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“NÃO SÃO ROUPAS DE MENINAS, SÃO ROUPAS” 
ROSANE PRECIOSA SEQUEIRA1 
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Professora da Universidade Federal de Juiz de Fora, rosane_preciosa@yahoo.com.br 
 
 
Resumo:  Partindo de uma declaração do ator, cantor, dançarino teen Jaden Smith, amplamente divulgada 
nas mídias sociais ‐ “Fui à TopShop comprar algumas roupas de garotas, quer dizer, ‘roupas’” –, esse artigo 
busca refletir sobre o borramento de fronteiras entre o masculino/feminino pelo viés da experimentação do 
uso das roupas.  
 
Palavras chave: roupas, masculino/feminino, devir 
 

1. Roupas e possibilidades de invenção 
Talvez sejam os moradores de rua os que mais “inventam” com seus modos de portar as roupas no corpo. 
Basta  trafegar  pelas  ruas  das  cidades  para  vislumbrar  composições  das  mais  imprevistas,  das  mais 
exuberantes,  de  se  compor  uma  aparência.  Segundo  a  perspectiva  de  alguns,  trata‐se  de  composições 
vestimentares resultantes da mais completa indigência em que vivem. De acordo com essa lógica, restaria‐ 
lhes tão somente vestirem‐se com peças de vestuário que lhes chegam às mãos, provenientes do lixo que a 
cidade  expele.  Não  haveria  um  critério  de  escolha,  cobririam‐se  com  o  que  encontrassem  disponível. 
Suspeito um pouco disso. Bom, mas o que vemos? Homens usando roupas que, a princípio, pertenceriam a 
um código vestimentar feminino, feminino esse estabelecido como padrão compartilhado socialmente por 
todos. Por outro lado, podemos observar mulheres trajando roupas saídas de armários masculinos.  
Em  ambos  os  casos,  embaralham‐se  os  códigos  do  vestir  em  que  aprendemos  a  nos  conduzir,  a  nos 
representar.  Aliás,  isso  é  o  que  exercitamos  diante  do  espelho,  em  nosso  dia‐a‐dia.  Nele  enxergamos 
menina ou menino. Importante frisar que esse processo de se nomear dessa maneira começa quando os 
pais,  orgulhosos  com  o  nascimento  do  rebento,  anunciam  a  todos  entusiasmados  o  sexo  da  criança:  é 
menina  ou  é  menino!  E  começam  a  chegar  os  presentes,  em  tons  rosa  e  azul.  Confiantes  nesse  “dado” 
biológico, é todo um processo de afirmação do masculino ou do feminino que trataremos de desdobrar ao 
longo de nossa vida: são traçados planos para nós, em busca de reiterar uma ou outra posição. Mas parece 
que  algo  pode  escapar  dessa  lógica  binária.  É  quando  o  sexo  não  mais  determina  o  gênero,  nem  sequer 
uma  forma  única  de  manifestar  o  desejo.  Mas  vou  parar  por  aqui,  pois  não  é  essa  a  abordagem  que  me 
mobiliza escrever esse artigo. 
Se inicio mencionando os modos de apropriação nada convencionais do vestuário pelos moradores de rua, 
é porque, para além do cruzamento de fronteiras de gênero que em muitos casos é visível, me interessa 
nesse  momento  sublinhar  a  contundência  com  que  eles  fazem  fugir  um  mundo  normativo  em  que  nos 
ancoramos,  com  suas  regras  e  preceitos  vestimentares,  que  pretendem  nos  apaziguar  diante  de  um 
turbulento  mundo,  que  nos  provoca  constantemente  com  sua  pluralidade  de  forças  que  resistem  a 
interpretações  simplistas.  Cabe  dizer  também  que  ainda  que  vivam  em  situações‐limite  em  condições 
precárias, isso não exclui de modo algum uma força de invenção perceptível no modo de composição das 
roupas  em  seus  corpos.  Sob  um  olhar  mais  generoso  e  empenhado  em  ver  o  Outro,  reconhecemos 
combinações  inusitadas  de  padronagens,  cores  e  usos  além  dos  previstos.  Vou  carregar  um  pouco  nas 
tintas e me aventurar a dizer que há ali uma atmosfera de experimentação que força passagem a estados 
inéditos de composição subjetiva. 

CIMODE 2016 - 3º Congresso Internacional de Moda e Design | ISBN 978-972-8692-93-3 1381


 

 
“Há uma  experimentação  subjetiva que acontece  nos grupos marginalizados ou oprimidos  que, por 
manterem  uma  distância  ao  mesmo  tempo  desejada  e  forçada  em  relação  aos  focos  de  poder,  se 
descolam mais facilmente da subjetividade normalizada” (CAIAFA, 2000). 
Pelas cidades movimenta‐se uma multidão “plural, heterogênea, centrifuga” (PELBART, 2000), que possui a 
potência  de  embaralhar  códigos,  desvirtuá‐los,  até  mesmo  desertá‐los.  Estou  falando  aqui  de  fluxos  de 
desejos nômades que circulam por aí sem autorização, trajando seus modos de pensar, de viver, de amar, 
de afetar e ser afetado, tecendo o espaço com suas linhas multidirecionais, resultantes dos agenciamentos 
que vão se dando ao acaso dos percursos. 
Talvez  caiba  mencionar  de  passagem  um  desses  inúmeros  protagonistas  que  erram  pelas  metrópoles  do 
Brasil.  Seu  nome  é  Jayme  Fygura,  um  homem  negro,  espécie  de  lenda  viva,  que  circula  pelas  ruas  do 
Pelourinho,  em  Salvador.  O  que  se  conta  é  que  ninguém  jamais  viu  seu  rosto.  No  lugar  do  rosto  uma 
máscara, por ele forjada, bem como sua roupa, espécie de armadura‐sucata. Como abordar então alguém 
que  se  define  menos  por  um  rosto  do  que  pelos  trajetos  que  vai  traçando?  Afinal,  somos  viciados  em 
rostos. Apostamos que eles podem nos dizer quem somos. Ledo engano. 
 

2. Há sempre quem desvie dos códigos vestimentares vigentes 
Patrice Bollon, em seu livro A Moral da Máscara, nos introduz a um universo de múltiplas aparências que, 
ao  longo  da  historia,  contestaram  visões  de  mundo  homogeneizantes,  normativas,  e  que  recorreram  à 
força da vestimenta para afirmar desvios, esquivando‐se de sentidos de mão única. 
“Sempre  existiram  indivíduos  (...)  que  se  expressassem  e  se  afirmassem  através  de  um  estilo(...). 
Homens e certamente mulheres também – que pretendem com sua aparência contestar um estado 
de  coisas, uma escala de valores, uma hierarquia  de  gostos, uma moral,  hábitos, comportamentos, 
uma  visão  de  mundo  ou  um  projeto,  tais  como  são  refletidos  pelo  traje  dominante,  pelo  estilo 
obrigatório ou pela referencia estética comum da sociedade em que vivem (...)”(BOLLON, 1993). 
O autor nos apresenta uma dimensão da roupa que me interessa enfatizar: a de que é preciso percorrer as 
superfícies e nelas buscar decifrar não o que são aqueles corpos vestidos, mas o que estão sendo. E estes 
corpos  podem  aderir  às  determinações  mais  cristalizadas  de  um  campo  social,  mas  também  podem 
quebrar  seus  roteiros  mais  consolidados,  instaurando  outras  realidades  possíveis,  pavimentando  outros 
percursos.   
As  roupas  são  possibilidades  de  construções  de  nós  mesmos,  modos  de  subjetivação,  e  não  exatamente 
revelam  o  que  somos.  Pressupomos  equivocadamente  que  há  uma  interioridade,  um  segredo,  a  ser 
contado sobre nós, e as roupas nos auxiliariam nessa direção, esclarecendo quem somos. Este é um modo 
de pensar que descarta o que é processual em nós mesmos, e isso é o que nos caracteriza como viventes: 
estamos  sujeitos  a  mutações.  Logo,  importa  mais  buscar  na  roupa  um  disparador  para  os  modos  desse 
sujeito  “coreografar‐se”  em  seu  cotidiano:  suas  roupas,  sua  gestualidade,  as  ruas  por  onde  anda,  os 
ambientes  por  onde  circula.  Importa  pensar  a  roupa  em  diálogo  com  modos  de  existência,  em  que  se 
entrosam simultaneamente os espaços privado e público.  
Ou seja, um sujeito é alguém em processo que dialoga com um campo social em processo. Nesse sentido, 
mais  do  que  pensar  nas  roupas  como  um  simples  encaixe  em  valores  consolidados  socialmente  e 
culturalmente,  e  sabemos  que  essa  é  uma  dimensão  em  nada  desprezível  de  se  pensar  as  roupas  que 
vestimos,  buscamos,  no  entanto,  o  revés  disso:  pensar  a  roupa  como  invenção  de  um  estilo,  e  este  será ́
transitório.  
Penso  em  estilo,  ao  menos  provisoriamente,  como  a  realização  de  unidades  de  significação  que  vão  se 
constituindo e dando sentido a uma existência. O estilo seria menos então obedecer a algo herdado, que se 
adquire passivamente, do que o motor de vir a ser outra coisa. 

 
 
 
CIMODE 2016 - 3º Congresso Internacional de Moda e Design | ISBN 978-972-8692-93-3 1382
 

 
“No estilo, atenta‐se para a manifestação de uma subjetividade em vias de exteriorizar‐se (...) o estilo 
é o indicador de uma potencia corporal, e de um aceno ao irrecusável convite, inconsciente e atávico, 
da existência a ser cumprida, a ser feita (SANTOS CORRÊA DOS, 2014, p. 81). 
A ideia de transitoriedade do estilo interessa para assinalar o fato de que não ficamos indiferentes ao que 
nos acontece. Habitamos os fluxos da vida, e com eles vamos costurando nossas histórias, protagonizando 
nossas histórias, devindo outros. 
Há no contemporâneo, sabemos todos, uma imensa variedade de modos de usar as roupas, que afirmam, 
cada vez mais, um jeito plural de se vestir. Falo de um espectro visualmente heterogêneo de possibilidades 
de invenção  de arranjos visuais, que de algum modo surpreendem  a  Moda, forçando‐a a  “escutar” essas 
novas paisagens visuais que vão se formando diante dela e que, se por um lado a desequilibram, afinal nos 
afligimos  diante  do  inominável,  por  outro  lhe  acena  possibilidades  de  renovação.  Não  podemos  nos 
esquecer  de  que  Moda  e  Capitalismo  andam  de  braços  dados  e  ela  é  um  dos  dispositivos  com  que  o 
Capitalismo conta para se turbinar, seu investimento na subjetividade é maciço e despudorado. 
Viciada  em  identidade,  no  idêntico  e  não  no  múltiplo,  a  Moda  fará  de  tudo  para  dobrar  aquela  força‐ 
invenção,  de  forma  a  gestá‐la,  amansá‐la,  para  que  caiba  em  modelos  de  reprodução  hegemônicos, 
serializados. No entanto, curtos‐circuitos acontecem, e não podemos subestimar a força do desejo que está 
sempre secretando experimentações subjetivas, criando territórios existenciais inauditos, alterando modos 
de vida. Há sempre a possibilidade de reviravolta à espreita. 
 

3. Jason  Smith,  um  possível  corte  na  lógica  binária  instituída:  roupa de  menino, 
roupa de menina 
Eu nunca ouvira falar de Jason Smith, E de repente me deparei nas redes sociais com um jovenzinho negro 
americano,  apresentado  como  filho  do  ator  Will  Smith,  dizendo  uma  coisa  que  ecoou  nos  meus  ouvidos 
com algum frescor. Diz ele em uma postagem de seu instagram: “Fui à TopShop comprar algumas roupas 
de garotas. Quer dizer, ‘roupas’. “ 
Antes  de  mais  nada  talvez  seja  importante  situar  a  TopShop,  marca  de  fast‐fashion  de  origem  inglesa  e 
única do segmento a desfilar na Semana de Moda londrina. Ela é sim cobiçada pelos fashionistas, e definida 
por três de seus atributos infalíveis: o bom, o bonito e o barato.  
Pareceu‐me auspicioso ouvir essa frase, tão descomplicadamente dita por alguém de 17 anos, sobretudo 
porque  a  roupa  deixava  de  ser  roupa  de  menino  ou  menina  e  ganhava  um  status  singular:  era  apenas 
roupa. Desse modo, era possível supor que tudo dependeria do jeito que cada um se apropriaria da roupa, 
com  ela  construindo  montagens  que  fizessem  sentido  para  si.  O  que  me  animava  era  um  esgarçamento 
anunciado de uma história das roupas prontas para representar meninos ou meninas. Em seu lugar, surgia 
uma  geografia  das  roupas,  que  pudessem  deslizar  pelo  corpo  formando  relevos  inesperados,  capazes  de 
construir algumas paisagens inéditas. 
Talvez  seja  empolgação  demasiada  minha,  mas  li  nesse  gesto,  de  apenas  comprar  roupas  e  ponto,  uma 
pequena deserção de um mundo tomado como único, idêntico, fechado em suas convicções dicotômicas. 
Talvez  fosse  mais  do  que  embarcar  num  devir  feminino,  o  que  não  é  pouca  coisa,  num  mundo 
predominantemente  branco,  macho,  europeu,  mas  embarcar  num  devir  alguma  coisa  ainda  não 
estratificada, solidificada. Sair de um lugar para se situar em algum outro, sem saber de antemão qual. O 
que me interessou pensar é a possível abertura a um processo de experimentação de devires, a roupa aqui 
funcionando como dispositivo para realizar essas passagens.  
Acredito  que  as  roupas  possam  ser  vistas  como  atos  de  criação,  carregando  consigo  uma  potencia  de 
desencadear  outros  territórios  de  referencia.  Podem  funcionar  então  como  intercessores  que  forçariam 
aqueles que a vestem a se desterritorializar, a promover desvios, a articular propositais desencaixes. 
 
 
 
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É  importante  que  se  diga  que  o  gesto  de  Jaden  Smith  é  potente,  na  medida  mesmo  que  não  se  o  tome 
como  uma  nova  referência.  Ao  dizer  “não  são  roupas  de  meninas,  são  roupas”  essa  ausência  de  um 
complemento que defina a roupa, a meu ver, pode ser liberadora, pois sustenta uma posição fronteiriça. 
Mas, como sustentar uma posição descodificada? Como permanecer num lugar incômodo para se capturar, 
uma vez que é isento de espessura que comunique um sentido, uma inteligibilidade, palavras de ordem a 
serem reproduzidas? Não apenas isto, mas também como a Moda funcionaria sem comunicar tais palavras 
de  ordem,  ainda  que  venham  belamente  travestidas,  sem  fazer  apelo  a  um  interlocutor  acostumado  a 
ansiar por uma servidão hype, que, sabemos, azeita a máquina capitalista da Moda? 
Leio  que  Jaden  Smith  é  a  estrela  da  campanha  feminina  da  Louis  Vuitton  para  a  coleção  Series4.  Alçado 
instantaneamente a arauto da dissolução das fronteiras de gênero, na medida em que a marca decreta que 
suas atitudes vestimentares sempre revelaram ser ele alguém a favor da não‐diferenciação de gênero nas 
roupas,  parece‐me  que  nesta  captura  a  não‐diferenciação  de  gênero  passa  a  ser,  de  agora  em  diante,  a 
nova identidade. O que quero dizer com isso é que, de lugar de errância, de deslocamento de significantes 
consagrados  para  outros  contextos  imprevistos  a  campanha  produzirá  um  “manual”  soberbo  de  como 
construir  para  si  um  “look  dissolução‐de‐fronteiras‐de‐gênero”,  contando  para  isso  com  o  requinte 
imagético indiscutível, tendo em sua produção talentos como o designer Nicolas Ghesquière e o fotógrafo 
Bruce Weber. 
Aqui cabe um breve parêntesis: curioso pensar que a própria condição de habitar uma fronteira, e esse é o 
lugar de onde ele desponta, carrega consigo o sentido de uma ausência de referente. No entanto, Jaden é 
convidado  a  participar  de  uma  campanha  conjugada  no  feminino:  um  menino  que  vestirá  roupas  de 
menina. 
É indiscutível que tal Campanha da marca Louis Vuitton provoca importantes reflexões sobre questões de 
gênero ao dar visibilidade à arbitrariedade das divisões tão naturalizadas entre nós do que seja masculino 
ou feminino. A Moda com muita habilidade vem lidando com os modos de parecer e aparecer de cada um 
de nós, e com toda sutileza vai renovado seus discursos que cada vez mais se conectam com as demandas 
do  corpo  social,  clamando  por  mudanças  éticas  e  estéticas.  Daí  ela  levantar  algumas  bandeiras  que  se 
revelam urgentes na atualidade. 
Mas não podemos ser ingênuos e nos esquecer de que ela, uma aliada do capital, é uma máquina eficiente 
e poderosa de produção de imaginários: sequestra a invenção, dispersa por aí, e a aprisiona em formatos 
estetizados, deslumbrantes, mas desvitalizados. Amplia o catálogo de opções de modos de existência, mas 
de  jeito  algum  favorece  a  emergência  de  modos  de  subjetivação  potentes,  autônomos,  que  inventem 
valores, ao invés de meramente reproduzi‐los. 
Eu me indago se, para além da dissolução de fronteiras de gênero, o mais revolucionário não seria habitar 
este  lugar  desestabilizador,  transitório.  Tomar  a  subjetividade,  fazendo  dela  um  campo  de  experimentos 
capaz  de  cometer  traições  a  pactos  sociais  instalados  em  que  nos  encaixamos,  as  vezes  de  forma 
demasiada,  inadvertida  e  irrefletidamente.  Afirmar‐se  enquanto  sujeito  que  ocupa  um  lugar  transitório, 
lugar de passagem de forças que o afetam, é muito diferente de afirmar qualquer espécie de identidade, 
que sempre opera a partir de um padrão dado, reconhecível. É atrever‐se a se singularizar, escapar das vias 
planejadas. Como nos dirá ́ Félix Guattari em companhia de Suely Rolnik, singularizar‐se é resistir aos modos 
de serialização. Isso implica travar micro combates, enfrentamentos cotidianos, que ponham em circulação 
outros desejos, outras sensibilidades, enfim, outros universos de referência para serem compartilhados. 
Claro  que  é  muito  mais  apaziguador  multiplicar  identidades,  porque  nos  faz  rodar  em  círculos  de  uma 
pretensa  vida,  do  que  afirmar  multiplicidades,  produzir  vida  em  variação.  E  vida  em  variação  é  coisa 
incapturável,  por  isso  mesmo  é  preciso  domá‐la,  circunscrevê‐la  com  palavras‐clichê  que  abafem  o  seu 
poder  centrífugo,  desestabilizador.  A  vida  não  cabe  nos  discursos  da  Moda,  cujo  imperativo  é  vender 
modos de vestir, que se cruzam com modos de existir. As estratégias comunicativas utilizadas, ainda que 
refinadas,  sufocam  de  antemão  o  espaço  necessário  para  que  outros  referenciais  ético‐estéticos  se 
formulem.  Tudo  tem  que  caber  o  mais  rápido  possível  num  nome  próprio.  É  preciso  comunicar,  afirmar 
 
 
 
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certezas,  forjar  coerências,  evitar  a  todo  custo  imprecisões  e  ambiguidades.  Não  podemos  esquecer  que 
tudo virá previamente legendado, mastigado. 
“Talvez  a  fala,  a  comunicação,  estejam  apodrecidas.  Estão  inteiramente  penetradas  pelo  dinheiro: 
não por acidente, mas  por natureza. É preciso um  desvio da fala. Criar foi sempre  coisa  distinta de 
comunicar. O importante talvez venha a ser criar vacúolos de não‐comunicação, interruptores, para 
escapar ao controle” (DELEUZE, 1992). 
Conforme mencionei no início desse artigo, penso a roupa como ato de criação, e busco então abordá‐la 
como  um  modo  de  explorar  sua  potência  plástica  capaz  de  abrir  rachaduras  nas  logicas  identitárias 
aprisionantes, que encerrariam certezas. Utópico isso? Para o psicanalista Edson Luiz, “todo ato de criação 
é  um  ato  utópico”  (SOUSA,  2004).  E  Utopia  para  ele  curiosamente  não  é  algo  que  remete  a  um  plano 
imaginário,  idealizado,  é  um  corte,  “tem  a  função  de  interromper  o  fluxo  das  lógicas  instituídas  e  abrir 
caminho para outros mundos possíveis” (idem, p.222). 
Seguimos  atentos  aos  rumores  de  nossa  época.  Se  digo  rumores  é  porque  ainda  se  trata  de  algo  em 
formação, que conta com a sutileza de nossa audição. Acredito que é desse jeito que vamos tomando pé 
dos  acontecimentos  à  nossa  volta.  Se  formos  afoitos,  acabaremos  por  espantar  aqueles  mais  inaudíveis, 
portanto  ainda  inclassificáveis.  Talvez  não  seja  oportuno  nos  apressarmos  a  forçar  uma  voz  para  eles, 
nomeá‐los  instantaneamente,  mas  sim  recepcionar  esse  “canto  esquisito”,  ao  menos  é  assim  que  nossos 
ouvidos viciados etiquetam sonoridades que desconhecem. 

Referências 
Bollon, P., 1993. A Moral da Máscara – merveilleux, zazous, dândis, punk, etc.. Rocco, Rio de Janeiro, RJ.  

Caiafa, J.,2000. Nosso Século XXI – notas sobre arte, técnica e poderes. Relume Dumará, Rio de Janeiro, RJ.  

Deleuze, G., 1992. Conversações. Editora 34. Rio de Janeiro, RJ. 

Dias, R., 2011.Nietzsche, vida como obra de arte. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, RJ.  

Exame, 2015.  Louis Vuitton divulga vídeo de Campanha com Jaden Smith[Online] Disponível em:< 
http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/louis‐vuitton‐divulga‐video‐de‐campanha‐com‐jaden‐smith> [Acesso 
em 20 de agosto de 2015] 

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CIMODE 2016 - 3º Congresso Internacional de Moda e Design | ISBN 978-972-8692-93-3 1385

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