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Resumo: Este artigo propõe uma reflexão quanto aos limites dos atuais instrumentos de
salvaguarda e preservação do patrimônio imaterial. Orientados pelas reflexões da
antropologia, levantamos questões relativas aos direitos autorais coletivos e ao retorno
dos benefícios obtidos pelo registro do patrimônio imaterial. A devolução dos resultados
também implica uma questão discursiva. Portanto, vamos comparar duas experiências
institucionais: a primeira, proposta pelo Museu do Índio, sobre o registro da pintura
corporal dos índios W ajäpi do Amapá. A segunda, sobre o projeto Celebrações e Saberes
da Cultura Popular, do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. Seguem-se daí as
indagações sobre as maneiras de se aperfeiçoar os mecanismos de registro e demais políticas
públicas de salvaguarda.
Palavras-chave: patrimônio imaterial, inventário e registro, antropologia.
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Quanto ao dossiê de candidatura, e fazendo parceiras, tanto no que se refere à gestão, quanto
uma análise de seu conteúdo, toda a primeira às ações.
parte pretende ser descritiva da expressão A outra experiência de inventário segue a
cultural. A descrição etnográfica do bem focou metodologia elaborada pelo Iphan. Em 2000, o
no significado simbólico, na descrição técnica Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular
do repertório codificado e nos padrões da arte (CNFCP) elaborou o Projeto Celebrações e
Kusiwa. Seguem-se daí os argumentos para a Saberes da Cultura Popular, com o objetivo de
candidatura, que se pauta no discurso da testar a aplicabilidade do INRC. Dividido em
diversidade e do respeito às diferenças e no da três etapas, o projeto já inventariou alguns tipos
inexorável perda, caso os poderes públicos e a de bens: as violas de cocho de Mato Grosso e
sociedade civil (organizada em associações) não Mato Grosso do Sul; o jongo da Região Sudeste;
se responsabilizem por constituir políticas de a cerâmica tradicional de Candeal, em Minas
salvaguarda, de valorização e de preservação Gerais, e de Rio Real, na Bahia; o complexo do
das culturas humanas (Gallois, 2002). boi em São Luís; o acarajé em Salvador e as
Porém, é a partir da segunda parte que as farinhas no Pará.8
configurações em rede são acionadas. Observa- Em cinqüenta anos de atuação e formu-
se que são propostos mecanismos institucionais lação de políticas públicas no campo das culturas
para a gestão e implementação de uma política populares, o CNFCP constitui-se como herdeiro
de proteção ao patrimônio oral e imaterial dos direto do Instituto Nacional de Folclore. Esse
Wajäpi, assim como os principais elementos de campo foi estruturado na década de 40 do século
um plano de ação a ser desenvolvido por essa XX, com a institucionalização da Campanha de
comunidade, através de associação indígena por Defesa do Folclore Brasileiro. Em 1947, vivia-
ela criada – o Conselho das Aldeias Wajäpi/ se um espírito de pós-guerra, e as organizações
Apina, em colaboração com as instituições internacionais de cultura respondiam às deman-
parceiras: o Museu do Índio/Funai, o Núcleo de das de salvaguarda das culturas, com toda a sua
História Indígena e do Indigenismo/NHII-USP riqueza e diversidade, informando que este era
e o Núcleo de Educação Indígena do Estado do o nosso “bem” maior da humanidade. O Brasil
Amapá/NEI (Gallois, 2002). respondeu a essa demanda com a criação da
Identificados os interlocutores, parte-se Comissão Nacional de Folclore, vinculada ao
para as principais linhas de ação propostas no Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e
dossiê: primeiramente, busca-se implementar Cultura (IBECC).9
uma campanha de difusão e revitalização Essa rede espraiou-se em Comissões
dirigidas aos múltiplos agentes que atuam junto Regionais, cuja capilaridade e atuação política
à comunidade. Um segundo componente é a local ficou enfraquecida e marginalizada nos
formação de educadores e pesquisadores indí- anos 1970 e 1980, quando foram criados o
genas para que possam realizar levantamentos Centro Nacional de Referência Cultural e o
sistemáticos – a elaboração de um inventário Instituto Nacional de Folclore. Essa mudança
participativo – e garantir que o sistema referen- assinalou uma ruptura entre o conhecimento
cial esteja em acordo com as demandas do
grupo. Por fim, propõe-se a implantação de um 8. O Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular elabo-
centro de referência da cultura dos Wajäpi rou um documento, relatando a experiência com o inventá-
rio. Ver LONDRES, Cecília et. al. Celebrações e saberes da
do Amapá, que serviria de guardião dos produtos cultura popular: pesquisa, inventário, crítica, perspectiva.
do inventário e do registro participativo. Todas In: Série Encontros e Estudos n. 5. Rio de Janeiro: Funarte,
Iphan, CNFCP, 2004, 96 p.
essas medidas, no entanto, pressupõem um
9. O Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura está
acompanhamento sistemático das instituições ligado ao Itamaraty. A comissão congregava uma camada
de intelectuais, que se dizia comprometida com os segmen-
do grupo de trabalho de regulamentação do Decreto 3.551. tos sociais identificados como das classes populares. A atu-
Não havia muita discussão sobre índios, inclusive, a questão ação política restringia-se a registrar e, portanto, não dei-
no decreto de línguas indígenas não está presente, o que é xar “morrer” essa cultura “autêntica”. O Instituto Nacio-
um absurdo. Uma política de patrimônio imaterial que não nal de Folclore (INF), na década de 1980, rompe com as
contempla a diversidade lingüística no Brasil [...]”. proposições folcloristas.
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cultural’. Apesar de atentos ao perigo das tipifi- of the W ajäpi Indians of Amapá (Brazil). The second,
cações e atomizações, a questão que se impõe about the Project Celebrations and Knowledge of Popular
Cultural of National Center of Folklore and Popular
é de quem atribui valor a quê. A ampliação das Culture. From these points emerge the questions about
fronteiras do patrimônio pressupõe traçar the manner of improving the registration mechanisms and
trajetórias, reconfigurar o campo, estabelecer other public policies of safeguard.
determinada noção de situação. Deve-se Key-words: immaterial heritage, inventory and register,
compreendê-la na relação. Para além das anthropology.
configurações políticas, pressupõe sentidos os
mais variados, que devem ser aclarados e postos
em diálogo. Referências
ABREU, R.; CHAGAS. M. Memória e patrimônio –
Se não houver motivação, se as pessoas não ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: Editora
absorverem, não entenderem e transmitirem DP&A, Faperj, 2003.
aquilo, viverem aquilo dia-a-dia como um
BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Editora
patrimônio, aí que a noção de referência é
Brasiliense, 1990.
importantíssima só é possível se manter um
patrimônio imaterial enquanto ele for referência CARVALHO, Luciana, Reflexões sobre a experiência
vivida, cotidianamente. Esse é nosso enten- de aplicação dos instrumentos do Inventário
dimento, e por isso que a gente pensa enquanto Nacional de Referências Culturais. In: FONSECA,
política de Estado não basta o registro, pois M. C. L. et al. Celebrações e saberes da cultura
registro você reificou e está lá. Um dia aquilo popular: pesquisa, inventário, critica, perspectiva.
foi reconhecido como patrimônio. O que é inte- Rio de Janeiro: Funarte, Iphan, CNFCP, 2004.
resse de política publica, no nosso entender, é CLIFFORD, James; MARCUS, George (Orgs.).
a ação afirmativa ali na comunidade.10 Writing culture. The poetics and politics of
ethnography.Berkeley: University of California
Implicada no registro do Patrimônio Ima- Press, 1986.
terial está a garantia dos direitos de autor, que, CLIFFORD, James. A experiência etnográfica.
no caso dos Wajäpi, foi reconhecido como Antropologia e literatura no século XX. Rio de
expressão de um grupo, e caso for utilizado, Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
terão de ser revertidos os benefícios daquele CSORDAS, T. J. Body meaning healing. New York:
uso à comunidade. Também devem-se criar Palgrave Macmillan, 2002.
condições para que sua transmissão seja facili- FARIA, Luís de Castro. Antropologia. Espetáculo e
tada por políticas afirmativas. Nesse contexto, excelência. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/ Tempo
e como bem sinaliza Carvalho (2004, p. 85-94), Brasileiro, 1993.
é necessário restituir a dignidade e o respeito _____. Nacionalismo, nacionalismos – dualidade e
de transmitir o seu legado às gerações futuras. polimorfia. In: CHUVA, Márcia (Org.). A invenção
do patrimônio. Rio de Janeiro: Iphan, 1985.
FONSECA, M. C. L. O patrimônio em processo:
trajetória da política federal de preservação no Brasil.
Abstract: This communication intends to be reflexive Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Iphan, 1997.
about the boundaries of the recent instruments for the FONSECA, M. C. L. et. al. Celebrações e saberes da
protection and the preservation of the immaterial heritage. cultura popular: pesquisa, inventário, crítica,
From the presentation of the problem – about the perspectiva. Rio de Janeiro: Funarte, Iphan, CNFCP,
anthropological’ method – we are going to compare two 2004. [Série Encontros e Estudos, n. 5].
institutional experiences. The first one, proposed by the
Indian Museum, about the registration of body painting GALLOIS, Dominique Tilkin. Boletim do Museu do
Índio. Documentação n. 9. Rio de Janeiro: Museu
do Índio, outubro de 2002.
10. Palestra ministrada pela antropóloga Letícia Viana, co-
ordenadora do Programa Celebrações e Saberes da Cultura GEERTZ, Clifford. Obras e vidas. O antropólogo
Popular, do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular/ como autor. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
Iphan, na Universidade Federal Fluminense, na Faculdade
de Educação, dentro das atividades programadas pelo Labo-
_____. O saber local: novos ensaios em antropo-
ratório de Educação Patrimonial (Laboep), em 30 de abril logia interpretativa. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes,
de 2004. 1997.
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GOMES, Ângela de Castro e Neder, Gizlene. LONDRES, Cecília. Os inventários nas políticas de
Antropologia no Brasil: trajetória intelectual do prof. patrimônio imaterial. In: LONDRES, Cecília et al.
Luís de Castro Faria (entrevista com o professor Luís Celebrações e saberes da cultura popular:
de Castro Faria). Tempo, Rio de Janeiro, UFF, v. 2, n. pesquisa, inventário, crítica, perspectiva. Rio de
4, dez. de 1997. Janeiro: Funarte; Iphan; CNFCP, 2004, p. 12.
GONÇALVES, J. R. S. A retórica da perda. Os MALHANO, M. E. S. M. Da materialização à
discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de legitimação do passado: a monumentalidade como
Janeiro: Editora UFRJ; Iphan, 1996. metáfora do Estado – 1920-1945. Rio de Janeiro:
INGOLD, T. The perception of the environment: Editora Lucerna; Faperj, 2002.
essays in livelihood, dwelling and skill. London: VIANNA, Letícia. Patrimônio imaterial: legislação e
Routledge, 2000. inventários culturais. In: FONSECA, M. C. L. et al.
LATOUR, Bruno. Ciência em ação. Como seguir Celebrações e saberes da cultura popular:
cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: pesquisa, inventário, crítica, perspectiva. Rio de
Editora Unesp, 2000. Janeiro: Funarte; Iphan; CNFCP, 2004.
LOPES, Ana; SANTOS, Aline (Org.). Cidadania
cultural: legislação. São Luís: Estação Produções, RECEBIDO EM AGOSTO DE 2004
2003, p. 13-14. APROVADO EM NOVEMBRO DE 2004
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