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RESUMO
A pesquisa objetivou delinear as interrelações entre autoconsciência, afeto depressivo e religiosidade em
seminaristas católicos, tomando como hipótese que o período de formação presbiteral reserva potencial im-
pacto subjetivo em diversas esferas da vida psíquica, tanto cognitiva quanto afetiva, dos sujeitos, aproximan-
do-os de riscos psicopatológicos. Participaram do estudo 50 seminaristas, os quais responderam a Ques-
tionário Sociodemográfico e instrumentos psicométricos: Escala de Autoconsciência Situacional, Escala de
Rastreamento Populacional para Depressão (CES-D) e Escala de Religiosidade Global. Os dados foram
analisados através de Análise da Estrutura de Similaridade, procedimentos da Psicometria e coeficiente de
correlação de Pearson, evidenciando que o afeto negativo se interrelaciona com autorreflexão e ruminação
e, também, que há uma tendência de decaimento da religiosidade ao longo da formação presbiteral – em-
bora cursando com aproximação às formas reflexivas de autofoco no final do período formativo –, o que
indica a necessidade de ajustes das agências formativas na preparação para o sacerdócio.
Palavras-chave: autoconsciência, depressão, religiosidade, seminaristas católicos, teoria das facetas.
ABSTRACT
The present study aimed to delineate the interrelationships between self-awareness, depressive affect and
religiosity in Catholic seminarians, on the assumption that the period of priestly formation reserves po-
tential subjective impact on various spheres of the mental life, both cognitive and affective, of the sub-
jects, approaching them of psychopathological risks. Fifty Catholic seminarians participated in the study
and responded to a Sociodemographic Questionnaire and psychometric instruments: Situational Self-focus
Scale, Center for Epidemiologic Studies Depression Scale (CES-D) and Global Religiosity Scale. Data were
analyzed using Similarity Structure Analysis, psychometric procedures and Pearson correlation coefficient,
showing that negative affect interrelates with self-reflection and rumination, as well as a trend of decline
of religiosity along of priestly formation, although approaching to self-reflection occurs at the end of the
formative period, indicating the need for training agencies to adjust the preparation for priesthood.
Keywords: self-awareness, depression, religiosity, catholic seminarians, facet theory.
1
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), alexmeden@hotmail.com
2
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), pax_rafael@hotmail.com
3
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), roazzi@gmail.com
Para esta pesquisa, optou-se pela autocons- que permite ao indivíduo perceber o mundo que o
ciência em sua forma estado (situacional; self-aware- circunda (Aros & Yoshida, 2009).
ness, no inglês). Autoconsciência situacional é defi- Os transtornos de humor ou transtornos
nida como foco pontual dos sistemas atencionais afetivos são distinguidos por evidenciarem condu-
voltados ao self (Nascimento, 2008); é um movimen- tas consideradas inadequadas em relação à inten-
to no qual a consciência é voltada para si no instante sidade, à frequência e à duração, e também pela
da experiência (Nascimento & Roazzi, 2013). perda do senso de controle e pelo agudo sofrimen-
Dessa forma, entramos nos fatores rumi- to subjetivo dos indivíduos acometidos (Aros &
nação e reflexão, que são maneiras diferentes de Yoshida, 2009). Segundo Del Porto (1999), para
o self se tornar objeto da consciência, modos dife- o diagnóstico da depressão, levam-se em conta
rentes de experienciar a si mesmo. A ruminação é sintomas psíquicos (humor depressivo, redução
um processo no qual os sentimentos, pensamen- da capacidade de experimentar prazer na maior
tos e acontecimentos são objetos da atenção do parte das atividades), fisiológicos (alterações do
indivíduo que os vivencia sob escasso controle vo- sono, alterações do apetite e redução do interes-
luntário (Trapnell & Campbell, 1999; Nascimento, se sexual) e comportamentais (retraimento social,
2008). Os sentimentos e pensamentos possuem crises de choro, comportamentos suicidas, retardo
conteúdos negativos, desagradáveis, podendo ge- psicomotor e lentificação generalizada ou agitação
rar um estado depressivo no qual surgem cadeias psicomotora). A diversidade de sintomas que esse
de pensamentos difíceis de serem quebradas. Os transtorno de humor produz afeta sensivelmente o
acontecimentos são significados de modo nega- quotidiano das pessoas, acarretando sofrimento e
tivo, podendo ser considerados uma ameaça (Za- danos sociais e ocupacionais de grande magnitude
non, 2009). Por sua vez, a reflexão seria um fun- (Hauck Filho & Teixeira, 2011).
cionamento no qual a atenção é voltada sobre o Para o tratamento da depressão, a inter-
self numa atitude mais epistêmica, num processo venção comumente adotada é o tratamento psi-
de autoapreensão criativa motivado por um inte- quiátrico, tendo a medicação importância funda-
resse em ampliar o autoconhecimento (Trapnell & mental, em especial nos casos crônicos, e também
Campbell, 1999; Nascimento & Roazzi, 2013). Za- a psicoterapia tem apresentado a sua valiosa co-
non (2009), ecoando reflexão de Teasdale e Green, laboração. Contudo, o uso de instrumentos que
diz que pessoas reflexivas buscam em lembranças possam identificar precocemente a depressão tem
positivas, e também negativas, insights sobre seus sido alvo da investigação dos pesquisadores. O
problemas. Dessa forma, a reflexão seria um modo CES-D, originalmente criado por Radloff (1977),
bem-sucedido de encontrar respostas para proble- é um dos instrumentos psicométricos mais em-
mas do cotidiano e um caminho heurístico de de- pregados para a avaliação da sintomatologia de-
fesa contra a caída em processos psicopatológicos, pressiva em diversas faixas etárias (Hauck Filho &
em especial os associados ao espectro depressivo. Teixeira, 2011). No Brasil, Silveira e Jorge (1998)
A Depressão ainda continua sendo uma validaram a escala em populações clínica e não clí-
incógnita e, em vários aspectos, controversa. Nes- nica de adolescentes e adultos jovens; mais tarde,
sa perspectiva, muitas pesquisas vêm sendo reali- Batistoni, Neri e Cupertino (2007) realizaram estu-
zadas considerando diversas variáveis, como, por do de validade em uma população de idosos brasi-
exemplo, faixa etária, sexo, transtornos alimentares leiros; Hauck Filho e Teixeira (2011) investigaram
etc. Vários fatores são levados em conta na gênese a estrutura fatorial do CES-D em estudantes uni-
desse transtorno, de modo especial os biológicos versitários, entre outros estudos realizados nacio-
e psicossociais, que agem fortemente entre si e na nal e internacionalmente, os quais têm encontrado
manifestação patoplástica dessa doença. A depres- consistência na estrutura fatorial do instrumento,
são é uma doença classificada como um transtor- o que o coloca como auxílio valioso para o ras-
no de humor, segundo o CID-10, entendendo-se o treamento de sintomas depressivos subjacentes a
humor como a emoção constante e predominante processos de transformação marcados por confli-
to, autodúvidas e forte autoinspeção, como os re- patologia tem se expandido de estudos envolvendo
lacionados à formação presbiteral (Benelli, 2008). clérigos atuantes para o nível inicial da formação
Tem-se verificado um incremento recente religiosa (Plante & Apodaca, 2011; Miller & Kelley,
de interesse nas áreas da Psicologia da Religião e 2004; Belzen, 1996), embora haja ainda necessida-
da Psicologia Pastoral, na documentação dos im- de de maior investimento no estudo dessas relações
pactos sobre a saúde mental e o bem-estar de clé- entre seminaristas; os estudos nesse nível formativo
rigos, seminaristas e religiosos em geral, exercidos são ainda esparsos e insipientes em contexto brasi-
por fatores relacionados à formação e à cotidia- leiro, usualmente representados por relatos de casos
nidade profissional do exercício pastoral, visando individuais em psicoterapia (Massih, 2009).
a um maior conhecimento desses percursos reli- O esforço de pesquisa na documentação
giosos e à prevenção de efeitos deletérios (Sunar- da saúde mental de candidatos ao seminário epis-
di, 2014; Francis et al., 2013; Aletti, 2008; Belzen, copal os tem revelado em geral bem-ajustados,
1996). Knox et al. (2007) investigaram níveis glo- emocionalmente estáveis, inteligentes, confiáveis
bais de psicopatologia numa amostra de 100 cléri- e abertos à mudança; no entanto, encontram-se
gos seculares católico-romanos norte-americanos evidências, a partir de escores altos em medidas
através do Symptom Checklist-90-Revised (SCL- psicométricas, de tendências à defensividade, re-
90-R) e encontraram, em metade das respostas pressão, ingenuidade, forte necessidade de afeição,
válidas ao instrumento, evidências de problemas histrionismo, narcisismo e compulsividade (Plante
psicológicos marcantes envolvendo quatro escalas & Apodaca, 2011). Em estudo com seminaristas
dimensionais com escores elevados (obsessivo- e padres católico-romanos, Sunardi (2014) inves-
compulsivo, sensitividade interpessoal, depressão tigou os fatores preditivos de compromisso com
e psicoticismo), bem como índices elevados em a vocação sacerdotal, tendo encontrado que es-
dois dos três índices gerais disponibilizados pelo cores altos em cuidados parentais, extroversão e
instrumento, a saber: o Índice de Severidade Glo- solidão estiveram associados com diminuição des-
bal (GSI), que integra informações sobre o núme- se compromisso, além de correlação com a idéia
ro de sintomas e a intensidade do sofrimento, e de deixar o sacerdócio. No estudo de caso clínico
o Total de Sintomas Positivos (PST), que indica de Massih (2009) de um seminarista católico em
o número de sintomas relatados pelo participante, processo psicoterápico, observou-se a importância
independentemente de sua gravidade, sendo, por- da retomada, na psicoterapia, de processos de nar-
tanto, uma medida da amplitude dos sintomas. rativização da própria trajetória de vida, possibili-
O estudo de Büssing et al. (2013) explorou o tando o advento de um novo diálogo interno com
tema da aridez espiritual (spiritual dryness) em 425 clé- o self, a partir da conscientização de intercâmbios
rigos católicos da diocese alemã de Paderborn com mais inconscientes do que conscientes com per-
larga experiência de trabalho pastoral e de cuidado de sonagens com quem se dialogou na infância, em
outros clérigos. A aridez espiritual, conceituada como especial com os próprios pais, mas também com
uma forma de letargia espiritual, falta de encontro es- os personagens significativos da história religiosa
piritual significativo com Deus e ausência de recursos do seminarista, incluindo-se aí os membros da co-
espirituais, tais como práticas de renovação espiritual, munidade religiosa de formação.
foi operacionalizada pela Escala de Aridez Espiritual A partir dessa perspectiva, nessa retoma-
(SDS, Spiritual Dryness Scale), e evidências foram le- da do significado desses personagens, verifica-se
vantadas para sentimentos de aridez espiritual expe- a existência de conflitos subjetivos do seminaris-
rienciados ocasionalmente por 40% e regularmente ta na forma de afetos penosos e depressão, que,
por 13% dos participantes. Tais experiências expli- uma vez não dialogizados e narrativizados, podem
caram 44% da variância em experiências espirituais eventualmente dificultar a assunção de um amadu-
diárias e 30% em sintomas depressivos. recimento e a integração do self vocacional. Cabe-
O interesse sobre as relações de religiosi- nos arguir se a religiosidade, em tese em crescente
dade e espiritualidade com saúde mental e psico- fomento na urdidura lógica e teológica da forma-
ção dos seminaristas, cumpriria um papel proteti- tologias e propiciando felicidade geral, significado
vo à emergência de afetos negativos e sintomas de e satisfação com a vida. Dimensões da vida religio-
depressão diversos, conforme usualmente relata- sa como religiosidade social, gratidão e não vinga-
do na literatura na área da Psicologia da Religião tividade protegem contra transtornos de internali-
(Nascimento, 2008). zação, enquanto religiosidade geral e concepções
No curso da história e evolução humanas, de um Deus envolvente e juiz protegem contra
existe a constatação de como a religião ocupa uma transtornos de externalização, como o abuso de
posição importante na constituição das culturas drogas. No que tange especialmente à depressão,
e das realidades socialmente construídas, como meta-análises têm evidenciado uma estatistica-
também “legitima as instituições infundindo-lhes mente significante e robusta associação inversa de
um status ontológico de validade suprema, isto efeito moderado entre religiosidade e sintomatolo-
é, situando-as num quadro de referência sagrado gia depressiva, embora tenham surgido evidências
e cósmico” (Berger, 1985, p. 46). Embora, desde de que variáveis como influência genética, dinâmi-
o Iluminismo, a dimensão religiosa tenha sofrido cas desenvolvimentais e familiares, suporte social,
mudanças, principalmente no tocante à luta trava- avaliação de eventos e enfrentamento de estresse
da pela ciência para retirar a religião do centro de afetam a influência protetiva da religiosidade. To-
gravidade epistêmica na história humana, as pre- davia, também são encontradas associações entre
visões sobre o desaparecimento da dimensão reli- níveis altos de religiosidade e escores ampliados
giosa parecem não se cumprir (Nascimento, 2008). de ansiedade, modulação na expressão de sinto-
Na pós-modernidade, a religião tem se re- matologia do espectro da esquizofrenia e em seu
vestido de formas renovadas e criativas (quando enfrentamento, escrupulosidade religiosa, extrema
não ecléticas), revelando ser um aspecto basilar do preocupação e pensamentos ruminativos sobre
homem e da cultura. A religiosidade é da ordem pureza ritual em indivíduos religiosos portadores
de uma experiência pessoal, intransferível, a fim de de transtorno obsessivo-compulsivo (Miller &
compreender a própria existência e o seu sentido, Kelley, 2004), pondo em relevo um lastro difuso e
com uma dimensão transcendente (Nascimento, velado de perturbações no autofoco no horizonte
2008). Embora exista confusão entre os termos cognitivo desses indivíduos religiosos.
religiosidade e espiritualidade, é importante que Cabe-nos perguntar de que maneiras es-
sejam distinguidos. Segundo Nascimento (2008, tariam se inter-relacionando e se afetando mutua-
pp.85-86): “percebe-se religião (e religiosidade) mente os processos autofocalizadores, a religiosi-
mais marcada por crenças e práticas religiosas tra- dade e os aspectos conflitivos da personalidade do
dicionais, enquanto espiritualidade – mesmo es- seminarista, plasmados no longo e doloroso pro-
tando no cerne da experiência religiosa – é mais cesso de assunção de uma nova identidade como
universal e pessoal, ao contrário da religião, a qual presbítero em formação, ao se saber do importan-
é mais ligada a cultura e sociedade, e que concebe te impacto de processos ruminativos sobre a per-
espiritualidade dentro dos parâmetros de um arca- sonalidade, como documentado por vários autores
bouço teológico restrito, que define crenças, rituais (Nascimento, 2008; Nascimento & Roazzi, 2013;
e práticas”. Todavia, é importante ressaltar que a Trapnell & Campbell, 1999).
religiosidade pode ser um modo de a espiritualida- Para esta pesquisa, tomou-se como hipótese
de se expressar, mas não é o único, podendo abar- a relação das práticas institucionais e dos procedi-
car um conjunto de crenças alicerçadas nas expres- mentos de poder adotados no seminário, enquanto
sões religiosas tradicionais (Nascimento, 2008). instituição total, como possível agente desencadea-
Miller e Kelley (2004) documentaram em dor de riscos psicopatológicos e conflitos experien-
exame da literatura em Psicologia da Religião que ciados. Os mecanismos institucionais, como enclau-
a pesquisa empírica sugere que a religião tem in- suramento, vigilância, exame, recompensa, punição e
fluência positiva sobre o funcionamento e a saúde hierarquia piramidal, e também medidas autorregu-
mental, exercendo efeito protetivo sobre psicopa- ladoras como autoanálise, auto-observação, práticas
de ascese, oração etc., estariam relacionados a um Escala de rastreamento populacional para a depres-
modo particular de significar e se relacionar com o são (CES-D) - Instrumento composto por 20 itens,
mundo que circunscreve o seminarista católico. Essa de Radloff (1977), na versão brasileira validada por
hipótese, além de ser uma reflexão baseada na lite- Silveira e Jorge (1998), que avalia o estado atual do
ratura, bebe na fonte primeira das perguntas de pes- humor e a possível incidência do fenômeno depressi-
quisa: 1) A partir das maneiras como os seminaristas vo em populações clínica e não-clínica. As respostas
no contexto de um seminário católico significam sua são dadas em escala de quatro pontos, partindo de 0
formação presbiteral, conflitos subjetivos e traços (raramente) até 3 (durante maior parte do tempo) em
psicopatológicos, em especial humor depressivo e relação à adequação do conteúdo de cada autoafir-
autoconsciência ruminativa, estão relacionados a essa mação a como o participante percebe seu humor ao
experiência formativo-religiosa?; e 2) A religiosidade longo da última semana. Item típico: “Senti não con-
fomentada na formação presbiteral se constituiria em seguir melhorar meu estado de ânimo mesmo com a
fator protetivo aos afetos negativos e processos auto- ajuda de familiares e amigos”.
focalizadores malignos e ruminativos? Escala de Religiosidade Global (ERG) - Ins-
trumento de cinco itens construído e validado por
Método Nascimento (2008) para mensuração dos níveis de
Participantes religiosidade tomados de forma global (unidimen-
Esta pesquisa foi realizada em um Semi- sional), garantindo os principais aspectos arrola-
nário Maior no estado de Pernambuco. Participa- dos na literatura de religiosidade, cujas respostas
ram 50 seminaristas nas três etapas de formação, são dadas em escala de cinco pontos, variando de
a saber: propedêutico (22%), cursando Filosofia 1 (discordo totalmente) até 5 (concordo totalmen-
(54%) e cursando Teologia (24%). Os participan- te), no tocante ao julgamento de adequação do
tes tinham idade média de 23,8 anos (DP = 5,02), conteúdo de cada autoafirmação do instrumento a
com idades variando de 17 a 44 anos. como o participante percebe sua vivência religiosa
no presente. Item típico: “Deposito minha con-
Instrumentos fiança e esperança em um poder mais alto que eu”.
O instrumento utilizado foi um protoco-
lo qualiquantitativo composto de um questionário Procedimentos
sociodemográfico e escalas psicométricas. Os ins- Após liberação do projeto para execução
trumentos da pesquisa são descritos a seguir: pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de
Questionário Sociodemográfico - Instrumento Pernambuco (protocolo CEP/CCS/UFPE Nº
formado por 18 itens que avaliam variáveis de in- 405/11, 18.01.2012), procedeu-se ao recrutamen-
teresse da pesquisa, como grau de instrução, idade, to de participantes em seminários católicos da re-
informações relacionadas à vida familiar e profissio- gião metropolitana de Recife/PE, os quais, após
nal e outras variáveis relativas às práticas religiosas apresentação dos objetivos da pesquisa e assina-
e formativas. Item típico: “Com qual a idade você tura dos termos de consentimento livre e esclare-
ingressou no seminário? ............................ anos”. cido, receberam os instrumentos da pesquisa en-
Escala de Autoconsciência Situacional (EAS) feixados num questionário, com tempo livre para
- Escala de tipo Likert construída e validada por resposta. As informações foram posteriormente
Nascimento (2008), constituída por 13 itens para sistematizadas e digitadas em planilha do software
a mensuração de níveis de autoconsciência-estado SPSS, versão 18, e conduzidas às análises estatísti-
ou situacional, em suas formas reflexão e rumina- cas aqui reportadas.
ção, e um terceiro fator de mediação icônica. As
respostas são dadas em escala de cinco pontos par- Resultados
tindo de 1 (discordo totalmente) até 5 (concordo Num primeiro momento, procedeu-se à
totalmente). Item típico: “Neste instante, eu avalio avaliação da dimensionalidade dos instrumentos
algum aspecto que me diz respeito”. do estudo através de cotejo triangulado da me-
todologia das facetas (Guttman, 1968; Roazzi, Figura 1. SSA das dimensões da EAS (*) (Proje-
1995; Nascimento, 2008) e exame da fidedignida- ção 3d, 1x2, Coeficiente de Alienação .13).
de pelo alfa de Cronbach, tal como preconizado
pela Psicometria (Hair, Anderson, Tatham & Bla-
ck, 2005; Nascimento, 2008). A teoria das face-
tas parte de uma perspectiva epistemológica que
pressupõe variáveis contínuas (não discretas), in-
ter-relacionadas numa complexa trama a outras, Ruminação Autoreflexão
● AS11. Refl ● AS10. Refl
dentro de um mesmo domínio de investigação, ● AS5. Rumi
As subescalas de Humor depressivo e Afeto Global (ERG) de Nascimento (2008) ser unidi-
positivo da escala CES-D de rastreamento popu- mensional, operou-se o cálculo de sua consistência
lacional para depressão tiveram sua matriz de interna pelo alfa de Cronbach (α = .71) com a ex-
correlações examinada por Análise de Estrutura clusão do item 4, cujo conteúdo se relaciona à di-
de Similaridade, para avaliação de sua dimensionali- mensão da fé da religiosidade global (Nascimento,
dade após a retirada dos itens com baixa comunali- 2008), por sua não saturação no fator considerado,
dade, resultando numa matriz composta pelos itens estando esse valor conforme o esperado pela psi-
remanescentes (seis itens). Os resultados podem ser cometria para fins de pesquisa e diagnóstico (Hair
examinados na Figura 2. et al., 2005; Nascimento, 2008).
Elucidada a questão da dimensionalidade
Figura 2. SSA das dimensões da CES-D (*) (Proje- das escalas psicométricas do estudo, procedeu-se ao
ção 3d, 1x2, Coeficiente de Alienação .02). exame das interrelações entre as variáveis através de
Análise de Estrutura de Similaridade (Similarity Struc-
ture Analysis) (Guttman, 1968; Roazzi, 1995; Nasci-
mento & Roazzi, 2013), auxiliada pelo método das
variáveis externas enquanto pontos (Cohen & Amar,
CES.8Pos * 1999) e cotejada com resultados de coeficientes de
CES.16Pos * correlação de Pearson entre as escalas e demais vari-
Afeto positivo
áveis do estudo (Hair et al., 2005).
A Análise de Estrutura de Similaridade foi
* CES.14Neg
* CES.9Neg
efetuada com os fatores das escalas EAS, CES-D
* CES.17Neg e ERG, usando-se o método das variáveis externas
Afeto negativo como pontos, para o vislumbre de relações empíricas
CES.12Pos *
entre a estrutura da base de construtos investigada
(autoconsciência, depressão, religiosidade global) e as
variáveis escolhidas – aqui em exame sendo conside-
O coeficiente de alienação encontrado de
radas as três etapas de formação presbiteral (Cohen
K = .02208 indica uma representação adequada dos
& Amar, 1999; Roazzi, 1995; Nascimento, 2008). Os
dados na projeção espacial, com uma partição de
resultados dessa estatística podem ser avaliados na
tipo axial dos dados, compondo duas facetas distin-
projeção SSA encontrada (Figura 3).
tas, localizadas sequencialmente da esquerda para a
direita: uma primeira região de contiguidade confor-
Figura 3. SSA dos fatores da EAS e da CES-D e
mada pelos itens 9, 14 e 17, caracterizadores de Afeto
itens da ERG (*) tendo-se como variáveis exter-
negativo ou depressivo, com os itens agrupados em nas as etapas de formação presbiteral (x) (Proje-
grande proximidade no plano superior do quadrante ção 3d, 1x2, Coeficiente de Alienação .09).
inferior esquerdo da projeção; e a aproximação dos
itens 16, 8 e 12 numa segunda região de contiguida- Religiosidade
de conformada por itens caracterizadores de Afeto * Reli2
* Reli5 * Reli1
positivo, estes localizados na extremidade direita, em * Reli3
absoluta oposição e distanciamento dos itens de afe- Negatividade
x Etap.Form1
x Etap.Form2
to negativo, com o item 12 posicionado menos pro-
* AS.Rumi
ximamente na porção final do quadrante inferior di-
reito. A consistência interna dos fatores medida pelo * CES.AfNeg
Positividade
alfa de Cronbach (α) foi de .79 para Afeto negativo
e de .64 para Afeto positivo, valores considerados
adequados pela psicometria para âmbito de pesquisa * AS. Refle CES.AfPosi *
O coeficiente de alienação encontrado de das das facetas foram trianguladas com o uso do
K = .09521 indica um excelente ajuste dos dados coeficiente de correlação de Pearson. Efetuou-se
no espaço multidimensional da projeção, com uma a análise das interrelações entre os fatores das es-
partição de tipo polar (angular) dos dados, isto é, calas ERG, CES-D e EAS e as variáveis sociode-
seus elementos constituem regiões cuneiformes, mográficas idade, idade de ingresso, frequência de
de forma circumplex, com limites partindo de atendimento a atividades religiosas, grau de instru-
uma origem comum, segundo Bilsky (2003). O ção e etapa da formação presbiteral, os resultados
espaço multidimensional estruturou-se compon- indicando que apenas a religiosidade global mos-
do três facetas distintas, localizadas em sentido trou-se correlacionada de forma estatisticamente
horário da esquerda para a direita: uma primeira significante e negativa com a etapa de formação (r
região de contiguidade conformada pelos elemen- = -.291, p < .05), evidenciando que há um decrés-
tos relacionados aos fatores Afeto negativo ou cimo nos índices de religiosidade no avançar da
depressivo e Ruminação ou autofoco ruminativo, formação presbiteral.
caracterizando a faceta nomeada Negatividade pela Através do coeficiente de Pearson, os es-
valência negativa, disfuncional, de seus elementos; cores das referidas escalas foram também inter-
uma segunda região de contiguidade conformada relacionados com as variáveis profissão, tempo
pelos itens 3, 5, 2 e 1 do fator de religiosidade glo- de pertença ao catolicismo, existência de familiar
bal, caracterizando a faceta nomeada Religiosidade com frequência no seminário e existência de fami-
pelo agrupamento dos itens de religiosidade nessa liar padre ou religioso, os resultados indicando que
região do espaço dimensional; e uma terceira re- apenas a variável profissão mostrou-se de forma
gião de contiguidade conformada pelos elementos estatisticamente significante e positiva inter-rela-
relacionados aos fatores Afeto positivo e Autor- cionada com o fator Ruminação da EAS (r = .617,
reflexão ou autofoco reflexivo, caracterizando a p < .05), revelando que, nessa amostra, aqueles que
faceta nomeada Positividade pela valência positiva, já tiveram alguma experiência profissional apre-
construtiva e adaptativa de seus elementos. sentam uma tendência a se autofocalizarem em
O exame das relações das variáveis ex- modos ruminativos e ansiosos. Por fim, os fatores
ternas (etapas de formação) com a estrutura dos das escalas foram relacionados entre si com uso
construtos na projeção indicou o posicionamento do coeficiente de Pearson, os resultados indicando
do subgrupo de seminaristas da Etapa de formação que três interrelações revelaram-se estatisticamen-
1 (propedêutico) na porção inferior do quadrante te significantes – a saber, Afeto Negativo de forma
superior direito (faceta Religiosidade), próximo positiva com Reflexão (r = .303, p < .05) e com
dos itens de religiosidade e do fator Ruminação Ruminação (r = .375, p < .01) e de forma negativa
(faceta Negatividade). O subgrupo de seminaris- com Afeto Positivo (r = -.356, p < .05) –, as quais,
tas da Etapa de formação 2 (Filosofia) encontra-se conjuntamente, evidenciam nessa amostra uma
dentro ainda dessa faceta de Religiosidade, próxi- tendência dos seminaristas de experienciar afetos
mo dos indivíduos da Etapa de formação 2 e do penosos e depressivos, mesmo em sujeitos mais
fator Ruminação, no entanto, mais distanciado dos reflexivos, e também um fator protetivo do afeto
itens de religiosidade componentes dessa região positivo, o qual, quando presente em níveis eleva-
dimensional. Por fim, o subgrupo de seminaristas dos, não é acompanhado de índices de depressão,
da Etapa de formação 3 (Teologia) localiza-se no segundo as análises efetuadas.
extremo inferior da faceta Positividade, equidis-
tante tanto dos itens de religiosidade (faceta Reli- Discussão
giosidade) quanto dos fatores Ruminação e Afeto A partir da hipótese inicial de pesquisa,
negativo ou depressivo (faceta Negatividade), a que seria investigar a vida institucionalizada do se-
meio termo entre Autorreflexão e Afeto positivo. minarista católico como possível provocadora de
Para aprofundamento do exame das inter- riscos psicopatológicos, os dados desta pesquisa
relações entre as variáveis, as análises multivaria- tendem a dialogar com a literatura da formação
presbiteral dentro da literatura psicológica, em da escala CES-D apresente escores altos, ele não
especial da Psicologia da Religião e da Psicologia indica necessariamente a presença do transtorno
Pastoral (Francis et al., 2013; Belzen, 1996), como depressivo; segundo Silveira e Jorge (1998), os al-
também com os documentos da Igreja que acaudi- tos escores seriam mais bem interpretados como
lham a formação seminarística. desconforto emocional. Dessa forma, a relação da
Um dos achados da pesquisa trata-se da diminuição do afeto positivo à medida que o afeto
presença dos fatores Autofoco reflexivo e Rumi- negativo aumenta, achado relevante da pesquisa,
nação em índices simultaneamente altos e rela- parece indicar, neste trabalho, a confirmação de
cionados a sinais de depressão (afeto negativo). riscos psicopatológicos, os quais necessitam ser
Considerando que a formação presbiteral dos se- averiguados em seus aspectos particulares por ou-
minaristas ocorre em um contexto institucional no tras ferramentas metodológicas.
qual a vigilância por parte da equipe dirigente e Esse aspecto na formação presbiteral pa-
também a regulação do comportamento entre os rece encontrar convergência no relato de Benelli
próprios seminaristas são fatores estressantes (Be- (2003), que discute a descontinuidade entre o dis-
nelli, 2003; 2007; Goffman,1987), tais questões, ao curso institucional oficial e as práticas institucio-
não serem manejadas adequadamente, poderiam nais do seminário por ele investigado, descontinui-
desembocar no aspecto ruminativo do self, provo- dade essa vivenciada pelos seminaristas de modo
cando nos sujeitos um constante estado de alerta e agonístico, eivado de angústica e autoculpabiliza-
autorregulação, numa demanda de esforço cogniti- ção, somatizações e escotomizações, em que se
vo ininterrupto para sustentar e focalizar a atenção tenta esquecer o que está graficamente percebido
sobre si mesmos, de modo a afastar qualquer com- da referida descontinuidade.
portamento ou evento ameaçador (Zanon, 2009; No caso apresentado, no qual os escores em
Morin, 2006; Nascimento, 2008). Ruminação e Reflexão são altos, a literatura traz a ti-
É lícito supor que o próprio ato de respon- pologia apresentada por Trapnell e Campbell (1999;
der ao protocolo de pesquisa pode ter sido interpre- Zanon, 2009), na qual estariam relacionados com
tado como um evento ameaçador, tendo em vista ajustamento e coping e configurariam quatro grupos:
que, durante o processo formativo, os seminaristas Adaptativo (altos escores em Reflexão e baixos em
são constantemente avaliados, podendo os resulta- Ruminação), Repressivo (baixos em Reflexão e Rumi-
dos dessas avaliações determinar a sua permanência nação), Sensitivo (altos em Reflexão e Ruminação) e
no seminário, em semelhança ao relatado por Benelli Vulnerável (altos escores de Ruminação e baixos de
(2003), cuja trajetória em pesquisa, desde os primei- Reflexão). A amostra estudada é congruente com a
ros contatos com os seminaristas, foi marcada por descrição do grupo Sensitivo, que Zanon (2009, p. 17)
fantasias destes de espionagem, de possível delação caracteriza como aqueles que “mostraram-se curio-
ou de cobaias submetidas a experimentos em relação sos sobre si e sobre os outros, contudo parecem es-
ao papel do pesquisador na instituição. tar motivados por necessidades neuróticas (medos
Na esteira dos fatores Autorreflexão e Ru- e ameaças). Eles pareceram bastante preocupados
minação, está a relação destes com o fator Afeto com informações negativas, superestimando seus
negativo da CES-D; a literatura aponta a relação efeitos”. Nesse contexto, a Reflexão, segundo a li-
do fator Ruminação com afetos negativos, con- teratura, pode apontar como preditora de bem-estar
sistindo numa cadeia de pensamentos repetitivos psicológico, como também pode acentuar limitações
(Nascimento, 2008; Nascimento & Roazzi, 2013; e fracassos, tornando as pessoas menos otimistas e
Zanon, 2009). Contudo, o fator Autorreflexão, que felizes. A relação da Reflexão com a saúde psíquica
se trata de pensar sobre o self a fim de obter auto- parece estar ligada ao contexto sociocultural no qual
conhecimento, pode se relacionar a pensamen- as pessoas estão inseridas; porém, Fleckhammer (ci-
tos positivos ou negativos (Trapnell & Campbell, tado por Zanon, 2009) constatou que, no grupo de
1999), mas com controle espontâneo do sujeito pessoas em que os índices de Ruminação e Reflexão
(Nascimento, 2008). Embora o Afeto negativo são altos, também a ansiedade se encontra elevada.
Dessa forma, parece que a Reflexão, mesmo alta, ligiosidade decai, achado antagonista ao de outras
não anula os efeitos negativos da Ruminação. pesquisas em psicologia da religião, que eviden-
Partindo desses dados, pode-se confron- ciam um incremento de religiosidade conforme o
tar o que Nouwen (citado por Benelli, 2008) colo- conhecimento da religião aumenta (Nascimento,
ca sobre a percepção que se tem do seminário, que 2008). Essa questão toca em um ponto nevrálgico
substitui a ideia de ser um lugar de pessoas felizes da formação presbiteral: a dimensão espiritual, que
e autoconfiantes por um de pessoas problemáti- é tida como extremamente relevante, segundo o
cas e confusas, em um ambiente deprimido, o que decreto Optatam Totius (Igreja Católica, 1965), ao
parece lançar as bases de marcada psicopatologia lado das dimensões humano-afetiva, pastoral, co-
posterior (Knox et al., 2007). munitária e intelectual (CNBB, 1994; 2010). Colo-
Um dado apontado pela pesquisa foi o camos em primeiro lugar na consideração sobre
da relação entre exercício profissional anterior à esse achado o engessamento institucional, no qual
entrada no seminário e o fator Ruminação, acha- o modus operandi da instituição seminário, apesar
do que pode ser interpretado pela acentuação de das frequentes práticas religiosas como liturgia
dependência decorrente. Tendo em vista que, du- das horas, missa diária, reza do terço etc. (Benelli,
rante o itinerário formativo-religioso do semina- 2007), tornaria a experiência religiosa algo auto-
rista, é necessária a dedicação exclusiva e integral mático e impessoal, ausente de fé como um enga-
do tempo para a formação intelectual, as práticas jamento pessoal vicário, conforme discute Nasci-
religiosas e as atividades pastorais, não lhe resta mento (2008). Nessa direção, torna-se inteligível
tempo para se dedicar a alguma atividade laboriosa a exclusão do item 4 da ERG para as análises do
extramuros. O seminário mantém os seminaristas, estudo, exatamente o item que trata do substrato
ao menos em suas necessidades básicas: estudo, de fé da religiosidade, o que ecoa os achados de
moradia, alimentação; todavia, relatos de pesqui- aridez espiritual marcante em clérigos por Büssing
sa (Benelli, 2007) apontam para o desconforto et al. (2013). Outro fator relevante notifica o fato
com a situação de dependência estabelecida com de a formação presbiteral acontecer pari passu à
a instituição. Em relação a esse achado, levanta- formação universitária, período este tipicamente
se a interpretação de que aqueles que vivenciaram racionalista e que afetaria a experiência religio-
independência financeira e senso de autonomia sa. Todavia, essa explicação precisa ser mais bem
proporcionados por alguma atividade profissional elucidada; é claro que a dimensão espiritual está
se questionam mais e se sentem menos satisfei- imbricada por diversas questões sociais, históricas,
tos com essa situação, hipótese essa que encontra linguísticas, teológicas e filosóficas que atravessam
correspondência com os dados de Benelli (2007), o homem na sua relação com o sagrado, inclusive
que relata a dor possivelmente vivenciada com a aquelas que tangem à dimensão psíquica, nas quais
perda da liberdade, da autonomia pessoal e eco- as inconscientes não são menos relevantes do que
nômica e também da vida eventualmente dinâmica as conscientes (Alleti, 2008; Massih, 2009).
e produtiva antes da admissão no seminário. Na É relevante pontuar que, tanto no status
esteira dessa dinâmica laborativa prévia, encontra- quaestionis da produção em autoconsciência quan-
se a relação entre profissão e idade de ingresso no to na literatura sobre formação presbiteral, existe
seminário, mostrando que os que tiveram alguma escassez de estudos na literatura internacional e
experiência profissional ingressaram no seminário nacional, o que fez o mote deste estudo ser des-
mais velhos do que aqueles que não a tiveram, o bravador ao investigar a formação presbiteral na
que interfaceia com o aumento das chamadas vo- relação com os processos de autoconsciência no
cações tardias (CNBB, 1994; 2010). tocante ao campo da psicologia, a partir de uma
Outro achado relevante de pesquisa foi a perspectiva sociocognitiva da religião. Entre os
relação entre etapa de formação e o fator de Re- poucos estudos prévios nessa seara, Nascimento
ligiosidade global, que demonstra que, à medida (2008) encontrou uma relação protetiva da religio-
que o percurso formativo avança, o índice de Re- sidade contra a emergência de formas ruminativas
de autofocalização, relato que vai de encontro aos Batistoni, S. S., Neri, A. L., & Cupertino, A. P.
achados desta presente pesquisa, em que, por um (2007). Validade da escala de depressão do Center
lado, a progressiva entrada no mundo simbólico for Epidemiological Studies (CES-D) entre idosos bra-
da formação presbiteral cursa com decaimento da sileiros. Revista de Saúde Pública, 41(4), 598-605.
religiosidade e, por outro, foram encontradas rela-
ções entre Afeto negativo e as autofocalizações de Belzen, J. A. (1996). Methodological perspecti-
tipo benigno (Autorreflexão) e maligno (Rumina- ves on psychopatology and religion: A historical
ção), traçando um perfil preocupante em torno de review. In H. Grzymała-Moszczynska, & B. Beit-
uma formação seminarística que parece tencionar Hallahmi (Orgs.), Religion, Psychopatology and Coping
o sujeito de tal maneira que mesmo os que têm (pp.23-34). Amsterdam: Editions Rodopi.
uma dinâmica reflexiva não escapam da cristali-
zação de dinâmicas afetivas de valência negativa, Benelli, S. J. (2003). Pescadores de homens: a produção
relacionadas a quadros depressivos (Radloff, 1977; da subjetividade no contexto institucional de um seminá-
Silveira & Jorge, 1998). Há que se pontuar a inves- rio católico. Dissertação de mestrado não publicada,
tigação subjacente da própria dimensionalidade da Universidade Estadual Paulista, Assis, Brasil.
autoconsciência em termos de Ruminação e Refle-
xão, proposta por Trapnell e Campbell (1999), que Benelli, S. J. (2007). A produção da subjetividade na
tem sido averiguada de forma heurística por estu- formação contemporânea do clero católico. Tese de dou-
dos de Nascimento (2008; Nascimento & Roazzi,
torado não publicada, Universidade de São Paulo,
2013) e que tem se revelado preciosa na ilumina-
São Paulo, Brasil.
ção de riscos psicopatológicos nas populações in-
vestigadas, o que põe em exigência o investimento
Benelli, S. J. (2008). Estudo psicossocial de um
na avaliação de instrumentos que mensurem com
seminário teológico: a formação do clero católico
fidedignidade esse construto, algo que este estudo
em análise. Estudos de Psicologia, 13(3), 203-211.
também oportunizou.
Considerando a complexidade dos fenô-
Berger, P. (1985). O dossel sagrado: Elementos para
menos aqui refletidos em luz crítica, urge que se
uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulinas.
estimulem estudos interdisciplinares e sociocogni-
tivos como este que ora é apresentado, que promo-
Bilsky, W. (2003). A Teoria das Facetas: noções bá-
vam um frutífero intercâmbio entre a Psicologia e
sicas. Estudos de Psicologia, 8(3), 357-365.
as diretrizes da formação presbiteral preconizadas
pela CNBB e pelos documentos pós-conciliares,
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Recebido em 12/04/2015