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2017­12­3 Por que os cristãos muitas vezes estão divididos?

 | Chamada

Por que os cristãos muitas


vezes estão divididos?
René Malgo

Quatro possíveis razões e uma palavra‐chave


Já se perdeu a conta da fragmentação do cristianismo em inúmeras
denominações, igrejas e seitas. Ao que parece, as cisões estão na ordem
do dia. Mesmo a Chamada da Meia­Noite não ficou isenta de múltiplas
controvérsias e de amargas discussões ao longo dos seus 60 anos de
história (N. da R.: houve algumas discussões e controvérsias na Europa,
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com a Chamada da Meia­Noite em sua sede na Suíça) ­ e é provável que
assim continue também no futuro. Qual seria a razão disso?

Quero apontar aqui quatro razões ou respostas. A primeira é simples,
mas provavelmente é a mais difícil de suportar. A divisão dos cristãos
baseia­se na natureza humana. “O coração é mais enganoso que
qualquer outra coisa”, diz o profeta Jeremias, “e sua doença é incurável;
quem é capaz de compreendê­lo?” (Jr 17.9). Os crentes poderão
argumentar que ganharam um novo coração por meio de Jesus (Rm 6).
É verdade! Todavia, ainda assim os cristãos lutam com o pecado em seu
velho corpo (Rm 7). Enquanto ainda habitarmos este corpo atacado pelo
pecado, será para todos nós impossível enxergar tudo
corretamente. “Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em
espelho; mas então veremos face a face” (1Co 13.12). Somente quando
ressuscitarmos ou formos transformados e virmos o nosso Senhor face a
face é que entenderemos tudo (cf. 1Jo 3.2).

Os cristãos são personalidades divergentes, têm aspectos fortes e fracos
diferentes, diversas preferências e pecados variados com que precisam
lutar. Sua formação, maturidade, capacidade espiritual, relacionamento
com o Senhor, seu intelecto, sua capacidade intelectual diferem... não
admira que tantas vezes discordemos! Os seres humanos são
complexos, emotivos e inquiridores, e os cristãos não são exceção. A
conversão não nos transformou em robôs padronizados. “Os propósitos
do coração do homem são águas profundas, mas quem tem
discernimento os traz à tona” (Pv 20.5).

"... Pois vocês sabem que nós, os que ensinamos, seremos julgados com
maior rigor. Todos tropeçamos de muitas maneiras..." Tiago 3.1b,2a

A Palavra de Deus é verdade objetiva, mas as pessoas a interpretam
subjetivamente. Tiago, líder da igreja primitiva em Jerusalém, diz a
respeito das questões doutrinárias: “Todos tropeçamos de muitas
maneiras” (Tg 3.2). Por isso os crentes não deveriam ter muita pressa
em ser mestres da Palavra, “pois vocês sabem que nós ... seremos
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julgados com maior rigor” (Tg 3.1).
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Tiago 3.2 é um “versículo régio” em relação à nossa questão. Se um
meio­irmão de Jesus e uma “coluna” da igreja primitiva (Gl 1.9) diz
que “todos [nós]” tropeçamos frequentemente, incluindo assim a si
mesmo nisso, quanto mais essa declaração se aplicará a nós hoje, 2.000
anos depois e culturalmente a anos­luz de distância dos apóstolos!

Hoje há uma variedade de premissas e sistemas teológicos concorrentes
influindo o modo como lemos a nossa Bíblia. Podemos não nos dar conta
disso conscientemente, mas por meio das igrejas que frequentamos, os
institutos bíblicos nos quais nos formamos ou a literatura cristã que
lemos, cada um de nós tem marcas teológicas diferentes. Entre os
protestantes há, por exemplo, teólogos da aliança, teólogos da
substituição, dispensacionalistas, ultradispensacionalistas,
dispensacionalistas progressivos, batistas, calvinistas, luteranos,
menonitas, irmãos abertos, irmãos restritos, universalistas, arminianos,
amilenistas, pós­milenistas, pré­milenistas, pré­tribulacionistas,
mesotribulacionistas, pós­tribulacionistas, presbiterianos,
congregacionalistas, anglicanos, pentecostais, etc. etc. ... E ainda que
todos eles tenham boas razões para afirmar sua fidelidade exclusiva à
Bíblia, todos acabam determinados por diferentes sistemas
interpretativos e teologias sistemáticas. A cultura cristã na qual nos
movemos inevitavelmente tinge os óculos através dos quais lemos a
Bíblia.

Não me entendam mal: todos temos óculos como esses, e isso é normal.
A arte está em obter as lentes certas. Paulo espera que interpretemos a
Palavra de Deus “segundo a sã doutrina” (Tt 1.9). A sã doutrina
apostólica terá de ser o nosso filtro. Quem afirma ler a Bíblia sem óculos
e sem filtro engana a si mesmo. Assim, por exemplo, é razoável que
nenhum cristão normal aplique à sua vida diária a exigência de apedrejar
filhos rebeldes fora da cidade, conforme exige a aliança do Sinai
(Dt 21.18­21).

Temos de reconhecer que todos nós ­ mesmo os mais sábios e
“piedosos” entre os professores de Bíblia ­ somos criaturas falíveis.
Nenhum de nós seria superior a Tiago neste quesito. Somos pessoas
que conseguem enganar até a si mesmas. A Bíblia sabe disso há muito
tempo (Jr 17.9). A esta altura, os psicólogos seculares também já
descobriram esse fato. Por natureza, tendemos a registrar a realidade de
uma forma que se encaixe em nosso esquema e que corresponda à
imagem subjetiva que temos do mundo. Por isso o diálogo de surdos
entre os cristãos é tão comum e não conseguimos progredir.
Constantemente corremos o risco de interpretar palavras e frases da
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Bíblia segundo as nossas tendências pessoais.
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Um exemplo: imagine alguém que em geral raciocine de forma muito
organizada e sistemática. Tudo em sua vida precisa ter uma estrutura
definida e uma clara explicação. É uma pessoa racional e lógica, que não
suporta obscuridades. Qual será sua tendência ao interpretar a Bíblia? É
provável que seja simpático a sistemas interpretativos que organizem a
doutrina bíblica sem lacunas e que a dividam em várias unidades
fechadas e em épocas claramente definidas. Para essa pessoa seria
importante ter uma explicação exata de cada detalhe bíblico, e ela
cuidaria para que nenhuma incoerência penetrasse ali.

Mas temos então uma outra pessoa, o tal tipo artístico. Seu lema é: só os
tolos precisam de ordem; o gênio abarca o caos. E trata­se realmente de
um gênio. O que para outros parecem contradições, para ele é apenas o
tempero que dá sabor à vida. Ele sempre está em busca de um plano
espiritual mais elevado. Nunca se cansa de aprender. Para onde será
que ele tenderá ao interpretar a Bíblia? Provavelmente sentirá rejeição
por sistemas interpretativos sistematizados e afirmará que se trata de
tentativas de enquadrar Deus. Mais atraentes seriam para ele
abordagens mais místicas e “holísticas” da Bíblia, que mantenham uma
visão do todo. Tais pessoas gostam de paradoxos e reservam espaço
para incertezas.

Ambos creem a mesma coisa. Neste exemplo não temos um bom e um
mau. Ambos amam Jesus Cristo, afirmam a trindade divina, valorizam a
Palavra de Deus e creem no Evangelho. Mesmo assim, porém, em
certos aspectos as teologias que ambos moldaram em torno do núcleo
da sua fé podem ser totalmente diferentes.

De certo modo, todos buscamos um lar teológico no qual possamos nos
sentir bem. E por sermos personalidades diferentes, nossos lares
teológicos também podem ter aparências diferentes. Mas, como um
professor de Bíblia explicou certa vez, toda casa teológica tem também
seus defuntos no porão. Por nos equivocarmos, por sermos pecadores,
por termos nossas preferências e limitações, sempre haverá pontos em
nossas convicções que outros não poderão assumir e que ­ segure­se! ­
estão errados. E com isso chegamos ao segundo ponto.

Nós cristãos vivemos tantas vezes desunidos porque nos baseamos
neste mundo e não na eternidade. Será que sempre temos consciência
do que, afinal, falamos e sobre o que discutimos? Em última análise,
falamos de Deus, do Onipotente, daquele que “mesmo os mais altos
céus” não podem conter (1Rs 8.27) e cujos pensamentos são tão mais
altos que os nossos como “os céus são mais altos do que a terra”
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(Is 55.9). É verdade que este Deus se comunica conosco de forma
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compreensível e comprometida por meio de Sua Palavra e se tornou
acessível em Jesus Cristo. Ainda assim, porém, Ele continua sendo o
Eterno “que habita em luz inacessível” (1Tm 6.16).

O que tem isso a ver com os defuntos no porão? Muito simples: com os
nossos sistemas e os nossos pensamentos humanos, jamais poderemos
captar Deus plenamente. Sempre haverá áreas na Palavra de Deus e na
Teologia que não poderemos explicar ou que não conseguiremos
compreender. Estamos lidando com o Onipotente e a inesgotável riqueza
da sua incomensurável e múltipla sabedoria. Lidamos com um plano de
redenção que supera todo conhecimento, que mesmo “os anjos anseiam
observar” (1Pe 1.12).

Nós, os cristãos, muitas vezes discutimos e brigamos justamente em
torno daquilo que não conseguimos entender plenamente: a soberania e
a natureza do Deus triúno e Seu plano para o futuro e a eternidade. É
plenamente normal que, limitados como somos, esbarremos em nossas
conjecturas sobre o Eterno em nossos limites e cheguemos a resultados
divergentes.

“Nosso Deus é fogo consumidor“ (Hb 12.29). Qualquer encontro com Ele,
o Infinito, abalará as criaturas finitas que somos e nos marcará de
diferentes maneiras de acordo com a nossa respectiva
configuração. “Provem e vejam como o Senhor é bom. Como é feliz o
homem que nele se refugia!” (Sl 34.9). Todos podem experimentar a
bondade de Deus, mas por Ele ser em sua natureza tão diferente, tão
ilimitado, cada pessoa provará e enxergará essa bondade de modo um
pouco diferente.

Atenção: isto não é desculpa para a maior de todas as heresias, segundo
a qual de algum modo todas as religiões conduziriam a Deus. A Bíblia é
clara e inequívoca em dizer: “Não há salvação em nenhum outro, pois
debaixo do céu não há nenhum outro nome dado aos homens pelo qual
devamos ser salvos” (At 4.12). Salvos serão apenas aqueles que creem
tão­somente em Jesus Cristo e O reconhecem como Senhor da sua vida
(At 16.31), e ninguém mais. Todavia, esses cristãos, por serem diferentes
e limitados, tentarão explicar de formas diferentes a inesgotável plenitude
do seu Deus.

Nós cristãos vivemos tantas vezes desunidos
porque nos baseamos neste mundo e não na
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eternidade.

Se todos os cristãos de todas as eras concordassem em todos os
detalhes a respeito do conteúdo da Bíblia, seria razoável dizer que
teríamos em mãos um livro muito superficial. Como, porém, o que ocorre
é justamente o oposto e porque se discute tão acaloradamente sobre a
Bíblia porque sua Palavra atinge tanto os corações, dividindo famílias,
comunidades e até países, e porque jamais encerraremos os debates
sobre ela, sabemos e reconhecemos que Deus é Deus e que Sua
Palavra é Sua Palavra.

É claro que um muçulmano poderia dizer o mesmo sobre o Corão,
polarizador como ele é. Contudo, isto nos leva ao terceiro ponto. Os
demônios calam fundo. É verdade que isto não é bem politicamente
correto, mas do ponto de vista dos apóstolos, as falsas religiões têm
inspiração demoníaca (1Tm 4.1), e este é um ponto que nós, como
cristãos, frequentemente esquecemos. Estamos interagindo com a
realidade de principados, poderes, dominadores deste mundo tenebroso
e de poderes espirituais da malignidade no mundo invisível (Ef 6.12).

Um professor de Bíblia apontou certa vez para o fato de que os falsos
deuses com que Israel se prostituía no Antigo Testamento eram reais. As
estátuas de pedra e madeira destinadas a servir de local de veneração
desses deuses não tinham vida nem conteúdo, mas os próprios deuses
das nações eram reais porque por trás deles havia efetivos poderes
demoníacos. Por sinal, não faria sentido dizer que Deus é maior que
aqueles deuses se estes nem sequer existissem (cf. Dt 4.7; 10.17;
Is 36.20). Seria mais ou menos como se o Senhor proclamasse: “Sou
maior que o papai­noel!”

Os deuses eram e são reais. São demônios que inspiram falsas
doutrinas e religiões e que combatem o Deus vivo e unicamente
verdadeiro, bem como Sua Igreja. Defrontamo­nos com as “ciladas do
diabo” (Ef 6.11), um adversário capaz de disfarçar­se de anjo “da luz”
(2Co 11.14) e que nos ronda “como leão, rugindo e procurando a quem
possa devorar” (1Pe 5.8).

Será que realmente não cremos que esse inimigo real, com milênios de
experiência e uma rede de demônios “semelhantes a deuses”, já não terá
conseguido fazer estrago na Igreja do Deus vivo? Sempre que não
estivermos vigilantes e não portarmos toda a armadura de Deus,
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expomo­nos ao ataque de seres muito mais poderosos do que nós, que
terão todo o prazer em aproveitar­se dessa vulnerabilidade.

Infelizmente, muitas vezes nossa desunião também resulta de nos
deixarmos atropelar por seduções demoníacas. Assim, por exemplo,
presumimos o pior sobre o nosso próximo, não nos orientamos pelas
diretrizes do Evangelho e do amor, somos vítimas de boatos e
difamações e pisamos em armadilhas magistralmente projetadas sob
medida para nós, cedemos a bajulações, aceitamos conselhos falsos ou
agimos movidos pela ira. É frequente os conflitos entre cristãos serem
regidos por ódio, fúria e amargura ­ e tais sentimentos certamente não
provêm de Deus, em que existe apenas luz e nenhuma sombra.

Preciso julgar a mim mesmo: esquecemos com excessiva rapidez que
somos criaturas facilmente influenciáveis, frágeis e dependentes,
expostas a um combate cósmico que não poderemos vencer com nossas
próprias forças. E isto, por sua vez, nos conduz ao quarto motivo da
nossa divisão.

À medida que o fim se aproxima, esse combate espiritual torna­se cada
vez mais violento e perigoso. A prosperidade que gozamos no Ocidente e
a sedução que nos cerca por todos os lados podem turvar nossa visão
para esta realidade. Todavia, o Novo Testamento esclarece que os
tempos entre a cruz e a volta de Jesus são tempos finais “maus”, que
vão piorando continuamente (cf. Hb 1.2; Ef 5.16; Mt 24­25). A respeito da
Igreja, Paulo enfatiza em uma de suas cartas que “nos últimos dias
sobrevirão tempos terríveis” (2Tm 3.1), nos quais “os homens serão
egoístas, avarentos, presunçosos, arrogantes, blasfemos, desobedientes
aos pais, ingratos, ímpios, sem amor pela família, irreconciliáveis,
caluniadores, sem domínio próprio, cruéis, inimigos do bem, traidores,
precipitados, soberbos, mais amantes dos prazeres do que amigos de
Deus, tendo aparência de piedade, mas negando o seu poder” (2Tm 3.2­
5).

Note que, entre outras coisas, a falta de amor, a arrogância e a
indisposição para reconciliação aumentarão nos últimos dias. Não sei até
que ponto já penetramos nos tempos do fim, mas é inegável que hoje
estamos mais perto do fim do que há 2.000 anos, e o aumento das
características citadas acima em nossos dias deveria ao menos dar o
que pensar. Não devemos espantar­nos pelo fato de hoje o cristianismo
parecer mais separado do que no início. Os sinais dos últimos dias se
infiltram na Igreja e, quanto mais o tempo avança, tanto pior será. É a
profecia bíblica que o afirma.
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Por isso chega a beirar o milagre que os cristãos mantenham algum tipo
de unidade até hoje! A pergunta formulada no título está errada.
Considerando as limitações da natureza humana, a infinita diferença da
natureza de Deus, o poder demoníaco no mundo invisível e o anúncio
bíblico dos tempos finais, seria mais razoável perguntar: por que os
cristãos muitas vezes estão unidos? A resposta é: graças ao Espírito
Santo.

O Espírito Santo é o Deus subestimado. Alguns Lhe atribuem suas
próprias ideias absurdas, outros não esperam nada Dele. No entanto,
nosso Deus não é biúno, mas triúno ­ e esta é a garantia da nossa
segurança. Por meio do Espírito Santo, a plenitude de Deus habita em
nós (Ef 1.13­14,17; 3.14­19). Ele é o Consolador e Apoio que acalma e
sela o nosso coração indisposto, tempestuoso e frágil. É por isso que
ainda conseguimos entender a Palavra de Deus (1Co 2.11). E por isso
somos mais que os maiores profetas do Antigo Testamento e podemos
realizar mais que os milagres de Jesus (Lc 7.28; Jo 14.12). Deus mesmo
habita em nós, e já faz 2.000 anos que isto nos capacita a funcionar
como povo sem rei visível, como “religião” sem santuário visível e como
unidade orgânica sem parentesco de sangue. Pela fé em Jesus Cristo
temos condições de ser um com pessoas das quais nos separam
milhares de anos, milhares de quilômetros ou milhares de diferenças
culturais. Esse milagre é muito maior do que tudo o que aconteceu no
Antigo Testamento!

O que nos une não é nem a espada, nem o medo, nem uma
nacionalidade, mas o Espírito Santo de Deus. O poder que ressuscitou
Jesus Cristo dos mortos está há 2.000 anos zelando para que os salvos
adorem o Pai “em espírito e em verdade”, confessem o nome de Jesus e
esperem por Sua volta. Este é o maior milagre que o mundo invisível
jamais presenciou (Ef 3.9­10): a ilimitada plenitude de Deus em homens
fracos, outrora caídos e ainda agora limitados.

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É claro que agora se poderá objetar que tudo isso é muito bonito, mas
que, apesar do Espírito Santo, não deixa de ser fato que ainda assim os
crentes muitas vezes não têm unidade no Espírito. O que podemos fazer
contra isso? No meu entender, só há uma resposta, que, entretanto, se
refere apenas a diferenças de opinião (especialmente as teológicas)
entre os cristãos. Portanto, não se trata da questão do que fazer quando
outros crentes pecam contra nós por seu comportamento, seus atos,
suas palavras ou suas omissões. Também não se trata de cristãos que
tentam apelar para o Evangelho com o fim de disfarçar ou justificar seus
pecados, como por exemplo a imoralidade, a avareza ou similares.

Antes de tudo precisamos reconhecer o seguinte: existe um bom motivo
para os cristãos parecerem tão combativos. É sua missão. Paulo enfatiza
que os bons líderes devem “silenciar“ falsos mestres e repreender
“severamente“ crentes desviados (Tt 1.11,13). Tal como Paulo fez, eles
não devem ceder nem “submeter­se nem por um instante” a “falsos
irmãos infiltrados” (Gl 2.4­5). Os cristãos, e especialmente os líderes de
igreja e pastores, não podem comprometer­se (cf. Tt 2.7). Os crentes
precisam lutar pela sã doutrina (2Tm 1.13; Tt 1.9; 2.1). A questão que se
impõe aqui é: quem na selva das confissões e denominações cristãs
seria o portador da sã doutrina e quem deverá ser combatido? ­ A Bíblia
fornece indicações.

Durante a sua prisão em Roma, Paulo soube que alguns cristãos (ou
pseudocristãos) anunciavam o Evangelho com a intenção de prejudicá­
lo. Ele se alegrou com isso porque para ele o principal era que Cristo
fosse anunciado, “seja por motivos falsos ou verdadeiros” (Fp 1.15­18).
Paulo não se importou em repreender aqueles criadores de conflitos.
Para ele, esses homens não eram daqueles a quem se deveria “tapar a
boca”. Portanto, para Paulo o sinal da sã doutrina não era que alguém
pertencesse ao seu “grupo”, mas que a pessoa pregasse a Jesus Cristo.
As cartas apostólicas esclarecem que pregar a Cristo é o mesmo que
anunciar o Evangelho (cf. Rm 1.9,16; 10.15­16; 15.20; 16.25; 1Co 9.12;
2Co 11.4; Gl 1.6­11; 2.5,14, entre outros). Na última carta do apóstolo
Paulo vemos que a pregação do Evangelho está estreitamente ligada à
sã doutrina (2Tm 1.8; 2.8; 4.5). Quem reconheceu Jesus, reconheceu o
Evangelho; quem reconheceu o Evangelho, reconheceu a sã doutrina ­ e
vice­versa. Sã doutrina é o Evangelho!

Portanto, se na Carta aos Efésios Paulo espera de nós,
cristãos, “conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4.3),
isto jamais será possível sem o Evangelho de Jesus Cristo. A seguir,
Paulo demonstra por que os cristãos podem e devem ser unidos, porque
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somos 1) um só corpo, cremos 2) em um só Espírito, temos 3) uma
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mesma esperança, servimos 4) a um mesmo Senhor, compartilhamos 5)
a mesma fé, praticamos 6) um só batismo e temos 7) um só “Deus e Pai
de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos” (Ef 4.4­6).
Pode­se considerar isso um resumo da sã doutrina do Evangelho.

No entanto, o grande desafio está em oferecer um preenchimento
concreto a esse envoltório. Uma questão crítica é, por exemplo, o único
batismo. Será que com isso Paulo exclui o batismo de bebês ou não? Ou
o que se entenderá por uma só esperança? Seria preciso que incluísse o
Arrebatamento antes da Tribulação? O princípio que decidirá tudo é o
exame pela pergunta: anuncia­se a Cristo?

Vamos deter­nos na controvérsia do batismo infantil. Martinho Lutero
defendeu com veemência o batismo infantil e protestou contra os
anabatistas. Não teria ele com isso entrado em contradição com o
batismo único? Esta questão crítica pode ser uma boa medida do grau
em que no nosso relacionamento com outros crentes somos mais
determinados por nossos sistemas dogmáticos ou pelo propósito do
apóstolo Paulo: o principal é que Cristo seja anunciado!

Em Marcos 16 vemos que o batismo se destina a crentes. Em Atos 16
vemos famílias inteiras sendo batizadas. Poderíamos, por um lado,
afirmar com cem por cento de certeza que não havia criancinhas
pequenas ali? Por outro lado, poderíamos afirmar com cem por cento de
certeza que sequer havia crianças pequenas ali? Passados 2.000 anos,
não temos como sabê­lo com certeza. O batismo único pode ser uma
ênfase para o fato de que os cristãos devem batizar e ser batizados.
Parece, todavia, que no mínimo se poderá discutir se apenas o crente
adulto deveria ser batizado ou também todas as crianças de toda a sua
casa com ele.

Poderíamos acaso afirmar que Martinho Lutero não tenha proclamado o
Senhor Jesus Cristo? Um possível problema no nosso julgamento de
outros crentes é que pretendemos uma unidade sobre um fundamento
irrealista. Aceitamos apenas aqueles cristãos que concordarem conosco
em praticamente todos os detalhes, e com isso transformamos criaturas
falíveis no padrão de todas as coisas. O padrão da unidade, porém, é
muito mais simples: trata­se do Evangelho de Jesus Cristo. Isto não
significa que não devamos questionar equívocos na medida em que
possamos avaliá­los, e muito menos tolerarmos pecado. Se
simplesmente deixarmos valer todos porque citam o nome “Jesus”, não
chegaremos a lugar nenhum. Mas convém examinar muito
criteriosamente se realmente será necessário lutar e, se for, tratar de
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aplicar amor, tolerância e paz. E assim finalmente chegamos à resposta
para o modo como podemos preservar a unidade.

A resposta ou palavra­chave chama­se humildade. Às vezes precisamos
simplesmente nos retrair e considerar morto o nosso orgulho (Rm 6.11).
Não é fácil, mas necessário. Se lermos atentamente a Carta de Tiago,
perceberemos que seus destinatários tinham seus problemas com
orgulho e arrogância. Todos queriam ensinar os outros e ser mestres da
igreja. Então, porém, Tiago pergunta àqueles que tanto queriam ser a
medida de todas as coisas: “Quem é sábio e tem entendimento entre
vocês? Que o demonstre por seu bom procedimento, mediante obras
praticadas com a humildade que provém da sabedoria” (Tg 3.13). Isto
representa um ataque ao nosso orgulho: nossa sabedoria e nosso
entendimento em questões de doutrina não se depreende da nossa bem
detalhada dogmática, mas do nosso trato manso com os outros. Esta é a
verdadeira sabedoria.

“Se vocês abrigam no coração inveja amarga e ambição egoísta, não se
gloriem disso, nem neguem a verdade. Esse tipo de ‘sabedoria’ não vem
dos céus, mas é terreno; não é espiritual, mas é demoníaco. Pois onde
há inveja e ambição egoísta, aí há confusão e toda espécie de males.
Mas a sabedoria que vem do alto é antes de tudo pura; depois, pacífica,
amável, compreensiva, cheia de misericórdia e de bons frutos, imparcial
e sincera. O fruto da justiça semeia­se em paz para os pacificadores”
(Tg 3.14­18).

A unidade no Espírito será possível se demonstrarmos a genuína sabedoria
do alto, e essa sabedoria não se manifesta em combatividade, em
prepotência ou arrogância, mas na disposição de deixar predominar a
mansidão, de exercer misericórdia e de buscar a paz.

Bem entendido: estas palavras constam do capítulo no qual Tiago diz
que não convém muitos serem mestres, já que todos nós “muitas vezes”
tropeçamos no uso da língua. A unidade no Espírito será possível se
demonstrarmos a genuína sabedoria do alto, e essa sabedoria não se
manifesta em combatividade, em prepotência ou arrogância, mas na
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disposição de deixar predominar a mansidão, de exercer misericórdia e
de buscar a paz. Com isso, a unidade não começa primariamente com o
cristão que na nossa opinião defende uma teologia equivocada e que
será indispensável corrigir, mas em nós mesmos ­ em cada um muito
pessoalmente.

Bons cristãos e mestres da Bíblia são pacificadores que se alegram
quando Jesus Cristo é proclamado. Por isso Paulo diz: “Como prisioneiro
no Senhor, rogo­lhes que vivam de maneira digna da vocação que
receberam. Sejam completamente humildes e dóceis, e sejam pacientes,
suportando uns aos outros com amor. Façam todo o esforço para
conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4.1­3).

O desafio para cada um de nós é não ser orgulhoso, mas humilde; não
combativo, mas manso; não teimoso, mas misericordioso. É muito fácil
denegrir outros crentes do púlpito, em e­mails, em circulares, em
conversas “confidenciais” ou em revistas. A verdadeira grandeza e
sabedoria segundo Tiago é algo bem diferente.

Nossa atitude em relação àqueles seguidores de Cristo que talvez não
pensam exatamente como nós pode ser similar àquela revelada por
Paulo: “Mas que importa? O importante é que de qualquer forma, seja
por motivos falsos ou verdadeiros, Cristo está sendo pregado, e por isso
me alegro. De fato, continuarei a alegrar­me” (Fp 1.18). (René Malgo
­ Chamada.com.br)

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