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Universidade Federal de Minas Gerais

Escola de Educação Física Fisioterapia e Terapia Ocupacional


Programa de Pós-Graduação interdisciplinar Em Lazer
Linha de Pesquisa: Lazer e Sociedade

As possibilidades terapêuticas a partir da triangulação religião, lazer e uso de ayahuasca


na igreja Flor de Jagube

Belo Horizonte
Março de 2017
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SUMÁRIO
1. Introdução 03
2. Justificativa 06
3. Objetivos 07
3.1. Objetivo geral
3.2. Objetivos específicos
4. Fundamentação teórica 08
5. Metodologia 11
6. Cronograma 13
7. Referências 14

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1. Introdução

07. A CASA É ESTA 08. CHEGUEI NO SALÃO

A casa é esta Cheguei no salão


A casa é esta Do nosso Pai Criador
Esta é a casa Tava uma grande festa
Da nossa festa Dando viva e louvor

Quem quiser ver Casou Francisco


Venha pra cá Casou João, casou Maria
Mas venha pronto Todos dentro do reinado
Para dançar Da sempre Virgem Maria

Aqui se canta Com tudo isso


E aqui dança A festa continuou
Mas é preciso Todos dentro do salão
Se trabalhar Do nosso Pai Criador

Dançava pai,
Dançava mãe, dançava filha
Todos dentro do salão
Da sempre virgem Maria

Com tudo isso


A festa continuou
Todos dentro do salão
Do nosso Pai Criador

Hinário Diversões do Mestre


Raimundo Irineu Serra

O presente projeto de pesquisa tem por objetivo analisar, por meio de estudo
etnográfico, as possibilidades terapêuticas na triangulação religião, lazer e uso de
ayahuasca entre os frequentadores da Igreja do Santo Daime Flor de Jagube localizada
no distrito de São Sebastião das Águas Claras, Macacos, em Nova Lima, MG.
Fundada em 15 de janeiro de 1994, esta Igreja já recebeu mais de dez mil
visitantes, localizada na Estrada do Mendes S/N, tornou-se referência nacional dentro da
religião, que hoje empresta o nome ao bairro em seu entorno - Santo Daime; segue a
linha do ICEFLU (Igreja do Culto Eclético Fluente Luz Universal), uma das duas
ramificações que se formaram logo após a morte do Mestre Irineu, fundador da religião.
Ayahuasca, palavra quéchua que pode ser entendida como “cipó das almas” ou
“cipó dos mortos” se refere a um cipó, e por consequência a uma bebida preparada com
essa planta. O modo de preparo mais comum é resultante do cozimento do cipó da família
banisteriopsis1 e de folhas da árvore conhecida como Rainha ou Chacrona (psychotria
viridis). A bebida, que no Brasil e em outros países da América do Sul também é
conhecida como Daime, Vegetal, Yajé, Chá, Caapi, Natema, Iyona, Nepe, Nishi, Jauma, é
usada desde tempos imemoriais por comunidades indígenas da Amazônia Ocidental em
ritos religiosos e em algumas outras ocasiões. No Brasil, além do uso em cerimônias
indígenas, a ayahuasca passou a ser utilizada no começo do séc. XX em cultos cristãos,
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O mais utilizado éé o Jagubé ou Mariri (banisteriopsis caapi).

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dando origem às religiões ayahuasqueiras do Santo Daime, Barquinha e União do
Vegetal. Essas religiões se expandiram para o sudeste do país na década de 80
promovendo um crescimento do número de adeptos e contato com diversas microculturas
e práticas religiosas, de modo que hoje observamos um fenômeno cultural efervescente
denominado de movimento Neoayahuasqueiro.
O Santo Daime, uma das maiores religiões ayahusqueiras do Brasil surgidas no
início do séc. XX na região norte do Brasil, foi fundada por Raimundo Irineu Serra, que
ficou conhecido como Mestre Irineu. Maranhense de São Vicente de Férrer, descendente
de escravos que viviam do cultivo da terra. Em 1912, Irineu, aos 19 anos, embarcou de
São Luís num navio que alistava gente para trabalhar na exploração do látex, e depois de
uma longa viagem chegou em Brasiléia, então Território Federal do Acre. Muito católico,
Irineu Serra participou de alguns rituais e conheceu a ayahuasca, entre 1913 e 1915, pelo
contato com a população nativa, que herdara dos indígenas do lugar o hábito de “beber
cipó”. Conforme seu relatos, “numa noite de lua cheia, numa linda miração 2, a Virgem da
Conceição, rainha da floresta, apareceu dentro da lua, sentada em um trono, tendo uma
águia sobre a cabeça, e lhe entregou como missão a formação de uma doutrina”. No dia 6
de maio de 1930 foi aberto o primeiro trabalho da doutrina do Santo Daime, do qual
participaram o Mestre Irineu e mais duas pessoas.
Segundo Labate (2004, p.68), a religião do Santo Daime surgiu das influências do
catolicismo popular, da pajelança cabocla, de tradições esotéricas como o Circulo
Esotérico da Comunhão do Pensamento e a Rosacruz, do espiritismo kardecista e de
tradições afro-brasileiras. Mestre Irineu, quando ainda morava em sua cidade natal, era
tocador de tambor de crioula, uma variante maranhense do candomblé. Em 1982 uma
comissão foi enviada pelo Ministério da Justiça para inspecionar a comunidade e o uso do
Daime. Um dos membros era o psicólogo Paulo Roberto Silva e Sousa, que em 1983 abre
a primeira igreja do Santo Daime fora da Amazônia, no bairro de São Conrado, no Rio de
Janeiro. Com a expansão do ICEFLU para o sudeste, houve também uma apropriação
forte da Umbanda, e também de elementos rastafári, budistas, Hare-Krishina, entre
outros. Esse ecletismo é percebido por cada adepto diferentemente, dependendo da
igreja frequentada; isso se deve por opção do líder de cada igreja, que imprime as
influências religiosas recebidas por ele em sua liderança.
O uso terapêutico da Ayahuasca ainda está num limbo: não há uma
regulamentação, porém também não há uma proibição ou disposição das instituições
governamentais de interferir em tais práticas. No entanto, a resolução Nº 1 de 25 de
janeiro 2010 do órgão do Ministério da Justiça – CONAD (Conselho Nacional de Políticas
sobre Drogas) referenda resoluções anteriores e determina que a Ayahuasca tem uso
religioso garantido e assegurado pelo Estado e governo da República Federativa do
Brasil. Esse aspecto fez com a religião fosse uma aposta terapêutica com a ayahuasca
nas instituições que pretendiam desenvolver um trabalho nesse sentido. Levou, por
exemplo, Luiz Marques, presidente da ACUDA, Associação Cultural e de
Desenvolvimento do Condenado, a optar por trabalhar com instituições religiosas
ayahuasqueiras que pudessem ser parceiras da ONG na distribuição de Ayahuasca para
os presidiários atendidos pela Instituição em Porto Velho-RO.
Em 2005 comecei a frequentar a Igreja Flor de Jagube, onde se faz uso de
ayahuasca. Como estudante de psicologia me interessei pelo potencial terapêutico, não
só da bebida, mas também do espaço de convivência; dos rituais ou trabalhos, como são
chamados; dos bailados, que são as festas do Santo Daime e que chegam a ter 12 horas
de duração; e dos trabalhos de feitio do chá, que ocorrem em forma de mutirão. Todos
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Ségundo Mércanté(2004) Os procéssos visionaé rios éspontaâ néos (ainda qué ésté fénoâ méno naã o éstéja réstrito aà s visoã és) qué
ocorrém duranté o transé produzido pélo uso ritualizado da Ayahuasca.
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esses eventos são sempre acompanhados do próprio chá e de muita música - uma
musicalidade que me chamou a atenção desde os primeiros contatos com a comunidade.
Um aspecto que rapidamente foi tomado por mim como natural era que ali era um espaço,
além de religioso, também de lazer, ponto de encontro de alguns jovens de classe média
baixa da região metropolitana de Belo Horizonte, que afirmavam sentir prazer em fazer
parte daquela comunidade e participar dos seus festejos, desde o feitio do chá até seu
consumo nas festas. Ouvi muito relatos de sensação de mudanças subjetivas que os
frequentadores descreviam, com destaque para o que era entendido como um tratamento
da adicção; inclusive de alguns frequentadores que diziam ter se aproximado da igreja
com a falsa ideia de ser ali um espaço de drogadição, onde teriam acesso a um
alucinógeno e a uma experiência de epifania dionisíaca. Algumas vezes, minha casa, à
época, chegava a reunir 25 amigos para irmos em caravanas para os trabalhos na igreja.
Em 2015 prestei atendimento psicológico, como estagiário, no presídio da APAC
em Santa Luzia, MG e em 2016 realizei uma oficina de fotografia com os recuperandos.
Nas minhas audições ali pude perceber que a religião também é tida como espaço
terapêutico e de lazer, de forma que me despertou um desejo de estudo a respeito dessa
triangulação, devido à minha prévia experiência com a bebida e à semelhança dessa
significação para a religião nesses 2 grupos.
Entender como os frequentadores percebem e se apropriam dos espaços e rituais
da Flor de Jagube, a relação ayahuasca, religião e lazer nesse espaço é o foco de
pesquisa deste projeto. Em outros termos, busca-se aqui analisar as possibilidades
terapêuticas dessa triangulação: religião, lazer e uso de ayahuasca.

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2 . Justificativa

A escolha desse tema de pesquisa - as possibilidades terapêuticas a partir da


triangulação religião, lazer e uso de ayahuasca na igreja Flor de Jagube - decorre de
minha experiência como frequentador da igreja e como usuário de ayahuasca, em
paralelo a todo o meu curso de psicologia, ouvindo relatos dos frequentadores sobre a
sensação de mudança que aquela experiência havia proporcionado nos diversos campos
da sua vida.
O uso da ayahuasca hoje vem crescendo a passos largos, como uma busca
terapêutica em dois campos: lazer e religião; cresce o número de religiões, religiosidades,
igrejas, retiros xamânicos, etc, e começam a aparecer festas ao estilo Rave, que mesclam
uma proposta de espiritualidade e diversão.
O público frequentador da Flor de Jagube tem um perfil semelhante ao de outras
igrejas do Santo Daime; é muito diverso, mas nota-se predominância de jovens e adultos
de classe média baixa, universitários, população do entorno das igrejas, alguns
estrangeiros - fenômeno muito comum mesmo em locais ermos. Grande parte vai ali pela
primeira vez com a expectativa de uma experiência transformadora, reveladora e extática.
No âmbito subjetivo, onde se localizam as vivencias internas do daimista, uma analogia
às cerimônias extáticas pode ser feita; porém em um âmbito objetivo, onde se encontram
as formas, formalidades e cerimoniais do ritual, Edward MacRae faz a seguinte
descrição:

A participação regular nos rituais do Santo Daime frequentemente leva a notáveis


mudanças entre seus seguidores. Estes são muitas vezes recrutados entre os
indivíduos socialmente estigmatizados, por sua condição pauperizada, como na
Amazônia, ou por sua adesão a valores da contracultura, como o uso de drogas e
o livre exercício da sexualidade. Para todos, os rituais apresentam uma
valorização e incitação à autodisciplina, possibilitando direcionarem suas vidas e
tornarem-se mais eficazes nas atividades do dia-a-dia. Essa constatação encontra
consonância nas ideias de Turner, para quem os rituais periodicamente convertem
o obrigatório em desejável, colocando as normas éticas e jurídicas da sociedade
em contato com fortes estímulos emocionais. Suas considerações se adéquam
muito bem ao caso das cerimônias do Santo Daime. (1992, p.353).

Pensar sobre os usos da ayahuasca baseada nessa triangulação - religião, lazer e


uso de ayahuasca - é hoje um ponto de partida plausível para a estruturação de uma
terapêutica de base popular em um futuro bem próximo. Conforme Bramante (1992), o
lazer proporciona melhoria de qualidade de vida, está voltado para o desenvolvimento do
sujeito como pessoa e membro de uma coletividade que, por meio de relações lúdicas,
insiste na longa jornada rumo ao prazer. A melhoria na qualidade de vida resulta da
qualidade de interação entre pessoas e dessas com o meio, vivendo uma sociedade em
transformação.
Algumas questões que motivam essa pesquisa: inicialmente tentar entender um
pouco mais o que os frequentadores da igreja pensam da relação ayahuasca, lazer e
religião; A igreja é vista como um espaço também de lazer? São conflitantes esses
campos? Quais os motivo de busca àquela religião? (aqui cabe observar que a igreja tem
um arquivo de mais de 10 anos com uma pequena anamnese que é preenchida por todos
os visitantes que vão pela primeira vez). Quais mudanças os frequentadores são capazes
de apontar em suas próprias vidas e em seus relacionamentos?

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3 . Objetivos

3.1 . Objetivo geral

Verificar como se dá a triangulação lazer, religião e uso de ayahuasca entre os


frequentadores da Igreja do Santo Daime Flor de Jagube.

3.2 . Objetivos específicos


Derivados do objetivo geral, estes são os objetivos específicos deste trabalho:

 Compreender os sentidos e significados de lazer e religião para os frequentadores da


Igreja Flor de Jagube.

 Entender os sentidos e significados de lazer e religião dos frequentadores e sua relação


com o uso da ayahuasca

 Analisar as relação subjetivas e socioculturais dos frequentadores dos frequentadores


do SantoDaime com o lazer e a religião.

 Contribuir para o conceito de lazer e sua relação com a religião conforme os


depoimentos colhidos.

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4. Fundamentação Teórica

A relação lazer e religião não é nova. Segundo Agamben:


A maioria dos jogos que conhecemos deriva de antigas cerimônias sacras, de
rituais e de práticas divinatórias que outrora pertenciam à esfera religiosa em
sentido amplo. Brincar de roda era originalmente um rito matrimonial; jogar com
bola reproduzia a luta dos deuses pela posse do sol; os jogos de azar derivam de
práticas oraculares; o pião e o jogo de xadrez eram instrumentos de adivinhação.
A potência do ato sagrado reside na conjunção do mito que narra a história com o
rito que a reproduz e a põe em cena. O Jogo quebra essa unidade: como Ludus,
ou jogo de ação, faz desaparecer o mito e conserva o rito; como jocus, ou jogo de
palavras, ele cancela o rito e deixa sobreviver o mito. (2007,P.66)

Mircea Eliade nos fala que nas TIASES, celebradas em Athenas no séc. IV, os
acólitos faziam com que os iniciados, prosternados sob efeito de uma “beberagem
mística” água e vinho, levantassem e repetissem a fórmula “Eu fugi do mal e achei o
bem”. E toda a assembleia explodia...

Sob uma ou outra forma, encontra-se sempre, no centro do ritual dionisíaco, uma
experiência extática de uma alucinação mais ou menos violenta: a mania. Essa
“loucura” constituía de certo modo a prova da “divinização” (entheos) do adepto. A
experiência era certamente inesquecível, pois participava-se da espontaneidade
criadora e da liberdade inebriante, da força sobre-humana e da invulnerabilidade
inebriante, da força sobre-humana e da invulnerabilidade de Dionísio. A comunhão
com o deus fazia com que se manifestasse e explodisse, por certo tempo, a
condição humana, mas não negava absolutamente a transmuda-la. (Eliade, 1978,
p211)

Para Eliade (1978, P.209) o que distingue Dionísio e seu culto não são as
alterações de consciência em si, mas o fato de que elas eram valorizadas como
experiência religiosa, como uma forma de acesso ao sagrado. Em uma nota na mesma
página ele relaciona essa observação com a figura do xamã, uma figura muito presente
no mundo mítico da ayahuasca e em torno da origem do Santo Daime, pois Irineu
recebeu seus ensinamentos e instruções para criação da doutrina por meio de nativos e
mestres indígenas: “Convém lembrar que o que distingue um xamã de um psicopata é o
fato de que o xamã consegue curar-se e acaba dispondo de uma personalidade mais forte
e mais criadora do que o resto da comunidade.”
Quando fui buscar o conceito de lazer pra entender melhor sua relação com a
religião - o sempre me pareceu natural, me deparei com o fato de que eles não andam tão
pari-passu como esperava.
Bruno Nigri (2014) aponta que Dumazedier situa as atividades sócio-espirituais
como um conjunto de atividades sociais componentes de uma fração do tempo livre,
entretanto, ela não é classificada como um conjunto de práticas de lazer devido às suas
características.
Dumazedier entende o lazer fundamentado a partir de quatro caracteres: o caráter
liberatório, o caráter desinteressado, o caráter hedonístico e o caráter pessoal (p.
94 - 97). O seu posicionamento quanto às atividades sócio-espirituais, também
como as sócio-políticas, está diretamente relacionado ao caráter liberatório do
lazer. De acordo com esse caráter, o lazer deve resultar de uma livre escolha, o
que o exclui de atividades que merecem certa obrigatoriedade, e as atividades
religiosas, nesse sentido, são constituídas a partir do que ele chama de
“obrigações institucionais”. Assim sendo, atividades diretamente relacionadas à
prática religiosa ainda que produzam sentidos lúdicos, de diversão e
entretenimento, como quermesses de igreja, ou uma festa no terreiro, não

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poderiam ser compreendidas como lazer por serem constituídas a partir de uma
situação de engajamento com as obrigações institucionais dos contextos de
prática. Para tal qualidade de atividade ele atribui a noção de “semilazer”.
(2014,P.50-51)

Quando faz uma historicidade do conceito de lazer no Brasil, Christianne Gomes


(2004, P.120) nos fala que Joffre Dumazedier formulou proposições teóricas pautadas nos
resultados das pesquisas empíricas por ele desenvolvidas na França, nas décadas de
1950 e 1960, e que o pensamento desse autor é grande referência para as diversas
reelaborações do conceito de lazer nos trabalhos produzidos no Brasil até hoje. A própria
autora em sua tese de doutorado questiona os limites dessa construção do conceito:
É importante enfatizar que, na vida cotidiana, nem sempre existem fronteiras
absolutas entre o trabalho e o lazer, tampouco entre o lazer e as obrigações
profissionais, familiares, sociais, políticas, religiosas. Afinal, não vivemos em uma
sociedade composta por dimensões neutras, estanques e desconectadas umas
das outras, como o conceito de lazer proposto por Dumazedier nos faz pensar.
(Gomes, 2004, P. 121)
O lazer compreende, dessa maneira, a vivência de inúmeras práticas culturais,
como o jogo, a brincadeira, a festa, o passeio, a viagem, o esporte e também as
formas de arte (pintura, escultura, literatura, dança, teatro, música, cinema), dentre
várias outras possibilidades. Inclui, ainda, o ócio, uma vez que esta e outras
manifestações culturais podem constituir, em nosso meio social, notáveis
experiências de lazer (GOMES, 2003)

Há que se considerar, a partir das reflexões e da historicidade que Gomes faz do


conceito de lazer, que a França dos anos 1950 e 1960 (que foi o contexto espaço-
temporal em que Dumazedier produziu sua pesquisas, pedra fundamental dos estudos de
lazer no Brasil) é bem diversa, no aspecto religioso, do Brasil da época, e mais ainda do
atual. Dessa forma podemos pensar o quanto as religiões brasileiras, afro-brasileiras,
ameríndias, novas e antigas, entre elas o Santo Daime podem questionar esse conceito;
podemos pensar se um estudo da relação religião, lazer e ayahuasca entre os adeptos do
Santo Daime não seria uma proveitosa contribuição, não somente na construção deste
conceito, mas também para uma possibilidade terapêutica dessa triangulação.

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5. Metodologia

Pretendo desenvolver esta proposta, em três etapas.


A primeira etapa seria a realização de uma revisão bibliográfica em 3 (três) áreas
distintas: (1) o campo do lazer; (2) Religião e Santo Daime (3) possibilidades terapêuticas
com ayahuasca. Assim, além de aprofundar estudo sobre pesquisas que abordam esses
temas, poderei aprimorar os referenciais teóricos que balizarão meu futuro trabalho de
pesquisa de campo. Nesse processo, investigarei produções acadêmicas que tratam,
especificamente, das temáticas relacionadas ao objeto deste trabalho, considerando,
conforme destacam Alves-Mazzoti & Gewandsznadjder (2001), que:

[a] produção do conhecimento não é um empreendimento isolado. É uma


construção coletiva da comunidade científica, um processo continuado de busca,
no qual cada nova investigação se insere, complementando ou contestando
contribuições anteriormente dadas ao estudo do tema. A formulação de um
problema de pesquisa relevante exige, portanto, que o pesquisador se situe nesse
processo (ALVES-MAZZOTI & GEWANDSZNAJDER, 2001, p. 180).

Essa revisão bibliográfica não terá apenas caráter descritivo, mas, sobretudo,
caráter analítico. Daí a necessidade de me perguntar, ao longo do processo, sobre o que,
como, por quê e para quê foram produzidos os trabalhos revisados e referenciados.
A segunda parte deste projeto, a pesquisa de campo, será iniciada com uma
pesquisa documental já que a Flor de Jagube realiza uma pequena anamnese com todos
que chegam ali para tomar o daime pela primeira vez, o que constituiu um arquivo
estimado em 4000 fichas de entrevistas. Nessa sucinta anamnese é perguntado sobre
alguma medicação utilizada que possa interagir com o IMAO (inibidor de
Monoaminoxidase) contida na bebida e, caso afirmativo, desaconselhada a ingestão; e
sobre o motivo que teria levado aquela pessoa a buscar a igreja - dado que considero
importante para medirmos o interesse em lazer pelos que buscam a igreja.
Na terceira etapa, a fim de compreender tanto as experiências dos frequentadores
quanto os universos simbólicos que estruturam o trabalho na referida igreja, recorrerei ao
uso da Observação Participante, situação já dada devido à minha frequência desde 2005
naquela comunidade. Como consequência, como destacou Geertz (1977), ela permite
realizar, por meio de um trabalho etnográfico, descrição densa do contexto em que se
está pesquisando. Esse tipo de técnica de coleta de dados (pres)supõe disposição para
problematizar as categorias usadas não somente pelo grupo que está sendo investigado,
mas, também, do próprio lugar social ocupado pelo pesquisador. Esse procedimento
metodológico sugere que se busque sentido nas ações sociais aparentemente caóticas, o
que implica analisar os dados coletados de maneira relacional; isto é: situá-los uns em
relação aos outros e na estrutura à qual pertencem. Dessa maneira, procurarei
acompanhar os grupos, em tempos distintos, com o objetivo de reunir em um diário de
campo uma gama significativa de informações sobre os sujeitos e suas ações e fazer uso
da entrevista semiestruturada.
A entrevista semiestruturada será usada como técnica de coleta de dados, visando
tentar documentar o não-documentado, de uma maneira complementar à observação,
conforme destacou Haguette (1987). Cabe, aqui, definir o eixo das entrevistas: o que, com
quem, como, quando e onde serão realizadas. O que pretendo colher e analisar nelas,
são os significados sociais e as subjetividades produzidas pelo frequentadores, fardados,
que são os que ingressaram oficialmente na religião, ou não, da Igreja do Santo Daime
Flor de Jagube. A fim de que os interlocutores fiquem à vontade para responder às
questões, pretendo realizar as entrevistas em local negociado com a igreja e os
frequentadores. Para isso, usarei um gravador que poderá permitir que a conversa
transcorra da forma menos artificial possível. Elas serão realizadas no transcorrer da

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pesquisa e pretendo entrevistar entre 10% e 20% dos frequentadores habituais da igreja,
considerando que número médio de frequentadores nos trabalhos é em torno de 150
daimistas.
Um dos problemas suscitados pela investigação qualitativa é seu caráter reflexivo.
A presença do pesquisador no campo interfere na prática dos sujeitos, isso de certa forma
pode ser minimizado devido a minha inserção nesse campo ter se dado anteriormente a
meu propósito de que ele viesse a ser objeto de pesquisa . Outro ponto que não pode ser
desprezado é a percepção de que os dados empíricos, levantados pelo pesquisador
durante a pesquisa de campo, não podem ser considerados apenas como reflexos da
observação-sensorial, como se observa nas propostas de caráter positivista. Eles são,
sobretudo, resultados da implicação de certos conceitos e categorias acerca de
determinado tema de pesquisa. Em outras palavras: como a observação-sensorial é
permeada por categorias teóricas, as explicações acerca de um mesmo objeto podem ser
múltiplas e, em alguns casos, até divergentes. Daí a necessidade de se explicitar
conceitos e categorias de análises.
Em ambos os casos descritos anteriormente, o que está em questão não é apenas
o fato de não existir uma pesquisa totalmente neutra e objetiva, mas o caráter ético que
envolve todo trabalho que visa elevar o nível de compreensão sobre práticas humanas. O
respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe após
consentimento livre e esclarecido dos sujeitos ou grupos que, por si e/ou por seus
representantes legais, manifestem sua anuência quanto à participação na pesquisa;
assim, todos os sujeitos envolvidos serão previamente informados sobre os objetivos e os
procedimentos da pesquisa, antes da assinatura de um Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido - TCLE.
De acordo com a Resolução CNS nº 466/2012 (BRASIL, 2012), “toda pesquisa
com seres humanos envolve risco em gradações variadas”. O Santo Daime é uma religião
que sofre muito preconceito devido à consagração de uma substância alucinógena, de
forma que o entrevistado pode se sentir desconfortável para responder determinada
questão. O desconforto causado por algum tipo de pergunta feita pelo pesquisador pode
ser reduzido com a garantia de sigilo e também com a opção de o entrevistado de não
responder às indagações do entrevistador. Esse procedimento não é, porém, suficiente
para assegurar a supressão de todos os riscos que esse tipo de pesquisa envolve, porque
há o risco potencial de o entrevistado hostilizar o pesquisador, testando o seu limite de
paciência, e/ou de agredi-lo fisicamente. Acredito que não correrei esse risco, devido ao
diálogo que já estabeleci com o grupo e a boa convivência que tivemos desde a minha
entrada naquele ambiente. Ainda assim, serei prudente e adotarei estratégias para reduzir
esse risco potencial, procurando criar um ambiente amistoso de diálogo e de trocas, com
confiança recíproca, em que os sujeitos se sintam protagonistas de suas ações.
A despeito dos riscos que esse processo envolve, vislumbro, claramente, os
benefícios que essa investigação pode ensejar. Em primeiro lugar, uma contribuição na
construção do conceito de lazer em parceria com a religião, posto que, apesar do
crescimento das denominações e apropriações da religiosidade terem aumentado muito
no Brasil nas últimas décadas essa ligação ainda é pouco problematizada. Em segundo
lugar, pode aventar os benefícios que essa investigação pode trazer para uma possível
terapêutica baseada na triangulação lazer, religião e ayahuasca, pois essas são
dimensões humanas que permitem ajudar no desenvolvimento integral dos sujeitos. Em
terceiro lugar, as igrejas e comunidades ayahuasqueiras têm grande interesse em
pesquisas que possam vir a esclarecer os desdobramentos do consumo do chá.
Saliento que se trata de uma temática emergencial, devido a ampliação do uso da
ayahuasca, seja como veículo de espiritualidade, seja como lazer, seja como uma forma
alternativa não normatizada de terapia. Assim, este projeto apresentado pode preencher
uma lacuna no campo psicossocial, colocando em relevo os usos, os significados e os

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sentidos que os frequentadores dessa religião atribuem às suas experiências nesse
espaço, no campo do lazer.

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6. Cronograma

Atividades Mese Mese Mese Meses Meses Meses Meses Meses


s s s 10 a 12 13 a 15 16 a 18 19 a 21 22 a
1a3 4a6 7a9 24
Créditos
disciplinas

Pesquisa
bibliográfica

Pesquisa
documental

Observaçã
o
Entrevistas
Estudo
caso
Redação
Conclusão

Publicação
Resultados

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7. Referências:

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