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Assombrado

Quando eu era criança meu avô costumava nos contar histórias de - como ele
chamava - “assombrações”. A especialidade dele sempre foi os lobisomens, mas havia
vários outros tipos: vampiros, fantasmas, zumbis, chupa-cabras... Eu nunca fui do tipo
que se assustava muito com os causos. Dizem até que quando meu avô tentou nos
assustar vestindo-se de assombração, eu corri, mas para pegar um cabo de machado e
voltar para atacá-lo. Meu pai jura que ficou com medo de eu matar o velho. De qualquer
forma, gostava muito das passagens relatadas pelo pai de minha mãe. Um pouco pelo
medo, um pouco pelo suspense, muito pela companhia. O que não poderia prever é que
aqueles conhecimentos me seriam uteis mais tarde.
Meu avô dizia que as assombrações sentem quando estamos mais vulneráveis. Isso
acontecia sempre próximo aos dias santos: páscoa, finados, natal. Quando
perguntávamos a razão disso, ele falava: “Eu sei lá. Eu não faço a história, eu apenas
conto como é”. O velho também contava que as criaturas da noite são geladas, mas não
por muitas delas estarem mortas. Elas são assim, pois seus sentimentos são frios. A
angústia, a tristeza, o egoísmo, a ganância e o ressentimento são gelados. Esses seres
vêm atrás dos humanos para tentar roubar seus sentimentos quentes. São apenas
criaturas tentando se aquecer. Quando perguntávamos como um sentimento poderia
aquecer alguém: “Como eu vou saber? E não faço a história, eu apenas conto como é”.
Algum tempo atrás, fui há uma cidadezinha rever antigos amigos. Já era tarde da
noite. As ruas estavam vazias, havia um vento frio ao fundo. Estávamos em uma praça
pouco iluminada na madrugada, somente nossas vozes se ouviam por todo o lugar.
Enquanto as pessoas conversavam, reparei em um brilho estranho vindo de um local
escuro da praça. Não conseguia bem distinguir a cor daquela luz, mas ela era familiar.
Comecei a caminhar em sua direção. No meu terceiro passo senti meu braço sendo
agarrado pelo amigo da cidade: “Estou te chamando e você não ouve. Você está
caminhando dormindo? Está tudo bem?”. Percebi que quando ele me tocou eu abri os
olhos. Eles estavam fechados antes disso. Eu relatei sobre a luz. Enquanto eu descrevia
o que havia visto percebi a expressão no rosto das pessoas mudar. Eram evidentes o
assombro e o medo em suas caras e corpos. Eu ainda falava quando todos foram embora
daquele lugar, ninguém seguiu caminho sozinho.
No dia seguinte queria entender melhor o que acontecera. Perguntei sobre para as
pessoas que estavam na praça. Nenhuma quis conversar sobre o ocorrido. Alguns
negavam que algo tivesse acontecido, outros diziam que não queriam falar sobre isso.
Outros ainda apenas desligavam o telefone. O assunto parecia mais sério do que eu
pensava. No final da tarde, meu amigo me mandou uma mensagem dizendo que
precisávamos conversar. Ele já estava em minha cidade e queria me encontrar
imediatamente. Combinamos de nos encontrarmos em um pequeno bar perto de uma
fonte iluminada. Havia um cemitério ali por perto também.
Ao chegar à mesa ele já estava lá. Visivelmente ansioso e fumando sem parar. Logo
que sentei, ele me disse com um tom quase fúnebre:
“O que aconteceu ontem é muito sério. Não podia deixar você sem saber sobre isso.
Nossa cidade é assombrada. Ela já foi extremamente próspera. Estávamos entre os
maiores produtores agrícolas do país. Isso acabou. Claro que sempre há razões
econômicas nacionais e internacionais, mas não foi isso. A prosperidade da cidade não
atraiu apenas a atenção das pessoas, mas de outras coisas também. Muitos começaram
ver em seus sonhos ou em momentos de embriaguez luzes vindas de cantos escuros.
Pessoas passaram a desaparecer. Os mais felizes e cativantes de nós sumiam noite após
noite. Chegamos a pensar que era uma espécie de brincadeira, mas infelizmente não. No
final do inverno encontramos os corpos. Eram mais de cem. Estavam todos gélidos e
retorcidos. Eram como múmias congeladas. Seus rostos estavam deformados pela dor e
pelo medo. Alguns estavam ainda vivos. Aquilo acabou com a cidade. Nosso ânimo se
desintegrou. Ficou evidente que era proibido ser forte ali. Desde aquele dia a decadência
se instaurou. Foram muitas as explicações sobre o que aconteceu. Assassinos,
cobradores, maldições divinas. Mas eu sei o que foi. Todos sabemos. Há muito tempo
um senhor passou por lá e nos contou sobre isso. Esses brilhos são assombrações. Elas
nos atacam como vampiros quando estamos mais felizes, esperançosos, amados. Sugam
tudo que temos e somos. Não suportam nos ver bem. Eles nos atraem com seus brilhos
dourados. Muitos pensam até que seja ouro, mas quando se aproximam são sugados até
a alma. Fique longe daquela cidade, meu amigo. Eles virão atrás de você novamente”
Ele partiu logo após a explicação. Ainda tremia o pobre rapaz.
Continuei ali naquele bar. Pensei em tudo que meu avô sempre me dizia. Fazia
sentido a história, menos em dois detalhes. A luz que eu vi não era dourada e eu
definitivamente não estava feliz naquela noite, muito pelo contrário. Enquanto pensava
sobre o ocorrido lembrei-me que já havia visto uma luz parecida com aquela em outros
momentos. Os lugares das aparições eram comuns: cemitérios. A última vez foi durante
o enterro de meu avô. Desde então não havia ido muito a cemitérios na verdade. Pensei
então em subir a pé até o cemitério que ficava ali por perto e ver o que encontrava.
Muito mais por embriaguez do que por coragem, eu fui.
Subi caminhando até o cemitério. A rua estava vazia. A noite não tinha luar ou
estrelas. Uma névoa fina se espalhava por toda parte. As luzes dos postes iluminavam a
humidade do ar próxima a elas. Ao longe se podia ouvir a ladainha de um velório. Velas
acesas, orações e lamentos. O som aumentava seu volume conforme me aproximava. Já
não era apenas uma voz coletiva, mas podia-se distinguir os vários tons que
compunham o coro. Pessoas de preto com olhares mais sombrios que suas vestes.
Sentei-me ao canto para ver a celebração. Fechei os olhos por um instante e quando os
abri estava sozinho no cemitério.
Vi ao longe, entre os túmulos, a mesma luz de outrora. Assim como antes, não era
uma luz dourada conforme a história oficial. Tratava-se de um brilho com de oceano,
azul esverdeado ou verde azulado. Cor de imensidão. Senti medo. Havia apenas
silêncio, nem mesmo o vento passava por ali mais. Aproximei-me vagarosamente da
luz. Aos pouco pude perceber que na verdade eram duas luzes que se moviam lado a
lado. Aproximei-me ainda mais. As luzes estavam mais distantes do que pareciam
inicialmente. Sentia meu coração bater mais forte, minha boca estava seca. Havia suor
em minha testa. Sem saber o que isso significava ou em que resultaria, alcancei os
brilhos.
Pude ver que as luzes eram os olhos de uma criatura feminina. Muito branca,
cabelos longos e corpo esguio. Ela me olhava e sorria calmamente. Estava sentada em
um dos túmulos. Tive certeza que ela era um vampiro ou um fantasma imaterial. Sabia
que aquele era um lugar assombrado.
- O que é você, criatura? - Perguntei tentando não parecer assustado.
Com um olhar ligeiramente triste, mas ainda sorrindo ela respondeu: “Boa noite,
sombra da noite. Sou uma Laicam. Você sabe o que é uma Laicam?”. Sua voz era
tranquila e cheia de melodia. Era como um afago sonoro.
- Você é uma espécie de sereia vampiro, ser das trevas? Quer me seduzir! – disse eu
com voz alta.
- Errou rudemente, meu jovem. Em quase tudo que disse ao menos. Não sou uma
sereia vampiro, mas de fato o sol não me agrada muito – ela continuava com uma voz
mansa.
- Você veio roubar o meu calor. Não vou permitir!
- Seu calor? Que calor? Olhe para você. Só tem medo ai. Medo definitivamente não
é um sentimento quente. Não é isso que as Laicam fazem. Toque em mim.
- Jamais! Fique longe de mim, demônio!
Enquanto eu me afastava ela me tocou. Sua mão em meu braço era quente e macia.
Segurou-me com força e olhando nos meus olhos disse:
- Meu jovem, temos que esclarecer algumas coisas. Algumas contingências
trouxeram você até aqui. Vamos aproveitar para conversar um pouco. Que tal? Espero
que você se comporte.
- Tudo bem. O que você quer me dizer? Você é um vampiro? – eu disse enquanto
me afastava do toque de sua mão.
- Sou sim uma assombração, mas não sugo nada de ninguém. Nós, ao contrário,
cedemos calor aos seres. Nós nos aproximamos daqueles que estão com os corações
frios e os ajudamos a aquecer. Por isso, rodeio cemitérios. Diante da fria tristeza da
perda, tento aquecer os corações com o calor da esperança e do propósito. Ando
também em hospitais e outros locais onde falta a temperatura da alegria. Como pode
ver, sou o oposto do que me denominou.
- E como não a vemos nesses lugares?
- A luz atrapalha vocês me verem. Por isso, apenas aqueles de olhos fechados
podem me ver. É difícil ver algo com tanta coisa para se olhar por ai. Confesso que
tenho especial apreço por pessoas de acuidade visual reduzida. Os cegos conseguem me
ver melhor. Fico por perto, toco-lhes as mãos, os aqueço como posso.
- Então você é um “vampiro do bem”?
- Meu jovem, você é difícil, hein? Usando seus temos: não existem “vampiros do
mal”.
- Como assim? E o que rouba o calor das pessoas?
- Ah, aquilo? Querido, quem faz isso são pessoas. Especialmente quando ganham
muito ouro e a temperatura fria do metal afeta os seus corações. O calor do amor, do
cuidado e da imaginação se afasta e sede lugar a frieza da ganância, do egoísmo e da
vingança. O frio é tamanho que algumas pessoas acabam tendo que sugar o calor de
outras para continuar vivendo. Vivendo não, acumulando. Não são monstros que sugam
o sangue e a alegria das pessoas, são as próprias pessoas. Sugam seu trabalho, sua
imaginação, sua saúde, seu amor, sua esperança, sua alegria. Vocês é que são os
“vampiros do mal”, meu jovem.
- Foram humanos que sugaram a vida daquelas pessoas então? Isso não e possível.
Não pode ser?
- Não? Você acha que vocês não seriam capazes disso?
Silenciei-me...
A cada fim de frase ela me fitava com um leve sorriso no rosto que fazia com que
seus olhos ficassem rasos. Mas a luz não diminuía. Diante do meu silêncio fascinado,
ela continuou:
- Sinto que você precisa de calor. Venha aqui.
Ela, com um leve pulo, entrelaçou os braços por trás de meu pescoço e me apertou
forte. Senti meu corpo inteiro queimar. Ela sussurrou no meu ouvido: “Agora abra os
olhos”.
Acordei com uma boa parte do velório olhando de forma irritada em minha direção.
Levantei cambaleante e dei o fora dali. Estava eufórico. Teria sonhado?
Uma semana depois – quando juntei os fiapos de coragem que ainda existiam em
mim - voltei ao cemitério. O local estava fechado. Parei no estacionamento e fechei
meus olhos. Lá estava a luz oceânica esperando na sombra de uma árvore. Ao me
aproximar, eu disse:
- Desculpe pela forma que lhe tratei da outra vez. Você vai me punir por isso?
- Boa noite, sombra da noite. Não acredito na eficácia da punição, meu jovem –
respondeu ela com a voz de afago – Prefiro incentivar bons comportamentos. Assim
sendo, tome isto por ter voltado.
Ela me deu um beijo. Meus lábios aqueceram. Era como se uma dose enorme de
vida entrasse pela minha boca. Por onde passava, ela aquecia cada parte de mim. A
Laicam me contou daqueles que ela aquecia em vários lugares: crianças, adultos, gente
sozinha, pessoas doentes. E mesmo quando não contava, era evidente que ela levava
calor por onde passava.
Já era quase dia quando ela disse:
- Gostaria de lhe pedir algo. Posso?
- Sim, claro.
- Você poderia me aquecer uma noite antes do natal?
- O que? Como assim? Você que tem calor.
- Exato. Por ter tanto calor em mim, eu sinto muito frio à noite. Todos os natais nós
devemos viajar. Não ficamos por aqui. Mas antes de ir gostaria que você me aquecesse
por uma noite. O que acha?
- Por que eu?
- Sinto que você tem potencial.
- Eu? Mas sou pessimista e não gosto de afeto.
- Isso na casca. Mas tem bastante mais embaixo disso aí.
- Como você sabe? Você é algum tipo de bruxa também?
- Não. Fiz seu mapa astral na internet.
- Como é?!
- Você topa ou não afinal?
- Ok. Mas como seria isso? Aqui? Agora?
Ela sorriu.
- Não, besta – disse dando-me um leve tapa na cabeça - Tem que ser em um lugar
sem luzes para que você possa me ver com os olhos abertos.
- Entendi. Eu conheço um sítio. Que tal?
- Ótimo. Na próxima semana não haverá lua. Será perfeito. Agora abra os olhos e
vá.
Novamente acordei assustado no estacionamento do cemitério encostado em uma
árvore. Fui para casa cantarolando pela rua.
Na semana seguinte fui até o sítio. Apaguei todas as luzes e esperei. Realmente não
havia lua no céu. As estrelas reinavam soberanas por toda parte. As três Marias
destacavam-se bem sobre mim.
Ao olhar para o lado eu a vi. Ela estava lá, talvez já há muito tempo, eu é que não
conseguia ainda perceber. A luz às vezes atrapalha ver as coisas. Ela tocou meu rosto
com suas mãos e me beijou. O beijou me deixou todo em chamas. Deitamos ali mesmo
sob as estrelas. Pude sentir o calor de todo seu corpo. Não eram apenas os lábios e as
mãos que aqueciam o que tocavam. Suas pernas, costas, seios eram tão ardentes quanto
os lábios e as palavras. Sentia como se estivesse tocando uma labareda, como se
estivesse envolvida por ela. Como se a chama me abraçasse e me consumisse
deliciosamente. Meu corpo foi fundido no ardor de seus lábios, língua, seios e pernas.
Acordei na manhã seguinte sozinho. Estava ainda ali sob o céu – agora já azul e sem
nuvens. Sentia-me diferente. Como metal inflexível que ao ser exposto ao calor extremo
se torna moldável. Sentia que naquela noite eu havia sido forjado. Eu acordei mais
afiado. Estava melhor, podia fazer coisas que antes não podia: sonhar, produzir, desejar.
Quem sabe até cozinhar eventualmente. Estava completamente assombrado com o que
aquela criatura foi capaz de fazer.
Você pode me perguntar como isso é possível. Afinal, poderia tudo ter sido só um
sonho. Como é possível ver de olhos fechados? Como é possível derreter na pele de
outro ser? Qual a razão de uma Laicam precisar ser aquecida? Por que ela me escolheu?
A minha resposta é a mesma para todas essas perguntas: “Não tenho ideia. Eu não faço
as histórias, eu apenas conto como foi”.

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