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Barbosa, Raoni Borges.

O urbano como lugar


de memórias, pertença e medo: etnografias da
cultura emotiva da cidade de João Pessoa.
RBSE Revista Brasileira de Sociologia da
Emoção, v. 16, n. 48, p. 169-175, dezembro
de 2017, ISSN 1676-8965.
RESENHA
http://www.cchla.ufpb.br/rbse/

O urbano como lugar de memórias, pertença e medo: etnografias da cultura


emotiva da cidade de João Pessoa

The urban as a place of memories, belonging and fear: ethnographies of the emotional culture of the city of João Pessoa

Koury, Mauro Guilherme Pinheiro. dessemelhança entre os habitantes ur-


Etnografias urbanas sobre pertença e banos das cidades brasileiras na con-
medos na cidade: Estudos em Antropo- temporaneidade (Koury, 1999) e Par-
logia das Emoções. Coleção Cadernos que Solon de Lucena: espaço público,
do GREM N° 11. Recife: Editora Ba- potencial de urbanidade e desenvolvi-
gaço; João Pessoa: Edições do mento da cidade (Koury, 2004), - e or-
GREM, 2017, 336 pags. ganizados, enquanto unidade discursiva,
a partir, sobretudo, dos conceitos de
pertença e medos como norteadores e
Em seu mais novo livro, intitu- sintetizadores dos vínculos, envolvi-
lado Etnografias urbanas, sobre perten- mentos, experiências e vivências do ator
ça e medos na cidade: Estudos em An- e agente social comum no dia-a-dia da
tropologia das Emoções, Koury apre- cidade. Estes conceitos, por sua vez, são
senta e discute um conjunto de relatos enriquecidos por outras noções também
etnográficos sobre as sociabilidades caras à Antropologia das Emoções e a
urbanas, a cultura emotiva, os códigos uma análise compreensiva da relação
de moralidade, as memórias e histórias tensa entre indivíduo, sociedade e cultu-
e o cotidiano da cidade de João Pessoa – ra, tais como as noções de cultura emo-
PB, de modo a apresentar as trajetórias tiva, de self e de jogo social.
de mudança e transformação de sua Koury conduz a sua narrativa
paisagem humana e urbana. O autor sobre o urbano e o urbanismo na cidade
problematiza, nesse sentido, as estraté- de João Pessoa como lugar de memó-
gias de apropriação moral e de constru- rias, pertença e medo, desde a perspec-
ção identitária sobre a cidade, os bairros tiva de moradores, nascidos ou não na
e os lugares etnografados por parte de cidade, e que participaram enquanto
seus empreendedores morais e por parte informantes, entrevistados e responden-
do homem comum urbano. tes de surveys do processo de pesquisa
Trata-se, com efeito, de um apa- que gerou o livro em tela. As memórias
nhando de resultados de pesquisa e de levantadas pelo autor contam um passa-
reflexões teórico-metodológicas contex- do de pessoalidade, de tradições, de
tualizados em diversos projetos de pes- confiança no outro próximo e de relati-
quisa do GREM – Grupo de Pesquisa va paz social mediante a outrora bem-
em Antropologia das Emoções, - como sucedida administração das clivagens
os projetos Medos Corriqueiros: a sociais pela distância física e social dos
construção social da semelhança e da tipos sociais urbanos em uma cidade em
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acelerado processo de modernização Nesse sentido, Koury entende


conservadora. que a sua obra em questão compõem
O sentimento de pertença à ci- um mosaico das sociabilidades urbanas
dade de João Pessoa, nesse sentido, so- da cidade de João Pessoa, que, uma vez
freu um abalo considerável durante o observadas no tempo longo de mais de
século XX, em que a malha urbana se um século de história, e a partir de nar-
expandiu exponencialmente, vindo a rativas sobre memórias que remetem até
abrigar uma comunidade fragmentada os anos de 1950 e de acervos fotográfi-
de estranhos e desconhecidos, cujo o- cos que retratam um olhar moralizante e
lhar sobre a alteridade próxima é reche- elitista sobre a cidade entre os anos de
ado por sentimentos de medo e por es- 1870 e 1930, permitem ao pesquisador
tratégias de evitação. O lugar como per- compreender a gênese de uma cultura
tença, como coordenada espaço- emotiva atualmente pautada em senti-
temporal em que se constrói o jogo so- mentos de medo, - grandes medos e
cial interativo cotidiano com o outro medos corriqueiros, - e de pertença que,
próximo e com o outro generalizado, de forma ambígua e ambivalente, com-
cristalizando-se, por um lado, em um bina sentimentos de amor e ódio à cida-
saber comum e em campos simbólicos de.
que se tensionam reciprocamente; e, por João Pessoa, como lócus urbano
outro lado, na formação de modelos de em que se desenvolvem sentidos comu-
ação e de realidade dos selves individu- nitários e individualistas, - isto é, o sen-
ais em jogo comunicacional, aponta tido de si mesmo a partir do enraiza-
para o que Koury define como cultura mento originário articulado em tramas
emotiva, isto é, como o resultado objeti- de interação, o mim meadiano (Mead,
ficado de dos processos intersubjetivos 1934), - representa um mundo comum
em busca de reconhecimento, ajusta- específico, em que mapas mentais e
mento moral e de invenção e de rein- comunidades de afeto se fundam, se
venção do cotidiano. desintegram e se recompõem na ação
Nas palavras do autor (p. 11): dos selves individuais que movimentam
A cultura emotiva trata, assim, a vida cotidiana da cidade. O sentimen-
sobre as emoções no jogo situa- to de pertença, assim, implica um ser e
cional e como eles conduzem esse estar no mundo enquanto nós relacional,
jogo na prática comum da troca enquanto experiência de mundo e de
relacional, em que parceiros con- saber comum que informam linguagens
vivem e partilham concepções so- e gramáticas emocionais e morais pos-
bre o mundo comum em cena si- síveis de mobilização para a ação indi-
tuada. Nesse sentido, a cultura vidual e coletiva, assim como também
emotiva está recheada de senti- aponta para amplos processos de reifi-
mentos morais [...] O jogo entre cação da subjetividade e de enquadra-
cultura emotiva, sentimentos de
mento da intersubjetividade segundo
pertença, sentimentos de medos, e
moralidades, enquanto vicissitu- lógicas mercantis e de racionalidade
des tensionais da troca entre rela- instrumental, próprios da modernidade
cionais e de selves que buscam a capitalista e de sua consequente prolife-
negociação de posições pessoais e ração de objetos e de adensamento da
grupais nas interações situadas e cultura objetiva em detrimento da cultu-
experimentadas enquanto indivi- ra subjetiva.
duos, pessoas, ou como grupos ou De acordo com Koury (p. 22s):
comunidades, forma o conteúdo
trabalhado pelos capítulos que A tendência pra a atomização
compõem este livro. O universo é crescente do mundo e do homem
a cidade de João Pessoa. moderno fundamentaria, desta

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forma, a relação do homem com o ção do século XIX para o século XX,
seu lugar de origem, como uma até o despontar do século XXI.
relação de desconhecimento, co- O autor narra, assim, as várias
mo algo que se perdeu e não se ofensivas civilizadoras (Regt, 2017)
sabe onde, como sentimento me- empreendidas pela elite local pessoense,
lancólico, e de não mais reconhe-
em cooperação com as diretrizes políti-
cimento. O homem público invo-
luiria para a crescente esfera do cas nacionais, no sentido de administra-
privado. Processo que se realiza- ção e controle social da pobreza urbana,
ria através da apropriação do mim nas primeiras décadas do século XX,
como oposição ao nós e não como mediante a fundação de orfanatos, de
o seu complemento. O socius se- casas de abrigo para a mendicância, de
ria, então, tendido para a esfera centros de detenção para a delinquência
crescente da mercantilização e bu- e de treinamento e de disciplinamento
rocratização, que abrangeria mais da mão-de-obra, principalmente a de-
e mais o conjunto da vida moder- sempregada que tomava as ruas da ci-
na: excluindo de fundação a sub- dade. Ofensiva civilizadora também
jetividade, que passaria a ser vista
orquestrada como abertura de vias de
como a-social. [...]. A sociabilida-
de moderna desta maneira geraria acesso e de avenidas para o saneamento
a solidão dos indivíduos, com a e embelezamento do Centro da cidade,
falência da pessoa, enquanto tra- como quando da construção do Ponto
dição [...]. Em seu lugar assegura- Cem Réis, do Parque Arruda Câmara e
ria a emergência e a consolidação do ainda famoso Parque Solon de Luce-
do individualismo, entendido co- na, cartão-postal símbolo da cidade e
mo um conjunto de regras mer- cuja inauguração significou um já pre-
cantis e burocráticas do e no trato tensioso e significativo processo de ex-
com o público. A sociabilidade pansão e modernização da malha urbana
moderna seria entendia, desde en- de João Pessoa, nos anos de 1930, no
tão, como e através da objetifica-
sentido de extrapolação do seu sítio
ção das relações sociais.
histórico de fundação enquanto vila
Esta reflexão sobre o sentimento administrativa centenária de cunho reli-
de pertença, enquanto signo revelador gioso e militar. Processo este que viria
das formas e conteúdos do jogo social e consolidar-se com a edificação de con-
da relação entre self e cultura emotiva, juntos habitacionais de grande porte nos
conduz e organiza o olhar de Koury bairros do Centro, Torre, Tambiá, Ex-
sobre as sociabilidades urbanas da cida- pedicionário e Jaguaribe.
de de João Pessoa. Em um conjunto de Koury narra, ainda, a ofensiva
oito relatos etnográficos, compreendi- civilizadora localmente conhecida como
dos como descrição densa (Geertz, conquista do litoral, nos anos de 1950 e
1978), como objetificação participante 1960, em que foram calçados os gran-
(Bourdieu, 2003) e como exotização do des corredores viários Centro – Praia da
familiar (Velho, 1981), o autor narra a cidade: a Avenida Presidente Epitácio
história de processos de urbanização e Pessoa e a Avenida Ministro José Amé-
de expansão demográfica, de proletari- rico de Almeida, popularmente conhe-
zação, de destradicionalização e de peri- cida como Avenida Beira Rio. Este es-
ferização da cidade de João Pessoa, - e, forço de urbanização de grandes áreas
consequentemente, de seu habitus ou culminou com a construção de novos
cultura emotiva, tidos outrora como bairros, situados à orla, para as classes
provincianos, pessoalizados e pacatos mais abastadas, a partir dos anos de
pelos seus moradores, - desde a transi- 1970: os bairros de Tambaú, Cabo
Branco e Manaíra e, posteriormente,

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Bessa, Intermares e Altiplano, confor- relacionais. De acordo com o autor (p.


mando o cinturão urbano de moradias 79s):
de maior sofisticação e poder aquisitivo Na atual composição da cidade de
de João Pessoa. Em paralelo a esta aber- João Pessoa é possível perceber as
tura da cidade para o leste ocorreu tam- diferentes dinâmicas sócio-
bém a organização do modesto parque espaciais e culturais que a cidade
industrial urbano para o sul, seguindo as vem sofrendo, originadas pela
Avenidas Cruz das Armas e Dom Pedro forma de como a cidade é vivida
II. por seus habitantes e pela interre-
Nesse processo de acomodação lação entre os seus bairros. Essas
populacional e de demarcação imobiliá- dinâmicas parecem ser, também,
ria e moral das áreas da cidade segundo resultados das diversas interven-
ções e reconfigurações espaciais,
padrões de renda e ocupação laboral, a
culturais e socioeconômicas, que
população de baixa renda, - que no iní- dilatam e segmentam a diferenci-
cio do século se acomodava na Parte ação e o uso da cidade entre os
Baixa do Centro, nas ruas mais modes- diversos recortes de agrupamentos
tas do bairro do Varadouro e nas áreas populacionais existentes.
ainda não urbanizadas de encosta, man-
Diferenciações e segmentações
gues e matas nativas, - passa a encontrar que se apresentam em várias ver-
abrigo nos bairros de Mandacaru, Róger tentes. Através, por exemplo, da
e Cordão Encarnado, em um primeiro origem e do padrão socioeconô-
momento, e, já a partir dos anos de 1960 mico, ou mesmo através dos laços
e de 1970, nos novos conjuntos habita- de consanguinidade e tradição.
cionais financiados pelas políticas de Esta diferenciação pulverizada do
habitação do regime autoritário militar: uso da cidade parece criar, deste
os Conjuntos Castelo Branco (I - III), modo, duas entradas de ordena-
Ernesto Geisel, Costa e Silva, Valentina mento social, econômico e espa-
Figueiredo, Mangabeira (I - VII) e, mais cial, entre os habitantes do lugar.
De um lado, uma espécie de or-
recentemente, o bairro dos Bancários. A
dem hierárquica que organiza as
cidade de João Pessoa recebeu, à época, diferentes entradas e vivências na
um considerável contingente populacio- urbe, do outro, processos indivi-
nal expulso do campo de forma violenta dualistas que levam à segregação
e que veio a juntar-se com a sua popula- e estigma e montam uma estrutura
ção autóctone também em acelerado de estranhamento para o outro ha-
processo de crescimento, de modo que, bitante do lugar, ou ainda, uma
dos anos de 1970 a 1980 a população mistura de ambos, hierarquia e in-
urbana registrou um aumento de 62% e dividualismo, que parece criar um
a o crescimento urbano se ampliou em sentimento saudosista de relações
170% (Silva, 1997). existentes em um passado recente
e insegurança quanto ao futuro.
Koury, desta forma, apresenta ao
leitor a história social da cidade, - en- Koury explora de forma bastante
tendida como evolução urbana, como aprofundada estes processos hierarqui-
acomodação negociada e tensa de popu- zantes e individualistas de acessar a
lações e como disputas morais cotidia- cidade como lugar de afetos, de reco-
nas que conformam culturas emotivas nhecimento e de projetos, a partir, por
específicas, - na esteira de um processo um lado, da análise dos processos intra-
de tempo longo de estruturação dos vá- e interbairros de segregação e de estig-
rios e plurais lugares da cidade segundo ma. Por outro lado, o autor conduz e-
lógicas hierarquizantes de morar nos xercício analítico semelhante sobre a
seus lugares e viver nas suas tramas

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cidade com base nos sentimentos de como oficialmente Varjão e como ofi-
medos expressos pelos seus moradores. ciosamente Rangel. A dimensão identi-
No primeiro caso, o autor apre- tária oficial, com efeito, vem justamente
senta ao leitor uma descrição densa da a ser o signo de vergonha, enquanto que
cultura emotiva do bairro popular do a dimensão identitária oficiosa remete a
Varadouro, enfatizando os medos corri- signos de orgulho e a projetos coletivos
queiros que assaltam os moradores do dos moradores do bairro em busca de
mesmo, - tais como o medo do desem- reconhecimento e integração moral na
prego, da velhice, da solidão, o medo de cidade de João Pessoa.
serem expulsos da área pelo Poder Pú- Esta configuração moral e emo-
blico que se interessa pelo potencial cional do bairro deveras ambivalente e
histórico, mas decadente, do bairro, e o ambígua é acionada por cada morador
medo dos estranhos de fora que inva- em situação de vergonha, humilhação e
dem o bairro e acabam por reforçar a mesmo embaraço, que se vê impelido a
imagem estigmatizada de lugar proble- justificar-se como pessoa de bem, do
ma, perigoso e violento, que se constru- Rangel, e a acusar o outro próximo co-
iu sobre na cidade sobre o Varadouro. mo morador problemático e, portanto,
Enfatiza, ainda, como o sentimento de pertencente ao lugar Varjão. Varjão e
nostalgia por um passado de pessoali- Rangel, portanto, aparecem como dis-
dade, de tradição, de solidariedade, de cursos e posturas morais do mesmo mo-
festividades e de reconhecimento, ficou rador em relação à sociabilidade urbana
na memória dos moradores que insistem hierarquizante e excludente da cidade de
em permanecer no bairro. João Pessoa, reproduzida na dimensão
No mesmo diapasão, Koury pro- local do bairro, da vizinhança e da rua.
blematiza a relação bairro – cidade a Em relação aos sentimentos de
partir de uma objetificação participante medo expressos pelos moradores da
que reflete as sociabilidades cotidianas cidade de João Pessoa, Koury aborda as
e os processos de justificação de si e de emoções vinculadas aos medos corri-
acusação do outro como suporte de es- queiros, reais e imaginários, que ali-
tratégias de solidariedade e de conflito mentam os dissensos, as rupturas e as
no bairro do Varjão/Rangel. Este bairro estratégias de evitação no cotidiano de
popular, formado no processo de con- projetos, trajetos, escolhas e trajetórias
formação dos bairros para as classes morais e emocionais dos selves em jogo
menos abastadas, na década de 1970, a comunicacional. A partir da apreensão
partir da acomodação das comunidades destes medos, torna-se possível a per-
situadas na grande várzea do Rio Jagua- cepção de fenômenos sociais como or-
ribe, - por isto a sua nominação oficial dem, normalidade, estranhamento, per-
Varjão (de grande Várzea), é ainda hoje tencimento, e das fronteiras visíveis e
caracterizado pela intensa pessoalidade invisíveis do espaço societal e intera-
e pela acentuada copresença de seus cional. O autor, nesse sentido, aponta
moradores. para uma atualidade tensa, ambígua e
O bairro, tido pela cidade de Jo- recheada de medos corriqueiros em um
ão Pessoa como perigoso, violento, sujo contexto urbano caracterizado pelo
e moralmente degradado, apresenta uma crescimento acelerado e não planejado,
estratégia peculiar de processar as estra- e que passa a abarcar clivagens, seg-
tégias de envergonhamento que lhe são mentações e diferenciações sociais cada
direcionadas: o uso de desculpas de si e vez mais profundas, assim como dispu-
de acusações do outro a partir de um tas morais e cenas mais intensas de vio-
jogo de identificações e evitações em lência banal e cruel.
relação à sua identidade dupla e dúbia

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As percepções de medo dos mo- Koury faz uso, - ao explorar os


radores da cidade de João Pessoa, nesse sentimentos de medo como indicadores
sentido, foram categorizadas como falta de dinâmicas e contextos morais e emo-
de fé, falta de confiança e receio de er- cionais mais amplos, - do modelo sim-
rar e como falta de segurança pessoal ou meliano de análise do social como pro-
familiar. Por falta de fé, categoria bas- cesso intersubjetivo de construção e
tante presente nos bairros periféricos e cristalização de sentidos, em que conte-
populares, se compreende as emoções e údos e formas sociais se constrangem e
posturas morais que apontam para o se rearranjam de forma ininterrupta e
medo do morador de perder os sentidos indeterminada. Os sentimentos de me-
e os espaços mais tradicionais de sua do, nesse sentido, são entendidos como
comunidade de pertença e de reconhe- elementos inerentes ao espaço societal,
cimento. Por falta de confiança ou re- produto do encontro com a alteridade
ceio de errar, categoria bastante presen- enquanto ação que instaura o social e
te nos bairros de classe média da cidade, que implica em estranhamentos, riscos e
se compreende as emoções que indicam tensões jamais de todo solucionados no
os medos corriqueiros de não realizar os jogo social entre selves em comunica-
sonhos de consumo, as aspirações polí- ção e em produção de cultura emotivas
ticas e os projetos e narrativas de liber- e códigos de moralidade.
dade prometidos pela ideologia do mer- A presente obra de Koury, intitu-
cado e pelo ideal modernizante de soci- lada Etnografias urbanas sobre perten-
abilidade administrada pela técnica, ça e medos na cidade: Estudos em An-
pela ciência e pelo planejamento racio- tropologia das Emoções significa não
nal. Esta categoria, como efeito, englo- somente uma densa compilação de re-
ba os medos corriqueiros em relação ao sultados de pesquisas sobre a cidade de
fracasso individual, do corpo, no âmbito João Pessoa e de reflexões teórico-
profissional e nas relações amorosas. metodológicas sobre o urbano, o urba-
Por falta de segurança pessoal ou fami- nismo e a formação do self e da cultura
liar, categoria mais expressiva nos bair- emotiva na modernidade brasileira, -
ros tradicionais e abastados, - e que nas pesquisa estas desenvolvidas e amadu-
últimas décadas sofreram um rápido recidas no âmbito do GREM Grupo de
processo de transformações urbanas que Pesquisa em Antropologia e Sociologia
os consolidaram como espaços concor- das Emoções, - mas também uma espe-
ridos de lazer e de comércio, - se enten- cial homenagem à cidade de João Pes-
dem os medos associados à violência soa, percebida da perspectiva das emo-
urbana, ao estranhamento do outro que ções e sentidos morais que a sua histó-
passeia nas imediações dos bunkers ria, suas memórias e lugares permitem
residenciais urbanos, temido como a- acessar e interpretar. A cidade de João
meaça de ataque à pessoa ou à proprie- Pessoa como um todo, e também seus
dade, e, por fim, os medos corriqueiros bairros, seus lugares de memória, seus
associados à perda de padrões mais pre- parques, praças, avenidas, seus projetos
visíveis de ocupação territorial por par- inconclusos, esquecidos e mesmo traí-
te. A deslealdade, o castigo de deus, a dos, são aqui alçados à categoria de
velhice, a solidão, o fracasso, o desco- personagens que, ao lado dos moradores
nhecido, a instabilidade do futuro e a locais que os inventam e reinventam,
violência urbana também aprecem como narram complexos de sentidos sociais
formas sob as quais os medos corriquei- únicos, construídos na relação criativa e
ros são apreendidos na cidade de João tensional entre selves, culturas emotivas
Pessoa. e sociabilidades urbanas emergentes.

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