Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
The urban as a place of memories, belonging and fear: ethnographies of the emotional culture of the city of João Pessoa
RBSE Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 16, n. 48, Dezembro de 2017 ISSN 1676-8965
171
forma, a relação do homem com o ção do século XIX para o século XX,
seu lugar de origem, como uma até o despontar do século XXI.
relação de desconhecimento, co- O autor narra, assim, as várias
mo algo que se perdeu e não se ofensivas civilizadoras (Regt, 2017)
sabe onde, como sentimento me- empreendidas pela elite local pessoense,
lancólico, e de não mais reconhe-
em cooperação com as diretrizes políti-
cimento. O homem público invo-
luiria para a crescente esfera do cas nacionais, no sentido de administra-
privado. Processo que se realiza- ção e controle social da pobreza urbana,
ria através da apropriação do mim nas primeiras décadas do século XX,
como oposição ao nós e não como mediante a fundação de orfanatos, de
o seu complemento. O socius se- casas de abrigo para a mendicância, de
ria, então, tendido para a esfera centros de detenção para a delinquência
crescente da mercantilização e bu- e de treinamento e de disciplinamento
rocratização, que abrangeria mais da mão-de-obra, principalmente a de-
e mais o conjunto da vida moder- sempregada que tomava as ruas da ci-
na: excluindo de fundação a sub- dade. Ofensiva civilizadora também
jetividade, que passaria a ser vista
orquestrada como abertura de vias de
como a-social. [...]. A sociabilida-
de moderna desta maneira geraria acesso e de avenidas para o saneamento
a solidão dos indivíduos, com a e embelezamento do Centro da cidade,
falência da pessoa, enquanto tra- como quando da construção do Ponto
dição [...]. Em seu lugar assegura- Cem Réis, do Parque Arruda Câmara e
ria a emergência e a consolidação do ainda famoso Parque Solon de Luce-
do individualismo, entendido co- na, cartão-postal símbolo da cidade e
mo um conjunto de regras mer- cuja inauguração significou um já pre-
cantis e burocráticas do e no trato tensioso e significativo processo de ex-
com o público. A sociabilidade pansão e modernização da malha urbana
moderna seria entendia, desde en- de João Pessoa, nos anos de 1930, no
tão, como e através da objetifica-
sentido de extrapolação do seu sítio
ção das relações sociais.
histórico de fundação enquanto vila
Esta reflexão sobre o sentimento administrativa centenária de cunho reli-
de pertença, enquanto signo revelador gioso e militar. Processo este que viria
das formas e conteúdos do jogo social e consolidar-se com a edificação de con-
da relação entre self e cultura emotiva, juntos habitacionais de grande porte nos
conduz e organiza o olhar de Koury bairros do Centro, Torre, Tambiá, Ex-
sobre as sociabilidades urbanas da cida- pedicionário e Jaguaribe.
de de João Pessoa. Em um conjunto de Koury narra, ainda, a ofensiva
oito relatos etnográficos, compreendi- civilizadora localmente conhecida como
dos como descrição densa (Geertz, conquista do litoral, nos anos de 1950 e
1978), como objetificação participante 1960, em que foram calçados os gran-
(Bourdieu, 2003) e como exotização do des corredores viários Centro – Praia da
familiar (Velho, 1981), o autor narra a cidade: a Avenida Presidente Epitácio
história de processos de urbanização e Pessoa e a Avenida Ministro José Amé-
de expansão demográfica, de proletari- rico de Almeida, popularmente conhe-
zação, de destradicionalização e de peri- cida como Avenida Beira Rio. Este es-
ferização da cidade de João Pessoa, - e, forço de urbanização de grandes áreas
consequentemente, de seu habitus ou culminou com a construção de novos
cultura emotiva, tidos outrora como bairros, situados à orla, para as classes
provincianos, pessoalizados e pacatos mais abastadas, a partir dos anos de
pelos seus moradores, - desde a transi- 1970: os bairros de Tambaú, Cabo
Branco e Manaíra e, posteriormente,
RBSE Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 16, n. 48, Dezembro de 2017 ISSN 1676-8965
172
RBSE Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 16, n. 48, Dezembro de 2017 ISSN 1676-8965
173
cidade com base nos sentimentos de como oficialmente Varjão e como ofi-
medos expressos pelos seus moradores. ciosamente Rangel. A dimensão identi-
No primeiro caso, o autor apre- tária oficial, com efeito, vem justamente
senta ao leitor uma descrição densa da a ser o signo de vergonha, enquanto que
cultura emotiva do bairro popular do a dimensão identitária oficiosa remete a
Varadouro, enfatizando os medos corri- signos de orgulho e a projetos coletivos
queiros que assaltam os moradores do dos moradores do bairro em busca de
mesmo, - tais como o medo do desem- reconhecimento e integração moral na
prego, da velhice, da solidão, o medo de cidade de João Pessoa.
serem expulsos da área pelo Poder Pú- Esta configuração moral e emo-
blico que se interessa pelo potencial cional do bairro deveras ambivalente e
histórico, mas decadente, do bairro, e o ambígua é acionada por cada morador
medo dos estranhos de fora que inva- em situação de vergonha, humilhação e
dem o bairro e acabam por reforçar a mesmo embaraço, que se vê impelido a
imagem estigmatizada de lugar proble- justificar-se como pessoa de bem, do
ma, perigoso e violento, que se constru- Rangel, e a acusar o outro próximo co-
iu sobre na cidade sobre o Varadouro. mo morador problemático e, portanto,
Enfatiza, ainda, como o sentimento de pertencente ao lugar Varjão. Varjão e
nostalgia por um passado de pessoali- Rangel, portanto, aparecem como dis-
dade, de tradição, de solidariedade, de cursos e posturas morais do mesmo mo-
festividades e de reconhecimento, ficou rador em relação à sociabilidade urbana
na memória dos moradores que insistem hierarquizante e excludente da cidade de
em permanecer no bairro. João Pessoa, reproduzida na dimensão
No mesmo diapasão, Koury pro- local do bairro, da vizinhança e da rua.
blematiza a relação bairro – cidade a Em relação aos sentimentos de
partir de uma objetificação participante medo expressos pelos moradores da
que reflete as sociabilidades cotidianas cidade de João Pessoa, Koury aborda as
e os processos de justificação de si e de emoções vinculadas aos medos corri-
acusação do outro como suporte de es- queiros, reais e imaginários, que ali-
tratégias de solidariedade e de conflito mentam os dissensos, as rupturas e as
no bairro do Varjão/Rangel. Este bairro estratégias de evitação no cotidiano de
popular, formado no processo de con- projetos, trajetos, escolhas e trajetórias
formação dos bairros para as classes morais e emocionais dos selves em jogo
menos abastadas, na década de 1970, a comunicacional. A partir da apreensão
partir da acomodação das comunidades destes medos, torna-se possível a per-
situadas na grande várzea do Rio Jagua- cepção de fenômenos sociais como or-
ribe, - por isto a sua nominação oficial dem, normalidade, estranhamento, per-
Varjão (de grande Várzea), é ainda hoje tencimento, e das fronteiras visíveis e
caracterizado pela intensa pessoalidade invisíveis do espaço societal e intera-
e pela acentuada copresença de seus cional. O autor, nesse sentido, aponta
moradores. para uma atualidade tensa, ambígua e
O bairro, tido pela cidade de Jo- recheada de medos corriqueiros em um
ão Pessoa como perigoso, violento, sujo contexto urbano caracterizado pelo
e moralmente degradado, apresenta uma crescimento acelerado e não planejado,
estratégia peculiar de processar as estra- e que passa a abarcar clivagens, seg-
tégias de envergonhamento que lhe são mentações e diferenciações sociais cada
direcionadas: o uso de desculpas de si e vez mais profundas, assim como dispu-
de acusações do outro a partir de um tas morais e cenas mais intensas de vio-
jogo de identificações e evitações em lência banal e cruel.
relação à sua identidade dupla e dúbia
RBSE Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 16, n. 48, Dezembro de 2017 ISSN 1676-8965
174
RBSE Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 16, n. 48, Dezembro de 2017 ISSN 1676-8965
175
RBSE Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 16, n. 48, Dezembro de 2017 ISSN 1676-8965
176
RBSE Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 16, n. 48, Dezembro de 2017 ISSN 1676-8965