϕ (x + λ , t )

do mesmo modo que o período T é tal que

(7.6) ϕ (x , t ) = ϕ (x , t + T )

Uma onda é assim um fenómeno periódico no espaço e no tempo.

Para encontrarmos a relação matemática existente entre v , T e λ basta reparar que a


condição de propagação obriga a que a perturbação ϕ tenha o mesmo valor em todos os
pontos (x , t ) com x − vt = constante, ou seja, é preciso exigir que

ϕ (x , t ) = ϕ (x − vt )

Para satisfazer as condições de periodicidade no espaço e no tempo (7.5) e (7.6) é


necessário que se tenha

ϕ (x + λ − vt − vT ) = ϕ (x − vt )

pelo que

v
λ = vT =
f

ou

v = λf

Vimos anteriormente que a frequência angular se definia em função da frequência como

ω = 2π f = 2π / T

ou seja

ωT = 2 π

Relativamente ao comprimento de onda podemos definir de maneira similar o número de


onda k como

Ondas 177
kλ = 2π

A velocidade de propagação vem então dada por

λ 2π ω ω
v= = =
T k 2π k

7.3. Ondas Progressivas e Ondas Estacionárias

Acabámos de ver que quando a perturbação se propaga no sentido positivo do eixo dos
xx , a onda originada tem a forma

ϕ (x , t ) = ϕ (x − vt ) = ϕ (κx − ωt )

Se a onda se propagar no sentido negativo a sua representação será

ϕ (x , t ) = ϕ (x + vt ) = ϕ (κx + ωt )

Tanto a função ϕ (x − vt ) como a função ϕ (x + vt ) são soluções da equação das ondas que

é uma equação do tipo

∂ 2ϕ 2
2 ∂ ϕ
(7.7) − v =0
∂t 2 ∂x 2

As soluções indicadas representam ondas que se propagam, uma no sentido positivo


outra no sentido negativo do eixo dos xx , com uma velocidade v . Esta velocidade que é
como referimos característica do meio em que a onda se propaga, depende indirectamente
das forças de interacção entre as partículas do meio. Na realidade, no caso de ondas
longitudinais num meio compressível, a velocidade de propagação depende da relação entre
a variação do volume V e a variação da pressão p que a provoca, tendo-se

κ
v=
ρ

onde ρ é a densidade e κ é o módulo de elasticidade definido como

dp dp
κ = −V =ρ
dV dρ

No caso das vibrações transversais de um meio elástico unidimensional, por exemplo uma
corda tensa, a velocidade pode escrever-se como

T
v=
µ

178 Capítulo 7
sendo T a tensão na corda e µ a massa por unidade de comprimento.

Qualquer combinação linear de soluções de uma equação linear é ainda solução dessa
equação (usámos já esta propriedade para obter a solução geral da equação (7.1)). Como a
equação das ondas (7.7) é linear, uma solução possível será também a função
ϕ (x − vt ) + ϕ (x + vt ) . Esta solução ocorre sempre que se sobreponham duas ondas com as
mesmas características (A , f ) deslocando-se em sentidos opostos.

Considerando as ondas sinusoidais ϕ1 = Asin (kx − ωt ) e ϕ2 = Asin (kx + ωt ) é imediato

verificar que a onda resultante

ϕ (x , t ) = ϕ1 + ϕ2 = 2 Asin (kx )cos (ωt )

apresenta zeros que são independentes do tempo t . Uma tal onda designa-se por onda
estacionária. Neste caso não há uma verdadeira propagação do efeito. Nos pontos em que
kx = 0 ,π ,2π ,... ou seja em que x = 0 ,λ / 2 ,λ ,...,nλ / 2 ,... ϕ = 0 , e não há vibração e as duas

ondas sobrepõem-se destrutivamente. A estes pontos chamam-se nodos da vibração. Pelo


π
contrário para os pontos em que kx = nπ + as ondas sobrepõe-se construtivamente.
2

Este é o caso das ondas estacionárias que se criam numa corda vibrante com as
extremidades fixas. A condição de extremos fixos obriga a que x = 0 e x =  sejam ambos
λ
pontos da forma x = n para algum inteiro n . O ponto x = 0 verifica sempre esta condição
2
com n = 0 ; quando a consideramos para o outro extremo da corda, em n =  , obtemos uma
relação entre o comprimento da corda  , e o comprimento de onda de uma onda
estacionária nessa corda

λ
 =n
2

À onda correspondente a n = 1 , de comprimento de onda λ1 = 2  , chama-se onda

fundamental, à frequência associada,

v v
f1 = =
λ1 2

frequência fundamental. As outras ondas estacionárias, de comprimentos de onda


2
λn = , terão frequências
n

v
fn = n , n = 2 ,...
2

Ondas 179
que se chamam harmónicas da frequência fundamental (a primeira harmónica corresponde
a n = 2 e assim sucessivamente)

A
n=1
Frequência
fundamental

n=2 A A
N
1ª harmónica

n=3 A A A
N N
2ª harmónica

n=4 A A A A
N N N
3ª harmónica

Figura 7.2

Aplicação: Diz-se que duas notas musicais diferem de uma oitava se a relação entre as
frequências fundamentais correspondentes é de 1 para 2. A nota mais grave de um piano tem
2 m de comprimento e corresponde a uma frequência fundamental de 27,5 Hz ; a mais aguda

difere desta de 7 oitavas. Se todas as cordas tivessem a mesma densidade e estivessem


sujeitas à mesma tensão, qual será o comprimento da corda correspondente à corda mais
aguda? O que é que distingue, do ponto de vista físico, um acorde de oitava dos acordes
correspondentes a intervalos menores?

As frequências fundamentais estão relacionadas com os comprimentos das cordas através


da equação

v
f1 =
2

Quando comparamos as frequências fundamentais da nota mais grave e da mais aguda, f1g
e f1a , respectivamente, temos

180 Capítulo 7
f1a
= 27
f1g

dado que o intervalo entre elas é de 7 oitavas, e cada oitava corresponde a duplicar a
frequência. Portanto, os comprimentos correspondentes,  g e  a , verificam

v
2 a lg
27 = =
v la
2 g

dado que se supôs que a velocidade de propagação das ondas é a mesma para todas as
cordas, e vem

1
a ≅ m
26

Da relação f n = nf , n = 2,... entre a frequência fundamental e as harmónicas e f1a = 2 f1g


entre as frequências fundamentais das duas notas de um acorde de oitava vemos que
'
f n = nf 1a = 2 nf 1g , isto é, tanto a frequência fundamental da nota mais aguda como as suas
harmónicas são harmónicas da frequência fundamental da nota mais grave. Isto não acontece
em acordes correspondentes a intervalos menores, dado que nesse caso a razão entre as
frequências fundamentais das duas notas não é um número inteiro.

7.4. Ver, Ouvir e Falar

Na transmissão de informação a distância - e é disso que se trata quando falamos de


fenómenos ondulatórios - temos a considerar a fonte exterior emissora de ondas, o fenómeno
de propagação das ondas no espaço e no tempo, e finalmente a sua recepção. Os dois
sentidos mais utilizados pelos seres humanos no seu relacionamento com o mundo exterior
são a visão e a audição. Os órgãos de recepção, (a retina e a membrana do tímpano),
recebem a perturbação, electromagnética ou sonora (a retina é impressionada e a membrana
vibra) e transmitem essa informação ao sistema nervoso. A capacidade de recepção dos
sentidos no homem é extremamente limitada face à do conjunto dos outros animais, tanto
no que diz respeito à amplitude como à frequência das ondas. Há pois toda uma gama de
sons e luzes que os homens não conseguem identificar, nomeadamente, para além da luz
visível, as ondas de rádio, de TV, as microondas, infravermelhos, ultravioletas, raios X e
raios gama; e, para além das frequências audíveis, os ultra-sons, etc.

Os sons chegam até nós através do ouvido exterior ou tímpano (Figura 7.3). Este actua
como uma membrana de um tambor e transmite as vibrações a um conjunto de ossículos
que, graças a um efeito de ressonância, as amplificam cerca de quinze vezes antes de as
enviarem para a janela oval que se encontra em contacto com o caracol, o qual está por sua

Ondas 181
vez mergulhado num líquido chamado perilinfa. As vibrações que chegam ao caracol
propagam-se na membrana basilar e no líquido até serem captadas pelas várias terminações
nervosas que transmitem estas informações ao cérebro através do nervo auditivo. Na
membrana basilar encontra-se situado o órgão de Corti composto de células ciliadas que
transformam as vibrações da membrana em impulsos nervosos. A interacção entre a
membrana basilar e a perilinfa produz o efeito de um pequeno “analisador de Fourier” pois
permite captar as amplitudes e frequências que compõem o som que chega ao ouvido.

Nervo auditivo
Janela oval
tímpano

Membrana
Canal auditivo basilar

caracol
ossículos

Figura 7.3

Os sons que os homens emitem - em particular a fala - resultam da passagem do ar que


vem dos pulmões pelas cordas vocais. A garganta e as cavidades nasal e bucal funcionam
como cavidades ressonantes. Mediante a deformação da cavidade bucal conseguem-se fazer
variar os sons emitidos, através de um mecanismo mais complicado mas no essencial
análogo ao que num instrumento de cordas relaciona a qualidade do som com o
comprimento e a natureza da corda.

A intensidade sonora é medida em geral numa escala logarítmica. De acordo com uma lei
empírica da psicofisiologia (lei de Weber-Fechner) os seres humanos captam as sensações,
tanto as sonoras como as de outros tipos, de maneira que o incremento da sensação s , é
proporcional à variação relativa do estímulo e ,

∆e
∆s =
e

relação que, uma vez integrada, nos diz que a sensação é proporcional ao logaritmo do
estímulo. Por isso, é natural a utilização de escalas logarítmicas para a medida de

182 Capítulo 7
fenómenos físicos do ponto de vista da percepção desses fenómenos como sensações. A
intensidade do som medida em decibéis é dada por

 
I = 20 log10 
p
−10
, (1bar = 10 5
N / m2 )
 2.10 bar 

onde p é a amplitude das oscilações de pressão associadas à onda sonora. Um som de


60 db é moderadamente intenso; um som entre 100 −120 db já provoca dor.

7.5. Efeito de Doppler

O efeito de Doppler ocorre sempre que existe movimento relativo entre a fonte emissora
de ondas e o receptor. Todos já notámos que o apito de um comboio parece mais agudo
quando o comboio se aproxima de nós e mais grave quando o comboio se afasta. Este é um
exemplo do efeito de Doppler e o que acontece é que, em consequência do movimento
relativo entre o emissor e o receptor, este vai “ver” a onda com uma frequência diferente.
Duas situações distintas podem ocorrer: ou é o emissor que está fixo e o receptor que se
move, ou pelo contrário é o emissor que se move e o receptor que está fixo.

Consideremos primeiro o caso do receptor móvel. Suponhamos que o receptor se


aproxima do emissor. Ele vai ver a onda a aproximar-se com uma velocidade que é acrescida
da velocidade relativa entre eles, isto é

v' = v + v r

Em consequência a frequência vai sofrer uma alteração dada por

v' v + vr
fr = =
λ λ

e como o comprimento de onda não muda e é dado por λ = v / f e , vem imediatamente

v + vr
fr = fe
v

Se, ao contrário, o receptor se estivesse afastar da fonte emissora, um raciocínio


absolutamente análogo levaria a concluir que

v − vr
fr = fe
v

Consideremos agora o caso do emissor móvel. Devido ao movimento da fonte, o


comprimento de onda das ondas emitidas vai variar na direcção do movimento. Se o emissor
se estiver a aproximar do receptor fixo é fácil verificar que

Ondas 183
λr = λe − veTe

em que o período das ondas está relacionado com a sua frequência Te = 1 / f e . Então

ve
λr = λe −
fe

ou

v v v 1
= − e = (v − ve )
fr fe fe fe

Donde

v
fr = fe
v − ve

No caso contrário em que o emissor se afastar do receptor um raciocínio análogo levaria a


concluir que

v
fr = fe
v + ve

É recorrendo ao efeito de Doppler que a polícia de trânsito identifica os condutores que


ultrapassam os limites permitidos de velocidade. Um aparelho emissor-receptor de
ultra-sons é instalado na berma das estradas. A radiação emitida pelo aparelho vai ser
reflectida no carro, e esta radiação reemitida acabará por ser recebida no detector da polícia.
Nesta situação tem que se aplicar duas vezes o efeito de Doppler: à onda que é recebida pelo
carro, e posteriormente à onda reemitida pelo carro e recebida pelo detector. Uma situação
absolutamente equivalente tem uma aplicação prática importantíssima no domínio da
medicina. Para medir o fluxo sanguíneo arterial recorre-se a um transdutor que emite
ultrasons que são reflectidos nos eritrócitos da corrente sanguínea e são depois
recapturados pelo transdutor.

7.6. Propriedades das Ondas

7.6.1. Dispersão

Vimos anteriormente que se podem formar ondas estacionárias através da soma de duas
ondas iguais, isto é, ondas com a mesma frequência e amplitude, mas propagando-se em
sentidos opostos.

Vamos agora ver o que acontece se somarmos duas ondas sinusoidais de parâmetros k e
ω muito parecidos, mas no entanto diferentes. Somemos então as seguintes ondas

184 Capítulo 7
φ1 (x , t ) = Asin (k1x − ω1t )

φ2 (x , t ) = Asin (k2 x − ω2 t )

em que ω1 > ω 2 ,k1 > k2 e k1 ≈ k2 ≡ k ,ω1 ≈ ω2 ≡ ω . Fazendo

k1 − k2 = 2 ∆k ,ω1 − ω2 = 2 ∆ω

k1 = k + ∆k ,k2 = k − ∆k ,ω1 = ω + ∆ω ,ω2 = ω − ∆ω

obtém-se, para

φ = φ1 + φ2

φ (x , t ) = A[sin ((kx − ωt ) + (∆kx − ∆ωt )) + sin ((kx − ωt ) − (∆kx − ∆ωt ))]


= 2 A cos (∆kx − ∆ωt )sin (kx − ωt )

Esta onda pode escrever-se como φ = A (x , t ) sin (kx − ωt ) , equação que põe em evidência

que a nova onda pode ser interpretada como uma onda com uma frequência
aproximadamente igual à das ondas originais e com uma amplitude modulada (Figura 7.4).
Pode também considerar-se que a nova onda se propaga com uma velocidade

v ≈ ω /k

que se designa por velocidade de fase; devido ao fenómeno da modulação a onda


encontra-se organizada em grupos, sendo a velocidade de grupo dada por

u ≈ ∆ω / ∆k

ν1
(a)
t

ν2
(b)
t

(c)
t

(d)
t

Ondas 185
Figura 7.4

Um meio em que a velocidade de fase, a velocidade de que falámos até agora sem mais
especificações, depende do comprimento de onda diz-se um meio dispersivo. As ondas
electromagnéticas, entre as quais se incluem as ondas luminosas, propagam-se no espaço
vazio com uma velocidade que se representa normalmente por c , e que é uma constante
universal igual a 300 000 km/s. No entanto, em qualquer outro meio a velocidade depende
do comprimento de onda, ou, o que é o mesmo, da frequência. Este fenómeno, que se chama
dispersão, foi utilizado inicialmente por Newton no século XVII para, ao fazer passar a luz
solar por um prisma transparente, mostrar que a luz branca era afinal uma sobreposição de
“luzes” de várias cores, as cores primárias que aparecem no arco-íris. Desde então este
fenómeno tem vindo a ser utilizado em numerosos aparelhos que funcionam afinal como
“prismas” altamente sofisticados e que procedem à decomposição dos espectros das ondas
nas suas componentes.

No caso da luz vimos então que no vazio c = ω / k e num meio qualquer v = ω / k e


u = dω / dk . Enquanto que a velocidade de grupo tem que ser sempre menor que c , pois é a
velocidade que transporta informação e a velocidade interessante do ponto de vista físico, a
velocidade de fase pode ser maior que c . Por exemplo, se fizermos passar raios X por vidro
verifica-se facilmente que a sua velocidade de fase é superior a c , mas não a sua velocidade
de grupo.

7.6.2. Reflexão e Refracção

Sempre que as ondas (ondas incidentes) encontram a separação de dois meios


transparentes (como o ar, água, vidro, etc.) parte da onda é reflectida continuando a
propagar-se no meio inicial (onda reflectida) e parte da onda mergulha no outro meio (onda
refractada ou transmitida). Um espelho funciona como uma superfície quase completamente
reflectora para a luz; a água como uma superfície essencialmente refractora (mas que
reflecte parte da luz incidente).

Quando a luz se propaga, de um ponto A para outro ponto B , fá-lo por forma a
minimizar o tempo gasto no percurso - princípio de Fermat ou de tempo mínimo. Este é um
exemplo de um princípio teleológico em física. Muito usados por Aristóteles nas suas
explicações, este tipo de postulados encontra-se ainda, sob uma forma mais sofisticada, na
física actual.

Obviamente, quando a luz se propaga sempre no mesmo meio, a sua velocidade é sempre
a mesma, e em consequência o menor tempo corresponde ao menor percurso. Assim, na
reflexão é imediato concluir que para que o princípio de tempo mínimo seja satisfeito tem
que se ter o ângulo de incidência igual ao ângulo de reflexão (na Figura 7.5.a)
AO = OB ,OB' = OB ,i = r ).

186 Capítulo 7
Contudo, se tivermos dois meios em que as velocidades de propagação sejam diferentes
(v1 ev 2 ) , então o menor tempo possível não corresponde à menor distância. Por isso, se

estivermos na praia e virmos uma pessoa a afogar-se no mar, para a salvar não devemos
correr e nadar sempre em linha recta de A (posição em que nos encontramos) para B
(posição em que a pessoa em apuros se encontra) mas devemos correr ao longo da praia e
começar a nadar quando estamos quase em frente do ponto B (a velocidade de corrida é
sempre bastante maior que a velocidade que atingimos ao nadar). Encontramo-nos perante o
mesmo fenómeno, ainda que numa situação mesmo dramática, quando a luz passa do ar
para a água ou o vidro.

Consideremos a Figura 7.5.b):

A B

i
B
i r i
i
O A r B’
r
r A’

B’
a) b)

Figura 7.5

Os pontos A e B , assim como os pontos A' e B' , estão situados sobre um mesmo plano
perpendicular aos raios luminosos, ou seja, estão sobre a mesma frente de onda. Vamos
deduzir a lei da refracção com base no seguinte argumento: como pontos situados sobre a
mesma frente de onda tem que estar em fase, o tempo gasto no percurso BB' tem que ser
igual ao tempo gasto no percurso AA' . Como se tem

BB' = AB' sini

AA' = AB' sinr

a condição de igual tempo de percurso

BB' AA'
=
v1 v2

pode escrever-se

AB' sini AB' sinr


=
v1 v2

Ondas 187
e vem

sini sinr
=
v1 v2

Se definirmos o índice de refracção de um meio como o quociente entre a velocidade da


luz no vazio e a velocidade da luz nesse meio, então n1 = c / v1 e n 2 = c / v 2 , e vem

finalmente

sini v1 n 2
= =
sinr v2 n1

Da expressão anterior, a que se chama lei de Snell-Descartes, conclui-se que a luz ao


passar do ar para a água ou o vidro ou mais geralmente, ao passar dum meio menos
refrangente (velocidade maior, índice de refracção menor) para um meio mais refrangente
(velocidade menor, índice de refracção maior) muda de direcção aproximando-se da normal à
superfície no ponto de incidência.

Quando a luz passa da água para o ar o raio refractado afasta-se da normal, e pode
acontecer que só ocorra reflexão: estamos então perante o fenómeno da reflexão total. A
partir de certo ângulo crítico ic correspondente ao ângulo rc = 90 o , não ocorre refracção e

toda a luz se reflecte. Este fenómeno deduz-se facilmente da lei de Snell-Descartes escrita na
forma

sin (i ) = n21 sin (r )

onde a constante n 21 ,o quociente n 2 / n1 entre os índices de refracção, depende dos dois


meios considerados. Para n 21 < 1 (passagem a um meio menos refrangente), como sin(r )
vale no máximo 1 (quando o ângulo de refracção é igual a 90o ), o valor máximo que sin(i )
pode assumir é n 21 . Portanto, não há transmissão a partir do ângulo critico de incidência ic
dado por sin i c = n 21 . O fenómeno da reflexão total é usado na preparação em fibras ópticas

para transmitir imagens, ou mais geralmente informação a longa distância sem


amortecimento.

7.6.3. Polarização

O fenómeno da polarização ocorre exclusivamente com ondas transversais, de que as


ondas electromagnéticas, e em particular a luz, são os exemplos mais conhecido. Nas ondas
longitudinais a direcção da vibração que origina a onda - a perturbação - coincide com a
direcção da propagação da onda, tendo por isso uma direcção bem definida. O mesmo não
acontece com as ondas transversais; como a direcção de vibração é diferente da direcção de
propagação, ocorrendo no plano que lhe é perpendicular, em geral não fica especificada
nesse plano nenhuma direcção em especial. Contudo, quando a perturbação ocorre numa

188 Capítulo 7
direcção bem definida a onda diz-se polarizada. Em geral, nas ondas electromagnéticas a
direcção da vibração vai variando no decurso do tempo, mas em determinadas
circunstâncias, por absorção ou por reflexão, é possível polarizá-la.

Na reflexão a luz reflectida é preferencialmente polarizada na direcção paralela à


superfície. Quando se está a conduzir um automóvel, a estrada reflecte a luz solar
polarizada horizontalmente. Por isso, se usarmos óculos polaroids (de eixo vertical)
conseguimos eliminar os reflexos da estrada.

7.6.4. Difracção

Consideremos a seguinte experiência. Coloquemo-nos por trás de uma porta aberta com
alguém dentro da sala mas sem nos ver. Se eu falar, a pessoa - o observador - ouve-me mas
não me vê. Porquê? Comece por se fazer a seguinte comparação. A velocidade da luz é
14
c = 300000km / s . Para luz de frequência 3.10 Hz , o comprimento de onda é

3.10 8
λ= = 10 −6 m
3.1014

No caso de som ( v = 340m / s ) de frequência 400 Hz , o comprimento de onda é

aproximadamente igual a 1 metro. Este comprimento é da ordem de grandeza da largura da


porta, o que evidentemente não é caso para a onda de luz. Por este motivo ouvimos, mas não
vemos: o fenómeno da difracção é importante no caso da onda sonora e é desprezável no
caso da luz. A difracção da luz é importante noutras circunstâncias que passamos a
considerar.

Na experiência da dupla fenda realizada no início do século XIX com o fito de demonstrar
o carácter ondulatório da luz (nessa altura o que estava em causa era o esclarecimento da
natureza da luz) Thomas Young fez incidir uma onda (plana monocromática) num alvo em
que se fizeram dois orifícios muito pequenos próximos um do outro. Os orifícios funcionam
como duas fontes que emitem ondas esféricas, que vão propagar-se para lá do alvo e
sobrepor-se. Ao fenómeno da sobreposição das ondas chama-se interferência. Como se viu
atrás ao falar das ondas estacionárias, em certas regiões há sobreposição construtiva e
noutras destrutiva. Assim, se colocarmos um outro alvo (desta vez sem fendas) para
observar o efeito das interferências longe do primeiro alvo, veremos em vez de duas manchas
claras uma sucessão de faixas claras e escuras.

Antes de passarmos à explicação matemática do efeito ocorrido, devemos fazer aqui um


parênteses e explicar o que se entende por ondas planas e esféricas. Quando as ondas se
propagam, os lugares geométricos dos pontos do espaço em que a onda tem o mesmo valor,
isto é, em que o estado de perturbação é o mesmo, formam aquilo a que se chamam as
superfícies ou frentes de onda. Quando a fonte emissora da radiação é pontual e o meio é

Ondas 189
isotrópico (não existem direcções privilegiadas no espaço) então evidentemente as superfícies
de onda serão esféricas - falamos então abreviadamente de ondas esféricas. Se a fonte
emissora se encontra muito distante, podemos assumir que as superfícies de onda são
planas - falamos então abreviadamente de ondas planas, e dizemos que as linhas
perpendiculares às superfícies de onda são os raios. Estes definem a direcção de propagação
da perturbação.

Na experiência de Young o que acontece é que embora a onda incidente seja plana, as
fendas quase pontuais vão funcionar como fontes emissoras de ondas esféricas. Este é um
exemplo da aplicação do chamado princípio de Huygens, enunciado por Huygens no século
XVII e explicado no século XIX por Fresnel - cada ponto da superfície de onda pode ser
considerado como um centro emissor de novas ondas (esféricas).

A difracção do som na experiência que mencionámos no início deste ponto pode explicar-
se facilmente recorrendo ao princípio de Huygens. As ondas planas que chegam à porta
transformam-se nos bordos da porta em ondas esféricas. Isto é, os bordos da porta
provocam um atraso da onda com consequente encurvamento da frente de onda. Este
fenómeno pode acontecer com a luz. E até com electrões.

Voltemos à experiência de Young. Seja d a distância entre as fendas e D a distância do


alvo com fendas ao segundo alvo ( D >>> d ). Ao ponto y do segundo alvo chegam duas

ondas, provenientes de cada uma das fendas, que percorreram distâncias diferentes e por
isso se encontram desfasadas. Atendendo à diferença de grandeza entre d e D podemos
considerar os raios emergentes como paralelos. Então é imediato verificar que (ver
Figura 7.6)

x = r1 − r2 = d sin θ

r1
y

θ r2
d
θ

x
D

190 Capítulo 7
Figura 7.6

A sobreposição construtiva das ondas ocorre nos pontos em que as ondas estiverem em
fase. Isto acontecerá sempre que o caminho percorrido pelas ondas diferir de um número
inteiro de comprimentos de onda, isto é, se

dsinθ = mλ m = 0 , 1, 2 ,...

Como sinθ ≈ y / D , a condição de máximo pode escrever-se alternativamente como

mλD
ymax =
d

Se em vez de duas fendas tivermos um número muito grande de fendas, a condição de


máximo continua a ser a mesma (vão-se tomando as fendas duas a duas) mas os máximos
aparecem mais nítidos pois quando as várias ondas se encontram em fase o efeito é maior.
Se o número de fendas é muito grande - rede de difracção - obtém-se aquilo a que se chama
um espectro de linhas.

O fenómeno da difracção manifesta-se também no caso de uma única fenda ou de um


obstáculo de dimensões da ordem do comprimento de onda. Vejamos o que acontece quando
uma onda plana que se propaga encontra um obstáculo com uma abertura de tamanho a .
Cada ponto da abertura é o ponto de partida para a propagação de uma onda esférica. Isto
vai dar origem a riscas escuras correspondentes à interferência destrutiva destas várias
ondas. A primeira risca escura ocorre quando a onda que tem origem nas extremidades, e
corresponde, por um raciocínio análogo ao que vimos anteriormente, à igualdade

a λ
sinθ =
2 2

Ondas 191
Figura 7.7

Em geral, teremos riscas escuras nas zonas que correspondem a ângulos θ tais que

(7.8) asinθ = nλ , n = 1,2 ,...

embora o aspecto da imagem seja o de um número pequeno de riscas, dado que a


intensidade delas decai muito rapidamente com a distância.

O efeito que agora nos interessa é que o tamanho da imagem é diferente do tamanho da
abertura e é dado pela distância entre as duas primeiras riscas escuras. De (7.8) com n = 1
vem

y
a ≈λ
D

onde D é a distância ao écran e y a posição da primeira risca escura em relação ao centro

da mancha iluminada da imagem. Portanto


tamanho da imagem ≈ 2 y ≈ 2
a

ou seja, o tamanho da imagem depende da relação entre λ e a . Para ter uma medida deste
efeito independente da distância D a que se encontra o écran, introduz-se o ângulo de
difracção

y λ
θd ≈ ≈
D a

Para o caso de um orifício circular de diâmetro d , como por exemplo a pupila, a relação
anterior vem afectada de um factor geométrico, e temos para o ângulo de difracção

λ
(7.9) θd ≈ 1,2
d

. −3 m , o comprimento de onda λ da luz


Aplicação: O diâmetro d da pupila é da ordem de 510
. −2 e a
visível da ordem de 400 × 10−9 m , a distância D da pupila à retina da ordem de 2,510
separação entre as células fotosensíveis da retina é da ordem de 10−5 m . Mostre que uma maior
densidade de células fotosensíveis não se traduziria numa maior acuidade visual, e determine a
separação mínima que a visão humana é capaz de resolver a uma distância de 25 cm .

Pela equação (7.9), o ângulo de difracção θ d ≈ 10−4 rad . Portanto o tamanho das manchas de

difracção da retina é da ordem de

2Dθ d ≈ r × 10−6 m

192 Capítulo 7
que é da mesma ordem de grandeza que a separação entre as células fotosensíveis. A
separação mínima que é possível resolver à distância de 25 cm é a que corresponde a uma

separação angular da ordem do ângulo de difracção, pelo que vem dada por

θd × 0,25 ≈ 0,025 mm

Ondas 193
194 Capítulo 7
CAPÍTULO 8.

NOÇÕES DE ÓPTICA GEOMÉTRICA

8.1. Introdução

Designa-se por luz o conjunto de ondas electromagnéticas visíveis (a que é sensível o olho
humano), que compreende ondas electromagnéticas com comprimentos de onda entre
4000 Å e 8000 Å. O ramo da Física que estuda este tipo de ondas designa-se por Óptica.

Nos casos que vamos considerar interessa-nos apenas o comportamento da luz quando
ela se propaga em meios homogéneos e encontra interfaces. É possível realizar um
tratamento simples do comportamento da luz nestas condições, tratamento que se designa
por óptica geométrica.

Um conceito fundamental em óptica geométrica é o conceito de raio luminoso, com o qual


se representa a direcção de propagação da vibração electromagnética que, como vimos
anteriormente, é perpendicular às frentes de onda.

Todos os fenómenos que estudámos no capítulo anterior para as ondas são válidos, em
particular, para a luz. Assim temos reflexão e refracção das ondas luminosas. O uso de
meios com diferentes índices de refracção combinado com interfaces de geometria controlada
(lentes), permite controlar, conformar ou deformar, as imagens dos objectos iluminados por
luz visível. Designa-se por lente um meio limitado por duas interfaces, planas ou curvas. Se
as faces curvas são parte de superfícies esféricas, as lentes dizem-se lentes esféricas. Para
além disso a lente designa-se por lente fina se a sua espessura é muito menor do que as
distâncias associadas às suas propriedades ópticas.

8.2. Formação de Imagens por Lentes Finas

Nesta secção vamos falar das imagens formadas por lentes finas, convexas ou côncavas.

Noções de Óptica Geométrica 195


A modificação do tamanho aparente dos objectos vistos através de lentes deve-se ao facto
de, como vimos no capítulo anterior, os raios luminosos serem desviados ao atravessar a
superfície de separação de dois meios com índices de refracção diferentes. Como se vê na
Figura 8.1, esse desvio tem o efeito de fazer convergir ou divergir os raios incidentes
paralelos, conforme a concavidade da superfície de separação e a relação entre os índices de
refracção dos dois meios. Por convenção, a concavidade de uma superfície é caracterizada do
ponto de vista dos raios nela incidentes, de modo que as superfícies das Figuras 8.1 a) e
8.1 d) são côncavas, enquanto que as das Figuras 8.1 b) e 8.1 c) são convexas.

f’
f’

C C

n n’<n n n’>n

(a) Superfície convergente côncava (b) Superfície convergente convexa

f’ f’
C C

n n’<n n n’>n

(c) Superfície divergente convexa (d) Superfície divergente côncava

Figura 8.1

A descrição qualitativa que se resume na Figura 8.1 é consequência imediata do facto de


o desvio dos raios luminosos ao atravessarem a superfície de separação ser no sentido de se
aproximarem da normal a essa superfície quando há transmissão para um meio de maior
índice de refracção, e de se afastarem da normal no caso contrário.

No nosso estudo vamos considerar apenas lentes esféricas o que significa que cada
superfície dessa lente pode ser caracterizada por um único centro de curvatura (centro da
superfície esférica que contém essa superfície). Para além deste ponto podemos caracterizar
cada superfície da lente por alguns elementos geométricos:

- eixo óptico - linha perpendicular à superfície de separação dos meios que passa pelo
centro de curvatura da interface.

196 Capítulo 8
- foco objecto - ponto do eixo óptico cuja imagem é formada no infinito, o que significa
que qualquer raio luminoso incidente que passa por este ponto se refractará
paralelamente ao eixo óptico.

- foco imagem - ponto do eixo óptico que é imagem de um ponto objecto no infinito, o
que significa que é o ponto de intersecção das direcções de todos os raios luminosos
que incidem paralelamente ao eixo óptico.

- vértice - ponto de intersecção da interface com o eixo óptico.

Para poder ir além de uma descrição qualitativa, vamos derivar, a partir da lei de
Snell-Descartes, a equação que rege estes fenómenos no caso mais simples: o de raios
luminosos que incidem segundo uma direcção próxima da do eixo óptico numa superfície
convexa esférica que separa um meio com um certo índice de refracção n de um meio com
índice de refracção n' > n .

A
n φ n’>n
d
β φ' P’
P α γ
Eixo óptico V C
R

s s’

Figura 8.2

Consideremos os pontos P e P' representados na Figura 8.2. O ponto P' , situado à


distância s' da superfície sobre a recta que passa por P e pelo centro C da superfície (eixo
óptico), é o ponto onde convergem os raios emitidos em P , situado à distância s .

Queremos determinar a relação entre s , s' , n , n' e R , o raio da superfície, pela lei de
Snell-Decartes,

(8.1) nsinφ = n' sinφ'

e como estamos a considerar raios próximos do eixo óptico, α , β , φ e φ' são ângulos
pequenos, de modo que podemos tomar em boa aproximação sinx ≈ x para cada um destes
ângulos. A equação (8.1) fica então

(8.2) n φ = n' φ'

Por outro lado, como a soma dos ângulos internos de um triângulo é π , temos

Noções de Óptica Geométrica 197


(8.3.1) α + β + (π − φ ) = π ⇒ φ = α + β

(8.3.2) φ' +γ + (π − β ) = π ⇒ β = φ' +γ

(8.3.3)

Substituindo (8.3.2) e (8.3.1) em (8.2), vem

n n
β= φ +γ e β= (α + β ) + γ
n' n'

ou seja,

nα + n' γ = (n' −n )β

Como α ≈ d / s , γ ≈ d / s' e β ≈ d / R , temos finalmente

n n' n' −n
(8.4) + =
s s' R

Dizemos que a superfície forma uma imagem real se esta corresponde à intersecção dos
raios refractados no segundo meio (tal imagem pode ser projectada num alvo). Por outro lado
dizemos que uma lente forma uma imagem virtual, por oposição a real, se os raios
transmitidos têm direcções que se intersectam num ponto situado no meio de onde provêm
os raios incidentes. De maneira análoga, falamos de um objecto virtual quando os raios
incidentes convergem para um ponto situado no meio onde se propagam os raios luminosos
transmitidos. Adiante veremos alguns exemplos de imagens e objectos virtuais. No exemplo
que estudamos, tanto o objecto, P , como a imagem, P' , são reais. A equação que acabamos
de deduzir para este caso pode aplicar-se a superfícies convexas ou côncavas, e a imagens e
objectos reais ou virtuais, com as seguintes convenções de sinal:

Superfície convexa → R >0

Superfície côncava → R <0

Objecto (imagem) real → s (s' ) > 0

Objecto (imagem) virtual → s (s' ) < 0

Antes de prosseguirmos para o estudo das lentes finas, vejamos como aplicação da
equação (8.4) um exemplo em que se determina a diferença entre a profundidade real e a
aparente de objectos submersos vistos desde fora da superfície livre da água.

Aplicação: Achar a profundidade aparente de um peixe que se encontra 1.00 m abaixo da


superfície da água, supondo que este é observado segundo a vertical.

198 Capítulo 8
Podemos aplicar a equação (8.4) com R = ∞ , dado que a superfície de separação dos meios é
plana. Sabemos que s = 1.00 m , e que os índices de refracção do ar e da água são,
respectivamente, n' = 1.00 e n = 133
. . Substituindo em (8.4), obtemos s' = −0.75 m , ou seja, a
imagem é virtual, forma-se na água, e à distância aparente de 0.75 m da superfície.

Figura 8.3

Vamos agora estudar a formação de imagens por lentes finas de superfícies esféricas.
Como nesta aplicação um dos meios é sempre o ar, de índice de refracção igual a 1, vamos
fixar este valor e denotar por n o índice de refracção do vidro. A estratégia a adoptar é a de
aplicar duas vezes a equação (8.4), primeiro aos meios ar-vidro, e depois aos meios vidro-ar,
tendo em conta que o objecto para a segunda transmissão é a imagem que resulta da
primeira. Assim, temos que a imagem correspondente a um objecto situado a uma distância
s1 da superfície da lente de raio R1 sobre a qual incidem os raios luminosos se forma à
distância s'1 dessa superfície, sendo

1 n n −1
(8.5.1) + = (transmissão ar-vidro)
s1 s'1 R1

Essa imagem é o objecto da segunda transmissão, de modo que temos (ver Figura 8.4)

n 1 1−n
(8.5.2) + = (transmissão vidro-ar)
s2 s' 2 R2

onde s2 e s' 2 são as distâncias do objecto e da imagem, respectivamente, à superfície da


lente de raio R2 que se encontra do lado dos raios luminosos transmitidos.

Note-se que s'1 e s2 têm sempre sinais contrários, isto é, se a imagem da primeira
transmissão é real então o objecto da segunda é virtual, e vice-versa. Na situação
representada na Figura 8.4, s'1 é positivo e s2 é negativo, ou seja, a imagem da primeira
transmissão é real e portanto o objecto da segunda é virtual.

Noções de Óptica Geométrica 199


|s2|
s’1

Figura 8.4

A hipótese de que a lente é fina intervém agora para tomarmos s'1 ≈ s2 . Nesta
aproximação, podemos substituir s'1 em (8.5.1) por −s2 . Somando depois as duas equações
(8.5), obtemos

1 1  1 1 
+ = (n − 1) − 

s1 s'2 R
 1 R 2 

ou simplesmente

1 1 1 1 
(8.6) + = (n − 1) − 

s s'  R1 R2 

onde s e s' são as distâncias do objecto da primeira transmissão e da imagem da segunda,


respectivamente, medidas em relação ao centro da lente.

Para objectos muito distantes, s ≈ ∞ , 1 / s ≈ 0 , e vem

1 1 1  1
(8.7) = (n − 1) − =
 f
s' R
 1 R 2 

onde a última igualdade, chamada equação do fabricante de lentes, define a distância focal
f de uma lente fina esférica no ar.

Note-se que desta definição resulta que f pode ser positivo ou negativo, e uma lente
diz-se positiva ou negativa conforme o sinal de f . Em termos da distância focal, a equação
(8.6) fica

1 1 1
(8.8) + =
s s' f

que é a equação das lentes finas para raios paraxiais, isto é, que incidem aproximadamente
segundo o eixo óptico.

200 Capítulo 8
Os pontos sobre o eixo óptico situados à distância f do centro da lente chamam-se
focos. Vamos analisar o caso de uma lente positiva e de uma lente negativa para perceber o
significado destes pontos, assim como o do sinal da distância focal. No primeiro caso,
equação (8.7) diz-nos que raios incidentes paralelos segundo o eixo óptico convergem no foco
F' (ver Figura 8.5), dado que f é positivo. No segundo, os raios incidentes paralelos
convergem no foco F (ver Figura 8.6), dado que f é negativo. Por esta razão, chamam-se
também convergentes as lentes positivas, e divergentes as negativas.

F’
F

∞ ∞
f f

s=∞ , s’=f s=f , s’=∞

O F O’ O
O’ F
f s
s f
|s’|

s>f , imagem real s<f , imagem virtual

Figura 8.5

Noções de Óptica Geométrica 201


f ∞
F’ F

s=∞ , s’=f s=f , s’=∞

O O’
F

|s’|
|f|
s

s>f , imagem virtual

Figura 8.6

Na figura 8.5 representa-se também a imagem, calculada a partir da equação (8.7), de


objectos reais situados sobre o eixo óptico de uma lente convergente a distâncias do centro
da lente superiores (b e c) e inferiores (e) ao módulo da distância focal. As primeiras dão
origem a imagens reais, as segundas a imagens virtuais, como resulta imediatamente de
(8.7). Raios incidentes a partir do foco F (Figura 8.5 d) dão origem a raios transmitidos
paralelos, ou seja, a imagem forma-se ‘no infinito’, o que é natural dado que se trata da
situação fronteira entre as duas que referimos antes, as quais correspondem a raios
transmitidos convergentes e divergentes, respectivamente. Na Figura 8.6 faz-se uma análise
semelhante para o caso de uma lente negativa: em (b) determina-se a imagem (virtual) de
pontos situados ‘atrás’ do foco F , e em (c) mostra-se que a imagem de objectos virtuais
situados no foco F' se forma no infinito.

8.3. Potência de Uma Lente

A potência óptica P0 de uma lente define-se como o inverso da distância focal

1
P0 =
f

e a unidade mais usada é a dioptria d , com 1d = 1m −1 . Da equação (8.7) vemos que a


potência óptica de uma lente depende do índice de refracção do vidro de que é feita (é tanto
maior quanto maior for o índice de refracção) e dos raios de curvatura das superfícies (é
tanto maior quanto mais pequeno for o raio de curvatura). Note-se a propósito desta questão

202 Capítulo 8
que, por exemplo no caso de uma lente com a forma da representada na Figura 8.5, a nossa
convenção de sinais implica que se tome R1 positivo e R2 negativo, de modo que os dois
termos da equação (8.7) que envolvem os raios de curvatura se somam em valor absoluto.

8.4. Amplificação Linear

Vejamos agora como calcular a amplificação linear m de uma lente fina, que se define
como o quociente entre o tamanho y' da imagem dada pela lente e o tamanho y do objecto
(ver Figura 8.7), tendo em conta a orientação. O raio luminoso representado a partir do
extremo do objecto passa pelo centro da lente, e não é desviado porque, nesta situação, o
desvio devido à primeira transmissão é compensado pelo desvio que ocorre na segunda. O
outro raio luminoso que se representa também não é desviado porque incide segundo a
normal. Temos então

−y' y
tan θ = =
s' s

e portanto

y' s'
(8.9) m= =−
y s

y θ
θ -y’

s s’

Figura 8.7

Note-se que a amplificação pode ser positiva ou negativa, conforme a orientação da


imagem seja a mesma que a do objecto ou não. Neste exemplo, a ampliação é negativa.

Aplicação: Uma máquina fotográfica utiliza uma lente de 50 mm de distância focal. Cada
quadro de película mede 24 mm de largura e 35 mm de comprimento. Qual deve ser a
distância entre a lente e a película para que a imagem de um objecto situado a 10.0 m de
distância da máquina aparece bem focada? Se o objecto fotografado tem 2.00 m de altura, qual
será a altura da sua imagem na película?

Usando a equação das lentes (8.8) temos que a distância entre a lente e a película para a
qual a imagem aparece focada é s' dada por

Noções de Óptica Geométrica 203


1 1 1
+ =
10 s' .05

ou seja, s' = 50.3 mm . Pela definição de ampliação, a altura da imagem é dada por y' = my ,
onde y = 2.0 m e, por (8.9), m = −s'/s = −50.3 × 10−4 , de modo que vem y' = −0.01 m . O sinal
negativo indica que a imagem é invertida.

Na Figura 8.8 mostra-se um método gráfico para obter as imagens de objectos formadas
por lentes convergentes e divergentes. A construção baseia-se em três raios principais que se
consideram a partir do extremo do objecto: um que passa pelo centro da lente, e portanto
não é desviado, um que é paralelo ao eixo óptico e portanto dá origem a um raio transmitido
que passa por um dos focos, e um terceiro que passa pelo outro foco e que dá origem a um
raio transmitido paralelo ao eixo óptico.

O
O’
F’ O
F F F’
O’
s
s s’
|s’|

Objecto real – imagem real Objecto real – imagem virtual

|s’|

O O’
F’ O
F’ F F
|s’| O’
|s|

Objecto real – imagem virtual Objecto virtual – imagem virtual

Figura 8.8

8.5. O Olho Humano

Ao contrário do que acontece numa máquina fotográfica, em que a distância da objectiva


à película é um parâmetro variável que permite obter imagens focadas de objectos situados a
distâncias diferentes, no olho humano a distância da pupila à retina é fixa. O parâmetro que
se ajusta para permitir a focagem é a forma do cristalino, através da acção dos músculos
ciliares (Figura 8.9). O cristalino comporta-se como uma lente convergente de forma (e

204 Capítulo 8
portanto distância focal) variável, de maneira a permitir a focagem na retina de objectos
situados a distâncias diferentes.

Córnea

Íris Humor aquoso (n=1.34)


Músculo ciliar Cristalino (n=1.42)

Humor vítreo (n=1.34)


Coróide Retina

Ponto cego

Nervo óptico

Figura 8.9

Na situação em que os músculos ciliares estão relaxados, a tensão nos ligamentos que
sustentam o cristalino é máxima, e o raio de curvatura das superfícies exteriores do
cristalino é máximo. Portanto, a potência óptica é mínima, e a distância focal é máxima e,
nos indivíduos com visão normal, igual à distância da pupila à retina. Isto significa que as
imagens de objectos muito distantes são focadas na retina. Para observar objectos situados
a distâncias mais próximas, cuja imagem por lentes convergentes se forma, como vimos, a
uma distância da lente superior à distância focal, é necessário que a distância focal do
cristalino diminua e passe a ser inferior à distância da pupila à retina. Isso consegue-se
através da contracção dos músculos ciliares, que reduz a tensão dos ligamentos que
sustentam o cristalino, aumentando portanto a convexidade das paredes e também a
potência óptica. Este processo tem evidentemente um limite para o qual este processo de
focagem é eficaz, e chama-se ponto próximo à distância mínima focável, que para um
indivíduo com visão normal é de cerca de 25 cm .

A miopia e a hipermetropia são defeitos de visão que se podem interpretar facilmente em


termos da potência óptica do cristalino. No caso da miopia, o que acontece é que a potência
óptica mínima do cristalino (que corresponde à situação em que os músculos ciliares estão
relaxados) é demasiado grande: a distância focal é inferior à distância da pupila à retina, e
portanto as imagens de objectos afastados formam-se desfocadas na retina. A correcção da

Noções de Óptica Geométrica 205


miopia faz-se por isso com lentes negativas. No caso da hipermetropia a situação é
simétrica: mesmo com a contracção dos músculos ciliares, a potência óptica é demasiado
pequena (a distância focal é demasiado grande) para permitir focar na retina objectos
próximos, e a correcção faz-se com lentes convergentes.

8.6. Instrumentos Ópticos

A lupa e o microscópio permitem aumentar o tamanho da imagem formada na retina por


um objecto observado com o auxílio destes instrumentos.

y objecto
θ θ
d=25cm O

(a)

Imagem
no ∞

y objecto
θ'
O θ'
d=f

Plano focal
(b)

y’ imagem

d=25cm
(c)

Figura 8.10

206 Capítulo 8
A maneira como funciona uma lupa está indicada na Figura 8.10, em que se consideram
duas situações: em (b), o objecto está colocado num foco da lupa, e em (c) encontra-se a uma
distância da lupa inferior à distância focal, situado de tal maneira que a imagem (virtual) se
forma no ponto próximo, e a lupa encontra-se junto à pupila. Na primeira situação, a
amplificação M da lente, que se define como o quociente entre os ângulos θ' e θ
subtendidos pela imagem do objecto na retina quando visto com e sem o auxílio da lupa,
respectivamente, vem dada por

θ' y / f d
M = ≈ =
θ y /d f

onde d é o ponto próximo. Note-se que o ângulo θ subtendido pela imagem na retina,
quando visto sem o auxílio da lupa é sempre calculado supondo que o objecto está colocado
no ponto próximo, dado que essa é a situação óptima.

A situação da Figura 8.9 c) é a que permite tirar o máximo partido da lente, tendo-se
neste caso

d
M = +1
f

Aplicação: Provar esta última afirmação.

Temos

θ' y' / d y'


M= = =
θ y /d y

onde y' denota a altura da imagem virtual formada pela lente, à distância −s' = d da lente.
Aplicando a equação (8.8.) aos pontos onde se encontram o objecto e a imagem, temos

1 1 1
− =
s d f

ou seja, s = fd /(f + d ) . Por outro lado

y' s' d
= =
y s s

de modo que vem finalmente M = d / f + 1 .

O microscópio óptico representado esquematicamente na Figura 8.11 utiliza um sistema


semelhante ao que descrevemos para a lupa na ocular, e o objecto da ocular é a imagem
formada pela objectiva. A amplificação global é o produto das amplificações conseguidas em
cada um destes processos. Do ponto de vista da óptica geométrica, é possível em princípio

Noções de Óptica Geométrica 207


construir microscópios ópticos com amplificação arbitrariamente grande. No entanto, vimos
já que a difracção estabelece limites à resolução que é possível conseguir com um
instrumento óptico, o que na prática significa que não é possível resolver imagens com
amplificações superiores a 500 .

OCULAR

Imagem real (objectiva) = Objecto real


(ocular)
F2

F1’

OBJECTIVA

F1
Objecto real (objectiva)

Imagem virtual (ocular)

Figura 8.11

208 Capítulo 8
Aplicação: Determine em função do comprimento de onda da radiação utilizada a resolução
máxima de um microscópio óptico de distância focal f e objectiva de diâmetro D .

Do capítulo anterior sabemos que o ângulo de difracção θd é dado por

λ
θd = 1.22
D

Como a distância do objecto à objectiva é muito próxima da distância focal f , a resolução d


vem dada aproximadamente por


d ≈ f θd = 1.22 .
D

Por outro lado, da equação (8.7), f é da ordem do raio de curvatura da superfície da lente, e
o raio de curvatura da lente tem que ser maior que o raio da lente D / 2 . Portanto, o valor mínimo
para d é da ordem de metade do comprimento de onda.

Noções de Óptica Geométrica 209


210 Capítulo 8
CAPÍTULO 9.

RADIOACTIVIDADE

9.1. Introdução

Um núcleo atómico é constituído por um conjunto compacto de protões e neutrões, de tal


forma que o volume do núcleo, tomado como esférico, é directamente proporcional ao
número total de partículas constituintes (nucleões). Conhecida esta configuração
dificilmente se entende a existência de núcleos estáveis; sabe-se no entanto, que a
estabilidade dos núcleos é devida à existência de forças nucleares, forças atractivas e de
curto alcance, que se estabelecem entre todos os nucleões, sobrepondo-se às forças
electrostáticas repulsivas entre protões.

Existem aproximadamente 400 núcleos estáveis. Para estes núcleos pode definir-se
uma "energia de ligação", que corresponde à diferença de energia entre as energias
correspondentes aos nucleões separados e os nucleões sob a forma do núcleo considerado,
energia que será necessário fornecer se quisermos separar os nucleões.

Para além dos núcleos estáveis são conhecidas centenas de núcleos instáveis. Um núcleo
instável, que não se encontra no estado de mais baixa energia correspondente ao número de
nucleões respectivo, vai desexcitar-se, num tempo mais ou menos curto, emitindo radiação.
O núcleo diz-se então radioactivo e a desexcitação respectiva constitui o fenómeno da
radioactividade.

9.2. Tipos de Emissão Radioactiva

A emissão radioactiva (resultante de radiação proveniente do núcleo) pode ser de três


tipos:

Radioactividade 211
- Emissão α

Este processo de desexcitação (declíneo α ) é uma consequência da instabilidade devida à


força de Coulomb, que ocorre em núcleos grandes, de número atómico superior a 82. As
partículas emitidas são partículas pesadas com carga positiva (núcleos de 4He), designadas
por partículas α . O núcleo emite estas partículas, e não um só protão, porque elas são
muito estáveis do ponto de vista da interacção nuclear a qual domina as ligações no núcleo.

Um elemento que emite uma partícula α perde a sua identidade química, ou seja, o
núcleo progenitor não pertence ao mesmo elemento que o núcleo descendente.

Um elemento X é definido pelo seu número atómico Z (número de protões no núcleo), e


um isótopo de um elemento é definido também pelo número de massa A (número de protões
e de neutrões no núcleo).

De acordo com a notação habitualmente utilizada para representar um nuclido (núcleo


pertencente a um isótopo de um elemento), teremos para a emissão α

A A −4
Z X → α + Z −2 X

núcleo 4 núcleo
progenitor 2 He descendente

- Emissão β

Neste caso as partículas emitidas são electrões ou positrões (antipartícula do electrão com
massa igual à massa do electrão e carga positiva igual em módulo à carga do electrão). No
caso das partículas emitidas serem electrões falamos de declíneo β − , e tem-se

A −
ZX →β + Z +A1X

Para positrões falamos de declíneo β + , e tem-se

A +
ZX →β + Z −A1X

O declíneo β corresponde a uma alteração das partículas que constituem o núcleo. No


interior do núcleo o número de neutrões ( n ) e protões ( p ) mantém-se estacionário se o
núcleo está no estado fundamental. Se este não está no estado fundamental, e decai por
emissão β , o decaimento pode interpretar-se como resultante de uma de duas situações:

- o núcleo emite uma partícula β negativa (um electrão); tem-se


n→p+β

212 Capítulo 9
- o núcleo emite uma partícula β positiva (um positrão – antipartícula do electrão);
neste caso

+
p →n + β

Existe um outro tipo de declíneo designado por captura electrónica que corresponde a
uma desexcitação análoga à da emissão β + , mas na qual em vez de ser emitida uma
partícula β + , é capturado um electrão da nuvem electrónica do átomo.

- Emissão γ

Neste caso as partículas emitidas são fotões de energia elevada (em geral da ordem de
grandeza do MeV) e tem-se

A * A
ZX → γ + ZX

onde o asterisco representa um estado excitado do núcleo considerado.

Embora menos frequente podemos ainda referir a cisão como modo de declíneo de um
núcleo pesado; neste processo o núcleo separa-se em dois ou mais núcleos com massa
inferior à do núcleo progenitor.

9.3. Evolução Temporal e Actividade

Numa amostra radioactiva, os núcleos excitados decaem em cada instante com uma certa
probabilidade, que é constante. Se designarmos por λ a probabilidade de um núcleo decair
numa unidade de tempo, a probabilidade de um núcleo decair no intervalo de tempo ∆t é
λ∆t . Sendo N o número de núcleos radioactivos existentes, tomando a fracção de núcleos
que decai nesse intervalo de tempo ∆t como − ∆N / N (o sinal negativo dá conta da
diminuição do número de núcleos), tem-se

− ∆N
= λ∆ t
N

Para um intervalo de tempo muito pequeno dt

dN
= −λdt
N

que por integração dá

ln (N ) − ln (N 0 ) = −λ (t − t0 )

Considerando o instante inicial t0 = 0 tem-se

N = N 0 e − λt

Radioactividade 213
A representação gráfica do número de átomos radioactivos em função do tempo é assim a
característica das variações temporais do tipo exponencial (ver Figura 9.1).

1
N/N0 1.0 N/N0
0.8 0.1

0.6
0.01
0.4
1E-3
0.2

0.0 1E-4
0 2 4 6 8 10 0 2 4 6 8 10
t/τ t/τ

Figura 9.1

1
A grandeza λ tem dimensões de inverso de tempo e escreve-se normalmente λ = sendo
τ
τ a vida média do núcleo, ou seja, o tempo em que a probabilidade média do núcleo decair
se torna igual a 1.

É usual caracterizar um núcleo radioactivo por outro tempo característico. A grandeza


T1 / 2 ou tempo de meia vida do nuclido, define-se como o tempo em que uma certa
quantidade N de nuclidos se reduz a metade. Este tempo, que se relaciona directamente
com τ , representa um parâmetro experimental mais directo. Tem-se

N0 − λT
N = = N 0 e 1/2
2

ou seja

1 − λT
= e 1/ 2
2

donde

λT1 / 2 = 1n ( 2 )

ou ainda

ln 2
T1 / 2 = = τ ln 2
λ

214 Capítulo 9
Como ln 2 = 0.693 , o tempo de meia vida é sempre inferior à vida média para cada espécie
radioactiva.

Uma fonte radioactiva é um conjunto de núcleos que inclui núcleos radioactivos.

Define-se a actividade de uma fonte radioactiva a como o número de átomos (ou


núcleos) que decai por unidade de tempo

dN
a =−
dt

Como

N = N0e −λt

vem

a = λN 0 e −λt

e tem-se

a = λN

Por outro lado a0 = λN 0 , logo

a = a0 e −λt

ou seja, a actividade de uma fonte radioactiva decai exponencialmente com o mesmo


parâmetro que o número de núcleos radioactivos.

A unidade utilizada para caracterizar a actividade, no sistema internacional, é o


becquerel (Bq) que se define como a actividade de uma fonte em que decai um nuclido por
segundo.

É também frequente expressar a actividade de uma fonte em curie (Ci), unidade que
apareceu com a descoberta da radioactividade e a identificação do primeiro elemento
radioactivoo rádio. 1Ci = 3.7 × 1010 Bq é a radioactividade de um grama de rádio.

9.4. Efeitos Biológicos e Utilização de Isótopos Radioactivos

As partículas emitidas pelos núcleos radioactivos têm, em geral, energias elevadas, o que
significa que quando transferem essa energia para os tecidos biológicos podem destruí-los. O
grau de destruição depende não só da energia associada a cada partícula mas também da
quantidade de partículas absorvidas e do seu tipo. Os cuidados necessários no
manuseamento destes materiais, dependem do tipo de fonte radioactiva.

Radioactividade 215
Para medir o efeito de um certo tipo de radiação usa-se a grandeza dose, definida como a
energia absorvida por unidade de massa de material. A unidade respectiva no sistema SI é o
gray ( Gy ) tendo-se

1Gy = 1 J / Kg

É frequente utilizar como unidade de dose típica o rad (radiation absorved dose) definido
como

1 rad = 10 −2 Gy

O efeito de um certo tipo de radiação nos tecidos biológicos é medida a partir da dose
biológica definida como

Dose biológica = Dose × RBE

em que RBE (Relative Biological Effectiveness) é o número de partículas que produz o


mesmo efeito biológico que uma partícula X , e mede o efeito de destruição biológica, que
cresce com a energia das partículas, a sua massa e a sua carga.

Radiação RBE

X 1.0

β 1.0-1.7

α 10-20

n lentos 4-5

n rápidos 10

iões pesados 20

A unidade utilizada para a dose biológica é o rem (radiation equivalent men), definida
por

Dose biológica (em rem) = Dose (em rad ) × RBE

A dose típica por pessoa é devida à radioactividade natural (raios cósmicos + elementos
radioactivos) é aproximadamente igual a 0.13 rem / ano , sendo o limite máximo aceitável
definido pelas organizações internacionais de saúde de 0.5 rem / ano . No caso de pessoas
cuja actividade profissional envolve a exposição a fontes radioactivas, o limite pode ir até
5 rem / ano supondo a realização de controles periódicos. Estas doses são supostas ser

216 Capítulo 9
absorvidas exteriormente. No caso de ingestão ou inalação os valores devem ser obviamente
muito inferiores.

As radiações provenientes do núcleo podem também ser utilizadas de forma útil.


Salientaremos três dessas formas de utilização, a marcação, os efeitos terapêuticos e a
datação.

A marcação usa o facto de os átomos radioactivos emitirem energia característica, o que


permite detectar a sua localização. São assim utilizados em várias técnicas de diagnóstico e
em biologia. As actividades normalmente utilizadas em tecidos vivos são pequenas e os
nuclidos correspondentes devem ter vidas médias pequenas. Podemos referir como exemplos

Iodo 131 usado para estudar o funcionamento da tiróide

Sódio 24 injectado no sangue permite determinar obstruções do


sistema circulatório medindo a actividade nas várias
zonas do corpo

Bário 137 injectado na veia subcava permite por radiografia


seguir o funcionamento do coração

Carbono 14 usado para estudar fenómenos de transporte em


plantas.

Para efeitos terapêuticos os nuclidos são utilizados para destruir células indesejáveis, o
que se consegue em geral por ionização dos constituintes da célula. Uma das utilizações
mais comuns é no tratamento do cancro, em que se utilizam por vezes implantes
radioactivos.

Finalmente na datação utiliza-se a informação de que dispomos sobre as vidas médias de


nuclidos existentes na Natureza. Por exemplo o urânio 238 tem um período de meia vida
igual a 4.5 × 10 9 anos ; como a formação da Terra ocorreu à 5 × 10 9 anos , existe ainda mais
de ¼ da quantidade deste isótopo que existia quando a Terra se formou. Sabendo que o
produto final do declíneo do urânio é o chumbo ( 206 Pb ), supondo que à data de formação
238 238
das rochas existiam N 0 átomos de U e que agora existem N átomos de U e N1
206
átomos de Pb (supondo ainda que todo o chumbo provem do declíneo do urânio), pode
dizer-se que N 0 = N + N 1 . Como N = N 0 e − λt , em que t mede o tempo desde a formação da
rocha até à actualidade temos

Radioactividade 217
1 N 
t = ln  0 
λ  N 

e portanto a idade da rocha vem dada em função de N e N1 por

1  N + N1 
ln  
λ  N 

Existem três isótopos naturais, 238


92 U , 235
92 U e 232
90Th , que ainda se podem encontrar em
quantidades apreciáveis.

No caso dos organismos vivos, o isótopo normalmente utilizado para datação é o carbono
14. O carbono natural é uma mistura de carbono 12 (não radioactivo) e carbono 14
(radioactivo) muito menos abundante que está constantemente a ser formado por reacção
das partículas dos raios cósmicos com o azoto da atmosfera exterior. Como a quantidade de
raios cósmicos e a quantidade de azoto na atmosfera se têm mantido em média constantes
ao longo do tempo, pode considerar-se que a quantidade relativa dos dois isótopos, dada
14 12
pelo quociente entre o número de átomos de C e o número de átomos de C , é igual a

1.3 × 10 −12

14
O C decai por emissão β e tem T1 / 2 = 5.76 × 10 3 anos . Num ser vivo está sempre a
processar-se a entrada de carbono, e portanto a quantidade relativa q= 14C /12 C deve
manter-se igual à do ambiente. Quando o organismo morre deixa de assimilar carbono, e a
14
quantidade relativa referida diminui à medida que o C decai, ou seja

q = q (0 )e −λt

Assim o tempo decorrido desde a morte do organismo vem dado por

1 q (0 )
∆t = ln
λ q

Pelo facto de a vida média do carbono 14 ser cerca de 6000 anos podem datar-se objectos
14
até várias dezenas de milhar de anos. O limite está definido pela quantidade de C mínima
que é possível detectar.

218 Capítulo 9

Вам также может понравиться